IHUOnline Edicao 268
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PÁGINA 02 | Editorial
A. Tema de capa
» Entrevistas
PÁGINA 06 | Raúl Antelo: A apatia do povo brasileiro como sátira
PÁGINA 09 | Eneida Maria de Souza: A subversão lingüística de Macunaíma
PÁGINA 12 | Maria Eugenia Boaventura: Macunaíma: ficção divertida e riqueza vocabular
PÁGINA 14 | Robson Pereira Gonçalves: Brasilidade. Identidade múltipla e caótica
PÁGINA 16 | Telê Porto Ancona Lopez: Uma “entidade brasileira”
PÁGINA 18 | Noemi Jaffe: Síntese do Brasil, nosso veneno e nossa delícia
B. Destaques da semana
» Brasil em Foco
PÁGINA 22 | Recordar ou esquecer? A Lei da Anistia em discussão
» Entrevista da Semana
PÁGINA 26 | Kenneth Serbin: “Cão-de-guarda moral”. A nova Igreja brasileira
» Livro da Semana
PÁGINA 32 | Regina Schöpke: O Dom Quixote da fé cristã
» Invenção
PÁGINA 36 | Juliana Krapp
» Destaques On-Line
PÁGINA 38 | Destaques On-Line
C. IHU em Revista
» Agenda de Eventos
PÁGINA 42| Vanessa Doumid Damasceno: Jogos digitais: aliados no processo de ensino-aprendizagem
» Perfil Popular
PÁGINA 45| Iolanda Gomes
» IHU Repórter
PÁGINA 46| Adriana Karnal
Adaptações
Fonte: Wikipédia
DIVULGAÇÃO
U
ma sátira à apatia do nosso povo. Essa é a função de Macunaíma
na opinião do crítico literário Raúl Antelo, em entrevista que
você confere a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
“Mas, por ser sátira, o texto satura o procedimento, vai além
dos limites estipulados, gasta, liquida ele e, por isso, permite
passar a outra coisa. À época da redação, resenhando uma antologia poé-
tica, Mário de Andrade diz que um livro deve ser amado ou detestado”. E
continua: “Poderíamos pensar que Macunaíma é rapsódico porque não se
filia, não se identifica, não se limita. Se avaliamos essa atitude do ponto
de vista instrumental, isso é ruim. O Estado cataloga, fixa, territorializa.
Se, entretanto, o avaliamos sob um ponto de vista político, a apatia nos
permite alimentar um discreto otimismo, o de não colaborar com o estabelecido. Aquilo que não
tem nome, que não tem lugar, é pura potência. Pode ainda vir a acontecer. Mas, se acontecer, será
sempre o desdobramento de uma força que vem do arquipassado”.
Nascido na Argentina, Antelo é professor titular de literatura brasileira na Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador-sênior do CNPq, foi Guggenheim Fellow (2004) e professor
visitante nas Universidades de Yale, Duke, Texas at Austin, Autônoma de Barcelona e Leiden, na
Holanda. Presidiu a Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC).
É graduado em Letras Modernas, pela Universidad de Buenos Aires (1974), e em Língua Portu-
guesa, na Argentina, pelo Instituto Superior del Profesorado en Lenguas Vivas. Cursou também,
graduação em Letras Modernas na Universidade de Buenos Aires (UBA) e é mestre e doutor em
Literatura Brasileira, pela Universidade de São Paulo (USP).
É autor de vários livros, dentre eles Na ilha da Marapatá: Mário de Andrade lê os hispano-ameri-
canos (São Paulo: Hucitec/Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1987), Transgressão e modernidade
(Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2001) e Tempos de Babel. Anacronismo e destruição (São Paulo:
Lumme Editor, 2007).
IHU On-Line – Como percebe a liga- obras e autores? os habitantes da marca, os nobres
ção entre o regionalismo, com seu Raúl Antelo – Macunaíma não é re- que habitavam a linha demarcatória,
folclore mais específico, e a univer- gionalista no sentido em que o regio- os indicados dessa tarefa. Mário de
salidade existente em Macunaíma, nalismo é uma política para estipular Andrade elaborou uma das respostas
por meio da intertextualidade de Má- fronteiras, que surge, já na cultura mais contundentes ao problema. À
rio de Andrade1 em relação a outras medieval européia, para coibir a pre- época de lançamento de Macunaíma,
1 Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945): sença do estrangeiro. O objetivo era resenhando a exposição de Tarsila do
poeta, romancista, crítico de arte, folcloris- regere fines, administrar fronteiras, Amaral,2 Andrade definia o regionalis-
ta, musicólogo e ensaísta brasileiro. Em 1917, e eram precisamente os marqueses, mo como um valor emergente na cul-
foi publicado o seu primeiro livro de versos,
Há uma gota de sangue em cada poema. A sua sical e de artes plásticas na imprensa escrita. tura brasileira. Dizia que regionalismo
segunda obra, Paulicéia desvairada, colocou-o Em 1928 publicou seu romance mais conheci- 2 Tarsila do Amaral (1886-1973): pintora bra-
entre os pioneiros do movimento modernista do, Macunaíma, considerado por muitos como sileira. Foi a pintora mais representativa da
no Brasil, culminando, em 1922, como uma das uma das obras capitais da narrativa brasileira primeira fase do movimento modernista bra-
figuras mais proeminentes da famosa Semana no século XX. Alguns dos seus livros de poesia sileiro, ao lado de Anita Malfatti. Seu quadro
da Arte Moderna. Durante a década de 1920, mais conhecidos são Losango cáqui, Clã do ja- “Abopuru”, de 1928, inaugura o movimento
continuou sua carreira literária, ao mesmo buti, Remate de males, Poesias e Lira paulis- antropofágico nas artes plásticas. (Nota da
tempo em que exercia a função de crítico mu- tana. (Nota da IHU On-Line) IHU On-Line)
DIVULGAÇÃO
do rapsodismo até o século XX, com a ma obra que promove uma subversão lingüís-
música de Bela Bartok.16 Diz que o gê- tica apelando “ao estranhamento da lingua-
nio rapsódico de Bartók, como aliás, gem, ao procedimento de concretização do
o de Mário de Andrade quem, muito artefato lingüístico”. É assim que a crítica
bom músico, deu a Macunaíma essa literária Eneida Maria de Souza se refere a
categorização, rapsódia. E a rapsódia, Macunaíma. “Um estilo modernista, antropofágico, pois
diz Jankélévitch, não é, a bem dizer, se alimenta e mastiga de todas as fontes lingüísticas e
um ‘gênero’, se o gênio é restrição ou, estilísticas. Absorve o que há de mais lúdico na lingua-
como a tragédia clássica, convenção gem, o que há de mais escatológico na interpretação dos
artificial: a rapsódia é, antes de mais
mitos e das anedotas. Macunaíma se apropria de todas
nada, ausência de gênero, explosão de
as formas populares e eruditas do imaginário literário e
todos os esquemas definidos e total
licença concedida a uma fantasia su- cultural da América Latina e do estrangeiro”, aponta. “Sua fala é a monta-
cessivamente sonhadora, apaixonada gem de várias falas, sua voz repete a dos personagens dos contos, sua malan-
e dionisíaca, que não se filia a nenhu- dragem remonta a Pedro Malazartes, aos romances picarescos, às trapaças
ma arte poética. Ora, nesse sentido, do jabuti dos contos folclóricos”. E assegura: “A crítica à realidade brasileira
poderíamos pensar que Macunaíma é reside justamente na apresentação de um herói sem nenhum caráter, pregui-
rapsódico porque não se filia, não se çoso, malandro e esperto, o que seria a imagem também malandra do país.
identifica, não se limita. Se avaliamos Mas essa interpretação é por demais complexa, pois não há, na rapsódia,
essa atitude do ponto de vista instru- nenhuma lição de moralismo em relação ao caráter do brasileiro”.
mental, isso é ruim. O Estado catalo- Eneida é graduada em Letras, pela Universidade Federal de Minas Gerais
ga, fixa, territorializa. Se, entretanto, (UFMG), mestre em Letras, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
o avaliamos sob um ponto de vista po-
Janeiro (PUC-Rio), e doutora em Literatura Comparada Semiologia, pela Uni-
lítico, a apatia nos permite alimentar
versidade de Paris VII – Denis Diderot, na França, com a tese Des mots, des
um discreto otimismo, o de não cola-
borar com o estabelecido. Aquilo que langages et des jeux — Une lecture de Macunaíma. É uma das organizadoras
não tem nome, que não tem lugar, é de Mário de Andrade — Carta aos mineiros (Belo Horizonte: UFMG, 1997),
pura potência. Pode ainda vir a acon- e escreveu, entre outros, O século de Borges (Belo Horizonte: Autêntica,
tecer. Mas, se acontecer, será sempre 1999), A pedra mágica do discurso (2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999),
o desdobramento de uma força que Crítica cult (2. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007) e Tempo de pós-crítica
vem do arquipassado. (Belo Horizonte: Veredas&Cenários, 2007).
responsáveis por criar a Sociologia na Alema- IHU On-Line – O que a senhora des- Koch-Grünberg.1 As histórias para-
nha, juntamente com Max Weber e Karl Marx.
