8 Semana de História

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ANAIS ELETRÔNICOS DA VIII SEMANA

NACIONAL DE HISTÓRIA DO CFP/UFCG


Reflexões identitárias:
práticas e representações cotidianas

CADERNO DE TRABALHOS COMPLETOS

Cajazeiras, PB
Janeiro de 2017
2017 © Copyright Mundial
UACS – Unidade Acadêmica de Ciências Sociais. UFCG – Universidade Federal de Campina
Grande.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

Formatação e organização:
Yan Bezerra de Morais

Observação: a adequação técnico-linguística dos textos, assim como seus conteúdos, são de
responsabilidade dos autores.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS


É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação
dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido no Artigo 184 do Código Penal.

ISSN
2525-2836
COMISSÃO ORGANIZADORA

Comissão Central Alunos voluntários – monitores


Bruna Leite Bezerra Aline Moura de Souza
Jéssica Naiara Silva Amanda de Sousa Rodrigues
José Rodrigues Filho Analia Ingridy
Maiza Ribeiro de Sousa Anderson Gonzaga
Tatiana de Sousa Lins Bruno Teixeira Carlos
Bruno Wesley Soares da Costa Araújo
Comissão Científica Cicero Samuel Monteiro Fernandes
Prof. Dr. Francisco Firmino Sales Neto Cláudia Cardoso de Oliveira
Prof. Dr. Hélio Ázara de Oliveira Erivan Lopes
Prof. Ms. Isamarc Gonçalves Lôbo Fernanda Heloisa
Profa. Dra. Maria Lucinete Fortunato Francimario Sales Rufino
Profa. Dra. Mariana Moreira Neto Francisco Inácio de Sousa Neto
Prof. Dr. Osmar Luiz da Silva Filho Gabriela Parnaiba Quaresma
Profa. Dra. Rosemere Olímpio de Santana Geicy Kelle Lopes Ferreira
Profa. Dra. Rosilene Alves de Melo Greyce Kelly Vieira de Moraes
Profa. Dra. Silvana Vieira Hérika Jenifer Jorge Oliveira
Profa. Dra. Uelba Alexandre Isabelle Saraiva Tavares
Jacqueline de Souza Magalhães
Comissão Financeira Jaine Maria da Silva
Jéssica Naiara Silva (discente) Jakeline Alves Oliveira
Maria Marleide Morais Carlos (discente) Joalisson Rolim de Souza
Risoneide Silva de Araújo (discente) João Kaio Miguel Arruda
Tatiana de Sousa Lins (discente) Kaliane Martins
Katiana Alencar Bernardo
Comissão de Infraestrutura
Larissa Daniele Monteiro Lacerda
Bruno Teixeira Carlos (discente)
Lilian de Lima Beserra
Francimario Sales Rufino (discente)
Luiz Ricardo do Nascimento
Paulo Cezar Sarmento Júnior (discente)
Maria Joedna Rodrigues Marques
Comissão de Divulgação Maria Júlia Santos da Costa
Bruna Leite Bezerra (discente) Maria Marleide Morais Carlos
Bruno Wesley (discente) Marilda Sarmento Luis
Divino Guerra (discente) Mário Pedoni
Larissa Daniele Monteiro Lacerda Mirian Jossette de Sousa Oliveira
(discente) Paloma Pereira de Sousa
Paulo Cezar Sarmento Júnior
Comissão de Atividades Culturais Paulo Sérgio da Silva Santos
Ana Rita Uhle (docente) Rafael Dalyson dos Santos Souza
Francisco Inácio de Sousa Neto (discente) Ranielton Dantas de Araújo
José Rodrigues Filho (discente) Raquel da Silva Vieira
Mirian Jossette de Sousa Oliveira Risoneide Silva de Araújo
(discente) Roberto Ramon Queiroz de Assis
Rodrigo Alves da Silva (discente) Stênio de Sousa Zuza
Thereza Dávilla Limão de Bessa
Comissão de Monitores Vanessa Pereira de Moura
Hérika Jenifer Jorge Oliveira (discente)
Maiza Ribeiro de Sousa (discente)
Ranielton Dantas (discente)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
PROGRAMAÇÃO GERAL

SC01. HISTÓRIA E POLÍTICA


“HOMENS DE QUALIDADE E EXPERIENTES NAS ARMAS”: UM APANHADO
SOBRE A TRAJETÓRIA MILITAR DOS OFICIAS DAS ORDENANÇAS NO
SERTÃO DO PIANCÓ (C. 1725 – C. 1800) – Larissa Daniele Monteiro Lacerda......10

AURORA: TERRA DE MACÊDOS, VULGO MACEDOLÂNDIA – Bruna Leite


Bezerra & Paulo Sérgio dos Santos................................................................................20

DE POLÍTICO A HERÓI: ANTÔNIO MARIZ UMA MEMÓRIA VIVA (1937 -1995)


– Francisca Salete de Sousa............................................................................................32

O SENTIMENTO ANTICOMUNISTA NOS JORNAIS PARAIBANOS, CORREIO


DA PARAÍBA E DIÁRIO DA BORBOREMA (1960-1964) – Amelia Neta Diniz de
Oliveira............................................................................................................................48

SC02. CIDADES: HISTÓRIAS E EXPERIÊNCIAS URBANAS


REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS A PARTIR DOS LUGARES E MEIOS DE
PRODUÇÃO: UMA LEITURA DA IDENTIDADE FARINHEIRA NA
COMUNIDADE SÃO JOÃO BATISTA - LAGOA SECA – PARAÍBA (1995-2004) –
Alex Pereira da Silva.......................................................................................................62

NOS TEMPOS DO PEDRO AMÉRICO: BOEMIA, POLÍTICA E MEMÓRIA DE


JOÃO PESSOA NA DÉCADA DE 1960 – Daniel Santana Leite da Silva & Giuseppe
Emmanuel Lyra Filho......................................................................................................76

SC03. HISTÓRIA E CULTURA


UM ESTUDO SOBRE A CENA INDEPENDENTE DA MÚSICA BRASILEIRA:
CARACTERÍSTICAS E MUDANÇAS TANTO ECONÔMICAS QUANTO
CULTURAIS – João Kaio Miguel Arruda & Danilo de Sousa Cezario........................87

OS MUSEUS DE AREIA COMO LUGARES OPORTUNOS A VALORIZAÇÃO DA


IDENTIDADE CULTURAL E A REPRESENTATIVIDADE DO PATRIMÔNIO
HISTÓRICO – Andresson Araujo Gomes.......................................................................98

OS EXCLUÍDOS DE PLÍNIO MARCOS: ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIAL DA


OBRA NAVALHA NA CARNE – Mariana Veras Cavalcante da Costa & Noemia
Dayana de Oliveira.......................................................................................................109

ANOS 60: OS IMPACTOS NA VIDA COTIDIANA DOS POCINHESES COM A


CHEGADA DA SÉTIMA ARTE – Rafaela da Silva Castro Barros & Alex Pereira da
Silva...............................................................................................................................118
O SERTÃO E O SAGRADO: AS REPRESENTAÇÕES DE CRISTO NO CORDEL
“MEU JESUS É NORDESTINO” E NA CANÇÃO “JESUS SERTANEJO” – Emerson
José Ferreira de Sousa..................................................................................................129

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ESPACIAL: PRÁTICAS IMAGÉTICO-


DISCURSIVAS QUE DELIMITARAM O NORDESTE – Renan de Oliveira Silva..142

TESSITURAS DA MORTE E RITUAIS DE PASSAGEM EM SÃO JOÃO DO RIO


DO PEIXE NO FINAL DO SÉCULO XIX – Maiza Ribeiro de Sousa........................156

SC04. GÊNERO E SENSIBILIDADES


O OFÍCIO DO HISTORIADOR A PARTIR DA HISTÓRIA DAS SENSIBILIDADES:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS – Maria Joedna Rodrigues Marques....................171

A CONSTRUÇÃO DO COLETIVO “VALHA, O QUE É ISSO?”: REFLEXÕES


SOBRE AS PRÁTICAS FEMINISTAS NA CIDADE DE SOUSA-PB – Maria
Aparecida Elias Pereira & Maria Esteffane Pereira da Silva......................................181

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM SENHORA: A CONSTRUÇÃO DO


PERFIL DA PERSONAGEM AURÉLIA – Hérica Kaline Alves Garrido & Tânia de
Sousa Lins......................................................................................................................197

IMAGENS DE SI COMO POSSIBILIDADE PARA UMA ANÁLISE DO SENSÍVEL


NA REVISTA FLOR DE LIZ (CAJAZEIRAS-PB, 1920-1930) – Risoneide Silva de
Araújo............................................................................................................................207

MARIA E ANTONIO PRETO: ESCOLHAS E SENSIBILIDADES AMOROSAS,


CAJAZEIRAS-PB, 1932 – Katiana Alencar Bernardo................................................222

SC05. ENSINO, PRODUÇÃO DO SABER E EPISTEMOLOGIA


A HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFROBRASILEIRA NA PEDAGOGIA:
REFLEXÕES – João Marcos de Souza Rodrigues.......................................................237

HIPNOSE E PSICOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, CLÍNICOS E


EPISTEMOLÓGICOS – Geralda Erilene de Oliveira Saraiva....................................248

HISTÓRIA E MÚSICA AFRO-BRASILEIRA: REFLEXÕES SOBRE A MÚSICA


COMO INSTRUMENTO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA – Rafael Dalyson dos
Santos Souza..................................................................................................................258

A MONITORIA NO SEMESTRE 2015.2 ENTRE O PLANEJADO E O EXECUTADO


(REPLANEJADO) – Amanayara Raquel de Sousa Ferreira.......................................269

“CINE CLUBE HISTÓRIA”: A EXPERIÊNCIA DO TRABALHO SOBRE


CORRUPÇÃO POR MEIO DO FILME O CANDIDATO HONESTO – Jefferson
Fernandes de Aquino, Jéssica Naiara Silva & Rosemere Olímpio de Santana............280
HISTORIOGRAFIA AFRICANA: A ÁFRICA EM BUSCA DE SUA IDENTIDADE
– Suzyanne Valeska Maciel de Sousa............................................................................292

FORMAÇÃO DOCENTE INICIAL: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NO PIBID –


Daniela Cristina Pereira Ramos...................................................................................302

PRINCÍPIOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA


NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NA ESCOLA JOAQUIM
PEREIRA LIMA EM SÃO JOSÉ DE PIRANHAS–PB – Danilo de Sousa Cezario...315
APRESENTAÇÃO

Entre os dias 21 a 25 de novembro de 2016, no campus do Centro de Formação


de Professores (Cajazeiras – Paraíba), ocorrerá a VIII Semana Nacional de História da
Universidade Federal de Campina Grande (CFP/UFCG). Em sua oitava edição, a
Semana Nacional de História propiciará aos participantes a oportunidade de refletir
sobre o tema Reflexões identitárias: práticas e representações cotidianas. Este evento
tem como objetivo principal congregar pesquisadores, jovens e experientes, para
apresentarem e debaterem os resultados de seus estudos e pesquisas em torno dos
diferentes modos pelos quais o tempo passado pode ser problematizado enquanto
conhecimento, entre os quais a relação entre as práticas (sociais e culturais) e o campo
das representações, dimensões fundamentais para a compreensão do tempo presente.
Organizada por discentes do Curso de Graduação em História, a VIII Semana
Nacional de História CFP/UFCG dará continuidade a um evento científico que, desde
2009, consolida-se como espaço de trocas de experiências e de diálogos entre
estudantes, professores e pesquisadores acerca da produção do conhecimento histórico e
de áreas afins.
O debate em torno da identidade e das representações pressupõe problematizar
as circunstâncias através das quais os indivíduos e grupos se constituem, se definem.
Neste sentido, as construções identitárias possuem como pressupostos as definições de
fronteiras (espaciais, corpóreas, culturais e políticas), as convergências e divergências,
as relações com as diferenças e o diferente e, em especial, com a alteridade como
prática historiográfica.
No presente, vivemos um tempo de questionamento das identidades
supostamente fixas, à prova do tempo. As fraturas e as incertezas estão, a todo
momento, nos informando sobre a finitude dos fenômenos e dos processos, requerendo
a abertura para o diálogo com outras disciplinas e com os próprios campos de
conhecimento, a fim de repensar os conceitos, as práticas e os fundamentos
epistemológicos do fazer História. A pluralidade de experiências no espaço urbano que
implicam em tensões e dinâmicas próprias para os grupos e indivíduos, além das novas
possibilidades de constituição dos sujeitos através da perspectiva do gênero constituem
algumas das questões a serem discutidas neste evento.
Portanto, a intenção da Comissão Organizadora é promover as condições aos
participantes para debaterem e proporem novos rumos às temáticas em questão.
PROGRAMAÇÃO GERAL

Segunda-feira, 21 de novembro

08:00hs às 12:00hs – Credenciamento

14:30hs às 17:30hs – Credenciamento

19:00hs – Conferência de abertura


Conferencista: Dra. Ângela Maria de Castro Gomes (UNIRIO).

22:00hs – Atividade Cultural

Terça-feira, 22 de novembro

08:00hs às 12:00hs – Mesa Redonda: Identidade e memória em meio à transformação


urbana.
 Viviane Gomes de Ceballos (UFCG) - Coordenadora
 Regina Soares de Oliveira (UFSB)
 Veronica Sales Pereira (UNESP)

14:30hs às 17:30hs – Sessões Coordenadas

19:00hs às 22:00hs – Oficina

22:00hs – Atividade Cultural

Quarta-feira, 23 de novembro

08:00hs às 12:00hs – Mesa Redonda: Relações de gênero e Teoria Queer


 Rosemere Olímpio de Santana (UFCG) – Coordenadora
 Leilane Assunção da Silva (UFRN)
 Susel Oliveira da Rosa (UEPB)

14:30hs às 17:30hs – Sessões Coordenadas

19:00hs às 22:00hs – Oficina

22:00hs – Atividade Cultural


Quinta-feira, 24 de novembro

08:00hs às 12:00hs – Mesa Redonda: Experiências, identidade estudantil e formação no


Curso de História do CFP/UFCG
 Yan Bezerra de Morais (UFRPE)
 Jefferson Fernandes de Aquino
 Guerhansberger Augusto Sarmento
 Paulo Sérgio dos Santos Campelo

14:30hs às 17:30hs – Sessões Coordenadas

19:00hs às 22:00hs – Atividade Cultural

Sexta-feira, 25 de novembro

08:00hs às 12:00hs – Conferência de encerramento


Conferencista: Dr. Fábio Henrique Lopes (UFRRJ)

14:30hs às 17:30hs – Assembleia

19:30hs – Confraternização de encerramento: show no NEC.


Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

SESSÃO COORDENADA 01 - HISTÓRIA E POLÍTICA


COORDENADORES: ÂNGELA MARIA DE CASTRO GOMES & RODRIGO
CEBALLOS

“HOMENS DE QUALIDADE E EXPERIENTES NAS ARMAS”: UM


APANHADO SOBRE A TRAJETÓRIA MILITAR DOS OFICIAS DAS
ORDENANÇAS NO SERTÃO DO PIANCÓ (C. 1725 – C. 1800)

Larissa Daniele Monteiro Lacerda1


Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Ceballos

O sertão do Piancó

As entradas aos sertões das Capitanias do Norte compunham um movimento de


expansão e domínio territorial, que tiveram início a partir de meados do século XVII,
objetivando estabelecer conexão entre os sertões e seus respectivos litorais, na
expectativa de romper com o isolamento ao qual estavam sujeitos. As entradas e
conquistas correspondiam ao projeto político luso de conservar o Caminho do Brasil,
uma via de comunicação com o extremo Norte da colônia; um caminho que permitia a
ligação entre o Estado do Grão-Pará e Maranhão com o Estado do Brasil (MORAES,
2015).
A oferta de honras, títulos e mercês em troca de serviços impulsionaram os
grupos que se lançaram sertões adentro, formados por militares, sujeitos detentores de
um considerável cabedal e outros tantos pobres que buscavam certa ascensão social.

1
Bolsista do PIBIC/CNPq/UFCG no projeto: "Títulos, honras e mercês nos sertões: cargos militares e
redes sociais no Termo do Piancó (Capitania da Parahiba do Norte, séc. XVIII)", com orientação do Prof.
Dr. Rodrigo Ceballos. E-mail: [email protected]

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Após travarem longos conflitos com os gentios e se estabelecerem nos longínquos


sertões, com suas famílias e fazendas, os conquistadores almejavam acumular riquezas e
poder, tornando-se participantes da governança local.
Imersos em expectativas e experiências, membros da família Garcia d’Ávila,
poderosa família fidalga que se estabeleceu na Bahia, financiaram as primeiras
expedições militares que abriram caminho entre os sertões da Capitania da Parahiba do
Norte. O empreendimento de caráter privado dos d’Ávilas contou com o importante
apoio das alianças estabelecidas entre a família e os sertanistas Domingos Jorge Velho e
Domingos Afonso Sertão, que tomaram para si extensas áreas de sesmarias,
consolidando suas conquistas (CEBALLOS, 2011). Segundo Seixas (1962), foram os
d’Ávilas “quem primeiro abriu caminho nos descampados [...] sertões da Paraíba” (p.
156).
Os caminhos abertos pela família d’Ávila por si só não possibilitaram um efetivo
controle da região, e por esse fato se fez necessária a conquista e a povoação do espaço
mediante uma ordem lusitana. Conforme nos afirma Seixas (1962), quem levou a efeito
a conquista do interior paraibano foi a família Oliveira Ledo, que sob a ordem do
Governador da Parahiba organizou novas expedições. As bandeiras foram lideradas por
Antônio de Oliveira Ledo – um dos responsáveis pela penetração dos Cariris Velhos –,
por Constantino de Oliveira de Ledo – sobrinho de Antônio, que participou ao lado do
tio na conquista da área que compreende atualmente a cidade de Patos –, e por Teodósio
de Oliveira Ledo – irmão de Constantino e responsável pelo avanço ao sertão do Piancó.
O sertão do Piancó, conquistado sob a liderança de Teodósio, compreendia uma
área nevrálgica para o processo de conexão entre as Capitanias do Norte, por se tratar de
um ponto central que estava envolvido com os limites do Pernambuco, da Siará Grande
e do Rio Grande. Segundo Moraes (2015), tornou-se um ponto estratégico de difusão da
presença da Coroa Portuguesa. Neste ponto central foi fundado em 1698 o Arraial de
Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó, com ordem do governador da capitania,
executada por Teodósio de Oliveira Ledo (SEIXAS, 1962), tornando-se anos mais tarde
a Povoação do Piancó (Mapa 1).

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Mapa 1: Em destaque amarelo percebe-se o espaço entendido por sertão do Piancó, fazendo limites
com a Capitania do Rio Grande, do Ceará e do Pernambuco; ao centro (fig. 01) destaca-se a Povoação
do Piancó. Fonte: SOARES, Simone. 2012.

O arraial funcionou como ponto de avanço militar, garantindo a defesa contra os


“bravios gentios” que atacavam os rebanhos pertencentes aos moradores, além de
facilitar o processo de povoação e manutenção da ordem lusa. A governança do arraial
ficou por conta do Capitão-mor, cargo superior dos Corpos de Ordenanças – ao qual
Constantino e Teodósio de Oliveira Ledo foram nomeados –, responsável pelas
questões militares e, por vezes, administrativas; e ao lado desse representante militar
estava o Juiz Ordinário, cargo criado após a instalação do Termo do Piancó em 1711,
dedicando-se as questões jurídicas.

A atuação das Ordenanças

A política centralizadora implementada pelo rei de Portugal, D. José, teve por


objetivo a reorganização das Câmaras, órgão municipal de maior importância na
sociedade colonial. Para Caio Prado (1999), elas constituíam a verdadeira e quase única
administração da colônia, tornando-se responsáveis pelo gerenciamento de suas rendas.
Seu poder incontrastável chega a ser evidente quando por iniciativa própria suspendeu e
nomeou substitutos aos cargos de governador e capitães (PRADO, 1999). Por esse fato,
“no fim do século XVII já é possível constatar que a Coroa portuguesa pretendia
diminuir o [seu] significado e a [sua] independência” (MELLO, 2009. p. 57).

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

As Câmaras, consideradas centro do poder local e comandadas por suas elites –


grupos formados por homens de prestígio e distinção social, que gozavam de poder
político e econômico em sua região de atuação –, viram-se alcançadas pelo
intervencionismo régio, que após diminuir seu poder político passou a potencializar os
espaços militares. Essa potencialização contou com a intervenção metropolitana e com a
crescente importância da preservação dos domínios lusos, o que proporcionou “uma
maior ênfase na criação e ampliação dos Corpos Militares” (MELLO, 2009, p. 61). Os
Corpos de Ordenanças e Auxiliares, em especial, passaram a ser vistos pela Coroa como
elementos indispensáveis na defesa dos seus domínios, tornando-se a partir de então o
principal canal de colaboração entre o poder local e o governo central (MELLO, 2009).
Especialmente a partir do século XVIII, o espaço militar tornou-se um centro de
poder local privilegiado (MELLO, 2009). Ser militar nos confins do Império lusitano
transformou-se num lugar de poder legitimado pela Coroa, onde se era permitido aos
sujeitos de carreira militar gozar de “honras, liberdades, franquezas, privilégios e
isenções... [o que] equivale dizer que ‘Todo militar goza de nobreza pelo privilégio de
foro, que lhe pertence por Direito Civil” (VERISSIMO, 1816 apud MELLO, 2009, p.
62). Lugares centrais como os corpos de Ordenanças numa sociedade em formação
possibilitou a criação de um ethos, entendido como um espaço simbólico de distinção e
privilégios, estreitamente relacionado ao exercício de mando e autoridade
(MONTEIRO, 2005).
As Ordenanças correspondiam a uma força militar de caráter local, destinado à
defesa interna, formado por moradores da própria localidade que não possuíam
instrução militar sistemática e não recebiam soldo (COSTA, 2006). Seus postos foram
destinados aos participantes do processo de conquista e defesa dos sertões, em especial
no caso dos Capitães-mores. O Capitão-mor, oficial superior do Corpo de Ordenança,
era escolhido entre “as principais pessoas da terra [e que tivesse] partes e qualidades
para o cargo” (VERISSIMO, 1816 apud COSTA, 2006. p. 114-115). Assim como esse
oficial, os demais ocupantes de cargos militares deveriam ser escolhidos conforme os
critérios de qualidade e experiência nas armas.
Segundo Mello (2009, p. 67), “além de ser responsável pelas atribuições de
caráter militar [os capitães-mores] colaboravam com a administração colonial em
inúmeras outras tarefas que não eram estabelecidas pela legislação vigente”. Entre suas
funções militares, o capitão-mor passou a ter, a partir do Alvará de 1709, a estratégica

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

tarefa de indicar, confirmar e nomear os oficiais aos postos vacantes, o que lhe garantiu
o poder de escolha. Esse poder, conforme nos afirma Costa (2006, p. 118),

proporcionava aos oficiais uma rede de influência muito importante


sobre os habitantes das localidades onde se instituíam, pelo
conhecimento detalhado da população e pela autoridade de impor-lhes
o treino militar.

As redes de influência locais acabaram garantindo-lhes a manutenção de um


ethos social, do controle do aparelho administrativo e da sua participação na governança
local, ao lado dos demais oficiais das Ordenanças no Piancó.
Considerando a importância da atuação militar exercida nessa espacialidade e a
influência que esses sujeitos conseguiam exercer sobre ela, mapeamos em nossa
pesquisa esses indivíduos e suas trajetórias através da análise das Cartas Patentes do
Arquivo Histórico Ultramarino, documentos onde constam as nomeações dos oficiais
aos cargos militares vacantes – capitão-mor, sargento-mor, alferes, tenente etc. – e nos
permite traçar sua carreira.

A trajetória militar dos oficiais das Ordenanças

Das Cartas Patentes que a documentação do Conselho Ultramarino –


disponibilizadas pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco – dispõe, dentro do nosso
recorte temporal (c. 1725 – c. 1800), conseguimos realizar um mapeamento que elenca a
trajetória militar de alguns capitães-mores, coronéis, sargentos-mores, sargentos, alferes
etc. A discussão que aqui se segue destacará alguns desses militares, iniciamos com a
trajetória militar dos sujeitos que ocuparam o cargo de capitão-mor e logo em seguida
apresentaremos os demais sujeitos que ocuparam patentes inferiores.
Com a divisão da Capitania-mor dos sertões do Cariri, do Piancó e das Piranhas,
em 1725, criou-se um segundo posto de Capitão-mor, para atender os vastos sertões,
perturbados constantemente pelos bravios gentios, conforme nos informa a Carta de
Nomeação2 ao dito posto. Com a criação deste cargo fez-se necessária a eleição de um
homem experiente nas armas, de boa opinião junto aos moradores, honrado e de
qualidade.

2
REQUERIMENTO do capitão-mor João de Miranda, ao rei [D. João V], solicitando confirmação da
carta patente no posto de capitão-mor dos sertões das Piranhas e Piancó, da serra da Borborema, distrito
que compreende a freguesia do Bom Sucesso. AHU_CU_014, Cx. 6, D. 522.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O cargo foi ocupado por João de Miranda, fidalgo que participara na “guerra dos
bárbaros” em Pernambuco e do processo de conquista dos sertões do Piancó e das
Piranhas, ao lado de Teodósio de Oliveira Ledo. Fiel ao serviço real, Miranda ocupou o
cargo de Alferes até 1715, ascendendo neste mesmo ano ao posto de Sargento-mor, e
em 1725 tornou-se Capitão-mor dos sertões do Piancó, das Piranhas e Serra da
Borborema. Em 1738, João de Miranda, quando já não ocupava mais o cargo de
Capitão-mor, embora carregasse consigo o título, foi registrado como Juiz Ordinário do
Piancó em Livro de Notas de 1738.
Sucedendo João de Miranda, Joseph Gomes de Sá assumiu o cargo de Capitão-
mor do sertão do Piancó e das Piranhas por duas vezes; a primeira em 1733, ao término
do período de João de Miranda, e a segunda em 1749, com atenção à área do Rio do
Peixe, lugar onde estavam localizadas suas sesmarias. Gomes de Sá foi Soldado na
praça do Recife e Capitão da Companhia do Regimento da Cavalaria da Capitania do
Piancó. Joseph, assim como Miranda, também foi registrado como Juiz Ordinário do
Piancó, em Livro de Notas de 1742.
Entre 1733 e 1749, Manuel Rabelo de Figueiredo ocupou o cargo de Capitão-
mor, segundo nos informa sua patente, Manuel era membro de uma das principais
famílias da localidade e um sujeito “experienciado” nas armas. Por esses dois motivos
fora nomeado ao cargo de Capitão-mor dos sertões do Piancó, Piranhas e anexas em
1737. Sua carreira militar contava com a ocupação dos postos de Soldado, de Capitão e
de Sargento-mor (1730)3. E conforme nos informa o Livro de Notas de 1734, Manuel
também foi Juiz Ordinário do Piancó.
Aqui chamamos atenção para algo semelhante entre estes sujeitos, eles foram
detentores da patente de Capitão-mor – que deveria durar três anos – e também
ocupantes da função de Juiz Ordinário – que duraria um ano. Duas funções de caráter
distinto, uma militar e uma jurídica, mas que carregavam consigo um signo de
autoridade local, que proporcionavam aos seus ocupantes distinções e privilégios.
Considerando a importância desse ethos eles passavam a compartilhar entre si as duas
funções, objetivando manter-se autoridade e em decorrência disso manter-se membro de
uma elite local que detinha o poder político, administrativo e econômico no Piancó.

3 Essa foi uma das nomeações localizada e analisada em nossa pesquisa.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Temos outros casos para além dos citados acima4, e temos ainda aqueles outros
militares – coronéis, sargento-mores, capitães etc. – que também ocuparam a função
jurídica. Não era regra que militares, fossem Capitães-mores ou outros, ocupassem a
função de Juiz Ordinário, mas podemos perceber que há um considerável número de
casos como esses.
Retornemos às trajetórias.
Embora não tenhamos acesso à carta de nomeação de Francisco de Oliveira
Ledo, filho de Teodósio de Oliveira Ledo e participante do processo de conquista do
sertão, sabemos através de outros documentos5 que ele também fora Capitão-mor do
Piancó, por volta de 1756. Sua trajetória militar está registrada em carta patente de
1732, referente à sua nomeação ao posto de Capitão-mor do Cariri, nela consta que o
mesmo teria ocupado os postos de Soldado da Infantaria paga da guarnição da Fortaleza
de Cabelo e Capitão da Cavalaria do Rio do Peixe.
No tocante aos cargos inferiores destacamos inicialmente o caso de Marcos
Fernandes da Costa, que em 1726 foi nomeado ao posto de Coronel das Ordenanças dos
sertões do Piancó e do Cariri, em razão da ausência de Manoel de Araújo – primeiro
Juiz Ordinário do sertão do Piancó. A ausência de Manoel de Araujo encontrava
justificava na sua transferência para a Capitania do Pernambuco, onde há três anos
estava estabelecido com sua mulher, seus filhos, sua casa e fazenda. Ao se negar a
retomar ao seu antigo posto militar no sertão do Piancó, Manoel acabou sendo
destituído. Em seu lugar foi nomeado Marcos Fernandes, que em sua trajetória militar
ocupou os postos de Soldado das Ordenanças e Capitão da Cavalaria dos sertões do
Piancó e Cariri.
Identificamos ainda Manoel Martins Lopes, nomeado ao posto de Sargento-mor
ad honorem6 do Piancó, em 1766. Martins seguira carreira ocupando os postos de
Soldado, Alferes e Tenente da Companhia do Regimento da Cavalaria. Interessante
notar que Manuel é indicado ao cargo de Sargento-mor ad honorem pelos próprios
principais da terra, que tinham poder de influência junto aos integrantes do Senado da

4 Wilson Seixas (1962), em sua “Relação dos que governaram a magistratura de Pombal desde sua
colonização”, nos aponta o caso do Capitão-mor Francisco de Arruda Câmara (1771 e em 1773) e do
Capitão-mor José Felix Machado (1785).
5
Procurações registradas no Livro de Nota do referido ano. Os Livros de Notas produzidos no sertão do
Piancó durante todo o período setecentista pertencem ao 1º Cartório Coronel João Queiroga (Pombal,
PB).
6
Ad honorem significa “por honra, por prestígio”.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Câmara, conforme nos informa sua carta patente, e acaba por se tornar representante do
governador da capitania no sertão do Piancó, função que cabia ao Capitão-mor.

À guisa de conclusão

Considerando tudo que foi expresso ao longo dessa discussão, acreditamos que
dedicar-se a análise da trajetória militar dos sujeitos que atuaram no Piancó torna-se
indispensável à compreensão da própria história dos sertões e à revisão historiográfica
que se faz necessária. Ao pensar os militares de ordenanças no Piancó pensamos em
sujeitos integrantes e produtores de uma sociedade dinâmica, em fase de organização
administrativa e jurídica, responsáveis pela defesa do território conquistado e pela
manutenção da sua boa ordem. Passamos a pensar através do papel exercido por esses o
processo de organização social que se deu nesse espaço e os interesses – sejam eles
políticos, econômicos etc. – que moldaram essa sociedade colonial.

FONTES

ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Lisboa. Portugal. Documentação avulsa


da Capitania da Paraíba. Projeto Resgate de documentação histórica Barão do Rio
Branco. CD-ROM nos 1, 2 e 3.

[ant. 1726, agosto, 15, Paraíba]


REQUERIMENTO de Marcos Fernandes da Costa, ao rei [D. João V], solicitando
passar carta patente de confirmação do posto de coronel das Ordenanças dos sertões do
Piancó e Cariri.
Anexo: 2 docs. AHU-Paraíba, cx. 7.
AHU_CU_014, Cx. 6, D. 516.

[ant. 1726, setembro, 9, Paraíba]


REQUERIMENTO do capitão-mor João de Miranda, ao rei [D. João V], solicitando
confirmação da carta patente no posto de capitão-mor dos sertões das Piranhas e Piancó,
da serra da Borborema, distrito que compreende a freguesia do Bom Sucesso.
Anexo: 3 docs. AHU-Paraíba, cx. 7.
AHU_CU_014, Cx. 6, D. 522.

[ant. 1730, abril, 26, Paraíba]


REQUERIMENTO de Manuel Rodrigues de Figueiredo, ao rei [D. João V], solicitando
passar carta patente de confirmação do posto de sargento-mor do distrito das Piranhas,
Piancó e Cariri.
Anexo: 1 doc. AHU-Paraíba, cx. 7.
AHU_CU_014, Cx. 7, D. 623.

17
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

[ant. 1735, outubro, 26, Paraíba]


REQUERIMENTO de Francisco de Oliveira Ledo, ao rei [D. João V], solicitando
passar carta patente de confirmação do posto de capitão-mor do Sertão do Cariri da
Paraíba.
Anexo: 2 docs. AHU-Paraíba, cx. 9.
AHU_CU_014, Cx. 9, D. 787.

[ant. 1735, maio, 23, Paraíba]


REQUERIMENTO de José Gomes de Sá, ao rei [D. João V], solicitando passar carta
patente de confirmação do posto de capitão-mor do Sertão do Piancó, Piranhas e mais
anexas da Serra da Borborema.
Anexo: 1 doc. AHU-Paraíba, cx. 9.
AHU_CU_014, Cx. 9, D. 778.

[ant. 1740, abril, 9, Paraíba]


REQUERIMENTO de Manuel Rebelo de Figueiredo, ao rei [D. João V], solicitando a
confirmação da carta patente no posto de sargento-mor do Piancó.
Anexo: 1 doc. AHU-Paraíba, mç. 7.
AHU_CU_014, Cx. 11, D. 904.

[ant. 1753, setembro, 1, Paraíba]


REQUERIMENTO de José Gomes de Sá, ao rei [D. José I], solicitando confirmação da
carta patente do posto de capitão-mor do Piancó, Piranhas e Rio do Peixe.
Anexo: 1 doc. AHU-Paraíba, mç. 42.
AHU_CU_014, Cx. 17, D. 1366.

[ant. 1769, abril, 4, Paraíba]


REQUERIMENTO de Manuel Martins Lopes, ao rei [D. José I], solicitando
confirmação da patente no posto de sargento-mor ad honorem do Piancó.
Anexo: 1 doc. AHU-Paraíba, mç. 35.
AHU_CU_014, Cx. 24, D. 1853.

REFERÊNCIAS

CEBALLOS, Rodrigo. Veredas sertanejas da Parahiba do Norte: A formação das redes


sócias, políticas e econômicas no Arraial de Piranhas (Século XVIII). Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, 2011.
COSTA, Ana Paula Pereira. Organização militar, poder de mando e mobilização de
escravos armados nas conquistas: a atuação dos Corpos de Ordenanças em Minas
colonial. Revista de História Regional, n. 2, v. 11, 2006.
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Forças Militares no Brasil colonial:
Corpos Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII. Rio de Janeiro:
E-Papers, 2009. 258 p.
MONTEIRO, Nuno. O 'Ethos' Nobiliárquico no final do Antigo Regime: poder
simbólico, império e imaginário social. Almanack Braziliense, n. 2, 2005, pp. 4-20.
MORAES, Ana Paula Da Cruz Pereira De. Entre mobilidades e disputas: O sertão do
Rio Piranhas, Capitania da Paraíba do Norte, 1670-1750. Tese (Doutorado em História),
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2015. 301 f.

18
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

PRADO JUNIOR, Caio. Evolução Política do Brasil: colônia e império. São Paulo:
Brasiliense, 1999. 103 p.
SEIXAS, Wilson Nóbrega. O velho arraial de Piranhas (Pombal). 2 ed. João Pessoa:
Grafset, 2004. 465 p.
SOARES, Maria Simone Morais. Formação da rede urbana do Sertão de Piranhas e
Piancó da Capitania da Paraíba setecentista. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo), Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2012. 186f.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

AURORA: TERRA DE MACÊDOS, VULGO MACEDOLÂNDIA

Bruna Leite Bezerra1


Paulo Sérgio dos Santos2
Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Ceballos3

Introdução

A prática do coronelismo surge junta à proclamação da República, tendo seu fim


no governo de Getúlio Vargas (AQUINO, 2012). O sistema coronelista implica em um
poder político centralizado nas mãos de um chefe local que ocupa este cargo através de
alianças com autoridades políticas e por meio de votos de cabresto, que é a imposição
sobre o voto por meio da autoridade do chefe local e compra de votos. Porém é por
demais sabido que este processo de mandonismo não se extinguiu de fato, haja visto que
até os dias atuais, em pequenas cidades do interior, esta prática é vigente. No entanto,
vale salientar que não possui o mesmo caráter, como nos diz Fortunato (2008, p. 58) de
um lado emerge um “neo-coronel” travestido de moderno empresário que usurpa os
velhos hábitos do antigo coronel. “[...] levam-nos a crer que as relações de poder
permanecem imutáveis apesar de assimilarem novos elementos.” Segundo a supracitada
autora o novo conceito empregado acerca do termo coronel possui uma “elasticidade”
que denota suas particularidades.
O Ceará até a Era Vargas enquadrava-se neste contexto de leis organizadas por
clãs familiares que eram escolhidos de acordo com seus interesses. Não havia uma
identidade de ser cearense, eram regiões autônomas com suas próprias leis. Somente
com o advento da independência brasileira e a necessidade de centralização do poder é
que houve a junção das regiões que formavam este estado e a instituição deste
sentimento estadual.4
Diante desta nova configuração os coronéis buscaram não perder sua autonomia,
assim foi necessária a formação de alianças entre famílias importantes e destas com o
parlamento, foi através desta nova organização que se originou o clientelismo e as bases
aliadas de apoio político.

1
Graduanda de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal de Campina Grande. E-mail:
[email protected]
2
Graduando de Licenciatura Plena e História pela Universidade Federal de Campina Grande. E-mail:
[email protected]
3
Professor adjunto da Universidade Federal de Campina Grande-PB. E-mail: [email protected]
4
CEARÁ. Governo do Estado do Ceará. História do Ceará. Fortaleza, CE.

20
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Concomitantemente a busca pela formação de um governo próprio ao se


emancipar do Pernambuco, houveram lutas internas ligadas ao comando municipal.
Ocorreram enfrentamentos de grupos familiares e revoltas entre bandos armados.5
Neste aspecto, sustentado no exposto, acima trataremos de analisar a família
Macêdo de Aurora – CE e a atual conjuntura política desta cidade, tendo em vista que
dividida em oposição e situação esta família figura o poder oligárquico coronelista nesta
localidade. Atentando ainda para o debate acerca da relação deste poder com o
topônimo dado a cidade: Macedolândia.
Inaugura sua jornada política na figura de sua matriarca Marica Macêdo que
junto a seus aliados depôs o então prefeito Totonho Leite propiciando, a partir disto, a
ascensão da oligarquia Macêdo que passa a estar presente nas diversas esferas públicas
do município, resultando-lhe, consequentemente o apelido de Macedolândia6. Assim,
nos é perceptível que a história de Aurora anda de mãos dadas a desta família.
Antônio Leite Teixeira Netto (conhecido por coronel Totonho Leite) foi
subdelegado de polícia de Aurora, quando esta ainda era uma pequena vila pertencente
ao município de Lavras da Mangabeira – CE. Foi ainda nomeado intendente do
município por algumas vezes e fundador da primeira Lei Orgânica desta localidade. No
ano de 1907 usurpou a intendência municipal do seu sobrinho, Antônio Leite de
Oliveira, que era apoiado pela família Macêdo o que resultou em vinganças e
perseguições políticas. Marica Macêdo e sua prole entraram nesta luta e sofreram
durante algum tempo represália por parte de Totonho Leite, em virtude destas
perseguições o cenário político aurorense encontrou-se tumultuado até serem resolvidas
estas adversidades após a violenta Questão de 8 (CALIXTO JÚNIOR, 2012, p. 113-
115).
Na época das desavenças entre a matriarca Marica e o coronel Totonho Leite, o
Ceará era governado pela oligarquia Accioly cujo chefe era o comendador Antônio
Pinto Nogueira Accioly, sendo seu governo marcado pelo centralismo e autoritarismo.
O coronelismo vivenciava seu ápice, sobretudo, no sul do estado do Ceará, durante a
“era Aciolina”. Deste modo, através do gozo do poder local a época foi favorável a
oligarquia Accioly e seus mandos. Segundo Macêdo (1990, p. 45), “o coronelismo do
Ceará viveu sua fase de prestígio”. Sob a tutela de Nogueira Accioly as oligarquias do

5
CEARÁ. Governo do Estado do Ceará. História do Ceará. Fortaleza, CE.
6
Apelido dado a cidade de Aurora em virtude da efetiva participação desta família na conjuntura do
município.

21
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

sul cearense permaneceram e fortaleceram-se, assim dando continuidade a este sistema


político denominado coronelismo.
Os coronéis e parentes7 de Marica no Cariri ajudaram esse clã na luta contra o
intendente municipal, coronel Totonho. Fizeram uma solicitação ao então presidente do
Estado (vale frisar que Accioly soube balancear o apoio entre as duas famílias, o que
nos mostra como a política é um jogo permeado de interesses) que enviou homens para
ajudarem na luta e assim com ajuda dos demais coronéis e aliados foi deposto de suas
funções o coronel Totonho Leite.
Cessando os conflitos, o clã Macêdo saiu fortalecido e a partir desse momento
seria recorrente a posse destes em cargos políticos e sucessivos intendentes e prefeitos
até a atualidade, chegando à mesma família a compor a única disputa para prefeito em
alguns mandados, ficando recorrente a disputa pela política dentro da família
Isto posto fixamos nossa inquietação acerca do topônimo Macedolândia dado à
cidade buscando compreender como este território de poder foi construído, alicerçando,
assim uma tradição familiar na política aurorense.
É importante salientar que as desavenças e alianças feitas por esta família
perpetuaram-se de geração em geração, tornando claros os grupos políticos que
demonstram sua lealdade aos antepassados.

Tipi, marco inicial do poder “macedônico”

O território do Tipi8 é uma região privilegiada, tendo em vista que se localiza


entre o município do Barro - CE e a oeste do Estado da Paraíba (próximo à cidade de
Cajazeiras – PB, que já era grande polo econômico no início do século XX) e no
caminho para Juazeiro do Norte-CE. O sítio Tipi além de ficar nesta região de transição
entre cidades, é também via de entrada e saída para o município de Aurora. Portanto, a
família Macêdo escolheu este lugar para fixar-se estrategicamente.
Esta família fez um processo migratório dentro do estado do Ceará, deslocou-se
da região do sítio Gameleira no município de Missão Velha para o sitio do Tipi em
Aurora, pois queriam uma local que lhe garantisse uma prática da pecuária e agricultura.

7
Os coronéis, Antônio Joaquim de Santana da cidade de Missão Velha, João Raimundo de Macêdo de
Barbalha, Domingos leite Furtado de Milagres e major Inácio do Barro fizeram uma aliança e ajudaram
fazendo pressões ao presidente para que interferisse na luta que acontecia em Aurora – CE.
8
Designação dada a região por consequência da abundante presença de um arbusto de mesmo nome.

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E foi na região do Tipi que o clã se estabeleceu, desenvolveram plantações de milho,


arroz, cana-de-açúcar, também detinham cabeças de gado e engenho de rapadura.
No Tipi a família Macêdo desenvolveu suas raízes oligárquicas. O clã possuía (e
possui até atualmente) grandes posses de terra nesta região, configurando-o, assim,
como seu território de poder. A introdução dessa família proporcionou um amplo
aparato de subsídios socioeconômicos que garantiram seu poder na região e
posteriormente no município.
O clã Macêdo, desta forma, foi perpetuando suas raízes na localidade do Tipi. E,
posteriormente em decorrência de disputas políticas suas raízes vão se alastrando pelas
demais áreas do município de Aurora–CE.
A oligarquia Macêdo foi tecendo sua rede de relações interpessoais que
proporcionaram um aparato político, econômico e social naquele período e que se
reflete até hoje. No imaginário popular e na historiografia local o Tipi aparece como a
terra do clã Macêdo e ainda hoje se configura como espaço de atuação deles. Por isso
popularmente a região do Tipi é denominada berço dos Macêdo.
É importante salientar o grande poder que esta família exerce a partir da
construção e desenvolvimento da região do Tipi e na configuração dessa localidade
como distrito municipal. Antes de assegurar seu espaço no poder municipal, a
supracitada família já detinha o poder dessa pequena, mas importante localidade. Sendo
assim essa oligarquia não aparece no cenário político de Aurora à toa, pois este clã que
possuía o poder de uma modéstia localidade vai despontar através dos conflitos
políticos e conseguir o efeito de adentrar o aparelho político municipal e ali se
perpetuar.

Marica Macêdo, matriarca da família Macêdo de Aurora

Natural da região de Gameleira do Pau, na serra do Araripe, região do Jamacaru


(bem ao lado da fazenda Serra do mato do não menos famoso cel. Santana – conhecido
como coiteiro de Lampião) em Missão Velha. Nasceu Maria da Soledade Landim –
Marica Macêdo do Tipi - no início de 1865.
Em 1891 após casar com José Antônio de Macêdo (Cazuzinha) seu parente, o
casal decidiu mudar-se para o município de Aurora, comprando a propriedade do sítio
Sabonete onde mais tarde se formaria a vila Tipi, local onde fixaram residência até o
fim da vida.

23
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Marica casou-se duas vezes: o primeiro com o citado Cazuzinha e o segundo, em


virtude de ter ficado viúva aos 40 anos com oito filhos jovens para criar, com Antônio
Abel de Araújo. Os filhos foram frutos do primeiro matrimônio.
O novo matrimônio gerou burburinhos, haja visto que Marica era uma mulher
decidida e com disposição a dar continuidade aos negócios da família sozinha. No
entanto, Marica disse contrair núpcias novamente pelo fato de toda mulher precisar de
um companheiro. Assim, podemos frisar a necessidade, imposta pela sociedade
patriarcal, da mulher sempre ter a figura masculina ao seu lado, dando-lhe legitimidade.
A figura feminina é considerada como frágil, submissa, sendo esta imagem
constituída, sobretudo, no período medieval onde as mulheres eram concebidas como
objetos de satisfação masculina e, em virtude disto, julgadas como inferiores. É através
da dicotomia entre público e privado que podemos entender esta superioridade
masculina e como constituiu-se um espaço de dominação do masculino acerca do
feminino. Sustentada neste paradigma imposto pela sociedade, Marica mesmo
conseguindo quebrar esta regra de fragilidade feminina, de boa senhora do lar,
conseguindo governar não só a si mesma como a sua família, os seus negócios e a
localidade que habitaram, precisou render-se a “lei da vida” elaborada pelo patriarcado,
tendo que ter um companheiro para ser respeitada.
No entanto, Marica em contrapartida ao hábito da época, onde as mulheres
recolhiam-se aos afazeres domésticos e cuidados com a prole continuou a controlar os
bens que lhe pertenciam. Deste modo, inseriu-se na vida política e administrativa de
Aurora, sendo seu segundo marido somente figurante em sua vida, e por ela
denominado como um idiota (MACÊDO, 1998).
Após sua brava atuação na Questão de 8 e Fogo do Taveira9, Marica saiu do
anonimato e tornou-se figura importante no município. Até 1924, ano de sua morte,
exerceu notável atuação e influência na política municipal, desempenhando, junto ao
seu braço direito, Coronel Cândido, o poder coronelístico de mandonismo em Aurora.
Morreu em 06 de janeiro de 1924 em uma visita feita a casa de sua filha
Joaninha que estava muito mal de saúde, Marica havia rogado a Deus nunca mais ter
que passar pela dor de perder um filho. E dois dias antes de sua filha vir a falecer
Marica sucumbiu, como atesta o laudo médico, de infarto do miocárdio. Todavia a
causa de sua morte fora contestada quando alguns anos após deste acontecimento ao

9
Revoltas locais, serão explicadas no próximo capítulo.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

exumarem seus ossos, encontraram sua dentadura alojada na garganta, gerando, assim, a
suspeita de Marica ter morrido por asfixia.

Revoltas populares que desencadearam a tomada de poder pelos Macêdos

Questão de 810

Até o ano de 1908 a cidade vinha sendo comandada pela família Leite que até
esta data mantinha acordos políticos com já citada Marica Macêdo. Contudo após
algumas divergências a mandatária resolveu deixar a situação. Coronel Totonho
indignado diante tal fato resolveu atacar a matriarca e sua família, sabendo disto Marica
uniu sua prole e foi refugiar-se em Missão Velha na casa de parentes. A caminho
resolveu pernoitar no sítio Taveira, onde o coronel também tinha alguns desafetos, e
desta maneira iniciou-se uma luta em prol do poder da pequena cidade.
Deste modo, o cenário político de Aurora em meados de 1908 encontrava-se em
uma situação tensa, que determinou um palco de jogo de interesses entre duas facções.
Estas se sustentavam em uma relação de equilíbrio, no entanto desavenças políticas vão
tornar essa rede de interesses insustentável, eclodindo assim uma ferrenha disputa pelo
poder local.
Vale salientar apolítica do Ceará que nesta época era comandada pela família
Accioly. Desse modo, essa configuração vai ajudar e intervir nos conflitos de Aurora
atendendo os anseios dos Acciolys. É importante entender o cenário político de Aurora:

Embora laços famílias unissem Marica e o coronel Totonho


Leite e fossem correligionários na política estadual, pois ambos
aceitassem a oligarquia Acciolina, Marica desaprovou as
atitudes dele e impediu seus filhos de apoiarem o intendente,
contra o sobrinho, por julgar esse comportamento uma
arbitrariedade e um abuso (MACÊDO, 1998, p. 22).

A Questão de 8 foi no seu cerne lutas entre famílias, motivadas por interesses
coronelísticos para delimitar quem teria o controle político e quem deteria maior poder
naquele cenário socioeconômico de Aurora.

10
Em virtude de ter se sucedido no ano de 1908.

25
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É importante ressaltar, a grande perda que Marica teve em meio a este conflito
sangrento, seu filho caçula, Cazuzinha, com apenas quatorze anos foi morto enquanto
retirava seu cavalo do meio da guerrilha. Marica pegou o corpo de sua cria encostou em
uma parede e voltou ao combate agora movida com o sentimento de vingança.

Fogo do Taveira11

A região entre o sítio Taveira e o Coxá no ano de 1908 encontrava-se bastante


movimentada devido a demarcação de terras comandada por Dr. Floro Bartolomeu que
estava a serviço do Pe. Cícero. Esta faixa de terra era bastante rica em minérios o que
despertou o interesse do Padre. Assim houve um conflito entre o religioso e as famílias
da localidade conhecido como a demarcação das Minas do Coxá. Esta conjuntura tornou
o sítio Taveira um bom esconderijo para família Macêdo, tendo em vista a presença de
inúmeras outras famílias, após os impasses com o coronel Totonho Leite.
Totonho tinha pouco apoio e seus jagunços eram mínimos comparados aos de
Marica, isto se deveu ao fato da perseguição política empreendida por Totonho. As
famílias aurorenses descontentes com sua maneira ditatorial de governar buscaram se
unir para depor o mesmo. Assim, o intendente municipal buscou apoio ao governador
do Estado do Ceará, Nogueira Accioly, que lhe enviou os destacamentos policiais de
cidades vizinhas.
Na noite de 17 de dezembro de 1908, Marica e sua família estava no sítio
Taveira quando o corpo policial junto aos capangas de Totonho chegaram lá. Porém
foram recebidos a tiros por Marica e seu bando. Este entrave durou até o dia seguinte.
Após este sangrento conflito houve sucessivos saques e estupros em Aurora por
jagunços comandos por major José Inácio do Barro que era aliado de Marica Macêdo.
Esta invasão tinha como objetivo a perseguição e destituição de coronel Totonho de seu
cargo político.
Com o fim desta guerrilha e a captura de Totonho assumiu a intendência
Municipal o Sr. Candido Ribeiro Campos- Seu Cândido do Pavão. Destarte, surge uma
nova configuração política em Aurora:

11
Conflito sangrento no Sítio Taveira que desencadeou a Questão de 8 e propiciou a deposição de
Coronel Totonho e ascensão política da família Macêdo.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Com fim da questão do 8 em Aurora, tomou posse como mandatário


municipal o coronel Cândido do Pavão, como dito, iniciando-se a
oligarquia dos Ribeiros Cândidos e dos Macêdo do Tipi, que só então
saiu do anonimato e passou a ser figura emblemática no município
(TAVARES, 2012, p. 165).

Estava consumada a vingança dos inimigos de Totonho, na verdade, uma


vingança muito desproporcional à ofensa de que Marica se considerava vítima. Destarte
nos é perceptível o jogo político arquitetado pelos Macêdos a partir desta desavença
“política”, isto é, é uma trama que vai muito além do desafeto político e que envolve
interesses econômicos, sociais e, sobretudo, o poder local.

Macedolândia

Após o fim da Questão de 8iniciou-se uma nova política em Aurora, agora


centralizada nas mãos dos Macêdo. Um aparato de amigos, parentes e correligionários
assumiram o aparelho político da intendência de Aurora, todos escolhidos a dedo pela
“coronel” Marica Macêdo, como afirma Vicente Macêdo em sua obra:

Assim em dezembro de 1908 assumiram funções em Aurora, por


indicação de Marica [...] Coronel Cândido Ribeiro Campos como
intendente municipal; José Francisco Sales Landim, seu irmão, como
primeiro suplente de juiz; Antônio Landim de Macêdo filho de
Marica, foi agraciado com a função de segundo suplente de juiz [...] a
delegacia de polícia foi entregue a João Candido Ribeiro, filho do
coronel Candido [...] (MACÊDO, 1998, p. 34).

A oligarquia Macêdo foi conquistando espaço nas estruturas de poder, seja ela
na prefeitura, cargos municipais, ou na região local. Desta forma centralizou e
fortaleceu seu poder no então município de Aurora.
Foi esse contexto histórico que proporcionou o engajamento de
sucessivos prefeitos da família Macêdo para a cidade de Aurora. Em virtude da forte
presença desta oligarquia a cidade de Aurora é chamada Macedolândia por amigos de
outras cidades que conhecem a história política do município, um apelido popular que
escancara a verdade acerca da imposição política desta família, refletida numa lista
enorme de membros deste clã em cargos públicos. O domínio dos Macêdo sobre o
município de Aurora criou raízes profundas e fixadas no imaginário popular e nas urnas.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A percepção do que é ser Macêdo no imaginário popular aurorense é um


conectivo fruto dos laços deixados pela matriarca desta família. Isso reflete no fato de
que ser Macêdo para os aurorenses é ser um “mandatário poderoso”. O clímax deste
significado popular e apego a denominação Macêdo como espaço de poderio local é
bem refletido no próprio apelido: Macedolândia. Esta nomenclatura é um feixe de
percepções populares sobre o local e as estruturas de poder ainda vigente, sendo
importante frisar que tal nomeação dada a cidade é, portanto, uma imagem construída a
partir do contexto histórico, social e cultural elaboradas através da memória dos
cidadãos aurorenses.
Durante um longo período os Macêdo tiveram a supremacia nas esferas
políticas de Aurora. No entanto, após a morte de Marica, a família Gonçalves consegue
se inserir na administração de Aurora, fixando-se durante 42 anos. Assim, os Macêdo só
conseguiram retomar seu poder com a inserção do senhor João Antônio de Macêdo -
João de Zeca - que é sobrinho neto de Marica. Contudo, vale frisar que mesmo sem
ocupar cargos relevantes durante este período esta família continuou a exercer seu poder
coronelístico na cidade, seja através das atividades comerciais ou agropecuárias.
Após a retomada de poder nas urnas a família Macêdo procurou retomar
seu prestígio e cadeira cativa na Câmara de vereadores e Prefeitura. João de Zeca hábil
comerciante que era soube tramar estratégias políticas que o elevaram ao patamar de “O
Vitorioso” – título da recente obra escrita em sua homenagem. Assim, João firmou-se
como principal liderança política de Aurora. Vicente Macêdo (2016) disserta sobre a
política de João afirmando sua popularidade, “... quase sempre, conseguiu eleger seus
candidatos, perdendo somente três vezes para o seu adversário político Francisco Carlos
Macêdo Tavares (Carlinhos)”. É importante salientar que Carlos, que foi prefeito de
Aurora por duas vezes, é bisneto de Marica e, portanto, primo de João, o que nos faz
perceber uma divisão dentro da própria estrutura oligárquica dos Macêdo. Então,
mesmo estando sobre administração de outro partido político Aurora continuou sob o
comando desta família.
Sendo assim, descendentes e parentes de Marica perpetuaram-se intrinsicamente
a história de Aurora, levando-a por todo o Ceará através de seus contemporâneos em
exercício de suas atividades. Importantes figuras políticas que iniciaram sua jornada em
Aurora, são hoje conhecidas pelo Ceará. Temos como exemplo o ex-deputado estadual
Raimundo Antônio de Macêdo – Raimundão.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Entender o apelido dado ao município de Aurora, Macedolândia, é perceber toda


essa lógica histórica construída através de um contexto que proporcionou a essa família
se perpetuar na política aurorense.
Macedolândia é muito além de um reles nome vulgar ou popular, é a
representação sociocultural que designa a Aurora um aparato de significantes que ficou
estagnado no imaginário popular. Esta família está presente na peculiar historiografia
local como personagens importantes, além de estar presente em estátuas (busto de
Marica Macêdo e seu marido, no sítio Tipi), denominações de ruas, etc. Tais traços
fortalecem o imaginário popular, tendo em vista que perpetua a imagem construída de
Macêdos “donos” de Aurora. A simplória historiografia aurorense, feito pelos Macêdos
para os Macêdos, somada aos elementos citados fortalece a premissa do apelido
Macedolândia estagnado na memória dos aurorense.
O título de terra dos Macêdo apenas reflete a percepção tão comum de
introdução desta família nas diversas esferas públicas como algo já engessado e perene
ao município. A ideia de que essa família possui em suas mãos a política aurorense está
explicito desde a época em que a matriarca Marica Macêdo, amigos, parentes e
correligionários tomaram o poder local até a vasta lista de sobrenomes de prefeitos e
vereadores com esta designação Macêdo.
Atualmente Aurora é comandada por José Adailton de Macêdo, sobrinho de
João de Zeca, que já foi vereador inúmeras vezes e prefeito por dois mandatos seguidos.
Em meio a época eleitoral o nome indicado por esta oligarquia é o de João Antônio de
Macêdo Filho, - como o nome nos indica filho de João de Zeca - isso esclarece a
perpetuação coronelística desta família ainda em vigor em pleno século XXI, valendo
ressaltar que este sistema ganha novas percepções e práticas, sendo denominada “neo
coronelismo”. Contudo sempre remetida ao velho coronel que se favorece de seu poder
para firmar compromissos que serão cobrados futuramente.

Conclusão

Destarte, é importante frisar a presença de um jogo político com tradição


familiar na estrutura de pequenas cidades interioranas, o qual atualmente os Macêdo e
demais oligarquias cearenses ainda vigentes praticam. Sendo este um jogo de interesses
e mercês, troca de favores. Uma jogatina que persiste na política como uma herança de
velhas práticas coloniais, como o coronelismo.

29
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A introdução dessa família nas estruturas de poder local deu-se através de uma
revolta de cunho pessoal entre Marica e Totonho, a qual resultou na ferrenha e eficaz
inserção desta oligarquia na história aurorense que uma vez detentora do poder político
soube usá-lo, sendo poucas as vezes que não o usufruiu.
Compreender a atual conjectura política de Aurora é buscar fazer uma leitura do
passado, e este trabalho fez uma releitura deste tempo a partir da injeção da família
Macêdo, seu fortalecimento e detenção da lógica política social de Aurora, através de
uma ótica válida, mas nunca totalizante, usufruindo da pequena historiografia local.
As raízes da oligarquia Macêdo foram fincadas na sua migração para a região
rural de Aurora, onde seu poderio configurou um polo de interesses e grande poder. A
partir dos conflitos da “Questão do 8” e “Fogo do Taveira” esse clã conseguiu fixar-se
num solo ainda maior e fértil, e suas raízes esparramaram-se de uma forma vasta e
profunda na história política de Aurora.
A oligarquia Macêdo é um conjunto de indivíduos unidos pelos laços sanguíneos
e interesses pessoais, que justificam sua autoridade na política através da história local,
alegando sua íntima relação com o crescimento social e econômico de Aurora. Este
centralismo fomentou a produção deste trabalho, a busca do entendimento dessa lógica
vigente levou a uma historicidade instigante, que esclarece alguns pontos sobre a
família Macêdo.
À vista disto, fica perceptível, no título deste trabalho, a tentativa de
compreender a afirmação “Aurora: terra de Macêdos, vulgo Macedolândia”.

REFERÊNCIAS

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observações sobre oposição e situação nos municípios mineiros. In: XVIII
ENCONTRO REGIONAL (ANPUH - MG). 2012. Anais eletrônicos... Mariana, 2012.
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31
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

DE POLÍTICO A HERÓI: ANTÔNIO MARIZ UMA MEMÓRIA VIVA (1937 -


1995)

Francisca Salete de Sousa1

Família e herança política

Antônio Marques da Silva Mariz é descendente de uma importante família que


fez parte da política nacional e, sobretudo, paraibana desde o século XIX. Portanto,
corre em suas veias o sangue dessa família que compunha a sociedade da época, é um
legado que foi tomado para si com muita eloquência.
Esse legado político deixado pela família corresponde ao tradicionalismo
encontrado no aspecto urbano da cidade de Sousa, já que conta com ruas que carregam
o sobrenome “Mariz” como, por exemplo, a rua Dr. Silva Mariz (seu avô) e também a
rua Dr. José Mariz (seu pai). Também a cidade de Marizópolis, que faz parte da grande
Sousa, foi fundada pela família Mariz e, por isso, recebe esse nome em homenagem à
família.2 Antônio Mariz, também recebe essas homenagens como no “Estádio de futebol
Antônio Mariz” na cidade de Sousa, construído na gestão do prefeito Mauro Abrantes
(Dr. Marizinho). O auditório do Centro de Treinamento dos Professores na cidade de
Sousa, o Ginásio do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, também da cidade de Sousa,
recebem o nome de Mariz. Até mesmo a BR 230, através da Lei n° 10.236, de 7 de
junho de 2001, sancionada pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso,
foi denominada “Rodovia Governador Antonio Mariz", no trecho entre a cidade de
Cajazeiras e João Pessoa, no estado da Paraíba.3 O Canal da Redenção, que fica entre as
cidades de Coremas/PB e Sousa, e a Ala das Comissões, situada no Anexo II da Câmara
dos Deputados, também receberam seu nome como homenagem. Por fim, publicou-se
uma obra na série Perfis Parlamentares que reúne os discursos e as proposições de
Antônio Mariz.
Alguns projetos foram elaborados por seu companheiro de trajetória política,
Inaldo Leitão, que diz:

1
E-mail: [email protected]
2
Fundada pela família do Governador Antonio Mariz, teve o seu nome, antes Pedra Talhada, alterado
para Marizópolis, como forma de homenagear a família Mariz. É também conhecida como a
Mesopotâmia do Sertão por ser situada entre os Rios do Peixe e Piranhas.
3
Art. 1° Fica denominado "Rodovia Governador Antonio Mariz" o trecho da rodovia federal BR-230,
compreendido entre as cidades de Cajazeiras e João Pessoa, no Estado da Paraíba. Art. 2° Esta Lei entra
vigor na data de sua publicação. Brasília, 7 de junho de 2001; 180° da Independência e 113ª da
República. Fonte: <http://www.jurisway.org.br/>. Acesso em: 29/09/2015.

32
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Assumi voluntariamente o compromisso de, enquanto me for possível


e vida tiver, manter viva a história do excepcional homem público e
eterno líder Antônio Mariz. Na primeira oportunidade que tive, fui
autor da lei estadual que deu seu nome ao Canal da Redenção, que vai
do açude de Coremas às Várzeas de Sousa, na Paraíba. Também
recebeu seu nome a Ala das Comissões, situada no Anexo II da
Câmara dos Deputados, projeto igualmente de minha autoria,
aprovado com todas as honras e por unanimidade. Fui ainda relator de
proposição de autoria do presidente Fernando Henrique Cardoso,
denominando de Antônio Mariz a rodovia BR-230, no trecho de João
Pessoa a Cajazeiras, aprovada pelas duas Casas do Congresso
Nacional (LEITÃO, 2006, p. 11).

Continua:

Pesquisei a obra produzida por Mariz na Câmara e no Senado.


Encontrei um acervo riquíssimo. Dirigi uma solicitação ao então
presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, no sentido de
incluir a obra de Antônio Mariz na série Perfis Parlamentares, cujo
objetivo é o de reunir os discursos e as proposições dos mais
destacados parlamentares da Casa (LEITÃO, 2006, p. 11-12).

Essas homenagens feitas aos parentes de Mariz e também a sua pessoa mostram
que compartilham do mesmo prestígio, pois o grupo o qual fazem parte é indestrutível.
Como argumenta Regina Abreu, ao apresentar como a “nobreza” se imortaliza.

Mas o que, definitivamente, distinguiria a nobreza consistiria na


relação peculiar do todo com as partes, ou seja, da nobreza, enquanto
grupo social, com cada nobre em particular. Duas metáforas seriam
importantes. Uma, a do metal nobre. Tal como o ‘metal nobre’, a
nobreza estaria associada a relativa indestrutibilidade. Essa substância
impregnaria o grupo de tal modo que, quaisquer que fossem as
características particulares que os nobres adquirissem, fosse no tempo,
fosse no espaço, o valor do grupo permaneceria estável (ABREU,
1996, p. 58).

Continua:

Outra metáfora seria a da árvore genealógica. A substância distintiva


da nobreza circularia pelo todo e também pelos indivíduos, da mesma
forma que, numa árvore, a substância que compõe a fruta é a mesma
que circula pelos troncos e galhos e folhas. No interior da nobreza não
haveria hierarquia. Todos os indivíduos compartilhariam do legado de
status do grupo, isto é, dos valores positivos acumulados (mérito,
distinção, prestígio). Cada elemento do grupo desfrutaria das glórias
dos mais afamados membros. Haveria um sentido peculiar de
totalidade, onde a notabilização de um elemento ou de uma família
seria extensiva a todos. Assim, a nobreza revelaria especial tenacidade

33
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

para a conservação dos laços fundados na tradição (ABREU, 1996, p.


58).

Quem nos ajuda a entender a importância de um sobrenome familiar é a autora


Serioja Mariano (2005; 2011), que trata das “redes familiares”. A autora analisa a
dinâmica da política paraibana relacionando a atuação das elites regionais e suas
conexões. Redes familiares que atuam no poder desde a Província e se perpetuam até
hoje são observadas nas alianças de famílias por meio dos laços matrimoniais e de
redefinições políticas que se utilizaram de partidos e cargos. A família é uma instituição
que vai se transformando nas suas práticas sociais, sendo vista como unidade básica da
ordem política. De acordo com a autora, a família é considerada como uma unidade
institucional e social baseada em laços de sangue e matrimônio. As alianças entre as
elites se efetivavam pelo casamento ou herança, e a riqueza se constituía em um forte
fator para a associação.
Uma das estratégias utilizadas para ampliar as redes de poder era a união entre
os membros de famílias importantes da elite local. Por sua vez, essa estratégia
viabilizava a criação da elite local e viabilizava a criação de partidos. A longa
permanência no poder e a participação dessas famílias na administração pública são
exemplos das associações familiares das elites que consolidaram os laços de parentesco
e passaram a dominar o cenário político nas Câmaras, nos cargos públicos, na
Assembleia provincial, entre outras esferas de poder. As associações de famílias são
grupos que forma sociedades organizadas em função de alianças de parentesco, com
vistas à obtenção e manutenção do poder político e econômico.
Os sobrenomes funcionavam como projeção da honra da família, como pré-
requisitos políticos e como sinônimos de status social. Os sobrenomes serviam para
fixar redes ou ramos de famílias, a exemplo da cidade de Sousa com as famílias
Gadelha, Oliveira e Mariz. As redes de parentesco foram uma das principais estratégias
utilizadas para permanecer na administração pública. O que se comprova com a
presença constante de sobrenomes da mesma linhagem ou até mesmo a junção de
famílias das elites locais, ao longo do tempo.
Com base nos escritos de Serioja Mariano (2005; 2011), a atuação dos grupos
familiares foi fundamental na montagem do processo de autonomia política do Brasil,
quando visto a partir da situação da Paraíba. As estratégias utilizadas protegiam o
prestígio e o status social das camadas dominantes e estavam condicionadas por fatores

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

locais adaptados ao contexto político. O sistema político por vezes se confundia com o
domínio das famílias na política local, havendo a preocupação se esses grupos
familiares estariam servindo ao poder central ou defendendo seus interesses locais.

Sonho interrompido: Antônio Mariz, governador da Paraíba

Em 15 de novembro de 1994, com 781.349 votos, Antônio Marques da Silva


Mariz foi eleito e realizou o seu sonho de ser governador da Paraíba. Tomou posse no
dia 1° de janeiro de 1995, aos 57 anos de idade, segundo a jornalista Fátima de Araújo
(1996), sem festa, sem pompas. A jornalista descreve no livro “Antônio Mariz – A
trajetória de um idealista” todos os feitos de sua posse:

O primeiro dia no Palácio da Redenção foi um misto de emoções


incontidas, uma pauta enorme de problemas para solucionar e muito
trabalho. A fotografia de Antônio Mariz foi afixada nas paredes de
todas as repartições estaduais e, nas ruas, o novo governador recebeu
o carinho do povo paraibano.
Após a Missa em Ação de Graças, celebrada pelo arcebispo da
Paraíba, Dom José Maria Pires, ao lado dos padres João Andreola,
Fernando Abath e João Cartaxo, o governador Antônio Mariz tomava
posse, exatamente às 9 horas e 30 minutos daquele 1° de janeiro, na
Assembleia Legislativa (ARAÚJO, 1996, p. 51).

E continua:

Terminada a sessão extraordinária na AL, o governador empossado


seguiu, a pé, até o Palácio da Redenção, acompanhado do ex-
governador Cícero Lucena, do então vice-governador, José Maranhão,
e de secretários do Estado. No palanque armado em frente ao Palácio,
onde já se encontravam familiares do governador, amigos e
autoridades, discursaram Cícero Lucena, Antônio Mariz e Gilvan
Freire, à época presidente do Poder Legislativo (ARAÚJO, 1996, p.
51).

A situação da Paraíba não era uma das melhores no cenário nacional, pois o
estado passava por uma forte crise financeira.
Destacaremos algumas propostas política, em seus principais pontos, a partir do
que relatam seus amigos, correligionários, admiradores:

Antônio Mariz, ainda que em pouquíssimo tempo, imprimiu a sua


marca de governar. Já no discurso de posse deixou clara a opção
preferencial pelos pobres. Nessa linha, celebrou uma estreita parceria

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

com a Igreja Católica, através do arcebispo da Paraíba, Dom José


Maria Pires. Num gesto político ousado e polêmico, mandou retirar do
piso do Palácio da Redenção os mosaicos com desenhos nazistas ali
implantados há seis décadas. Determinou ao secretário de Educação e
Cultura que elaborasse um arrojado programa de educação pública e
que instalasse bibliotecas nos quatro cantos do estado, ou fizesse sua
ampliação nos lugares que já existissem. Priorizou os salários dos
servidores públicos e centrou grande preocupação na geração de
emprego e renda, através do fortalecimento do Projeto Meio de Vida.
Acertou com o presidente Fernando Henrique a construção do canal
para transposição de águas do sistema Coremas – Mãe d’Água para as
várzeas de Sousa. Ordenou ao secretário de Saúde a otimização da
rede hospitalar pública, pois não ia admitir que as pessoas humildes
não tivessem o mesmo tratamento que os ricos têm nos hospitais
particulares (LISBOA, 2006, p. 25).

Depois de eleito e empossado, suas condições de saúde eram críticas. Já havia


passado por uma bateria de exames e realizado cirurgia para o tratamento de câncer.
Entretanto, com o passar do tempo, a doença se agravou, interrompendo o seu sonho de
continuar governando a Paraíba.
A morte do governador Antônio Mariz “causou grande consternação à alma do
povo paraibano” (ARAÚJO, 1996, p. 61). Toda a Paraíba chorou e lamentou a morte
daquele que, segundo os próprios paraibanos, trouxera esperança ao estado.
Observamos em todas as honras voltadas para Mariz, a devoção que se perpetua até hoje
através de homenagens e discursos. Essas homenagens estão inseridas num ritual que ao
longo dos tempos estava ligado aos mais célebres personagens da história, à construção
de memórias imaculadas. Sobre isso, Regina Abreu (1996, p. 67) argumenta:

No campo da memória, os contornos do sujeito são delimitados


fundamentalmente a partir das construções póstumas. Máscaras,
mortuárias, discursos por ocasião do enterro e biografias são algumas
das formas de manter viva a memória do indivíduo. Memória que,
diga-se de passagem, é construída item por item.

A sua base aliada e familiar fortaleceu muito bem a sua trajetória de político,
como descreve o jornalista Nonato Guedes:

O destino foi cruel e traiçoeiro com o político Antônio Mariz. Um dos


quadros mais preparados da geração política recente do Estado,
homem de integridade à toda prova e com profunda sensibilidade para
as questões sociais e as posições reformistas, Mariz tornou-se um dos
poucos homens públicos talhados para realmente assumir o governo e
implantar transformações capazes de demolir as estruturas arcaicas do
sistema político dominante. Ele se preparou ardentemente para esse
desafio e assimilou como poucos, um domínio da realidade de pobreza

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

e de miséria do povo, além de descortinar soluções que, com certeza,


gostaria de ter colocado em prática como a sua contribuição à
melhoria do padrão de vida dos deserdados do modelo injusto e
concentrador de renda (ARAÚJO, 1996, p. 80-81).

Observa-se na fala do jornalista uma crença total em Mariz, como homem que
veio salvar a Paraíba da situação precária em que se encontrava. As biografias traçadas
por políticos e simpatizantes que acompanharam Mariz em todos os momentos, pousam
numa ilustração de perfeição.
Regina Abreu (1996, p. 67-68) continua:

As homenagens póstumas recriam a pessoa no templo da memória.


Algumas pessoas que notabilizaram nos campos da arte, da política ou
da ciência contratam em vida escritores de sua preferência para redigir
suas biografias. Outras chegaram a organizar um arquivo pessoal
induzindo a elaboração de sua posterioridade. Nesses casos, fica
evidente o valor crescente que o Ocidente moderno, por intermédio da
memória, tem conferido à imortalidade dos sujeitos. O conjunto
desses memoriais dos sujeitos é incorporado à história da humanidade,
em sua trajetória linear de acumulação das várias histórias individuais.

Com esse argumento da autora Regina Abreu (1996), podemos fazer uma análise
dessas homenagens póstumas feitas aos “grandes” políticos que tiveram suas histórias
escritas, imortalizando os seus feitos e suas representações para uma nação que tem, por
exemplo, a memória de Getúlio Vargas indissociavelmente vinculada à luta da classe
trabalhadora; assim como a memória de João Pessoa está indissociavelmente ligada a de
um “santo” e “herói”. A junção de toda a fabricação desta engrenagem, no qual o
cidadão faz parte significa a “morte em carne e osso e o nascimento do imortal”
(ABREU, 1996, p. 69).
Os estudos feitos sobre a vida pessoal e política de Antônio Mariz foram feitos
por amigos e contemporâneos. Esses escritos trazem uma história que enfatiza um
homem coerente com suas ações e que zelaria pelo bem público. Observamos que os
amigos têm uma preocupação em mostrar que a vida de Mariz pertence(u) ao povo. Isso
nos faz lembrar a história linear e a exaltação feita a Mariz, que nasceu num campo
propício a se tornar um homem público através da própria educação dada pela família.
Essa construção na memória social, construída ao longo dessas décadas,
impulsionada por escritores amigos e familiares, pode ser explicada pelos argumentos
de José Luciano de Queiroz Aires (2013) quando fala da “memória coletiva, lugares de
memória e lugar social”, ao dialogar com autores como Maurice Halbwachs, que

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

“defende o princípio de que as memórias, mesmo as individuais, são sempre


condicionadas pelos grupos sociais aos quais se ligam, física e afetivamente”
(HALBWACHS apud AIRES, 2013, p. 137).
Vivemos num mundo corrido, onde estamos a todo o tempo surpreendidos por
muitos acontecimentos. Com a velocidade que chegam os fatos e a rapidez como se
passam, estamos ameaçados pelos esquecimentos ligeiros dos fatos. Sofremos vários
estímulos durante o dia, por isso a ideia criada pelo historiador francês Pierre Nora
quando fala de “lugares da memória”. Sobre isso, José Luciano de Queiroz Aires (2013,
p. 138) afirma:

Diante dessa ameaça, aparecem os lugares de memória expressando a


dimensão da memória, na sua interioridade, e sim, no campo da
cultura material. São monumentos, bibliotecas, arquivos, centros de
memória, museus, etc., incumbindo-se da representação de uma
memória arquivada [...].

As obras pesquisadas que tratam da vida de Antônio Mariz não demonstram


vestígios de uma história crítica que problematize as ações do mesmo, mas sim uma
história factual baseada na linearidade e na heroicização. Esses trabalhos foram feitos
por jornalistas, advogados e políticos que tinham como objetivo narrar a história como
“de fato aconteceu” segundo seus pontos de vista. As obras desses autores se
assemelham a uma visão historiográfica própria do IHGB/IHGP, que tem como objetivo
construir uma História

[...] narrativa, linear, factual, política, biográfica, decorativa, centrada


nos ‘heróis’ como sujeitos, concepção essa que, de tanto ser produzida
e reproduzida da História e do Ensino de História, formou
subjetividades, inclusive no senso comum, do que deveria ser objeto
da ciência História (AIRES, 2013, p. 141).

Ainda nas obras feitas sobre a vida de Antônio Mariz, os escritores têm a
preocupação de expor todos os documentos escritos que registram a conquista do
político: diplomas, relatórios, discursos, sua participação nas decisões políticas
nacionais, os depoimentos dos seus correligionários, transformando tudo isso em uma
História política tradicional, como aconteceu com outras figuras que registram a forma
tradicional de fazer História.
Com isso, a atuação política de Antônio Mariz de prefeito de Sousa a
governador da Paraíba é caracterizada como uma “nova era”, com novos sonhos, novas

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

expectativas, contrapondo as “velhas” administrações. Como cita o deputado federal


pelo PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) José Aldemir, em
homenagem a Antônio Mariz:

Antônio Mariz era a síntese de nobreza, caráter e honradez e, durante


a sua vida pública, foi um homem singular que engrandeceu a
atividade política e só legou bons exemplos aos pósteros.
Mariz foi forjado nas lides estudantis no início da explosiva década de
60, quando iniciou sua vida pública na Prefeitura de Sousa, ao derrotar
uma administração marcante que lhe valeu o reconhecimento de toda
Paraíba (ARAÚJO, 1996, p. 178-179).

Essa homenagem constrói à política de Mariz a ideia de o “novo” derrotar uma


dinastia de “coronéis”. Essa dinastia de “coronéis” seriam as famílias tradicionalistas da
época, como a Gadelha e a Oliveira. Continuando a homenagem à Mariz feita por José
Aldemir:

Antônio Mariz certamente vai deixar um grande vazio na política


brasileira e por isso será sempre lembrado e reverenciado por aqueles
que cultuam a honestidade, a ética e a política em nome do bem
comum e da moralidade pública [...]. Ele vai continuar vivo na
memória dos brasileiros, tanto pela obra que realizou quanto pelas
lições que legou. A morte não é o fim, é apenas um movimento,
porque a Paraíba continuará sendo governada por aquele que saiu de
sua escolha pessoal e que certamente, dará sequência à administração
voltada para solucionar os graves impasses econômicos e sociais do
Estado (ARAUJO, 1996, p. 179).

Nessa citação, José Aldemir eleva Mariz a nível nacional quando diz que o
mesmo “vai continuar vivo na memória dos brasileiros”. E quando diz que a Paraíba
continuará sendo governada por aquele que saiu de sua escolha pessoal, dando
sequência à administração, referiu-se ao seu vice-governador, José Maranhão Targino,
que assumiria o poder depois de sua morte e que carregaria a missão de continuar
solucionando os graves problemas do estado.
O dia 16 de setembro de 1995 foi considerado o “domingo da saudade”, pois às
18h58m morria o governador Antônio Marques da Silva Mariz, deixando a Paraíba em
luto. O pronunciamento oficial foi dado pelo secretário Walter Santos. A emissora
Tabajara, que já estava de plantão acompanhando as últimas informações sobre o
quadro clínico de Mariz, descreveu todos os acontecimentos e se colocou como os
“olhos e os ouvidos do povo, registrando com fidelidade o fato histórico” (A UNIÃO,
1995). A rádio Tabajara transmitiu ao vivo todo o cortejo do governador Mariz. Em

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

conexão com a Tabajara estavam todas as emissoras de rádio do estado da Paraíba.


Segundo o livro “O Adeus a Mariz - A Cadeia da Solidariedade” (1995), os telefones
não paravam de tocar, todos queriam prestar suas últimas homenagens à Mariz e, como
o livro ressalta, “a Paraíba e o Brasil queriam chorar conosco a morte de Mariz” (A
UNIÃO, 1996, p. 7).
Como todos esses acontecimentos e homenagens ficaram registrados, os amigos
jornalistas e políticos tiveram a ideia de escrever um livro fazendo um apanhando de
todos os depoimentos e tributos no último adeus ao governador Antônio Mariz. Nessas
narrativas se descreve o passo a passo do velório, o cortejo e o sepultamento do
governador: “O velório no Palácio da Redenção e o sepultamento no Cemitério Senhor
da Boa Sentença, foram marcantes, pela simplicidade e pela presença popular.
Definitivamente Mariz é uma legenda” (A UNIÃO, 1993, p. 7).
Nessa declaração do radialista Petronio Souto, observamos a legitimação do
homem popular e a simplicidade que o mesmo tinha, repassando a ideia do quanto era
aceito e querido pelo povo paraibano. O radialista reafirmou essa ideia no decorrer do
seu depoimento quando diz:

Mariz é para o povo da Paraíba o que o Rei Dom Sebastião é para o


povo de Portugal. Dom Sebastião era um rei jovem, culto, justo,
corajoso, trabalhador, querido pelo povo. Foi combater os Mouros
com as Cruzadas. Morreu e seu corpo jamais foi encontrado. Até hoje
os portugueses esperam a volta dele. Mariz é o nosso Sebastião. Morto
aguardaremos a sua volta. Eternamente (A UNIÃO, 1995, p. 8).

Ao falar de Mariz morto, o radialista Souto contribui significativamente para a


construção de sua figura política como um mito que se foi e que deixa uma lacuna na
sociedade paraibana. A referência feita à Mariz como a de um “cavaleiro português” dá
ao leitor a conotação de que a sua ausência tem significância de perda irreparável, não
só do ponto de vista político, mas também do ponto de vista moral. Revelando uma
imagem positiva de Mariz, que não era dada desde sempre, mas construída no percurso
de sua trajetória política e no momento de seu desaparecimento (morte).
Depois de sua morte, o mito Antônio Mariz ganhou maiores dimensões. Essa
dimensão que ganham os mitos políticos é analisada pelo escritor Raoul Girardet (1987,
p. 82): “Quanto mais o mito ganha amplitude, mais se estende por um largo espaço
cronológico e se prolonga na memória coletiva, mais se deve esperar, aliás, ver os
detalhes biográficos, as características físicas ganhar importância”.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Sendo assim, o mito Antônio Mariz, desde sua morte até os dias de hoje, vem
ganhando força na memória social, despertando interesses de muitos estudiosos para
escreverem a sua história, privilegiando e cristalizando o seu papel dentro da história
política nacional e regional.

Como nasceu o mito Antônio Mariz?

O que se pode perceber dentro da tradicional história política, especialmente no


Brasil, é a existência de homens considerados fortes, desbravadores e heróis. Temos
como exemplo desse modelo de historiografia, como mártir na história política do
Brasil, o presidente Getúlio Vargas que, no decorrer do seu mandato, foi “herói e
bandido”, sendo cristalizado como pai dos pobres. Na Paraíba, o próprio João Pessoa
entrou para a história como mártir e herói. Como diz o escritor José Luciano de Queiroz
Aires (2013, p. 41-42), “Para João Pessoa vivo, criou-se a imagem de um estadista;
morto, virou herói, a ponto de o historiador Wellington Aguiar compará-lo ao Hércules
da mitologia grega”.
Na cidade de Sousa esse herói mitificado, sem sombra de dúvida, foi o ex-
prefeito Antônio Mariz, que derrubou o poder existente na época e implantou uma nova
forma de governo e, assim como João Pessoa, “morreu jovem, coberto de glória,
cumprindo a profecia anunciada ao nascer” (AIRES, 2013, p. 41).
Em seus discursos, Mariz usava frases de cunho forte para emocionar e
fortalecer nas pessoas os seus ideais políticos. Tudo o que foi dito e explicado sobre
Antônio Mariz é fruto dos discursos realizados por uma coletividade que exaltava os
seus feitos. Essa memória coletiva, ou melhor, dizendo, essa memória social, contribuiu
e contribui para a construção imagética de Mariz enquanto agente público e promotor de
ações voltadas para o bem-estar social do povo sousense e paraibano. Assim como
Getúlio Vargas está para o brasileiro como melhor presidente, Mariz está para Paraíba e
para a memória sousense como exemplo de homem público e de postura correta,
evidenciando que o discurso e as ideologias propaladas são retratos dessa construção
mitificada.
Em um dos trechos do livro “Antônio Mariz - A trajetória de um idealista” da
autora Fátima Araújo (1996), nas homenagens feitas depois de sua morte, há um
discurso do Jornalista Nelson Coelho que diz:

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Justo, honrado e digno: a face franzida da sociedade espelha uma dor.


As lágrimas derramadas pela população refletem um sentimento de
saudades... Alguém vai embora, deixando um rastro de admiração
ligando um exemplo de probidade e projetando, pela senda da história,
um cidadão que soube exercitar o bem abominar o mal. Vale
testemunho de uma geração fica a imagem de um líder (ARAÚJO,
1996, p. 75).

