Monografia Filipa Pereira-1
Monografia Filipa Pereira-1
Monografia Filipa Pereira-1
Monografia realizada no âmbito da unidade Estágio Curricular do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, orientada
pelo Professor Doutor Saúl Campos Pereira Costa e apresentada à Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
Setembro 2015
Filipa Lemos Pereira
Monografia realizada no âmbito da unidade Estágio Curricular do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, orientada
pelo Professor Doutor Saúl Campos Pereira Costa e apresentada à Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
Setembro 2015
O Tutor
A Aluna
À minha família, principalmente mãe e pai pela paciência e por serem o meu pilar.
OBRIGADA!
Índice
Abreviaturas 3
Resumo 4
Abstract 5
Introdução 6-7
Cancro 8
Ciclo Celular 8
Citostáticos 9-13
Classificação de Citostáticos 10
Pró-Fármacos 14
Conclusão 23
Bibliografia 24-27
1
Índice de Figuras
Figura 1 6
Figura 2 16
Figura 3 17
Figura 4 18
Figura 5 20
Figura 6 20
Figura 7 21
Figura 8 22
Figura 9 22
2
Abreviaturas
GI Gastrointestinal
Saúde
MA Mostardas Azotadas
3
Resumo
O cancro é uma doença que afeta grande parte da população mundial. A investigação
constante, numa área de intervenção tão importante como o cancro, é inquestionavelmente
necessária. Cada vez se tem um maior conhecimento sobre as suas causas, a forma como se
desenvolve e cresce, ou seja, a sua progressão. Estão também a ser estudadas novas formas
de o prevenir, detetar e tratar, tendo sempre em atenção a melhoria da qualidade de vida
dos doentes oncológicos, durante e após o tratamento.
Os citostáticos podem ser classificados de acordo com o seu mecanismo de ação, e
independentemente disso, todos apresentam toxicidade e podem ser alvos de resistência das
células neoplásicas. A investigação em terapia oncológica inclui passado, presente e futuro.
Está ainda muito longe de ter resultados totalmente satisfatórios e conclusivos.
É essencial a aposta contínua na investigação em terapia oncológica direcionada, de
modo a diminuir a toxicidade dos fármacos citostáticos, um dos principais obstáculos à
quimioterapia. A ativação de pró-fármacos alquilantes, nomeadamente mostardas azotadas
por espécies reativas de oxigénio é o resultado de uma, de entre as muitas investigações e
estudos que se têm realizado.
4
Abstract
Cancer is a disease that affects much of the world's population.The constant
research in a target area as important as cancer is unquestionably necessary. Each time we
have a better understanding of its causes, how it develops and grows and its progression. It
is also being studied new ways of preventing, detecting and treating, always paying attention
to improving the quality of life of cancer patients during and after treatment.
The chemotherapeutic agents can be classified according to their mechanism of
action, independently of that they all present toxicity and many neoplastic cells can exhibit
resistance to these drugs. Research in cancer therapy includes past, present and future. It is
still very far from having fully satisfactory and conclusive results.
It is essential to the continuous focus on research directed cancer therapy in order
to reduce the toxicity of cytostatic drugs, a major obstacle to chemotherapy. ROS-activated
alkylating agents, particularly nitrogen mustards are the result of, among many, investigations
and studies have been conducted.
