Mary Lutyens - Os Anos Do Despertar

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MARY LUTYENS

KRISHNA MURTI
Os anos do despertar

Tradução
de
O ctavio M e n d e s C a ja d o

EDITORA CULTRIX
SAO PAULO
S U M Á R IO

Prefácio 9

1 Nascimento e infância 13
2 O escândalo Leadbeater 20
3 O descobrimento 31
4 Primeira iniciação 39
5 Primeiros ensinamentos 50
6 Na Inglaterra 57
7 Tutela legal 64
8 O processo 73
9 “ O Arauto da Estrela” 80
10 Dúvidas e dificuldades 88
11 Estudando para o exame 104
12 Depois da guerra 110
13 A vida em Paris 117
14 Crítico e rebelde 124
15 Apaixonado 130
16 Regresso à índia 139
17 Dificuldades em Sydney 146
18 O ponto decisivo 157
19 Inicia-se o processo 169
20 Intensifica-se o processo 176
21 O clímax do processo 183
22 Ensinando em Pergine 192
23 “ O circo itinerante” 198
24 Nitya inspira cuidados 205
25 Os apóstolos autonomeados 213
26 A primeira manifestação 221
27 O reino da felicidade 229
28 “ O Mestre Universal está aqui” 237
29 Libertação 243
30 Pronunciamentos revolucionários 250
31 O rio que se deságua no mar 255
32 “ Todos me abandonarão” 264
33 “ A verdade é uma terra sem caminhos” 272
34 A flor plenamente desabrochada 276

Pós-escrito 285
Cronologia 289
SUMÁRIO DE GRAVURAS

entre as págs.
1 O Bangalô Octogonal, Adyar, olhando para o mar. Fotografia por
cortesia de Mark Edivards 32-37
2 O Edifício da sede, visto do outro lado do rio, mostrando a casa
da Sra. Russak à esquerda, que era, então, o Bangalô Octogonal
Fotografia tirada por K em 1911 32-33
2 A figueira de Bengala em Adyar. Fotografia cedida por cortesia de
Mark Edivards 32-33
3 O pai de K, Narianiah 46-47
3 K, Sivaram e Nitya. A primeira fotografia, Adyar 1909 46-47
4 Nitya e K. Depois da primeira Iniciação, Adyar 1910 46-47
5 Chegada à Estação de Charing Cross, Londres, Maio de 1911, Nitya,
a Sra. Besant, K, George Arundale 92-93
6 A Sra. Besant, Leadbeater, Raja, ostentando as insígnias da Ordem
da Púrpura, Benares, dezembro de 1911 92-93
7 Taormina, janeiro de 1914. Em pé: George Arundale, a Dra. Mary
Rocke, Nitya; sentados: Lady Emily, K, a Srta. Arundale 106-107
8 K em Amphion, verão de 1920 106-107
9 Arya Vihara, Ojai, Califórnia,em 1924 184-185
10 Pergine, agosto de 1924. Na fila de trás: Helen, Rama Rao, Raja-
gopal, Cordes; na fila da frente: K, Lady Emily, Betty, Mary, Siva-
kamu, Malati, Ruth 184-185
11 K debaixo da macieira em Pergine, 1924 189-199
12 Chegada a Bombaim, em novembro de 1924. Nitya, a Sra. Besant, K 198-199
13 Consagração episcopal de Arundale, em Huizen, em agosto de 1925.
Da esquerda para a direita: o Bispo Mazel, Oscar Kõllerstrõm (ves­
tido de padre), o Bispo Arundale, Rajagopal (segurando o báculo),
a Sra. Besant, o Bispo Wedgwood, o Bispo Pigott 244-245
13 K falando no acampamento de Ommen 244-245
14 K no telhado do Hotel Sheraton, em Chicago, em setembro de 1926 244-245
14 K debaixo de um gobelino, no Castelo de Eerde, em julho de 1926 244-245
15 Parte de um poema escrito por K. Uma página escrita a lápis arran­
cada do seu ilvro de notas. 1927 262-263
16 K dissolvendo a Ordem da Estrela, no acampamento de Ommen, em
agosto de 1929 262-263
PREFÁCIO

Esta narrativa dos primeiros trinta e oito anos da vida de Krishna-


murti foi escrita por sugestão sua e com toda a ajuda que ele pôde
prestar-me. Não obstante, deram-me inteira liberdade para contar-lhe
a história à minha maneira; ninguém ficou espiando por cima do meu
ombro, e nem Krishnamurti nem qualquer pessoa mais chegada a ele
pediu, ou foi solicitada, para aprovar o texto. Trata-se de um relato
extremamente pessoal, que registra sua estranha educação e as muitas
fases por que passou até atingir a maturidade — suas dificuldades, suas
dúvidas, sua infelicidade, suas relações pessoais e seu despertar espi­
ritual, seguido de anos de intenso sofrimento físico. Revela, acima de
tudo, as circunstâncias em que desabrocharam os ensinamentos de
Krishnamurti e demonstra-lhe a extraordinária realização ao libertar-se
das muitas mãos que o agarravam, na tentativa de forçá-lo a assumir
o papel do Messias tradicional.
Krishnamurti pediu primeiro ao Sr. Shiva Rao, membro por muitos
anos do Parlamento hindu e que o conhecia havia mais tempo do que
qualquer outra pessoa viva, que escrevesse este livro. Aceitando a
incumbência, o Sr. Shiva Rao coligiu e ordenou grande quantidade de
documentos. Grave moléstia da vista, no entanto, impediu-o de apro­
veitar num livro o seu material. A essa altura, concordei em escrevê-lo,
e o Sr. Shiva Rao, meu amigo íntimo há cinquenta anos, entregou-me
generosamente toda a sua documentação. Mal se passou um mês nos
últimos dois anos sem que ele me mandasse da índia uma resposta às
inúmeras perguntas com que o tenho assediado. Não acredito que dois
autores tenham tido, algum dia, colaboração mais afortunada.
Minhas habilitações para encarregar-me do trabalho são o haver
conhecido Krishnamurti desde 1911, quando eu tinha três anos de
idade, o ter partilhado de muitas experiências aqui relatadas e o haver,
nos três últimos anos desse período, representado um papel em sua

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vida. Embora, depois disso, eu o visse muito pouco no correr de
muitos anos, a ausência nunca enfraqueceu a nossa amizade.
Este livro, sem dúvida, é um registro mais íntimo do que o que
teria escrito o Sr. Shiva, embora sempre tivéssemos concordado sobre
a maneira de escrever a história de Krishnamurti — deixar que ela
se desdobrasse por si mesma, sempre que possível, pelas palavras dos
seus principais personagens. Por ser uma história estranhíssima, às
vezes até quase incrível, achávamos que o seu sabor genuíno se per­
deria se fosse narrada de forma convencional. Com a apresentação das
cartas e documentos contemporâneos o leitor disporá de todos os fatos.
Esse método tem a vantagem especial de não permitir as intromissões
ou distorções que a amizade pessoal poderia provocar. Figuro na his­
tória como um dos seus muitos personagens, e o que esse personagem
pensou ou sentiu é tirado dos diários escritos na ocasião.
O Sr. Shiva Rao e eu também concordamos em que, depois de
1933, quando floresceu o ensino de Krishnamurti, este livro não po­
deria ter sido escrito da mesma maneira, pois, a partir de então, sua
vida tem sido principalmente a sua obra. Não há neste volume a in­
tenção de parafrasear ou interpretar o seu ensino atual. A única coisa
que posso fazer nesse sentido é chamar a atenção do leitor para os seus
muitos livros publicados a partir de 1934, por Gollancz na Inglaterra
e Harper & Row nos Estados Unidos (e muitos dos quais já foram
publicados em português por esta editora e pela Editora Eensamento
— N. do T .).
Só lamento não poder oferecer r qui um retrato das qualidades que
a Sra. Besant há de ter possuído para inspirar tamanha devoção em
milhares de pessoas no mundo inteiro. Se o fizesse, estaria fugindo
ao principal escopo deste livro. A lealdade foi talvez sua característica
mais notável e um conflito de lealdades lhe ensombreceu os últimos
anos de vida e fê-la parecer antes a vítima de um logro do que uma
força por si mesma. O amor que lhe votou Krishnamurti e que trans­
parece tão claramente nas cartas dele há de ter sido o melhor tributo
que ela recebeu nesse período de sua vida em que, tendo renunciado
aos seus poderes psíquicos, passou a contar com os poderes alheios,
nos quais confiava. Quanto à integridade de C. W. Leadbeater, a
pessoa de que ela mais se fiava em todos os assuntos esotéricos, não
pude ainda chegar a uma conclusão, muito embora passasse, no ano de
1925, nove meses em sua comunidade de Sydney, em contato diário
com ele. Eu então acreditava implicitamente em sua clarividência. Hoje
não a desacredito. Homem extraordinário, encantador e magnético,

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apresentava uma sinceridade que era difícil pôr em dúvida; daí que
ele continua sendo um enigma para mim.
Adeptos, Mestres e entidades espirituais altamente desenvolvidas,
como os Bodisatvas, o Senhor Maitreya, o Mahachohan e outros, en­
contram-se em todas as culturas religiosas em que se difundiram o
hinduísmo e o budismo. Os significados que lhes são dados e as
funções particulares que lhes são atribuídas variam de uma cultura para
outra. Nesta obra, seus nomes têm o sentido que lhes conferem os
teosofistas. As descrições visuais desses seres, no entanto, e a criação
por atacado de Iniciados e Discípulos de grau inferior no Caminho
do Discipulado pertencem à era em que C. W. Leadbeater exercia a
maior influência esotérica sobre a Sociedade Teosófica. Devo esclarecer
que a Teosofia em que Krishnamurti foi educado era a “ Teosofia de
Leadbeater” , hoje, se não me engano, muito desacreditada pelos teo­
sofistas, embora ainda haja uma Seção Esotérica da Sociedade.
Não há nenhuma intenção de menosprezo no fato de não se men­
cionarem pelo nome os muitos amigos de Krishnamurti que trabalharam
por ele com tanta dedicação durante o período abrangido por este
livro. Mas eu me senti na obrigação de nomear apenas os que ele
mencionou em suas cartas ou que tiveram alguma influência no curso
do seu desenvolvimento.

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NASCIMENTO E INFÂNCIA

Jiddu Krishnamurti nasceu no dia 11 de maio de 1895, na cida-


dezinha de Madanapalle, erguida nas montanhas, uns duzentos e qua­
renta quilômetros ao norte de Madrasta. Como o oitavo filho do
sexo masculino, de acordo com a ortodoxia hindu, recebeu o nome
de Sri Krishna, que também havia sido um oitavo filho. A família
Jiddu se compunha de brâmanes que falavam o télugo, e pertencia, por­
tanto, à casta mais elevada. O bisavô de Krishnamurti exercera um
cargo de responsabilidade na East índia Company e dedicara-se também
ao estudo do sânscrito; seu avô também fora homem de muito saber,
funcionário público, ao passo que o pai, Jiddu Narianiah, depois de
diplomar-se pela Universidade de Madrasta e ser nomeado funcionário
do Departamento de Rendas da administração britânica, acabou sendo
guindado, ao fim da sua carreira, à posição de Tashildar (cobrador de
aluguéis) e Juiz Distrital. De acordo com os padrões indianos, por­
tanto, a família não era pobre.
Narianiah desposara sua prima segunda, Jiddu Sanjeevamma, que
lhe deu onze filhos, seis dos quais sobreviveram à infância. Parece ter
sido um casamento felicíssimo. Narianiah descreveu a esposa como
dona de uma voz muito bonita e melodiosa, que gostava de cantar
para ele. Naquele rempo, a vida indiana era primitiva e o sistema de
castas rigidamente k ’peitado. Um escoadouro aberto, destinado a
transportar toda a água utilizada nos serviços caseiros corria ao lado
da casa em que Krishnamurti nascera; os varredores, os “ intocáveis” ,
que não pertenciam a casta nenhuma, eram os encarregados de limpá-lo.
Não se permitia que os varredores entrassem, na casa, a não ser para
recolher as águas servidas e, numa residência brâmane, nenhuma comida
poderia ser preparada, cozida ou servida por um não-brâmane; além
disso, no Sul da índia o cozinheiro era invariavelmente um brâmane

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do Sul da índia, visto que as regras da casta vedavam aos hindus do
Sul, vegetarianos rigorosos, até a ingestão de ovos. Nada havia que im­
pedisse um brâmane pobre de encarregar-se de algum trabalho doméstico
na casa de outro brâmane, embora, naturalmente, não pudesse realizar
nenhuma das tarefas que cabiam aos varredores ou castas inferiores.
Não podia haver casamento entre membros de castas diferentes e nin­
guém poderia mudar de casta a não ser numa existência futura. Os
europeus figuravam no mesmo nível dos “ intocáveis” . Sanjeevamma
jogaria fora a comida se a sombra de um europeu tivesse incidido sobre
ela e, se um inglês entrasse na casa para tratar de assuntos oficiais,
as salas por que ele passasse eram esfregadas e as crianças obrigadas a
vestir roupas limpas. Tal era o ambiente em que nasceu Krishnamurti.
Sanjeevamma teve o pressentimento de que seu oitavo filho se
notabilizaria de um modo ou de outro e insistiu em que a criança nas­
cesse na sala puja, no andar térreo, uma sala especial destinada às
orações nas casas das famílias hindus ortodoxas. Narianiah consentiu
no capricho da esposa, se bem normalmente ninguém entrasse na sala
puja à noite depois da última refeição ou de manhã antes das abluçÕes.
Só uma prima com experiência de parteira se achava presente ao
parto, que, à diferença dos outros partos de Sanjeevamma, foi rápido e
fácil. Narianiah permaneceu sentado na sala contígua com o relógio
na mão. À meia-noite e meia abriu-se a medo a porta da sala puja
para que a prima pudesse sussurrar “ Sirasodayam” , o que quer dizer
em sânscrito “ a cabeça está visível” . Para os hindus, este é o momento
preciso do nascimento, indispensável aos cálculos astrológicos. Como
na astrologia hindu o dia começa às 4 horas da manhã de um dia
e termina às 4 da manhã do dia seguinte, Krishna nasceu no dia 11 de
maio, ao passo que, pelos cálculos ocidentais, teria nascido à meia
hora do dia 12.
O horóscopo da criança foi feito no dia imediato por Kumara
Shrowtulu, um dos mais renomados astrólogos da região, o qual
assegurou a Narianiah que seu filho seria, sem dúvida, um homem
muito grande. Durante muitos anos, todavia, pareceu pouquíssimo
provável que se cumprisse a predição Todas as vezes que o astrólogo
se encontrava com Narianiah, pe guntava: “ Como vai o menino
Krishna?” E a resposta, evidentemente, nunca era muito animadora,
pois o astrólogo teimava em afiançar ao pai decepcionado: “ Espere.
Eu lhe disse a verdade; ele ainda será alguém maravilhoso e grande.”
Em novembro de 1896, Narianiah foi transferido para Cudappah,
cidade muito maior e uma das piores do distrito pela incidência da

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malária. No ano seguinte, péssimo ano de fome, o menino Krishna,
d e d o is anos de id ad e, fo i acom etid o de u m a crise tão v io len ta de
malária que ninguém dava nada pela sua vida e, conquanto Narianiah
fosse novamente transferido em 1900 para a cidade mais saudável de
Kadiri, Krishna sofreu, por muitos anos, acessos periódicos da febre
e constantes hemorragias nasais.
Em Kadiri, aos seis anos de idade, como todos os meninos brâ­
manes no início da sua educação, Krishna passou pela cerimônia do
fio sagrado, ou Upanyanam, que lhes assinala o ingresso na Brahma-
charya. Isso significa que eles assumem as responsabilidades do sacer­
dócio brâmane, eis que todo menino brâmane é um sacerdote nato.
Narianiah descreveu essa ocasião importante:
É nosso costume fazer uma festa de família, e os amigos e parentes
foram convidados para jantar. Quando todas as pessoas estavam reunidas,
banharam o menino e vestiram-no com roupas inteiramente novas — usam-
-se roupas muito ricas quando os pais estão em condições de fornecê-las.
Krishna foi trazido à sala e colocado sobre meus joelhos, ao passo que,
com a mão estendida, eu segurava uma bandeja de prata cheia de grãos
de arroz. A mãe do menino, sentada ao meu lado, tomou-lhe o dedo indi­
cador da mão direita e, com ela, traçou no arroz a palavra sagrada AUM,
que, em sua representação sanscrítica, consiste numa única letra, a letra
que, pelo som, é a primeira do alfabeto sânscrito e de todos os vernáculos.
Tiraram-me depois o anel do dedo e colocaram-no entre o dedo e o
polegar da criança, e minha esposa, segurando a mãozinha, voltou a de­
senhar a palavra traçada em letra téluga com o anel. Em seguida, outra
vez, porém sem o anel, a mesma letra foi traçada mais três vezes. Depois
disso, o sacerdote oficiante recitou mantras e abençoou o menino, para
que ele fosse espiritual e intelectualmente bem dotado. Ato contínuo,
levando Krishna conosco, minha esposa e eu nos dirigimos ao templo de
Narasimshaswami a fim de fazer nossas devoções e orar pelo êxito futuro
de nosso filho. Dali nos endereçamos à mais próxima escola indiana, onde
Krishna foi entregue ao mestre, que, na areia, executou a mesma cerimônia
de traçar a palavra sagrada. Entrementes, muitos amigos dos escolares se
haviam reunido na sala, e nós distribuímos entre eles coisas que podiam
servir de regalo para os alunos. Assim iniciamos nosso filho em sua
carreira educacional de acordo com o antigo costume brâmane.

O irmãozinho de Krishna, Nityananda, exatamente três anos mais


moço, corria-lhe empós quando ele ia à escola, em Kadiri, ansiando por
acompanhá-lo. Nitya era tão vivo quanto Krishna era vago e sonhador;
sem embargo disso, um elo muito estreito unia os dois irmãos. Krishna
voltava amiúde da escola para casa sem o lápis, a lousa ou o livro,
que dera a algum menino mais pobre. De manhã, mendigos se ache­
gavam à casa, e era costume verter certa quantidade de arroz não-fer-
vido em cada mão estendida. A mãe de Krishna mandava-o distribuir
o arroz e ele voltava sempre em busca de mais, dizendo que o des-

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pejara todo na sacola do primeiro homem. Ao entardecer, quando
Narianiah se sentava com os amigos na varanda, de volta da repartição,
os mendigos retornavam para pedir comida cozida. Nessa ocasião, os
criados tentavam enxotá-los, mas Krishna corria para dentro de casa a
fim de buscar a comida solicitada, e quando Sanjeevamma fazia doces
especiais para as crianças, Krishna ficava apenas com parte da sua
quota e dava o resto aos irmãos; apesar disso, Nitya nunca deixava
de pedir mais e Krishna nunca deixava de fazer-lhe a vontade.
Todas as noites, enquanto estiveram em Kadiri, Krishna e Nitya
iam com a mãe ao grande templo de Narasimhaswami, famoso pela sua
santidade. Krishna sempre revelou pendores religiosos e, por mais
estranho que isso pareça, uma queda para a mecânica. Um dia, quando
o pai se achava ausente, desmontou o relógio paterno e recusou-se a
ir à escola e até a comer enquanto não tornou a montá-lo. Essas duas
inclinações mais ou menos contraditórias de sua natureza, assim como
a generosidade, persistiram durante toda a sua vida.
As freqüentes remoções de Narianiah, bem como os acessos de
febre de Krishna interromperam a vida escolar do menino (durante
um ano inteiro não pôde ir à escola), de sorte que, nas lições, ele se
mostrava muito atrasado em relação aos outros garotos da sua idade.
Além disso, detestava o aprendizado livresco e era tão sonhador que,
por vezes, parecia um retardado mental. Não obstante, sabia observar
quando sentia despertado o seu interesse. De quando em quando, dei­
xava-se ficar por longo tempo observando árvores e nuvens, ou se
acocorava no chão a olhar para plantas e insetos. Essa atenta obser­
vação da natureza foi outra característica que ele conservou.
Em 1903, depois de três breves transferências, a família voltou
para a cidade infestada de malária de Cudappah, onde, no ano seguinte,
faleceu a irmã mais velha de Krishna. Narianiah registrou que sua
esposa “ ficou prostrada pela dor em virtude da morte da filha, jovem
de apenas vinte anos, altam mte espiritual, que não ligava para nada
que o mundo pudesse dar-lhe” . Foi pouco depois da morte dela que
Krishna revelou, pela primeira vez, sua clarividência. Numa dissertação
sobre a sua infância, escrita aos dezoito anos, ele diz que a mãe “ era,
até certo ponto, médium” e via com freqüência a filha morta:
Elas conversavam e havia um lugar especial no jardim a que minha
irmã costumava dirigir-se. Minha mãe sabia sempre quando minha irmã
estava lá e, às vezes, levava-me consigo ao local, e me perguntava se eu
também via minha irmã. A pergunta, a princípio, me fazia rir, mas
ela me pedia para olhar outra vez e então, às vezes, eu via minha irmã.
Depois disso, sempre pude vê-la. Devo confessar que eu sentia muito
medo, porque a vira morta e vira-lhe o corpo sendo queimado. Eu geral-

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mente me agarrava às saias de minha mãe, e ela me dizia que não havia
razão para ter medo. Eu era o único membro da família, além de minha
mãe, que via aquelas visões, embora todos acreditassem nelas. Minha
mãe era capaz de ver as auras das pessoas e eu, por vezes, as via também.

Em dezembro de 1905, quando Krishna tinha dez anos e meio e


a família ainda se achava em Cudappah, o pior dos golpes se abateu
sobre ela — a própria Sanjeevamma faleceu. Krishna escreveu nessa
mesma dissertação:
As lembranças mais felizes da minha infância giram em torno de
minha querida mãe, que dispensava a todos nós os cuidados amorosos pelos
quais são bem conhecidas as mães indianas. Não posso dizer que eu me
sentisse particularmente feliz na escola, pois os professores não eram muito
bondosos e me davam lições demasiado difíceis para mim. Eu gostava dos
jogos não muito violentos, pois tinha a saúde delicada. A morte de
minha mãe em 1905 privou-nos, aos meus irmãos e a mim, daquela que
mais nos amava e mais se preocupava conosco, pois meu pai, ocupado
demais, não podia dar-nos muita atenção... Não havia realmente ninguém
que cuidasse de nós. Em relação à morte de minha mãe, posso dizer que
a vi com freqüência depois que ela morreu. Lembro-me de que, certa vez,
subi a escada no encalço da forma de minha mãe. Estendi a mão e
pareceu-me agarrar-lhe o vestido, mas ela desapareceu assim que chegou
ao topo da escada. Até há pouco tempo, eu costumava ouvi-la atrás de
mim quando ia à escola. Lembro-me disso em particular porque escutava
o som dos braceletes que as mulheres indianas usam nos pulsos. A prin­
cípio, eu olhava para trás meio assustado, e via-lhe a vaga forma do
vestido e parte do rosto. Isso acontecia quase sempre quando eu saía
da casa.

Narianiah confirmou que Krishna via sua mãe morta:


Temos o costume de colocar, sobre uma folha, parte da comida pre­
parada para a família e depositá-la perto do lugar onde jaz a pessoa fale­
cida, e assim fizemos no caso de minha esposa. Entre as 9 e 10 horas
da manhã do terceiro dia, Krishna foi tomar banho. Entrou no banheiro
e mal despejara alguns jarros de água sobre a cabeça, quando saiu cor­
rendo, sem roupas [embora usasse uma tanga] e inteiramente molhado.
A casa em que eu morava em Cudappah era uma casa comprida e estreita,
cujos cômodos se sucediam, um atrás do outro, como os compartimentos
de um trem. Quando Krishna passou por mim a correr, vindo do banheiro,
agarrei-lhe a mão e perguntei-lhe o que acontecera. O menino disse que
sua mãe estivera no banheiro com ele e que ele, ao vê-la sair, saíra-lhe
no encalço para ver o que ela ia fazer. Eu disse, então: “Você não se
lembra de que sua mãe foi levada para o cremadouro?” “ Sim” , retrucou
ele, “ eu me lembro, mas quero ver aonde é que ela vai agora.” Soltei-lhe
a mão e segui-o. Ele chegou até o terceiro aposento e parou. Era o
lugar em que os sáris de minha esposa costumavam ser estendidos para
secar durante a noite. Krishna quedou-se a olhar, muito atento, para
alguma coisa e perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele respondeu-me:
“Minha mãe está despindo as roupas molhadas e vestindo roupas secas.”

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Em seguida, dirigiu-se para a sala vizinha e sentou-se perto da folha em
que fora colocada a comida. Fiquei ao pé dele alguns minutos e ele
contou que sua mãe estava comendo. A pouco e pouco, levantou-se,
caminhou para a escada, e continuei a segui-lo. Parou no meio da escada
e disse que já não podia vê-la. Em seguida nos sentamos ao lado um
do outro e perguntei-lhe qual era a aparência dela e se ela lhe dirigira
a palavra. Ele respondeu-me que a sua aparência era a de sempre e que
ela não lhe falara.

Após a morte da esposa, Narianiah tirou alguns meses de licença


e tornou a M ad an apalle por am or da saúde das crianças; quando voltou
ao trabalho, foi-lhe possível permanecer ali até aposentar-se. Krishna
e Nitya ingressaram ambos, no dia 17 de janeiro de 1907, na Escola
Secundária de Madanapalle, que freqüentaram até janeiro de 1909.
A uns três quilômetros, mais ou menos, da casa deles havia um
morro solitário em cujo topo se erguia um templo, e Krishna gostava
de subir até lá todos os dias depois da escola. Nenhum dos outros
meninos se dispunha a acompanhá-lo, pois era uma árdua escalada por
terreno pedregoso, mas ele insistia sempre em levar Nitya consigo.
Também gostava de ir com os amigos a piqueniques. Como o pai era
agora Juiz Distrital, posição de alguma importância, os irmãos de
Krishna entendiam que não condizia com a sua dignidade carregar a
comida até o local do piquenique; Krishna, que não dava tanta impor­
tância a si mesmo, tirava a comida das mãos dos criados e ele mesmo
a carregava.
Se bem fosse um brâmane ortodoxo, Narianiah era membro da
Sociedade Teosófica desde 1882 (a Teosofia abrange todas as religiões)
e Sanjeevamma, evidentemente, simpatizara com as idéias do marido,
pois Krishna sc lembrava dc que, tendo ficado tanto tempo em casa,
com febre, durante a infância, enquanto os irmãos estavam na escola,
ia muitas vezes à sala puja de sua mãe cerca do meio-dia, enquanto ela
executava as cerimônias diárias e lhe falava sobre a Sra. Annie Besant,
um dos vultos mais impor antes da Teosofia, muito querida na índia
em virtude do seu trabalho em prol da educação indiana. Também
se lembrava de que, nas paredes, além dos retratos das divindades
hindus, havia uma fotografia da Sra. Besant em trajes índicos sentada,
de pernas cruzadas, sobre um chowki coberto com uma pele de tigre.
Quando se aposentou, no fim de 1907, aos cinqüenta e dois
anos de idade, com uma pensão de apenas 112 rupias mensais, metade
do salário anterior, Narianiah escreveu à Sra. Besant, presidenta da
Sociedade Teosófica, oferecendo-lhe seu “ trabalho dedicado e integral”
em qualquer capacidade, em troca de acomodação gratuita para ele
e para seus filhos na sede internacional da Sociedade em Adyar, perto

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de Madrasta. Enquanto estivera a serviço do governo, explicou ele,
tivera a seu cargo uma área de mais de dois mil quilômetros quadrados,
que continha 160 aldeias, e sentia-se capaz de administrar uma proprie­
dade bem grande. Acentuou que era viúvo, tinha consigo quatro filhos,
cu as idades variavam entre quinze e cinco anos, e que, como sua única
filha se casara, não havia ninguém, a não ser ele mesmo, para cuidar
dos meninos. Sivaram, o irmão mais velho de Krishna, tinha quinze
anos. O menino de cinco, Sadanand, cinco anos mais moço do que
Nitya, era mentalmente deficiente.
A Sra. Besant recusou-lhe a oferta alegando que a escola mais
próxima distava de Adyar mais de cinco quilômetros; que isso acarre­
taria a despesa de mandar as crianças para lá de carro e que, de qual­
quer maneira, os meninos exerceriam uma influência perturbadora no
recinto. Destemido, Narianiah reiterou por mais três vezes o pedido
nos meses seguintes. Por sorte sua, em fim de 1908, um dos secre­
tários da Sociedade precisou de um assistente e sugeriu o nome de
Narianiah para o posto. Depois de conhecê-lo na Convenção Teosófica
realizada em dezembro, a Sra. Besant concordou afinal em aceitar-lhe
os serviços e, a 23 de janeiro de 1909, ele se mudou para Adyar com
quatro filhos e um sobrinho. Sivaram ingressou no Presidency College
de Madrasta, preparando-se para estudar medicina, ao passo que
Krishna, Nitya e o primo foram para a Escola Secundária Subramaniana
de Pennathur em Mylapore, percorrendo todos os dias, a pé, duas vezes
por dia, os cinco quilômetros que os separavam da escola. O pequeno
Sadanand não se achava física nem mentalmente em condições de fre-
qüentar escolas.
Como não houvesse casa disponível no interior da propriedade,
a família passou a morar numa casa de campo dilapidada nos arredores,
sem instalações sanitárias internas. A irmã de Narianiah, que acabara
de brigar com o marido, foi ficar com eles, a princípio para cozinhar
e cuidar da casa, mas parece que, sobre ser desmazelada, era péssima
cozinheira. Os meninos chegaram a Adyar em lamentáveis condições
físicas. Entretanto, nunca será demais louvar a persistência de Na­
rianiah pois, se ele não tivesse conseguido ir para Adyar, é pouquís­
simo provável que algum de seus filhos atingisse a maturidade.

19
2

O ESCÂNDALO LEADBEATER

Na ocasião em que Narianiah foi viver em Adyar, a propriedade


da Sociedade Teosófica compreendia cerca de 260 acres à margem
meridional do amplo Rio Adyar, ao sul de Madrasta, tendo um qui­
lômetro e meio de rio por divisa frontal e quase um quilômetro de
praia particular. O edifício da sede, ergue-se à beira do rio. Consiste
numa biblioteca, sala de convenções, santuário, escritórios, quartos de
hóspedes e suítes para os líderes da Sociedade, e continua virtualmente
sem qualquer modificação. O caminho que vai desse edifício direta­
mente para o mar ainda passa por um coqueiral e, mais adiante, sob
os arcos da famosa figueira de Bengala, a segunda maior figueira da
índia, para desembocar em amplo trecho de praia arenosa, onde o rio
despeja suas águas na Baía de Bengala. Com o seu perfeito clima de
inverno, poucos sítios haverá no mundo mais belos do que Adyar.
O edifício da sede foi outrora modesta casa anglo-indiana, chamada
Jardins de Huddlestone, flanqueada de dois pavilhões octogonais. Estes,
juntamente com vinte e sete acres de terra, foram comprados por 600
libras esterlinas em 1882 pelo primeiro presidente da Sociedade, o
Coronel Olcott. Pouco a pouco, adquiriram-se as propriedades vizinhas,
construíram-se casas novas e reconstruíram-se as velhas, a fim de aco­
modar o número cada vez maior de residentes e visitantes teosóficos.
Essas casas e propriedades, além de um prelo, uma cozinha comunal
hindu e uma fazendinha, fundiram-se num grande conglomerado. Até
os Jardins de Huddlestone foram tão alterados e ampliados que nada
se pode discernir da casa original a não ser os dois pavilhões.
Depois que a Sra. Besant se tornou presidenta em 1907, ani­
maram-se os membros da Sociedade a construir casas que pudessem
ocupar sempre que visitassem Adyar, ficando entendido que ela, na

20
ausência deles, poderia dispor das casas como lhe aprouvesse e que,
por morte dos construtores, os edifícios passariam a pertencer à Socie­
dade.
A Sociedade Teosófica fora fundada nos Estados Unidos em 1875
pelo Coronel Henry Steel Olcott, veterano da Guerra Civil interes­
sado em espiritualismo e mesmerismo, e pela Sra. Helena Petrovna
Blavatsky, a famosa russa, considerada pelos inimigos como refinada
impostora e adorada pelos adeptos como vidente e capaz de fazer
milagres, cujos poderes ocultos derivavam da mais alta fonte espiritual.
A Sociedade tinha três objetivos: 1. Formar um núcleo da Fraternidade
Universal da Humanidade sem distinção de raça, credo, sexo, casta
ou cor; 2. Incentivar o estudo da religião comparada, da filosofia e
da ciência; 3. Investigar as leis não-explicadas da natureza e os poderes
latentes no homem. A sede da Sociedade foi transferida em 1882 dos
Estados Unidos para o clima mais espiritual da índia, de onde a
Teosofia se espalhou com rapidez pelo mundo inteiro.
Olcott, que tinha quarenta e três anos quando a Sociedade foi
fundada, era o seu presidente, mas coube à Sra. Blavatsky, um ano
mais velha, o papel de inspiradora do seu centro oriental ou esotérico,
retirado da sabedoria antiga de várias religiões — virtualmente uma
sociedade dentro da Sociedade. E enquanto o público em geral era
persuadido a ingressar na organização externa, só os teosofistas que
pertenciam à Sociedade há mais de dois anos podiam pleitear seu
ingresso na Seção Esotérica, onde só se admitiam os que houvessem
realizado algum trabalho para a Sociedade. (Narianiah pertencia à
S . E ., como era chamada, e foi como assistente do secretário da S . E .
que pôde mudar-se para Adyar com a família.)
Inerente a este ensino interior havia a crença na evolução através
de uma série de vidas até o atingimento da perfeição suprema, quando
o ego, a alma, se liberta da roda do carma, a lei inexorável pela qual
cada um colhe o que semeia, tanto de bem quanto de mal, de uma
vida a outra. Em certa fase da evolução, o ego está pronto para entrar
no Caminho do Discipulado, que o conduzirá finalmente à condição
de Adepto e membro da Grande Fraternidade Branca de seres perfeitos
que governam e dirigem o mundo. Alguns desses Adeptos (Mestres
ou Mahatmas, como eram chamados) decidiam voluntariamente perma­
necer em forma humana a fim de auxiliar a evolução dos que acabavam
de ingressar no Caminho. Os dois Mestres que haviam tomado a
Sociedade Teosófica sob sua proteção especial, o Mestre Morya e o
Mestre Kuthumi, viviam no Tibete. Conservavam ainda os corpos
de sua última encarnação e, não tendo sido tocados por tristezas nem

21
cuidados, tinham vivido até uma idade muito avançada, embora pare­
cessem estar sempre no vigor dos anos. Esses corpos, lodavia, eram
tão sensíveis que não podiam suportar o impacto da vida no mundo
cotidiano.
O Mestre Kuthumi usava o corpo de um brâmane de Caxemira e
tinha a tez tão alva quanto qualquer europeu, olhos azuis, barba e ca­
belos castanhos, ao passo que o Mestre Morya, seu amigo íntimo e
companheiro, magnífico cavaleiro, era um rei rajaputro que possuía
um belo corpo trigueiro indiano, cabelos pretos e cintilantes olhos
negros. Antes de fundar a Sociedade Teosófica, a Sra. Blavatsky vivera
por algum tempo num mosteiro do Nepal e afirmava ter encontrado
frequentemente esses Mestres em sua forma humana. Mas não era
necessário ir fisicamente ao Tibete para vê-los; cies podiam ser visi­
tados no plano astral por seus pupilos terrenos, ou se materializavam
em suas formas etéricas para os que tivessem o privilégio de vê-los,
atravessando portas fechadas. Depois de conhecer a Sra. Blavastky, o
Coronel Olcott desenvolveu seus poderes psíquicos e, como a sua
colega, era às vezes visitado pelos Mestres ou ia procurá-los em seus
lares tibetanos.
Acima dos Mestres vinha uma hierarquia de seres gloriosos, um
dos quais é inseparável de qualquer narrativa da vida terrena de
Krishnamurti: o Senhor Maitreya, o Mestre Universal — Cristo no
Ocidente, Bodisatva no Oriente, que se não deve confundir com o
Buda, o qual, de acordo com os teosofistas, era uma entidade ainda
mais elevada. Sustentavam eles que o Senhor Maitreya se apossara
por duas vezes de um corpo humano a fim de. trazer ao mundo novos
ensinamentos num período de extrema necessidade — primeiro o de
Sri Krishna no século IV a . C . e depois o de Jesus. Não tardaria a
ocasião em que o Senhor Maitreya tomaria posse, mais uma vez, de
um veículo humano e daria uma nova religião ao mundo. Entrementes,
também vivia nos Himalaias, numa casa com um jardim maravilhoso,
bem perto das residências dos Mestres Morya e Kuthumi, num corpo
da raça céltica, com barba e cabelos de um vermelho de ouro e olhos
violeta. O corpo humano que escolheria quando fosse chegado o mo­
mento teria de ser tão sensível que lhe permitisse funcionar através
dele, porém menos sensível do que o que usava no Tibete, pois este
não teria podido sobreviver por muito tempo ao barulho e ao estresse
de uma cidade.
Em 1889, a Sra. Blavatsky dissera a um grupo de estudiosos de
Teosofia que o verdadeiro propósito de fundar a Sociedade era preparar

22
a humanidade para receber o Mestre Universal quando ele tornasse
•a aparecer na terra, e isso foi repetido mais publicamente pela Sra.
Besant em 1896, cinco anos depois da morte da Sra. Blavatsky. Os
teosofistas acreditavam também que, sempre que surgia, um grande
mestre religioso introduzia uma nova sub-raça. Desta vez seria a sexta
sub-raça da quinta raça-tronco, que se desenvolveria na Austrália. (Mais
tarde o berço dessa sub-raça foi transferido para a Califórnia.) Em
1909, numa conferência pública pronunciada em Chicago sobre o seu
tema favorito “ A Raça Futura e o Futuro Mestre” , a Sra. Besant
anunciou: “ Esperamos que Ele, desta vez, apareça no mundo ocidental
— e não no Oriente, como fez o> Cristo há dois mil anos.” Em reali­
dade, o veículo ocidental já fora selecionado na pessoa de um rapazinho
muito bem parecido e muito inteligente de treze anos, Hubert van
Hook, filho do Dr. Weller van Hook de Chicago, secretário-geral da
Sociedade Teosófica nos Estados Unidos. O menino fora escolhido pelo
colega mais íntimo da Sra. Besant, C. W. Leadbeater, durante uma
tournée de conferências pela América do Norte poucos anos antes, e
levado à Europa, onde a Sra. Besant o conhecera; quando ela tornou
a vê-lo em Chicago em 1909, ficou também tão impressionada com
ele que conseguiu persuadir a mãe do menino a deixar o marido e
levar o filho à Europa e à índia, onde ele receberia um adestramento
especial a fim de preparar-se para o seu maravilhoso destino. Nesse
ínterim, à revelia da Sra. Besant, Leadbeater já escolhera outro veículo
para o Senhor Maitreya, e Elubert logo seria posto de lado.
Charles Webster Leadbeater, C . W . L . como era chamado muitas
vezes, nascera no mesmo ano que vira nascer a Sra. Besant, 1847,
mas abraçara a Teosofia cinco anos antes. Pouco se sabe do princípio
da sua vida, a não ser que, ainda menino, foi para o Brasil, onde o pai
era empreiteiro de estrada de ferro, e levou uma vida de aventuras no
correr da qual seu pai morreu e seu irmão mais moço Gerald foi assas­
sinado em 1862 por bandidos. Voltando à Inglaterra, ingressou na
Universidade de Oxford, mas precisou abandoná-la pouco depois quan­
do, em 1866, quebrou o banco em que estava depositado o dinheiro da
família. Não obstante, conseguiu tomar ordens sacras em 1878 e
tornou-se coadjutor da igreja de St Mary, em Bramshott, no Hampshire.
O seu interesse inato pelo ocultismo foi estimulado pelos livros de A.
P. Sinnett, um dos líderes da Teosofia na Inglaterra, sobretudo The
Qccult World (O Mundo Oculto), e em 1883 ingressou na Sociedade.
Um ano depois, apresentado por Sinnett à Sra. Blavatsky, pediu para
tornar-se seu discípulo. Quando ela o aceitou, ele abandonou a Igreja,

23
fez-se vegetariano, cortou todos os elos com a Inglaterra e acompanhou-a
à índia. Afirmava que ela lhe modificara inteiramente o caráter em
sete semanas. Homem muito tímido, uma das primeiras tarefas que
ela lhe cometeu, à guisa de desafio durante a viagem para a índia,
foi carregar um urinol cheio por toda a extensão do convés principal
de passageiros, em plena luz do dia. Ele declarou que nunca mais se
incomodou com o que os outros poderiam pensar a seu respeito, o que,
a julgar pelos fatos subseqüentes, não deixava de ser verdade.
Leadbeater ficou no Oriente, a princípio em Adyar e depois no
Ceilão, nos cinco anos seguintes. Em Adyar desenvolveu seus poderes
mediúnicos e, no Ceilão, tendo-se tornado budista assim que chegou
ao Oriente, lecionou numa escola para meninos budistas pobres, fun­
dada pelo Coronel Olcott sob a égide da S . T . Em 1887, o Sr. Sinnett,
que ainda o considerava seu protegido, pediu-lhe que regressasse à
Inglaterra, a fim de ser preceptor de seu filho e de outro menino,
George Arundale, sobrinho e filho adotivo da Srta. Francesca Arundale,
uma das muitas senhoras ricas atraídas para a Teosofia. George Arun­
dale desempenharia um papel considerável no princípio da vida de
Krishna.
Leadbeater concordou com o pedido de Sinnett, mas impôs-lhe
uma condição: a de poder levar consigo, para estudar na Inglaterra,
um dos seus discípulos cingaleses, C. Jinarajadasa, que ele acreditava
ser uma reencarnação de seu irmão assassinado. No ano anterior à
volta de Leadbeater à Inglaterra, a Sra. Besant se convertera à Teo­
sofia, quando a incumbiram de escrever um artigo de crítica para a
Pall Mall Gazette sobre os dois maciços volumes de The Secret Doc-
trine (A Doutrina Secreta) da Sra. Blavatsky; mais tarde, apresentada
à autora, caiu, como Leadbeater, instantaneamente sob o seu fascínio.
Em 1890, a Sra. Besant e Leadbeater se encontraram pela primeira
vez numa reunião teosófica em Londres e, após a morte da Sra.
Blavatsky no ano seguinte, ele passou a ser a maior influência humana
na vida da Sra. Besant.
Annie Besant, que em solteira se chamava Wood, já tivera uma
carreira tempestuosa quando se converteu à Teosofia. Casada aos vinte
anos com um sacerdote da Igreja da Inglaterra, Frank Besant, irmão
de Sir Walter Besant, separou-se dele seis anos depois, em 1873,
embora isso significasse para ela separar-se do filho; tendo deixado
de acreditar na divindade de Cristo, sua consciência não lhe permitia
receber o Sacramento. Em 1876 sua filha também foi legalmente
arrancada ao seu convívio depois de um longo processo judicial, em

24
que ela dirigiu a própria defesa. 1 Dali por diante, continuou a lutar,
intransigente, pelas causas que esposara e em defesa dos princípios
que considerava vitais: a liberdade de pensamento e de expressão,
os direitos das mulheres, o socialismo fabiano, o controle da natali­
dade e os direitos dos trabalhadores nos primeiros dias do movimento
sindical. Antes da sua conversão à Teosofia, Charles Bradlaugh, o
Dr. E. B. Aveling e Bernard Shaw tinham sido seus amigos e colabo­
radores mais íntimos, e os dois primeiros provavelmente seus amantes.
(A semelhança entre Leadbeater e Shaw era impressionante, mor­
mente na velhice.) Annie Besant deve ter sido uma moça muito
bonita e durante toda a sua existência conservou um encanto extraor­
dinário. Desde o princípio da sua carreira, tanto antes quanto depois
da conversão, foi escritora prolífera e oradora vigorosa. A índia, onde
esteve pela primeira vez em 1893, veio a ser o seu lar espiritual; a
partir dessa data, nos quarenta anos que ainda viveu, dedicou sua
espantosa energia e seus talentos extraordinários ao serviço da índia
e à difusão da Teosofia pelo mundo inteiro. Mas a liberdade e o
progresso da índia eram-lhe ainda mais caros do que a Teosofia e,
em todas as esferas — educativa, social, religiosa e política — tra­
balhou pelo bem-estar da índia. Suas maiores qualidades eram a
coragem, a capacidade de resistência e a lealdade.
A coragem, a energia e o magnetismo também constituíam caracte­
rísticas notáveis de Leadbeater mas, assim como a Sra. Besant o
suplantava em assuntos que não fossem teosóficos, assim ele a eclipsava
em capacidade psíquica. Em 1895, na Inglaterra, eles realizaram juntos
investigações esotéricas no cosmo, nos primórdios da humanidade, na
química e na constituição dos elementos, além de visitarem, frequen­
temente juntos, em seus corpos astrais, os Mestres (Mestre Morya era
o guru da Sra. Besant; Mestre Kuthumi, o do Sr. Leadbeater). Des­
cobriram-se também capazes de “ ver” a vida pregressa de alguns dos
seus dedicados discípulos, bem como a sua própria e, quando verifi­
caram que eles mesmos e seus amigos tinham mantido relações íntimas
em encarnações anteriores, entraram a fazer mapas dessas vidas pas­
sadas. Nesses anos, antes do início do século, os poderes psíquicos
da Sra. Besant se achavam no auge. Aos poucos, porém, ela permitiu
que se dissipassem, à proporção que o seu trabalho em prol da índia,
para o qual acreditava ter sido dirigida por seu Mestre, a absorvia
cada vez mais, até que passou a fiar-se quase que exclusivamente de

1. Os dois filhos voltaram para ela quando atingiram a maioridade e ambos


se tornaram teosofistas. Depois da separação ela mudou a pronúncia do seu, nome
de Bezãnt para Besant.