Depois desse, podemos entender que a imagem fabricada de Mariz foi resultado
de discursos que ressaltaram as lutas enfrentadas no decorrer da vida política, que as
pessoas passaram a admirar. A esta discussão, podemos incluir as análises de Michel
Foucault quando ressalta a força do discurso:

[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo


controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número
de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos,
dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade (FOUCAULT, 1996, p. 08-09).

Dialogando com Michel Foucault, o sujeito só apresenta em seu discurso


o que realmente lhe interessa, o mesmo seleciona e organiza a construção de um
discurso. Portanto, para elaborar essa imagem que foi construída de Mariz, seus
admiradores realizaram a seleção dos melhores acontecimentos. Esse discurso soberano
foi de suma importância para a construção dessa memória coletiva ou social do “herói”.
Antônio Mariz surgiu na cidade de Sousa em um momento que as
pessoas eram governadas pelos empresários da época, pelos donos das usinas de
algodão, a população se via sem opção de um novo governo. O que Mariz propunha em
seu discurso era uma mudança de valores, rompendo com as velhas práticas e assim
criando uma nova política. O que as pessoas viam diante da figura do líder político era a
solução para os problemas sociais da cidade. Os discursos de Antônio Mariz
correspondiam aos anseios da população. Como Antônio Mariz entrou muito jovem na
política, essa juventude se tornou um símbolo de esperança para os sousenses.
Depois que venceu as eleições de 1963, pelo PTB (Partido Trabalhista
Brasileiro), Mariz colocou em prática os seus planos de ação. Na época de prefeito,
usou alguns mecanismos que o fizeram se tornar pioneiro na política local, com a
“valorização do trabalho”, as “prestações de contas”, a “construção de escolas” e a
“força do seu discurso”, enfatizando a valorização do trabalhador e o investimento na
educação.

42
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Antônio Mariz soube usar muito bem outros recursos que ajudaram na
fabricação de sua figura política. Um desses recursos foi a própria mídia, sendo o
primeiro político de Sousa a fazer prestação de contas na emissora de rádio, usando essa
ferramenta para se promover. Como diz René Rémond (2003, p. 441),

Com mais forte razão, os meios de comunicação não são por natureza
realidades propriamente políticas: podem tornar-se políticos em
virtude de sua destinação, como se diz dos instrumentos que são
transformados em armas.

Como se observa até hoje, a mídia é uma importante arma que pode ajudar ou
prejudicar uma pessoa. Quanto à imagem de Antônio Mariz, foi sempre elevada pelos
amigos e familiares, ressaltando sempre sua descendência familiar justa, ordeira e
religiosa. Mariz exerceu uma carreira profissional tida como exemplar e fiel aos seus
princípios, conseguindo incorporar esses recursos nos seus discursos e dando uma
forma sólida a sua carreira política.
René Remond (2003) afirma que o político se destaca dentro do governo, por
exemplo, em tempos de guerra, de abastecimento dos exércitos, da divisão da escassez,
pois cabem ao poder público. Dentro do contexto social e político de Sousa, analisando
as propostas do governo de Antônio Mariz e o que realmente colocou em prática,
destacam-se atos e benefícios para a população não realizados por governos anteriores.
Essa preocupação pelo lado social e trabalhista que Mariz destacou levou a
população carente a admirá-lo, a tê-lo como salvador dos oprimidos. Surge-nos a
pergunta: Mariz soube traçar uma boa estratégia política quando se aproximou da cidade
de Sousa? Sim, sem dúvida, pois Mariz demonstrava querer estar presente em todos os
momentos da vida da população.
O que realmente aconteceu nas disputas políticas entre as alianças políticas da
cidade de Sousa na década de 1960 pode ser interpretado como uniões feitas por grupos
que não tinham afinidades. Isso quer dizer que os vários grupos representados pelos
seus líderes políticos faziam intrigas entre si de modo que cada grupo elevasse o seu
próprio representante para poder disputar e excluir o outro candidato. Contudo, surge-
nos outra pergunta: como o grupo de Mariz conseguiu utilizar desse ressentimento da
população sousense para suscitar diferentes emoções e conseguir o apoio dos cidadãos?
Mariz, assegurado desse discurso e desse sentimento, conseguiu o apoio da população
que se sentia dominada pela velha ordem.

43
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Dessa forma, o que nos cabe analisar, e até então não foi dito em nenhum outro
trabalho de pesquisa sobre a política de Sousa no período em que Antônio Mariz fez
parte, é exatamente essas estratégias que a figura de Mariz usou para conquistar as
pessoas, como essa imagem é apresentada, ou seja, reconstruir essa história que o
transformou num símbolo de herói e mito para a posteridade. Usando esses mecanismos
em plena década de 1960, não há dúvida que Mariz se destacou, pois eram atos não
vistos antes pela população, feitos que marcaram a vida política e a construção dessa
imagem social da população sousense.
Ainda na homenagem feita a Antônio Mariz depois de morto, Nelson Coelho usa
palavras de Getúlio Vargas quando diz:

E ele (Antônio Mariz) depois de governador, se vai. Sai da vida para


entrar na história. Os grandes o recebem como um deles, percebem o
valor do seu trabalho, adotam o seu exemplo e o elegem companheiro
na tradição e na história, dividindo as honras no altar dos ídolos da
terra de André Vidal de Negreiros (ARAÚJO, 1996, p. 76).

Observa-se que o objetivo desses companheiros de trajetória política de Antônio


Mariz era compará-lo com os grandes nomes da nação brasileira: o próprio Getúlio
Vargas e André Vidal Negreiros, onde Antônio Mariz vem dividir “as honras no altar
dos ídolos”, tanto quanto outros homens que morreram em prol de um objetivo e foram
comparados a “heróis” de seu povo. Como aqueles que morreram defendendo os seus
ideais, Mariz o foi para o povo de Sousa e da Paraíba, como demonstra a fala de Inaldo
Leitão:

A solidariedade do humilde, o respeito aos direitos dos trabalhadores,


a atenção aos estudantes, a sensibilidade com a saúde dos
desamparados e a busca constante por justiça e igualdade sempre
estiveram na agenda de Mariz. Diria que ele viveu com a preocupação
centrada nesses objetivos e fez deles a razão de seu ingresso na vida
pública (LISBOA, 2006, p. 14).

Portanto, depois de morrer como governador da Paraíba, Mariz se eterniza como


símbolo maior do estado, como homem correto que proclamava a igualdade. Com toda
comoção de amigos, políticos e familiares foram criados lugares de memória, e é nesse
lugar que Antônio Mariz é lembrado.
Como discutimos no início, Antônio Mariz, no seu trabalho operacional, e a
forma como foi construído diante da população, é comparado aos homens mais altos

44
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

dos escalões da política do Brasil. Homens que foram consagrados na história através de
discursos, carregando sozinhos os atos mais corajosos de lutas e conquistas. O escritor
Raoul Girardet (1987) ao analisar os feitos de homens que entraram na história como
heróis, faz a seguinte reflexão:

Toda a questão está, evidentemente, em saber como se opera a


passagem do histórico ao mítico, como opera, em outras palavras, esse
misterioso processo de heroificação, que resulta na transmutação do
real e em sua absorção no imaginário... Tornando-se a interrogação,
ali sempre detectável de construção mítica, de certa parcela de
manipulação voluntária. Sem chegar ao ponto de evocar as formas
contemporâneas, mais sistemáticas e mais maciças, da propagação
política, a própria lenda napoleônica permanece, em relação a isso,
suficientemente exemplar. Os Boletins do Grande Exército, as
encomendas da iconografia oficial, a utilização do teatro e da música,
por fim o Testamento de Santa Helena testemunharam, sem equívoco,
um desígnio organizado de fabricação. Os etnólogos nos ensinam: não
existe xamamismo sem uma certa encenação, nem feiticeiro que não
seja também ator (GIRARDET, 1987, p.71-72).

Essa reflexão que nos traz o autor Girardet (1987) leva-nos a verticalizar a
racionalidade que é dada ao historiador em perceber que na fabricação de um
personagem existem dois lados: o que é real e o que é fruto do “imaginário”. Existe o
lado da “intencionalidade”, o que foi selecionado para ser dito e perpetuado da imagem
do político Antônio Mariz, e o lado dos atos espontâneos, ou seja, a base concreta sobre
o qual o mito é construído.
Esses feitos marcaram a vida política e a construção dessa imagem social da
população sousense. Por sua vez, essa memória social que foi criada de Mariz nos leva a
buscar uma análise de como isso se perpetuou através desse monumento: sua antiga
casa na cidade de Sousa, herança de familiares, que depois virou a casa oficial quando
prefeito da cidade e se transformou em Memorial. A casa onde Mariz morou quando
prefeito de Sousa nos ajudou a entender essa memória cravada na sociedade. E uma das
pessoas responsáveis por essa preservação foi a sua própria esposa, juntamente com
suas duas filhas, amigos e familiares.
O que iremos discutir neste momento é o que fazer com a memória de Antônio
Mariz, os discursos, os documentos e a própria casa. Quais significados tudo isso
apresenta?
Com todas essas recordações, é como se o passado estivesse sempre presente,
apesar de não poder revivê-lo, recuperá-lo. A lembrança de Mariz está sempre presente

45
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

no cotidiano da cidade, nas redes de comunicação social, nos discursos políticos. Com
esse sentimento de perpetuar essa reminiscência, a sua esposa Mabel, com suas duas
filhas e amigos, tiveram a ideia de transformar a antiga casa onde residiram em uma
fundação, com isso, foi criada em 1995 a “Fundação Antônio Mariz”, que em 2014
passou a ser o “Memorial Antônio Mariz”.
O “Memorial” não tem apenas um valor material, onde encontramos os móveis,
quadros de parede com imagem de seus antecedentes, o próprio quarto como era antes,
os objetos pessoais como as roupas, etc. Tem, principalmente, um valor simbólico da
continuidade de um grupo familiar que fez parte da elite social e política da Paraíba.
Como diz Regina Abreu (1996, p. 34), “Os objetos que compõe um museu estão
investidos de uma série de significados simbólicos dos quais emanava o prestígio e o
poder de uma série de pessoas”. Essas escolhas de objetos, desses significados, foram
fortemente influenciadas pela própria esposa Mabel Dantas, que deu apoio à construção
da imagem política do esposo.
Depois de sua morte, amigos e familiares passaram a zelar cada vez mais por sua
memória e cultivar essas lembranças para que nunca fossem esquecidas. Até hoje a casa
recebe o cuidado da viúva que, ao visitar a cidade de Sousa, vai ao Memorial. Os
amigos também zelam a casa e contam toda trajetória política de Mariz, assim como de
seus familiares, ressaltando sempre as conquistas árduas.
Apesar de o Memorial ter sido construído na residência de prefeito com a
intenção de transparecer a sua vida pública, também abriu espaço para a sua vida
privada, como o acesso a seu quarto, à sala de jantar e à cozinha, aos álbuns de
fotografia que trazem as recordações da vida de infância e familiar e também das
disputas e campanhas políticas, lembranças de sua formação acadêmica como
advogado, diplomas e cadernos com anotações: o aspecto físico da casa até hoje
continua o mesmo. A casa do ex-prefeito e hoje Memorial tem um significado maior
que os próprios objetos, pois isso não é medido pela sua força material, mas sim pelo
significado simbólico que apresenta. Tudo o que está exposto em seu memorial tem um
valor único, carrega um valor histórico da família que é apreciado por todos os
moradores da cidade de Sousa, legitimando essa importância do mito Antônio Mariz e o
recolocando em constante evidência.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

REFERÊNCIAS

ABREU, Regina. A Fabricação do Imortal: Memória, História e Estratégias de


Consagração no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
AIRES, José Luciano de Queiroz. A fabricação do mito João Pessoa: batalhas de
memórias na Paraíba (1930 – 1945). Campina Grande: EDUFCG, 2013.
ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos. In: BRESCIANI, Stella;
NAXARA, Márcia (Orgs.). Memória/(res)sentimento: indagações sobre uma questão
sensível. Campinas: Editora da Unicamp, 2004.
ARAÚJO, Fátima. Antônio Mariz: A trajetória de um idealista. Paraíba: A União,
1996.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo, Loyola, 1996.
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia das Letras, 1987
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.
LISBOA, Cláudia. Perfil parlamentar: Antônio Mariz. Brasília: Câmara dos
Deputados Coordenação de Publicações, 2006.
MARIANO, Serioja Rodrigues Cordeiro. Família e Relações de Poder na Capitania
da Paraíba: o Governo de Jerônimo de Melo e Castro (1764-1797). Actas do
Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades.
Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2005.
_______. Culturas políticas, administração e redes familiares na Paraíba (1825-1840).
Saeculum - Revista de História, v. 24, João Pessoa, [s.p.], 2011.
MOURA, Fernando (Org.). O adeus a Mariz: a cadeia da Solidariedade. João Pessoa: a
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OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Paraíba: história e imagem (Uma leitura dos
vídeos Parahyba e Para'iwa). Boletim de Pesquisa Unipê, v. 01, João Pessoa, p. 89-95,
1998.
PORDEUS JUNIOR, Augusto Marques. Antônio Mariz: o mito político na Paraíba
(1990-1995). Monografia (Graduação) – UFCF/CFP, 2015.
REMOND, René (Org.). Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O SENTIMENTO ANTICOMUNISTA NOS JORNAIS PARAIBANOS,


CORREIO DA PARAÍBA E DIÁRIO DA BORBOREMA (1960-1964)

Amelia Neta Diniz de Oliveira1

Introdução

Com a presente pesquisa, pretendemos dar continuidade e ampliar a investigação


que foi realizada no PIBIC, cota (2015-2016), na Universidade Estadual da Paraíba, tal
projeto foi orientado por José Adilson Filho, o trabalho foi intitulado de “O medo
Vermelho: Representações e seus derivados em jornais paraibanos ( 1960-1964)”, para a
realização desse trabalho utilizamos um grande número de periódicos que nos ajudaram
a compreender as representações que foram sendo construídas em torno do comunismo.
Tal artigo foi construído com objetivo de publicitar os resultados da nossa
pesquisa e também buscar novas contribuições, pois entendemos que nosso tema como
outros temas da área de histórias estão sempre sendo resinificados. Para isso nos
propusemos a discutir o sentimento anticomunista em jornais paraibanos, utilizando
assim recortes do nosso relatório final do projeto e problematizando outras questões que
são apresentados no plano cotidiano das pessoas.

Revisitando a historiografia

Evidentemente, impuseram-se certos critérios e recortes. Em primeiro lugar,


faremos uma breve discussão acerca da produção historiográfica realizada no período
de 1960 a 1964. Esta opção está ligada ao nosso campo de estudo, isto é, o
anticomunismo. Destaco aqui, alguns trabalhos da historiografia brasileira, entre eles,
alguns que são anteriores ao nosso recorte temporal, entre esses podemos ressaltar os
que foram de grande relevância como o trabalho de Ângela de Castro e Jorge Ferreira,
que no livro "1964", que se propuseram a narrar e explicar as origens da crise que levou
à deposição de João Goulart e ao início da nossa última ditadura. Esse trabalho nos
permitiu observar os momentos em que se preparam o golpe no Brasil, nos oferecendo
assim elementos capazes de nos trazem reflexões críticas, buscando construir analises
que ajudem a compreender e questionar o que o outros autores já produziram.

1
Aluna do curso de Graduação em História da Universidade Estadual da Paraíba. Trabalho apresentado
em simpósio temático de História Política. Novembro de 2016. E-mail: [email protected].

48
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Na obra de Carlos Fico, "O Golpe de 1964", o autor trabalha o evento chave da
História do Brasil recente. Nos ajudando a compreender o que dificilmente, se
compreenderá o pais de hoje sem que se perceba o verdadeiro alcance daquele momento
decisivo, o golpe de 1964. Nesse sentido utilizamos a obra no objetivo de compreender
um dos eventos mais decisivos da história recente do Brasil, o regime que durou 21
anos, utilizando ainda essa obra por seu caráter didático, sem tantas amarras
acadêmicas.
Daniel Arão Reis, em seu livro, "A Revolução que Faltou ao Encontro", trouxe
elementos essenciais para construção da nossa pesquisa, pois contribuir no intuito de
entendemos as organizações comunistas brasileiras, os caminhos trilhados por esse
lideres, os fracassos da revolução que não ocorreu da maneira que eles imaginaram.
Através dessa obra, Daniel trouxe depoimentos importantes para nos fazer pensar sobre
a atuação da esquerda brasileira.
Uma das obras mais importantes para pensar sobre o anticomunismo brasileiro, é
a tese de Rodrigo Patto de Sá, intitulada de, "Em guarda contra o Perigo Vermelho: O
Anticomunismo no Brasil (1917-1964)", no qual o autor desenvolve uma amplo
trabalho sobre o impacto desenvolvido pelo anticomunismo no Brasil, trazendo à tona o
papel desse fenômeno em pleno século XX, particularmente nas conjunturas políticas de
1935/37 e 1961/64,quando as ameaças impostas pelo comunismo fornecem o principal
argumento para as duas principais rupturas institucionais, mais sérias do período
republicano, nos ajudando assim a refletir sobre as origens dos regimes autoritários de
maior duração já sofrido pelo país.

Historiografia Paraibana

Na historiografia paraibana, podemos destacar brevemente alguns trabalhos que


enfocam de maneira breve alguns aspectos sobre o anticomunismo no cenário
paraibano. Um deles é obra de Gilbergues Santos, intitulada de "Heróis de uma
Revolução Anunciada ou aventureiros de um tempo perdido? A atuação das
organizações de esquerda em Campina Grande- 1968-1972.
Nessa obra o autor reconstrói o percurso que vai da fundação dos partidos
comunistas no primeiro quatro do século XX, a intepretação daquilo que denomina de "
pobre tradição democrática da sociedade brasileira", ao período crítico e mais repressivo
do governo militar instalado no país a partir de 1 de Abril de 1964. Mesmo pertencendo

49
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

a um recorte temporal diferente da nossa pesquisa, essa obra serviu para pensar sobre o
comunismo e o fracasso sofrido pela esquerda paraibana, enriquecendo assim nosso
debate em torno de questões que premeiam o espaço do comunismo.
Outro trabalho que merece destaque na Historiografia paraibana é a tese do
Faustino Teatino Cavalcante Neto, intitulado de " A ameaça vermelha": O Imaginário
Anticomunista na Paraíba (1917-1937), nesse trabalho o autor busca compreender como
se processou a constituição de um imaginário anticomunista paraibano entre 1917 e
1937, observando as suas regularidades e singularidades ao longo de sua dinâmica
histórica. Partindo desse pressuposto devemos destacar a importância elementar que
essa obra traz para nossa pesquisa, no objetivo de buscamos elementos para enriquecer
nosso debate sobre o anticomunismo paraibano.
Ressaltando ainda que esse trabalho foi o pioneiro, na problematização do
anticomunismo, que, até então, era relegado a um segundo plano pela historiografia
paraibana, em favorecimento é claro de questões consideradas de maior importância do
campo político. Desta forma não poderíamos deixar de mencionar esse trabalho,
mesmo pertencendo a um recorte temporal anterior.
Em segundo lugar, examina-se aqui trabalhos que, mesmo sem fazer referência
única e exclusivamente ao período de 1960- 1964. Possam nos auxiliar para melhor
entendimento, ao cenário que se moldou antes do golpe de 1964. Dessa forma
destacamos que alguns estudos contemporâneos foram, em alguns casos apenas citados
de maneira rápida e superficial se comparado aos estudos percussores e fundadores da
referida tradição.

Uso do conceito de Representação

Para melhor compreensão sobre o uso do conceito de representações ressaltamos


aqui que o conceito foi utilizado com objetivo de trabalhar as representações que foram
criadas em torno do comunismo e seus derivados em periódicos paraibanos. Para isso
Chatier2 (1990), nos propõe a investigação de como as práticas e as representações são
construídas buscando perceber estas últimas como elaborações que grupos fazem sobre
suas práticas. Para esse historiador “As representações remetem a classificações,

2
Chatier observa que o principal objetivo dessa corrente historiográfica (História Cultural) é identificar o
“modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída e
pensada, dada a ler.

50
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias


fundamentais de percepção apreensão do real”; e são sempre “marcadas pelos interesses
dos grupos que as forjam”. As representações, portanto podem fazer ver e fazer crer no
ausente, e esse poder de evocação tem efeitos de mobilização (conjunto de práticas).
Assim além de produzir efeitos de “real”, as representações produzem efeito no “real”.

[...] representações e ações não devem ser entendidas num viés


dicotômico, ao contrário são interdependentes: representações são
construídas mediante um processo ativo que envolve militância,
divulgação e propaganda e, ademais frequentemente tem
correspondência com interesse sociais; e ações e práticas sofrem
influência (não passiva) das representações, que muitas vezes moldam
os comportamentos de grupos sociais. Há que tem cautela também
para evitar um olhar simplista no que se refere as relações entre
representações e realidade. Se, de um lado, não é factível que as
representações apresentam uma imagem perfeita da realidade, por
outro não se deve supor a inexistência total de correspondência entre
os dois fatores. Representações são construções embasadas na
realidade ainda que muitas vezes versões caricaturais e mesmo
deformadas do “real” (MOTTA, 2002, p. 25).

Uso de periódicos

Como o presente artigo é construído por meio de periódicos, destaco aqui que
esses são minhas fontes e objetos de estudos, a nossa pesquisa, é construída por meio de
jornais paraibanos, e consequentemente fui convidada a me aventurar por campos pouco
explorados, levando em conta que muitos dos trabalhos no campo historiográfico tem se
afastados dos arquivos, devido a mal organização e o processo de burocratização para
chegar nesses espaços.
Para se trabalhar com tal tipo de fonte, utilizaremos como aporte teórico, o
trabalho da historiadora Tania Regina de Luca3. Afirma que pensar sobre a concepção
da história ser construída por meio de periódicos é algo relativamente novo. Pois afirma
que na década de 1970, havia um número pequeno de trabalhos que se valia de jornais e
revistas, como fonte para o conhecimento da História no Brasil. Desta forma podemos
destacar que o ideal da busca pela verdade, não contribuía muito para o uso das fontes.

3
No livro sobre Fontes históricas, organizado por Carla Bassanezi Pinsky, a autora Tania Regina de Luca
escreveu um artigo sobre o uso de Fontes imprensas, no qual ela discute a História dos, nos e por meio
dos periódicos, a autora trabalhar as concepções acerca de trabalhos que utilizam os periódicos como
fontes documentais, e ressaltar que é algo muito recente na historiografia brasileira. Diante de tais
questões ela nos mostra elementos que sejam capazes de nos ajudar e auxiliar no oficio do historiador.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Para essa situação colaborou a cultura historiográfica predominante no século XIX e as


décadas iniciais do século XX, que tinham como meta de alcance da verdade dos fatos.
Desta forma o historiador não se valia de fontes como os jornais que eram vistas
como enciclopédias do cotidiano, acreditando-se que esses jornais continham apenas
fragmentos do presente, realizados a partir de interesses, compromissos e paixões. Não
há aqui pretensão de dar conta totalmente desse assunto, aqui trabalhado, logo assim
desde de já peço desculpas por possíveis omissões e esquecimentos.

Enfim os periódicos, Correio da Paraíba e Diário da Borborema

Nossa pesquisa se constitui em analisar o anticomunismo, por meio de


periódicos paraibanos. O primeiro a ser analisado foi o jornal Correio da Paraíba, com
sede em João Pessoa. Começou a circular em Agosto de 1953, e se tonou uma das
principais fontes de informação na capital, foi fundado e dirigido por Teotônio Fonseca.
Para melhor compreensão acerca do tema, destacaremos o lugar social do fundador e
diretor desse jornal paraibano.

Lugar social de Teotônio Fonseca

Teotônio Fonseca tem uma trajetória de empreendedor de Santana dos Garrotes


(PB), nascido em 1918 é uma das razões e de todo o prestigio que o jornal Correio da
Paraíba tem hoje, jornal que ele fundou a 63 anos. Desde de sua fundação o jornal
sempre vinculava matérias de cunho político, trazendo cotidianamente uma coluna, que
falava dos principais fatos políticos ocorridos nas principais cidades paraibanas, do
Brejo ao Sertão, no entanto em sua maioria as matérias eram discretas e imparciais,
noticiava assim, os principais fatos da política local e nacional.
No ano de criação do jornal, quem estava na presidência era Getúlio Vargas, e a
Paraíba era governada por José Américo. O jornal sempre se destacou por fornecem aos
paraibanos uma boa amostragem do cenário nacional, bem como folhas de menor
expressão, que apesar disto são bem significativas para nossos fins, se levarmos em
conta que, noticiavam o anticomunismo de maneira mais geral ou ainda fatos
correlacionados a ele.
Entre tantas matérias pesquisadas no arquivo do Correio da Paraíba entre o
período de 1060/1964, podemos observar matérias em que se noticiavam que “Fidel

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Castro falavam” sobre a relação diplomática com o então presidente do Brasil Jânio
Quadros, “Fidel Castro virá assistir à posse de Jânio no Brasil”4. O Correio da
Paraíba, sempre noticiava matérias de cunho político e ideológico, pois trazia elementos
discursivos capazes de demostrar a tristeza ou repúdio que o povo brasileiro sentia a
vivenciar esse momento.
Com o passar dos anos o periódico, foi ganhando mais espaço na capital
paraibana, e consequentemente terminou se tornando o maior e mais lido periódico
paraibano, liderando o mercado editorial impresso, com uma tiragem diária de 75 de
participação na cidades paraibanas.
Em sua maioria as notícias vinculadas se referia à manchetes, opiniões e artigos,
que atuavam em torno da recepção de fatos nacionais, como idas e vindas na
presidência da república, ameaças de possíveis notícias sobre o nazismo em território
brasileiro, interesse dos Estados Unidos no desenvolvimento do Brasil, pedidos de
impeachment, suposta relação de Jânio com Fidel Castro, que posteriormente poderia
ser reconhecida como alianças em torno do Comunismo.
Entre tantas matérias vinculadas no jornal, eram muitas as que vinculavam com
objetivo de mostrar e publicitar a relação que Jânio Quadros, mantinham com o general
Fidel Castro. Determinada matéria tinha como principal manchete: “Jânio não fará um
governo medíocre: diz Fidel”5. Esse trecho é apenas uma das muitas matérias
vinculadas nesse periódico paraibano, que traziam muitas notícias do cenário político,
nacional e internacional.
Um dos fatos que mais impressionou durante as visitas a arquivo do Correio da
Paraíba, foi a capacidade que tal veículo de comunicação tinham de “meramente
reproduzir o que ocorria no cenário nacional”, pois esse primeiro, estava situado na
Paraíba, entretanto não noticiava quase nada sobre o estado, o que se falava sobre
política, era em sua maioria em nível nacional, são raras as vezes, que observamos
matérias com assuntos sobre a política paraibana.
Uma das poucas vezes que observamos matérias vinculadas à Paraíba, foram nos
periódicos de 1962, onde o assunto mais noticiado, inclusive na folha principal, foram

4
- O Correio da Paraíba,01/01/1961. Neste jornal era comum ser vinculado várias matérias sobre a
relação do presidente Cubano e o presidente brasileiro.
5
- Correio da Paraíba, 18/01/1961. Mais uma vez, o periódico fazia referência ao general Fidel Castro e
sua “relação diplomática”, que não era bem vista, pela ala conservadora brasileira.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

as notícias sobre As Ligas Camponesas6, mais especificadamente sobre a morte do líder


camponês, João Pedro Teixeira, em Sapé. Quase todos os dias se noticiavam a respeito,
sobre investigações policiais, possíveis assassinos, medo de uma revolta maior, ou ainda
medo de que as Ligas Camponesas se torna-se ainda mais resistentes no nordeste
brasileiro.
Dessa maneira podemos entender que, muitas das matérias vinculadas em
periódicos como o da Correio da Paraíba, serve para manifestar uma postura mais
imparcial do periódico, visto que noticiava “quase tudo” que era notícia no cenário
nacional. O que notamos de fato nesse periódico é a indiferença aos fatos que acontecia
na política paraibana. Portanto podemos afirmar que a postura de tal periódico, trouxe
poucas contribuições se comparado ao Diário da Borborema.
O segundo periódico a ser analisado é o Jornal o Diário da Borborema, que
circulou na cidade de Campina Grande no período de 1957-2012, esse jornal fazia parte
dos Diários Associados, tinha como diretor Assis Chateaubriand que se destacou entre
um dos magnatas na comunicações no Brasil, nos anos de 1939 e 1960. Dessa maneira
torna-se necessário que destaquemos o lugar social do diretor do Diário da Borborema.

Lugar social de Assis Chateaubriand

Francisco Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, mais conhecido como Assis


Chateaubriand ou simplesmente Chatô, depois da biografia produzida por Fernando
Morais, natural da cidade de Umbuzeiro PB, nasceu em 4 de Outubro de 1982, foi
jornalista, empresário, mecenas e político, com um currículo extenso se tornou um dos
homens mais influentes do Brasil entre 1940 e 1960, foi ainda advogado, professor de
direito, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras.
Nossas visitas ao acervo do Diário da Borborema começaram especificadamente
no fim do mês de Julho de 2016, onde obtivemos o acesso aos cadernos dos anos de
1963/ 1964, devido ao curto tempo para finalização da pesquisa. Entretanto devemos
ressaltar que o material encontrado me nossas visitas, foi suficiente para traçamos o
perfil e alinhamento anticomunista do Diário da Borborema, que tinham como diretor
um dos homens mais conservadores e populares no ambiente da comunicação brasileira.

6
São tantas matérias vinculadas acerca do tema, que não vamos colocar todas as datas, visto que o
periódico vinculou notícias sobre o acontecimento “o ano inteiro” 1962, o ano em que a Paraíba virou
pagina principal.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Nesse período que pesquisamos no acervo do Diário da Borborema,


conseguimos um vasto material sobre os anos em que o anticomunismo, mais se
manifestou na Paraíba, 1963/1964, como esse periódico tinham uma circulação diária na
cidade de Campina Grande, quase todos os dias o diretor Assis Chateaubriand, escrevia
um artigo, falando sobre os fatos políticos nacionais que tinham alguma relação com o
estado paraibano.
Algumas manchetes políticas estampavam como matéria principal
acontecimentos importantes que envolviam agentes da política campinense, entre uma
dessas matérias, podemos destacar “Candidatos comunistas terão seus registros
cassados pela justiça eleitoral7” a partir de notícias como essas podemos, trazer dados
mais expressivos sobre a postura do jornal. Um dos artigos mais impactantes
visualizados neste meio de comunicação, é um artigo intitulado de: Um Possesso do
Demônio Vermelho8, nesse artigo Chatô, falavam sobre o recente pronunciamento do
presidente da república, o senhor João Goulart, no qual esse falava sobre as tão
aclamadas reformas de base.

Até aqui falava o chefe de um governo responsável, um político cuja


as dimensões se mediam de dentro do quadro da legalidade. O
presidente Goulart fazia muita demagogia pueril. Dizia esta a verdade,
muitas expressões de insônia que se levavam por conta de um
esquerdismo de pacotilha infiltrado nos seus discursos, pampolegas
irresponsáveis. Agora, porém muda de figura. Surge de corpo inteiro,
como personagem extralegal. Não é o Caudilho. Será coisa, muito
pior... Estamos em presença de um poder que ameaça os outros e que,
com intimidade deles se propõe igualmente a levar o terror armado a
opinião pública desramada. Apanha o chefe do executivo uma arma, a
qual bem conhecemos, por ser um dos instrumentos prediletos das
esquerdas comunizadas... O que eu temo, é que ele possa lançar mão
das pressões contra o congresso e os partidos políticos. Seu objetivo é
a reforma agrária, todos sabemos, mas esse não é o único. A reforma
constitucional será outra, e, por certo muito importante. Não havendo
obtido a satisfação desses desejos, por bem decidisse buscar pelo
recurso das pressões. Os chavões que se vale são todos extraídos do
“Chenoviz vermelho”. Nem o capitão Luiz Carlos Prestes se utiliza de
linguagem do subúrbio moscovita com mais adequação... Pego
sentenças soltas de uma paspalhice nacional, os princípios de fé se
perderam. E, por ai segue-se um rol de sentença que outra causa não

7
Diário da Borborema, 09/07/1963, nesse manchete os candidatos tidos como comunistas, que poderão
ter os registros de candidatura são: José Pereira, conhecido como “Peba”, que era candidato ao cargo de
prefeito da Rainha da Borborema e seu vice: Manoel Monteiro, é interessante, lembramos que ambos,
eram filiados ao Partido Socialista Brasileiro. Logo assim eram constantemente taxados de “comunistas”
ou desviantes da sociedade.
8
Diário da Borborema, 29/08/1963, neste o Chatô, como ficou conhecido, manifesta sem menores
preocupações sua postura conservadora e totalmente anticomunista.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

são senão manifestações do Fidelismo na capadoçagem sindicalista.


Por fim, traz o senhor João Goulart uma solidariedade insofismável ao
movimento que responde pela derrocada das instituições vigentes...
Por fim a reforma agrária dos Comunistas, endossada pelo presidente
Goulart é uma perfeita estultícia... Se o Sr. João Goulart não estivesse
por conta dos soviets de pelegas e quisesse de fato começar a
transformação rural do Brasil. Seria suficiente expelir da Alvaroda a
Corja Vermelha e entrega-se aos chefes fabulosos daquelas duas
organizações. A terra não pode ser conquistada com golpes de
malandros, e com o investimento econômico- social que reage
bravamente, aos processos de Aventureirismo Descarado, como este
que o presidente Goulart se constitui o Paladino.

Diante de tantas questões mencionadas no artigo vinculado no Diário da


Borborema, podemos discutir elementos que são sempre colocados no texto com o
objetivo de demostrar a população o perigo que o comunismo, poderia representar para
o povo brasileiro. Dessa maneira portanto, utilizando tais questões podemos também
refletir acerca do poder de divulgação, que determinado discurso pode representar para
a sociedade campinense, levando em conta que esse periódico, tinham uma grande
circulação na Rainha da Borborema.
Contribuindo assim para a construção de representações anticomunistas, a cerca
de questões que colocavam sob vigilância os princípios democráticos, como afirmou
Chateaubriand, no artigo mencionado anteriormente. Para reforçar o papel que essas
representações podem construir nas representações coletivas. Utilizaremos Roger
Chatier (1990, p.17) quando afirma que: devemos propor uma investigação de como as
práticas e as representações são construídas, buscando perceber estas últimas
elaborações que os grupos fazem sobre suas práticas. Inclusive fazendo crer naquilo que
não “existe”, dessa maneira podemos afirmar que os grupos que são responsáveis por
forjarem esses tipos de discursos, são os grupos com amplas tendências comunistas,
como é o caso do grupo, vinculado ao Diário da Borborema, liderado por Assis
Chateaubriand.
O que podemos destacar nessa passagem tão explicativa sobre representações,
que todas as matérias vinculadas no Diário da Borborema, fazem parte de uma gama de
interesses de determinados grupos sociais, que nesse caso, buscavam combater o
anticomunismo. São tantas questões para serem discutidas em torno do anticomunismo
no Diário da Borborema, que nos sentimos frustrados por não termos conseguindo
trabalhar os anos propostos pela pesquisa, no entanto tentaremos ao máximo diminuir a
lacuna historiográfica.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Podemos mencionar aqui também a figura de Antônio Barros Pontes, que tinham
uma pequena coluna diária no periódico DB, onde ele escrevia sobre acontecimentos
ligados a literatura e poesia, mas algumas vezes se utilizavam desse espaço para falar
sobre questões políticas na cidade de Campina Grande, comentando sobre as eleições
municipais, problemas de administração, entre outras, apesar das informações sobre
esse personagem serem escassas, acreditamos que seja relevante menciona-lo nos
nossos escritos, levando em consideração suas matérias publicadas no Diário da
Borborema.
Outra matéria que foi vinculada no Diário da Borborema, que gerou muitos
comentários a respeito foi, um artigo no qual Assis Chateaubriand, falavam sobre uma
visita que haviam feiro ao Nordeste brasileiro, onde ficou aterrorizado com o
Comunismo e o Marxismo, que haviam se instalado nas igrejas, por parte do clero. Para
melhor expressa tal sentimento ele escreveu e publicou um artigo, no dia 24 de Janeiro
de 1964, intitulado de: A insuficiência mental e moral da parte do clero que apoia
Fidel9:

Fala vossa excelência... Na derradeira viagem que eu fiz ao Nordeste


brasileiro, dei-me conta até onde chega a petulância da infiltração
marxista entre os bispos e pastores das duas confissões seja o
protestante ou a católica. Os protestantes, através de suas diferentes
igrejas já agirão com decisão e rapidez. Não tenho clemencia com os
pregadores marxistas, sejam eles culposos sem malícia, por estupidez
ou com malicia para servir a um credo político ímpio, portanto
incompatível com os princípios de sua religião. Para fazer a expulsão
de pastores adeptos ao marxismo, os chefes protestantes só investiga
esse fato social. Se o membro de sua igreja tem ligações com Marx. E
se também coloca no mesmo nível de igualdade as democracias
populares, destituindo de religião e crítica e as democracias
representativas do Ocidente. Cortam sem contemplação a cabeça dos
seus vigários leníamos. A vossa igreja conduz-se com uma lentidão
exasperante no emprego drástico dos mais repressivos ou simples da
polícia. Os padres vermelhos, vários deles estão municiados de preias
e estações de rádio que Juscelino lhes deu de mão beijada. Tem
convenio com os Marxistas que são agentes de Fidel Castro. Em
subvencionados gordamente pelo ex ministro da educação e
continuam a ser pagos pelo governo de Cuba.

Nesta passagem acima mencionada do artigo vinculado no Diário da Borborema,


podemos destacar todo repúdio, que o posicionamento anticomunista produz nas
9
- Diário da Borborema,24/02/1964, nesse artigo Assis Chateaubriand, fala sobre uma vista que fez ao
Nordeste, onde observou que o clero, está descaradamente a serviço de Cuba, e fazendo uso de credos
marxistas, ele não poupar críticas a tal prática, como também pede para que a igreja aja de modo ímpio
com os falsos cleros.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

pessoas, pois passam a colocar os marxistas, lenistas cubanos, todos em uma mesma
categoria, deixando de levar em conta características particulares de cada corrente, aliás
na visão do próprio Chatô , todos estão no mesmo patamar e deve ser combatidos de
modo ímpio, pois estão traindo a própria democracia, e o próprio sistema
governamental, uma vez que matem o contato com Cuba, e são supostamente pagos por
Fidel, para que assim possam instalar o comunismo dentro das igrejas, dos mais
diversos credos religiosos.
Especificamente no dia 1 de Abril o Diário da Borborema, não publicou
nenhuma notícia de maior relevância sobre o golpe civil militar, com exceção 10 de uma
pequena nota que falavam sobre o clima de instabilidade do Brasil, já fora vivenciado
em outros países Comunistas. Portanto fiquemos vigilantes, para que a nossa pátria, não
caia na escuridão de tais países, é preciso que lutemos, por nossos direitos.
A posição do Diário da Borborema é indiscutivelmente anticomunista, levando
em consideração, todas as matérias aqui abordadas. Inclusive matérias que falavam
sobre a comunização do ensino em Curitiba, no dia 1 de Abril de 1964, onde 30 mil
pessoas entre estudantes e pais de alunos e estudantes de todas as classes socias,
participaram apesar da chuva que caia sobre a cidade paranaense, da passeata contra a
comunização do ensino, que tinham como principal objetivo de impedir encampação
das escolas particulares pelo governo federal.
Notícias como essas só reforçam todas as discussões realizadas nos parágrafos
anteriores, e por fim o artigo que confirma toda uma suposta verdade sobre o golpe de
1964, nas palavras do próprio Chatô: Era tudo verdade11!!!

As revelações que vem sendo feitas a respeito dos preparativos para


uma monstruosa insurreição no país, com todas as características de
uma revolução comunista, não estar surpreendido senão aqueles
inocentes uteis que venham compactando com os extremistas sob os
mais variedades pretextos. Os verdadeiros democratas aqueles que
sabem que a democracia não é um sistema de governos em autoridade,
mas ao contrário deve basear sua autoridade no próprio povo e nos seus
mais legítimos interesses, viviam estarrecidos diante da onda de
irresponsabilidade, de quebra consciente e voluntaria da disciplina em
todos os sentidos, que era nota dominante do governo do senhor João
Goulart. Não é fora do proposito lembrar, mais uma vez que durante 7
meses do governo do ex presidente Jânio Quadros apesar dos erros
10
Diário da Borborema, 31/03/1964, o jornal publicou apenas uma pequena nota na folha 5 do periódico,
pedindo para que os brasileiros ficam em constante vigilância, para que o poder não caísse nas mãos dos
comunistas, levando em consideração o clima que já fora vivenciado em outros países comunas.
11
Diário da Borborema, 05/04/1964, nessa matéria o diretor do jornal fala sobre uma suposta verdade que
estaria vinculada ao golpe de 1964, intitulada de: Era tudo verdade!!!

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

deste governante houve no Brasil à autoridade constituída, fato que não


deve ser estranho a democracia. Depois disso o que se viu, foram
organismos espórios como CGT e PUA, a UNE, darem palavras de
ordem que eram seguidas e respeitadas pelas próprios detentores da
autoridades civil e em casos infelizes como o de Pernambuco pelos
próprias autoridades militares. Chegou o senhor João Goulart a cumulo
de nomear um ministro da Marinha dentro da lista Triplica indicada
pelo CGT, se é verdade o que disseram os jornais dos dias que
antecederam a sua derrubada do poder. Mas, não eram ainda algo. Os
núcleos extremistas preparavam se para a Revolução Armada. Aramas e
munições tem sido apreendidas em vários lugares (inclusive ainda há
créditos de informações na imprensa sulina) em dependência da Supra
em Brasília. No mesmo passo, agitadores de outros países como a China
Vermelha e Cuba, estavam trabalhando em nosso país acobertados pelo
próprio governo que protegia e prestigiava de todas as formas os
agrupamentos subversivos de todos os Quilates. Agora todos estão
vendo o período em que nos encontrávamos. Muita coisa ainda será
revelada e então os brasileiros aprenderão que as táticas Comunistas
hoje como ontem. Aqui com olhares são sempre as mesmas, o
enfraquecimento da autoridade e a desmoralização da democracia,
causando assim confusão de espíritos, tudo isso com preparação para o
Assalto ao Poder.

Para finalizarmos nossa pesquisa em torno do Diário da Borborema, é


interessante destacamos que, boa parte dos nossos objetivos foram alcançados, levando
em consideração que, conseguimos captar os elementos mais anticomunistas
expressados nos jornais. E que esse último artigo analisado para os leitores uma
“verdade inquestionável12” segundo a própria metodologia do escritor, pois ele trabalha
na construção de um imaginário muito forte acerca do anticomunismo. Hoje podemos
analisar com um outro olhar mais cuidadoso, os elementos que construíram a narrativa,
mas em 1964, o olhar era o que capturava o medo do fim da propriedade privada, se
apoiar na realização de muitos questionamentos.

Considerações Finais

Como já foi dito no início desse trabalho o objetivo principal foi, produzir uma
análise das representações sobre o anticomunismo em jornais paraibanos. Levando em
consideração que utilizamos trabalhos da historiografia brasileira, com objetivo de dar
maior sustentabilidade ao trabalho aqui produzido. Diante de tais análises em periódicos

12
Sobre verdade, ver o conceito utilizado por Michel Foucault (1979) em ele que explica que por verdade
se entende um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o
funcionamento dos enunciados. A verdade estar ligada a sistemas de poder que a produzem e apoiam, e a
efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. Regime de verdade.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

paraibanos, podemos observar que nenhum meio de comunicação é completamente


neutro diante de determinadas situações, e quando o os assuntos tratados são de cunho
político, entendemos que os embates são ainda maiores.
Tanto o Correio da Paraíba quanto o Diário da Borborema, foram de extrema
importância para que esse trabalho fosse construído, embora o Correio da Paraíba, tenha
vinculado menos matérias que falassem algo do estado, e sua postura anticomunista,
não podemos afirmar que ele não contribuir para a pesquisa, pois serviu para que
pudéssemos demostrar como alguns periódicos, ficam vinculados as notícias que são
produzidas nas regiões Sul e Sudeste. O Diário da Borborema muito tem contribuindo
para a realização da nossa pesquisa, pois tem uma postura mais radical, quando
desejasse falar em notícias de cunho político.
Quando se fala em Comunismo, é inevitável, não pensarmos no que os meios de
comunicação acabem reproduzindo e na maneira como essas notícias, vão criando
representações em torno do Comunismo, pois como nos fala Roger Chatier, tais
representações são construídas muitas vezes de maneiras que nos fazem crer no ausente,
e não são desinteressadas, ao contrário são plasmadas com o objetivo de mostrar a
determinados grupos o real perigo de que se acreditar combater.

FONTES

ARQUIVO DA CÂMARA DOS VEREADORES DE CAMPINA GRANDE – CASA


FELIX ARAÚJO
Ata da Câmara Felix Araújo -1964

ARQUIVO DOS DIÁRIOS ASSOCIADOS


Jornal o Diário da Borborema (PB)- 1963-1964

ARQUIVO DO PARTICULAR DO CORREIO DA PARAÍBA


Jornal Correio da Paraíba (PB)- 1960-1964

REFERÊNCIAS

ADILSON FILHO, José. Cidade e Jardinagem social. Ambivalência sócio espacial,


estigma e segregação na cidade Belo Jardim (PE). João Pessoa: UFPB, 2011.
AGUIAR, Joabe B. “Cassar e caçar”: O golpe civil militar em Campina Grande
(1964) XVI Encontro Estadual de História, UEPB,2014.
CHATIER, Roger: A história Cultural: Entre práticas e Representações. Lisboa:
Difel,1990.
CAVALCANTE NETO, Faustino Teatino. Ameaça vermelha: O imaginário
anticomunista na Paraíba (1917-1937). Recife, 2013.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

FERREIRA, Jorge; GOMES, Ângela de Castro. 1964: o golpe que derrubou um


presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de
Janeiro: civilização Brasileira, 2014.
FICO, Carlos. O golpe de 64. Momentos decisivos. Rio de janeiro: FGV, 2014.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,1979.
LUCA, Tania Regina de: “Fontes Impressas: História por meio dos periódicos”. In:
PINSKY, Carla Bassanezi (org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto,2006
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo Vermelho”, o
anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2006.
NAPOLITANO, Marcos. 1964. História do regime militar brasileiro. Campinas:
Contexto, 2014.
SANTOS, Gilbergues. Heróis de uma Revolução Anunciada ou aventureiros de um
tempo perdido? Campina Grande: Eduepb, 2015.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

SESSÃO COORDENADA 02 - HISTÓRIAS E EXPERIÊNCIAS URBANAS


COORDENADORAS: VIVIANE GOMES DE CEBALLOS, REGINA SOARES
DE OLIVEIRA & VERÔNICA SALES PEREIRA

REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS A PARTIR DOS LUGARES E MEIOS


DE PRODUÇÃO: UMA LEITURA DA IDENTIDADE FARINHEIRA NA
COMUNIDADE SÃO JOÃO BATISTA - LAGOA SECA – PARAÍBA (1995-
2004)1

Alex Pereira da Silva2

Introdução

Discorrer sobre uma temática que tramita em torno das identidades carece de
uma gama de diversas composições teórico-metodológicas na abordagem do agente
narrador-pesquisador, entretanto, averiguamos um notável protagonismo do conceito
representação. Em decorrência desta designação, que avaliamos ser de grande valia para
as investigações que circundam em torno das identidades, advogamos para a percepção
da ideia de representação direcionando-a para o princípio de uma função que carece de
significados, logo, as alegorias das representações se constroem em detrimento de
múltiplos fatores socioculturais. A partir desta amplitude, caracterizamos como
essencial as concepções de pertencimento ou de experiência de um determinado corpo
social ou sujeito, que se encontra imerso em uma identidade auto afirmada, contudo, a

1
Fragmento de uma pesquisa que originará um trabalho de conclusão de curso no mesmo
direcionamento, orientado pela professora Patrícia Cristina de Aragão Araújo.
2
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. E-mail: [email protected]

62
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

constituição do pertencer não se assume como estagnada, mas sim, múltipla por se
constituir e se reinventar de forma efêmera no cotidiano de um respectivo corpo social.
Diante do exposto, destacamos que este breve artigo terá por finalidade
apresentar e analisar como se constituíram as representações das identidades no espaço
de trabalho perante um estudo de caso que foi instrumentalizado nos espaços das casas
de farinha. Tomando por base a referente designação de abordagem, atribuímos como o
lócus de nossa pesquisa a comunidade São João Batista, também conhecida como Lagoa
do Barro, que se situa no município de Lagoa Seca (Paraíba). Dito isto, destacaremos
como se construiu uma ideia de identidade dentre estes sujeitos mediante o espaço de
trabalho, enfatizando os meios e as etapas de produção, proporcionando-se assim, uma
proposição analítica que possibilitará uma demarcação simbólica ao espaço da casa de
farinha, assim, possibilitando-nos a condição de interagir e interpretar este objeto de
estudo transcendendo sua feitura material.
Caminhando neste limiar interpretativo, destacamos como base teórica para a
referente análise as contribuições do historiador inglês E. P. Thompson (2011), no que
tange a ideia de experiência como sendo algo que se forma no interior de uma célula
social, por conseguinte, avaliaremos às experiências de relações de trabalho, no espaço
da casa de farinha, como propulsionadoras da identidade do lugarejo analisado; como
segundo ponto, utilizar-nos-emos da ideia de produção e de consumo, mediante os
estudos do historiador francês Michel de Certeau (1998), principalmente, quando
iremos interpretar o conjunto de ressignificações linguísticas, assim como, em outras
condições que formataram o cotidiano farinheiro naquela referente comunidade.
Partindo deste pressuposto, basear-nos-emos esta análise ancorados metodologicamente
em uma pesquisa de campo na comunidade referida, assim como, através da história
oral; por conseguinte, destacamos que a alusiva pesquisa nortear-se-á por uma
abordagem de caráter qualitativo, sob a perjura de possuir um estudo de caso mais
profundo.
Posteriormente à esta breve exposição, destacamos que nossa abordagem
textual ancorar-se-á a partir de três breves tópicos que otimizarão nossa breve
exposição, respectivamente na seguinte ordem: para principiar a discursão
apresentaremos um breve esboço teórico sobre as casas de farinha, mediante uma
exposição das categorias de produção do espaço e de consumo do próprio, como
consequência, construiremos uma alegoria espaço-discursiva para a percepção da casa
de farinha como um espaço de ressignificação dos farinheiros; em segundo ponto, a

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

ideia de experiência em um espaço de transformação material, pois, este ponto,


apresentará o lastro argumentativo para discorrermos sobre a ideia de representação; e,
em último ponto, iremos expor como o espaço das casas de farinha possuiu uma notável
importância, perante a monumentalização discursiva que foi-nos passada pela fala de
nossos entrevistados, que foram devidamente selecionados devido ao substancial tempo
que vivenciaram nos espaços que estamos apresentando-analisando. Deste modo,
desembocamos no primeiro ponto de estudo.

Do consumo à produção: a alegoria de reinvenções construída nos espaços das


casas de farinha

Expor uma composição existencial que busque demarcar referencialmente o


cotidiano torna-se uma atividade demasiadamente complexa, principalmente quando
referenciamo-nos por um conjunto de relações norteadas pela desmitificação das
permanências. Em decorrência desta constatação, avaliamos como bastante complexo
discorrer sobre os traços que demarcaram o cotidiano dos farinheiros, neste sentido,
buscaremos pontuar alguns aspectos que nortearam possíveis conclusões acerca da
produção existencial dos farinheiros naquilo que suplanta a produção material da
farinha: o inventar. Como nos explana a saudosa frase de Certeau (2008) “o cotidiano se
inventa com mil maneiras de caça não autorizadas” (p.38). Norteando-nos por esta
enunciação discursiva atear-nos-emos a construir uma análise mediante às
representações que nos foram construídas pelos/nos relatos dos entrevistados.
Para principiar tal análise, destacamos as primeiras condições de produção que
foram inventadas e produzidas no interior das casas de farinha através da linguagem.
Segundo o estudo que Certeau (2008) realiza mediante o aporte de Wittgenstein, a
linguagem assume uma conjunção demonstrativa de notável relativação e inovação,
pois, sua demarcação busca o ato enunciativo de comunicar, por conseguinte, se
estabelece uma operação de produção ou, segundo o próprio filósofo austríaco, jogo de
linguagem. Partindo deste pressuposto destacamos as apropriações da linguagem formal
feita pelos homens ordinários da farinha que transformaram as casas de farinha em um
ambiente de comunicação própria. Linguagem da farinha? Não necessariamente. Pois
seu ordenamento não se estabelece em uma estruturação de formalismos previamente
justapostos, mas sim, como uma entropia (desordem) de dizeres que se formatam como

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

funcionais em uma estrutura singular de diálogo. Partindo deste limiar interpretativo,


apresentamos um fragmento da fala de um entrevistado que destacou-nos que

[...] na casa de farinha muita coisa se dizia. Quando a gente se sentava


numa cuia para prosear saia de tudo. Nós começava a falar de futebol,
dos trabalhos na lavoura, ou até de outras coisas do sítio quando as
mulheres estavam perto, mas quando elas saiam... a gente acunhava a
conversar sobre umas coisas que não dava certo falar na frente das
moças de vergonha. Nas conversas sobre o que os cabras faziam...
tinha muita coisa sobre as mulher. E, digo mais, a gente só parava de
falar estas coisas quando aparecia alguém que não devia escutar
(MAIA3, 2016).

Dentro dos diversos enfoques que podemos direcionar para o sentido da


produção discursiva, avaliamos com mais ênfase a ideia que gira em torno do termo
“acunhar” que, assume uma diferente proposição da que o homem lagoa-sequence,
convencionalmente utiliza. Deste modo, destacamos que a ideia de acunhar,
normalmente, relaciona-se ao ato de fixar um instrumento de uso à uma haste de
madeira. Pode ser uma enxada, picareta ou qualquer outro tipo de ferramenta que faz
uso desta técnica. Todavia, o ato de preparar um instrumento para o uso no campo não
está associado à conjunção enunciativa que o nosso entrevistado colocou, mas sim, no
que se refere a intensidade da conversa. Uma breve conversão linguística de um artefato
textual que transpõe-nos condições para percebermos como se estabelece na linguagem
uma condição produtiva associada aos farinheiros.
Em um segundo momento, podemos destacar também uma ressignificação
imagética que é constituída a partir do uso do objeto, pois, a cuia se trata de um
recipiente de medição da farinha para trocas ou outros tipos de relações comerciais,
principalmente, antes do estabelecimento formal dos pesos e medidas que reverberaram
em diversas revoltas. Mas, como é ressaltada na fala de nosso entrevistado, a cuia, trata-
se de uma demarcação simbólica para o estabelecimento de um diálogo entre os
participes das atividades farinheiras. Notavelmente, trata-se de um deslocamento

3
Este nome se trata de um pseudônimo. Por causa de dificuldades logísticas não foi assinado o TLC
(termo de livre consentimento), por conseguinte, devido a referente indisponibilidade preferimos utilizar
um pseudônimo, mesmo com o aval informal para usar o nome do entrevistado. Trata-se de um homem
de idade já avançada que vivenciou grande parte de sua vida na casa de farinha, da infância à meia idade.
Suas atividades foram diversas nestes espaços, pois, no início da entrevista quando ele expos a respectiva
relação com este espaço contou-nos que em sua infância participava de diversas atividades tanto voltadas
para as feituras de transformações materiais, assim como, as brincadeiras. Mediante os deslocamentos nos
meios produtivos o relato deste entrevistado demonstrou que sua participação foi desde a produção à
comercialização nas casas de farinha, por conseguinte, o fundamento base que estabeleceu uma relação de
pertencimento dele com sua família se estabeleceu nos espaços de produção de farinha.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

existencial atribuído ao objeto onde, o próprio, assume a proposição simbólica de


demarcar o tipo de conversa que tramita em torno de uma roda farinheira, assim como,
estipula os tipos de conversas que convencionalmente são bem quistas frente às
mulheres ou distante delas.
Para concluir as condições que levam-nos a criar uma percepção da cuia,
estipulamos uma terceira via: a ressignificação de sua significância. De uma condição
de medição para trocas do principal bem de consumo produzido nestes espaços à um
lugar de acomodação. Uma breve e perceptível condição para evidenciarmos a
formulação de operação dos homens farinheiros dentro do espaço cotidiano trabalhista
da casa de farinha. Mais do que uma mera ressignificação, a configuração de um ser
protagonista destes agentes pode ser enxergada e deve ser apresentada.
A partir desta conjunção enunciativa podemos intercalar uma breve reflexão
acerca das categorias conceituais de consumo e produção. Necessariamente uma
direciona o lugar do agente em uma suposta passividade e outra na configuração de um
protagonismo. Não se trata de assumir que a produção farinheira possuía uma atribuição
desordenada, mas sim, apresentar aspectos que possam otimizar os traços que
otimizaram o protagonismo dos farinheiros no espaço de sua designação nominal
(fazendo farinha). Uma existência mutável que formulou permanências que formataram
suas identidades no falar, no relacionar, no produzir... em suma, uma conjectura de
aspectos que partem do âmago dos próprios farinheiros para formar suas relações
sociais. Nestes espaços, segundo alguns aspectos que foram apresentados nas falas dos
entrevistados “gimum” ou “boba” faziam referência a abóbora; “cabaço” fazia alusão à
algo novo ou nunca usado, assim deslocando-se, figurativamente, dos frutos de uma
árvore conhecida como cuité que produziam grandes frutos que podiam ser usados
como recipientes à uma função semântica peculiar vinculada também a virgindade.
Mediante às atribuições que foram dimensionadas nesta breve primeira parte,
constituímos um limiar interpretativo acerca da alegoria de invenções dos farinheiros
que, custosamente, nos foram restritas ao âmbito da linguagem. Mais do que um campo
de notável afirmação de um meio social, a peculiar dimensão semântica que foi
afigurada nos discursos de nossos entrevistados norteou-nos a interpretá-los como
operantes de uma realidade que independentemente de uma linguagem portuguesa
formal ou permeada de coloquialidades que tramitam em cada região, os usos são
singulares. Partindo deste pressuposto, baseamo-nos em um limiar interpretativo
fornecido por Certeau (2008) onde existe a distinção do lugar e do espaço para perceber

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

a casa de farinha. Em primeira instância existe uma fixidez designada sobre o lugar das
coisas formalmente construídas ou instituídas para respectivas finalidades, o caso por
exemplo do forno que servia para o cozimento da farinha, entretanto, na segunda
configuração às especificidades são transformadas pelas prospecções do fazer cotidiano,
assim, o espaço do forno tornava-se um lugar de conversa depois da farinhada
(salientando que depois do esfriamento do forno), principalmente, acompanhados de
água ardente. Neste tramite, a linguagem e seus sentidos emergem como uma
operacionalização informal dos jogos de linguagens cotidianos que se circunscreveram
nos laços sociais dos farinheiros, por consequência, formando uma demarcação de
significância que solidificaram o princípio do ser farinheiro daquele lugarejo.
Demarcando-se os atinentes pontos que foram apresentados na composição
cotidiana dos farinheiros da comunidade Lagoa-sequence denominada de São João
Batista, buscaremos construir uma interpretação acerca do sentido das experiências que
foram construídas nos meios de produção. De uma ação de transformação protagonista
para as fundamentações simbólicas da produção farinheira demarcando o sentido de
representação identitária do ser farinheiro.

A identidade farinheira através das representações e experiências construídas no


meio produtivo

Analisar a fundamentação da categoria filosófica trabalho nas pertenças


humanas torna-se demasiadamente complexo desde que se compreenda as duas vias
desta conjugação. Segundo Marx (1996), a categoria trabalho compreende à ação do
homem sobre a natureza modificando-a para suas melhores condições, entretanto, existe
uma outra predisposição que se encontra como um embuste desta ação, trata-se da
transformação do próprio agente da ação que torna-se também transformado. Partindo
deste pressuposto, destacamos que através da concepção do trabalho se constroem às
peculiaridades de uma identidade que comporta a coesão em um meio social.
Norteando-nos pela análise do historiador inglês Edward Palmer Thompson (2011)
acerca do conceito de experiência, constituímos algumas condições para a percepção da
identidade farinheira na comunidade de São João Batista mediante às caracterizações
produtivas e suas relativas conjugações simbólicas.
Dito isto, resolvemos sintetizar aspectos do meio produtivo da farinha que
corroborou para o processo de afirmação de uma identidade camponesa, na referida

67
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

comunidade. Desde os primeiros aspectos que tramitam no processo de beneficiamento


da mandioca em farinha, existiam condições para a formação de uma emergente
identidade, pois, dentre a etapa do arranque da mandioca existia uma demarcação
simbólica que não direcionava-se para o ethos de caráter capitalista, mas sim, para
relações que constituíam uma coo-dependência entre os pares desta comunidade. Na
etapa do arranque que pode ser compreendida através de um mutirão daqueles que
utilizavam o lugar de beneficiamento da mandioca que, como consequência, constituía-
se como uma experiência que comportava em uma troca de favores que prezava pelo
bom senso do beneficiário que deveria ajudar aqueles que o auxiliaram de alguma
maneira, que poderia ser: sua mão-de-obra em um movimento de arranque posterior; a
concessão de cuias de farinha; massa para tapioca ou beiju; os caules que sobravam da
extração para a alimentação do gado ou para o plantio em outro roçado; ou outro
material que na maioria das vezes não possuía um contrato econômico baseado na
venda involucra da força de trabalho.
Quando chegava ao ambiente de beneficiamento, a mandioca, passava por
diferentes etapas de transformação que eram principiadas pela raspagem. Exercida,
principalmente, pela mão-de-obra de mulheres e crianças, mas também, dependendo da
demanda e do tempo a cumprir possíveis encomendas, os homens participavam. Nesta
etapa de produção se retirava a casca que poderia tornar o produto final inconsumível ao
paladar, pois tornar-se-ia demasiadamente amargo, assim como, carregado de impurezas
vindas do terreno de extração. Todavia, além de retirar os rejeitos da mandioca, a
raspagem, era um notável momento para as conversas. Onde as donas de casa que na
maioria das vezes eram reclusas aos seus domicílios encontravam as comadres para
conversas sobre os mais diversos assuntos e, acompanhado a isto, ainda cuidavam das
crianças que também ajudavam nesta etapa do processo. Na raspagem acontecia um
movimento de socialização acompanhado de um processo educativo, que culminava em
um procedimento de integração simbolizado pela estratégia de raspagem que atribuía
áreas da mandioca a diferentes pessoas. Um raspava o “capote” (parte de baixo), outro o
meio e, por fim, o acabamento. Desta forma, esta etapa evoca um sentido de experiência
que formatou a demarcação de uma identidade naquele lugarejo que através dos
diálogos construídos nas rodas de raspagens criavam-se os traços de similaridades que
sustentavam a representação de uma identidade no processo produtivo.
Depois de raspada a mandioca era moída. Nesta etapa do processo de produção
um aspecto se ressaltava, basicamente, o meio que a processava pois se diferenciava do

68
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

restante da casa de farinha por se tratar de uma máquina. Em um espaço, por vezes,
rústico e inóspito ao moderno as máquinas eram escassas, exceto o motor que realizava
a moagem. Onde a força-motriz humana e animal era regra, a tração a óleo e querosene
era a exceção, de um modo geral, em um espaço de tijolo bruto e corroído pelas
intempéries, o ferro era escasso e “estranho”. Entretanto, esta etapa se destoa das outras
devido a ríspida “solidão” daquele que a exerce, seja pela necessidade de
individualização, por demandas de segurança ou até por questões de impossibilidade de
interação devido ao barulho do motor. Desta forma, nesta etapa um indivíduo era
responsável por friccionar a mandioca raspada no moedor que tornava-a uma polpa
umedecida.
Na massa pastosa que era resultante do processo da moagem fazia-se uma
prensagem que era a etapa onde era necessária mais força, assim como, simbolicamente
permeada de um sentido de união através da tração humana. A prensa pode ser descrita
como a junção fixa de duas madeiras densas (ou grandes vigas) que ficavam paralelas,
formulando uma amarração interligada à um grande tronco em forma de parafuso que
impunha a pressão sobre a massa pastosa tornando-a mais seca. Imprescindível para o
cozimento ou a “torra” da farinha, a prensagem era um modo bem rústico para a
extração do líquido da mandioca. Esta atividade, por suas características mais
vinculadas a força e a tração manual, era mais exercida por homens devido, também, a
próxima etapa ser atribuída, principalmente, às mulheres e/ou as crianças. Salientamos
que o líquido que era resultante deste processo era aproveitado para a pulverização de
plantios que começavam a adentrar nesta comunidade, principalmente com a ação
educativa promovida com os núcleos de diálogo com os agricultores (para caráter de
exemplo o sindicato dos trabalhadores rurais de Lagoa Seca – STRLS).
Com a retirada do líquido, a massa pastosa da mandioca, passava a ficar mais
seca e menos densa, no entanto, ainda restavam impurezas, que eram retiradas em uma
próxima etapa do processo de produção: a peneiragem. Para a retirada de alguns
materiais impróprios para o cozimento da massa, este processo, era essencial para a
produção da farinha. Assim, como não necessitava de demasiada força física, mas sim,
sutileza para com a massa seca, esta parte, era realizada geralmente por mulheres ou
crianças, inclusive, posteriormente a este procedimento as primeiras retiravam-se da
produção de farinha, para o preparo da tapioca, que era muito apreciada pelos
trabalhadores farinheiros. Em uma definição base, o processo de peneiragem,
comportava uma ação bem elementar que era aproveitada para a brincadeira das

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

crianças, devido a densidade e maciez da massa que derivava deste processo às crianças
ficavam fazendo colocando a mão na massa resultante e fazendo pequenas esculturas
com a própria.
Para culminar o processo produção da farinha havia o cozimento realizado em
um forno de barro cozido, revestido com placas de cimento encaixadas em um formato
circular. Como era uma atividade cansativa e repetitiva, estava aos encargos de homens,
tanto o cozimento da massa da resultante da peneiragem como a extração das matérias-
primas para a torra da farinha. Com relação as madeiras que alimentavam o forno da
casa de farinha, que possuía algumas plantas de destacaque desde o denominado velame
até a algaroba (Prosopis juliflora) seca. No processo de cozimento, recorrentemente às
noites eram atravessadas e os trabalhadores revezavam o constante movimento
repetitivo que era necessário para a farinha não queimar. Dentro das noites de trabalho
teciam-se os mais diversos diálogos entre os homens que eram responsáveis por esta
etapa, que através de uma linguagem peculiar ao espaço criavam as teias de socialização
que fomentavam a unidade entre os trabalhadores e o espaço de produção como marco
referencial.
Depois deste processo, tornava-se pronto o produto final que era distribuído
entre os compadres e as comadres que participaram da produção; outra parte ficava para
a alimentação da casa do produtor, juntamente, ao dono da casa de farinha; e uma outra
parte era posto em sacas para serem vendidas no comercio local através dos
atravessadores. Dentre às nuanças que coabitavam nos meios produtivos que foram
enfatizados, assim como, nos meios mercadológicos que construíram uma competição
desleal com a entrada da farinha industrial nas feiras e, principalmente supermercados
que passaram a tornarem-se mais atuantes na cidade que possui ligação direta com o
consumo material da cidade Ipuarana (nome anterior dado à Lagoa Seca) Campina
Grande, acompanhando a impossibilidade de produção mediante às condições
infraestruturais que alcançaram a produção da farinha (desde à busca por matéria-prima
até os custos que envolviam a própria produção). Destacando-se os aspectos que foram
apresentados neste meio produtivo, advogamos sob a construção de experiências que
formataram a demarcação de uma identidade dentro do meio produtivo que podemos
ratificar através do tópico subsequente quando iremos apresentar os traços memoriais
que nos foram concedidos nas falas de nossos entrevistados monumentalizando às casas
de farinha.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A monumentalização da casa de farinha a partir do discurso dos farinheiros: uma


noção de significância

Quando referimo-nos ao termo momumentalização, buscamos fazer referência à


representação imagética que foi-nos passada sobre a demarcação simbólica da casa de
farinha. Assim, derivando-se do termo monumento que filologicamente constitui-se
através de uma derivação do latim, empregamos uma significação basilar para media
aquilo que transpassou-nos definições do pertencimento dos habitantes de Lagoa do
Barro com mediação ao espaço da casa de farinha. Segundo Le Goff (1990)

A palavra latina monuentum remete para a raiz indo-européia men,


que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a
memória (meminí). O verbo monere significa 'fazer recordar', de onde
'avisar', 'iluminar', 'instruir'. O monumentum é um sinal do passado.
Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que
pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos
escritos (p.535).

Partindo deste pressuposto, podemos destacar que a noção de significância é o


fundamento base para a demarcação simbólica de um monumento, neste sentido, por a
casa de farinha aglutinar diversas conjunções memoriais, segundo uma expressão Pierre
Nora (1993), sendo um espaço de memória; percebemos uma condição interpretativa
para a verificação da noção de expressão sentimental destes espaços para os farinheiros.
Dentro das entrevistas que nos foram concedidas gentilmente pelos sujeitos que
contribuíram com esta pesquisa, apreendemos diversos traços de imponência da casa de
farinha como demarcadora de uma época da vida de nossos entrevistados. Segundo
Pereira4 (2016)

Na casa de farinha que tinha aqui no sítio da gente tinha muita história
para contar. Era uma época tão boa. Se juntava um monte de gente

4
O entrevistado contribuiu gentilmente para a fomentação desta análise mediante um termo de
consentimento esclarecido. Destacamos que no incurso da entrevista apresentou-nos que suas
experiências no espaço da casa de farinha foram de bastante valia para sua demarcação como sujeito de
um processo de identidade coesamente integrada a comunidade de Lagoa do Barro. Sua trajetória nestes
espaços começou de forma bastante precoce (ainda na infância) quando trabalhava com seu pai e, por
coincidência, segundo ele, depois de seu casamento seu espaço de moradia foi escolhido por se tratar de
um conjunto de experiências ao longo de sua vida familiar na casa de farinha. Destacamos isto porque
quando casou-se, nosso entrevistado, demoliu a casa de farinha de seu pai e construiu sua casa
exatamente no mesmo local paradoxalmente a destruição do prédio, suas interpretações destacaram, que a
memória daquele espaço nunca fugiu a sua mente.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

para raspar mandioca e conversar. Torrar mandioca e falar de tudo. Aí,


hoje em dia não se vê mais o povo se juntando para conversar, falar
um pouquinho de como vai a vida (...) eu sinto muita falta daquele
tempo. Lembro muito de meu pai e a família fazendo farinha, ou até,
tentando consertar o motor que tinha “dado o prego” (...) acho que até
por volta do ano de 2003 tudo ia normal, depois o povo começou a
deixar de fazer farinha e as boas lembranças que a gente tinha
daqueles espaços ficaram no passado.

Definitivamente, o recorte que ressaltamos no trecho da entrevista concedida


transpassa-nos um sentimento de dubiedade, pois, em seu incurso existe a apresentação
de uma designação de saudade a época de produção na casa de farinha, juntamente a um
descontentamento com o presente. Esta ligação notavelmente saliente cria uma oposição
com o presente devido a quebra dos laços sociais que foram construídas nas casas de
farinha como um espaço de interação das diferenças, juntamente à integração de uma
ideia de coesão na comunidade. Um tom de saudosismo constante e cada proposição
que remontava a aquele período predecessor apontava a casa de farinha como o
epicentro de um efeito mnemônico (de memorização). Partindo deste pressuposto não
apenas a construção de uma representação de uma temporalidade, mas também, de
definição de uma conjunção de relações sociais que se apresentavam na “mística dos
fazeres” que coabitavam na casa de farinha.
Em consequência desta designação reforçamos nossa argumentação, com o
fragmento da entrevista de Gertrudes5 (2016) que evidencia a importância das casas de
farinha e das relações produtivas estabelecidas neste meio pois, segundo ele, “ali as
pessoas dependiam umas das outras. E a gente nunca falhava com aqueles que
precisavam da gente, afinal ninguém sabe o dia de amanhã. Talvez eu precise e alguém
e alguém de mim, por isso, temos que nos ajudar”. Um espaço rústico e supostamente
simples para uma historiografia que busca homogeneizar as relações nos espaços
produtivos mediante uma definição que se baseia e uma estruturação determinista de
base e superestrutura; todavia, para os olhares que buscam analisar às conjunções das
relações sociais que coabitam nestes espaços, existem muitos traços socioculturais que
apresentam a completude demarcadora de sentido de uma identidade.

5
O entrevistado consentiu com a exposição de sua fala mediante o termo de consentimento. Sua
participação, ou melhor dizendo inserção, na vivência farinheira começou na adolescência e em meio ao
processo produtivo, ressaltou-nos a participação em todas as etapas produtivas, assim como, comerciais.
Por consequência da proximidade dos laços familiares na comunidade ressaltamos que o entrevistado que
o precedeu é o seu tio e, como consequência, dividiram o espaço da mesma casa de farinha pertencente ao
conhecido Manoel Raulino Pereira (falecido aos 89 anos em março de 2013).

72
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Em consequência das afirmativas apresentadas até o referente momento,


reforçamos as condições discursivas para delimitar um processo de monumentalização
dos farinheiros direcionado ao espaço das casas de farinha, todavia, destacamos que esta
concepção de produção discursiva se voltou somente na produção analítica dos sujeitos
que deixaram o ambiente produtivo das casas de farinha. Enfatizamos isto, pois em
busca de amplificar uma conjunção de sentimentos mais presentes do espaço das casas
de farinha, atentamos para entrevistar um farinheiro que ainda trabalha neste espaço e
ele demonstrou uma imagem meio que estigmatizada pejorativamente acerca deste
espaço, como consequência disto, inferimos que suas colocações expunham também a
outra via que adentrou o espaço das casas de farinha: a concepção de competição com o
mercado fora da comunidade com as farinhas industriais, juntamente ao processo
educativo que estigmatiza os espaços rurais de produção (destacando que o próprio está
em processo de formação no ensino médio).
Acompanhado a isto, por se tratar de um trabalho de curto fôlego, fizemos a
escolha de não descrever nem problematizar sua fala, entretanto, suas demarcações
apresentam aspectos que podem designar conclusões preliminares acerca do decréscimo
das casas de farinha. Uma notavelmente problemática condição que mediante à outros
fatores que acompanharam o constante desaparecimento que como, por exemplo,
podemos destacar o movimento de êxodo rural (por diversos motivos: falta de
assistência aos habitantes do campo lagoa-sequence; as recorrentes secas; uma educação
que estigmatizava o campo em vez de valorizá-lo; o constante aumento dos níveis de
criminalidade; dentre outros aspectos) que apontou o apogeu das casas de farinha que
deixaram uma função de integração social, além de produção material, para se
apresentarem discursivamente na memória daqueles que vivenciaram grande parte de
suas vidas criando as relações sociais que lastrearam suas respectivas identidades nestes
espaços.

Considerações finais

Depois das caracterizações que foram apresentadas até o referente momento,


buscamos enfatizar como pode ser interligada a identidade de um corpo social mediante
as relações tecidas em um ambiente de produção. Principalmente, enfatizando a
condição que se constituem nos meios produtivos, destacamos que às relações que
afirmam-se em meio ao processo produtivo designam a coesão de um determinado

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

grupamento social. Quando apresentamos o caso da comunidade de Lagoa do Barro


(comunidade São João Batista) destacamos que a demarcação simbólica do espaço da
casa de farinha apresenta um notável protagonismo, todavia, este, não se constitui de
forma passiva, mas sim, através da ação protagonista dos próprios agentes deste espaço.
Uma identidade que foi demarcadora de uma comunidade coesa que, de forma
dramática, vem se esfacelando na última década. Desta forma, propomos uma breve,
mas profunda, ressignificação narrativa do espaço da casa de farinha, pois, a cada
entrevista foi-nos possível perceber o protagonismo destes espaços para a interação
social e construção de um sentido de pertencimento. Em consequência, das proposições
apresentadas destacamos que a alegoria da casa de farinha possui uma demarcação
semântica, para os farinheiros de outrora, notavelmente amplificada daquela que foi
construída por um discurso simplificador das complexidades que coabitam nestes
espaços de construção das identidades.
Dito isto, este breve enunciado buscou tecer uma concisa teia de significados
acerca do espaço da casa de farinha, associando-a diretamente a identidade de coesão
daqueles que vivenciaram o contexto do lugarejo pesquisado. Por consequência, como
se constituiu em um marco simbólico, a casa de farinha, tornou-se também um espaço
de memória devido ao conjunto de aspectos que forjaram a identidade naquela
comunidade. Diretamente relacionadas a memória e a constituição da identidade, ela
fomentou o princípio de unificação que possibilitou percebermos, assim como,
avaliarmos como é inconcebível discorrer sobre aquela comunidade, de forma profunda,
sem considerar a importância das casas de farinha. Diante do conjunto de
proposições/exposições que foram empregadas, não em busca de saturar esta discussão,
mas com o intento de contribuir pontualmente, este artigo, culmina com sentimento de
êxito acerca de sua pretensão a priori.

REFERÊNCIAS

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1 - Artes de fazer. 15. ed. Petrópolis:
Vozes, 2008.
GERTRUDES, E. P., Entrevista Concedida. Lagoa Seca 09/06/2016.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
MAIA, Pseudônimo. Entrevista concedida. Lagoa Seca 09/09/2016.
MARX, Karl. Processo de trabalho e processo de valorização. In: O Capital, Crítica da
Economia Política – Volume I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Editora
Nova Cultural Ltda, 1996, p. 297-315.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História.
São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
PEREIRA, Carlos José. Entrevista concedida. Lagoa Seca 07/08/2016.
THOMPSON, Edward Palmer. A formação da Classe operária inglesa: a árvore da
liberdade. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

NOS TEMPOS DO PEDRO AMÉRICO: BOEMIA, POLÍTICA E MEMÓRIA DE


JOÃO PESSOA NA DÉCADA DE 1960

Daniel Santana Leite da Silva1


Giuseppe Emmanuel Lyra Filho2

Introdução

O presente trabalho foi desenvolvido mediante a necessidade de se registrar um


período bastante fecundo da História paraibana, através dos relatos e da memória do
médico Paulo Soares em seu livro intitulado “Nos tempos do Pedro Américo” (1989). A
respeito destas necessidades, salientamos para o fato de existir uma lacuna de produção
historiográfica sobre a vida marginal de homens e mulheres que circulavam pelas ruas
no centro da cidade de João Pessoa nos idos de 1960 até meados de 1970, que muitas
vezes atravessavam aquelas praças, ruas e becos em busca de uma conversa fiada com
os cúmplices de vida, saciar a fome cotidiana em algum boteco ou restaurante - ou
mesmo ‘lavar a garganta’ com algum drink -, reencontrar e encontrar pessoas e também,
claro, dar graça aos prazeres da vida a fim de encontrar alguma diversão noturna.
De todo modo, consideramos importante tratar este livro de memórias enquanto
uma maneira de trazer à tona a vida de um estudante secundarista e que logo após se
tornou universitário. Portanto, Paulo Soares buscou explanar uma narrativa que tivesse
por objetivo descrever os aspectos relacionados a vida dos estudantes que moravam no
centro da capital paraibana, bem como seu cotidiano de política estudantil e também de
boemia, tudo isso tendo o Bar Pedro Américo como espaço de confluência de todas
essas atividades.
Com seu discurso memorialista, Soares arquiteta uma região da cidade de João
Pessoa dos anos sessenta e setenta - período de registro dos acontecimentos narrados -
em suas lembranças como um espaço de convivência, de luta, de boemia, e
principalmente como um lugar de saudade. Discurso saudosista que evoca algumas
críticas e, porque não, historiciza os espaços e as pessoas que conviveram durante
aqueles tempos e a época de produção do próprio livro no sentido de apresentar uma
época que não se reconhece tanto nos dias atuais (anos oitenta) na dimensão da vida

1
Mestrando em História pela Universidade Federal da Paraíba. E- mail: master-splinter-
[email protected]
2
Graduando em História pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

física e do espaço, como também no que diz respeito a vida dos sujeitos e sujeitas que
viveram naqueles tempos.
Podemos considerar que a maneira como o autor narrou e construiu uma
memória daquele tempo reporta-se não apenas do ponto de vista de apenas representar,
inventariando escolhas, pessoas, pontos de vistas, que trouxesse à tona – e
principalmente para os seus pares – um forte saudosismo de alguém que viveu naqueles
tempos.
Este saudosismo é bastante frequente na obra e nos mostra alguns recursos
discursivos que o autor se utiliza para rememorar um passado longínquo e que não volta
mais, uma forte nostalgia de algo que é bastante característico das obras memorialistas.
Em linhas gerais, o livro analisado nos apresentou algumas inquietações que
serão apresentadas no decorrer deste pequeno ensaio.

Entre a praça Aristides Lobo e a praça Pedro Américo: O Bar

Até os anos de 1960, o centro da cidade de João Pessoa se configurava como


principal ponto da cidade, seja do ponto de vista administrativo e comercial da cidade,
seja como principal ponto de diversão e de boemia. Sua localização geográfica
contemporânea aos dias atuais, não contempla mais a categoria de centro se pensarmos
a circulação de pessoas na cidade para os mais diversos objetivos, visto que se encontra
a oeste, hoje em dia, de um mapa em que praticamente todas as fronteiras são
compostas por bairros, comunidades... uma densidade geográfica muito mais
significativa que naqueles dias de outrora.
Se tratando do lugar narrado pelo autor, o Bar Pedro Américo – lugar e principal
recorte inserido no livro -, sua localização era entre as praças Pedro Américo (conhecida
por habitar nas mediações o Teatro Santa Rosa) e a Aristides Lobo, além de também se
encontrar “escondido” atrás do prédio da antiga Assembleia Legislativa que, segundo
ele, era também frequentado por deputados, secretários de Estado, prefeitos, vereadores
etc. Jocosamente, e utilizando de uma expressão popular, “se o Bar Pedro Américo
ficava a poucos metros da Assembleia Legislativa, então “casou tomé com bebé””
(SOARES, 1989, p.22).
Ao discorrer sobre como conheceu este espaço, paradigma indiciário que serviu
no entendimento da dinâmica cotidiana e noturna enquanto estudante e transeunte, ele
buscou na maioria da narrativa descritiva do livro sempre articulando sua vida enquanto

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

secundarista que veio do sertão e que aos poucos se acomoda no ritmo de vida da
Capital. Realidade de alguns destes lugares de boemia daqueles tempos, o Bar possuía
vários pontos interessantes que foram destacados pelo autor: não possuía porta pois
funcionava 24 horas por dia; fazia as vias de restaurante no dia-a-dia (o famigerado
arroz-com-ovos, predileção de alguns estudantes, inclusive); servia de ponto de
encontro entre casais declarados e não-declarados socialmente; ocasionalmente era um
dos primeiros lugares de disseminação de boatos e fatos das vida política e social
(como, segundo o autor, fora no caso do assassinato de João Pedro Teixeira, líder das
ligas camponesas).
A narração de Paulo sobre os momentos de pico de encontro entre as pessoas,
estudantes, meretrizes, passantes e transeuntes dos mais variados rumos, se davam nas
noites de sexta-feira e sábado, onde confundia-se diálogos em meio a cigarros acesos,
algazarras, gritos, conversas, pedidos e cochichos dentro do salão:

“- Sai um arroz-com-ovos!
- Traz um pirata [ Montilla] e duas cocas!
- Viva Jango! Viva Fidel!
- Sai outro arroz, este está com cabelo.
- Mas só porque é fiado, Chiquinho?
- Me dá o molho Tabajara!
- Grande é Lacerda! Mior é Julião!” (SOARES, 1989, p. 255)

E completa, ao discorrer um pouco mais sobre a Zona: “vimos o quanto


apendemos com aquelas mulheres, as quais a sociedade daquela época, direta ou
indiretamente, não as aceitando confinava em setores específicos da cidade.”
(SOARES, 1989, idem).
De fato, para além da articulação que ele costurou entre a sua memória e a das
várias pessoas que ele incorporou no livro, o Bar Pedro Américo estava localizado no
lugar mais central da cidade de João Pessoa de meados do século XX, praticamente um
ponto gravitacional que atraia para si os outros espaços ali narrados. A casa dos
estudantes se encontrava nas imediações do centro da cidade e servia como alojamento
para estudantes que vinham de lugares distantes para estudar na capital; o comércio e o
funcionalismo público era (e grosso modo ainda é) distribuído por entre as várias praças
e avenidas do centro da cidade; as faculdades, antes da coagulação na Universidade
Federal da Paraíba – UFPB –, eram distribuídas por todo o centro.
Enfim, o centro configurava um espaço de inúmeras modalidades de encontros e
circulação de pessoas, das quais, com ou sem exageros de uma narrativa que trata a

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

memória de espaços e pessoas numa perspectiva compartilhada – afinal, memória


também é esquecimento –, os bares, as ruas, as pensões, as histórias destes lugares,
enfim, tudo aquilo que trate da vida de homens e mulheres que rastreiam por trabalho,
diversão e uma vida social naquele momento histórico, tinha no centro e nos bares da
cidade importantes chamarizes.

O Centro, o Bar e a Zona.