(Nota da IHU On-Line)
tacaria sobre os estudos que o autor 1 Theodor Koch-Grunberg (1872-1924):
16 Béla Viktor János Bartók de Szuhafő realizou sobre mitologia indígena e etnólogo e explorador alemão que realizou
(1881-1945): compositor húngaro, pianista e folclore nacional, além da observa- valiosas contribuições ao estudo das po-
investigador da música popular da Europa Cen- pulações indígenas da América do Sul, em
tral e do Leste. É considerado um dos maiores
ção dos costumes e língua cotidia- particular nas tribos da região amazônica
compositores do século XX. Foi um dos funda- na, para escrever Macunaíma? brasileira. Afirma-se que Vom Roraima zum
dores da etnomusicologia e do estudo da an- Eneida Maria de Souza - O enredo Orinoco (Do Roraima ao Orinoco: observa-
tropologia e etnografia da música. Durante a ções de uma viagem pelo norte do Brasil e
Segunda Guerra Mundial, decidiu abandonar
de Macunaíma é retirado dos mitos pela Venezuela durante os anos de 1911 a
a Hungria e emigrou para os Estados Unidos. amazônicos colhidos pelo alemão 1913 (São Paulo: Editora Unesp, 2006) foi
(Nota da IHU On-Line) uma das obras que influenciou Mário de An-
E
m entrevista por e-mail à IHU On-Line, Maria Eugenia Boaventura enfa-
tizou que o que fascina os leitores de Macunaíma 80 anos após seu lan-
çamento é o fantástico trabalho desenvolvido por Mário de Andrade com
nosso idioma. Além disso, é “uma ficção muito divertida”. Maria Eugenia
esclarece que a obra não é incompreendida pela crítica, mas bastante
estudada. “Não é certamente uma obra simples, de leitura fácil, a começar pela
riqueza vocabular manipulada pelo artista. Foge dos padrões narrativos da época.
O fato de o livro ainda hoje despertar interesse se devem ao trabalho artesanal da
linguagem e à ousadia da sua estrutura narrativa.” A respeito do homem “sem ca-
ráter”, a pesquisadora menciona que essa é uma metáfora para a falta de projetos
do homem moderno de uma forma geral, tanto no Brasil quanto fora dele.
Maria Eugenia é graduada em Letras, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
e mestre e doutora na mesma área, pela Universidade de São Paulo (USP). Leciona
no Departamento de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas (Uni-
camp). É organizadora de Estética e política (São Paulo: Globo, 1992) e Os dentes
do dragão (São Paulo: Globo, 1992), de Oswald de Andrade, de Dicionário de Bolso
de Oswald de Andrade (São Paulo/SP: Editora Globo, 2007), e também dos livros
De Anchieta aos concretos (São Paulo: Companhia das Letras, 2003) e Artesanatos
de poesia (São Paulo: Companhia das Letras, 2004), de Mário Faustino. Além disso,
é autora de A vanguarda antropofágica (São Paulo: Ática, Coleção Ensaios, 1985) e
O salão e a selva. Uma bibliografia intelectual de Oswald de Andrade (São Paulo:
Ex-Libris/Unicamp, 1996).
IHU On-Line - Seria Macunaíma uma e elementos de época, sobretudo, da esboço tenham surgido numas férias,
obra “sintoma de cultura nacional”? cidade de São Paulo. como uma brincadeira, uma diversão.
Em termos de folclore, de língua por- Depois houve, é óbvio, por parte do
tuguesa, do processo de crescimento IHU On-Line - Se o próprio Mário de escritor, um trabalho cuidadoso de
brasileiro, o que ela recupera ou traz Andrade admite ter escrito Macu- pesquisa e composição até chegar à
de novo? Por quê? naíma nas férias, por “pura brinca- forma final. Trabalho este muito eru-
Maria Eugenia Boaventura – Não di- deira”, não teria a crítica dado-lhe dito e sofisticado e que demanda um
ria que seja “sintoma nacional”. Para sentidos não propostos em sua com- repertório literário e cultural para que
mim, Macunaíma é antes de tudo uma posição? Seu livro transcendeu os ob- seja apreciado na sua complexidade.
ficção muito divertida, cujo trabalho jetivos e podemos dizer que a obra O papel do crítico é justamente o de
com a língua é fantástico, e é isto que ganhou vida própria? remanejar métodos e técnicas a fim de
fascina o leitor até hoje. Claro que Maria Eugenia Boaventura - É possí- construir o sentido do texto que anali-
incorpora dados do folclore nacional vel que a idéia do livro e o primeiro sa, com a bagagem teórica pessoal da
época de cada leitura. de vista o processo de atualização da coisa (aquilo que Serafim chamava a
linguagem literária. Oswald talvez te- felicidade) fracassaram. Um quando
IHU On-Line - Macunaíma é uma obra nha sistematizado isto de forma mais tinha a riqueza, o outro quando estava
ao mesmo tempo incompreendida, rápida e aguerrida nos Manifestos de de posse do amuleto. Ambos têm de-
considerada experimental pela maior 1924 e 1928. Textos estes sobre os senlaces patéticos.
parte da crítica, e bastante estudada quais Mário em vários momentos ma-
por jovens em escolas, que costu- nifestou seu apreço. IHU On-Line - Macunaíma pode ser
mam achar sua narrativa excêntrica. considerado um conto em mosaico,
Diante disso, como Macunaíma ainda IHU On-Line - O brasileiro “sem ca- um romance, uma narrativa poética,
é tão debatido, ainda hoje, depois de ráter” expresso por Macunaíma ou ele é a mistura de todos esses ele-
80 anos de seu lançamento? continua uma forma correta de nos mentos?
Maria Eugenia Boaventura – Não di- entendermos ontologicamente? Em Maria Eugenia Boaventura – Macunaí-
ria que Macunaíma seja uma obra in- que sentido podemos compreender ma, como o Serafim, se constitui numa
compreendida pela crítica. Acho que corretamente esse adjetivo do per- fantástica mistura de gêneros, outra
é estudada, sim. Não é certamente sonagem e considerá-lo um “homem faceta atual dos dois textos.
uma obra simples, de leitura fácil, a sem projetos”, típico, na sua visão,
começar pela riqueza vocabular mani- do homem moderno? IHU On-Line - “A dialética da malan-
pulada pelo artista. Foge dos padrões Maria Eugenia Boaventura – Não. No dragem”, de Antonio Candido,2 seria
narrativos da época. O fato de o livro máximo pode servir como uma metáfo- um conceito correto para compreen-
ainda hoje despertar interesse se deve ra para uma referência à falta de pro- der o personagem? Que outras obras
ao trabalho artesanal da linguagem e à jeto do homem moderno de um modo brasileiras se enquadrariam nessa
ousadia da sua estrutura narrativa. geral, daqui e de fora. Não devemos característica?
esquecer as peculiaridades múltiplas Maria Eugenia Boaventura - Acredito
IHU On-Line - Qual é a influência que do personagem: estrangeiro, índio ne- que sim: a dialética da malandragem,
Mário sofreu tanto das obras de van- gro e que depois vira branco. tão bem explorada por um dos princi-
guarda européias quanto das obras pais críticos do Modernismo, na análise
de Oswald de Andrade, como Sera- IHU On-Line - Oswald de Andrade de uma obra brasileira do século XIX,
fim Ponte Grande,1 como a senhora classifica Macunaíma como nossa pode ser acionada e adaptada para a
constatou em estudos? Odisséia. Haveria possibilidade de leitura de várias outras obras, inclusi-
Maria Eugenia Boaventura – Não trato considerar a obra de Mário também ve as duas acima. É bom lembrar que
esta questão em termos de influência. universal, ou seu personagem princi- cada obra literária sugere um roteiro
Prefiro dizer que os dois escritores ti- pal seria um “anti-herói” com ampli- de leitura próprio.
nham projetos afins, e contribuíram de tude latino-americana? Por quê?
modo decisivo para produzir mudanças Maria Eugenia Boaventura - Oswald 2 Antonio Candido de Mello e Souza (1918):
no panorama literário e cultural do dizia também que Macunaíma era a escritor, ensaísta e professor universitário, um
dos principais críticos literários brasileiros. É
país, além de terem dialogado com as grande obra antropofágica. Sim, como professor emérito da USP e UNESP, e doutor
diferentes propostas da vanguarda eu- Serafim, o personagem do Macunaíma honoris causa da Unicamp. Foi crítico da revis-
ropéia. Este projeto implicou num de- não sabe exatamente o que quer, está ta Clima (1941-4) e dos jornais Folha da Ma-
nhã (1943-5) e Diário de São Paulo (1945-7).
terminado momento na incorporação amarrado pela incompetência, pela Na vida política, participou de 1943 a 1945 na
de temas e motivos locais, sem perder falta de caráter, pela falta de pers- luta contra a ditadura do Estado Novo no grupo
pectiva. Os dois personagens quando clandestino Frente de Resistência. Escreveu o
1 Serafim Ponte Grande (São Paulo: Globo, clássico Parceiros do Rio Bonito (1964). (Nota
2007). (Nota da IHU On-Line)
tiveram meios de conquistar alguma da IHU On-Line)
“M
acunaíma não é o depositário dos sentidos do Brasil, an-
tes é a obra de arte que inventa sentidos, rompe com as
neuroses dos sentidos dados e aponta para uma identidade
de última instância, que é uma identidade sem identifica-
ção”, defende o crítico literário Robson Pereira Gonçalves.