2>
Leadbeater para as comunicações mediúnicas. Embora continuasse a
fazer conferências na Europa e na América, a índia converteu-se no
seu lar e ela sempre passava ali os meses do inverno.
Tendo granjeado grande reputação na Sociedade como escritor,
orador, clarividente e professor — principalmente de grupinhos de
meninos — Leadbeater realizou duas longas tournées de conferências
nos Estados Unidos e no Canadá entre os anos de 1900 e 1904, e
outra em Sydney em 1905, levando consigo um dos seus discípulos
ingleses favoritos e conseguindo novos na América. O escândalo em
que a Sociedade não tardaria a ver-se envolvida não poderia ter sido
grande surpresa para ele. A própria Sra. Besant ouvira, durante algum
tempo, rumores acerca de práticas imorais, que ela negara, indignada.
Desde o seu tempo de coadjutor se ouviram falatórios a respeito dele
e de alguns meninos- do coro da igreja, e dizia-se que o Sr. Sinnett
retirara o filho dos seus cuidados. Entretanto, nenhum desses rumores
ficou provado. Depois, em 1906, após o regresso de Leadbeater à
Inglaterra, o filho do secretário-correspondente da Seção Esotérica de
Chicago, menino de catorze anos que Leadbeater levara consigo a
São Francisco na primeira torurnée de conferências, confessou aos pais
a razão da antipatia que votava ao seu mentor, ao qual, a princípio,
se mostrara muito dedicado — Leadbeater incentivara nele o hábito
da masturbação. Quase ao mesmo tempo, o filho de outro funcionário
teosófico de Chicago acusou Leadbeater do mesmo delito, sem que
tivesse havido, aparentemente, qualquer conluio entre os dois meninos.
Em seguida se apresentou uma carta datilografada, sem assinatura,
sem data, cifrada, recolhida por uma suspeitosa mulher de limpeza
do chão de um apartamento em Toronto, em que Leadbeater estivera
com o segundo menino e que, segundo se dizia, fora escrita pelo ex-
-coadjutor. O código era simples e, decifrado, revelou uma passagem
tão obscena, para o tempo, que a carta, por lei, não pôde ser impressa
na Inglaterra. Decifrada, a passagem delituosa dizia: “ A sensação
prazerosa é muito agradável. Mil beijos, querido.”
Quando a Sra. Besant, na índia, soube de tudo isso, escreveu,
consternada, a Leadbeater. Ele negou a autoria da carta incriminadora,
se bem confessasse, despudoradamente, haver advogado a masturbação
como medida profilática em certos casos, como um mal muito menor
do que o trato com prostitutas ou a criminosa obsessão com pensa­
mentos eróticos. Prometeu, contudo, nunca m«is incentivar a prática
dentro da Sociedade Teosófica, não porque não acreditasse nela mas
em atenção à Sra. Besant. Ela deu-se por satisfeita e declarou aos
detratores de Leadbeater que a carta havia sido forjada.

26
Não se permitiu que o assunto ficasse nisso — o que era, aliás,
perfeitamente compreensível num período em que não somente o
público em geral abominava o homossexualismo, mas também em que
se afirmava que a masturbação conduzia à loucura. O Comitê Executivo
da Seção Norte-Americana da Sociedade nomeou uma comissão e man­
dou-a a Londres a fim de levar o caso ao conhecimento do presidente,
Coronel Olcott, que não teve outra alternativa senão pedir a Leadbeater
que comparecesse perante o Conselho da Seção Britânica para res­
ponder às acusações. Leadbeater estava disposto a atender ao convite
mas, antes da reunião no Hotel Grosvenor, no dia 16 de maio de
1906, apresentou seu pedido de demissão, no intuito de poupar um
constrangimento à Sociedade, como ele mesmo disse a Olcott. O Con­
selho instou com Olcott para que o expulsasse da Sociedade, mas
acabou concordando em aceitar-lhe o pedido de demissão, a fim de
evitar a publicidade.
Foi um choque terrível para a Sra. Besant, que não fora à Ingla­
terra assistir ao julgamento, saber que Leadbeater, reperguntado, admi­
tira que, no caso de outros meninos, assim como no dos dois em
apreço, não somente advogara a prática regular da masturbação, mas
também poderia ter fornecido certa dose de “ ação indicativa” , como
poderia ter aconselhado a mesma prática a certos meninos antes do
desenvolvimento dos seus impulsos sexuais. (Ele negou esta última
parte ao ver o relato taquigrafado e atribuiu-a a uma falha na trans­
crição.) Depois de um primeiro impulso, em que pensou até em re­
nunciar à Sociedade por uma questão de lealdade para com Leadbeater,
a Sra. Besant voltou-se momentaneamente contra ele e chegou a du­
vidar das experiências esotéricas que tinham realizado juntos. Enviou
uma circular às secretarias da Seção Esotérica do mundo inteiro con­
denando-lhe o procedimento e afirmando que ela e Leadbeater haviam
sido “ fascinados” e, nesse estado, levados a acreditar que tinham
visto os Mestres, sendo a palavra “ fascinados” empregada no sentido
mais pejorativo. Àquela altura, a Sra. Besant e Leadbeater já haviam
percorrido um largo trecho do Caminho do Discipulado, tendo dado
juntos os seus passos em presença dos Mestres, e eram agora altos
Iniciados. Sendo a absoluta pureza sexual um dos primeiros requi­
sitos para a Iniciação, a Sra. Besant encontrava-se numa situação difi­
cílima: se fosse impuro, Leadbeater não poderia ser Iniciado e, se não
fosse Iniciado, as visões que ela tivera de estarem juntos diante dos
Mestres seriam ilusões.
A Sociedade Teosófica cindiu-se em torno do escândalo Leadbeater;
a única pessoa que permaneceu perfeitamente fria e não-arrependida

27
durante todo o tempo foi o próprio Leadbeater, embora despojado,
depois de vinte e dois anos de trabalhos para a Sociedade, do seu meio
de vida e da sua reputação. Numa carta de 30 de junho de 1906,
antes que a Sra. Besant se voltasse definitivamente contra ele, tentou
explicar-lhe, com maior precisão, o seu ponto de vista:
Minha querida Annie. . . Minha opinião sobre o assunto, que tanta
gente julga tão errada, formou-se muito antes dos dias teosóficos.. .
Existe uma função natural do homem, que em si mesma não é mais
vergonhosa (a não ser que seja satisfeita à custa de outra pessoa) que
o comer e o b eb er.. . Ocorre a acumulação, que se descarrega a inter­
valos — geralmente de quinze em quinze dias, conquanto, em alguns
casos, a frequência seja muito maior, sendo que a mente na última
parte de cada intervalo é constantemente obcecada pelo assunto. A idéia
era tomar a iniciativa antes da idade em que o assunto se torna tão forte
que é praticamente incontrolável, e instituir o hábito de descargas arti­
ficiais regulares, porém menores, sem nenhum pensamento durante os
intervalos. . . O intervalo geralmente sugerido era de uma semana, posto
que, em alguns casos, se permitisse por algum tempo a metade desse
período. Recomendava-se sempre que se encompridasse o intervalo até
um ponto compatível com a evitação de pensamentos ou desejos sobre o
assunto. Você compreenderá, naturalmente, que não se deu nenhuma
importância especial a esse lado sexual da vida, citado apenas como
uma entre muitas diretrizes para a regulação da existência... Assim
sendo, quando os meninos eram colocados aos meus cuidados, eu lhes
mencionava o assunto entre outras coisas, sempre tentando evitar toda
a sorte de falsas vergonhas, e fazendo que tudo parecesse o mais simples
e natural possível, embora, naturalmente, não fosse matéria que se devesse
tratar diante de outros. . . Com muitíssimo ámor, sou, como sempre,
Seu muito afetuoso C. W. Leadbeater.

Seis meses mais tarde, depois que ela o repudiou, ele escreveu:
. . . você me fará a justiça de lembrar que eu nunca disse uma única
palavra ligando o conselho que tenho dado a qualquer tipo de prática
iogue, ou reivindicando para ele algo mais esotérico do que a intenção
de manter os pensamentos sensuais sob controle e evitar a coabitação com
mulheres. Creio que você, nesse particular, foi um tanto ou quanto
enganada.. . Nunca tive o costume de despertar tais sentimentos [de
sexo] antes que eles existissem; como eu lhe disse em carta anterior,
nunca falei nesses assuntos sem antes ter vislumbrado sintomas prelimi­
nares. . . Não tenho o menor desejo de persuadi-la a adotar essas opiniões,
mas eu me sentiria muito grato se lograsse tirar do seu espírito a idéia
de que estávamos enganados quando fomos juntos à presença dos Mestres,
porque essa idéia não só me parece um erro por si mesma, como também
está levando muita gente a duvidar do testemunho que demos da exis­
tência deles, o que é triste.

A Sra. Besant não podia suportar o afastamento de Leadbeater


por muito tempo e, conquanto ainda não tivesse autoridade para rein-

28
tegrá-lo, a fé que nele depositava reviveu de todo, de modo que, em
fevereiro de 1907, eie pôde escrever a ela: “ Não sei dizer o quanto
estou contente por ver o véu finalmente levantado e a idéia do fas­
cínio banida do seu espírito.”
Depois da sua demissão, Leadbeater viveu sossegado por quase
três anos, no interior da Inglaterra ou em Jersey com visitas ocasionais
ao Continente. Se bem não pudesse trabalhar publicamente para a
Teosofia, continuava a dar aulas particulares e era financeiramente
ajudado por contribuições dos muitos amigos que ainda tinha na Socie­
dade. A maioria dos meninos e rapazes que tinham estado a seu
cargo lhe atestava a absoluta pureza. Entre eles se incluía Jinarajadasa,
que ele trouxera da escola do Ceilão em 1889. Depois de diplomar-se
em Cambridge em sânscrito e filologia, Raja, como costumava ser
chamado, tornara-se valioso conferencista para a Teosofia e, enquanto
excursionava pelos Estados Unidos logo depois do escândalo, defendeu
com tanta veemência o velho preceptor, que o Coronel Olcott o ex­
pulsou da Sociedade por causar dissensões. Outros amigos fiéis nos
Estados Unidos eram os van Hooks. A Sra. van Hook mostrou a
confiança que tinha em Leadbeater levando Hubert para ficar com ele
perto de Dresden no verão de 1907. Foi nessa ocasião que a Sra.
Besant conheceu Hubert, que tinha onze anos apenas. Só dois anos
depois a Sra. Besant instaria com a mãe do garoto para que o levasse
à fndia a fim de treiná-lo com o objetivo de ser o veículo do Mestre
Universal. A Sra. Besant e Leadbeater fizeram novas investigações
esotéricas enquanto estavam em Dresden e examinaram as vidas pre-
gressas de outros amigos seus, inclusive as de Hubert.
Nesse meio tempo, o Coronel Olcott falecera em Adyar em feve­
reiro de 1907. A Sra. Besant era a sua sucessora natural no cargo
de presidente; e não somente ele o desejava como também fora visitado
por diversas vezes em seu leito de morte pelos Mestres e deles recebera
instruções para indicá-la. A presença deles foi testemunhada pela Sra.
Besant e pela Sra. Marie Russak, viúva norte-americana, teosofista e
rica, que se encarregara do coronel quando a saúde dele decaiu durante
a última viagem dos Estados Unidos à índia. Os Mestres também
asseguraram ao coronel que a Sra. Besant não fora vítima de “ fascínio”
nenhum e que ele, Olcott, tratara Leadbeater com demasiada severi­
dade. Assim sendo, o moribundo, agora ansioso por reconciliar
Leadbeater com a Sociedade, escreveu a este último uma carta em
que pedia desculpas, mas lhe rogava que abrisse mão do seu conselho
aos meninos, que os Mestres consideravam errado, porque “ ofendia

29
o padrão de idéias da maioria da Sociedade” , e dava a entender, ao
mesmo tempo, que logo voltariam a precisar da sua ajuda.
Mas tendo a Sociedade compreendido que, eleita a Sra. Besant,
Leadbeater seria fatalmente reintegrado, ela precisou lutar pela suces­
são, mormente nos Estados Unidos, onde os sentimentos contra
Leadbeater eram mais violentos, de modo que só em junho de 1907
conseguiu eleger-se e, então, por imensa maioria. É claro que, depois
de uma campanha bem-sucedida em seu favor, Leadbeater foi readmi­
tido na Sociedade no fim de 1908 e solicitado a regressar a Adyar,
posto que nunca mais voltasse a exercer nenhum cargo oficial na
Sociedade. Por esse tempo, Jinarajadasa também foi trazido de volta
ao aprisco.
A Sra. Besant precisava muito da ajuda de Leadbeater em Adyar,
onde ela passava agora a maior parte do ano, mas sem dúvida queria
também ficar de olho nele apesar da sua promessa de nunca mais
seus controvertidos ensinamentos no interior da Sociedade.
Na Convenção Teosófica anual, em dezembro, antes da chegada de
Leadbeater, ela referiu-se publicamente a ele chamando-o mártir injus­
tiçado, por ela e pela Sociedade, e assegurando que nunca mais se
interporia entre ela e seu irmão de Iniciação uma sombra sequer.

30
3

O DESCOBRIMENTO

Leadbeater chegou a Adyar no dia 10 de fevereiro de 1909,


menos de três semanas depois que Narianiah ali se instalara em com­
panhia de Krishna e seus irmãos. A Sra. Besant partiu de Adyar para
outras partes da índia logo após a sua chegada; voltou no dia 9 de
abril e tornou a viajar para a Europa no dia 22.
Leadbeater veio a ocupar o mesmo pavilhão, cognominado o
Bangalô Octogonal, ou o Bangalô do Rio, que ocupara ao chegar pela
primeira vez a Adyar com a Sra. Blavatsky em 1884. Consiste em
duas salas cercadas por uma varanda, faz parte da casa original e
ainda se ergue no lado oriental do edifício da sede. Embora já tivesse
quase sessenta e dois anos, Leadbeater continuava ativo e efervescente.
Seu principal trabalho era lidar com a imensa correspondência que
chegava de todos os cantos do mundo. Trouxera consigo, como secre­
tário, um jovem holandês, Johann van Manen, que vivia na sala con­
tígua ao Bangalô Octogonal; alegrava-o também a ajuda de um jovem
inglês, Ernest Wood, que sabia taquigrafia e já trabalhara durante três
meses em Adyar na publicação mensal oficial, a revista Theosophist.
Wood vivia no chamado Quadrângulo, o lugar mais barato para morar
em toda a propriedade — velhas construções anexas convertidas em
vinte e uma celas com um mínimo de mobiliário. No quarto pegado ao
de Wood morava um jovem indiano, Subrahmanyam Aiyar, grande
amigo de Narianiah. Wood conhecera Krishna e Nitya, e tanto ele
quanto Subrahmanyam ajudavam os meninos nas tarefas escolares.
Von Manen e Wood haviam adquirido o hábito de interromper
o trabalho por uma hora a fim de descer à praia e tomar banho com
um grupo de amigos, que incluía Subrahmanyam. Krishna e Nitya,
com outras crianças que moravam fora do terreno da Sociedade, iam

31
à praia também para remar e observar os nadadores. Uma tarde, Lead-
beater foi tomar banho com seus jovens assistentes e, ao tornar ao
bangalô, contou a Wood que um dos meninos na praia possuía a aura
mais maravilhosa que ele já vira, sem a menor partícula de egoísmo.
Wood mostrou-se sumamente surpreendido ao saber que o menino era
Krishna pois, tendo-o ajudado a fazer suas tarefas escolares, conside­
rava-o de compreensão particularmente obtusa. Sem se deixar abalar,
Leadbeater predisse que, um dia, o menino seria um mestre espiritual
e grande orador. “ Grande como? Tão grande quanto a Sra. Besant?”
perguntou Wood. “ Muito maior” , replicou Leadbeater. Não se sabe
a data exata em que ocorreu o primeiro encontro entre Leadbeater e
Krishna mas, como a Sra. Besant saiu de Adyar no dia 22 de abril,
sem ter tido, aparentemente, notícia alguma nesse sentido, é provável
que o encontro só se tenha verificado após a sua partida.
A aparência externa de Krishna não podia ter impressionado
Leadbeater pois, tirante os olhos maravilhosos, ele nada possuía de
atraente naquele tempo. Subnutrido, magricela e sujo, as costelas lhe
apareciam através da pele; vivia tossindo, tinha maus dentes e usava
os cabelos ao costumeiro estilo brâmane do Sul da índia, rapados na
frente ate o alto da cabeça e caindo, atrás, num rabicho que lhe che­
gava abaixo dos joelhos; de mais a mais, a expressão apática dava-lhe
um aspecto quase imbecil. As pessoas que o conheceram antes de ser
“ descoberto” por Leadbeater afirmavam haver pouca diferença entre
ele e o irmão mais moço, Sadanand. Além disso, de acordo com
Wood, era fisicamente tão fraco que o pai o declarou, mais de uma
vez, destinado a morrer.
Pouco depois de haver-se encontrado com Krishna pela primeira
vez, Leadbeater revelou a Wood que o menino seria o veículo do
Senhor Maitreya “ a não ser que alguma coisa gorasse” e que ele,
Leadbeater, recebera instruções para ajudar a treiná-lo com essa fina­
lidade.
Em junho, chegou a Adyar outro jovem inglês, Richard Balfour
Clarke, antigo mecânico que esperava encontrar trabalho no centro
teosófico e foi rapidamente atraído para o círculo de Leadbeater. Lead­
beater repetiu-lhe o que já dissera a Wood — que Krishna era portador
de uma aura extraordinária, assim como o era seu irmão Nitya, embora
a deste último não fosse tão notável. Leadbeater contou também a
Clarke que Mestre Kuthumi lhe dissera: “ Há um propósito para a
presença aqui dessa família, e os dois meninos serão submetidos a um
treinamento do qual você terá notícias mais tarde.”

J2
O Bangalô Octogonal, Adyar, olhando para o mar
Fotografia ftor cortesia de Mark Eâw ards
O edifício da sede, visto do outro lado do rio, mostrando a casa da Sra. Russak
à esquerda, que era, então, o Bangalô Octogonal. Fotografia tirada por K em 1911

A figueira de Bengala em Adyar. F o t o g r a f ia c e d id a p o r c o r t e s ia d e M a r k E d i v a r d s


No dia em que Dick Clarke chegou, os residentes de Adyar
estavam presentes no Upanyanam de Nitya. (Nitya acabara de com­
pletar onze anos, de modo que o seu Upanyanam se realizou muito
mais tarde do que era costume. A morte de sua mãe pode ter sido
a razão disso.) Leadbeater ficou observando Krishna com suma atenção
durante toda a cerimônia e, assim que ela terminou, pediu a Narianiah
que lhe levasse o filho notável ao seu bangalô num dia em que não
houvesse aula. Narianiah acedeu ao pedido. Leadbeater fez sentar
o menino ao seu lado no sofá, descansou a mão sobre a sua cabeça
e começou a descrever-lhe a vida anterior. Dali por diante, aos sá­
bados e domingos, as visitas e a narração de vidas passadas conti­
nuaram, sendo as vidas escritas por Narianiah, que, a princípio, estava
sempre presente. Mais tarde, elas foram taquigrafadas por Wood.
O próprio Krishna recorda:
Quando entrei pela primeira vez na sala dele fiquei com muito
medo, pois a maioria dos meninos indianos têm medo de europeus. Não
sei por que se criou esse medo mas, pondo de lado a diferença de cor,
que é sem dúvida uma das causas, havia, quando eu era menino, grande
agitação política e nossas imaginações viviam alvoroçadas pelos boatos
que ouvíamos. Devo também confessar que os europeus na índia, de
um modo geral, não são nada bondosos para nós e eu costumava assistir
a muitos atos de crueldade que me deixavam ainda mais amargo. Para nós,
portanto, foi urna surpresa descobrir quanta diferença havia no inglês
que era também teosofista.

Na ocasião em que Leadbeater o descobriu, Krishna falava pou­


quíssimo inglês, de modo que a comunicação entre ele e o novo amigo,
a princípio, praticamente não existiu, mesmo que se ponha de lado o
acanhamento e a timidez do menino. Era igual mente difícil para
Krishna comunicar-se na escola, cujas aulas eram dadas em inglês
ou tâmul, que ele conhecia tão pouco quanto o inglês. Tão estúpido
parecia o garoto que o professor o mandava constantemente para fora
da sala e esquecia-se dele até que, mimoseando outro aluno com o
mesmo epíteto de estúpido, voltava a lembrar-se de Krishna e man­
dava buscá-lo. Ele era surrado quase todos os dias por sua incapaci­
dade de aprender a lição. A metade do tempo na escola passou-a cho­
rando na varanda; quando o professor se esquecia de chamá-lo de volta,
Krishna seria capaz de ficar na varanda a noite inteira se o esperto
Nityazinho não lhe pegasse na mão e não o arrastasse para casa.
Leadbeater não levou imediatamente ao conhecimento da Sra.
Besant a nova descoberta; só no dia 2 de setembro lhe escreveu, expres­
sando a sua consternação pelas condições de superlotação e desasseio
do ‘‘casebre” em que Narianiah estava vivendo, com uma aldeia de

33
*

párias logo atrás. Nãò havia instalações sanitárias e a família toda


dormia no chão, sem mosquiteiros. Leadbeater sugeria que fossem,
transferidos para uma casa no terreno da Sociedade, a cem metros de
distância do edifício da sede, que se achava desocupada, embora neces­
sitada de reparos. Acrescentou que os filhos de Narianiah, muito
quietinhos e bem comportados, não causariam transtorno algum; ele
e van Manen os estavam ensinando a nadar e tinham ajudado “ o mais
velho” em composição e leitura de inglês, de modo que este “ já co­
nhecia um pouco das duas coisas” . Continuava dizendo que utilizara
“ um dos meninos” como um caso para investigar vidas passadas e
descobrira que ele tinha um passado de grandíssima importância —
“ uma série de vidas melhor até que a de Hubert, embora me pareça
menos sensacional” . Estava certo, continuava, de que o menino ali
não se encontrava por acaso:
Não me surpreenderia descobrir que o pai foi trazido para cá por
causa desse menino; e foi essa outra razão por que me senti chocado ao
ver a família tão ignobilmente acomodada, pois me parece que, se pertence
ao nosso carma assistir, ainda que de forma indireta, na educação de
alguém que o Mestre usou no passado e espera usar no futuro, podemos
dar-lhe, pelo menos, a oportunidade de crescer decentemente!

O nome dado ao garoto em todas as suas vidas sucessivas era


Alcíone, que se pronunciava com c duro. Leadbeater escreveu, entu­
siasmado, à Sra. Besant acerca das investigações que estava realizando
nessas vidas, as quais lhe ocupavam quase todo o tempo, e mandou-lhe
trechos delas para ler enquanto estivesse ainda no estrangeiro; mas só
no dia 6 de outubro a informou de que “ Alcíone é agora um menino
de treze anos e meio, chamado Krishnamurti, filho de Narianiah,
assistente de secretário da sua S . E . ” . Na verdade, Krishna já tinha
catorze anos e meio mas, durante alguns anos, Leadbeater, como todo
o mundo, o acreditou nascido em 1896, pois o seu horóscopo só veio
à luz algum tempo depois.
Em novembro, Leadbeater investigara vinte vidas e descobriu
outras dez no ano seguinte. Essas trinta Vidas de Alcíone come­
çaram a aparecer na revista Tbeosophist em abril de 1910 sob o título
“ Rasga-se o Véu do Tempo” . Elas iam desde o ano 22662 a .C . até
624 d .C . cada qual com um elenco maior de dramatis personae.
Alcíone foi mulher em onze delas. A Sra. Besant aparecia em todas
sob o pseudônimo de Heracles, Leadbeater como Sirius, Nitya como
Mizar, a mãe de Krishna como ôm ega e seu pai como Antares; Hubert
van Hook era Órion. Inúmeras outras pessoas apareceram nas “ Vidas”
sob um pseudônimo, o que deu origem a muita inveja e esnobismo

34
depois que elas foram publicadas. “ Você está nas Vidas?” passou a
ser a pergunta mais a miúdo formulada por um teosofista a outro e,
em caso de resposta afirmativa, “ Qual era o seu grau de relacionamento
com Alcíone?”
Shiva Rao, que lecionara muito jovem na escola preparatória anexa
ao Colégio Central Hindu de Benares e ia a Adyar ajudar Leadbeater a
redigir as tabelas que compreendiam uns duzentos personagens, todos
aparentados uns com os outros através de trinta encarnações, acreditava
naquela época, e ainda acredita, nos poderes de clarividência de Lead­
beater.
O tabelamento das várias vidas com os muitos milhares de detalhes
das ligações familiais revelou-me o cuidado meticuloso que deve ter carac­
terizado as investigações clarividentes [afirmou recentemente Shiva Rao],
Está claro que não poderia haver nenhum indício positivo da sua auten­
ticidade: mas a capacidade de traçar, com um número relativamente
pequeno de erros, os laços familiais de um grupo tão grande de almas
de uma vida depois da outra no meio de um labirinto de pormenores,
é algo tão acima dos recursos mentais de qualquer pessoa, por mais pro­
digiosa que seja a sua memória, que elimina qualquer possibilidade de
invenção. De quando em quando eu topava com uma discrepância e
anotava-a. Quando reunia três ou quatro casos assim, levava-os ao conhe­
cimento do Sr. Leadbeater. Ele, então, fechava os olhos por alguns
minutos e dizia: “ Tem razão; substitua A por B, X por Y, etc.” E eu
verificava depois que as revisões sugeridas se ajustavam precisamente ao
esquema.

A identidade de Alcíone deve ter sido revelada à Sra. Besant


por alguém de Adyar antes que Leadbeater lha contasse, pois ela
escreveu a este último, de Paris, no dia 8 de outubro: “ Krishnamurti
foi evidentemente levado para Adyar a fim de ser ajudado, e nós pre­
cisamos fazer todo o possível por ele. O Mestre lhe dirá o que deseja
que se faça.”
A essa altura, a Sra. van Hook e Hubert estavam a caminho de
Adyar, cheios de esperanças, encorajados pela Sra. Besant, que estivera
com eles naquele ano em Chicago e lhes prometera treinar Hubert
para ser o veículo do Senhor Maitreya.

Se Alcíone e Mizar [Nitya] pudessem partilhar de algumas aulas


com Hubert seria bom [a Sra. Besant escreveu a Leadbeater de Genebra,
em meados de outubro], e é provável que se sintam atraídos um pelo
outro, conhecedores que são de suas relações no passado e estando ambos
sob os cuidados do mesmo Mestre [Kuthumi, o Mestre de Leadbeater].
O que quer que Ele deseje terá de ser obviamente feito, e não podemos
permitir que outra opinião interfira. Conte comigo para fazer todo e
qualquer serviço que esteja ao meu alcance.

35
É muito para duvidar que ela já tivesse percebido, nessa ocasião,
que Hubert fora suplantado.
As instruções ditadas pelo Mestre a Leadbeater eram de grande
alcance. Como Leadbeater contou a Dick Clarke:
Temos um trabalho muito difícil para executar; precisamos tirar
esses dois meninos de um ambiente ortodoxo, modificar-lhes a dieta,
ensinar-lhes exercícios físicos e métodos ocidentais de banho. Precisamos
tirá-los da escola onde estão sendo surrados por um professor que devia
estar vendendo cordões para sapatos em lugar de lecionar. Haverá muita
oposição a tudo isso e, no entanto, tudo terá de ser feito.

“ Tudo isso” , naturalmente, teria sido executado com muito maior


facilidade se Leadbeater tivesse podido tirar os meninos imediata­
mente da casa paterna mas, como ele escreveu à Sra. Besant no dia
14 de outubro, “ Estou tentando seguir um curso cauteloso; é claro
que devo levar a cabo as instruções que me foram dadas [pelo Mestre]
mas depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos, não posso
demonstrar um interesse muito conspícuo por meninos de 13 anos!
Quando você estiver aqui serei mais ousado” . Narianiah, ajuntava
ele, mudar-se-ia para a casa no terreno da Sociedade assim que ela
estivesse “ limpa e repintada” .
Uma surra particularmente brutal aplicada aos dois meninos em
meados de outubro que “ lhes perturbou muitíssimo os corpos astrais”
deu a Leadbeater uma desculpa para tirá-los de vez da escola. Na­
rianiah hesitou muito a princípio porque, sem uma educação recebida
numa escola oficial, não lhe seria possível arranjar empregos em qual­
quer uma das profissões ou no serviço público; Leadbeater, no entanto,
prometeu ao pai que a Sra. Besant se interessaria pelo bem-estar dos
garotos e talvez até os mandasse estudar na Inglaterra; entrementes,
enquanto aguardavam o regresso dela, ele e seus amigos zelariam
por que nada faltasse aos garotos em matéria de ensino. Narianiah
aceitou a solução temporária e Dick Clarke, Subrahmanyam Aiyar,
Ernest Wood e Don Fabrizio Ruspoli ( antigo tenente da marinha
italiana, casado com uma inglesa, que abrira mão da carreira para
tornar-se teosofista) lhes davam aulas regulares no Bangalô Octogonal,
ao passo que o próprio Leadbeater lhes ensinava história quando lhe
sobrava tempo. Mas o inglês era a matéria mais enfatizada, pois todos
faziam muito empenho em que Krishna pudesse falar com a Sra. Besant
quando esta regressasse a Adyar no fim de novembro.
Dick Clarke fora também incumbido de arrumar os meninos; eles
foram espiolhados — tinham piolhos até nas sobrancelhas; deixaram
os cabelos crescer na frente e cortaram-nos à altura dos ombros; o
dentista forneceu a Krishna uma chapa que Clarke apertava todos os
dias; mas parece ter sido Leadbeater o supervisor do banho deles,
zelando por que não se esquecessem de lavar-se entre as pernas. Ele
deplorava o modo cerimonial hindu de limitar o banho ao simples
despejar de jarros d’água sobre o corpo enquanto a pessoa continuava
usando uma tanga; mas a maneira européia de banhar-se causaria, mais
tarde, muitos transtornos.
Ao treinar os seus meninos, uma das principais preocupações de
Leadbeater era eliminar o medo deles. Krishna contou que, de uma
feita, quando Leadbeater o ensinava a nadar, ele evitou, acovardado,
um buraco particularmente fundo e assustador. E só se deu conta de
que isso fora observado quando, mais tarde, ao entardecer, Leadbeater
lhe disse: “ Agora vamos voltar ao mar e procurar aquele buraco.”
Mas o próprio Leadbeater se exasperava, às vezes, com a aparente
estupidez de Krishna. Não raro, durante as lições, o menino se que­
dava ao pé da janela escancarada, com a boca aberta e os olhos
perdidos no espaço. Reiteradamente lhe diziam que fechasse a boca;
ele obedecia à ordem mas, logo depois, sua boca tomava a abrir-se.
Finalmente, um belo dia, Leadbeater se sentiu tão irritado que pespegou
um tapa no queixo do menino. Isso, declarou Krishna, selou o fim
das suas relações; a boca permaneceu fechada, mas seus sentimentos
nunca foram os mesmos em relação a Leadbeater.
Embora continuassem dormindo no “ casebre” paterno, e fizessem
em companhia dele as duas refeições principais, os meninos passavam
o resto do tempo com Leadbeater, sempre acompanhados dos seus
muitos preceptores. Estabeleceu-se para eles uma rotina diária: levan­
tavam-se às cinco horas, realizavam as abluçÕes brâmanes ortodoxas
com água fria ao lado de um poço, faziam sua meditação matutina e
dirigiam-se depois ao Bangalô Octogonal a fim de tomar leite quente
servido por um criado da casta, para não fugir ao sentimento ortodoxo.
Reuniam-se, a seguir, à volta de Leadbeater para uma rápida palestra
sobre “ coisas mais elevadas” , faziam depois alguns exercícios ortodoxos
ao ar livre e voltavam ao bangalô para tomar banhos quentes, vestir
roupas limpas e estudar as lições do dia.
A Sra. van Hook e Hubert haviam chegado em meados de no­
vembro. A Sra. van Hook simpatizou imediatamente com os dois
meninos hindus e começou a ensiná-los juntamente com Hubert, um
ano mais moço do que Krishna porém muito mais alto e muito mais
adiantado intelectualmente. A Sra. Russak, que estivera ao pé do
Coronel Olcott quando este se achava no fim e assistira às visitas
que lhe fizeram os Mestres, chegou com os van Hook. A Sra. Russak

37
construíra para si uma casa de dois andares em Adyar à beira do rio,
entre o edifício da sede e o Bangalô Octogonal. Os van Hooks insta­
laram-se no andar térreo da casa, enquanto que a Sra. Russak ocupava
o andar superior, ligado ao prédio da sede por uma ponte.
Embora todos se empenhassem em ensinar inglês a Krishna, não
se descurou, evidentemente, do seu progresso espiritual. Leadbeater
contou à Sra, Besant que, na noite do dia l.° de agosto, levara os dois
meninos em seus corpos astrais, enquanto eles dormiam, à casa de
Mestre Kuthumi, que os submetera à provação como seus discípulos.
O Discipulado sob a direção de um Mestre fazia-se em duas fases —
a provação (que poderia durar até sete anos) e a aceitação, quando o
discípulo entrava em tão íntima unidade com o Mestre que este já
não podia expulsá-lo da sua consciência. Esses dois passos, dados no
Caminho do Discipulado, constituíam um preparativo para a primeira
Iniciação, que tornava o discípulo membro da Grande Fraternidade
Branca, se bem que em nível ainda muito inferior, pois a ela se seguiam
mais quatro iniciações até o atingimento da condição de Adepto.
Leadbeater e a Sra. Besant haviam passado juntos a quarta Iniciação
quando ela se tomou presidenta em 1907. O martírio de Leadbeater
em 1906 fora necessário, criam eles, a esse quarto grande passo. Um
passo apenas os separava agora da perfeição.
As habilitações até para a primeira Iniciação pareciam quase fora
do alcance humano — perfeita saúde física, absoluta pureza mental e
física, total desprendimento, caridade universal, compaixão por todas
as coisas animadas, veracidade e coragem em todas as emergências e
uma calma indiferença por tudo o que constituía o mundo transitório,
acompanhada de uma justa apreciação dele.
Nos cinco meses que medearam entre o início da provação e a
aceitação de Krishna, Leadbeater levou-o todas as noites, em sua
forma astral, à casa do Mestre para receber quinze minutos de ins­
truções, ao cabo das quais o Mestre sumariava sua palestra numas
poucas sentenças singelas para facilitar a memorização de Krishna, que,
na manhã seguinte, no Bangalô Octogonal, procurava pôr por escrito
o que delas recordava. Tanto Dick Clarke quanto a Sra. Russak ates­
taram que essas notas foram laboriosamente escritas pelo próprio
Krishna, que as palavras eram suas, ou melhor, eram as que ele con­
seguira "trazer” da entrevista com o Mestre e o que lhe ficara das
palavras dele, e que a única ajuda externa que recebeu se referia à
ortografia e à pontuação. Essas notas, ao depois, foram reunidas num
Iivrinho intitulado Aos pés do Mestre, já traduzido para vinte sete
idiomas, em quarenta edições e que continua sendo impresso.

38
4

PRIMEIRA INICIAÇÃO

No dia 27 de novembro de 1909, ao regressar afinal a Adyar de


uma excursão de sete meses, a Sra. Besant teve o seu primeiro encontro
com Krishna. Este e Nitya se achavam no meio do grande grupo
que foi à estação de Madrasta recebê-la. Krishna, que tinha os cabelos
agora crescidos e vestia roupas brancas e limpas, recebeu uma grinalda
de rosas para jogar sobre ela. O trem atrasou-se em virtude de um
acidente ocorrido na linha. Krishna, mais tarde, descreveu-lhe a che­
gada :
. . . alguns de nós estávamos descalços e essa parte da plataforma, não
protegida pelo telhado, ficou muito quente. O incômodo foi tão grande
para meus pás que, depois de dançar por algum tempo, busquei refúgio
sobre os pés de Don Fabrizio Ruspoli... Afinal ela chegou e toda a
gente correu para o vagão de que ela desceu. Tamanha foi a afluência
de pessoas que eu mal conseguia ver-lhe uma parte do vulto e só consegui-
aproximar-me dela o suficiente para atirar a grinalda e saudá-la à nossa
maneira indiana. Vieram depois outras pessoas e duvido que ela tivesse
reparado em mim. Por fim, a Sra. Besant e o Sr. Leadbeater saíram de
automóvel, enquanto que Don Fabrizio Ruspoli, o Sr. Clarke, Nitya e eu
os seguimos r.o carro de Sir Subrahmanyam.1 Chegados a Adyar, voltamos
ao bangalô do Sr. Leadbeater e lá esperamos muito tempo enquanto ele
conversava com a Sra. Besant no edifício principal. Afinal ouvimos o
chamado peculiar com que o Sr. Leadbeater costumava avisar-nos de que
queria falar conosco. Ele estava em pé na varanda da Sala do Santuário,
que dá para o seu bangalô, e disse a meu irmão e a mim que a Sra.
Besant desejava ver-nos. Nós subimos a escada muito nervosos pois,
embora tivéssemos muita vontade de vê-la, tínhamos ouvido falar da
sua extraordinária grandeza. O Sr. Leadbeater entrou conosco no quarto

1. Sü> Subrahmanyam Aiyar, vice-presidente da S .T . durante o período 1907-


-11 e ex-juiz do Superior Tribunal de Madrasta. Krishna acertou ao escrever Sir
Subramanian, pois era assim que o nome teria sido pronunciado sem o nome da
família.

39
e demos com ela em pé no meio do aposento. O Sr. Leadbeater disse:
“ Aqui estão Krishna e seu irmão.” Como é o costume em nossa terra
em presença de pessoas pelas quais sentimos grande reverência, nós nos
prostramos a seus pés. Ela ergueu-nos e abraçou-nos. Não me lembro
do que nos disse, pois eu ainda estava muito excitado, embora cheio de
uma grande felicidade. Não ficamos ali por muito tempo, visto que deveria
realizar-se uma reunião dos membros da S .T ., como sempre, no grande
salão no mesmo andar. Ao entrar no salão encontramos meu pai, e a Sra.
Besant lhe disse: “ Imagino que seja esta a primeira reunião privada da
S .T . a que seus filhos assistem. Espero que o senhor aprove a presença
deles.” Ele respondeu que estava muito contente. Sentei-me aos pés dela,
defrontando as pessoas que ali se achavam reunidas, e sentindo-me muito
nervoso.

Durante as três semanas em que a Sra. Besant permaneceu em


Adyar antes de subir para Benares, onde participaria da Convenção
Teosófica 1 anual, os meninos iam vê-la todos os dias em seu quarto
e, a 5 de dezembro, ela os admitiu na Seção Esotérica. Logo após a
sua partida, Leadbeater “ trouxe” mensagens do Mestre, segundo as
quais era preciso fazer o pai dos meninos compreender que seus filhos
já não lhe pertenciam, mas pertenciam ao mundo; devendo ser-lhe
comunicado ainda, “ de modo claro e inconfundível” , que ele não podia
interferir de forma alguma no tocante à comida deles ou a qualquer
outro pormenor das suas vidas; era desejo do Mestre que, nos pró­
ximos anos, ambos permanecessem “ inteiramente apartados de outros
meninos e só mantivessem relações com os que se achavam sob in­
fluência teosófica” .
Antes de partir para Benares no dia 14 de dezembro, a Sra.
Besant deixara estabelecido que, na sua ausência, os meninos dor­
miriam em seu quarto, visto que a casa nova de Narianiah ainda não
estava pronta. Narianiah concordou de bom grado com isso por se
tratar de um desejo dela. De modo que Leadbeater tinha agora os
meninos onde os queria, longe da esfera de influência do pai. O
quarto e o balcão da Sra. Besant seriam rigorosamente reservados
para eles e somente a Sra. Russak tinha permissão para entrar no
quarto a fim de limpá-lo, de modo que nenhuma outra influência femi­
nina viesse a contaminá-lo. Dez dias após a partida da Sra. Besant,
Krishna escreveu sua primeira carta para ela. Escreveu-a do próprio
punho, imitando muito de perto a caligrafia de Leadbeater:

1. A Convenção anual da S .T . celebrava-se em anos alternados em Adyar


ou Benares. Benares era o centro da Seção Indiana e Adyar o centro interna­
cional. Antes de tornar-se presidente, a Sra. Besant vivera principalmente em
Benares, onde tinha casa alugada, Shanti Kunja. Em 1912 essa casa foi comprada
por subscrição para toda a duração da vida da Sra. Besant e de Krishna.

