AMÂNCIO, Nair Renata. Os Processos de Circulação Do CASO PABLO KATCHADJIAN
AMÂNCIO, Nair Renata. Os Processos de Circulação Do CASO PABLO KATCHADJIAN
AMÂNCIO, Nair Renata. Os Processos de Circulação Do CASO PABLO KATCHADJIAN
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RESUMO RESUMEN
Apresentaremos o conceito de Objetos Presentaremos el concepto de Objetos
Derivados e a sua pertinência para pensar derivados y su conveniencia para pensar
os processos de circulação do livro El los procesos de circulación del libro El
Aleph Engordado (2009). O conceito é Aleph Engordado (2009). El concepto es
fruto da pesquisa A rasura da autoria na resultado de la investigación A rasura da
literatura contemporânea: O caso Pablo autoria na literatura contemporânea: O
Katchadjian (Processo FAPESP: caso Pablo Katchadjian (Processo FAPESP:
nº2017/25218-0) na qual construímos nº2017/25218-0) en la cual desarrollamos
uma proposta de leitura para os objetos una propuesta de lectura para los objetos
(#Yoborges, Reality Avoider e Apoyo a digitales (#Yoborges, Reality Avoider y
Pablo Katchadjian) que surgiram por Apoyo a Pablo Katchadjian) que han
consequência da publicação do livro El surgido en consecuencia de la publicación
Alpeh Engordado (2009) que fez uso do del libro El Aleph Engordado (2009) que
conto El Aleph (1949) do celebre Jorge Luís hace uso del cuento El Aleph (1949) de
Borges (1986). Discutiremos o Caso Pablo Jorge Luís Borges (1986). Discutimos El
Katchadjian dando ênfase em seus objetos Caso Pablo Katchadjian poniendo énfasis
derivados e colocando em questão novas en los objetos derivados y cuestionando
possibilidades de compreensão para a nuevas posibilidades de comprensión para
autoria no tempo presente. la categoría autoral en el tiempo presente.
Palavras-chave: Objetos derivados; El Palabras clave: Objetos derivados, El
Aleph Engordado; Pablo Katchadjian; Aleph Engordado, Pablo Katchadjian,
Autoria. Autoría
O Caso: Apresentação
uma série de acontecimentos que constituem o que entendemos como o Caso Pablo
Katchadjian
que toma como objeto (para a realização de um procedimento artístico) o conto “El
Aleph” (1949) do consagrado Jorge Luis Borges. O trabalho de apropriação foi entendido
como um plágio e Katchadjian foi processado por Maria Kodama1. Desse processo judicial
integralmente, apenas acrescentando palavras a este como podemos ver nos excertos
abaixo:
A única parte do conto que Katchadjian não “engordou” foi a pós-data deixada por
“engordamento”.
alinhado aos novos paradigmas de criação. Como aponta Cesar Aira (2009), Kachadjian
Borges se mantém e manter a memória desse autor, nesse Caso, é significativo, por todas
as questões que a autoria de Borges evoca, principalmente por seu renome que está
8). Artistas como Katchadjian não estão em busca de originalidade, pois suas produções
não se dão por meio de matéria bruta, mas sim com base em obras pré-existentes,
conceito de originalidade.
ocasionada pela recepção, como ocorre no Caso Pablo Katchhadjian. A própria acusação
Nesse sentido, a própria recepção crítica da obra, uma vez apontado o plágio,
pode representar o primeiro ato de uma performance dirigida pela própria
audiência, pois a mobilização de críticos, professores e inúmeros outros leitores
que intensificaram antes de qualquer manifestação do autor, seu desempenho
no episódio, ditando-lhe uma atuação a partir do momento em que
circunscreveram a discussão a questão do plágio, a tal ponto que as declarações
posteriores do autor podem apenas obedecer as rubricas das declarações
acaloradas disponíveis na Web. (AZEVEDO, 2011, p. 54)
Pode-se dizer que o primeiro ato que insere Katchadjian no meio literário,
enquanto autor performático, é a acusação de plágio. Uma vez acusado, o autor rejeita a
acusação e, a partir daí, passa a dar declarações que vão contra a de um plagiador,
autores, chamando a atenção para questões relativas ao surgimento dos direitos autorais
A acusação de plágio contra Katchadjian se deu com base na lei 11.723 de 1933 da
Argentina, lei que resguarda os direitos do autor e seus herdeiros legais. No caso de
Borges, María Kodama é a única herdeira legal. A lei também mostra em seu Art. 9° que:
“Nadie tiene derecho a publicar, sin permiso de los autores o de sus derecho habientes,
una producción científica, literaria, artística o musical que se haya anotado o copiado
acordo com esse artigo da lei, seria plágio se houvesse uma cópia total, e o trabalho de
Katchadjian não é uma simples cópia do texto de Borges, mas sim um procedimento de
apropriação cujos efeitos estéticos não condizem com o que consta numa lei de
do meio jurídico. Estamos nos referindo a um tipo de procedimento que requer estudo e
o jogo Reality Avoider. Toda a discussão entorno de “El Aleph Engordado” (2009) gera um
atrito entre plagio e apropriação, entre original e cópia, provocando, ainda, uma
desenvolvimento da pesquisa foi significativo pensar na noção de Caso, uma vez que é
por meio das reverberações da publicação que surgem os dizeres que vão atribuir
significado ao objeto literário na sua situação real de circulação. Assim, a noção de Caso
nos permite pensar o literário por meio de uma perspectiva contingente, que valore os
Canclini:
por Pablo Katchadjian (1977). O caráter monumental que a autoria de Borges evoca
parece definir a ordem de apropriação que é permitida e, dessa forma, vemos que há um
autor de Quixote”), ele é também um escritor cujo espólio está nas mãos de uma
Por meio da caracterização de Caso, vemos que há uma relação conturbada que se
fraude, na qual uma pessoa se apropria de um material produzido por outra pessoa para
dizer que é seu. No Caso Pablo Katchadjian está claro que não houve a intenção de plagiar
o texto de Borges.