A declaração faz parte da entrevista a seguir, que concedeu com exclusividade por
e-mail à IHU On-Line. De acordo com ele, “a possibilidade se síntese em Macuna-
íma estaria nessa transfiguração que a narrativa faz daqueles múltiplos que não se
unificam neuroticamente na realidade brasileira, porque a busca da unidade numa
identidade é uma busca neurótica, é apagamento das diferenças”. Questionado se
o brasileiro ainda tem a sua muiraquitã, ele responde que ela, “tal como uma per-
versão, simboliza os nossos males e nossas aversões ao trabalho, ao conhecimento
e saber e, muito mais, à construção de uma sociedade mais justa. Nessa esteira,
a muiraquitã é o jogo do bicho, as loterias que assolam esses sonhos e embalam a
esperança — individual — de nos tornarmos felizes”.
Graduado em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Robson
é mestre em Letras, pela Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com a
tese, já publicada, Macunaíma: carnaval e malandragem (Santa Maria: Imprensa
Universitária, 1982). Doutorou-se em Lingüística e Letras na Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com a tese A questão do sujeito em
Fernando Pessoa. Ele leciona na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai
e das Missões. Escreveu inúmeras obras, das quais destacamos O sujeito Pessoa
— Literatura e psicanálise (Santa Maria: Edição Mestrado em Letras-UFSM, 1995),
Fábulas da província — Crônicas sobre arte e cultura (Santa Maria: Edição Mestra-
do em Letras-UFSM, 1999) e Fábulas da subjetividade — Literatura & psicanálise
(Santa Maria: UFSM/Reitoria/PRAE, 2002).
IHU On-Line - De que modo Macuna- ciais e ao relacionamento humano; a perspectiva, é bom lembrar que Macu-
íma pode ser visto sob o ângulo car- excentricidade, que afasta a repres- naíma não é o depositário dos sentidos
navalesco da cultura brasileira? Ele são e a censura; as mésalliances, que, do Brasil, antes é a obra de arte que in-
pode ser percebido por meio de quais pelo carnaval, aproximam o sagrado do venta sentidos, rompe com as neuroses
elementos na obra? profano, o sublime do grotesco, o sério dos sentidos dados e aponta para uma
Robson Pereira Gonçalves - Já que do cômico, o bem do mal; e a profa- identidade de última instância, que é
se trata de uma entrevista, diria por nação, onde a arbitrariedade encerra, uma identidade sem identificação. Essa
conforto que a percepção carnava- através do carnaval, todo um sistema identidade é múltipla e caótica porque
lesca do mundo é operada por quatro de relações paradoxais com relação torna indiferentes, pelo não-senso, to-
categorias: a familiaridade, onde são às extravagâncias narrativas e onde a dos os traços que organizam a brasili-
suspensas as restrições às normas so- paródia é o seu lugar comum. Nessa dade. Nessa medida, Macunaíma e seu
D
e acordo com a escritora Telê Porto Ancona Lopez, em entrevista
tatuto da ética e da moral conformariam por e-mail à IHU On-Line, chamar Macunaíma de estereótipo do
um tertius na relação ordem versus de-
homem brasileiro é “uma visão muito esquemática do protagonis-
sordem. Se antes imperava uma ordem
ta da rapsódia do herói da nossa gente”, e concorda com Alfredo
sedimentada na força, na defesa incon-
dicional das classes autoritárias, hoje se Bosi e Paulo Prado, quando eles destacam que o objetivo do autor
observa o império da desordem institu- era captar a “entidade brasileira”. Ela assinala que o livro mostra uma vasta
cional, da violência urbana. Seria esse o pesquisa de elementos de nosso país, e que nele “está o avesso do futurismo,
nosso destino, o de ser como Macunaíma do ponto de vista ideológico”. Para ela, o que faz Macunaíma continuar lido
um “brilho bonito mas inútil porém de e discutido entre os estudantes é o diálogo que propõe conosco, homens e
mais uma constelação”? mulheres contemporâneos, ao tocar não apenas “verdades do homem no
Brasil, como verdades humanas, atuais, como o medo de crescer, a evasão
IHU On-Line - O brasileiro ainda busca à responsabilidade, a importância do ócio criador, a crítica do trabalho for-
o seu muiraquitã? Qual seria ele? Há miga, alienado”.
um projeto de Brasil ou “Pouca saúde Telê é graduada em Letras Neolatinas e especialista em Língua e Litera-
e muita saúva, os males do Brasil são”
tura Francesa e Portuguesa Brasileira, pela Pontifícia Universidade Católica
continua sendo um dito atual?
de São Paulo (PUCSP). Na Universidade de São Paulo (USP), cursou especia-
Robson Pereira Gonçalves – Na questão
da saúde, mormente se tenha avanço na lização em Literatura Brasileira, Portuguesa, Teoria Literária e Literatura
medicina social, ainda abarrotamos nos- Comparada, mestrado e doutorado em Letras (Teoria Literária e Literatura
sos hospitais com os Jecas Tatus (vide Comparada). Sua disssertação intitulou-se O se-seqüestro da dona ausente:
Monteiro Lobato), tanto pelo descaso reconstrução de um estudo de Mário de Andrade a partir de suas notas de
com a educação quanto pela ignorância leitura, e a tese Mário de Andrade: ideologia e cultura popular. É livre-do-
que se nos povoa. Até hoje não sei qual cente pela mesma instituição com o trabalho O cronista Mário de Andrade.
seria o tal projeto Brasil, se o do dístico Lançará, pela Agir/Ediouro, ainda este ano, uma edição comentada de Ma-
da bandeira — ordem e progresso — ou cunaíma. Estudiosa do modernismo e da obra de Mário de Andrade, é cura-
esse sentimento ufanista de ser brasilei- dora do arquivo desse escritor no IEB-USP. Leciona, escreve e forma quadros
ro, a terra do sol e de Deus, porém sem universitários, dedicando-se principalmente à exploração das vanguardas do
leis e sem fronteiras e que em nome de
século XX, à análise da obra de modernistas brasileiros — sobretudo a de Má-
discursos populistas para a ignara multi-
rio de Andrade —, à crítica textual e à crítica genética, bem como ao estudo
dão faz ressurgir a esperança dos renun-
ciadores à vida, pois um nirvana os espe- dos chamados gêneros de fronteira, onde estão a epistolografia, a crônica
ra atrás das palavras do líder. O que resta jornalística, os diários e as memórias.
é uma fantasia, a tal da muiraquitã, que
tal como uma perversão simboliza os nos- IHU On-Line - O personagem “anti- teratura e a cultura brasileiras?
sos males e nossas aversões ao trabalho, herói” ou “herói de nossa gente” Telê Porto Ancona Lopez - Estereó-
ao conhecimento e saber e, muito mais, de Mário de Andrade é muitas vezes tipo seria uma visão muito esquemá-
à construção de uma sociedade mais jus- tomado como um retrato do estere- tica do protagonista da rapsódia do
ta. Nessa esteira, a muiraquitã é o jogo ótipo do homem brasileiro, sobre- herói da nossa gente. Bosi1 e outros
do bicho, as loterias que assolam esses tudo por sua “preguiça”. Haveria, 1 Alfredo Bosi (1936): professor univer-
sonhos e embalam a esperança — indivi- ainda hoje, essa aproximação, e o sitário, crítico e historiador de literatura
brasileira. É um dos imortais da Academia
dual — de nos tornarmos felizes. que Macunaíma simboliza para a li- Brasileira de Letras. Escreveu, entre outros,
brasileiro moderno”
D
e acordo com a escritora Noemi Jaffe, em entrevista por e-mail à
IHU On-Line, a polimorfia do anti-herói Macunaíma, ora formiga,
ora pé de urucum, ora preto retinto, é um dos traços principais e
é cultura nacional? mais belos da obra. Assim, Mário de Andrade “sintetiza o Brasil,
tão difícil de definir e, em muitos casos, insolúvel também por
IHU On-Line - Em se tratando da lin- causa dessa dificuldade. Nosso veneno e nossa delícia”. Um livro cubista, de
guagem de Macunaíma, como Mário
forte crítica nacionalista, Macunaíma é uma “colagem de vivências, amiza-
utiliza nele suas idéias a respeito de
des, lendas indígenas e mitológicas de vários países, língua falada e escrita,
uma língua abrasileirada? Ele conse-
gue “carnavalizar a linguagem”, para história antiga e moderna”. Para Jaffe, esse não é um livro para ser “devo-
utilizar uma expressão de Bakhtin? rado”, mas para ser deglutido aos poucos, “indo, voltando, relendo”.