Como três atores principais de um grande romance, a história do centro da


cidade de João Pessoa, do Bar do Pedro Américo, da boemia, da vida noturna e dos
prostíbulos da região se entrelaça de forma que é quase impensável relatar algum destes
temas de maneira singular, existindo a impossibilidade de remeter um sem tratar do
outro. É fundamental reconhecer essa necessidade de inteligir uma época considerando
a importância de interligar este espaço, suas gentes, sua dinâmica e, portanto, sua vida
social, cultural e econômica.
O Bar Pedro Américo era também uma extensão da Zona - lugar onde se é
possível encontrar meretrizes ou michês –, pois servia-se de lugar de apoio
indispensável para as mulheres que vivem “a vida de mulher da vida” (SOARES, 1989,
p.253). Esta assistência não dizia apenas respeito ao lugar de atuação de seus programas
e encontros, as vezes uma refeição ou mesmo uma folga, uma conversa mais casual
entre elas ou com algum homem disposto a pagar uma bebida, estavam no hall de
auxílios fornecidos pelo Bar.
Se tratando das “meninas da zona”, ou “da vida”, as bonecas de pano/trapo (em
referência a Lupicínio Rodrigues e suas interpretações em Nelson Goncalves), aquelas
que circulam nos cabarés, lupanares, bordeis, manichuras (talvez em referência à
Manchúria, espaço conhecido por ser ponto de prostituição em Campina Grande),
haviam todo um caleidoscópio de moças, o que de certa forma apresenta um dado
interessante sobre o a vida destas mulheres (as vezes na forma de um fantasma do tipo
ideal, um estereotipo).
A respeito da desconstrução de estereótipos sobre as mulheres que frequentavam
e trabalhavam os bares e outros setores de entretenimento no centro da cidade, podemos
pelo menos situar duas escalas de meretrizes: aquelas mulheres que tinham expediente
ocasional e as que geralmente vivam nas pensões e que tinham vida ativa no circuito do
centro. As primeiras são introduzidas no livro ao tratar do Bar Pedro Américo, onde

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

lançavam encontros as vezes as escondidas com homens suspeitos numa mesa mais
discreta. Geralmente tinham uma outra fonte de renda, como de trabalho doméstico, e
podemos levar a crer que talvez adviessem da região metropolitana. Não viviam nas
pensões, mas muitas vezes os acordos, os programas, tinham nas pensões uma extensão
de seu “local de trabalho”.
Sobre aquelas que viviam no espaço do centro, o autor buscou apresentar dados
mais detalhados sobre a vida delas e que exigiria uma intenção analítica bem maior e
que não compete neste ensaio. Elas viviam nas pensões e bordeis e exerciam seus papeis
em vários pontos, aonde apenas pela manhã tratavam de conversar entre elas sobre os
causos, fatos, experiências e rendimento na noite anterior.

“As que ficavam na pensão optavam entre continuar o papo ou


puxarem um ronco, até às 16 ou 17hs, quando apareciam os primeiros
fregueses da tarde. Eram, na maioria, comerciantes e empresários que,
aproveitavam o horário do expediente de suas lojas para mijarem fora
do caco, uma expressão da época” (SOARES, 1989, p.267)

É perceptível um sentimento solidário muito forte entre as que foram narradas


no livro, geralmente nas pensões onde o autor e os seus amigos construíram redes de
sociabilidade entre aqueles que ali habitavam. Antes de se metamorfosearem para o
enfrentamento noturno, trocavam muitas experiências entre elas e assim faziam pois
talvez a relação de alteridade umas com as outras tinham na experiência de vida em
comum sua principal gênese.
Muitas vezes estes espaços carregam altas doses de machismo – ainda que o
desaforo dificilmente aquelas mulheres levassem para suas casas ou suas camas. Afinal
de conta, como numa de suas passagens, ao tratar do caso de uma destas moças onde foi
acusada de carregar consigo “blenorragia” por um cliente pois a mesma apenas se
despia no escuro. De fato, a confusão foi grande e o autor afirma que “realmente, ela
não se despia em vista de ninguém. Não era portadora de doença venérea. Tinha,
somente, pudor! A Zona tinha de tudo. Até as pudicas...” (SOARES, 1989, p.270)
Bares, pensões, praças – como a famigerada praça do Pavilhão do Chá,
popularmente conhecida hoje em dia como “praça da gala” – foram (e de certa forma
ainda o são) espaços de atuação das mulheres da vida. O autor narra com intimidade os
bastidores da vida diuturna destas mulheres e estes espaços dividia-se entre a Pensão de
Hosana (uma das maiores e mais narrada pelo autor), o Bar de Marlene (travesti
bastante espirituosa que comandava um dos melhores para fazer uma boa refeição), o

80
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Bar do Carioca (segundo o autor, o maior de todos da região) , a Pensão de Andreza,


Bar de Maria de Januncio, a Zona e seus becos, etc.
Entender o significado deste espaço da Zona, ao nosso ver, possui uma fronteira
muito porosa ou quase nenhuma, visto que as vezes se caracterizara na cidade baixa –
baixo centro, na atual rua da areia..., mas também em pequenas ilhas de pensões
espalhada pela parte alta do centro.
O espaço da Zona, principalmente aquele situado na parte baixa da cidade –
bairro do varadouro, onde se encontra o terminal rodoviário, nos becos que ligavam
uma rua a outra, nas imediações da Marciel Pinheiro e da Rua da Areia – representara
periculosidade, segundo o autor –, até a avenida General Osório. Na parte baixa era
onde havia maior movimentação, marcado por algumas confusões, principalmente nos
becos de ligação entre as ruas e seus quartinhos improvisados.
A música ao vivo era a predileção do público em alguns destes estabelecimentos.
Interpretações e traduções musicais de artistas do calibre de Elizete Cardoso, Nelson
Gonçalves, Maysa, Lindomar Castilho, Waldick Soriano, Aldemar Dutra, Dolores
Duran, Roberto Carlos, Núbia Lafayette e entre outros, eram as pedidas ao passo que as
doses se esvaíam dos copos e lubrificavam as goelas e a madrugada avançava. De
alguma forma, o diálogo da boemia entre as músicas e as práticas sociais talvez
corroborasse na difusão cultural de um tipo padrão de boemia que se perdeu ou se
transformou nos dias atuais, onde os espaços, as práticas, as experiências, os sentidos,
representasse uma maior harmonia com a vida das pessoas que se encontravam na Zona
dos anos 60 e 70.
Confusões estas que estariam relacionados a situações que variavam entre um
ciúme entre rapazes por uma moça da vida, ou mesmo quando as rondas dos militares
passavam de bar em bar atrás de militares transgressores que, em momentos de folga ou
não, pulavam a cerca da moralidade dos tempos de chumbo e buscavam uma diversão
ébria na Zona. Entretanto, todos estes estabelecimentos, principalmente os bares,
estavam condicionados a partir das 4 horas da manhã serem forçosamente fechados pela
guarda que rondava as madrugadas alertando o amanhecer, carinhosamente chamado
pelo autor como “a hora do maldito” [guarda que acabaria com a festa].
Em linhas gerais, os espaços de boemia narrados pelo autor adquiriram nos dias
atuais outras formas e significados que em muito distingue do ‘tempos do Pedro
Américo’, mesmo se tratando de espaços de diversões noturnas e prostituição, ainda tão
presente nos dias atuais. A vida e a memória do autor, estudante sertanejo que buscou

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

formação escolar e universitária na capital, e que de sutilmente apresentou novas faces


de um tempo de conflito – a ditadura civil militar -, traduz a simbiose da vida atuante de
estudante e de boêmio.

Política e Combate

Paulo Soares dedica extensas partes para demonstrar a atuação política dos
jovens estudantes naquela época, seja através da participação direta nas entidades
representativas como a União dos Estudantes do Estado da Paraíba, a UEEP, e o
Diretório Central dos Estudantes (DCE), ou nas diversas ações sociais que os jovens
estudantes desempenhavam com a população mais carente de João Pessoa.
Em relação à atividade estudantil dentro das entidades representativas, Soares
nos mostra a luta dos estudantes, tanto os secundaristas, como os universitários, em prol
das melhorias estruturais do ensino e da assistência estudantil. Inicialmente, o autor
descreve todas as atividades relacionadas à Casa do Estudante e o processo de luta em
relação à esse espaço.
Criada através do decreto 782 de 12/03 de 1937, durante a gestão de Argemiro
de Figueiredo, a Casa do Estudante era um espaço de assistência aos jovens que vinham
do interior para estudar na capital e que não tinham condições de se manter nas diversas
pensões localizadas no centro da capital paraibana. Inicialmente, abrigava poucos
estudantes e servia apenas como dormitórios, porém ao longo do tempo foi expandindo
os seus serviços e hóspedes.
Soares nos mostra todo o processo de luta envolvendo as melhorias da Casa do
Estudante, desde a sua estrutura física e chegando até a sua forma de representação
dentro do movimento estudantil. Por ter participado ativamente desse período, o autor
dedicada a maior parte do seu livro a essa questão, incluindo nos seus relatos todos os
tipos de piadas, anedotas e situações engraçadas que envolviam a Casa do Estudante,
mas sempre deixando claro a importância da mesma para os estudantes e os seus
esforços para mantê-la funcionando.
Ainda no âmbito da política estudantil, Paulo Soares relata todo o processo de
luta dos estudantes em relação a outra questão importante para a assistência estudantil
da época: o Restaurante Universitário. Como uma enorme parcela dos estudantes era
proveniente do interior, era muito custoso para os discentes conseguirem se manter na
capital e ainda arranjarem dinheiro para a alimentação. Com isso, a existência de um

82
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

restaurante universitário e gratuito era uma pauta bastante importante para o movimento
estudantil.
A mobilização dos estudantes frente a outros assuntos também é tratada por
Paulo Soares, a exemplo do apoio às ligas camponesas do Estado da Paraíba e também
na criação do Hospital Padre Zé por parte de alguns estudantes de medicina.
Toda essa movimentação estudantil era acompanhada por discussões políticas
mais gerais, a exemplo da situação do país nos anos 60, principalmente na crise
institucional envolvendo o Presidente João Goulart. Soares mostra toda a atividade
estudantil contra as forças conservadoras que planejavam o golpe militar, indicando
diversos estudantes e narrando várias situações de resistência, dentre elas a Greve da
Faculdade de Medicina em 1963 e a ocupação da Faculdade de Direito em 1964.
Com o golpe militar instaurado, Soares diz:

“Trocaram tudo na Universidade. O reitor, Dr. Mário Moacir Porto,


pelo Capitão-Médico Dr. Guilhardo Martins, o presidente da UEEP, o
Presidente do DCE, os Presidentes dos Diretórios Acadêmicos, os
assessores e os cambaus, como se dizia na época. Começaram os
inquéritos e as prisões.” (SOARES, 1989)

A partir disso, ocorreu certo distanciamento de algumas figuras das lutas em


relação a universidade, principalmente aqueles que estavam prestes a se formar. Em
1965, Soares diz que a grande maioria dos formandos em medicina da UFPB foi fazer
suas especializações fora do Estado, inclusive ele mesmo, fazendo com que o
distanciamento da luta estudantil fosse algo em comum a todos eles, porém o espírito
combativo sempre permaneceu ao lado de todos eles.
É possível perceber no discurso de Paulo Soares sobre a atividade política da
época alguns problemas. O primeiro deles é a expressiva maioria de militantes de
esquerda nesse período. Seu discurso faz parecer que quase toda a classe estudantil
estava alinhada às ideias de esquerda. Outro problema é a onipresença de Paulo Soares
nos acontecimentos da época. Por escrever sempre no plural, faz parecer que ele estava
presente em todos os acontecimentos possíveis, desde os vários encontros dos líderes
estudantis com os Governadores, passando pelo assassinato de João Pedro Teixeira, nos
congressos da UNE e na ocupação da Faculdade de Direito.
É preciso analisar essa memória de resistência ao regime militar no período em
que o livro foi escrito, na redemocratização do país. Talvez Soares busque em suas
memórias as soluções para a crise que o país vivia no momento em que o livro foi

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

escrito. A ideia de uma juventude combativa, alinhada aos interesses do país e que
estava sempre presente nas atividades políticas parece ser o ideal que Soares busca em
suas memórias, a fim de resgatar um espírito combativo para o seu presente.

O início do Fim – considerações

Com o golpe militar e a intensa perseguição aos estudantes, tudo isso atrelado ao
fato de a grande maioria ter começado a tocar as suas carreiras profissionais, o Bar
Pedro Américo passou a ser menos frequentado por Soares e seus amigos. O regime
militar, com seu discurso de ordem e preservação dos costumes, foi bastante repressivo
à esses espaços de boemia e de prostituição, além do medo de ser fichado pelos órgãos
de inteligência do estado, a exemplo do Serviço Nacional de Informação, que coletava
informações de diversas pessoas que frequentavam esses espaços a fim de
“desmoralizar” a imagens delas.
Outro ponto crucial na desarticulação do Bar Pedro Américo e na sua decadência
foi a construção do campus universitário na zona sul da cidade. O Centro abrigava
diversas faculdades e com isso o trânsito de jovens estudantes era bastante intenso nessa
região. Com a desarticulação do centro como espaço para os estudantes, grande parte
dos lugares que os mesmos frequentavam também passou a entrar em decadência, a
exemplo do Bar Pedro Américo, que fechou suas portas no início da década de 1970, e
quase todas as pensões.
Diante de tudo isso, ainda existe outro fator importante que nos explica a
decadência desses espaços: a expansão da cidade para o Litoral. Até início da década de
1960, a linha litorânea e a zona sul da cidade não tinha uma expressiva densidade
demográfica, relegada, como no caso da primeira, a espaços para veraneios e pequenos
estabelecimentos comerciais e bares. Com o avanço da especulação imobiliária e a
expansão do centro para cidade, somado ao processo de inflação demográfica – foi uma
época de considerável êxodo rural para as cidades, principalmente de homens e
mulheres sertanejos para o litoral -, o centro tentou sobreviver com as cartas que
dispunha naquelas circunstâncias: ainda era (e é) um dos principais pontos comerciais
não apenas da cidade, mas de toda a região metropolitana.
Com essa gentrificação urbana, este espaço que de certa forma já adquiria uma
roupagem marginalizada ainda naquela época, mas com o diferencial de que havia bem
maior circulação de pessoas, essa marginalização começa a incorporar maiores

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

elementos de criminalidade, visto que, uma vez que o centro da cidade e alguns dos seus
antigos bares e pensões ainda funcionam nos dias atuais, seu sentido original
transformou-se num espaço de relativa periculosidade. Estas relações todas nos
trouxeram algumas considerações sobre o trabalho e a ideia de espaço do centro nos
tempos do Pedro Américo e nos dias atuais.
Um primeiro ponto que merece destaque diz respeito a ausência de trabalhos
historiográfico que abranjam este momento histórico na idade de João Pessoa e que
tome como recorte justamente estes homens e mulheres que vivem, frequentam e
usufruíram da vida noturna, muito mais para dar sentido cultural ao espaço em questão e
como funcionava as relações de sociabilidade dentro de uma perspectiva que adote o
lugar social destes sujeitos na história, no tempo e, principalmente, na memória. Sobre
estas questões, talvez os apontamentos dados por Michel de Certeau no seu clássico “A
Invenção do Cotidiano”(1994) sobre os lugares sem história destes sujeitos ordinários,
as táticas, as estratégias e as resistências destes no âmbito do dia-a-dia e mesmo neste
processo de gentrificação do centro permita apresentar algumas linhas sobre a vida
cultural, social, boêmia e política nestes espaços fundamentalmente marginalizados.
Sobre estes sujeitos ordinários, um fator bastante curioso para nós ao lidar com a
leitura sobre o trabalho memorialístico do autor e, consequentemente, da época em que
são narrados os fatos, foram a simbiose –como dito anteriormente – entre os estudantes,
os passantes, o Centro, o Bar e a Zona. Sobre esta última, a preocupação em apontar os
bastidores e as várias facetas de um rosto noturno: as moças que se prostituíam tinham
identidades próprias, trabalhavam e viviam no centro integralmente ou não. Isso nos faz
apresentar uma ilustração menos caricatural sobre o que significa a labuta noturna
destas mulheres, dando forma e complexidade a uma prática que moralmente (ou,
melhor dizendo, hipocritamente) relega a elas, muitas vezes, as condições das mais
cruéis na nossa sociedade.
Outra consideração nossa diz respeito a um aspecto romântico de nossa análise:
uma história da ebriedade e de seus espaços. Ainda que exista uma relativa timidez na
produção historiográfica sobre o lugar da boemia e seus espaços na sociedade, um
estudo que pensasse ou mesmo conceituasse a ideia de boemia no seu sentido
antropológico e histórico está no nosso horizonte de expectativa de análise – ainda que
esta ainda se mostre bastante limitada devido ao avançar desta pesquisa. Pensar Boemia
enquanto prática social, que culturalmente flui dentro da necessidade de encontrar-se
com seus condiscípulos de vida ou mesmo sozinho, numa mesa de bar ou mesmo na sua

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

própria residência, onde culturalmente entende-se esta prática na literatura e


principalmente na música – de “A volta do Boêmio” à “Garçon” –, dentre tantas outras
questões, foi um dos resultados de nossas preocupações com este tipo de pesquisa.
Pois, desvencilhar esta prática corriqueira da sociedade do seu sentido mais
clínico – e neste sentido, higienizador, pois desconsidera qualquer outro tipo de
interpretação sobre a prática e os seus espaços que não seja apenas vinculada ao redutor
“alcoolismo” – talvez seja uma maneira mais crítica de se pensar as condições dos
sujeitos que viveram, vivem e viverão esta prática (seja para combate-la quando se
pensa saídas para os problemas de saúde, seja para pensa-la como algo inerente na nossa
sociedade e que assim precisaríamos perceber novas formas de se pensar a história dos
de baixo (THOMPSON, 2001).
Ou seja, é importante historicizar a própria ideia de boemia e seus espaços do
ponto de vista de uma História Cultural (CHARTIER, 1990). O centro da cidade não
deixou de ser frequentado, nem mesmo alguns dos seus espaços noturnos ficaram
escanteados. A população pode não ser (toda ela) a mesma de outrora, da narrativa do
autor. Há alguns apontamentos e coincidências, afinal, ele também é um ponto de
intercessão entre a região metropolitana. Mas será que é possível, por exemplo, dar
sentido histórico para a ideia de boemia – numa análise comparativa ou não? Se sim, é
possível pensar, neste processo todo, resistência, transformação ou mesmo perda de um
sentido de boemia para outro? Como se deu este processo na cidade de João pessoa para
entendermos as condições atuais destes espaços? Bem como contribuir para uma
transformação do centro de maneira dialética e humanamente capacitada, com
participação de quem também frequenta e mesmo convive com o espaço, e
historicamente coerente.

REFERÊNCIAS

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações culturais. Rio


de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
V.1
THOMPSON, E. P. A história vista de baixo. São Paulo: Editora da Unicamp, 2001.
SOARES, Paulo. Nos tempos do Pedro Américo. João Pessoa: Grafset, 1989.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

SESSÃO COORDENADA 03 - HISTÓRIA E CULTURA


COORDENADORES: ROSILENE ALVES DE MELO & FÁBIO HENRIQUE
LOPES

UM ESTUDO SOBRE A CENA INDEPENDENTE DA MÚSICA BRASILEIRA:


CARACTERÍSTICAS E MUDANÇAS TANTO ECONÔMICAS QUANTO
CULTURAIS

João Kaio Miguel Arruda1


Danilo de Sousa Cezario2

Introdução

Trabalhar com música como fonte histórica é uma coisa relativamente nova para
os historiadores, os metódicos da França do século XVIII jamais cogitariam essa
possibilidade, as portas vão se abrindo com os Annales no século XX, mas até hoje nós
historiadores temos problemas de usar a música como fonte histórica. Marcos
Napolitano um dos principais teóricos de História e Música no Brasil diz que os
historiadores ainda não sabem usar bem a música como fonte, para ele o principal erro
seria fazer apenas analises de letras musicais esquecendo toda amplitude da canção, ele
vai dizer que além da análise da letra é importante entender a melodia seu contexto de
criação, seu autor, o lugar social do musico também é importante, à época, para qual
público aquela música era destinada, qual sua intencionalidade, ou seja, jamais será
apenas analisar a letra da música.

1
UFCG-CFP. E-mail: [email protected]
2
UFCG-CFP. E-mail: [email protected]

87
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Esse trabalho tem a intencionalidade mostra o que é a Cena Independente da


música brasileira, passando por seus momentos de autos e baixos mostrando que
mudanças econômicas na indústria fonográfica brasileira também acarretam mudanças
na produção cultural do país. A Cena Independente ela é dividida por maior parte dos
estudiosos em três momentos o primeiro momento seria no final dos anos 70, início dos
anos 80, o segundo momento seria até meados dos anos 90 e o terceiro momento é o
momento atual.
Os anos 70 ele é marcado por um discurso ideológico em volta da Cena
Independente, uma parte dos envolvidos com o movimento acreditavam que a música
Independente veio para bater de frente com as grandes gravadoras e outra parte não eles
apenas acreditavam que a música Independente era um refúgio para pessoas que tinham
produção um pouco diferentes das grandes gravadoras mas que a qualquer momento
poderiam ir para uma grande gravadora, ou seja, essa parte não compactuava da ideia de
que as grandes gravadoras acabariam com a música independente ou vice-versa. Nos
anos 90 não tem mais essa disputa ideológica o discurso agora é pautado na
profissionalização da Cena Independente, com uma reformulação das grandes
gravadoras muitas pessoas são demitidas e essas mesmas pessoas passam a trabalha
com a música independente, por isso o movimento vai ganhar um ar mais profissional.
O momento atual é visto nessa pesquisa como a independência do indivíduo, por que
por mais que o artista fizesse parte da Cena Independente ele precisaria de algum
auxílio para gravar e distribuir, hoje não com a internet e as redes sócias o artista pode
gravar, editar, lançar e distribuir sem sair de casa.
Uma das principais características da Cena Independente é a criação de nichos
musicais, ou seja, artistas novos com novas propostas. E aí que vai entrar na pesquisa a
banda carioca Los Hermanos e a criação de um novo nicho musical a “Nova MPB”.

Um pouco da cena independente fora do país: Majors e Indies

“Majors” são as grandes gravadoras multinacionais e as “Indies” são as


gravadoras independentes, nos Estados Unidos as gravadoras independentes passam a
ter espaço a partir dos anos 50, com o surgimento do rock e a ruptura do “sistema
fechado” ele relaciona essa mudança e a quebra desse sistema com as mudanças no
patamar tecnológico da indústria, mudanças essas que provocam uma queda imensa nos
custos de gravações e impressões de disco. O fortalecimento da cena independente e a

88
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

inovação tecnológica não são necessariamente contraditórios com a concentração do


mercado e os interesses da grande indústria, já que as “Majors” estavam levando essas
mudanças que estavam acontecendo em cota também. A “divisão de trabalho” acabou
acontecendo quase que naturalmente, ou seja, enquanto as “Indies” visavam mercados
crescentemente especializados, cuidando da formação e promoção de novos artistas, as
“Majors” cuidavam da divulgação e distribuição nacional e mundial daqueles que se
destacavam. Nos anos 70 os fabricantes e os varejistas já estavam confiando em uma
serie de distribuição independente, mas nos anos 80 o sistema de distribuição
independente começa a enfraquecer e cada vez mais selos pequenos como Arista,
Motown e A&M passaram a ser distribuídos por grandes distribuidoras, mas isso nos
Estados Unidos no Brasil teve algumas relações diferentes.

O primeiro momento: o final dos anos 70 e início dos anos 80

O desenvolvimento da música independente no país acontece a partir das


mudanças da indústria fonográfica, mostrando que a cena independente no Brasil tem
três momentos do final dos anos 70/80, os anos 90 e o cenário atual.
Embora alguns autores citem exemplos anteriores, a maioria dos estudiosos do
assunto considera o disco “Feito em Casa” (1977), de Antônio Adolfo, como marco
fundamental, já que foi a partir de seu lançamento que “pela primeira vez” teve uma
discussão em toro do tema. Eduardo Vicente um especialista da Cena Independente do
Brasil aponta que enquanto o disco de Antônio Adolfo estava surgindo, estava também
acontecendo o final de uma longa trajetória de crescimento e organização da indústria
do disco no país que teve uma baixa enorme na produção entre 1966 e 1979, ao mesmo
tempo em que as principais empresas internacionais do setor iniciavam ou ampliavam
sua atuação no país, sem falar que as empresas eram favorecidas pela lei de incentivos
fiscais (Disco e Cultura) que permitia as empresas abaterem dos impostos de
mercadorias os direitos comprovadamente pagos a autores e artistas que viviam no país,
isso as permitia tanto ampliar a margem de lucro como o investimento em artistas
nacionais, porem a crise que se desenhava no final dos anos 70 e que afetou
profundamente o setor no início da década de 80, muda completamente esse cenário, a
indústria aumenta sua seletividade, reduz seus elencos e começa a pensar mais em suas
ações, ou seja, tende a marginalizar artistas que são fora dos segmentos que passa a ser
privilegiado pelas indústrias, com isso, surge uma cena independente tanto como

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resistência cultural e política a nova organização da indústria, quanto como única via de
acesso ao mercado para um variado grupo de artistas. Essa contradição ela desenvolve
um debate na época entre dois músicos profundamente envolvidos com essa produção o
Helio Ziskind e Lelo Nazário, escrevendo para folha de São Paulo em 14/03/1982 Helio
Ziskind tenta desmistificar o movimento independente afirmando que:

Não se pode dizer que a música veiculada por um disco independente


não possa ser registrada por uma gravadora. Como também não se
pode dizer que um determinado disco não precisava ser independente.
Não há uma relação de necessidade entre música e disco
independente.... Ser independente não é qualidade musical, pode ser
apenas uma contingência. (O disco independente, Folha de São Paulo,
14/03/1982).

Helio acredita que a produção independente surgiria como uma estratégia


possível dentro da carreira do artista, que a princípio não implicaria em um
questionamento da indústria ou da sociedade como um todo. Já Lelo Nazário interpreta
de uma forma diferente, para ele os dignificados da produção independente são mais
profundos, ele escreve para o mesmo jornal uma semana depois dizendo que:

...arte independente é toda aquela que, partindo de uma nova


ordem de valores que contrariam visceralmente os valores
comerciais do sistema, pretende transformar aqueles que se
dispõem a transformar a sociedade de armazém de mercadorias
em um ambiente humano, onde as relações entre as pessoas não
sejam mais regidas pelos interesses impostos de cima para
baixo, mas pelos desejos autênticos dos indivíduos: os que
suscitam a arte e a produzem. (A manifestação dos discos
independentes, Folha de São Paulo, 21/03/1982).

Assim como Eduardo Vicente e a partir de analises dos artigos eu entende as


motivações de Nazário, mas levando em consideração o momento histórico do país,
“Seria difícil não interpreta o surgimento da cena independente como resultado da
interiorização da racionalidade da indústria por parte dos artistas...” (VICENTE,
Eduardo; Dezembro de 2006; P, 5) ele elenca alguns argumentos que reforçam essa
tese.
Ziskind aponta em primeiro lugar a não existência de uma ligação clara entre a
produção independente e a atuação de um grupo político e esteticamente coeso, ele diz
que essa impressão de uma ligação pode ter acontecido por que alguns grupos

90
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

vinculados ao Lira Paulistana ocupavam lugares junto a mídia escrita. Vale ressaltar
também que, nesse mesmo período a alternativa independente foi largamente utilizada
também por artistas que atuavam em mercados regionais, na música sertaneja, na
música instrumental e em outros segmentos ignorados pelas grandes gravadoras, ele cita
mesmo Emilinha Borba que ao sair da CBS em 1981, optou por essa forma de
produção.
O mercado independente ele parecia exigir do artista um grau de compreensão
maior dos aspectos envolvidos na produção e comercialização do disco. Antônio Adolfo
afirmava: “eu mesmo lanço e comercializo meus discos. Produzo a parte musical, faço a
capa, mando prensar, mandou imprimir e viajo por todo o Brasil, ido pessoalmente
vender nas lojas o LP”. (O feito em casa em busca de um lugar, Folha de São Paulo,
28/10/1979).
Um fator muito importante a ser considerado é que nomes de maior destaque da
cena independente, como Boca Livre e Oswaldo Montenegro, entre outros, aceitaram
rapidamente os convites feitos por grandes gravadoras para integrar seus elencos. Isso
me leva a considerar que a cena independente nesse momento também assumia um
papel de lançar novos nichos de mercado e forma artistas para grandes gravadoras, ou
seja, respondendo com maior precisão a crescente segmentação do público. O projeto
Lira Paulistana parece mostra isso muito bem.
O Lira é um teatro que foi inaugurado na Vila Madalena, na cidade de São
Paulo, no final de 1970 e ele consegue então polarizar a cena e até mesmo o debate
sobre a produção musical independente no país. Wilson Souto Jr (o Gordo) foi o
idealizador do projeto e ele falava acerca da formados principalmente por estudantes
universitários ou já graduados, mais ou menos atentos as transformações sociais e
políticas do país. Ao mesmo tempo, era considerada a existência de “uma produção
cultural emergente marginalizada pelos espaços institucionais e que vinha sobrevivendo
em porões particulares, garagens e consumida apenas pelos amigos mais próximos”.
Com isso podemos dizer que o Lira era o ponto de encontro da nova produção e do
público que a procurava. Assim, depois do teatro surge à gráfica e o selo fonográfico
que vem a ser criado em 1981, mostrando as potencialidades do mercado em que se
pretendia atuar.
Até o surgimento do Lira os nomes de destaque da cena independente eram os
de Antônio Adolfo, Chico Mário, Boca Livre e Céu da Boca, entre outros, o Lira
apresenta novos grupos, um deles formado por Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção. Isso

91
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

entre 1981 e 1982, o teatro serviria de palco também para bandas da emergente cena do
rock nacional como Titãs, e no final de 1982, começa a se associar a tradicional
gravadora Continental, onde Wilson Souto iniciaria uma nova carreira, primeiro como
diretor artístico e, depois de sua aquisição pela Warner em 1994, como seu presidente.
Mesmo com toda importância que tinha a cena independente tanto culturalmente
como politicamente era inegável não ter uma sensação de fracasso em relação ao projeto
independente dos anos 80, já que muitas das iniciativas então desenvolvidas acabaram
não tendo continuidade.
Em 1980, por exemplo, tinha sido criado um departamento voltado para
produção de discos independentes dentro da Cooperativa de Músicos Profissionais do
Rio de Janeiro (Coomusa), que tinha como função fazer a divulgação e distribuição dos
trabalhos. Quando foi em 1981 Antônio Adolfo disse que a experiência não tinha tido
êxito por conta da falta de estrutura financeira da cooperativa. Com isso acabou sendo
criado em 16/05/1982 a APID (Associação dos Produtores Independentes de Disco). A
associação era presidida por Antônio Adolfo, tendo Chico Mário como vice. Chico
afirmava existirem, por volta de 600 discos independentes no mercado, além de
gravadoras como Kaurup (RJ), Bemol (MG), Som da Gente e Lira Paulistana (ambas de
São Paulo). Mas quando foi na segunda metade da década, ambos decidiram que a
associação deveria ter suas atividades paralisadas até que surgissem melhores condições
para a sua atuação.
Tinha se ainda esperanças com o projeto do Lira e sua associação a gravadora
Continental, o projeto ele trazia uma série de inovações. Uma divisão mais equilibrada
de lucros, apoio para shows e para obtenção de patrocínios, mapeamento dos espaços
que poderiam sediar eventos em todo o país e a criação em outros estados de núcleos de
aglutinamento de produção nos moldes do Lira, sendo cidades como Porto Alegre, Belo
Horizonte e Recife as escolhidas para dá início a esse projeto. Mas infelizmente a
iniciativa jamais decolou e o projeto foi definitivamente abandonado em 1985, assim
como as atividades do teatro.
Vemos chegando ao fim um primeiro momento da música independente, seria
fácil atribuir esse aparente fracasso a falta de uma visão mais comercial por parte dos
artistas envolvidos nos setor, as dificuldades de distribuição e divulgação enfrentadas
pelos independentes, a o boicote das grandes companhias entre outras coisas, mas tem
também que se levar em conta como Eduardo Vicente aponta em suas pesquisas, a
precariedade do capitalismo nacional como um todo, a espiral inflacionaria, o atraso

92
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

tecnológico da indústria, as constantes mudanças nas regras econômicas e os problemas


de fornecimento de matéria- prima, entre outros fatores, esse cenário da segunda metade
da década prejudica até mesmo o planejamento das grandes companhias do setor. Com
isso Eduardo Vicente diz que “Nesse sentido, acho possível considerar que o projeto
independente dos anos 80 esteve, num certo sentido, adiante das condições materiais
que, nos anos 90, possibilitariam a sua definitiva implementação”.

O segundo momento: os anos 90

Leonardo de Marchi outro estudioso do assunto no artigo “Indústria fonográfica


e a Nova Produção Independente: o futuro da música brasileira?”. Aponta uma volta da
música independente nos anos 90.
Para Leonardo o que possibilita essa volta é que em fins da década de 1990,
acontece a reengenharia das grandes gravadoras e a estabilização econômica do país,
com isso o setor independente começa a apresentar sinais de mudança. Ele fala que por
conta de uma política de cortes tanto em elenco quanto em equipes de trabalhadores das
gravadoras fez com que muitos artistas, artistas até reconhecidos e profissionais
gabaritados migrassem ou criassem novas empresas independentes. Com isso algumas
novas empresas passaram a obter certo sucesso comercial e uma atenção da mídia,
começando a fomentar um debate sobre o ressurgimento da produção independente no
Brasil. E isso passou a ganhar mais força quando se passou a sustentar um discurso
crítico sobre as condições do mercado fonográfico brasileiro e a necessidade de se
organizar o setor independente.
Com isso surge à ideia de uma Nova Produção Independente, ele começava a se
caracterizar pelo conjunto de gravadoras brasileiras que desde fins dos anos 90, surgiam
no mercado fonográfico nacional. Se por um lado essa nova geração de independentes
retoma o esforço de revitalizar a produção nacional de discos, o objetivo que tinha seus
antecessores, por outro lado, essa nova geração ela se mostra mais bem preparada
profissionalmente para atuar no mercado de música brasileiro. Por que além de
contarem com profissionais experientes da indústria fonográfica, algumas dessas
empresas têm um solido apoio de capital.
O próprio Leonardo de Marchi no artigo “Do marginal ao empreendedor.
Transformações no conceito de produção fonográfica independente no Brasil”. Diz que
“Dessa forma, os independentes dos anos 1990 se tornaram mais músicos

93
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

administradores do que autônomos”. Corroborando com sua ideia ele cita uma fala da
cantora Olivia Hime, sócia e diretora da Biscoito Fino, uma das empresas
independentes, ela diz:

(...) já que nossa empresa é de ‘médio porte’ (...) e a gente tem


que pensar assim [profissionalmente] (...) porque, aí, vem uma
(...) questão minha: a empresa cresceu – porque a gente não
pode deixar de crescer – mas eu não quero, por conta disto,
abandonar as produções em que acredito. (Olivia Hime,
entrevista concedida em 28/03/2006).

Foi com essa postura que em 2001 que as iniciativas empresariais inovadoras
por parte dos novos independentes foram pioneiras no comércio digital de música no
Brasil, através de parcerias com empresas de novas tecnologias, com isso foi fundada a
ABMI (Associação Brasileira de Música Independente). A associação busca ser um
elemento de identidade da produção independente no Brasil e um negociador dos
interesses comuns do setor, como as criações de estruturas próprias de funcionamento,
com distribuição e a abertura de mercados tanto no país quanto no exterior.
Outro fator bem notável é o desenvolvimento de uma estrutura autônoma.
Buscando evitar parcerias desfavoráveis com as grandes gravadoras ou agentes do
mercado de música, os novos independentes têm desenvolvido sistemas próprios de
produção e distribuição, apesar de flexível as estruturas das principais empresas
independentes tendem a concentração de etapas produtivas, coisa que as grandes
gravadoras já tinham terceirizado, como estúdio de gravação e sistema de distribuição.

“Conforme analisando durante a pesquisa, tal concentração é


fator central para a manutenção da condição independência no
mercado e dos projetos estéticos das próprias empresas.
Controlando sua própria distribuição, os independentes podem
negociar de forma mais proveitosa seu espaço no mercado de
fonogramas, sem depender dos interesses das grandes
gravadoras”. (DE MARCHI, Leonardo; 2009; p, 131).

As gravadoras independentes se caracterizam pelo investimento nas novas


formas e tecnologias de comercio de gravações sonoras. Para as empresas
independentes, as atuais transformações são particularmente apropriadas, em primeiro
lugar diferentemente das grandes gravadoras, onde os clientes são as conceituadas lojas
revendedoras, os consumidores das pequenas e medias são os indivíduos, os

94
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

independentes estão atingindo diretamente seu público-alvo, sem a necessidade das


complexas negociações com atravessadores, como as lojas de disco.

O momento atual: a independência do indivíduo

Depois de todo debate ideológico que teve no primeiro momento, da


profissionalização da Cena que teve no segundo momento, esse terceiro momento ou
momento atual é caracterizado sem dúvida pelo advento da internet e das músicas
digitais, deixando um pouco de lado a produção física, com o surgimento de novos
artistas que tiram seus rendimentos dos shows e não mais dos CDS, artistas que lançam
as músicas primeiro nas plataformas digitais e muitas vezes laçam essas músicas de
graça só com o intuito de divulgação, essa pra é sem dúvidas a cara da terceira geração
da música independente brasileira.
O indivíduo nesse momento ele pode de fato se dizer independente, por que
como foi visto com Antônio Adolfo e outros artistas não tinham como naquele
momento o artista fazer tudo sozinho, por que como era que um músico de São Paulo
iria fazer a divulgação no Nordeste isso custava muito, por isso tinha que ter um auxílio
de uma distribuidora. Mas agora não, agora o artista produz, grava, edita, lança e
divulga sem precisar sair de dentro de casa com a internet e as mídias sociais.
Uma das principais características da Cena Independente é a sua capacidade de
criar nichos musicais, é onde entendemos que as mudanças econômicas estão
inteiramente ligadas as mudanças culturais, abrindo espaço para novos artistas e novas
formas de se fazer música, sem depender apenas do que as grandes gravadoras e o que
ela nos apresenta como música.

“Só posso ver com alegria e entusiasmo a construção dessa nova


indústria da música independente. Mentiras históricas como ‘o
povo gosta de lixo’ serão colocadas por terra através do talento
de nossos artistas e sua música. É um povo sofrido, muito
ocupado em sobreviver e que espera de nós (os independentes) o
melhor – e não o contrário. Até porque sem opções,
lamentavelmente, lixo vira alimento. Somos um povo em
construção, buscando valores próprios e comprometimento. E
isso a sociedade brasileira pode esperar do setor da música
independente. Não temos a pretensão de sermos o ‘metro’
[medida] do que é bom ou ruim no nosso país, mas de maneira
alguma podemos abrir mão de termos opinião, de nos ver refletir
nas paradas [de sucesso da música]. Todo mundo [ou seja, a

95
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

sociedade] ganha com isso: são mais empregos, artistas,


canções, oportunidades...” (Bôscoli, 2003).

Considerações finais

A intenção desse artigo é mostrar que as mudanças econômicas na indústria


fonográfica brasileira afetaram a produção dos músicos independente e as produções
musicais no Brasil. Mostrando as mudanças entre os autônomos dos anos 70, os
empreendedores dos anos 90 e os “internautas” (artistas que usam a internet como seu
meio trabalho) do momento atual, não querendo aqui fazer algum tipo de comparação
coisa que não é pertinente. O que se deseja é compreender como essas mudanças
representam transformações significativas na indústria fonográfica e na produção
individual de cada artista.
E essa capacidade da música independente em criar novo nichos musicais da
abertura para o segmento musical que será pauta do desenvolvimento da pesquisa, que é
a “Nova MPB” e suas relações com a Cena Independente usando como ponto de partida
a banda carioca Los Hermanos que é considerada uma das bandas pioneiras dessa
reformulação da música popular brasileira.
Essa nova versão da música popular brasileira é o que podemos chamar de
terceira geração dos músicos independentes, são artistas que não estão preocupados com
vendagens de discos, que disponibilizam suas músicas muitas vezes de graça na internet
e que se preocupam mais com a “qualidade” do que com a quantidade das músicas

REFERÊNCIAS

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controvérsia da nova MPB/Laís Barros Falcão de Almeida. 2016.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro Zahar Editor, 2005.
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musicais/geral/ los-hermanos-e-a-geracao-y
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de produção fonográfica independente no Brasil. Revista ECO-Pós, 2009, 9.1.
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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

GAJANIGO, Paulo. Delicadeza e conflito na música: Los Hermanos e outras


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GONÇALVES, Suzana Maria Dias. CHEGA DE SAUDADE: A “NOVA MPB” E AS
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GONÇALVES, Suzana Maria Dias, et al. Nova MPB no centro do mapa das
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NAPOLITANO, Marcos. História & Música – história cultural da música
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NAKANO, Davi, et al. A produção independente e a desverticalização da cadeia
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VICENTE, Eduardo. A vez dos independentes (?): um olhar sobre a produção musical
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indústria fonográfica e as gravadoras independentes. ENCONTRO NACIONAL DE
ENGENHARIA DA PRODUÇÃO, 2008, 28.

97
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

OS MUSEUS DE AREIA COMO LUGARES OPORTUNOS A VALORIZAÇÃO


DA IDENTIDADE CULTURAL E A REPRESENTATIVIDADE DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Andresson Araujo Gomes1


Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Lindaci Gomes de Souza2

Introdução

As mais antigas e reconhecidas instituições do campo da cultura e do patrimônio


cultural são os museus. Desde Alexandria, passando pela Antiguidade Romana, e pela
renascença, o gosto pela procura de vestígios, por curiosidades, tem despertado o
interesse do homem movido pelo conhecimento de objetos portadores de significado,
que dão suporte à memória coletiva, fonte da história.
Assim, a partir da década de 70, por meio das lutas engajadas pelos movimentos
sociais que reivindicavam, além de direitos como cidadãos e participação nos processos
políticos, a sua memória. Sendo assim é por meio desta, que se dava a "luta de fato pela
afirmação de sua identidade étnica e cultural" (ORIÁ, 2006, p. 129). Esses movimentos,
também colocou nos debates a questão da democratização da cultura em torno do papel
dos museus.
A partir das mudanças ocorridas no país na década de 80, iniciou um processo de
ressignificação dessas localidades, com vista a torna-los cada vez mais presentes, em
especial, nas cidades, tendo como uma das suas principais pretensões o atendimento e a
identificação do público onde se encontra inserido.
Essas modificações atuaram promovendo uma reflexão acerca do que
observamos no espaço museológico para assim entendermos que a intenção da
promoção destes espaços não é fazer o visitante visualizar as peças como algo antigo,
ultrapassado e sem utilidades no presente; mas sim perceber como tais objetos criam
uma teia de significados que atuam criando e recriando por meio do diálogo com o
tempo, contrapondo desta forma, visões de mundo e de sociedades. Diríamos que esta
nova museologia desceu do pedestal no qual se encontrava para se inserir melhor
socialmente, ou seja, deixou de ser lugar de sacralização e de admiração de coisas
exóticas, para passar a ser espaço da comunidade, espaço este onde a mesma possa

1
UEPB. E-mail: [email protected]
2
UEPB. E-mail: [email protected]

98
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

produzir e apresentar sua própria cultura, podendo assim refletir e reforçar seus traços
identitários.
O museu como espaço institucional ultrapassou suas próprias barreiras
originárias para se tornar lugar de cidadania integrando cultura e sociabilidade com a
sociedade que o inclui. Ramos (apud AMARAL, 2006, p.59) ressalta que: “sua
responsabilidade social [do museu] é excitar a reflexão sobre as múltiplas relações entre
o presente e o passado, através de objetos no espaço expositivo”. Depois que se
descobriu que o verdadeiro motor do crescimento é preservar e potencializar os
elementos culturais peculiares de cada sociedade - e os museus são instrumentos
fundamentais nesse processo - está havendo uma maior conscientização em relação à
manutenção desses espaços, assim como o desenvolvimento de políticas públicas
voltadas a promoção da visibilização dos mesmos com vista a despertar na sociedade o
sentimento de pertencimento, identidade, preservação e cuidado.
A ideia de museu como agente de mudança social e de desenvolvimento
representa uma nova visão de museus que se configura totalmente diferente do sentindo
de preservação e de guarda de peças tidos nos chamados "Gabinetes de curiosidades"
antes do período do Renascimento.
Um aspecto a ser destacado na pesquisa em museu que se constitui em um
problema é em relação à concepção de exposição usada pelo museu. Sabemos que na
grande maioria ocorre apenas uma reunião de objetos que não despertam o interesse do
visitante como também não contribui para formar a imagem desses locais de memória.
Nesse sentido, nossa perspectiva de analise centra-se em destacar a proposta
musicológica, assim como a configuração usada para a leitura dos objetos que serão
tomados como objetos testemunhos nos museus selecionados para pesquisa.
Com isso analisamos as formas de apropriação dos museus da cidade de Areia-
PB, através da percepção das comunidades de seu entorno, fazendo uma
contextualização com as histórias dos museus, através de um levantamento histórico
sobre o processo de criação e vivência dos mesmos, refletindo sobre a importância de
visitar museus, considerando-os como guardiões da memória histórica e social da
cidade de Areia.

99
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Um pouco de história

Museu é um lugar onde se encontram reunidas curiosidades de espécies, obras


de arte, exemplares científicos, históricos ou etc. Existem vários tipos de museus e
podem ser espaços público ou privado, mas normalmente tem a característica de ser um
espaço sem ânimos de lucro, ainda que não deixem de existir tais. De todo modo, uma
característica comum é a dedicação a conservação e a exposição de bens referentes a
cultura em geral.
Os museus são uma das instituições mais antigas e reconhecidas do campo da
cultura e do patrimônio cultural. Desde os tempos antigos que o gosto pela cultura, tem
despertado a atração do homem, movido pelo conhecimento de objetos portadores de
significado, que dão suporte à memória coletiva, fonte da história. Assim, partindo do
novo conceito de cultura, como sistema de significados, que produz profundas
mudanças em tudo o que a ela se relaciona, está inserindo nesta perspectiva os museus,
que podem ser tomados, como centros indenitários que acumulam as funções de
conferir valor e de definir a autenticidade a um lugar.
De acordo com a Suano (1986), na obra “o que é museu”, a palavra museu teve
sua origem na Grécia antiga, entretanto, nessa época essa nomenclatura não possuía o
significado, o qual existe atualmente, mas com o decorrer do tempo o mesmo foi
sofrendo alterações diversas. “Na Grécia Antiga mousseion, ou casa das musas, era uma
mistura de templo e instituição de pesquisa voltado sobretudo para o saber filosófico”.
(SUANO, 1986, p 10). Conforme a mitologia grega as musas eram filhas de Zeus com a
divindade da memória a Mmemosine. O espaço do mousseion tinha como utilidade
descansar para que o homem pudesse dedicar a exaltar as ciências e as artes. A autora
discorre que foi apenas na dinastia dos Ptolomeus, no Egito Antigo, que o mousseion da
Alexandria obteve uma segurança econômica, a qual assegurou a sua formação e a sua
preocupação era do saber enciclopédico.
Buscava-se discutir e ensinar todo o saber do tempo no campo da religião,
mitologia, astronomia, filosofia, medicina, zoologia, geografia etc. O mousseion de
Alexandria possuía, além das estátuas e obras de arte, instrumentos cirúrgicos e
astronômicos, peles de animais raros, presas de elefante, pedras e minérios trazidos de
terras distantes, etc. E dispunha de bibliotecas, anfiteatro, observatório, salas de
trabalho, refeitórios, jardim botânico e zoológicos (SUANO, 1986, p 11).

100
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

No período romano as coleções possuíam uma finalidade oposta da Alexandria,


além de demostrar as riquezas, também tinham a intenção de evidenciar a força dos
rivais conquistados. Vemos então que, as coleções romanas assumiam a condição de
expor o domínio dos romanos sobre os inimigos.
Já na Idade Média, o colecionismo ganhou uma nova fase, nesta época a igreja
católica, por ser a instituição de maior poder, ela passou “a ser a principal receptora de
doações eclesiásticas e de patrimônio de príncipes e famílias abastadas da época, e
também formou verdadeiros tesouros, como o famoso tesouro de São Pedro”.
(COELHO, 2009, p. 9).
Coelho (2009) discorre que, os museus no período medieval conservaram os
conhecimentos humanos, a qual serviu de inspiração aos artistas e ao mesmo tempo
possuía a finalidade para uma reprodução estética de aprovação da Igreja, motivo este
pelo qual estes espaços tiveram aspectos religiosos.
Por volta do século XV, o colecionismo foi marcado pelo renascimento tornando
moda em toda a Europa. Nesta época, o homem viveu uma revolução nas ciências e
juntamente com a experiência da expansão marítima, que apresentou ao homem um
novo mundo, segundo a Julião (2006). As coleções principescas surgiram no fim do
século XIV, porém elas foram enriquecidas nos séculos XV e XVI, vale salientar que os
gabinetes de curiosidades e as coleções científicas surgiram também nesse mesmo
período e os seus espaços eram constituídos por seres exóticos trazidos de terras
distantes, com o decorrer do tempo as tais coleções foram ganhando uma organização.
Entre os séculos XV e XVIII as coleções que emergiram tornaram museus de
acordo com a concepção que temos atualmente, porém em sua origem as coleções eram
de exclusividade dos seus proprietários, ou seja, o público não tinha acesso aos objetos.
O público obteve acesso somente no final do século XVIII, possibilitando assim, a
emergência dos museus nacionais. No entanto, visitar um museu, mesmo após essas
mudanças, ainda era privilégio de poucos. (Foi com a abertura do Louvre, que o povo
francês, em 1793, teve acesso ao antigo palácio de seu rei, Luiz XVI. Neste momento,
são revistas as concepções já estabelecidas de que público deveria frequentar o museu).
Foi durante a Revolução Francesa, que a compreensão do patrimônio cultural
ganhou destaque, estimulando o orgulho pelo passado. Vemos então, que o patrimônio
cultural tornou um elemento para represen
tação da identidade nacional. Segundo, a Coelho (2009), o Ashmolean Museum,
de Oxford, localizado na Inglaterra, inaugurado em 1683 foi o primeiro museu público

101
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

europeu, as peças dessa instituição foram doadas por John Tradesdin a Elias Ashmole.
Porém, o acesso ainda ficou restrito, apenas aos especialistas e estudantes universitários
mantinha acesso ao local.
E a partir do século XIX os museus, de forma acanhada, iniciam propostas
educativas voltadas ao grande público, como por exemplo os museus norte-americanos
Metropolitan (Nova York) e o Boston Museum of Fine Arts. Erma promomidas
palestras e programas voltados ao público.
E hoje, em pleno século XXI, os museus se destacam por suas exposições
virtuais nos quais os internautas se aventuram nos museus desfrutando dos acervos e
objetos com um simples clique e balançar do mouse. Museus como: Museus virtual de
Brasília, Museu virtual do Louvre, Museus virtual da Capela Sistina, e entres outros.

Conceitos

Separei alguns conceitos que complementam a análise e discursão sobre a


importância dos museus. O primeiro conceito é de patrimônio histórico.
O conceito de patrimônio histórico é imprescindível para corroborar na
fomentação da abordagem dos museus. Local este, cuja funcionalidade é preservar um
maior número de material de significado cultural de uma comunidade, cidade e etc.
Tomando Françoise Choay como base para discutir o conceito de patrimônio histórico,
ela nos mostra que patrimônio é um elemento revelador que condiciona e encerra
questões de uma sociedade. A noção de patrimônio está ligada às estruturas familiares,
econômicas e jurídicas de uma sociedade fixa, arraigada no recinto e no tempo.
Patrimônio histórico segundo Choay é,

Uma expressão que designa um bem destinado ao usufruto de uma


comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela
acumulação continua de bens de uma diversidade de objetos que se
congregam por seu passado comum: obras e obras primas das belas
artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e
savoir-faire dos seres humanos (CHOAY, 2001, p. 11).

O museu que tem o objetivo de preservar o patrimônio cultural, proporciona


também uma interação com a sociedade contribuído para o conhecimento da sua própria
história, fazendo uma reflexão sobre seu presente de modo a projetar uma visão sobre

102
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

futuro, priorizando o desenvolvimento da consciência nas pessoas sobre a


responsabilidade social com o patrimônio que os cerca.
Outro conceito que pode ser encaixado nesta discursão é a ideia de identidade do
pensador Stuart Hall, onde ele debate algumas questões sobre a identidade cultural na
modernidade apresentando uma afirmação de que as identidades modernas estão sendo
descentradas, transformando as identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós
mesmos como sujeitos integrados e promovendo uma “crise de identidade”.
Ele argumenta que a apresentação de um sujeito pós-moderno, com uma
identidade formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais são
representados nos sistemas culturais que os rodeiam, mostra a necessidade de adaptação
deste sujeito em uma sociedade que influi e é influenciada pela globalização, libertando-
se de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas, deslocando as identidades
culturais nacionais.
O autor mostra o efeito contestador e deslocador da globalização nas identidades
centradas e fechadas de uma cultura nacional. Esse efeito verdadeiramente pluralizante,
altera as identidades fixas, tornando-as menos fixas, plurais, mais políticas e diversas.
E com isso se percebe o quanto é relevante o papel dos museus em uma
sociedade, pois, em tais espaços se encontra registrados nos objetos a história e a
memória de um determinado sujeito. Fazendo-o refletir sobre a origem de sua cidade,
das gerações que o precederam, dando assim, algum traço singular da cultura local e
transmitindo uma identidade.
Abordaremos é claro, o conceito de museu, que segundo o ICOM o museu é

... uma instituição permanente, sem finalidade lucrativa, a serviço da


sociedade e de seu desenvolvimento. É uma instituição abeta ao
público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe evidências
materiais do homem e de seu ambiente, para fins de pesquisa,
educação e lazer. (Estatuto do ICOM, artigo 6ª).

Acredita-se que o museu deva ser uma instituição dinâmica, comprometida com
o desenvolvimento, a educação e a identificação do grupo a que pertence. Pensa-se
assim, que o entendimento por parte da comunidade em geral de que o patrimônio
promove o desenvolvimento.
Então para que as pessoas se identifiquem com determinado grupo é necessário
que se sintam parte dele, se reconheçam. Isto só é possível através do patrimônio
cultural de sua materialização e representação, neste caso no museu.

103
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O Museu além de possibilitar o conhecimento sobre o passado participa da


construção social dos cidadãos, pois ao permitir o conhecimento do que lhes é próprio
da cultura. O museu então, além de ser um patrimônio cultural, é uma forma de
expressar a memória.
Outro conceito importantíssimo, que não podia ficar de fora da discursão, é o
conceito de “representação. Para analise desta ideia, me utilizei de Roger Chartier. Para
Chartier a representação apresenta uma imbricação que proporciona a apreensão da
realidade pelos sujeitos de forma plural e criativa. Representar significa portanto, criar
ou conferir sentido, numa dinâmica de ausência e/ou presença de objeto, momento em
que a dimensão sócio-histórica tanto do sujeito como do objeto expõe-se.
As representações são entendidas como classificações e divisões que organizam
a apreensão do mundo social como categorias de percepção do real. As representações
são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes sociais; aspiram à
universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam.
O poder e a dominação estão sempre presentes.

[...] As representações do mundo social assim construídas, embora


aspirem a universalização de um diagnóstico fundado na razão, são
sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam [...] as
percepções do social não são de forma alguma discursos neutros:
produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) [...]
(CHARTIER, 1990, p. 17).

Os museus de Areia

Areia é uma cidade da Paraíba localizada na microrregião do Brejo Paraibano.


Podemos destacar três museus relevantes na cidade: O Museus da Rapadura, engenho e
Casa-grande; O Museu Regional de Areia; e O Museu da Cada de Pedro Américo.
Neles destacaremos algumas especificidades que representa o patrimônio cultural da
cidade.

Museu da Rapadura - Engenho e Casa-grande

Em 1842, Francisco Coelho de Albuquerque adquiriu de Joaquim Chapeleiro a


propriedade da Várzea, hoje pertence a Universidade Federal da Paraíba, campus III,

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

onde funciona o Centro de Ciências Agrárias. Na época, era apenas um pequeno


engenho rústico, coberto de palha, situado ao lado da casa-grande.
O engenho foi construído em 1870 e administrado durante vários anos pelos
irmãos João Carlos de Almeida e Augusto Clementino de Almeida, casados com
Teodolina de Albuquerque de Almeida e Arcanja Quitéria, respectivamente. Hoje o
engenho abriga uma parte do acervo do Museu da Rapadura, conservando peças
originais como um alambique de barro, que fazia cachaça apenas para os donos do
engenho. Sendo construída em uma parte mais elevada que o engenho, a casa-grande, a
princípio, era apenas uma, depois foi construída mais uma ao lado, seguindo os mesmos
traços arquitetônicos da fachada. No início deste século foi feita a terceira casa,
completando o seu formato atual.
Em 1822, a propriedade foi vendida a João Paulo de Miranda Henrique. Sendo
desapropriada em 1933, pelo governo estadual para a instalação da Escola de
Agronomia do Nordeste. Os dois edifícios, casa-grande e engenho sofreram algumas
modificações, devido ao seu uso pela Escola de Agronomia. Em 1978, os dois prédios
foram totalmente restaurados para a instalação do Museu da Rapadura. Obra que só foi
possível graças ao testemunho de algumas pessoas que viveram àquela época,
resgatando traços e características de um tempo cunhado nas lutas e sagacidade de um
povo.
No engenho, o museu resgata todo o processo arcaico em que se constituía a
fabricação dos derivados da cana-de-açúcar, fonte de poder e dominação do Brasil
colonial; começando da velha almanjarra movida pela força dos escravos, passando
pelas formas do açúcar mascavo até o velho alambique de barro e chegando ao processo
industrial da produção da cachaça e da rapadura, como a moenda movida a óleo diesel.
O prédio segue o a arquitetura fabril da segunda metade do século XIX, época
em que os derivados da cana-de-açúcar se ampliavam, em consequência da expansão do
algodão pelo sertão. Os velhos engenhos de taipa e cobertura de palha dão lugar aos
enormes edifícios de alvenaria, responsáveis pela economia da região.
Presente desde os primórdios de nossa civilização, a casa-grande foi o elemento
organizador da sociedade, o núcleo de dominação social, econômica e política; apoiado
nas relações de trabalho escravistas e semifeudais e na estrutura latifundiária e na
monocultura da cana-de-açúcar. Em torno dos engenhos emergiu uma aristocracia rural
forte, cujos padrões de vida serviam de modelo para as cidades que iam surgindo. No

105
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

topo dessa sociedade patriarcal dominava a figura do senhor de engenho, que a tudo e a
todos submetia.
O Museu preserva uma casa-grande típica da região do brejo, ou seja, simples e
despojada, raramente apresentando senzala e capela. Sua construção, portanto, data do
século dezenove e início do vinte. No seu acervo estão utensílios da época, como
móveis rústicos um relógio de parede de 226 anos funcionando perfeitamente, uma
pedra de moer milho, um gargalho de ferro que servia para prender os escravos pelo
pescoço, uma palmatória de ferro e um acervo de 280 garrafas de cachaça, etc.
Devido ao grande número de visitantes ao museu, foi reservada uma sala para
exposições e realizações de cursos, com o intuito de resgatar e divulgar a importância
cultural da cidade.

O Museu Regional de Areia (Mura)

O Museu Regional de Areia (Mura) tem como missão institucional resgatar,


preservar e difundir a memória da região da cidade de Areia, promovendo atividades
científicas e culturais com vistas ao desenvolvimento social. O Mura foi criado em 1972
pelo cônego Ruy Barreira Vieira, juntamente com alguns representantes da sociedade
areense, preocupados em registrar a história da cidade e dos seus ancestrais.
O museu foi reconhecido como de utilidade pública pela Lei nº 147 de
04/10/1973, da Câmara Municipal de Areia, e pela Lei nº3.870 de 28/12/1976, da
Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba.
Dentre os principais objetivos destacam-se: zelar pelo acervo histórico e cultural
da região; despertar, principalmente na juventude, o respeito ao passado através do
conhecimento dos hábitos, costumes, cultura e arte das gerações anteriores; apoiar o
turismo cultural e a difusão do patrimônio cultural da cidade de Areia e entorno; e
colaborar com o desenvolvimento de planos, projetos e programas que fomentem o
progresso científico, artístico e cultural da região do brejo paraibano.
O acervo do Museu Regional de Areia (Mura) é composto por peças de diversas
categorias, como Arte Sacra, Artes Decorativas, Artes Visuais, Etnologia, Documentos
Textuais e Iconográficos, além de uma pequena coleção de Mineralogia, Zoologia e
Paleontologia. O acervo do Mura está organizado de acordo com as seguintes temáticas:
“Areia e a história”, registro da evolução da cidade, da rota de tropeiros, dos
movimentos políticos, dos cuidados com a educação, os ciclos econômicos até o

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

tombamento pelo Iphan como patrimônio nacional; e “Areia e a Arte”, registro das
manifestações culturais com destaque para a vida e obra dos pintores Pedro Américo e
Aurélio de Figueiredo e do escritor José Américo, dentre outros.
Considerando a necessidade de ações de salvaguarda e restauração em grande
parte do acervo do Museu Regional de Areia, foi aberta ao público a exposição “Areia e
a Arte Sacra”, composta por Imaginária, Crucifixos, Oratórios, Objetos Litúrgicos,
Paramentos Religiosos, Mobiliário e Iconografia. Lembrando que o Museu Regional de
Areia foi reinaugurado no dia 03 de Fevereiro de 2012. Em comparação ao seu antigo
local (PIO XII), este museu, que está localizado na Rua Pedro Américo ao lado da
Igreja Matriz (Nossa senhora da Conceição), está muito mais organizado. Por enquanto,
foi inaugurada a Arte Sacra faltando à decorativa, visual, dentre outros!

Museu Pedro Américo

Situado na rua Pedro Américo, é o local onde nasceu


o pintor, romancista e poeta paraibano Pedro Américo de Figueiredo e Melo. É
considerado Patrimônio Cultural da cidade de Areia. Museu Casa de Pedro Américo foi
a casa onde o pintor paraibano nasceu em 1843 e viveu até os nove anos de idade. Em
1943 foi desapropriada, passando a funcionar como museu. A casa, de original, só resta
a fachada, mas seu interior guarda réplicas das suas principais obras e objetos pessoais,
como quadros, tinteiros, manuscritos originais, anotações e fotos.
O museu possui objetos próprios do artista, como seu próprio cachimbo, jornal
que guardou lacrado antes de morrer e a tela de Cristo Morto, que foi restaurada por
especialistas do MNBA em 2011. A Casa Museu Pedro Américo é dirigida pela
Prefeitura de Areia.
Em 2015 foi reinaugurado com restauro pelo Instituto Brasileiro de Museus.

Conclusão

Os museus são importantes para o crescimento, preservação e potencialização


dos elementos culturais de uma sociedade. Tomando O Museu Regional de Areia como
exemplo, que tem como missão institucional resgatar, preservar e difundir a memória da
região da cidade de Areia, promovendo atividades científicas e culturais com vistas ao
desenvolvimento social; é imprescindível para uma comunidade, que quer estabelecer

107
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

uma identidade cultural, ter tal projeto ativo, pois, cria na sociedade a conscientização
na valorização de sua história.
Os museus são instrumentos fundamentais para a preservação e potencialização
dos elementos culturais de uma sociedade. Os museus são essenciais no processo de
conscientização nas pessoas para uma maior valorização de sua história. O museu
consegue despertar nas pessoas um sentimento de pertencimento, identidade,
preservação e cuidado para com sua história.

REFERÊNCIAS

CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:


Bertrand, 1990.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Ed. UNESP, 2001
COELHO, Erica Andreza. A relação entre Museu e escola. 2009
HALL, Stuart. A identidade na pós-modernidade. In: LE GOFF, Jacques. História e
Memória. Campinas: Unicamp, 1994
JULIÃO, Letícia. Apontamentos sobre a história do museu. In: CADERNO de
diretrizes museológicas. 1. Brasília: Ministério da Cultura / Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional/ Departamento de Museus e Centros Culturais. Belo
Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura/ Superintendência de Museus, 2006. 2º.
Edição.
SUANO, Marlene. O que é museu. Ed. Brasiliense, 1986.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

OS EXCLUÍDOS DE PLÍNIO MARCOS: ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIAL DA


OBRA NAVALHA NA CARNE

Mariana Veras Cavalcante da Costa1


Noemia Dayana de Oliveira2

Introdução

Plínio Marcos foi um dramaturgo brasileiro revolucionário na sua forma de fazer


teatro na década de 1960. Os textos dramáticos produzidos por ele mantinham forte
ligação com a realidade e com a sociedade, elucidando temas não recorrentes à época
como homossexualismo e prostituição, não podendo ser estudado sem haver a devida
aproximação com a ideologia e a cultura do período em que foram produzidos.
Navalha na carne, peça escrita por Plínio Marcos em 1966, apesar da distância
temporal com os dias de hoje, não se desvencilha do contexto em que as atividades
atuais acontecem. A abordagem dos problemas sociais sofridos pelas camadas
subalternas, por exemplo, é um dos pontos centrais na obra, e que em momento nenhum
foi tida como ultrapassada ou “fora de moda” pela representação na dramaturgia
brasileira.
A burguesia, classe social defensora de valores morais que se estruturam na
família, chocava-se ao deparar com a linguagem utilizada por Plínio Marcos, de modo
que a censura, sufocadora das representações artísticas em 1967, fez com que a peça
Navalha na carne fosse vetada pelo Departamento de Polícia Federal, através da Lei de
Segurança Nacional, nº 314/1967. A justificativa foi de que ela continha cenas de
obscenidade, anomalias e morbidez lesivas ao consenso comum. Em 1968, com o Ato
Institucional nº 5, o espetáculo foi proibido em território nacional.
O contexto que se insere a peça é encarado como ameaçador, uma vez que
denuncia sem máscaras o cotidiano de três personagens que estão à margem de uma
sociedade opressora, dogmática e autoritária. O espetáculo se constrói sob os pilares do
submundo, traduzindo o cotidiano grosseiro de Vado, o cafetão vítima do dinheiro que
arranca dos programas que faz a prostituta Neusa Sueli, sendo esta explorada pelo
trabalho, resultado da condição social na qual está inserida, cujo modelo é o de excluir o
menos favorecido econômica e culturalmente. Por fim, o personagem Veludo,
1
História – UFCG. E-mail: [email protected]
2
História – UFCG. E-mail: [email protected]

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

homossexual, empregado do hotel em que se passa a peça, assim como os outros,


também é fruto das opressões que o sistema capitalista impõe aos indivíduos,
distanciando-os da educação e do trabalho, agentes modificadores da estrutura político-
social de um povo.
Resgatar as ações e as contribuições que influenciaram diretamente o modo
como se passou a fazer dramaturgia no Brasil antes década de 1960, - que transparecia
uma ótica de não-criticidade explícita- ao qual se dedicava ao TBC - Teatro Brasileiro
de Comédia, e a montagens de enredos internacionais com o Teatro de Arena e de
Oficina, é uma forma de manter vivo o aprendizado através dos reflexos de uma
sociedade que contém desigualdade, miséria e falta de oportunidades.

A cultura histórica do Brasil: contextualização

A sociedade no Brasil é fortemente marcada pela desigualdade social, existente


desde o período colonial. Esse processo se deu através da subserviência em diferentes
âmbitos sociais presentes ao longo da história do país. Nos engenhos, a relação de
mando e obediência foi estendida até a República Velha, que deveria ter rompido com
esse comportamento no momento em que se deu a abolição da escravatura. Atitudes
como a “patronagem” e o “clientelismo”, existentes na República Velha, foram
herdadas do século XVIII, quando o escravo se submetia ao trabalho desumano para em
troca conseguir o alimento e um local (as senzalas) onde pudesse dormir.
Este período histórico define bem as características sócio-históricas do Brasil,
que se fazem presentes até hoje no cenário nacional. Compreende-se que tais
características se deram através do posicionamento que a classe dominante exerce sobre
as menos favorecidas, imprimindo fortemente a submissão, bem como a imobilidade
desses povos em relação à política, que considera impossível reverter os parâmetros,
para que estes estivessem efetivamente a favor daqueles que não tem boas condições
financeiras, direito de voto e expressão, que sofre um falseamento através das políticas
públicas para o trabalho, a educação, a saúde, entre outros.
O Populismo, caráter político de governo posterior à Republica Velha se
estabelecia como um seguro da teia de “políticas públicas”, e consequentemente, com o
excesso do controle e do poder político sobre os cidadãos. Se estabelecendo como
“inovadores”, os populistas (1946-1964) acabaram por adotar a simpática posição de
aproximação com sua massa, característica fundamentalmente essencial para obtenção

110
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

de sucesso nas propostas eleitorais. Apesar de aprovado, o Populismo não atingiu a


todos os atuantes sociais. Nesse quesito, a fragmentação do apoio militar a tais
imposições desestabilizou a desenvoltura política, principalmente com os episódios
entre a imprensa (Carlos Lacerda) e a disputa UDN versus Militares.
Visando acalmar os ânimos exaltados do período 1946-1956, o Brasil passa
vivenciar uma nova versão, com uma política desenvolvimentista, cheia de
investimentos externos (uma reprodução do imperialismo do séc. XIX), e também
internos (urbanização, saneamento básico e industrialização mais ferrenha), matando
mais uma vez a fome de inclusão social dos novos trabalhadores, provenientes do êxodo
rural. Porém, direcionar um país também significava estabelecer a semente do
Nacionalismo na nossa “pátria amada, idolatrada, salve, salve”, e a partir de 1961, isso
se consolida com a atuação de João Goulart e suas reformas. O planejamento
desenvolvido por “Jango” (Reforma Agrária, Tributária, Educacional, Habitacional,
etc.) foi considerada uma afronta para os direitistas (e para os militares) já que para tais
implementações, o mesmo se aliou aos nacionalistas e aos esquerdistas, havendo
também uma abertura para manifestações populares e estudantis, em consequência
dessas alianças, que iriam culminar no enfraquecimento governamental e num posterior
golpe.
Dentro dessas manifestações, incluíram-se as demandas artísticas, mais
fortemente musicais e teatrais, confrontando a realidade hierárquica de uma abordagem
e explanação atrozes e finalmente conseguindo abarcar a situação dos subversivos
quanto a reconhecimento dentro da estrutura social.
A década de 1960 foi responsável por uma mudança significativa nos padrões
socioculturais no Brasil e no mundo. Tendo em vista que esse período caracterizou-se
pelo rompimento dos comportamentos tradicionais das décadas passadas, compreende-
se que tal processo também aconteceu nos campos do conhecimento teórico. Nesse
sentido, constata-se o nascimento de uma nova dimensão do conhecimento intitulada
Cultura Política, estando interligada a Ciência Política, e tendo sido seu precursor o
norte-americano Gabriel A. Almond. Para Corrêa (2008), a Cultura Política é,

[...] é uma teoria abrangente que trata, em linhas gerais das crenças,
opiniões, valores, conhecimentos, sentimentos, comportamentos e
atitudes de determinada população. Em uma abordagem
contemporânea, é um conjunto de determinadas orientações subjetivas
que interferem na realidade política.

111
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Essa concepção possibilitou a análise dos indivíduos e como estes absorvem a


cultura cívica3, isto é, a interação da opinião social para com a formação constituinte da
sociedade. Com o surgimento da Cultura Política, essa interação se tornou parcialmente
possível graças à suma consciência das pessoas no cotidiano.
Em contra partida com a Ciência Política, a Antropologia aborda a concepção de
Cultura Política de maneira diferenciada, privilegiando as relações interpessoais e os
valores que delas se originam. Na Antropologia o conceito de Cultura Política é
compreendido de forma fragmentada, ou seja, se discute cultura e política a partir de um
paralelismo, no qual se constrói um importante diálogo para um entendimento
multidisciplinar.
Dentro desse entendimento, a prática política se torna algo mais restrito aos
órgãos legislativos, intimamente ligados às relações de poder. Logo, o conceito de
cultura se mostra complementar a esse universo. Segundo Barbosa (S/D),

[...] esses universos de significados não são estáticos. Eles criam e são
recriados pelas pessoas que os utilizam. As pessoas, como membros
de uma determinada coletividade, funcionam, simultaneamente, ou
como atores, mantendo ou reproduzindo, ou como atores, refletindo,
reinterpretando e experimentando esses significados.

Portanto, nota-se que o homem é o referencial dos estudos da cultura e da


política, de modo que, ele é visto como possuidor do poder da ação, levando-o ou não a
interferir voluntariamente na realidade social a que se apresenta. O processo de
movimento que está envolvido o homem, relaciona-se exatamente com essa
intervenção, na qual ele é inteiramente responsável pelos rumos que esta tende a tomar.
O presente estudo possibilita a compreensão antropológica do conceito de
Cultura Política, a partir da obra Navalha na carne de Plínio Marcos. Escrita em 1966, o
cenário político na qual a peça se insere, propicia a discussão acerca dos movimentos
sociais que são tidos como marginalizados e/ou ofensivos para as outras classes. A
escolha dessa abordagem possibilitou a aproximação e a absorção da essência dos
universos dramáticos – que em certos momentos se apresentam de forma áspera –
existentes na narrativa do dramaturgo.

3
A partir do livro The Civic Culture revisited é o: “[...] Consenso substantivo da legitimidade das
instituições políticas [...], uma generalizada tolerância de uma pluralidade de interesses e crenças na sua
possibilidade, e um amplo sentido disseminado de competência política e confiança mútua na cidadania”
(Almond e Verba, 1989).

112
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Sabe-se que é na constatação dos movimentos sociais expostos por Plínio


Marcos na obra Navalha na carne, que se encontra o cerne do conhecimento da Cultura
Política, apesar da representação dramática ser encarada como distante do contexto
sociocultural por muitos grupos. Para Magaldi (1967), a peça utiliza de uma linguagem
típica da modernidade, abrindo-se para uma realidade mais ampla, na qual “o tratamento
artístico de uma situação nunca é antiestético, mas analisa em profundidade um
fenômeno social”.

Análise histórico-social da obra “Navalha na carne”

Retomando a explanação histórica dos períodos políticos pós-populistas, o ano


de 1964 se iniciou com um golpe militar que bloqueou a ação do povo brasileiro, em
relação às manifestações acontecidas nos anos anteriores. Em decorrência disso, houve
o rompimento com a ilusória liberdade, a qual a sociedade brasileira acostumou-se nos
governos populistas.
A primeira fase do regime ditatorial rompeu com os parâmetros iniciais da dita
república democrática no Brasil, sob as influências advindas do pensamento militar, que
frisa a conservação puritana da ética e da moral na sociedade. Esse período foi tomado
pelo enrijecimento do controle militar nos meios de comunicação, responsáveis tanto
pela propagação, quanto pela circulação de informações na imprensa, nas instituições,
nas universidades, no trabalho e nos locais de lazer.
Nesse momento crítico, intensificaram-se as práticas teatrais de vanguarda,
impulsionadas por uma resistência e um desejo de contestação dos indivíduos diante da
realidade imposta. Tal processo transformou o modo como se fazia teatro no Brasil,
passando de uma herança “pura” e “inflexível”, para exibição da realidade “fluida” e
“emblemática”. Com isso, os dramaturgos foram seduzidos a trabalhar com uma
linguagem impressionista, densa e próxima da condição marginalizada, capturada no
cotidiano.
Um desses dramaturgos era Plínio Marcos (1935-1999), que teve a maioria das
suas peças censuradas, fazendo-o assumir a função de ator televisivo temporariamente,
pois ele acreditava que se tivesse sua imagem divulgada quase todos os dias, se salvaria
das garras dos militares. Porém, esse meio de comunicação não o agradava, pois estava
acostumado a escrever textos que expressavam a realidade, que segundo Schneider

113
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

(2005) era constituída por “personagens grosseiros, desbocados, marcados pela vida à
margem”.
Nesse contexto, Navalha na carne segue a linha revolucionária de fazer teatro,
assim como afirma Ribeiro (2007), Plínio levava “à cena personagens marginalizadas,
denunciando uma estrutura social injusta e excludente”. A peça é de um ato só, no qual
três personagens são construídos sem possibilidades de ascensão social, seja pelas
limitações econômicas ou pelas atividades profissionais e sexuais que praticam.
Vado, Neusa Sueli e Veludo são os componentes da trama. Vado é um cafetão
que abusa da posição que tem em relação à Neusa Sueli, que, por sua vez, cede à
exploração, já que confunde o sentimento de afeto por ele e a profissão que tem.
Veludo, homossexual empregado do hotel onde se passa a história, não obtém sucesso
nem na vida amorosa e nem na econômica, contudo, dá-se o direito de se sentir superior
a Neusa Sueli por ser homem, ainda que esteja na mesma condição miserável que ela.
A maneira que os personagens em Navalha na carne enfrentam a realidade é
fruto de uma linguagem densa que reproduz as condições delinquentes em que vivem.
Elementos como gírias e palavras de baixo calão asseguram essa reprodução eminente
do cotidiano das ruas, que mesmo estando a todo o momento sendo vigiado, não
consegue ser completamente sufocado. Afirma Ribeiro (2007) que,

Através do uso de uma linguagem simples, crua, recheada de


palavrões, Plínio Marcos deixa transparecer a intimidade das
personagens, revelando-as nos seus conflitos mais obscuros. Todavia,
é no diálogo [...] que está o núcleo da peça. A linguagem revela a
psicologia de cada uma delas, caracterizando-as através de suas falas e
de suas ações.

É nesse aspecto que se reconhece o lugar no mundo que ficou reservado para
essas classes subalternas, onde o discurso proporciona a visão de um cenário
repugnante, que delimita a marca de autoria que singulariza Plínio Marcos.
Após várias discussões de Neusa Sueli com os demais membros da narrativa, a
personagem entra em um monólogo que reflete o quão perturbada ela se encontra
mediante as condições de vida que os três levam,

Às vezes chego a pensar: Poxa, será que eu sou gente? Será que eu,
você, o Veludo, somos gente? Chego até a duvidar. Duvido que gente
de verdade viva assim, um aporrinhando o outro, um se servindo do
outro. Isso não pode ser coisa direita. Isso é uma bosta. Uma bosta!
Um monte de bosta! Fedida! Fedida! Fedida!

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A partir dessa fala, a personagem assume uma postura crítica na história.


Diferentemente das outras personagens, Neusa Sueli percebe a realidade que a circunda:
desigual, desumana e sórdida. Segundo algumas críticas da época, essa circunstância
engrandece a personagem, elevando-a a uma condição de ética transcendente, mas que
não vai além dos limites do universo dela, colocando-a numa posição singular, em
decorrência dos termos ignorados pelos demais.
Em várias passagens da peça fica clara a ambição de Plínio em derrubar os
preconceitos em que se estruturam a sociedade sessentista, no qual sob a ótica de
Schneider (2005) discorre,

[...] quando a família, a tradição e a propriedade eram tidas como os


pilares de sustentação da sociedade civil organizada dentro do
território nacional, defendidas institucionalmente tanto pelas forças
militares quanto pela igreja.

Em detrimento dessa situação que circunstanciou a escrita da peça, percebe-se,


mais uma vez, que a cultura política foi forçada a se comprazer às figuras militares que
estavam no poder, tornando os cidadãos estáticos, somente prontos a receber as
informações selecionadas pelos órgãos de censura. Isso implicava em mascarar os fatos
elucidativos sobre a real situação política vigente no país.
Em contra partida aos cidadãos estáticos, jovens como os atores participantes da
peça, o diretor e o público que os prestigiaram na encenação, contribuíram para manter
firme a posição crítica frente ao regime radical, mesmo pagando um alto preço por
influenciar a cultura política responsável pela formação dos valores sociais.

Considerações finais

Navalha na carne possibilitou a demarcação da velha realidade social do país,


que os sujeitos do século XX se negaram ou não tiveram a oportunidade de observar.
Juntamente com a “cegueira” do povo, o aparato da censura imobilizou o poder de
crítica e mudança das desigualdades sociais, possibilitadas pelo acesso à cultura. Plínio
Marcos, então, insere no contexto da ditadura uma nova discussão sobre a problemática
sociopolítica sempre silenciada pelas instituições.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O autor impossibilita a leitura estática da peça, de modo que, todo o público


receba-a com uma visão crítica e política, sentindo-se convidado a abandonar uma
posição aparentemente neutra e passar a pensar nas questões que até hoje são
controversas, como por exemplo, a prostituição, a sexualidade, a exploração econômica,
entre outros.
O universo que Plínio Marcos criou para os seus personagens, representa a luta
pela sobrevivência de indivíduos que até então eram aceitos como marginalizados,
tornando-se esquecidos pela sociedade, devidamente pela distância com os padrões de
comportamento dominantes. Nesse sentindo Maciel (2004) explica que,

Plínio representava em seus textos aquela parcela da população a


quem foi negada o mínimo de dignidade, impedindo qualquer
idealismo ou esperança de mudança, e que tem como única forma de
protesto a violência, que não se volta para os poderosos, mas para seus
iguais.

Apresentando-nos esses padrões que fogem da estética comum, o autor nos


obriga a pensar para além das relações de poder que se manifestam através da marcante
personalidade de suas personagens. Essas relações se tornam visíveis no jogo que Vado
estabelece entre Neusa Sueli e Veludo, colocando-se numa condição superior, resultado
do controle que ele impõe. Esse jogo se inverte quando Veludo assume a posição de
detentor de poder, ao subjugar Neusa com os mesmos argumentos de Vado por ela ser
mulher e, posteriormente, ao zombar da masculinidade de Vado, colocando-a em
cheque.
Plínio Marcos também nos direciona a pensar a realidade política que perpassa
por esses grupos sociais e como ela é injusta, especialmente porque a estrutura política
exclui essa parcela. A obra é prova de generosidade e amor ao ser humano, expressa
através da indignação diante da existência subumana e marginalizada, e talvez por isso,
nos leve a considerar o quão válido se torna o artigo I da Declaração Universal dos
Direitos Humanos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade” nos tempos de paz, e principalmente, nas intempéries que o
país atravessou.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Valéria (orgs.). Campina Grande: Editora Bagagem/João Pessoa: Editora


Ideia, 2005. p. 155 a 165.
BARBOSA, Lívia. Cultura Política. In: Em Busca do Novo. S/D. p. 313-332
CORRÊA, Helena Ariane Borges. “Cultura e políticas sociais: uma visão a partir da
cultura política.” UnB, Brasília-DF, 2002 – Mestrado em Ciências Sociais.
FANTINEL, Letícia Dias. “Algumas questões para se pensar cultura política no Brasil”.
In: Revista Psicologia Política, vol. 11, nº 21. São Paulo, jun./2011.
MACIEL, Diógenes A. V. Ensaios do nacional-popular no teatro brasileiro
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MAGALDI, Sábato. Navalha na carne: documento dramático. In: Plínio Marcos: sítio
oficial. Disponível em: <http://www.pliniomarcos.com/teatro/navalha-dep-
sabato01.htm> / <http://www.pliniomarcos.com/teatro/navalha-dep-anatol02.htm>.
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MARCOS, Plínio. Navalha na carne. Quando as máquinas param. São Paulo: Círculo
do livro, 1978.
MICHALSKI, Yan. “Uma ‘navalha’ rasgou o obscurantismo”. In: Reflexões sobre o
teatro brasileiro no século XX. Editora Funarte, 2004.
MORAES, Vagner. “Governos populistas no Brasil – 1945-1964”. Disponível em:
<http://www.cegh.com.br/2012/06/governos-populistas-no-brasil-1945-1964.html>.
Acesso em 09 de dezembro de 2013 às 10h e 32min.
NAÇÕES UNIDAS, Assembleia Geral. Artigo I de 10 de Dezembro de 1948.
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<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em
16 de dezembro de 2013 às 09h e 13 min.
RIBEIRO, Danielle Lima. “A beleza de um mundo degradado: as demandas
sociais/sexuais em Navalha na Carne. In: Dramaturgia fora da estante. MACIEL,
Diógenes e ANDRADE, Valéria (orgs.). João Pessoa: Editora Ideia, 2007. p. 63 a 85.
SALES, Teresa. (1994). “Raízes da desigualdade social na cultura política
brasileira”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 25, p. 26 a 37.
SCHNEIDER, Liane. “Dissecando (pre)conceitos: uma Navalha na Carne. In: Por uma
militância teatral: estudos de dramaturgia brasileira do séc. XX.

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ANOS 60: OS IMPACTOS NA VIDA COTIDIANA DOS POCINHESES COM A


CHEGADA DA SÉTIMA ARTE

Rafaela da Silva Castro Barros1


Alex Pereira da Silva2
Orientador: Antônio Clarindo B. de Souza

Introdução

A discussão acerca de modernidade sempre desperta em muitos uma grande


hesitação pelo movimento dos acontecimentos acelerados e principalmente das
mudanças no cotidiano, trazidas pelas novas invenções. Mas e quando falamos de
lugarejos remotos, como o município de Pocinhos no interior paraibano, que nem ao
mesmo sonhavam como os processos de modernização que estavam ocorrendo e Recife,
ou mesmo em sua capital. Entretanto, o que buscamos aqui analisar são quais os
impactos e práticas tecidas com a chegada da sétima arte no município, por volta dos
anos sessenta, tendo em vista, que durante este período a vida noturna da cidade de
Pocinhos foi embalada pela agitação da população em suas idas ao cinema São José3.
Para além disto, é preciso analisar qual o cenário estabelecido no município de
Pocinhos, que favoreceu a implantação do cinema no município. Quais eram os
principais responsáveis por preencher os lugares do cinema durante as exibições dos
filmes, e principalmente suas principais lembranças daquela atividade vivida, tendo em
vista que a população que passou parte de sua juventude embalada pelo ritmo dos
projetores do cinema, não perdeu ou deixou morrer o orgulho e satisfação de ter
‘’vivido pra ver’’, o funcionamento daquele espaço. Hoje, o que resta no local onde
funcionou o antigo cinema, é a estrutura, muito mal preservada, e os depoimentos
apaixonado daqueles que viveram na época. E é com a pretensão de registrar essas
lembranças que escrevemos este artigo.