como sinônimos resulta em análises equivocadas, pois o ato de plagiar e de apropriar não
partem nem ao menos das mesmas premissas e, portanto, não podem ser lidos através
das mesmas lentes. Plágio, no seu sentido mais literal, é um ato criminoso, enquanto a
apropriação é uma forma de produção que envolve diversas questões, inclusive histórica,
autoria e propriedade jurídica, uma vez que uma das questões que permeou o Caso no
ambiente jurídico, entendendo que advogados e juízes (normalmente) não têm domínio
específicos dos estudos literários. Como o próprio autor Pablo Katchadjian reitera em
seu estilo. Mas, para María Kodama, a publicação do autor foi acatada como uma afronta
à grandiosa obra de Borges e, portanto, digna de uma ação judicial que perdurou por sete
anos.
“El Aleph engordado” (2009) é fruto de um procedimento autoral que pode ser
entendido por meio de práticas artísticas que têm como premissa o conceito da
“reciclagem cultural” (KLUCINSKAS; MOSER, 2007). Mas, por meio de uma leitura
pessimista, o livro pôde ser assumido como uma apropriação indevida da propriedade
Na pesquisa, o conceito de originalidade foi entendido como uma noção que permite uma
2014) e não são construídas do zero, rompendo com a premissa canônica do processo
criativo.
consolidado no século XVIII, cujo benefício primeiro foi o da editora, e não o do autor
Nicolas Bourriaud (2009, p. 99) que diz que o autor nada mais é que uma entidade
jurídica.
(GARRAMUÑO, 2014), entende “El Aleph Engordado” (2009) como um reflexo e uma
mostra do que as práticas artísticas contemporâneas permitem, sendo que essa posição
do regime autoral e das práticas de produção artística, acabando por estabelecer uma
posição mais democrática dentro do campo artístico, que dialoga com os efeitos da
“quem pode reescrever a Borges?” E nós, pesquisadores, nos perguntamos “Por que
Borges pode reescrever Cervantes e Katchadjian não pode reescrever Borges?”. Em meio
a essa tensão gerada por uma apropriação e uma acusação de plágio, surge a discussão
visto que nos interessa uma análise que esteja em consonância com as práticas artísticas
A natureza da criação artística dita o modo como a análise do objeto deve ser
realizada, e, para esse objeto, era muito pertinente uma análise que privilegiasse os
autor.
sociólogo Néstor García Canclini (2016a, 2016b) e pela pesquisadora Florencia Garramuño
Tanto nas ciências como nas artes, o conceito de campo acabou com a noção
romântica e individualista do gênio que descobre conhecimentos imprevistos
ou cria obras excepcionais que surgem do nada. Sem cair, tampouco, no
determinismo macrossocial que queria explicar os romances ou as pinturas pela
posição de classe e pelo modo de produção. Ao restringir-se à estrutura interna
de cada campo e às regras específicas para produzir arte ou literatura, a
pesquisa sociológica deu instrumento para ler as obras não como surgida do
nada, mas no contexto das relações entre criadores, intermediários e público.