Telê Porto Ancona Lopez - Trata-se da Jaffe é colaboradora do jornal Folha de S. Paulo. Atua como professora
questão muito importante do emprego do ensino médio e escritora. É doutora em Literatura Brasileira pela USP.
artístico (estilizado) da língua portu- Escreveu Macunaíma (São Paulo: Publifolha; Coleção Folha Explica, 2001) e
guesa falada no Brasil, tão focalizado Ler palavras, ver imagens (São Paulo: Global, 2003).
por Mário em suas cartas. Esse é o pilar
lingüístico do projeto modernista do
escritor, explorado em sua ficção nos IHU On-Line - Até que ponto os vivido e sobre o qual tinha refletido
anos de 1920, em Belazarte, Amar, ver- acontecimentos da Semana de Arte entrou na produção de Macunaíma,
bo intransitivo e Macunaíma. Moderna de 1922, em São Paulo, do que é um livro cubista, mas com for-
crescimento da cidade, da amizade te crítica nacionalista.
IHU On-Line - Será lançada, ainda com Oswald de Andrade e outros
este ano, uma edição comemorativa intelectuais, foi importante para IHU On-Line - Quais são os prin-
de Macunaíma organizada pela se- Mário de Andrade ter escrito Macu- cipais experimentos da obra em
nhora? Na sua visão, por que é ainda naíma? E, dentro desse contexto, termos de estrutura, enredo, lin-
é uma obra tão debatida em escolas e na sua visão, quais foram as influ- guagem e estilo, por meio de sua
universidades? ências literárias de Mário de Andra- textualidade? Nesse sentido, como
Telê Porto Ancona Lopez - A edição co- de ao escrever Macunaíma? Mário faz a reutilização do folclore,
memorativa terá estudos críticos publi- Noemi Jaffe - No livro Roteiro de a reprodução de uma fala brasilei-
cados em 1928, 1934, 1945 e em nossos Macunaíma, de Cavalcanti Proença,1 ra, de narrativas orais indígenas e
dias. A razão principal de Macunaíma a maior parte das influências que Ma- crendices populares, e como se dá
continuar lido e discutido nas escolas rio de Andrade sofreu na escrita de o enfoque sobre o desenvolvimen-
— desde o ensino médio ao universitário Macunaíma está relatada. O próprio to da cidade de São Paulo, em opo-
— está no fato de ser uma obra que conti- Mário dizia que seu livro era um “plá- sição a outros espaços que continu-
nua dialogando conosco porque toca não gio”. Na verdade, Macunaíma é uma am ainda inexplorados país afora?
só verdades do homem no Brasil, como colagem de vivências, amizades, Noemi Jaffe – Como disse acima, a
verdades humanas, atuais, como o medo lendas indígenas e mitológicas de vá- obra tem vários elementos cubistas,
de crescer, a evasão à responsabilidade, rios países, língua falada e escrita, como o multiplicidade de pontos de
a importância do ócio criador, a crítica do história antiga e moderna. Acredito vista narrativos, a confusão espacial
trabalho formiga, alienado etc. que tudo que Mário de Andrade tinha e temporal, a não linearidade e a
1 Manuel Cavalcanti Proença: autor, entre mistura de registros. O capítulo “Car-
outros, de Roteiro de Macunaíma (5. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978).
ta pras Icamiabas”, por exemplo,
(Nota da IHU On-Line) gera muita dificuldade de compreen-
18 SÃO LEOPOLDO, 11 DE AGOSTO DE 2008 | EDIÇÃO 268
literária?
Noemi Jaffe – Acredito que continua
muito atual. Ainda vemos uma certa
“Macunaíma também faz uma crítica hegemonia de padrões desnecessários
na linguagem jornalística, teórica e
emocionante ao desenvolvimento, no capítulo principalmente na linguagem acadê-
mica, muitas vezes presa a rigores do
de sua chegada à cidade, que é século XIX.
D
écadas depois, a Ditadura Militar ainda gera polêmica e di-
no Regime Militar? Em que aspectos
vergência. Um pacto, em 1979, entre os militares de plantão
essa medida é positiva ou negativa
e algumas lideranças políticas, possibilitou a Lei da Anistia. para a história do país?
Depois disso veio a Constituição de 1988. Diferentemente IHU On-Line – Em que medida a Lei da
de outros países da América Latina, no Brasil, nenhum tor- Anistia comprometeu os direitos hu-
turador, respaldado pela Lei da Anistia, foi punido. Os ministros Tarso manos, no país?
Genro (Justiça) e Paulo Vanucchi (Secretaria Especial de Direitos Huma- IHU On-Line – Tortura pode ser consi-
nos) levantaram, recentemente, uma questão candente. derada um crime político?
Para discutir a questão, a IHU On-Line propõe o debate a seguir. Com IHU On-Line – Quais são as implicações
base nas perguntas enviadas pela nossa equipe, professores dos cursos de de abrir os arquivos da ditadura? Sob o
Direito e de Filosofia da Unisinos comentam a proposta dos ministros Tarso ponto de vista democrático e político
e Paulo, favoráveis à punição dos torturadores que atuaram durante o Re- é melhor recordar ou esquecer esse
assunto?
gime Militar. Confira os depoimentos concedidos por e-mail à IHU On-Line.
Veja o que foi perguntado aos entrevistados:
depois da Lei da Anistia, os tratados internacionais dos quais o Brasil era signatário
colocavam-na como crime contra os direitos humanos e imprescritíveis. Esse foi o
caso da Argentina, em que a Suprema Corte julgou inconstitucional a Lei da Obe-
diência Devida, que anistiara os militares que praticaram tortura. Mas essa é uma
questão complexa, que demanda uma longa entrevista, para evitar mal-entendidos,
principalmente na comunidade jurídica, em face do princípio da reserva legal, para
citar apenas esse ponto de extrema controvérsia.
A Lei da Anistia comprometeu os direitos humanos quando permitiu aplicação ta-
bula rasa, não separando o joio do trigo. Na verdade, em muitos casos, ficamos com o
joio. Os arquivos da ditadura devem ser abertos. Trata-se de um direito fundamental
da nação. Ela precisa saber o que aconteceu.”
Lenio Streck é mestre e doutor em Direito, pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), e pós-doutor, pela Universidade de Lisboa. Docente do curso de Direito da Unisinos,
ele é membro da Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados
Brasileiros e presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica.
“Em primeiro lugar, gostaria destacar alguns princípios filosóficos deste debate. O
principal deles é que o esquecimento da barbárie perpetrada no passado promove a sua
reprodução no futuro. Só a memória das violências cometidas pode evitar que elas se
repitam no futuro. Um segundo pressuposto é que o esquecimento submete às vítimas
a uma dupla injustiça: elas sofreram a barbárie da tortura e agora se pretende apagar
seu sofrimento através do esquecimento. Só a memória detalhada de cada vítima, de
seu sofrimento, do horror cometido contra ela, pode ajudar a reparar, em parte, a
barbárie e injustiça que sofreram. Esquecer significa negar as vítimas e seu sofrimento;
o esquecimento as condena a uma segunda morte, a morte da história, e uma segunda
injustiça: a injustiça do olvido.
Antes de falar de anistia, haveria que diferenciar entre os conceitos de esqueci-
DIVULGAÇÃO
mento e perdão. Só se pode perdoar se há memória viva do acontecido. Quando se
esquece não se perdoa, simplesmente se ignora a responsabilidade do torturador e a
dor da vítima. O perdão, necessário em muitos casos, só pode acontecer como evento
político se a memória da barbárie e o sofrimento das vítimas são rememorados como
ato do presente. A anistia não pode ser esquecimento, ela poderá vir a existir como
ato político do perdão, porém e só uma vez que se restabeleça a memória de todo o
acontecido com as vítimas e as responsabilidades dos torturadores.
O tribunal de Nüremberg, ante a barbárie nazista, teve de inovar uma categoria
jurídica: os crimes contra a humanidade. Há consenso filosófico, jurídico e político de
que os crimes contra a humanidade não prescrevem no tempo nem sua responsabili-
dade fica restrita a um país. Se a tortura sistemática, em grande escala, praticada por
aparatos do Estado, não fosse considerada um crime contra a humanidade, o que mais
poderia ser considerado? A tortura, mais do que um crime político, deve ser conceitua-
da como crime contra a humanidade, por isso sua responsabilidade não prescreve.
No que se refere à abertura dos arquivos da ditadura, dois pontos estão em questão:
a justiça das vítimas; e evitar que no presente e futuro venham se repetir os atos de
tortura como estratégia de controle biopolítico. Para tanto, se requerem duas medi-
das: trazer à memória o detalhe dos fatos acontecidos para fazer justiça às vítimas,
e responsabilizar judicialmente aos torturadores pelo que fizeram. Após a sentença
judicial, se poderá falar em anistia como perdão da pena ditada pelo tribunal. Porém,
é necessário que esse julgamento aconteça para que a impunidade não perpetue a
barbárie entre nós.”
