BAGNO, Marcos. Nada Na Língua É Por Acaso - Por Uma Pedagogia Da Variação Linguística - Compressed

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variação diafásica - é a varia ção estilística que vimos mais acima, isto

é, o uso diferenciado que cada indivíduo faz da língua de acordo com o


grau de monitoramento que ele confere ao seu comportamento verbal.
O adjetivo provém de DIá- e do grego PHáSIS, "expressão, modo de falar",
variação diacrônica -» é a que se verifica na comparação entre diferen-
tes etapas da história de uma língua. As línguas mudam com o tempo
(vamos ver isso mais de perto no capítulo 8) e o estudo das diferentes
etapas da mudança é de grande interesse para os linguistas. O adjetivo
provém de DIá- e do grego KHRóNOS, "tempo".

riedade
Outro) conceito muito importante na Sociolinguística é o de variedade lingiiísti-
ca Uma variedade linguística é um dos muitos "modos de falar" uma língua ,

Como já vimos, esses diferentes modos de falar se correlacionam com fatores


ociais como lugar de origem, idade, sexo, classe social, grau de instrução etc.

Podemos delimitar e descrever quantas variedades linguísticas quisermos,


de acordo com os fatores sociais que incluirmos na nossa investigação, como
ínos exemplos que dei mais acima: o modo de falar dos jovens do sexo mas-
culino, entre 18 e 25 anos, com escolaridade inferior a 4 anos, que vivem na
periferia da cidade de São Paulo é uma variedade linguística. O uso que fa-
zem da língua as mulheres agricultoras do sertã o da Paraíba com mais de 60
nos, analfabetas, é outra variedade. Os traços linguísticos característicos
doshomens com mais de 40 anos, com curso superior completo, com renda
Derior a dez salários mínimos, moradores da zona sul do Rio de Janeiro
mbém constitui uma variedade especí fica - e assim por diante. ..

Partindo da noção de heterogeneidade, a Sociolinguística afirma que toda


Ihgua é um feixe de variedades. Cada variedade linguística tem suas ca -
iramerísticas próprias, que servem para diferenciá-la das outras variedades,
exemplo, nem todas as variedades linguísticas do português brasileiro
Representam o "s chiado" em final de sílaba (FE[J]TA) OU final de palavra (FE[J]TA[J]);
algumas variedades usam TU como pronome de 2a pessoa, enquanto outras
usamVOCê; a maioria das variedades que apresentam o TU eliminaram a ter-
i nação -s na conjugação verbal (TU FALA, TU COME), enquanto outras (poucas)
conservam o -s (TU FALAS, TU COMES), e por aí vai...

Mas o que é mesmo varia çã o linguística ?


Outro postulado fundamental da Sociolingüí stica é esse aqui: toda e qual-
quer variedade linguística é plenamente funcional, oferece todos os
recursos necessá rios para que seus falantes interajam socialmente, é um
meio eficiente de manutenção da coesão social da comunidade em que é
empregada. A idé ia de que existem variedades linguísticas mais "feias"
mais "bonitas", mais "certas" ou mais "erradas", mais "ricas" e mais "po-
bres" é fruto de avaliações e julgamentos exclusivamente socioculturais e
decorrem das rela ções de poder e de discrimina çã o que existem em toda
sociedade - vamos tratar disso melhor no capítulo 3. Para o estudioso da
linguagem, todas as variedades linguí sticas se equivalem, todas t êm sua
l ógica de funcionamento, todas obedecem regras gramaticais que podem
ser descritas e explicadas.

Classificando as variedades linguísticas


Assim como a variação linguística é classificada em tipos, também as varie-
dades linguísticas costumam ser designadas por nomes particulares:

O estudo dos dialetos fez surgir, no dialeto -» é um termo usado há muitos


século XIX, uma disciplina chama- séculos, desde a Grécia antiga, para de-
da Dialetologia , considerada a pre-
signar o modo caracter í stico de uso da
cursora da Socioling úística moder-
na . A diferença entre as duas disci- língua num determinado lugar, regi ã o,
plinas é que a Dialetologia se inte- proví ncia etc. Muitos linguistas empre-
ressava sobretudo em descrever os gam o termo dialeto para designar o que
falares rurais, isolados, considerados
na época como mais "puros" e “au - a Sociolingúí stica prefere chamar de va-
tê nticos" , n ã o influenciados pelas riedade.
modas e corrupções da vida urbana socioleto - designa a variedade linguísti-
moderna. A Sociolingúística abando-
nou essa visão romântica e passou a
ca própria de um grupo de falantes que com-
se interessar também pelos modos partilham as mesmas caracterí sticas
de falar das aglomerações urbanas , socioculturais (classe socioeconômica, ní
socialmente complexas , do mundo
vel cultural, profissão etc.),
contemporâ neo.
cronoleto - designa a variedade própria
de determinada faixa etá ria, de uma gera-
ção de falantes.
idioleto - designa o modo de falar característico de um indivíduo, suas
preferências vocabulares, seu modo próprio de pronunciar as palavras, de
construir as sentenças etc.

Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da varia ção linguí stica
Emtodas essas palavras está presente o elemento -LETO tamb
( ém escrito às
vezes -LECTO), derivado do grego LéKSIS, palavra, ação
" de falar", de onde tam-
bém provém a palavra LéXICO.

Essa terminologia, no entanto, não é muito empregada nos


trabalhos
. expressões
pociolingúístlcos, onde a gente encontra mais frequentemente as
) etc.
v&ledade regional, variedade social, variedade generacional (ou de geração
e

fc
Nem tudo na língua varia
Ao falar da variação, dissemos que ela pode se verificar em todos
os níveis da
ístico-
língua : fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical, estil
pragmático. A essa altura, pode surgir uma dúvida: tudo o que existe numa
I
íngua pode estar em variação? A resposta é não.

Muita coisa da língua não apresenta varia-


l ção. Por exemplo: Como já vimos, o asterisco ( *)
é usado na linguística para in-
a pronúncia da consoante /f/ não apre- dicar uma forma que não per-
tence à gramá tica da língua e,
senta (pelo menos que se saiba até
portanto, não é aceita pelos fa-
agora) diferen ças nas múltiplas varie- lantes.
dades regionais, sociais etc. do portu- V
guês brasileiro. O mesmo já não vale
para a consoante /s/ que, como vimos,
lie pode ser pronunciada como um som sibilan-
- te surdo [s] ou sonoro [z], ou como um som
chiante surdo [J] ou sonoro [3], dependen-
do de contextos fonéticos e das va -
- riedades regionais;
as
- 0 artigo definido vem sempre co-
locado antes do nome (A CASA)
a e nunca depois dele (* CASA A).
- Os pronomes oblíquos não ad-
mitem outros elementos entre
as eles e 0 verbo: ANA ME SUSTENTOU DU-
RANTE MUITO TEMPO, mas nunca *ANA
ME DURANTE MUITO TEMPO SUSTENTOU;

Mas 0 que e mesmo variação linguí stica ?


a
os verbos regulares têm sempre uma terminação -o na 1 pessoa do singu-
lar do presente do indicativo (EU AMO, EU BEBO, EU PARTO), e nunca um -A, um -E
ou um -MOS (*EU AMA, *EU BEBE, *EU PARTIMOS). O mesmo não acontece com a
1a pessoa do plural, que apresenta, segundo as variedades, uma terminação j
a
-MOS OU -MO para todas as conjugações, ou uma terminação -A para a 1
conjugação e -E para a 2a e a 3a conjugações (NóS AMAMOS/NÓS AMAMO/NóS
AMA, NÓS BEBEMOS/NÓS BEBEMO/NÓS BEBE, NÓS PARTIMOS/NÓS PARTIMO/NÓS PARTE);

o verbo GOSTAR é sempre seguido da preposição DE, em qualquer varieda-


de linguí stica, de modo que ninguém no Brasil vai dizer *EU NãO GOSTO JILó.
O mesmo não acontece com o verbo RESPONDER, que pode ser transitivo
direto (RESPONDA o QUESTIONáRIO) OU indireto (RESPONDA AO QUESTIONÁRIO).

Os exemplos poderiam encher centenas de páginas. O importante é ressaltar j


que as regras da língua que não apresentam variação são chamadas de re-
gras categóricas, pertencem ao repertório linguístico de todos os falantes,
de todas as regiões, classes sociais, graus de instrução etc. Já as regras que
apresentam varia ção, como as que vimos nos exemplos acima, são chama-
das de regras variáveis ou simplesmente variáveis.