40
24 de dezembro de 1909

Minha querida Mãe,


Permite que lhe chame minha mãe quando lhe escrever? Agora não
tenho outra mãe para amar, e sinto que a senhora é como se fosse nossa
mãe, porque tem sido tão boa para nós. Nós dois lhe agradecemos muito
por haver-nos tirado de nossa casa e deixado que dormíssemos em seu
quarto; estamos muito felizes ali, mas preferiríamos que a senhora esti­
vesse aqui, mesmo que precisássemos dormir em casa. Eles são muito
bons para nós, deram-nos bonitas bicicletas, e já aprendi a andar na
minha, com que saio todos os dias. Já percorri 31 milhas e meia [50,5
quilômetros, mais ou menos], e espero percorrer mais algumas esta tarde.
Tenho visto a senhora, às vezes, na sala do santuário, e frequentemente
a sinto à noite e vejo a sua luz. Mando-lhe muito amor.
Seu filho que a ama
Krishna

Dick Clarke e Ruspoli sempre os acompanhavam nos passeios de


bicicleta e, às vezes, Leadbeater também. De manhã cedinho atraves­
savam de bicicleta a Ponte de Elphinstone e pedalavam ao longo de
toda a extensão do Ancoradouro de Madrasta na direção do Forte de
São Jorge. A 30 de dezembro, dez dias depois que os garotos ganharam
as bicicletas, Leadbeater pôde contar à Sra. Besant que o ciclômetro
de Krishna acusava agora 143 milhas [quase 230 quilômetros] e que
ele era um ciclista rápido e intemerato, capaz de decidir prontamente
numa crise. Pouco depois, foram todos de bicicleta a Chingleput, numa
distância de sessenta e seis milhas [oitenta quilômetros] de ida e volta.
Além dos passeios de bicicleta e da natação, aterrou-se um velho
tanque de água, logo atrás do Bangalô Octogonal, e ali se construiu
uma quadra de tênis. Krishna achava “ muito maravilhosa a maneira
com que o Sr. Leadbeater jogava, apesar de já ter passado dos sessenta
anos de idade. Creio que ele era mais ativo do que qualquer um
de nós e jogava com muita firmeza” .
Além de Nitya, parece que Hubert era o único menino que Krishna
tinha licença para ver, conquanto nem ao próprio Hubert se permi­
tisse tocar-lhe a bicicleta, a raqueta de tênis ou qualquer outra coisa
que lhe pertencesse. Isso deve ter consternado Krishna, visto que o
dar e o partilhar eram características essenciais da sua natureza. É
provável que Hubert invejasse Krishna, e Leadbeater deve tê-lo visto
em sua aura. Leadbeater acreditava que os objetos inanimados podiam
ser magnetizados para o bem ou para o mal; por conseguinte, uma
emanação maléfica de Hubert poderia transferir-se para a raqueta ou
para a bicicleta de Krishna-’ e, dali, para o próprio Krishna. É evi-

41
ciente que a Sra. van Hook aceitou de muito boa sombra a posição
inferior de Hubert e parece que o mesmo fez o Dr. van Hook em
Chicago. Por irônico que pareça, o doutor trabalhara mais do que
qualquer outra pessoa nos Estados Unidos pela readmissão de Lead-
beater na Sociedade.
Leadbeater persuadiu Narianiah a permitir que os meninos comes­
sem no “ Dharmashala” , nova cozinha-sala-de-jantar construída espe­
cialmente para a Sra. Besant e uns poucos amigos privilegiados, onde
a comida, cozinhada e servida por brâmanes, era melhor e menos
condimentada do que em casa deles. Leadbeater estava-lhes também
preparando um quarto no prédio da sede, para onde pudessem mudar-
-se quando a Sra. Besant regressasse a Adyar. Ele não tinha a menor
intenção de permitir que tornassem à companhia paterna, nem mesmo
que a casa nova estivesse pronta para ser ocupada. Ele talvez permi­
tisse a Nitya voltar para junto do pai, mas Krishna não quis separar-se
do irmãozinho, de que tanto dependia.
Havia atritos freqüentes entre Narianiah e Leadbeater, que não
tinha paciência com as idéias e sentimentos ortodoxos hindus e atribuía
ao egoísmo a relutância natural do pai em permitir que os filhos fossem
completamente arrancados da sua influência. Leadbeater foi impiedoso.
Grosseiro em muitos sentidos, rude — especialmente com as mulheres,
embora nunca o fosse com a Sra. Besant — não hesitava em praguejar.
Aprendera sem dúvida com a Sra. Blavatsky que esse procedimento
não era incompatível com a santidade, pois ela mesma, sumamente
grosseira, tinha o vezo de praguejar. Nunca houve afinidade natural
entre Leadbeater e Krishna, que era tão delicado, e cuja delicadeza
brâmane se chocava amiúde com os modos ríspidos daquele inglês
vigoroso, exatamente como Leadbeater se sentia chocado pelas práticas
ortodoxas hindus.
A Sra. Besant tinha muito mais tato no trato com Narianiah.
Ele fora a Benares para assistir à Convenção e ela lhe falou muito
seriamente, convencendo-o de que iodas as instruções dos Mestres aos
meninos, transmitidas por Leadbeater, deviam ser postas em prática,
incluindo uma nova ordem que acabava de ser trazida: os meninos
só poderiam ausentar-se por uma hora a fim de assistir à cerimonia
tradicional que seria realizada no dia 7 de janeiro, por ocasião do
aniversário da morte de sua mãe; eles não poderiam perder o leite
naquele dia nem a refeição no “ Dharmashala” , e esta seria a última
vez em que teriam permissão para participar de uma cerimônia dessa
natureza. Narianiah, que reverenciava a Sra. Besant folgou de cumprir-
-lhe os desejos e voltou a Adyar com uma disposição de espírito muito

42
amistosa. Por fim, os meninos nem sequer assistiram à cerimônia por­
que, ao chegarem ao local, tudo já terminara.
Leadbeater telegrafou à Sr a. Besant no dia 31 de dezembro para
contar-lhe que, naquela noite, Mestre Kuthumi anunciara que aceitaria
Krishna como seu discípulo e para pedir-lhe que não deixasse de
comparecer à cerimônia em casa do Mestre em seu corpo astral. Lead­
beater também lhe escreveu no dia 31: “ Esta é a provação mais curta
de que já tive notícia — apenas cinco meses.” O astrólogo G. E.
Sutcliffe escrevera um artigo para Theosophist prevendo uma insólita
conjunção de estrelas e planetas no dia 11 de janeiro de 1910, que,
acreditava Sutcliffe, pressagiava o nascimento do Cristo naquele dia.
“ Se fosse um pouco mais tarde” , escreveu Leadbeater na mesma carta
de 31 de dezembro, “ não poderia ser o segundo nascimento do corpo
de Cristo? Mas creio que ainda é muito cedo para alimentar espe­
ranças nesse sentido. Mesmo assim, as coisas caminham com tão
maravilhosa rapidez que nada parece bom demais para ser verdade” .
Krishna acrescentou um pós-escrito à carta: “ Até parece que isso [sua
aceitação] poderia não ser verdade, mas Ele é bom demais. Por favor
esteja lá, querida Mãe. Mando-lhe muito amor. Krishna.”
Respondendo ao telegrama de Leadbeater, em carta datada de
l.° de janeiro de 1910, a Sra. Besant falou das lembranças que trou­
xera da noite anterior, pediu que lhes confirmasse a exatidão, e per­
guntou se era verdade que “ Surya” (pseudônimo do Senhor Maitreya
nas “ Vidas” ) entregara Krishna aos cuidados dela e de Leadbeater.
Leadbeater respondeu: “ É verdade que o Senhor Maitreya o entregou
solenemente aos nossos cuidados em benefício da Fraternidade. Krishna
ficou impressionadíssimo e tem-se mostrado diferente desde então.”
O próprio Krishna deu à Sra. Besant a sua versão do que acon­
tecera, embora não parecesse dar tento da parte desempenhada pelo
Senhor Maitreya:
Foi muito bonito. Quando fomos à casa de nosso Mestre, nós O
encontramos juntamente com Mestre Morya e Mestre Djwal Kul, i em pé
conversando e eles falaram com muita bondade. Nós todos nos proster-
namos, e o Mestre puxou-me para o Seu joelho, e perguntou-me se eu
seria capaz de esquecer-me inteiramente, nunca ter um pensamento egoísta,
e pensar apenas na maneira de ajudar o mundo; e eu disse que sim e
que só desejava ser como Ele algum dia. Ele então me beijou e passou
Sua mão sobre mim, e eu pareci ser, de certo modo, parte d’Ele, e me

1. Esse Mestre ainda estava usando o corpo tibetano em que obtivera


a condição de Adepto poucos anos antes e que revelava sinais de envelhecimento.
Vivia numa cabana que construíra com as próprias mãos, perto do Mestre Morya,
cujo discípulo fora.

43
senti muito diferente e muito, muito feliz, e desde então tenho tido
esse sentimento. Depois os três me abençoaram e nós voltamos.

No dia 3 de janeiro a Sra. Besant escrevia de novo a Leadbeater:


“ Sinto-me felicíssima por Krishna e lamento ser de tão pouca ser­
ventia, embora esteja fazendo o pouco que posso. Alegra-me, porém,
que ele se encontre em mãos tão fortes e amantes quanto as suas.
Não me surpreenderia se a iniciação se seguisse muito depressa, talvez
no dia 11.”
Cinco dias depois verificou-se dramática troca de telegramas. Lead­
beater para a Sra. Besant em Benares: “ Iniciação ordenada para o dia
onze. Surya em pessoa oficiará. Ordenada para depois uma visita
a Shamballa. 1 Envolve trinta e seis horas de retiro.” Veio a resposta:
“ Feche o santuário e minha varanda trancando a porta da escada
pelo tempo necessário. Use meu quarto, o da minha secretária e o
da Sra. Lübke 2 se for preciso. Você tem minha autorização para tudo.”
Desde a noite de 10 de janeiro, que foi um domingo, até a manhã
do dia 12, Leadbeater e Krishna ficaram encerrados no quarto de
dormir da Sra. Besant. A Sra. Lübke já fora posta para fora e o seu
quarto limpo e caiado, pois era o quarto que Leadbeater preparava
para Krishna e Nitya; fechou-se a sala do santuário (havia uma escada
separada por meio da qual os residentes podiam ir à sala do santuário
a fim de meditar); Ruspoli dormia do lado de fora da sala do san­
tuário para evitar que os visitantes madrugadores “ batessem suas lan­
ternas com demasiado vigor” ; e Nitya ou Dick Clarke mantinham
uma vigília constante fora da porta da Sra. Besant. Clarke lembrou-se
de que Leadbeater e Krishna “ permaneceram separados dos seus corpos
durante boa parte de duas noites e um dia, voltando apenas de vez
em quando e mesmo assim só parcialmente, embora o suficiente para
ingerir alimentos (sobretudo leite quente) que administrávamos à
beira de suas camas” . Krishna jazia na cama da Sra. Besant e Lead­
beater deitara-se no chão.
De acordo com Leadbeater, em carta que escreveu à Sra. Besant
no dia 12 de janeiro, Krishna despertou na manhã de terça-feira (dia

1. Um oásis no deserto de Gobi, onde vivia o Rei da hierarquia esotérica,


o Sanat Kumara da escritura hindu.
2. A Sra. Helen Lübke, senhora de idade que trabalhou na biblioteca
de Adyar de 1908-11. Seu quarto, que fora originariamente o da Sra. Blavatsky,
era contíguo à sala de estar da Sra. Besant. Leadbeater não aprovava. Ele
escrevera à Sra. Besant no dia 15 de dezembro de 1909: “ . . . positivamente não
convém ter uma criatura tão depauperante quanto a Sra. Lübke impregnando a
atmosfera em que eles dormem” .

44
11) gritando: “ Eu me lembro! Eu me lembro!” Leadbeater pediu-lhe
que lhe contasse tudo o que recordava e as lembranças foram postas
por escrito:
corrigindo-lhe os tempos de verbos onde estavam errados e intercalando
uma palavra aqui e ali, onde ele não conseguia expressar-se, mas tendo o
máximo cuidado em não acrescentar o que quer que fosse do meu conhe­
cimento, nem em modificar de qualquer maneira as suas expressões. Tudo
o que está escrito sobre a força do mar e o sorriso como a luz do sol
foi, palavra por palavra, dito por ele, e parece realmente uma inspiração
para um menino de treze anos que escreve numa língua estranha. Ele
tencionava escrever tudo isso à mão, mas o trabalho lhe tomaria dois dias,
e o seu cansaço era tanto que a Sra. Russak se ofereceu para datilografá-lo,
baseando-se nas minhas notas. Mas a escolha das palavras é inteiramente
dele, e não dela. . . Ele não diz, todavia, que, depois de voltarmos da
grande audiência ontem à noite para a casa do Mestre, Este recebeu-o
como Filho [o que significa uma relação ainda mais íntima entre Mestre
e discípulo], e aceitou Nitya “ mercê do seu amor transbordante e da
sua abnegada dedicação a Meu filho Krishna” , como Ele mesmo disse. Por
isso temos excelentes motivos para regozijar-nos.
A tensão existente acabou por cansá-lo, mas ele está muito bem e
radiosamente feliz. O pai comportou-se de forma admirável, abraçou-o
com muito afeto, prostrou-se diante de mim, regozijou-se em excesso e, de
um modo geral, houve-se como um ser humano. Só contei a muito pouca
gente o que ia acontecer mas, de um modo ou de outro, a história deve
ter transpirado, pois creio que quase todos aqui já sabem. Pelo que
me consta, todos estão interpretando a coisa da maneira certa, e muito
felizes com isso, mas ainda não tive tempo de avistar-me com ninguém.

Segue-se o relato feito por Krishna de sua Iniciação e que ele


dirigiu à Sra. Besant:
12 de janeiro de 1910.
Quando deixei meu corpo na primeira noite, fui imediatamente para
a casa do Mestre e ali O encontrei com o Mestre Morya e o Mestre
Djwal Kul. Q Mestre falou-me de modo sumamente bondoso durante
muito tempo, e contou-me tudo a respeito da Iniciação, e o que eu deveria
fazer. Em seguida, fomos todos à casa do Senhor Maitreya, onde eu já
estivera uma vez, e lá encontramos muitos Mestres — o Mestre veneziano,
o Mestre Jesus, o Mestre Conde, o Mestre Serapis, o Mestre Hilarião1
e os dois Mestres Morya e K. H. [Kuthumi]. O Senhor Maitreya estava
sentado no meio, e os outros se achavam em pé em torno d’Ele, formando
um semicírculo assim [diagrama].

1. Um grego, maravilhosamente belo, e mais jovem do que os outros


Adeptos. O Mestre veneziano, assim chamado porque nascera em Veneza, era,
contudo, o mais belo de todos. O Mestre Conde era o Príncipe Ragozci, Conde
de St. Germain, aristocrata que vivia no castelo de sua família na Hungria.
Jesus, cujo corpo o Senhor Maitreya usara da última vez, era agora um mestre
e vivia entre os drusos do Monte Líbano num corpo sírio.

45
Depois o Mestre [Kuthumi] tomou-me a mão direita, e o Mestre
Djwal Kul a mão esquerda, e conduziram-me à presença do Senhor Maitreya,
estando a senhora e meu Tio [Leadbeater] em pé logo atrás de mim.
O Senhor sorriu para mim, mas disse ao Mestre: —
“ Quem é este que trazes assim à minha presença?” E o Mestre
respondeu:
“ É um candidato que pleiteia admissão na Grande Fraternidade.”
E o Senhor perguntou:
“ Respondes por ele como digno de admissão?” O Mestre replicou:
“ Respondo.” O Senhor continuou: —
“ Encarregar-te-ás de guiar-lhe os passos ao longo do Caminho em
que ele deseja entrar?” E o Mestre respondeu: —
“ Eu me encarrego.” E o Senhor perguntou: —
“ Nossa regra requer que dois dos Irmãos mais altos respondam por
cada candidato; estará algum Irmão mais alto preparado para apoiar esta
solicitação?”
O Mestre Djwal Kul disse: —
“Estou preparado para fazê-lo.” Em seguida, disse o Senhor: —
“ O corpo do candidato é muito jovem. Se for admitido, haverá
membros da Fraternidade que ainda vivem no mundo exterior prontos
para encarregar-se dele e ajudá-lo em seu caminho ascensional?” Nesse
momento a senhora e meu tio se adiantaram, inclinaram-se e disseram: —
“Estamos prontos para encarregar-nos dele.” E o Senhor continuou: —
“ Vossos corações estão cheios de amor a ele, de modo que essa
direção seja fácil?” E os senhores dois responderam: —
“ Eles estão cheios de amor, proveniente de muitas vidas no passado.”
Então o Senhor me dirigiu a palavra pela primeira vez: —
“E tu, de tua parte, amas esses dois Irmãos, de modo que te subme­
terás alegremente à direção deles?” E eu, naturalmente, respondi: —
“ Eu os amo deveras de todo o coração.”
Ele perguntou: —
“ Desejas, pois, ingressar na Fraternidade que existe de eternidade a
eternidade?” E eu disse:
“ Desejo ingressar quando estiver apto a fazê-lo.”
Ele perguntou: —
“Conheces o objetivo dessa Fraternidade?” Eu repliquei: —
“ Realizar o trabalho do Logos [a trindade que governa nosso Sistema
Solar] ajudando o mundo.”
Então ele replicou: —
“ Tu te comprometes a dedicar toda a tua vida e toda a tua força
daqui por diante a esse trabalho, esquecendo-te absolutamente de ti mesmo
para o bem do mundo, fazendo que tua vida seja toda amor, exatamente
como Ele é todo amor?”
E eu respondi: —
“ Assim o farei, com a ajuda do Mestre.” Ele continuou: —
“ Prometes manter secretas as coisas que te ordenarem que mantenhas
secretas?” E eu disse: —

46
Í1 IÍ1 |

O pai de K, Narianiah

K, Sivaram e Nitya. A primeira fotografia, Adyar 1909


iNicya e
Uepois da primeira Iniciação, Adyar 1910
"Prometo.” A seguir, Ele me mostrou muitos objetos astrais e precisei
dizer-Lhe o que eram. Tive de distinguir entre os corpos astrais de um
homem vivo e de um homem morto, entre uma pessoa real e a imagem
mental de uma pessoa, e entre um Mestre de imitação e um Mestrje
verdadeiro. Depois Ele me mostrou muitos casos, e perguntou-me como eu
ajudaria cada um deles, e respondi da melhor maneira que pude. Final­
mente, Ele me mostrou a imagem do meu pior inimigo [seu mestre-escola?],
um homem cruel que eu odiara, porque muitas vezes nos torturara, a meu
irmãozinho menor e a mim; e Ele disse:
“ Ajudarás até esta criatura, se ela precisar da tua ajuda?” Não pode
haver ódio na presença do Mestre, por isso repliquei: —
“ Por certo a ajudarei.” Afinal, Ele sorriu, disse que as respostas
haviam sido muito satisfatórias e perguntou a todos os outros Mestres: —
“Todos os presentes concordam com a recepção deste candidato em
nossa companhia?” E todos responderam que concordavam.
Em seguida o Senhor afastou os olhos de mim e bradou na direção
de Shamballa: —
“ Faço isto, ó Senhor da Vida e da Luz, em Teu nome e por T i?” E,
incontinenti, a grande Estrela de Prata fuzilou sobre a Sua cabeça, e de
cada lado dela surgiu no ar uma figura — uma do Senhor Gautama Buda
e outra do Mahachohan. i E o Senhor Maitreya voltou-se e chamou-me
pelo verdadeiro nome do Ego e depôs Sua mão sobre minha cabeça e
disse: —
“Em nome do Iniciador, cuja Estrela brilha acima de nós, eu te
recebo na Fraternidade da Vida Eterna; diligencia para que sejas um digno
e útil membro dela. Estás agora em segurança para sempre, pois entraste
na corrente; possas logo atingir a praia mais distante!”
A seguir, Ele me deu a Chave do Conhecimento e mostrou-me como
poderei sempre e em qualquer lugar reconhecer um membro da Grande
Fraternidade Branca quando O encontrar; mas essas coisas, disse Ele,
não devo repetir.
Depois, dirigindo-se aos meus dois padrinhos, pediu-lhes que se encar­
regassem das experiências búdicas necessárias. Ato contínuo, todos os
Mestres, um por um, tocaram minha cabeça, falaram bondosamente comigo
e deram-me os parabéns, e o Senhor Maitreya deu-me a Sua bênção. Final­
mente a Estrela desapareceu, todos viemos embora e eu acordei sentindo-me
maravilhosamente feliz e seguro.
Pouco depois voltei a adormecer e, durante todo esse dia, estive
ausente do meu corpo, recebendo lições sobre o plano búdico e sobre
a maneira de formar um corpo búdico e um tnayavirupa [corpo astral
materializado]. Mas não me lembro disso muito claramente neste cérebro;
porque isso desceu através de vários planos.
Na noite seguinte levaram-me para ver o Rei, e esta foi a mais mara­
vilhosa de todas as experiências. Ele é um menino não muito mais velho

1. O Mahachohan, o Buda e Manu eram os três aspectos do Logos que


atingira os graus de Iniciação que lhes davam consciência dos planos da natureza
além do campo da evolução da humanidade. Se bem executassem funções dife­
rentes, possuíam status igual e vinham imediatamente abaixo do Rei do Mundo
na hierarquia esotérica.

47
do que eu, mas o mais belo que já vi em toda a minha vida, resplan­
decente e glorioso e, quando sorri, é como a luz do sol. Ele é forte como
o mar, de modo que nada poderia opor-se-Lhe por um momento que
fosse e, não obstante, Ele é só amor, de sorte que eu não poderia sentir o
menor pingo de medo d’Ele. E a Estrela de Prata que vimos é parte
d’Ele — não mandada para lá, pois Ele está lá e em toda a parte o
tempo todo mas, de certo modo, feita de um jeito que podemos ver. E
quando não a podemos ver, Ele está lá do mesmo jeito. Ele me disse
que eu procedera bem no passado, e que no futuro procederia ainda
melhor; e se o meu trabalho fosse difícil, eu nunca deveria esquecer a
Sua presença, pois Sua força estaria sempre atrás de mim, e Sua Estrela
brilharia sobre mim. Depois Ele ergueu Sua mão para abençoar-nos e
nós viemos embora. Havia três outras Entidades Resplandecentes que se
achavam atrás cTEle, mas não olhei para Elas, pois não conseguia desviar
meus olhos d’Ele. Quando fui para lá e quando voltei vi ruínas enormes
e uma grande ponte, diferente de todas as outras que já vira; mas eu
estava pensando tanto n’Ele, que não lhes dei muita atenção.

A Sra. Besant “ recordou” as próprias lembranças da cerimônia


sem nenhuma instigação da parte de Leadbeater, pois ela lhe escrevia
a 12 de janeiro:
Fui para lá — como é claro que você sabe, às cinco horas [da manhã
do dia 11], e ali permaneci até às 6:15. Assim ficou definitivamente
estabelecido que o Senhor Maitreya tomará o corpo desta querida criança.
Afigura-se-me uma responsabilidade muito pesada defendê-la, de modo que
se torne apropriada para Ele, como Ele disse, e sinto-me acabrunhada, mas
nós estamos juntos nessa tarefa e sua sabedoria nos iluminará. Creio
que aceitamos uma tarefa muito solene e nela empenhamos nossas vidas.
E depois Shamballa — na presença do Jtei. Eu gostaria imenso de con­
versar sobre o assunto com você. O querido menino estava lindo, como
uma imagem do Cristo menino, com os grandes olhos solenes, cheios de
amor e confiança. Ter-se-á lembrado de tudo?

A Sra. Besant ia até mais longe do que Leadbeater ao afirmar


que estava “ definitivamente estabelecido” que o Senhor Maitreya
tomaria o corpo de Krishna.
Ela escreveu ao próprio Krishna em resposta ao seu relato da
Iniciação, e ele respondeu-lhe no dia 23 de janeiro: “ .. . nesta nova
vida todo o mundo é tão bom — o Senhor Maitreya e todos os Mestres,
e os membros que trabalham para Eles em Adyar; todos são muito
diferentes das pessoas que eu costumava conhecer, de modo que este é
um mundo diferente para mim. Até meu pai está diferente agora, e
tudo é belo. Espero poder ser suficientemente bom para tudo isso.”
A Sra. Besant devia estar sentindo a consciência um tanto pesada,
pois escrevia a Leadbeater a 25 de janeiro: “ É claro que não podemos
esperar tanto de Hubert quanto do querido Krishna, uma vez que as

48
vicias precedentes foram tão diversas. Além disso, naturalmente, é
difícil para o menino norte-americano ser tão modesto e tão dócil
quanto o indiano. Mas já que ele foi considerado uma possível morada
para o Senhor Maitreya, poderemos trabalhar por ele com muita espe­
rança, você não acha?” Hubert, que fora submetido à provação antes
de sua chegada a Adyar, só foi aceito em dezembro de 1912.
Pouco depois do seu regresso a Adyar em fevereiro, a Sra. Besant
perguntou a Leadbeater: “ Charles querido, por que você sempre se
subestima e me superestima tanto? Estou certa de que faz muito mais
pelos caros meninos do que eu. Sempre tem má opinião de si mesmo
e não percebe o quanto vale, pois foi você quem descobriu os meninos
e os salvou.” Ele, sem dúvida, lhe fizera ver o quanto era indispensável
a presença dela em Adyar.

49
5
PRIMEIROS ENSINAMENTOS

A verdade é que as relações entre Narianiah e Leadbeater não


poderiam continuar amistosas por muito tempo. Conquanto se hou­
vesse entusiasmado com a Iniciação de Krishna, Narianiah estava agora
provocando sérias complicações. É claro que ele conhecia a crônica
anterior de Leadbeater e, como antipatizava com ele e não confiava
nele, estava sempre pronto para ouvir as histórias que lhe eram tra­
zidas pelo criado da Sra. Besant, Lakshman. Lakshman ficara profun­
damente chocado quando, um dia, ao entrar no banheiro da Sra. Besant,
encontrara Krishna em pêlo, ao passo que Leadbeater, vestindo apenas
uma camisa que lhe chegava até a metade das coxas, lavava os cabelos
do menino. A nudez era uma abominação para a ortodoxia hindu e
uma quebra das regras de casta. Lakshman também afirmava ter
surpreendido Krishna nu em presença de Leadbeater no Bangalô
Octogonal.
Essas histórias chegaram ao conhecimento da Sra. Besant, que
concluiu que só havia uma coisa que se poderia fazer, a saber, per­
suadir Narianiah a transferir para ela a guarda legal dos meninos. No
princípio de março, portanto, depois do seu retorno a Adyar, ela pediu
a Sir Subrahmanyam Aiyar, vice-presidente da Sociedade, que redigisse
um documento que seria subscrito por Narianiah e em que este,
depois de expressar toda a sua gratidão a ela pelos cuidados e solici­
tude dispensados aos meninos, lhe conferia os plenos direitos de tutora
deles. A única condição inserida no rascunho rezava que, por morte
dela, o documento perderia automaticamente o valor e a custódia dos
menores reverteria ao pai. Narianiah assinou o documento no dia
6 de março e, ao que tudo indica, de muito bom grado. A única coisa
que ele pretendia, segundo parece, era afastar os garotos das proximi-

50
dades de Leadbeater. Sabendo que Leadbeater seria na verdade o
verdadeiro tutor deles, a Sra. Besant decidiu, muito sabiamente, per­
manecer na índia pelo resto do ano de 1910, e manter os meninos tão
próximos dela quanto possível, a fim de evitar novos mexericos. Os
meninos mudaram-se para o quarto da Sra. Lübke, vizinho do quarto
dela, que fora dividido ao meio acrescentando-se outro banheiro ao
conjunto. Krishna e Nitya ocuparam a metade oriental e Dick Clarke
a outra metade. Embora ao mesmo tempo Leadbeater se mudasse do
Bangalô Octogonal e fosse dormir no edifício da sede, o seu quarto
distava o mais possível do quarto deles, e ele continuou a utilizar o
Bangalô Octogonal como escritório e sala de aulas para os meninos.
Os garotos passaram a levar uma vida de tranqüila rotina após o
regresso da Sra. Besant. Krishna se recordava: “ Nossa mie nos dava
uma hora de leitura todas as manhas. Lemos juntos ‘O Livro do
JângaP de Rudyard Kipling, de que gostei muito. ‘O Valente Capitão’,
‘O Pimpinela Escarlate’, ‘Eu Restituirei’ e algumas peças de Shakes-
peare.” Os passeios matinais de bicicleta prosseguiram, Leadbeater
continuou tomando nota das milhas registradas no ciclômetro de
Krishna, e havia tênis e natação à noite.
Mas assim que a Sra. Besant partiu de Adyar para uma breve
visita a Benares, Narianiah entrou a criar dificuldades outra vez. “ Ele
parece ter tido um acesso de insanidade” , contou Leadbeater a ela no
dia 18 de abril. Leadbeater, contudo, pôde assegurar-lhe que o Mestre
compreendia tudo aquilo com as próprias palavras d’Ele:
“ O trabalho que estás fazendo para mim é de tal importância que
não podes esperar que ele escape à atenção dos poderes mais escuros, e
o pai nominal, através da sua cólera e da sua inveja, lhes oferece um
instrumento conveniente. Repito-o mau grado meu. . . quanto menos ele
vir os meninos nos próximos anos, tanto melhor. Será preciso fazê-lo
compreender, com bondade mas com firmeza, que ele não pode interferir
na vida dos filhos de maneira alguma, como tampouco pode interferir na
vida do irmão deles, H ubert... Aprovo os cuidadosos arranjos que fizeste
em relação ao banho, à comida e ao sono; quando se fizer necessária alguma
alteração, eu mesmo to direi.”

Alguns meses mais tarde o Mestre continuava a dar instruções a


Leadbeater:
“ Eles [os meninos] viveram por muito tempo no inferno; procura
mostrar-lhes alguma coisa do Paraíso. Quero que tenham, tudo ao con­
trário das condições anteriores. Em lugar de hostilidade, desconfiança,
sofrimento, miséria, irregularidade, desleixo e sujeira, quero-os cercados
de uma atmosfera de amor e felicidade, confiança, regularidade, perfeito
asseio físico e pureza mental. . . Conserve-os o quanto possível dentro

n
da sua aura e da de Annie, de modo que possam ser protegidos de todos
os pensamentos maus e carnais.. . Quero que tu os civilizes; que os
ensines a usar colheres e garfos, escovas de unhas e escovas de dentes, a
sentar-se com desembaraço em cadeiras em vez de acocorar-se no chão,
a dormir racionalmente na cama e não num canto qualquer, como um cão.
Longas horas de sono são especialmente necessárias, mas vela por que não
durmam de pijamas, responsáveis por tanto mal em nossa civilização. As
roupas de baixo devem ser sempre de seda, linho ou pano, mas nenhuma
lã nem flanela há de tocar-lhes a pele. Nenhum aperto indevido será per­
mitido em parte alguma e a nenhum pretexto se estragará a forma do
pé. Conserve-lhes a cabeça sempre fria e, sempre que possível, descoberta.
O corpo dele [de Krishna] precisa desenvolver-se direito e forte, ágil e
musculoso, com um porte marcial, o peito largo e grande capacidade pul­
monar. O asseio mais escrupuloso, em todas as condições, é de importância
primacial.”

Era a insistência de Leadbeater no “ asseio escrupuloso” , sobre­


tudo no costume europeu de tomar banho em pêlo e lavar-se entre as
pernas, que provoca tantos comentários desagradáveis em Adyar.
Leadbeater mostrou, sem dúvida, a Krishna como lavar-se desse jeito,
mas tanto Krishna quanto Nitya sempre sustentaram que nunca houve
a mais leve insinuação de imoralidade. 1
No fim de setembro de 1910, a Sra. Besant levou os meninos a
Benares e eles ficaram em casa dela, Shanti Kunja, na propriedade
teosófica de quinze acres, perto do Colégio Central Hindu, por ela fun­
dado em 1898 e que era talvez, dentre todas as suas realizações, a de
que mais se orgulhava. Os meninos já conheciam alguns professores
do Colégio Central. Hindu, que foram passar as férias em Adyar, mas
agora uma profunda amizade se desenvolveria entre Krishna e o diretor
do colégio, George Arundale (Fides em As Vidas de Alcíone), homen­
zarrão, trigueiro, bem-apessoado, de trinta e dois anos, ex-pupilo de
Leadbeater na Inglaterra e que fora para Benares em 1903 depois de
haver-se diplomado em Cambridge, com distinção, em Ciência Moral.
Krishna também se travou de amizade com o professor de inglês do
colégio, A. E. Wodehouse, irmão mais velho de P. G. Wodehouse,
que lecionara inglês no Colégio Elphinstone antes de interessar-se por
Teosofia e mudar-se para Benares a pedido da Sra. Besant. Wodehouse
conquistara o Prêmio Newdigate de poesia quando estava no Colégio

1. Hubert jurou mais tarde, diante da Sra. Besant, que Leadbeater “ abusara”
dele, mas em vista da sua natureza extremamente vingativa por esse tempo, o
seu testemunho, se bem não fosse desmentido, talvez não merecesse toda a
confiança. Hubert agüentou a vida em Adyar durante cinco anos. Depois disso
foi para Christ Church, Oxford e, mais tarde, para a Northwestern University,
Illinois. Casou-se e exerceu a advocacia em Chicago. ( The Last Four Lives o/
Annie Besant, de A. H. Nethercote, p. 193n., Hart-Davis, 1961.)

52
de Corpus Christi, em Oxford, bem como o Chancellor’s Essay Prize.
(Um livro dos seus poemas foi publicado depois da primeira guerra.)
Assim como Arundale, Krishna escolheu quatro outros membros
dos mais chegados seguidores da Sra. Besant, conhecidos como o Grupo
do Xale Amarelo ( porque todos usavam xales amarelos de seda nas
reuniões), pelos quais se sentia particularmente atraído e que consi­
derava repletos de promessas espirituais. Pediu licença à Sra. Besant
para ensinar a esses cinco homens as qualificações indispensáveis ao
discipulado, que lhe haviam sido ensinadas no ano anterior pelo Mestre
entre a sua provação e a sua aceitação. A Sra. Besant ficou encantada
e, ao referir-lhe o pedido a Leadbeater, acrescentou: “ É tão bom vê-lo
desabrochar!” Ela folgou de receber a carta de aprovação de Lead­
beater, dizendo-lhe, na resposta que lhe escreveu: “ Sou de opinião
que, em assuntos dessa natureza, o melhor é deixá-lo seguir o próprio
coração e os próprios impulsos, que saberão guiá-lo. . . Ele está-se
desenvolvendo muito depressa, e já não revela traço algum de acanha­
mento ou timidez, senão uma bonita e graciosa dignidade.” E no dia
seguinte, tornou a escrever: “ O inglês de Krishna sob a tensão do
diálogo melhorou muito, e ele apadrinha George [Arundale] de modo
singular.”
O próprio Krishna escreveu a Leadbeater a fim de pedir-lhe que
lhe mandasse as notas tomadas por ele, Krishna, com base nas ins­
truções do Mestre Kuthumb

Arrumei-lhe as notas da melhor maneira que pude [afirmou Lead­


beater mais tarde], e datilografei-as. Depois me pareceu que, sendo elas
sobretudo palavras do Mestre, era melhor certificar-me de que não havia
mal nenhum em registrá-las. Levei, portanto, minha cópia datilografada
ao Mestre Kuthumi e pedi-Lhe que me fizessa o favor de lê-la. Ele leu-a,
alterou uma ou duas palavras aqui e ali, acrescentou algumas notas conec-
tivas ou explanatórias e umas poucas sentenças, que me lembro de O ter
ouvido pronunciar. Depois disse: “ Sim, parece correto; isto servirá” ; mas
ajuntou: “ Vamos mostrá-lo ao Senhor Maitreya.” E assim fomos juntos, Ele
levando o livro, que mostrou ao próprio Mestre Universal. Este leu, apro­
vou e disse: “Deveríeis fazer um bonito livrinho disto a fim de apresentar
Alcíone ao mundo.” Não tínhamos a intenção de apresentá-lo ao mundo;
não nos parecera desejável que uma massa de pensamentos se concentrasse
num menino de treze anos, que ainda não completara sua educação. Mas
no mundo esotérico fazemos o que nos mandam fazer e, por isso mesmo,
colocamos este livro nas mãos do impressor na manhã seguinte.

Antes de chegarem as notas datilografadas de Leadbeater, a Sra.


Besant, acompanhada de Krishna e Nitya, da Sra. van Hook e Hubert,
fizera breve excursão a Laore e Deli. Foi essa a primeira vez que os
meninos indianos estiveram no Norte e tanto se queixaram do frio que
a Sra. Besant mandou fazer casacos acolchoados de seda para eles,
assegurando a Leadbeater que "não há transpiração neste clima e
nenhum perigo de cheiro” . Ela deve ter recebido a carta de Leadbeater
a respeito do texto datilografado enquanto estava ausente pois, no dia
23 de outubro lhe escrevia, emocionada, de Deli: “ Estamos encantados
com a aprovação do Mestre e do Senhor Maitreya ao primeiro esforço
literário de Alcíone. Precisamos imprimi-lo e encaderná-lo lindamente
— a primeira dádiva dele ao mundo. Será ‘Alcíone’ ou Krishnamurti?
Fá-lo-emos assim que eu regressar.” 1 Ela acrescentava que as ma­
neiras de Krishna eram agora “ perfeitas, dignas e suaves, sem nenhum
traço de timidez” .
Até hoje se discute se Aos pés do Mestre foi ou não escrito por
Krishna. A Sra. Besant parece não ter dúvidas quanto à sua autenti­
cidade, se bem que o próprio Krishna haja declarado no Prefácio:
“ Estas palavras não são minhas; são do Mestre que me ensinou.”
Como as notas originais, quase certamente redigidas por ele, não exis­
tem mais, não há meio de saber até que ponto foram revisadas por
Leadbeater. Como quer que fosse, a cópia já estava em Benares quando
Krishna para lá voltou no fim de outubro, e ele começou, baseado
nelas, a ensinar as quatro qualificações para o discipulado — Discri­
minação, Ausência de Desejo, Bom Procedimento e Amor. Como os
cinco membros do seu grupo especial fossem todos muito mais velhos
do que ele (além de Arundale havia também I. N. Gurtu, diretor da
escola preparatória dos meninos, anexa ao Colégio), Krishna era natu­
ralmente comparado a Cristo ensinando os Anciãos no Templo. Esse
grupo especial, cujo número foi aumentando aos poucos, tornou-se
um núcleo interno do Grupo do Xale Amarelo. Passou a ser conhe­
cido como a Ordem da Púrpura graças às suas insígnias — o xale pur­
purino, a faixa cor de púrpura bordada de ouro e com a inscrição
J. K., que usavam por cima do ombro, e um distintivo de prata sobre
uma fita purpúrea. Krishna era seu Chefe e a Sra. Besant e Leadbeater
seus Protetores.
Não se negligenciaram, todavia, as lições nem os exercícios. Todas
as tardes havia porfiadas partidas de tênis, quando Krishna e George

1. O autor era “ Alcíone” . A primeira edição do livro, publicada em de­


zembro, foi encadernada em pano azul com uma gravação em ouro do Caminho
que conduz a um pórtico egípcio. O frontispício era a mais recente fotografia
de Alcíone. Também foram tirados doze exemplares encadernados em couro
azul. Todo o dinheiro apurado na venda foi entregue à Sra. Besant, a pedido
de Krishna,

54
jogavam contra Hubert e Woclehouse e quase sempre ganhavam. Em
Benares, Krishna também ganhou uma câmara fotográfica, que ele
amava e com a qual se tornou um fotógrafo sumamente paciente e
cuidadoso.
Wodehouse escreveu sobre ele nessa ocasião:
O que mais nos impressionava era a sua naturalidade. . . não havia
nele o menor traço de afetação. Conservava ainda o natural retraído,
modesto e deferente para com os mais velhos e cortês para com todos.
Aos que ele apreciava, além disso, mostrava uma grande afeição, singu­
larmente atraente. Parecia não ter a menor consciência da sua posição
“ oculta” . Nunca aludia a ela — nunca, por um único momento, permitia
que a alusão mais leve a ela se intrometesse em sua fala ou em seus
m odos... Outra qualidade era um sereno altruísmo. Parecia não ter a
menor preocupação consigo mesmo. . . Não éramos devotos cegos, prepa­
rados para ver nele apenas a perfeição. Éramos pessoas mais velhas,
pedagogos, e possuíamos alguma experiência da juventude. Tivéssemos
nós vislumbrado nele um traço sequer de presunção ou afetação, ou alguma
pose de “ criança sagrada” , ou de timidez puritana, e teríamos, sem dú­
vida alguma, proferido uma sentença contrária.

Krishna nunca perdeu suas belas maneiras em razão de uma inata


consideração pelos outros e, apesar de toda a adulação que recebeu
desde os catorze anos de idade, sempre se mostrou modesto e discreto.
Era evidente que Leadbeater fazia pressão para que Krishna con­
tinuasse sua educação na Inglaterra, pois a Sra. Besant lhe escreveu
no dia 3 de novembro com certa rispidez, pelo menos dessa feita:
“ Não precisamos decidir coisa alguma a respeito da Inglaterra antes
do meu regresso. Nessa ocasião discutiremos o caso e saberemos o
que nos aconselha o Mestre. Se for possível evitar os transtornos
dos estudos e despesas que nisso estão envolvidos, tanto melhor.”
Não existe registro escrito do conselho do Mestre nesse particular, mas
como a Sra. Besant regressou com os meninos a Adyar no fim de
novembro, Leadbeater deve ter-lhe comunicado verbalmente as ins­
truções do Mestre: os garotos deveriam estar na Inglaterra dentro de
seis meses, no máximo.
A 11 de janeiro do ano seguinte, 1911, aniversário da Iniciação
de Khrisna, George Arundale, em Benares, formou outra organização,
a Ordem do Sol Nascente, cujo propósito era reunir os que na índia
acreditavam na próxima vinda de um grande mestre espiritual, ajudar
a preparar a opinião pública para recebê-lo e criar uma atmosfera de
boas-vindas e reverência. Poucos meses depois, a idéia foi entusias­
ticamente adotada pela Sra. Besant e Leadbeater e, sob o novo nome
de Ordem da Estrela no Oriente, converteu-se numa organização inter­

55
nacional. Nomearam-se funcionários para cada país, que consistiam
num representante nacional e num Secretário organizador. A Sra.
Besant e Leadbeater foram feitos Protetores da Nova Ordem, cujo
Chefe era Krishna. Arundale, por sua vez, era secretário do Chefe
e Wodehouse, secretário organizador. Não havia regras nem subs­
crições. Cada membro recebia um certificado de membro e tinha per­
missão para usar o distintivo da Ordem, uma estrela de prata de cinco
pontas, em forma de broche, brinco ou alfinete. Os representantes
nacionais e outros altos funcionários podiam usar estrelas de ouro.
Também se fundou uma revista trimestral, impressa em Adyar e cha­
mada Herald of the Star (Arauto da Estrela), cujo diretor nominal
era Krishna; o primeiro número apareceu em janeiro de 1911.
Alguns dos membros mais antigos da Sociedade Teosófica con­
testaram o direito da Sra. Besant de fundar uma organização dessa
natureza com um propósito específico fora dos três objetivos da Socie­
dade, mas a Sra. Besant recordou aos críticos o fato de haver a Sra.
Blavastky “ considerado missão da S .T . preparar o mundo para o ad­
vento do próximo grande Mestre, embora, no seu entender, esse evento
só deva ocorrer daqui a meio século” .
Por esse tempo, só tinha a Sociedade uns dezesseis mil membros
ativos em todo o mundo. Os teosofistas dividiam-se em Lojas, de
acordo com a localidade ou as atividades especiais; cada cidade tinha
liberdade para fundar a própria Loja, e as grandes cidades podiam ter
várias Lojas — de modo que os dezesseis mil membros se distribuíam
por mais de seiscentas lojas. Esse sistema tinha os seus perigos, pois
facilitava a cisão de facções, que podiam tornar-se independentes de
Adyar. Uma brecha dessa natureza abrira-se nos Estados Unidos poucos
anos antes, e agora a fundação da Ordem da Estrela no Oriente acar­
retava um cisma ainda mais sério, pois Rudolph Steiner, da Alemanha,
um dos membros importantes, afastou-se, levando consigo a maioria
das Lojas alemãs e com os dissidentes formou a sua própria Sociedade
Antroposófica. A S .T ., porém, recuperou-se desse golpe e continuou
a crescer; por volta de 1920 havia 36.350 membros e em 1928 ela
atingiu o seu ponto culminante com 45 mil membros.