1
UEPB. E-mail: [email protected]
2
Coautor. E-mail: [email protected]
3
Além do cinema, não poderíamos deixar de destacar a presença de outro meio de entretenimento na
cidade que foi a rádio difusora A Voz de Pocinhos, que atraiam a população para a praça da cidade com
seus bingos, entre outras programações, e consequentemente foi responsável por contribuir com a
sociabilidade pocinhence por volta dos anos sessenta.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A modernidade na Paraíba

A história das cidades vem ganhando cada vez mais visibilidade no campo de
pesquisa. Fenômeno resultado dos trabalhos realizados nos programas de pós-graduação
cada vez crescente em nosso país. Os estudos partem do campo macro e passam a se
dedicar ao micro, ao regional, à história do pertencimento. Quando voltamos nossos
olhos para a história da Paraíba encontramos diversos estudos que se dedicam à história
das cidades interioranas, com destaque para Campina Grande.
Apesar de se tratar de história das cidades não podemos deixar de tocar no que
diz respeito ao macro, pois é a partir deste que é possível afunilar os conteúdos, tratando
das especificidades de determinados objetos de estudo. Assim, somente através de uma
ponte que possa ligar macro/micro, é possível obtermos um rico conteúdo acerca de um
tema.
Ao falarmos de modernidade na Paraíba, por exemplo, é possível encontrarmos
diversas obras entre elas o trabalho de Gervácio Batista Aranha: Seduções do moderno
na Paraíba do Norte: O trem de ferro, luz elétrica e outras conquistas materiais e
simbólicas (1880-1925). Neste escrito, o autor vai nos trazer diversas reflexões acerca
do processo de modernização na Paraíba, entretanto, logo no inicio não deixa de fazer
uma discurssão acerca das especificidades do que vem a ser moderno nas ‘’cidades
nortistas’’ e o que se tinha até então como cidade moderna.

Assim, na impossibilidade de pensar a experiência urbana nortista, em


seu vinculo com a ideia de vida moderna, a partir dos chamados
ritmos sociais, resta a alternativa de pensá-las com base no impacto
provocado por certas conquistas materiais que passaram ao imaginário
urbano como símbolo do moderno. (Aranha, 2005, pg.79)

Se nas grandes metrópoles europeias a agitação e o movimento dos grandes


centros urbanos lhes caracterizavam como metrópoles, no Nordeste brasileiro será
considerado não este movimento constante e algumas vezes até desordenado deste
centro urbano, mas os símbolos de modernidades que estarão presentes no cotidiano dos
indivíduos daqueles lugares, como o telefone, o trem de ferro, a energia elétrica, e
porque não o cinema. O autor não deixa de destacar ainda como a chegada destes novos
personagens nas cidades brasileiras, especificamente na Paraíba, vai trazer grandes
mudanças no que diz respeito às relações humanas, que antes não usufruíam destes, a
exemplo, do trem de ferro que permitiu um fluxo mais rápido de pessoas, mercadorias e

119
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

principalmente noticias, favorecendo assim as relações para com indivíduos à distância,


sejam fatos políticos importantes para o país seja dos seus familiares.
Falando de Paraíba, não poderíamos deixar de falar de Campina Grande.
Severino Cabral Filho vai ser responsável por se dedicar a estudar o processo de
modernização em Campina Grande. Fazendo uso de fotografias e época, o autor nos traz
uma reflexão acerca de como se dá esse processo naquela cidade que, como sabemos,
possuía grande visibilidade nacional, tendo em vista o seu grande papel econômico na
produção de algodão. Através das fotografias aliadas ao seu discurso, Cabral Filho nos
faz perceber as permanências e rupturas do moderno na cidade de Campina Grande.
Como foi possível, e ainda o é, a sobrevivência, lado a lado, do moderno e do arcaico e
como esse processo vai se dando à medida que as novas construções e reformas irão
aparecendo ao longo dos anos.
Estes autores são exemplos do que vem sendo escrito acerca da história das
cidades na Paraíba. Entretanto, apesar de seguirem a mesma linha de pesquisa cada um
vai se dedicar a um foco principal o que irá contribuir de forma muito rica no que diz
respeito aos estudos neste campo.
Essas são reflexões acerca da chegada da modernidade e dos objetos que
embalaram o cotidiano paraibano por volta do século XIX. Porém, em meio a todo esse
cenário ‘’moderno’’ falemos de um dos símbolos que foi responsável por mudar não
somente a economia em uma cidade em processo de desenvolvimento, ou ter surgido
por meio desta, mas principalmente as práticas e relações sociais acontecidas em meio a
todo esse conjunto de mudanças e que passa a caracterizar uma cidade como moderna: o
cinema.

Cenários pocinhenses entre os anos sessenta

Pocinhos é um município do interior da Paraíba que hoje conta com


aproximadamente 18 mil habitantes, a 152 Km da capital paraibana, João Pessoa, tem
atualmente sua economia baseada na avicultura, pequenos comércio e a persistência do
trabalho ainda com muitas dificuldade com o sisal. Entretanto, nos anos sessenta a
economia, que corresponde ao recorte histórico escolhido para ser trabalhado aqui, a
economia pocinhese passou por um período que ficou conhecido, nas palavras do
escritor conterrâneo Roberto da Silva Ribeiro, como anos dourados.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Durante os anos sessenta o trabalho com o sisal no município vai passar uma
grande efervescência. Contando com uma abatedora que fornecia fibra (o produto final
do sisal/agave) não só nacionalmente, mas também para o exterior, era possível
empregar na cidade uma grande quantidade de homens, que se destinavam ao trabalho
no campo, além dos poucos operários. Não deixando de lembrar que nesta época ainda
não existiam os motores a querosene, sendo assim, os trabalhos nos campos consistia na
colheita das plantas e transporte desta até a abatedora, que se localizava no sitio olho d’
água de propriedade de Antonio Barreto.
Está foi à atividade econômica de maior importância no município e perdurou
com grande importância até os primeiros anos de dois mil, sem deixar de destacar a
grande queda com o fechamento da abatedora, após o seu proprietário perder as eleições
para prefeito, quando disputou o cargo contra Padre Galvão, um dos ícones da história
pocinhense.
Foi em meio a esse cenário que irá surgir o cine São José que apesar de já há
alguns anos extinto, ainda permanece vivo na memória de todos aqueles que tiveram a
oportunidade de fazer uso desta mercadoria tão moderna para a época principalmente
em um cotidiano pacato do interior paraibano. Esta experiência com à sétima arte que
surge no ano de 1895 em Paris para embelezar, divertir, embalar as vidas dos
apaixonados por arte4.
A chegada do cinema vai contribuir para grandes transformações nos cotidianos
em que são inseridos, é outro ritmo que se estabelece. A presença deste novo lugar de
sociabilidade contribui para completar as noites, mas também tardes, de populações que
até então permaneciam pobres no que diz respeito a entretenimento, tendo em vista que
outros artigos como televisão ou rádio, ainda não haviam se estabelecido. É um novo
espaço que influencia em diversos aspectos, como os encontros entre a juventude que
em uma época de grande moralismo principalmente quando falamos de romances, o
cinema representa um novo espaço e com o seu ambiente escuro e aconchegante, além
do clima romântico, proporcionado pelos famosos filmes de romance, representava uma
ótima oportunidade para galanteios.
Entretanto, não deixemos de refletir e estabelecer as especificidades de cada
local, tendo em vista que assim como, quando falamos em recortes históricos não é
possível perceber as influências do cinema no cotidiano Pocinhece da mesma forma que

4
Segundo Souza 2016, o cinema sugue no século XIX como grande ícone da modernidade e é visto como
tamanha deslumbrante em diferentes lugares no mundo, passando a assumir assim o posto da sétima arte.

121
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

foi visto em Paris no momento de suas primeiras projeções. É muito caro para nós
historiadores contextualizar quais os processos que já vinham ocorrendo em Paris até o
ano de 1895, destacando a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra e a Belle Epóque,
que vai fazer de Paris a capital do que há de mais moderno. Assim como o historiador
Rivaldo Amador de Souza afirma

Enquanto a metrópole parisiense vivera um conjunto de experiências


do sensível que antecedeu às primeiras exibições cinematográficas, as
urbes interioranas não sofreram tal processo e, por isso, o cinema
tenha adentrado esses lugares de maneira impactante. Mesmo assim, a
grande cidade levava o povo ao delírio com a concentração de toda
uma massa com o mundo fantasmagórico que a ficção teatral e
cinematográfica (SOUZA, 2016, pg. 132).

Portanto, a magia do cinema não deixa de fascinar os indivíduos de sociedade


moderna, por outro lado vemos uma ‘’cidadezinha’’ do interior da Paraíba em que sua
principal economia apesar de estar em seu auge, se limitava ao trabalho árduo e
desgastante com o sisal, que não deixava de depender do volume de chuvas para manter
em condições produtivas as folhas do agave. São cenários diferentes que não
poderíamos deixar de tocar nestas diferenciações. Para, além disto, se na Paris moderna
este novo ícone vai impactar de forma determinante imaginemos a Pocinhos dos anos de
1960.

O Cinema e as práticas cotidianas no município de Pocinhos

O município de Pocinhos ver sua emancipação no ano de 1953 após varias ações
iniciadas por Padre Galvão que tinha o objetivo de tornar aquele município
independente de Campina Grande, este que contavam também com uma área que
corresponde hoje ao atual município de Puxinanã, elevando ainda mais a importância
local fazendo deste lugarejo digno de se emancipar, além do grande teor pocinhence
tecidos nas cartas enviadas pelo Padre. Sete anos após sua emancipação o município
inaugura o prédio em que funcionou por muitos anos o cine São José, este que foi
responsável por embalar as noites e muitas das comemorações festivas pocinhences, que
ainda permanecem com grande paixão na memória dos que tiveram oportunidade de
viverem aqueles momentos.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Entretanto se tivermos o cuidado de perceber que mesmo antes disso já é


possível encontra em documentos oficiais como estas cartas enviadas por Padre Galvão
em busca da emancipação do munícipio, registros de projetores ambulantes, ou seja,
cinema itinerante, conhecido como Santo Antônio, este se tratava de um projetor que
era instalado nas palavras de Ribeiro improvisadamente em qualquer lugar.

Para completar o quadro de progresso atingido pelo distrito, o padre


acrescenta a existência de uma ‘’Biblioteca Pública Paroquial’’, de um
clube ‘’dançante’’, de dois clubes de futebol, da filantropia São José e
do ‘’Cine Santo Antônio’’, este seria um projetor e uma empanada que
se improvisava em qualquer lugar (RIBEIRO, 2013, pg.140).

Portanto o cinema já durante o processo de emancipação da cidade já


representava um ícone de orgulho que utilizado para enaltecer o desenvolvimento deste
lugarejo. Mas nos dediquemos ao moderno e avassalador cine São José, inaugurado no
ano de 1960, ano em que houve um grande movimento de jovens pelo mundo em busca
de liberdade, exaltação do rock e todo um clima que apesar de determinante quando
falamos em uma história mais macro, não influenciou muito no afastado cotidiano do
município de Pocinhos.
O prédio em que foi instalado o cinema e que chegou a receber até quinhentos
assentos, além de figuras ilustres como Luís Gonzaga, Teixeirinha e Marines, era de
propriedade da Igreja Católica do município que na época tinha como sacerdote o padre
Aries. O lugar foi alugado para o proprietário Hermes Oliveira e Arlindo Oliveira, que
se tornou o empresário da sétima arte no município. Dois anos após a inauguração do
prédio chega a Pocinhos a figura que por seu grande papel no que diz respeito ao
operador do cinema da cidade Antônio Fernandes Andrade, que passa a ser conhecido
como Antônio de Cinema. Este se muda para Pocinhos com sua família e passa a se
dedicar durante toda a vida as projeções que ali foram feitas.
Inicialmente tratava-se de um projetor simples em um lugar que contava,
segundo depoimentos de Antônio do Cinema, com cerca de 150 a 200 cadeiras. Possuía
três sessões por semana: Nas quartas, dia de feira em tornava o município muito
movimentado devido à ida dos moradores da zona rural para cidade onde fazia suas
comprar ou se dedicava a vender suas mercadorias, e aproveitando-se para ficar para e
usufruir do entretenimento proporcionado pelo cinema, nos sábados em que o publico
embalado pelo clima do final de semana dirigia-se a esse espaço de sociabilidade e no

123
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

domingos em que havia durante suas tardes as sessões dedicadas as crianças chamadas
de Matiné.
Mesmo em uma cidade pequena, todas as sessões contavam com um público
satisfatório chegando a lotar o espaço em dias de apresentações musicais, isso tendo em
vista que após alguns anos de funcionamento o cinema São José irá ser composto por
500 assentos comprados de um cinema que fecha suas portas no estado do Ceará. Mas,
além da quantidade de público o que no interessa neste momento é analisar como este
cenário, responsável por marca à juventude de tantas pessoas foi utilizado para as
práticas em torna das idas ao cinema.

O cinema aos olhos dos que viram

Para responder alguns de nossos questionamentos aplicamos um questionário


objetivo, contendo oito questões, com alternativas de A a E, que foram respondidos por
homens e mulheres com faixa etária entre quarenta e setenta anos, e homens com idades
semelhantes, que na época estavam inserido em classes sociais dispares, o que
contribuiu para uma série de dados variados, mas muito relevantes no que se diz
respeito às especificidades do lugar social ocupado por tais sujeitos.
Como sabemos a chegada do cinema, em Pocinhos, nos anos sessenta não
representa apenas um lugar de entretenimento, mas as práticas que se dão durante as
sessões de filmes, oferecidos neste lugar, favorecem também o convívio com os amigos,
as paqueras e romances, mas também representam um meio de informação. Por este
motivo, e buscando perceber através de que lentes os antigos frequentadores daquele
espaço guardam as imagens em suas memórias dos passeios noturnos, estes foram
questionados sobre o que mais representou aquele lugar, contendo todas as opções
acima contidas no questionário (ver anexo). Foi possível perceber que apenas 37,5 %
percebem que além de um lugar de entretenimento o cinema também comportava toda
uma série de outras práticas que são comuns a eles.
Talvez este fato se dê devido ao reconhecimento do termo ‘’Entretenimento’’,
como todo um conjunto possíveis e, por este motivo, 62,6% recordam do cinema como
um lugar destinado ao divertimento, esquecendo que é nesse ‘’entretenimento’’ que
novas amizades irão surgir, novos amores e até mesmo casamentos, mas sem esquecer
das traições, e digamos, rebeldia daquelas moças de família que em outro contexto, na

124
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

cidade de Campina Grande (Souza,2016), fugiam da escola em busca de assistirem os


filmes que estavam em cartaz.
Poderíamos questionar ainda se isto se devia ao fato de que, estando inserida em
uma sociedade moralmente conservadora5, somente a grande maioria de frequentadores
fossem homens, evitando assim uma maior aproximação entre os frequentadores.
Entretanto aos serem questionados sobre quem eram os responsáveis por compor o
público de espectadores do Cine São José em Pocinhos, 75% do questionados deixaram
bem claro que tanto homens, como mulheres e crianças, se dirigiam a estas sessões.
Mas quem eram essas mulheres e crianças que já nos anos sessenta podiam
frequentar o cinema? Como já foi dito acima, o município estava passando por um
momento econômico favorável, não somente aos empresários do sisal, algodão e
comerciantes, mas também para aqueles trabalhadores pobres que agora se dedicavam à
colheita do sisal, para serem levados à abatedora. Portanto, assim como na maioria dos
cinemas logo em seus primeiros anos de funcionamento, todos os que poderiam pagar
pelo serviço tinham o direito de assistirem os filmes que desejassem. Para
comprovarmos esta informação com maior propriedade em Pocinhos, quando
perguntamos qual classe social, poderia usufruir daquele espaço 81,25% responderam
que todos que pudessem pagar pelo serviço6.
Outra questão que podemos ainda ligar a este tema, é o fato de que até certo
ponto os figurinos utilizados pelas atrizes e atores influenciavam nas vestimentas das
mocinhas e rapazes que assistiam os filmes ali exibidos. A grande maioria dos nossos
contribuidores, com destaque para o operador da máquina de projeção, o senhor
“Antônio do Cinema” e sua esposa, não hesitaram em responder que, apesar de existir a
pretensão de imitar as roupas e cabelos, havia poucos recursos que poderiam ser
direcionados a estas modas, tendo em vista que isto representaria um grande gasto para
famílias com pouca e média renda. Portanto, fica claro para nós, que com exceção
daqueles indivíduos inseridos nas classes sociais mais abastadas a grande maioria das
vestimentas utilizadas para se dirigir ao cine São José eram roupas com cortes simples e
que normalmente eram utilizadas no dia-a-dia.

5
Tendo em vista a grande influência exercida pela igreja católica no município e que inclusive era
proprietária no prédio em que funcionava o cinema São José.
6
Não foi possível verificar os preços dos ingressos cobrados para a entrada no cine São José, mas
acreditamos que não trata-se de uma quantia muito alta, tendo em vista que muitas pessoas que na época
era consideradas da classe pobre também frequentavam aquele lugar.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Assim, através da aplicação de nosso questionário foi possível perceber diversas


particularidades do Cine São José. Portanto, não poderíamos esquecer-nos de nos
reportar a frequentadores específicos, como as crianças. Para estas, além das comuns
idas ao cinema com seus pais ou familiares em geral, que aconteciam em determinados
dias da semana (quartas, sábados e domingos), havia ainda nas tardes de domingo, as
chamadas Matinês, sessões dedicadas às crianças que recebiam ai já um espaço para
elas. Além desta, não poderíamos deixar de citar, mesmo que de forma passageira, as
estratégias utilizadas por crianças, em especial meninos, chegando à adolescência, de se
dirigirem ao cinema e assistirem os filmes proibidos para crianças, através das brechas
da porta lateral, ou seja, a saída de emergência do cine.
Estas são algumas das especificidades vividas durante as sessões no cine São
José, nos seus primeiros anos de funcionamento. E para ilustrar algumas de nossas
ideias analisemos esta imagem abaixo, fotografada durante a exibição de um filme e que
pertence ao arquivo pessoal da senhora Adriana Souto.

(Arquivo pessoal de Adriana Souto)

De início, é possível percebermos nas primeiras cadeiras moças com vestimentas


bem alinhadas e calçados aparentemente caros. No lado esquerdo é possível visualizar
ainda três rapazes vestidos com paletós e gravatas, que provavelmente, assim como as
mocinhas bem vestidas, faziam parte da classe mais rica da cidade. Não muito ao fundo
avistamos a presença de crianças, que parecem prestar mais atenção à máquina
fotográfica, outro símbolo do moderno, do que ao próprio filme. E, por fim, homens e

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

mulheres simples que também são responsáveis por compor aquele ambiente, fazendo
uma mistura entre classes sociais, sexos e idades.
Mas não poderíamos deixar de destacar que está foto pode trate-se de um
registro em uma ocasião comemorativa como a celebração da primeira Eucaristia, já que
os calçados brancos que destinados a ocasiões importantes e as velas nas mãos daqueles
em destaque pode no levar a considerar uma celebração religiosa. Tendo em vista que,
de acordo com as informações coletadas através de nossos questionários as vestimentas
que mais eram utilizadas nas idas ao cine São José, eram roupas de corte simples ou
vestimentas do dia-a-dia. Porém, esta fotografia registra o ambiente do cinema na época
e os possíveis frequentadores das seções de filmes.

Considerações finais

Assim, levando em consideração as particularidades do local, o cinema, desde o


seu surgimento vai representar não somente mais um dos signos do moderno, como o
trem de ferro, os Bondes do Rio de Janeiro ou a iluminação elétrica, mas ele vai entrar
na vida das pessoas de uma forma especial ao ponto de marcar as memórias daqueles
que viveram naquele período e que mesmo inserido na sociedade das novas tecnologias
não deixam de enfatizar a falta que sentem daquele período e em especial da presença
do cinema na cidade. E, mesmo que hoje já seja possível perceber uma mobilização por
parte da população mais informada, seja de grupos que se dedicam à arte e cultura, ou
os próprios historiadores filhos da cidade, que a partir de pequenas ações - com
destaque aqui para o projeto de extensão vinculado à Universidade Estadual da Paraíba:
Escavando novas possibilidades: O ensino de arqueologia como iniciativa
socioeducativa e ambiental nas escolas municipais de Nova Palmeira, Puxinanã e
Pocinhos - que ofereceu uma conscientização para os alunos matriculados no projeto
através da apresentação da história do monumento e visita ao prédio abando do nosso
antigo cinema. Ou a tentativa de conservação do lugar por outros grupos da cidade.
Ainda há muito a se fazer, para que não deixemos que até mesmo os relatos
apaixonados dos antigos frequentadores se percam no tempo sem entrarem para história,
nossa história.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

REFERÊNCIAS

ALVES, Fernanda Karoline Martins Lira. Becos e casebres do norte: na mira da ordem
sanitária. Campina Grande: EDUFCG, 2010.
ARANHA, Gérvacio Batista. Seduções do moderno na Parayba do norte: trem de
ferro, luz elétrica e outras conquistas matérias e simbólicas (1880-1925). João Pessoa:
Ideia, 2005.
CABRAL FILHO, Severino. A cidade revelada: Campina Grande em imagens e
história. Campina Grande: EDUFCG, 2009.
RIBEIRO, Roberto da Silva. Pocinhos o local e o geral. Campina Grande: RG, 2013.
SOUZA, Antônio Clarindo B. de; SOUSA, Rivaldo Amador. Imagens que seduzem
Cinema e sensibilidade na Paraíba (1910-1970). Pará de Minas: Virtual Books, 2016.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O SERTÃO E O SAGRADO: AS REPRESENTAÇÕES DE CRISTO NO


CORDEL “MEU JESUS É NORDESTINO” E NA CANÇÃO “JESUS
SERTANEJO”

Emerson José Ferreira de Sousa1

Introdução

Quando falamos de Nordeste e de sertão, um conjunto de imagens e símbolos da


cultura destas espacialidades perpassa por nosso imaginário. O pluralismo desta cultura
é uma de suas marcas fundamentais, onde ela possui na forte religiosidade católica uma
de suas principais características (CALDAS FILHO, 2005). A prática religiosa do sertão
nordestino, como é em diversos outros lugares, foi historicamente construída a partir de
vivências e experiências cotidianas daqueles que vivem intensamente o Nordeste. Ela
traz em sua trajetória as marcas de um lugar: os costumes, suas falas e gestos e suas
formas de pensar e agir.
Como meios de expressão do contexto sociocultural do sertão nordestino,
destacamos aqui o cordel e a música de Luiz Gonzaga, elementos genuínos da cultura
local e historicamente veiculadores das imagens do Nordeste por todo o país. Nisto, e
no quadro da religiosidade sertaneja, tem-se por objetivo neste trabalho analisar o cordel
Meu Jesus é nordestino de Pe. Matusalém Sousa (1982) e a canção Jesus sertanejo de
Luiz Gonzaga (1977), onde buscamos problematizar as representações de Cristo por
eles veiculadas quando circunscritas ao contexto sociocultural do cotidiano sertanejo.
Antes de adentrarmos nas tramas do folheto e da canção, é plausível que se faça uma
discussão acerca de suas capacidades como fonte de produção histórica, além de
demonstrar algumas imagens que se constituíram ao longo do tempo envolta na figura
de Jesus Cristo.
Nos últimos anos a partir do crescimento dos estudos produzidos na conjuntura
história/literatura e da emergência da Nova História Cultural, o cordel como fonte
histórica tem ganhado cada vez mais espaço. Quando se trata de pesquisas que se
apropriam do conceito de representação tal como apresentado por Roger Chartier, o
cordel é tomado como uma das fontes primordiais pelos pesquisadores interessados em
níveis mais profundos do pensamento humano. Como legítimo representante da “cultura
1
Graduando no curso de licenciatura plena em História pela Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG), Centro de Formação de Professores (CFP), Cajazeiras – PB. E-mail: [email protected]

129
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

popular”, o cordel no Brasil e principalmente no Nordeste, traz temas que na maioria


das vezes ligam-se ao cotidiano “[...] como as festas, secas, disputas, brigas, milagres,
atos de heroísmo, morte de personalidades, dentre outros.” (BRITO, 2016, p. 23).
Os folhetos através de sua constituição possuem uma espécie de essência natural
que os tornam um artifício de atração em espaços permeados pela tradição oral, caso do
sertão nordestino. Dialogando com outros elementos culturais sertanejos, como o
repente, o cordel firmou-se como meio extremamente propício á veiculação da cultura
local, o que o torna atualmente indispensável para seu conhecimento.
Esta literatura popular traz em si uma capacidade (re) inventiva e (re) elaborativa
de um dado espaço social, contribuindo para constituição do mesmo enquanto produção
imagético/discursiva. Compreendemos isto melhor quando Albuquerque Júnior afirma
que o cordel,

[...] produz uma “realidade” nascida da reatualização de uma memória


popular que entrelaça acontecimentos das mais variadas
temporalidades e espacialidades. Presentificando-as, colocando-as
acima do tempo corrosivo da história, uma prática discursiva que
inventa e reinventa a tradição e, como tal, interessava a um grupo de
intelectuais também preocupados com a estabilidade espaço-temporal.
(2011, p. 130).

A música, por sua vez, é outro elemento historicamente presente na cultura do


sertanejo nordestino, principalmente a de Luiz Gonzaga. Sua representatividade das
vivências e experiências socioculturais do sertão, tem feito com que estudiosos das mais
diversas áreas também entrem em diálogo com a pluralidade cultural do cotidiano em
questão. Tal como o cordel, a música também abre a eles um leque de perspectivas para
se entender o homem sertanejo. Analisando diversas representações religiosas presentes
nas músicas de Gonzaga, Gama (2012, p. 12), afirma que são perceptíveis nessas
canções “as formas como os crentes se relacionam com as divindades, em conexão com
um arcabouço cultural ligado à religiosidade popular. Lá estão representados os santos,
os mitos, os lugares sagrados e os sentimentos ligados à fé religiosa de cunho popular”.
Para Albuquerque Júnior (2011), a música gonzagenha configurou-se como um
dos elementos que construíram a espacialidade nordestina, onde os formatos das
canções, sua caracterização do Nordeste, sua simbologia, dentre outros elementos,
apresentaram certa visão de Nordeste para todo o país através de seu alcance e
repercussão. A música de Gonzaga nas palavras do mesmo autor é:

130
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Uma música que vai ligar subjetividades díspares, que vai produzir
um “sentir nordestino”, instituir uma certa “visão nordestina” das
formas e dos sentimentos, cantando a “verdade nordestina” com seu
timbre de dor, tornando a sua própria forma de cantar um índice de
regionalidade. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2011, p. 180).

Portanto, a música de Luiz Gonzaga nos permite uma inserção na subjetividade


nordestina, o que a torna também referencial valioso nos estudos das representações
desta cultura.
As fontes deste trabalho veiculam certa visão sobre Jesus Cristo, e
historicamente este fora representado de diversas formas conforme o contexto de
produção dessas representações. Costa (2010) ao discutir as representações de Cristo na
Bíblia Medieval Portuguesa, menciona que, de acordo com esse livro, na Idade Média
havia acentuada preocupação com a genealogia de Jesus e com suas relações com a
escatologia/milenarismo. Já Bueno (2003) analisa as imagens de Cristo trazidas pela
literatura portuguesa da geração de 70 do século XX. Citando autores como Eça de
Queirós e José Saramago, a autora discute como essa literatura pôs em xeque a
divindade de Cristo e formulou outras hipóteses para suas vivências e relações com seus
discípulos. Aqui citamos apenas dois artigos, contudo, muitas outras obras se
propuseram a revisitar a imagem cristalizada do Jesus histórico.
Para o caso de aparições de Cristo em objetos de veiculação artística da cultura
popular nordestina, deve-se fazer algumas considerações. Se observarmos cordéis ou
mesmo músicas de Gonzaga que trazem temas religiosos, veremos que Cristo aparece
muito pouco. É muito mais frequente neles a história dos santos e de outros
representantes relativos ao sagrado. Analisando aspectos da religiosidade nordestina no
cordel, Caldas Filho (2005, p. 74) menciona uma “quase ausência de Cristo no
imaginário religioso popular do Nordeste do Brasil. Há mais cordéis que falam do
diabo, o “cão”, que sobre Jesus”. Representantes do sagrado característicos do Nordeste
como o Padre Cícero e Frei Damião, tomam a maior parte dos temas religiosos nas
músicas e principalmente nos folhetos, neles também “fala-se mais nestes personagens
que na pessoa de Cristo”. (CALDAS FILHO, 2005, p. 74). Contudo, deve-se ressaltar
que na ótica cristã católica, os santos e outros representantes do sagrado são mediadores
entre o povo e Cristo que obviamente está em um plano superior, talvez por isso eles
apareçam tanto em folhetos, músicas e etc. Chegar a Cristo é sempre o objetivo final, e

131
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

o folheto e a música que vamos analisar trazem isso sem mencionar a ideia de medição
dos santos.
Considerando o exposto acima, e que historicamente os estudiosos discutiram
certas imagens de Jesus Cristo, entendemos aqui que se torna plausível demonstrar e
analisar as representações de Cristo no sertão nordestino veiculadas pelo cordel e pela
música. Quais os elementos e mecanismos que ambos utilizam para tal? Quais são os
objetivos dessa veiculação? Abarcam este trabalho os conceitos de representação e
apropriação propostos por Chartier (1991), bem como os de veiculação e difusão
imagético/discursiva presentes em Albuquerque Jr (2011).

Relações e comparações de Jesus Cristo com o sertanejo

Está sempre no meio de seu povo observando suas vivências e necessidades, era
uma das características comuns de Jesus Cristo. A proximidade com os fiéis, o contato
direto, viver o espaço das pessoas, parecia ser crucial nas prerrogativas da pregação de
Cristo. O teólogo Tarcisio Loro, ao estudar as formas de comunicação de Cristo, deixa
isso bem claro ao afirmar que ele,

Anunciava do meio do povo, conhecia sua história, seus desafios e


esperanças. Jesus não só conhecia o seu povo, mas especialmente
vivia como alguém do povo. Era sua maneira mais simples de estar
com os pecadores, de escutar os pedidos dos leprosos, do cego de
Jericó, da mulher que sofria do fluxo de sangue. (2010, p. 47).

Para caso do sertão, uma proximidade de Cristo com as vivências cotidianas do


povo deste espaço social parecem explicitadas no pequeno trecho da música Jesus
Sertanejo:

Ô ô Jesus razão
Tão sertanejo
Que entende até de precisão (FINIZOLA, 1977).

Aqui, Cristo é chamado de sertanejo por está identificado com as vivências do


sertão, quando compreende as necessidades que atravessam o lugar. Ele é convocado a
está no meio do povo sertanejo, a sentir sua “precisão”, de ser a razão de vida em um
lugar que é visto pelo discurso da canção como sendo apto para que Jesus encontre-se
constantemente nele.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Na perspectiva da música e do folheto, o sertão em sua caracterização


sociocultural atrai o olhar divino quando se assemelha a um espaço idealizado para a
atuação de Cristo. O folheto Meu Jesus é nordestino parece enfatizar isso em suas
entrelinhas:

Jesus Cristo fala a fala da gente


Que trabalha barato no Nordeste
E tem o nome de “cabra da peste”,
Sem dinheiro e sem sua patente;
Mas que luta, de já, alegremente
Na enxada que é força motriz.
É nesta hora que o Cristo nos diz,
Como mestre que é bem verdadeiro:
Pro caboclo que não é fazendeiro:
“Eu sou o tronco e meu pai é a raiz” (SOUSA, 1982, p. 2).

Nota-se que as simbologias sertanejas, - a fala, o trabalho duro, o “cabra da


peste”, a enxada, o caboclo – são apresentadas pelo folheto enquanto elementos que
inspiram Jesus Cristo a lançar seu olhar sobre o sertão. Essas simbologias parecem atuar
como pontos de convergência entre o sertão e os parâmetros que Cristo utiliza nas
escolhas de um povo eleito.
Não é forçoso afirmar que a maioria dos símbolos e representações do Nordeste
estão relacionados à seca, os trechos do folheto e da música supracitados, apesar de não
mencionarem diretamente, deixam o imaginário em torno da seca subtendido. Na
situação em que se apresentam, eles tomam a seca em suas significações ligadas a um
imaginário religioso, uma vez que nesta perspectiva, ela pode vir a fomentar uma
ligação com a devinda tal como ressalta Gomes:

A seca, enquanto significação imaginária, fornece ao espírito privado


e necessitado a urgência do contato com a entidade; fornece as
condições imediatas que medeiam as relações homem-divindade;
fornece, enfim, a cristalização do suplício e a realimentação necessária
das crenças religiosas, periodicamente. (1998, p. 131).

Neste caso, a seca é um elemento base sob o qual se assenta grande parte destes
símbolos sertanejos anteriormente mencionados que norteiam uma ligação com Cristo
segundo as falas do folheto.
O cordel de Pe. Matusalém Sousa também busca assemelhar à vida de Jesus
Cristo em sua missão, a vida do sertanejo. Sua conduta enquanto vivente e pregador

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

parece enquadrar-se aos “jeitos de ser” no sertão. Em um de seus trechos o folheto nos
diz que Jesus,

palavras austeras, sem pobreza,


Dirigidas Nas pro velho e pro menino,
Apontava pro povo o bom destino
Da vereda que leva a salvação;
Sem mais nada levava o matulão2
Dando provas de ser um nordestino. (SOUSA, 1982, p. 1).

Aqui, o folheto busca enfatizar a humildade de Cristo quando ele fala tanto aos
mais velhos quanto aos mais jovens, fazendo alusão a humildade e simplicidade
características do nordestino. Cristo em suas caminhadas levava apenas seu matulão,
assim como os andarilhos e retirantes sertanejos.
Em outra descrição do folheto é reforçada esta semelhança entre Cristo e o
sertanejo, onde outros elementos característicos do povo do sertão parecem se
enquadrarem perfeitamente a conduta de Jesus:

Jesus Cristo nos lembra meu sertão


Quando diz o que é pro mundo inteiro:
O Bom Pastor, pra nós o Bom Vaqueiro
Nestas matas, vestidos de gibão,
Aboiando bem forte uma canção
Onde diz tudo aquilo que ele sente.
Jesus Cristo é gente com a gente,
Que se observe o modo de falar
E também quando sai a espalhar
A palavra que é boa semente. (SOUSA, 1982, p. 2).

Nas falas do folheto, Cristo, como Bom Pastor, seria Como o Bom Vaqueiro
sertanejo, personagem tradicional da cultura deste povo, às vezes cunhado de “herói”
local. Cristo, como guia e protetor de seu povo, vai lembrar este personagem que é guia
dos rebanhos nas “veredas” do sertão, que os cuida como ninguém, que é fiel e
obediente a sua causa, assim como Cristo foi fiel a sua causa quando obedece a vontade
de Deus. O aboiar da canção pelo vaqueiro que entoa longamente pelas matas, remete a
explanação da palavra de Deus efetuada por Cristo. A palavra de Cristo é a boa semente
plantada no sertão, extremamente valorizada em terras de sequidão.

2
Espécie de saco de carregar pertences, muito comum dos retirantes nordestinos. Cf. Dicionário
inFormal. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/matul%C3%A3o/>. Acesso em 28
nov. 2016.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Atento para as necessidades cotidianas que demanda o sertão, e estando


caracterizado como sertanejo, Cristo é representado nos discursos da música e do
folheto como a esperança última de um espaço que se apresenta como esquecido.

Jesus
Meu Jesus sertanejo
Presença maior, minha crença
Nestas terras sem ninguém (FINIZOLA, 1977).

No trecho supracitado da música cantada por Gonzaga, observa-se como o


sujeito deposita sua esperança na presença constante de Jesus, onde ele parece ser o
único capaz de oferecer o conforto solicitado. O folheto por sua vez, sendo mais
enfático e apresentando seu discurso como sendo o do próprio Cristo, também reforça a
esperança inabalável em torno de Jesus Cristo:

Pra o povo que está no desespero


No Nordeste bem seco e muito quente.
Jesus diz “tenha calma mina gente”
Que sou vida pra que tudo reviva
E também sou fonte d’água viva,
Mata a sede quem bebe certamente” (SOUSA, 1982, p. 4).

Observemos como os trechos mencionados de ambas as fontes procuram


veicular uma imagem de Jesus Cristo que o coloca muito próximo do povo. Nesta
perspectiva, Cristo não parece muito preocupado com atitudes pecaminosas dos sujeitos
em suas vivências cotidianas, ele estaria mais interessado em engajar-se na “labuta”
cotidiana do sertanejo, dando-lhe força. Ele é visto nestes discursos como uma
divindade menos controladora e mais solidária, o que o coloca mais próximo da
realidade humana.
O cordel e a música procuram representar o sertão como um espaço da
simplicidade, da honra, do trabalho árduo e também da necessidade, esses elementos na
lógica cristã seriam algumas das essências que Jesus Cristo busca encontrar no ser
humano, por isso há essa sua identificação com as vivências sertanejas.

Cristo contra a ideia de exclusão e abandono do sertanejo

Jesus buscou direcionar sua mensagem principalmente aos menos favorecidos


socialmente. Como nos diz Loro (2010, p. 52), “Apesar de sua mensagem ter um caráter

135
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

universal, Jesus tem como destinatários preferenciais os pobres, os marginalizados. São


eles que decodificam historicamente a mensagem de Jesus, porque a eles, através do
Filho, o Pai dirige a Boa Nova das Bem-Aventuranças.” A música de Gonzaga e
principalmente o folheto de Pe. Matusalém Sousa, buscam veicular um Jesus Cristo
ainda mais próximo dos desfavorecidos socialmente excluindo os ricos de seu círculo de
atuação.
No último trecho mencionado da música, já se percebe um discurso que busca
veicular a ideia de abandono do sertanejo. A expressão “Nestas terras sem ninguém”
remete a ideia de isolamento do sertão, de abandono por parte daqueles que poderiam
fazer algo por essa gente. Vejamos como outras falas da música buscam enfatizar isto:

Silêncio
Na serra, nos campos
Ai desencanto, que a gente tem
E o vento que sopra, ressoa
Ai sequidão que traz desolação (FINIZOLA, 1977).

Nesta passagem, a música anuncia o silêncio e a desolação que entoa pelos


sertões em meio ao abandono. Em outro trecho da mesma canção, podemos também
identificar um discurso de alguém que se sente excluído:

Do céu há de vir solução


Na terra, a semente agoniza
Preconiza solidão3
E a tarde que arde, acompanha
Ai tanta sanha de maldição
Aqui vou ficar, vou rezar
Ai vou amar a minha geração (FINIZOLA, 1977).

Percebe-se aqui mais uma vez que o sertão é visto como o lugar da solidão, onde
somente vaga sobre ele o sertanejo solitário e mais ninguém. A ajuda só poder vir dos
céus, porque parece que não há outros meios e possibilidades que ofereçam um suporte
ao lugar senão a atuação do Cristo sertanejo.
O cordel busca ir mais ao cerne desta questão, onde formula um discurso que
busca reforçar a ideia de um Jesus Cristo mais atuante do lado do povo do sertão
nordestino:

3
Grifo nosso.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Jesus Cristo será nosso Juiz


Quando diz que trará o julgamento,
Fala ao pobre e ao rico potento,
Que só pensa na vida ser feliz:
“Tu tiveste em vida o que quis
Parecendo ser dono do destino
De meu povo tu foste um assassino4
Na tortura, na dor e na piedade.
Este povo sofreu calamidade,
Ma prefere meu pai o pequenino”.

Jesus Cristo é mesmo um nordestino


Do roçado ele diz “ser a porteira”
Quem entrando terá a vida inteira
O direito de um nobre paladino,
A viver todo amor que é divino,
Como prêmio maior ao seu valor,
É Jesus que vai ser o agricultor
E o homem será a plantação.
Jesus mesmo fará a adubação
Acabando o poder do opressor (SOUSA, 1982, p. 3).

As falas destes versos são explanadas contra àqueles que historicamente


usufruíram do poder no espaço sertanejo. Na perspectiva do folheto, o agricultor
sertanejo, o homem da roça, vive a sofrer os desmandos e a opressão dos poderosos,
onde a atuação de Jesus traria a justiça e reordenaria o espaço conforme os princípios
corretos. Jesus é “porteira” do roçado, o que abre as portas do mundo justo e livre da
opressão histórica.
Em comparação com o Jesus Bíblico, pode-se ressaltar que o Jesus do folheto
parece ser menos tolerante em relação aos poderosos. Segundo a Bíblia, quando
Zaqueu, homem desonesto para com os pobres, tenta se aproximar de Jesus, ele
imediatamente, reconhecendo virtudes em Zaqueu, diz que vai a sua casa. (LUCAS, 19:
1-10). Pelo lado Bíblico, teria-se um Jesus mais “bondoso para com todos sem fazer
distinção de pessoas”. (LUPI, 2015, p. 34). Já o cordel em nenhum momento menciona
um Jesus tolerante em relação aos ricos ou a quem oprime o pobre, ao contrário, o
folheto objetiva nos mostrar um Cristo revoltado com a situação dos “pequeninos” e
com pouca ou nenhuma afeição aos poderosos:

Jesus Cristo falava e pressentia


A angústia dos homens sofredores;
Muito duro5 falou aos opressores

4
Grifo do autor.
5
Grifo nosso.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Negadores de toda a garantia,


E dizia também que lutaria,
Dando força à fraqueza dos plebeus,
Por que eram de fato irmão seus
Necessitados de sua liberdade [...] (SOUSA, 1982, p. 5).

Neste verso, observa-se que o folheto busca veicular um Jesus que


definitivamente toma partido pelo lado do oprimido.
Em relação aos ricos e opressores dos “pequeninos”, o cordel busca reforçar a
imagem do Cristo Juiz, que julgará em seu tempo aquele que desprezou seu povo eleito:

Neste verso em martelo agalopado


Eu te digo que tu és meu réu,
E também que tu não vais para o céu,
Para o Reino que já ta preparado.
Pro inferno tu serás condenado
Para seguir teu eterno destino,
Pois julgando eu sou bem jenuino
Da vida olhando apenas o valor
De quem soube viver com muito amor
E, vivendo, acolheu o pequenino (SOUSA, 1982, p. 6).

De acordo com o cordel de Pe. Matusalém Sousa, nada mais restaria ao rico
opressor senão a condenação. Mais uma vez, é interessante notar como o folheto não
menciona a possibilidade de retratação para estas pessoas, o que seria algo natural na
concepção cristã. Nestes versos, o cordel objetiva explicitar e veicular uma visão contra
as injustiças sociais a que, segundo seu discurso, estariam sujeitos os sertanejos. E ele
utiliza para isso a figura daquele que julga ser o protagonista ideal, Jesus Cristo
nordestino.
Em seu último verso, o folheto procura veicular um ideal de liberdade para o
povo nordestino através da boa esperança trazida pela mensagem religiosa:

Pro Nordeste é Deus que anuncia,


Meio a tudo a nova condição,
Agradável e com libertação,
Tendo a força como muita alegria,
Usurpando de já a garantia,
Sentindo nossa grande ansiedade,
A andar procurando liberdade
Libertando o mundo no amor
Entregando ao povo sofredor6
Mais sentido e mais fraternidade (SOUSA, 1982, p. 8).

6
Grifo do autor.

138
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Portanto, Jesus Cristo assumiria a tarefa de trazer ao povo do sertão nordestino a


esperança de tempos melhores no futuro, de libertá-los desta situação de exclusão e
abandono tal como é apresentada na música, e principalmente da de opressão
explicitada no folheto.

Considerações finais

Percebemos ao longo desse texto que as fontes aqui trabalhadas buscam


representar um Jesus Cristo que se encontra sob constante diálogo com o contexto
sociocultural do sertão nordestino. Contexto este que as fontes também buscam
construir discursivamente, onde o mesmo é apresentado como um espaço que necessita
urgentemente de auxilio, o que vem a ocorrer com a presença de Cristo. Em um
primeiro momento, o folheto e a música buscam fazer uma comparação da vida e da
filosofia da mensagem de Cristo com o sertão. É um Jesus Cristo visto como sertanejo
porque suas falas são dirigidas mais aos pobres e excluídos, caso dos que vivem no
sertão de acordo com o discurso das fontes. Seu jeito de ser, sua conduta, também vai
lembrar o sertanejo, humilde, corajoso e honrado, assim como ele era. Já em um
segundo momento, vemos os discursos de ambos, sobretudo os do folheto, buscando
apresentar um Jesus Cristo demasiadamente ligado à situação de pobreza, abandono e
opressão que suas falas afirmam viver o sertanejo.
A música de Luiz Gonzaga busca representar um Cristo que se relaciona mais ao
isolamento e solidão em que vive os sertões, enquanto que o cordel de Pe. Matusalém
Sousa demonstra está mais preocupado com as comparações de Cristo com o sertanejo e
seu contexto cultural e principalmente social.
Portanto, o Jesus sertanejo é construído nas formulações discursivas de ambas as
fontes que se apropriam de falas históricas instituídas em relação ao sertão e ao
Nordeste. Estas representações de Cristo não deixam de se constituírem como falas que
almejam expor um lugar que se mostra abandonado, excluído e oprimido, onde
representar Cristo de tal maneira só foi possível justamente por causa desta
característica histórica desta espacialidade historicamente construída por várias outras
falas não muito divergentes das que foram aqui expostas.

139
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

FONTES

GONZAGA, Luis. Jesus Sertanejo. J. Finizola [Compositor]. In:______. Chá cutuba.


Rio de Janeiro: RCA Camden, p 1977. 1 disco sonoro, estéreo. Lado 1, faixa 4 (3 min 8
s).
SOUSA, Matusalém. Meu Jesus é nordestino. Fortaleza: [s.n.], 1982.

REFERÊNCIAS

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História, Belo Horizonte, v. 12, n. 16, p. 38-63, 1º sem. 2011.
_______. O campo da História: especialidades e abordagens. 5. ed. Petrópolis: Vozes,
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BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. 86. ed. Tradução do Centro Bíblico Católico de
São Paulo. São Paulo: Ave-Maria, 2011.
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Humanas, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.

140
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

GOMES, Alfredo Macedo. Imaginário social da seca, suas implicações para a


mudança social. Recife: FUNDAJ; Ed. Massangana, 1998.
LORO, Tarcisio J. Jesus Cristo, modelo de comunicador. Revista Eletrônica Espaço
Teológico, São Paulo, v. 4, n. 5, p. 47-55, maio 2010.
LUPI, João Eduardo P. Basto. E vós, quem dizeis que eu sou? Representações atuais de
Jesus e seus reflexos nas Igrejas. MÉTIS: história & cultura, Caxias do Sul, v. 14, n.
28, p. 33-48, jul./dez. 2015.

141
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ESPACIAL: PRÁTICAS IMAGÉTICO-


DISCURSIVAS QUE DELIMITARAM O NORDESTE

Renan de Oliveira Silva1

Introdução

A delimitação do espaço regional está inserida em um vasto caminho percorrido


para a formação do que hoje conhecemos como o Nordeste do Brasil. O Nordeste é
fruto de relações de saber e poder, relações que a própria região é também sujeito, um
resultado de práticas imagético-discursivas. Os enunciados e as imagens proferidas
sobre o a região estabelecera estereótipos que inferioriza o espaço e o povo nordestino,
uma nordestinidade na qual foi assumida e praticada, uma inferioridade em relação à
região Sul ou São Paulo. Essa pequenez que se instaurou por muito foi colocada como
uma questão estabelecida pelo sistema de poder, se achando excluídos desse lugar. Tais
formulações devem ser superadas em meio às lutas pelo poder, por estarem inertes a
essas disputas.
Para compreender a formação desse espaço recente na história do Brasil, deve-se
perceber que ela foi possível por diversas linguagens como a literatura, musica, pintura,
o teatro, as produções acadêmicas, práticas essas que se inscrevem no interior desse
espaço, produzindo a ele mesmo. Dessa forma o nordeste é inventado por meio de
práticas discursivas e não-discursivas, permeadas pelo político, econômico, o social e o
cultural, criando maneiras de ver e dizer o Nordeste.
Dessa maneira no trabalho busco identificar práticas imagético-discursivas que
serviram como sustentáculo para delimitar o nordeste, definições essas que transcendem
os limites territoriais determinados pela geopolítica, que instituiu as fronteiras de uma
região a partir de um produto do meio a ocorrência das secas, procurando melhor
atender-las. Procurando evidenciar que os discursos e imagens produziram uma região
caracterizada pela cultura, o social, o econômico e o político, mas apoiados sobre um
discurso hierarquizador, que toma à seca como centralizador, dominando todo o sistema
de poder, silenciando os demais discursos produzidos nesse espaço. Produzindo assim
uma identidade regional poderosa sobre estereótipos assumidos externa e internamente
ao Nordeste.

1
Graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail:
[email protected]

142
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Para estabelecer tais definições o texto foi produzido por meio de uma pesquisa
bibliográfica aportando-se principalmente na produção historiográfica de Albuquerque
Junior “A invenção do nordeste e outras artes”. Aportando-se também nesse tipo de
pesquisa para explicar um pouco sobre a trajetória metamórfica dos conceitos de
identidade e espaço, e a influencia dessas concepções para que o nordeste pudesse ser
“inventado”.

Identidade e Espaço

A identidade é uma questão complexa de estudo, por um tempo relegado a um


segundo plano de analises, que na segunda metade do século XX aos dias atuais, passou
a ter mais atenção de pesquisadores de diferentes ramos das ciências sociais e humanas,
para que pudéssemos conhecer na atualidade as definições do conceito. A compreensão
do termo requer a percepção das transformações causadas pela “crise de identidade” que
levou a mudanças no antigo quadro estrutural formador da identidade do sujeito
moderno a partir de uma essência unificada e estável, possível pelo processo de
descentramento, dividindo o sujeito moderno para o surgimento de novas identidades.
Stuart Hall (1997) a fim de definir a “crise de identidade” pelo deslocamento
ocorrido sobre o individuo moderno aponta três concepções distintas de identidade
formuladas a partir da modernidade. A primeira é o sujeito do Iluminismo, baseava-se
no sujeito da razão, o nascimento do verdadeiro individualismo, que desvincula o
homem da estrutura natural que vivia no medievo, surgindo com o Humanismo
Renascentista à idéia de “individuo soberano”, da qual é centrada em si própria por
particularidades distintas e únicas. Com as revoluções cientificas e o Iluminismo se
caracterizou de vez o sujeito racional e científico, formulações que ganha poder com o
pensamento de Descartes, que o individual é possível pela capacidade de pensar,
constituindo o “sujeito cartesiano”. John Locke foi outro pensador com contribuições
importante para a formação desse sujeito, atribuindo ao individuo uma continuidade
identitária do nascimento que se prolonga quase idêntica ao longo da vida.
O segundo é o sujeito sociológico, as sociedades modernas se transformam, as
estruturas políticas, sociais e econômicas, ganham novos caminhos com as revoluções
do século XVIII e XIX, assim deixa aos poucos de pensar em uma identidade individual
do sujeito racional e passa a pensar no coletivo, as novas formulações teóricas têm que
abordar agora as grandes massas que compõe o Estado moderno. O indivíduo não é

143
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

mais uno a sua interioridade, ele precisa para a formação de sua identidade a
convivência com outros indivíduos que trazem consigo os elementos exteriores,
transmitindo símbolos e sentidos, pertencentes à cultura a qual estar inserido. A
identidade sociológica é construída por um dialogo entre o interior do individuo e o
exterior a ele, alinhando nessa construção a subjetividade do sujeito e a objetividade do
campo cultural e social na qual ele mantém relações. A identidade aqui também é
pensada estável, possível pela ligação entre sujeito e estrutura, elementos que segundo
Hall (1997):

Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que estão


agora “mudando”. O sujeito, previamente vivido como tendo uma
identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado;
composto não de uma única, mas de varias identidades, algumas vezes
contraditórias e não resolvidas. Correspondentemente, as identidades,
que compunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam
nossa conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da
cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças
estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação,
através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais,
tornou-se mais provisório, variável e problemático. (HALL, 1997, p.
12).

O processo de fragmentação do sujeito sociológico produz a terceira concepção,


o sujeito pós-moderno, à essência unificada e estável se perde, pois a nova identidade é
pensada a partir do descentramento, a flexibilidade do individuo entre varias
identidades. A construção identitária se caracteriza pela mobilidade do individuo pelas
diversas culturas que o cerca, formadas por um processo histórico, por lutas entre as
diferentes identidades que compõe o individuo.
O processo de descentramento que levou a fragmentação do sujeito moderno foi
possível pelos avanços nas teorias sociais e nas ciências humanas, essas descentrações
segundo Hall (1997), consiste em cinco diferentes contribuições. Em primeiro lugar ao
pensamento marxista, não precisamente o trabalho de Marx, mas a releitura ocorrida na
década de 1970 principalmente no trabalho de Louis Althusser, na qual descartava a
ação individual do homem, suas ações eram dependentes de mecanismos culturais já
existentes anteriormente a eles. O segundo é a teoria do inconsciente lançada por Freud,
que a identidade é formada por processos psíquicos e simbólicos, leitura também
apropriada por Jacques Lacan, que a identidade é um processo temporal, construída
pelos símbolos e processos psíquicos do inconsciente, ela nunca estar completa sempre

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

haverá algo imaginário ou fantasiado sobre si em processo para ser formado. Dessa
maneira não podemos falar em Lacan de uma identidade acabada, mas sim de
identificação, sempre em andamento.
O terceiro descentramento é identificado na linguistica estrutural elaborada por
Ferdinand de Saussure, demonstrando que os significados da língua expressar suas
próprias regras, independem da ação do autor que a fala. O trabalho feito por Michel
Foucault representa a o quarto descentramento, ele destaca um poder que é responsável
por vigiar e moldar o homem, o chama de “poder disciplinar”, que procura moldar o
individuo em toda a sua particularidade, seja, sua vida, saúde física e mental, entrando
em diversos campos de sua vida. Este poder busca construir um ser humano que possua
um corpo dócil, o individuo estar inserido em uma coletividade nas instituições,
sofrendo constantemente uma vigilância e uma observação, sofrendo um isolamento,
construindo uma individualização ainda maior do sujeito individual. E por ultimo a
descentração causada pelo impacto do feminismo, despertando vários movimentos
sociais durante a década de sessenta, buscando diversos direitos, luta pela paz, direitos
étnicos, de gênero, de classe, entre outros, aflorando a luta e o reconhecimento das
identidades minoritárias ou silenciadas. Todos os descentramentos levaram a um
deslocamento do sujeito do Iluminismo que era centrado, para o sujeito pós-moderno,
uma identidade aberta, fragmentada e transitória.
Umas das questões levantadas por Stuart Hall no estudo das identidades além de
um breve esclarecimento sobre a trajetória do conceito, é o processo de formação da
identidade cultural, especificamente a identidade nacional, pois a busca pela criação de
uma identificação nacional no Brasil representa a reação dos diferentes regionalismos e
a instituição do Nordeste para alem de uma fronteira político-administrativa.

As culturas nacionais são uma forma distintivamente moderna. A


lealdade e a identificação que numa era pré-moderna ou em
sociedades mais tradicionais, eram dadas à tribo, ao povo, à religião e
à região, foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais,
à cultura nacional. As diferenças regionais e étnicas foram
gradualmente sendo colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que
Gillner chama de “teto político” do estado-nação, que se tornou,
assim, uma fonte poderosa de significados para as identidades
culturais modernas (HALL, 1997, p. 53-54).

Uma cultura nacional é fruto de praticas discursivas, construída por meio de


símbolos, valores e sentidos, para determinar uma cultura homogênea, muitas vezes

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

propicia pelos mecanismos educacionais, que transmiti a tradição inventada que muitas
vezes parecem ser antigas, mas são elaborações recentes, procurando o alinhamento dos
indivíduos em torno dos marcos históricos que remetem desde as origens, processos que
levaram a unificação de territórios e permanência dos limites nacionais. A construção da
identidade muitas vezes transgride a modernidade, retornando a um passado de outrora,
resgatando glorias antigas para representar a grandeza da cultura nacional, mas sem
deixar de pensar nas possibilidades para o desenvolvimento criadas pela modernidade.
Pensar uma identidade nacional possível por uma cultura nacional homogenia e
unificada em torno desejos comuns, é não levar em consideração as diferenças étnicas,
de gêneros e de classes, juntando-as em torno caminho único para a nacionalidade.
Deve-se questionar um sentimento de unificação, já que nem sempre existiu uma
lealdade a símbolos que identifica a cultura da nação. Precisamos pensar a
nacionalidade não como um todo unificado, e sim praticas discursivas que representam
a diferença, diversas características interiores que se busca unificar por um exercício de
poder, uma das representações para isso era a representação cultural pela etnia, uma
etnia única que apresenta uma determinada religião, costumes, língua, etc., processo
tentado pelas nações Ocidentais na Europa e também no Brasil na busca por essa
identidade comum, algo impossível de acontecer pela diversidade cultural e étnica que
compõe os estados modernos, “as nações modernas são, todas, híbridos culturais”
(HALL, 1997, p.67). O discurso racial procurava a supremacia de uma “raça” especifica
sobre as demais, não só no quesito biológico, mas o conjunto cultural produzido,
distinguindo-os.
A construção da concepção de identidade na pós-modernidade percorreu um
longo período de mudanças, de um conceito homogêneo, imutável, centrado ao sujeito,
a imutabilidade das estruturas sócias, desenvolvendo-se em meio as diferenças e
heterogeneidades, que permeia a definição da identidade cultural de um individuo em
meio a imposição de uma identidade cultural nacional homogenia, que engloba em
torno de símbolos de sua representação. Tarefa difícil também se equipara a tentativa de
realizar a construção de uma identidade espacial, na busca por valores, costumes,
sentidos, que exalte e possibilite a invenção de uma tradição, pois, se trata do espaço,
conceito vinculado as concepções de natureza, pensado em uma imutabilidade mais
resistente, a parte da historicidade e do tempo.
A história ate chegar às delimitações de ciência que estuda o passado do homem,
transitou em diferentes áreas e em árduos debates para a elaboração dos seus conceitos e

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

formas de abordagens. Nos primórdios da história ciência passam-se do mero registro


do passado do homem para o estudo do homem no tempo, buscando analisar os efeitos
das ações humanas com intuito de perceber a transformações e permanências,
concepções que intensificam no século vinte com a escola dos Annales e as elaborações
de Marc Bloch sobre a História e o Tempo. Segundo Barros (2006):

Definir a história como o estudo do homem no tempo foi portanto um


passo decisivo para a expansão dos domínios historiográficos.
Contudo, a definição de História, no seu aspecto mais irredutível, deve
incluir ainda uma outra coordenada para além do “homem” e do
“tempo”. Na verdade, a História é o estudo do Homem no Tempo e no
Espaço. As ações e transformações que afetam aquela vida humana
que pode ser historicamente considerada dão-se em um espaço que
muitas vezes é um espaço geográfico ou político, e que, sobretudo,
sempre e necessariamente constituir-se-á em espaço social. Mas com
as expansões dos domínios históricos que começaram a se verificar no
último século, este Espaço também pode ser perfeitamente um
“espaço imaginário” (o espaço da imaginação, da iconografia, da
literatura), e adivinha-se que em um momento que não deve estar
muito distante os historiadores estarão também estudando o “espaço
virtual”, produzido através da comunicação virtual ou da tecnologia
artificial. Pode se dar que, em um futuro próximo, ouçamos falar em
uma modalidade de História Virtual na qual poderão ser examinadas
as relações que se estabelecem nos espaços sociais artificialmente
criados nos chats da Internet, na espacialidade imaginária das
webpages ou das simulações informáticas, ou mesmo no espaço de
comunicação quase instantânea dos correios eletrônicos — estas
futuras fontes históricas com as quais também terão de lidar os
historiadores do futuro. Mas, por hora, consideraremos apenas o
Espaço nos seus sentidos tradicionais: como lugar que se estabelece na
materialidade física, como campo que é gerado através das relações
sociais, ou como realidade que se vê estabelecida imaginariamente em
resposta aos dois fatores anteriores. (BARROS, 2006, p. 462).

O que nos interessa perceber em primeiro momento é que o conceito de espaço


formula-se em uma longa metamorfose assim como o conceito de identidade, tornando-
se mais abrangente e aberto na pós-modernidade, Barros (2006) identifica os diferentes
campos para realização de uma abordagem espacial, com atual flexibilidade do
conceito, mas em sua essência tradicional com a materialidade física, local dos
acontecimentos históricos, onde ocorre a formulação das relações sociais, culturais,
econômicas e políticas, a construção afetiva com essas relações para definição
identitária.
Segundo Albuquerque Junior (2008) Foucault em seus estudos retrata que há três
formas distintas na maneira de conceber o espaço na trajetória do povo ocidental,

147
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

formas essas que representam mudanças paradigmáticas, mas que sempre representa
uma visão estática e deshistoricizada do espaço. A primeira concepção de se pensar o
espaço foi construída na Idade Media, os espaços são pensados de forma hierarquizada,
sempre avaliada pelos valores do regime em vigor ditado pelo cristianismo, uma ordem
cósmica, os lugares superiores referentes aos próximos a Deus. Tratava-se de uma
economia dos espaços, os espaços eram referidos como uma localização, que
caracterizava o pertencimento que cada um ocupava nos lugares, de acordo com as
demarcações, de quem detinha o poder sobre os espaços.
Com o Renascimento as concepções de espaço começam a mudar
principalmente a partir das elaborações cientificas feita por Galileu, passando a
contestar a concepção geocêntrica e da finitude do cosmos, que eram a base de
sustentação do poder hierárquico medieval. Alem das mudanças propiciadas pela
ciência, o mundo de abre para novas oportunidades, o espaço fechado em qual vivia a
Europa se abre para as grandes navegações, o espaço deixa de ser localização ditada
pela hierarquia e passa a ser uma extensão, ditados pela volatilidade, mobilidade, o
espaço se abre para possibilidades infinitas de exploração. A extensão dos espaços na
modernidade nasce e cresce junto com o desejo de extensividade da ciência moderna,
que quer abarcar todos os lugares, vasculhar cada cantinho, para contemplar todas as
áreas do conhecimento, cede por saber na qual às ciências humanas também embarcam
para explorar este vasto oceano do conhecimento, mas querendo registrar os passos do
homem ao longo do tempo.
O saber moderno instituiu a extensão como forma de ver o espaço, algo que
contribuiu, para que houvesse dificuldades de se pensar o espaço como pertencente à
trama histórica e do tempo, pois, ao contrário do tempo que é intensivo, o espaço é
extensivo. Diversas dificuldades foram encontradas antes de mudar a forma de ver os
espaços, necessitou-se que primeiro houvesse uma mudança no campo da física
elaborada por Galileu e que ganhou contornos definitivos em Newton, mudança essa
propiciada pela física pós-moderna, os espaços passam a sem uma relação com o olhar
humano, os espaços tornam-se relacionais a partir da idéia de relatividade que é
introduzida na natureza e nos espaços.
O relativismo passa a fazer parte da forma como ver e conceber os espaços,
dessa maneira na contemporaneidade os espaços passam a ser percebidos por noção de
posicionamento, que são ditadas pelas nossas praticas sociais, culturais, econômicas,
políticas, por nossas lutas diárias, pelas relações de poder. Ver o espaço agora em toda a

148
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

sua mobilidade e flexibilidade, o espaço é uma relação móvel entre os objetos e os


sujeitos, passando a ser histórico, o espaço deixa de ser pensado como o mero lugar que
servia de cenário para os acontecimentos, faz parte agora da própria trama, o agir do
homem não é só caracterizado pela a ação do tempo, mas também pela dimensão
espacial. A partir das definições territoriais passou-se a caracterizar a identidade
espacial, que é construída por meio de embates, conflitos, relações de forcas, podendo
ser desconstruída e ressignificada, acompanhando as relações de forcas, das relações
sociais, que acontecem ao longo do tempo.
O espaço na pós-modernidade é moldado a partir de estratégias, que nos faz
definir e pensar a noção de posicionamento espacial, um espaço que vai ser cartografado
de acordo com a situação na qual se encontra os objetos, e não por sua localização ou
extensão. Analisar essas situações contribuirá para o nascimento do espaço. O
posicionamento espacial demarcar um lugar de lutas das diversas camadas sociais, que
se preparam sempre para o ataque e para a defesa, para definir suas posições, essas lutas
permeia todo o social: lutas de gênero, étnicas, econômicas, classes sociais, políticas,
estéticas, profissional, etc.
Os historiadores negligenciam a maneira de conceber os espaços na
contemporaneidade, deixando se levar por concepções que concebe o espaço como
estático, imóvel, sem vida, um mero cenário para os acontecimentos humanos, isto,
porque o homem é o próprio responsável com construir essas formas distintas de
deshistoricizar os espaços, que não podemos ver o espaço como um espaço superfície
empírica que sem impõe a nós, mas uma empiria desordenada, da qual temos que
analisar, apreender, significar, da um sentido.
Não devemos pensá-los como localização ou extensão, mas conceber os espaços
como posição, deve deixar de lado a busca de conhecimento sobre essa superfície, ou
caracterizá-lo como um todo homogêneo, regido por leis fixas e eternas, e sim um
espaço como pensou Bachelard, e nos mostra Albuquerque Junior (2008), os espaços
são carregados de paixões, qualidades, cheio de sonhos, desejos, imagens, fantasias,
entre outras sensibilidades, o espaço é definido agora por sua fluidez.
No entanto para definir a concepção do conceito de espaço, devemos atentar as
relações de poder utilizadas para delimitar e caracterizar um dado recorte espacial, a fim
de estabelecer fronteiras, demarcar determinados territórios, que são determinados por
relações de poder, relações sociais, relações econômicas, relações simbólicas,
procurando sacralizar os espaços a partir do posicionamento. Na modernidade a

149
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

vinculação de espaço e natureza, pensada assim como a natureza os espaços eram


destituídos de historicidade, mas com as novas descobertas fizeram com que as ciências
humanas ressignificasse o conceito de espaço.

A delimitação do Nordeste

A região Nordeste é um espaço delimitado a partir da fragmentação da antiga


divisão do território do país realizada entre Norte e Sul, a espacialidade que era
concebida “naturalmente” sede lugar a uma criação artificial, a invenção de uma nova
região, já enunciada pelo combate à seca no fim do século XIX. O Nordeste é fruto de
um novo olhar regionalista, a utilização de um novo discurso que se desprenderá da
visão provinciana advinda do regionalismo naturalista, que colocava as condições
definidoras desses espaços como provenientes do meio, o clima, o relevo, a vegetação, e
também uma questão racial. Esse olhar é instigado pelas novas determinações das
fronteiras espaciais no Ocidente, pois as novas definições epistemológicas incubem os
espaços como pertencentes ao processo histórico.
No Brasil surgi à necessidade de um conhecimento do todo de seus espaços,
partindo da elaboração de discursos do próprio meio para o compreende-lo, mas grandes
dimensões territoriais do país e a escassez dos meios de transporte e de comunicação
dificultavam o conhecer de uma região em relação à outra, sempre se olhando como
estranhos, criando estigmas entre si. A partir da década de 20 com a necessidade de
conhecer os diferentes regionalismos, são elaborados estudos e viagens, grande parte do
que se sabia no Sul desta região eram discursos produzidos pelos jornais paulistas, que
sempre mostravam uma visão depreciativa de um lugar pobre, maltratado pelas mazelas
que assolam aquela região. As imagens criadas por esses discursos estavam a serviço de
um sistema de poder na qual pretendia homogeneizar o regionalismo paulista como as
características nacionalistas.
A nova região vai ser configurada em meio a uma nova formação discursiva que
buscava a criação de uma identidade nacional-popular, mas a busca por essa
homogeneização vai acentuar a fragilidade e arraigar ainda mais as diferenças e as lutas
pelo reconhecimento que cada uma delas buscava os elementos escolhidos para
representar o Nordeste são feitos inertes em relações de poderes, que justificava o
interesse de forcas exteriores e interiores a esse espaço, que segundo Albuquerque
Junior:

150
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A questão da identidade nacional põe, na ordem do dia, das diferentes


identidades regionais no país, que devia ser destruídas para uns e
reafirmadas para outros, já que para a visão moderna a identidade é
uma essência que se opõe à diferença, vista como superficial, ela é um
“ser”, uma função invisível e central. A imagem da região precisa,
portanto, ser elaborada, seguindo estratégias variadas, sendo, portanto,
móvel. O discurso regionalista não mascara a verdade da região, ele a
institui. Ele, neste momento, não faz mais parte da mimese da
representação que caracterizava a epistéme clássica e que tomava o
discurso como copia do real; na modernidade esse discurso é regido
pele mímese da produção em que os discursos participam da produção
de seus objetos, atua orientado por uma estratégia política, com
objetivos e táticas definidos dentro de um universo histórico,
intelectual e ate econômico especifico. O Nordeste é uma produção
imagético-discursiva formada a partir de uma sensibilidade cada vez
mais especifica, gestada historicamente, em relação a uma dada área
do país. E é tal a consistência desta formulação discursiva e imagética
que dificulta, ate hoje, a produção de uma nova configuração de
“verdades” sobre este espaço. (ALBUQUERQUE JR, 2011, p. 62).

As definições de determinadas práticas imagético-discursivas “regionalistas”


permitiram a construção de relações de saber e poder, procurando atribuir valor a região
por meio do discurso da seca, que se via necessário instituir como homogêneo, uma
imagem e enunciado que apresentaria uma verdade, descartando os vários Nordestes,
assim ganhando o objetivo esperado, em relação ao discurso controlador na busca pelo
poder, Foucault coloca:

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo


tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
numero de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e
perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade. (FOUCAULT, 2014, p. 8-9)

No Nordeste os interesses limitados pelas oligarquias as fronteiras dos Estados,


transcendem esses espaços para a construção de um espaço mais importante para todos,
a região. Espaço que tem suas bases defendidas por elites políticas, e também por
intelectuais que se sentiam desfavorecidos em meio às essas relações de poder, seja, na
política, na economia e na cultura. A literatura regionalista se mostra de grande
importância como definidora de elementos para a identidade regional. Esta literatura do
inicio do século XX, lança um novo olhar sobre o regional diferente da visão naturalista
que já existia no século anterior, construía-se agora um naturalismo-realista,
evidenciando as características tropicais, emocionais, etc., o grande expoente foi

151
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Euclides da Cunha com o livro Os Sertões, 1906, que busca no interior, no homem
nascido do sertão, aquele que realmente detém as características da identidade nacional.
Para se contrapor as produções desse cunho surgi à produção Modernista em São Paulo,
que se alimenta do regionalismo desse espaço, lugar onde prevalece agora o moderno, o
avanço, a superioridade, em relação à região Nordeste, e a produção literária
regionalista-naturalista.
O Nordeste nasce em meio a uma depreciação existente entre Norte e Sul,
crescente desde o século anterior, diferenças justificadas pelos paradigmas naturalistas
que permeavam essa época, da qual a raça e o meio justificavam a superioridade de um
e a inferioridade do outro, uma região avançada e a outra estagnada. Com base na teoria
eugenista, Oliveira Vianna afirma em seu discurso a superioridade de São Paulo em
relação ao Norte, pois, se encontrava ali a fonte do arianismo nacional, e só restava ao
Norte à condição de subordinado. A influencia do meio sobre o Norte vai se tornar a
grande arma política, a seca ocasionada pelo clima, ganha visibilidade com a seca de
1877-79, tornando-se elemento para a exigência de recursos financeiros, cargos no
Estado. Alem da seca, outros problemas que ali surgiram também são atribuídos ao
meio e ate mesmo considerados reflexos da seca, como o banditismo, os movimentos
messiânicos, o atraso na economia, e os males sociais.
Partindo dos estudos feitos por Albuquerque Junior, percebe-se que a região
Nordeste é um espaço fundado historicamente, não é algo inerte na natureza, é um
constructo possível a partir de praticas discursivas e imagéticas que justificam a
espacialidade hoje conhecida:

Longe de considerar esta região como inscrita na natureza, definida


geograficamente ou regionalizada “pelo desenvolvimento do
capitalismo, com a regionalização das relações de produção”, que é
outra forma de naturalização, ele busca pensar o Nordeste como uma
identidade espacial, construída em um preciso momento histórico,
final da primeira década do século passado e na secunda década, como
produto de entrecruzamento de praticas e discursos “regionalistas”.
Esta formulação, Nordeste, dar-se-á a partir do agrupamento
conceitual de uma serie de experiências, erigidas como
caracterizadoras deste espaço e de uma identidade regional. Essas
experiências históricas serão agrupadas, fundadas num discurso
teórico que pretende ser o conhecimento da região em sua essência,
em seus traços definidores, e que articula uma dispersão de
experiências cotidianas, sejam dos vencedores, sejam dos vencidos,
com fragmentos de memórias de situações passadas, que são tomadas
como prenunciadoras do momento que se vive, de “ápice da
consciência regional”. (ALBUQUERQUE JR, 2011, p. 33).

152
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Discursos e imagens que surgiram como reação as políticas de nacionalização,


fundamentadas sobre uma tradição, a saudade de um espaço de outrora, dos grandes
produtores rurais, que entraram em decadência, pelo processo modernizador e industrial
instaurado no Sul do país. É um espaço que nasce de uma reação entre região versus
nação, um espaço fragmentado do Norte, um recorte advindo das políticas de combate a
seca delimitada pelo IFOCS (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas), território
assolado por secas, ganha significado no final do século XIX, o que a torna em primeira
medida uma filha da seca.
O Nordeste enquanto região passa a ganhar legitimidade agora pelos fatos
históricos principalmente de ordem cultural, não mais um dado natural, produto do
meio. Nova configuração iniciada pelo Congresso Regionalista de 1926, tendo como um
dos principais expoentes Gilberto Freyre, movimento que inaugura o chamado
regionalismo tradicionalista, que passa a inventar a região aquém do natural, delimitado
por ser afetado pelas secas e demais mazelas daquele lugar, mas um constructo
realizado desde o século XVI, por influencias culturais e sociais que já o diferenciava
das demais regiões, como a influencia holandesa e os movimentos insurrecionistas que
aconteceram principalmente em Recife, um lugar de culminância e representatividade
desse movimento regionalista, alem da influência para o campo intelectual com a
criação da Faculdade de Direito do Recife e o papel do Diário de Pernambuco.
Assim:

O discurso tradicionalista toma a história como o lugar da produção da


memória, como discurso da reminiscência e do reconhecimento. Ele
faz dela um meio de os sujeitos do presente se reconhecerem nos fatos
do passado, de reconhecerem uma região já presente no passado,
precisando apenas ser anunciada. Ele faz a história o processo de
afirmação de uma identidade, da continuidade e da tradição, e toma o
lugar de sujeitos reveladores desta verdade eterna, mas encoberta.
(ALBUQUERQUE JR, 2011, p. 93).

O novo regionalismo busca na tradição, no passado, o resgate da memória a


única alternativa para salvar a identidade de um povo na qual tem se perdido pelas
forças destruidoras da modernização, das maquinas, do frenesi causado pelos espaços
urbanos. A construção desse discurso disciplinador, de saudade, de costumes e hábitos
vividos outrora, capaz de resgatar o homem nordestino das transformações e levá-los ao
verdadeiro Nordeste, foi realizada por diversos intelectuais e artistas, e em períodos

153
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

variados. Movimento iniciado pelo sociólogo Gilberto Freyre e a “escola tradicionalista


de recife”; o papel dos romancistas e poetas das décadas de vinte e trinta nas figuras de
José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, José Américo de Almeida, Ascenso Ferreira e
Manoel Bandeira; na década de quarenta adiante o papel da musica de Luiz Gonzaga,
Zé Dantas e Humberto Teixeira; e na década de cinquenta o trabalho teatral
desenvolvido por Ariano Suassuna. Visões do Nordeste que em muitos aspectos se
divergiam como em qual parte da região estaria à legitimidade da identidade nordestina,
o litoral, a zona da mata ou o interior representado pelo sertão, mas que tem em comum
a representação e construção do mesmo espaço, o Nordeste.

Considerações finais

Este espaço surgiu como um objeto de saber, possível por uma discursividade,
utilizando-se de um reflexo do meio natural, a seca, usando as possibilidades oferecidas
por esse discurso para instituir um determinado saber, um objeto possível por imagens e
enunciados, que emerge e torna-se uma problemática, um pensamento formado por
práticas discursivas e não-discursivas. Uma construção imagética formada por uma
discursividade regional iniciada ainda no século XVIII com o regionalismo naturalista,
estabilizando-se de com o discurso da seca propiciado com a grande estiagem de 1877-
79, o discurso da seca foi apropriado pelas elites políticas e posteriormente pelo
regionalismo tradicionalista, na busca por beneficiamentos e a consagração do espaço
regional.
Uma região construída por uma visibilidade e dizibilidade, em cima da memória,
criando uma reação ao poder dilacerador do tempo e da história, uma luta contras as
forças transformadoras do moderno, construindo e instituindo para a região, um espaço
natural, estável, imutável, atemporal, que o homem do presente e do futuro vivesse
sobre os moldes de uma temporalidade resgata pela saudade, tomando como natural as
misérias, as injustiças, o mandonismo, os estereótipos, a docilidade, que retratam os
intelectuais e artistas.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. 5.


ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

_______. Nos Destinos de Fronteiras: história, espaço e identidade regional. Recife:


Bagaço, 2008.
BARROS, José D’Assunção. História, Espaço e Tempo: interações necessárias. Belo
Horizonte: VARIA HISTÒRIA, vol. 22, nº 36, p. 460-476, 2006.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008.
_______. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em
2 de dezembro de 1970. 24. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.
_______. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
1997.

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TESSITURAS DA MORTE E RITUAIS DE PASSAGEM EM SÃO JOÃO DO


RIO DO PEIXE NO FINAL DO SÉCULO XIX

Maiza Ribeiro de Sousa1


Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Ceballos2

Introdução

Os registros de óbitos nos permitem analisar uma história a partir das visões de
mundo. A fonte deve ser entendida como um produto de uma época, carregada de
sentidos, significados e sensibilidades que envolvem o óbito. Morrer no século XIX em
São João do Rio do Peixe, é provar ser um bom cristão, morrendo na esperança de uma
vida do lado de Deus, em busca da salvação, no qual se estabelece um modelo de “bem
morrer”, uma vez que esse sentimento é percebido através da “morte domada”, como
bem discute Ariès (2003).
Os registros de óbitos começaram a ser registrados na Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário, em São João do Rio do Peixe, a partir do ano de 1864. Pode-se
dizer que antes disso, São João era subordinado a freguesia de Sousa e através da Lei nº
963 de 28 de novembro de 1863, o templo religioso torna-se paróquia. Assim, terminado
a ampliação do templo santo, a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário a partir do ano
do ano de 1864, começa a fazer os seus registros.
Para este trabalho, tomamos a morte como ponto de partida. Discutimos a morte
de José Vicente Oliveira, Justina Maria da Conceição, Narcisa Preta (escrava), Vicência
Leopoldina de Sousa, Maria José e do párvulo Manuel. O interesse por essas mortes é
de refletir a mentalidade cristã em São João do Rio do Peixe, pois era um lugar
embebedado pela fé, no qual os discursos religiosos funcionavam como um alimento
para o corpo e a alma.
É dado a perceber, que durante o século XIX, o pequeno povoado tinha como
fonte de economia a agricultura, como os usos da terra para a plantação de milho, feijão,
arroz e no século XX o algodão. São João do Rio do Peixe no século XIX, era

1
Graduanda na Universidade Federal de Campina Grande, Campus Cajazeiras- PB. E-mail:
[email protected]
2
Professor Adjunto da Universidade Federal de Campina Grande, Campus Cajazeiras-PB. E-mail:
[email protected]
3
Sobre o processo de desmembramento, aonde a paróquia de São João torna-se independente e começa a
fazer seus registros de casamentos, batizados e morte, torna-se importante ler o livro “São João na
Colônia e no Império: Fazenda, Povoado e Vila, 1691- 1889”. Abreu (2015, p. 283)

156
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

constituído por um espaço tipicamente rural, onde as pessoas estavam imersas em


costumes camponeses, visões próprias de um mundo que era permeado por crendices e
superstições. Um lugar em que as práticas diante a morte se repetem, mudando apenas
alguns aspectos, como os enterramentos do interior da igreja para o cemitério, no qual
os mortos passam a ter um novo papel na sociedade, apartando-se do modelo de morte
suja e passando para uma morte civilizada.
Para melhor compreensão sobre a morte, temos os trabalhos de João José Reis
(1991), Philippe Ariès (2003/1889), Michel Vouvelle (2004) e José Carlos Rodrigues
(2006). Esses autores possibilitaram travar uma discussão sobre o modelo de morte
estabelecido no Brasil oitocentista, como também entender os sentidos e significados
que se constroem em torno da morte.

São João do Rio do Peixe na segunda metade do século XIX (1864/1873)

A Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário guarda em seu acervo o Livro de


Tombo do ano de 1885. O livro encontra-se bem conservado e nos apresenta as
demarcações daquele espaço durante o século XIX. Os seus limites estão bem próximos
das províncias do Ceará e Rio Grande do Norte, assim como da região de Sousa e
Cajazeiras.
O vocabulário do livro também mostra um elemento importante dentro do
território dos sertões, que são as estradas, na qual permitem o trânsito desses sujeitos.
As estradas são vias de acesso aos espaços, caminhos que possibilitam também a
formação de alianças com as freguesias próximas e seus respectivos donos.
O dono das terras, é o que conhecemos pelos fazendeiros (elite local4). Essa
elite tinha um poder de mando local, era homens de poder, que contribuíam
relativamente com a economia local, a partir da criação de animais, como gado 5 e o
algodão. Também das inúmeras riquezas, assim, como terras, casa de tijolos, ouro, prata
e vários escravos a sua disposição.
Era um sociedade em movimento, com costumes ruralizados. Ao lado dessa
elite, detentora do poder local, percebemos as alianças estabelecidas com a igreja
católica. Foram os homes de posses que doaram o terreno para construção do templo

4
Essa elite usava seu poder por meio dos apadrinhamentos políticos, estabelecendo suas as redes de
compadrio dentro desses espaços. Como também, recebia os títulos de almotacés e as patentes de capitão,
coronel e de alferes.
5
Elemento importante para a economia local.

157
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

santo e consequentemente para a sua ampliação. Domingos João Dantas6, era um dos
senhores ricos de São João do Rio do Peixe, foi patrono da Igreja do Rosário e maior
bem feitor. Domingos, por ser tão generoso com o santuário divino, logo tem
privilégios, pois o mesmo é sepultado no arco primeiro da capela do Rosário, tendo sido
enterrado em hábito franciscano no ano de 1853 Abreu ( 2015, p. 271).
Sepultar-se nesses locais era privilégio de poucos, reservado apenas as pessoas
de posse. No momento da morte também é dado a perceber as distinções sociais. No
inteiro da igreja os espaços eram classificados entre ricos, pobres e escravos. O morto
era envolto em seu hábito, colocado em uma rede e posto na grade de carregar defunto e
depois era sepultado da grade para cima, ou das grades para baixo em São João do Rio
do Peixe.
As pessoa ricas eram sepultadas das grades para cima, local que fica próximo do
altar-mor e os pobres e escravos eram sepultados das grades para baixo7. Foi costume
no Brasil oitocentista cultivar essas hierarquias na hora da morte e muitas vezes as
pessoas de mais posses, viam o momento da morte como uma forma de redimir-se dos
pecados, podendo escolher ser sepultado entre os pobres, na nave. Os mesmos também
podiam optar por um gestual simples na hora da morte8.
Domingos foi sepultado no interior da igreja em um lugar de destaque, onde
ficava próximo do altar-mor. Talvez ele também tenha sido sepultado nesse lugar, já
que o padre que administrava a igreja era seu filho, o padre José Gonçalves Dantas. O
capelão José Gonçalves era um homem de posses, o mesmo também fez suas doações
para ampliação do templo.
Logo, os padre eram responsáveis por conduzir o rebanho a partir dos preceitos
da palavra sagrada. Durante o século XIX, em São João do Rio do Peixe, foi percebido
mediante análise das fontes, a participação de seis padres. Esses clérigos foram
responsáveis por registrar os óbitos, estabelecendo assim um controle dos fiéis, como o
padre Amélio Marques da Silva Guimarães, Joaquim Théophilo9 da Guerra, Joaquim
Cyrillo de Sá, Francisco Torres Brasil, Antônio Tomaz de Aquino, este foi substituído

6
Domingos João Dantas Rothéia, recebeu o título de alferes, como também de capitão. Abreu (2015)
7
Os enterramento no interior da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, ocorreram até a primeira
metade do século XIX. Esses assentamentos de óbitos encontram-se na Igreja Matriz Nossa Senhora dos
Remédios em Sousa-PB. Abreu (2015, p. 281)
8
Sobre as transformações urbanas que ocasionaram as mudanças de enterramentos da igreja para os
cemitérios, torna-se importante ler a obra de Renato Cymbalista; Cidade dos vivos: arquitetura e atitudes
perante a morte nos cemitérios do Estado de São Paulo (2002)
9
O padre Joaquim Theóphilo da Guerra, era parente do padre José Dantas. O mesmo envolve-se em
relações amorosas, tendo dessa união três filhos. Abreu (2015, p. 286)

158
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

por Manuel Vieira da Costa e Sá e o Capelão José Gonçalves Dantas10. Eles registraram
e organizaram os registros de óbitos em três livros. O primeiro livro é do ano de 1864 a
1873 (L.01), o segundo é de 1874 a 1883 (L. 02) e o terceiro é do ano de 1883 a 1907
(L03).
Sobre a produção dos livros de óbitos, Filho e Libby (2016, p.11), discutem que
“Até a instalação da República no Brasil, os párocos recebiam do Estado um pagamento
conhecido como côngrua e a manutenção dos registros paroquiais figuravam entre as
principais responsabilidades desses eclesiásticos no regime do padroado régio”. A igreja
católica era a responsável por manter atualizada esse controle dos cristãos, pois eram
esses homens letrados que encaminham o relatório para o bispado, que regulamentava
as instâncias religiosas.
Desse modo, quando começou a ser feito os primeiros registros de óbitos em São
João do Rio do Peixe, o capelão responsável pela administração da igreja, José
Gonçalves Dantas, passou a realizar as missas e a aferir os sacramentos aos fiéis que
precisassem. Segundo Abreu (2015, p. 271) o padre cobrava emolumentos e sempre
fazia a prestação de contas quando era ordenado, seja pelo juiz municipal, como pela
vigário da igreja de Sousa. Esses emolumentos significam que havia uma cobrança por
parte da igreja aos fiéis e principalmente no que diz respeito à assistência religiosa.
Sobre esses aspectos ao que concerne a questão religiosa, é percebido que a
igreja, através de seus discursos, vai aos poucos espalhando o conceito de ser um bom
católico. Segundo Santos (2011, p.4), o bom católico “era aquele que se submetia aos
poderes eclesiais, que a afastava o ‘fetichismo bárbaro’ e cumpria os sacramentos,
prestando verdadeiro culto a Deus”. O verdadeiro católico deveria professar a sua fé,
pois o socorro vem de Deus e é na hora da morte que o homem busca esse socorro, uma
vez que de acordo com a ideia do “bem morrer”, o católico fica preso aos discurso
eclesiásticos, obedecendo e praticando o que a igreja permitia fazer em vias de salvação
da alma na hora da morte.
Assim, dentro dessa sociedade tipicamente camponesa e cristã, as epidemias
redesenhavam o cenário local, fazendo com que a morte surgisse com mais intensidade.
Tratando-se desse contexto, percebemos que as discussões de Agra do Ó (2003, p.11-
12) são bem pertinentes, pois o mesmo traça um perfil da Paraíba no século XIX e como
as doenças causaram uma alteração no modo de vida das pessoas, e também no modo de

10
O padre José Gonçalves Dantas também teve seus amores e dessa relação teve um filho. O clérigo
também foi vereador e presidente da câmera municipal de Sousa. Abreu (2015, p.276-290)

159
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

morrer, pois “O Brasil ao longo do século XIX sempre foi vítima de epidemias, estas
que deixaram povoados, vilas e cidades em pânico, uma dessas ferozes desgraças foi o
Cólera Morbos, que por onde passava deixava seu rastro”.
A partir da discussão do autor e leituras do óbito, percebemos que várias eram as
moléstias que acarretavam esses sujeitos na Paraíba oitocentista. Assim, ao analisarmos
os registros de óbitos, foi visto com mais frequência as doenças como: o mal interior,
maligna, tisica, bexigas, diarreia que ataca mais no inverno, cancro, garrotilho que
matava mais crianças, febres, doença do mundo, parto, mal desconhecido. Sobre essas
moléstias, uma das mais graves era a bexiga.
Vale ressaltar que o bexiguento11 deveria ficar isolado em quarentena, pois a
doença era transmissível. Muitas vezes por não ter um assistência médica e se tratando
do contexto oitocentista, a cura para a bexiga, vinha dos remédio do mato. Logo, o
doente era levado para um lugar no meio do mato e posto em cima de folhas de
bananeiras, que ajudavam na melhora do moribundo.
A doença é o primeiro sinal de morte próxima e em volta da morte podemos
perceber todo o gestual fúnebre, onde comporta as intencionalidades em vias de
salvação. E para isso cabe aos homens buscar esta salvação, pois ele deve munir-se de
orações, ser vigilante e seguir os preceitos da igreja, sendo um bom católico. Desse
modo, inseridos em um contexto social demarcado pelos discursos da igreja e de um
catolicismo provindo de uma ambiente rural, aos poucos os homens vão aprendendo a
rezar, cuidar do morto, a perceber que alguns rituais facilitam o contato com Deus.
Assim, o gestual que envolve a morte e todas as organizações em torno da morte,
seguem um único pensar- a salvação da alma.