Variável & variante


Uma variá vel sociolinguística, portanto, é algum elemento da língua, alg
ma regra, que se realiza de maneiras diferentes, conforme a variedade I
guística analisada . Cada uma das realiza ções possí veis de uma variável
chamada de variante. A definição mais simples de variante é a de "ca
uma das formas diferentes de se dizer a mesma coisa". Por exemplo,

a variável (r), no português brasileiro, em final de palavra (como em c


TAR, FAZER, AMOR), pode apresentar as seguintes variantes: (1) [r] - vibre
simples; (2) [R] - vibrante múltipla; (3) [J] - retroflexa ("R caipira"); (4) [I
aspirada; (5) [0] - zero ("cantá", "amô"), entre outras...
a variável (pronome-objeto direto de 3a pessoa) pode apresentai
seguintes variantes: (1) pronome oblíquo (COMPREI O LIVRO MAS O ESQUEC
CASA); (2) pronome reto (COMPREI O LIVRO MAS ESQUECI ELE EM CASA); (3) p
nome nulo (COMPREI O LIVRO MAS ESQUECI 0 EM CASA);
a variável (transitividade do verbo ASSISTIR) apresenta duas variantes
transitividade direta: ASSISTI O FILME, e (2) transitividade indireta: ASSISTI AO F«

50 Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variaçã o linguística


tudo das regras variáveis é a principal tarefa da Sociolinguí stica. Ele per-
que a gente conheça o estado atual, real da língua, como ela é de fato
pelos falantes, por meio da frequência de uso da variante X e da
e Y. Descobrir quais elementos da língua se encontram em variação
grande importância també m para o entendimento dos fenômenos da
dança linguística, que vamos ver no capítulo 8.
lir

á culo
rmos procurar a palavra vernáculo num bom dicionário, como o Houalss ,
nte vai encontrar o seguinte:

adjetivo
pró prio de um pa ís, naçã o, regiã o
Ex.: <língua v.> <costumes v. >
Derivação: sentido figurado.
diz-se de linguagem correta, sem estrangeirismos na pron ú ncia , vocabu-
lá rio ou constru ções sint á ticas; castiço
substantivo masculino
3 a l íngua própria de um país ou de uma região; l í ngua nacional , idioma
vernáculo
Ex.: o ensino do v.

definição dada pela Sociolinguística ao termo verná culo, no entanto, esca-


pa dessas acepções tradicionais. 0 linguista norte-americano William Labov,
o nome mais importante da Sociolinguística variacionista, transformou ver-
náculo num termo técnico com o seguinte significado:
Vernáculo - " o estilo em que se presta o m í nimo de aten çã o ao
monitoramento da fala" .

O vernáculo parece ser, portanto, a fonte mais segura para a investigação dos
fenõmenos de mudança linguística que afetam determinada língua num dado
fe
momento histórico. Cada grupo social tem o seu vernáculo, isto é, o estilo que, na
variedade linguística própria dessa comunidade, representa a fala mais espontâ-
nea, menos monitorada, que emerge sobretudo nas interações verbais com menor
grau de formalidade e/ou com maior carga de emotividade. Labov, por exemplo,
Mas o que é mesmo variaçã o linguí stica ?

-
sugere, como estratégia para fazer emergir o estilo menos monitorado, que o
pesquisador pergunte a seu informante: "Você já esteve numa situação em que
se viu próximo de morrer?" As narrativas resultantes dessa pergunta trazem as
marcas mais características do vernáculo, uma vez que o falante, tomado pela
excitação da narrativa, presta menos atenção à forma como está falando e muito
mais atenção ao conteúdo do que está contando.

Por meio do estudo do vernáculo podemos identificar, por exemplo, quais são
as regras gramaticais que realmente pertencem ao português brasileiro con-
temporâneo, aquelas que são as mais usualmente empregadas pelas pessoas
em suas interações cotidianas. Ao mesmo tempo, podemos identificar quais
são as regras que estão deixando de ser usadas, caindo em obsolescência,
com probabilidade de desaparecer da língua num futuro pr óximo.

Estudando o verná culo brasileiro mais geral, por exemplo, as pesquisas


sociolinguísticas têm revelado que os pronomes oblíquos de 3 pessoa O/A/OS/
a

AS estão praticamente extintos da nossa lí ngua. Só empregam esses prono-


mes as pessoas que tiveram acesso à escolarização formal plena, e mesmo
assim somente em situações de alto monitoramento estilístico de sua falau
mas sobretudo na escrita de gêneros textuais mais monitorados. Com isso
podemos dizer, com boa margem de segurança, que os pronomes oblíquos oi
A/OS/ AS não pertencem ao vernáculo brasileiro. No lugar deles, nós, brasileiroa
estamos usando os pronomes retos ELE/ELA/ELES/ELAS OU simplesmente dei-
xando vazio o lugar sintático que deveria ser ocupado por um objeto direuw
como nos exemplos que demos mais acima: COMPREI O LIVRO MAS ESQUECI ELE EM
CASA ou COMPREI o LIVRO MAS ESQUECI 0 EM CASA. As pesquisas têm mostrado que
essa última estratégia, a do chamado "pronome nulo", é a mais empregadi
por todos os brasileiros, falantes de todas as variedades linguísticas.