56
6
NA INGLATERRA

Depois de uma excursão pela Birmânia em janeiro e fevereiro de


1911, a Sra. Besant deixou Adyar no dia 22 de março com Krishna
e Nitya, a caminho da Inglaterra. Em Benares, por onde passaram
antes de chegar a Bombaim, compraram-se roupas européias para os
meninos e um médico incumbiu-se da tarefa de costurar os grandes
orifícios abertos nos lobos das suas orelhas, furados, como acontecia
com todas as crianças hindus, quando eles eram pequeninos. Lead-
beater insistira em que o “ corpo de Krishna não poderia ser entregue
com aqueles buracos” . A anestesia local empregada pelo médico apa­
rentemente surtiu pouco efeito. A Sra. Besant ficou muito transtornada
com a operação, que provocou maior sofrimento em Krishna do que
em Nitya e levou mais tempo. Ela ficou segurando a mão dos meninos
o tempo todo e tentou, sem êxito, transferir a dor para si mesma.
Acompanhados por George Arundale, que tirara alguns meses de
licença no Colégio Central Hindu para tornar-se preceptor dos meninos,
zarparam de Bombaim no dia 22 de abril no S .S . Nlantua. A Sra.
Besant contou na primeira das suas cartas semanais a Leadbeater que,
conquanto os garotos achassem os sapatos novos muito apertados,
davam-se bem com as roupas inglesas e Nitya já sabia vestir-se sozinho.
Só não conseguia dar o nó na gravata sem ajuda. Krishna estava entu­
siasmado porque o capitão do navio, o Capitão Normand, velho conhe­
cido da Sra. Besant, lhe permitira “ ver alguma coisa do funcionamento
do navio, em particular o ‘aparelho de Marconi’ ” . O grupo desem­
barcou em Brindisi e foi de trem a Calais, via Turim, por causa do
enjôo de mar, de que a Sra. Besant sofreu muito durante toda a vida.
Krishna e Nitya também se revelaram péssimos marinheiros.
Registrou-se, naturalmente, tremenda comoção entre os teosofistas
ingleses quando a Sra. Besant chegou a Londres. As Vidas de Alcíone

57
tinham começado a aparecer publicadas na revista Theosophist no ano
anterior e sabia-se que a Sra. Besant trazia consigo o próprio “ Alcíone” ,
como também não se fazia segredo do papel maravilhoso que ele estava
destinado a desempenhar. Grande multidão, portanto, estava à espera
dela e dos seus tutelados quando estes chegaram à Estação de Charing
Cross no dia 3 de maio. Entre as pessoas reunidas na plataforma se
achava Lady Emily Lutyens, esposa do arquiteto Edwin Lutyens,
recém-convertida à Teosofia depois de ler alguns livros da Sra. Besant
e que, em seu entusiasmo, já fundara uma nova Loja Teosófica, desti­
nada à aplicação prática da Teosofia aos problemas sociais.
Lady Emily registrou sua primeira impressão de “ Alcíone” : “ Eu
só tinha olhos para Krishna, estranha figura de longos cabelos pretos,
que lhe chegavam quase até os ombros, e enormes olhos negros com
uma expressão vazia. Vestia um casaco de Norfolk. A Sra. Besant
pilotava-o ao longo da plataforma, ansiosa por impedir que a mul­
tidão o comprimisse.” Quando saiu da estação, Lady Emily encontrou
um dos membros do sexo feminino da S .T . quase desmaiada; pos­
suindo poderes mediunicos, esta fora dominada pela glória da aura de
Krishna.
A Sra. Besant e os meninos hospedaram-se em Drayton Gardens
82, South Kensington, em casa de suas amigas mais íntimas, a viúva
de Jacob Bright e sua filha solteira Esther. 1 A primeira reunião da
Sra. Besant em Londres realizou-se a 8 de maio na sede da Sociedade
Teosófica, em Bond Street, quando ela anunciou a formação da Ordem
da Estrela no Oriente e disse que todos os que quisessem pertencer
a ela poderiam dar seus nomes a George Arundale. Lady Emily foi
uma das primeiras a fazê-lo e, poucos dias depois, a Sra. Besant con­
vidou-a para ser a Representante Nacional da Ordem na Inglaterra.
Duas outras recém-convertidas, trazidas para a Sociedade por Lady
Emily, eram a Srta. Mary Dodge, riquíssima e generosíssima dama
norte-americana, paralisada pela artrite, e sua grande amiga Muriel,
Condessa De La Warr, que morava com ela em Warlick House, em
St. James’s. A Srta. Dodge colocou um carro à disposição da Sra.
Besant enquanto esta estivesse na Inglaterra. 2

1. Jacob Bright, M . P . , P. C. (1821-99), era o irmão mais moço de John


Bright. A casa de Drayton Gardens, 82 pertence hoje à Sociedade de Autores.
Possuía então um jardim maior, onde se erguiam algumas árvores de grande porte.
2. Lady Emily conhecera a Srta. Dodge através do marido, cuja cliente
ela fora. Lady De La Warr era filha do Conde Brassey. Desposara o Conde De
La Warr em 1891 e obtivera o divórcio em 1902. Lady Emily era filha do l.°
Conde de Lytton, que fora Vice-Rei da índia. Casara em 1897. Suas ligações com
a índia interessaram à Sra. Besant.

58
Krishna e Nitya permaneceram na Europa quatro meses, durante
os quais Krishna assim como a Sra. Besant enviaram relatórios regu­
lares de suas atividades a Leadbeater em Adyar. Arranjou-se para eles
um programa de estudos sob a direção de Arundale, entremeados de
exercícios e alguns divertimentos, sem que jamais se esquecesse a im­
portância de uma dieta nutritiva e de dez horas de sono todas as noites.
A essa altura, evidentemente, já ficara decidido que iriam para Oxford,
pois a Sra. Besant escreveu que não precisavam prestar exame de latim
a fim de bacharelar-se em humanidades. Por enquanto, estudavam
aritmética, álgebra até as equações simples, sânscrito, redação de ensaios
e Shakespeare. Como exercícios tinham aulas de equitação, iam ao
famoso ginásio de Sandow em St. Jam es’s Street e jogavam croque no
quintal da casa da Sra. Bright, onde ficariam o tempo todo que per­
maneceram em Londres. A Sra. Besant deu-lhes dois “ lindos botes”
para velejar no Lago Redondo em Kensington Gardens, e Arundale
presenteou Krishna com um modelo de motor a vapor, que ele adorou.
A despeito de tudo isso, eles acharam o barulho de Londres muito
fatigante, e as botas, embora largas, lhes cansavam tanto os pés que
eles relutavam em andar. Nitya, que, naquela época, era quem dava
mais atenção às roupas, suplicou que o deixassem vestir calças, por
serem os calções presos à altura dos joelhos (knickerbockers) “ dema­
siado juvenis” . Ide ganhou também um paletó igual ao que vira e
cobiçara num menino de Eton. A Sra. Besant levou Nitya, quase
cego da vista esquerda, ao que supunha ser o melhor oftalmologista
de Londres, o Sr. Treacher Collins, que declarou nada poder fazer por
ele: “ A retina sofreu uma lesão durante o nascimento, ou antes dele,
e sobre a lesão se formou um tecido fibroso.” Não se notava a cegueira
parcial de Nitya, a não ser com um estrabismo quase imperceptível.
O que Krishna mais apreciou foram os teatros. Durante a estada
em Londres eles viram O 'Prisioneiro de Zenda, O Pimpinela Escarlate,
Júlio Cesar com Herbert Tree no papel de Antônio, Macbeth, The Only
Way, Baby Mine, Hope, George Grossmith em Peggy, Kismet, A
Royal Divorce e o Kinemacolour no Scala. As partidas de críquete
entre Oxford e Cambridge e Eton e Harrow, no Lords, também foram
muito apreciadas, assim como o museu da Sra. Tussaud, o Torneio
Militar, “ Trooping the Colour” e os fogos de artifício na White City,
ao passo que o Jardim Zoológico, a catedral de São Paulo e os Kew
Gardens lhes machucaram, os pés. Quanto ao “ tubo elétrico” , detes­
taram-no.
Lady Emily conseguiu arrumar lugares para eles no palanque do
Almirantado para assistir à procissão da Coroação de Jorge V no dia
22 de junho e ela mesma os levou em companhia de seus dois filhos
mais velhos: Barbara, três meses mais moça do que Nitya, e Robert,
de onze anos de idade. 1 Lady Emily descreveu a ocasião:
Não houve meio de encontrar o nosso carro depois, por causa da
multidão, e tivemos de voltar a pé para minha casa em Bloomsbury Square.
Caminhar, naquela época, era uma agonia para os dois meninos, que nunca
tinham usado sapatos antes de vir para a Europa. Era também, uma
uma tortura para Krishna, tímido e retraído de seu natural, ser obrigado a
enfrentar multidões, mormente porque seus cabelos compridos, com as
roupas européias, sempre provocavam comentários como este: “ Vá cortar
esse cabelo, seu\” A razão para esse estilo especial d© corte de cabelo era
que o Buda, ao sair de casa como Príncipe Siddartha em busca de ilumi­
nação, cortara as longas melenas ao nível dos ombros com a espada. E os
encarregados de cuidar de Krishna, seguindo provavelmente as instruções
do Mestre, haviam decidido que, devendo ele ser um futuro Buda (em
Mercúrio, daqui a alguns milhões de anos), já devia adotar o penteado
budista. Não parecem ter levado em consideração os sentimentos do
tímido menino sujeito a essa penitência. Enquanto nos afastávamos do
Almirantado através das densas multidões, constantes remoques eram ati­
rados ao pobre Krishna. Houve uma notável exceção: ao passarmos pelos
Seven Diais, uma mulher, à porta de sua casa, exclamou, ao ver-nos:
“ Bendito seja o seu belo rosto!”

As lições não eram tão importantes que impedissem a Sra. Besant


de levar os meninos consigo a vários lugares da Inglaterra e da Escócia
quando ia presidir a reuniões teosóficas e angariar membros para a
Ordem da Estrela. Foram primeiro a Oxford, onde passaram duas
noites e onde Lady Emily, que foi com eles, os recordou numa recepção
ao ar livre num dia frigidíssimo de maio — “ dois tiritantes menino-
zinhos indianos” que pareciam tão infelizes e tão frios que ela sentiu
vontade de envolvê-los nos braços e protegê-los. Não admira que
Krishna escrevesse a Leadbeater no dia 26 de maio que Oxford “ era
muito frio e não nos divertimos nada” . A Sra. Besant aludiu a certas
dificuldades para conseguir o ingresso de hindus em Oxford, mas espe­
rava que “ as coisas melhorassem dali a quatro anos” . Em agosto seus
nomes foram inscritos para ingresso em Balliol e New College. Eles
esperavam conseguir residência em outubro de 1914.
Em junho, a Sra. Besant levou os meninos a Paris a fim de ali
passarem alguns dias e onde, no dia 12, fez uma conferência na Sor-

1. A Sra. Besant escreveu a Leadbeater acerca de Robert Lutyens dizendo


tratar-se de um garotinho encantador, de quem Krishna havia gostado, e acres­
centou que era bisneto de Bulwer Lytton. Isso não deixaria de impressionar
Leadbeater, que considerava Bulwer Lytton um grande ocultista. Leadbeater sus­
tentava que somente um Iniciado poderia ter escrito Zanoni.

60
bonne sobre o tema: “ Giordano Bruno, apóstolo da Teosofia no século
X V I.” Como a própria Sra. Besant havia sido Bruno numa das suas
encarnações anteriores, a conferência deve ter sido pelo menos con­
vincente, de modo que não surpreende que o anfiteatro, capaz de
receber quatro mil espectadores, estivesse à cunha e centenas de pessoas
fossem mandadas de volta. Krishna contou a Leadbeater no dia
seguinte: “ A conferência da Sorbonne foi um grande sucesso. Vi ali o
Conde.” 1
Krishna registrou apenas outra experiência esotérica enquanto
estava na Europa: lembrava-se de ter ido com George Arundale à casa
do Mestre Kuthumi na noite de 27 de junho, quando o Mestre aceitou
George, que já fora submetido à provação, por seu discípulo. Krishna
escreveu a Leadbeater pedindo-lhe a confirmação do fato e recebeu
um telegrama que o confirmava.
A Sra. Besant pronunciou três conferências nos Queen’s Hall de
Londres, em junho e julho, sobre “ A Vinda do Mestre Universal” .
A sala estava tão cheia, como na Sorbonne, que centenas de pessoas
foram impedidas de entrar. Na índia, ela usava sempre um alvo sári
mas, na Europa, limitava-se a um longo vestido branco. Com os cabelos
brancos, curtos e crespos, era uma figura impressionante sobre o estrado,
a despeito da pequena estatura; sua retórica tendia a ser florida, mas
ela possuía, em grau extraordinário, a qualidade vital do orador — o
magnetismo. Depois da última conferência, Krishna escreveu a Lead­
beater: “ Ela é, de fato, a melhor oradora do mundo.” Enid Bagnold,
dramaturga e romancista, lembra-se da Sra. Besant falando no Queen’s
Hall em 1912: “ Quando ela subiu ao estrado, estava ardendo. Sua
autoridade estendeu-se a toda a parte.”
Krishna também teria uma participaçãozinha no trabalho de pro­
paganda. A 28 de maio, na primeira reunião da Mesa Redonda cele-
prada na sede geral da S . T . em Londres, uma ramificação para os
jovens da Ordem da Estrela, pronunciou algumas palavras. “ George
e eu tínhamos preparado Krishna para falar” , contou a Sra. Besant a
Leadbeater no dia 31 de maio. “ Ele estava nervoso demais e esqueceu-

1. Não se confirmou se o Condle (o Mestre, o Conde de St. Germain)


estava em seu corpo físico ou em seu corpo astral materializado quando Krishna
o viu. Embora se afirme que o Conde morreu por volta de 1784, Leadbeater
em The Masters and the Path (Os Mestres e o Caminho) (1925), afirmava
tê-lo encontrado em seu corpo físico perambulando pelo Corso em Roma. O
Conde subiu com ele aos jardins de uma colina romana e ficou conversando com
ele por mais de uma hora sobre a obra de Sociedade Teosófica. Leadbeater não
se lembra da data do encontro.

61
-se de muita coisa, mas encantou todo o mundo e foi fascinante.” As
palavras triviais que pronunciou só são interessantes por terem sido o
primeiro discurso que proferiu em sua vida.
No dia 15 de setembro ela pôde dizer que ele se tornara “ muito
viril” e dirigira a palavra “ a mais de 200 pessoas numa reunião da
Estrela do Oriente, falando realmente muito bem. Pareceu-me avisado
aproveitar a oportunidade, embora se tratasse de uma provação
para ele” .
Em agosto os meninos tinham ido, em companhia da Sra. Besant,
passar alguns dias em Esher, Surrey, com os Brights, que ali possuíam
uma casa de campo. Puderam jogar croque todas as tardes, se bem
ainda tivessem de estudar álgebra e ir a Londres duas vezes por semana
para as aulas de equitação e os exercícios no ginásio de Sandovv. Lady
Emily visitou-os diversas vezes em Esher com Robert, a única pessoa
jovem que Krishna conheceu na Inglaterra naquele ano c que consi­
derou “ promissor” — isto é, com possibilidades de ingressar no Ca­
minho. Lady Emily contou que os meninos se divertiram juntos até
onde o permitiu a terrível indigestão que acometeu Krishna na ocasião.
Dores agudas no estômago mantinham-no acordado boa parte da noite.
C .W .L . [Leadbeater] estabelecera uma dieta para ele, supostamente por
ordens diretas do Mestre K .H . Uma dieta cruel para quem quer que
sofresse de indigestão. Copos inumeráveis de leite tinham de ser inge­
ridos durante o dia, além de mingau e ovos ao desjejum. Ainda vejo
Krishna, depois de uma noite de vigília e • sofrimentos, forcejando por
comer o desjejum prescrito, sob o olhar severo da Sra. Besant. Como
eu gostaria de arrancar-lhe aquele prato e dar algum repouso às suas
vísceras! Essa perturbação digestiva, com dores agudas, persistiu até 1916,
mais ou menos.

Por outro lado, Lady Emily também se lembrou de que eles


acharam a comida sem tempero tão insípida que a inundaram de sal e
pimenta. Nitya observou, certo dia: “ Não creio que a Srta. Bright
tenha compreendido o quanto gostamos de arroz.” A Srta. Bright achou
Nitya “ um sujeitinho encantador, com um rosto sério e olhos pene­
trantes, amistosos, indagadores; uma bela e grande natureza naquele
corpinho indiano” .
O último acontecimento antes do regresso dos meninos à índia
foi, no dia 3 de setembro, o lançamento da pedra fundamental da nova
sede da Sociedade Teosófica em Tavistock Square (hoje sede da British
Medicai Association). A Sra. Besant pediu a Edwin Lutyens que pre­
parasse projetos para o prédio. Ele acedeu ao pedido, embora mais por
amor à esposa do que à Sra. Besant ou à Teosofia, que já começava

62
a solapar-lhe a vida conjugal. Lançado um apelo, angariaram-se 30.000
das 40.000 libras necessárias à construção, doadas, em sua maioria, pela
Srta. Dodge.
Embora a Srta. Dodge, Lady De La Warr e Lady Emily estivessem
todas, a essa altura, profundamente envolvidas na Teosofia, só no ano
seguinte começaram a desempenhar um papel saliente na vida de
Krishna. Miúda, rija, muito bem vestida e distante dos três filhos,
Lady De La Warr não saía de ao pé da Srta. Dodge, cuja voz rouca,
profunda e intimidante desmentia a bondade do seu coração. À medida
que se lhe agravava a artrite, ela se viu presa a uma cadeira de rodas
e incapaz de qualquer tipo de atividade em prol da Teosofia, além
de proporcionar ajuda financeira e hospitalidade em Warwick House.
Lady Emily, por outro lado, alta, ardente e impulsiva, pronunciava
conferências, escrevia artigos e recebia colegas teosofistas em Blooms-
bury Square. Escrevia com facilidade mas, sendo muito tímida, o falar
em público, a princípio, foi uma tortura para ela. A determinação,
contudo, e o entusiasmo pelo tema — a vinda iminente do Mestre
Universal a que tudo em sua natureza respondia — triunfou sobre o
acanhamento e permitiu-lhe exercitar-se e transformar-se numa bela
oradora. Tão boa oradora, com efeito, que, afinal, a Sra. Besant lhe
concedeu o status de Conferencista Internacional da S .T . Apesar dos
transtornos que isso lhe causou ao casamento, por obrigá-la a estar
muito tempo fora de casa, ela se sentiu plenamente realizada pela pri­
meira vez na vida.

63
7
TUTELA LEGAL

Em companhia de Krishna e Nitya, a Sr a. Besant foi ter com Lead-


beater em Adyar no dia 7 de outubro. George Arundale voltara à
índia com eles, mas regressara ao Colégio Central Hindu em Benares.
Só depois de dois meses em Adyar é que foram todos para Benares,
onde se realizaria naquele ano a Convenção Teosófica. No fim da Con­
venção aconteceu uma coisa que pareceu a Leadbeater de “ tão trans­
cendente importância” que, no dia 31 de dezembro, enviou um relato
do fato a Fabrizio Ruspoli, que ficara em Adyar.
Boa quantidade de membros ingressou na Ordem da Estrela no Oriente
durante a Convenção, e alguém sugeriu (de modo inteiramente casual) que
seria um grande prazer para eles receber os certificados de membros das
mãos do próprio Chefe da Ordem [Krishna]. A idéia foi acolhida com
entusiasmo, e outros membros mais antigos também pediram licença para
devolver os seus, a fim de poderem recebê-los de novo diretamente do
Chefe. Por isso fixou-se uma hora (6 da tarde do dia 28 de dezembro)
e nós descemos à Sala da Seção Indiana. Pensávamos naquilo como numa
cerimoniazinha formal, e eu tinha até minhas dúvidas quanto ao compa-
recimento da presidenta, que estava cansada depois da conferência das 4.
Só se admitiram membros da Estrela, mas a Sala estava cheia; acre­
dito que houvesse ali umas quatrocentas pessoas. A maioria sentou-se no
chão, mas havia uma linha de bancos encostados às paredes e umas poucas
cadeiras na extremidade superior. A presidenta e eu nos sentamos ali,
com a Srta. Arundale [tia de George] e Nitya e mais algumas pessoas,
e os bancos foram ocupados principalmente por senhoras européias. Estava
tudo arranjado para que o Chefe ficasse em pé diante de nós, com Telang
[Representante Nacional na Índia] ao seu lado. Os membros deveriam
passar em fila por eles e cada qual entregaria o certificado a Telang, que
leria o seu nome em voz alta, passaria o documento para Krishna e este
o devolveria ao d o n o ... os dois ou três primeiros receberam seus certifi­
cados com uma reverência e um sorriso e voltaram aos seus lugares.
Imediatamente, toda a Sala se encheu de um tremendo poder, que
fluía tão evidentemente através de Krishna que o membro seguinte lhe

64
caiu aos pés, subjugado por esse maravilhoso ímpeto de força. Eu nunca
vira nem sentira coisa alguma semelhante a isto; lembrou-me irresistivel­
mente um vento impetuoso e forte e a efusão do Espírito Santo em
Pentecostes. A tensão era enorme e todas as pessoas na sala se sentiram
prodigiosamente tocadas. Era exatamente a espécie de coisa a cujo res­
peito lemos nas velhas escrituras e julgamos exagerada, mas ali estava ela,
diante de nós, em pleno século XX.
Depois disso, cada qual se prosternou quando chegou a sua vez,
muitos com lágrimas a rolar-lhes pelo rosto. A cena, de fato, foi memo­
rável, pois o fluxo de devotos era de um caráter notavelmente representa­
tivo. Havia membros de quase todos os países da Europa, da América
e de todas as partes da índia, e o mais notável e o mais belo era ver,
irmanados, brancos e pretos, brâmanes e budistas, parses e cristãos, orgu­
lhosos príncipes rajaputros e mercadores garridamente vestidos, homens
grisalhos e crianças, todos prostrados numa devoção embevecida aos pés
do nosso Krishna. As bênçãos que jorravam eram tão óbvias que todos
os presentes ansiavam por compartilhá-las, e os que não tinham certifi­
cados tiravam seus distintivos da Estrela e os entregavam, para poder
receber também alguma coisa das mãos dele.
Ele quedou-se o tempo todo donairoso e senhor de si, sorrindo deli­
cadamente e estendendo as mãos para abençoar cada pessoa prostrada à
sua frente. Creio que a culminação da cena estranhamente comovente
ocorreu quando o nosso querido Nitya se arremessou aos pés do irmão, e
toda a congregação prorrompeu em aplausos frenéticos — não saberei dizer
por que mas, no momento, aquilo não me pareceu irreverente, senão total­
mente apropriado e natural.
Quando o último da grande companhia fez sua reverência, Krishna
voltou para sentar-se entre nós, e seguiram-se uns poucos minutos de
silencioso êxtase, estranho temor e expectativa.
Nisso, a presidenta sussurrou a Krishna que encerrasse a reunião.
Ele levantou-se, estendeu a mão direita sobre as cabeças do auditório e
disse, em tom solene: “ Que as bênçãos do grande Senhor repousem para
sempre sobre vós.” Voltamos de novo ao mundo de todos os dias, e
saímos da sala, sentindo que havíamos conhecido uma das maiores expe­
riências de nossas vidas, e que de fato bem fora que tivéssemos estado
lá, pois aquela havia sido para nós, nada mais e nada menos, a casa de
Deus e a porta do paraíso. ..
Numa reunião [da Seção Esotérica] levada a efeito no dia 29, a
presidenta disse pela primeira vez que, depois do que haviam visto e sen­
tido, já não era possível nem mesmo simular esconder o fato de que o
corpo de Krishna tinha sido escolhido pelo Bodisatva e já estava sendo
harmonizado por Ele.

Dali por diante, o dia 28 de dezembro passou a ser uma data


sagrada para a Ordem da Estrela no Oriente. No dia 30 repetiu-se a
cena, posto que com menos força. Nessa ocasião, a Sra. van Hook e
Hubert estiveram entre os que se prosternaram diante de Krishna.
Não se sabe quais foram os sentimentos de Krishna nessa ocasião, mas
a única pessoa que manifestou seu desprazer foi o pai de Krishna, que
se queixou à Sra. van Hook de que essa deificação os transformaria,
a ele e aos filhos, em alvo das chalaças de toda a índia. A Sra. Besant
tinha muitos inimigos entre os hindus ortodoxos e os extremistas
antibritànicos, que, vendo um jeito de prejudicá-la através de Narianiah,
puseram-se a trabalhá-lo, insinuando que a intenção dela era fazer os
meninos desclassificarem-se e abandonarem o Hinduísmo em favor do
Cristianismo teosófico, e revolvendo o escândalo de Leadbeaterem 1906.
Em Calcutá, por onde passou ao voltar para Adyar, em janeiro
de 1912, a Sra. Besant recebeu uma carta de Narianiah, em que este
ameaçava mover um processo no intuito de destituí-la da tutela de seus
filhos. Em Adyar, no meado do mês, ela mandou chamar Sir Subrah-
manyam Aiyar e mais uma ou duas outras pessoas e, na presença deles,
perguntou a Narianiah quais eram os seus verdadeiros desejos em relação
aos meninos. Ele respondeu que exigia completa separação entre
os garotos e Leadbeater, e que até as comunicações escritas entre eles
deveriam cessar. De acordo com Narianiah, a Sra. Besant anuiu a essa
condição e ele, portanto, no dia 19 de janeiro, assinou um documento
em que declarava não fazer nenhuma objeção a que ela os levasse
para a Inglaterra a fim de estudarem. O pobre Narianiah deve ter
hesitado terrivelmente entre a aversão e a desconfiança que lhe inspi­
rava Leadbeater e as vantagens sociais e financeiras de uma educação
britânica para os filhos, mormente se estes se diplomassem em Oxford,
pois isso projetaria também uma grande glória sobre ele, apesar da
inevitável desclassificação.
Leadbeater acreditava chegado o momento da segunda Iniciação
de Krishna e pensara em levar os meninos a Ootacamund, nas Mon­
tanhas Nilgiri, onde passariam alguns meses e ele poderia preparar
Krishna para esse passo. Agora, porém, a atitude de Narianiah não
permitia que se pusesse em prática essa idéia. Entretanto, nem a
Sra. Besant nem Leadbeater permitiriam que Narianiah interviesse no
progresso espiritual de Krishna, de modo que, no fim de janeiro, Lead­
beater foi para a Europa incumbido de encontrar um lugar adequado à
preparação de Krishna, quando os apoiadores de Narianiah deram a
entender que ele fugira do país com medo de ser preso.
A Sra. Besant estava aflitíssima para tirar os meninos da índia
antes que Narianiah mudasse de idéia. “ Só me sentirei segura depois
que houvermos deixado as águas indianas” , escreveu ela a Leadbeater
no dia 23 de janeiro. Aproveitando-se da ausência de Narianiah, que
fora passar uma semana em Cudappah, partiu à pressa com os garotos
para Bombaim, dizendo que dali zarpariam a 10 de fevereiro. Na reali­
dade, porém, partiram no Salsette no dia 3. No dia 7, do Oceano

66
índico, a Sra. Besant escreveu a Narianiah pedindo-lhe que saísse ime­
diatamente de Adyar e declarando que pretendia manter os meninos
na Europa até completar-lhe a educação. 1
Dessa vez Dick Clarke e Jinarajadasa foram com eles como seus
preceptores. Jinarajadasa — Raja, como será chamado daqui por
diante — era, como o leitor deve estar lembrado, o discípulo cingalês
que Leadbeater levara para a Inglaterra em 1887. Agora, aos trinta e
sete anos, um dos líderes da Sociedade Teosófica, possuía um encanto
e uma proficiência em línguas que faziam dele valiosíssimo conferen­
cista para a Teosofia em todas as partes do mundo. Embora morasse
em Adyar, estava no exterior quando Krishna foi “ descoberto” .
Lady Emily dirigiu-se a Dover a fim de recebê-los no dia 16 de
fevereiro (eles tinham vindo novamente por terra, desta vez de Brin-
disi) e lembra-se de haver achado os dois meninos muito mais escuros.
Krishna trazia agora os cabelos cortados numa altura convencional.
Nas suas recordações daquele tempo, via sempre Nitya, que vestia um
paletó de Eton, encostado a uma parede lendo um livro ou uma revista.
Os meninos nunca pareciam sentar-se; Krishna vivia numa nuvem e
dava um salto quando alguém o interpelava de repente.
Eles voltaram a ficar em Drayton Gardens com os Brights e reen-
cetaram a antiga rotina das lições e exercícios no ginásio de Sandow.
Depois, volvidas algumas semanas, tornaram a partir — desta feita
para a Holanda com a Sra. Besant, Raja, Dick Clarke e Lady Emily.
Entrementes, Leadbeater instalara-se num local que tinha a atmosfera
e o magnetismo exatos para a preparação de Krishna — Taormina,
na Sicília. No dia 25 de março, os meninos, acompanhados apenas
de Raja e Clarke, deixaram a Holanda e, depois de passar uma noite
em Paris, chegaram no dia seguinte a Taormina, onde Leadbeater os
esperava. No dia 27, vindo diretamente da índia, foi ter com eles
George Arundale. Hospedaram-se todos no Hotel Naumachia, onde
ocuparam o último andar.
A Sra. Besant compreendeu, naturalmente, que Narianiah se sen­
tiria ultrajado se soubesse que os meninos estavam de novo em com­
panhia de Leadbeater pois, de volta a Londres, escreveu a este último,
entre outras coisas, o seguinte: “ Não creio que o nosso Krishna deva

1. Isto foi ventilado mais tarde no tribunal, durante o processo, e repre­


sentou, no dizer do juiz, “ uma declaração de guerra” . Narianiah estivera morando
com os outros dois filhos numa casa no terreno da Sociedade, perto da Tipografia
Teosófica, preparada para Krishna e Nitya, mas onde estes nunca tinham morado.
A casa ainda está de pé, mas a “ chopa” em que viveram ao chegar a Adyar
pela primeira vez foi demolida há vários anos. Narianiah mudou-se para Madrasta.

67
escrever para a índia da Sicília. Se correr a notícia de que ele está lá,
poderemos ter alguma interrupção. De mais a mais, conviria manter a
atmosfert isenta de formas inúteis de pensamento.”
Eles se demoraram quase quatro meses em Taormina, tendo a Sra.
Besant ficado ali com eles de maio a julho. Conquanto Leadbeater
houvesse escrito um relato da segunda Iniciação de Krishna, que ocorreu
na noite de plenilúnio de l.° de maio, o próprio Krishna só a mencionou
numa mensagem de aniversário dirigida aos membros da Ordem da
Estrela no Oriente, que enviou no dia 25 de maio à Srta. Arundale em
Benares:
Neste ano, foram submetidos à Provação cinco pessoas da Nossa Ordem
e quatro do Grupo [a Ordem da Púrpura], e parece-me que isso devia
animá-la e fazê-la compreender que também pode consegui-lo. Ademais,
como sabe, Raja e eu demos o segundo passo e isso deveria encorajá-la e
dar-lhe força. E sp ero .. . que George e Nitya façam logo a primeira Ini­
ciação, para que haja sete Iniciados no coração da Sociedade.

A Sra. Besant, Leadbeater, Krishna, Raja, George e Nitya seriam


seis iniciados. O que se sabe do sétimo é incerto. Embora nessa
época já tivesse sido fixado o ano do nascimento de Krishna — sabia-se
agora que ele tinha dezessete anos — ainda se supunha que o dia fosse
25 e não 11 de maio.
Leadbeater recebeu novas instruções do Mestre depois da segunda
Iniciação de Krishna:
Devo dar ênfase, mais uma vez, aos cuidados que hão de ser dis­
pensados aos p é s .. . já existe até um ligeiro princípio de distorção.. .
Vista-os sempre com o melhor material que houver... e lembre-se de que
tanto a cabeça quanto os pés devem permanecer descobertos sempre que
possível. Não permita que a sua vigilância original nesses assuntos esmo­
reça. .. Não considere insignificante nada que ajude a proporcionar um
perfeito veículo ao Senhor.

No dia 29 de maio Krishna contava à Srta. Arundale que escrevera


um novo livro denominado Education as Service (A Educação como
Serviço), que seria publicado em Londres. Nesse livro descreve ele
uma escola ideal em que o amor impera e inspira, em que os estudantes
crescem e se transformam em nobres adolescentes sob os cuidados
alentadores de mestres que sentem a grandeza da sua profissão. Lady
Emily afirma que o livro era “ obviamente obra de George Arundale”
assim como Leadbeater fora “ a verdadeira inspiração” de Aos pés do
Mestre. Entretanto, diante da carta de Krishna em que ele afirma tê-lo
escrito, Lady Emily parece haver exagerado a parte de George em sua
composição. Não há dúvida de que George o ajudou e fez algum tra-

68
balho de editoração, e o estilo de Krishna deve ter-lhe sofrido quase
certamente a influência, assim como uma criança modela seus escritos
pelo autor que costuma admirar.
A Sra. Besant tornou a Londres no dia 4 de julho e George
regressou à índia no dia 12, depois de haver feito sua primeira Ini­
ciação. (É de presumir-se que Nitya tivesse feito a sua na mesma
ocasião, se bem não exista registro disso.) O resto do grupo partiu
dois dias depois para ficar alguns dias em Villa Cevasco, perto de
Gênova, em casa de velhos amigos que tinham estado em Adyar quando
Krishna foi “ descoberto” pela primeira vez — o Sr. e a Sra. William
Kirby. 1 No fim de julho, Krishna e Nitya, em companhia de Raja
e Dick Clarke voltaram à Inglaterra, enquanto Leadbeater permanecia
em Gênova com os Kirbys, Leadbeater nunca mais retornou à Ingla­
terra. Diziam os seus inimigos que ele tinha medo de ser processado
mas, se assim fosse, como se explica que tivesse ousado permanecer
na Inglaterra durante quase três anos depois do escândalo de 1906?
No dia 30 de julho, de Londres, a Sra. Besant contou a Leadbeater
que recebera, pelo último correio, uma carta registrada de Narianiah,
em que este “ cancela a cessão que me fez dos filhos e exige que eu
lhos apresente e entregue no fim de agosto. Minha resposta será esta:
‘Senhor, tomo a liberdade de acusar o recebimento de sua carta datada
do mês próximo passado. Cordialmente, Annie Besant’ ” . A carta de
Narianiah foi mais tarde publicada na íntegra pelo jornal de Madrasta,
o Hindu, um dos mais influentes jornais da índia, que se preparava
para desferir violento ataque à Sra. Besant, a Leadbeater e à Sociedade
Teosófica. A notícia da secreta e íntima associação de Leadbeater com
Krishna e Nitya nos quatro últimos meses chegara sem dúvida à índia.
A Sra. Besant temia agora que os partidários de Narianiah tentassem
raptar os meninos; portanto, antes de retornar à índia, onde pretendia
lutar contra o esperado processo judicial, certificou-se de que os dois
se achavam seguramente escondidos na Inglaterra. Depois de passar
algumas semanas com os Brights em Esher, onde Nitya foi acometido
de violenta congestão pulmonar, dirigiram-se a Old Lodge, Ashdown
Forest, um casarão colocado à sua disposição por Lady De La Warr,
grande amiga da Srta..Dodge. Ali ficaram cinco meses, de novembro
a abril de 1913, guardados à vista por Raja, Dick Clarke e dois outros
jovens ingleses, antigos alunos de Leadbeater — Basil Hodgson-Smith

1. Italiana e artista, Maria-Luisa Kirby inspirara-se em recordações do plano


astral para pintar retratos dos Mestres, que se viam pendurados na sala do san­
tuário em Adyar. William Kirby trabalhava num banco inglês em Gênova.

69
(diplomado em Oxford) e Reginald Farrar, ficando a Sra. e a Sr ta
Bright encarregadas do governo da casa. Em Old Lodge havia corridas
compulsórias para os meninos antes do desjejum, todos os dias, até
com o chão coberto de neve, horas regulares de estudos e passeios de
automóvel à tarde e, duas vezes por semana, os guarda-costas de
Krishna levavam-no a Londres para arrumar os dentes.
Lady Emily visitou Krishna várias vezes em Old Lodge e percebeu
que ele folgava de vê-la, como era de esperar. Krishna preferia a
sociedade feminina à masculina e, embora gostasse muito de Raja, não
se dava tão bem com ele quanto se dava com George. Raja era um
professor muito mais severo e um grande disciplinador.
Antes disso, em setembro, Lady Emily fora convidada para ir a
Gênova com Barbara e Robert a fim de conhecer Leadbeater. Ele a
fascinou, embora a chocasse a maneira desleal com que ele discutia a
Sra. Besant com os Kirbys, apresentando exemplos da falta de discer­
nimento dela na escolha das pessoas que a cercavam. Lady Emily, no
entanto, achou “ perfeitos” seus modos com os meninos. “ Ele lhes é
muito afeiçoado — lê para eles — fala com eles — esforça-se muito
por fazê-los falar e deixa-os à vontade — e é evidentemente dedicado
às crianças, posto que os adultos o entendiam.” Para grande surpresa
de Lady Emily, ele se sentiu muito mais atraído por Barbara do que
Robert.
A importância dessa visita, contudo, foi que, por diversos meses
depois do seu regresso à índia, Leadbeater escreveu a Lady Emily em
todas as malas postais, e suas cartas apresentam um registro circuns­
tanciado do processo movido por Narianiah contra a Sra. Besant para
recuperar os filhos. Em outubro, Leadbeater escreveu de Adyar:
O velho e condenável pai de Krishna deu entrada, afinal, ao processo
contra a Sra. Besant que ameaçava mover, declaradamente, para recuperar
a posse dos filhos e afastá-los da minha perniciosa influência. Trata-se,
evidentemente, de uma farsa porque ele o inicia quando sabe que os filhos
estarão realmente separados de mim por um período de quatro ou cinco
anos por força da sua educação universitária na Inglaterra. A verdade é
que o homem é um instrumento do partido político hindu inimigo do
governo inglês, e está sendo simplesmente usado como arma contra a
Sra. Besant e contra a Sociedade Teosófica, organização que sempre esteve
a favor da lei e da ordem. A Sra. Besant provocou especialmente a inimi­
zade dessa seção do povo porque se recusou a permitir a pregação de
doutrinas sediciosas aos estudantes no Colégio Central Hindu e tem
atirado sistematicamente o peso da sua grande influência contra a pro­
paganda deles de bombas e assassínio.. . Sabemos das tentativas levadas
a efeito contra a vida dela, e a campanha do jornal [o Hindu] é um
ataque à sua reputação e à sua influência, proveniente do mesmo setor.

70
Essa gente apoderou-se do pobre coitado e, segundo se diz à boca pequena,
ele mesmo afirma ter sido forçado a mover o processo.

Na queixa original Narianiah sustentava haver testemunhado com


os próprios olhos um ato de sodomia entre Leadbeater e Krishna, mas
ele mesmo retirou a acusação no decorrer das audiências preliminares.
A Sra. Besant, todavia, pegou-o no pulo e exigiu que ele declarasse a
hora e o lugar.
Em resposta [informou Leadbeater a Lady Emily em carta de janeiro
dc 1913] ele agora (sob juramento, não se esqueça) atenuou de tal sorte
a acusação que a transformou num caso inteiramente diverso e muito
menos importante. Temos agora, portanto, diante do tribunal, dois depoi­
mentos dele, feitos sob juramento, sobre o mesmo ponto, absolutamente
irreconciliáveis. Acontece que estamos em condições de provar de forma
irrefutável que até a acusação modificada é pura invenção, pois duas
senhoras se achavam presentes em meu quarto no momento em que ele
afirma ter visto certas coisas censuráveis. Quando a presidenta [a Sra.
Besant] viu o seu depoimento, observou, jubilosa: “ O Senhor entregou
meu inimigo em minhas mãos!”

Narianiah diluíra as acusações, transformando-as em atos “ im­


próprios” e “ desnaturais” , que afirmava ter presenciado entre Lead­
beater e Krishna na segunda semana de abril de 1910, no Bangalô
Octogonal, quando os meninos ali foram tomar um copo de leite antes
do passeio de bicicleta. Ao prestar depoimento no tribunal, Leadbeater
afirmou que a Sra. van Hook e a Dra. Mary Rocke (médica e assistente
social inglesa que morava em Adyar na ocasião em que Krishna foi
“ descoberto” ) estavam em seu quarto todas as manhãs a partir das 5
horas e meia, desde outubro de 1909 até o fim de abril de 1910.
Lutadora nata, a Sra. Besant parece ter, a princípio, folgado com
o caso. Ela dirigiu a própria defesa, exatamente como o fizera trinta
e seis anos antes, ao lutar para conservar a custódia da filha, mas
agora com muito maior vigor e experiência. Em novembro de 1912
escrevera a Lady Emily: “ Ruspoli está-lhe mandando os documentos
do processo contra mim. Sinto-me muito feliz com isso e contente
por ter, pelo menos, a oportunidade de defrontar o inimigo em campo
aberto.” Ela assinou “ Sua muito belicosa Heracles (que, mazinha
como é, está-se divertindo imensamente à irlandesa)” . Heracles era
o seu pseudônimo em todo o transcorrer de As Vidas de Alcíone e ela
sempre se orgulhou do seu sangue irlandês pelo lado materno. Sentia
vigorosamente não ser apenas a sua pessoa e a de Leadbeater, mas
toda a Sociedade Teosófica, que estavam sendo atacadas.