Castor Bartolomé Ruiz é graduado em Filosofia e Teologia, pela Universidade de Comillas, mestre
em História, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e doutor em Filosofia, pela
Universidad de Deusto, Espanha. Ruiz é docente do PPG em Filosofia da Unisinos.
DIVULGAÇÃO
recimento forçado constituem crime permanente, não havendo sequer que
se cogitar de sua prescrição até que sua elucidação se complete. Assim, sou
favorável, sim, à tese do ministro Tarso Genro e considero levianas e injustas
as acusações que são feitas a ele de ser movido por interesses particulares
e eleitorais. Considero o ministro Tarso Genro um verdadeiro democrata e
o parabenizo pela sua coragem em assumir publicamente este debate. Na
minha opinião, a Lei de Anistia de 1979 não foi ampla, geral e irrestrita. Se
ela propiciou o retorno de muitos exilados e a libertação dos presos políticos
(o que no contexto da época já foi um feito memorável e importante), ela
também serviu, política e historicamente, para garantir a impunidade dos
agentes do governo, pois prevaleceu até hoje a tese de que os crimes con-
tra a humanidade cometidos por tais agentes estavam inseridos na duvidosa
expressão ‘crimes conexos’, contida na lei de 1979, e que, portanto, os
seus autores também estariam anistiados. Este fato alimenta uma cultura de
violência e impunidade, que é muito forte hoje em nosso país. Muitas pes-
soas, por exemplo, acham que é perfeitamente normal que o Estado torture
e mate em sua ação policial. Basta ver, por exemplo, o que acontece hoje
contra os jovens pobres e negros da periferia carioca.
Em função disso, eu pergunto: que direito têm as Forças Armadas de man-
terem inacessíveis à sociedade brasileira documentos que contribuem para
elucidar a sua própria história? As Forças Armadas, na verdade, temem que a
sua imagem junto à opinião pública fique seriamente abalada e que, é claro,
se consubstanciem provas sólidas contra pessoas que integraram e integram
os seus quadros, muitas delas vivas até hoje. Mas é um direito do povo bra-
sileiro saber o que aconteceu, é o ‘Direito à memória e à verdade’. Como
vamos esquecer aquilo que nem sequer foi conhecido? Como vamos superar
um problema que não foi enfrentado? Como vamos anistiar quem nem sequer
foi acusado e julgado (ao contrário do que aconteceu com os militantes po-
líticos que resistiram a um governo ilegítimo e inconstitucional)? Esquecer o
que está pendente não é superar e pacificar, mas sim recalcar o que há de
pior do que se tenta fugir. Nossa sociedade violenta e desrespeitadora dos
direitos humanos está aí para comprovar isto. Esta história não tem dono, e
é direito, especialmente dos mais jovens, conhecê-la.”
José Carlos Moreira da Silva Filho é doutor em Direito, pela Universidade Federal
do Paraná. Atualmente, é professor do Programa de Pós-Graduação e da Graduação
em Direito na Unisinos, avaliador do Ensino Superior pela SESu/INEP e conselheiro da
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Solon Eduardo Annes Viola é doutor em História, pela Unisinos, onde, atualmente, é professor de História da Educação e de Direitos
Humanos e Democracia na América Latina. O pesquisador também participa da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos e
é membro do Comitê Brasileiro de Educação em Direitos Humanos.
LEIA MAIS...
>> Confira um depoimento do professor Lenio Streck sobre na edição 232, de 20-07-2007, quando, junto com o juris-
o Dicionário de Filosofia do Direito, publicado nas Notícias do ta Vicente Barreto, falou sobre Ética mundial e Direito: uma
Dia do sítio do IHU em 09-05-2006. contribuição de Hans Küng e na edição 240, de 22-10-2007
>> Confira a entrevista concedida por Alfredo Culleton à IHU falou sobre Uma crítica ao idealismo em favor de uma certa
On-Line edição 160, de 17-10-2005, junto com o historiador autonomia da política.
Nilton Mullet Pereira, intitulada Em nome de Deus: um retrato >> Confira uma recente entrevista concedida pelo professor
de época, comentando aspectos do filme apresentado no Ciclo Solon Viola à IHU On-Line número 257, de 12-05-2008, sobre
de Estudos Idade Média e Cinema, promovido pelo IHU. Outra os movimentos sociais brasileiros.
entrevista com Culleton pode ser conferida sob o título A in- >> Confira uma entrevista com o professor José Carlos Moreira
terculturalidade medieval, na edição 198, de 02-10-2006. Suas da Silva Filho sobre a criminalização dos movimentos sociais,
contribuições mais recentes à nossa publicação aconteceram publicada na IHU On-Line número 266, de 28-07-2008.
DIVULGAÇÃO
S
em ter a pretensão de julgar as atitudes da Igreja Católica ao longo dos
anos, Kenneth Serbin, Prof. Dr. da Universidade de San Diego, EUA, atua
como um observador da história. Em entrevista exclusiva, concedida por
telefone à IHU On-Line, na semana passada, ele avalia as mudanças
ocorridas no clero brasileiro, e discute questões polêmicas, como a obri-
gatoriedade do celibato e os crescentes abusos sexuais dentro da Igreja.
Entre tantas observações, Serbin ressalta uma mudança no perfil dos padres.
Segundo ele, isso está diretamente relacionado às transformações mundiais ocor-
ridas nos anos 90, e ao modelo neoliberal que pouco a pouco também vem se
proliferando pela Igreja. Padres idealistas estão sendo substituídos por jovens
seminaristas, que “percebem o fiel como um consumidor de religião”, alerta. E
afirma ainda que, diferentemente dos veteranos fundadores da Teologia da Liber-
tação, o novo clero “acredita que o trabalho do padre não é ficar todo o tempo ao
lado do povo, mas ser um exemplo para ele”.
A opção pelos pobres, assumida com tanta efervescência pelos seguidores liber-
tários, está perdendo a intensidade, alerta o pesquisador. “Não sei se essa opção
ainda vai avançar. Pelo menos não nessa linha que existiu nos anos 60. Haverá, cada vez mais, essa visão da
religião como bem de consumo. A linha da libertação vai ter de lutar para sobreviver”. A Igreja vive hoje
o que Kenneth Serbin chama de “cão-de-guarda moral”, ou seja, ela “não tem mais aquele sentimento in-
formal da época pré-conciliar, nem aquele embate frontal do período de D. Ivo Lorscheiter”. Segundo ele,
a Igreja está atuando como uma conselheira, “sem se envolver em questões sociais como antes”.
Ph.D. em História pela Universidade da Califórnia, Serbin está no Brasil, lançando seu novo livro
Padres, celibato e conflito social. Uma história da Igreja Católica no Brasil (São Paulo: Companhia das
Letras, 2008). Ele também é autor de Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na
ditadura (São Paulo: Companhia das Letras: 2001). Entre um compromisso e outro, o brasilianista nos
concedeu a entrevista a seguir.
IHU On-Line – Quais são as maiores que estão sendo cogitados no Brasil. traçado nos anos 60, momento históri-
preocupações dos que optaram por Por um lado, temos um arquétipo que co de muita turbulência, marcado por
ser padres na Igreja do Brasil? O que pertence à Teologia da Libertação,1 protestos estudantis, pela guerrilha no
eles se propõem fazer como padres? 1 Teologia da Libertação: escola importante Brasil e pelo surgimento de novas cul-
Kenneth Serbin – O último capítulo do na teologia da Igreja Católica, desenvolvida turas. Nesse contexto de mudanças,
meu livro Padres, celibato e conflito depois do Concílio Vaticano II. Ela surge na surgiu um movimento de seminaristas
América Latina, a partir da opção pelos po-
social. Uma história da Igreja Católica bres, e se espalha por todo o mundo. O te- no país, no qual padres e teólogos de-
no Brasil (São Paulo: Companhia das ólogo peruano Gustavo Gutierres é um dos senvolveram um papel muito impor-
Letras, 2008) tem como preocupação primeiros que propõe esta teologia. A Teolo- tante.
gia da Libertação tem um impacto decisivo
discutir os desafios que os padres en- em muitos países do mundo. Sobre o tema, O Rio Grande do Sul foi o centro
frentam no novo milênio. Além disso, confira a edição 214 da IHU On-Line, de 02- desse movimento que se chamava
apresenta os dois modelos de padres 04-2007, intitulada Teologia da libertação.