O vernáculo e o ensino
O conceito de vernáculo, tal como definido na Sociolinguística, pode ser
contribuição muito importante para a elaboração de estratégias de ens
Se já sabemos que determinadas regras gramaticais desapareceram da
normal, cotidiano, como fazer para que elas sejam aprendidas e apreend
por nossos alunos e alunas? Vale a pena insistir em ensinar coisas que qu
ninguém mais usa no dia-a-dia da língua?

Nada na lí ngua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguí stica
jmilLIE Q Gemo a gente vai ver no capítulo 8 sobre a mudança linguística, os gêneros
r xe scritos mais monitorados são o último refúgio dos usos linguísticos mais con-
Kr 35 Eivadores. É nos textos monitorados que esses usos sobrevivem por mais
p peta itemoo, antes de desaparecerem por completo. Ora, uma das funções
mais
importantes do ensino é precisamente dotar os alunos e alunas de recursos
pte lhes permitam produzir textos (orais e escritos) mais monitorados
stilisticamente, textos que ocupam os níveis mais altos na escala do prestígio
ui: locial. Daí a importância de reconhecer as formas linguísticas já desapareci-
as da fala espontânea, mas ainda exigidas socialmente na fala/escrita formal,
seoas | pera ensiná-las, no sentido mais literal do verbo ensinar , isto é, transmitir a uma
(DLci S pessoa um conhecimento que ela de fato não possui nem tem outro modo de
rrcie dqu rir a não ser pela educação formal, sistemática, programada.

p caso dos pronomes oblíquos O/A/OS/AS é exemplar. Nenhuma criança bra-


psas s e ra, seja de qualquer região ou de qualquer classe social, tem contato com
~ vT esses pronomes antes de se iniciar na leitura e na escrita, antes de começar
(oniL - ku processo de letramento. Essa falta de contato revela que os adultos,
E5ÍH1C
imesmo os mais letrados, não empregam esses pronomes na vida familiar,
HiC,,
ms situações mais íntimas e descontraídas de uso da língua.
ISSO Itcoisa é diferente com outros pronomes como EU, TU, VOCê, NóS, A GENTE, ELE,
píl
IR,ELES, ELAS, ME, MIM, TE, SE, por exemplo, que estão vivos e atuantes no verná-
uras DJIO brasileiro e que qualquer criancinha que começa a falar utiliza sem proble-
001- erc . Daí a importância de delimitar com precisão o que é necessário ensinar e
1T"~
pcue não é necessário ensinar. Muito tempo de sala de aula é desperdiçado
EM com práticas irrelevantes de ensino de coisas que a criança já sabe e domina,
t OUE como boa falante da língua, enquanto outras coisas, mais importantes e inte-
«essantes, são deixadas de lado. vamos voltar a isso mais adiante.

Como analisar um evento de interação verbal?


n primeira vista, a Sociolinguí stica parece trabalhar com uma quantidade
Ima uito grande de conceitos, e pode ser difí cil para o não-especialista colo-
llll 10, lar todos eles em prática num exercício de análise da língua real. Tradicio-
ICT1 iialmente, a realidade linguí stica brasileira tem sido analisada em termos
mas ile pares dicot ômicos, de polariza ções radicais do tipo língua- padrão/ lín-
lese gua
• não- padrão, língua culta/ língua popular, l íngua escrita/ língua falada,
mgua formal/ língua coloquial etc., num procedimento que esconde o cará-

Mas o que é mesmo varia ção linguística ?