71
O lado para o qual pendiam as simpatias de Krishna é revelado
nesta carta escrita de Old Lodge à Sra- Besant.

5 de janeiro de 1913.
Minha Mãe muito querida,
Estou muito contente por saber que a senhora acha que minha cali­
grafia melhorou e tomo muito cuidado com ela.
Querida Mãe, a senhora deve estar passando por um período muito
difícil e eu quisera estar ao seu lado fisicamente e ser para a senhora
um filho amante na hora do sofrimento. É muito duro para a senhora,
na sua idade, lutar contra essa gente horrorosa. Imagino que isso terá de
acabar algum dia! De qualquer maneira, a senhora conhece minha dedi­
cação e minha lealdade, e eu a amo muitíssimo como minha Mãe muito
querida. Imagino que tudo sejam provações para a 5.a Iniciação e deve
ser muito penoso para a senhora suportar todas eks, Ainda que o mundo
inteiro se volte contra a senhora, existe uma pessoa que n u n ca , nunca
abandonará sua idolatrada Mãe.
Estoudhe mandando minhas poucas recordações,
Seu fervoroso e dedicado
filho
K rish n a

Krishna jamais perdia uma mala postal para mandar à Sra. Besant
uma notazínba afetuosa. Era em obediência às instruções do Mestre,
reveladas por intermédio de Leadbeater, que ele agora sublinhava sem­
pre a sua assinatura. Tratava-se, igualmente, de uma prática invariável
do próprio Leadbeater, cuja significação nunca foi explicada, como
tampouco nunca se explicou a prática de exigir de todos os discípulos
do Mestre que repartissem o cabelo no meio.

72
8

O PROCESSO

Em virtude de várias delongas e adiamentos o caso só foi apresen­


tado ao Superior Tribunal de Madrasta no dia 20 de março de 1913,
quando dele tomou conhecimento o juiz Bakewell, presidente daquela
corte de justiça. Alegava Narianiah que, no documento por ele assinado
no dia 6 de março de 1910, em que transferia à Sra. Besant a tutela
dos filhos, nenhuma cláusula havia que lhe facultasse delegar a citada
tutela a uma terceira pessoa. Esse poder, conferido tão-somente a ela
no interesse da educação dos meninos, não podia ser transferido a uma
pessoa que lhe inspirava a mais robusta aversão; ele assinara o do­
cumento numa ocasião em que se achava completamente sob a influên­
cia e o controle da Sra. Besant, e sua demora em mover a ação legal
contra ela devia-se à crença, partilhada por muita gente, de que a
Sra. Besant era semidivina. Não seria necessário provar de maneira
concludente a acusação contra Leadbeater de que este mantivera relações
impróprias com o mais velho dos meninos; uma suspeita bem-fundada,
um temor razoado bastavam ao pai para insistir em seu direito inerente
à guarda e custódia dos filhos até os vinte e um anos de idade. ( Suas
acusações contra Leadbeater eram tão indecentes que não podiam ser
feitas oralmente; ele pôs por escrito uma parte da sua prova e entre­
gou-a ao tribunal.) Narianiah também fazia objeções ao fato de haver -
sido o menino mais velho deificado pela declaração da Sra. Besant de
que ele seria o Senhor Cristo, razão pela qual grande número de
pessoas respeitáveis se prosternara diante dele. Além disso, conhe­
cendo intimamente o menino, não o acreditava capaz de ter escrito
Aos Pés do Mestre. Narianiah estava disposto a depositar 10.000 rupias
nas condições determinadas pelo juiz para a instrução e educação dos
dois filhos. Como também estava disposto a permitir que uma pessoa
de indisputada respeitabilidade se associasse a ele na tutela dos garotos.

73
(O s partidários da Sra. Besant acreditavam que o apoio financeiro
de Narianiah proviesse do Hindu, ao passo que as custas da Sra. Besant
eram pagas pela Sociedade Teosófica.)
Em sua defesa, a Sra. Besant refutou a acusação de haver violado
o contrato colocando os meninos sob a tutela de uma terceira pessoa;
eles estavam na Inglaterra e Leadbeater ficara em Adyar. Sustentava
ela que o tribunal devia preocupar-se apenas com o bem-estar dos
menores. O mais velho completaria dezoito anos de idade dali a cinco
semanas, quando, de acordo com a lei comum da Inglaterra., estaria
inteiramente livre da autoridade dela e nada poderia impedi-lo de
voltar à índia e para junto do pai, se assim o desejasse. Isso, no
parecer dela, constituía o absurdo fundamental do caso.
No respeitante ao bem-estar intelectual dos meninos, se eles con­
tinuassem com ela, os desejos do pai seriam cumpridos à risca, e o
objetivo da carta de tutela de 6 de março de 1910, alcançado. A
transferência dos meninos da Inglaterra para a índia frustraria o obje­
tivo que levara o pai a assinar a citada carta e eles se veriam privados
da educação numa universidade inglesa. Em seguida, mencionou cinco
testemunhas que lhe confirmaram a alegação de que ela não prometera
manter os meninos inteiramente afastados de Leadbeater quando o
pai consentira, no dia 19 de janeiro de 1912, na ida deles para a Europa.
Um fator mais importante, a que ela deu o devido destaque, foi
o bem-estar moral dos garotos. O caráter do mais velho estaria irre­
cuperavelmente arruinado se, por ordem do tribunal, ele fosse recam­
biado a Madrasta. A sua volta à companhia paterna seria uma confir­
mação das acusações que lhe fizera o pai, sem falar no sofrimento
que ele teria de suportar se fosse novamente colocado em poder de
um pai que o acusara de coisas tão terríveis. Na Inglaterra os meninos
eram cercados de pessoas que os tratavam com zelo e amor — pessoas
requintadas e cultas, eminentes na vida intelectual, moral e social.
Ventilara-se a alegação de que Krishnamurti estava sendo prepa­
rado para a vida de um sanyasi hindu. A Sra. Besant declarou que esta
era uma idéia totalmente falsa. Não acreditava que ele viesse a casar,
mas não se lhe fazia nenhuma imposição externa dessa natureza. Ele
estava qualificado para a vida religiosa, o que queria dizer que não
seria excluído de nenhuma profissão douta, com exceção da política
partidária.
A Sra. Besant sustentava que, sob a falsa aparência de uma ação
civil pela custódia dos menores, o processo, praticamente, era uma
ação penal contra duas, se não três, pessoas acusadas de um crime

74
muito sério — o filho mais velho, Leadbeater e ela mesma. Tendo
intentado a demanda judicial e dado publicidade a uma terrível querela,
o pai não se achava em condições de cumprir o seu dever. Quanto à
acusação contra Leadbeater, ela colocara voluntariamente todos os do­
cumentos relacionados com a guarda dos meninos e quanto dissesse
respeito ao assunto à disposição do advogado do querelante, porque
pretendia projetar toda a luz possível sobre o caso e não guardar coisa
alguma. 1 O depoimento do pai era contraditório e altamente impro­
vável, asseverava ela. Embora se contassem histórias diferentes sobre
o pretenso delito, o lugar em que se dizia ter ele ocorrido permanecia
inalterado e, apesar disso, várias testemunhas haviam afirmado ser
impossível para alguém ver o sofá em que se dizia que Leadbeater
estava deitado na ocasião em que o autor afiançava tê-lo visto. Nenhum
pai humano, que tomasse a peito o bem-estar dos filhos teria escondido
o caso de outros se fosse verdadeiro, como esse pai fizera. Mesmo
depois do pretenso delito, ele permitira que os meninos tivessem con­
tato com o pretenso delinqüente até 1912. Ela rematava a defesa
pedindo ao magistrado uma decisão baseada no bem-estar dos dois
meninos. Se o juiz desse acolhida às razões da acusação, Krishnamurti,
assim como Leadbeater, ficariam marcados, como criminosos, com uma
nódoa escura em seus nomes para o resto da vida.
Nosso caso terminou afinal [escreveu Leadbeater a Lady Emily no dia
11 de abril antes de ser prolatada a sentença], e estamos todos encantados
por ver-nos livres da sua preocupação. Compareci pessoalmente na terça-
-feira [4 de abril] e na quarta-feira desta semana — no primeiro dia
para prestar meu depoimento e, no segundo, para ouvir o discurso final
da presidenta, magistral e magnífico ao mesmo tempo. Ela tratou primeiro
de vários pontos leg ais... Em seguida, focalizou o depoimento, e contou
toda a história como a ela se afigura, desenredando, um por um, todos os
fios do grande enredo de falsidades tecido pela aleivosia do queixoso.
Fê-lo com maravilhosa habilidade, pois tinha todo o assunto na ponta dos
dedos; eu só não sabia se a mente do juiz teria rapidez bastante para
segui-la através de todas as complexidades. Ele, porém, bondoso e presta­
tivo, deu-se ao trabalho de assinalar alguns pontos a que ela devia res­
ponder. Ensejou-lhe sobretudo a oportunidade de falar a meu respeito,
de que ela se valeu para fazer o mais laudatório dos discursos, destinado

1. Esses documentos, incluindo cartas particulares trocadas entre a Sra.


Besant e Leadbeater em 1906, e a incriminadora carta “ cifrada” , acabaram caindo
nas mãos do Dr. T. M. Nair, um dos mais ferrenhos inimigos da Teosofia, que os
publicou num jornal de Madrasta, Justice, do qual era diretor. Em 1918 incluiu-os
num livro, The Evolution of Mrs. Besant (A Evolução da Sra. Besant). Em 1910,
o Dr. Nair já publicara um artigo maldoso intitulado “ Psychopathia Sexualis in
a Mahatma” ( Psicopatologia Sexual num Mahatma) numa publicação médica local,
o Antiseptic, em que atacava Leadbeater e sugeria que ele havia sido Onan numa
encarnação anterior.

7^
a desmanchar o efeito provocado pelo seu pronunciamento de 1906. [A
circular que ela escrevera às secretarias da Seção Esotérica.] Finalmente,
concluiu com um apelo eloqüente à justiça da Inglaterra para que lhe
salvasse o tutelado do estigma lançado sobre ele pela maldade de um
pai desnaturado. Feito no seu melhor estilo, isso produziu um efeito
tremendo sobre o público apinhado no tribunal.
Em meu depoimento, tive ocasião não só de negar essas recentes
falsidades, mas também de esclarecer parte da desagradável questão de
1906. O relatório do Conselho Consultivo de Londres foi posto de lado
por ser obviamente destituído de valor, se bem o advogado do autor me
tenha feito duas ou três perguntas a respeito, às quais respondi com suma
franqueza. A carta cifrada forjada [a carta apanhada no apartamento em
Toronto] foi colocada nas mãos dos nossos adversários pela presidenta,
mas eles ficaram com medo de apresentá-la em juízo, de modo que não
se me ofereceu o ensejo de repudiá-la realmente. A impressão geral parece
ser a de que esse depoimento esclareceu sobremodo as coisas e deu-lhes
uma aparência muito melhor.
Todos os dias o jornal Hindu tem falsificado sistematicamente o
depoimento do modo mais evidente. Parece-me espantoso que nem o tri­
bunal nem o governo interfiram num caso como esse. Eles alegam que
podemos processá-lo por difamação e calúnia; mas o fato é que já estamos
fartos de demandas e não nos interessa iniciar mais um a.1

Foi preciso aguardar a sentença até o dia 15 de abril. No correr


da sua recapitulação o juiz discutiu circunstanciadamente a acusação de
relações impróprias entre Leadbeater e o menino mais velho e observou
que, pelo seu modo de proceder no banco das testemunhas, o pai
parecia possuir “ um temperamento emocional, propenso às lágrimas e
incapaz de muito autocontrole” . O juiz aceitou a declaração de algumas
testemunhas em favor da Sra. Besant de que Narianiah se mostrava
um pai ciumento e suspicaz. Brâmane ortodoxo, ele desconfiava natu­
ralmente que um europeu pudesse levar seus filhos a violar as regras
de casta. Não havia dúvida de que, na ocasião de assinar o documento
em que transferia a custódia dos meninos para a Sra. Besant, ele fora
influenciado por várias considerações, incluindo a vantagem que adviria
para eles de uma educação inglesa; entretanto, não havia provas de
que a Sra. Besant tivesse exercido sobre ele alguma influência indevida.
A acusação de relações impróprias, feita na queixa original, referia-
-se a um delito que, segundo se dizia, ocorrera nos últimos dias de
março de 1910, ou nas proximidades desses dias, mas essa acusação
fora abandonada na ratificação da queixa e a data da ocorrência apre-

1. A Sra. Besant processara o Hindu por haver publicado parte dos artigos
do Dr. Nair sobre Leadbeater dados à estampa no Antiseptic, e também, com
algum atraso, o próprio Antiseptic, cujo diretor era Nair. Mas perdera os dois
processos.

76
sentada como tendo sido a segunda semana de abril de 1910. O juiz
acrescentou:
Se o queixoso acreditava originalmente que um crime repelente fora
cometido na pessoa de seu filho ou mesmo que a pessoa de seu filho
fora tratada de modo indecente, como ele agora afirma, por um homem
que teria considerado como um pária, é difícil acreditar que não voltasse
chorando para casa com os filhos e relatasse o fato a toda a família.

Em seu depoimento Narianiah disse que se limitara a ralhar com


o menino mais velho por estar nu. Nenhuma queixa da pretensa ocor­
rência foi dirigida a Sir Subrahmanyam, vice-presidente da Sociedade e
representante da Sra. Besant durante a ausência desta última de Adyar,
conquanto o pai o tivesse consultado sobre vários assuntos ligados à
Sociedade. Ele também permitiu que os filhos mantivessem contato
com Leadbeater nos meses seguintes e até os deixou sob a sua guarda
durante uma curta ausência sua e da Sra. Besant.
Em face das discrepâncias observadas em relação à data da pre­
tensa ocorrência e das alterações na natureza e na data da mesma
ocorrência na queixa ratificada, e tendo em vista a incoerente conduta
do pai na ocasião, era manifesto que o seu depoimento não merecia
fé. A negativa de Leadbeater foi corroborada pela natureza pública da
sala em que se dizia haver-se registrado o ato e pela rotina cotidiana
a que se referiam as testemunhas da Sra. Besant.
Por solicitação de ambas as partes, o criado da Sra. Besant,
Lakshman, fora chamado para depor. O juiz referiu-se ao seu depoi­
mento, em cujo transcorrer ele dissera: “ Os hindus não costumam
banhar-se despidos. É pecaminoso. Não creio que o Sr. Leadbeater
estivesse agindo mal.” O juiz aceitou a explicação de Leadbeater de
que achara necessário ensinar os meninos a banhar-se à maneira inglesa,
sem roupas. O pai perguntara a Sir Subrahmanyam Aiyar quais eram
os efeitos legais da carta de tutela e ficara sabendo que, ao assiná-la,
desistira dos direitos de pai e não poderia revogá-la à sua vontade.
Concluiu o juiz que esse parecer devera tê-lo induzido a procurar
alguma coisa que forçasse o tribunal a revogar o acordo e, por isso
mesmo, revivera as acusações feitas contra Leadbeater em 1906. Não
obstante, o próprio reconhecimento, por parte de Leadbeater, dos seus
pontos de vista fazia dele um companheiro perigosíssimo para as
crianças, apesar da sua promessa à Sra. Besant de não os expressar
nem praticar. O pai tinha obrigações legais e morais para com os filhos
no tocante à educação, ao sustento e à instrução; ele tentara, sem
dúvida, fortalecer o seu caso com mentiras contra Leadbeater, mas não

77
se poderia dizer que isso o incapacitasse para a guarda dos filhos.
E como os seus desejos tinham sido desatendidos, ele podia pedir que
os filhos voltassem à sua custódia.
No tocante à jurisdição do tribunal, os meninos eram súditos do
Rei-Imperador, domiciliados na índia britânica e apenas temporaria­
mente residentes na Inglaterra, para onde tinham sido levados pela
Sra. Besant a fim de serem educados. Na opinião do tribunal, ela infrin­
gira o acordo que lhe facultava levá-los para fora da índia. Em tais cir­
cunstâncias, afiançava o juiz, competia à corte decidir sobre a custódia
das crianças. Acrescentou que, pelas razões aduzidas, era necessário,
no interesse dos meninos e para sua proteção futura, que fossem postos
sob a tutela do tribunal. O juiz, portanto, ordenou à Sra. Besant que
entregasse ao pai a guarda dos dois meninos até o dia 26 de maio de
1913. Com relação às custas do processo, como o seu curso havia
sido indevidamente dilatado em virtude das alegações contra Lead-
beater, Narianiah foi intimado a pagá-las, não só as de sua respon­
sabilidade mas também as de responsabilidade da Sra. Besant.
A decisão do juiz em nosso caso foi uma decisão mista, como já
esperávamos [informou Leadbeater a Lady Emily no dia 19 de abril].
Fomos avisados de que, para obter plena investigação dos fatos precisá­
vamos arriscar-nos a ter sentenças contrárias sobre pontos legais — as
quais, entretanto, poderiam mais tarde ser reformadas numa apelação; por
isso mesmo a presidenta desistiu de muitos pontos em que poderia ter
insistido. O juiz inocentou Krishnaji totalmente de qualquer imputação
de crime, dizendo com muita ênfase que as pretensas abominações tinham
sido inventadas pelo pai em razão do ciúme que ele tem de mim, e
sua impossibilidade ficou claramente demonstrada. Mas ele disse, com
estas mesmas palavras: “ O fato de ser um mentiroso não destitui o homem
do direito aos filhos.” (Pois eu pensaria que essa mentira o destituísse.)
Por isso se dizia compelido a ordenar que os meninos lhe fossem resti­
tuídos, ficando, porém, sob a tutela do tribunal, a fim de que este pudesse
exercer vigilância sobre eles. Está claro que não podemos aceitar uma
coisa dessas, de modo que apelamos incontinenti da decisão e seremos, sem
dúvida, bem-sucedidos. Mas a presidenta está tão exultante com a nossa
esmagadora vitória no tocante aos fatos que isso, de momento, quase que
prevalece sobre as dificuldades legais. Vamos organizar uma grande festa
e alimentar uma grande multidão de pobres para comemorar a vindicação
de Krishnaji. Ficou estabelecido que a presidenta apresentará os meninos
no fim de maio — e sobre isso, naturalmente, ela não pode fazer nada;
mas Sir Subrahmanyam Aiyar nos afirma que a sentença é incoerente, con­
trária à própria lei, e será inevitavelmente reformada no Tribunal de Apela­
ção. E como este não tocará nas questões de fato, nada interferirá no vere­
dito definido que temos sobre esse ponto. O juiz, a propósito, expressou a
opinião de que meus pontos de vista no tocante às questões de sexo são
imorais e perigosos, observação que me pareceu desnecessária! O jornal
0 Hindu sugere que o governo deve deportar-me do país como pessoa
perigosa — o que viria a representar um fim divertido para a controvérsia,

78
pois suponho que não exista em toda a índia um súdito mais leal ao Rei
do que eu. E a lei se destina a criminosos políticos! O juiz, contudo,
decretou que todas as custas sejam pagas pelo querelante, o que indica
com toda a clareza a opinião que faz dele o meritíssimo.

Leadbeater acrescentou parecer estranho que, “ depois de haver


Bakewell afirmado, em pleno tribunal, ‘Esta é uma acusação clara de
perjúrio contra o queixoso, e de perjúrio de uma natureza exacerbante
e infamíssima’ o tribunal deveria perceber que o bem-estar dos meninos
estaria muito mal servido se eles fossem devolvidos à custódia de um
pai desse tipo” . Conquanto as palavras de Bakewell não figurem no
relatório oficial do caso, ele deve tê-las pronunciado pois, ao criticar
a sentença do juiz Bakewell, o Standard de Madrasta lembrou aos
leitores que da própria boca do magistrado haviam saído as palavras
“ Esta é uma acusação clara de perjúrio contra o queixoso. . isto é,
exatamente as mesmas que Leadbeater escrevera.
Leadbeater ficou aborrecido, como ele mesmo confidenciou a Lady
Emily em carta de 27 de maio, porque tanto o jornal Mail de Madrasta,
o melhor jornal da cidade na sua opinião, quanto o Times de Londres
haviam publicado, nas notícias sobre o caso, que o juiz o descrevera
como um indivíduo imoral, em vez de aplicar o qualificativo apenas
às suas opiniões. O Mail estampou uma bonita justificativa, mas ele
supunha que seria “ querer muito esperar que o infalível Times fizesse
o mesmo” .
Com efeito, a 2 de junho de 1913, The Times publicou uma
carta da Sra. Besant chamando a atenção do público para a falta de
exatidão no relato do caso feito através das páginas do jornal. “ Todas
as pessoas que conhecem pessoalmente o Sr. Leadbeater” , escreveu
a presidenta da Sociedade Teosófica, “ se dão conta de que o seu
procedimento é impecável, seja qual for a sua opinião acadêmica” .
E essa opinião, prosseguia ela, “ baseava-se no desejo de proteger as
mulheres da ruína por um pecado que as destrói para o resto da vida,
ao mesmo passo que o homem se safa são e sa vo” . A Sra. Besant
nunca perdia a vez de defender um colega ou de lutar pelos direitos
das mulheres.

79
9
“O ARAUTO DA ESTRELA”

A Sra. Besant requereu uma suspensão de execução até o julga­


mento da sua apelação, que entraria em pauta quando as cortes vol­
tassem a abrir em julho. Tendo sabido, no dia 25 de abril, que o
seu requerimento fora deferido, embarcou para a Europa a fim de
pronunciar uma conferência em Estocolmo, cumprindo um compro­
misso. Levou consigo George Arundale, que acabara de pedir demissão
do cargo de diretor do Colégio Central Hindu de Benares no intuito
de servir de preceptor a Krishna e a Nitya até que estes entrassem em
Oxford.
Os meninos deixaram Ashdown Forest em abril e foram, em com­
panhia de Raja, passar uma temporada em Septeuil, perto de Paris,
onde o Sr. Charles Blech, secretário-geral da S . T . na França, possuía
uma casa. No dia 7 de maio, de Septeuil, Krishna escrevia uma carta
magoada a Leadbeater: “ O senhor insinua que não permanecerei leal
a ela [a Sra. Besant]; pois não creio que deva ter medo disso. Amo-a
demais e sou-lhe muito dedicado. Não pense, por favor, que eu seja
ingrato ao que os senhores fizeram por mim. Mas não devia ter insi­
nuado que deixarei de ser leal a ela.” Três semanas depois, ainda em
Septeuil, ele mesmo expressava sua devoção nos seguintes termos:

29 de maio de 1913.
Minha Mãe muito querida,
No dia 25 deste mês atingi a maioridade [de acordo com a Sra.
Besant, Ele tinha dezoito anos de idade]. Desejo agradecer-lhe todos os
cuidados afetuosos que me dispensou desde que me viu pela primeira
vez na plataforma de Madrasta em 1909. Sei que os únicos agradecimentos
que deseja são que eu ajude os outros como a senhora me ajudou, e

80
sempre me lembrarei disso agora que sou maior de idade e livre para
seguir minha vontade sem a sua tutela.
Embora eu seja agora meu próprio amo, serei sempre
Seu Filho devotado
Krishna

A Sra. Besant fora diretamente para Londres ao chegar da índia


mas, como lhe cumpria fazer uma curta visita a Paris, os meninos e
Raja foram encontrar-se com ela em Calais nos primeiros dias de junho.
Ela não os via desde outubro último. De regresso a Londres, escreveu
a Leadbeater em data de 6 de junho: “ O nosso amado Krishna está
encantador como sempre, mas ganhou imensamente em confiança em
si e em dignidade. Perdeu a timidez e mostra-se autoconfiante. Com­
preende perfeitamente a situação atual e forma sua opinião com muita
firmeza. . . Nitya está muito crescido e desenvolvido em todos os
sentidos.” Nitya fizera quinze anos.
No dia 28 de junho os meninos foram para Varengeville, na costa
da Normandia, onde o Sr. Guillaume Mallet lhes oferecera sua casa,
Les Communes, para que ali passassem o verão. George Arundale e
sua tia, a Srta. Francesca Arundale, solteirona de aparência formidável
com os cabelos esticados para trás, muito antiqüada em todos os sen­
tidos, e bem assim Raja e Diclc Clarke figuravam como hóspedes da
casa. Lady Emily e seus cinco filhos aboletaram-se na aldeia para a
temporada de verão, e a Dra. Mary Rocke, uma das testemunhas da
Sra. Besant, que agora morava em Londres, também alugou um quarto
na aldeia. O nome, Dra. Rocke, ajustava-se perfeitamente a ela. Com
os cabelos curtos e grisalhos, o corpo erecto e anguloso e os traços
agradáveis, porém austeros, conquistara a confiança e o afeto dos teoso-
fistas.
Conquanto, a princípio, as lições dos meninos continuassem, ine­
xoráveis, pela manhã, aquela foi uma época relativamente feliz para
eles, que tinham uma grande quantidade de companheiros da mesma
idade. Lady Emily levava Barbara e Robert todos os dias a Les
Communes para participarem das leituras de Shakespeare e, à tarde,
do tênis e de uma espécie de beisebol primitivo (rounders) na outra
casa dos Mallets, Les Bois des Moutiers, quando se juntavam ao grupo
alguns jovens primos da família Mallet. Krishna sempre gostara de
Robert Lutyens, e Nitya e Barbara, que tinham a mesma idade, tor­
naram-se muito amigos. A essa altura, Lady Emily já passara a con­
siderar Krishna, ao mesmo tempo, seu filho e seu mestre.

81
Ele despertou toda a minha ternura maternal [escreveu ela] — pois
parecia tão só e tão infeliz! Estava [com dezessete anos como ela ainda
julgava] mas era, em certos sentidos, muito moço para a idade e muito
sonhador. Nunca lhe permitiam estar só. Um dia ele saiu sozinho e pôs-se
a passear ao longo do penhasco e logo se organizou um grupo de busca,
que partiu à sua procura. George estava aflitíssimo porque havia ordens
terminantes para que ele fosse sempre atendido por dois Iniciados.

Não obstante, Krishna também sábia ser muito crítico e censu-


rador. Ele disse a Lady Emily que suas duas filhas menores, Betty e
Mary, de sete e cinco anos respectivamente, tinham modos muito feios,
que precisavam ser corrigidos.
Lady Emily ficou radiante quando foi submetida à provação por
Mestre Kuthumi na noite de 8 de agosto. Esse passo, inteiramente
baseado na exclusiva autoridade de Krishna, só foi confirmado por
Leadbeater, num telegrama, depois de Krishna “ trazer” exatamente o
que havia ocorrido.
Até agora tenho tido êxito em minha estada aqui [escreveu ele a
Leadbeater no dia 21 de agosto], pois Lady Emily foi submetida à provação
e espero sinceramente que o mesmo aconteça com Barbie e Robert. Pre­
tendo conseguir que eles sejam submetidos à provação antes de deixarmos
este lugar e parece-ríie sentir que isso ainda vai acontecer. Farei o melhor
que puder. .. Amo realmente Lady Emily. Ela é muito boazinha. Além
de me ser devotadíssima, acha que sou o seu Mestre.

As esperanças de Krishna realizaram-se, pois Barbie e Robert foram


submetidos à provação no dia 18 de setembro.
Mas a maior parte das cartas de Krishna endereçadas a Lead­
beater de Varengeville — e ele lhe escrevia todas as semanas, como
escrevia à Sra. Besant — relacionava-se com a reconstrução do Herald
of the Star ( Arauto da Estrela), que a Sra. Besant e Leadbeater haviam
decidido transformar, a partir do início de 1914, numa revista mensal
ampliada, impressa na Inglaterra. O número total de membros da
Ordem da Estrela no Oriente em todo o mundo era agora, aproxima­
mente, de 15.000, 2.000 dos quais viviam na Inglaterra, se bem nem
todos fossem teosofistas. De qualquer maneira, sentia-se que havia
necessidade de uma revista mais internacional. Seria, contudo, um
empreendimento dispendioso, uma vez que os custos de impressão eram
muito mais elevados na Inglaterra do que na índia. Lançou-se um
apelo e, como sempre, começaram a pingar pequenos donativos, embora
fosse a sempre generosa Sr ta. Dodge a autora da maior contribuição
— 200 libras anuais durante os próximos cinco anos. Nem a Sociedade
Teosófica nem a Ordem da Estrela se viram, alguma vez, impedidas
de levar avante um projeto seu por falta de fundos, e a revista apa-

82
receu pontualmente em forma ampliada no dia l.° de janeiro de 1914.
Deixava, assim, de ser pouco mais que um folheto para converter-se
numa publicação de sessenta e quatro páginas acetinadas com vinte e
quatro ilustrações de página inteira, algumas em cores. Posto que
George Arundale fizesse a maior parte do trabalho, Krishna era o
diretor nominal, e seu nome aparecia em letras grandes na capa.
Krishna, de fato, durante alguns meses, escreveu as notas editoriais sob
o título de “ À Luz das Estrelas” .
As cartas escritas por Krishna de Varengeville acerca do novo
Herald eram curtas e fatuais. Lady Emily talvez tenha descrito a ver­
dadeira atmosfera que envolvia o empreendimento:
George nos deixou a todos febricitantes de emoção. Krishna seria o
diretor nominal e ele, o diretor-gerente. A revista seria impressa com
tinta azul e teria uma capa azul e uma estrela de prata. Destinar-se-ia a
comentar todos os acontecimentos do mundo à luz da vinda do Senhor...
George e a Dra. Rocke também planejaram abrir uma loja da estrela e
George fez logo uma porção de planos para a organização das coisas que ali
seriam vendidas — livros para comemorar o aniversário natalício de Alcíone,
calendários, mata-borrão azul, caixas de selos de papel azul com estrelas de
prata. 1 Os estudos foram abandonados. Relegou-se Shakespeare à estante
e nós passamos todo o tempo em febril atividade sobre papel azul e pra­
teado. Jmarajadasa, desesperado, tentou em vão reconduzir-nos a uma
atmosfera mais calma e estudiosa.

De acordo com Lady Emily, George era clarividente e “ trouxe”


uma mensagem sobre a nova revista do próprio Senhor Maitreya, que
não queria que ele “ encetasse nenhuma outra atividade nem assumisse
responsabilidade alguma além da educação de meus filhos [Krishna e
Nitya] e da publicação do meu Herald” .
Nessa ocasião todos aguardavam com ansiedade o resultado da
apelação que estava sendo julgada em Madrasta pelo juiz Oldfield,
Levaram-se meses revendo o primeiro caso e, sem dúvida, a turma de
Varengeville se alegrava por ter algo tão emocionante quanto o novo
Herald para ocupá-la durante o período de incerteza.
Voltaram todos a Londres no fim de setembro e, a partir de então,
Krishna passou a ser “ toda a vida” de Làdy Emily. O marido, o lar,
os filhos “ foram-se esfumando aos poucos no fundo do quadro” . Essa
devoção exclusiva e intensa causaria problemas para Krishna e para ela
também.

1. Inaugurou-se mais tarde em Londres uma Livraria da Estrela no número


290 de Regent Street, perto de Langham Place, onde todos esses artigos se
achavam à venda.

83
Em outubro, Krishna escreveu à Sra. Besant e a Leadbeater, de
Drayton Gardens, onde estava passando algum tempo, que a Srta.
Dodge colocara um carro à sua disposição e fixara para ele uma renda
anual vitalícia de 500 libras, e outra de 300 para Nitya enquanto este
estivesse em Oxford. Ela também estipulou uma renda para a Sra.
Besant, deu a Lady Emily, que estava longe de ser rica, 100 libras
por ano para as suas viagens a serviço da Estrela e ajudou muitos
outros que participavam do movimento. Krishna escreveu que a Srta.
Dodge era “ uma mulher maravilhosa” e “ extraordinariamente bondosa”
para eles. Também contou na carta do dia 10 que, no dizer do médico,
George estava à beira de um colapso nervoso. Tinham-se verificado
atritos entre George e Raja e entre George e Lady Emily, em virtude
do ciúme cada vez maior que ele sentia dela, o que lhe parece ter
influído no sistema nervoso. Krishna estava passando por maus bocados
no meio dos três personagens.
A Srta. Dodge também lhe oferecera uma casa no topo de
Hampstead Heath. Ele desejava morar ali, pois a casa tinha jardim,
o ar era bom e, além disso, seria conveniente para o escritório do
novo Herald em Tavistock Square, 19. De mais a mais, como ele
mesmo disse à Sra. Besant, queria viver em Londres porque Lady
Emily estava lá. Mas isso não aconteceria e, depois de alguns dias
numa casa de campo perto de Crowborough, em Sussex, onde Krishna
aprendeu, pela primeira vez, a jogar golfe, e de uma conferência de
trabalhadores da Estrela em Londres, que ele mesmo dirigiu com êxito
porque George estava indisposto, os meninos foram levados por Raja
e George para junto dos Kirbys na Villa Cevasco, perto de Gênova.
Foi ali, no dia 31 de outubro, que lhes chegou um telegrama de Adyar,
assinado pela Sra. Besant e transmitido de Londres pela Srta. Bright:
“ Apelação falhou. Meninos precisam ver Pole Londres sem falta.”
Pole era o Major David Graham Pole, advogado e teosofista escocês,
mais tarde membro do Parlamento, que a Sra. Besant levara consigo
à índia para ajudá-la no caso da apelação. Não somente o Tribunal de
Apelação confirmara a decisão de primeira instância, mas também inver­
tera o disposto no tocante às custas. A Sra. Besant decidiu recorrer
incontinenti ao Conselho Privado da Inglaterra.
Krishna escreveu no dia seguinte à Sra. Besant, de Villa Cevasco:
Minha Mãe muito querida, lamento muitíssimo que o caso tenha
virado contra nós. . . Receio que a senhora esteja muito cansada dele e
eu quisera estar em sua companhia e amá-la. A senhora sabe que a amo
muito e lhe sou muito devotado. As palavras não poderão exprimir minha
devoção. George escreveu a C . W . L . [Leadbeater] explicando todas as
nossas dificuldades aqui. Concordo plenamente com o que ele diz.

84
C . W . L . vai mostrar-lhe a carta. Eu mesmo estou-lhe escrevendo uma
carta que ele lhe mostrará.

A carta de Krishna a Leadbeater, datada de 31 de outubro de


1913, é muito importante porque nela se ouve soar, a súbitas, uma
nota completamente nova de autoridade, uma consciência do seu pró­
prio poder sobre as pessoas. Ficamos a imaginar se a renda que devia
à generosidade da Srta. Dodge incutira nele maior confiança em si,
bem como um senso maior de independência.
Meu querido Irmão [como os discípulos de Leadbeater costumavam dirigir-
-se a ele]
Você deve ter recebido duas cartas — uma de Raja e outra de George,
que vão inclusas. Li as duas e desejo expressar minha própria opinião.
Creio que já é chegado o momento de tomar eu mesmo as rédeas dos
meus negócios. Acho que serei capaz de cumprir melhor as instruções do
Mestre se elas não me forem impostas e tornadas desagradáveis, como o
têm sido de alguns anos a esta parte. Sinto-me responsável e farei o
melhor que puder pois, tendo agora 18 anos, sou de opinião que posso
dar conta do recado com alguns conselhos. É claro que cometerei erros,
mas conheço, de um modo geral, a natureza das minhas obrigações. Nunca
me foi concedida a oportunidade de sentir minhas responsabilidades e
tenho sido arrastado de um lado para outro como criança de peito. Não
escrevi antes sobre isto porque não desejava causar preocupações à Sra.
Besant, mas creio que vocês dois conhecem agora toda a posição.
O que proponho é o seguinte: se o caso [a demanda judicial] o
permitir, eu gostaria de ter uma casa na costa marítima de Devonshire.
Na minha opinião, seria melhor encarregar a Srta. Arundale [tia de George]
dos arranjos da casa, mas disponho agora de dinheiro suficiente para fazer
frente a todas as despesas. Outro assunto importante é o que diz respeito
aos estudos. A dificuldade reside no sânscrito, pois não posso estudar
essa disciplina sob a orientação de Raja. Acredito que seja fácil fazer
arranjos com respeito às outras matérias e, se George só ficar incumbido
dos assuntos mais importantes ligados ao Herald, ele talvez possa fazer
tudo o que é preciso em matemática, etc. Os estudos, ultimamente, têm
sido muito descurados e precisamos dar grande atenção a eles. Para falar a
verdade, creio que tudo iria muito bem se Raja fosse desobrigado das suas
tarefas. Eu poderia controlar e guiar George e o resto do grupo. Parte
das dificuldades de George, como ele lhe explica em sua carta, deve-se
ao fato de que não me tem sido possível cuidar dele como seria do meu
desejo, e ele se melindra muito com a atitude de Raja para comigo. Resul­
tado: tenho passado por um período muito difícil, e parece-me que a única
maneira de fazer que as coisas corram bem será entregar-me a sua direção.
Eu gostaria que tudo se arranjasse o mais depressa possível. Se não pu­
dermos morar na Inglaterra, os mesmos arranjos servirão no estrangeiro.
Sei que tudo se fez com a melhor das intenções, mas não deu certo.
Esta carta é tanto para a Sra. Besant quanto para você. Mando-lha
para que possa mostrá-la a ela e conversar a respeito num momento favo­
rável . . .
Lamento muito que a Sra. Besant tenha trabalhado tanto e ‘que o
resultado aparente tenha sido um fracasso. Imagino que Pole [Major

85
Graham Pole] nos dirá o que ela quer que façamos, mas estou resolvido a
deixar bem claro que sei o que faço e nada me induzirá a voltar para
junto de meu pai. Nitya também não voltará.
George continua sendo meu primeiro discípulo e o primeiro no meu
coração, mas ele não entendeu direito minhas relações com Lady Emily.
Isto se deve, sem dúvida, em grande parte, ao fato de ter muito trabalho
para fazer, o que o impede de enxergar as coisas com clareza. Gosto mui­
tíssimo dos dois e nenhuma dessas trivialidades alterará meus sentimentos.
Sinto que Lady Emily é minha mãe e discípula e que George é meu filho
e discípulo. Agora que está livre, ele começa a compreender.
As novidades não são muitas. Espero que vocês dois ponderem cuida­
dosamente o que escrevi.
Com muito amor,

Afetuosamente seu,
Krisbna

Eles retomaram a Londres no dia 14 de novembro, depois de


uma excursão que abrangeu Roma, Florença, Veneza e Milão. Na noite
do regresso avistaram-se com Graham Pole, conforme as instruções que
haviam recebido. Em Londres, hospedaram-se no Hotel Gwalia, em
Great Russell Street, perto da casa de Lady Emily em Bloomsbury
Square, e mal se passava uma noite em que ela não jantasse com eles
ou eles com ela. A liberdade de ver Lady Emily sempre que o dese­
java, sem que os seus encontros fossem imediatamente comunicados à
Sra. Besant pelos Brights, deve ter sido uma grande alegria para
Krishna, que encontrava completa relaxação no quarto das crianças em
casa dos Luytens — sempre se sentiu muito à vontade com os pequenos
— onde ele e Nitya eram considerados pelos miúdos como irmãos
muito mais bondosos do que o próprio Robert, que implicava cruel­
mente com eles.
A Sra. Besant, que ainda se encontrava em Madrasta, contratara
o advogado de Lady Emily, Francis Smith, para coligir pronunciamentos
e declarações de Raja e dos dois meninos sobre se Leadbeater havia,
alguma vez, procedido mal com eles. Para Lady Emily, Krishna nem
sequer compreendia a natureza das perguntas que lhe eram feitas nesse
sentido.
Não parece haver dúvidas de que Narianiah servira de instru­
mento para os inimigos políticos da Sra. Besant ao intentar a demanda
judicial contra ela, pois no dia 21 de novembro Leadbeater escrevia
a Lady Emily: “ O velho patife do queixoso procurou a presidenta
com a intenção de propor-lhe uma conciliação, pedindo-lhe que tomasse
igualmente a seu cargo o irmão mais velho e o educasse também na

86
Inglaterra — proposta francamente cômica, quando se considera que,
durante todo esse tempo, ele não fez outra coisa senão afirmar com
a máxima veemência que seus outros filhos tinham sido arruinados
por ela.”
No dia l.° de dezembro, a Sra. Besant apresentou em Madrasta
uma petição em que solicitava permissão para recorrer ao Comitê Ju ­
dicial do Conselho Privado em Londres; a petição foi-lhe deferida.
Talvez se passassem meses antes que o Conselho tomasse conhecimento
do recurso, mas ela esperava que uma suspensão da execução, enquanto
não se julgasse o recurso, lhe fosse concedida, em janeiro, pelo Conselho
Privado.

87
10

DÚVIDAS E DIFICULDADES

Em conseqüência da carta de Krishna a Leadbeater do dia 31 de


outubro de 1913, Raja foi chamado de volta à índia, mas a carta
propriamente dita não deve ter sido bem recebida, pois Krishna escre­
via à Sra. Besant a 12 de dezembro:
Creio que surgiu algum mal-entendido em relação à carta que escrevi
a C . W . L . Não me parece que eu seja ingrato de meu natural e sei o
quanto vocês todos fizeram por mim. Também sei que me sinto muito
mais feliz e muito melhor de quatro anos a esta parte. Eu não tencionava
ser ingrato com C . W . L . Apenas quis dizer que Raja e eu não conse­
guimos entender-nos e, por favor, não creiam que eu também seja ingrato
com Raja.
Acima de tudo, querida Mãe, pelo amor de Deus não imagine nem
por um momento que eu seja ingrato com a senhora, que tem sido tão
boa e tão generosa comigo e tem aturado tanta coisa por minha causa!
Agora parece que lhe sou ingrato. Isso nunca poderia acontecer. Posso
ser mau de muitas maneiras, mas nunca poderia ser-lhe ingrato. Eu
quisera poder vê-la para então explicar tudo.
Raja lhe explicará todas as nossas dificuldades. Ele leva consigo, por
escrito, tudo o que julgamos desejar. Está claro que isso terá de ser
submetido à sua apreciação. É evidente que não sou o que deveria ser.
De um jeito ou de outro todos temos dificuldades aqui. Estou fazendo o
que posso. Acho que Raja está satisfeito por haver sido exonerado da sua
posição e por estar voltando à índia. Ele enfrentou muitas dificuldades
conosco e espero que esteja melhor em Adyar.
Minha Mãe muito querida, ainda que eu possa ser ingrato, amo-a
muitíssimo.

Mais ou menos nessa época, os advogados, novamente receosos


de uma tentativa de seqüestro dos rapazes, pediram a George que os
levasse para um esconderijo tão secreto que, a princípio, nem a Sra.
Besant dele foi informada. Em Londres, somente Basil Hodgson-Smith
conhecia o endereço dos dois, de modo que pudesse enviar-lhes a

88
correspondência. A data da sua partida é incerta mas, no dia 16 de
janeiro de 1914, tinham sem dúvida voltado a Taormina, na Sicília,
pois nesse dia Krishna escrevia à Sra. Besant: “ Agora a senhora já
sabe onde estamos. Se eu pudesse fazer o que penso, não teria partido
dessa maneira. . . Raja, a esta altura, já lhe terá falado a respeito do
nosso esconderijo.” Acrescentou que os advogados os queriam em
Londres no dia 27 de janeiro, quando seria julgado o pedido de sus­
pensão da execução.
Lady Emily ficou desolada com a perspectiva de separar-se de
Krishna. Mas, pouco antes da partida dos rapazes, George informou-a
do segredo do esconderijo deles, sem dúvida por insistência de Krishna,
e convidou-a para segui-los, com a condição de que não revelasse a
ninguém, nem à família, o seu destino. Isso provocou profundo ressen­
timento em Barbara e Robert. Como o marido estivesse na índia,
pois fora nomeado arquiteto de Nova Deli em 1912, não havia neces­
sidade de informá-lo da viagem secreta.
O grupo de Taormina, que consistia em Krishna, Nitya, George,
a Dra. Mary Rocke, a Srta. Arundale e Lady Emily, voltou a ocupar
todo o último andar do Hotel Naumachia. Lady Emily conta que,
certa noite, enquanto estavam lá, Krishna, que estivera olhando para
uma imagem do Buda em Mytbs of the Hindus and Buddhists (Mitos
dos hindus e dos budistas), de repente ergueu os olhos e exclamou:
“ O Senhor Buda está aqui.” Todo o seu rosto se alterou completa­
mente e ele saiu correndo da sala. Pouco depois voltou e contou-lhes
que vira o Senhor Buda, em pé, ao seu lado.
Estavam todos excitadíssimos com a expectativa da ocorrência
de grandes acontecimentos na noite de 10 de janeiro, pois o dia 11
era o aniversário da primeira Iniciação de Krishna. Quando se estavam
sentando para jantar no dia 10, Krishna afirmou, em tom decidido:
“ Alguma coisa vai acontecer esta noite, tenho certeza. Sinto-me
muito excitado.” Todos esperavam dar mais um passo no Caminho.
Pela manhã, entretanto, nenhum se lembrava de muita coisa, de modo
que Krishna telegrafou a Leadbeater: “ Lembranças da noite passada
vagas. Telegrafe acontecimento.” A resposta foi decepcionante: quatro
pessoas tinham sido aceitas e oito submetidas à provação — mas todas
membros da Estrela na índia. De acordo com Lady Emily, ela, George
e Krishna “ passaram por uma séria crise de depressão” . Teria sido
a carta de Krishna a Leadbeater, escrita de Gênova, que lhe revelava
pela primeira vez o espírito de independência, o motivo de não haver
o grupo de Taormina dado nenhum passo esotérico? É o que parece
mais provável, já que a carta causara profundo e evidente desgosto.