(Nota da IHU On-Line)
A
pesar de se tratar de uma obra de cunho doutrinário, Regina Schöpke
mais complexa do que isso.
vê como mérito de Gilbert Keith Chesterton, no livro Ortodoxia (São
IHU On-Line - O senhor diz que “so- Paulo: Mundo Cristão, 2008), o fato de “ter idéias próprias e, sobretu-
mente olhando para o passado é que do, convidar a todos para um diálogo franco e aberto, ainda que ele
a Igreja vai se preparar para o fu- não possa fugir completamente de um certo dogmatismo”. Ela ainda
turo”. Nesse sentido, que aspectos ressalta a disposição do autor para combater o materialismo e a ciência, “num
devem ser resgatados para projetar tempo em que poucos tinham coragem para isso”. Segundo ela, “nesse combate,
um futuro melhor para a Igreja? Que suas armas são as idéias, o que também deve servir de exemplo para os nossos
futuro podemos esperar para a Igre- contemporâneos, numa sociedade em que renascem certos fanatismos sangui-
ja nos próximos anos, especialmente nários que costumamos julgar um vestígio sombrio do nosso passado”. Regina
na América Latina e no Brasil? lembra também que, para Chesterton, “a alegria é a expressão mais viva de uma
Kenneth Serbin – A Igreja precisa re- fé autêntica e incondicional, que se baseia na certeza de um sentido para a sua
cuperar esse espírito do Concílio, va-
existência e para a do mundo”.
lorizar o diálogo com outras crenças,
Regina Helena Sarpa Schöpke é doutora em Filosofia, pela Unicamp, mes-
filosofias, e aprender que o mundo é
plural. O problema da Igreja na Améri- tre em Filosofia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e em História
ca Latina é que ela sempre foi um mo- Medieval, pela Universidade Federal Fluminense. É tradutora, resenhista dos
nopólio. Hoje isso está mudando, pois jornais O Globo e O Estado de S. Paulo e autora do livro Por uma filosofia da
o continente está mais democrático e diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade (São Paulo: Edusp/Rio de Ja-
pluralista. A Igreja tem de se adaptar neiro: Contraponto, 2004).
a essa situação. Temo que, se ela não
recuperar esses aspectos, poderá cair
IHU On-Line - Qual o interesse em modo geral, é que elas são extrema-
na irrelevância. Além disso, a Igreja
publicar Ortodoxia, 100 anos de- mente dogmáticas e se fecham para
deve valorizar mais a cultura brasilei-
pois do lançamento da obra? Qual a reflexão mais ampla. O mérito de
ra e seu povo. A própria América Latina
a atualidade do livro? Chesterton, nesse caso, é ter idéias
vive uma sensação de inferioridade. A
Regina Schöpke - Primeiramente, é próprias e, sobretudo, convidar a to-
Usmas, nesse sentido, queria valorizar
preciso que se diga que os bons li- dos para um diálogo franco e aberto,
o país e o que é brasileiro na tradição
vros são sempre atuais, e os maus li- ainda que ele não possa fugir com-
católica, construindo uma formação ge-
vros já nascem “mortos”. A força da pletamente de um certo dogmatis-
nuinamente nacional. Esse é o desafio.
arte e da filosofia reside justamen- mo. Afinal, a despeito de todo o seu
te no fato de que, embora criadas, humor e leveza, ele também acre-
LEIA MAIS... elas entram numa espécie de devir dita (como todo espírito religioso)
>> Confira outra entrevista concedida por eterno, podendo ser atualizadas em ter atingido uma verdade que exclui
Serbin à IHU On-Line, e artigos publicados nas
qualquer tempo e lugar. Nenhuma todas as outras alternativas. Ele é
Notícias do Dia. O material está na nossa página
eletrônica www.unisinos.br/ihu. pessoa com amor pelo conhecimen- um homem de fé, antes de qualquer
Entrevista: to questionaria a publicação de uma outra coisa. Não deixa, no entanto,
* Dom Ivo Lorscheiter morreu. Ele foi um gigante
obra de Platão ou de Aristóteles e, de ser digna de admiração a sua dis-
da esperança. Entrevista especial com Irmã Lour-
des Dill e Kenneth Serbin, de 05-03-2007, publi- no entanto, quase 2.500 anos nos posição para combater o materialis-
cada nas Notícias do Dia. separam deles. Com relação à Orto- mo e a ciência, num tempo em que
doxia, a questão não é muito dife- poucos tinham coragem para isso.
Artigos:
* CF 2007 – Um documento que recupera o ativis- rente. Trata-se de um livro original, Nesse combate, suas armas são as
mo do catolicismo libertário, de 25-02-2007; concordemos ou não com as idéias idéias, o que também deve servir de
* Concordata. Quando o Estado disse amém, de
de Chesterton, sejamos ou não cris- exemplo para os nossos contemporâ-
13-05-2007;
* Os bastidores de uma paróquia nos EUA. Uma tãos. No fundo, o maior problema neos, numa sociedade em que renas-
religião patriótica que não criará revoluções, de das obras de teor religioso ou polí- cem certos fanatismos sanguinários
20-04-2008.
tico, das obras doutrinárias de um que costumamos julgar um vestígio
Juliana Krapp
POR ANDRÉ DICK
A poeta Juliana Krapp nasceu no / mas isso tudo é como nós dois, / na são íntimas é tão surrado reconhecer
Rio de Janeiro (RJ), em 1980. Ainda Cinelândia, às cinco horas / de uma / nas paredes que a única proprieda-
inédita em livro, já publicou poemas tarde de verão, com uma / caixa de de possível / é a fuga e mais ainda
nas revistas Inimigo Rumor (RJ), Poe- alfajores e vontade de café, quando o sono profundo”. O corpo, ao mes-
sia Sempre (RJ) e Modo de Usar & Co. / há no ar algo de concha, / estira- mo tempo, sustenta um desconforto
(SP) e no site Germina (www.germina- mento, zona cega: a experiência / do que se refere à perda: “nele a ossa-
literatura.com.br). Na área acadêmi- precipício”. Nesse sentido, ela parece tura se escancara a ponto de romper
ca, por sua vez, graduou-se em Jor- ter uma leitura muita apurada de uma / com um estrondo a própria voz / e
nalismo e é mestre em Comunicação conterrânea, Ana Cristina Cesar, que seu olhar apenas lembra / dobradiças,
Social, pela Universidade do Estado elaborava uma poética baseada numa rosetas / cremones / e toda a sorte /
do Rio do Janeiro (UERJ). Além disso, certa melancolia. de ferragens maliciosas”. Há uma sen-
participa do grupo CAC (Comunicação, sação, sempre, de que o corpo pode
Arte e Cidade), também do Rio. Onirismo e tempestade da natureza trazer consigo a autodestruição, mas
Não há dúvida, quando se lê seu também a liberdade, como se mostra
trabalho, de que ele traz uma sensa- Juliana costuma encadear seus po- claro no final do poema como “Per-
ção de originalidade, no que se refere emas com um pensamento ora suces- manência”: “[...] o corpo / que não
sobretudo ao encadeamento de idéias, sivo — em que a sintaxe desempenha sobe, apenas / fica, margeado / por
à escolha vocabular e ao ritmo implíci- papel essencial para costurar as diver- uma linguagem irrespirável, esperan-
to, pois Krapp dificilmente faz uso de sas imagens —, ora fragmentado, in- do / o último canto do canário belga
rimas. Percebe-se uma leitura, em sua terrompido, descontínuo — conferin- / às quatro da tarde, o coração / en-
obra, sobretudo dos poetas simbolis- do ainda mais sensação de vertigem, rodilhado em matizes / de um passeio
tas, mais sugerindo do que revelando como em “Enseada”: “nessa praia / as no lago”. O silêncio parece cada vez
os objetos, como desejava o francês ondas enevoadas arrebentam o branco mais presente, mas, ao mesmo tempo,
Stéphane Mallarmé. Mas a paisagem, / os barcos / desabotoam a precisão interrompido pela tempestade da na-
situada por alguns elementos que se das linhas / e as ilhotas, desgrenha- tureza (“somente as ventanias são de
referem a precipícios, montanhas, das / atracam viscos de luz”. Desse fato enamoradas / e apenas nelas ali-
águas, rochedos, vegetações, corren- modo, ela lida, em todos os poemas jam-se / as imundícies mais profundas
tezas, fala muito da cidade em que que publicou até agora, uma sensação / como somente os ramos / estralha-
Krapp mora, o Rio de Janeiro. No en- de perda. Mas não se trata de uma çam-se e engravidam-se / num único
tanto, ela troca o calor e a paisagem perda de algo passado, e sim de uma carretel de músculos em escombros”)
maravilhosa — traços bastante referi- perda presente, que parece ser senti- e pela presença de animais, como o
dos em poetas da cidade — por uma da apenas quando o texto é escrito, o gato, que corresponde, para a autora,
espécie de cortina de névoa, em que que confere uma lacuna que remete a à morte. Desse modo, ao mesmo tem-
as ações de pessoas, às vezes envolvi- um onirismo, remetendo ou a lugares po em que Juliana foca o aprazível,
das por um momento alegre, são sem- abertos (como campos) ou fechados o leitor é situado num ambiente de
pre despistadas por uma sensação in- (quartos, casas, lugares reclusos em desconforto e mudança, como se per-
cômoda de vertigem, como se percebe geral): “uma casa / / requer formas cebe também no poema inédito, sem
no poema “A estrutura íntima das ho- como dormideiras / que se recolhem título, que ela enviou especialmente
ras”: “Você, ao volante, não percebe à carícia quando todas as carícias / à IHU On-Line.