ÍT3
iilll

l i! K
u WÊÊÊ mm wm

ter dinâ mico e mutante das situa ções de intera çã o verbal. Diante de uma
pi
amostra de língua em uso, os analistas costumavam (e ainda costumam)
atribuir a ela um rótulo único e fechado: " Esse é um exemplar de lí ngua
coloquial " ou de "língua culta " etc. Todos esses adjetivos sã o problemá ti-
cos, e vamos tratar deles nos próximos capítulos. Ser á entã o que existe
um modo diferente de analisar as situa ções de uso da língua, sem cair
nessas oposições extremadas? Existe, sim.
Uma das soluções para superar esse problema é a adoção do conceito de
continuum (uma palavra latina que podemos traduzir, para os nossos obje-
tivos, como "linha contínua ", "sequência que nã o se interrompe", e cujo
plural é continua , com sílaba tônica no TI). Em vez de imaginar a realidade
linguí stica dividida em duas ou mais variedades estanques, que n ã o
interagem umas com as outras, alguns sociolinguistas que trabalham na
vertente chamada interacional preferem investigar a situa ção de uso, o
momento em que ocorre a intera ção: quem está dizendo o quê, a querw
Rlis
onde, quando, dentro de que relações da hierarquia social, com que inten -
ção etc. ? Esses investigadores se concentram entã o muito menos nas ques
tões propriamente linguísticas, estruturais (fonético-fonológicas, morfossin
tá ticas etc.) e muito mais no modo como os atores sociais em cena a
valem desses recursos da língua para levar adiante sua tarefa comunica»
va. E onde é que entra a noção de continuum aqui?
A linguista e educadora Stella Maris Bortoni-Ricardo foi uma das primeiras pe
soas no Brasil a aplicar os postulados teóricos e metodológicos da Socioiij ^
guística (variacionista e interacional) às questões da educação em língua rn
terna. Depois de muitos anos de reflexão e intensa pr ática como professa
universitária, orientadora de pesquisas e formadora de docentes, Bortoni-Rican
construiu um modelo extremamente simples e ao mesmo tempo muito 4
para o estudo da variação linguística nas interações verbais, com ênfase n
interações em sala de aula. Neste modelo, a autora rejeita a análise polarizai
BE 111 '

e argumenta que toda situação de interação verbal pode ser analisada ca


base em três continua :

+rural +urbano

+oral +letrado

- monitorado +monitorado

Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguí stica
!!

IE uma inuum rural-urbano diz respeito aos ante- É isso que explica , por exemplo, por
piram) ites sociais e culturais do falante: ter que tantos jovens nascidos e criados
~ gua na periferia de São Paulo, uma das
ido e vivido na zona rural (ou numa cidade
maiores aglomerações urbanas do
á ti- uiena ) ou ter sido criada numa grande mundo, usam o chamado “R caipi-
ste Slropole são fatores que influenciam muito a vi- ra” , antigamente restrito às cidades
cair do interior do estado e à zona rural
Sc oe mundo da pessoa, suas crenças e valores,
íE relação com o meio ambiente e, é claro, seu
— é provável que seus familiares te-
nham vindo do interior para a capi-

tzsde Bodo de falar a língua. Sabemos que há todo um tal mas n ão tenham podido se incor-
porar totalmente à cultura urbana e,
I obje - Bcaóulário e toda uma série de regras fonético- por conseguinte, incor- _
cujo Bioógicas e morfossintáticas que caracterizam porar plena -

idade Bis os falares rurais do que os urbanos e vice- mente os tra-


ços lingu ís- f
nao mersa , e que tudo isso também varia de uma re- ticos que ca- À

na piiãc geográfica para outra. Também existe, no cen- racterizam m

po ceste continuum, um espaço sociocultural que tradicional-


.em,
l: i
rrcni-Ricardo classifica de rurbano : são as peri-
mente a va-
riedade pau -
^
i - :en - Biias das nossas metrópoles, onde vivem impor- listana (como o
/ r/ simples vi -
) Z -.es - mntes contingentes de pessoas que migraram do brado em pa- /
pssin- impo para a cidade, em busca de melhores con- lavras como /
fcra se çces de vida, e que não se integraram ainda com- porta , sor- t
.
ir cati- Ecamente à cultura urbana e também não aban- te , curva >>
ti

etc.).
ti

maram totalmente sua cultura rural.