5
Introdução
Segundo a Direção Geral de Saúde (DGS), de ano para ano tem havido um aumento
da incidência do cancro, principalmente nos países em vias de desenvolvimento. Estima-se
que pelo menos cerca de 7 milhões de pessoas morrem de cancro anualmente. Mais
especificamente, em Portugal estima-se a morte anual de 25 mil pessoas. As doenças
oncológicas constituem a segunda principal causa de morte (apenas as doenças
cardiovasculares atingem valores superiores), incluindo Portugal, sendo uma das prioridades
do Plano Nacional de Saúde (PNS). A promoção da saúde e do diagnóstico precoce, dando
prioridade à prevenção primária através da promoção de estilos de vida saudáveis, são de
extrema importância.[1] [2]
Como consequência do aumento da incidência de cancro, também o número de
tratamentos utilizando citostáticos aumentou, como se pode verificar pela análise da Figura
1.[1]
Figura 1 Dose Diária Definida (DDD) por 1000 habitantes associada a medicamentos citotóxicos, por mês, em
Portugal Continental (2009 a 2012)[1]
Estes fármacos têm uma margem terapêutica estreita característica, uma vez que não
são específicos para as células neoplásicas e, sendo assim, frequentemente lesam as células
normais. Tentando encontrar alternativa a este problema, atualmente têm-se vindo a
desenvolver terapêuticas direcionadas com o objetivo de diminuir a toxicidade dos
citostáticos, como por exemplo pró-fármacos de mostardas azotadas.[3][4] De modo a
6
aumentar a eficácia, fazem-se também associações de citotóxicos em ciclos repetidos e de
frequência variável.[5]
Outro grande problema é a falta de eficácia da quimioterapia, causada pelo
desenvolvimento de mecanismos de resistência.[6] Estes, na grande parte dos casos,
envolvem alterações a nível genético nas células neoplásicas, o que pode originar resistência
a um determinado ou a múltiplos fármacos.[7]
Nas últimas décadas houve grandes desenvolvimentos na área da terapia oncológica e
tem-se apostado continuamente na investigação de estratégias que ponham fim, ou pelo
menos atenuem, a toxicidade e resistências. No entanto, há ainda um longo caminho a
percorrer.
Esta monografia dedica-se à classificação dos citostáticos, ao seu mecanismo de ação
e sua toxicidade, dando especial atenção às mostardas azotadas (MA), ao seu mecanismo de
ação, toxicidade e à sua utilização como pró-fármacos. Proponho-me também, primando por
um tema atual, abordar uma estratégia particular de terapia direcionada, baseada na presença
de espécies reativas de oxigénio (ROS) e síntese de pró-fármacos de MA.
7
Cancro
O cancro é uma desordem genética provocada por mutações na molécula de ADN,
sendo maioritariamente espontâneas ou induzidas por estímulos ambientais. Pode ocorrer
em qualquer tecido do corpo e das mais variadas formas. Estas alterações genéticas poderão
por sua vez afetar a expressão e função dos genes e consequentemente modificar os
processos celulares, dando origem a uma crescimento anormal de células que proliferam de
forma descontrolada. A divisão celular permite a transmissão e acumulação destas mutações.
Todo este processo poderá resultar em cancro, no caso de se formarem células neoplásicas
malignas. O cancro torna-se clinicamente detetável quando há uma massa de 109 células
neoplásicas.[8]As células neoplásicas malignas são caracterizadas por autossuficiência de
estímulos de crescimento, insensibilidade a sinais inibidores do crescimento, incapacidade de
apoptose (morte celular programada), defeitos na reparação do ADN, potencial replicativo
ilimitado, angiogénese sustentada, capacidade de invadir e metastizar outros tecidos e
diminuição da imunidade. [9][10]
Ciclo Celular
O Ciclo celular é dividido em duas partes básicas: mitose e interfase. A mitose
(período em que ocorre a divisão do núcleo celular) corresponde à separação dos
cromossomas e normalmente acaba com a divisão (citocinese). Aproximadamente cerca de
95% do ciclo corresponde à interfase (período compreendido entre mitoses). Durante a
interfase há um crescimento celular constante e replicação do ADN, preparando a célula
para a divisão. A síntese de ADN ocorre apenas num determinado período da interfase. Esta
encontra-se dividida em 4 fases, a fase M correspondente à mitose que normalmente é
seguida da citocinese; posteriormente vem a fase G1 (gap) correspondente ao intervalo entre
a mitose e o início da replicação do ADN. Durante esta fase, a célula está ativa
metabolicamente e tem um crescimento contínuo. A fase seguinte é a S (synthesis), durante
