Abiografianahistoriografia Corrigido
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E A ESCRITA DA HISTÓRIA.
Nesse contexto, procuramos traçar um percurso que tem sido percorrido pelo
gênero biográfico na escrita da história. O moderno regime de historicidade abriu
possibilidades para figuras plurais. A linearidade postulada pela biografia clássica já não
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será considerada intocável. O fato de se considerar o homem como fundamentalmente
plural, mantenedor de vínculos diversos, modificaram a abordagem do gênero biografia
ao homem comum. Durante muito tempo as biografias eram dedicadas a homens
ilustres. A escola dos Annales vai contribuir muito para que uma mudança dessa lógica.
No entanto, o gênero biográfico se viu deslegitimado, por razões ao mesmo tempo
epistemológicas, e de intenção democrática. Com o "retorno" da biografia os anônimos
na história tem encontrado um lugar. O fato de se considerar o homem plural,
mantenedor de vínculos diversos, modificou consideravelmente a abordagem do gênero
biográfico.
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Marcel Mauss (2003) desenvolveu o pensamento de que existe a necessidade de
uma ciência exata do indivíduo, e de uma fenomenologia da pessoa. No entanto, a sua
noção de "pessoa", e "eu", estão ligadas diretamente a um conceito civilizacional
especifico, o das civilizações ocidentais.
Para Lucian Fevre (1956) o sujeito seria resultado dos suportes linguístico,
conceitual e afetivo. O indivíduo é aquilo que lhe permitem ser, a sua época, e seu meio
social. Portanto, a biografia só é pertinente a títulos e de ilustração das categorias que
determinam o curso. O contexto prevalece, e dele o indivíduo é mero reflexo. A
legitimação do discurso biográfico por seu valor é como exemplo de um meio mais
amplo ou de um momento único, comum entre historiadores biográficos.
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Dosse (2009) dá vários exemplos de biografias aonde esse discurso foi válido. O
que o historiador procura: seu tema é o contexto histórico em si, e não o indivíduo
biografado. Através de percursos singulares fazemos um estudo do período, das
relações, das mentalidades, do sistema de valores. Esse é o ponto de vista modal por
meio do qual o historiador procura acompanhar o itinerário do indivíduo e dar conta de
toda uma categoria social. Essas biografias tem o mérito de conservar a tensão, da
própria história, entre a coerência de um destino individual e sua ancoragem na
sociedade. O que não quer dizer que o contexto seja rígido, coerente e imóvel aonde os
destinos individuais não atuem sobre ele, nem o modifiquem.
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Em 1947, o escritor lançou uma biografia que exemplifica bem uma exaltação
do sujeito capaz de subestimar as variadas formas de condicionamento de sua liberdade.
O percurso que ele retrata do poeta Charles Baudelaire parte de uma escolha de uma
brecha fundadora. Sartre, por seu namoro com o Marxismo, reavaliava mais tarde o
peso das condições objetivas e históricas que afetam o destino das pessoas, bem como o
significado das situações concretas capazes de, frequentemente, impor limites estreitos a
liberdade individual.
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possibilidade de ler uma sociedade através de uma biografia. Ele pensa que cada ação
individual é uma forma de totalização de um sistema social e faz com que este último se
torne mais inteligível. Jean-Pienne Rioux percebeu nossa paixão por relatos de vida e o
retorno do sujeito após um longo eclipse ao peso das estruturas. No entanto, é preciso
utilizar certo número de regras do ofício do historiador na abordagem do novo material.
Além disso, é necessário cruzar fontes orais e documentos escritos. A ânsia pelo
discurso do vivido nos anos 1970 e 1980 colocou em xeque a questão da autenticidade.
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Após o lançamento da revista dos Annales pelos historiadores Lucian Febvre e
Marc Bloch, a história das mentalidades passou a favorecer o caráter impessoal, não
percebido, que regula as práticas sociais, enfatizando a dimensão de ordem psicológica.
Há uma percepção de que a opção pelos fenômenos de massa diminui o peso dos
indivíduos na História, privilegiando o jogo das forças coletivas em detrimento do papel
dos indivíduos. O marxismo também não reservou às lógicas individuais, um lugar
significativo. François Dosse criticou esse tipo de escrita, pois à medida que os
historiadores atribuem a esta, ou aquela sociedade, uma determinada mentalidade,
correm o risco de perpetrar gerações abusivas ao minimizar as múltiplas variantes
individuais. A escola dos Annales também contribuiu para uma mudança da lógica da
escrita de biografias, que privilegiava homens ilustres e passou a abranger também
homens comuns. Com o "retorno" da biografia os anônimos da história tem encontrado
um novo lugar.
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Outro tipo de biografia é o enfoque de vidas que continuam além da morte das
personagens biografadas. Essa existência póstuma e particularmente intensa no caso dos
processos de cristalização em torno de heróis constitutivos de identidades nacionais.
Freud (1996) não quis ser biografado embora muitos de seus estudos lembrem
esboços biográficos. O que Freud ensina aos biógrafos é toda uma sintomatologia,
segundo a qual os fatos não falam por si mesmos, mas são tomados numa sequência
significativa, de sorte que o cotidiano diz mais que as fases da crise. Freud conforta o
historiador ou o biógrafo em sua tentativa de deslinearizar o tempo, de romper com as
visões teleológicas, a fim de captar as descontinuidades temporais, o fenômeno
posterior, portanto, à heterocronia do psiquismo. De toda forma é preciso ter cautela,
pois esses esquemas reduzem a singularidade de cada um a partir de uma tipologia. E
sabemos que nem todos se encaixam nesses arquétipos.
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Para Alain Buisine (1991) não existe um método único para redigir a biografia
de um autor. “Para cada escritor é preciso inventar uma forma nova e específica de
biografia”. O enfoque muda conforme o biografado, escolhendo arbitrariamente seu
“biografema”. Procurou romper a continuidade casualista de uma narrativa sequencial
da existência, segundo uma perspectiva teleológica. Ele fez uma biografia de 24 horas
de Marcel Proust. Há nesse caso uma tensão entre ficção indispensável e veracidade
controlada dos elementos de informação utilizados.
Outra biografia; agora de Alain Buisine, sobre Paul Verlaine, escolheu uma
postura inteiramente diversa, que é a do retrato do poeta, de seu corpo. Trouxe um
biografema significativo e procurou escrever o que chama de biografia corpo gráfica.
Já a biografia de Alain Buisine sobre Pierre Loti, trabalhou com temporalidades
diferentes a fim de recuperar a contradição vivida por esse oficial de marinha que se
tornou escritor.
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dilema de todo biógrafo entre a reprodução do caráter intangível do sujeito biografado e
as mudanças que ele experimenta ao longo da existência.
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BIBLIOGRAFIA
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88, nº 4, oct.-déc. 1991, p. 8-13.
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Forense universitária, 2009.
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MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
RIOUX, Jean-Pierre. “L’ Histoire et le récite de vie”. Revue des sciences de l’homme,
n. 191, 1983.
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