36 SÃO LEOPOLDO, 11 DE AGOSTO DE 2008 | EDIÇÃO 268
Uma voz interior
que dissesse: as amuradas, as inundações
Não sei se a quero ou se ela apenas desliza
rumo às placas tectônicas
não em off, mas
desmesurada
Seu destino
é habitar o fosso
onde o capim cresce e esperneiam
os monstros sinuosos (também deles
é o mundo)
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponí- consumo e pós-consumo”, defende a socióloga.
veis nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.unisinos.
br/ihu) de 04-08-2008 a 09-08-2008. “A anistia não pode significar esquecimento”
Entrevista com Augustino Veit
Confira nas Notícias do Dia 07-08-2008.
A reabertura do caso Angelelli, bispo assassinado pela Para o advogado, não abrir os arquivos da ditadura torna
ditadura militar argentina o povo brasileiro carente da sua própria história.
Entrevista com Washington Uranga
Confira nas Notícias do Dia 04-08-2008 Referendo na Bolívia: uma solução para crise?
Hoje, há 33 anos, Enrique Angelelli, bispo de La Rioja, Entrevista com o deputado federal Dr. Rosinha.
Argentina, militante dos direitos dos pobres, morreu Confira nas Notícias do Dia 08-08-2008.
num acidente que nunca foi esclarecido. Acidente ou Para o integrante dos Observadores do Mercosul, a aprovação
assassinato? O jornalista argentino comenta a reaber- do referendo na Bolívia, ou seja, a aprovação pelo povo bo-
tura do caso. liviano da continuidade de Evo Morales à frente do país, pode
amenizar a crise política boliviana.
Encruzilhada Natalino, 30 anos. O nascimento de um
acampamento O agronegócio é um grande problema
Entrevista com Antonio Cechin Entrevista com Iara Pietricovsky
Confira nas Notícias do Dia 05-08-2008 Confira nas Notícias do Dia 09-08-2008
Há 30 anos surgiu o acampamento de Encruzilhada Na- Para a cientista política, a Rodada Doha foi um sucesso
talino. “Para as Comunidades de Base que pariram o exatamente pelo fato de o governo brasileiro não ter
MST, Encruzilhada Natalino representou o demonstrativo chegado a um acordo com a União Européia, os Estados
para a Igreja e a Sociedade de que ‘tinham vindo para Unidos e o Japão.
ficar’”, afirma Antonio Cechin.
Análise da Conjuntura
Consumo sustentável. O que é isso?
Entrevista com Lisa Gunn. A Conjuntura da Semana está no ar. Confira no sítio
Confira nas Notícias do Dia 06-08-2008 do IHU — www.unisinos.br/ihu, no dia 05-08-2008.
“O/a consumidor/a precisa cobrar das empresas das
A análise é elaborada, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores
quais está acostumado a consumir as informações so- - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, em fina sintonia com o IHU
cioambientais do processo produtivos e também do pré-
acesse
www.unisinos.br/ihu
38 SÃO LEOPOLDO, 11 DE AGOSTO DE 2008 | EDIÇÃO 268
SÃO LEOPOLDO, 11 DE AGOSTO DE 2008 | EDIÇÃO 268 39
40 SÃO LEOPOLDO, 11 DE AGOSTO DE 2008 | EDIÇÃO 268
Agenda da Semana
Confira os eventos dessa semana, realizados pelo IHU.
A programação completa dos eventos pode ser conferida no sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu).
Dia 13-08-2008
Dia 18-08-2008
Encontros de Ética
O jogo digital nos processos de ensino aprendizagem de língua
portuguesa: um estudo através das seqüências narrativas
Palestrante: MS Vanessa Doumid Damasceno
Horário: segunda-feira, das 17h30min às 19h
Local: Sala 1G119 — Instituto Humanitas Unisinos — IHU
E
m plena era digital, os jogos virtuais não servem apenas para entreter, mas,
também, para educar. A inserção desta metodologia nos processos de apren-
dizagem impulsiona o interesse e a motivação dos alunos pelo conteúdo das
aulas, evitando, assim, a evasão escolar. Segundo a Profa. MS Vanessa Doumid
Damasceno, em entrevista concedida por e-mail à revista IHU On-Line, qual-
quer jogo que tenha como enfoque a cooperação pode ser adotado como metodologia
de ensino. No entanto, é o Role Playing Game, o RPG, que surge como uma das ferra-
mentas virtuais mais utilizadas no processo de ensino. Isso “porque o jogador, além de
desempenhar bem seu papel na aventura, precisa ter muita responsabilidade, cumprir
regras, cooperar com o grupo e ainda manter a seriedade no jogo”. Para Vanessa, que
estará no Instituto Humanitas Unisinos — IHU, no dia 18 de agosto, para discutir o tema
O jogo digital nos processos de ensino aprendizagem de língua portuguesa: um estudo
através das seqüências narrativas, no evento Encontros de Ética, esses quesitos todos
são importantes na formação do caráter do indivíduo.
Vanessa Doumid Damasceno possui graduação em Letras, pela Universidade Católica
de Pelotas (Ucepel), e mestrado em Lingüística Aplicada, pela Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Unisinos). Atualmente, integra o corpo docente da Escola de Ensino
Fundamental Mario Quintana, em Pelotas, onde também é professora de cursos prepa-
ratórios para concursos, revisora no Profícere e palestrante na Microlins.
IHU On-Line - Seus estudos têm como IHU On-Line - Além do RPG, que ou- é competir, o fundamental é cooperar”
objetivo apresentar o jogo num am- tros jogos virtuais podem ser adota- e, com isso, propõe um novo paradigma
biente digital, possibilitando o ensino- dos como metodologias de ensino? para os jogos. Nesse novo enfoque, a vi-
aprendizagem de língua portuguesa De que forma estes ambientes refle- tória pode (e deve) ser alcançada quan-
através da narrativa. Qual a eficácia tem no desenvolvimento humano, do do um jogador ajuda o outro a vencer,
desta proposta, em comparação a um ponto de vista biológico e cultural? para que ambos possam vencer juntos.
processo tradicional de ensino, que Vanessa Doumid Damasceno - Qual- Nos jogos tradicionais, derivados dos
não utiliza jogos virtuais? quer jogo que tenha como enfoque a esportes, o enfoque é competitivo, ou
Vanessa Doumid Damasceno - Um dos cooperação pode ser adotado como me- seja, para haver vitorioso, tem de ha-
assuntos mais discutidos em educa- todologia de ensino. Pois o “jogo pelo ver um derrotado. Se admitirmos que
ção, atualmente, é como aumentar o jogo” não traz resultados positivos para situações vividas por um indivíduo em
interesse dos alunos e evitar a evasão a educação. Determinados jogos podem um jogo refletem o comportamento
escolar. O uso de jogos virtuais, como promover, junto com a motivação e a dele na vida ou vice-versa, esse com-
estratégia de ensino, é extremamente aquisição de conteúdo, algumas atitu- portamento “competitivo” durante o
eficaz para o aumento da motivação des não desejadas pelos professores, jogo não pode ser considerado educa-
dos alunos e uma poderosa ferramenta como a competitividade excessiva. Fá- tivo. Os professores necessitam, cada
do professor para o processo ensino- bio Brotto, em seu livro Jogos coopera- vez mais, de estratégias motivadoras, e
aprendizagem. Além disso, os jogos de tivos,1 preconiza que, “se o importante lo: 1999, Projeto Cooperação Editora. (Nota da
IHU On-Line)
RPG são essencialmente cooperativos. 1 Brotto, Fábio. Jogos cooperativos. São Pau-
E
m continuidade ao evento O capitalismo visto pelo cinema, o
IHU On-Line - Como a senhora defi- Centro de Apoio e Pesquisa aos Trabalhadores (CEPAT) exibirá
ne a crise da representação que os o filme Tucker — Um homem e seu sonho. A obra, de 1988,
meios digitais permitem, conforme
dirigida por Francis Ford Coppola, será exibida e debatida no
apontado nos seus estudos?
dia 16 de agosto, sob a perspectiva do capitalismo concor-
Vanessa Doumid Damasceno - O ad-
rencial (mercado e Estado).
vento da tecnologia digital cria um
Além de proporcionar uma reflexão acerca do atual contexto de so-
corte epistemológico. É uma crise da
representação que os meios digitais ciedade, embasado na lógica capitalista, o objetivo do evento é identifi-
permitem. Isso se chama de corte car os códigos usados em cada um dos filmes que serão exibidos, estabe-
epistemológico, autorizando a criação lecendo uma relação à compreensão científica do capitalismo. Mais do
de seres absolutamente fantásticos, que isso, pretende relacionar o desenvolvimento do capitalismo com as
em que se rompe a relação de adequa- atuais formas de organização econômica e social, através dos debates.
ção com o mundo dito representacio- Com entrada gratuita, a exibição do filme será no Sindicato dos En-
nal, base para a existência de signos. genheiros — SENGE/PR, das 8h30 às 12h30. O evento é promovido em
Não se assume, na radicalidade, ain- parceria com o Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
da, esse corte epistemológico. Talvez
essa seja a razão pela qual jogar RPG A realidade da proteção social e previdenciária dos
é questionável pela cultura do adulto.