a qual ocorre replicação de ADN. Posteriormente ocorre a fase G2 (gap 2), durante a qual o
crescimento celular continua e as proteínas são sintetizadas. Algumas células, após a mitose,
permanecem indeterminadamente na fase G0 onde, apesar de metabolicamente ativas, não se
dividem.[11]
A cada transição de fase, certas proteínas como a p53, monitorizam a integridade do
ADN, procedendo à sua reparação ou à apoptose celular, regulando desta maneira o ciclo
celular.[4]
8
Citostáticos
“Fármacos citostáticos ou citotóxicos, também conhecidos como antineoplásicos, são
utilizados no tratamento de cancro quando a cirurgia ou a radioterapia não são possíveis, se
mostraram ineficazes, ou ainda como adjuvantes da cirurgia ou da radioterapia como
tratamento inicial.” Estes podem ser utilizados com sucesso no tratamento de alguns tipos
de neoplasias, no entanto, noutros casos em que isso não se verifica possível, são utilizados
como paliativo dos sintomas ou meio de prolongar a vida do doente.[7]
Os citostáticos usados na quimioterapia são bastante distintos, tanto a nível de
estrutura, como mecanismo de ação. Estes atuam através de uma cinética de primeira
ordem, em que uma determinada dose danifica uma proporção constante da população
celular e não um número fixo de células. Em parte, isto explica a dificuldade de se obter a
remissão completa de um tumor através da quimioterapia. [4][7][12]
Mecanismo de Ação
Os mecanismos de ação são diferentes entre citostáticos. Podem atuar ao nível da
síntese de purinas, ribonucleótidos, desoxirribonucleótidos e também na síntese de ADN. A
replicação pode ser afetada através da inibição das topoisomerases ou formação de ligações
cruzadas com o ADN. Relativamente à tradução, pode ser afetada através da inibição da
síntese de proteínas. Por fim podem ainda interferir com as proteínas, induzindo a sua
diferenciação, bloqueando a atividade de enzimas e inibindo a função dos microtúbulos.[4]
Há citostáticos específicos de fase S, citostáticos específicos de fase M e citostáticos
sem qualquer tipo de especificidade. Os fármacos que atuam em fases específicas têm uma
maior eficácia nas células que estão a iniciar o seu processo mitótico, uma vez que se trata
da fase mais vulnerável. Consequentemente os resultados são também superiores nos casos
em que há uma grande proliferação de células neoplásicas. Logicamente a eficácia é tanto
maior, quanto maior o dano na molécula de ADN (ex.: alquilantes) e quanto maior o tempo
de permanência de elevadas concentrações do citostático dentro da célula (ex.:
fluoropirimidinas). Os fármacos que atuam em fases não específicas (ou seja, que podem
atuar em todas as fases) têm uma maior toxicidade, uma vez que as células normais
encontram-se em divisão menos frequentemente que as neoplásicas. São, portanto, mais
utilizados em tumores de crescimento lento.[4]
De modo a aumentar a eficácia, fazem-se associações de citotóxicos em ciclos
repetidos e de frequência variável, que são designadas por siglas (primeira letra do seu nome
genérico ou nome comercial). A posologia calcula-se em função da área de superfície
9
corporal, através de tabelas e réguas de cálculo para a sua obtenção, em função do peso e
altura do doente.[5]
10
Agentes Alquilantes – Mostardas Azotadas
Mecanismo de Ação e Toxicidade
“O conhecimento da cinética individual dos citostáticos é indispensável, pois em
situações clínicas de insuficiência hepática e renal é obrigatória a redução da posologia. (…)
Na terapêutica citotóxica são de esperar, de um modo geral, reações adversas, tais como:
náuseas e vómitos em grau variável, hiperuricémia (por lise tumoral), alopécia, alteração da
resposta imunológica, depressão medular e efeitos teratogénicos.”[5] O aparecimento de
novos citostáticos e o aumento da sua utilização levam também ao aumento destas reações
adversas e toxicidade. Portanto, é essencial um conhecimento detalhado da sua farmacologia
(interações e farmacocinética) e também da pessoa (história clínica, idade e tolerância a
reações adversas). [4][13]
Com objetivo de diminuir os efeitos adversos realizam-se testes moleculares para
identificar os pacientes mais suscetíveis a um determinado tratamento ou, pelo contrário, à
toxicidade, permitindo assim melhorar os resultados. No entanto, há ainda um longo
caminho a percorrer.[4][12]
Com a aprovação do citostático mecloretamina em 1949 pela FDA, no tratamento de
doenças hematológicas, os agentes alquilantes são a classe mais antiga de antineoplásicos.