Tessituras da morte: o gestual fúnebre no século XIX

Sobre os óbitos, as Constituições abordam várias questões religiosas, expondo


um modelo de como se deveria registrar os óbitos, modelo este que foi presente em São
João do Rio do Peixe no século XIX. Segundo as Constituições Primeiras, o livro de
assento do falecido deve seguir o vocabulário seguinte:

Aos tantos (2) dias de tal mez, e de tal anno falleceo da vida presente
N. Sacerdote Diacono, ou Subdiacono; ou N. marido, ou mulher de

11
Aquele que está doente de bexiga.

160
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

N., viúvo ou viúva de N., ou filho, ou fiha de N. de lugar de N,


freguez desta ou de tal Igreja, ou forasteiro, de idade de tantos anos,
(se comodamente se puder saber) com todos, ou tal Igreja: fez
testamento, em que deixou se dissessem tanta missas por sua alma e
que se fizessem tantos Officios; ou morreo ab intestado, ou era
notoriamente pobre, e por tanto se lhe fez o enterro sem lhe levar
esmolas (CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS, TÍTULO XLIX, p. 202)

O óbito é um pequeno registro que vale muito, pois para um estudo da história
da morte o mesmo torna-se fonte primordial. Os óbitos da Igreja Matriz de São João do
Rio do Peixe apresentam os dados vitais da pessoa, qual o tipo de assistência
(sacramentos, ofícios), cor da mortalha, estado civil, nome do cônjuge e nome dos pais
caso não seja casado, onde foi sepultado e se foi em uma catacumba, qual catacumba e
se era de alguma irmandade. O óbito mostra se era párvulo, adulto, escravo ou retirante.
Apresenta-nos também o motivo do óbito (doenças, assassinato, queimado e se
morreu subitamente). Algumas vezes indica a condição socioeconômica do defunto e
sua profissão. Também indica se houve missas, onde faleceu e se faleceu no domicilio12.
Portanto, em um pequeno registro pode-se perceber todo um sentido e cuidado com o
morto na hora que a morte se aproxima.
O registro de óbito revela sensibilidades frente o trato com os mortos. Pensando
nessa ideia de sensibilidades, Pesavento (2007) discute que as sensibilidades, são sutis,
difíceis de capturar. Os registros de óbitos são documentos que muitas vezes passa
despercebido a luz de nossos estudos. Esse curto registro carrega traços do cuidado com
os mortos, de uma sociedade que tinha uma estreitamento maior com o fim, de uma
mentalidade cristã, envolvida pelas crenças e medos frente o último adeus. O registro
não reflete apenas uma história demográfica, mas nos contam histórias e traz sentidos e
significados no trato com os mortos e diante da morte.
A fonte obituária nos faz conhecer um pouco do gestual, os significados que os
mesmos carregam dentro de uma determinada sociedade. Reflete o modelo e padrões
estabelecidos de mortes, como de uma boa morte13. É percebido que através dessa
organização, tem-se as crenças no céu, inferno e purgatório. Para o pensamento cristão,

12
Os registros de óbitos não apresentam de forma clara o que foi o domicilio. Sua presença é percebida a
partir do ano de 1884. Acreditamos que o mesmo tenha sido uma espécie de lazareto que cuidava dos
moribundos. A presença desse espaço, dar a perceber que doente deixava seu quarto para morrer neste
outro lugar. Assim, a morte deixa de ser “domada”, ganhando um caráter de interdito como já apontou
Ariès (2003).
13
Segundo Reis (1991, p. 92), a boa morte significa que o fim não chegaria de surpresa para o
indivíduo, sem que ele prestasse contas aos que ficavam e também os instruísse sobre como dispor de seu
cadáver, de sua alma e de seus bens terrenos.

161
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

esses cuidados tem a serventia de facilitar a passagem, principalmente se for


acompanhado de algum tipo de aparato religioso
A partir das análise das fontes, percebemos que do ano de 1864 a 1873, em São
João do Rio do Peixe, era estabelecido um modelo de morte já discutido por Ariès
(2003) e Chiavenato (1998). Os autores apresentam um modelo de morte que ele chama
de morte domada. Essa é a morte que acontece no conforto do lar, no quarto do
moribundo, onde morre-se arrodeado dos parentes e amigos, como também tem a
presença do padre.
Nesse contexto, Ariès (1982, p. 329-334), discute que aos poucos vão
acontecendo mudanças em torno da morte, pois o quarto vai perder sua importância,
restando apenas a piedade dos familiares para com o jacente. As pessoas tomam
conhecimento que a vida terrestre é uma preparação para a vida espiritual e assim é
preciso ficar sempre em estado de preparação para uma boa morte. Sendo assim, esse
homem não vai somente ficar no seu quarto esperando a morte chegar, ele agora vai
ficar vigilante, preparar-se mais para a vida ao lado de Deus.
Nesse sentido, ao torna-se mais vigilante, entra com maior força os discursos
eclesiásticos, em que a igreja reforça como ser o bom cristão, no qual o homem a todo
instante deve munir-se de orações para garantir seu lugar no céu. Partindo desse ponto,
percebemos que Vouvelle (2004) acredita que há toda uma rede de gestos e ritos que
acompanham todo o percurso da morte, seja da agonia até a sua última morada.
Em relação a essas organizações em torno da morte, Rodrigues (2006, p. 102)
discute que , era uma morte vivida coletivamente e concebida como questão
comunitária. O homem tem mais consciência da morte e por isso deve-se morrer entre
os próximos, em um ambiente regado pelo amor e carinho de familiares e amigos, como
também com a presença dos padres. A morte medieval era um morte coletiva, pública.
Essa morte comunitária, também apresenta suas similitudes com a morte em São João
do Rio do Peixe.
A morte em São João também acontecia no “conforto” do lar, onde ao primeiro
sinal de doença buscava-se o auxílio na igreja, ou “remédios do mato” com as
rezadeiras. Familiares e amigos se reúnem junto do doente e como era costume,
começava as vigílias fúnebres, pois não podia morrer sozinho. A morte era pública,
vista como uma passagem, um renascimento desta para a outra vida, junto de Deus.
Segundo Rodrigues (2006, p. 102), de acordo com o pensamento cristão acredita-se na
vinda de Cristo e que enquanto aguardam o momento da ressureição os mortos dormem.

162
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Sendo assim, acreditando na salvação da alma e na boa passagem para junto do


criador, aos 20 de janeiro de 1864, é lavrado o primeiro óbito na Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário. O vigário Joaquim Theóphilo da Guerra registra o falecimento de
José Vicente de Oliveira, que morreu de vida presente, tendo recebido sacramento da
penitência. José era branco, que foi casado com Gertrudes Maria da Conceição. Eles
eram moradores no Araças, desta povoação. José tinha 35 anos de idade e era carpina.
Sepultou-se no cemitério desta povoação e foi encomendado pelo vigário Joaquim
Theóphilo da Guerra. 14
Já, aos 20 de abril do ano de 1864, morre de parto Justina Maria da Conceição 15.
Justina era da freguesia de Sousa. Era casada com Felix Rodrigues Seixas. A mesma
partiu usando hábito branco, foi encomendada e recebeu os sacramentos da penitência e
extrema-unção administrados pelo vigário Joaquim Theóphilo da Guerra.
Aos 10 de maio de 1864, faleceu do cólera morbos a adulta Narcisa preta, casada
com Francisco.16 Narcisa era escrava de Antônio Dantas Rothéia. A escrava tinha 60
anos, recebeu os sacramentos da penitência, foi encomendada, sepultada no cemitério
desta povoação de São João, e partiu desta para a outra vida amortalhada em branco.
No dia 4 de maio do ano de 1864, foi a vez de Vicência Leopoldina de Sousa
partir.17 A mesma era de cor branca, tinha 40 anos e era casada com Antônio Raymundo
de Souza. Recebeu os sacramentos da confissão, estes foram administrados pelo padre
José Gonçalves Dantas, a mesma também foi encomendada, sepultada no mesmo
cemitério que Narcisa, a partiu usando a mesma cor de mortalha.
Eis que também é chegada a hora da adulta Maria, que era filha legitima de
Silvério de Brito, e moravam nesta povoação.18 Maria, aos 18 anos, morre de maligna,
usa na hora de sua morte um hábito de cor preta, é encomendada pelo vigário Amélio
Marques e segue para seu enterramento. Maria foi enterrada na primeira catacumba da
irmandade19, que ficava na parede ao norte.
De forma trágica morreu José Gonsalves, que tinha 30 anos. 20 José era casado
com Alexandrina do Espírito Santo, moradores no sítio montanhas, desta mesma

14
1864, fls1f
15
1864, fls2f
16
1864, fls2v
17
1864, fls2v
18
1866, fls13f
19
O registro de óbito não identifica qual foi a irmandade
20
1869, fls52v

163
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

povoação. Aos 06 de maio do ano de 1869, José foi assassinado, partindo


repentinamente desta para a outra vida em hábito de cor branca.
No mesmo ano de 1869, dia 25 de fevereiro, familiares e amigos se despedem
do párvulo Manuel21. Manuel tinha apenas 10 dias e era filho legitimo de Henrique
Abreu da Costa. Diante sua fragilidade, o mesmo é acarretado por uma febre, e não
tendo melhoras morre devido à gravidade da doença. Manuel foi sepultado no cemitério
do Arrojado, região também próximo a São João. No óbito ainda consta que ele foi
leprozado22 por um secular.
Durante o século XIX, em São João do Rio do Peixe, todos os cuidados eram de
grande revelia para que segundo o pensamento cristão a passagem acontecesse da
melhor maneira possível. O cuidar envolve sentimento, significados, seja para a família
do morto como para o defunto. Tomar cuidado para com o morto envolve
sensibilidades, que estão perpassadas por uma mentalidade cristã, no qual busca um
caminho rumo a eternidade, ou seja, ao paraíso celeste. Por isso nenhum detalhe poderia
passar despercebido, principalmente para José, que morreu tragicamente, sem antes
receber nenhum sacramento ou oficio, como também não teve como despedir-se da
família.
Uma morte trágica não é algo bom para a alma, e por isso a organização dos
familiares em torno do morto, principalmente com as orações tornavam mais intensas.
Ora, José partiu dessa vida para a outra munido de um elemento que possibilita uma
esperança de poder comunicar-se com Deus. José partiu usando a mortalha branca,
assim como Narcisa Preta, Justina, José Vicente e Leopoldina.
Todos esses fiéis cristãos partiram em busca da salvação. A cor branca sinaliza
paz. Aponta também, como já disse Reis(1991) e Vailete (2010), que está associado a
Nossa Senhora; como também reflete a pureza e, por isso, muitas crianças sepultavam-
se de branco. Em São João do Rio do Peixe, o branco era a cor mais procurada entre os
fiéis. Do livro de óbitos que analisamos foi percebido que 553 pessoas recorreram aos
benéficos que traz a cor branca na hora da morte.
Já Maria, que morreu aos 18 anos de idade, partiu usando a roupa de cor preta.
Possivelmente Maria, fez uso dessa cor, porque no seu momento final a irmandade teve
um papel relevante. Maria foi assistida pela irmandade e por isso o morto partia usando
a cor da roupa que era empregado pela confraria. Então, como diz Reis (1991, p. 53):

21
1869, fls53f
22
O registro de óbitos não identifica o que foi “leprozado”. Acreditamos que este termo trata-se da lepra.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

“Havia irmandades de brancos, pretos e de pardos”. Cada irmandade tinha uma forma
de organização, como também uma cor para a morte, seja preto, branco ou cores de
santos. Dependendo do poder da irmandade, esses enterramentos, poderiam ser guiados
por vários padres.
As irmandades tiveram um papel muito importante no Brasil oitocentista na hora
da morte. As confrarias davam a assistência aos defuntos, dando-lhe um sepultamento
cheio de aparatos religiosos, muitas vezes pomposos e o morto era sepultado em
catacumbas. As irmandades também tinham suas covas dentro da igreja e isso era
permitido através das dioceses.
Segundo, Cymbalista (2002, p.38), “conforme cresciam os adeptos das
irmandades, e as mesmas iam tornando-se mais poderosas, também construíam suas
próprias igrejas”. Não sabemos quantas irmandades se fizeram presentes em São João
do Rio do Peixe, prestando assistências aos defuntos. O registro de óbitos, apenas nos
apresenta que o defunto foi sepultado na catacumba da irmandade, indicando apenas o
lugar em que a mesma estava situada dentro dos cemitérios, que nos anos de 1874 já
haviam nos cemitério de São João, três catacumbas.
Assim, sobre as tonalidades presentes na organização dos registros, vale
salientar que as cores de Santos foram vistas até o momento através das fotografias, que
encontram-se em arquivos particulares, como os álbuns de família. Percebemos que
algumas pessoas foram amortalhadas de hábitos franciscanos. Nos óbitos encontramos
as cores brancas, pretas, pardas e azul. Então, para o primeiro livro de óbitos, a busca
pelo preto alcança o segundo lugar na hora da morte, pois de um total de 756 fiéis que
partiram usando mortalhas, 140 pessoas foram amortalhadas de preto na hora da morte e
para a cor parda apenas uma pessoa fez uso.
O preto em sua maioria está associado ao luto. Mas para a sociedade analisada
nos estudo de Reis (1991, p. 127), o preto era usado nas pessoas de maior posse, pois
branco era uma cor que cabia no bolso dos mais pobres. Mas isso não quer dizer que
apenas os pobres faziam uso do branco, pois como bem já foi salientado, a mortalha
branca é carregado de um simbolismo e significados para quem faz o seu uso.
Devemos perceber que a escolha da roupas fúnebres já demonstra que havia uma
sensibilidade, como uma preocupação dos familiares em organizar o funeral. A família
logo cuida da casa, de anunciar entre os vizinhos que na comunidade mais um dá o seu
último adeus. Logo, prepara-se a comida para os que iam visitar o morto e passar a
noite. Também tem o banho do defunto, cortar os cabelos, unhas e se for homem, tira-se

165
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

a barba. Quando o defunto estiver na beira da morte, logo chama-se o padre para
absolvê-lo. Tudo isso faz parte dos ritos de incorporação e separação, no qual vertem-se
a lógica do enterro Reis (1991, p.89).
Por isso que na hora que o morto estiver no seu leito, deve chamar logo o padre
para encomenda-lo. No óbito do párvulo Manuel não consta nenhum oficio, pois no
tratando-se de crianças, o batismo bastava para sua salvação. Habitualmente no século
XIX e XX em São João do Rio do Peixe, era costume enterrar as crianças 23 no mato e,
talvez por isso, a família de Manuel não tenha chamado o padre para encomenda-lo, ou
alguém que tinha conhecimento de rezas, pode ter feito a assistência ao pequeno
párvulo.
No caso de adultos é preciso que a assistência seja intensificada com os
sacramentos. Assim como os da penitência, estes que foram administrados em José
Oliveira e em Justina, que recebeu o sacramento da penitência e extrema-unção. Narcisa
preta, escrava, também recebeu o sacramento da penitência. Já Leopoldina foi
confessada pelo padre José Gonçalves Dantas e quase todos foram encomendados pelos
vigários.
Contudo, apenas uma pessoa responsável poderia administrar o alimento
sagrado. O padre direcionava-se até a casa do enfermo e no leito de seu quarto proferia
os sacramentos. Leopoldina escolheu o padre de sua preferência, e quem tivesse mais
posses também podia escolher o enterro e principalmente quantas missas em intenção de
sua alma. Esses sujeitos perceberam que para a passagem é preciso estar purificado dos
pecados e por isso a figura religiosa era importante. De acordo com a igreja era preciso
administrar os sacramentos, como também os ofícios (encomendação e missas). Reis
(1991) nos explica que apenas o padre poderia administrar a extrema-unção, pois o
sacramento era um empurrão para a outra vida. Desse modo, percebemos que:

Os sacramentos perdoavam as culpas pendentes do enfermo, culpas


esquecidas durante a confissão, mas também poderia resultar em sua
recuperação física, “quando assim convém ao bem da alma”. O ato os
objetos e atores eram também definidos. Só um pároco ou , em seu
impedimento, um “sacerdote aprovado” poderia administrar a
extrema-unção. (REIS,1991, p. 103)

23
A partir dos registros de óbitos, percebemos que ser criança em São João do Rio do Peixe, no final do
século XIX, era até os cinco, ou seis anos de idade. Logo, com sete anos o sujeito é percebido como
adulto.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O padre deveria ir à casa do moribundo munido de todos os instrumentos


necessários para o bem da alma. Segundo as Constituições, era preciso socorrer com a
assistência espiritual o moribundo, o padre deveria ir vestido de sobrepeliz e estola
rocha, levando nas mãos os Santos Óleos em sua ambula com toda a decência
(CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS, Titulo XLVIII, p. 83).
Nesse sentido, a respeito da organização do livro de óbitos e do que consta em
registro, percebemos que a assistência religiosa era um dos elementos que compõem os
arranjos do gestual, um dos mais importantes, pois para os féis a todo momento viver
era uma provação. Azzi (2008, p. 46) discute sobre essa mentalidade cristã e
principalmente da religião doméstica, em que a figura do demônio era apresentado
como inimigo do gênero humano. Por isso, era importante manter-se vigilante, rogar
sempre aos santos de devoção, ir as missas, ser fiel a igreja e seguir os seus preceitos,
pois o único caminho para a salvação estava no catolicismo.
Ainda sobre a assistência religiosa, percebemos que houve um maior número de
pessoas em busca dos ofícios fúnebres (encomendação). Em suma maioria durante o
século XIX, esses sujeitos recorreram aos ofícios, como a encomendação, uma vez que
podia ser apenas encomendado ou encomendado solenemente. Então, muitas vezes
diante a gravidade da doença não dava tempo o padre chegar até a casa do moribundo e
encontra-lo com vida, e o mesmo acabava recebendo apenas a encomendação. A
encomendação poderia ser em casa ou na igreja.
Para quem tinha mais pecados ou pelo medo do que poderia encontrar no
caminho, percebemos uma procura pelos sacramentos, seja da confissão, extrema-unção
e penitência. Vale ressaltar que todos estes sacramentos, eram acompanhados pela
encomendação. Nesse sentido, é dado a perceber que uma parcela mínima desses
sujeitos receberam os sacramentos e principalmente os escravos, que pouco foram
privilegiados com o alimento que facilitaria a salvação da alma, segundo o pensamento
cristão. Mediante análise das fontes, podemos identificar a essência da fé e a busca pela
remissão dos pecados, pois dentro dessa religião doméstica, elementos para munir-se
contra os demônios não faltavam, principalmente nas rezas.
Essa rede do gestual fúnebre possibilita- nos compreender essas tessituras em
torno da morte. Todas essas formas de organizações estão circunscritas na mentalidade
cristã, que foi perpassadas pelas orações e crenças na hora da morte. O defunto deve
seguir a viagem preparado, e é por isso que a roupa e a assistência religiosa é
conveniente para o bem morrer e o bom descanso.

167
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Em relação aos cuidados na hora da morte, a discussão de Chiavenato (1998,


p.61) em relação as crenças sobre a morte são bem interessantes, pois o mesmo diz que
no trato com a morte o defunto não pode levar nada, inclusive ouro pois pode voltar. Na
hora de cuidar dos mortos, nem todos tocam no cadáver, apenas a família e pessoas
especializadas, como figuras religiosas podem cuidam do morto. O mesmo não pode
levar nada desse mundo para o outro, pois caso leve, a passagem não é concluída e há
um regresso desse morto, em que o mesmo torna-se alma penada. Também, o morto não
pode partir e ficar com dividas. As dividas devem ser liquidadas, pois também corre o
risco do mesmo voltar24.
Já, conforme as crenças apontadas nos estudos de Reis (1991) além de vestir o
morto com as mortalhas, o finado deve ir calçado e não levar nenhuma terra nos pés
desse mundo para o novo, pois caso o levasse, dificultaria a passagem. Por isso, nos
velórios, até hoje essa crença perdura na região de São João do Rio do Peixe,
principalmente nas zonas rurais, no qual é recomendado que o defunto deve partir
usando sapatos novos.
No Nordeste brasileiro existe certas peculiaridades na hora da morte, uma vez
que essas relações mudam conforme cada cultura e sua relação com a morte e os
mortos. Assim, em seu livro “A morte uma abordagem sociocultural”, Chiavenato
(1998, p. 61) faz um apontamento interessante sobre essa relação dos homens com a
morte: “O defunto nordestino recebia a homenagem das “excelências” e dos “benditos”,
cantorias que não podiam ser interrompidas quando começadas, por que Nossa Senhora
se ajoelhava para ouvir”. Então, era a Nossa Senhora que na hora da morte recorria-se,
eram as rezas e todas as formas de comunicar-se com Deus que se buscava-se, pois
desde cedo os são-joanenses aprenderam a temer a Deus e a buscar a salvação,
principalmente nas orações, e estas que eram intensificadas no templo sagrado e com a
figura do padre.

À guisa de conclusão

24
O regresso do morto, acontece se o mesmo for enterrado com algo desse mundo, como ouro nos dentes,
objetos dentro do caixão, ou se for com sapatos usados e nesses contenham resquícios de terra do mundo
dos vivos. Também se o morto ficou devendo algo, seja financeiro ou promessa, ele pode voltar. Esse
regresso pode ser feito em sonhos, como em aparições a alguém. Acredita-se que o morto não descansa
até que retirem os objetos de seu cadáver, liquide as dívidas e pague as promessas.

168
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O vocabulário dos óbitos elucida a grandeza do cotidiano, dos sentimentos, das


percepções dos cristãos frente à morte. Essa população do século XIX é o camponês
cristão e fervoroso, que vai à missa aos domingos, que faz suas preces todos os dias, que
clama a Deus na hora da morte, que acende sua velinha em intenção aos mortos e a
Nossa Senhora, como também coloca sua pedrinha nas cruzes na beira da estrada e que
roga por uma boa partida.
Para essa sociedade camponesa, a morte passa a ser entendida como uma
passagem, em que na maioria da vezes dava seu aviso quando estava próxima. A doença
é o sinal de que a morte se aproxima e por isso deve preparar-se, caso contrário se a
morte for repentina assim como a do finado Antônio25, os familiares devem rezar ainda
mais para que sua alma encontre a salvação.
Desse modo, esses costumes fizeram parte dessa sociedade são-joanense e que
até hoje ainda percebe-se resquícios dessa ligação do homem com a morte e os mortos.
Assim, é preciso manter o ritual, pois ele permite a boa passagem da alma, assegura um
bom lugar no paraíso. O ritual deve ser seguido à risca, sacramentar, encomendar,
banhar, cortar cabelos, unhas e barba. É também vestir a roupa fúnebre, velar, enterrar e
rezar muito em intenção da alma do morto.
Mediante leitura dos óbitos é dado a perceber uma sociedade em movimento,
que passava por mudanças. Devemos perceber que o espaço estava passando por
transformações, onde os lugares dos mortos estavam sendo redistribuídos para dentro
dos muros dos cemitérios. A morte suja deixa de existir, e os mortos ganham novos
espaços. Assim, o corpo passa a ser um objeto desviante, passa a incomodar e a morte
passa a ser normatizada e civilizada, obedecendo a uma conduta da igreja e
posteriormente do estado e dos discursos higienistas.
A partir da organização desse registros, é adequado fazer uma discussão sobre a
cultura da morte em São João do Rio do Peixe. A rigor, o óbito é um curto registro, que
abordam dados sequências. Assim, dentro dessa logística, deve-se ver os óbitos e
percebê-los não apenas como meros jogos de palavras, mas como fontes silenciosas,
carregadas de intencionalidades, sensibilidades e sentidos. As fontes obituárias
integram uma dada realidade do vivido, que é dado a perceber os entrecruzamentos das
(crenças, medos, rituais). Assim, procuramos desnaturalizar a morte percebe-la como

25
Registro de óbito referente ao primeiro livro (1864-1873) Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário. O
adulto Antônio dos Santos morreu no ano de 1864. Ele era da Freguesia de Sousa e morreu subitamente.
Tinha 60 anos, era branco e foi sepultado em hábito branco no cemitério desta povoação. O falecido foi
encomendado pelo vigário.

169
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

algo social, onde os cerimonias mudam. Logo, debruçar-se sobre a organização dos
óbitos, é poder ver além do que as fontes podem dar a ler.

FONTES

Livro de óbitos secretária da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, São João do Rio
do Peixe, 1º Livro de óbito ano 1864-1873 (L.01)
Livro de tombo secretária da Igreja Nossa Senhora do Rosário, São João do Rio do
Peixe, 2º Livro de Tombo ano de 1885.

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Vide. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2007.
VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 2004.

170
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

SESSÃO COORDENADA 04 - GÊNERO E SENSIBILIDADES


COORDENADORAS: ROSEMERE OLÍMPIO DE SANTANA, LEILANE
ASSUNÇÃO DA SILVA & SUSEL OLIVEIRA DA ROSA

O OFÍCIO DO HISTORIADOR A PARTIR DA HISTÓRIA DAS


SENSIBILIDADES: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

Maria Joedna Rodrigues Marques1


Orientador: Prof. Dr. Francisco Firmino Sales Neto2

Introdução

Este artigo pretende discutir o oficio do historiador partindo da área do sensível,


que é uma ramificação do campo da História Cultural, visando um novo olhar sobre
personagens ignorados e invisíveis à historiografia. A análise surge da tentativa de
compreender os novos rumos do pesquisador histórico, diante dos desafios e das
possibilidades proporcionadas pela História das Sensibilidades. Como aporte para a
discussão, utilizamos Corbin, “O prazer do historiador” (2005) e Pesavento,
“Sensibilidades: escrita e leitura da alma” (2007), buscando suas posições sobre as
produções e os desafios enfrentados por aqueles que decidem optar pelo caminho do
sensível.
Assim, este texto inicia com uma breve contextualização dessa nova área,
História das Sensibilidades, que abordamos no primeiro tópico. Pensando as propostas
de um novo olhar, nos questionamos de como ofício do historiador pode ser ou não

1
Graduanda em História pela Universidade Federal de Campina Grande/ campus Cajazeiras - PB. E-mail:
[email protected]
2
Professor Doutor da Universidade Federal de Campina Grande/Campus Cajazeiras - PB. E-mail:
[email protected]

171
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

alterado diante dos novos problemas que trazem essa nova perspectiva. Em seguida, no
segundo tópico, diante de indagações que perpassam a escrita e o próprio
posicionamento do historiador, percebemos novas exigências atribuídas por essa área.
Nosso ofício se mostra como resultante de escolhas que vão além dos interesses
do historiador, sendo pautado nas condições e causas sociais; além de uma intrínseca
relação com o mercado, que abriga e orienta algumas produções historiográficas. No
entanto, o foco de discussão tem por base o modo como os historiadores lidaram com
seus objetos de pesquisas pautados em uma escrita das sensibilidades. Assim, a
problemática deste texto é como as novas possibilidades e desafios abrangem o
historiador ao escolher trabalhar na área.
Dessa forma, analisamos aspectos que são fundamentais ao trabalho do
historiador, as novas possibilidades partindo das fontes e de outras áreas de
conhecimento. Lidar com esses vestígios exigem, geralmente, uma interdisciplinaridade
entre a História e disciplinas como Antropologia, Química, Física, Biologia, Psicologia
e a Psicanálise, entre outras. Essa exigência é decorrente da complexidade, do estado
das fontes e para melhor compreensão dos signos presentes nos vestígios ou nas
entrelinhas.
É importante destacar a necessidade de um olhar treinado e o uso da
sensibilidade para analisar e registrar as histórias. Não devemos esquecer que nossas
falas concretizam discursos e marcam posições; É necessário cautela, já que na maioria
das vezes não temos os sujeitos de nossas pesquisas para concordar, discordar, apoiar ou
ser contrário as nossas falas.

Possibilidades e desafios

A História das Sensibilidades se apresenta como uma nova possibilidade de


visualizar o indivíduo ou grupo enquanto suas particularidades, ou seja, a singularidade
proporcionada pelas vivências e sentimentos. O sensível se mostra como caminho
possível a partir da difusão das fontes e dos objetos que ocorrem pela Escola dos
Annales. Com foco na subjetividade, essa área é uma ramificação da História Cultural.
Partindo da forma de como se pensa nesse campo, possui como objetivos problematizar
as representações e imagéticas que marcam e constroem discursos. Segundo Sandra
Jatahy Pesavento, Johan Huizinga apresentou, em 1924, a primeira obra historiográfica
pautada no contexto do sensível. Para ela este:

172
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

[...] lidava com os sentidos conferidos à vida em um momento dado da


história, alertando para diferença entre as formas de agir e pensar dos
homens de uma outra época e a nossa e para as formas de recuperar
estas sensibilidades do passado, para além das tradicionais fontes
usadas pelos historiadores (PESAVENTO, 2007, p. 9).

Assim, Huizinga nos permite analisar que, para a construção do sensível, é


necessário ultrapassar o apego às fontes tradicionais, visto que essas produções não
possuíam um caráter íntimo. A História das sensibilidades se preocupa com
singularidades antes não perceptíveis ou interessantes de serem abordadas nas
produções historiográficas. Além disso, a posição do historiador deve estar atenta ao
lidar com homens de outro tempo e com visões de mundo diferentes e distantes do seu
presente. Como aponta Alain Corbin, lidamos em sua maioria com um particular
distante no tempo e no espaço, assim “Cada sociedade vive no interior de um arcabouço
temporal, e mesmo, cada indivíduo” (CORBIN, 2005, p. 19).
Um elemento primordial na construção de produções vinculadas ao sensível
parte da escolha e interpretação das fontes. Já destacado por Huizinga, a utilização de
materiais que trazem em seus contornos, linhas, imagens e representações da
subjetividade, principal foco de análise do sensível. Para encontrar “registros da alma,
traços do mundo sensível de uma outra época” (PESAVENTO apud HUIZINGA, 2007,
p. 15), é comum o uso de diários, literatura, artes, música e as próprias relações
particulares e comuns de uma época, como o cheiro. A busca é pautada nas marcas da
alma e no si que, pela primeira vez na historiografia, ganha espaço para se refletir sobre
os sentimentos do outro, de outra época. Pesavento costuma utilizar a palavra resgate
para as “apropriações” feitas sobre este singular passado, mas entende-se que não é a
tentativa de reviver tais sentidos e sentimentos do passado. Trata-se de uma tentativa de
compreender como um sujeito se percebeu diante dos acontecimentos ou até mesmo de
como as ações construíam significados de vivência e de si:

Recuperar sensibilidades não é sentir da mesma forma, é tentar


explicar como poderia ter sido a experiência sensível de um outro
tempo pelos rastros que deixou. O passado encerra uma experiência
singular de percepção e representação do mundo, mas os registros que
ficaram, e que é preciso saber ler, nos permitem ir além da lacuna, do
vazio, do silêncio (PESAVENTO, 2007, p. 21).

173
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Dessa forma, “Logo, este não é apenas um problema de fonte para o historiador,
mas sobretudo, de uma concepção epistemológica para a compreensão da história”
(PESAVENTO, 2007, p. 15) ,ou seja, vai além de utilizar certos tipos de fontes ou
procurar certas relações com o íntimo. Ao escolher enveredar pelo campo do sensível a
própria forma como se vê ou entende a história modifica-se, visto que o historiador tem
a capacidade de construir um discurso que define e marca o seu objeto. Mesmo que seja
uma interpretação, possui um caráter de autoridade nas suas produções. Ou seja, deve-se
ter plena consciência das imagens construídas sobre o sujeito/objeto de pesquisa. Diante
das diversas possibilidades se faz necessário o uso de ferramentas que auxiliam nos
estudos e análise das fontes como a Antropologia, Química, Psicanálise, entre outras
áreas de conhecimento. O uso de tais recursos pode ser interpretado como um dos
desafios dessa área.
Diante das possibilidades que surgem com a área das Sensibilidades, enxergar
um novo olhar sobre o objeto de pesquisa e sobre seu próprio ofício são apenas algumas
das resultantes desta área. Mas também ao se escolher trabalhar as novas possibilidades,
ganham-se novos desafios como a não aceitação de tais produções por alguns pares.
Lidar com uma subjetividade assusta alguns pesquisadores que não consideram tais
trabalhos.
Na academia esta se mostra ainda como uma batalha longe de se por um fim,
apesar das grandes produções realizadas sobre o sensível, como as obras de Alain
Corbin. Durante uma entrevista, Corbin nos alerta para a inércia que deve ser evitada
pelo historiador ou professor de história: “Não se deve fazer sempre a mesma coisa,
para que o prazer não se embote. Este é meu conselho...” (2005, p. 30). Fugir de
concepções absolutas, de um único olhar e refletir sobre a própria função da História e
do ofício do historiador são as principais contribuições permitidas ao trabalhar com as
Sensibilidades. É desta forma que Pesavento nos convida a aceitar o desafio de fazer
uma História das Sensibilidades: “se estudar sensibilidades é um desafio, é um ir além,
é ter, possivelmente, mais dúvidas do que certezas, com relação ao passado, talvez aí
resida o charme que se encontra presente em toda aventura do conhecimento... por que
não aceitar o desafio?” (PESAVENTO, 2007, p. 21).
Assim, alguns problemas recaem sobre o pesquisador do sensível que vão das
dimensões epistemológicas, fontes, treino do olhar, aceitação e produção
historiográfica. Temos uma área inovadora que pauta no invisível ou ignorado, mas que
exige uma nova postura. Partindo de experiências, valores, crenças dos quais não

174
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

podemos nos separar, é necessário treinar o olhar para se produzir a História do


sensível. E tal treinamento se inicia com a posição do historiador com relação ao seu
objeto de estudo.

Entre reflexões e práticas: o historiador do sensível

O ofício do historiador não é apenas voltado a apresentar uma problemática,


fragmentando-a em um espaço e tempo. Ao historiador pertencem noites de estudos
debruçados sobre os clássicos e novos teóricos, é necessário ser um eterno aprendiz.
Não basta questioná-los, sem utilizar bons argumentos. O historiador lida com fatos
ocorridos, é preciso saber interpretá-los. Salientando que raramente encontrará a fonte
perfeita e caso a encontre, a sua indagação tornará fértil ou não. Dessa forma, como e o
que se questiona delimita o trabalho do historiador. Sendo o mesmo resultante de
concepções e valores de sua época, é necessário ressaltar que é impossível se manter
imparcial, seus valores e crenças não podem ser afastadas ou excluídas de si. Mas
também é preciso treinar o seu olhar para não impor sua visão ou concepção acima do
que permite ou mostra as fontes.
Seu ofício enfrenta alguns desafios que permeiam sua atuação, desvalorização e
imposições do seu meio. Assim, nosso país, no qual o historiador não se mantem
somente pesquisador, este tem de conciliar a pesquisa à docência. Dessa forma, essa
área de atuação profissional também influencia no desenvolvimento do trabalho do
pesquisador. A licenciatura proporciona que este ligue o fazer História ao alcance de um
público não exclusivamente acadêmico. Seu ofício não está voltado absolutamente para
os que se encontram na academia.
Visto que seu trabalho parte de interesses próprios e de outros elementos e
fatores sociais. O próprio mercado editorial delimita e impõem como deve ser feita a
produção historiográfica. No entanto, seu papel está além de produzir textos, sua
posição influencia o seu meio.
Ao historiador se apresenta uma difícil e compensadora missão, elaborar escritos
de um passado com foco nas ações, significados, representações, imaginário, discursos,
o social, o indivíduo, o coletivo e como elemento fundamental de suas pesquisas, o
homem. Este é o principio de toda discussão historiográfica, Marc Bloch nos aponta que
a história é a "ciência dos homens, ou melhor, dos homens no tempo” e ainda que “Já o

175
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali
está a sua caça” (BLOCH, 2001, p. 54-55).
No entanto, não é nosso objetivo discutir sobre o principio básico do oficio do
historiador, mas corroborar a partir de Marc Bloch que o foco da História e objeto
central do historiador é o homem. E a História das sensibilidades nos permite um novo
olhar sobre esse homem, seus sentimentos, emoções, ações e subjetividades.
Assim, com novas possibilidades de análises, algumas indagações são
necessárias para entendermos as mudanças proporcionadas por esta área: qual alteração
ocorre no oficio do historiador do sensível? Quais desafios enfrentados? Quais as
possibilidades? Como solucionar ou contornar os desafios dessa área? Essas são
questões que surgem com a nova forma de perceber o homem e que pretendemos
responder, mas analisando dois aspectos definidores e resultantes da escolha do
historiador: as fontes e a escrita.

As fontes

A história das Sensibilidades possui particularidades que perpassam as fontes


que o historiador utiliza em suas pesquisas, mas também a metodologia de análise e a
própria forma de perceber a fonte. Essas apresentam-se para o pesquisador do sensível
como desafiadoras e carregadas de possibilidades. Talvez um dos maiores desafios que
esse tipo de pesquisador pode enfrentar ao lidar com fontes que exigem um olhar
treinado: “[...] uma hermenêutica do olhar se faz necessária” (PESAVENTO, 2007, p.
20).
Mas qual a tipologia dessas fontes? Na busca das subjetividades, do íntimo,
singular, sentimentos, emoções e sentidos; se faz necessário utilizar fontes que tenham
essas marcas. Assim, é comum a utilização de registros feitos em diários de viagens,
diários, na literatura, imagens, processos-crimes, música e entre outras possibilidades
que trazem marcas do si. Considerando quem produz tais registros e também o local de
produção, é possível analisar traços que vão além da formalidade de alguns
documentos: “Tais marcas de historicidade – imagens, palavras, textos, sons, práticas,
objetos – seriam o que talvez seja possível nomear como evidências do sensível. Mas,
para encontra-las, é preciso uma reeducação do olhar” (PESAVENTO, 2007, p. 19).
Assim, devido alguns elementos que não são do alcance da História, é preciso
pedir auxílio a outras áreas de conhecimento. A Antropologia é uma das principais

176
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

nessa trajetória do pensar o sensível, além da Psicanálise, a Química, Biologia e outras


que torna possível compreender aspectos que vão além dos limites da nossa área.
Um ponto que marca o sensível é justamente uma separação do objeto de
pesquisa, o historiador não revive o vivenciado, não é possível resgatar os sentimentos
de um outro pertencente à um tempo diferente. Por isso, lidar com as sensibilidades
exige cautela ao perceber o outro. É necessário perceber as formas de sentir e de encarar
a realidade dentro do seu contexto, o homem é resultante de ações de sua época. Assim,
os registros fornecem marcas para se construir o estudo das sensibilidades, porém
necessitam de um pesquisador que esteja preparado para lidar com suas exigências.
Podemos perceber que ao mesmo tempo em que o pesquisador mergulha no seu
material de pesquisa, também é necessário manter-se consciente de que aqueles
registros são marcas deixadas a partir de uma percepção da realidade, ou seja, uma visão
de mundo mergulhada nas particularidades de vivência de um indivíduo ou de um
coletivo.

A escrita

Temos o principal elemento de discussão, a escrita do historiador que tem a


capacidade de eternizar discursos, marcas, memórias e posições: “[...] O que é que o
historiador fabrica quando se torna escritor? Seu próprio discurso deve revelá-lo.”
(CERTEAU, 2008, p. 96). Segundo Michel de Certeau, temos uma posição, mas não
apenas, temos uma fala que possui credibilidade. Por isso, a sua escrita é responsável
por disseminar e influenciar opiniões, sendo sua principal ferramenta de produção.
Dessa forma, qual a modificação da escrita do historiador das sensibilidades?
Pautada justamente no poder da sua escrita, o historiador ao produzir o sensível tem que
lidar com questões que já lidamos no campo da História Cultural, um olhar que tenta
compreender as representações e o imaginário de sujeitos distantes em um tempo e
espaço. No entanto, a História das Sensibilidades nos traz um aspecto que ganha ainda
maior preocupação, que são os cuidados éticos necessários ao lidar com as vivências e
com a vida privada do outro. Lidar durante toda a pesquisa com os aspectos particulares
de vivência do outro é um desafio, se analisarmos que o nosso objeto/ sujeito de
pesquisa na maioria das vezes não pode “defender-se” dos discursos que elaboramos.
Assim, a nossa escrita é pautada em critérios rigorosos que abrangem a forma
como produzimos sobre o outro, a metodologia que é dependente das nossas fontes, das

177
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

indagações que elaboramos, do nosso público e dos interesses que vão do pessoal ao de
terceiros.

Toda a experiência sensível do mundo, partilhada ou não, que exprima


uma subjetividade ou uma sensibilidade coletiva, deve se oferecer à
leitura enquanto fonte, precisando ser objetivada em um registro que
permita a apreensão dos seus significados. O historiador precisa, pois,
encontrar a tradução das subjetividades e dos sentimentos em
materialidades, objetividades palpáveis, que operem como a
manifestação exterior de uma experiência íntima, individual ou
coletiva. Mais do que os fatos em si, este historiador da cultura vai
tentar ler nas fontes as motivações, sentimentos, emoções e lógicas de
agir e pensar de uma época, pois suas perguntas e questões são outras
(PESAVENTO, 2007, p. 19).

Como nos alerta Pesavento, na nossa escrita, deve estar presente os ditos e não-
ditos presentes nos registros íntimos. Salientando que para que tal produção
compreenda as entrelinhas da subjetividade, é necessário saber interpretar as fontes,
focando na elaboração e no meio em que foram produzidas.

Considerações finais

A História das Sensibilidades se apresenta como uma nova possibilidade ao


historiador de analisar seu principal objeto de pesquisa, o homem, com um olhar
pautado nas subjetividades, singularidade, sentimentos e emoções:

Pensar nas sensibilidades é, pois, não apenas voltar-se para o estudo


do indivíduo e da subjetividade, das trajetórias de vida, enfim. É
também lidar com a vida privada e com todas as suas nuances e
formas de exteriorizar – ou esconder- os sentimentos (PESAVENTO,
2007, p. 21).

Assim, ao escolher o trabalhar com o sensível, o historiador liga-se a uma área


que vem da História Cultural e tem uma preocupação em analisar as representações.
Lida com aspectos ignorados durante muito tempo pela historiografia: o homem em seu
íntimo.
Desta forma: o campo do sensível exige um olhar treinado do pesquisador, ao
estudar fontes que possuem marcas tão particulares que vão da ficção aos processos-
crimes. Como bem nos aponta Corbin:

178
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Creio que tudo que é da ordem da experiência humana é útil para o


historiador, mesmo se essa experiência deriva de narrativas. Mais vale
termos o maior número de experiências humanas possíveis na
existência, quando nos pretendemos historiador: isso facilita a doção
de uma ótica compreensiva com relação às pessoas do passado
(CORBIN, 2005, p. 14).

Mas, as exigências são se concentram apenas na interpretação das fontes, na


escrita, o principal meio de comunicação do historiador necessita dos aspectos que
constroem uma produção pautada nos rigores acadêmicos.
Salientamos que o trabalho do historiador está pautado em seu compromisso
social. É a partir deste que abandonamos aquela postura e concepção de enxergarmos o
homem e suas ações como naturais. A criticidade, reflexão das ações do homem no
tempo e argumentação, são ferramentas indispensáveis para se desenvolver sua
pesquisa.
Assim, a formação pessoal de criticidade e pessoas cientes de seu papel são
resultantes de sua atuação na sociedade, seja nas suas produções ou aulas. O historiador
possui grande relevância no processo de formação do cidadão, pessoal e permitindo as
pessoas serem cientes de sua atuação no fazer a história. E ao lidar com o sensível, o
historiador abrange caminhos de desafios e de possibilidades, mas a principal vantagem
ao escolher essa área é a forma de visualizar o homem de outra perspectiva. Tentar
perceber e analisar suas subjetividades é entrar em contato com vivências, emoções e
sentimentos de uma outar época. Ao historiador das sensibilidades cabe ler as
entrelinhas de espaços antes ignorados ou invisíveis. E ainda, “[...] é preciso que a
história seja um prazer... Não se deve fazer história se não for com um grande prazer
[...]” (CORBIN, p. 12, 2007).
Portanto, é necessário perceber as bagagens presentes ao escolher lidar com a
história. Um elemento fundamental é compreender as subjetividades que circulam em
nossas pesquisas, para não cometermos anacronismos. É isso que destaca Marc Bloch:

Uma palavra, para resumir, domina e ilumina nossos estudos:


“compreender”. Não digamos que o historiador é alheio às paixões; ao
menos, ele tem esta. Palavra, não dissimulemos, carregada de
dificuldades, mas também de esperanças. Palavra, sobretudo,
carregada de benevolência. Até na ação, julgamos um pouco demais.
É cômodo gritar “à força!” Jamais compreendemos o bastante. Quem
difere de nós — estrangeiro, adversário político — passa, quase
necessariamente, por mau. Inclusive, para travar as inevitáveis lutas,
um pouco mais de compreensão das almas seria necessário; com mais
razão ainda para evitá-las, enquanto ainda há tempo. A história, com a

179
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

condição de ela própria renunciar a seus falsos ares de arcanjo, deve


nos ajudar a curar esse defeito. Ela é uma vasta experiência de
variedades humanas, um longo encontro dos homens. A vida, como a
ciência, tem tudo a ganhar se esse encontro for fraternal. (BLOCH, p.
128, 2001).

Dessa forma, percebemos que o historiador do sensível não pretende reviver as


sensações de seu sujeito de pesquisa, mas necessita compreender as ações e o meio que
rodeava seu objeto. Compreender mostra-se necessário, já que lidamos com sentir de
outra época.

REFERÊNCIAS

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Ed., 2001.
CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: A escrita da história. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 65-106.
JENKINS, Keith. A história repensada. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Sensibilidades: escrita e leitura da alma. In: LANGUE,
Frédérique (Org.). Sensibilidades na história: memórias, singularidade e identidades
sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 9-21.
VIDAL, Laurent. Alain Corbin: o prazer do historiador. Revista Brasileira de História.
São Paulo: vol. 25, n. 49, 2005, p. 11-31.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A CONSTRUÇÃO DO COLETIVO “VALHA, O QUE É ISSO?”: REFLEXÕES


SOBRE AS PRÁTICAS FEMINISTAS NA CIDADE DE SOUSA-PB

Maria Aparecida Elias Pereira1


Maria Esteffane Pereira da Silva2

Introdução

O acúmulo das experiências de luta do movimento feminista no Brasil, desde as


primeiras ações do século XX, e os novos modos de se relacionar proporcionado pelas
mídias sociais vêm contribuindo para a disseminação do feminismo, seja no seu aspecto
de mobilização política, com o crescente aumento de experiências coletivas ou enquanto
apropriação coletiva do conhecimento sobre o movimento social e político em si.
Relatar sobre a experiência da construção de um coletivo feminista no sertão da
Paraíba exige que se observe a combinação estabelecida entre estar inserido na lógica de
relações sociais globalizadas, que permite o acesso às informações - ainda que de modo
precário pela classe social desfavorecida - e as especificidades de ter as identidades das
quais se constitui forjadas numa região geograficamente afastada dos grandes centros
urbanos, para onde converge historicamente o “novo”, do qual nos interessa aqui a
experiência social transformadora - na qual identificamos o movimento feminista - da
ordem patriarcal e conservadora dominante.
O coletivo “Valha, o que é isso?” surgiu em 2014 na cidade de Sousa. Sua
primeira ação de mobilização política se deu de forma auto-organizada e mista, onde
mulheres e homens de um restrito núcleo de amigos, inquietados em suas vivências
individuais pelas opressões a que estão submetidas às minorias sociais, em particular, as
mulheres e pessoas não-heterossexuais, perpassadas pelas questões de raça e classe, se
reuniram na ideia de ultrapassar as individualidades e trabalhar em torno dessas
questões de forma coletiva. Através de articulações com militantes feministas de outras
cidades, artistas e estudantes promoveram, em dois dias de dezembro, atividades
envolvendo roda de conversa, exposições fotográficas, confecção e distribuição de
fanzines3, intervenção urbana com lambe-lambes4, no que ficou “marcado” como
momento inicial do coletivo.

1
Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: [email protected]
2
Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: [email protected]
3
Link: https://catracalivre.com.br/geral/dica-digital/indicacao/tutorial-como-fazer-um-fanzine/

181
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Assim, o presente artigo propõe analisar a construção do coletivo “Valha, o que


é isso?”, movimento feminista com atuação na cidade de Sousa, na Paraíba, a partir dos
seguintes aspectos: enquanto parte do processo contemporâneo de crescente difusão do
pensamento e teoria feministas pelas mídias sociais; e as implicações de se constituir
identidade coletiva feminista, com ações de cunho político/educativo estabelecidas em
espaços públicos e instituições educacionais numa cidade localizada no sertão
paraibano, com população estimada em torno de 69 mil habitantes e de aspectos político
e socioculturais conservadores.
Metodologicamente, as teorias feministas inseridas no campo das ciências
sociais, têm convergido para a construção do conhecimento fundamentado nos seguintes
pontos: atenção constante à presença do gênero, permeando as relações sociais; crítica
aos binarismos, entre os quais a oposição objetividade/subjetividade; afirmação da
construção social do conhecimento; constatação da não-neutralidade da ciência,
enquanto representação da ideologia de classe, etnia e gênero dominante (SAFFIOTI,
1991). Dessa forma, a partir da última prerrogativa, afirmamos que na construção deste
artigo estão destacados os posicionamentos de mulheres cisgênero5, pertencentes à
classe trabalhadora, de etnia negra e branca, como sendo uma posição discursiva a partir
da qual o olhar será colocado sobre o objeto.

quando se abole a oposição objetividade-subjetividade, isto é, quando


se entende que o subjetivo se objetiva e que o objetivo se subjetiva,
nem sequer importa perguntar se o sujeito conhecedor se distingue do
sujeito conhecido. Desaparece, portanto, a dualidade entre o sujeito e
o objeto. (SAFFIOTI, 1991, p. 163)

Utilizamos, inicialmente, da revisão bibliográfica para exposição de aspectos


julgados importantes para entender o desenvolvimento histórico do movimento
feminista no Brasil. Fizemos, também, uma pesquisa documental considerando o
cenário local no que diz respeito às formas em que se apresenta o machismo e as demais
questões sobre as quais trabalha o coletivo, inclusive, trazendo para a discussão
acontecimentos vivenciados por integrantes do coletivo "Valha, o que é isso?", a partir
da afirmação da identidade feminista e coletiva, noticiados através de sites e blogs

4
Link: http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Documentos/Guia-pratico-de-como-fazer-lambe-lambes-em-
sua-cidade/
5
“Pessoas cisgêneras: pessoas que foram designadas com um gênero ao nascer e se identificam com ele.
Sinônimo de cissexual. Abreviado como cis.” Fonte:
https://feminismotrans.wordpress.com/2013/03/15/cissexual-cisgenero-e-cissexismo-um-glossario-basico/

182
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

regionais. E a produção de dados foi facilitada também por pesquisa de campo, em que
elaboramos entrevistas semiestruturada realizadas com 03 (três) das 09 (nove)
integrantes em atividade regular.
Dividido para fins de análise em dois tópicos, o primeiro trata sobre o
desenvolvimento histórico do movimento feminista, como este avançou na crítica ao
sistema patriarcal utilizando de diversas ferramentas, que incluem a construção de uma
teoria crítica feminista e a apropriação dos meios de comunicação tradicionais e
alternativos para difusão do pensamento feminista. O segundo momento localiza o
movimento feminista na cidade de Sousa, através do coletivo "Valha, o que é isso?",
para entender como se deu seu processo de construção e as implicações na realidade
local.

O movimento feminista como projeto societário de emancipação humana

O movimento feminista tomado no aspecto universal apresenta três momentos, a


que as (os) teóricas (os) chamam de ondas ou fases, cada um deles marcado por
especificidades históricas. Em linhas gerais, o primeiro momento corresponde aos
séculos XVIII e XIX onde se identifica a “fase universalista, humanista ou das lutas
igualitárias pela aquisição dos direitos civis, políticos e sociais” (SCAVONE, 2008, p.
177); um segundo momento é localizado a partir de meados do século XX até o seu
final como sendo a “fase diferencialista e/ou essencialista, das lutas pela afirmação das
diferenças e da identidade; e a terceira fase, iniciada com o século XXI, é denominada
de pós-moderna, derivada do desconstrucionismo, que deu apoio às teorias dos sujeitos
múltiplos e/ou nômades” (SCAVONE, 2008, p. 177). Vale salientar que a divisão
histórica por períodos, assim como qualquer periodização histórica, pressupõe uma
organização para fins de análise, que corresponde a períodos de maior efervescência e
outros de “refluxo” (PINTO, 2003), dentro de uma continuidade histórica não linear.
No Brasil, o feminismo apresenta um desenvolvimento peculiar, marcado pelas
contingências de se fazer movimento social e político num país de origem colonial,
escravocrata, patriarcal e oligárquico. Assim, as primeiras manifestações do movimento
feminista no Brasil, no final do século XIX com o “sufragismo à brasileira” (PINTO,
2003) foram possibilitadas pelas contradições apresentadas no sistema
oligárquico/patriarcal vigente que, se de um lado mantinha as mulheres relegadas ao
espaço privado, alheias às atividades políticas, por outro, permitia a uma pequena elite

183
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

ter acesso à educação formal e ao ideário europeu, onde o feminismo já avançava. Dessa
forma, no Brasil:

(...) no interior da oligarquia, a tensão relevante no que diz respeito ao


feminismo é a derivada de núcleos familiares de pais cultos: famílias
de muitas posses algumas vezes produziam filhos eruditos, detentores
de títulos universitários. Praticamente sem exceção, é dentro desses
núcleos familiares diferenciados que surgiam as principais vozes
femininas contrárias à opressão da mulher (PINTO, 2003, p. 17).

O recorte que está sendo feito da história do feminismo é no sentido de apontar


que o movimento feminista foi se desenvolvendo numa crítica ao sistema de dominação
masculina enquanto cerne, apontando as violências e entendendo-as como relacionadas
ao exercício desigual de poder, desnaturalizando os conceitos, abarcando outros
sujeitos. Então se a primeira onda do movimento foi a práxis de mulheres brancas e,
geralmente pertencentes a elite brasileira, as próprias contradições do sistema
dominante, que tem no racismo um dos seus braços, possibilitaram que outros sujeitos
fossem ganhando voz. Esses sujeitos, que em nenhum momento podem ser
considerados como meros objetos ou “não-sujeitos” - conforme aponta Saffioti (1997, p.
70), analisando que “o sujeito é sujeito porque é capaz de interagir com outros seres
humanos e se apropriar dos frutos dessa práxis” - passam a expressar suas demandas, a
partir de suas condições históricas específicas.
Nesse caminho, chegamos aos anos noventa já fomentando uma pesquisa
científica desenvolvida por outros olhares, em um momento em que é importante frisar
que outras pautas feministas foram sendo incorporadas, pretendendo uma
horizontalidade que só se alcançaria pela crítica e autocrítica. Nisso é revelador o
posicionamento de Matos (2008) quando analisa a presença dos estudos de gênero -
numa perspectiva feminista - no campo das ciências humanas e sociais, em que o
conceito passa a abarcar outras categorias que se transversalizam:

(...) gênero tem tido o papel fundamental nas ciências humanas de


denunciar e desmascarar ainda as estruturas modernas de muita
opressão colonial, econômica, geracional, racista e sexista, que
operam há séculos em espacialidades (espaço) e temporalidades
(tempo) distintos da realidade e condição humanas (MATOS, 2008, p.
336)

184
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Enquanto as mulheres, "a duras penas", trabalham na sua organização enquanto


gênero - conscientes da necessidade de superação do lugar de “outro” que
historicamente ocupam (BEAUVOIR, 1948) - não são poucos os obstáculos que se
interpõem à mulher desde antes do nascimento quando é definido que cor de roupas lhe
é destinada, que terá mais chances profissionais se buscar realizar trabalhos em áreas
específicas ou será uma pessoa realizada se cumprir determinações sociais que incluem
casamento e maternidade. Lembremos que estes são exemplos dados por uma mulher
branca, lida como heterossexual. De outros lugares sociais, marcados pelas
transversalidades referidas, teríamos exemplificações diferenciadas quanto a esse lugar
subalterno que a mulher - ou todas as expressões tidas como femininas - ocupa, o qual o
movimento feminista não apenas acusa como também propõe a transformação pela
“emancipação efetiva dos sujeitos” (CISNE, 2005, p. 8). Essa foi a grande contribuição
trazida pela segunda onda do movimento feminista que expôs suas contradições de
classe e possibilitou a expansão da representatividade para outros grupos não abarcados
satisfatoriamente pelas protagonistas da onda sufragista.
O terceiro momento de destaque do movimento feminista é então o
contemporâneo, dos anos noventa adiante, e em face de estarmos imersos torna o
terreno mais escorregadio. Assim, o que se propõe a fazer é no campo das reflexões, dos
questionamentos e da apropriação do conhecimento que vem sendo desenvolvido. Dessa
forma,

a terceira onda do feminismo, ou feminismo contemporâneo, como


preferimos denominar, é assinalada através das vertentes que surgem a
partir do final da década de 1980 até a atualidade. Este feminismo
contemporâneo é configurado a partir da multiplicidade e alastramento
do movimento pelo mundo enquanto filosofia política, pela definição
heterogênea das opressões e das identidades das mulheres,
institucionalização e forte produção acadêmica. (TOMAZETTI;
BRIGNOL, 2015, p. 2-3)

Sobre o alastramento do movimento, Pinto (2003) chama esse processo que se


desenvolve na fase contemporânea de “um feminismo difuso”, que se verifica na
incorporação de pautas feministas no discurso de públicos diferenciados, que ao
incorporar as demandas reagem com menos tolerância a piadas ou conteúdos
discriminatórios por questões de gênero, raça/etnia, sexualidade e de outras minorias.
Matos (2008, p.339) corrobora com esse pensamento ao apontar que o “feminismo
difuso”

185
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

foi capaz de fazer com que demandas fossem incorporadas, desta vez,
por largas parcelas dos discursos e propostas sociais, políticas e até
econômicas na atualidade (inclusive no âmbito do próprio Estado e da
sociedade civil).

Nesse processo de difusão do feminismo, um dos aspectos que consideramos


importante destacar é a utilização dos meios de comunicação, notadamente a internet,
por meio de sites, blogs, redes sociais, como forma de não apenas difundir suas pautas e
teorias desenvolvidas, mas construir mobilizações políticas que se realizam na rua,
como campo político emblemático do movimento feminista. Essa apropriação dos
espaços virtuais é parte do processo que Tomazetti e Brignol (2015) apontam como
antiga ferramenta de luta do movimento, que percebeu nos meios de comunicação a
capacidade de tornar visível as pautas das mulheres e ao mesmo tempo enfrentar a
dominação masculina fortemente encarnada nesses meios.
Nesse campo, destacam-se a produção feminista em jornais como preponderante
a partir da década de 70 (PINTO, 2003) e posteriormente outros canais são
incorporados, e

em confluência com as potencialidades comunicativas da era digital, o


feminismo passa a perceber no ambiente virtual um lugar de práticas e
expressões coletivas, antes desconhecidas, com novas significações e
endereçamentos múltiplos (TOMAZETTI; BRIGNOL, 2015, p. 5)

Não é intenção aqui estender a descrição dos instrumentos de comunicação que


foram destaque durante o avançar do feminismo no Brasil, pois para fins de análise do
contexto atual consideramos necessário mais que descrever as experiências, entender o
processo que vincula contextos localizados de construção coletiva e solidária entre
mulheres a um contexto global (TOMAZETTI; BRIGNOL, 2015), possibilitado pelas
novas ferramentas digitais.

Valha, o que é isso?

Iniciamos essa discussão situando o movimento feminista historicamente para


que possamos estabelecer as reflexões acerca do nosso objeto de análise que prescinde
de uma visão totalizadora, já que pretende dar conta das particularidades. O coletivo
“Valha, o que é isso?” se constrói nesse momento de difusão do feminismo, conforme

186
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

apontou Pinto (2003) proporcionado por outros fatores, dentre os quais apontamos o
crescente acesso às mídias sociais e do uso destas pelo movimento feminista enquanto
ferramenta de difusão de conhecimento e técnica de mobilização, conforme
apresentamos no tópico anterior.
É importante saber que não temos conhecimento de muitas pesquisas que se
debruçam sobre a dimensão da cultura patriarcal na cidade de Sousa, o que dificulta a
apreensão sobre a situação da mulher, de forma geral, e do movimento feminista, em
específico, como objetos de estudo nesse contexto. Recentemente, uma pesquisa
realizada para conclusão de curso em Serviço Social pela UFCG em 2016 sobre a
Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Sousa mostrou que “o Município
não dispõe de outros espaços como Secretarias ou Conselhos que possam promover
ações de combate à violência e o desenvolvimento e aplicação das políticas para as
mulheres” (LIRA, p. 37). É revelador também o fato da cidade possuir 01 (uma) das 10
(dez) Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher implantadas no Estado da
Paraíba, com sede própria desde 2011, onde “o ano de 2015 a DEAM registrou mais de
200 inquéritos de violência doméstica e familiar apenas no município de Sousa.”
(LIRA, p. 46), demonstrando que existe uma grande demanda no enfrentamento da
violência contra a mulher. A violência é o fim da linha de um processo de naturalização
da dominação machista que se forja na cultura e se fortalece, entre outros mecanismos,
pelos meios de comunicação locais em que

o mais comum é encontrar matérias sensacionalistas sobre crimes


bárbaros que em nada denunciam a violência contra mulher, muito
menos contribuem para seu enfrentamento. Tais matérias omitem o
espectro do sexismo por trás dos crimes, chegando muitas vezes a
romantizar a violência ao invés de denunciá-la (LIRA, 2016, p. 36).

As violências relatadas pelas entrevistadas, sofridas diretamente ou por


familiares, amigas e conhecidas demonstram que as estatísticas policias - embora
assustadoras - ainda são bem menores que a violência real que as mulheres paraibanas
sofrem e não registram pela vergonha e o medo da violência e cultura machistas
generalizadas. É importante também marcar que a Paraíba é o terceiro estado em
feminicídios do Brasil, com base na capital, conforme Mapa da Violência 20156.

6
Link: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf

187
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Com essa claridade na feitura do trabalho, para tecer nossa análise,


desenvolvemos uma entrevista baseada nas seguintes perguntas:

 Como você percebe o machismo em Sousa? Onde se revela?


 Como se deu sua construção da consciência feminista individual e
coletiva? Quais instrumentos ou meios? Teve inspiração em outros movimentos
sociais locais?
 Percebe alguma modificação no cenário local quanto ao enfrentamento
ao machismo via fortalecimento do movimento feminista? Acredita ter relação
com as ações do coletivo?
 Sofreu algum tipo de violência ou discriminação, especificamente, por
ser feminista e militante?

Assim, aponta a Entrevistada 01 quando relata que todas as mulheres do seu


convívio familiar, dentre as quais a mesma se inclui, e várias outras do círculo próximo
sofreu ou ainda sofre das violências abarcadas pela Lei 11.340/06 - Lei Maria da Penha
- e, às vezes, em mais de uma das cinco formas descritas7. Na mesma perspectiva a
Entrevistada 03 passou a visualizar atitudes machistas disfarçadas de gentileza que
subestimam as capacidades da mulher, como, por exemplo, quando começou a dirigir
veículo e sentiu o desconforto de ser, repetidas vezes, interpelada por homens que a
“ajudavam” a estacionar, sem que fossem solicitados. Outro relato tratou de demonstrar
como o machismo ligado à lesbofobia e ao racismo afetaram dolorosamente a vida da
entrevistada, principalmente dentro da família (Entrevistada 02).
Dessa forma, os dados da pesquisa revelaram que a inquietação gerada pela
materialidade do machismo na vida de cada uma, somada à experiência contemporânea
de globalização, em que a redes virtuais estão inseridas, proporcionou o encontro dessas
mulheres com o feminismo enquanto filosofia política, entendendo que a apropriação
desse conhecimento capaz de transformar a realidade pela atividade constante do
“sujeito-objeto [...] não se trata de pensar um conjunto de fatores externos ao sujeito
como condicionantes de sua construção” (SAFFIOTI, 1997).
Importante salientar que a cidade de Sousa não possui experiências históricas
relevantes de mobilização coletiva para além dos modos oficiais - partidos políticos -
contando apenas com a atuação do Movimento dos Sem-Terra (MST). A Entrevistada

7
Os incisos I a V do artigo 7º da Lei 11.340/06 dispõem que são formas de violência doméstica e familiar
contra a mulher, entre outras: a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Fonte:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm

188
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

01 não conhece fortes incidências do movimento estudantil, citando apenas a recente


organização de um coletivo cultural - Coletivo Estação8 - criado em 2011, mas que não
realiza atividades desde 2014, conforme se observa em sua página no Facebook.
Somente este ano se estabeleceu um núcleo do movimento Levante Popular da
Juventude9, no qual participam concomitantemente duas integrantes do coletivo "Valha,
o que é isso?" e esse contato, segundo a Entrevistada 01, permite haver o diálogo entre
as militâncias através dos membros e das perspectivas políticas em comum, entre elas o
enfrentamento ao machismo e discriminações relativas à sexualidade. Como se
verificou, por exemplo, no ato de repúdio à visita do pastor e deputado Marco Feliciano
e do Presidente do Partido Social Cristão (PSC), Pastor Everaldo - amplamente
conhecidos por suas posturas machistas, racistas e homofóbicas - no dia 10 de julho de
2016, na ocasião das festividades promovidas pela prefeitura em comemoração da
emancipação política da cidade de Sousa.
Nesse sentido, o coletivo "Valha, o que é isso?", apesar de não se vincular a
outros movimento de mulheres, busca no contato com movimentos estabelecidos no
Brasil, entre eles a Marcha Mundial de Mulheres - MMM10, apreender conhecimentos
sobre as discussões, pautas reivindicatórias, modos de organização, entre outros pontos,
como esclarece a Entrevistada 01:

O coletivo não se vincula a outros movimentos, mas tem influências


de outros movimentos, como o Levante Popular que algumas
integrantes do Valha também fazem parte e elas trazem outras ideias,
posições, maneiras de trabalhar. E tem a MMM, a gente sempre tá
mais ou menos atenta ao que elas estão propondo e fazendo e o resto a
gente vai acompanhando pelas mídias mesmo.

Sobre outros suportes materiais mencionados como importantes na construção


que parte da identidade individual para a coletiva - Saffioti (1997) aponta esse processo
em termos de “dialética entre o ser singular e o ser genérico” - todas as entrevistadas

8
Em sua página no Facebook o Coletivo Estação se inscreve no objetivo produzir arte e promover a
integração entre as manifestações artísticas independentes. Fonte:
https://www.facebook.com/ColetivoEstacao/
9
Link: https://www.facebook.com/LevantePopulardaJuventudeSousa/
10
Movimento presente internet em vários endereços. Links:
http://www.marchamundialdasmulheres.org.br/
https://www.facebook.com/marchamundialdasmulheresbrasil
https://marchamulheres.wordpress.com/

189
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

destacaram a participação do Centro Cultural Banco do Nordeste11 que, ao circular


cultura produzida pelo Brasil e alguns países latino-americanos, proporcionou o diálogo
entre o público usuário, no qual se encontram as entrevistadas, com questões de gênero,
sexualidade, racismo e ampliando o contato com a arte e cultura em geral, numa cidade
onde elas não destacaram nenhum outro espaço que circule cultura desvinculada de uma
exclusividade mercadológica, o contato com o CCBNB permitiu que novos horizontes e
percepções se desnudassem.
Além desse espaço, referiram-se ao citado Coletivo Estação como ambiente de
encontro e circulação das ideias que as inquietavam, identificadas mais adiante como
feministas. A internet foi abordada por todas as entrevistadas como espaço de formação
do conhecimento, inicialmente, assim como aponta a fala da Entrevistada 03 quando
narra que teve informação sobre blogs e textos feministas através da amiga que mais
tarde se tornou companheira de coletivo. Além dos textos, também relata a importância
da internet no acesso a cantoras “tipo Karol Conka” (Entrevistada 03) que faz músicas
sobre empoderamento feminino.
Assim a formação da consciência crítica individual se deu gradativamente, a
partir das vivências particulares de opressão machista, que em conversas compartilhadas
com outras mulheres que já estavam tendo acesso ao conhecimento produzido e
compartilhado pelo movimento feminista e/ou mulheres feministas foram gerando a
percepção de que por afinidade de ideias poderiam se considerar feministas, como
indica o trecho a seguir:

A partir de 2012, mais ou menos, que feminismo começou a ser muito


presente nas redes sociais, no facebook, e comecei a acompanhar os
blogs, foi quando descobri Lola12. A questão do aborto, comecei a ler
sobre isso porque sempre foi um tabu né, aí ficava tentando entender e
como não queria ter menino (sic)...e se acontecer? aí comecei a ler
essas coisas. (Entrevistada 01)

A Entrevistada 03 aponta um aspecto bastante interessante do movimento


feminista que se reflete na prática do coletivo "Valha, o que é isso?", quando afirma que
basicamente tudo que sabe sobre os conceitos, as teorias desenvolvidas, foi apreendido
na prática coletiva de outros movimentos sociais aos quais fez parte em Campina
Grande. Então, de modo diverso, proporcionado pela vivência de cada uma, foram

11
Espaço de apreciação de arte, cultura e formação de plateia, com programação diária e gratuita.
Instalado na cidade de Sousa desde 2007. Fonte: http://www.bnb.gov.br/centro-cultural-sousa
12
Link: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/

190
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

incorporando os conceitos, aprendendo a identificar as opressões denunciadas desde as


primeiras ações do movimento feminista nas práticas cotidianas de violência e opressão
naturalizadas. Nesse momento de apropriação da consciência de classe, gênero e
raça/etnia, Saffioti (1997) entende que não há interesses em comum entre os seres
singulares, embora estejam ligados ao sujeito particular podem representar os anseios de
um grupo ao qual se identificam, é então que se dá a “realização do ser genérico”,

ele representa a possibilidade de o ser singular incorporar a práxis, a


defesa dos interesses de sua categoria. Ressalte-se que o interesse é
sempre particular, na medida em que o interesse comum ou geral é
uma ficção numa sociedade plena de clivagens. (SAFFIOTI, 1997, p.
65)

Consideramos importante também explicar a originalidade do nome “Valha, o


que é isso?”, que remete a duas caracterizações que inscrevem sentido na construção da
identidade coletiva, a primeira diz respeito à territorialidade sertaneja, representada
numa gíria - valha! - que representa espanto diante do desconhecido, a segunda resulta
na diferenciação, no estranhamento que insere o coletivo no lugar do “outro”, como
algo a se temer, afastar e/ou escarnecer, tomada como estratégia que visa aproximar as
pessoas pela curiosidade e a partir dessa aproximação tentar estabelecer um diálogo
capaz de desconstruir preconceitos enraizados pela naturalização de modelos
engessados de vivenciar gênero e sexualidade, por exemplo. Destacamos que no
processo de desenvolvimento, o coletivo deixou de ser um movimento misto em sua
auto-organização, ao passo que as integrantes perceberam a necessidade de afirmação
do sujeito mulher no movimento feminista, sem, no entanto, se desvincular das
articulações com as demais militâncias políticas que apoiam o movimento feminista,
isso também foi enfatizado pela Entrevistada 01. Nesse sentido, Cisne (2014, p.152)
explica:

Quando falamos, portanto, em consciência militante feminista,


referimo-nos, primeiramente, à percepção da mulher como sujeito de
direitos, o que exige a ruptura com as mais variadas formas de
apropriação e alienação dela decorrentes, especialmente a ruptura com
a naturalização da subserviência que lhe é socialmente atribuída.
Apenas assim podemos chegar à dimensão coletiva da consciência
militante que, para nós, é possibilitada pelos movimentos de mulheres.

191
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Diante disso, as entrevistas revelaram a existência de um movimento de


transformação social dialético. De um lado, marcado pela construção da consciência
feminista e militante das integrantes do coletivo, e, do outro, pelo crescente número de
mulheres, jovens e estudantes, que se identificam enquanto feministas, ainda que não
estejam organizadas e de outras mulheres influenciadas pelo feminismo no seu
cotidiano. Vale ressaltar um aspecto relatado pela Entrevistada 01 que diz respeito ao
preconceito sedimentado na sociedade contra os movimentos sociais em geral,
contribuindo para o distanciamento entre estes e a sociedade civil. A Entrevistada 01
afirma que é muito comum opiniões que não visualizam a necessidade do movimento
feminista e são contra o movimento em si: “pela própria recusa que às vezes a gente
tem de feminismo, de achar que ‘para que uma luta de mulheres se a gente já conquistou
tudo?’”. Este preconceito é fruto, talvez, da ignorância e/ou superficialidade no
conhecimento da história dos movimentos sociais nos níveis da educação básica, como
explica, ainda, a Entrevistada 01:

Se eu pensar, por exemplo, quando eu estava no ensino médio nenhum


professor falou sobre feminismo ou movimento LGBT. Hoje eu sei
que fala, seja pra esculhambar ou dizer que é legal, mas sei que fala.
Você vê meninas de 15, 14, 13 anos se posicionando enquanto
feministas, eu nessa idade nem sabia que existia, não fazia ideia, se
via era uma coisa ligeira pela televisão e imaginava que tinha sido um
movimento que aconteceu quando as mulheres estavam lutando por
voto e acabou naquele tempo.

Corroborando com esse pensamento, a Entrevistada 02 também vislumbra


transformações sociais que refletem uma maior apropriação dos conceitos e da
subjetivação feministas:

Acho que tem muitas mulheres que necessariamente não se


denominam feministas, inclusive em Sousa, mas que têm visões
parecidas ou bastante semelhantes. Só que às vezes por falta de
conhecimento, ou por não saber conceituar, não se consideram
feministas de fato, mas eu acredito assim: o feminismo chega muito
perto de jovens e adolescente e eu acho que é um ponto massa (sic) e
crucial...pro sertão é uma coisa já que você dá pra ver.

Em questão de organização feminista coletiva na cidade, as entrevistadas


apontam duas questões interessantes: de um lado a dificuldade das mulheres se
afirmarem feministas e participarem da luta é reforçada pelos julgamentos sociais e

192
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

preconceitos, conforme mencionamos anteriormente, vindos dos grupos sociais nos


quais se insere o sujeito, como afirma a Entrevistada 02:

É meio difícil pra essas mulheres virem, porque no sertão ainda tem
essa resistência, elas podem até dizer “ah, isso é massa, eu sou uma
feminista”, mas aí quando você diz que é feminista dentro da família,
eles já têm aquela visão “vixe, agora vai virar isso, vai fazer aquilo” e
todos os tabus que têm com mulheres feministas. Por isso que eu acho
mais difícil que essas mulheres se desenraizem da família em si, que
saiam e que lutem.

Por outro lado, a Entrevistada 01 refletindo sobre a participação do "Valha, o


que é isso?" no cenário local, imagina que as ações, eminentemente de cunho
pedagógico, desenvolvidas por um coletivo novo nas temáticas abordadas, embora não
seja capaz de arriscar palpite quanto ao raio de alcance dessas ações, acredita que
podem influenciar

no sentido da organização, das pessoas poderem pensar em se


organizar para poder fazer uma coisa e dizer: “acho que a gente pode
fazer porque se a gente levar nome de doida, aquelas meninas já
levam, então vai ficar tudo bem”, então as influências é mais na
questão da organização, se as ações chegaram até onde a gente
planejava ou esperava que chegassem aí não sei, não tem como saber
agora.

A esse processo de fortalecimento do feminismo, seja no aspecto de organização


coletiva ou de difusão do pensamento, se observa um movimento contrário de reação
conservadora. Essa resposta identifica nos sujeitos que lutam pela equidade de gênero
uma ameaça à sociedade como está posta. Esta reação pode se verificar de variadas
formas, conforme abordaram as entrevistadas, por meio de piadas e provocações
ouvidas nas ruas, na universidade, no trabalho e ainda por atitudes extremas com o uso
da violência física e psicológica. Nesse sentido, segundo a Entrevistada 01:

Comigo não aconteceu uma coisa grave como aconteceu com E* que
foi...que chegou num momento de violência. Dois homens, do nada,
chegaram numa moto, no meio da rua e derrubaram ela no chão e
chamaram “sua feminista nojenta13” e ela é muito estigmatizada no
colégio.

13
A agressão e ameaça de estupro sofridas por uma das integrantes do coletivo “Valha, o que é isso?”
foram notícias em alguns sites de Sousa e região, assim como denunciada pela vítima no Facebook. Link:
http://www.sertaoinformado.com.br/portal/p.php?pagina=viewnot&id=481
http://www.angelolima.com/2016/07/jovem-e-perseguida-jogada-ao-chao-e.html

193
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Os poderes públicos sousenses também agem pela manutenção da ordem


conservadora e patriarcal e, nessa medida, são responsáveis pelas violências dela
oriundas. A câmara de vereadores da cidade de Sousa composta, exclusivamente, por
homens14 votou no ano de 2015, seguindo os passos do Congresso Nacional15, pela
exclusão do conceito de gênero no Plano Municipal de Educação, votação recebida com
euforia pelos setores tradicionais, revelando o descuido com a laicidade do Estado,
observado na vinculação às crenças cristãs dos argumentos apresentados pelos
vereadores16.
Encarando todo o exposto como um processo dialético vivenciado nas relações
sociais, a Entrevistada 01 observa que “quando você muda, a situação não é mais a
mesma” e esse aspecto é teorizado por Saffioti (1991) quando visualiza um outro modo
de “revolução social”:

mais lenta, mas mais seguramente, talvez ela possa ser feita através de
meandros em que se constituem os micropoderes, as diferentes formas
de resistência e as atitudes conscientes ou inconscientes de sabotagem
do status quo. A julgar pelas mudanças provocadas pelos múltiplos
movimentos feministas, este tipo de revolução, que se poderia chamar
de “revolução cotidiana”, já conquistou seu lugar na história.
(SAFFIOTI, 1991, p. 161)

Para esse fim, reforçamos a importância da escuta ativa das integrantes do


“Valha, o que é isso?” quanto às próprias reflexões realizadas no fazer coletivo, de
modo que possam verbalizar a avaliação do que foi realizado e a objetivação das ações
futuras.

Considerações finais

A realização deste trabalho é parte das inquietações que acometem as


pesquisadoras, assim como as integrantes do coletivo "Valha, o que é isso?". A
trajetória que levou a mulher ao conhecimento científico, nos moldes de uma
epistemologia machista, é bastante recente se comparada a do homem. A História

14
Link: http://www.camarasousa.pb.gov.br/site/index.php/vereadores
15
http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/08/11/o-que-e-a-ideologia-de-genero-que-foi-banida-dos-
planos-de-educacao-afinal.htm
16
Link: http://conscienciacristanews.com.br/camara-dos-vereadores-de-sousa-pb-rejeita-a-inclusao-da-
ideologia-de-genero-nas-escolas/

194
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

relegou a mulher a um local secundário, marginal, com poucas personagens femininas e


sem protagonismos. O que fizemos, o que narramos, o que sentimos, como olhamos e
interpretamos o mundo são formas de conhecer conquistadas depois de estimável tempo
de luta, cujo resultado datam de menos de um século. Estamos falando de História da
Humanidade. Sousa, no sertão da Paraíba, organizada em cidade por apenas 167 anos é
o cenário da história de vida dessas mulheres entrevistadas, das mulheres pesquisadoras
que elaboraram esse artigo e de mais de 30 mil outras17. Saber sobre nós, de todas as
formas que nos inquietam saber, é uma necessidade. E é isso o que o movimento
feminista vem fazendo, ou ainda, é isso que mulheres feministas vêm fazendo: somos
protagonistas e estamos contando nossa própria história.
Certamente muitos aspectos deixaram de ser observados e isso não chega a ser
considerado falha, mas instiga para que outras inquietações sejam reveladas, em um
futuro aprofundamento dessa pesquisa, por exemplo. Procuramos trabalhar na
perspectiva de que o coletivo "Valha, o que é isso?" é parte do processo de um
feminismo macro que escorre pelas brechas das estruturas de poder e chega a lugares
longínquos, e isso se realiza ao mesmo tempo que um feminismo local se constrói social
e individualmente, ainda que não se nomeie, que não saiba que os enfrentamentos
diários à supressão da liberdade da mulher realizada pelo machismo também se chama
feminismo.
E acreditando que a transformação que se realiza no contemporâneo seja
impossível de deter ou precisar quanto aos seus reflexos futuros, apostamos na ideia de
que mesmo o fazer científico esteja em pleno processo de transformação para o que se
poderia chamar de epistemologia feminista, conforme questionamento de Scavone
(2008) sobre ser “os estudos de gênero, uma sociologia feminista?” capaz de “tornar
transparente as implicações sociais e política de um progresso que esconde, em sua
promessa de perfeição, uma sociedade sexista (além disso, racista e classista) seria um
dos objetivos da sociologia feminista” (SCAVONE, 2008).
Dessa forma, este trabalho seguiu a lógica do movimento feminista quando em
sua crítica se exigiu ouvir as mulheres no que se assemelham e no que se diferem.
Mulheres de outras classes, outras raças, outras idades, outros corpos, outras
necessidades. Seguramente, sabemos que nem todas puderam ser ouvidas neste
trabalho. Muitas ainda não foram e ainda não são: aquelas que a pobreza encerra em

17
Segundo dados do IBGE de 2010, as mulheres representam 51, 68% da população total. Link:
http://populacao.net.br/populacao-sousa_pb.html

195
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

suas grades, aquelas que se constrangem em entrar em espaços que são tão bem
aproveitados por mulheres brancas ou mulheres com vaginas. Mas é novo “ler” a voz da
sertaneja, captar suas dores, dissabores, que também é voz de vitalidade, alegria e luta.
Que esse artigo se configure como um entre muitos outros que virão para inscrever e
instituir o lugar da mulher - mulher paraibana, mulher sertaneja, mulher sousense - na
História.

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 12. impr. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, s/d. v.1.
CISNE, Mirla. Marxismo: uma teoria indispensável à luta feminista. Anais IV
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http://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%F5es/
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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM SENHORA: A CONSTRUÇÃO DO


PERFIL DA PERSONAGEM AURÉLIA

Hérica Kaline Alves Garrido1


Tânia de Sousa Lins2

Introdução

No ano de 1875, José Martiniano de Alencar publica Senhora, na qual faz uso de
uma linguagem rebuscada para nos dar noção de como e quais eram os costumes que a
sociedade burguesa do Rio de Janeiro do século XIX estava habituada. Através deste
romance urbano, o narrador deixa aberta uma discussão sobre valores sociais e morais
que estavam em voga, bem como a emancipação feminina. Estes elementos nos são
apresentados com certa profundidade, de modo a evidenciar o dinheiro como a mola
propulsora daqueles valores.
Assim, o presente trabalho objetiva analisar a representação da personagem
Aurélia diante das circunstâncias vividas antes e depois de receber a herança, haja vista
o papel exercido pela mulher no século XIX. Especificamente, analisamos a educação
que lhe foi conferida, a perspectiva que ela tinha em relação ao casamento burguês em
contraposição ao ideal romântico, a necessidade de um tutor e uma mãe de encomenda,
seu desejo de submissão ao amor que sente por Seixas e a hipocrisia da sociedade na
insistência em se manterem as aparências.
Para dar embasamento teórico a nossa pesquisa, utilizamos a crítica de gênero
encontrada em Bourdieu (2002), Beauvoir (1970), Badinter (1986); as teorias literárias
acerca do Romantismo em Bosi (2006), Candido (2009, 2010), Castello (2004), Citelli
(2007), Coutinho (2004), Moisés (2001); sobre educação e tutela, usamos Vasconcelos
(s/d) e Oliveira (2007), respectivamente. Desse modo, temos uma personagem que é
moldada carregando em si as características do ideal de mulher para o Romantismo. No
entanto, a construção de sua forte e dual personalidade desconstrói esse idealismo
romântico, pois ora Aurélia é “mulher-anjo”, ora ela adquire a postura de “mulher-
demônio”, haja vista sua revolta pela recordação da degradação do seu amor. Diante de
tais fatos, percebemos que as aparências sociais são mantidas nesta personagem, apesar

1
UFCG. E-mail: [email protected]
2
UFCG. E-mail: [email protected]

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

de ser contra o sistema vigente, na qual o dinheiro tudo soluciona, mas são os ideais do
Romantismo que prevalecem.