Penso que, para haver a ruptura epis- trabalhadores do Vale do Sinos em debate
temológica que o mundo dos games
exige, seja necessário trazer o elemen- No dia 13 de agosto, o Instituto Humanitas Unisinos — IHU dá conti-
to de uma estética que desconstrói o nuidade ao evento Conversas sobre o mundo de trabalho e a vida dos tra-
analógico — trata-se, possivelmente, balhadores: as políticas de trabalho, emprego e renda na região do Vale
da estética contemporânea. Nela, vê- dos Sinos. Desta vez, o tema será analisado sob a perspectiva da proteção
se a possibilidade do imaginário que social e previdenciária dos servidores. Entre os debatedores, que estarão
os games solicitam, em nosso entendi- provocando uma análise reflexiva sobre o assunto, está a professora e es-
mento. A criança e o adulto que estão pecialista em Direito Previdenciário Rosângela Maria Herver dos Santos,
expostos a um cotidiano da estética integrante do corpo docente da Unisinos, no curso de Direito, e membro
contemporânea por certo terão uma da Comissão Municipal de Emprego e Renda de São Leopoldo.
atividade e julgamento favoráveis ao Ao conversar por telefone com a revista IHU On-Line, Rosângela sa-
que os jogos eletrônicos lhes solicitam. lientou que o número de pessoas que, por motivo de doenças crônicas
É importante afirmar que a compreen- e irreversíveis ou pela falta de oportunidades no mercado de trabalho,
são da cultura infantil dos games exi- cresce constantemente. Diante desta situação, “faltam medidas assis-
ge sua vinculação à estrutura familiar, tenciais para quem deixa de contribuir com o Instituto Nacional de Se-
à arte contemporânea e à tecnologia guridade Social (INSS), devido às circunstâncias apontadas acima”, diz
digital. Os games pressupõem, do pon- ela. Durante o evento, a professora irá abordar o reflexo desta situação,
to de vista do usuário, uma profunda para a população mais carente, que sofre com o desamparo previden-
transformação da estrutura familiar ciário. “Ao deixarem de contribuir, os trabalhadores perdem o direito à
— do mundo adulto e infantil. No mun-
assistência, mas esta situação não pode continuar”, destaca.
do do trabalho, criança e jovem vão
De acordo com Rosângela, a saída para quem enfrenta esta reali-
para a rua. Ocupam os espaços urba-
dade acaba sendo a aposentadoria por idade ou, ainda, ingressar com
nos. Trata-se de uma cultura de ocu-
um processo por meios judiciais. “Muitas vezes, as pessoas acabam
pação da cidade: vitrines, vendedores
ambulantes e casas de jogos. O brincar perdendo o benefício previdenciário por causa de doenças adquiridas
surge indiferenciado entre o privado, no próprio ambiente de trabalho.” Esta e outras questões tentarão ser
a casa, e o público, a rua. respondidas no evento, que será realizado na sala 1G119, junto ao Ins-
tituto Humanitas Unisinos — IHU, das 19h30 às 22h.
S
imples e elegante. Estas palavras mostram um pouco da per-
sonalidade de Iolanda Gomes, 60 anos, o Perfil Popular desta
semana. Em visita à redação da revista IHU On-Line, ela des-
tacou que um dos princípios que seus pais lhe transmitiram
e que ela honra até hoje é a honestidade. A vida em São
Leopoldo, sua cidade natal, foi simples. Filha única, Iolanda não teve
muitos amigos, quando era criança. Ela conta que fez amigos no grupo
de Economia Solidária Magia do Encanto, também de São Leopoldo, do
qual faz parte há um ano. O trabalho foi uma das maneiras que ela en-
controu para se distrair, depois que ficou viúva, há dois anos. Conheça
um pouco mais da história de Iolanda Gomes:
A cidade de São Leopoldo, na região sino Médio. “Se eu fosse mais nova, vol- muito triste, depois da morte do meu
do Vale do Rio dos Sinos, é o município taria a estudar. Gostaria de ser juíza.” marido. Não sabia que rumo tomar.”
de origem de Iolanda Gomes, dona de Na trajetória profissional, Iolanda tem Foi através de uma amiga que Iolanda
casa, 60 anos. Filha dos operários Ger- uma breve passagem, de dois meses, conheceu o trabalho desenvolvido no
vázio Martins Lucas e Maria Célia Lu- no escritório das Lojas Pernambucanas, grupo, “uma forma que achei de não
cas, Iolanda conta que sua família era quando estava com 16 anos de idade. pensar no problema e me distrair.”
muito simples, mas lhe ensinou a cres- “Como eu era filha única, minha mãe Nesta atividade, o foco de Iolanda é a
cer com dignidade. “Ser honesta. Esta dizia que eu não iria servir de escrava culinária. É ela quem prepara os pas-
foi o principal valor que meus pais me para os outros, trabalhando em firmas.” téis de forno comercializados nas feiras
passaram.” Filha única, Iolanda não Iolanda conta que sempre ficou em casa, de Economia Solidária. “Me sinto muito
teve muitos amigos, quando criança. e é dona de casa até hoje. Aos 24 anos, feliz no grupo. Encontrei amigos que,
Aliás, esta, foi uma fase da vida que casou e começou a construir a sua fa- durante a infância, não tive.”
ela não pôde desfrutar. “Naquela épo- mília. O marido, Mário Gomes, também Atualmente, Iolanda mora no bairro
ca, tu estudavas pela manhã, teus pais achava que a mulher não era para o lar, Campina, em São Leopoldo. Ela conta
trabalhavam fora e, à tarde, tu tinhas mas, sim, para trabalhar. O casamento, que, nos momentos de folga, dispensa
que fazer a lida da casa. Não tinha que durou 33 anos, foi interrompido em badalações. “Não gosto de bailes, nem
muita chance de brincar.” Filha única, 2006, com a morte do esposo. de cinema. Sou muito de ficar em casa,
Iolanda lembra que seus pais não lhe Da união, ficou um único filho, o Má- mas gosto muito de ir à Igreja. Sou ca-
deram todo o carinho que ela gostaria rio Gomes Júnior, que está com 29 anos. tólica praticante.” Sobre a política bra-
de ter recebido. “Às vezes, fico pen- “Meu filho é a minha vida. É o que me sileira, Iolanda acredita que há muita
sando que me faltou isso na infância. restou. Minha família é o meu filho, a corrupção. No entanto, “não podemos
Eles eram muito antigos e também não coisa mais importante que tenho.” De- generalizar; ainda há políticos bons.
tiveram esse carinho, por isso não po- pois que ficou viúva, Iolanda precisou Não estou muito satisfeita, assim como
diam me dar.” de algo que pudesse servir como distra- muitos brasileiros”. Na opinião dela,
O gosto pelos estudos era intenso, ção. E encontrou. Há um ano, faz parte há muito para mudar no país, e esta
durante a juventude. No entanto, por do grupo Magia do Encanto, baseado mudança depende do povo, “porque
falta de incentivo do seu pai, ela cursou nos princípios da Economia Solidária. somos nós quem escolhemos as pessoas
apenas até a 2ª série ginasial, hoje, En- “Para mim, foi uma terapia. Eu estava para governar”.
O
interesse pelo idioma inglês acompanha Adriana
violência e vários estudos têm demonstrado grande re-
lação nas causas da violência com a ausência da figura Karnal, 38 anos, desde a infância. Aos 16 anos, a
paterna na estruturação dos sujeitos. Ótima leitura, língua passou a ser encarada como profissão, quan-
adorei. Obrigado por me enviar. Abraço.” do ela começou a dar aulas de inglês em cursinhos.
Rochele Sachet, membro da Fundação de Assistência Social No ensino superior, a opção foi pela faculdade de
da Prefeitura Municipal de Caxias do Sul. Publicidade e Propaganda, cursada na Unisinos. No entanto,
a passagem por esta área foi muito breve, e Adriana decidiu
>> “Recebi pelo correio a revista com as várias entre- que seria, mesmo, professora de inglês. Em 2003, ela ingressou
vistas e fiquei muito bem impressionada com o traba- na Unisinos, como docente, no Unilínguas, instituto de idiomas
lho que vocês conseguiram fazer. Não sei como se dá a da universidade. Hoje, ela também leciona na área de inglês
distribuição da revista, mas seria bem interessante pela técnico para os cursos de engenharia e para as áreas de admi-
temática que pudessem fazer circular junto aos PPG’s de
nistração, nos cursos de Gestão e Comércio Exterior. Em entre-
Política, Antropologia ou História aqui da UFRGS ou mes-
vista à IHU On-Line, ela destacou aspectos marcantes da sua
mo da PUC, pois o material está muito bom. Abraço.”
Maria Izabel Noll, professora e coordenadora do PPG em trajetória de vida e, ainda, elogiou o governo Lula.
Ciência Política da UFRGS, entrevistada na IHU On-Line
número 264, de 30 de junho de 2008, cujo tema de capa é A
BRUNA QUADROS
crise gaúcha. Algumas reflexões críticas.