Apesar do seu uso clínico estar muito aquém das novas terapias direcionadas, estes
continuam a ser a terapêutica de eleição no tratamento de doenças refratárias (resistentes
ao tratamento).[14]
Têm em comum a propriedade de formar iões de carbono reativos, estes por sua
vez, ligam-se a locais de alta densidade eletrónica como grupos fosfato, aminas e hidroxilo. A
sua capacidade citotóxica está assim relacionada com a alquilação das bases azotadas de
ADN, oxigénios e fosfatos reativos do ADN, formando ligações covalentes com os ácidos
nucleicos. A posição N7 de guanina é particularmente suscetível à ligação covalente.[15] A
alquilação leva a uma quebra na molécula de ADN impedindo assim a sua replicação e
transcrição.[4]
A toxicidade observada com o uso de agente alquilantes é atribuída à sua capacidade
de danificar o ADN, tanto de células normais como de neoplásicas.[16]
A maioria destes fármacos interfere com a medula óssea, originando mielossupressão
(condição na qual a atividade da medula óssea diminui, resultante também numa diminuição
dos glóbulos vermelhos, leucócitos e plaquetas)[17]. Diminuem a imunidade adquirida[18],
celular (mediada por linfócitos T)[19] e humoral (responsável pela defesa contra
microrganismos do espaço extracelular, através de anticorpos produzidos por células B,
11
prevenindo infeções intracelulares).[20] As células da mucosa em divisão e folículos capilares
(alopecia) são também afetadas. A ocorrência de neurotoxicidade, como náuseas e alteração
do estado mental são também frequentes.[13][4]
Pertencente a estes, temos as MA que, tal como já referido acima, estabelecem
ligações cruzadas com a molécula de ADN inibindo a sua replicação e transcrição.[21]
Embora exista um elevado número de MA sintetizadas e testadas, atualmente apenas
5 são comuns na terapia oncológica. A sua característica química é o grupo bis (2-cloroetil),
no qual a sua atividade farmacológica se baseia.
As MA mais comuns são a mecloretamina, ciclofosfamida, ifosfamida, melfalano e
clorambucil.[22]
Mostardas Azotadas
Mecloretamina
Ciclofosfamida
Ifosfamida
Melfalano
Clorambucil
12
A mecloretamina foi a primeira mostarda azotada a ser usada, sendo a mais reativa e
portanto, atualmente pouco usada. O seu uso terapêutico mais comum é no tratamento do
linfoma de Hodgkin (cancro que se desenvolve no sistema linfático)[23]. As maiores
manifestações adversas da mecloretamina são: náuseas, vómitos, lacrimação e
miolossupressão.[4] A leucopenia (redução anormal dos leucócitos na circulação sanguínea) e
a trombocitopenia (número de plaquetas inferior a 150x103 por µL de sangue) limitam a
quantidade de fármaco em cada administração.[24][25]
A ciclofosfamida encontra-se na sua forma inativa até ser metabolizada no fígado.[26] É
normalmente usada em linfomas e Leucemia Linfocítica Crónica (LLC). A LLC é uma
neoplasia hematológica linfoproliferativa que se caracteriza por uma acumulação progressiva
de linfócitos B monoclonais funcionalmente incompetentes.[27] O seu uso terapêutico é
também aplicado no cancro da mama e ovário. Este cistostático pode causar principalmente
náusea, mielossupressão e casos de hiponatrémia (definida como o decréscimo da
concentração de sódio para níveis inferiores a 136 mmol por litro).[15][16][30] Pode ocorrer
também cistite hemorrágica (definida como uma condição inflamatória difusa da bexiga, com
uma etiologia infeciosa ou não infeciosa, resultando em sangramento a partir da mucosa da
bexiga. A causa mais comum é a infeção bacteriana que geralmente responde prontamente
ao tratamento. Mas uma hemorragia crónica muitas vezes surge a partir de quimioterapia).[31]
O uso de mesna é usado como agente profilático na redução da incidência de cistites
hemorrágicas.[32][33]
Relativamente à ifosfamida esta é principalmente usada nos tumores germinativos do
testículo (TGT) (tumor sólido mais comum no homem dos 15 aos 35 anos)[34] e sarcomas
(cancro nas células derivadas da estrutura embrionária mesoderme)[35]. A ifosfamida tem um
perfil de toxicidade relativamente idêntico ao da ciclofosfamida. No entanto os casos de
neurotoxicidade e nefrotoxicidade, muito provavelmente causadas pelo metabolito tóxico
cloroacetaldeído são mais graves.[36][37] Para atenuar estes efeitos é comum recorrer-se
também ao mesna.