A construção do perfil de mulher de Aurélia

A educação para as mulheres, casamento burguês e ideal romântico

Aurélia Camargo era uma jovem de dezoito anos, pobre, sua mãe era viúva,
doente e já tinha passado por muitos sofrimentos antes de concebê-la, pois seu sogro
não aceitava sua união com Pedro Camargo, seu falecido marido, haja vista que ele
pensava ser D. Emília uma concubina. Além disso, a família dela também não estava de
acordo com seu casamento e a julgava uma "mulher perdida", a amante. Ela vivia
sozinha numa casa à espera do marido que, vez outra, fugindo da fazenda de seu pai, ia
a seu encontro. Desta união, nasceram Emílio e Aurélia. Como a irmã é quem dava
apoio ao irmão, "[...] a mãe só via para a filha o natural e eficaz apoio de um marido.
Por isso não cessava de tocar à Aurélia neste ponto, e a propósito de qualquer assunto"
(ALENCAR, 2012, p. 90).
O casamento ou o celibato eram as duas únicas alternativas para as mulheres
daquela sociedade. Optando-se pela primeira alternativa, as relações tomavam a
proporção de objetos, os seres envolvidos eram coisificados na busca pelo
enriquecimento pessoal. O "mercado matrimonial" movia a sociedade burguesa. De
acordo com Badinter (1986, p. 201), o casamento “é antes de mais nada uma segurança
econômica, um seguro de vida”. Este é um dos pontos que fazia parte da educação
direcionada às mulheres. Elas deviam casar-se com um homem que lhe garantisse
conforto, segurança e uma posição social digna, além de se prepararem para a
maternidade, assegurando a continuação de uma descendência.
No entanto, em troca disto, as mulheres deviam ser submissas às vontades do
marido e ter uma vida restrita ao lar. Neste sentido, Vasconcelos (s/d, p.1) argumenta:
"Dando-se prioritariamente no ambiente doméstico, a educação já se caracterizava em
seu conteúdo na preparação para os papéis a serem exercidos na vida adulta e continha
especificidades próprias das representações de gênero da época". Bourdieu (2002) nos
explica que essa distinção que elegia os homens como seres superiores se deu, a
princípio, pelo fato deles e as mulheres possuírem gônadas diferentes e por
interpretarem os movimentos inerentes à natureza feminina como sendo inferiores. Com

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

o avançar dos estudos, novas formulações surgiram para mostrar que esses fatores
fisiológicos e comportamentais não eram suficientes para sustentar os argumentos de
superioridade para eles e de inferioridade para elas.
Assim, a educação se dava de forma desigual para homens e mulheres. Eles
tinham acesso a conhecimentos diversificados para ampliar sua capacidade intelectual,
além da instrução para desenvolvimento da virilidade. Já as mulheres tinham acesso a
conteúdos restritos. Vasconcelos (s/d, p.1) aponta que:

A instrução das meninas valorizava as habilidades manuais e os dotes


sociais, porém, no currículo das escolas que as aceitavam, constava
desde 1870, um conjunto de disciplinas como língua nacional,
francesa e inglesa, aritmética, história antiga e moderna, mitologia,
além das "obras de agulha de todas as qualidades".

Podemos confirmar que Aurélia havia recebeu esta educação com o seguinte
trecho:

Aurélia é quem suportava todo o peso da casa. [...]. Os arranjos


domésticos, mais escassos na casa de pobre, porém de outro lado mais
difíceis, o cuidado da roupa, a conta das compras diárias, as contas de
Emílio e outros misteres, tomavam-lhe uma parte do dia; a outra parte
ia-se em trabalhos de costura (ALENCAR, 2012, p. 90).

Percebemos que os ensinamentos dela, enquanto moça pobre, eram voltados


para as prendas domésticas e isentos de qualquer teor científico ou crítico. E, como a
sociedade pregava, havia a preparação para que ela fosse exemplar como dona de casa
na condição de esposa. Quanto a esse ponto, não há contrariedade por parte de Aurélia.
No entanto, sentia-se indignada por ser obrigada a participar deste processo de
casamento por conveniências e ver sua idealização do amor ser profanada, seu mais
puro e nobre sentimento, e sua pessoa em si sendo reduzida a categoria de mercadoria:
"Como todas as mulheres de imaginação e sentimento, ela achava dentro em si, nas
cismas do pensamento, essa aurora d'alma que se chama o ideal, e que doura ao longe
com sua doce luz os horizontes da vida" (ALENCAR, 2012, p. 91). O Romantismo foi
um movimento marcado pelo predomínio da subjetividade, individualismo,
sentimentalismo, apelo à imaginação, idealização do amor e da mulher, dentre outras
características. Os escritores românticos propunham a supremacia dos sentimentos e das
emoções sobre a razão, daí por que o amor é um tema central nas suas obras, sendo
colocado acima de todas as barreiras, normas, padrões e conveniências sociais.

199
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Castello (2004) argumenta que Senhora tem como temática a investigação do


casamento por amor ameaçado pelo dote, pela degradação do sentimento em vista da
ascensão social. Quando Aurélia conhece Fernando Seixas, ambos se apaixonam: "Dois
dias depois Seixas tornou a passar pela rua de Santa Teresa [...]. De longe seus olhos
encontraram os de Aurélia, que fugiram para voltar tímidos e submissos" (ALENCAR,
2012, p. 97), logo após ele lhe declara seu amor. Neste trecho já podemos evidenciar a
submissão dela ao amor que sente por ele. Como tanto o amor quanto o ser amado são
idealizados nas obras românticas: “[...] Seria difícil conhecer a quem mais adorava a
gentil menina, e de quem mais vivia, se do homem que a visitava todos os dias ao cair
da tarde, se do ideal que sua imaginação copiara daquele modelo” (ALENCAR, 2012, p.
97-98).
Aurélia não fazia queixas, cobranças ou exigências de casamento a Seixas, pois
lhe bastava à presença dele, as horas em que passavam juntos e a felicidade de amar e
ser amada. No entanto, Fernando se comprometeu a casar com ela, mas desfez seu
compromisso, entre outras circunstâncias, pelo dote de trinta contos de réis que lhe
oferecia o pai de Adelaide Amaral. Mesmo assim, o seu coração e a sua alma
“pertenciam” a ele desde o primeiro olhar que trocaram. Por isso, Aurélia recusa o
pedido de casamento de Eduardo Abreu, apesar de este ser um “rapaz de excelente
família, rico e nomeado entre os mais distintos da Corte”, ter um nobre caráter e ser
apaixonado por ela. “– Não me pertenço, Sr. Abreu; se algum dia pudesse arrancar-me a
este amor fatal, e recuperar a posse de mim mesma, creia que teria orgulho em partilhar
sua sorte” (ALENCAR, 2012, p. 108-109).

(In) dependência feminina e hipocrisia social

Poucos meses depois da morte de Emílio, D. Emília vem a falecer e Aurélia


recebe a herança do falecido avô. Como não era maior de idade (tinha completado
dezenove anos e a maioridade se dava aos vinte e um anos), precisava de um tutor para
ajudá-la orientando sobre como administrar sua riqueza e seus negócios. "[...] Lemos,
expedito em negócios, arranjava do juiz de órfãos a nomeação de tutor da sobrinha"
(ALENCAR, 2012, p. 115). Sobre a tutela, Oliveira (2007, p.3-4) nos explica:

Em geral, as mulheres, ao ficarem órfãs, passavam pelo processo de


tutoria [...] Enquanto fossem solteiras ficavam sob a tutela de uma

200
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

pessoa até os 25 anos de idade. Esse tutor poderia ser o pai, no caso de
morte da mãe, ou um parente ou conhecido, no caso de falecimento do
pai. Em alguns casos, a mãe poderia ser a tutora dos filhos. O tutor era
responsável por educar e cuidar da herança dessas mulheres, heranças
estas deixadas nos inventários maternos e/ou paternos.

Entretanto, a tutela de Aurélia era apenas para compor o cenário social, e ela só
aceitou ter o tio como tutor para vingar-se dele e vê-lo submetido a suas vontades.
Quando vivia na pobreza, ela havia sido vítima de uma armação de Lemos para separá-
la de Seixas, acrescido ao fato de nunca ter dado a ela e a sua mãe nenhuma assistência
quando mais precisaram. Além disso, para continuar compondo esse cenário, ela tinha
D. Firmina Mascarenhas, uma velha parenta, viúva, que lhe servia de companhia: “Mas
essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos
da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação
feminina” (ALENCAR, 2012, p. 17).
Então, Aurélia com toda sua altivez precisava da presença destas duas pessoas
para continuar dentro do quadro das normas sociais para as mulheres daquela época.
Haja vista que era muito rica e bela e todos se rendiam a seus encantos e desejos,
inclusive quando ela diz que irá reclamar sua tutela ao juiz "[...] Completei dezenove
anos; posso requerer um suplemento de idade mostrando que tenho capacidade para
reger minha pessoa e bens [...]" (ALENCAR, 2012, p. 31). Tendo consciência disso, ela
já poderia ter usado deste artifício para se libertar da necessidade de manter as
aparências para a sociedade, mas ela não o faz. Sua autonomia não havia se
desvencilhado completamente das regras rotuladas como adequadas para uma mulher
menor de idade e órfã.
No entanto, após receber a herança inesperada, há uma rápida transformação em
Aurélia, não no caráter e nem nos sentimentos que permanecem inalteráveis, mas na sua
atitude perante a sociedade hipócrita, que colocava valores fúteis (como o luxo, a
ascensão e a ambição) acima do amor. Por isso, ela tratava os “caçadores de dotes”
(pretendentes) com desprezo e indignação, pois sabia que a pretendiam unicamente pela
sua riqueza. Assim, costumava atribuir aos seus adoradores um valor monetário que
poderiam adquirir no “mercado matrimonial”. Para a maior parte das mães, esses modos
desenvoltos de Aurélia eram considerados “impróprios de meninas bem-educadas”.
Além disso, opera-se uma “revolução” no espírito de Aurélia ao tratar de
negócios: “O princípio vital de mulher abandonava seu foco natural, o coração, para
concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades especulativas do homem”

201
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

(ALENCAR, 2012, p. 30). Esse trecho nos oferece uma amostra do conceito de
sociedade de José de Alencar, visto que Aurélia assume funções “masculinas” ao
realizar tarefas que só competiam aos homens, já que as mulheres deveriam instruíssem
em prendas domésticas, ter noções de literatura, moral e regras de etiqueta social. Por
diversas vezes, ela é apresentada como leitora de romances de alguns escritores, mas o
seu preferido era William Shakespeare, por ser “o sublime escultor da paixão”.
Inclusive, através do narrador, José de Alencar faz referência ao seu outro romance
urbano Diva. Interrogada pelo crítico sobre a “mulher impossível” da obra, Aurélia
responde que conhece uma moça parecida com a personagem, referindo a si mesma e a
sua própria história.
Quando era pobre, Aurélia não saía de casa, com exceção de algum domingo
para ir à missa com a mãe ou algum passeio à noite acompanhada do irmão. Diante da
sua nova posição social, ela passa a frequentar, na companhia de D. Firmina e depois
com o marido, bailes e teatros, tinha como passatempo o piano “[...] que é para as
senhoras, como o charuto para os homens, um amigo de todas as horas, um
companheiro dócil, e um confidente sempre atento” [...] (ALENCAR, 2012, p. 136).
Além disso, Aurélia tinha ao seu dispor vários criados para as mais diversas tarefas, mas
dispensava a mucama para o serviço de sua pessoa (para trocar de roupa, por exemplo),
um costume conservado de quando era pobre.
Para contrariar o poder de tutor de Lemos, ela escolhe com quem se casar e
encarrega o tio de fazer a transação sem citar o nome da pretendente a esposa. Agora,
desfrutando da riqueza, Aurélia toma a resolução de "comprar" Seixas, a um preço
maior daquele oferecido pelo pai de Adelaide, porque tinha convicção de que ele se
arrependeria por ter trocado o amor devoto que ela sentia pelo dinheiro de outra.

Quando reuniu em argolas de ouro, as duas séries de chaves ao todo


iguais, sorriu-se e imaginou que na noite do casamento, quando seu
marido se lhe ajoelhasse aos pés, ela o ergueria em seus braços para
dizer-lhe:
– Aqui estão as chaves de minha alma e de minha vida! Eu te
pertenço; fiz-te meu senhor; e só te peço a felicidade de ser tua
sempre! (ALENCAR, 2012, p. 150).

Entretanto, após a cena da revelação do ato de compra e venda, na noite de


núpcias, ele age contrariamente ao que ela esperava e se resigna a condição de homem
vendido: “– A senhora fará o que for de sua vontade. A minha obrigação é obedecer-lhe,

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

como seu servo [...]” (ALENCAR, 2012, p.172). Diante deste fato, Aurélia se revolta e
se decepciona, então decide se vingar, mesmo sabendo que o preço dessa vingança eram
a tristeza e a mágoa que se acumulavam em seu coração. Vale ressaltar que o fato de
Fernando tê-la abandonado por outra mulher não é o que motiva a vingança de Aurélia,
como ela próprio confessa:

– Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim pelo


seu dote, um mesquinho dote de trinta contos! Eis o que não tinha o
direito de fazer, e que jamais lhe podia perdoar! Desprezasse-me
embora, mas não descesse da altura em que o havia colocado dentro
de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o de seu pedestal,
e atirou-o no pó. Esta degradação do homem a quem eu adorava, eis o
seu crime; a sociedade não tem leis para puni-lo, mas há um remorso
para ele. Não se assassina assim um coração que Deus criou para
amar, incutindo-lhe a descrença e o ódio (ALENCAR, 2012, p. 120).

Essa explicação de Aurélia sobre esse “crime” revela uma imagem idealizada do
amado, pois ela “[...] amava mais seu amor do que seu amante, era mais poeta do que
mulher; preferia o ideal ao homem” (ALENCAR, 2012, p. 106). Em outras palavras,
Aurélia adora a imagem daquele homem de alma nobre que acendia a paixão e fazia o
seu coração vibrar, o qual conhecera na rua de Santa Teresa.
Mas Fernando se torna indigno do seu amor, porque entre as conveniências e a
afeição, escolheu o interesse ao amor; e é isso que Aurélia não perdoa. No entanto, ela,
submissa ao amor que sente por ele, quer se entregar a esse sentimento, mas a mágoa, o
orgulho e a decepção que esse homem causou a impedia de desfrutar dessa felicidade:
"– Eu?... Não me importaria que ele fosse Lúcifer, contanto que tivesse o poder de
iludir-me até o fim, e convencer-me de sua paixão e inebriar-me dela. Mas adorar um
ídolo para vê-lo a todo instante transformar-se em uma coisa que [...] nos repele... [...]"
(ALENCAR, 2012, p. 159-160). Esse conflito interno de Aurélia pode ser explicado
pela seguinte característica do Romantismo: “Ao passo que o clássico tende a
simplificar as personagens, o romântico encara a natureza humana na sua complexidade,
construindo tipos multifacetados, mais naturais e mais humanos” (COUTINHO, 2004,
p.10).
Vivem como estranhos na mesma casa durante onze meses, mas socialmente
formam o “casal perfeito”. Porém na intimidade do lar, não pronunciavam o nome um
do outro e passava dias sem se verem. Nem os criados e nem D. Firmina percebia essa

203
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

indiferença de ambos, mas a viúva notava o comportamento desenvolto que Aurélia


mostrava depois da noite do casamento e atribuía aquilo:

[...] à inversão que têm sofrido nossos costumes com a invasão das
modas estrangeiras, assentou [...] que o último chique de Paris devia
ser esse de trocarem os noivos o papel, ficando ao fraque o recato
feminino, enquanto a saia alardeava o desplante do leão. “Efeitos da
emancipação das mulheres!” – pensava consigo (ALENCAR, 2012, p.
133).

Num espécie de longo duelo, marido e mulher se opõem à prova, Fernando


querendo mostrar a sua honra e o seu caráter; enquanto Aurélia que não devia
explicação dos seus atos: “[...] Sou senhora de mim, e pretendo gozar da minha
independência sem outras restrições, além do meu capricho. Foi o único bem que me
ficou do naufrágio de minha vida, este ao menos hei de defendê-lo contra o mundo”
(ALENCAR, 2012, p.224). Mas, no âmago de Aurélia pulsa um coração romântico, o
que torna impossível conter e domar os impulsos da sua paixão veemente:

Depois de breve pausa, continuou falando outra vez ao retrato: –


Quando ele convencer-me do seu amor e arrancar de meu coração a
última raiz desta dúvida atroz, que o dilacera; quando nele encontrar-
te a ti, o meu ideal, o soberano de meu amor; quando tu e ele fores
um, e que eu não vos possa distinguir nem no meu afeto, nem nas
minhas recordações; nesse dia, eu lhe pertenço... Não, que já lhe
pertenço agora e sempre, desde que o amei!...Nesse dia tomará posse
de minha alma, e fará sua! (ALENCAR, 2012, p. 215).

Durante esse tempo de convivência, uma transformação ia acontecendo no


caráter de Seixas e isso comovia Aurélia, pois via a encarnação do seu ideal. Quando
percebe que Seixas a ama, acende uma esperança de ainda ser feliz com seu amado. Ela
tem ímpetos de confessar a esse homem toda a sua ânsia de amor que sentia. Mas decide
esperar para que ele compreenda que não é possível viverem separados. Ao longo desse
período, Seixas trabalha arduamente até conseguir obter a quantia que recebera como
sinal pelo “acordo”. Devolve os cem mil-réis à esposa e se despende dela. Nesse
momento, porém, Aurélia revela-lhe seu amor: “– Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus
pés, Fernando, e suplico-te que aceites meu amor, este amor que nunca deixou de ser
teu, ainda quando mais cruelmente ofendia-te” (ALENCAR, 2012, p. 234). Os dois,
então igualados no amor e na honra, podem desfrutar do casamento, que ainda não havia
se consumado.

204
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Considerações finais

Percebemos que há mudanças na educação de Aurélia, pois enquanto moça


pobre as suas atividades eram restritas ao lar e, depois da herança, ela percorre outros
lugares da sociedade – mas sempre acompanhada, seja pela D. Firmina seja pelo esposo
– frequenta bailes e teatros. Nessa sociedade burguesa, onde as aparências se
sobrepunham aos valores sociais e morais, Aurélia é construída sendo dotada da beleza
e inteligência que a classe alta estimava. Ela tem conhecimentos sobre negócios e
facilidades em fazer operações aritméticas, assim é dona de seu destino e suas vontades,
administra seu dinheiro e sua casa, embora possua uma ama e um tutor.
Se antes era sua mãe quem a ajudaria a escolher com quem deveria se casar,
agora Aurélia tem autonomia para realizar tal ação, o que não era comum para uma
mulher daquela época. O casamento era visto como forma de ascensão social, no caso,
por parte de Seixas. Para todos em volta, Aurélia e Fernando são um casal feliz, mas
vivem de aparências, pois ele é submisso às vontades e às ordens da mulher, por ter se
“vendido” pelo dote. Aurélia ironizava o poder dominante que o dinheiro exercia sobre
as pessoas. No entanto, sua altivez e transformação nas atitudes são produto da
influência que ele (o dinheiro) exercia sobre ela.
Apesar dessa independência, ela ainda deixa vestígios dos costumes
culturalmente criados em torno da mulher. Além disso, notamos a forte influência dos
ideais do Romantismo na obra em questão, pois a reconciliação do casal só é possível
porque Seixas se regenera através do amor de Aurélia.

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<http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema3/3158.pdf>. Acesso em: 04 nov.
2016.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

IMAGENS DE SI COMO POSSIBILIDADE PARA UMA ANÁLISE DO


SENSÍVEL NA REVISTA FLOR DE LIZ (CAJAZEIRAS-PB, 1920-1930)

Risoneide Silva de Araújo1


Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosemere Olímpio de Santana2

Introdução

As mulheres da elite cajazeirense utilizavam muito mais que apenas lápis e


papel, seus escritos deixavam nas entrelinhas uma Cajazeiras sentida de formas
particulares, assim experimentando cada espaço e colaborando para um novo olhar dos
seus leitores e leitoras. Desse modo, entre os rituais religiosos e os afazeres domésticos
outros interesses se faziam presentes, entre eles publicar na revista e mostrar para as
demais mulheres cajazeirenses os prazeres encontrados nos lares, na religião e nos
avanços modernos, porém conservador.
Assim, buscamos compreender a partir do periódico como era viver, sentir e se
comportar enquanto mulher e como os seus sentimentos eram e poderiam ser sentidos e
compartilhados dentro do modo no qual as mulheres deveriam se encaixar. Sendo
assim, podemos perceber que determinados dispositivos como, por exemplo, a moda
poderia influenciar nas suas formas de perceber a sociedade. Ao analisarmos a revista é
possível vermos que essa era controlada pelos interesses colocados dentro dessa
sociedade, como também das próprias mulheres que a partir de suas particularidades se
expressavam dentro do contexto, compartilhando mais que leituras, compartilhando
sentidos. Desta maneira partilhando da ideia de Pesavento (2007, p. 21), acreditamos
que “recuperar sensibilidades não é sentir da mesma forma, é tentar explicar como
poderia ter sido a experiência sensível de um outro tempo pelo rastro que deixou”.
Desse modo, enquanto sujeitos que buscam compreender um pouco mais desse
contexto no qual essas mulheres estavam inseridas e perpassando as mais variadas
relações, pretendemos compreender como os usos da moda expostos nos textos dos
periódicos, a partir de imagens fotográficas, podem dar possibilidade para vermos
emoções vividas. Sendo assim, não cabe a nós trazermos o passado de volta ao falar
dessas mulheres, mas dar visibilidade para que elas possam contar um pouco mais dos
seus jogos sensoriais.

1
UFCG/CFP. E-mail: [email protected]
2
UFCG/CFP. E-mail: [email protected]

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A imagem fotográfica colocada na Revista Flor de Liz nos permite conhecer um


pouco mais sobre essas mulheres nas mais variadas formas, sejam para divulgar
acontecimentos, anúncios, aniversários, para ilustrar as notícias, tudo isso eram algo
presente no corpo do texto. É nesse meio que surgem imagens de homens, mulheres,
prédios e objetos variados. No entanto, como forma de análise para compreendermos
um pouco sobre as experiências sensíveis das mulheres na Flor e como a moda torna-se
possibilidade para essa discussão a partir dos seus usos, utilizaremos algumas das
imagens de mulheres divulgadas na revista.
Pensando nos lugares que eram colocados para homens e mulheres no contexto
dos anos 1920-1930 na Paraíba como também o processo de modernização que se
apresentava na cidade de Cajazeiras, é plausível de análise perceber como os rostos
femininos se expressavam no periódico, tendo em vista que a imagem fotográfica traz
consigo toda uma intencionalidade e ao ser exposta na revista existia um interesse de
quem as colocavam, o que nos levam a pensar as mesmas além do anúncio de
aniversário, mas uma forma de expor no corpo do texto uma leitura de si, dos sentidos.
A foto nos permite revelar momentos, expressar emoções e, por traz do rosto e da
postura das jovens senhoras e senhorinhas existe um mundo e é nesse mundo de
sensações que convidamos os nossos leitores a adentar na Flor de Liz e, portanto,
conhecer um pouco sobre essas mulheres.
Mulheres essas que sentiam, amavam e tinham anseios, que estavam em contato
com as mudanças modernizadoras, porém eram também conservadoras. É relevante que
mesmo influenciadas por discursos religiosos, pela sociedade e compartilhando em sua
maioria dos mesmos, nada impede que estas escrevessem sobre seus gostos e desejos.
Isso se torna evidente quando na revista está presente um discurso sobre o uso do corte
de cabelo, então, percebemos que na maioria das imagens publicadas a figura da mulher
aparece fazendo apropriações do modelo a la garçonne.
É na tessitura das imagens colocadas na Flor que o vivido dessas mulheres
torna-se visível, cada fotografia traz uma riqueza de detalhes que assim nos permite
perceber as visibilidades e o dizível que as mesmas podem nos conduzir. Enfim,
focaremos nossos olhares para os retratos destas mulheres na revista, uma maneira
subjetiva de buscar a partir das nossas experiências contemporâneas e como coloca
Silva (2000) ver “lugares de sedução, visibilidade que as mulheres alcançam na época
moderna”. É nesse emanar de possibilidades que levantamos alguns questionamentos

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

sobre os padrões que eram predominantes, como os gostos pela moda, as apropriações e
como a beleza estava relacionada a esses usos.

Rostos femininos na Revista Flor de Liz

A Revista Flor de Liz, mensalmente ilustrada, trazia em seus textos vários


aspectos e informações relevantes sobre Cajazeiras nos anos de 1920-1930. Como já foi
citado nos capítulos anteriores, a revista torna-se expressão do progresso para a cidade,
assim enquanto revista ilustrada toma destaque, pois permite ao leitor um contado mais
próximo entre as notícias escritas, dando uma nova linguagem para compreensão dos
fatos. Para Costa (1993, p. 70).

As revistas ilustradas marcaram sua diferença em relação à imprensa


diária através do apelo das imagens, consolidando o processo de
massificação da fotografia iniciado em meados dos séculos XIX. Estas
revistas assumiram um papel de crescente importância até o início dos
anos 1950, inundando a sociedade contemporânea com uma
quantidade e uma variedade sem precedentes.

É importante ressaltar que a ilustração em alguns periódicos possibilitou um


aumento maior na diferenciação entre os demais impressos presentes nesse contexto,
assim acreditamos que as imagens empregadas fazem com que a curiosidade do leitor
seja despertada pelos mais variados temas.
A utilização de fotografias de mulheres escolhidas por mulheres na Revista flor
de Liz nos faz pensar sobre o contexto e as sociabilidades da época, pois segundo
Corbin (s/d, p.09) cada sociedade vive no interior de um arcabouço temporal. Nesse
sentido, pensar os modos, a moda e como as mulheres buscavam viver essa Cajazeiras,
é algo que está além dos espaços, das fronteiras, percebendo emoções e experiências
que são individuais, mas também compartilhadas.
Então, para adentrarmos nesses sentidos perpassados pelas imagens fotográficas
é relevante nos questionarmos sobre o ato fotográfico: Por que a importância da imagem
de si? Quais os interesses e emoções estavam inseridos no desejo de guardar ou expor
para si determinadas fotos? Por quais motivos eram motivadas as mulheres da elite
Cajazeirense ao expor suas fotos? Assim, essas perguntas fazem com que possamos
entender e analisar as imagens, tendo em vista que a imagem não fala por si só e é
preciso que perguntas sejam feitas.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A partir dessas questões, buscamos como aponta Corbin (s/d) perceber não as
causas das mulheres colocarem suas fotos ou permitir serem expostas, mas os sentidos
da escolha. Toda via, pensarmos esses sentidos é pensar as relações constituídas e os
arranjos formados nesse meio, assim existindo toda receptividade dos que expõem as
imagens como também dos receptores. A esse respeito, Mauad (2005, p.134) afirma que
“O papel dos sujeitos sociais como mediadores da produção cultural, compreendendo
que a relação entre produtores e receptores de imagens se traduz numa negociação de
sentidos e significados”, assim nesse meio de produção da revista as imagens nos
aparecem muito além da ilustração.
A partir dessa linguagem visual que as imagens fotografias nos permitem ver e
analisar, buscamos compreender os jogos sensoriais presentes nas imagens analisadas.
Para tanto, tomamos como base Mauad (2005) que nos apresenta uma discussão sobre o
trabalho com a fotografia em revistas do Rio de Janeiro na primeira metade do século
do XX. A autora afirma que as imagens nos contam histórias (fatos/acontecimentos),
atualizam memórias, inventam vivências, imaginam a história. Assim, é importante
percebermos antes da análise das imagens fotográficas das mulheres na revista, como as
mesmas se colocavam em torno dos usos da fotografia e as apropriações em torno dos
estilos voltados para corpo e beleza.
Para tanto, usando de imagens femininas presentes na revista, podemos
compreender um pouco sobre os sentidos, para isso é preciso levantar alguns
questionamentos: Quais os gestos expressos nas imagens? Quais os reflexos da moda
foram expressos? Quais as apropriações? Para tal análise, escolhemos algumas imagens
femininas presentes nas capas como também no corpo do texto. Na edição da revista de
junho de 1930, as autoras colocam na capa a fotografia de D. Joaninha Freire, a mesma
era “Digna” esposa do Sr. Raymundo freire e fazia parte de uma das secções da Ação
Social Católica Feminina.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Flor de Liz, Anno IV, N° 7, junho de 1930.

O uso da imagem aconteceu em decorrência da passagem do seu aniversário, os


artifícios presentes na imagem nos possibilita perceber que ela era pertencente à elite
cajazeirense, visto o uso de vários acessórios, entre eles, brincos, colares, broche no
cabelo como também uma vestimenta rica em detalhes; seu rosto tem traços marcantes e
a mesma se apropria do corte de cabelo a la garçonne, que por muito tempo esteve em
uso na cidade Cajazeiras-PB.
Contudo, na edição de agosto de 1927 intitulada “Cabellos...longos” quem
escreve narra experiências vividas em outro país, mas desperta o interesse das leitoras.
Além disso, discorre sobre o uso do cabelo longo na Espanha, relatando que “qual,
porém, não foi o espanto, de toda cidade, quando verdadeiro batalhão de belíssimas
espanholas se apresentou no concurso com bastas e lindíssimas cabeleiras...”. Dessa
maneira, as autoras nos permitir entender que mesmo estando em uso o corte curto, o
longo era visto por algumas mulheres como os mais bonitos ou conveniente. Na revista
e nas fotografias de si, as mulheres pertencentes à elite cajazeirense apresentam o
modelo a la garçonne, mostrando que mesmo vivendo em uma conjuntura que
determina regras do que fazer ou não fazer, tentavam adequar a moda aos seus gostos.
No mês de abril de 1927, a escritora Cynthia pública sobre o uso do corte de cabelo a la
garçonne e expõe sua opinião sobre essa polêmica.

E não é isso uma questão de gosto? De gosto de hygiene, de


commodismo, sim mas não só por qualquer uma dessas causas. Usa-se
o cabello cortado simplesmente porque é moda: a moda quiz e nada
mais. [...] julgo que a mulher é que imprime, nas suas modas, nos seus
uzos, o chic, a moral, a distincção que lhe são especiaes (FLOR DE
LIZ, Abril de 1927).

211
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Desse modo, compreendemos que os gostos se faziam presentes e eram sentidos


pelas mulheres, gostos esses que se refletem nos cortes de cabelo, nas formas de se
vestir, nas próprias maneiras de fugir das regras que, muitas vezes, buscavam manipular
os corpos. Ao olharmos a foto não podemos afirmar que na fotografia de Joaninha
Freire, ela estivesse com os cabelos cortados, pois Cynthia dando continuidade ao seu
artigo também nos apresenta que “a mocinha vaidosa ou madame elegante, arranjavam
geito, procuravam enfeite de maneira que os seus cabellos imitadores do a la garçonne”.
Sendo assim, podemos ver que de algumas maneiras essas mulheres buscavam
estratégias para expressar seus gostos, seja no corte, no uso do broche ou na maneira de
prendê-lo.
Ao pensar o sensível a partir do uso das fotografias femininas, podemos dialogar
com Pesavento (2007, p.20), pois está afirma “(...) que sensibilidades se exprimem em
atos, em ritos, em palavras e imagens, em objetos da vida material, em materialidade do
espaço construído”. Assim, o uso da fotografia pode nos revelar perspectivas que
passam muitas vezes sem percebermos como, já fora mencionado, o corte de cabelo que
mesmo existindo falas na qual determinava os modos e as modas, as mulheres
buscavam dentro de suas limitações fazer o uso do mesmo.
Com relação à produção de imagens fotográficas em Cajazeiras e a publicação
na Flor de Liz, percebemos que já existia uma grande preocupação visto que em quase
todos os números analisados encontramos a divulgação da “Photographia modelo”,
sendo proprietário o senhor J. Magalhães. No anúncio estava expresso da seguinte
forma:

“J. Magalhães proprietário dessa fotografia tem o prazer de oferecer


ao distincto público desta cidade os seus serviços photofhicos,
garantindo que executará qualquer trabalho que lhe for confiado com
presteza, cuidado e asseio para o que dispõe de longa prática, ainda
ressalta trabalhos nítidos, expressos e inalteráveis por processos
moderníssimo, produz coloridos e ampliações em todos os tamanhos.
Preços Convidativos (FLOR DE LIZ, Ano I, março 1927).

Dessa forma, entendemos que a utilização da fotografia era tida como um signo
presente do moderno e que a cidade nas décadas de 1920-1930 já fazia uso, porém nem
toda comunidade poderia usufruir desse aparato tecnológico, tendo em vista os preços.
Assim, a revista traz fotos variadas de fotografias de mulheres e homens, estes
ocupavam cargos importantes na cidade como, já foram citados anteriormente, médicos,

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

políticos, comerciantes e padres; enquanto as imagens femininas aparecem na condição


de professoras ou relacionadas aos pais ou esposos. A imagem seguinte que observamos
é a fotografia de Elita Cabral, presente na edição de abril de 1927 que informa “a
intelligente senhorinha Elita Cabral gentil filha do casal Dr. Genesio Cabral e D.
Douralice Cabral”. A mesma tem a imagem divulgada em decorrência do seu
aniversário, para muitas jovens este acontecimento comemorativo seria um momento
único, pois suas imagens poderiam estar estampadas em alguma capa da revista.

Flor de Liz, Anno IV, N° 4-6, Abril de 1930.

A fotografia está em preto e branco, provavelmente traz a imagem de uma


senhorinha da elite cajazeirense. Podemos descrever toda uma riqueza de detalhes,
desde o laço na cabeça que poderia representar o sinal de pureza da jovem, o corte de
cabelo, como também o banco sendo o local que a mesma senta para fazer uma pose.
Assim, a imagem transmite toda uma sensibilidade, desde a escolha da roupa até o
ângulo da foto, ou seja, existe todo um ritual até chegar ao clique do fotógrafo.
Pelo enunciado na coluna da revista a jovem provavelmente é solteira, isso é
possível de análise, pois geralmente as senhoras casadas traziam o nome do esposo,
sendo que Elita é apresentada apenas como “filha do casal...”. Pelas características da
foto em comparação com as demais imagens femininas expostas nesse capítulo, a jovem
aparenta ser bem mais nova, assim usando da sua mocidade a imagem passa uma
inocência e pureza, trazendo uma beleza singela, meiga e com recanto de delicadeza.
Isso é perceptível até mesmo pelo uso da roupa, pois essa tem menos detalhes e cor
mais suave, possivelmente branca. Nesse sentido, podemos analisar que ao colocarem a

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

foto da senhorinha na revista, as mulheres tinham ideais de pureza, beleza e conduta que
eram repassados no periódico.
Logo as fotografias usadas na revista nos deixa brecha para percebermos as
diferenças colocadas entre os sujeitos e os espaços ocupados, mostrando o reflexo da
vida de homens e mulheres que habitavam Cajazeiras nas décadas de 1920-1930 e; faz-
nos refletir sobre as relações de gênero que estão atreladas na sociedade e como as
regras, os discursos e as instituições podem contribuir para a diferença entre os
indivíduos, assim determinando o que é ser homem e o que é ser mulher. Discutindo
sobre esses lugares enquanto construção das identidades para o feminino e o masculino,
Louro (1997, p.28) afirma que:

É possível pensar as identidades de gênero de modo semelhante: elas


também estão continuamente se construindo e se transforando. Em
suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos,
representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como
masculino ou feminino, arranjos e desarranjos seus lugares sociais,
suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo. Essas
construções e esses arranjos são sempre transitórios, transformando-
se, não apenas ao longo do tempo, historicamente, como também
transforma-se na articulação com as histórias pessoais, as identidades,
de raça e de classe... (LOURO, 1997, p.28).

Portanto, as formas como os lugares para o feminino e o masculino eram


constituídos na Revista Flor de Liz ficam evidentes nas edições que tivemos acesso,
entre elas:1927, 1930 e 1931. Podemos observar que as imagens predominantes são
masculinas, aproximadamente 49 de homens e 21 de mulheres, dentro do texto várias
imagens se repetem e muitas se misturam. Assim, o que nos leva a questionar: Por que a
maioria é masculina? Acreditamos que em consequência das profissões ou cargos na
cidade serem ocupados por esses homens, as carreiras variavam entre médicos,
políticos, comerciantes e padres, sendo que esses ocupavam os espaços do público e as
fotografias presentes na revista estavam voltadas para os anúncios em torno das suas
funções e dos lugares que os mesmos ocupavam.
Nesse sentido, visualizamos um desejo dos sujeitos ao escolher para si quais
imagens seriam expostas na revista e suas finalidades. Sabendo que a mesma atingiria
grande público e suas fotos seriam vislumbradas por outros meios é evidente que existia
um trato para escolher a melhor foto. A respeito da fotografia, Borges (2003, p. 40)
afirma que:

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Parte significativa da fotografia, profissional e/ou amadora, passou


pela confecção de retratos de indivíduos cujo desejo era transcender os
muros do anonimato erigido pelo ritmo acelerado e voraz da
modernidade. Desde cedo o retrato fotográfico se colocava como
prova material da existência humana, além de alimentar a memória
coletiva de homens e mulheres e de grupos sociais.

A autora nos dá a possibilidade de visualizar os retratos enquanto mecanismos


de respaldo, ou seja, aos se apropriarem deles os sujeitos fazem escolhas, podendo fazer
suas seleções e expor o melhor que podiam oferecer. As fotografias colocadas na
Revista Flor de Liz podem contribuir para a saída do anonimato de homens e mulheres,
tendo em vista que a mesma circulava na Paraíba, assim outros espaços poderiam vir a
conhecer esses indivíduos. No entanto, buscamos perceber as fotografias como
produtoras de sentidos, atrelando-se às relações sociais.
Extrair por meio das imagens fotográficas presentes nos periódicos um pouco
das visibilidades e sensibilidades das mulheres da elite cajazeirense não é fácil, pois
somos perpassados por desejos e olhares atuais. Assim, é importante treinar o nosso
olhar para buscarmos entender os sentidos que levavam as mulheres a expor suas
imagens na revista como também o que vinha antes da pose, ou seja, o ato de se
fotografar permitia a fixação de um determinado momento bem como para mostrar a
aquisição de um produto que se tornava expressão do moderno, logo ter para si uma
foto seria uma maneira de permanecer viva uma lembrança.
Dessa maneira, para entender os usos que vinham antes da escolha da imagem
para ser divulgada pelas mulheres na revista é necessário compreender um pouco sobre
as técnicas de produção, que a nosso ver tornava-se algo além do desejo pela produção,
mas o anseio de propagar para si uma imagem de um determinado momento vivido.
Assim, Mauad (2005, p.136) possibilita essa discussão ao nos apontar possibilidades de
se trabalhar com fotografias:

O ponto de partida é compreender a natureza técnica do ato


fotográfico a sua característica de marca luminosa, daí a ideia de
indicio, de resíduo da realidade sensível impressa na imagem
fotográfica. Em virtude desse princípio, a fotografia é considerada
como testemunho: atesta a existência de uma realidade.

Percebemos que algumas mulheres estavam sensíveis às transformações que a


cidade estava passando, como os processos de modernização. Desse modo, viver e se
expressar nessa conjuntura era algo pelo qual buscava boa parte das mulheres, dentro

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

desses princípios a mulher buscava formas de vivenciar esses contextos na moda, na


religião e nos lazeres.
Assim, percebemos que mesmo compartilhando do mesmo contexto as
mulheres da Revista Flor de Liz tinham suas particularidades, desejos, alegrias, medos e
gostos que nunca eram sentidos da mesma forma. Luna (2012, p. 20) relata que no
contexto da modernidade vivenciado na Paraíba no século XX, “a modernidade torna-se
anseios de muitos”. Dessa maneira, podemos perceber que nessa conjuntura de
mudanças outros sentimentos vão se constituindo como os medos, as angústias e as
inseguranças, pois todas as transformações que a Parahyba como também Cajazeiras
estavam vivenciando são perpassadas por sujeitos que muitas vezes sentem receio pelas
mudanças na sociedade, mas que mesmo assim buscavam vivenciá-las dentro dos
modos possíveis.
Nessa conjuntura, as mulheres iam se fazendo presentes a partir dos seus escritos
em revistas e em jornais. Na Flor de Liz algumas escritoras divulgavam suas imagens,
escolhemos duas fotografias que trazem senhoras pertencentes ao periódico, entre elas
respectivamente, Rosinha Mendes, secretária da revista e Fortunata Assis, está escrevia
diversos artigos para a revista. Ambas são mulheres da elite, casadas e que nos traz em
seus retratos toda uma elegância, postura e olhares. Rosinha Tavares faz uso de joias e
um vestido aparentemente branco, seu olhar está distante; diferentemente Fortunata não
utiliza joias, mas usa um vestido com detalhes em flores e direciona para um ponto fixo.
Essa escritora tem seus artigos expostos na revista e a maioria envolve assuntos
relacionados à beleza e como deve ser aquelas que não são consideradas bonitas.
Notamos também que em ambas as fotografias essas mulheres buscavam outros olhares
que não eram a do maquinário, essas poses são predominantes na época e caracteriza
esse modelo.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Flor de Liz, Anno IV, N° 10-11, Out 1930. Flor de Liz, Anno IV, N° 10-11, Out 1930.
D. Rosinha Mendes Tavares Fortunata Assis

Perceber esses sentidos e sensibilidades relacionados à Revista Flor de Liz nos


leva a caminhos desconhecidos, mas instigantes. Assim, vemos que para se chegar à
determinada fotografia existiria uma escolha, está correlacionada a todo um ritual desde
a escolha da roupa, dos acessórios, ângulo e olhares, enfim, desde o ato de ser
fotografada até escolher a foto para ser divulgada, essas mulheres eram transcorridas
por anseios e intencionalidades. Para tanto, sabendo do avanço da revista em Cajazeiras
como também em outras localidades, essas mulheres tornavam-se visíveis em outros
meios a partir do escrito e das imagens. Sendo assim, o espaço do privado torna-se
público e essas mulheres criavam certa visibilidade a partir das imagens de si, tendo em
vista que os espaços e limites dedicados a mulheres estavam atrelados aos cuidados
domésticos e dos filhos.
Mauad (2005, p.136) ressalta que “(...) há de se considerar a fotografia como
uma determinada escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis, guardando
nessa atitude uma relação estreita com a visão de mundo daquele que aperta o botão e
faz clique”. Aqui vemos que o fotógrafo escolhe o melhor ângulo para sua fotografia,
mas as mulheres também poderiam escolher, dentro das suas limitações, a melhor foto e
expor nas edições publicadas pela Flor de Liz. Nas imagens abaixo, podemos visualizar
duas fotografias de jovens Cajazeirenses: Turquinia Albuquerque e Adazgisa Reis,
moças que são expostas na revista em decorrência da formação da turma de novas
professoras da escola Normal. Elas são parabenizadas pela conquista e pelo mérito de se
tornarem educadoras na cidade.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Flor de Liz, Anno I, N° 12, Nov. 1927 Flor de Liz, Anno I, N° 12, Nov. 1927
Adazgisa Reis Turquinia Albuquerque

É notório que ambas são moças da elite, seguem um padrão de beleza. Adazgisa
usa acessórios como o broche e colar, o vestir nos chama atenção, pois diferentemente
das outras fotografias, a jovem deixa transparecer um pouco do colo, possivelmente
essas vestimentas estavam adentrando os espaços da cidade e despertando os interesses
das moças. A fotografia de Turquinia Albuquerque distingue um pouco das demais por
causa da posição que o fotógrafo utiliza, ela utiliza joias e, assim como as fotos
anteriores, segue um olhar distante. Ambas expressam rostos sérios e sorriso fechado,
dando uma sensação de melancolia.
Sobre esses rostos femininos e suas formas de expressar nas imagens, Luna
(2012, p.26) comenta que, nesse sentido, o desvio do olhar ou mesmo ausência de
sorrisos, certamente é um jogo de apropriações que busca mostrar apenas o que convém
ser revelado. Tudo isso, transcorridos por formas de sentir e maneiras de ser na cidade
de Cajazeiras nos anos de 1920-1930. As fotos demonstram uma particularidade
feminina, essa expressa uma sedução, olhares misteriosos e rostos sedutores, ao tempo
que tudo isso se completa na delicadeza e nos modos de agir.
As imagens das senhoras e senhorinhas que selecionamos apresentam uma
característica comum com relação à técnica, todas apresentam apenas a parte do colo e
rosto, assim percebemos que na revista a predominância era esse tipo de imagem
fotográfica. Sobre o uso dessas técnicas, Luna (2012, p.26) comenta que quase todos os
retratos em plano americano, o jogo de luz e sombra privilegia o rosto e o coloca com
foco destas imagens. O que Deleuze apud Luna (2012, p. 26) chama na cultura
Ocidental de rostificação, ou seja, o rosto como registro e visibilidade das emoções.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Para entendermos melhor as posturas das mulheres nas fotos e as técnicas usadas
pelos fotógrafos nesse contexto, Silva (2011, p.26) explica que “a maioria são em
planos americanos o corpo comumente está levemente lateralizado, os fundos são
escuros, sorrisos raramente aparece e o olhar quase não fita a câmera, quanto a este
padrão há poucas exceções”. Nesse sentido, os rostos fotografados traziam mais que
simples olhares, poderiam passar sentidos, estes atrelados às formas e aos modos de se
expressar, tanto na revista como também para a sociedade.
Os corpos femininos que surgem nas fotografias permitem vislumbrarmos um
dos mecanismos presentes na sociedade cajazeirense que seria a moda, esta se relaciona
em seu contexto com o corpo e os padrões de beleza existentes no período. Assim,
pensar sobre eles a partir das imagens colocadas na revista é uma forma de analisarmos
que além do ideário de belo ou feio, existia um interesse de se colocar, pois acreditamos
que seria uma forma de adentrar outros espaços, saindo assim do espaço do doméstico e
atingindo “locais masculinos”, tendo em vista que a revista poderia ter uma boa
circulação.

Considerações finais

Todos esses artifícios percebidos nas fotos femininas nos possibilita ver que a
moda e as apropriações feitas pela mesma eram presentes em Cajazeiras e, também
debatidas na Revista Flor de Liz como expressão de modos e comportamentos
acionados por mulheres na cidade. Pensar a moda relacionada com os retratos e analisar
um pouco dos usos e, principalmente, ver o sensível que se relaciona com a mesma,
pois não é apenas a indumentária, mas como esta é produto de uma sociedade e que ao
usá-la, os sujeitos estão se colocando enquanto receptores da mesma. A esse respeito,
Lipovetsky (2010, p. 207) aponta que “no coração do individualismo contestador, há o
império da moda como trampolim das reinvindicações individualistas, apelo à liberdade
e a realização privadas”. Desse modo, podemos perceber a moda como algo que
expressa gostos e vontades, assim os indivíduos podem tomar para si determinados
formas de vestir, mesmo que as receptividades muitas vezes não fossem bem vistas pela
igreja católica.
Nos escritos da revista percebemos uma preocupação com os cuidados com a
beleza, no artigo de janeiro de 1927 ao escrever sobre os concursos de beleza, a autora
afirma que “dir-se-ia que as próprias letras sagradas estimulam a mulher a se preoccupar

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

de sua beleza”. Além disso, reforça “não raro as mulheres que se nos propõem como
modelo, utilizaram-se dela para grandes bens”. Dando continuidade ao artigo, a mesma
expõe que “frequentemente são os conselhos das mais autorizadas vozes da igreja, no
sentido de se fazer a mulher agradável pela sua formosura a seus esposos”.
As imagens femininas na revista tomam certo destaque e nos permite perceber
entre os indícios possíveis outras formas de leituras. A beleza física estava atrelada a
manutenção do caráter, ou seja, ser bela e manter-se bela e viver a moda era pertinente
deste que a função da mesma estivesse dentro dos ditames religiosos e princípios
familiares, no qual zelava pela moral e pelos bons costumes.
Por fim, questionamos: O que essas mulheres retratadas tinham em comum?
Essas mulheres compartilhavam normas, dividiam ideias, escreviam para uma mesma
revista, estavam associadas a Ação Social Católica Feminina, cuidavam dos lares e
educavam seus filhos e se interessavam pela moda. Porém, se diferenciavam a partir dos
seus desejos pessoais, pois sentem de formas particulares, por isso ao se pensar as
fotografias femininas não podemos ver apenas a imagem, mas todo um enunciado no
qual engloba as experiências particulares, sentimentos e sensibilidades de uma época
que não é a nossa. Mas que ao olharmos a fotografia surge toda uma inquietação para
refletirmos sobre esses usos e como ao posar para foto, usar o melhor vestido e colocar
em seu corpo os acessórios necessários para deixa-las ainda mais elegantes, tornou-se
possível perceber as imagens de si como uma linguagem visual para se pensar o
sensível.

REFERÊNCIAS

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220
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

LUNA, Maria Stella Nunes. Moda e modo: uma leitura do moderno através das capas
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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

MARIA E ANTONIO PRETO: ESCOLHAS E SENSIBILIDADES AMOROSAS,


CAJAZEIRAS-PB, 1932

Katiana Alencar Bernardo1


Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosemere Olímpio de Santana2

O casamento que não vingou

Diz Jose Izidro de Souza morador no sitio Tambor deste districto que
tendo chegado ao seu, conhecimento a noticia de que a filha de menor
idade, de nome Maria Luzia da Conceição se achava deflorada,
procurando informar-se da mesma lhe afirmara ser verdade, cujo facto
havia sido praticado com fraude pelo sr. Raymundo Luiz morador no
mesmo sitio Tambor, deste districto há três anos pouco mais ou menos
foi ella deflorada pelo sobredito individuo e que somente agora
chegou ao conhecimento do suplicante e como se trata de uma menor,
vem o suplicante que seja responsabilidade de seu malfeitor [...]
(PROCESSO-CRIME, n. 138 de 1932).

O relato que observamos acima se trata da abertura de uma queixa, realizada no


dia primeiro de novembro de 1932, pelo senhor Jose Izidro, pai da menor Maria, que em
uma delegacia da cidade de Cajazeiras-PB denunciou o senhor Raymundo Luiz,
acusando-o de deflorar sua filha. O crime havia acontecido há três anos. Todavia, o pai
de Maria só veio a descobrir poucos dias antes da abertura desta queixa. Aparentando
estar inconformado com a desonra da sua filha, pede que a justiça puna o causador da
“infelicidade” acometida pela mesma, que se encontrava desonrada. Mas antes de
pensarmos as dinâmicas presentes nessa relação, pensemos algumas questões: quem era
Maria? De qual forma se dá o enredo e o contexto desta história que vem a ocupar as
páginas de um processo-crime de defloramento no ano de 1932?
Maria nasceu na cidade Cajazeiras-PB, precisamente no ano de 1917, moradora
da zona rural, teve uma vida “simples” e pobre. Analfabeta, não teve acesso a uma
educação fora daquela que podia ser obtida em seio familiar. Quando Maria contava
com doze anos de idade, decidindo caminhar sozinha numa certa tarde, foi ao baixio do
sítio Tambor. Lá foi surpreendida por um morador da mesma localidade, o qual era
próximo a ela e da sua família. De acordo com o depoimento prestado por Maria,
utilizando de ameaças e palavras de sedução o homem conseguiu deflorá-la, para isto
não foi preciso o uso da força, talvez por medo ou receio em reagir, movida por

1
UFCG/CFP. E-mail: [email protected]
2
UFCG/CFP/UACS. E-mail: [email protected]

222
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

sentimentos de culpa, de raiva e medo, ou até mesmo por questões não relatadas por ela
ao efetivar o depoimento. Raymundo pediu-a segredo e recompensou-a com um
cruzeiro, que ela parece ter aceitado. O que Maria não poderia contar era que essa
história viria à tona e que a partir disso teria sua vida esquadrinhada, analisada e julgada
por outros.
De acordo com as testemunhas e com a versão de Maria, três anos se passaram
após seu defloramento e ela continuava a manter esse segredo. Ocorre que a vida da
personagem junto a sua família passa por transformações, alguns fatores os levaram a
mudarem de casa e de localidade, e isso acabou interferindo e promovendo novos
contatos e afinidades, ou seja, outras pessoas passaram a transitar em suas vidas.
A vida para Maria e sua família não parecia estar nada fácil, ao que podemos
notar em depoimentos, pois os mesmos estavam em constante mudança de localidade
por conta da ausência de empregos e de renda, em consequência disso, seu pai e sua
família saíram do sítio Tambor em busca de oportunidades que possibilitassem a
manutenção para a família.
Operário da construção do Açude do Boqueirão, o senhor Izidro resolveu seguir
com sua família para essa obra, mas antes disso, passaram pelo sítio Catolé, local onde
mantiveram estadia por um tempo. É nessa localidade que Maria viveu uma reviravolta
em sua vida, tomando outros rumos e sentidos.
De acordo com depoimento do senhor Carró, a pessoa de Antonio Luis,
conhecido popularmente de Antonio Preto, morador da mesma localidade, se “enamora”
por uma das filhas do senhor Izidro, a qual é irmã de Maria. O relacionamento veio a
tornar-se realidade, e ao que consta, desenvolve-se um noivado entre eles. Antonio
Preto, ao que nos parece, desejava uma esposa, uma mulher que pudesse estar ao seu
lado, compartilhando da vida e dos seus planos.
O envolvimento do casal nos parece ter sido breve, mas para Antonio seria o
suficiente para desejar a irmã de Maria como esposa. Não conhecemos os interesses
nem o que motivou, mas sabemos que muitas das relações travadas nesse contexto
levariam em consideração alguns quesitos, por exemplo: ser um homem trabalhador e
que aparentasse boas intenções eram fatores importantes ao iniciarem um envolvimento.
Entre tantas verdades ou não, Antonio Preto convida a irmã de Maria a fugir
com ele, no entanto, ela não aceita. A questão que surge é: o que motivou o convite ao
rapto já que o noivado parecia existir perante a família de Maria? Antonio, talvez
insatisfeito diante da recusa de sua noiva, resolve propor casamento para Maria, o que

223
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

nos chama atenção e nos intriga. A sugestão é negada pela irmã, mas não por Maria,
que, diante do convite, aceita se casar com Antonio e assim fugir com ele.
Após o rapto, Maria passou a morar no sítio Catolé, na casa de uma família
amiga do então noivo. Segundo a dona da casa, Antonia Dirá, Antonio chegou à noite e
pediu para que abrigassem a sua noiva enquanto ele conseguia dinheiro para realizar o
casamento. Maria permaneceu durante três meses na casa dessa família, ao que ela
afirma, sem ter nenhum contato sexual com o noivo.
É nesse intervalo de tempo que Maria adoece e tenta esconder a sua doença de
todos e todas. A sua opção em ocultar os sintomas nos leva a pressupor que ela poderia
imaginar que a divulgação resultaria não apenas na descoberta de alguma doença, mas
também viesse a alegar a sua desvirginização. E o seu noivado, como ficaria diante
dessa situação? O que poderiam dizer e falar dela? Essa ação de Maria desperta
inúmeros sentidos e também sentimentos, como angústia, dor, vergonha e medo. No
entanto, chegou um momento que Maria não conseguia mais esconder, pois D. Dirá já
desconfiava:

[...] que sentindo ella depoente um mau cheiro que exalava a dita
moça perguntou-lhe o que significava aquillo, respondeu-lhe a mesma
que tinha sido com o aparecimento do estado critico com quatro dias
sem ella ter tomado banho. E nessa ocasião que ella respondente
aconcelhou a dita moça para se receitar a um médico; Respondendo-
lhe a mêsma que não precisava pois Ella mesmo se tratava, mas não
concordou ella depoente a troce para esta cidade [...] (PROCESSO-
CRIME, n. 138 de 1932).

Assim, Maria, sem ter o que fazer e mesmo contra a sua vontade, foi levada ao
médico da cidade, não encontrado de plantão e não realizando a consulta neste primeiro
momento.
Diante da necessidade visualizada por D. Dirá em descobrir o que de fato Maria
tinha, é ajeitada uma consulta com uma parteira “diplomada” que trabalhava pela
região. Mesmo com todas as negativas de Maria, esta teve que se submeter ao exame.
Maria fica em maus lençóis, seu segredo é desvendado a todos: é descoberto que ela não
era mais “pura”, virgem, e para completar a sua falta de sorte, é diagnosticada pela
parteira com uma doença sexualmente transmissível. Perante a divulgação de uma moral
higiênica e conservadora, Maria estava “perdida”, pode-se dizer, na rua da amargura.
Mediante a sua condição, ela confessa que de fato perdeu a virgindade há algum
tempo e pede para que a dona Dirá, que a acompanhou, não falasse nada para o seu

224
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

noivo. Todavia, ao saberem da condição de Maria, dona Dirá e seu marido resolvem
contar tudo para Antonio Preto, que de imediato põe fim ao noivado. Maria, diante dos
fatos, volta para casa defloramento. É dessa forma que se inicia o desenrolar dos autos
judiciais.
Essa história permite entrar em contato com os sentimentos e as possibilidades
postas ao amor e aos relacionamentos, como os agenciamentos, os desejos, as angústias,
os medos, interesses e incertezas que cercavam Maria.
Problematizar o amor, os relacionamentos, os sentidos e as possibilidades de
vivências a partir dessa relação são o nosso objetivo. Para pensar os sentidos
apresentados nesse envolvimento é necessário que nos aproximemos desses sujeitos. As
discussões nos encaminham e nos interligam ao seu contexto histórico, econômico e
cultural, a exemplo dos valores e moralismos. As escolhas em muito poderiam ser
construídas por interesses, por razões que estão para além do que era normatizado. São
esses sentidos que buscamos visualizar para nortear a nossa discussão.
Saber a intensidade desses sentimentos e a veracidade deles não será possível.
Procuramos tão somente visualizar as inúmeras facetas acionadas e agenciadas nas
dinâmicas de namoros e casamentos.
A história de Maria nos direciona para algumas questões, destacando que as
relações amorosas são bem mais complexas. Neste caso, existem várias possibilidades
que são construídas em torno de Maria, como também em torno do amor. Assim nos
questionamos: o que era necessário para iniciar uma vida a dois? Quais os sentimentos
que motivaram e orientaram o rapto de Maria na indisponibilidade de sua irmã? Que
critérios eram acionados e levados em consideração por Antonio e também por Maria
em seus relacionamentos? Como o amor poderia ser circunscrito nessa relação? Essas
são algumas questões a serem pensadas e analisadas neste trabalho.
Embora o rapto de Maria não seja o foco principal do processo-crime, esse nos
guia a pensar a complexidade das relações travadas nos relacionamentos ao discutirmos
as possibilidades de vivências em Cajazeiras-PB durante esse contexto. Notamos que os
princípios de família estavam embasados numa rede de discursos que norteavam os
relacionamentos e também o amor. Esses discursos indicavam o que seria “certo” ou
“errado”, o “moral” e o “imoral”. Os sentimentos em meio a isso se reelaboravam,
inclusive o amor.
O amor, como discutimos no capítulo anterior, ganhou, nos anos 20, um novo
redirecionamento, tornando-se alvo de discussões. Assim, podemos nos questionar

225
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

quais eram as dinâmicas diante das relações amorosas que foram experimentadas pelos
sujeitos comuns de Cajazeiras?
Entendemos que existiu uma pluralidade de razões e sentidos que podem ser
levados em consideração em um envolvimento amoroso, já que temos inúmeras
possibilidades de vivenciar e acionar as relações amorosas e que nem sempre estão em
sincronia com o que é ditado e instituído. Assim analisamos o contexto da história
buscando nos aproximar dos possíveis sentidos e sentimentos que pudessem estar
presentes em meio às escolhas de Maria e Antonio Preto.
O que teria motivado o rapto já que Antonio não tinha como casar de imediato?
O que o levou a raptar Maria na indisponibilidade de sua irmã? Será que existia algum
impedimento por parte da família da moça? O que não parece ser o caso, já que o pai de
Maria, quando recorre à justiça, nada diz sobre o rapto, apenas acusa o suposto
deflorador. Não poderemos responder as vias que motivaram o rapto, para tanto,
podemos nos aproximar diante do contexto e das possíveis motivações do que poderia
impulsionar e desencadear este relacionamento.
Rosemere Olímpio de Santana (2013), em “Tradições e modernidade: raptos
consentidos na Paraíba (1920-1940)”, alerta para a pluralidade de dinâmicas
desenvolvidas pelos sujeitos ao acionarem as suas relações na Paraíba, assim “seria
impossível traçar um cenário preciso para as histórias de amor e muito menos
determinar comportamentos e sentimentos próprios a uma época” (SANTANA, 2013, p.
29).
Deste modo, definir um ideal de amor para Cajazeiras-PB não é possível, mas a
partir das escolhas, dos interesses e agenciamentos presentes, poderemos estimar
possibilidades, motivações e escolhas para esses personagens ao vivenciarem as suas
histórias de amor. Deste modo, vamos conhecer um pouco mais sobre a vida da nossa
personagem.

Cotidiano e vivência: uma possibilidade de vida a dois

Para entrar no universo no qual Maria e Antonio conduziam suas relações,


tivemos que voltar ao contexto histórico dos nossos personagens. Como imaginar os
sentidos, as práticas e escolhas desses indivíduos, sem antes entender o seu lugar
sociocultural? Sem antes imaginar os possíveis caminhos trilhados nas suas trajetórias?
Sem antes nos remetermos aos momentos que estes viviam? Não poderíamos deixar de

226
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

pensar o ano de 1932. Mas para além do tempo, o que mais nos podia remeter as
possíveis sensações das suas vivências? Para isso pensamos os lugares nos quais esses
personagens acionaram as suas experiências, bem como buscamos entender os seus
desejos e vontades.
Mas essas informações seriam rasas e sintéticas, e por si só não respondem a
muitos dos nossos questionamentos, elas precisam ser relacionadas e entrelaçadas com
outras discussões ou fontes, pois não dariam conta de responder as inquietações
levantadas. Deste modo, ao visualizarmos o caso, pensemos o lugar de ação, atuação e
apropriação dos sujeitos envolvidos na nossa história. Maria, moradora da zona rural de
Cajazeiras, de origem “simples”, filha de um operário do açude Boqueirão, resolve fugir
com Antonio Preto, que também era pobre e, segundo as testemunhas, teve que ir em
busca de dinheiro para formalizar o casamento após o rapto. Olhando para o processo,
um fato nos chamou atenção e proporcionou outras questões que auxiliam a pensar esse
momento, como as escolhas dos personagens.
Maria, como já apontamos, era filha de um operário da construção do açude de
Engenheiros Ávidos (Boqueirão) – alguns textos apontam a dimensão dessa obra e a
importância dela para o progresso da cidade. Para tanto, partiremos desta para nos
orientarmos a pensar o cenário em que Maria estava presente. Muito embora algumas
falas sinalizem para a possibilidade desta não ter chegado a viver em meio a essa
construção, percebemos que a implantação do açude de Boqueirão pode ter entrelaçado
as vivências de Maria e, muito possivelmente, suas decisões.
Acreditamos, entretanto, ser necessário discutir o que essa obra foi capaz de
viabilizar e proporcionar a Cajazeiras-PB. Para isso faremos uma breve historicização
no intuito de entendermos a importância da construção do açude para esta localidade,
em seguida, retornaremos ao contexto que a nossa personagem estava vivenciando.
Eliana Rolim (2010) discute a amplitude dessa obra e a importância desta para
cidade de Cajazeiras. Iniciada no ano de 1920, trouxe diversas possibilidades diante do
processo modernizador que Cajazeiras se inseria: os novos aparatos, a pluralidade de
princípios circulantes nesse espaço com a adentrada de diversos grupos que afluíram a
cidade em decorrência dos empregos gerados. Mobilizando nessas circunstâncias uma
população que padecia de fome, vivia uma constante seca que afligia a Paraíba.
Vejamos o que a autora afirma sobre isso:

227
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Na década de 1920, Cajazeiras recebeu o primeiro conjunto de


serviços empreendidos pelo IFOCS3, dentre os quais a construção de
grandes reservatórios de água e a abertura e melhoria de estradas de
rodagem foram os mais executados. Essas obras tiveram grande
respaldo no cotidiano local, movimentando a cidade em suas esferas
política, social, econômica e cultural. A construção do Açude de
Engenheiro Ávidos, por exemplo, atraiu trabalhadores de várias
localidades do Nordeste, o que proporcionou um aumento
populacional e também gerou emprego e renda para a cidade
(ROLIM, 2010, p. 69).

Vejamos melhor a grandiosidade e a importância dessa obra a partir da fala de


um memorialista da cidade. De acordo com Costa (2013), os aparatos que adentraram
Cajazeiras em meio a construção desse açude foram proporcionados pela empresa
americana Dwight. P. Robinson, que foi contratada na época porque detinha
engenheiros e técnicos preparados e uma aparelhagem tecnológica necessária, a qual o
Brasil não tinha. Dando destaque aos americanos, que consigo trouxeram modos de
viver, costumes e hábitos, os carros portados por esses, são demonstrados pelo o autor
como a novidade de Cajazeiras:

Era tudo novidade para os matutos e para os citadinos da modorrenta


Cajazeiras, aquele vaivém de autos e caminhões dos gringos. Suas
esposas e amantes a fazerem feiras e a comprar tudo que vissem e
gostassem, nas lojas e mercados de Cajazeiras (COSTA, 2013, p. 40).

Ainda de acordo com Costa (2013), estas mudanças foram capazes de inserir em
Cajazeiras ideais de “civilização”, tendo em vista que esses introduziram alguns ícones
do progresso. Mas atrelado a esse suposto progresso, os moradores da cidade também
acusavam os americanos de promover a indecência, já que foram construídas casas de
prostituição em torno da construção do açude.
Ainda de acordo com Costa (2013), essa obra também foi palco de romances,
brigas e traições. Uma delas trata-se de uma briga de amor que aconteceu nessa
construção, na qual um dos americanos se envolve com uma companheira de um dos
construtores da obra, gerando nesse enredo uma briga que finda com a morte de um dos
americanos:

O americano John Hanififlin, já namorando uma brasileira, amiga e


companheira de um mestre de obras, brasileiro, cujo nome me falha a
memória, depois de uma cervejada pesada em uma bodega de

3
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas.

228
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

acampamento de Boqueirão de Piranhas, se desafiaram para um duelo,


imitando aquelas lutas a que assistimos no primeiro cinema mudo de
Cajazeiras [...] em tarde quente foram se matar um ao outro, na
disputa de suas intrigas de amor pela brasileira que simpatizava os
dois. Foi briga de morte, oito tiros de revólver e John Hanififlin foi
morto (COSTA, 2013, p. 42).

A incorporação deste açude na entrada do século XX proporcionou uma pulsante


transformação na então modesta cidade de Cajazeiras, também refletindo na injeção de
novos sentidos e vivências. Para o autor, os norte-americanos introduziram tecnologias,
trouxeram novos costumes e também valores. Este encontro de valores e de culturas, no
entanto, poderia ser por vezes harmônico e também conflituoso, pois eram hábitos e
culturas que se confrontavam dia-a-dia.
Pelo que nos parece, não era algo incomum casos de relacionamentos
extraconjugais, como o que nos é apresentado acima, parecia ser público o fato dos
americanos terem amantes.
Mas vamos trazer a discussão dessa obra ao contexto que Maria estava vivendo.
Costa (2013), em seu livro, retorna ao ano de 1932 e discute o contexto em que os
cajazeirenses estavam inseridos. No início desse ano, os nordestinos sofreram os efeitos
de uma forte seca, em especial os mais pobres, que sofriam e sentiam os efeitos de
forma mais intensa. Tendo em vista que em decorrência das poucas chuvas que caíam
sobre o sertão, muitos moradores chegaram a passar fome.
É nesse momento de bastante dificuldade que Cajazeiras recebe novamente as
obras do açude de Boqueirão, já que estas se encontravam paradas desde 1924 em
decorrência de chuvas que afetaram a região e atrapalharam a continuação da
construção. Essas retornam, contudo, em vista da grande necessidade que se tinha por
conta da seca, agora não mais com a assistência dos norte-americanos, mas sobre a
responsabilidade de uma empresa brasileira, que nesse período já tinha tecnologias
favoráveis para a construção do açude (COSTA, 2013, p.142).
É em meio a essa conjuntura de fome e miséria que Maria e sua família seguiam
para as obras do açude do Boqueirão, talvez na esperança de dias melhores, de
condições mais favoráveis às suas vidas.
Essa obra, depois de restabelecida, foi responsável por mobilizar muitos
trabalhadores que durante a estiagem visualizaram nela uma oportunidade de emprego e
geração de renda. Nesse espaço se teve pessoas de diversos lugares, com situações de

229
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

vidas diferentes e com alguns valores que em muito poderiam divergir. Não seria nada
simples viver em meio a essa obra.
Como essa construção pode nos ajudar a pensar o romance de Maria e Antonio
Preto? Como podemos relacionar a ela a vida amorosa desse casal? O senhor Izidro, pai
de Maria, segundo a fala do senhor Corró, seguia trajeto para essa obra, levando consigo
a sua família, mas é nesse mesmo período que Antonio Preto se interessa por uma das
filhas de Izidro e inicia um romance:

[...] que o pai da offendida Maria Lusia da Conceição trabalhava como


operário nos serviços da rodagem, e, apos a com aluzão do serviços
viera morar nesta cidade daqui seguiu com a família para o trabalhar
no açude boqueirão [...] que durante a estadia da offendida em catolé
appareceu um cazamento com uma irmã da mesma, cujo noivo era
Antonio Luis conhecido por Antonio Prêto, casamento este que deixou
de se realisar porque a sua filha não quiz fugir; então Antonio preto
declarou que em vista da dita moça deixar de querer se casar com
outra irmã de sua noiva [...] pois esta não fazia questão fugir com o
mesmo foi assim que ele a raptou (PROCESSO-CRIME, n. 138 de
1932).

Algumas suposições são assim levantadas: seria possível que o relacionamento e


a proposta de rapto tenham ocorrido após o mesmo saber que o senhor Izidro iria
embora para a construção do Boqueirão e levaria com ele as suas filhas? Antonio Preto,
muito provavelmente, poderia ter notado nas filhas do senhor Izidro algo que
despertasse o seu interesse, talvez dentre os valores essas aparentassem serem “boas
esposas”. Também podemos acreditar que Antonio Preto estava em busca de algo mais
sério, já que após o rapto este seguiu em busca de dinheiro para formalizar a união.
Entre tantas suposições, podemos notar que o amor romântico também não foi
um fator preponderante nessa relação. Ao pensarmos o contexto no qual Maria estava
inserida, podemos também fazer suposições e analisar as possíveis estratégias e
interesses que faziam com que ela aceitasse o relacionamento com Antonio Preto após
sua irmã ter negado.
A falta de estabilidade que ela e a família poderiam estar enfrentando, diante
das constantes mudanças gestadas com a escassez que uma seca provocava, Maria
poderia acreditar que o caminho menos duro seria encontrar um esposo, pois embora
Antonio Preto fosse pobre, ele poderia lhe transmitir segurança e um casamento, desejo
disseminado para as mulheres da época. Maria também poderia ter se encantado pelo
namorado de sua irmã, sem falar que não ser virgem dentro dessa sociedade e dos

230
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

valores morais pregados poderia não ser nada fácil, a proposta de rapto aparecera para
Maria como uma maneira possível de compartilhar valores com os quais não seria
possível se conhecessem o seu desvirginamento.
Podemos assim também imaginar que Maria acreditasse que um casamento
poderia tornar sua vida mais estável, um casamento que lhe garantisse uma casa e uma
família. Assim como também poderia ser o desejo de Antonio formar uma família, ter
uma esposa que pudesse cuidar da sua casa e também da sua vida. Até porque este era
um ideal de família que circulava, ou seja, ele podia estar em busca de uma mulher que
se dedicasse ao lar e ao esposo. Os sentidos eram erigidos em meio aos valores e
normas sociais, embora algumas práticas acionadas por estes não corroborassem com o
ideal de relação, baseados na moralidade burguesa.
Diante dessas possibilidades, pensemos as dimensões das relações amorosas
vivenciadas por esse casal. Para Maria, fugir com o ex-noivo da irmã não parecia ser
algo que a envergonhasse e nem causasse espanto aos demais que testemunharam, pois
em nenhum dos depoimentos encontramos questionamentos a essa conduta. O que nos
pode levar a acreditar que não era algo tão anormal, diante das relações que podiam ser
estabelecidas.
Antonio preto e Maria, ao que consta, não viveram uma relação bem vista pelos
códigos morais defendidos na época, o rapto aliado ao envolvimento com o ex-noivo da
irmã não era aceito, pois os valores pregavam outras condutas.

De acordo com os preceitos morais burgueses o namoro conveniente e


‘direito’ era aquele cheio de regras, caracterizado no recato, respeito à
moça e descrição nos movimentos. Além disso, o tempo devia ser
observado, não devendo ser muito curto, pois precisava-se de um
período mínimo para se conhecer o caráter e as intenções dos
pretendentes e para ‘arranjar a vida’. Também não era aconselhado,
nos manuais de educação para o casamento, um tempo muito longo,
pois poderia favorecer intimidades inconvenientes e possibilitar o sexo
antes do matrimônio, prática não prescrita pela medicina assim como
outros discursos moralizantes (CAVALCANTI, 2000, p. 18).

A praticidade presente nessa história proporciona compreender o quanto esses


relacionamentos poderiam ser múltiplos e dinâmicos. Muitas vezes segurança,
companheirismo, afeto e amizade eram quesitos suficientes para uma relação a dois, que
impulsionava relacionamentos para além do romantismo. O amor poderia ser
circunscrito em outros modos e razões. Nessa história, entretanto, as escolhas e
conveniências estão entrelaçadas às vantagens tanto para Maria como para Antonio

231
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Preto. Imaginemos que Maria desejasse um casamento assim como Antonio Preto, e que
essa relação não necessariamente viesse imbricada pelo romantismo, mas possivelmente
numa relação que propiciasse a ambos a constituição de uma família.
Mas como pensar o rapto em meio a essa relação? Geralmente essa prática é
acionada como um artifício. Foi utilizado por Antonio para concretizar o casamento e
pode ser discutido como um meio possível que muitos casais se utilizavam para viverem
suas relações.

As experiências de raptos consentidos mostram um campo de disputas


de uma multiplicidade de costumes que orientam as decisões e
escolhas sobre vínculos de amor. Diante de impedimentos a sua
consecução, os raptos desafiam situações sociais e jurídicas bastante
diversas e adversas, sujeitando-se a penalidades previstas em códigos
legais e sociais (SANTANA, 2013, p. 12).

Embora nos autos do processo não conste a versão de Antonio Preto sobre o seu
relacionamento com Maria e as possíveis expectativas visualizadas e desejadas por ele a
respeito dessa relação, podemos perceber pela fala das testemunhas que não existia
impedimento que motivasse o rapto, o mesmo nota-se na fala do pai de Maria, uma vez
que em nenhum momento o senhor Izidro deixa transparecer rancor ou até mesmo
insatisfação com a conduta do rapto de sua filha, não chegando a sequer citar o rapto.
Talvez o rapto, como apontamos, tenha sido apenas um meio de retirar Maria de
casa, pois a família do senhor Izidro iria para o Boqueirão e ter feito acordo com o pai
da menor com a condição de colocá-la em um lar de confiança enquanto o casamento
não se concretizasse. Assim afirma o senhor Corró:

Maria Luiza foi raptada por Antonio Luis vulgo Antonio prêto e
depositada em casa de João Laurentino morador nesta cidade. Que o
casamento da offendida com Antonio Luis era para ser feito em agosto
mas que devido as dificuldades dos tempos ficou para realizar-se em
setembro e ultimamente no mez de outubro (PROCESSO-CRIME, n.
138 de 1932).

Se esse foi ou não o motivo, não podemos saber. Para tanto, pensar como as
relações amorosas se constituem em meio a escolhas, práticas e condutas nos
aproximam também das maneiras como homens e mulheres agenciavam os seus papeis
sociais em meio a essas dinâmicas e sociabilidades.

232
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

O sentir em meio às relações de gênero

No decorrer dessa análise percebemos que as relações de gênero estão sendo


tecidas o tempo todo. Ao falar das maneiras utilizadas pelos sujeitos para vivenciarem
os seus relacionamentos amorosos, conseguimos visualizar condutas, imagens,
discursos e valores morais sendo disseminados e ditando comportamentos e condutas.
A partir disso, vamos discutir e apresentar os discursos presentes nos
relacionamentos que determinaram diversas formas de vivenciar as identidades de
gênero, pensando como Antonio e Maria conduziram os seus papeis no decorrer do
relacionamento. Deste modo, qual seria o ideal de relação presumível e aceitável?
Maria, aos doze anos de idade, foi desvirginada. Perante a justiça e a moral ela
era uma mulher corrompida, sua pureza e valor foram retirados, não ser virgem fez com
que ela fosse esquadrinhada pela sociedade, abandonada pelo seu noivo e devolvida à
família. No decorrer do processo não existe uma preocupação em como Maria estava se
sentindo. Se ela foi de fato violentada e se isso teria causado traumas ou não. Não existe
a preocupação em pensar no deflorador como um homem que causou sofrimento, afinal
ela tinha apenas 12 anos. Essa preocupação que nos permeia hoje certamente não foi a
que permeou as pessoas naquele período.
Maria provavelmente conhecia os discursos sobre ser uma mulher honesta
diante do contexto que vivia, para tanto, elaborou dinâmicas e vivências que pudessem
fazer com que ela se aproximasse dos valores difundidos, escondeu o seu
desvirginamento e buscou meios para viabilizar e compartilhar valores como o
casamento. Ocorre que após descoberto a falta da virgindade, fez com que Antonio
Preto desistisse do casamento com Maria e levasse seu pai a recorrer a justiça para que o
deflorador fosse incriminado.
Antonio Preto não deu prosseguimento ao casamento, pois todos estariam
sabendo da condição da sua futura esposa e dentro daqueles valores isso poderia ferir a
vaidade masculina. O que significava, neste sentido, para um homem, perante a
sociedade, casar com uma mulher considerada desonrada? Sua masculinidade e sua
honra seriam feridas, uma vez que seria acusado de constituir um lar já corrompido.
Nestas circunstâncias, ser homem e ser mulher estava atrelado a esses papéis sociais
disseminados por discursos que colocam a mulher ora como inconsciente, submissa, ora
devassa e destruidora de valores. Essas ambiguidades não dão conta da amplitude das
identidades.

233
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Os sentidos traçados por esse casal nos aproximam desses papéis sociais, ser
mulher honesta estava atrelado a virgindade, a inocência sexual, assim como ser um
bom homem podia estar correlacionado ao seu trabalho, a manutenção de uma
virilidade. Louro (1997) concebe que é possível pensar as identidades de gênero como
continuamente se construindo e se transformando. Em suas relações sociais,
atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos
vão se construindo como masculinos ou femininos, arranjando e desarranjando seus
lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo.
As relações amorosas se inserem em lógicas e dinâmicas próprias e circunscritas
a uma realidade sociocultural e econômica, cada caso pode assim nos revelar uma
infinidade de sociabilidades de interesses, de códigos, normas, práticas e vivências que
mobilizam ações e reações, pensá-las em suas particularidades nos faz perceber que
embora o contexto fosse o mesmo e as vivências fossem parecidas, cada sujeito
mobilizava meios distintos de sentir.
No decorrer dessa análise, procuramos nos ater aos sentidos presentes em meio a
um relacionamento amoroso recheado de conflitos, condutas, racionalidades,
mecanismos, escolhas, astúcias e práticas, na tentativa de aproximar dos possíveis
sentimentos vivenciados por um casal ao desenvolver suas condutas amorosas. Como
aponta Arlette Farge (2015), empreender um estudo dos mecanismos de racionalidades
que faziam nascer sofrimentos e prazeres. O caso que analisamos é bastante singular,
pois aponta para alternativas que empreendem medos, desejos, angústias, tristezas e
razões.
Não se trata aqui de tornar a mulher heroína ou vítima dos homens, mas de
pensar que na prática era necessário aprender a jogar com o que se dispunha ou com o
que era possível dispor, o que também não significava o fim dos sonhos e das
expectativas de homens e mulheres apaixonados.
Deste modo, podemos constatar e empreender uma discussão que nos possibilita
entender que

As formas como são experenciados os sentimentos amorosos estão


intrinsecamente ligados aos contextos, histórico, político, econômico,
que mesmo não sendo os únicos fatores a ordenar o amor ainda assim
guardam traços de valor para a construção de uma sensibilidade da
época (RODRIGUES, 2014, p. 38).

234
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Não estamos admitindo, nem determinando que esses fatores sejam os únicos a
gerenciarem esses relacionamentos, que o amor não possa se desenvolver em meio a
outras circunstâncias, em meio a outros modos de sentir, mas esses polos exercem uma
grande força em meio aos sentimentos e sentidos desenvolvidos pelos sujeitos. O amor
se desenvolve por meio das diversas dinâmicas, fabricações e práticas, silenciadas e
ocultas. Como afirma Jurandir Freire Costa (1998), o amor desenvolve mecanismos de
racionalidades próprias. Assim ele afirma:

A prática amorosa desmente radicalmente a idealização. Amamos com


sentimentos, mas também com razões e julgamentos. A racionalidade
está tão presente no ato do amor quanto as mais impetuosas paixões.
Amor é deixar-se levar pelo impulso passional incoercível, mas
sabendo ‘quem’ ou ‘o que’ pode e deve ser eleito como objeto de
amor. A imagem do amor transgressor e livre de amarras é uma peça
do ideário romântico destinada a ocultar a evidência de que os
amantes, socialmente falando, são na maioria sensatos, obedientes,
conformistas e conservadores. Sentimo-nos atraídos sexual e
afetivamente por certas pessoas, mas raras as vezes essa atração
contraria os gostos ou preconceitos de classe ‘raça’, ‘religião’ ou
posição econômico-social que limitam o rol dos que ‘merecem ser
amados’. Na retórica do romantismo, o amor é fiel apenas a sua
própria espontaneidade. A realidade social e psicológica dos sujeitos
diz outra coisa, o amor é seletivo como qualquer outra emoção
presente em códigos de interação e vinculação interpessoais (COSTA,
1998, p. 17).

Por essa razão apontamos nessa análise possibilidades agenciadas e


desenvolvidas para o sentir e experenciar as relações amorosas. Apresentando as
probabilidades e estimativas possíveis, através das práticas e condutas desenvolvidas
por Maria e Antonio para o amor, e os modos como agenciam as razões e o sentir, que
circunscreviam as suas atitudes diante do relacionamento. Por isso, notamos que dentre
uma moral que instituía um ideal de relação de amor, que erigia condutas e práticas,
existem outros mecanismos desenvolvidos pelos sujeitos comuns para vivenciar os seus
relacionamentos, mas que não simbolizam um rompimento com o que se instituía –
embora as operacionalizações e os meios utilizados para efetuarem o relacionamento
fossem distintos, eles não deixavam de querer e de compartilhar normas e condutas. O
amor aqui discutido é recheado de racionalidades, produzindo condutas e regras.

FONTES

Processo-crime por Defloramento n°138, Ano 1932 - Cajazeiras/PB.

235
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, Silêde Leila Oliveira. Mulheres modernas, mulheres tuteladas: o


discurso jurídico e a moralização dos costumes em Campina Grande (1930 - 1950).
2000. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-graduação em História.
Universidade Federal de Pernambuco, 2000.
COSTA, Antonio Assis. A(s) Cajazeiras que eu vi e onde vivi. 3. ed. João Pessoa:
Revista ilustrada, 2013.
COSTA, Jurandir, Freire. Sem Fraude nem Favor. Estudo sobre amor romântico. Rio
de Janeiro: Rocco, 1998.
FARGE, Arlette. Lugares para a História. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-
estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
ROLIM, Eliana de Souza. Patrimônio arquitetônico de Cajazeiras - PB: memória,
políticas públicas e educação patrimonial. 2010. Dissertação (Mestrado em História) -
Programa de Pós-graduação em História. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa,
2010.
SANTANA, Rosemere Olímpio de. Tradições e modernidade: raptos consentidos na
Paraíba (1920 - 1940). 2013. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-
graduação em História. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2013.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

SESSÃO COORDENADA 05 - ENSINO, PRODUÇÃO DO SABER E


EPISTEMOLOGIA
COORDENADORES: MARIA LUCINETE FORTUNATO & OSMAR LUIZ
FILHO

A HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFROBRASILEIRA NA


PEDAGOGIA: REFLEXÕES

João Marcos de Souza Rodrigues1


Orientadora: Prof.ª Dr.ª Risomar Alves dos Santos2

As populações negras durante todo o século XX lutaram para se inserir


efetivamente na sociedade de classe, como também se organizaram para lutarem contra
as mazelas deixadas pelo período escravocrata. Entre alguns dos problemas que essa
população vivenciou e vivencia até os dias atuais podemos destacar o racismo, a
negação de direitos básicos, principalmente à educação.
Nesse sentido, destacamos a educação como uma das principais armas de luta
dessas populações após a abolição da escravatura, pois essa de início se constituiu como
um dos fatores principais para a sua inserção no novo modelo econômico que se
estabelecia em nosso país. Essas populações careciam de formação mínima adequada
para adentrar no mercado de trabalho que emergia na sociedade brasileira.
Outro elemento que podemos destacar como importante para essas populações,
foi superação do estigma de inferioridade criado pelo processo de escravatura. Nesse
sentido surgem alguns movimentos e entidades que se tornaram expoentes na luta

1
Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. E-mail:
[email protected]
2
Professora Associada da Unidade Acadêmica de Educação/CFP/UFCG; Doutora em Psicologia da
Educação pela PUC/SP e coordenadora do NEABIG. E-mail: [email protected]

237
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

contra o menosprezo a que esse povo estava subordinado. Entre essas entidades e
movimentos podemos citar três que marcaram e marcam a luta do povo negro no Brasil.
São eles: a Impressa Negra, o Teatro Experimental do Negro (TEN) e o Movimento
Negro Unificado (MNU).
Este último, o MNU, em seu programa de ações, no ano de 1982, trouxe entre as
várias propostas de luta, a introdução do ensino de História da África e Afrobrasileira
nos currículos das instituições de ensino3. Essa proposta, entretanto, não se efetivou de
imediato, de modo que só foi debatida após a conferência de Durban, na África do Sul
em 2001, onde o Estado brasileiro reconheceu os males causados pelo escravismo as
populações negras, comprometendo-se em criar medidas para superar o racismo na
sociedade brasileira.
Frente a esse comprometimento, no ano de 2003, o governo brasileiro
promulgou a Lei 10.639 que estabeleceu o ensino de História da África e Afrobrasileira
nos currículos da Educação Básica, que em 2008 foi ampliada com a Lei 11.645,
acrescentando as diretrizes para o ensino da História e Cultura dos povos Indígenas4.
Entretanto acreditamos que essa medida ainda não se concretizou de forma efetiva na
educação, ficando limitada, em muitos casos, a formação continuada de professores que
atuam na Educação Básica e sendo debatida de forma insuficiente nos cursos de
formação de professores.
Apesar de ainda identificarmos problemas para a sua efetivação, podemos
considerar que essa Lei é uma das principais medidas para superação do racismo na
sociedade brasileira, como também quebra a legitimação da cultura europeia como
principal elemento de disseminação de conhecimento em nossa sociedade. Esses
discursos de legitimação eurocêntrica ocorrem desde o final do século XIX, com as
teorias eugênistas, que se direcionavam na busca de constituir uma identidade para o
povo brasileiro, colocando tanto as populações negras, como as indígenas na condição
de inferioridade, como não tendo condições de contribuir na formação de uma
sociedade moderna.
Partindo dessas considerações nos propomos analisar como as discursões acerca
da história da África e afrobrasileira vem sendo realizadas no curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Centro de Formação de Professores

3
DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo
[online]. 2007, vol.12, n.23, pp.100-122.
4
Ver Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996.