IE :es -
.icontinuum oralidade-letramento nos indica se
a atividade verbal naquele
Bc :n- Lior-ento da interação está mais próxima das práticas orais ou mais próxi-
Ué na- irra das práticas letradas, ou seja, práticas que de algum modo se apoiam na
fcssora ieiTjra e na escrita. Durante uma mesma aula, por exemplo, a professora
ICE'do pode alternar entre esses dois tipos de práticas: quando se dirige aos alunos
Sr: útil P5'5 chamar sua atenção, para pedir alguma mudança de atitude deles, para
BE ~as cc r- :ar a eles alguma história ou comentar algum relato de experiência pes-
jrzada scal feito por eles, a professora está no universo da oralidade, e seu modo de
k :om Ifelar certamente vai trazer as marcas disso. Se, logo em seguida, ela começa
(a explicar algum conceito que está sendo estudado, usando a terminologia
própria da disciplina, ou se escreve algo na lousa e comenta, ou se lê em voz
alta um texto escrito, sua fala decerto apresentará características diferentes
|da que apresentava ainda há pouco. Por exemplo, na conversa com os alu-
nos ela pode dizer coisas como "pêxe", "bêjo", "falá", "as coisa ", "ocês",
Ttaemo", enquanto na atividade mais marcada pelas práticas de letramento Hl p ||

Mas o que é mesmo variação linguística? ll


é provável que ela use formas como "peixe", "beijo", "falar", "as coisas","vocês",
" fizemos", mais próximas da ortografia oficial e das regras normativas.

O continuum de monitoramento estilístico nos indica o grau de atenção que


o falante presta ao que está dizendo. Como já explicamos mais acima, esse
monitoramento maior ou menor é decorrente do entrecruzamento de diver-
sos fatores presentes no momento da intera ção.
O monitoramento também pode le- Quanto mais monitorado o estilo de fala, mais
var ao fenô meno da hipercorreção , provável é a ocorrência das formas prescritas
como dizer “houveram problemas",
"eles devem permanecerem aqui mes-
pela norma-padrão, de construções gramaticais
mo", "eu entregarei-lhe o relatório" etc., mais elaboradas e de vocabulário considerado
em que, num excesso de zelo pela mais requintado e erudito.
“correção”, a pessoa acaba infringin-
do regras da gram ática normativa. Com esse modelo de an á lise proposto por
Bortoni-Ricardo fica mais fácil compreender a
ocorrência de variação linguística num mesmo espaço-tempo de interação
verbal, na fala de uma mesma pessoa, como a professora que ora diz "vamo
vê" e ora diz "veremos", que ora diz "xovê" e ora diz "deixe-me ver", ou o
aluno que normalmente diz "paiaço" e "trabaiá" mas, ao ler em voz alta o
texto do livro, diz "palha ço" e "trabalhar "... Essa mesma professora, se tiver
antecedentes rurais, digamos, do interior de São Paulo, pode usar o "R caipi-
ra " ao ralhar com um aluno chamado Eduardo e usar um /r / vibrado ou um /h/
aspirado ao ler em voz alta um texto como "o vento forte fez bater a porta
verde da casa de Márcia" , por considerar a pronúncia "caipira" inadequada
em situações mais monitoradas, em atividades mais letradas.

Podemos representar esses dois momentos distintos da produção verbal da


professora do seguinte modo:

(1) Edua[ j]do, cê qué prestá’tenção e pará de brincá ?

+ rural + urbano
+ oral
-O + letrado
- monit.
-Q> + monit.

( 2 ) [leitura] "O vento fo[r]te fez bate[r] a po[r]ta ve[r]de da casa de Má[r]cia ”

+ rural Q) + urbano
+ oral Q
( ) + letrado
- monit. 0 + monit.

Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística


e modelo de aná lise da varia ção linguística tem se revela-
-
Stella Maris Bortonl RIcardo
do muito útil para a compreensão do que acontece em saia
de aula (e também, é claro, em outras situações de comuni-
açã o). Por isso, sugiro que você leia o livro de Bortoni-Ricardo,
diver -
que é a primeira (e bem-sucedida) experiência de formulação
de umapedagogia da variação linguística. Tenho certeza que
-

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vai he ser muito útil para o trabalho e para a vida ! educação em
língua materna
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- Toda língua humana é heterogénea por sua própria natureza.

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í «er \ A heterogeneidade linguística está vinculada à hetero-
fc
geneidade social
HPlh
«h11/ Os elementos que determinam a variação podem ser de or-

praa dem linguística (estrutural) ou extralingüüística (social) ou


ii ílSl uma combinação das duas.
Não existe falante de estilo único . Todo falante dispõe de
uma gama variada de estilos mais ou menos monitorados.
.
..iid: Uma variedade linguística é o modo de falar a língua ca-
racterístico de determinado grupo social ou de determinada
região geográ fica.
1
Variantes linguísticas são maneiras diferentes de dizer a
mesma coisa.
O vernáculo é o estilo de lí ngua falada em que a pessoa
monitora o mínimo possível sua produção verbal.

mm

Mas 0 que é mesmo variação linguística?

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