O melfalano é usado frequentemente no mieloma múltiplo (caracterizado pela
acumulação de plasmócitos na medula óssea impedindo o desenvolvimento normal das
células sanguíneas, havendo também produção de proteínas monoclonais, sem capacidade de
anticorpo).[38] No que se refere à toxicidade do melfalano, esta é maioritariamente
hematológica e similar aos outros fármacos alquilantes. O vómito, náusea, alopecia e
disfunção renal e hepática são menos frequentes.
13
O clorambucil é praticamente exclusivo para o tratamento da LLC. Este fármaco
normalmente não provoca mielossupressão. Poderá ocorrer desconforto GI, azoospermia,
amenorreia, convulsões, e hepatotoxicidade. [4]
Os citostáticos são frequentemente fármacos antiproliferativos não-seletivos,
atuando a nível celular, durante o processo de divisão. Esta ausência de seletividade resulta
numa elevada toxicidade para as células saudáveis, principalmente quando se trata de
tumores sólidos, em que a divisão das células neoplásicas é lenta. Tanto a toxicidade como a
resistência adquirida pelas células neoplásicas são o maior limite à terapia oncológica. São
frequentes os casos de reaparecimento do tumor, sob forma resistente ao tratamento.[39]
Com o intuito de melhorar a terapêutica oncológica e diminuir a toxicidade, tem-se
apostado na síntese de pró-fármacos, como terapêutica direcionada.[40]
Pró-fármacos
Pró-fármacos são derivados biorreversíveis de fármacos que, depois de submetidos
a um processo de transformação química ou enzimática “in vivo”, libertam o fármaco na sua
forma ativa, podendo por fim realizar a sua ação farmacológica.[41] O uso de pró-fármacos
envolve assim a síntese de derivados inativos do fármaco original, que irão posteriormente,
já depois de administrados, sofrer ativação preferencialmente no local de ação, alcançando
assim uma atividade terapêutica e seletiva. As estratégias de terapia direcionada beneficiam
do baixo pH extracelular, número elevado de enzimas nos tecidos tumorais, ambiente
hipóxico no interior do tumor e antigénios específicos expressos na superfície das células
neoplásicas. O objetivo principal de um pró-fármaco é alterar temporariamente as
propriedades físico-químicas do citostático, modificando consequentemente a sua
farmacocinética (absorção, distribuição, metabolismo e excreção), prolongar a sua ação
farmacológica, reduzir a toxicidade e efeitos adversos, aumentar a seletividade e superar os
problemas de formulação.[39]
Há duas classes principais de pró-fármacos: pró-fármacos ligados covalentemente a
transportadores e pró-fármacos biopercursores (modificados a nível molecular, tornando-se
inativos).[42]
14
ocorre a nível mitocondrial, durante a atividade de enzimas oxirredutoras e durante a
oxidação catalítica de compostos metálicos. As ROS têm um papel preponderante na defesa
do organismo, sinalização celular, incluindo apoptose celular, expressão génica e cascatas de
sinalização celular.[43]
As ROS podem ser categorizadas em dois grupos: radicais livres de oxigénio e
ROS não radicalares. Os radicais livres de oxigénio incluem: superóxido (O2•−), radical
hidroxilo (HO•), óxido nítrico (NO), radicais orgânicos (R•), radicais peroxilo (ROO•),
radicais alcoxilo (RO•), radicais tiol (RS•), radicais sulfonilo (RSO2•), radical tiol peroxilo
(RSOO•), e dissulfuretos (RSSR). As ROS não radicalares incluem peróxido de hidrogénio
(H2O2), dioxigénio singleto (1O2), ozono (O3), hidroperóxidos orgânicos (ROOH), ácido
hipocloroso (HOCl), peroxinitrito (ONO−), anião nitrosoperoxicarbonato (O=NOOCO2
−
), anião nitrocarboneto (O2NOCO2−), hiponitrito ([ON=NO]2−) e ião nitrónio (NO2+).
Entre eles, o superóxido, o peróxido de hidrogénio e os radicais hidroxilo são os mais
estudados no que se refere ao cancro. [39][44]
Um elevado número de células neoplásicas apresenta um alto stresse oxidativo,
principalmente devido ao facto de não existir um equilíbrio no seu estado redox
intracelular.[45] O facto de as ROS estarem presentes num número tão elevado permitem
uma superior transformação oncogénica, uma vez que há um maior dano na molécula de
ADN e consequentemente um maior número de mutações. Tirar vantagens destas
características únicas das células neoplásicas é um dos principais desafios na terapia
oncológica direcionada. Têm-se realizado diversos estudos, relativamente à inibição da
proliferação das células neoplásicas, através de antioxidantes químicos e enzimáticos.[46]
Por outro lado, o nível elevado de ROS característico de células neoplásicas pode
ser utilizado como ativador de pró-fármacos em terapia direcionada. Como já foi referido
reduzir a toxicidade da terapia oncológica é um dos maiores desafios hoje em dia.