(CANCLINI, 2016b, p. 86, grifo nosso)
Canclini (2016b) de que as obras literárias surgem no contexto das relações entre
tenha como corpus o livro “El Aleph Engordado” (2009), relacionando a sua recepção aos
Sabemos que o Caso deu origem a outros produtos culturais, aqui entendido como
Objetos derivados, que terminam constituindo e alterando o modo como se lê “El Aleph
Engordado” (2009). São eles: i) uma plataforma digital intitulada YoBorges - na qual todos
pessoa que tenha um computador conectado à rede possa compor um poema a partir
deles; ii) uma página no Facebook intitulada “Apoyo a Pablo Katchadjian” na qual foram
veiculadas entrevistas e notícias com o autor, com a viúva de Borges e com críticos como
Cesar Aira, bem como trabalhos de Borges que confirmam que o autor estaria em
acusação surge um jogo; iii) Reality Avoider, que se apresenta como um gesto
performático por colocar a face de Maria Kodama em um bloco que deve desviar-se das
várias palavras “realidade” que vêm ao seu encontro, corroborando com a ideia de que
Cibercultura (Cf. LEVY, 1999) como um conjunto de práticas que alteram as esferas
culturais e sociais e não são somente resultados de avanços técnicos. Nesse sentido, a
potencializada no marco da Web 2.0 - nos dá argumento para constatar que a categoria
autoral é interpelada pelas práticas de seu tempo, e que nosso século marca mudanças
Kluscinskas e Moser (2007) ao dizer que a “teoria das mídias mostra como as novas
É nesse cenário que está caracterizada a Web 2.0 – buscando, além do avanço da
técnica a interação e a troca entre usuários, uma participação ampliada, que reflete e
A etapa mais recente está representada pela web 2.0, onde circulam tantas
“criações” de artistas e de usuários – o que os criadores iniciam e outros
modificam – que as fronteiras entre arte e não arte se “desdefinem”. Todos os
propósitos da arte de diferentes épocas subordinam-se à tendência de ampliar
a participação. Diz-se que uma rede é melhor quando mais usuários incluir,
quando incrementa sem cessar vídeos, fotografias e blog. (CANCLINI, 2016b, p.
51)
A circulação do livro “El Aleph Engordado” (2009) está marcada pelos dizeres que
Derivados, dão base para um contexto que altera a leitura do texto justamente por serem
produzidos por uma rede de participação. Estamos entendendo como Objetos Derivados,
portanto, aqueles objetos produzidos no contexto digital e, que foram de certo modo
apropriados pelo Caso Pablo Katchadjian. Podemos pensar em Objetos derivados como
produtos culturais que surgem e são efeito de uma determinada produção literária,
Considerações finais
propiciados por uma ação judicial e por três Objetos Derivados criados em plataformas
conectadas à internet, que por fim reprogramaram o modo como o livro figura na cena
artísticos para além das formalizações clássicas da arte (música, pintura, literatura)
artísticos em suas variadas formas quanto para instrumentos analíticos que comtemplem
essa hibridização.
arte em detrimento de outra, destacando que é na expansão do campo artístico que está
premissa do rompimento de barreiras entre artes e não arte, também uma incorporação
de práticas entre as artes, como o caso do autor–curador (AZEVEDO, 2017), que mostra
Há, ainda, uma discussão em relação ao rompimento das barreiras entre produtos
instalações, em feiras e em centros comerciais, por exemplo. São práticas que mostram
mudança de paradigma, que está na expansão do campo literário, exige que busquemos
formas de análise e leitura interdisciplinares, pois não é viável olhar para o novo com os
instrumentos que guiaram produções anteriores e mais que isso baseada em outros
preceitos de produção.
produção literária contemporânea pelo viés da curadoria, sendo o curador aquele que, a
partir de seu olhar, relaciona e reorganiza os objetos. Há uma perspectiva que constitui a
análise de objetos e obras literárias, mas que transbordam o reconhecido como específico
lugar de legitimidade, perspectiva essa que parte de uma concepção não essencialista de
literatura, uma vez que, para questionar os mecanismos pelos quais um autor foi
estabelecida e com base em preceitos específicos, dentre eles estão a cultura impressa, o
pelo mercado livreiro. De acordo com Regina Dalgastagné (2017), a perspectiva não
modo que se enfatize as disputas que estão em jogo no processo de legitimação e, ainda,
de novas literaturas.
rompimento das barreiras literárias, tanto no ato criativo quanto na investigação. Para
16).
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LEVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.
1
Nasceu em 10 de março de 1937. É escritora, tradutora e professora de literatura Argentina, foi casada com
Jorge Luis Borges e é herdeira e detentora de seus direitos autorais.
2
“O Aleph engordado. É o conto de Borges expandido, expandido "por dentro", acrescentando palavras,
frases, episódios, "catalisando" por meio de aposições sem alterar o enredo ou adicionar personagens, de
modo a tornar a história de dez páginas uma novela, curta mas novela, ou melhor, não entrar na discussão
de gêneros, ‘um livro’.” Tradução nossa.
3
A autora fala do caso de apropriação de Di Nucci, que publicou o livro Bolivia construcciones. Artigo sobre
o caso: https://larrlasa.org/articles/10.25222/larr.49/ acesso em 20/11/2018
4
“Ninguém tem o direito de publicar, sem a permissão dos autores ou de seus titulares, uma produção
científica, literária, artística ou musical que tenha sido anotada ou copiada durante sua leitura,
apresentação ou exibição pública ou privada.” Tradução nossa.