238
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

(CFP), que toma por base o pensamento de autores estudados durante o semestre, como
Hernandez (2005), Lopes (2010), Reis (2008), dentre outros, levando os discentes a
problematizar a visão eurocêntrica sobre o continente africano e suas práticas culturais,
bem como compreender a situação de negação criada para os povos africanos trazidos
ao nosso país.

A formação do pedagogo

O curso de Pedagogia tem por finalidade, formar professores para atuarem na


Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em se tratando do Ensino
Fundamental, o Pedagogo precisa estar capacitado a dominar as várias áreas do
currículo escolar como está explicitado nas Diretrizes Nacionais para os cursos de
Pedagogia, em seu artigo 5°, IV que estabelece “o egresso do curso de Pedagogia
deverá estar apto a: ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História,
Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes
fases do desenvolvimento humano” (BRASIL, 2006). Ou seja, o curso de Pedagogia,
deve oferecer formação adequada para que os pedagogos possam compreender cada
área do currículo, como também criar estratégias didáticas e metodológicas para mediar
esses saberes aos alunos.
É tomando como base habilitações que o pedagogo deve ter para atuar nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, que este precisa estar preparado para discutir assuntos
relacionados a temas transversais que perpassam todas as disciplinas do currículo
escolar. Essa habilitação encontra-se explicitada nas diretrizes nacionais para o curso de
Pedagogia no seu artigo 5°, parágrafos IX e X, que determina estar o profissional
pedagogo apto a

IX - identificar problemas socioculturais e educacionais com postura


investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades
complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões
sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e
outras;
X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças
de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas
geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas
sexuais, entre outras (BRASIL, 2006, p.2).

239
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Em se tratando do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Campina


Grande – UFCG/CFP – CZ, ao analisarmos o seu Projeto Político Curricular – PPC, o
qual está de acordo com as diretrizes curriculares nacionais, principalmente em seu
tópico oito que trata das competências e habilidades do profissional pedagogo,
preconizando assim uma formação em que os estudantes devem “demonstrar
consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica,
étnico-racial, de gênero, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades
especiais, orientação sexual, entre outras (BRASIL, 2009, p.12).
Partindo dos apontamentos feitos nesses documentos, evidenciamos a formação
do pedagogo para trabalhar aspectos relacionados as questões étnicorraciais, a qual
iremos nos deter, de forma a refletir como a história da África e afrobrasileira, vem
sendo debatida na disciplina de Educação, cultura e diversidade, pois, apesar dessa
disciplina não ser específica para o ensino de história da África e dos negros no Brasil,
busca trabalhar a questão étnicorracial a partir de uma análise histórica a respeito do
continente africano, como também mostra as contribuições dos povos africanos para a
formação sócio – econômica da sociedade brasileira.
Ao focarmos nessa análise histórica, estamos nos propondo a criar possibilidades
para que os alunos de Pedagogia busquem se aprofundar nas questões que enfocam a
luta das populações negras, promovendo uma análise crítica sobre como esses assuntos
são debatidos na disciplina de História, na Educação Básica e também na universidade.
Esses elementos são importantes na formação desses sujeitos, pelo fato de, como
foi colocado anteriormente, serem habilitados a trabalharem as várias disciplinas do
currículo, entre elas a de História. Portanto, assumir uma visão crítica acerca de
aspectos do continente africano e dos povos africanos em nosso país, pode levar a esses
futuros docentes a não reproduzirem discursos racistas e de minimização das
populações negras, por meio de abordagens simplistas e preconceituosas que ainda se
fazem presentes nos livros didáticos e que muitos professores por não buscarem uma
formação adequada, ou por não terem tido oportunidades de ter contato com tais
discussões em sua formação, acabam por reproduzirem discursos enviesados, sem que
estejam se relacionando com a realidade dos educandos.
Essa perspectiva metodológica que trabalhe os conteúdos de História
relacionando-os com a realidade dos educandos, está inserida no primeiro ciclo do
Ensino Fundamental, para o qual o profissional pedagogo está habilitado a atuar. Por

240
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

esse ciclo está direcionado para o ensino da história local é a parti dessa necessidade
que os parâmetros curriculares nacionais para o Ensino de História (PCNs) estabelecem

Os estudos da história local conduzem aos estudos dos diferentes


modos de viver no presente e em outros tempos, que existem ou que
existiram no mesmo espaço.
Nesse sentido, a proposta para os estudos históricos é de favorecer o
desenvolvimento das capacidades de diferenciação e identificação,
com a intenção de expor as permanências de costumes e relações
sociais, as mudanças, as diferenças e as semelhanças das vivências
coletivas, sem julgar grupos sociais, classificando-os como mais
“evoluídos” ou “atrasados”.
Como se trata de estudos, em parte, sobre a história local, as
informações propiciam pesquisas com depoimentos e relatos de
pessoas da escola, da família e de outros grupos de convívio,
fotografias e gravuras, observações e análises de comportamentos
sociais e de obras humanas: habitações, utensílios caseiros,
ferramentas de trabalho, vestimentas, produção de alimentos,
brincadeiras, músicas, jogos, entre outros (BRASIL, 1997, p.40).

Ou seja, o pedagogo para promover um processo educativo que esteja alinhado


com o que está determinado nos (PCNs, 1997) e que se direcione discursões acerca das
questões étnicorraciais, partindo da realidade sociocultural do educando, precisa de uma
formação que o leve a uma compreensão crítica acerca da a história das populações
afrobrasileira e africana.
Não podemos negar que muitas práticas sociais e culturais da população
brasileira, tem forte contribuições dos povos africanos, sendo que estas não estão
distante da realidade de grande parte dos educandos. Isso nos leva a reafirmar que o
pedagogo só terá condições de promover um processo educativo ligado a tais temáticas,
principalmente na disciplina de história, se este tiver uma formação crítica aprofundada
acerca desses assuntos. A autora Júnia Sales Pereira ao discutir sobre a formação de
professores para o ensino de história e seus fundamentos mediante determinação da Lei
10.639 afirma

A demanda pelo ensino de conteúdos específicos – nesse caso, do


ensino de história e cultura indígena, africana e afro – brasileira –
requer uma tradução, pela ação docente em história. Não somente por
sua introdução no currículo escolar, mas, sobretudo, por uma
recomposição de concepções de história – a partir de então pautadas
pela revisão de recorrentes abordagens eurocêntricas e colonialistas
(PEREIRA, 2010, p.174).

241
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Compreendemos que as colocações da autora se direciona para práticas de


professores de História, entretanto reafirmamos que os pedagogos também são
habilitados para o ensino de História, de modo que constatamos a necessidade e nos
perguntamos se os cursos de Pedagogia estão realmente formando profissionais que
estejam capacitados para o ensino de história, principalmente no que diz respeito a
buscar um novo olhar acerca de alguns conteúdos abordados nos livros didáticos,
referente as populações negras.
Levantamos tais questionamentos pelo fato de termos evidenciado, que grande
parte dos alunos que cursaram a disciplina de Educação, Cultura e Diversidade,
afirmaram nunca terem tido a oportunidade de estudar de forma mais abrangente a
história dos povos africanos e afro-brasileiros, ficando limitados aos verem
simplesmente como escravos passivos ao processo de escravatura, como eram
abordados nos livros didáticos.
Essa problemática nos leva a constatar o grande desafio que está posto para nós
educadores, pois essa formação simplista acerca da história das populações africana e
afrobrasileira na Educação Básica, não é exclusividade dos alunos do curso de
Pedagogia, mas de todos os cursos de licenciatura. E isso nos chama atenção pelo fato
desses alunos chegarem na universidade com visões deturpadas acerca dessas
populações, como também imbuídos de preconceitos com relações a esses povos,
principalmente motivados por suas práticas religiosas e culturais.
Essas visões em grande medida não estão sendo realmente superadas no
processo de formação desses sujeitos o que nos chama a responsabilidade. Portanto, se
nós, enquanto futuros educadores não nos propusermos nas instituições de ensino
superior, a pesquisarmos e compreendemos tal processo histórico, consequentemente
iremos reproduzir discursos vagos e preconceituosos acerca dessa temática, nas escolas
em que iremos atuar.

História da África e Afrobrasileira na Pedagogia

Não perdendo de vista a proposta desse trabalho, a partir das reflexões que já
fizemos ao abordar a formação do pedagogo, e as problemáticas inerentes a como este
profissional está sendo formado para discutir aspectos sobre o ensino de educação
etnicorracial, sendo que para isso necessita de um conhecimento mais abrangente sobre
a história dos povos do continente africano, e de suas contribuições em nosso país.

242
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

buscaremos a partir de agora, fazer uma reflexão sobre os conteúdos de história da


África e afrobrasileira que são discutidos na disciplina de Educação, cultura e
diversidade.
Para melhor análise dessa discussão tomaremos como base a metodologia de
estudo dos textos utilizados em sala, onde foi proposto primeiramente um esboço
sistemático sobre o continente africano, seus povos e a problemática do colonialismo,
para em seguida adentrar nas discussões inerentes as contribuições dos povos africanos
para a formação da sociedade brasileira.
A disciplina em seu caráter didático metodológico evoca incialmente um estudo
sobre as concepções históricas que se constituem sobre o continente africano na
transição do século XIX para o século XX. Essa abordagem busca problematizar
preceitos do pensamento ocidental moderno que foram decisivos na legitimação de
noções deturpadas sobre as populações africanas e do colonialismo, se perpetuando
essas noções até o tempo presente (HERNANDES, 2005, p.18), ao abordar sobre essas
concepções afirma

[...] o conjunto de escrituras sobre a África, em particular entre as


últimas décadas do século XIX e meados do século XX, contem
equívocos, pré-noções e preconceitos decorrentes, em grande parte,
das lacunas do conhecimento quando não do próprio desconhecimento
sobre o referido continente. Os estudos sobre esse mundo não
ocidental foram, antes de tudo, instrumentos de política nacional,
contribuindo de modo mais ou menos direto para uma rede de
interesses políticos – econômicos que ligavam as grandes empresas
comerciais, as missões, as áreas de relação exteriores e o mundo
acadêmico.

As análises da autora avocam para a necessidade de se ter uma visão mais crítica
acerca das produções cientificas feitas nesse período e como estas interferiram
diretamente no pensamento de vários teóricos brasileiros. Suas considerações, também
põe em xeque uma análise sobre a atual situação de alguns países africanos, que se
fundaram a partir de um processo histórico de exploração, principalmente por parte do
ocidente com a expansão do capitalismo.
Ao longo do processo histórico de desenvolvimento do continente africano,
muitos foram os pesquisadores e exploradores europeus que se propuseram adentrá-lo,
na busca de conhecer suas histórias. Entretanto, muitos desses pesquisadores não viam
esse continente como um local onde se desenvolveu civilizações que tinham estruturas

243
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

políticas consolidadas, ou reinos que desenvolveram complexos sistemas de


desenvolvimento econômico, como também de produção tecnológicas.
Portanto, as visões que esses sujeitos tiveram do continente africano, se pautava
em ver as populações que ali se desenvolviam como seres exóticos, seres que não
tinham condições de se equiparar aos povos europeus. Tais visões também foram
substanciais para que esses sujeitos criassem ideias preconceituosas sobre as populações
que ali existiam, como também buscaram classificá-las. Lopes ao tratar sobre esses
sujeitos nos traz o seguinte apontamento

Existiram antropólogos que, principalmente no século 19, estudaram


as populações da África, como se tivessem observando e classificando
os habitantes de seu próprio país. Sobre o continente negro, como
sobre seus próprios países, catalogaram as pessoas com uma mistura
de excitação cientifica e de espanto por vezes maldoso. Os
antropólogos inventaram a admiração criminosa e provocaram em
África consideráveis estragos, pois seus trabalhos por vezes
impregnaram tão profundamente os espíritos, que acabaram servindo
de justificativa para os genocídios perpetrados no século 20. A
classificação das populações e as hierarquias que entre elas receberam
foram utilizadas por aqueles que organizaram o massacre de cerca de
um milhão de pessoas na maioria Tutsis, em Ruanda, no ano de 1994
(LOPES, 2009, p19).

Deste modo, a disciplina ao abordar conteúdos referentes a história do


continente africano, não buscou se aprofundar na constituição das sociedades que o
compõe, mas em mostrar como a interferência dos europeus no continente, contribui
para que até hoje ainda se propague guerras, exploração de populações, genocídios, etc.
Contudo estes problemas não são tomados como algo que comova a população mundial
ou que as façam refletir sobre as sérias condições em que alguns países ainda vivem
atualmente. Ou seja, processo histórico de negação e de inferiorização do continente
africano, tem papel fundamental para que tais atitudes existam e sejam vistas como
normais.
Outro aspecto que também destacamos como essencial na compreensão do
processo de colocar o continente africano em um estigma de submissão ao ocidente, é a
inserção do pensamento capitalista “que se insere de modo mais ou menos consentido
no continente (LOPES, 2009, p.22)”.
Essa colocação nos mostram mesmo que de forma sintética, muito do que ainda
se tem abordado sobre o continente africano, reside de visões deturpadas sobre esse
continente, como também nos faz refletir sobre as mazelas do processo de colonização

244
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

em que este ainda encontra-se submetido, principalmente com a inserção do capitalismo


em alguns países. Esse modelo econômico otimiza a miséria e a exploração das riquezas
desses povos africanos minando suas forças e fazendo com que eles não consigam se
emancipar e se libertar das dependências do ocidente. Lopes ao refletir sobre esse
processo de negação em que foi colocado o continente africano, nos traz a seguinte
reflexão

A especificidade da África reside certamente no fato de que ela jamais


teve verdadeiramente direito à palavra e que o Ocidente, aliás, se
dedicou a impedir de falar todos aqueles que pensavam
diferentemente e queriam seguir outras vias. Das guerras coloniais aos
assassinatos políticos da época moderna – por exemplo, o do congolês
Patrice Lumumba, assassinado com a ajuda do colonizador belga em
1962, e do burkinafasso Thomas Sankara eliminado certamente com o
consentimento da França em 1987 – o Ocidente se julga autorizado a
fazer uso de todos os métodos para impor sua visão de mundo e para
pilhar a África de suas enormes riquezas (LOPES, 2009, p.23).

Seguindo a linha metodológica da disciplina, a partir do momento que as


discussões sobre o continente africano foram feitas, introduziram-se discussões sobre
algumas contribuições dos povos africanos na formação da sociedade brasileira, tendo
em vista que a maioria dos estudantes da disciplina não tiveram a oportunidade de terem
essas discussões no seu processo de formação básica. Desse modo, tratou-se dessas
contribuições, problematizando aspectos culturais, sociais, econômicos da sociedade
brasileira, buscando fazer com que se compreenda o processo de ressignificação de
práticas trazidas do continente africano, pois” a adaptação de saberes e culturas à nova
realidade foi fundamental para a sobrevivência e a abertura de espaços de negociação
com os senhores (REIS, 2006, p. 40).”
A partir dessa perspectiva, a autora evoca uma discussão acerca do trabalho dos
povos africanos aqui escravizados, buscando chamar a atenção para uma análise sobre
os saberes dessas populações, mostrando que estes não estavam associados somente a
saberes práticos da força física de trabalho, mas também ao uso do intelecto de forma a
criarem estratégias para conseguirem sobreviver em meio as situações degradantes a
que foram submetidos e é a partir de tais proposições que a autora afirma

[...] todas as contribuições dos africanos para nossa formação


sociocultural podem ser mensuráveis. As contribuições mais evidentes
estão nas manifestações da cultura material – expressas nas
construções edificadas, como igrejas, fortes e casarões, ou na

245
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

fabricação de objetos como esculturas, imagens de santos, artesanatos


variados, adornos pessoais, instrumentos musicais, ritmos e músicas,
fabricação de cestos de palhas e no emprego das técnicas de
mineração e siderurgia (REIS, 2009, p.42 – 43).

Fica evidente a partir das apreciações que toda a cultura brasileira perpassa os
africanos, saberes que ainda hoje se exprimem nas práticas cotidianas, mas que nos
passam despercebidos devido a todo processo de suplantação dos elementos culturais
desses povos, tantos os trazidos do continente africano, como os que foram criados aqui.
Essas exposições nos chamam a tenção para uma análise sobre o fato das
contribuições africanas serem negadas historicamente, e como esse processo tem se
dado até os dias atuais em nossa sociedade. Acreditamos que entender como as
populações afrodiaspóricas tiveram papel efetivo na constituição cultural e social que
hoje nos é apresenta no Brasil, traz para os futuros docentes a oportunidade de criarem
estratégias metodológicas que não se expressem apenas em uma vertente
interdisciplinar, e que dialogue com a realidade dos educandos, pois muitos desses
sabres estão no âmbito do saber popular e não são comtemplados nos currículos
escolares, mas nas práticas cotidianas da vivencia desses alunos.
Entretanto, essas propostas de desenvolvimento de uma prática pedagógica que
se direcione a problematizar as contribuições afrobrasileiras e africanas para a formação
sociocultural brasileira, tem que está no âmbito de não desmerecer outros
conhecimentos, pois até mesmo os conhecimentos que já são hegemônicos nos
currículos como os de cunho eurocêntricos precisam ser considerados, como também
podem ser utilizados para fazer com que os educandos possam refletir e perceber que
tais conhecimentos tem o mesmo valor que os advindos dos povos africanos e
afrodescendentes.

Considerações

Ao analisarmos os aspectos referentes a abordagem das discussões sobre a


história da África e das populações afrobrasileiras no curso de Pedagogia, percebemos
que as mesmas são feitas de forma muito limitada. Isso em sua grande maioria se deve
ao fato do curso não dispor de uma disciplina especifica para trabalhar esses assuntos,
ao ponto que eles discutidos de forma rápida em uma disciplina que busca fazer a ponte
entre os conteúdos diversos referentes a raça, etnia, gênero e sexualidade.

246
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Portanto, se torna difícil fazer com que os alunos possam ter uma real
compreensão crítica acerca da história das populações africanas e afrobrasileiras, como
também despertem a concepção de tomarem a abordagem desses temas em suas práticas
docentes, como engajamento político na luta pela superação do racismo, em suas várias
formas, e da superação da exclusão socioeconômica a que essa população vem sendo
colocada historicamente em nossa sociedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o


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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

HIPNOSE E PSICOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, CLÍNICOS E


EPISTEMOLÓGICOS

Geralda Erilene de Oliveira Saraiva1

Introdução

Hipnose e Psicologia são áreas fascinantes da ciência. A perspectiva deste artigo


é desmistificar a utilização da Hipnose enquanto ferramenta de prática terapêutica,
contudo, essa técnica ainda sofre preconceitos baseados tão somente nas crendices
populares, ou seja, apesar de que a Hipnose vem sendo estudada nos últimos anos e que
sua utilização seja tão antiga quanto à própria civilização, seus numerosos benefícios
permanecem pouco manifesto na sociedade atual. A temática Hipnose avoca uma
importância apreciável, pois assume uma função de revelação das fragilidades e
incoerências que permanecem na tentativa de uma Psicologia clínica por fim científica
(Chertok & Stengers, 1999; Stengers, 2001). Entre as justificativas que marginalizam a
Hipnose, argumenta-se que integrar a hipnose aos elementos científicos, traz
consequências ameaçadoras capaz de colocar em risco os alicerces construídos pelos
psicólogos no seu anseio pela ciência. Aos olhos de grande parte da população, o
hipnotista é percebido como o bruxo/mago/mandingueiro que impõe artifícios a vontade
do outro e o faz dormir. É um ser que possui força, e o hipnotizado, é percebido como o
fraco entorpecido por essa força. Contudo, o manejo dessa técnica encantadora é
universalmente ambicionado, no entanto, suas restrições se fazem presente até mesmo
nas práticas mais éticas e eruditas. Além dos psicólogos, outros profissionais se
apropriam dos benefícios da hipnose contra os males da humanidade, gerando assim,
fortes influências que buscam enfrentar e neutralizar alvoroços e mal-entendidos não
poupados, entretanto, não estranhemos que as ameaças e perseguições partam não
somente de beatificados fervorosos e/ou de sujeitos desinformados, mas também dos
próprios praticantes desta ciência. Assim sendo, este artigo tem por objetivo, não
somente destacar alguns acontecimentos históricos que infelizmente continuam
obscurecidos e recusados, mas acima de tudo, ocasionar uma reflexão acerca da
unificação hipnose e psicologia enquanto prática e tema de estudo, predominando a
hipnose como um procedimento que poderá trazer para a psicologia clínica, avanços

1
Faculdade Santa Maria. E-mail: [email protected]

248
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

significativos, afastando primeiramente, o temor supersticioso do público em geral e das


ciências ortodoxas.

A retomada de um conhecimento sem respostas

No antigo Egito, a hipnose era utilizada no “templo do sono” para tratar diversas
doenças, em seguida, os gregos também adotaram a prática. A hipnose tem sido
vivenciada mesmo antes de o fenômeno ser utilizado de forma consciente, pois as
sociedades primitivas já buscavam um estado de transe (similar ao da hipnose) através
das danças ritualísticas e ritmos de tambores (Erickson, Hershman e Secter, 1998, p.19).
Em 1662 na Irlanda apareceu um curandeiro chamado Valentine Greatrakes.
Acreditava-se que esse curandeiro fosse um enviado divino, por ter sido responsável,
através de suas forças sobrenaturais, curas, sacerdócios e exorcismos. Os pacientes
submetidos a essa divindade recebiam uma espécie de “passe” e imediatamente
entravam em estado de relaxamento profundo (Faria, 1979). Visto que essa prática era
fundamentada tão somente através de crenças sem embasamento científico, começaram
a aparecer vários comentários errôneos e falsas conclusões sobre o fenômeno.
Como na época não se compreendia a dinâmica dos fenômenos da hipnose e sua
natureza, além de mal interpretada, ela passou a ser jogada ao esquecimento por muitos
anos. Somente mais tarde ela pôde ser resgatada por duas escolas de pensamento
importantes da França, a escola de Salpêtrière de Charcot (1835-1904) e a escola de
Nancy liderada por Auguste A. Liabeault (1823-1904) e Hipolyte Benheim (1840-1919)
haja vista, que ambas possuíam visões distintas acerca da hipnose. Enquanto as teorias
de Charcot sustentava a ideia de que a hipnose era uma manifestação patológica a qual
trilhava um caminho para a experimentação, Bernheim e Liébeault associava a hipnose
a um fenômeno psicológico comum. Uma grande polêmica então surgiu entre as teorias
de Chercot e a escola de Nancy, pois uma era contraponto da outra e, ao considerar uma
dessas correta, espontaneamente rejeitava a validade da outra. Charcot então retomou as
ideias do magnetismo animal de Mesmer (FARIA, 1979; ALBUQUERQUE, 1959).
Esse jovem médico francês conhecido por Franz Anton Mesmer já apresentava
um conjunto de opiniões que remontavam a racionalidade ocidental. Criador na teoria
do magnetismo animal, Mesmer foi relatado como percursor do movimento do mundo
ocidental para os fenômenos paranormais, sendo assim, respeitados por alguns e,
definido como charlatão por outros. Segundo sua doutrina:

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Atribuía aos corpos celestes a emissão de um misterioso “fluído”


ligando os corpos entre si e todos ao conjunto estelar. Tal “fluído” que
titulou de magnetismo animal teria ainda a particularidade de ser
captado e reservado por corpos metálicos especiais que se poderiam
usar terapeuticamente sob determinado controle (FARIA,1979, p.7).

Assim, para Mesmer, a doença era resultado da frequência irregular dos fluidos
astrais, deste modo, para estabelecer sua cura, é necessário regular os mesmos.
Determinadas pessoas possuíam naturalmente o privilégio de controlar os fluidos, esses
privilegiados eram considerados, digamos, os donos da saúde e dos fluidos. Esse fluido
vital se aplicava a parte enferma do sujeito como uma espécie de corrente elétrica, onde
ao estabelecer contato, o paciente apresentava crises de convulsões de cunho
terapêutico. Com o aumento da clientela, Mesmer teve que exonerar o toque pessoal ao
sujeito, recorrendo assim, a magnetização indireta, um método habilidoso de hipnotismo
coletivo num ambiente escurecido, contendo música suave e água encantada
(magnetizada), onde os sujeitos sentavam em posição circular. De cada garrafa saía uma
espécie de vara cromada do gargalo, daí então, os pacientes estabeleciam contato com
essas varas, sendo abordados pelas convulsões terapêuticas. Para Mesmer, a hipnose era
uma energia astral semelhante a forças supremas ou um estranho poder sobrenatural que
até hoje, ainda acreditam muitos sujeitos da sociedade atual (CHERTOK E
STENGERS, 1990).
Ainda neste contexto, segundo Faria (1979), o procedimento hipnótico e seus
níveis de transe foram estudados e praticados de várias formas. Podemos ter como
exemplo, os experimentos desenvolvidos na índia por volta do ano de 1845, por James
Esdaile (1808-1859), uma figura devidamente reconhecida na história do mesmerismo
por facilitar a prática cirúrgica sem utilização da anestesia, atingindo analgesia
(sonambulismo magnético) através do estado hipnótico. É possível que o método de
Esdaile não tenha tido maior fidedignidade científica porque os anestésicos químicos
foram descobertos nesta mesma época, passando a fazer parte dos procedimentos
médicos da classe social que possuía poder aquisitivo. Diferente do procedimento
hipnótico, os anestésicos químicos como éter, clorofórmio e óxido nitroso chegaram a
levar muitos pacientes a óbito, ainda assim, as reações desses procedimentos eram
ignoradas. Na concepção de Erickon, Hershman e Secter (1998), Esdaile foi
ridicularizado ao retornar à Inglaterra e expor suas experiências, o próprio enfatizou em

250
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

uma das suas obras o quanto era difícil contrastar a opinião pública, além da dificuldade
que se deparou na tentativa de demonstrar o quão valioso era seu trabalho.
Embora que nos tempos remotos a hipnose fosse considerada um fenômeno
produzido por um poder místico, uma força sobrenatural, destinado a pessoas
selecionadas e suscetíveis, é sabido que essa prática está normalmente integrada ao
desempenho psicodinâmico comum do ser humano, pois ela não se distingue dos níveis
emocionais próprios de cada sujeito. No que se refere aos estados que comumente
alteram os sujeitos em estado de transe, Braid (1843, p. XII) afirmou em seu livro:

Há marcante diferença nos graus de susceptibilidade dos indivíduos à


influência hipnótica, alguns se tornando rápida e intensamente
afetados, outros apenas lenta e levemente alterados. Essa diferença de
susceptibilidade é análoga ao que experimentamos em relação aos
efeitos de medicações em indivíduos diferentes e, sobretudo, como
visto no caso de vinho, ópio e óxido nitroso.

Deste modo, Braid (1843), expôs algumas conferições dentre os efeitos


hipnóticos e as decorrências de agentes químicos sobre o sistema nervoso. O efeito
hipnótico provoca uma vantajosa capacidade de foco e concentração, além de estimular
ao máximo outras faculdades discursivas e imaginativas. De acordo com o autor, se os
efeitos produzidos por substâncias químicas eram comparáveis aos efeitos causados pela
hipnose, então a presunção de que a força magnética se sustentava na pretensão ou no
olhar do mesmerizador apoiava-se num falso ponto de vista, ou seja, todos os efeitos
sobre o sistema nervoso eram fisiológicos e o fenômeno da hipnose era induzido
somente através de uma condição física e psíquica do sujeito cometida nos centros
nervosos. Deste modo, Braid em suas procurou através de suas pesquisas, investigar até
que ponto as ideias sugeridas pela hipnose conseguiam tratar imaginações patológicas
e/ou crenças propositoras de doenças. Mais tarde, outros autores privilegiaram o aspecto
psicológico da hipnose, dando assim, um novo rumo a suas pesquisas (ROUDINESCO,
1994; BERNHEIM, 1884; CAZETO, 2001).
Um ponto interessante na história da hipnose é que, apesar de não atender as
requisições da ciência, sua eficiência terapêutica sempre foi marcada através de
abordagens e obras de diversos autores em épocas distintas (Melchior, 1998). Embora
Sigmund Freud tenha utilizado a técnica para remover sintomas por intermédio da
sugestão, o próprio chegou a duvidar de sua eficiência ao entender que encontrara
resultados desapontadores. Sua insatisfação se deu ao observar que seus efeitos

251
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

terapêuticos duravam somente durante o contato do paciente com o médico, ou seja, ele
compreendeu que esse contato parecia ser mais importante do que a técnica em si
(Chertok, 1989). Conforme, Stengers (2001), as psicoterapias não incidem em
laboratório, porém, elas possuem uma proposta realista, já que, não se pode lutar contra
as influências e/ou sugestões mútuas, implicando assim, nas relações humanas. No caso
da hipnose, lhe faltava precisamente atender as sujeições que lhe consentisse
modificarem a um objeto domesticado que fosse adequado as exigências do laboratório
ou do setting analítico/clínico.
Caminhando por este cenário, cabe aqui salientarmos as considerações de Jean
Martin Charcot, fundador da neurologia moderna, de quem Freud foi discípulo, sobre
seu interesse pela hipnose a qual não separava do método anátomo-clínico, pois o
mesmo analisou essa técnica como uma mudança fisiológica do sistema nervoso que só
era possível ser observada em sujeitos que apresentavam histeria, uma doença
progressiva e irreversível, pois acreditava ser consequência de um sistema neurológico
fraco, mas que também podia ser de caráter hereditário ou se instalar após o sujeito
sofrer um acidente. No entanto, seus estudos proporcionaram as pressuposições de ao
analisar o fenômeno através da hipnose de simulação, surgiam desconfianças sobre a
veracidade da técnica, chegando a ser taxada de fraude pelos incrédulos que buscavam
respostas sobre a evidência do fenômeno. (CHERTOK E STENGER, 1990).
Em seu estudo autobiográfico, Freud (1924) conta que foi contemplado com
uma bolsa de estudos em 1885, onde teve oportunidade de viajar à Paris e tornar-se
aluno da Salpêrtrière, tendo assim, o privilégio de torna-se discípulo de Charcot. Por
meio do contato com os estudos de Charcot, sentiu-se admirado com suas últimas
investigações referentes à histeria. De acordo com Chertok e Stengers (1990), esses
estudos demonstravam manifestações pela sugestão hipnótica, como por exemplo, a
contraturas histéricas e indução de paralisia que possibilitou a Freud, a capacidade de
diferenciar os distúrbios histéricos dos distúrbios de caráter orgânico. Existem relatos de
que foi através da hipnose que os experimentos de Chercot conseguiram evidencias de
que as manifestações da histeria, como cegueira e paralisia, não era caracterizadas por
uma lesão orgânica, porém, não apreciou a técnica para fins terapêuticos, pois
compreendia que a hipnose não desfazia sintomas, utilizando-a apenas como simulação.
Assim, Freud (1924), buscou aprofundar a sua habilidade hipnótica, realizando uma
viagem a Nicy, e, observando os experimentos de Bernheim, pode perceber a
possibilidade dos processos mentais conservarem-se na consciência humana escondida,

252
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

ele então, conseguiu explorar com maior abrangência acerca da raiz dos sintomas
histéricos, estabelecendo diferenças e grande importância aos significados das emoções
e os atos mentais Freud (1888, p.93), relata que “o tratamento direto consiste na
remoção das fontes psíquicas que estimulam os sintomas histéricos, e isto se torna
compreensível se buscarmos as causas da histeria na vida ideativa inconsciente.” Essa
técnica tem como base a sugestão que dar ao paciente no intuito de eliminar a causa do
distúrbio.

[...] curamos uma tussis nervosa hysterica fazendo pressão sobre a


laringe do paciente hipnotizado e assegurando-lhe que foi removido o
estímulo que o faz tossir, ou curamos uma paralisia histérica do braço
compelindo o paciente, sob hipnose, a mover o membro paralisado,
parte por parte (Freud, 1888, p.93).

Desta maneira, Freud (1924), confiava que colocando em prática a técnica


desenvolvida por Breuer, em uma de suas pacientes, o efeito surtiria melhor. A paciente
apresentava um conjunto variado de sintomas como contraturas, inibições, paralisias e
confusão mental. A técnica consistia em fazer a paciente, sob estado hipnótico, retornar
as suas vivências antecedentes até reconhecer o momento em que o distúrbio se
originou. Fazia-se então, uma seleção dos sintomas, descarregando os sentimentos
através de choro, medo, fala, pedindo para que a paciente relatasse o que lhe oprimia a
mente, expressando em palavras os pensamentos que geravam dor e sofrimento.
Posteriormente às confusões mentais, identificavam-se os procedentes dos sentimentos
depressivos, e então, esse mesmo processo passou a ser utilizado para fazer com que as
inibições e grande parte dos sintomas físicos desaparecessem. Expõe que em estado
consciente a paciente não era capaz de relatar a ligação dos seus sintomas com suas
experiências de vida, porém, através da hipnose, tanto a jovem quanto outros pacientes
apresentavam capacidade de descreve-las, podendo chegar a desvendar a informação
que faltava. Assim, entende-se que os sintomas estavam associados a situações
comoventes, como no caso da paciente de Brauer, que sentira quando prestava cuidados
ao pai, tornou possível observar que seus sintomas eram resquícios ou lembranças de
situações emocionais que experimentara na época. Freud (1924), ainda relata que na
maioria dos casos em que ocorria um pensamento/impulso seguido do sintoma, sob
hipnose, Breuer conseguiu (depois de muito esforço) aliviar o sintoma, chegando a
livra-lo permanentemente. Deste modo, esse acontecimento despertou em Freud um
conhecimento implícito que cuja atividade psíquica e inconsciente estava densamente

253
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

conexa com a histeria que só após aprofundar seus estudos e aperfeiçoar seus
conhecimentos na Salpétriere e em Nancy, sua ideia pôde ser mais bem esquadrinhada.
Segundo Edelweiss (1994), Freud repudiou a hipnose como forma de tratamento
passando utiliza-la somente para alguns experimentos. Assim, ao abandonar essa
prática, Freud possibilitou a desconsideração acerca das pesquisas realizadas nessa área,
se dedicando somente a Psicanálise a qual ostentou fidelidade a seu fruto. A falta de
conhecimento sobre a temática passou a transmitir informações baseadas nas antigas
crendices, funcionando assim, como um aglomerado de falsas concepções, tanto no
âmbito acadêmico, quanto em outras situações que reforçam cada vez mais a estagnação
do conhecimento ao invés de instigar a busca de subsídios que contribuam para
expandir as perspectivas de pesquisas. Edelweiss (1994) ressalta que alguns fatores
contribuíram para a desvalorização da hipnose a qual vem banalizando sua prática
enquanto ferramenta assisada. O exemplo disto, são as demonstrações em público para
fins de entretenimento que, de maneira aética, exibiam os sujeitos (em estado de transe)
submetendo-os a desempenhar atividades cômicas, expondo-os ao ridículo. Essa prática
deu origem a vários estereótipos e ideias errôneas sobre a natureza do fenômeno
hipnótico. Melchior (1998), afirma que, embora a hipnose não atenda os requisitos da
ciência, de contínuo ela foi abalizada pela sua eficiência terapêutica, pois ela possui o
poder de promover mudanças significativas na vida do ser humano. Vale ressaltar que a
hipnose é uma só, mas pode ser utilizada em contextos bem distintos que se classificam
fundamentalmente em três: hipnoterapia, hipnose de palco, e hipnose de rua.

Atribuição do nascimento da Psicologia

Mediante a este ligado de desordens e rupturas frente a essa temática, a


discussão acerca da hipnose, principalmente em termos de psicoterapia, foi retomada
nas últimas décadas, maiormente a partir da obra de Milton Erickon, tornando-se assim,
temas de inúmeras conferências internacionais e congressos. É certo que, essa retomada
não proporciona muitas distingues com relação aos antepassados da hipnose e do
magnetismo, pois na construção de técnicas terapêuticas competentes permanece uma
inquietação explícita, uma análise contundente quanto às probabilidades da
racionabilidade científica no enfoque desses fenômenos. Deste modo, o poder de
observação de Milton Erickon juntamente com a sua criatividade foram fabulosos, pois
seu método foi capaz de tratar com êxito e eficácia diferentes tipos de problemas

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

clínicos, constituindo o alicerce o estilo de todo procedimento terapêutico e hipnótico


(ERICKON, 1980).

Considerações finais

A linha de reflexão construída até aqui, torna evidente a importância de que se


desenvolvam diálogos acerca da hipnose, principalmente para serem desenvolvidos
novos estudos que possam proporcionar contribuições para a ciência e Psicologia como
um todo. De acordo com todas as informações para a elaboração deste trabalho, é
possível afirmar que essa técnica é fundamentalmente um método de intervenção que
foca na saúde e bem estar do sujeito e, por conseguinte, no equilíbrio das funções
orgânicas, psíquicas e emocionais do ser humano.
A hipnose é um procedimento composto por um conjunto de acontecimentos
históricos, manejados e ampliados por diversas ocorrências, sendo assim, considerado
ao longo do tempo de ascendência mística, milagrosas ou diabólicas. Ainda que nos
tempos modernos existam evidências baseadas na experiência e, até mesmo através
estudos de caráter científico, há quem duvide de sua veracidade, bem como quem
acredite e defenda plenamente. Contudo, existem numerosas pesquisas, casos e relatos
que evidenciam os benefícios inertes desse saber, isso quer dizer que a hipnose vem
evoluindo muito desde sua contextualização histórica até o conhecimento da
contemporaneidade, transmitidos por instrutores e estudiosos da atualidade. Sem
exceção, todas as novas descobertas que surgiram e que irão surgir (ao acaso e aos
poucos) dependem de novas experiências, pesquisas e testes que devem ser continuados.
Destarte, vale ressaltar que o caminho a se percorrer no cenário científico está
apenas começando, haja vista que diante da atual conjuntura muita coisa precisa ser
descoberta, estudada e melhorada, pois a hipnose não é um poder, porém, possuir esse
conhecimento, conhecer as ferramentas e utiliza-las com ética e segurança associada a
Psicoterapia pode causar mudanças significativamente efetivas na vida de um sujeito, ao
ponto de transformar uma vida, no que se refere ao bem-estar psíquico. Portanto, este
trabalho será finalizado na confiança de ter atingido os objetivos anteriormente
mencionados, podendo clarificar as informações necessárias que rompam as falsas
crendices que acarretam o descrédito da hipnose enquanto prática terapêutica na clínica
de psicologia, sobrepondo a necessidade de dialogar, pesquisar e desenvolver mais

255
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

estudos sobre essa temática para então, atingir maior credibilidade da sociedade, de
profissionais e da ciência.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

HISTÓRIA E MÚSICA AFRO-BRASILEIRA: REFLEXÕES SOBRE A


MÚSICA COMO INSTRUMENTO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

Rafael Dalyson dos Santos Souza1


Orientador: Prof. Ms. Isamarc Gonçalves Lobo2

Introdução

A História vem sendo repensada constantemente desde que a palavra foi


cunhada por Heródoto na Grécia. Contudo, a partir do século XIX, os debates se
intensificaram a partir do próprio conceito de fonte para o historiador. Estes debates
influenciaram profundamente no ensino de História. Um professor de história
oitocentista, por exemplo, ao dar aula, estava em consonância com aquelas discussões
(BARROS, 2011, p. 29).
Para os historiadores do século XIX, a fonte era o documento, caracterizado por
ser escrito e oficial. A estes historiadores, positivistas e historicistas, cabia reproduzi-
los. Os primeiros, crendo na sua neutralidade e na do documento, e os segundos,
compreendendo a sua subjetividade e a do documento, porém fazendo uma crítica
historiográfica acerca do seu trabalho, inspirada pelos filólogos (BARROS, 2011, p.
65).
No século XX são lançadas outras reflexões sobre o trabalho do historiador,
aquele que trabalha, como disse Marc Bloch (2001), com os homens no tempo, e que
irão se contrapor com aquelas ideias do século XIX.
Assim, Bruce (2007, p.3) afirma que

No contexto dessa discussão, no século XX, nós podemos perceber na


produção do(s) discurso(s) histórico(s): 1) uma problematização do
sujeito produtor do conhecimento (o sujeito deixa de ser visto como
uma totalidade para ser pensado como resultado do processo de
conhecimento; ele não é, portanto, a-histórico). 2) uma
problematização do fato histórico (o objeto é uma construção histórica
e emerge como fato histórico). 3) um outro “encontro” com o passado
que faz aflorar as experiências do sujeito e leva o historiador para o
terreno da descrição densa.

1
Universidade Federal de Campina Grande. Graduando em História.
2
Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em História.

258
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Nesse sentido, no século XX, surge a partir da Escola dos Annales, uma
discussão que propõe o alargamento do conceito de fonte e de documento. O historiador
pode agora trabalhar com uma abrangência maior de fontes (BRUCE, 2007, p. 5).
A música, a imagem, os monumentos, se antes já haviam sido utilizados, agora
passam a ganhar uma nova conotação para o estudo da História. Surgindo novas
problemáticas sobre como utilizar estes recursos. Vários trabalhos são feitos a partir do
estudo destas fontes, que inserem novas metodologias para o ensino. No entanto, sabe-
se que muitas vezes elas são mal utilizadas.
É também a partir destas discussões em que a História passa a adotar novas
abordagens. A mulher, a criança, os negros, a comunidade LGBT, são alguns dos
exemplos no qual a história agora lança o seu olhar para aqueles que ficaram esquecidos
da História. . Como foi o caso da cultura afro antes da lei 10.639.
Este trabalho se dirige a pensar metodologias que possam beneficiar o ensino de
história a partir das músicas Afro-brasileiras. A partir dos seguintes questionamentos:
Como realizar um ensino reflexivo a partir da utilização de músicas? E como incentivar
o interesse pela cultura Afro-Brasileira a partir das músicas? E ainda, como as leis que
asseguram o ensino da cultura Afro podem se dar através destes meios?
Para isto, uma figura que se apresentou no Brasil nas décadas de 1960 e 1970,
chamou-nos a atenção; Wilson Simonal. Utilizamos de sua figura, influente nestas
décadas, inclusive fora do Brasil, para lançar reflexões sobre como utilizar a sua musica
“Tributo a Martin Luther King” para o estudo da Cultura Afro-Brasileira. No entanto,
deve-se atentar para a multiplicidade de temas que o seu trabalho suscita, nos cabendo
focar apenas na sua contribuição para a cultura Afro-Brasileira.

E agora José, a festa acabou e o ensino não mudou

No Brasil, as novas discussões partindo da História Cultural são ainda mais


recentes. Contudo, percebe-se que muitas discussões não chegaram ainda à educação
básica, ficando restritas apenas as academias. Assim, a História Cultural propõem um
alagamento do conceito de fonte. Porém, muito embora estejamos completamente
inundados destes recursos tecnológicos, é preciso levar o aluno a ler o mundo através
destas imagens e sons, aprendendo a critica-los.
Partilhamos da ideia de Napolitano (2002, p. 78) quando afirma que

259
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Neste sentido, é fundamental a articulação entre “texto” e “contexto”


para que a análise não se veja reduzida, reduzindo a própria
importância do objeto analisado. O grande desafio de todo
pesquisador em música popular é mapear as camadas de sentido
embutidas numa obra musical, bem como suas formas de inserção na
sociedade e na história, evitando, ao mesmo tempo, as simplificações
e mecanicismos analíticos que podem deturpar a natureza polissêmica
(que possui vários sentidos) e complexa de qualquer documento de
natureza estética.

Nesse sentido, a música é um instrumento que pode ser utilizado para diversos
fins. Na atualidade, estamos em contato com ela constantemente: nos diálogos, nos
filmes, nas novelas, nas praças, etc. Ela se tornou corriqueira, sobretudo depois da
miniaturização dos equipamentos de reprodução sonora e da digitalização. Podemos
dizer assim que a música popularizou-se. Surgindo a própria MPB. Não é simplesmente
tocada em óperas e em teatros como eram as sinfonias séculos passados. Ela está
presente em todos os lugares; nos bares, nas esquinas, nos celulares, e uma quantidade
abissal de produções é realizada.
No entanto, pouco se sabe sobre o seu contexto de produção.
O historiador deve analisar a música enquanto canção, ou seja, como um
conjunto. Letra e melodia são um só, e não podem ser analisadas separadamente como
se não interferissem na outra. Assim, também o professor de História, deverá utilizar
deste recurso de maneira unívoca. Ainda segundo Napolitano (2001, p. 81)

O efeito global da articulação dos parâmetros poético-verbal e musical


é que deve contar, pois é a partir deste efeito que a música se realiza
socialmente e esteticamente. Palavras e frases que ditas podem ter um
tipo de apelo ou significado no ouvinte, quando cantadas ganham
outro completamente diferente, dependendo da altura, da duração, do
timbre e ornamentos vocais, do contraponto instrumental, do pulso e
do ataque rítmico, entre outros elementos.

Deste modo, compreendemos que a canção é um conjunto. As reações causadas


nos ouvintes são influenciadas não só pela letra, mas, dependendo do interprete, da sua
voz, da sua entonação, etc. Os debates acerca do ensino de História ainda são bastante
recentes. A disciplina que foi estabelecida no Brasil em 1838 nas escolas através do
IHGB e do Colégio Pedro II, vem se adaptando com as necessidades e debates que a
sociedade brasileira levantava assim como dialogando com países mais influentes.
Podemos perceber a inserção destas discussões acerca do ensino de História nas
pesquisas acadêmicas só muito recentemente.

260
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Da inclusão nos currículos até a atualidade, podemos afirmar que o ensino de


História serviu de ferramenta para alcançar muitos objetivos durante os séculos. Para
tanto, recorreu-se a história para incutir patriotismo, para amar a bandeira, cantar seus
hinos (CAIMI, 2001, p. 28).
Neste sentido, Caimi (2001, p.31) afirma que:

Concretamente, o ensino de história devia contemplar o estudo dos


feitos brasileiros ilustres e suas biografias; incentivar a realização de
festas comemorativas às datas nacionais e ensinar cantos
patrióticos.

Tanto no início do Brasil República, como anos mais tarde, este desejo foi
buscado pelos historiadores. O professor de história possuía a responsabilidade de fazer
com que estes objetivos, que eram os dos governantes, se concretizassem. A criança
deveria aprender desde cedo como e o porquê de ser patriótica.
No entanto, várias críticas surgiram para contestar esse modelo que priorizava a
cultura branca, europeia e civilizada.
Muito recente também, é a inserção, através da historiografia brasileira, dos
estudos sobre a cultura Afro-Brasileira, assim como a inserção da micro-história. Isso se
deveu ao dialogo com as produções exteriores, uma vez que, segundo Hebe Castro
(1997, p. 52)

Um diálogo mais intenso com a historiografia internacional sobre a


Afro-América configuraria outro importante referencial comum.
Também uma redução da escala de abordagem, a valorização —
mesmo que diferenciada — da experiência e da cultura como matrizes
explicativas e a utilização do nome como elo condutor de análise das
fontes, inclusive nas tentativas de agregação, podem ser apontadas
como elo comum a grande parte das pesquisas no tema, mesmo que a
inserção original.

Portanto, foi a partir deste diálogo constante entre as produções internacionais


que se inseriu a pesquisa e estudo da cultura Afro-Brasileira. Em 9 de janeiro de 2003, é
que a lei no 10.639 entra em vigor, no qual:

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.

261
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A lei representava um grande avanço, uma vez para o combate do racismo,


assim como o da homofobia, por exemplo, a coerção, com a lei, é fundamental. Porém,
uma educação que objetive desde cedo levar o aluno a ser crítico, e a combater o
preconceito, é talvez uma das maiores formas de se combater o racismo.
Contudo, afirma Silva (2007, p. 44) que

Quando se analisam, de perto, os princípios que regem a Lei 10.639 e,


em particular, os propósitos sugeridos nos termos em que ela foi
formulada, chega-se a uma série de práticas educacionais que, no
conjunto, perfazem as diretrizes pedagógicas necessárias à promoção
da cultura e da história afro-brasileira e africana. Trata-se de atitudes
particularmente voltadas para o que aqui se caracterizou como sendo a
educação das relações étnico-raciais, com especial apelo ao legado
afrodescendente, e que podem ser pensadas em dois contextos
pedagógicos diversos: o do ensino fundamental e médio e o do
superior.

Inseriu-se o estudo da cultura Afro-brasileira nos livros didáticos, bem como a


produção acadêmica passou a abranger este tema de forma diferenciada. No entanto, é
preciso compreender que o ensino a cultura Afro- brasileira ainda tem as suas
deficiências. A simples inserção no livro didático pode não ser suficiente.
Nosso propósito é o de que ao utilizar a música, o professor ajude o aluno a
compreender através da letra, da melodia, da performance, etc.; qual a história contada
naquela canção, e qual a relação dela com a cultura afro-brasileira. Pensando também
em fazer com que o estudo desta cultura leve o aluno a ter interesse por ela.

“Sim, sou um negro de cor”

Wilson Simonal de Castro alcançou entre as décadas de 1960 e 1970 do século


passado o maior auge da sua carreira. Carioca, nasceu em fevereiro no dia 23 do ano
1938. Era filho de empregada doméstica. Teve uma vida difícil, sobretudo ainda nas
décadas de trinta e quarenta. Crescido, Simonal começa a chamar a atenção pela sua voz
forte no exército, de onde irá conseguir tirar sustento. Teve uma carreira muito intensa e
de sucesso, mas enfrentou a partir dos anos setenta a decadência e a partir daí não se
recuperou mais. Esquecido muitas vezes na velhice, morre em 2000, tentando,
intensamente, em programas e em entrevistas, limpar a sua imagem, suja pela mídia que
enunciava Simonal como apoiador da Ditadura (NACKED, 2012, p. 4).

262
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Simonal viveu num período onde os EUA já se destacava como nação


inspiradora. As questões políticas dos negros, incorporadas pelas músicas, não foram
menos influenciadas pelos EUA.
Ainda segundo Nacked (2012, p. 3)

Influenciados politicamente pela volta de Abdias do Nascimento dos


Estados Unidos e de artistas que trouxeram vivências e sonoridades
americanas para os palcos e os discos nacionais, esses jovens negros
brasileiros empreenderam um esforço de apropriação das questões
políticas e sociais dos negros norte-americanos e em diálogo com uma
África – imaginada, como nos sugere Appiah3 - e, diante do fracasso
do projeto integrador dos anos sessenta, se organizaram em festas
semelhantes aos soundsystems jamaicanos: os bailes Black.

Contudo, embora a sua participação no cenário musical, e o seu destaque


mundial, tenham representado um avanço para o Brasil; era um dos cantores mais
conhecidos mundialmente, chegando a cantar até em inglês de forma decorada. Não se
considerava um militante do movimento negro, nem um criador do movimento Black.
“Tributo a Marter Luther King” é a única música onde a temática está explicita
(NACKED, 2012, p. 4).
Entretanto, aquela década era, para os EUA, uma década de intensas batalhas
pelos direitos negros. Como afirma Ferreira (2007)

O ano de 1967 foi um dos mais sangrentos e tumultuados da história


recente dos EUA. A luta dos negros americanos levou a conflitos
campais em várias cidades do país. Inspirado pelos acontecimentos e
antenado nas notícias mais recentes dos jornais, Simonal fez a melodia
da canção. Para fazer a letra, chamou o amigo Ronaldo Bôscoti,
também engresso da Bossa Nova. Sugeriu a temática da música e
Ronaldo, que não era negro, terminou o trabalho. (p. 53)

Nesse sentido, a música era fruto de uma consciência de que aquele momento
histórico era, para os negros, um momento de lutas, para que unidos alcançassem a paz.
Simonal criava, em plena ditadura, uma canção que representava a rebeldia dos negros
contra o racismo e a desigualdade de direitos. Poucos anos mais tarde, era a mesma
ditadura que havia censurado “Tributo a Marter Luter King” que seria ao seu nome
vinculada por jornais, o que causou na carreira de Simonal um irreversível declínio.
Simonal foi esquecido da história da música brasileira. Aqueles que o recordam,
não conseguem apagar da memória as polêmicas do período ditatorial. Os que o
defendem, afirmam que a sua imagem não pôde ser reconhecida como a dos resistentes

263
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

a ditadura, a exemplo de Caetano Veloso e Chico Buarque, pela sua inocência e por não
ter efetivamente se posicionado contrário nem a favor da ditadura assim como outros o
fizeram. Os que o acusam, afirmam que a sua forma de transmitir alegria era semelhante
a dos ditadores; patrióticos. Além de lembrarem das polêmicas de ser dedo-duro do
DOPS, crítica feita a ele que foi, incansavelmente, negada por ele. (FERREIRA, 2012,
p. 18, 56).
Simonal foi esquecido pela mídia, após ter seu nome intensamente atacado por
ela. Foi através dela que tentou recuperar a sua imagem. Morreu aos 60 anos, vítima do
álcool.
Porém, além de não aparecer na mídia, ele também não aparece nos livros
didáticos. O que não pode se negar, no entanto, é que, embora a sua imagem tenha sido
distorcida, ele representa o movimento negro das décadas de 1960 e 1970
A sua música, “Tributo a Martin Luter King” continua sendo uma das maiores
referências que o Brasil possui de uma música que trata dos movimentos negros
brasileiros, americanos e africanos. A utilização dessa música, assim como a imagem de
Wilson Simonal não podem ser esquecidas.
Nesse sentido, utilizamos desta música para levantar questionamentos acerca da
sua representatividade na cultura Afro-Brasileira.
Campos (2010, p. 25) busca situar a música num contexto onde

Após a redemocratização, em 1945, os movimentos negros começam


a se rearticular. Só que essa maré de democracia não duraria muito. A
partir de 1964, a ditadura militar brasileira inviabilizou todas as
manifestações de cunho político racial.

Assim, Wilson Simonal co-escreveu a música num período onde tanto no Brasil,
quanto nos EUA, e em outros países, os negros defendiam uma igualdade de direitos
que não tinha sido conquistada.
Através do seu próprio programa, de muito sucesso na época, “Show em
Si...monal”, ele canta pela primeira vez a música. Suas palavras antes de iniciar a canta-
la foram:

Eu compus uma música em parceria com meu amigo Ronaldo Bôscoli


e intitulei Tributo a Martin Luther King. Martin Luther King é um
negro norte-americano. O mérito de Martin Luther King é lutar, cada
vez mais, pela igualdade dos direitos das raças. Essa música, eu peço
permissão a vocês porque eu dediquei a meu filho, esperando que no

264
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

futuro ele não encontre nunca aqueles problemas que eu encontrei e


tenho às vezes encontrado, apesar de eu me chamar Wilson Simonal.¹

Além de enfatizar a obvia referência a Mather Luther King e o movimento negro


americano, Simonal ainda reconhecia o preconceito que vivia no Brasil.

Tributo a Martin Luther King


Sim, sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que te peço é luta sim
Luta mais!
Que a luta está no fim...
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Cada negro que for
Mais um negro virá
Para lutar
Com sangue ou não
Com uma canção
Também se luta irmão
Ouvir minha voz
Oh Yes!
Lutar por nós...
Luta negra demais
(Luta negra demais!)
É lutar pela paz
(É Lutar pela paz!)
Luta negra demais
Para sermos iguais
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Para sermos iguais
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Ah! Ah! Ah! Ah!
Sim, sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que te peço é luta sim
Luta mais!
Que a luta está no fim...
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Oh! Oh! Oh! Oh!
Cada negro que for
Mais um negro virá
Para lutar
Com sangue ou não
Com uma canção
Também se luta irmão
Ouvir minha voz

265
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Oh Yes!
Lutar por nós...
Luta negra demais
(Luta negra demais!)
É lutar pela paz
(É Lutar pela paz!)
Luta negra demais
Para sermos iguais
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!
Para sermos iguais
Lá Lá Lá Lá Lá Lá Lá!

Pode-se dizer que a música é um chamado aos negros à união. É uma forma de
identificação através da música. Ele convoca para lutar, para ter esperança e acreditar
que “cada negro que for, mais um negro virá”.
Além disso, a esperança no fim da luta não o impede de afirmar que ela é
necessária. (CAMPOS, 2010, p. 27). Nesse sentido, a música inteira é um diálogo entre
os negros, uma convocação, uma identificação entre “irmãos de cor” para lutar, ainda
que com sangue.
Muito embora Simonal não tenha lutado, nem com sangue nem de forma
concreta em protestos, ele demonstra reconhecimento pela luta e convoca a todos para
unirem-se. É uma luta através da música. Daquilo que Simonal mais gostava de fazer
que era cantar.

Considerações finais

É preciso compreender que a música como recurso metodológico somente pode


ser utilizada de forma coerente e reflexiva se ela for bem contextualizada.
Nesse sentido, Tributo a Martin Luther King deve ser utilizada para
complementar o conteúdo e não, em nenhuma hipótese, substituí-lo. Contudo, pelo que
representa, por ser um hino que evoca questões de lutas raciais, tanto no Brasil como
nos EUA, a música é importante para alcançar os objetivos tanto da lei quanto do ensino
da cultura Afro-brasileira. Ela é sem dúvida, uma das maiores produções musicais desta
cultura no Brasil.
Ao introduzi-la em sala de aula, o professor deverá compreender o contexto de
produção, a vida de Simonal e quais as suas intenções com a música.
É preciso compreender, por exemplo, que, assim como ele afirma no seu
discurso introdutório da musica, ela representa uma luta que busca dar um futuro aos

266
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

jovens negros, filhos dos que lutavam nos EUA e no Brasil, por um futuro mais
igualitário. As lutas dos negros possuíam os mesmos objetivos.
É possível refletir através da música sobre as questões que ela pode evocar que
vão alem do que aborda; escravidão no Brasil, ditadura militar, cultura Afro-brasileira.
O professor de História cumpre um importante papel social de suscitar no jovem,
a partir do ambiente que ele mesmo parte, o desejo pela sua história e pela cultura do
seu país. É importante que ele incentive a análise crítica no aluno. Com isso, a cultura
Afro-Brasileira e africana devem ser analisadas como pertencentes a história de cada
aluno, ao cotidiano de cada um deles.
Portanto, devido a sua influencia no cenário musical, apesar de ter sido apagado
por grande parte dos livros e da mídia, “Tributo a Martin Luter King” representa, para o
ensino da cultura Afro-Brasileira, uma grande contribuição para incentivar nos alunos, o
interesse por esta cultura, bem como, através da análise critica da música, bem como da
sua estrutura, do seu contexto histórico, e do seu cantor, a luta contra o preconceito. Que
deve ser, segundo a lei 10.639, um objetivo a ser alcançado por todos os professores de
História.
Metodologicamente, o professor deve apresentar a música, acompanhada de uma
explanação da letra, do contexto de produção, da história de vida de Simonal, e a partir
daí analisar com os alunos. Buscando neles quais as semelhanças entre aquele período
de lutas raciais e o atual. E inserindo o contexto do aluno na discussão: se eles
identificam o racismo na casa deles, ou na família, ou na escola.

REFERÊNCIAS

BARROS, José D’ Assunção. Teoria da história: os primeiros paradigmas: positivismo


e historicismo. IN: Teoria da História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:
Zahar, 2001
BRUCE Fabiana; FALCÃO, Lúcia; DIDIER, Maria Thereza. O ensino da História na
Perspectiva da História Cultural. In. Anais da ANPUH – XXIV SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
CAIMI, Flávia Helóisa. Os caminhos da História como disciplina esclar: situndo
algumas questões. In: Conversas e controvérsias: o ensino de história no Brasil.
(1980-1998). Passo Fundo: UPF, 2001, p. 27-44.
CAMPOS, Ana Lucia Lapolli. “Com uma canção também se luta” o negro nas letras
da canção brasileira nos anos 60 e 70. TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO.
Porto Alegre: UFRS, 2010.

267
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

FERREIRA, Gustavo Alves Alonso. Quem não tem swing morre com a boca cheia
de formiga: Wilson Simonal e os limites de uma memória Tropical. DISSERTAÇÃO
DE MESTRADO. Niterói: UFF, 2007.
HEBE. História social. In CARDOSO, Ciro F., VAINFAS, Ronaldo. Domínios da
história: ensaios de Teoria e Metodologia. 4 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
NACKED, Rafaela Capelossa. Identidades em diáspora: o movimento black no Brasil.
Teresina, PI, n. 12, Revista dEsEnrEdoS, ISSN. 2175-3903, jan. fev. mar. 2012. ano
IV.
NAPOLITANO, Marcos. História e Música: história cultural da música popular. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
SILVA, Maurício Pedro da. Novas Diretrizes curriculares para o ensino da História
e da cultura afro-brasileira e africana: a lei 10.369. São Paulo, v.9, n.1: Eccos,
Revista Científica, 2007. p. 39-52.
WILSON, Simoninha. Wilson Simonal canta Tributo a Martin Luther King. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=FH0Ws4Sw0ZE. Acessado em 20 de
novembro de 2016.

268
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

A MONITORIA NO SEMESTRE 2015.2 ENTRE O PLANEJADO E O


EXECUTADO (REPLANEJADO)

Amanayara Raquel de Sousa Ferreira1


Orientador: Prof. Ms. Isamarc Gonçalves Lôbo2

Introdução

A disciplina Introdução aos Estudos Históricos, do curso de Licenciatura em


História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) - Campus Cajazeiras-PB,
referente ao período 2015.2 ministrada pelo MS. Isamarc Gonçalves Lôbo foi planejada
com a premissa da realização de duas unidades: a primeira tendo por base o trabalho
com o livro “Introdução à Historiografia” de Marie-Paule Caire-Jabinet (2003), para
proporcionar aos alunos uma melhor compreensão dos rumos da historiografia e as
tendências historiográficas desde o período medieval até as questões mais importantes
nesse campo no século XX. Já na segunda unidade foi proposta a análise do livro de
Edward Hallet Carr (1982) “O que é história? ” Para que se pudesse entender uma
dentre outras visões sobre o conceito de história e outras questões diretamente
relacionadas ao tema.
O programa de monitoria desenvolvido pela Universidade objetiva fomentar a
iniciação à atividade docente. No caso da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais o
subprojeto se intitula “Monitoria e interdisciplinaridade: por uma iniciação à docência
no ensino superior”. Esta iniciativa dá a chance de alunos da graduação terem uma
experiência muito próxima a de um professor e atuarem em conjunto com este em
diversas atividades pedagógicas, acompanhando e dando assistência aos alunos de uma
turma específica.
Particularmente, a monitoria da disciplina “Introdução aos Estudos Históricos”
consistiu em observação das aulas, participação dos planejamentos e outros exercícios
pedagógicos além das permanentes discussões sobre a conjuntura da disciplina, em que
refletíamos sobre as dinâmicas de ensino, as ações professorais, nossas perspectivas
como monitores e as ações discentes.

1
Graduanda em História pela Universidade Federal de Campina Grande/ Campus Cajazeiras - PB.
Monitora da disciplina Introdução aos Estudos Históricos/ 2015.2 E-mail:
[email protected]
2
Professor do Centro de Formação de Professores CFP/UFCG-Cajazeiras-PB. E-mail:
[email protected]

269
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Este aspecto é de suma importância, pois nos proporciona enveredar pelo


caminho da reflexão daquilo que construímos enquanto docentes em formação e
enquanto alunos graduandos. Refletir sobre nossa própria realidade enxergada no outro
mostra que tipo de ensino requer e o que deveríamos fazer para alcança-lo. Pois é de se
perceber que o processo de ensino-aprendizagem se revela em trocas de experiências e
de informações que no final possibilita o conhecimento.
Diante das implicações das atividades feitas e do que se observou, fomos
provocados pelo professor-orientador a fazer uma análise da metodologia aplicada à
referida turma, isso para pensar a sua funcionalidade e eficácia quanto à aprendizagem
dos alunos, tendo em vista a preocupação com esse aspecto no processo de ensino-
aprendizagem.
Nessa perspectiva, temos a seguir primeiramente alguns apontamentos sobre a
turma e a metodologia do professor, baseando-se nos processos observados em sala de
aula; em um segundo momento se discute a reação e o comportamento dos discentes
quanto a aplicação do método; e, por último, analisamos a forma de avaliação efetuada,
bem como suas implicações nas relações metodológicas. Dessa maneira, pretendendo
alcançar alguns resultados sobre eficácia ou ineficácia do método utilizado na turma
especifica e quais os fatores que levaram ou influíram em um ou outro ponto.

O processo em sala: apontamentos para entender a turma e o professor

A metodologia a que pretendemos discutir se baseia na premissa de leituras dos


textos pelos alunos para em sala de aula se constituir a interação entre professor, a
turma, e claro, os conteúdos. Considerando a classificação de LIBÂNEO (2009), o
método usado pode ser designado de “elaboração conjunta” (p.167), se constituindo dos
atos de ensinar e aprender associadamente, visando à aquisição de conhecimentos
novos, não se esquecendo de instigar os conhecimentos prévios.
Dessa maneira, os alunos teriam que trazer questões e dúvidas a serem colocadas
para que houvesse a interação (elemento fundamental desse procedimento) com o
professor e também entre os próprios alunos, e consequentemente, acontecesse o
ensino-aprendizagem de forma dinâmica.
O próprio professor se denomina como “tradicional”, sendo nesse caso uma
questão entendida como uma concepção de ensino, e sendo compreendida aqui como
uma classificação pedagógica que se constitui de vários fatores e não somente da forma

270
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

metodológica, mas também a postura do docente e a concepção de aluno. De acordo


com Moreira e Vasconcelos (2007), o professor teria uma postura tradicional enquanto
autoritário, se considerando detentor do saber a transmiti-lo para o aluno, este sendo
passivo no processo de ensino e de aprendizagem, apenas assimilando como verdade o
que o docente ensina.
Apesar de sua autodenominação, analisando não só as características da
tendência pedagógica tradicional, mas também a da Escola Nova3 e as chamadas
pedagogias progressistas, e observando o comportamento e o modelo de aula ministrada
pelo professor, nota-se mais aspectos assemelhados com as premissas consideradas
pertencentes às pedagogias progressistas, em que “[...] o professor se coloca não como
transmissor de conhecimentos nem como facilitador da aprendizagem, mas como
mediador no processo da educação” (MOREIRA e VASCONCELOS, 2007, p. 42).
Diferentemente das concepções classificadas como tradicionais, nas aulas e nos
planejamentos percebeu-se que o professor através de suas metodologias e postura
procurava tornar o aluno ativo e participativo, almejando uma construção de
conhecimento conjunta e não uma reprodução por parte da turma. Desse ponto de vista
nem seu método, nem sua postura e nem mesmo sua visão de aluno poderia ser
classificada como tradicionais. E se tratando especificamente de História, a proposta era
a compreensão dos conteúdos, e não uma memorização mecânica de datas e nomes - o
que é até mesmo inviável tendo em vista as premissas da disciplina tratada -, que é outro
aspecto atribuído à chamada pedagogia tradicional.
Mas como sabemos as classificações são sempre ou quase sempre lacunosas e
problemáticas, assim, não podemos deixar de atentar para questões que não estão em
conformidade com o pensamento desenvolvido. Nessa compreensão, uma questão deve
ser ressaltada, a relação considerada dos conteúdos com o alunado, mesmo que não seja
objetivadora de memorização passiva, ou seja, ter fundamentalmente a função da
decoração sem reflexão, o professor dar uma importância muito expressiva ao foco nos
conteúdos, no sentido de que é um pressuposto para o sucesso do aluno na disciplina a
aprendizagem do que está sendo proposto nos textos base.
Partindo desse entendimento é válida a compreensão de que se pretendia uma
construção de conhecimento, mas muito mais voltada para o que estava expresso nos

3
Ver: MOREIRA, Claudia Regina Baukat Silveira e VASCONCELOS, José Antônio. Como ensinar
história. In: Didática e avaliação da aprendizagem no ensino de história. Curitiba: Ibpex, 2007, p. 33-
62.

271
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

textos trabalhados do que mesmo uma inciativa ou uma aprendizagem mais “livre”,
própria do aluno, melhor explicando, havia um certo “apego” ao conteúdo tido como
algo dado. Não era pretendido na forma do professor conceber a disciplina qualquer
conhecimento, mas o conhecimento obtido dos conteúdos apresentados, chegando ao
ponto da reprovação caso o aluno não atingisse tal objetivo.
Os discentes deveriam transmitir mais do que qualquer coisa, o que nos textos
base estava. Prova disso foi a reprovação de um dos discentes da turma por não
conseguir relacionar “revolução industrial” com o século XIX e a história tradicional.
Este discente, infelizmente foi reprovado não por que não aprendeu, mas por que não
aprendeu “o que estava no texto base”.
Com relação a turma, a mesma é composta de alunos ingressantes na
Universidade normalmente com o número 50 (cinquenta) discentes, por ser essa a
quantidade de vagas oferecidas todo semestre na UFCG campus Cajazeiras para o curso
de História, podendo ser um pouco maior somando as vagas que se oferece para alunos
veteranos de outras turmas.
Com base nas observações das aulas, as características da turma em questão são
evidentes se pensarmos que os alunos que a compõe são em grande maioria da rede
pública, vindos de um ensino básico defasado que não cumpre e não atinge o que a
sociedade espera, sendo assim, muitas dificuldades são levadas para a universidade, e
estas se agravam à medida que as exigências do sistema universitário batem à porta.
Algumas dessas dificuldades são percebidas facilmente, como a falta de costume
com a leitura, o enorme problema com a interpretação de textos e a complicação com a
escrita e produção de até mesmo os mais simples trabalhos. Estas não são características
particulares da turma, são problemas que a maioria dos alunos ingressantes na
universidade enfrentam e que nós mesmos como alunos não escapamos.
É importante considerarmos essas questões quando tentamos analisar o
comportamento de uma turma em relação a uma metodologia ou qualquer outra
discussão dessa natureza, pois o alunado é produto de outras realidades que não podem
ser esquecidas nessas análises. Nessa perspectiva, perceberemos mais profundamente
esses caracteres nos próximos pontos, quando problematizamos as aulas e as avaliações
realizadas com a turma.

Funcionamento das aulas: observações enquanto iniciante à docência

272
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Refletir sobre nossas práticas pedagógicas talvez seja o ponto de partida para
que o conhecimento possa ser construído de maneira mais eficaz e colabora para que
interações e trocas de informações sejam o eixo em que se fundamenta a construção
desse conhecimento. Como monitores esta reflexão tende a ser mais profunda no que se
refere a observação das práticas em sala de aula durante nossa formação inicial.
Serva Fonseca (2004) em artigo intitulado “A construção do saber pedagógico
na formação inicial do professor para o ensino de História na educação básica”, diz
que, “A constituição do professor como profissional, pensador, crítico e cidadão
pressupõe pensar a educação como um processo construtivo, aberto, permanente, que
articula saberes e práticas produzidas nos diferentes espaços” (FONSECA, 2004, p.
151).
Sendo assim, coube a nós iniciados em História observar as aulas que
aconteceram primeiramente com o propósito metodológico de interação aluno-
professor. No entanto, percebemos que o processo esperado não estava ocorrendo
efetivamente à medida que os alunos não estavam interagindo e nem correspondendo às
expectativas pensadas para a disciplina. Na maioria dos encontros, a turma não estava
contribuindo para os debates dos conteúdos e muitos poucos alunos pareciam estar por
dentro das discussões, sendo que só se conseguia retorno destes se fossem tocadas
questões paralelas aos assuntos das aulas, e não exatamente o que estava para ser
discutido sobre os livros propostos.
Isso nos faz pensar sobre que tipo prática queremos para a nossa atuação
docente? Como ser professor de História e dar respostas para essa situação? Talvez, seja
necessário dizer que a prática docente precisa antes de tudo de articulação no sentido de
que não haverá interação com os “conteúdos” propostos se a prática docente não se
renova, não busca refletir sobre si mesma. O professor articulado com o pensamento de
que é apenas ele que faz a aula não trará nada de novo para o ensino e a formação
docente. Mesmo que isso não tenha ocorrido em nossas observações, tendo em vista que
o professor da disciplina está atento às suas práticas e a renovação da mesma.
Por isso, as observações feitas na monitoria que identificaram as deficiências dos
formandos com relação as leituras e as dificuldades para realizar articulações sobre o
que a disciplina estava propondo é o ponto de partida para que entendamos que a
renovação das práticas do professor/mestre deve ser constante, sobre o risco de sua
prática não formar críticos, mas passivos bem informados.

273
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Como exemplo dessa situação temos a observação do dia 14 de abril de 2016,


que apesar de ter sido mais uma aula de recapitulação dos textos já trabalhados, a
discussão desenvolveu-se na esteira da dimensão religiosa, que não necessariamente
estava ligada aos assuntos iniciais do debate. Em muitos dos encontros, as discussões
religiosas eram o que mais chamava a atenção da turma e incitavam a participação de
mais discentes do que normalmente. Tendo em vista o pequeno aproveitamento dos
textos, houve essa tentativa de rememoração dos conteúdos, porém não parecia que esse
era o motivo da maior interação da turma, e sim, os assuntos paralelos que eram tocados
durante as explicações pelo professor e pelos próprios alunos.
Dessa forma, diante do ocorrido no dia 14 de abril de 2016 como relatado
anteriormente, o professor constatou a necessidade de mudar e usar outros tipos de
metodologias para tentar uma retribuição maior dos alunos e um aproveitamento maior
das discussões por parte dos discentes. Assim, partindo da premissa de que não se
estava obtendo sucesso com a forma de apresentação dos conteúdos, ou seja, não se
estava atingindo os objetivos, que seriam a compreensão dos textos e a reflexão de suas
principais ideias pelos alunos, passou-se a utilizar outros procedimentos como
exposição de slides e atividades que os alunos pudessem ser protagonistas.
Nesse caso, se apresentava o protagonismo dos alunos quando se trabalhava os
textos de forma independente antes do encontro na sala de aula, os discentes sendo
autônomos nas suas leituras e interpretações e na realização de atividades, sendo
primeiro formulada suas questões sem a interferência prévia do professor.
Este momento nos chamou atenção para a necessidade de refletirmos sobre que
tipo de processo de aprendizagem e formação dos alunos de História está ocorrendo. As
digressões aparentes em sala de aula pressupõem uma melhor elaboração dos planos de
curso e de aula, que precisam ser pensados conjuntamente com os alunos. A escolha de
textos a serem discutidos dentro do recorte da disciplina precisa atender a uma demanda
de interesse dos alunos. Não que isso possa vir a tirar a autonomia do professor em
colocar para sua turma a melhor seleção de textos. Entendidos como necessário e
proveitoso, contudo, há também a necessidade de uma melhor democratização da
prática docente onde os alunos possam ser partícipes na construção da disciplina.
No entanto, sabemos que uma iniciativa como a apresentada não é de fácil
implantação e muito menos de imediato funcionamento, considerando que
principalmente no caso de uma turma de primeiro período, como a que viemos
analisando, seria quase impossível fazer acontecer uma ideia desse tipo, tendo em vista

274
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

que os alunos que entram na universidade pela primeira vez não são conhecedores da
dinâmica e do sistema de conteúdos e de ensino que são utilizados nesse tipo de
instituição, dessa forma, sendo muito complicado esses discentes iniciantes fazerem
escolhas e darem opiniões para a construção das disciplinas em meio a esse contexto.
Assim, seria necessário primeiramente um estudo acerca das condições e dos
pressupostos precisos para analisar a possibilidade do funcionamento da proposta de
inserir os alunos como participantes efetivos da construção das disciplinas de um curso
superior, como o de História. Em que medida essa questão contribuiria para um melhor
ensino-aprendizagem e qual melhor maneira de fazê-la sem ferir a autonomia tanto do
professor quanto do aluno.

PCHS4: implicação da avaliação e dos resultados

As avaliações propostas pelo professor são baseadas nas esperadas discussões


dos textos em sala de aula. O PCH (Produção do Conhecimento Histórico) é uma forma
de avaliar o desempenho e compreensão dos alunos quanto aos conteúdos e também
quanto as capacidades de escrita e de organização de ideias, de maneira geral é uma
produção textual sobre o que foi trabalho durante cada unidade.
Quando terminados e discutidos todos os textos referentes à primeira unidade na
disciplina, primeiramente foi feito um levantamento pelo professor junto com os
monitores de quantos e quais alunos iriam fazer a produção textual, já que a premissa do
processo avaliativo era a de que os discentes que participassem das discussões
efetivamente não precisariam fazê-la e teriam automaticamente a nota máxima, que é 10
(dez).
Nessa perspectiva das discussões 12 (doze) alunos que questionaram e
interagiram nas aulas obtiveram a nota 10, e os 26 (vinte e seis) que não tiveram o
mesmo desempenho não adquiriram nota e tiveram que fazer a produção (o PCH). Não
contando aqui com os discentes que não fizeram o PCH por motivo de falta no dia, com
os que deixaram para repor e também os que já não mais frequentavam as aulas da
disciplina.

4
Produção de Conhecimento Histórico. Método avaliativo idealizado pelo Professor Mestre Isamarc
Gonçalves Lobo do CFP/UFCG-Cajazeiras-PB. Este método consiste em uma avaliação continua por
meio de pequenas produções de textos acadêmicos, os PCHs ou MinePCHs, que são propostos aos
discentes como forma de poderem desenvolver seu pensamento crítico, apropriação articulada de ideias e
construção de uma narrativa científica/acadêmica compreensível e reflexiva.

275
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Analisando os textos produzidos houve a problematização se os alunos que não


fizeram o PCH teriam realmente aprendido, para uma tentativa de resposta para a
indagação feita foi elaborada uma atividade que serviria de instrumento de verificação.
Nesta, todos os alunos deveriam elencar 5 pontos sobre o que aprenderam em cada
texto, sendo 4 (quatro) textos, totalizando 20 (vinte) itens, cada ponto valendo 0,1
décimo e a atividade completa tendo valor de 2,0 pontos.
Com o realizado nesta atividade fizemos todo um trabalho de verificação das
produções, realizamos a contagem dos pontos, elaboração de gráfico e tabela, levando
em conta os alunos que fizeram e os que também não realizaram os PCH´s,
averiguamos diferenças e semelhanças no desempenho entre estes, e também a
quantidade de discentes que lembraram de quantos e quais textos.
De um total de 36 alunos que realizaram a atividade: 33 que lembraram do texto
I (“O período medieval: uma história cristã”); 26 alunos recordaram o texto II (“Os
tempos modernos: do historiador de corte ao erudito”); 18 discentes lembraram do III
(“A história adulta: de Voltaire a Lavisse”) e 30 do texto IV (“A História em questão: os
grandes debates do século 20”); 33 alunos fizeram pontuação de 1 ponto abaixo e
apenas 3 alunos obtiveram uma pontuação maior que 1, sendo que destes apenas um
aluno conseguiu atingir todos os pontos na íntegra.
Diante das averiguações apresentadas, podemos deduzir que cerca de metade da
turma não correspondeu às expectativas e ficaram com notas abaixo da média,
considerando também o PCH feito anteriormente. E quanto à atividade de verificação
também não se percebeu grandes avanços entre os alunos que não fizeram o PCH e os
que o realizaram.
Assim, temos uma problemática, se a causa desses resultados ineficazes está
diretamente relacionada à metodologia usada na turma de “Introdução aos Estudos
Históricos”, levando em conta as análises das observações e das avaliações, mas
também não desconsiderando outros fatores que possam influenciar, que não deixam
culpar somente os procedimentos metodológicos, como as particularidades da turma e
as características individuais dos próprios alunos.
Nessa perspectiva, podemos inferir por estas e outras razões que os
determinados alunos não corresponderam bem ao método utilizado. A aprendizagem,
pensando de uma maneira geral, não abrangeu grande parte da turma, muitos alunos
considerando os conteúdos com grande grau de complicação.

276
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Considerando que a metodologia é uma parte integrante muito importante do


processo de ensino-aprendizagem, e tendo por base as reflexões de Libâneo (2009)
podemos entender que não é uma tarefa fácil atingir um método específico que consiga
promover a compreensão dos conteúdos de todas as turmas, visualizadas assim de forma
homogênea, e nem mesmo de todos os alunos de uma determinada turma, mas o que se
espera é que no mínimo uma grande maioria tenha uma boa reação aos métodos usados
e que estes sirvam ao máximo para desenvolver as capacidades cognitivas dos alunos,
implicando assim no alcance dos objetivos.
Assim, de acordo com Libâneo (2009, p. 152),

[...] podemos dizer que os métodos de ensino são as ações do


professor pelas quais se organizam as atividades de ensino e dos
alunos para atingir objetivos do trabalho docente em relação a um
conteúdo específico. Eles regulam as formas de interação entre o
ensino e aprendizagem, entre o professor e os alunos, cujo resultado é
assimilação consciente dos conhecimentos e o desenvolvimento das
capacidades cognoscitivas e operativas dos alunos.

Também existem fatores particulares e externos que podem contribuir para o


método seja profícuo ou não em cada turma, não quer dizer que determinada
metodologia de ensino seja de todo boa ou ruim, e sim que são pessoas diferentes e
turmas diversificadas, que não necessariamente tenham que se adaptar às metodologias
utilizadas. Depende muito das necessidades e capacidades individuais e coletivas das
turmas para que tal método se adeque e tenha aproveitamento, por parte tanto dos
alunos como do professor.
Dessa maneira, tendo os métodos de ensino de uma forma mais geral como “[...]
um conjunto de ações, passos, condições externas e procedimentos” (LIBÂNEO, 2009,
p. 150) juntamente com a ação de reflexão sobre a realidade dos meios educativos
fazendo as relações entre os conteúdos de ensino, o professor já citado utilizou
diferentes formas de conceber um método de ensino que consiga fazer com que se atinja
a relação mútua entre método, objetivo e conteúdo, outra ideia eminente do autor já
citado.
Essa ação de experimentar outras possibilidades de ensino e de repensar suas
próprias concepções educacionais se mostra vantajosa à medida que se subtende uma
preocupação por parte do professor com a aprendizagem dos alunos e
consequentemente, nos mostra o quanto é primordial o planejamento para a atividade

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

docente, fazendo a ligação direta com os outros elementos que possibilitam o processo
de ensino-aprendizagem, sendo que a ação de planejar engloba a reflexão sobre os
conteúdos, os métodos e os objetivos, havendo a preparação das aulas e o repensar dos
procedimentos em torno da relação entre esses pontos.
Dessa forma, entendemos a relevância do planejamento conforme Regina Barros
Leal (s/d):

[...] o planejamento de ensino tem características que lhes são


próprias, isto, particularmente, porque lida com os sujeitos
aprendentes, portanto sujeitos em processo de formação humana. Para
tal empreendimento, o professor realiza passos que se complementam
e se interpenetram na ação didático-pedagógica. Decidir, prever,
selecionar, escolher, organizar, refazer, redimensionar, refletir sobre o
processo antes, durante e depois da ação concluída. O pensar, a longo
prazo, está presente na ação do professor reflexivo. Planejar, então, é a
previsão sobre o que irá acontecer, é um processo de reflexão sobre a
prática docente, sobre seus objetivos, sobre o que está acontecendo,
sobre o que aconteceu. Por fim, planejar requer uma atitude científica
do fazer didático-pedagógico5.

Nessa perspectiva, podemos inferir que o planejamento se porta como questão


fundamental na definição metodológica professoral, tendo em vista que quando se
reflete e se escolhe conscientemente uma prática pedagógica enquanto pretensora de
objetivos ligados a aprendizagem, o método está inserido como integrante essencial de
tal prática. Planejar sobre como vai acontecer a dinâmica de ensino é imprescindível
para atingir o mínimo de sucesso docente, compreendido aqui como imbrincado com a
aprendizagem do alunado, e no caso da História, principalmente com a formação do
senso crítico acerca dos conteúdos.

Considerações finais

Com a reflexão das ideias aqui expostas podemos perceber a dificuldade de usar
métodos que precisamente promovam uma aprendizagem sólida a todos os alunos, essa
questão depende de muitos aspectos e de uma complexidade maior envolvendo todo um
contexto de turma e de sala de aula.
Encontrar uma explicação para o fato de determinada metodologia ser eficaz ou
não é outra questão um tanto complicada, sabendo que apesar de ser um elemento de
5
LEAL, Regina Barros. Planejamento de ensino: peculiaridades significativas. In: Revista
Iberoamericana de Educación (ISSN: 1681-5653), s/d, p. 01-07.