[45]
Figura 2 Alquilação seletiva do ADN por um pró-fármaco, induzida por ROS
16
oncológica em causa. A solução é sintetizar pró-fármacos que após a ativação não adquiram
carga, podendo assim entrar no meio intracelular, e sejam igualmente citotóxicos e
seletivos.[45]
A ligação direta do elemento químico Boro a um anel aromático é suficiente para
tornar as MA inertes. O seu potencial terapêutico foi demonstrado através da comparação
da toxicidade e seletividade em linfócitos neoplásicos de doentes com LLC e linfócitos de
dadores saudáveis.
Os compostos sintetizados apresentam dois sistemas de ligação e vários “leaving
groups”. [45]
hgfaeligfliauhgfl
iahufghfjahgflai
gjahgfgfgfjadfgl
adfgdjfagfdjgfdj
gfldfhgfd
Figura 3 (A) Estruturas de pró-fármacos (B) Mecanismo de ação de pró-fármacos seletivos para células com ROS[45]
17
átomo de azoto para o de cloro (B), permitindo a formação da aziridina (C), altamente
eletrofílica, potente alquilante da molécula de ADN.
A síntese dos pró-fármacos 1a-f e 2 (Figura 4) iniciou-se a partir da p-bromoanilina
(4). Seguidamente promove-se a reação do composto (4) com o 2-cloroetanol, usando
carbonato de cálcio (6). Por uma reação catalizada por paládio obteve-se o intermediário de
boro (8). Este por sua vez reage com o MsCl (cloreto de mesilo) originando a MA (1f) com
um rendimento de 80%. Uma reação de substituição nucleofílica de 1f com cloreto de lítio
ou brometo de lítio resultará respetivamente em 1a, 1d ou 1b e 1e. O composto 1d será
convertido no 1c por adição de brometo de lítio.
Para a síntese do derivado aromático do ácido bórico (2) (Figura 4 B), o composto 6
foi inicialmente convertido numa mostarda com dois substituintes cloro (9), na presença de
MsCl. O tratamento desta com n-butil-lítio (n-Bu-Li) e borato de triisopropilo e posterior
hidrólise originou o composto 2.[45]
Figura 4 (A) Síntese dos pró-fármacos 1a-f (B) Síntese do pró-fármaco 2[45]
19
Figura 5 Comparação da indução de LC seletivas por 1a-f e 2 na presença de H2O2. Análise das LC de 1a-f e 2 com o ADN por
[45]
Eletroforese em Gel de Poliacrilamida
20
Na presença de H2O2
ocorreu a reação de oxidação de
1a formando o composto 13 e
ácido borónico (1C) (Figura 7). O
composto 1C foi ainda hidrolisado
a 2,3-dimetil-2,3-butanodiol (1D).
O intermediário 1B tem uma
reatividade bastante elevada.
Consequentemente a conversão
de 1a para 13 é extremamente
Figura 7 Ativação de 1a e 2 por H2O2[45]
rápida, sendo de 80% em apenas
30 minutos, e superior a 95% em
duas horas. Todos estes dados revelam que os pró-fármacos utilizados neste estudo são de
fato eficazes. Foi realizado ainda um controlo, na ausência de H2O2, permitindo assegurar a
sua importância na ativação de pró-fármacos. Como esperado, não ocorreu formação do
composto 13, resultando somente em 1D e 2 (referido anteriormente), compostos que não
têm qualquer efeito sobre a molécula de ADN. No que se refere ao composto 2, este pode
ser convertido também no 13, na presença de H2O2, em cerca de 93% em duas horas.[45]
A seletividade e a citotoxicidade foram posteriormente avaliadas em sistemas
biológicos. Todos mostraram uma inibição do crescimento das linhas celulares testadas. A
percentagem de crescimento da maioria das linhas celulares foi inferior a 50, com uma dose
única de 10 µM. Comparando a inibição de crescimento celular das MA aromáticas, com a
mecloretamina, conclui-se que o poder de inibição das primeiras é bastante superior. Apesar
das razões não serem ainda bem claras, isto poderá ser explicado pelo facto da
mecloretamina ser carregada positivamente e, portanto, difundir-se com mais dificuldade
para o interior da célula.