89
O grupo deixou Taormina no dia 23 de janeiro a fim de estar
de volta a Londres no dia 27, para a audiência do Conselho Privado,
que se realizou na Câmara do Conselho Privado em Downing Street e
foi presidida pelo Lorde Chanceler, Lorde Haldane, amigo da Sra.
Besant. Esta não compareceu à audiência, mas os dois garotos se
achavam presentes. Nitya ficou assombrado, como ele mesmo escreveu
a Leadbeater no dia 30 de janeiro, “ ao ver os mais altos juízes do
país, um dos maiores poderes da Inglaterra, encarando tudo de modo
casual, fácil e sem a menor formalidade” . Os rapazes, que haviam
sido arrolados como intervenientes por decreto real, eram representados
pelo Lorde Advogado (Robert Munro); dois procuradores da coroa
tomaram a defesa da Sra. Besant, ao passo que o Sr. Kenworthy Brown
representava Narianiah. Em resposta a uma pergunta do Lorde Chan­
celer, o Lorde Advogado afirmou que se achava inteirado dos desejos
dos meninos: “ Eles desejam ardentemente permanecer neste país e são
de todo avessos à idéia de voltar para a índia.” Deferiu-se o pedido
de suspensão da execução. Na presunção de que os Meritíssimos Juízes
antecipariam a audiência em que seria julgada a apelação, o Lorde Chan­
celer concordou em que seria absurdo mandar os garotos de volta à
índia, visto que teriam de regressar à Inglaterra logo depois, mas
pediu-lhes que ficassem em solo inglês até a audiência, a qual, ao que
tudo indicava, seria provavelmente realizada em maio.
Lady Emily não tardou a pagar pela alegria de estar em companhia
de Krishna em Taormina, ao saber da desaprovação da Sra. Besant e
de Leadbeater. Recebeu uma carta severa da primeira censurando-a
por haver deixado os filhos, que eram sua responsabilidade, para partir
com Krishna, que não o era. Embora sentisse indubitavelmente que
Lady Emily o substituíra nas afeições de Krishna, George também
parece ter-se aborrecido deveras com o efeito emocional que o amor
dela exercia sobre Krishna. Este a amava sem dúvida e queria estar
sempre com ela, mas ela mesma compreendia que o amor dele era
apenas filial.
Tendo perdido a mãe quando era ainda muito jovem, ele ansiava
sempre por voltar-lhe aos braços [escreveu ela]. Vira, um dia, no Daily
Mirror, o retrato de um menininho sentado num banco do Parque e so­
nhando estar sentado no colo da mãe. Recortou o retrato e disse-me
sentir ser ele o menininho. . . Meu maior desejo era compensá-lo dessa
perda.

Ela acreditava que Krishna houvesse perdido a mãe quando tinha,


mais ou menos, quatro anos de idade mas, na realidade, por ocasião da
morte dela, ele já tinha dez.

90
George também ficara muito deprimido nessa época em virtude
de uma carta de Leadbeater, procedente de Adyar, em que este des­
crevia uma nova “ descoberta” , um menino de treze anos chamado
Rajagopalacharya (filho de V. K. Deskacharya), brâmane do Sul da
índia que, mais tarde, representaria um papel importante na vida de
Krishna, e um dos indianos submetidos à provação no dia 11 de janeiro.
Dizia-se que tivera um passado maravilhoso, pois fora São Bernardo de
Clairvaux em sua última existência, e que teria um futuro mais mara­
vilhoso ainda: tornar-se-ia um Buda, provavelmente sucedendo a
Krishna em Mercúrio. Não era de estranhar que George se sentisse
muito conturbado, uma vez que essa grande posição já lhe fora pro­
metida.
Depois de passar algumas semanas em Drayton Gardens, após a
suspensão da execução, os meninos, seguindo as instruções do Mestre,
mudaram-se para Shanklin, estação balnearia da Ilha de Wight. George
estava com eles, assim como A. E. Wodehouse, mandado de Benares
para tomar o lugar de Raja como segundo preceptor. A Srta. Arundale
encarregou-se do governo da casa em The Leasowes, Victoria Avenue.
Krishna contou à Sra. Besant que estava estudando composição inglesa,
literatura, história, matemática e ciência. Nitya fazia o mesmo, mais
latim. Eles tencionavam demorar-se em Shanklin dois meses e estudar
bastante.
Lady Emily, que substituía George na direção do Herald, encon­
trava inúmeros pretextos para ir freqüentemente a Shanklin a fim
de consultá-lo sobre assuntos editoriais mas, a julgar pelo diário dela,
os dois não discutiram nenhum assunto editorial: ela passava o tempo
caminhando com Krishna pela praia ou pelos bosques. “ Naqueles dias,
ele só se interessava por poesia” , recordava ela. “ Gostava sobretudo
de Shelley e Keats e murmurava constantemente o verso ‘Amo a
morte que conforta’.” Nos bosques de Shanklin, um dia, ele per­
guntou-lhe “ Está vendo aquela fadazinha?” e descreveu-lhe uma cria-
turinha encantada saltitando por ali; mas pareceu surpreendido quando
ela confessou que não podia vê-la também.
A Sra. Besant chegou à Inglaterra no dia l.° de maio para a
audiência do seu recurso, que se realizaria três dias depois. (Narianiah
não comparecera.) Os rapazes foram recebê-la em Dover. Embora
tivesse apreciado a luta no começo, o caso agora se arrastava por mais
de dezoito meses e ela estava exausta. Lady Emily foi vê-la no dia
seguinte em Drayton Gardens e disse-lhe que amava Krishna como
filho e como mestre. A Sra. Besant respondeu que se tratava de
um relacionamento muito curioso, mas não lhe opunha objeção alguma

91
enquanto Lady Emily fosse discreta e não criasse dificuldades para
ele. Nesse momento, Krishna entrou na sala e ajoelhou-se ao lado da
Sra. Besant, que abençoou os dois.
Os rapazes não se achavam presentes à Câmara do Conselho
quando, no dia 5 de maio, depois de uma audiência de dois dias, a
Sra. Besant ganhou o seu recurso. A sentença completa só foi publi­
cada no dia 25 de maio. Os motivos que deram ganho de causa à
recorrente foram principalmente os seguintes: os desejos dos meninos
não haviam sido consultados e eles não tinham sido representados no
tribunal. Na opinião dos Meritíssimos Juízes, o processo no Superior
Tribunal de Madrasta fora mal interpretado. Os meninos não dese­
javam regressar à índia e o mandado expedido pelo tribunal de Ma­
drasta não poderia ser cumprido sem o consentimento deles. Se a
Sra. Besant, acatando a ordem do tribunal de Madrasta, os tivesse
levado de volta à índia contra a vontade deles, estaria automaticamente
sujeita a um processo na Inglaterra pela impetração de um habeas
corpus. Nenhuma corte pode expedir uma ordem capaz de conduzir
a tais conseqüências. O processo foi encerrado, portanto, com o paga­
mento das custas, mas sem prejuízo de nenhuma solicitação que o réu
(o pai) houvesse por bem fazer ao Supremo Tribunal da Inglaterra,
que consultasse os interesses dos filhos e estivesse de acordo com os
desejos deles. Compreendendo que estava derrotado, Narianiah, natu­
ralmente, não tomou nenhuma outra medida.
Tão satisfeita ficou a Sra. Besant com a vitória que decidiu não
protestar contra o pagamento das custas, que lhe fora imposto, con­
quanto já tivesse pago as custas iniciais por ordem do Tribunal de
Apelação de Madrasta. Sabedor das boas notícias, Krishna foi a Hatton
Garden a fim de comprar-lhe um broche de pérolas, num gesto cari­
nhoso de reconhecimento por tudo o que ela fizera e sofrera por ele.
No dia 13 de maio, foram os dois sozinhos a Paris, onde passaram três
noites.
Enquanto esteve em Londres, a Sra. Besant pronunciou cinco
conferências no Queen’s Hall, com casa cheia como sempre. Antes
de regressar à índia no fim de junho, ela deve ter falado seriamente
com Krishna acerca da necessidade de estudar com afinco para entrar
em Oxford, do seu relacionamento com Lady Emily e da importância
de tornar George feliz, pois foi um Krishna contrito que, no dia se­
guinte ao da partida dela, se dirigiu para Bude, uma praia em Cornxall
do Norte, em companhia de Nitya, George, Dick Clarke e da Srta.
Arundale. (Wodehouse ficou em Londres para ajudar Lady Emily na
direção do Herald.) Eles tinham alugado o vicariato e elaborou-se-

5>2
Chegada à Estação de Charing Cross, Londres, Maio de 1911,
Nitya, a Sra. Besant, K, George Arundale
A Sra. Besant, Leadbeater, K, Raja, ostentando as insignias da
Ordern da Purpura, Benares, dezeinbro de 19! I
•lhes um novo programa de estudos. Como diversão, havia lições de
golfe todas as tardes com um excelente profissional; o mais emocio­
nante, todavia, foi a licença dada a Krishna para comprar uma bicicleta
motorizada, uma Williamson, em Londres, e levar a Bude. Todas as
semanas ele escrevia respeitosas cartinhas à Sra. Besant contando-lhe
que estava estudando muito e que fazia o possível para tornar George
feliz. Além das 500 libras anuais da Srta. Dodge, Krishna recebia
agora 125 libras por mês da Sra. Besant para as suas despesas.
A 16 de julho, Shiva Rao, então com vinte e três anos, chegou
a Bude, mandado da índia pela Sra. Besant para ensinar sânscrito aos
rapazes. Shiva Rao vira Krishna e Nitya pela primeira vez em Benares
em 1910 e conhecera-os bem mais tarde, quando se mudara para Adyar
a fim de ajudar Leadbeater na compilação de As Vidas de Alcíone.
A deflagração da guerra ( não-prevista, aparentemente, pelos
Mestres, embora explicada pela Sra. Besant como a grande convulsão
entre as nações que sempre precede o advento do Mestre Universal)
a princípio não fez diferença alguma para o estilo de vida em Bude.
“ Os alemães não são tão maus quanto os fazem os jornais” , escreveu
Krishna à Sra. Besant em carta de 3 de setembro, “ e tenho grande
simpatia por eles. São muito corajosos. Pergunto a mim mesmo se
devo ou não entrar na guerra e quero saber sua opinião a respeito” .
A Sra. Besant julgou péssima a idéia, não tanto porque ele talvez
tivesse de matar alguém, mas porque teria de poluir o corpo comendo
carne.
Krishna — e isso talvez seja significativo — não contou à Sra.
Besant que Lady Emily com os cinco filhos alugara uma casa em Bude,
em setembro, perto do vicariato, onde passava a maior parte do tempo
em sua companhia. A grande proximidade dela provocou o transtorno
costumeiro, agravado agora pelo fato de George apaixonar-se por Barbie,
o que deixava Nitya, que também amava Barbie, muito infeliz. Krishna
sentia-se igualmente infeliz.
Ele acreditava na idéia dos Mestres [disse Lady Emily nessa ocasião],
e íreqüentemente “ trazia” entrevistas com o Senhor [Maitreya]. Aceitava
sua situação, mas não tirava dela nenhuma satisfação pessoal. Nunca
desejava nada para si — dinheiro, poder ou posição. George instava
sempre com ele para que se lembrasse do que acontecera em outros planos.
"Por favor, traga” , dizia-lhe sem cessar, mas Krishna permanecia impas­
sível, e só “ trazia” quando realmente se lembrava de alguma coisa.

Ela o supunha desesperadamente infeliz. Ele odiava a publicidade;


ambicionava uma vida normal. E amiúde lhe perguntava: “ Por que me
escolheram, a mim?” Os únicos prazeres reais que encontrava em

93
Bude eram o golfe e a bicicleta motorizada. Nada lhe dava mais
prazer do que poli-la ou mexer-lhe no motor e, de acordo com Dick
Clarke, era um mecânico de primeira ordem. Como ciclista, mostrava-se
um tanto excêntrico e, quando levava Lady Emily a passeio no sidecar,
ela precisava agarrar-se à idéia de que ele tinha por si a proteção divina.
Nitya partiu no outono para estudar com um preceptor em Oxford,
e Krishna ficou em Bude, privado até das visitas de Lady Emily, pois
quando ela regressou a Londres no fim do verão, ambos combinaram
que ela se afastaria por algum tempo, a fim de que ele ganhasse maior
confiança em si. Só em janeiro de 1915, para sua grande alegria, ela
foi chamada a Bude por George, a fim de levar-lhe um cachorro,
“ um siberiano branco” , e conseguiu esticar a visita por uma semana.
Sua estada, porém, não foi um sucesso, como o prova a carta que
George lhe escreveu depois e na qual lhe dizia que ela estava atrapa­
lhando “ a obra do Mestre ao enfatizar a natureza inferior de Krishna
à custa da sua natureza superior” e que ela conhecia muito pouco o
verdadeiro Krishna.
George deve ter transmitido à Sra. Besant sua ansiedade no tocante
a Krishna e a Lady Emily, mas sem revelar até que ponto sua análise
do relacionamento deles sofria a influência do próprio ciúme pois, em
fevereiro, Krishna recebeu uma carta da Sra. Besant, em que ela lhe
dizia: “ Sua felicidade está no trabalho, e você será inquieto e infeliz
se dele se afastar. Nada mais durará, como verá. Um homem chamado
para os serviços mais altos perde ‘a vida inferior’ e, se tiver a coragem
de deixá-la perder-se, encontrará uma esplêndida e inalterável felici­
dade.” Krishna ficou tão impressionado com esse trecho da carta que
o copiou e mandou-o para Lady Emily, a qual, por sua vez, o trans­
creveu em seu diário no dia 6 de fevereiro.
Nessa época, a Sra. Besant se achava quase que exclusivamente
absorta no trabalho político, tendo sido orientada por seu Mestre,
pouco antes da deflagração da guerra, para aderir à luta pela Autonomia
Política da índia. A tarefa tremenda, que incluía a direção de um
jornal diário, Netv índia (Nova índia) (o antigo Standard de Ma­
drasta), lhe açambarcava cada vez mais as energias. Se estivesse menos
ocupada com a política, talvez houvesse uma percepção mais profunda
da solidão e do tédio do seu tutelado indiano, abandonado num melan­
cólico vicariato à beira-mar, em pleno inverno inglês, em tempo de
guerra, sem nenhum companheiro jovem após a partida de Nitya, e
tendo na cerimoniosa e respeitável Srta. Arundale a única influência
feminina na casa, desde que George conseguira banir Lady Emily,

94
Na mesma ocasião, Leadbeater também se deixara absorver por
novos interesses. Vigoroso imperialista britânico, não simpatÍ2ava com
as atividades políticas da Sra. Besant, de modo que ela se sentiu ale­
gríssima quando, em 1914, ele partiu para uma tournée de conferências
que incluía a Birmânia, Java, a Austrália e a Nova Zelândia. Tão bem-
-sucedida foi a tournée que, com a mesma alegria, ela lhe deu permissão
para demorar-se indefinidamente na Austrália, onde ele acreditava estar
crescendo a nova sub-raça destinada a servir o Mestre Universal quando
este aparecesse. Leadbeater chegou a dizer que seria uma grande bênção
morrer na guerra, pois estaria assim ajudando o plano da hierarquia
esotérica a tirar velhos egos do Oeste para um rápido renascer de
famílias teosóficas em corpos da nova raça. No princípio de 1915,
vivendo em Sydney, ele reunira à sua volta um grupo de jovens que
considerava maduros para o treinamento especial. Por enquanto não
havia mais nada que pudesse fazer por Krishna. Os planos para o
futuro imediato do “ veículo” tinham sido estabelecidos com o máximo
cuidado e a única obrigação do menino era estudar bastante para entrar
em Oxford o mais depressa possível. Concentrado nos novos discí­
pulos, Leadbeater desistira até de escrever a Krishna.
Mas se bem Leadbeater e a Sra. Besant parecessem haver perdido
momentaneamente o interesse pelo veículo, isso não os impedia de con­
tinuar apregoando, mês após mês, na linguagem mais florida, o advento
do Mestre Universal em várias publicações teosóficas, e raras vezes
deixavam de advertir os leitores do perigo de não reconhecer o Senhor
quando este chegasse ou de rejeitá-lo como o haviam rejeitado na Ga-
liléia, porque ele diria, sem dúvida, coisas inaceitáveis para mentes
fechadas e corações prenhes de preconceitos.
O próprio veículo, contudo, sentia-se agora compelido a reatar
a comunicação com Leadbeater depois de um longo silêncio de ambos
os lados. A admoestação da Sra. Besant acerca do “ mais alto serviço”
deve ter-lhe pesado no espírito, bem como o sofrimento a miúdo reite­
rado de Lady Emily por não ter sido ainda aceita pelo Mestre; além
disso, na véspera do sexagésimo-oitavo aniversário de Leadbeater, 17
de fevereiro de 1915, enquanto Lady Emily, Barbie e Robert passavam
um fim de semana em Bude, Shiva Rao falara a todos sobre os pri­
meiros dias em Adyar e, evidentemente, explicara a Krishna algumas
aparentes rudezas de Leadbeater naquele tempo. Disso resultou o
envio, por parte de Krishna, de um telegrama de aniversário e a escrita
de uma carta fascinantemente reveladora, não só das suas dificuldades
atuais, mas também da existência de atritos entre ele e Leadbeater

95
nos primeiros dias, dos quais não há outra notícia, visto que o próprio
Krishna pouco se lembra desses anos:
Bude, 18 de fevereiro de 1915.
Faz muito tempo que lhe escrevi pela última vez e o lamento muito.
Receio não ser nada bom nos estudos e não ter cabeça para eles, por
isso avanço a custo e devagar. A Srta. Arundale, George, Dick, Shiva
Rao e eu estamos aqui. Ela trata dos assuntos da casa, Shiva Rao me
ensina matemática e sânscrito, George me ensina inglês. E, assim, você
fica sabendo o que fazemos aqui.
Quero contar-lhe tudo e não sei por onde começar, visto que há muita
coisa para contar. Muitas coisas aconteceram desde que o vi pela última
vez em Gênova, isto é, fisicamente.
Primeiro que tudo quero saber como está e tudo o que lhe diz res­
peito. Faz muito tempo que não me escreve e suponho que ande ocupadís­
simo! Quando eu estava com você não gostei do que fez, mas agora tudo
é diferente. Você é o mesmo velho C .W .L . para mim e eu o amo muito.
Fui tolo e idiota por não o haver percebido e por não o haver amado
quando eu estava em sua companhia. Quero esquecer-me de tudo isso
e virar completamente a página. Você foi a primeira pessoa que deu
tento de mim e lhe sou grato, você me trouxe para grandes coisas e eu
lhe devo tudo isso, meu caro C .W .L . É muito difícil para mim escrever
o que sinto, mas você compreenderá o que quero dizer. Quando estava
em sua companhia, eu o feri de muitas maneiras e agora o vejo e lamento
muito. Esqueçamos o passado, com exceção dos momentos felizes, e
espero ainda poder torná-lo feliz. Pergunto a mim mesmo se você com­
preende o que quero dizer a respeito de tudo isso. Quero ser digno de
você e fazer que o seu nome brilhe como uma luz para todos. Quero que
todos saibam o que você realmente é.
Temos conversado a seu respeito e acho que me comportei como um
animal em relação a você, mas eu não o compreendia como agora o com­
preendo. Como quer que seja, vou tentar compensá-lo de tudo.
Quanto a George, está numa situação difícil. Acontece que ele andava
muitíssimo ocupado com o C .C .H . [Colégio Central Hindu] e trabalhava
da manhã à noite, sempre cercado de gente moça, entusiástica e desejosa
de aprender. Agora vem para cá e leva uma vida horrivelmente monótona.
Não há muitos meninos para ajudar e ninguém para admirá-lo e tudo isso
o melindra muitíssimo. Não estou entusiasmado por nada e ele se sente
meio desesperado. O trabalho lhe interessa tremendamente, mas não me
interessa, embora eu me esforce por fazer o que se espera de mim. Ele
pensa que não gosto dele como gostava, mas isso é bobagem e, como
você sabe, minhas afeições não mudam com tanta facilidade. Ele faz
sozinho o seu trabalho da Estrela, não o ajudo, e isso também o melindra.
Sinto pena dele e quero fazer o melhor. É tudo muito difícil, nada é
fácil e não sei o que fazer. Sei que eu devia estar interessado pelo trabalho
e por tudo isso, mas no momento receio não estar. Esforço-me bastante
para fazer minha obrigação, mas é muito difícil. Sei que tudo me voltará
e que servirei os Mestres mas, por enquanto, não é nada fácil. Entretanto,
continuarei tentando assim mesmo. George não está muito bem de saúde,
pois teve um colapso nervoso, que o transtornou em muitos sentidos.

96
Ele quer que eu me interesse pelo trabalho imediatamente e receio que
não tem a paciência necessária. Acha que o Mestre não está perto dele e
que esta não é a casa do Mestre, como devia ser. Na sua opinião, eu
devia assumir a direção, mas não me sinto disposto a fazê-lo e a única
coisa qu'e quero é sossego. Ele também se julga responsável por minhas
ações e minha vida aqui. Compreende o que quero dizer?
Depois vem Lady Emily. Imagino que você já tenha ouvido de outras
fontes tudo o que se falou a respeito dela e de mim. Conhece, portanto,
o lado deles e quero agora que conheça o meu. Quando estivemos em
Varengeville, em 191.3, durante o verão, nós nos encontramos com muita
freqüência enquanto jogávamos tênis e durante as conversas teosóficas.
Fiquei gostando muito dela. Eu disse-lhe que me sentia como um filho
dela e que a amava muito. Quando fui para Londres, queria estar junto
dela e tudo o mais que você pode compreender. Depois, a eterna gente,
que não sabe tratar apenas da sua vida, começou a falar e fez uma
encrenca tremenda. Depois chegou a Sra. Besant e nos disse, a Lady Emily
e a mim, que não devemos demonstrar abertamente nossas emoções pois
isso pode criar encrenca. Acho que temos sido egoístas, mas eu tenho-me
esforçado bastante para não o ser, e ela também. Você sabe tudo a respeito
dela e a meu respeito nos outros planos e, por isso, de certo modo, está
a par de tudo, mas ainda assim preciso contar-lhe. Ademais, o marido dela,
que não é lá muito amigo da Teosofia, começou a dizer que ela não devia
mostrar-se tão afetuosa comigo, visto que sou indiano. Ele é anglo-indiano
e você compreende essas coisas. * Ele não gosta da Teosofia e acredita
que ela só tem coisas más, além das outras bobagens em que a maioria
das pessoas acredita quando não reflete no assunto. Por aí você pode ver
qual é a posição dela. Nós nos colocamos, um ao outro, à frente do tra­
balho e foi esse o mal. Agora compreendemos que os Mestres e o trabalho
vêm antes de todas as outras coisas, tomamos nossa decisão a respeito
e estamos tentando cumpri-la com todas as nossas forças. Depois George
pensou que eu já não o amava e isso foi muito duro para mim. Quero
que os dois sejam grandíssimos amigos, visto que os amo muito a ambos.
Ela me ajudou muito e me fez, sem dúvida, muito feliz. Aí George disse
que ela me prejudicou, etc., mas não é verdade pois, ao contrário, ela
me ajudou em épocas difíceis e eulhe sou muito grato. Amo ao todo
quatro pessoas e estas são você, a Sra. Besant, George e Lady Emily e
isso nunca mudará, aconteça o que acontecer. Ela não foi aceita pelo
Mestre no ano passado e por nossa culpa não Lhe agradou. Mas tem-se
esforçado muitíssimo ultimamente e espero que o Mestre esteja satisfeito
com ela. É o maior desejo dela, e espero que Ele esteja. Neste ano ela
precisa ser aceita e vou ajudá-la com toda a minha capacidade e não serei
egoísta.
Você sabe que a amo com muita pureza e que não faço mais nada
além disso. Amo-a realmente muito e desejo ajudá-la e fazê-la feliz. Nisso,
como em tudo o mais, quero a sua ajuda. Você é meu irmão mais velho
e quero a sua ajuda. Você precisa ajudar-nos, a mim e a ela.
Lady Emily está aqui passando o fim de semana e folgo em dizer
que, a meu ver, d a tem feito o que o Mestre deseja. Não é tão egoísta

1. Edwin Lutyens, com efeito, sempre tratou Krishna com muita simpatia,
e Krishna gostava dele e apreciava suas brincadeiras. Lutyens não foi muito justo
quando atribuiu inteiramente à Sra. Besant o entusiasmo da esposa pela Teosofia.

97
quanto era e, nesse sentido, creio que eu também estou melhor. Ela
quer fazer o melhor que puder e espero que seus esforços sejam bem-suce­
didos. Tenho notado que George e ela estão bem agora. Lady Emily
gosta muito dele, acha-o uma grande pessoa e tudo o mais. Os dois são
étimos à sua maneira e eu os amo muito. George andou com um pouco
de ciúme dela, mas agora, graças a Deus, tudo acabou. Eu a amo muito
muito puramente e alegra-me não ser como as pessoas comuns nesse sentido.
Não sou assim e nunca o serei.
Depois, Barbie e Robert. George gosta muito de Barbie e creio que
ela gosta dele também. Ela é a última moda em todas as coisas terrenas e
eu o lamento muito. Não gosta de Teosofia por enquanto, o que é natural,
mas sei que, como acontece comigo, isso passará. Acredito que a consi­
derem muito bonitinha e todas essas coisas, mas isso não c nada. Há
seis meses, Nityam e ela foram grandíssimos amigos. Amavam-se e aju­
davam-se um ao outro, mas depois apareceu George; Barbie gostou dele e o
pobre Nityam ficou com ciúmes. Barbie, de certo modo, o abandonou e
ele está sofrendo muito com isso.
E Robert. Continua o mesmo, sempre meu amigo. É o oposto de
Barbie em tudo, acho eu. Gosto dele e amo-o muitíssimo. Possui esplên­
didas qualidades, mas é muito moço e muito juvenil. . . É muito artista,
o que, na minha opinião, é uma grande coisa. Robert e eu temos, mais ou
menos, as mesmas qualidades e somos muito parecidos em vários sentidos. 1
Agora preciso falar-lhe de Nityam. Pobre Nityam, receio que não
esteja muito feliz. Andou estudando um bocado e seus olhos ficaram num
estado terrível. Foi consultar o oculista, que disse que ele não pode tra­
balhar demais, só uma hora por dia e mais nada. Acontece que a Sra.
Besant queria que Nityam passasse no exame vestibular de Londres, em
julho, que é terrivelmente difícil. Por isso ele tem dado um duro danado
com o seu preceptor em Oxford. Sua saúde é má, seus olhos estão mal e,
de modo geral, ele não está bem. Nityam e eu somos agora muito mais
íntimos, ele me conta todas as suas dificuldades e isso o ajuda muito.
Está claro que é muito seu amigo e você poderia ajudá-lo muito mais
que qualquer outra pessoa. Eu gostaria de que ele pudesse vê-lo. Nityam
sente-se muito só, como quase todos nós, e não há ninguém que ele aprecie
ou ame de modo especial, o que torna as coisas duplamente difíceis. Anda
muito amargo, duro e frio. Está sofrendo muito e receio não poder
ajudá-lo grande coisa. Ele quer alguém que o ame primeiro e acima de
tudo e a quem possa confiar todas as suas dificuldades. Quer uma
mãe a quem possa amar, como eu tenho Lady Emily. Receio que ele não
goste de muita gente. Como eu, neste momento, não está interessado no
trabalho, mas acho que isso passará. Ele cresceu, mas não está nada bem
para a idade. Esteve duas vezes aqui e o fato de estarmos separados nos
aproximou ainda mais. Ele agora gosta de mim e eu também gosto dele.
Somos irmãos e você pode compreender. Ele é terrivelmente inteligente,
como sempre, e esperto. Está agora em Londres e o Sr. Fleming, um

1. Robert reagiu violentamente contra a Teosofia mas continuou muito


amigo de Krishna por muitos anos. Barbie amara Nitya em Varengcvillc, mas
jamais gostara de George em momento algum. Tinha muito ciúme do amor de.
sua mãe a Krishna e reagiu com muito maior violência do que Robert contra
a Teosofia,
medico, tem-se ocupado dele e creio que isso lhe fará bem. i Robert e ele
são grandes amigos e ambos se apreciam. Está morando em Drayton
Gardens 82, com a Srta. Bright. A mãe dela tem passado multo mal e
poderá morrer a qualquer momento. [Morreu no dia 12 de março.]
A Srta. Arundale continua a mesma e muito antiquada.
Espero que esta carta chegue seguramente às suas mãos. Você precisa
responder a todas as minhas coisas.
Meu caro C . W . L . amo-o muitíssimo e espero que isso nos aproxime
ainda mais.

Não se conhece a resposta de Leadbeater ao seu apelo, mas o


amor de Lady Ernily a Krishna continuava a causar preocupação um
mês depois, como se depreende da leitura de uma carta de 20 de
março que a Sra. Besant endereçou a ela e que deve ter magoado ter­
rivelmente Lady Ernily, sobretudo vindo depois de todos os seus
esforços para ser menos egoísta.
Alegro-me de que as coisas estejam melhorando. O assunto causou-me
grande pesar e sofrimento, e o verdadeiro Krishna ficou tanto tempo sem
poder superá-lo que foi uma tristeza. Está-se fazendo um novo esforço
para afetar a consciência inferior, e já há um pouco mais de resposta.
Sua saúde não pode ser boa quando sua verdadeira vida não consegue
alcançar-lhe o corpo e ele está num torvelinho de paixão ao qual sua
constituição delicadamente equilibrada não se ajusta de maneira alguma.
Escrevi a você uma vez durante esse período infeliz, mas não mandei
a carta, pois eu já lhe dissera tudo o que poderia ser dito antes de partir,
e senti que mais seria desnecessário. A delicada natureza dele foi sacudida
e inteiramente desafinada, e ele se culpa a si mesmo, pobrezinho! Espero
que tudo agora vá melhor.

Mais ou menos no fim de março Nitya conseguiu escapar para a


França como estafeta do exército a fim de alcançar o Dr. Haden Guest
(mais tarde Lorde Haden-Guest), teosofista e médico-chefe de uma
unidade hospitalar em Paris. Desejoso de afastar-se da claustrofobia
de Bude, Krishna escreveu à Sra. Besant em abril pedindo-lhe per­
missão para ir também e sentiu-se emocionado ao receber o telegrama
com o consentimento dela. “ Teremos de usar um uniforme, o que
muito me agrada” , contou-lhe ele. “ Levarei minha bicicleta motori­
zada e creio que assim serei muito mais útil.” Saiu de Bude, imagi­
nando que o fazia para sempre, foi a Londres e conseguiu o uniforme,

1. Fleming era um curador que vivia em Half Moon Street. Mais tarde
Krishna veio a conhecê-lo muito bem, e o mesmo aconteceu a Lady Ernily, que ia
procurá-lo regularmente para tratar-se, sem êxito algum, das enxaquecas que a
atormentaram durante toda a vida. Ele também tratou da Srta. Dodge sem muito
sucesso.

99
mas o plano gorou; após um mês de espera em Londres, soube que
fora tudo cancelado, pois o Dr. Guest deixara seus hospitais em Paris
para dirigir um hospital militar em Londres, que seria instalado no
prédio do Endsleigh Palace Hotel, em Bloomsbury. Krishna, Nitya
(de regresso da França em companhia do Dr. Guest), George e Lady
Emily foram todos trabalhar ali antes mesmo que ele abrisse as portas,
esfregando o chão, raspando a gordura das lareiras, tarefa particular­
mente odiosa para vegetarianos, e executando outros trabalhos servis.
Ao noticiar que Krishna trabalharia num hospital, uma revista
teosófica comentou: “ Afortunados, ou melhor, bem-aventurados os
feridos que tiverem o privilégio de ser atendidos por tais mãos.” Na
realidade, porém, assim que o hospital foi inaugurado, o comitê que o
dirigia decidiu que os serviços de Krishna já não eram necessários. Nas
quatro semanas seguintes ele esforçou-se muito por conseguir outro
serviço; parecia, contudo, que ninguém queria saber dele por ser in­
diano, o que se lhe afigurou “ muito extraordinário” . E quando, afinal,
se lhe ofereceu a ocasião de trabalhar num hospital inglês em Dun­
querque, ficou sabendo que a Sra. Besant se recusava a deixá-lo ir.
Só no fim de setembro veio a saber, por intermédio de Lady De La
Warr, que a Sra. Besant preferia que ele renunciasse à idéia de realizar
um trabalho de guerra e continuasse tranquilamente seus estudos.
Pouco depois, ouvia a mesma coisa da própria Sra. Besant. Sua de­
cepção evidencia-se na carta que lhe escreveu de Drayton Gardens,
em 7 de outubro:
Muito obrigado pela sua longa carta. A senhora não sabe o quanto
sinto haver-lhe causado alguma ansiedade. Diligenciarei para que isso não
volte a acontecer. Realmente, lamento-o muito.
Sei que, até agora, não tenho levado minha vida muito a sério e
hei de fazê-lo a partir deste momento. Começarei meus estudos na pró­
xima segunda-feira. Eu já decidira estudar depois da carta que a senhora
escrevera a Lady De La Warr. Estudarei sânscrito, inglês, matemática,
história e francês. Terei preceptores para cada uma dessas matérias e pre­
tendo ingressar em Oxford o mais depressa que puder. Estudarei com
todas as minhas forças e, depois de Oxford, terei o meu trabalho, que os
Mestres e a senhora estabeleceram para mim. Pretendo sinceramente
fazê-lo e o farei custe o que custar. Levarei minha vida muito a sério,
ajudarei os outros e os farei felizes. Também sei que tenho pensado
demasiado em minha felicidade, o que é realmente uma grande tolice,
e desde a noite passada, quando recebi sua carta, decidi fazer deveras
o que nela está escrito. Andei brincando demais e vou parar com isso.
Prometo-lhe que não tdrnará a ouvir de outras pessoas a mínima queixa
de que estou perdendo o meu tempo. Sei que tenho sido um néscio
por brincar, ao invés de preparar-me para o meu trabalho futuro. Farei
tudo o que puder, minha santa mãe, e homem nenhum pode fazer mais
do que isso.

100
Pensei que a senhora realmente desejasse que eu fosse trabalhar na
França. Se eu soubesse que a senhora queria mesmo ver-me criar juízo
e estudar, tê-lo-ia feito sem a menor hesitação. Só agora fiquei sabendo
o que a senhora queria que eu fizesse. Lamento muito se lhe causei
algumas preocupações, pois na verdade a amo muitíssimo. Todo o mundo
tem-lhe escrito a meu respeito e tenho sido um tolo não escrevendo
primeiro.
Tentarei entrar em Oxford assim que puder e farei quanto puder.
Na próxima semana já poderei dar-lhe o meu programa de estudos. Eu
quisera antes ir para um colégio em vez de ter professores particulares, o
que não é uma coisa nem outra. Isto é, se a senhora concordar, natural­
mente.
Querida Mãe, amo George como sempre e meu amor a Lady Emily
será o mesmo. Ela não me afastou de George. A princípio, ele ficou
enciumado e isso ergueu um muro entre nós. O que é realmente estú­
pido, porque amo muitíssimo os dois e é tolice dizer que não devo amar
mais ninguém. Espero que compreenda o que quero dizer. George está
agora mais feliz e creio que tudo irá bem. Farei o melhor que puder
e espero que as pessoas lhe escrevam de novo para dizer que tudo me­
lhorou.

Krishna foi obrigado a renunciar ao sânscrito por não encontrar


outro professor da matéria depois que a Sra. Besant chamou Shiva
Rao para ajudá-la na direção do jornal diário de Madrasta, New índia.
Nessa ocasião, Edwin Lutyens escrevia a Lady Emily de Deli, onde
passava agora todos os invernos: “ Pergunto a mim mesmo se, ao
atingir a maioridade [ele só completaria vinte e um anos no mês de
maio seguinte], Krishna se sujeitará ao ambiente desnaturai em que
vive e aos seus métodos de educação, etc.; alimentado com colher e
babadouro, deve estar-se incapacitando para o trabalho, a não ser
o esotérico, e a sua pobre índia brada por homens de ação em que
possa confiar — e não padres nem políticos.”
Por enquanto, todavia, Krishna não tinha outra alternativa senão
submeter-se e, assim, em outubro, a vida enfadonha recomeçou para
ele e Nitya. Instalados em Drayton Gardens, em companhia da Srta.
Bright, recebiam aulas particulares, ao passo que George, num elegante •
uniforme da Cruz Vermelha anglo-francesa, trabalhava no hospital em
que fora transformado o Endsleigh Palace Hotel.
Uma influência brilhante, todavia, penetrara recentemente na vida
descolorida dos rapazes na forma de Harold Baillie-Weaver, advogado
casado com uma viúva muito mais velha do que ele. Alto, com uma
bonita cabeça e uma presença imponente, fora um grande dândi em
sua época mas, depois do casamento e da conversão à Teosofia, renun­
ciara à vida de luxo e aboletara-se numa casa de campo em Essex.
Continuava, porém, a vestir-se com extrema elegância e conservava a

101
sua joie de vivre. Instilou em Krishna e Nitya um grande amor às
boas roupas, apresentou-os ao melhor alfaiate e camiseiro, ensinou-os
a engraxar os sapatos e, nos anos que se seguiram, dirigiu-lhes as
finanças e ajudou-os pecuniariamente. Era o primeiro homem de socie­
dade a entrar em contato com eles e os dois se afeiçoaram muito ao
antigo advogado. Além disso, sentiam-se à vontade em sua companhia
divertida. Sempre que lhes era possível escapar da sagrada atmosfera
da Teosofia, gostavam de sair a compras ou de ir ao cinema, princi­
palmente para assistir a filmes de cowboy, ou ficavam mandriando
em casa, envoltos num chambre. Em Baillie-Weaver ( “ Padre” , como
lhe chamavam) encontraram um amigo à sua feição, que exerceu sobre
eles uma influência inteiramente boa e humanizadora.
No começo de novembro George Arundale foi nomeado secretário-
-geral da Sociedade Teosófica na Inglaterra e no País de Gales e, a
partir de então, entregou-se às novas obrigações, embora não abando­
nasse o trabalho no hospital, e Krishna viu-o relativamente pouco.
As relações entre eles nunca mais seriam íntimas.
Na terceira semana de novembro, os dois rapazes estavam tossindo
tão feio que o médico os mandou para o campo. Voltaram, portanto,
a Bude, acompanhados apenas de Wodehouse. Desta feita alugaram
quartos numa casa particular, em Sumerleaze, 9, pois o dinheiro andava
curto. A Sra. Besant encontrava dificuldade, por causa da guerra, para
manter seus pagamentos em dia. Descobriram um padre belga que
se dispôs a ensinar-lhes francês. Trabalhando bastante, Krishna espe­
rava passar no primeiro exame para o grau de bacharel em humanidades
em Oxford (Responsions) em outubro de 1916, dois anos depois do
que originalmente se pretendera.
Com George fora do caminho, Krishna e Nitya aproximaram-se
mais um do outro; Nitya, além disso, sentia-se muito mais feliz depois
do tempo que passara na França, onde ganhara duas medalhas de ouro
pelo trabalho que fizera em favor da Cruz Vermelha francesa. “ Ele
está muito diferente do que no ano passado” , escreveu Krishna a
Leadbeater em janeiro de 1916. “ Está menos duro e, para falar a ver­
dade, muito melhor em todos os sentidos. Irá para Oxford antes de
mim, pois é tão inteligente!” E quinze dias depois Nitya escrevia à
Sra. Besant a respeito de Krishna:

26 de janeiro de 1916.
Minha querida Mãe
.. . Krishna mudou tremendamente. Possui uma grande dose de
compreensão dos caracteres e é capaz de julgá-los por si mesmo. Já se

102
apoia muito mais do que antes nos próprios pés e, embora não seja
agressivo nem jamais venha a sê-lo, algumas pessoas se irritam com o que
denominam sua repentina firmeza e atribuem-na à influência de quem
estiver na hora, mais perto dele. Creio que se esquecem de que o seu
julgamento pouco provavelmente estará muito errado. O seu amor a
Lady Emily já não é uma paixão desarrazoada, mas um sentimento muito
firme que, na minha opinião, não se alterará, pois o seu temperamento
não é suscetível de alterações.
Estou-lhe escrevendo tudo isso porque sei que ele mesmo jamais o
faria, e não conheço ninguém capaz de expor os fatos de modo impessoal,
pois estive afastado de todas as últimas complicações.
Seu filho devotado
Nitya

A acusação de que Krishna sofria a influência de “ quem estivesse,


na hora, mais perto dele” acompanhou-o durante toda a vida. Raras
vezes se compreendeu que a influência exercida sobre ele de tempos
a tempos pelas pessoas sempre foi inteiramente superficial. Quando
o “ descobriram” em Adyar pela primeira vez, deve ter passado pela
cabeça de Leadbeater a idéia de que a mente vazia do menino era um
solo idealmente fértil para a implantação de idéias teosóficas. Isso era
um fato, mas ninguém compreendeu que tais idéias nunca deitaram
raízes. As sementes espalhadas surdiram, obedientes, como plantinhas
anuais sensaboronas de ocultismo teosófico. Todos os anos de estudos
e condicionamento teosófico mal deixaram sua marca no espírito de
Krishna. O que está nele hoje lá estava no princípio. Durante todo
esse tempo, o seu verdadeiro ser se desenvolvia e desabrochava lenta­
mente, secretamente, escondido até dele mesmo.