278
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

muita relevância para o ensino e para a aprendizagem, não é o único, podendo ter
muitas outras influências e implicações.
Nas situações específicas observadas, perceberam-se inadequações do método à
medida em que tudo o que foi apresentado apontou para resultados e experiências pouco
proveitosos, podendo ser um reflexo negativo da forma em que foram trabalhados os
conteúdos, como também do contato dos alunos com estes mediada pelo professor ou de
forma independente.
Assim, podemos concluir que provavelmente, se referindo à turma em questão e
à disciplina relacionada, os alunos sentiram dificuldades com a falta de uma explicação
prévia dos assuntos pelo professor para poderem compreender a lógica dos conteúdos e
assim, interagirem com questões relevantes, já que o método se propõe a uma
explanação conjunta dos assuntos por professor e alunos, e não uma exposição do
professor exclusivamente
Tendo também a influência nesse processo do fato de não terem desenvolvido as
leituras como se é preciso, e por isso não terem como discutir tais temáticas, sendo
dessa forma impossível fazer um diálogo sobre os assuntos, considerando que tenham
pouco interesse pelo curso ou pela disciplina nesse caso. Essa situação ainda nos leva a
refletir e considerar sempre a prática de repensar o exercício docente relacionando seus
métodos com as especificidades das turmas em que atua.
Dessa forma, planejar é uma atividade fundamental no processo de ensino-
aprendizagem tendo em vista que é o momento de pensar os elementos essenciais da
prática professoral e também se torna a oportunidade de repensar o que foi executado e
quais os resultados e implicações de tal execução para a reflexão das futuras atuações.

REFERÊNCIAS

CARR, E. O que é história? 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.


LEAL, Regina Barros. Planejamento de ensino: peculiaridades significativas. In:
Revista Iberoamericana de Educación (ISSN: 1681-5653), s/d, p. 01-07.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2009.
Marie-Paule Caire-Jabinet Introdução à historiografia. Trad. Luarento Pelegrin.
Bauru-SP: Edusc, 2003.
MONTEIRO, Ana Maria F. C.; GASPARELLO, Arlette Medeiros e MAGALHÃES,
Marcelo de Souza (org). Ensino de História: sujeitos, saberes e práticas. – Rio de
Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007.
MOREIRA, Claudia Regina Baukat Silveira e VASCONCELOS, José Antônio. Como
ensinar história. In: Didática e avaliação da aprendizagem no ensino de história.
Curitiba: Ibpex, 2007, p. 33-62.

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Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

“CINE CLUBE HISTÓRIA”: A EXPERIÊNCIA DO TRABALHO SOBRE


CORRUPÇÃO POR MEIO DO FILME O CANDIDATO HONESTO

Jefferson Fernandes de Aquino1


Jéssica Naiara Silva2
Rosemere Olímpio de Santana3

Introdução

O professor, em sala de aula, trabalha na perspectiva de atingir


determinados resultados em um prazo específico de tempo e com
pessoas específicas. Dia após dia, essas pessoas (os alunos) esperam
que esse professor as conduza de um lugar a outro no campo do
conhecimento científico de forma sistematizada, contínua e
progressiva. (ZAMBONI; OLIVEIRA, 2013, p.112)

Levando em consideração o pensamento de Zamboni e Oliveira (2013), e


partindo da lógica que todo processo de ensino e aprendizagem inicia com uma ideia,
quer seja ela grande ou pequena, mas com sua devida importância é que nascem as
ações pedagógicas para dinamizar o conteúdo, relacionando-o com temáticas
transversais, vídeos, filmes, jogos, dentre outros a fim de melhorar a aprendizagem dos
alunos no tocante aos componentes curriculares, em especial – e foco de nosso estudo –
de História. Desta forma, é possível se trabalhar de forma interdisciplinar, estimulando,
no nosso alunado a reflexão crítica, ao tempo que desenvolvendo suas habilidades e
competências.
Neste ínterim e corroborando o pensamento de Zamboni e Oliveira, as ações do
docente visam em criar caminhos por onde os alunos deverão percorrer, observando,
pensando e tirando suas próprias conclusões.
Na prática do ensino de História temos um papel fundamental no que diz
respeito a formação do cidadão. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de
História (1998):

A seu modo, o ensino de História pode favorecer a formação do


estudante como cidadão, para que assuma formas de participação
social, política e atitudes críticas dianteda realidade atual, aprendendo
a discernir os limites e as possibilidades de sua atuação,
napermanência ou na transformação da realidade histórica na qual se
insere. Essa intencionalidade não é, contudo, esclarecedora nela

1
UFCG/UFERSA. E-mail: [email protected]
2
UFCG-CFP. E-mail: [email protected]
3
UFCG-CFP. E-mail: [email protected]

280
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

mesma. É necessário que a escola e seus educadores definam e


explicitem para si e junto com as gerações brasileiras atuais
osignificado de cidadania e reflitam sobre suas dimensões históricas.
(BRASIL, 1998, p.36)

Para isso, utilizar de ferramentas lúdicas, textos, imagens, dentre outros recursos
é fundamental para a construção do saber histórico. Pensando nisso é que trazemos aqui
um estudo de caso, baseando na vivência de uma aula de História na EEEF Dom Moisés
Coelho, em Cajazeiras-PB, como ação do PIBID-História (Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência, financiado pela CAPES4).
O PIBID, Subprojeto de História da Universidade Federal de Campina Grande,
campus de Cajazeiras-PB, atua em duas escolas da rede estadual de ensino desde 2014,
trazendo como eixo central a aproximação da Universidade com as escolas de ensino
básico onde proporciona ao acadêmico inserir-se no universo escolar, possibilitando a
troca de experiências entre o supervisor (que é o professor regular da disciplina) e o
discente. Na EEEF Dom Moisés Coelho, o programa atua em turmas do Ensino
Fundamental II e reforça as discussões sobre ensino e práticas pedagógicas no âmbito
do Curso de Licenciatura Plena em História ofertado no Centro de Formação de
Professores.
São as atividades desenvolvidas no PIBID que nos fazem pensar como sujeitos
pertencentes efetivamente de um processo de iniciação à docência, ao passo que,
projetamos as atividades mediante planejamento e metodologia sempre visando a
inserção do alunado atendido pelo programa.
Levando em consideração o exposto até o momento e, refletindo nessa
integração dos alunos, através da utilização de recursos tecnológicos e na discussão de
temas transversais selecionamos o filme “OCandidato Honesto”, estrelado pelo
humorista Leandro Hassun para embasarmos e fomentar a discussão acerca da
corrupção.

Cinema, produção artística de mercado: um recurso para construção histórica

Aos nos referimos ao cinema, buscamos atrelar ao entretenimento, um


passatempo. No entanto verificamos que as produções cinematográficas possuem um
conteúdo que traz todo um contexto histórico referente a qualquer tema que for

4
CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior

281
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

abordado. Assuntos que devidamente problematizados viram recurso para serem


trabalhados em sala, este, como sistematizador de ideias e percepções. Conforme Barros
(2011) o cinema acomoda um diálogo que perpassa os diversos campos das ciências
humanas.

Cinema, história e ciências humanas, enfim, bem como o cinema e as


demais formas artísticas de expressão estão destinadas a uma parceria
que envolve intermináveis possibilidades. O cinema enquanto ‘forma
de expressão’, e como forma de expressão que congrega de novas
maneiras outras modalidades de expressão artística, será sempre uma
riquíssima fonte para compreender a realidade que o produz, e neste
sentido um campo promissor para a história, para a sociologia e
demais ciências humanas. (BARROS, 2011, p.9)

Ainda segundo Barros, 2011 o cinema agrega um significado ao trabalho do


historiador, pois tem-se apresentado como um dos grandes agentes históricos na
contemporaneidade. Arte, no diálogo com a realidade e despertando, no telespectador, o
senso crítico de pensar a história enquanto fonte grandiosa de enredos.
Visitando a história do cinema, encontramos figuras célebres e que, ao seu
tempo trouxeram a sua mensagem mediante a momentos vividos pela História. Assim,
como não lembrar, no cinema mudo, de Charlie Chaplin através dos filmes Tempos
Modernos e O Grande Ditador; ao visualizarmos a “sétima arte” indagamo-nos,
sobretudo, de como surgiu e qual sua finalidade.
Com a Revolução Industrial, o século XVIII presenciou uma variante de
mercadorias que inseriam no mundo o capitalismo. Ao longo dos séculos, as tecnologias
evoluíram assim como a mentalidade humana de ganhar dinheiro.
Pinto (2004) faz toda uma contextualização acerca, pautada na obra Breve
cronologia do cinema nos apresenta as tentativas do homem “de estudar o movimento”.
Antecedendo até mesmo os egípcios, as figuras rupestres já indicavam os primórdios do
que viria a ser o cinema.
Saltando cronologicamente para chegar em 1895 onde os irmãos Lumière
conseguem exibir no cinematógrafo as primeiras imagens. Ambicionando esquematizar
as imagens em movimento a exibição à princípio não teve som e cor.
Enveredando pelo caminho da historiografia, o autor afirma que o historiador
deve ligar-se a “influência que a imagem tem na sociedade”, como uma maneira de
inserir-se na realidade do processo histórico. Referenciando Cristina Nova o autor

282
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

destaca que nas décadas do século XX são produzidos trabalhos relacionados à imagem-
história, acima de tudo, a imagem como um documento.
Nesse viés ainda é ressaltado a imagem como criadora de discurso sobre o
passado, mas que ainda existem ressalvas quanto à utilização pelos historiadores desses
estudos. Para ele com alguns historiadores tradicionais ainda existe retalhos de uma
história positivista que iluminava o documento como uma única verdade.
O que na verdade ocorre são novos horizontes de abordagem da história, a
escrita continuará tendo seu lugar na “expressão de um acontecimento passado”. Ainda
é comum esperar que o filme exiba fatos verídicos, o autor ressalta que o diretor está
envolvido com toda uma lógica que desperte interesse do público, para isso é necessário
atratividade. Esse profissional, de fato, não é um historiador.

O filme não é uma reflexão direta e mecânica da sociedade, muitas


vezes eles constrói um contra-história, em virtude de ele apresentar
um novo ponto de vista para a história. (PINTO, 2004)

Os alunos desconheciam que por trás de uma produção cinematográfica existe


todo um interesse de mercado por isso, também o investimento na atratividade. O
público em sua maioria tem um interesse por determinados filmes desprovido de um
conteúdo histórico, apenas com um entrelace de acontecimentos narrados de forma
substancial respondendo as expectativas desse público. Momento que questionamos os
alunos dos filmes passados na TV mais especifico a “sessão da tarde” na rede globo,
exibindo produções rotineiramente repetitivas, enquanto que no “corujão” onde na
mesma emissora exibe filmes de madrugada, inéditos. O expectador da sessão da tarde,
geralmente crianças não é o alvo, em termos comerciais, já o da noite sim, tendo em
vista que nas outras emissoras na mesma madrugada não exibem programas que
ganhem em audiência.
O processo de mutação do cinema ocorreu de forma gradual concernente ao fato
linguagem, diz Marcel Martin:

A arte esteve, portanto inicialmente a serviço da magia e da religião,


antes de tornar-se uma atividade especifica, criadora de beleza. Tendo
começado como espetáculo filmado ou simples reprodução do real, o
cinema tornou-se pouco a pouco uma linguagem, ou seja, um meio de
conduzir um relato e vivenciar ideias (MARTIN, 1985, p.16)

283
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Produtor de um discurso abriga em seu contexto uma série de características,


fotografia, enredo que nos possibilita enxergar a narrativa em uma ótica variada. Uma
produção cinematográfica é na verdade uma criação artística que em junção com os
elementos citados aqui concede vida a uma história.
É inegável que o cinema é uma arte, mas também, um fruto de uma indústria.
Fazendo com que tenha-se um caráter social especulativo, “a fim de proporcionar uma
visão estética, objetiva, ou poética do mundo” tendo em vista a agradar um público alvo
com histórias variadas, talvez genéricas, no entanto a sua maneira de ser uma arte não é
alterada.

Mais que seu caráter industrial, é o comercia que constitui uma grave
desvantagem para o cinema porque a importância dos investimentos
financeiros que necessita o faz tributário dos poderosos, cuja única
norma de ação é a rentabilidade. (Martin, 1985, p 15)

Segundo PONTES (2010) é necessário “entendê-la em sua plenitude precisamos


levar em conta a análise do discurso narrativo o aspecto estético e o aspecto social”.
Dessa forma unindo o texto com o contexto como subsidio a uma “interpretação
dialética integra”.

Construindo a oficina: necessidades e planejamento

A temática proposta surgiu de uma série de conversações em meio aos


planejamentos das ações do PIBID, quando decidimos trabalhar o que chamamos de
“Oficina de Cinema”. Assim, pensar o tema corrupção e associá-lo com o filme a fim de
utilizá-lo como um aporte pedagógico também revelou o intuito de atrelar o
conhecimento ao entretenimento.
Desta forma, é sabido que, grande parte dos alunos em algum momento assistem
a filmes, séries e documentários com propostas ligadas a enredos verídicos ou fictícios,
mas que trazem consigo uma mensagem que, uma vez problematizada transforma-se em
conhecimento.
Esses meios audiovisuais são introduzidos aos alunos por meio do conhecimento
do professor e de seu objetivo para com a proposta pedagógica planejada.
Portanto, através da docência compartilhada – uma das ações do PIBID –existe o
favorecimento da produção de metodologias, ao tema a ser exposto em sala da forma

284
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

que achamos cabíveis. Neste caso, o contexto cinematográfico possibilita o diálogo e a


percepção do aluno entre os personagens, ações, tramas e risos a fim de extrair um
ponto central que abarque toda uma discussão produtiva.
Ao lidarmos com o tema corrupção a partir do diálogo com os alunos,
adentramos num campo minado, tendo em vista as recorrentes notícias que apontam
diversos sujeitos imersos a esquemas corruptíveis. Mais do que isso, nos permite
observar o contraponto de toda essa carga de informação midiática, refletida na
mentalidade do nosso alunado, ao tempo que corrobora a contradição existente entre o
diálogo anticorrupção e a prática cotidiana.
Nesse processo e se apropriando na construção de um período eleitoral, achamos
necessária que esta discussão viesse à tona a fim de apontarmos os caminhos para a
mudança e o papel social de cada um, sempre ponderando no princípio de cidadania do
qual a História e o professor são responsáveis.
Por meio da docência compartilhada sentimos a necessidade de pensar uma
oficina que trabalhassem, dentro de sua ludicidade, temáticas atuais e que de fato
viessem a interferir na reflexão dos alunos sobre as ocorrências cotidianas. A
corrupção, como citamos, foi à proposta escolhida e as discussões deram-se
enveredadas não apenas a política do país, mas, sobretudo as próprias ações individuais
(ou de algum conhecido ou parente), como o simples ato de olhar a prova do colega,
negociar pontos com algum professor para obter uma nota maior ou arredondamento.
Seguidamente, os alunos refletiram, na sua possibilidade, todo o cenário político
brasileiro a partir da temática abordada pelo filme e, com isso entendendo o processo
que levou esses sujeitos ao poder e, sobretudo, no tocante do papel da imprensa na
(in)formação da população.
Mais do que isso, nossa meta foi absorver e promover uma reflexão sobre o
papel dos jovens na construção desse Brasil moderno enquanto cidadãos ativos e como
eles de forma direta (ou indireta) colaboram (ou não) para esses acontecimentos,
levando-os a se posicionarem, em ações medianas, mas que puderam ser praticantes de
uma ação corrupta.
Práticas como essas nos permitem avaliar o processo de formação docente e de
como mediar as ações de maneira coerente e sem assumir posições estremas. Para isso,
juntamente com os supervisores e com todo um suporte teórico, buscamos enveredar em
teorias, práticas pedagógicas e ações pontuais que nos permitam refletir e possibilitar
uma reflexão acerca do tema proposto.

285
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Teoria e prática são aliadas no embasamento dessas ações, bem como na sua
aplicação, tendo em vista o processo de ensino e aprendizagem.Acerca disso Pimenta e
Lima (2006):

[...] O papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de


análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais,
organizacionais de si mesmas como profissionais nos quais se da sua
atividade docente, para neles intervir, transformando-os. Daí é
fundamental o exercício da crítica das condições materiais dos quais o
ensino ocorre. (PIMENTA; LIMA, 2006, p16)

Caminhando na construção do conhecimento, ao tempo que, aliando teoria e


prática, utilizamos como materiais pedagógicos o filme Candidato Honesto, charges,
imagens, reportagens com matéria local e artigos, que nos possibilitou desenvolver a
proposta tendo todo um ambiente preparado no contra turno para receber as turmas do
Ensino Fundamental II.
Devido à reviravolta na política do nosso país, não há como ficar à margem de
toda uma discussão que se faz principalmente em redes sociais. Segundo Barcelos
(2010), “a tecnologia ocupa posição central na vida dos atuais jovens consumidores”.
Tendo em vista que esses crescem imersos a esse contexto, estão sempre ligados a TV,
VIDEO GAME e as mídias sócias. Com isso o filme proposto, com todo o seu humor
escrachado encaixava-se nessa perspectiva, satirizando as relações políticas pautadas
nas trocas de favores e como descreve Márlon Reis, em O Nobre Deputado (2014):

A política é uma arte que desafia a ciência. Como a física explicaria,


por exemplo, que um deputado tem direito a dois gabinetes, em
Brasília e outro no Estado de origem? E que, além disso, pode dar
posto de trabalho a até 25 secretários parlamentares. Os jornais nos
criticam por isso, mas o número deveria ser maior. Afinal, temos
muitas pessoas a acomodar. E a genética então? Algumas tentativas de
conceber lideranças políticas de proveta resultam em criaturas que não
compartilham sequer um cromossomo do pai. [...] Nada se compara,
entretanto, àquilo que nós, os políticos fazemos com a matemática.
Quando os números correspondem a valores em dinheiro, temos o
prazer de fazer com que uma quantia destinada à obras públicas sirva
também para a conta particular dos prefeitos e multiplicar o caixa do
partido. (REIS, 2014, p.23)

No livro, o político, pseudo chamado de Cândido Peçanha é um deputado eleito


por um Estado não revelado. Na realidade, este é um relato de um ex-deputado que, por
questões éticas não teve o nome revelado, mas que suas práticas a medida em que o

286
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

livro vai amadurecendo o enredo, corrobora para a análise das práticas de muitos
políticos, noticiários e, como trazemos à tona neste estudo, ao filme que foi apresentado
aos alunos na Oficina de Cinema.
Na arte do planejar, nós professores e bolsistas ID5, desempenhamos um papel
importantíssimo na organização das ideias para elevar o conhecimento do nosso
alunado.
Ainda com base na citação de Márlon Reis, ela aponta uma questão bem pontual
do filme: a corrupção. No entanto, o audiovisual traz uma mensagem ética que nos faz
(e fez) refletir sobre o nosso papel enquanto cidadãos e agente políticos.
Partindo desse pressuposto começamos uma série de reuniões planejando a
construção do tema chave, a relação com o filme, sobretudo a execução, tendo em vista
ser realizada a oficina à noite, horário oposto as aulas. O plano fez-se primeiramente
com os objetivos, compreendem:
 Conceitual: Identificar no filme “O candidato honesto” expressões que
liguem a sua narrativa à construção crítica do ambiente político no nosso país o vendo
como recurso didático com enfoque para a história política da contemporaneidade
compreendendo a noção do papel dos políticos em exercício assim como do cidadão.
 Atitudinal: Entender o cenário político brasileiro em função dos
escândalos de corrupção pensando como o sujeito se integra nesse meio a partir da
responsabilidade do seu voto e suas ações cotidianas.
 Procedimental: Mobilizar os conhecimentos obtidos para produção de
um debate no projeto “Café gaiato”. Grupo destinado à discussão das temáticas que
circulam na mídia, redes sociais, respaldando na importância de debater-se além
conteúdo programático.
Uma vez de posse dos objetivos da atividade, a metodologia e recursos a serem
utilizados, ativamos o conhecimento prévio dos alunos, reverenciando o cinema
nacional com suas produções, norteando-os que existe um mercado que está além das
produções hollywoodianas. Ao tempo que fomos esclarecendo que os enredos dos
filmes não só trazem romances, comédias, mas toda uma discussão que remete a um
fato histórico como pano de fundo, precisando estar atenta a isso.
A fim de reforçar essa discussão prévia dos alunos, fizemos uso de imagens do
próprio filme e outras que remetiam as eleições (charges, caricaturas, fotografias)
concatenando as ideias e colocando-os de forma (in)direta no contexto abordado.

5
Bolsita ID (Iniciação à Docência), como são costumeiramente chamados dos bolsistas do PIBID
provenientes dos cursos de graduação.

287
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

Assim, através do filme O candidato honesto, cujo enredo é projetado na figura


de um candidato à Presidência da República que impossibilitado de mentir, muda todo o
planejamento de sua campanha.
O filme satiriza a figura do político a partir do momento em que o candidato
passa a ser honesto, ironizando até a sua capacidade de falar a verdade para esposa e
filhos.
Nas cenas subsequentes a “maldição” que o personagem principal “João Ernesto
Paxedes” recebe de sua avó, o filme nos convida a refletir nas práticas comportamentais
de um político tipicamente corrupto que vê, na eminente derrota uma crise de
“sincericídio”.
Com base nisso, faz-se necessário entender: Quais as impressões do enredo?
Como os políticos se articulavam? O que é corrupção? Como participamos desse
emaranhado de acontecimentos? E, como visualizamos a figura do político hoje – se
igual ou diferente ao apresentado na produção – e qual nosso papel, enquanto cidadãos
para coibir tais práticas?
Desta forma, ao serem questionados, os envolvidos na Oficina posicionaram-se
de forma direta selecionando momentos do filme que representavam-nas, instante que
verificamos a clareza com que enxergam a temática.
Vale ressaltar que, no transcorrer da trama, fomos pinçando trechos que trariam
uma reflexão mais apurada acerca do papel da política na coordenação de uma
sociedade, sua importância e algumas concepções acerca da temática. Sem esquecer,
óbvio, de elencar a relevância da mídia brasileira até mesmo na construção do ser
político.
Após a exibição do filme, iniciamos o debate problematizando a ideia de
corrupção, deixando se observar como um fenômeno que não passa despercebido pelo
olhar do aluno, tendo em vista a veiculação universal das notícias e, a partir daí, também
a própria discussão acerca do papel da mídia na construção/desconstrução da política
brasileira.
Procuramos, assim, provocar nossos alunos a debater a temática apresentando,
com o uso de charges e outras imagens que representavam bem a problemática em um
âmbito mais geral e especifico, trazendo para um contexto local, momento escolhido
pelo fato de a cidade e região passar por um momento conturbado no setor político.
Visamos, como isso, destacar também outras práticas corruptíveis, como, por exemplo,

288
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

o simples ato de colar a prova do colega, o que gerou uma discussão descontraída
quando um apontava o outro, mas entendendo que não deixava de ser errado.
Nosso maior objetivo, para que fique claro, não era apenas discutir o contexto da
corrupção no âmbito da política, mas também outras práticas menores e provocar uma
reflexão no que se refere ao papel do cidadão na cobrança de medidas rígidas de
combate à prática.
Questionando os alunos sobre suas ações no dia-a-dia desde atravessar a rua fora
da faixa, ao fato de não entregarem a caneta do colega, notamos a consciência clara dos
seus atos e reflexão dos acontecimentos na política, no entanto as suas ações são regidas
por vontade própria. Saber que estar errado, ou não, para eles não fazia muita diferença,
como argumento, alegavam que seguem o exemplo da grande maioria e em termos de
corrupção, se tivessem oportunidade fariam o mesmo que alguns políticos fazem.
Após todo diálogo com o conteúdo e participação dos alunos, como método
avaliativo pedimos aos alunos para reunirem material que falasse da temática, desde
noticias, charges, buscadas no facebook, jornal, revista, para exposição de um mural
como panorama da atual política brasileira, enfatizando suas impressões à cerca.
Este momento de produção final da oficina nos fez refletir e avaliar a
importância de se abordar essa e outras temáticas no Cine Clube História.

Conclusão

A escola, como instituição formadora de cidadãos, reproduz normas e valores


presentes na sociedade e apresenta-se como importante, se não imprescindível, agente
de socialização do indivíduo, uma vez que através dos conteúdos dispostos em seu
currículo e da ação daqueles que compõem o cotidiano escolar (professores, gestão, pais
e alunos) a criança/adolescente/adulto aprende ou adquire conhecimentos que lhe
possibilitarão compreender melhor o mundo onde vive e sua própria existência. Neste
sentido, a educação e, por conseguinte, a escola atua de modo a contribuir para que o
indivíduo se conscientize sob sua condição de sujeito histórico, que não apenas observa
e se submete aos acontecimentos do mundo, mas tem a capacidade de participar e
transformar a realidade, assumindo a posição de construtor de sua própria história e da
história social acerca do meio onde está inserido.
Para isso, levamos em consideração que a educação é uma preparação para a
vida em sociedade e a escola é o ambiente de troca de experiências e saberes. Formar

289
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

para a cidadania e o convívio em sociedade, requer metodologias que coloque o alunado


como cidadão em todos os seus aspectos.
A edificação do diálogo acerca do tema corrupção envolvendo o cinema através
do filme O Candidato Honestofoi imprescindível para o ensino de História, focando
este momento em um Cine Clube, pois, tendo em vista a necessidade de se estimular um
pensamento crítico nos alunos e partindo da premissa que a vastidão de filmes
existentes no mercado apresentam, muitas vezes, temáticas impróprias até para idade
deles, ou até mesmo nem apresentam tema algum, mas que são difundidos de forma
viral e percebidos com mais atenção no ambiente escolar ao trabalharmos determinados
assuntos.
Neste sentido, todo o enredo da trama nos auxiliou a trazer a discussão um tema
bem acentuado em nossa sociedade devido aos escândalos envolvendo a Petrobrás, e
tantos outros esquemas de corrupção já evidenciados pela mídia em tempos passados, a
saber, o Mensalão. Assim trazendo para a sala de aula o debate da temática, além de
norteá-los do cenário político brasileiro para quando se depararem com uma notícia não
tomarem posição sem saber a veracidade, difundindo-as de forma errônea.
Através desta ação podemos captar que muitas pessoas, em especial os nossos
alunos, são atraídos nos filmes pelos seus gêneros. Aparentemente esta nossa afirmação
é óbvia, mas os romances, as dramas e comédias – que não necessariamente haveria de
ter um enredo com uma problemática, segundo algumas pesquisas e discussões
informais feitas no ato do planejamento dessa e outras ações envolvendo a utilização de
filmes – por se apresentarem um entretenimento.

REFERÊNCIAS
.
BARCELOS, Renato Hubner. Nova mídia, socialização e adolescência. Um estudo
exploratório sobre o consumo das novas tecnologias de comunicação pelos jovens.
Porto Alegre. Dissertação de mestrado, 2010.
BARROS, José D.'Assunção. O Cinema e as demais modalidades artísticas de
expressão–diálogos e interdisciplinaridade. Comunicologia – Revista de
Comunicação e Epistemologia da Universidade Católica de Brasília, v. 4, n. 1, p.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
História. Brasília: MEC, 1998.
PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência:
diferentes concepções. Revista Poíses, v.3, n.3 e 4, p.5-24, 2005/2006. Disponível em:
http://www.revistas.ufg.br/index.php/article/view/10542/7012 Acesso em: 12 de agosto
de 2016.

290
Anais da VIII Semana Nacional de História do CFP/UFCG

PINTO, Luciana. O historiador e sua relação com o cinema. In: O olho da história:
Revista de história contemporânea: Salvador, 2004.
PONTES, Lucas Renatho Gomes De. Narradores de Javé: ficção, comunicação e
cultura. In: XII congresso de ciências da comunicação na região Nordeste: Campina
Grande-PB. IJ 4, 2010.
REIS, Márlon. O Nobre Deputado: relato chocante (e verdadeiro) de como nasce,
cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira. Rio de Janeiro: LeYa, 2014.
ZAMBONI, Ernesta; OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Resposta para uma
aluna: são muitas possibilidades para a escola pública. Revista Territórios &
Fronteiras, Cuiabá, vol.6, n.3, dez, 2013.

291
HISTORIOGRAFIA AFRICANA: A ÁFRICA EM BUSCA DE SUA
IDENTIDADE

Suzyanne Valeska Maciel de Sousa1


Orientador: Prof. Ms. Isamarc Gonçalves Lôbo2

Introdução

O presente trabalho dedica-se a traçar um horizonte na análise da produção


historiográfica acerca da História da África, abordando desde as características
predominantes nas produções tradicionais de base eurocêntrica até as mais recentes
produções desenvolvidas até por autores africanos, a fim de justificar a necessidade do
estudo do ponto de vista interior da África enquanto condicionante para uma autêntica
compreensão da mesma para a construção de sua própria identidade.
Entende-se que a complexidade do ser africano enquanto sujeito histórico
apresenta diversas raízes de pensamento e cultura, e a compreensão do mesmo não pode
partir do olhar do outro, como historicamente tem sido construída a sua história.
Efetivamente a maioria dos estudos sobre a África desenvolvidos no ocidente ao longo
da história careceu de profundidade, visto que pouco se dedicou à compreensão da
própria perspectiva do continente. Pode-se dizer que há um consenso quanto à
necessidade de revisão das visões eurocêntricas que permeiam a história, contudo esta é
uma discussão recente.
Michel de Certeau (2011, p.66) no seu conhecido ensaio “A Operação
Historiográfica” destaca que

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção


socioeconômico, político e cultural. [...] Ela está, pois, submetida a
imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É
em função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia
uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que
lhes serão propostas, se organizam.

Dessa forma, ao analisar a produção historiográfica tradicional acerca da África


entendemos que o lugar de produção de seus autores foi determinante para as suas
narrativas, visto que os primeiros escritos foram realizados por colonizadores e

1
UFCG. E-mail: [email protected]
2
UFCG. E-mail: [email protected]

292
missionários europeus, e seu discurso foi posteriormente reproduzido e ratificado por
outros pensadores, dentre estes os Iluministas. O movimento Iluminista, por sua vez,
não defendia apenas uma teoria racial, mas uma expressiva maioria de seus
representantes desenvolveram seus estudos no sentido de justificar a superioridade
racial do homem branco sobre o homem negro no contexto das discussões modernas em
torno da questão da atribuição ou não do caráter de humanidade aos africanos.
(MBEMBE, 2001)
Em suma, a presente abordagem analisará as principais características das
produções historiográficas de cunho tradicional sobre a história africana, para só então
apresentar o caminho iniciado pela nova história.

E a África foi constituída

Inicialmente cabe delimitar o que entendemos por história tradicional, para tanto
se faz pertinente a enunciação de Peter Burke (1992, p. 03):

[...] a história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de que


tem sempre se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens,
estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos. Ao resto da
humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história.

Assim, a abordagem da história tradicional é marcada pelo seu lugar de


produção, ela acaba apresentando os fatos de forma tendenciosa, no caso da
historiografia africana as narrativas se desenvolveram a partir do ponto de vista
europeu, colocando os africanos em segundo plano, como veremos melhor a seguir.
Esta história tradicional ainda se caracteriza por sua narrativa factual dos
acontecimentos, sua preferência quase exclusiva pelo enfoque político, e por política
considera-se apenas a parte estatal, além de basear suas análises estritamente em fontes
documentais oficiais e pretender-se objetiva e imparcial (BURKE, 1992).
No esforço de analisar esta ampla abordagem, destacarei as principais
características que sintetizam as causas que acabam por tornar a maior parte da história
tradicional africana estéril e contraproducente. Em primeiro lugar, este enfoque
apresenta uma visão única da história e esta é a versão eurocêntrica, nossa ideia deste
conceito está em concordância com o expresso por Barbosa (2008, p. 47): “[...] o
eurocentrismo é aqui pensado como ideologia e paradigma, cujo cerne é uma estrutura

293
mental de caráter provinciano, fundada na crença da superioridade do modo de vida e
do desenvolvimento europeu-ocidental.”, dessa forma desde o Iluminismo foram
criadas, com o uso das ciências, diversas justificativas para a dominação europeia sobre
os outros continentes, na busca de afirmar a sua superioridade em todos os sentidos,
desde o cultural e social até o biológico.
A principal consequência desta abordagem etnocêntrica europeia é o total
deslocamento de sentido da interpretação científica da África seja ela histórica,
sociológica, antropológica ou cultural. Visto que, é construído um conceito unívoco da
África e dos africanos, assim como explica Achille Mbembe:

Uma mudança significativa ocorreu no início da colonização. [...] Se


os africanos eram tipos diferentes de seres, era porque eles tinham sua
própria identidade. Esta identidade não podia ser abolida. Pelo
contrário, a diferença teria de ser inscrita em uma ordem institucional
distinta, enquanto, ao mesmo tempo, esta ordem seria forçada a operar
a partir de uma perspectiva fundamentalmente desigual e
hierarquizada. Em outras palavras, a diferença era reconhecida, mas
apenas na medida em que implicasse desigualdades, que eram, além
disso, consideradas naturais, no sentido de que ela justificava a
discriminação e, nos casos mais extremos, a segregação. (MBEMBE,
p. 171)

De acordo com o autor, com o início da colonização tornou-se urgente o debate


sobre a atribuição do caráter humano aos povos africanos e emergiu a necessidade da
formulação de uma identidade própria para eles. Contudo esta elaboração se
desenvolveu apenas na medida em que serviu aos interesses europeus, visto que a
“identidade africana” construída por eles teve a função de ampliar as dicotomias entre
os povos africanos e os povos europeus. Esse “reconhecimento” criou para a África uma
máscara de inferioridade, através da qual os africanos eram identificados como um tipo
diferente de seres humanos, primitivos, que precisariam ser “civilizados” pelos
europeus.
Desde as primeiras expedições europeias na África o retrato descrito destes
povos foi repleto de preconceitos raciais justificados através de filosofias
evolucionistas, como vemos no seguinte trecho enunciado pelo padre António Dias
Dinis em seu relato de uma expedição missionária:

O africano selvagem ou indígena tem corpo e alma como nós, porque


é membro da una espécie humana; é filho de Deus como nós, pela
criação; tem direito às mesmas felicidades, temporais e eternas;

294
também por ele sofreu e morreu Cristo; enfim, não lhe cabe a culpa de
ter ficado estagnado em determinado estádio evolutivo da
Humanidade, enquanto a civilização ariana lhe passou pelo Norte do
continente (...). Mas, se o primitivo é homem como nós, ele não é,
porém, ser humano, no significado preciso do termo; quero dizer:
homem verdadeiramente consciente e livre (DINIS, 1951 apud
VALVERDE, 1997, p. 81).

No trecho há um argumento de reconhecimento do caráter humano do nativo


africano, denunciando novamente o tema como alvo de discussões à época. O padre
preocupa-se em “defender” os africanos alegando que os mesmos não podem ser
culpados pela sua “estagnação evolutiva”, isto é, sua tentativa de defesa enuncia uma
noção preconceituosa e potencialmente problemática, pois esta ideia, velada sobre a
intenção de defesa, reforça o estereotipo do exotismo desses povos, criando uma
imagem dos africanos como vítimas, dependentes e incapazes de resistir ou se defender
sozinhos. Quando são representados na história e na literatura, os africanos aparecem
como descobertos, isto é, seres passivos na dinâmica das relações entre os povos
(OLIVA, 2007).
Ainda sobre a característica eurocêntrica da história tradicional africana, há um
conceito enunciado pelo poeta palestino Mourid Barghouti (2000) que expressa bem
esta relação histórica:

It is easy to blur the truth with a simple linguistic trick: start your story
from "Secondly." […] and the world will be turned upside-down. Start
your story with "Secondly," and the arrows of the Red Indians are the
original criminals and the guns of the white men are entirely the
victims. It is enough to start with "Secondly," for the anger of the
black man against the white to be barbarous. Start with "Secondly,"
and Gandhi becomes responsible for the tragedies of the British.

Em nossa percepção a ideia do poeta é válida para compreender como se deu o


discurso tradicional, pois de acordo com ele começar a história de um povo com a
expressão “em segundo lugar” transforma todo o sentido da narrativa, em outras
palavras, o primordial ao contar uma história é de onde se inicia, pois o ponto de partida
determinará todo o enredo.
Vejamos como modelo a história da “conquista da Paraíba” na segunda metade
do século XVI, a versão oficial difundida provém do ponto de vista português, mas não
me parece que as sociedades indígenas que habitavam o território a contariam da mesma
forma, a começar pela própria denominação do episódio histórico, reproduzido como

295
“conquista”, quando da ótica indígena talvez algo como “invasão” estivesse mais
próximo de representar sua narrativa própria dos tais eventos. Acontece que a história
tradicional inicia esta narrativa a partir da chegada dos portugueses, todavia se a mesma
história iniciasse com os sujeitos indígenas que já habitavam as terras paraibanas
teríamos uma percepção excepcionalmente diferente.
De semelhante modo, a história africana esteve rendida às narrativas europeias,
não encontrando espaço por muito tempo nem entre seu próprio povo para a produção
de uma narrativa própria de sua história. Séculos de colonialismo europeu deixaram
profundas consequências na cultura africana.
Por conseguinte, a história tradicional africana criou e reforçou a imagem de um
estereótipo que até hoje persiste na mentalidade de diversos países, a África foi
representada de forma tão unívoca a ponto de se tornar no imaginário como um único
país, como se todo o enorme continente se reduzisse a uma mesma cultura e identidade,
empobrecendo sua diversidade histórica. Criando, assim, a ilusão de que há apenas uma
experiência africana, desconsiderando os diversos contextos geográficos, políticos,
econômicos, sociais e culturais que produzem inúmeras especificidades. Esta noção
desestabiliza a construção histórica africana, pois considera que estes povos são
homogêneos, primitivos e desprovidos de história (OLIVA, 2007).

[...] os discursos africanos dominantes sobre o self se desenvolveram


dentro de um paradigma racista. Como discursos de inversão, eles
retiram suas categorias principais dos mitos a que afirmam se opor, e
reproduzem suas dicotomias (a diferença racial entre negro e branco; a
confrontação cultural entre povos civilizados e selvagens; a oposição
religiosa entre cristãos e pagãos; a convicção de que raça existe e está
na base da moralidade e da nacionalidade) (MBEMBE, 2001, p. 185).

Segundo Mbembe, o esforço para a compreensão do outro, africano, produziu


um discurso firme acerca da diferença. As dicotomias foram interpretadas dentro do
binômio do bem e do mal, positivo e negativo, assim, se o que provém da cultura branca
era considerado bom e civilizado, para as demais culturas restavam as representações do
mal e do selvagem. Assim, o discurso eurocêntrico sintetizou o mundo de acordo com a
crença na superioridade dos europeus e de sua cultura, esforçando-se na tarefa de
sobrepor aos demais povos sua filosofia, religião e modos de vida.
No que se refere à produção historiográfica propriamente dita, a escravidão,
colonização e o apartheid acabaram por se tornar os mais fortes símbolos da história

296
africana carregando-a de catástrofes e roubando-lhe a dignidade. A recorrência de
narrativas trágicas foi responsável pela produção de uma representatividade generalista
e negativa destes povos (MBEMBE, 2001).
De acordo com Oliva (2007), é incontestável os acontecimentos trágicos que
afligiram a África ao longo do tempo, a exploração da colonização, as lutas de
independência com os países europeus, guerras entre países africanos, segregação racial,
epidemias de Aids e outras doenças, os bolsões de miséria ao longo do continente, entre
outros. Apresentar e problematizar estas questões é imprescindível, contudo, a
predominância dos discursos historiográficos e também midiáticos em torno apenas
destes temas negativos reforçam a ideia de que a história africana se resume a uma
sequência de calamidades, associando a sua identidade à constante tragédia e
negligenciando a grande riqueza e diversidade sociocultural do continente, suas
inspiradoras histórias de resistências, além de toda a sua criação artística, intelectual e
científica.
Por conseguinte, a persistente repetição e reelaboração do discurso elaborado
pela historiografia tradicional causou a sua instituição enquanto modelo. As várias
versões da história africana passaram a contar sempre a mesma narrativa, a dos
vencedores. O que nasceu como uma opinião eurocêntrica ao longo do tempo e da
repetição, inclusive midiática, se tornou um paradigma fortemente estabelecido e de
difícil desconstrução. O resultado desse discurso é a superficialização da história
africana e a negligência quanto à diversidade de experiências de seus povos, deixando
sua história sempre em segundo lugar.
No contexto da nova história, diversos historiadores têm se dedicado aos estudos
africanos sob uma nova perspectiva, rejeitando a história factual e dedicando-se mais ao
estudo das estruturas como meio de compreensão, além de preocupar-se com a “história
vista de baixo”, isto é, buscando conhecer a experiência das pessoas comuns acerca das
alterações sociais. O novo olhar dessa historiografia deve-se, sobretudo, ao seu lugar de
origem, que não mais advém estritamente da elite europeia, mas abrange historiadores
de diversas nacionalidades, destacando-se dentre elas as nacionalidades africanas. Esta
abordagem pretende compreender a representação que os próprios povos africanos têm
de si, constituindo-se assim numa produção politicamente engajada, defende a
autonomia e inserção desses povos historicamente marginalizados na História.
Muitos autores de diversas nacionalidades reconheceram esta necessidade de
uma abordagem analítica pelo viés da nova história, como por exemplo, John Thornton,

297
um historiador americano considerado hoje um dos maiores africanistas do mundo, sua
principal obra sobre o tema é o livro “A África e os Africanos na Formação do Mundo
Atlântico: 1400-1800” (2004). O autor aborda a história africana redefinindo os lugares
estabelecidos pela história tradicional, sua obra evidencia uma África atuante em sua
própria história e na história mundial.
Thornton (2004) insere os africanos enquanto sujeitos históricos, ao
problematizar, por exemplo, a escravidão ele apresenta o jogo dos interesses que
envolveram o comércio de escravos por meio da negociação entre os chefes locais
africanos e os europeus, observando a formas de resistência e também de cooperação. O
autor elucida ainda diversas outras questões que permeiam a história africana, discute as
formas de escravidão e sua violência, as razões que justificaram a preferência dos
europeus pela mão-de-obra africana e a ação africana nesse processo, além do árduo
tráfico negreiro e também as diversidades sociais e culturas destes povos que foram
trazidos ao mundo atlântico. Sua obra dedica-se ainda a estudar as transformações
sofridas pela cultura africana no mundo atlântico, bem como a sua ativa influência na
formação deste.
As narrativas da nova história apresentam-se mais abrangentes e marcam uma
nova fase da historiografia africana, as análises possuem maior profundidade discursiva,
pois buscam contemplar o olhar de dentro da África.
Cada cultura é única e legitima-se também de forma única, cada povo descreve a
si mesmo e aos outros com base em suas próprias noções. O cerne da renovação da nova
história é o reconhecimento da existência de um saber próprio de cada cultura, sendo
sua compreensão indispensável para contar a sua história.
Dessa forma, vários pesquisadores dedicaram-se ao estudo das representações
formuladas sobre ou pelos africanos. Historiadores como o africano Achille Mbembe, o
afro-brasileiro Muryatan Barbosa e a afro-americana Anne Bailey, e até escritores como
a africana Chimamanda Adichie, são hoje grandes referências para o estudo da África
por inovarem em suas abordagens num esforço de apresentar uma história de dentro do
ponto de vista africano.
Achille Mbembe é um teórico erudito e em suas obras reflete acerca dos
principais pontos que envolvem a história e a política africana, dentre elas destacam-se
o artigo “As Formas Africanas de Auto-Inscrição” (2001) e o livro “Crítica da Razão
Negra” (2004), ambos indispensáveis para a compreensão dessa nova fase de
autoidentificação africana, pois o autor apresenta uma profunda reflexão acerca desse

298
processo, além do anseio por autonomia da África em resistência às várias formas de
dominação ideológica historicamente empreendidas. Segundo o autor, “A identidade
africana não existe como substância. Ela é constituída, de variantes formas, através de
uma série de práticas” (2001, p. 199), assim a composição da identidade africana se dá
através de uma constante redefinição empreendida por seus diversos atores através da
sua produção.
Ainda no que se refere às discussões acerca da identidade africana há, por
exemplo, o filósofo africano Valentim Mundibe e o filósofo anglo-africano Kwame
Appiah, ambos dedicam-se a desconstruir os estereótipos fabricados sobre a África e
buscam a superação do conceito de “raça”, marcando seu lugar de oposição ao
etnocentrismo europeu através de críticas fortemente fundamentadas. Os autores
defendem a construção de uma identidade africana baseada no reconhecimento de sua
intensa diversidade cultural e entendem que sua reformulação deve ser constante
(OLIVA, 2007).
Outra representação desta nova historiografia é a coleção “História Geral da
África”, publicada em oito volumes é um projeto da UNESCO (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que apresenta uma nova
proposta para a historiografia africana, contando com cerca de 350 especialistas de
várias áreas científicas, com a direção de 39 intelectuais onde dois terços são africanos.
Estas obras apresentam uma compreensão da história africana de forma mais ampla,
visto que contam com contribuições interdisciplinares que permitem uma reconstrução
histórica mais complexa através da exploração de diversas fontes.

Considerações finais

A discussão apresentada neste trabalho não teve por finalidade encerrar o debate
ou apresentar conclusões categóricas, mas pretendeu proporcionar uma via de reflexão,
visto que a historiografia africana apresenta-se como um campo de análise muito denso,
de forma que diversos autores não puderam ser incluídos nas poucas linhas desta
discussão.
As produções da nova história trouxeram grandes avanços para a historiografia
africana, todavia, isto ainda não implica na superação do etnocentrismo europeu ainda
presente tanto nas representações históricas como em suas reproduções. Pois, apesar dos

299
avanços teóricos e metodológicos, paradigmas como o eurocentrismo se desconstroem
mais lentamente.
Os deslocamentos da nova história têm permitido uma interpretação mais
profunda e complexa do papel africano na criação e manutenção de sua coletividade. A
autoafirmação africana tem conferido cada vez mais autonomia e centralidade à sua
atuação histórica, ultrapassando os ideais racistas e atacando frontalmente o
eurocentrismo, com a finalidade de devolver à África seu lugar de direito enquanto
atuante na história humana.

REFERÊNCIAS

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300
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Missionárias da África Colonial Portuguesa, 1930-60. Etnográfica, v. 1, n. 1, p. 73-96,
1997.

301
FORMAÇÃO DOCENTE INICIAL: EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NO PIBID

Daniela Cristina Pereira Ramos 1


Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosemere Olímpio Santana2

Introdução

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência - PIBID é um


programa que promove bolsas de licenciatura aos estudantes, professores universitários
e professores da rede básica, participantes de projetos que visam à docência aplicada por
Instituições de Educação Superior (IES) em conjunto com escolas de educação básica
da rede pública de ensino. O PIBID enquanto programa de repercussão nacional, é
representado por meio de diversas páginas, redes sociais, e comunidades participantes
do programa, mais do que isso o PIBID encontrou na web uma forma de se representar,
e mobilizar sendo inegável a forma de expressão do programa através da internet:

Há muitos sites, blogs, comunidades do Pibid na Web, mostrando uma


geração de professores que está mais familiarizada com a produção e o
uso de tecnologias contemporâneas. O número de 992.000 resultados
no buscador Google mostra o dinamismo das instituições
participantes. Importa lembrar que esse número não inclui as novas
IES que foram selecionadas pelos editais 2013. (DEB/CAPES, 2013,
p.74)

Partindo desse pressuposto, as informações supracitadas, o trabalho traz algumas


considerações acerca da formação inicial de professores, considerando os saberes
docentes ofertados pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação á Docência,
localizando o percurso formativo do programa e as vivências dos “pibidianos” a
iniciação á docência dos subprojetos do CFP. Com relação ao método da pesquisa,
optou-se pela aplicação e análise de questionário, respondido pelos bolsistas de
iniciação do CFP, e a análise de imagens e relatos presentes nas redes sociais: páginas
da internet PIBID Depressão, e Grupo público Nacional do PIBID no Facebook, cujos
bolsistas são usuários. Além da copilação bibliográfica e análise de documentos oficiais
públicos que estabelecem as diretrizes do programa. Ressaltando, que os relatos
coletados foram inseridos da mesma maneira como foram escritos no questionário, para

1
UFCG. E-mail: [email protected]
2
UFCG. E-mail: [email protected]

302
transparecer o caráter fidedigno da pesquisa, esta, inclusive participativa, pois os
bolsistas são parte constituinte do programa.
Dessa maneira, Têm-se como referencial teórico para embasar nossas discussões
sobre formação de professores: NÕVOA (2009), CAVALCANTE (2009),
THOMPSON (2012), CUNHA (2004), entre outros, com a finalidade de refletir a partir
de então, sobre os discursos envoltos das demandas com relação à iniciação a docência,
proposta pelo PIBID.

Desenvolvimento

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência - PIBID surgiu de


acordo com uma ação conjunta do Ministério da Educação (MEC), por intermédio da
Secretária de Educação Superior – SESU, da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES, e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
educação – FND e foi oficialmente designado pela portaria do MEC n°38 no dia 12 de
dezembro de 2007.
No ano de 2007 devido aos expostos na lei número 11.502 a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) recebeu a função de incentivar
e promover a formação inicial e continuada de professores da educação básica
estabelecendo assim uma parceria junto ao Ministério da Educação. Para cumprir essa
missão de estimular a valorização do magistério e a educação nesse âmbito a CAPES
criou a DEB Diretoria de Educação Básica Presencial. Dessa forma uma instituição que
antes se responsabilizava pela pós graduação passou á abranger também a educação
básica. De acordo com o Relatório de Gestão da DEB referente aos anos de (2007 –
2009):

Em 2012, o Decreto nº 7.692, de 2 de março, alterou o nome da


diretoria para Diretoria de Formação de Professores da Educação
Básica, mantendo-se a sigla DEB, já consolidada na Capes e nas
instituições parceiras. A mudança não alterou o trabalho desta
Diretoria, mas revelou de modo mais claro o foco de sua missão:
promover ações voltadas para a valorização do magistério por meio da
formação de professores. (DEB/CAPES, 2013, p.5)

Ou seja, antes intitulada Diretoria de Educação Básica Presencial (DEB) o


órgão mudou seu nome para Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica,

303
podemos ressaltar a troca da designação pela instituição enquanto simbólica, pois
representa que a partir desse momento também ficou incumbida de criar programas e
projetos que priorizassem a formação da docência. Contudo podemos dizer que neste
contexto a criação do PIBID se promoverá como consequência dessa mudança.
O primeiro edital do programa foi aberto por meio de chamada pública no ano
de 2007. As ações e projetos desenvolvidos nas escolas iniciaram apenas em 2009, dois
anos depois. Em seu surgimento o programa contava apenas com poucos bolsistas e
apenas destinado à área exatas da licenciatura como Matemática, Química, Física e
Biologia, além de atender apenas a modalidade de ensino médio. Diferentemente de
hoje em que a definição dos níveis a serem atendidos e a prioridade das áreas ficam
sobre a decisão das instituições participantes no que se refere a necessidades de cada
estabelecimento de ensino, e assim cada instituição possui autonomia para elaborar seu
projeto institucional e escolher a forma de adaptar o programa á sua realidade
educacional.
Após a criação do PIBID em 2007 o programa não estagnou, ao contrário
houve um rápido crescimento com relação ao número de bolsistas e mudanças quanto a
sua estruturação. À medida que surgiram novos editais ocorre à abrangência de novas
áreas da licenciatura e também a integração de novas instituições. Pode-se afirmar isto a
partir de uma análise de um histórico de editais do PIBID exposto no relatório de gestão
da DEB anos (2009-2013) publicado em 2013:

Edital MEC/CAPES/FNDE nº 01/2007 - para instituições federais de


ensino superior - IFES;
Edital CAPES nº 02/2009 - para instituições federais e estaduais de
ensino superior;
Edital CAPES nº 18/2010 para instituições públicas municipais e
comunitárias, confessionais e filantrópicas sem fins lucrativos;
Edital Conjunto nº 2/2010 CAPES/Secad - para instituições que
trabalham nos programas de formação de professores Prolind e
Procampo.
Edital nº1/2011, para instituições públicas em geral - IPES.
Edital nº 11/2012 CAPES, de 20 de março de 2012: para instituições
de Ensino Superior que já possuem o Pibid e desejam sua ampliação e
para IES novas que queiram implementar o Pibid em sua instituição.
Edital nº 61/2013 CAPES, de 02 de agosto de 2013: para instituições
públicas, comunitárias e privadas com bolsistas do ProUni;
Edital nº 66/2013 CAPES, de 06 de setembro de 2013: Pibid-
Diversidade. (DEB/CAPES, 2013, p.28)

304
Vemos nessa relação de editais como cada vez mais o PIBID irá compreender
variados tipos de instituições totalmente diferentes do primeiro edital sancionado que
apenas se destinava as instituições de ensino públicas federais. Essa abrangência é
representada por mudanças. Em 2013 ocorreu um crescimento significativo do
programa. Em um mesmo ano houve o lançamento de dois editais.
A abertura de editais destinados as IES, irão se constituir nos processos seletivos
que envolvem o programa. Ao longo de sua história foram abertos oito editais. Esses de
variados formatos e designações se constituíram enquanto os primeiros passos para o
ingresso das instituições no PIBID, realizar uma historização com relação a esses
documentos públicos ajudará a entender como o programa foi se moldando e crescendo
ao longo dos anos.
A variação da demanda as quais as chamadas dos editais designavam apresenta
como o público ao qual o programa abrange foi aumentando e variando de forma
progressiva, o primeiro edital lançado para ingressar o programa foi uma chamada
pública destinada apenas as para instituições federais de ensino superior – IFES no ano
de 2007; No ano de 2009 além das s instituições federais o edital também abrangia as
instituições estaduais de nível superior; Já no ano de 2010 englobou também as
instituições públicas municipais e comunitárias, confessionais e filantrópicas sem fins
lucrativos; o segundo edital do ano de 2010 já era destinado aos programas de formação
de professores Prolind3 e Procampo4 ou seja, o edital também foi destinado à zona rural
e educação básica indígena. Em 2011 para instituições públicas em geral – IPES, em
2012 para instituições de Ensino Superior que já possuem o Pibid e desejam sua
ampliação e para IES novas que queiram implementar o Pibid em sua instituição, em
2013: para instituições públicas, comunitárias e privadas com bolsistas do ProUni.E
finalmente o segundo edital de setembro de 2013 o PIBID Diversidade que englobam
além de escolas indígenas e campo as escolas quilombolas, extrativistas e ribeirinhas.
Ou seja, desde seu surgimento o PIBID foi abrangendo cada vez mais
participantes e diversas realidades escolares e acadêmicas. Pode se evidenciar nessa
retrospectiva um crescimento do programa.
Durante os anos os objetivos gerais do PIBID expressos nos editais vão
mudando à medida que ocorre a variação das instituições e do público participante.

3
Programa de formação de Professores destinado á comunidades indígenas.
4
Programa de formação de Professores na zona rural.

305
Formação docente inicial: processos e discursos em evidência

É de suma importância, entender a maneira como o programa é estruturado,


como também compreender a forma como os sujeitos históricos que o compõem,
pensam sua participação. Para isso, é necessário compreender a maneira como os
bolsistas de iniciação a docência apreendem os conhecimentos e as dificuldades, que
são necessários à prática docente, pois as formas de discursos pelas quais os discentes
articulam diferentes saberes no exercício da docência, se constituí enquanto um campo
abrangente nas pesquisas.

A formação do educador é um processo acontecendo no interior das


condições históricas que ele mesmo vive faz parte de uma realidade
concreta determinada que não é estática e definitiva ,é uma realidade
que se faz no seu cotidiano. Por isso é importante que esse cotidiano
seja desvendado. (CUNHA, 2004, p.36).

Enquanto método inicial de pesquisa para entender esses processos que


envolvem os sujeitos históricos, sugeriu-se à aplicação de questionários. Foram
respondidos 90 (noventa) questionários e entrevistas orais com bolsistas e ex- bolsistas
do CFP dos subprojetos de História, Física, Química, Matemática, Biologia, Pedagogia,
Letras, Geografia, além de demais subprojetos, posteriormente, foi utilizado o método
de análises de depoimentos e publicações virtuais públicas de bolsistas presentes no
grupo público do programa presente na rede social facebook e da Comunidade virtual
PIBID da Depressão, também do facebook. Como justificativa aponta-se a escolha da
página e do grupo para análise, pelo fato da maioria das pessoas que participaram desta
pesquisa, enquanto entrevistados, serem membros do grupo e da comunidade virtual,e
os mesmos entrevistados ofereceram levantamentos diferentes que puderam fornecer
melhor subsídio para a realização do trabalho científico.
O primeiro método de coleta de dados abordado foram os questionários de
cunho interpretativo, visavam os seguintes questionamentos: Quais os motivos que o
impulsionaram a participar do programa? Se ao ingressar no programa o PIBID
interferiu nas formas de conceber a docência? Quais os pontos positivos e negativos que
identificam na participação do programa? Quais as experiências vivenciadas por estes
bolsistas em sala? E permitir um espaço para expressarem por meio de sugestões e
opiniões, se concordavam ou não com a forma como o programa é organizado
atualmente.

306
O método de aplicação dos questionários semi estruturados e entrevista orais
com bolsistas e ex- bolsistas do CFP foram um método inicial, porém sozinho foi
insuficiente para responder às indagações as quais a pesquisa se propôs, assim, a análise
dos discursos presentes nas redes sociais acabaram por complementa- lós, auxiliando as
informações encontradas nos questionamentos propostos. A aplicação dos questionários
e realização das entrevistas foi interessante, porém identificou-se que não contribuiu
com as questões levantadas pela pesquisa. Logo, foi adotado outro método de análise.
As análises dos questionários serviram para levantar apontamentos com relação à
pesquisa. No questionário, os bolsistas demonstraram um pouco de resistência,
vergonha, ou até medo de represálias, por fazerem parte do programa. Notou-se que os
entrevistados tiveram dificuldades de expressarem em seus relatos, questões críticas e
posicionamentos com relação ao programa
Dentre os questionamentos realizados aos bolsistas os que mais chamaram a atenção
foram: quais os pontos negativos e positivos que você identifica na participação
programa?

Pontos positivos Melhoria no processo de formação docente;


Experiências diversas; Oportunidades de desenvolvimento pessoal e
profissional. Ajuda financeira para o investimento em preparação
pessoal.
Não vejo pontos negativos
(Depoimento de bolsista ID participante do programa do curso de
Geografia via questionário).

Outro depoimento também seguindo a mesma lógica de citar apenas os pontos


positivos:

De forma geral me fez crescer enquanto futuro professor assim como


pude contribuir para um melhor desenvolvimento da aprendizagem
dos alunos. Não me lembro de um ponto negativo.
(Depoimento de bolsista ID participante do programa do curso de
Química via questionário).

Ou seja, dos entrevistados 42,7 % apontaram apenas pontos positivos na


participação do programa, 28,5 declararam não haver dificuldades ou pontos negativos e
outros 28,5% não responderam a pergunta. Vemos os resultados da pesquisa expressos
no gráfico abaixo:

307
1-Gráfico representado em porcetagem - Quais os pontos positivos e
negativos na participação no Programa?
50
40
30
20
10
0
Apontaram apenas pontos Não existe pontos negativos no Não responderam a pergunta
positivos programa

As dificuldades de adquirir respostas dos questionários fizeram nos pensar outra


fonte de análise. Por isso, considerando significativa a participação e representação do
PIBID, nas redes sociais escolheu-se esta fonte para resolver a problemática levantada.
Os discursos analisados são relatos presentes no Grupo Nacional do PIBID
História com mais de 20 mil integrantes que integram os subprojetos de todo país, e da
página criada em 2015 enquanto meio de comunicação e mobilização dos subprojetos
do “PIBID depressão” uma comunidade virtual de mais de 6 mil inscritos, a
comunidade “PIBID depressão” se destaca das demais comunidades que envolvem o
programa por apresentarem de forma cômica as diversidades vivenciadas no cotidiano
dos bolsistas. Através das figuras fictícias “Coordenador Cinzento” e “Bilbo o bolsista”,
a página retrata por meio de um caráter humorístico, situações que muitos dos bolsistas
sofrem ao estarem nas escolas. Os relatos analisados são dos mesmos entrevistados que
responderam os questionários e participaram da entrevista oral, onde ficou evidente que
ao contrário dos questionários nas redes sociais, eles se expressam com mais facilidade
com relação às dificuldades enfrentadas durante sua formação pelo programa. Dentre os
vários relatos analisados dos entrevistados chama-nos a atenção o seguinte relato:

No papel o PIBID é lindo na prática pelo menos na escola sou apenas


uma acadêmica de reforço infelizmente! Muitas vezes motivo de
chacota entre os demais profissionais! Aplicamos reforço aos alunos
por que os ditos professores estão interessados no IDEB e passam
alunos sem ao menos saber ler e escrever o próprio nome! (Relato da
bolsista de iniciação a docência do subprojeto de Geografia via Grupo
Nacional do PIBID)

A mesma bolsista produtora desse relato marcante, ao ser indagada nos


questionários como se sentia diante do programa, simplesmente afirmou que se sentia

308
bem e realizada, descrevendo detalhes de como as vivências mediante ao programa são
positivas para sua formação:

O PIBID é muito importante para meu desenvolvimento enquanto


docente. O programa me proporciona aprendizados, e estimula a ser
uma docente melhor, sinto-me realizada ao participar dele. Cada
experiência me faz crescer cada vez mais (Relato da bolsista de
iniciação a docência do subprojeto de Geografia via questionário).

Assim com este encontramos diversos relatos que se diferem dos adquiridos nos
questionários. Percebemos que os mesmos entrevistados assumem posturas diferentes
nos questionários e nas redes sociais sobre o programa. Ao serem questionados com
relação ao espaço das atividades desenvolvidas, a escola parceira, e as experiências
vivenciadas ao longo do programa.
De acordo com as explicações foucaltianas sobre formações discursivas, deve se
ignorar o dado, o discurso é objeto de compreensão, e será em si composto de
representações, finalidades e composição.

Ora, por mais que o enunciado não seja oculto, nem por isso é visível;
ele não se oferece à percepção como portador manifesto de seus
limites e caracteres. É necessária uma certa conversão do olhar e da
atitude para poder reconhecê-lo e considerá-lo em si mesmo
(FOUCAULT, 1986.p.126).

Nesse âmbito no que se refere ao discurso, mais do que procurar entender a


mensagem que pretende lançar de si, é importante buscar entender as condições de sua
formação, como e em que contexto surgiu o que é emitido? Nesse sentido diversas
condições de análise devem ser levantadas antes de considerar “a verdade” entre os
relatos divergentes produzidos pelo mesmo interlocutor.
A página “PIBID Depressão” também se fundamenta em um veiculo de
perpetuação de variados discursos sobre as dificuldades vivenciadas pelo programa
apropriada por estes entrevistados. A reprodução desses discursos ocorre através de
cunho humorístico, por meio de foto montagens que utilizam enquanto recursos
imagens de séries e programas da televisão populares.

309
As imagens representam consecutivamente críticas com relação ao caráter de
trabalho coletivo imposto pelo programa aos participantes, discursos de má
remuneração e dificuldades de lidar com os alunos realizando uma comparação entre os
professores e docentes de iniciação sendo os bolsistas apresentados em uma realidade
mais difícil. Essas imagens são apropriadas pelos entrevistados desta pesquisa, porém é
importante salientar que estas situações provavelmente podem ser realidades inerentes
ao programa, mas que de maneira nenhuma desmerecem o seu funcionamento.
Considerando as mensagens midiáticas Thompson (2012) esclarece:

Ao interpretar as formas simbólicas, os indivíduos as incorporam na


própria compreensão que têm de si mesmos e dos outros. Eles as usam
como veículos para reflexão e autorreflexão, como base para
refletirem sobre si mesmos, os outros e o mundo a que pertencem
(THOMPSON, 2012, p.70).

O trabalho em grupo é um dos componentes mais valorizados pelo programa, os


próprios objetivos do mesmo são formulados tendo como base os princípios de Novoa
(2009) que valorizam o trabalho coletivo enquanto troca de experiência e convívio do
docente de iniciação com a cultura escolar e a rotina profissional.
No que se referem aos discursos encontrados na página mais do que procurar
entender a mensagem que pretende lançar de si, é importante buscar entender as
condições de sua formação, como e em que contexto surgiu o que é emitido?. Os

310
usuários das redes sociais tendem a ser sinceros, pois ao mesmo tempo em que estão
expostos se sentem protegidos pelas máscaras das redes sociais.

Os estudos em sites de redes sociais têm pautado, sobretudo, a


temática da construção de identidade em rede, que tem processos e
características específicos, muitas vezes divergentes, mas
complementares em relação à identidade “real”. As plataformas
digitais têm se apresentado como cenário facilitador da compreensão
de como os sujeitos inseridos nesses ambientes (os usuários dos sites
de redes sociais) fazem uso das ferramentas disponíveis em redes
virtuais para comunicar quem são o que pensam e com o que se
identificam (CAVALCANTE, 2015, p.223).

A identidade de “pibidianos” e as dificuldades vivenciadas pelos bolsistas são


incorporadas pela página de forma cômica e expressada no grupo presente na rede
social facebook por meio de discursos: A má remuneração do programa, a indisciplina
por parte dos estudantes que não reconhecem os bolsistas ID enquanto professores,
crítica ao trabalho em equipe, o sofrimento com prazos de entrega dos relatórios finais,
e contato com uma realidade escolar violenta. Diferentemente do que foi visto nos
questionários, nas redes sociais são incontáveis os relatos sobre as diversas dificuldades
enfrentadas pelos bolsistas no cotidiano escolar.

Embora os sites de redes sociais atuem como suporte para as


interações que constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes
sociais. Eles podem apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é
importante salientar que são, em si, apenas sistemas. São os atores
sociais, que utilizam essas redes, que constituem essas redes
(RECUERO, 2009, p.103).

Desse modo a construção desses discursos gira em torno do que para a página
consiste na identidade Pibidiana, lembrando que todo processo identitário origina–se
entre sujeito e sociedade, estabelecidas por complexas relações de alteridade. Hall
(2011) será esclarecedor deste termo tão complexo ao desenvolver que esta identidade
não precisa ser fixa, é instável e consolidada ao longo das vivências.

A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está


dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é
“preenchida” a partir de osso exterior, pelas formas através das quais
nós imaginamos ser vistos por outros (HALL, 2011, p.39).

311
Esses impasses abrem espaços para reflexões com relação às falas perpetuadas
nas redes sociais sobre o programa. Nessa perspectiva, as redes sociais principalmente o
facebook se propõem enquanto uma forma de promover o diálogo referente à formação
docente que é o objetivo primordial do programa se estabelecendo enquanto fonte de
discussão.

Considerações finais

As redes sociais consistem em amplo núcleo de análise para configurar os


aspectos ligados a formação docente, pois a partir deste meio é possível obter uma
participação mais efetiva dos entrevistados. As dificuldades e discursos elencados
apontam subsídios para repensar algumas práticas, referente ao programa. Um âmbito
muito interessante por que esses enunciados apenas são levantados pelos bolsistas em
ambientes informais como redes sociais. Refletir com relação à formação inicial e ao
programa consiste em rever as próprias práticas. Os relatos, discursos e dificuldades
vivenciadas cotidianamente demarcam experiências significativas para a formação
docente. E assim mesmo identificando essas dificuldades pode- se evidenciar a
importância do PIBID na formação dos bolsistas de ID, principalmente com as análises
realizadas, com os relatos fornecidos pelos subprojetos.
O conjunto de discussões realizadas apontou uma série de discursos e aspectos
referente ao PIBID, destacando diversos pontos que necessitam de análise. Demonstrou
o seu caráter de cunho virtual, seu modelo formativo, o nível de organização das
atividades, envolto a isso lacunas e pontos de análise que espera-se ainda serem
preenchidas com novos trabalhos e leituras sobre o tema.

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314
PRINCÍPIOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
NA ESCOLA JOAQUIM PEREIRA LIMA EM SÃO JOSÉ DE
PIRANHAS – PB

Danilo de Sousa Cezario1

Durante os últimos anos o ensino de História, nas séries iniciais do Ensino


Fundamental, tem passado por grandes mudanças. Desde sua vinculação e,
posteriormente, desvinculação com a Geografia, o ensino de História vem tomando
corpo, tornando-se uma disciplina específica, com características próprias.
Ainda hoje, início da primeira metade do século XXI, encontramos historiadores
que pouco se interessam com as particularidades do ensino de História nos anos iniciais
do Ensino Fundamental. De acordo com Oliveira (2005, p. 263-264), “[...] poucos
historiadores interessam-se pelo processo de construção do conhecimento histórico em
crianças. Muitos sequer acreditam na possibilidade da criança aprender história nas
séries iniciais”. Contudo, ao longo do trabalho, discutiremos algumas novas
perspectivas desse ensino.
Antes de serem discutidas as particularidades, metodologias e abordagens do
ensino de história para os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, faremos um
aparato maior e enfocaremos um pouco sobre a trajetória do ensino de Historia na
Educação Brasileira.
O processo educativo brasileiro remota desde a chegada dos padres jesuítas as
nossas terras, porém, não se pode negar a existência de uma educação indígena que já
vinha sendo propagada há séculos pelos primeiros habitantes das terras do Brasil.
Contudo, a disciplina de História no currículo escolar, só veio a ser incorporada na
primeira metade do século XIX, período esse marcado pela independência do Brasil
com o Decreto das Escolas de Primeiras Letras no ano de 1827. Podemos aqui dizer que
este ato foi o início de grandes outros feitos.
Inicialmente, esse ensino de História estava voltado para os ensinamentos das
práticas morais e valores humanos, um pouco diferente do que é realmente ensinado

1
Docente da UAE-UFCG-CFP. E-mail: [email protected]

315
durante as aulas de História nas escolas de hoje. Neste sentido, Cruz (2005, p. 2)
ressalta que:

Estudar História e Geografia na Educação Infantil e no Ensino


Fundamental resulta em uma grande contribuição social. O ensino da
História e da Geografia pode dar ao aluno subsídios para que ele
compreenda, de forma mais ampla, a realidade na qual está inserido e
nela interfira de maneira consciente e propositiva.

Neste sentido, estudar História e/ou Geografia seria ao mesmo tempo praticar
uma reflexão de si e do mundo ao seu redor. Despertando desejos jamais sentidos. Seria
estudar não somente os grandes feitos e fatos, mas, suas praticas cotidianas vinculado a
uma produção da identidade coletiva. Desse modo, os PCNs ressaltam o ensino dessas
disciplinas estão ligados e que:

A opção de se introduzir o ensino de História desde os primeiros


ciclos do ensino fundamental explicita uma necessidade presente na
sociedade brasileira e acompanha o movimento existente em algumas
propostas curriculares elaboradas pelos estados. (...) A demanda pela
História deve ser entendida como uma questão da sociedade brasileira,
ao conquistar a cidadania, assume seu direito de lugar e voz, e busca
no conhecimento de sua História o espaço de construção de sua
identidade (1997, p. 4-5).

Assim como o percurso histórico do Brasil, inúmeras transformações ocorreram


e marcaram o ensino de História nas escolas. Transformações essas que foram
influenciadas pelas modificações nas estruturas políticas, sociais e culturais. Porém,
durante os anos 20 e 30, o Governo de Getúlio Vargas2 passou a dar novos rumos às
práticas educacionais brasileiras.
Em meio a esse discurso, devemos levar em consideração que essa exacerbada
valorização tinha um grande interesse: o culto aos grandes heróis, dos seus feitos e
fatos, principalmente os do presidente em Exercício, Getúlio Vargas. Com esse ensino
positivista3 o ensino de História passa a tomar novos rumos com a centralização do
sistema escolar.

2
Levando em consideração a criação do Ministério da Educação, que passou a privilegiar a memoria
nacional e o ensino de Historia do Brasil. Fortificando assim, uma ideia de formação da identidade
nacional brasileira.
3
Que vem de uma corrente filosófica de pensamento totalmente tradicionalista. Trabalhava-se com a
memorização, a hierarquização do pensamento, sempre o professor seria o detentor de todos os
conhecimentos e o aluno uma tabula rasa. Disponível em:
http://www.suapesquisa.com/o_que_e/positivismo.htm>. Acesso em: 15 de nov. de 2016.

316
Os alicerces do ensino de História se fortalecem cada vez mais com a
consolidação dos controles autoritários por parte dos governos, até que no período
militar, o ensino de Geografia e História são unidos em uma única disciplina: Estudos
Sociais. Essa união estava ligada com o intuito de abranger um controle maior sobre os
alunos, valorizando cada vez mais os valores morais e a exaltação cívica dos indivíduos.
Claro que, boa parte dos professores não ficaram calados, houve muitos
protestos e reivindicações por parte dos mesmos, todavia, nada mudou, os militares
continuaram com as mesmas ideias. Foi somente durante a redemocratização brasileira,
nos anos 80, que as discussões alimentaram e passaram a repensar um novo currículo
para todas as disciplinas. Agora, o foco estava voltado para a autonomia do ensino de
História. Lembrando que, essa proposta não envolveu somente os professores, mas, os
alunos universitários dos cursos de Licenciatura Plena em História daquela época, como
também alunos da educação básica e profissionais da área pedagógica.
Os diálogos que passaram a ser traçados após o ano de 1986 – ano da publicação
preliminar da proposta Curricular para o Ensino de História no Primeiro Grau -, estavam
voltados para a construção de um novo ensino de História, propondo-se um ensino em
que o diálogo e a flexibilidade tanto por parte dos professores, quanto dos alunos,
fossem compreendidos pedagogicamente.
Toda essa construção e fortificação de pensamento, buscavam uma oposição
radical ao ensino “dito positivista” que era pregado até então. Assim, o ensino de
História não estaria pautado somente nos eixos temáticos: História Geral – História
Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea- e o ensino de História do Brasil –
História Colonial, Imperial e Republicana, deveria abordar as temáticas do trabalho e as
experiências e vivências dos alunos inseridos nesse processo educacional. Neste
contexto,

Considera-se, então, que o ensino de História envolve relações e


compromissos com o conhecimento histórico, de caráter científico,
com reflexões que se processam no nível pedagógico e com a
construção de uma identidade social pelo estudante, relacionada às
complexidades inerentes à realidade com que convive (BRASIL,
1997, p.33).

Assim, todos esses debates que serviram de norte para a formulação das novas
propostas curriculares pós anos 80 até os dias atuais, basearam-se nos teóricos da Escola

317
dos Annales4 que estudavam as diversas temáticas das Histórias Social, Cultural e do
cotidiano.

Práticas inovadoras na Escola Municipal Joaquim Pereira Lima

Mediante as inúmeras dificuldades que os professores encontram para


desenvolver seus trabalhos com a disciplina de história, passou-se a observar e discutir
sugestões de trabalhos na Escola Joaquim Pereira Lima.
Até então, o ensino de História na referida escola era totalmente monótono e
enfadante. Textos copiados nos quadros para que os alunos transcrevessem nos
cadernos, memorização de datas e de nomes de Heróis nacionais. Percebemos então,
que algo teria que mudar. Assim como na história, somos movidos também pelas
transformações cotidianas.
Mediante todos esses pressupostos e com todas essas mudanças na maneira de
ver, ensinar e aprender História, ainda faltava algo, um “Q” na história, popularmente
falando. Faltava um olhar aguçado para a questão do lúdico, do praticar e do agir. Está
aqui o porquê do nosso interesse na construção dessa pesquisa. O foco central para essas
mudanças estariam nas escolas, nas metodologias adotadas pelos professores e, é claro,
no interesse dos alunos pelas histórias e História como disciplina. Segundo Fonseca
(1993, p. 18):

A proposta de metodologia de Ensino de História que valoriza a


problematização, a análise crítica da realidade, concebe alunos e
professores como sujeitos que produzem história e conhecimento em
sala de aula. Logo, são pessoas, sujeitos históricos, que
cotidianamente atuam, transformam, lutam e resistem nos diversos
espaços de vivências: em casa, no trabalho, na escola, ... Essa
concepção de ensino e aprendizagem facilita a revisão do conceito de
cidadania abstrata, pois ela nem é apenas herdada via nacionalidade,
nem liga-se a um único caminho de transformação política. Ao
contrário de restringir a condição de cidadão a de mero trabalhador e
consumidor, a cidadania possui um caráter humano e construtivo, em
condições concretas de existência.

4
A Escola dos Annales foi um movimento historiográfico surgido na França, durante a primeira metade
do século XX. O movimento historiográfico foi muito impactante e renovador, colocando em
questionamento a historiografia tradicional e apresentando novos e ricos elementos para o conhecimento
das sociedades. Apresentava uma História bem mais vasta do que a que era praticada até então,
apresentando todos os aspectos possíveis da vida humana ligada à análise das estruturas. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/historia/escola-dos-annales/>. Acesso em: 16 de nov. 2016.

318
Sabíamos da necessidade de mudança porém, não sabíamos ao certo por onde
começarmos. Então, levando em consideração que o estudo do passado nos remete ao
compartilhamento da nossa cultura, aproximando-nos cada vez mais uns dos outros,
reconhecendo-nos como agentes construtores e participativos de uma cultura/tradição,
porque não iniciarmos nosso trabalho com a construção das identidades sociais locais?
Nessa perspectiva, a escola, o professor e a comunidade devem ser envolvidos
em um conjunto, permitindo aos alunos um reconhecimento amplo sobre as tradições
culturais a qual fazem parte. Assim, o reconhecimento social de cada aluno enquanto
sujeito atuante da História, passa a se desenvolver cada vez mais, tornando o alunado
cada vez mais crítico e participativo.
A troca de ideias durante as aulas dialogadas permitiram uma abertura bem
maior para as apresentações orais dos alunos localizando-os no tempo e espaço. É papel
dos professores estabelecerem as pontes de ligação entre o presente e o passado,
desencadeando as interações entre os mesmos, derrubando as barreiras das diferenças
entre o velho e o novo, o antigo e o atual. Assim, Terra e Freitas (2004, p. 7) nos relatam
que:

Provocam reflexões sobre como o presente mantém relações com


outros tempos, inserindo-se em uma extensão temporal, que inclui o
passado, o presente e o futuro; ajuda analisar os limites e as
possibilidades das ações de pessoas, grupos e classes no sentindo de
transformar realidades ou consolidá-las; colabora para expor relações
entre acontecimentos que ocorrem em diferentes tempos e localidades;
auxilia a entender o que há de comum ou de diferente no ponto de
vista, nas culturas, nas formas de ver o mundo e nos interesses de
grupos, classes ou envolvimento político; enfim, são questões mais
comprometidas em formar pessoas para analisar, enfrentar e agir no
mundo.

Inúmeras das histórias que são contadas nas escolas para as crianças perpassam
por um mundo de imaginação e fantasia, desencadeando no imaginário destes, lugares
totalmente distantes e maravilhosos. Essa imaginação faz com que essas crianças
viagem no tempo e conheçam outras dimensões diferentes da sua realidade local. Neste
sentido, durante os anos iniciais do Ensino Fundamental, as histórias do “era uma vez”
despertam nos educandos o interesse na leitura, causando uma curiosidade totalmente
autônoma e sadia.

319
Passamos a perceber que a leitura de mundo de cada aluno pode e deve ser
estimulada em sala de aula através de imagens, mímicas, contações de histórias, dentre
outros. Nesse sentido, Paulo Freire (2001, p.11) nos relate que

[...] a leitura de mundo precede a leitura das palavras, dai que a


posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se predem dinamicamente. A
compreensão do texto a ser alcançada pela leitura critica implica a
percepção das relações entre o texto e o contexto.

A realidade local da Escola do Cacaré não é tão diferente da realidade de outras


escolas da Zona Rural de São José de Piranhas, porém, o imaginário que se formulava
ao redor da escola com as inúmeras histórias de parteiras, cangaceiros, de pegas-de-boi,
dentre outras, poderia ser trabalhado de maneira conceitual, passando de uma leitura de
mundo para um conhecimento escolar dinâmico. Assim, os alunos além de interpretar
esses imaginários, seriam capazes de agir. Nesse meio, segundo Caniato (1997), a
escola seria/deveria ser o espaço dinâmico e democrático para a construção do saber. E
prossegue:

A escola deve e pode ser o lugar onde, de maneira mais sistemática e


orientada, aprendemos a Ler o Mundo e a interagir com ele. Ler o
mundo significa aqui poder entender e interpretar o funcionamento da
Natureza e as interações dos homens com ela e dos homens entre si.
Na escola podemos exercitar, aferir e refletir sobre a Ação que
praticamos e que é feita sobre nós. Isso não significa que só na escola
se faça isso. Ela deve ser o lugar em que praticamos a Leitura do
Mundo e a Interação com ele de maneira orientada, crítica e
sistemática (1997. p, 65).

Além de interpretá-los, os alunos, no percurso escolar, devem entender que essas


representações sociais podem, também, ser transformadas ao longo da história. O
grande desafio dos professores estaria aqui: encontrar maneiras claras para apresentar
esses conceitos aos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Para Fazenda (1999,
p. 31):

[...] o professor interdisciplinar traz em si um gosto especial por


conhecer e pesquisar possuiu um grau de comprometimento
diferenciado para com seus alunos, ousa novas técnicas e
procedimentos de ensino, porém, antes, analisa-os e dosa-os
convenientemente. Esse professor é alguém que está sempre
envolvido com seu trabalho, em cada um de seus atos. Competência,
envolvimento, compromisso marcam o itinerário desse profissional

320
que luta por uma educação melhor. Entretanto, defrontase com sérios
obstáculos de ordem institucional no seu cotidiano. Apesar do seu
empenho pessoal e do sucesso junto aos alunos, trabalha muito, e seu
trabalho acaba por incomodar os que têm a acomodação por propósito.

Sobre isso, o historiador Holien Goncalves Bezerra reflete que: “Importa tentar
perceber quais são os conceitos imprescindíveis para que os alunos saídos da escola
básica tenham uma formação histórica que os auxiliem em sua vivencia como cidadão
(apud KARNAL, 2003, p. 41)”. Leva-nos a deduzir que é na permanência participativa
nas escolas que os alunos aprendem a perceber e participar do conhecimento histórico.
Mediante o que já discutimos, percebemos que o ensino de História é essencial
para a construção da identidade de cada indivíduo, possibilita o entendimento do
homem com o seu meio e os acontecimentos ocorridos ao seu redor. Nesse ponto de
vista, Terra e Freitas (2004, p. 8) discute que o ensino de História contribui bastante
para a formação do cidadão, pois,

Inclui a percepção pelo aluno de sua sociedade, considerando que tem


sido construída a partir de relações entre indivíduos, grupos, classes
sociais, interesses econômicos, costumes e mentalidades, os estudos
históricos podem contribuir, por exemplo, para que ele compreenda
sua sociedade como uma construção coletiva.

É indispensável que desde os anos iniciais da escola, os alunos possam ter


contato com o ensino de História, e que os mesmos possam entender as relações e
diversidades existentes entre os inúmeros grupos humanos que vivem em países
diferentes com culturas diferentes.
Os inúmeros livros de historinhas – fictícias ou não- devem ser trabalhados
durante esses anos iniciais como uma forma de despertar o interesse pela pesquisa e
leitura, dinamizando o diálogo, até mesmo, com outras disciplinas. Torna-se aqui
fundamental o papel do professor, para desencadear nas crianças o interesse pela
disciplina de História, não como algo meramente decorativo, mas, acima de tudo, como
algo construtivo, dinâmico e lúdico.
O professor, em suas aulas, deve mostrar para os alunos que eles são sujeitos
agentes das suas histórias, fazendo com que os mesmos sejam narradores das suas
histórias e das histórias trabalhadas em sala de aula. Assim, “a história tem como papel
central a formação da consciência histórica dos homens, possibilitando a construção de

321
identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e praxes individual e coletiva.”
(FONSECA, 2005, p, 89).
Assim, a construção dinâmica dessa história de si, poderia estar presente nas
respostas de algumas simples perguntas do tipo: Em que Cidade/Estado nasceram seus
pais? Como era o passado dos seus pais, tios e avós? Como eles brincavam
antigamente?
Neste sentido, as inúmeras histórias contadas, recontadas, escritas e reescritas,
floresceriam com mais entusiasmo nas aulas com a interpretação lúdica de cada aluno.
É difícil explicar para os alunos qual o papel do historiador e o que é a história
de fato, mas, podemos mostrar para eles que cada um de nós possuiu uma história e que
sabemos a melhor maneira de contá-la. Então, um acontecimento – seja um passeio,
uma viagem ou uma festinha – será contada de maneiras diferentes pelas pessoas que ali
estejam presentes. É fazer com que eles compreendam que cada ser humano tem uma
maneira diferente de olhar e interpretar os acontecimentos do passado.

Finalizando

O professor polivalente dos anos iniciais do Ensino Fundamental enfrenta


cotidianamente em seu trabalho inúmeros desafios que perpassam por dimensões
grandiosas para além do processo de ensino-aprendizagem. A identificação clara dos
inúmeros objetivos os quais o professor terá que alcançar em cada disciplina é bastante
difícil.
Além dessas dificuldades, o professor ainda tem que saber lidar com os diversos
tipos de alunos, logo toda sala tem sua formação heterogênea mantendo condições de
aprendizagem totalmente diferentes entre os alunos. Para que esse trabalho seja
totalmente realizado de maneira clara e objetiva, o professor polivalente deve realizar
seus planejamentos focados sempre na melhor qualidade e aprendizado dos alunos.
Quando passamos a traçar objetivos bem definidos para uma aula, outras
estratégias passam a fluir. Neste sentido, as aulas de História nas séries iniciais do
Ensino Fundamental, devem ser realizadas levando em consideração todos os aspectos
das vivencias dos alunos, dos seus modos de vida e de como estes veem o universo ao
seu redor.
Destarte, o ensino de História deve proporcionar o reconhecimento de si e do
mundo ao seu redor. Alargando ainda mais as possibilidades de diálogos com as

322
representações de mundo e de épocas diferentes. É de grande importância que os
professores despertem o resgate da memória, visando favorecer a formação intelectual,
social e política de cada cidadão.

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