Uma vez que não houve uma diferença significativa, entre os compostos que diferiam
apenas no tipo de halogénios, usou-se como representativos os compostos 1a, 1c, 1d e 2
para avaliar a inibição do crescimento celular.[45] Os resultados foram expressos em valores
de GI50, que correspondem à concentração de amostra correspondente a 50% de inibição
máxima de proliferação celular.[52] Todos os 4 pró-fármacos, depois de ativados, exibiam um
elevado nível de toxicidade nas linhas celulares testadas. Recorreram-se a células de vários
doentes com vários tipos de cancro, entre eles leucemia, cancro do cólon, melanoma,
21
cancro do ovário e cancro da mama. O GI50 variou entre 0.23 e 31.4µM, não tendo no
entanto na maior parte dos casos atingido os 5µM.
No que se refere especificamente a células neoplásicas em doentes com LLC, os pró-
fármacos 1a, 1c e 2 induziram apoptose num elevado número de amostras celulares, sendo o
composto 2, o que obteve o menor IC50 (concentração do fármaco que provoca 50% de
citotoxicidade na cultura celular), entre 5 e 6 µM.[52] Foi também avaliada a toxicidade dos
pró-fármacos em linfócitos saudáveis. O resultado foi um decréscimo da apoptose celular
relativamente às células neoplásicas. Isto, porque como já referido anteriormente, estas
últimas apresentam elevado stresse oxidativo e, consequentemente, elevada quantidade de
ROS, que são as responsáveis pela ativação dos pró-fármacos.[45]
Figura 8 Apoptose dose-dependente das células neoplásicas de doentes com LLC e células saudáveis com 1a, 1c e 2
[45]
durante 24h. (A) células de LLC com 1a (B) célula de LLC com 1c (C) células de LLC com 2 (D) linfócitos normais com 2
22
Conclusão
O uso de citostáticos em terapia oncológica é bastante elevado e, com o aumento do
número de casos de cancro, irá ser ainda superior. Não só por este motivo, mas também em
consequência da sua elevada toxicidade e resistência por parte das células neoplásicas, é
fundamental que se encontrem alternativas com resultados mais favoráveis e satisfatórios
para as células neoplásicas, e menos agressivos para as células saudáveis.
Os alquilantes são dos citostáticos a que mais se recorre, apresentando no entanto
graves efeitos adversos e elevada toxicidade. O uso de pró-fármacos não se restringe apenas
a otimizar a formulação de um fármaco para que este tenha uma absorção, distribuição,
metabolismo e excreção melhoradas. São também indispensáveis na terapia oncológica
direcionada e na redução da toxicidade das células saudáveis.
Na presente monografia relataram-se estudos realizados com pró-fármacos de
mostardas azotadas, sendo estas responsáveis pela alquilação da molécula de ADN e
consequentemente impedir a sua replicação. Estes são apenas ativados na presença de H2O2
presente nas células neoplásicas. Os resultados obtidos revelam que é possível encontrar
estratégias de melhoramento da terapia oncológica.
No estudo relatado, o uso do Boro na formação de pró-fármacos com mostardas
azotadas revelou-se eficaz. Estes compostos, apresentam uma grande seletividade para as
células neoplásicas, uma vez que se encontram em stresse oxidativo e contêm espécies
reativas de oxigénio, nomeadamente H2O2.
Recorrendo a propriedades características de células neoplásicas é possível encontrar
estratégias terapêuticas, utilizando citostáticos que permitam ao doente ter uma melhor
qualidade de vida e uma maior esperança de vida, sendo este um dos principais objetivos
das investigações efetuadas nesta área.
Nas últimas décadas observou-se um grande avanço na terapia oncológica, atingindo-
se novas descobertas e novas estratégias, já postas em prática hoje em dia.
23
Bibliografia
[1] A. S. Nuno Miranda, Paulo Nogueira, “Direção Geral de Saúde,” Direção geral da
Saúde, 2013.
[4] T. P. Basis, Goodman and Gilmans The Pharmacological Basis of Therapeutics 12E. .
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