52747-Texto Do Artigo-66038-1-10-20130403
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ABSTRACT: This paper will analyze questions concerning the society´s behavior with respect to
its territorial space in Brazil and in the Portuguese-speaking African countries from the perspective
of literary works, by demonstrating the role of literature in environmental studies.
1
Doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, FFLCH-USP. Pesquisa: Corpo
de baile de Guimarães Rosa e diários de viajantes portugueses. E-mail: [email protected]
Noé Jitrik, estudioso da “problemática do literário” nos nossos dias, credita aos
Estudos Culturais um estatuto de complementaridade com relação aos Estudos Literários,
que, para ele, passam a dialogar mais com a história, a antropologia, a sociologia e a
política. Segundo o crítico, uma importante contribuição dos Estudos Culturais seria a de
reconhecer a literatura como fonte de dados, realizando através dela, “uma justiça simbólica
com os grupos reprimidos e os marginalizados pela sociedade” (2000, p. 29-41). “É a voz
ausente que se torna presente”, afirma Else Vieira, para quem esse discurso já se encontra
estabelecido na América Latina e constitui “prática dialógica da teoria crítica literária com
os conceitos operacionais das ciências humanas - cultura, identidade, hibridismo,
mestiçagem, memória cultural, nação” (2000, p.13).
Essas interpretações se aplicadas no domínio da literatura brasileira e africanas de
língua portuguesa vão permitir uma melhor compreensão e análise das aproximações e
distanciamentos, nessas literaturas, da complexa relação homem e natureza.
Partindo do contexto ambiental, sobre o qual nos concentraremos neste trabalho, o
deslocamento da análise textual para o conjunto paisagístico das obras literárias nos leva
para um campo complexo e interdisciplinar: os Estudos Ambientais.
Segundo o geógrafo e professor Jurandyr Ross, em seu artigo Análises e sínteses na
abordagem geográfica da pesquisa para o planejamento ambiental,
2
Sobre a Natureza-espetáculo e Natureza Histórica ver SANTOS, Milton, 1994, p.24.
Enfim, a arte literária permite a interpretação dos aspectos políticos, históricos e
culturais de uma sociedade. Sua apropriação, indagação e decodificação, pelo contexto
ambiental, vêm constituir mais um parâmetro para uma análise e possível diagnóstico e
prognóstico tanto para as ações intervencionistas quanto para as protecionistas dos meios
naturais.
A relação do homem com o mundo natural inserida num campo discursivo, onde é
possível a atuação tanto do artista quanto do cientista, concede ao texto de cunho ecológico
vigor para transpor os limites históricos e temporais. É o que se verifica nos trabalhos
produzidos sobre a paisagem do Brasil. Desde seu descobrimento, seu extenso território e
rica biodiversidade atraíram diversos olhares. Ficou conhecido, foi classificado e descrito
de diversas maneiras através de tratados, diários, narrativas, dissertações, em várias partes
do mundo. Poucos descobrimentos geográficos foram tão documentados. As três primeiras
narrativas sobre a terra descoberta - a Carta de Pero Vaz de Caminha, a Relação do piloto
anônimo e a Carta de mestre João Farás - já procuravam realçar não só a riqueza
geográfica da terra, com seu bom ar, céu austral, como também a aparência física de seus
habitantes. Ao longo de sua história, muitos estrangeiros estiveram em expedições
científicas pelo país e produziram uma literatura de viagem que nos leva a refletir sobre as
estreitas relações existentes entre os lugares culturais ocupados pelos discursos da ciência e
da literatura. Percebe-se nesse caso, que o observador “de fora” relata os resultados de seu
trabalho de campo, sem, contudo, deixar de privilegiar o lado poético das paisagens. A
passagem abaixo, extraída do diário de Darwin, quando de sua excursão pelas florestas ao
redor da cidade de Salvador, comprova:
... Se o geólogo possuir uma alma, algum gosto pelo belo, não encontrará um
cenário mais capaz do que esse para, no meio mesmo de sua fria análise dos
elementos topográficos e geológicos, impressionar-lhe como uma obra de arte. Não
conheço cenário que mais me tenha impressionado - não só como observador
científico, mas também como homem - do que esse que das circunvizinhanças do
Rio se desfruta do alto do Corcovado. Há nele mil aspectos de observação e
estudo... quem pode mentalmente rememorar todas as leis geológicas e climáticas,
todas as leis naturais, enfim, que determinam a beleza e a utilidade desse cenário -
quem contempla tudo isso e não sente a sua alma vibrar em homenagem ao Artista
cujas mãos modelaram os continentes, gravaram esses contornos, espalharam sobre
eles o seu manto de vegetação e povoaram-no de seres, não foi além do abc e da
gramática da sua ciência, nem pode fazer idéia da literatura da natureza (Apud
FREITAS, 2002, p.109).
Agora, do deserto brotou capim e o deserto se tornou chana. Mas sob o capim há
areia. E que é a areia senão o cobertor do deserto? (...) Não será a floresta (...) uma
simples ilha, talvez um Mussulo onde coqueiros nascendo da areia procuram com
seus penachos acariciar as nuvens? Ou será a chana, prosaicamente, apenas um
terreno sem árvores que é preciso atravessar para chegar à floresta ansiada? E ainda
mais no fundo, não será vão definir a CHANA? (2000, p.143)
a paisagem, em redor, está mudando suas feições. A terra continua seca mas já
existem nos ralos capins sobras de cacimbo. Aquelas gotinhas são, para Muidinga,
um quase prenúncio de verdes. Era como se a terra esperasse por aldeias, habitações
para abrigar futuros e felicidades. Mas o mato selvagem não oferece alimento para
quem não conhece seus segredos. E a fome começa a beliscar a barriga daqueles
dois... (1995, p.61).
Se o fio da vida não foi partido, para acontecer a auto-recuperação, é preciso que se
estabeleça uma cidadania ética e ecológica de valores universais, tendo como “verdadeira
fronteira a vida na Terra, sua exploração e a transferência do conhecimento sobre ela para
as questões práticas, para as ciências e para as artes”.3
Referências bibliográficas
3
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