103
11

ESTUDANDO PARA O EXAME

As cartas um tanto desconexas de Krishna à Sra. Besant, escritas


nos primeiros meses de 1916, giravam todas em torno das suas espe­
ranças de ingressar em Oxford. ‘‘Minha dificuldade agora” , contou
ele de Bude, em janeiro, “ é que meu cérebro, ou o que quer que lhe
faça as vezes, não é muito desenvolvido e isso transparece quando
trabalho” . Ele reiteraria as observações sobre a insuficiência do seu
cérebro durante o ano todo. Mas a aprovação no primeiro exame não
era a única dificuldade. New College cancelara os nomes dos meninos
por ocasião do processo, e agora Harold Baillie-Weaver, que conhecia
o deão de Christ Church, estava tentando colocá-los nesse colégio ou
em Balliol, através da influência de um amigo seu, Sir Robert Younger.
Os meninos deixaram Bude para sempre no fim de abril, quando
Wodehouse se alistou entre os Guardas Escoceses e, depois de dois
meses passados em Londres, foram para a casa de um professor parti­
cular, que Baillie-Weaver lhes arranjara — John Sanger, cuja esposa
era teosofista — em The Little Hermitage, perto de Rochester, Kent,
um casarão com um belo jardim, quadra de tênis e um campo de golfe
nas proximidades, e onde já moravam mais três estudantes. Krishna
achou o Sr. Sanger um excelente preceptor e gostou do lugar, se bem
se sentisse decepcionado quando Sanger lhe disse não haver esperanças
de que ele viesse a passar nos exames antes de março de 1917. De­
cidiu-se, logo, que os dois meninos ficariam em The Little Hermitage
até então.
No dia 11 de novembro £oram a Londres assistir ao casamento
de Raja, que voltava de uma tournée de conferências pela Europa, com
uma dama inglesa, a Srta. Dorothy Graham, que ele conhecera em
Adyar. Krishna considerou o casamento “ muito extraordinário; ele

104
é a última pessoa que eu imaginaria ver casada” . Com efeito, a idéia
do matrimônio de um Iniciado era profundamente chocante para a
maioria dos teosofistas, a maioria dos quais arruinara casamentos exis­
tentes pela abstinência sexual. Dali a uma semana, os rapazes vol­
taram a Londres a fim de despedir-se dos recém-casados, que embar­
cavam para a índia. Dois dias depois de regressar a Rochester, Krishna
escrevia a Lady Emily. Embora se saiba, por intermédio dela, que,
após saírem de Varengeville, em setembro de 1913, eles se escreviam
quase que diariamente quando estavam separados, esta é a primeira
das cartas dele para ela que sobreviveram e, portanto, aí vai na íntegra:
Nov.: 19: 16.
11,30 da manhã.
Minha Mamãe muito querida,
Foi horrível deixá-la, mãe. Eu sabia que você ficaria triste e também
fiquei triste. Pensei em você durante todo o tempo naquele carro em
que havia 8 soldados e todas as janelas estavam fechadas. Eles foram
rudes quando lhes perguntei, muito polidamente, se não podiam abrir um
pouquinho a janela. De qualquer maneira, acabei conseguindo o que
queria. Mamãe querida, haverá tantas separações nesta vida que preci­
samos acostumar-nos a elas se quisermos ser felizes. A vida, na verdade,
é uma imensa separação quando se ama muito e puramenle alguém.
Nesta vida temos de viver para os outros e não para nós e não devemos
ser egoístas. Minha mãe não sabe o quanto me ajudou ultimamente, pois
foi você quem despertou em mim o desejo de trabalhar e fazer o que
o Mestre quer que eu faça. Foi você também quem me fez viver pura­
mente, pensar em coisas puras e afastar os pensamentos que incomodam
tanta gente. Como vê, minha santa mãe, você tem-me ajudado, se bem
pense muitas vezes que tem sido um estorvo para mim. Agora é minha
vez de ajudá-la e de fazê-la como o Mestre a quer, pois quero que Ele
veja que minha mãe bem-amada não é como o resto do mundo e satisfará
às suas expectativas. Não pense que estou pregando, mãe, só quero ajuda­
da como você está-me ajudando, não quero receber tudo sem dar nada
em troca. Meu amor a você é muito grande e passará por tudo para
ajudá-la nas menores coisas. Você sabe que são muito poucas as coisas
que eu não faria por você. Não quero gabar-me, mãe, mas quero que
saiba que sou capaz de fazer e farei tudo por você. Pronto! Chega de
pregações pois, do contrário, acabaremos todos enjoados disso.
Recebi sua querida carta hoje cedo e, antes de responder a ela, dir-
-lhe-ei o que tenho feito. Quando voltamos na sexta-feira fizemos café,
trabalhamos um pouco e fomos para a cama. Estava horrivelmente frio,
mas felizmente nos tinham dado botijas de água quente. Ontem nevou
e choveu o dia inteiro e, à tarde, todos serramos madeira e tentamos
aquecer-nos. Prentice, aquele sujeito ordinário de cara comprida foi-se
embora de vez e nunca mais lhe veremos a carantonha. Toda a gente
ficou muito satisfeita com isso. Hoje cedo escrevi à Sra. Besant e ao resto
do pessoal e li um pouco os dois jornais que você nos mandou [o New
Statesman e o Nation]. Vamos guardá-los todos e se você ou nós qui­
sermos encaderná-los, poderemos fazê-lo. Nityam está mergulhado neles.

20.5
Depois do almoço pretendo lê-los com muita atenção e, mãe, se você
quiser que leiamos algum artigo especial, assinale-o, assim como os que
lhe parecerem interessantes. Será muito divertido.
Responderei agora à sua carta de hoje. Não se preocupe conosco,
mamãe, pois estamos de fato muito aquecidos e não queremos edredons,
pois há aqui uma porção de coisas e seria um desperdício inútil. Prometo-
-Ihe, mãe, que nos cuidaremos. Não precisa incomodar-se com isso, minha
querida mãe. Não há muita coisa para responder em sua carta. Por
favor, mande-me dizer quanto estamos devendo, ou então, por favor,
diga-o ao Sr. B .W ., que ele pagará. Você precisa dizer-me, pois não po­
demos explorá-la assim, minha querida mãe.
Saiba que penso em você o tempo todo e mando-lhe todo o meu
amor e devoção. Estou ouvindo os outros rapazes que voltam da igreja
e, por isso, ficarei por aqui. Tornarei a escrever-lhe na segunda ou na
terça-feira. Oh! minha mãe, você é muito santa e muito amada por mim.
Seu filho devotadíssimo
Krishna

Depois de umas longas férias passadas, em parte, com a Srta.


Dodge em West Side House, Wimbledon Common, que ela comprara
para acrescentar a Warwick House e, em parte, com os Baillie-Weavers
em Essex, os rapazes regressaram à casa do Sr. Sanger em Kent em
janeiro de 1917. Os olhos de Nitya, nessa ocasião, estavam em tão
mau estado que ele já não podia trabalhar com luz artificial, de modo
que precisava trabalhar muito mais durante o dia. Os dois pretendiam
prestar o primeiro exame em Oxford a 20 de março e Krishna tinha
esperança de passar. No começo de fevereiro, entretanto, frustavam-se-
-lhes todas as esperanças de ingressar em Christ Church ( “ O deão está
assustado” , escreveu Krishna à Sra. Besant). Baillie-Weaver tentou
outros colégios, além de Balliol mas, já no começo de março, era certo
que nenhum estabelecimento de Oxford es aceitaria. O Sr. Sanger
esperava agora mexer os pauzinhos para fazê-los entrar em seu velho
colégio de Cambridge, embora nesse caso eles precisassem estudar
novas matérias, o que demandaria outros oito meses de estudos. Em
junho, todavia, compreendeu-se que tampouco havia esperanças de
ingresso em Cambridge; agora não lhes restava outra alternativa senão
tentar a Universidade de Londres, cujos exames vestibulares seriam
ainda mais difíceis que os de Cambridge.
Não admira que Oxford e Cambridge se recusassem a aceitar
um menino indiano que, além de ter sido proclamado o futuro Messias,
fora acusado de homossexualismo pelo próprio pai; mas nem por isso
foi menor o desapontamento de Krishna, que trabalhara realmente
com afinco, embora, ao que tudo faz crer, mais para agradar à Sra.
Besant do que pelo possível valor que atribuía aos estudos livrescos.

106
Taormina, Janeiro de 1914.
E m pe: George Arundale, a Dra. Mary Rocke, Nitya;
sen tad o s: L ady Emily, K, a Srta. Arundale
Ao que consta, ele nunca se apresentou para uma entrevista com os
diretores de nenhum dos colégios. Se o tivesse feito, é bem possível
que os resultados fossem outros.
Entrementes, com a ajuda de George Arundale, que agora tornara
à índia, a Sra. Besant estivera empenhada numa campanha tão vigo­
rosa pela Autonomia Política da índia que, no fim de junho de 1917,
ela e George foram internados por três meses em Ootacamund, nas
Montanhas Nilgiri. A Sra. Besant nunca advogou a independência da
índia; sua luta visava a conseguir para esse país o status de Domínio
— isto é, um governo próprio — e se a sua campanha tivesse triun­
fado, ter-se-ia evitado muito derramamento de sangue. Mas na situação
que então vigorava, tanto o governo britânico quanto os extremistas
indianos, que desejavam libertar-se inteiramente da soberania britâ­
nica, viam nela um perigoso inimigo.
As cartas de Krishna à Sra. Besant agora já não chegavam ao
seu destino, de modo que ele se pôs a escrever a Raja, que tinha per­
missão para ir vê-la em Ootacamund. Krishna contou a Raja, a 8 de
julho, que os dois esperavam prestar exames em janeiro próximo futuro
e que ele estava estudando inglês, latim, francês e história. Mais tarde
estudaria literatura, enquanto que Nitya tencionava cursar a Faculdade
de Direito. “ Como vê, meu caro Raja” , ajuntou, “ serei educado cor­
retamente e não arrastado ao longo do caminho da Educação” . Con­
fessava ser “ um desastre em francês” , mas parece ter-se esquecido da
matemática, que também precisava estudar e que era a sua pior dis­
ciplina. Uma semana depois, escrevia: “ Espero, meu caro Raja, que
você tenha esquecido meu mau comportamento e minhas tolices de
outros tempos.” E, numa carta ulterior: “ Como sabe, sou meio puri­
tano, mas gosto de divertir-me um pouco e de uma ‘pândega’ de
vez em quando, o que você também sabe por experiência própria.”
A Sra. Besant teve uma tremenda recepção em Madrasta, no dia
21 de setembro, ao voltar para lá depois de ter sido libertada incon­
dicionalmente. Embora sua saúde tivesse sofrido, sobretudo mercê da
inatividade forçada, os três meses de martírio serviram apenas para
aumentar-lhe a influência e o prestígio, já consideráveis, junto aos
defensores da Autonomia Política. Krishna, como não podia deixar
de ser, era totalmente favorável a ela, e também manifestou, nessa
ocasião, interesse pela política inglesa, pendendo suas simpatias para
o Trabalhismo. George Lansbury, membro trabalhista do Parlamento,
que ele conhecera através da Sra. Besant, tornou-se grande amigo seu
e membro da Ordem da Estrela no Oriente. “ Sou pacifista e quero
ser um cosmopolita completo” , dissera Krishna, em abril, à Sra. Besant.
E recusava-se a acreditar nas histórias das atrocidades alemãs.
Conquanto Krishna sempre tivesse aborrecido a violência em qual­
quer forma e continuasse a fazê-lo, os movimentos políticos lhe interes­
savam realmente tão pouco quanto os livros. Como deve ter-se sentido
entediado nessa ocasião com a interminável e insípida preparação para
os exames, estudando matérias para as quais não revelava aptidão
alguma! Mas um dos seus poderes inerentes ia agora começar a desen-
volver-se.
Você talvez se alegre por saber que estou tratando dos olhos de
Nitya [contou a Raja no dia 11 de novembro], que melhoraram muitís­
simo, de modo que ele já pode enxergar com a vista esquerda. O Sr.
Fleming deu-me algumas lições sobre métodos de cura e, pessoalmente,
estou muito entusiasmado com isso. .. Aqui [em casa do Sr. Sanger],
quando alguém tem dor de cabeça ou dor de dentes vem procurar-me, e
por aí você pode fazer idéia da minha popularidade.

E, algumas semanas mais tarde, escrevia à Sra. Besant:


Tenho pensado muitíssimo na senhora nestes últimos tempos e daria
qualquer coisa para rever o seu querido rosto. Como é engraçado este
mundo! Sinto-me tão triste por sabê-la fraca e, no entanto, espero que
esteja trabalhando demais, como de costume! Eu só quisera estar aí
para poder cuidar da senhora e acredito que a deixaria boa outra vez.
Estou desenvolvendo o poder de curar as pessoas e tratando todos os
dias dos olhos de Nitya, que já estão muito melhor.

Em dezembro foram para Londres, onde haviam alugado um apar­


tamento em Robert Street, 2, Adelphi, e no dia 14 de janeiro de 1918
prestaram os exames, que duraram quatro dias, para ingressar na.Uni-
versidade. No dia 17, muito animados, certos de sua aprovação, come­
moraram o fato indo com Lady Emily assistir à revista Yes Uncle.
Krishna contou à Sra. Besant no dia 20 que os poucos do exame tinham
sido difíceis, mas que em latim, matéria em que estava mais fraco,
tinha a certeza de haver acertado cinqüenta por cento. No começo de
março, no entanto, ficaram sabendo que, embora Nitya houvesse pas­
sado com distinção, Krishna “ dera com os burros n’água” . Era-lhe
preciso, portanto, voltar à casa de Sanger para fazer nova tentativa
em junho. O nome de Nitya foi registrado em Lincoln’s Inn e em
junho ele começou a freqüentar-lhe os jantares, sendo que o jantar
no refeitório da Universidade era uma preliminar necessária à fre-
qüência da escola de Direito e, portanto, ao futuro exercício da advo­
cacia.

108
O Sr. Sanger ficou muito decepcionado com a reprovação de
Krishna. Ele observara que, embora Nitya possuísse a mente mais
aguçada, a de Krishna era maior que a do irmão, pois tinha uma
compreensão mais ampla dos assuntos, se bem levasse a desvantagem
de não poder expressar prontamente seus pensamentos.

109
12
DEPOIS DA GUERRA

Desde o regresso de George à índia, Lady Emily se tornara res­


ponsável pela direção do Herald e, de acordo com as idéias e senti­
mentos de Krishna, emitia uma nota pacífica. O nome de Krishna
como diretor fora retirado da capa em setembro de 1917 e não se leu
uma única palavra dele nem sobre ele na revista, desde o princípio
da guerra até 1919. Numa carta da Austrália, Leadbeater transmitira
à Sra. Besant a grave decepção do Senhor Maitreya com a revista
( a qual, com certeza, não publicara um artigo mandado por Lead-
beater); o desprazer do Senhor foi retransmitido a Lady Emily num
longo telegrama de Adyar, que ela recebeu no dia 5 de maio de 1918,
e que sugeria, entre outras coisas, a sua substituição como diretora
por Wodehouse, que dera baixa do exército por haver sido ferido numa
perna. “ Outro golpe amargo para mim, outro fracasso” , anotou ela
em seu diário. Escreveu imediatamente a Krishna e foi confortada três
dias depois por “ uma querida carta” dele, “ tão sábia” . Era o tipo de
carta que lhe caberia escrever muitas vezes no futuro:
De certo modo, estou muito contente por você ter recebido esse
choque, porque a personalidade será posta fora de combate, e tenho
absoluta certeza de que só por esse meio se pode realmente servir o
Senhor... A personalidade é a maldição dos teosofistas e não deixe que
ela seja a sua. A vida é difícil e através das dificuldades passamos para
um estado melhor e mais feliz. Entrementes, o sofrimento deve ser supor­
tado e não se pode permitir que ele interfira com coisa alguma. Pronto!

Ele disse-lhe, ao mesmo tempo, que também não estaria preparado


para prestar exame em junho; ser-lhe-ia preciso esperar até setembro.
Não obstante, no dia 24 de maio, saiu de vez, agradecido, da
casa do Sr. Sanger e, no dia 30, numa reunião em Londres a que

110
ele compareceu, ficou decidido que Wodehouse e Lady Emily traba­
lhariam juntos como diretores associados do Herald. Krishna contou
esse fato a Raja no mesmo dia, acrescentando que a revista devia ser
“ internacional” . “ Usando a palavra ‘internacional’ quero incluir assim
os inimigos como os aliados. É muito importante ter isto em mente,
pois acho que não haverá distinção alguma entre o aliado e o inimigo
quando chegar o Senhor, que terá uma mensagem tanto para o pretenso
inimigo quanto para o aliado.” Dizendo isto, Krishna lançava sua
vontade contra a de Leadbeater, antigermânico inveterado e que dera
a entender, na mensagem que “ trouxera” do Senhor Maitreya ao
queixar-se da deterioração do Herald, que as simpatias da Hierarquia
Esotérica pendiam também inteiramente para os aliados.
Krishna e Nitya passaram o verão, em parte, em Old Lodge,
Ashdown Forest, onde haviam ficado em 1912, e, em parte, em West
Side House, Wimbledon, que a Srta. Dodge partilhava com Lady De
La Warr. Nesse casarão com o seu belo jardim, que incluía duas
quadras de tênis, os meninos viram-se cercados de todos os luxos ima­
gináveis, pois a Srta. Dodge vivia em grande estilo. 1 Mas a fruição
desse luxo por parte deles, depois dos alojamentos baratos de Bude
e Little Hermitage, foi um tanto prejudicada por um senso de restrição.
Eles tinham de comportar-se de maneira muito formal e sabiam que
seus deslizes, tais como uma frivolidade indevida ou o malbarato do
tempo, podiam ser relatados à Sra. Besant por Lady De La Warr. A
Srta. Bright também se mudara para uma linda casa georgiana que lhe
dera a Srta. Dodge em Wimbledon Common, e também se achava em
constante comunicação com a Sra. Besant.
No dia 9 de setembro Krishna voltou a prestar exames e, embora
tivesse a impressão de haver-se saído bem em todas as matérias, exceto
o latim, verificou, quando foi saber dos resultados na Universidade de
Londres no dia l.° de outubro, que fora reprovado em matemática.
Os Baillie-Weavers alugaram então uma casa em Wimbledon Common,
The Brockencote, Burghley Road, onde os rapazes passaram a viver em
maior liberdade que em West Side House, e Krishna viajava todos os
dias de ônibus e metrô para assistir a conferências na Universidade de
Londres. Essa viagem diária por um meio sempre abarrotado de trans­
porte público, depois da tranqüila rotina com professores particulares,

1. West Side House em West Side, Wimbledon Common, construída no


reinado de Jorge II, foi hoje transformada em apartamentos. Não se alterou a
fachada, nem tampouco o vestíbulo e a escada, conquanto a maior parte do
jardim tenha sido incorporada ao Cannizaro Park, franqueado ao público. Não
obstante, ainda é possível traçar as antigas divisas do jardim de West Side House.

111
exerceu severa pressão sobre o seu sensível sistema nervoso (como ele
mesmo escreveu mais tarde a Raja, “ sou democrata, mas não gosto
de gente muito perto de mim” ) e, em novembro, a gripe que então
grassava na capital inglesa derrubou-o também. Como, por ocasião do
seu completo restabelecimento, faltassem poucos dias para o término
do período letivo, desistiu dos estudos e foi para o campo em com­
panhia de Nitya, que também estivera doente. Krishna sabia que não
adiantaria prestar exames em janeiro, como pretendera inicíalmente.
Antes de partir de Londres, ele contou à Sra. Besant, em carta
de 15 de dezembro, que os olhos de Nitya estavam melhores mas não
haviam sarado de todo. “ Ele é um esplêndido sujeito, ainda que eu não
devesse dizê-lo” , acrescentou. Também contou que, na véspera, dia de
eleição, estivera em Bow “ a fim de ajudar na votação do Sr. Lansbury” .
(Lansbury foi derrotado por pequena margem pelo candidato da Coa­
lizão, Major Blair. A Coalizão venceu as eleições por 262 votos.)
Krishna esperava que a Sra. Besant fosse para Londres em fevereiro
de 1919.
Não posso dizer-lhe o que estou sentindo à idéia de sua vinda para
cá e também à idéia de vê-la [escreveu na mesma carta], Faz mais de
quatro anos e meio que a vi pela última vez e muitas coisas aconteceram
desde então. A senhora constatará uma grande mudança cm mim exceto
numa coisa, a saber, que minha devoção e amor à sua querida pessoa
nunca mudou. As palavras são muito fúteis e não podem, de maneira
alguma, transmitir os verdadeiros sentimentos de uma pessoa, ainda que
se trate de um mestre no assunto. Por isso, mãe muito querida, eu, que
ainda não sou nenhum feiticeiro em matéria de palavras, não posso expor-
-Ihe no papel, por meio delas, os pensamentos que estão constantemente
em meu cérebro e em meu coração. Para mim será uma nova vida, dar-
-me-á um ponto de vista diferente sobre a vida e modificará totalmente
minha perspectiva da natureza humana.
A senhora pode dar-me tudo o que enobrece e, no entanto, ser uma
mãe que, em minha opinião, não se encontra na civilização moderna,
sobretudo aqui. Só posso fazer muito pouco em comparação com o que
a senhora tem feito por mim. Posso dar-lhe, e os darei, mãe querida, a
devoção e o amor mais puros e set um filho de verdade, em que a
senhora poderá apoiar-se. Isso no tocante aos meus pensamentos mais
íntimos.

Mas a chegada da Sra. Besant só ocorreria dali a cinco meses.


Quando voltaram a Londres, os rapazes tornaram a partilhar do apar­
tamento de Robert Street, pois a viagem desde Wimbledon era dema­
siado cansativa para Krishna; este ia todos os dias à Universidade
de Londres, enquanto Nitya continuava a estudar Direito. Embora
Krishna já tivesse quase vinte e quatro anos e Nitya quase vinte e um,
ainda eram chamados “ os meninos” .

112
A Sra. Besant chegou no dia 6 de junho. Achava-se agora tão
profundamente envolvida em sua lida pela Autonomia Política da índia
que pusera de lado de propósito os últimos vestígios dos seus poderes
psíquicos e, dali por diante, passou a fiar-se inteiramente das pessoas
de sua confiança em matéria de comunicações ocultas; não obstante,
continuava a proclamar o advento do Mestre Universal em todas as
oportunidades, não só nas conferências mas também nas páginas do
Theosophist. Leadbeater apregoava igualmente a vinda do Mestre em
Theosophy in Australia, embora raras vezes se comunicasse com o
“ veículo” .
No dia 14 de junho Krishna presidiu, em Londres, a uma reunião
da Estrela em que a Sra. Besant falou, o primeiro trabalho desse gênero
que ele executava desde a última estada dela na Inglaterra. Impaciente
e enérgica como sempre, ela percorreu toda a Inglaterra e toda a Escócia
no verão de 1919, falando sobre múltiplos assuntos, conquanto sua
principal preocupação naquele momento fosse pressionar o Parlamento
para votar o projeto de lei do Governo da índia e fundar uma Liga
da Autonomia Política da índia na Inglaterra.
Em julho os meninos foram passar algum tempo com Lady De La
Warr numa casa que ela alugara à beira-mar na Escócia, em Gullane
in East Lothian, perto do famoso campo de golfe de Muirfield, onde
se realizava o campeonato; jogando golfe todos os dias, Krishna logo se
tornou um golfista de escol. De acordo com a Sra. Jean Bindley,
Representante Nacional escocesa da Ordem da Estrela no Oriente,
Krishna levantou um campeonato em Gullane, que, teria ele dito a
ela, foi o momento mais orgulhoso de sua vida. O próprio Krishna
sustenta que nunca foi capaz de jogar bem em competições.
Quando regressaram a Londres, Krishna e Nitya encontraram um
novo amigo em Jamnadas Dwarkadas, rico negociante de algodão de
Bombaim, convertido à Teosofia em 1912 e que viera à Inglaterra
especialmente para ver Krishna. Conheceram-se num almoço no dia
l.° de agosto em casa do Dr. Haden Guest e, no que diz respeito a
Jamnadas, foi “ amor à primeira vista” . Tornaram-se logo tão amigos
que, na manhã seguinte, ainda bem cedo, Jamnadas foi a West Side
House, Wímbledon, a casa da Srta. Dodge em que Krishna se achava
hospedado, e foi conduzido diretamente ao quarto de Krishna. Jamna­
das ficou boquiaberto ao dar com o futuro Mestre Universal sentado
no chão, com as pernas cruzadas, limpando os sapatos, e perguntou por
que um dos criados não fazia esse serviço. Krishna replicou que ele
o fazia muito melhor e que, se Jamnadas quisesse confiar-lhe os seus,
deixá-los-ia brilhantes como nunca. Jamnadas também se tornou bom

113
amigo de Nitya e familiarizou-o com o seu desporto predileto, as cor­
ridas de cavalos.
Em setembro os Lutyens mudaram-se para uma casa grande em
Mansfield Street, perto de Cavendish Square, que Krishna e Nitya
visitavam com tanta freqüência que Mary, a filha mais moça, então
com onze anos, lhes procurava esperançosa, todas as tardes ao voltar
da escola, sobre a mesa do vestíbulo, os chapéus moles de feltro, cor
de cinza, e as bengalas de rotim com pomo de ouro. Eles usavam
polainas cinzentas claras, mandavam fazer os sapatos no Lobb’s (tinham
os pés tão estreitos que não podiam calçar sapatos já prontos), as
roupas em Meyers and Mortimer, as camisas em Beale and Inman,
compravam as gravatas no Liberty’s e cortavam os cabelos no
Trumper’s. Sendo Nitya mais baixo do que o irmão, um não podia
usar as roupas do outro, mas as camisas, meias, lenços e roupas de
baixo eram intercambiáveis, e todas muito bem bordadas com suas
iniciais conjuntas JK N .
Mary se recorda de que eles viviam cercados de um encanto que
criavam em tomo de si aonde quer que fossem.
Em primeiro lugar [escreveu ela], eram muito mais asseados do
que qualquer outra pessoa que eu já conhecera... seus sapatos marrons
limpos estavam sempre tão bem polidos, e seus cabelos pretos e lisos,
repartidos ao meio, que rescendiam a uma pomada qualquer, deliciosa,
usada por ambos, eram sempre tão lu stro so s!... Esses dois irmãos pare­
ciam-se mais um com o outro do que dois irmãos ingleses, porque o fato
de serem estrangeiros os colocava igualmente à parte. O sotaque com
que falavam o inglês tinha uma cadência idêntica e o riso de ambos o
mesmo tinido agu do... Eram ambos capazes de dobrar as primeiras juntas
dos dedos sem dobrar as segundas. Nitya não seria tão classicamente
belo quanto Krishna, mas seu rosto tinha um grande encanto e« o seu
sorriso era irresistível.

O extremo asseio físico deles e o cuidado que dispensavam às suas


roupas faziam Mary sentir-se suja e mal arrumada. Ela dedicava uma
atenção especial à sua aparência e lavava-se muito escrupulosamente
quando sabia que ia vê-los.
Nessa época, Krishna acabara de descobrir P. G. Wodehouse e
Stephen Leacock, e Mary lembra-se dele na sala de estar em Mansfield
Street lendo Nonsense Novels e Piccadilly ]im em voz alta e “ rindo
tanto que tropeçava nas palavras” . Ficava em pé, encostado à estante
de livros, enquanto lia em voz alta. Nunca parecia sentar-se, a não
ser às refeições.
Em outubro a Sra. Besant levou Krishna e Nitya a Paris para
uma curta visita; ao regressarem, os meninos mudaram-se para um
apartamento na Duke Street, 33, St. Jam es’s, de onde, a 5 de novembro,
Krishna escreveu a Sacha de Manziarly, um novo amigo que fizera em
Paris:
Perguntei à Sra. Besant se faria alguma objeção a que eu vivesse
em Paris ou em qualquer parte da França para aprender o francês e, de
um modo geral, aumentar o cérebro que eu porventura tenha. Ela, feliz­
mente, não opôs nenhuma objeção, de modo que espero estar aí na pri­
mavera. Preciso aprender o francês e estender nossa amizade. Sou pés­
simo para expressar meus sentimentos, mas espero que você compreenda.
Venha para cá antes da primavera. Eu estava contando a Lady Emily
tudo a seu respeito e o quanto gosto da sua companhia, como se você
já fosse um grande amigo meu.

Sacha era o filho único, de vinte anos, de uma família com a qual
Krishna não tardaria a ligar-se por laços de íntima amizade; era um
jovem encantador, apesar de haver perdido uma perna na guerra. Da
carta acima se deduz que Krishna, a essa altura, já renunciara à espe­
rança de entrar para a Universidade de Londres. Sem embargo disso,
continuou a assistir a conferências ali durante o inverno, mas não
parece ter levado os estudos muito a sério, pois ia freqüentemente a
Mansfield Street à tarde e, todos os fins de semana, ele e Nitya iam
ao cinema com Lady Emily e os filhos mais moços dos Lutyens, quase
sempre o New Gallery em Regent Street.
Nitya tivera um grande golpe de sorte em novembro. Jamnadas,
que ainda estava em Londres, sonhara que um cavalo com as iniciais
K . J . (o inverso de J . K . ) ganharia uma corrida. Descobriu que um
cavalo chamado King John deveria correr no “ Handicap de Novembro”
em Manchester. Ficou ainda mais animado a acreditar no sonho quando
viu que o jóquei tinha as iniciais E . A . W . (Ernest Armine Wo-
dehouse). Jamnadas contou a Nitya o sonho que tivera e ambos apos­
taram no cavalo em Londres, onde ele pagava 8 por 1. Foram juntos
também, em segredo, a Manchester e puseram ainda mais dinheiro na
corrida. O cavalo ganhou, proporcionando a Jamnadas um lucro líquido
de 1 300 libras esterlinas e a Nitya uma soma igualmente conside­
rável, embora menor. (A corrida aconteceu num sábado, dia 22 de
novembro. King John venceu pagando 13 por 2, O jóquei foi E.
Wheatley.) Os dois só voltaram a Duke Street naquele dia depois
das onze horas da noite. Preocupadíssimo, Krishna quis saber onde
haviam estado o dia todo. Muito satisfeitos consigo mesmos, eles
contaram-lhe que tinham ido às corridas em Manchester, ao que ele
retrucou: “ Vocês dois parecem muito sujos; estão precisando de um
bom banho.” Falaram-lhe, então, jubilosos, do dinheiro que tinham
ganho. “ É por isso que parecem e se sentem sujos” , replicou ele.

223
“ Muita gente deve ter perdido para que vocês pudessem ganhar tanto
dinheiro.”
Para Nitya, contudo, a corrida teve um desfecho ainda mais frus­
trante do que esse: com o que ganhara e mais um pouco que Jamnadas
lhe emprestou, comprou um automóvel Isotta Fraschini, só para receber
da Sra. Besant a ordem de livrar-se do carro incontinenti. Não se
sabe que fim teve a pecúnia; é provável que ele fosse obrigado a doá-la
aos fundos teosóficos. De qualquer maneira, o principal resultado desse
caso foi despertar em Nitya a ambição de ganhar algum dinheiro que
pudesse chamar seu.

116
13
A VIDA EM PARIS

Nitya foi aprovado nos exames de Direito Constitucional e Histó­


ria do Direito no dia 13 de janeiro de 1920. Krishna tentou prestar
exames outra vez no dia 20, mas compreendeu que não tinha possibi­
lidades de passar. Lembrava-se de haver entregue as provas em branco.
A Sra. Besant já concordara em que melhor agora para ele seria estudar
línguas a fim de poder falar em todas as' partes do mundo quando
chegasse o momento de iniciar o trabalho de sua vida, de modo que,
sem esperar pelo resultado dos exames, saiu de Londres rumo a Paris
no dia 24 de janeiro. No mesmo dia, Nitya mudou-se por conta própria
para um apartamento em Picadilly 69 e começou a estudar Direito
Penal e a jantar com maior freqüência em Lincoln’s Inn.
Krishna hospedou-se primeiro em casa da Sra. Zelma Blech e de
sua irmã, a Srta. Aimée Blech, na Avenue Montaigne, 21, onde tinha
sua própria sala de estar. A Sra. Blech, viúva, irmã de Charles Blech,
era a Representante Nacional francesa da Ordem da Estrela. Voltara
a usar o nome de solteira, e ela e mais a irmã moravam com o irmão,
que, naquele momento, estava sendo operado num hospital.
Krishna escrevia longas cartas a Lady Emily a cada dois ou três
dias, dando conta pormenorizada de tudo o que fazia e dos seus sen­
timentos mais íntimos. A princípio, sentiu-se terrivelmente saudoso
dela. No dia 25 de janeiro ele escreveu a respeito da sua partida na
Victoria Station:
Assim que o trem começou a andar, senti o coração na garganta e
tive de engolir em seco, mas não pude impedir que as lágrimas me
assomassem aos olhos e fui obrigado a colocar um jornal diante do rosto.
Como todas as coisas, isso passou, mas a ferida ainda está aqui e só será
curada quando eu tornar a vê-la. . . Que foi o que você fez depois que
parti? Precisa contar-me tudo, tudo o que faz, que pensa, que com pra...

117
No dia l.° de fevereiro ele escrevia: “ Nunca realizarei meu sonho,
tanto mais maravilhoso quanto mais triste e menos obtenível. Você
o conhece, mãe, pois é estar com você — ad infinitum. Mas sou um
lusus naturae (capricho da natureza) e a natureza se diverte com o seu
capricho, enquanto o capricho sofre.”
Uma das primeiras pessoas que Krishna viu em Paris foi Fabrizio
Ruspoli, que estivera em Adyar quando ele fora “ descoberto” . Ruspoli
retornara à marinha ao rebentar a guerra e estava agora em Paris como
chefe da Delegação Naval Italiana à Conferência da Paz.
Ruspoli e eu almoçamos num restaurantezinho [contou Krishna a
Lady Emily na mesma carta de l.° de fevereiro]. Conversamos por um
tempão. Ele está muito perturbado, como eu. Pobre velho R u sp oli...
Com 42 anos de idade, sente-se desamparado, não acredita em nenhuma
das coisas que C .W .L . [Leadbeater] ou a Sra. Besant disseram ... Não
sabe o que fazer, não tem ambição. Na verdade, estamos ambos no mesmo
barco infeliz. . . Ele pensa e sente tudo o que sinto mas, como ele diz,
que é que se há de fazer? Nós dois nos sentimos desgraçados.

E dez dias depois: “ Oh! mãe, sou jovem, deverei acaso envelhecer
tendo a tristeza por eterna companheira? Você teve sua mocidade,
sua felicidade, e teve o que pode ser dado pelo homem e por Deus,
um lar. Todos nós passamos por momentos de depressão, por isso
desculpe-me.” E no dia 20 de fevereiro: “ Você me pergunta se sou
feliz. Porventura são felizes as flores sem o seu querido sol? Dei­
xemos, portanto, para trás essa pergunta, visto que nada pode advir
dela. Estou interessado em minha nova vida mas não me sinto empol­
gado por ela.”
Ele não tardaria a interessar-se pelos novos amigos. Havia Isabelle
Mallet, que conhecera em novembro, prima de Guillaume Mallet, bela
e talentosa jovem amarrada pela paralisia a uma cadeira de rodas;"havia
também a família Manziarly, que ocupava um apartamento perto dos
Elechs, à Rue Marbeuf, 2. A Sra. de Manziarly (em solteira Irma
Luther), russa casada com um francês muito mais velho do que ela,
era uma mulher de grande beleza, cultura, erudição e vitalidade, quatro
anos mais moça do que Lady Emily. Fora um dos primeiros membros
da Ordem da Estrela na Europa e nela inscrevera os quatro filhos
quando estes ainda eram muito pequeninos. A filha mais velha, Mima,
cursava uma universidade nos Estados Unidos quando Krishna foi a
Paris pela primeira vez; Sacha tinha agora um emprego em Viviez,
no Sul da França, e raro vinha a Paris; nessas condições, foram as
duas filhas menores, Marcelle e Yolande (Mar e Yo) , de nove e quinze
anos respectivamente, que se tornaram as constantes companheiras de
Krishna. Bela musicista, Mar tocava piano e compunha. Os de Man-

118
ziarly tinham muito maior vitalidade e alegria natural que os Lutyen
e eram muito mais extrovertidos. Sacha, sobretudo, sabia ser divertidís­
simo e Krishna gostava de percorrer Paris em sua companhia, enquanto
que Mar e Yo o tratavam com um misto de galhofa e reverência que
ele achava delicioso.
As meninas o conheceram no dia 29 de fevereiro no apartamento
de Isabelle Mallet, à Rue de Miromesnil, 33. “ Nosso contato foi ime­
diato” , recorda Mar; depois disso, passaram a vê-lo todos os dias e
ajudaram-no muitíssimo com o seu francês. A Sra. de Manziarly, que
cie conhecera antes, era mais séria; deu-lhe lições de francês, levou-o
a galerias de pintura, à Comédie Française e ao balé russo, e apre­
sentou-o a muitas pessoas interessantes e importantes, que conhecia.
“ Gosto muito da Sra. de Manziarly” , contara ele a Lady Emily no dia
8 de fevereiro, “ é muito amável comigo e faz tudo para agradar-me” .
Levara-o ao Louvre e o “ instruíra” , pois tinha profundos conheci­
mentos de pintura. O que, no seu entender, lhe era proveitoso. Mas
acrescentava, caracteristicamente: “ Prefiro um belo cenário.” Lady
Emily, por certo, nunca tentara instruí-lo; tinham ido sempre juntos a
comédias e ao cinema e ela compartilhava da sua paixão pelos filmes
de coioboy.
Isabelle Mallet sentia-se muito infeliz porque o homem que ela
amava morrera recentemente. Krishna sentiu-se perturbado, pois nada
podia fazer para consolá-la.
Quando chega um momento muito crítico [escreveu ele a Lady Emily],
nem a Teosofia nem todos os seus livros são capazes de ajudar. Ela
[Isabelle] quer ver os Mestres física ou mentalmente e não acredita no
que disseram A . B . e C . W . L . Na verdade, ela sente o que nós [ele e
Nitya] sentimos nos dois ou três últimos anos . .. Tentei persuadi-la a
não despertar poderes ocultos e todo esse tipo de coisas, mas é por isso
que ela anseia.. . Ao sair, beijei-lhe a pobre mão e senti-me muito ma l . ..
A pobre Isabelle desejando ver o Mestre, a Sra. de M. a mesma coisa,
e eu, como você sabe, pouco me incomodando com isso.

Krishna ficou embaraçado ao descobrir que a Sra. de Manziarly,


Sacha e Isabelle se sentiam “ inspirados” por ele. Assegurou-lhes que
havia milhares de pessoas assim, com uma diferença: eles não as tinham
conhecido. A Sra. de Manziarly lhe contara, disse ele a Lady Emily,
que, ao ver a Sra. Besant pela primeira vez dez anos antes, sua vida
mudara de todo e agora, ao conhecer Krishna, soara-lhe outro momento
decisivo; ele era uma “ chama viva” para ela.
De repente, enquanto ela falava [prosseguiu, na mesma carta], perdi
a consciência dela, da sala e de toutes les choses, toutes. Foi como se

119
eu tivesse desmaiado por um segundo, esqueci o que estava dizendo e
pedi-lhe que repetisse minhas próprias palavras. É absolutamente indes­
critível, mãe. Dir-se-ia que meu espírito e minha alma tivessem sido
levados embora por um segundo e garanto-lhe que me senti muito estranho.
A Sra. de M. não tirou os olhos de mim durante o tempo todo. Eu
disse que me sentia muito esquisito e exclamou: “ A sala está muito
quente, não está?” Pois não queria que ela me julgasse “ inspirado” ou
qualquer coisa assim, mas o fato é que me sentia realmente inspirado e
muito esquisito... Precisei levantar-me e ficar em pé para reunir minhas
idéias. Asseguro-lhe, mãe, que foi muito estranho, muito estranho. Aqui
entre nós absolutamente, na linguagem teosófica, havia alguém ali, mas
não contei a ela.

Antes de conhecer as Manziarly ele fora para o Sul da França,


a 12 de fevereiro, em companhia do Capitão Max Wardall, teosofista
norte-americano, a quem Sacha o apresentara e que conhecia Leadbeater.
Aliás, teria de deixar o apartamento dos Blechs de qualquer maneira,
pois o Sr. Blech estava saindo do hospital e a Sra. de Manziarly pro­
meteu arranjar-lhe um apartamento enquanto ele estivesse fora. Krishna
e Max Wardall hospedaram-se primeiro no Hotel Astoria, de Nice, por
três dias. No primeiro dia foram de automóvel a Monte Cario e to­
maram chá no Cassino, mas não puderam entrar nos salões de jogos
porque não tinham levado os passaportes. Uma mulher no Cassino
sorriu para Krishna, seguiu-o e fez tudo para atrair-lhe a atenção. Ele
assegurou a Lady Emily que “ não se mexeu uma única vez” , que ficou
“ feito pedra” , e que, dali a uns quinze minutos, ela o deixou em paz.
Voltando a Nice, passaram a noite com duas moças russas, amigas de
Wardall, com as quais “ foram a um clube e dançaram!! Elas não sabiam
dançar, nem eu, de modo que me senti aliviado, mas dançamos assim
mesmo. Nada aconteceu, mãe querida, e não se ria, mãe” .
Na última tarde, enquanto tomavam chá no Cassino dè Nice,
Krishna sugeriu a Wardall que
seria esplêndido controlarmos a bolinha com a força Úe vontade. Pode­
ríamos apostar quanto quiséssemos e quebrar a banca. Precipitamo-nos
para a mesa e começamos. Imaginei colocar um pequeno elemental no meio
da mesa para tomar conta da bolinha e colocá-la no 3, no 4 ou no 5.
Isso funcionou e houve um momento em que chegamos a ter 100 francos,
embora tivéssemos começado com 10, mas acabamos perdendo tudo. Está­
vamos terrivelmente entusiasmados com a história.

No fim, tiveram um prejuízo de 20 francos. Teria havido, acaso,


um traço de inveja na reação de Krishna ao dia feliz e bem-sucedido
de Nitya e Jamnadas em Manches ter?
A 17 de fevereiro mudaram-se para o Hotel Savaurain em Cagnes,
onde havia um campo de golfe e onde a diária completa era de 25

120
francos, sendo que uma libra, naquele tempo, se trocava por 45 francos.
Krishna escreveu dali a Lady Emily:
Deixei a cidade detestável e feia para trás e subi o morro. Cada
passo que eu dava me recordava Taormina. O cheiro da chuva e o
vento fresco que vinha dos Alpes me traziam tais lembranças de alegria
que quase acreditei na sua presença al i. .. Faz uma semana que não
recebo uma carta sua, fato inédito nos últimos 6 anos.., Oh! minha
mãe, como eu a quero, mas nunca posso tê-la! Esse pensamento é muito
deprimente e melhor será esquecê-lo.

Embora continuasse a amar Lady Emily, nunca mais sentiria tantas


saudades dela depois do tempo passado em Cagnes. A partir de então,
ela deixou de influir em sua vida, o que não a impediu, nos quinze
anos que se seguiram, de continuar a ser sua principal confidente;
ele se abria nas cartas que lhe escrevia como não o fazia com mais
ninguém.
Antes de voltar a Paris no dia 27 de fevereiro, Krisna e Wardall
foram passar alguns dias em Monte Cario. Foi provavelmente ali
que ocorreu certo incidente. Wardall saiu e deixou-o sozinho no hotel.
Enquanto ele estava só, uma mulher casada dirigiu-lhe a palavra e
pediu-lhe que subisse ao quarto dela para conversarem. Cheio de boa
fé e inocência, ele acompanhou-a, pois ela parecia muito boazinha e
não tinha nada “ daquele tipo de mulher” . Chegados ao quarto, ela
trancou a porta e começou a abraçá-lo. Ele ficou tão apavorado que
ela abriu a porta incontinenti, dizendo: “ Você não é disso, é ? ” . Só
mais tarde alguém lhe fez ver, e ele já não se lembra de quem foi,
como teria sido perigosa a sua posição se o marido da mulher o tivesse
encontrado ali. Ela, sem dúvida, o julgou homossexual. Em realidade,
todas as suas tendências eram heterossexuais mas, naquele tempo, ele
acreditava, como a maioria dos teosofistas, que o sexo era algo sujo que
precisava ser sublimado. Parte da atração que Lady Emily lhe ins­
pirou veio do horror dele ao sexo pois, quando ele a conheceu, ela já
começara a evitar esse aspecto da vida matrimonial. 1
Krishna possuía uma natureza intensamente amante, mas ainda
era inocente no respeitante a mulheres, que o assustavam muitíssimo.
“ Não tenho tido aventuras” , confessara a Lady Emily logo após sua

1. Estão faltando as cartas de Krishna a Lady Emily entre 20 de fevereiro


e 7 de abril. Podemos, portanto, presumir que o incidente com a mulher ocorreu
em Monte Cario, pois se tivesse ocorrido em Cagnes ele teria sem dúvida con­
tado a ela. Naquela ocasião, ele parecia não esconder dela nenhum pormenor
le sua vida, por mais íntimo que fosse.

121
chegada a Paris, "nem as desejo e, quando vejo uma mulher, evito-a
com cuidado: ou me afasto dela ou cravo os olhos no chão. . . Essas
mulheres são apavorantes, pintadas, cheias de ruge e cheirando como
farmácias — credo!” e quando, mais tarde, foi ver Quo Vadis, saiu
mais cedo “ antes que aparecesse a dama nua” . Mas não deixava de
ser fisicamente um homem muito normal, como o mostram suas cartas:
tão grande era a sua intimidade com Lady Emily que até podia contar-
-lhe, de forma tocante, os seus sonhos “ maus” , que ele achava “ bes­
tiais” , e não podia compreender por que seus pensamentos eram sempre
perfeitamente puros durante o dia.
Krishna encontrou Nitya em Paris quando voltou no dia 28 de
fevereiro; Nitya, na verdade, lá estava desde o dia 21. Em Londres,
ele andara bolando um plano para ganhar dinheiro com a formação de
uma companhia importadora de automóveis e tratores para a índia.
Em conexão com isso, mandara diversos telegramas a Jamnadas, que
regressara à índia, embora o verdadeiro interessado no negócio fosse
um amigo de Jamnadas, Ratansi D. Moraji, outro rico negociante de
algodão e teosofista de Bombaim. Na extremidade londrina, Nitya
recebera uma recomendação de Lady Churchill e fora por ela apre­
sentado ao Mestre de Sempill, herdeiro de Lorde Sempill, que apoiava
o plano, 1
Nitya estava muito feliz em Paris, onde conhecera Isabelle Mallet
e os de Manziarly. (Nos memoranda do seu diário relativo à
semana que terminou no dia 19 de fevereiro, ele escreveu que a exe­
cução de Marcelle era “ maravilhosa” e que ele e Isabelle haviam “ des­
coberto como ambos eram bonzinhos e tinham ficado amigos. Se ela
tivesse saúde!!! Quem sabe o que seria capaz de fazer com os
homens!” ) Mas era à Sra. de Manziarly que Nitya se afeiçoaria parti­
cularmente; ele começou a achar que nela, afinal, encontrara uma amiga
realmente sua e que não o amava só por ser ele irmão de K rish n a .^
Yo de Manziarly também o amava muito especialmente, e o mesmo
fazia Mary Lutyens, mas estas não passavam de crianças. Era de um
amor maduro que ele precisava.
Nitya regressou a Londres a 8 de março e escreveu à Sra. de
Manziarly no mesmo dia para dizer que “ os negócios iam tão bem

1. O Mestre de Sempill (1873-1965) foi um pioneiro da aviação e também


se interessava muito por automobilismo. Lady Churchill, filha do Conde de
Lonsdale, era uma seguidora da Sra. Besant. Casara com o l.° Visconde Churchill
em 1887. O marido, menos paciente do que Edwin Lutyens, conseguiu divorciar-se
dela em 1927, alegando abandono do lar.

122
que não podiam ser descritos com palavras” , de modo que o seu plano,
a essa altura, já devia ter amadurecido. A 18 o próprio Ratansi chegou
à Inglaterra. No dia seguinte houve uma reunião de negócios em que
também estiveram presentes Ratansi e o Mestre de Sempill. Nessa
ocasião, Nitya já decidira voltar para a índia com Ratansi; telegrafara
à Sra. Besant para dar-lhe notícia da sua intenção e reservara o seu
beliche para 12 de março. Dez dias depois saiu de Londres rumo a
Paris em companhia de Ratansi, tendo desocupado o apartamento e
anotado em seu diário: “ O exame de Direito Penal terá de esperar
um pouco mais.”
Assim que pôs os pés em Paris, Nitya recebeu um telegrama da
Sra. Besant ordenando-lhe que permanecesse na Inglaterra: sua prin­
cipal obrigação consistia em tomar conta de Krishna; se Krisna se
metesse em apuros em Paris, Nitya poderia alcançá-lo com facilidade
de Londres. A destruição de todas as suas esperanças e de todos os
seus planos deve ter sido um golpe terrível para ele; e embora se
tivesse sentido empolgado com o empreendimento, limitou-se a fazer o
seguinte reparo em seu diário: “ A .B . a todo-poderosa.”
Permaneceu em Paris, confortado pelos de Manziarly, ao passo
que Ratansi, que deliberara só voltar à índia em sua companhia, re­
gressou a Londres. Em meados de abril, Nitya embarcou para Turim
a fim de ali passar uma semana, provavelmente para resolver alguns
negócios de automóvel; o estado de espírito com que fez a viagem
pode ser avaliado pelos comentários que inseriu em seu diário enquanto
lá esteve: “ Inferno, Inferno, Inferno” por três dias, e depois nos
memoranda: “ Turim, a mais desgraçada em minha vida.” À Sra.
de Manziarly escreveu de Turim no dia 17 de abril: “ É uma coisa
extraordinária, mas até agora não desfrutei de prazer algum que não
me fosse preciso pagar muito caro. A razão disso deve ser porque
meus prazeres figuram com certeza entre os proibidos, ao passo que
os permitidos não são desfrutáveis.”
Ele tornou a Paris e ali ficou até 28 de abril, voltando, a seguir,
para outro apartamento mobiliado e solitário em Londres, em Hans
Court, 22, Hans Road, perto de Harrods, a fim de recomeçar os
estudos e ingerir mais alguns jantares jurídicos. Com sua inteligência
aguda, sua natureza menos espiritual e seus impulsos físicos mais fortes
que os de Krishna, além da sua ambição de independência financeira,
deve ter sido dificílimo para ele desempenhar o papel que lhe fora
atribuído pela Sra. Besant. Perdera toda a fé e sentia-se ainda mais
perdido e ainda mais infeliz do que o próprio Krishna durante todo esse
tempo.
14

CRÍTICO E REBELDE

Nesse meio tempo, Krishna gozava sua independência num apar-


tamentozinho de uma sala só, uma garçonnière, à Rue du Colonel
Renard, 4, que a Sra. de Manziarly arranjara para ele durante a sua
estada no Sul da França. Comia quase sempre só num restaurantezinho
italiano perto do apartamento ( Lady Emily afirmava que ele passava
fome para fazer economia) mas fazia muitas refeições com os de Man­
ziarly. Num dia, ia a Fontainebleau com eles, noutro, a Versalhes.
Se bem apreciasse essas expedições, queixava-se de que os de Manziarly
eram tão enérgicos que o cansavam. Normalmente lhe era muito difícil
vestir-se pela manhã; quando não tinham outra coisa que fazer, ele
e Nitya ficavam mandriando, de chambre, até a hora do almoço.
Krishna contou a Lady Emily rib dia 7 de abril que, dois dias
antes (segunda-feira de Páscoa), “ a Sra. de M., Marcelle, meu amor!!!
e Yo (outro amor) vieram até aqui trazendo chá. Vesti roupas hindus
e elas ficaram em êxtase. ( Se eu não tomasse cuidado, poderia ser o
mais presumido idiota da terra mas, graças a Deus e a você, nunca
o serei". No dia seguinte, no chá dos de Manziarly, “ um eslavo tocou
flauta. Foi maravilhoso. Ele tinha sido pastor de verdade e tocou
canções de pastores. Senti a pele arrepiada o tempo todo. Foi real­
mente perfeito.) Fiquei tão comovido que lhe pedi para ensinar-me
a tocar e ele vai fazê-lo. ‘Krishna tocando flauta’." E acrescentou, na
mesma carta:
Estou mais apaixonado e todos estão apaixonados por mim. Como
já escrevi, se eu não tomasse cuidado, poderia apaixonar-me seriamente,
mas diga-me com toda a sinceridade, mãe, quero saber se, na sua opinião,
este é o procedimento correto. Claro está que nunca me casarei, isso não
é para mim nesta vida, tenho coisa melhor para fazer. Não se ria, quero
dizer que gosto muito de Marcelle, meu amor, mas não sei se estou

124
apaixonado por ela. Por isso não se preocupe. Você acha que eu seria
capaz de esquecê-la, depois de 8 anos?

Não se sabe qual foi o conselho de Lady Emily acerca do caso.


Mais tarde, porém Krishna mostrou-se surpreso quando ela lhe disse
que estava com ciúmes. Ele já se reconciliava com a idéia de ficar
sem ela. . .é a história do sol e da lua — como eles nunca podem
estar juntos, quanto menos se falar no assunto, melhor” , escreveu no
dia 18 de abril. Na mesma carta contou-lhe que ia arranjar um pro­
fessor e trabalhar arduamente, além de tomar lições de flauta todas as
quintas-feiras. As lições de flauta não duraram muito, como tampouco
durou a resolução de trabalhar com afinco.
No dia 6 de maio, depois de ter estado com Sacha de Manziarly,
que chegara inesperadamente a Paris, escrevia ele: “ Por curioso que
pareça, passei o dia todo muito sonhador, mais sonhador que de cos­
tume e em meu coração havia uma lembrança constante do Senhor
Buda. Fiquei em tal estado que precisei sentar-me e meditar. Pense
em mim meditando. Extraordinário.”
No dia 6 de junho foi para Londres e ficou com Nitya em Hans
Court durante cinco semanas. Como a Sra. Besant não visitou a Europa
nesse ano, não parecia haver razão para a sua ida à Inglaterra, a não
ser a vontade de rever Lady Emily. Ratansi ainda estava em Londres;
Nitya fazia equitação com ele todos os dias em Richmond Parle, ia
com ele ao teatro e passeava no seu Rolls-Royce, embora fosse evidente
que não se divertia pois, como escreveu à Sra. de Manziarly, “ Os
prazeres levados a sério transformam-se em desgraçadas obrigações” .
No dia 11 de julho Krishna e Nitya foram com Ratansi a Paris,
e ali se instalaram confortavelmente, pelo menos dessa vez, no Hotel
Claridge. Os de Manziarly já tinham ido para Amphion, à beira do
Lago de Genebra, perto de Evian onde haviam alugado uma casa de
campo para as férias de verão, e Krishna deveria ir ter com eles. Ele
suplicou a Lady Emily que fosse também mas, como ela achasse que
não devia deixar os filhos nem podia levá-los para o estrangeiro porque
Barbie se casara em maio, precisou sacrificar esse prazer. Depois de
uma divertida semana em Viviez com Sacha e um espanhol amigo dele,
Krishna foi juntar-se aos de Manziarly no dia 20 de julho com a
intenção de passar dois meses em sua companhia. Hospedou-se no
Hôtel des Princes, defronte da casa de campo que haviam alugado, e
fazia as refeições no hotel, mas passava o dia com eles, caminhando,
remando, nadando, jogando tênis e golfe — e falando francês o tempo
todo. À noite, jogavam bridge ou pôquer, com feijões à guia de fichas,
e jogos de papel. Isabelle Mallet chegou no fim de julho; Sacha veio
por alguns dias e Nitya lhes fez duas visitas, uma em agosto e outra
em setembro.
As férias em Amphion foram provavelmente o período normal
mais feliz que Krishna já conhecera em sua vida. Ele queria que Lady
Emily lá estivesse: “ Como você gostaria de todo o lado infantil e
brincalhão!’’ A primeira carta que lhe escreveu de Amphion foi sal­
picada de cruzes feitas a lápis — beijos das duas meninas de Manziarly,
que ela conhecera durante uma visita a Paris. Ele lhe falou a respeito
de uma expedição a Chamonix e ao Mer de Glace: “ Essas montanhas
pareciam tão calmas e tão dignas. . . Eu gostaria imenso que você
visse o que para mim é a manifestação do próprio Deus.” Foi esta a
primeira vez que ele esteve nas montanhas e nunca deixou de amá-las.
Quando Sacha chegou, Krishna e ele foram ao Cassino de Evian.
Krishna “ ansiava por dançar” mas não tinha parceria e, mesmo que
a tivesse, ter-se-ia mostrado “ demasiado tímido” .
Estava lendo em voz alta para os de Manziarly O Ca?ninho da
Virtude de Buda quando deu com um trecho que o impressionou de
tal maneira que o copiou para Lady Emily: “ Sou onipotente e onis­
ciente, desprendido, imaculado, desimpedido, inteiramente liberto pela
destruição do desejo. A quem chamarei Mestre? Eu mesmo encontrei
o caminho.” E os de Manziarly liam Turgueniev e Bergson, que ele
achava de compreensão difícil. Os dois livros que lera em Paris naquele
ano e que mais o haviam impressionado foram O Idiota e Assim Balou
Zaratustra.
Parte da sua felicidade em Amphion devia-se ao fato de que nin­
guém no hotel lhe conhecia a história, embora se sentisse tão enleado
por todas as mulheres que não tiravam os olhos dele que ele não tirava
os olhos do prato. Mas esse tipo de enleio não era nada comparado
à tortura que lhe causava, de tempos a tempos, a reputação de futuro
Messias. Ele contou que Yo de Manziarly o julgava “ Deus da terra —
melhor do que a Sra. Besant ou C . W . L . ” . “ Eu disse a ela que não
me virasse a cabeça e, mãe querida, não se preocupe, pois não é pro­
vável que consigam virá-la. Não sou digno disso.” Fosse como fosse,
pode ter sido o tratamento que lhe dispensaram os Manziarly, como
pode ter sido a leitura sobre o Buda que, de repente, despertou nele
o interesse pelo papel que estava destinado a representar um dia.
Raja fora para Londres em julho e Krishna imaginou que, Raja
estando lá, “ tudo começaria outra vez” •— isto é, as vidas passadas
e os passos ocultos dados no Caminho. Ele quisera poder

126
sacudir os b. .. teosofistas! Detesto este negócio chove-não-molha em
que estamos metidos ago ra... Como tudo isso é podre! E pensar no
que poderia ser! Teremos de fazê-lo. Mudá-lo de cabo a rabo e fazer o
elemento pessoal sumir-se no ar. Eu gostaria de saber o que Raja pensa
de tudo mas, com certeza, ele pertence à velha escola. Diabo! Estou
realmente farto dessa turma mas, agora, isso não me diz respeito. Um
dia, como estou realmente no fundo e muito cioso de tudo, tomarei conta
da história e enforcarei todos os que tiverem nela algum elemento pessoal.
Oh, mãe, como isso está podre! Não se ria. Diabo!! Sacré nom d’une
pipe, o que quer dizer a mesma coisa! Mudaremos juntos o mundo com
a ajuda da Sra. de M., Mar e Y o.ü!

Raja trouxera consigo para a Inglaterra Rajagopaladharya, a “ des­


coberta” de Leadbeater em 1914 com o seu maravilhoso passado e o
seu maravilhoso futuro. Krishna contou a Lady Emíly que os de
Manziarly queriam conhecer os sentimentos pessoais dela a respeito
desse pisca-pisca Rajagopalacharya (que não se perca pelo nome! Per­
guntam-me se tenho medo do meu rival!!!? Acham que estou enciumado!
Pobre sujeito, ele pode aceitar meu notório lugar por dois sous. Perso-
nellement je m’en fiche de Raja, R ajago!!!). Pergunto a mim mesmo o que
ele vai fazer. Espero que não lhe estraguem o futuro. A ser assim,
posso dar-lhe os meus pêsames. Por favor, se você o vir, dê-lhe a minha
bênção e peça-lhe a sua para mim. (Senhor! como nós, mortais, somos
néscios! Acreditamos em qualquer um que grite mais alto e os chamados
pássaros da S .T . gritam numa selva de tolos e os tolos acreditam no
que eles quiserem e isso não lhes aproveita.)

Alguns dias depois ele ouviu dizer que Raja desejava introduzir
uma forma de cerimonial na Sociedade Teosófica.
Vou escrever a Raja e dizer-lhe que, enquanto ele não empregar a
sua pisca-piscante cerimônia na Estrela, para mim tanto f a z ... Por que
não esclarecer primeiro a confusão em que estamos e depois começar
coisas novas? l Tudo isso só serve para aumentar o caos existente e
torná-lo ainda mais incômodo. Temos algo magnífico e quando temos
o maior de todos acrescentamos-lhe criações humanas. Isso me deixa
louco. Por que somos assim? Porque, sendo incapazes de encarar a Gran­
deza da vida, criamos Pequenas Grandezas que podemos ver.

E no dia 7 de agosto:
Escrevi uma longa carta a Raja dizendo francamente que todos esses
espetáculos acessórios acabam matando o principal. . . Espero que não
se agaste comigo! Ele mandou-me um exemplar antecipado do Disciple

1. Elementos dissidentes da Sociedade Teosófica estavam novamente pro­


vocando agitações nessa ocasião.

127
(Discípulo). i Meus cabelos ficaram em p é ... Como você sabe, eu acre­
dito realmente nos Mestres, etc., e não quero que isso seja metido a
ridículo. Uma bela idéia ou um belo objeto nunca poderão ser feios, mas
nós, seres humanos, podemos torná-los monstruosamente corruptos. É o
que faz o Discípulo. É tão miseravelmente mesquinho e sujo! Eu gos­
taria de fazer o seguinte: reunir A .B ., C .W .L ., Raja, um ou dois outros
e eu mesmo em torno de uma mesa e discutir e elaborar um plano,
grande e limpo, e seguir esse plano pondo de lado todas as personalidades
e todas as nossas mesquinhezas. Mas não sei como isso poderá ser feito.
Estamos tão longe uns dos o u tro s... Posso falar com Raja, mas que
poderemos fazer nós dois, mãe querida, no meio de tanto caos?. . . Vou
escrever a Raja a respeito do Discípulo e depois estarei de todo em todo
em bom oâeurü Meu estado de espírito é o mais rebelde que você pode
imaginar e pessoalmente não quero pertencer a nada de que possa enver­
gonhar-me.. . Obrigado por me haver contado a respeito de Rajago e
de mim. Estou certo de que ele se acha “ au fond” , como toda a gente.
Obrigado por me haver contado que ele não é meu “ Rival” !! Não há
ninguém para dizer a essa gente que deixe de ser boba. Esse pessoal
devia ter um irmão, especialmente como Nitya. Deveria haver um para
Raja. É claro que se [sublinhado quatro vezes] eu tiver de ocupar uma
posição de destaque na S .T . a razão será pelo que eu sou e não pelo que
outras pessoas pensam de mim ou pela posição que criaram para mim. . .
Pessoalmente preciso estudar com afinco e deixar minha condição mental
em bom estado de funcionamento. Como você mesma diz, quando eu
chegar a Paris começarei a frequentar aulas de elocução.

E no dia 25 de agosto:
Extraordinário sujeito é esse Raja e suponho que ele acredita no que
Lady D [D e La Warr] diz a nosso fespeito e a respeito das nossas dívidas.
Raja é como todos nós e se me tivesse contado que eles gastaram tanto
dinheiro para “ educar-me” (? ) e que agora preciso devolver tudo isso
em “ serviços” à S .T ., eu lhe teria dito que nunca pedi que me tirassem
da índia, etc. De qualquer maneira, está tudo podre e eu estou farto
de tudo isso.

Ao escrever para a Sra. Besant ele não permitiu que nada dessa
rebeldia transparecesse:
Setembro 10. 20.
Desejo apenas escrever-lhe pelo seu aniversário [o setuagésimo ter­
ceiro aniversário dela, no dia l.° de outubro]. Milhares de pessoas lhe
escreverão de todas as partes do mundo para mandar-lhe seu amor e sua
devoção, e eu lhe asseguro, mãe, muito embora eu não seja capaz de

1. Um dos vários jornais publicados pela Seção Esotérica da S .T . Tendo


começado em maio de 1913, saía com muita irregularidade. Nenhum número sê
publicou entre maio de 1920 e janeiro de 1922. É possível que o exemplar
antecipado que mostraram a Krishna tenha sido suprimido depois que ele mani­
festou sua opinião a respeito.

128
expressar meus sentimentos numa linguagem florida, que consagro uma
devoção e um amor profundos ao seu eu pessoal.. .
Ficarei aqui até o fim do mês e depois irei passar alguns dias em
Londres para ver Raja, etc. Em seguida voltarei a Paris. .. Pretendo
freqüentar a Sorbonne, pois agora compreendo e leio francês com facili­
dade e farei filosofia. Apanhei a mania da leitura e quero estudar com
muito afinco nos dois ou três próximos anos. Se me permitirem dizê-lo,
minha educação foi um tanto negligenciada e quero retificar essa negli­
gência. . . Quero ganhar tudo o que o Ocidente pode dar e, a seguir,
voltar meu rosto para a índia onde estou certo de trabalhar. Espero não
a estar enfadando com todos os meus planos. .. meu amor e minha devoção
estão sempre à sua disposição.

Que ele estava plenamente conformado com a perspectiva de


desenvolver o seu trabalho na índia patenteia-se no que escreveu a
Lady Emily no mesmo dia em que escrevia à Sra. Besant: “ Mãe querida,
terá de ser em algum momento nesta vida. A Sra. Besant ainda não
me mandou chamar. Se o fizer, todos teremos de enfiar os sentimentos
nos respectivos bolsos e eu irei decerto para a índia.”

129
15
APAIXONADO

Krishna e Nitya chegaram a Londres, procedentes de Amphion,


no derradeiro dia de setembro. Instalaram-se num apartamento muito
agradável, à Robert Street, 1, Adelphi (ao lado do apartamento anterior
que tinham ocupado na mesma rua), alugado para eles por Lady De
La Warr. Não obstante, detestavam a sujeira e o barulho de Londres
e a fumaça preta.
Nitya prestou exame de Direito Penal no dia 5 de outubro e
soube, no dia 19, que passara, embora com um “ simplesmente” . A
essa altura Krishna já vira Raja muitas vezes. Conhecera também Raja-
gopal, que descreveu em carta a Mar de Manziarly como “ um rapaz
simpático” , conquanto ainda não tivesse tido muitas oportunidades de
falar com ele. No dia 14, entretanto, já pôde dizer-lhe que haviam
conversado longamente e que o achara “ muito simpático” , tendo Raja-
gopal declarado que gostaria de trabalhar para ele. Nitya, porém, não
ficou muito satisfeito ao saber que Rajagopal, enquanto estudasse para
entrar em Cambridge, partilharia com ele do apartamento da Robert
Street assim que Krishna voltasse a Paris. Havia apenas uma sala de
estar e Nitya alimentara a esperança de tê-la só para si. *
É bem possível que existisse alguma coisa na idéia de que Raja­
gopal estava sendo considerado um possível “ rival” de Krishna, pois
Leadbeater deve ter-se advertido, e não apenas no plano astral, do
desencantamento de Krishna com o seu papel naquela ocasião. Lead­
beater, com efeito, já dera uma indicação de que estava preparado para
limitar a importância do “ veículo” escolhido, se não para o suplantar
de todo, quando escrevera no ano anterior: “ Foi-me inculcado [pelo
próprio Senhor Maitreya, com certeza]. . . que, além do corpo que
usará na maior parte do tempo, e no qual viajará, Ele escolherá prova-

130
velmente uma pessoa em cada país, que às vezes inspirará quando o
desejar, que guiará e dirigirá no tocante ao que Ele quiser que se
faça.” Essas palavras dirigiam-se evidentemente aos seus jovens discí­
pulos australianos, visto que, depois de dizer que só se esperava a
vinda do Senhor para dali a quinze ou vinte anos, e que portanto ele,
Leadbeater, não o veria em seu corpo atual, prosseguiu: “ Vocês com­
preendem que, se Ele escolher um jovem através do qual possa falar,
digamos aqui na Austrália, terá de ser uma pessoa que neste momento
tenha, mais ou menos, a idade de alguns de vocês?” Mas csqueceu-se
de dizer o que aconteceria se todas essas pessoas diferentes nos vários
países, que se supunham ser pessoalmente inspiradas pelo Mestre Uni­
versal, recebessem instruções para dizer e fazer coisas contraditórias.
Krishna só voltou a Paris no dia 8 de dezembro. Nas semanas
que passou em Londres, estimulou-se-lhe o interesse pelo trabalho da
Estrela, provavelmente sob a influência de Raja, e ele incumbiu-se
novamente de redigir as notas editoriais para a revista da Estrela, o
Herald. Wodehouse casara e estava de malas prontas para a índia,
onde trabalharia como professor de inglês no Colégio Deccan, em
Poona, de modo que a direção do Herald, mais uma vez, ficava inteira­
mente sob a responsabilidade de Lady Emily. Wodehouse pedira demis­
são do cargo de secretário organizador da Ordem da Estrela no Oriente
e Nitya foi nomeado seu sucessor. Wodehouse nunca perdeu contato
com Krishna e, em 1926, voltou a trabalhar para ele em Aclyar.
Ainda que uma libra valesse 45 francos, Krishna precisava viver
com muita economia em Paris. Hospedou-se primeiro em casa dos
Rleehs e mudou-se depois para um hotelzinho em que Ruspoli estava
morando, o Victor Emmanuel III, na Rue de Ponthieu, mas fazia a
maior parte das refeições com os Manziarly, pois o Sr. de Manziarly
estava doente no Sul da França. Krishna escreveu para Lady Emily
pelo seu quadragésimo sexto aniversário, no dia 26 de dezembro: “ Lem­
bra-se, mãe querida, que há muito tempo lhe escrevi que, a cada ani­
versário que passasse, meu amor aumentaria em lugar de diminuir?
Pois posso dizer-lhe sinceramente que o amor que lhe consagro é
imenso, sem nenhum exagero. Há um elo entre nós que nunca será
rompido. . . Amo-a de todo o coração e com toda a minha alma e
esse amor é o meu melhor e o mais puro.”
A despeito disso, suas cartas a Lady Emily em 1921 foram muito
mais curtas e escassas do que nos anos anteriores, e quase sempre
começavam com um pedido de desculpas por não ter escrito antes.
Seguindo-lhe o conselho, ele estava tomando lições de elocução e, a
28 de dezembro, deu um passo importante: falou voluntariamente na

131
reunião teosófica em Paris. Não fora inscrito para falar mas, de repente,
descobriu que estava com vontade de fazê-lo. Falou por dez minutos
em inglês e suas palavras foram traduzidas.
Momentos antes de subir ao estrado, naturalmente, eu estava tre­
mendo e tinha os nervos em péssimo estado mas, quando cheguei à pla­
taforma, sentia-me tão calmo quanto um orador experimentado. As
pessoas batiam palmas e sorriam sorrisos que iam de uma orelha à o u tra ...
Eu disse-lhes que não fossem sentimentais, etc. A política e a religião
devem andar de mãos dadas etc.. . . Falarei agora como gosto de falar
e estou muito contente porque terei de fazê-lo algum dia.

A carta de Krishna à Sra. Besant escrita em Amphion evidente­


mente a magoou pois, no dia 12 de janeiro de 1921, ele lhe escrevia:
Minha carta sobre minha educação deve tê-la feito muito infeliz.
Por favor, mãe, essa não foi minha intenção quando a escrevi e estava
longe de sê-lo. Se minha educação foi negligenciada, a culpa não foi sua,
foi da guerra e de outras coisas e por favor não diga que o lamenta, pois
isso me fere profundamente. Ninguém no mundo poderia ter sido mais
solícita nem mais maternal para Nitya e para mim. O que aconteceu
já se acabou e, afinal, por que haveríamos eu ou a senhora de preocupar-
-nos com isso? Deus sabe que a senhora já tem o suficiente sem isso.
Portanto, faça-me o favor de não dizer que lamenta. . . Escreverei o
editorial todos os meses e para mim será muito difícil. O meu francês
vai indo esplendidamente e, daqui a alguns meses, estarei muito bom.
Estou freqüentando a Sorbonne [que era de graça] e estou fazendo um
curso de sânscrito, que me será útil na Índia. Meu único desejo na vida
é trabalhar para a senhora e para a Teosofia. Hei de ser bem-sucedido.
Quero chegar à Índia, como Raja deve ter-lhe contado, e fazer a minha
parte do trabalho. De qualquer maneira, mãe, não se esqueça de que
a amo de todo o coração e com toda a minha alma e de que homem
nenhum pode ser mais devotado à senhora.

A Sra. Besant ficou encantada ao saber que ele escreveria as notas


editoriais do Herald. Seria um esforço terrível para Krishna, cujo
horror a elas era cada vez maior a cada mês que passava, mas elas
representavam uma grande diferença na venda da revista, agora em
dificuldades financeiras, pois a Srta. Dodge deixara de emprestar-lhe o
seu aval. O próprio Krishna escreveu a diversas pessoas solicitando
donativos. A Sra. Percy Douglas-Hamilton, outro membro rico da
Estrela, filha do milionário do fumo, Frederick Wills, e partidária
fervorosa da Sra. Besant, garantiu 1.000 libras por um ano, e Joseph
Bibby do Bibby’s Annual, teosofista de longa data se bem não fosse
membro da Estrela, garantiu outras 100. Em abril, Robert Lutyens,
que era agora jornalista profissional e trabalhava no Daily Mail, encar­
regou-se de dirigir o Herald e fez dele um grande sucesso.

132
No começo de fevereiro Krishna foi acometido tle sinusite, que
acabou degenerando em bronquite. Teve febre muito alta e delirou
A Sra. de Manziarly insistiu em que ele se mudasse para a Ktir de
Marbeuf, onde ela e as meninas o trataram carinhosamente, até qu<
ela foi chamada para o Sul da França, pois o marido estava malíssimo,
com pneumonia. Krishna mudou-se então para a casa dos Blechs, visio
que não era convenable ficar sozinho com as meninas. Nessa ocasião,
Nitya também estava doente em Londres. Foi atacado de bexigas
doidas tão violentas que, a princípio, se supôs que estivesse com varíola.
Krishna ficou muito preocupado e esperou que Lady Emily cuidasse de
Nitya tão bem quanto as de Manziarly haviam cuidado dele.
O Sr. de Manziarly morreu no dia 10 de fevereiro. Depois da sua
morte, a Sra. de Manziarly pôde dedicar-se inteiramente a Krishna e
Nitya. Como Krishna ainda estivesse convalescente e Nitya fosse de
opinião que nunca ficaria bom enquanto não saísse de Londres, que
ele detestava, os irmãos foram juntos e sós, no dia 4 de março, para
Antibes, a fim de ali passar três semanas. Hospedaram-se numa bonita
casa de campo à beira-mar com uma certa Sra. Rondeau, onde parecem
ter sido muito felizes.. Depois disso, Nitya regressou a Londres a fim
de estudar para seus exames finais e Krishna retornou a Paris a fim
de morar com as de Manziarly.
Krishna tivera tempo de refletir e de olhar para si mesmo em
Antibes. “ Muito me alegro de que você tenha fé em mim” , escreveu
a Lady Emily depois de tornar a Paris. “ . . . Todos seremos, algum
día, grandes mestres e precisamos chegar a esse estádio o mais depressa
possível. Não sei por que haveria você de ter fé em mim, pois não
fiz nada e, apesar disso, você e todo o mundo diz que tem fé em mim.
Só Deus sabe por quê. Não estou pescando elogios e você me conhece.”
E, logo depois:
Preciso dtsciplinar-me e trabalhar duro. Estou-me disciplinando e
tenciono fazer coisas. Faço um tipo vago de meditação, mas tenho de
fazê-lo com maior rigor e regularidade. Essa é a única maneira. Não
conheço a filosofia de minha vida, mas hei de ter u m a ... Penso muito
na Ordem e na S .T . mas surtout de moi-même. Necessito encontrar-me
e só depois poderei ajudar os outros. Na verdade, preciso fazer o Velho
Senhor descer e assumir alguma responsabilidade. É provável que ele
queira fazê-lo, mas talvez ache que o corpo e a mente não são bastante
espirituais e agora tenho de despertá-los para a “ sua” habitação. Para
poder ajudar necessito de simpatia, de uma completa compreensão c
surtout de amor infinito. Estou usando frases cediças mas, para mim,
são novas.
Ao falar no “ Velho Senhor” , Krishna referia-se ao seu ego —
cumpre-lhe tornar seu corpo e sua mente suficientemente espirituais
para a habitação do seu ego. A Teosofia enfatizava muito a diferen­
ciação entre o corpo e o ego, a alma. O corpo era algo numa fase
inferior da evolução e urgia cuidar dele como de uma criança ou de
um animal doméstico. Krishna voltara a encontrar-se com Ruspoli com
muita freqüência e isso de fazer descer “ o Velho Senhor” foi original­
mente a observação de Ruspoli a respeito do próprio ego.
Como Krishna ainda estivesse longe de sentir-se bem — tinha
dores no estômago e um desarranjo qualquer, não-especifiçado, no
nariz, de que padeceria toda a vida — a Sra. de Manziarly levou-o
para ver um amigo seu, o Dr. Paul Carton, naturista. Este lhe deu
um regime, que ele seguiu à risca. Krishna vivia interessado' em
novas dietas, embora nunca tivesse deixado de ser vegetariano.
Era Nitya, contudo, quem estava realmente mal. Uma tarde, em
meados de maio, depois de ter estado com Lady Emily no cinema New
Gallery, num súbito acesso de tosse, acabou tossindo sangue. Diagnos­
ticou-se uma. mancha no pulmão esquerdo. Krishna quis imediata-
mente que ele fosse a Paris, a fim de ser tratado pelo Dr. Carton e,
a 29 de maio, com a permissão do seu médico de Londres, Nitya chegou
à capital francesa. Krishna e a Sra. de Manziarly levaram-no no dia
seguinte ao Dr. Carton, que morava em Boissy-St.Leger, a uma hora
de viagem de Paris. O médico encontrou com dificuldade o local
infeccionado, impôs-lhe uma dieta rigorosa e disse que ele precisava
ser tratado como se estivesse na última fase da moléstia, única maneira
de curá-lo.
Como o Dr. Carton desejasse vê-lo muito amiúde, fizeram-se
arranjos para ele passar o verão em Boissy-St.Leger. Um tal Dr.
Schlemmer, discípulo do Dr. Carton, possuía ali uma casa, que colocou
à disposição da Sra. de Manziarly e, no dia 14 de junho, ela levou
Nitya a Boissy, para um período de completo repouso, longe de toda
e qualquer excitação.
Entrementes, no dia 3 de junho, Krishna fora para Londres, onde
a Sra. Besant não tardaria a chegar. Ele desenvolveu grande atividade
viajando com ela e, afinal, voltando com ela a Paris, no fim de julho,
para a Convenção Teosófica Mundial. Essa Convenção foi seguida pelo
primeiro Congresso da Ordem da Estrela no Oriente, quando Nitya
foi considerado suficientemente bom para assistir a ele. A Ordem
possuía agora mais de 30.000 membros em todas as partes do mundo.

134
Uns 2.000 assistiram ao Congresso, muitos cios quais linlinm Iriin
grandes sacrifícios financeiros para chegar a Paris.

Nitya enviou um relatório a Leadbeater:


A principal característica de todo o Congresso foi a presença < a
influência de Krishna, uma revelação para todo o mundo. Ate a Sra,
Besant ficou muito interessada em observar-lhe o desenvolvimento. Ida c
Krishna abriram juntos o Congresso [ambos falando francês] e, mais tarde,
ele tomou conta de tudo; assumiu a presidência dos debates e conduziu o;;
com suma habilidade, concentrando a atenção das pessoas nos argumentos
importantes e não permitindo que os debates se desviassem do ponto
em discussão... Krishna dirigiu-se várias vezes de modo informai aos
delegados e aos membros, e pronunciou uma palestra no Theatrc des
Champs Elysées, quando todo o mundo, como o senhor há de imaginar,
perguntava a si mesmo que aspecto tinha ele e que teria para dizer na
qualidade de chefe da Ordem. A Sra. Besant, toda de branco, ocupava a
presidência e quedou-se a observá-lo durante todo o tempo em que ele
falou; Krishna era uma figura muito esguia em traje de noite, e os
dois formavam um belo contraste no enorme palco do teatro.

A Sra. Besant também escreveu, entusiasmada, no Theosophist de


setembro, sobre a maneira com que Krishna dirigiu o Congresso:
. . . ele surpreendeu a todos os presentes pelo domínio das questões
consideradas, pela firmeza no controle das discussões, pela clara expo­
sição dos princípios e práticas da O rdem ... Mas a maior coisa que havia
nele era a intensa convicção da realidade e onipotência do Deus Oculto
em todo homem e dos resultados, para ele inevitáveis, da presença dessa
Divindade.

* Ficou resolvido durante o Congresso que não haveria cerimoniais


na Ordem. “ Um ritual, por mais belo e magnífico que fosse” , declarou
Krishna, “ tenderia inevitavelmente a cristalizar o movimento e a re­
duzir-lhe a esfera de ação” . Em seu editorial para o Herald de agosto
ele escrevia: “ Um espírito aberto é essencial para que possamos com­
preender a Verdade” ; os membros da Estrela não deveriam ser como
os fariseus de antanho, incapazes de apreender a Verdade quando ela •
era enunciada. Nessa época, Raja também enfatizava no Herald a
necessidade de desapego intelectual de todas as tradições, idéias e
costumes. “ Quando Ele falar conosco” , escreveu, “ estaremos livres
de todas as nossas noções anteriores e compreenderemos que, se Ele
disser algo novo, contrário a todas as tradições, deveremos abrir mão
de todas as tradições e começar de novo para O compreender?”
Quantas vezes essa advertência, que era um eco das palavras de
Krishna, seria reiterada pelos mais antigos líderes da Teosofia e quão
pouco eles mesmos lhe deram atenção quando chegou o momento!

135
Depois do Congresso, Krishna e Nitya foram para Boissy no dia
1 ° de agosto. Quatro dias depois, Lady Emily, que ali alugara uma
casa, chegou com as duas filhas menores, Betty e Mary, que agora
tinham quinze e treze anos de idade. Mar de Manziarly, Rajagopal e
um amigo austríaco de Krishna, John Cordes, 1 ficaram com Lady
Emily, ficando Yo com sua mãe, Krishna e Nitya na casa do Dr.
Schlemmer, ali perto. Nitya levava uma existência de inválido e raras
vezes era visto. Os outros membros do grupo, com exceção da Sra.
de Manziarly, que nunca saía de ao pé dele, jogavam beisebol à tarde
e jogos infantis, como Mexericos russos, O casaco do cego e Estátuas,
à noite, no jardim dos Lutyens. Era um verão muito quente e os mos­
quitos constituíam um tormento.
O longo repouso em Boissy não abatera a temperatura de Nitya,
de modo que, no começo de setembro, ele foi para Montesano, nos
Alpes suíços, acima de Montreux, com Krishna, Rajagopal e John
Cordes. De Montesano, no dia 9 de setembro, Krishna escreveu a
Lady Emily expressando todo o seu antigo amor depois das semanas
que tinham vivido juntos em Boissy: “ Serei sentimental com você como
não o serei com mais ninguém. O amor que lhe consagro é puro e
duradouro, como a neve sobre o Mont Blanc.”
Eles sabiam que logo estariam separados porque, antes do regresso
da Sra. Besant a Adyar, em meados de agosto, ficara concertado que
Krishna e Nitya demandariam a índia no inverno, para Krishna poder
iniciar o trabalho de sua vida; mas Lady Emily não poderia ter adivi­
nhado que, muito antes disso, partilharia o amor dele. Deixando
Nitya em Montesano em companhia de Cordes, ele foi para a Holanda
no dia 15 de setembro, a convite do Barão Philip van Pallandt van
Eerde, que se oferecera para doar à Ordem da Estrela a sua bela mansão
ancestral do século X V III, cercada de 5.000 acres de matas — o
Castelo Eerde (Pronuncia-se Airder) em Ommen, não muito distante
de Arnhem. Krishna ausentou-se apenas por duas semanas mas, du­
rante esse tempo, conheceu uma moça norte-americana de dezessete
anos, Helen Knothe, sobrinha da Sra. Cornelia Dijkgraaf, Represen­
tante Nacional da Estrela na Holanda, e filha de Frank Knothe, dono
de um próspero negócio de roupas em Nova Jérsei. Helen estava pas­
sando algum tempo com a tia em Amsterdã, estudando violino. Krishna

1. Representante Nacional da Estrela na Áustria. Cordes era um velho


forte, de cabelos brancos e compleição saudável. Ele próprio era meio naturista
e sua panacéia consistia em semicúpios de água gelada. Estivera em Adyar em
1910-11, encarregado dos exercícios físicos de Krishna.

136
sentiu-se grandemente atraído por ela e, na verdade, de acordo com
Lady Emily, apaixonou-se realmente pela primeira vez.
Na viagem de volta a Montesano Krishna se deteve em Genebra
e assistiu a uma sessão de duas horas e meia da Assembléia da Liga
das Nações, de que Ruspoli era agora um representante.
Falaram velhos caturras de todos os tipos [contou ele a Lady Emily no
dia 3 de outubro], incluindo Lorde Robert Cecil. Este falou sobre a
.proibição do emprego dos gases venenosos. Eles nunca vão até o fundo
das coisas, proibindo todas as guerras; é uma turma de gente insincera,
que só se preocupa em ganhar dinheiro. .. Sei que nós, os teosofistas,
dirigiríamos muito melhor a Liga das Nações, pois somos mais desinte­
ressados. Precisamos ter, algum dia, uma verdadeira Liga das Nações na
S .T ., que inclua todas as nações. Tê-la-emos e, na realidade, já somos
uma, mas não funcionamos adequadamente. Espere um pouco, quando
começarmos a andar poremos tudo numa roda-vida e venceremos todos
eles em seu próprio jogo.

Logo após o regresso a Montesano ficou decidido, com a ajuda de


Harold Baillie-Weaver, autor dos arranjos da viagem, que, se a saúde
de Nitya o permitisse, Krishna e Nitya zarpariam de Marselha com
destino a Bombaim no dia 19 de novembro. Nitya se achava, sem
dúvida, muito melhor. Já era capaz de caminhar três horas pela manhã
e jogar croqué à tarde. Quando Lady Emily soube que a data estava
fixada, deve ter mandado uma carta muito infeliz a Krishna, pois este
respondeu de Montesano, a 19 de outubro:
Que carta você me escreveu!! Não quero chorar e vai ser duro
# para nós dois, de modo que precisamos fazer das tripas coração, tentar
sorrir e agüentar firme. Ê fácil!! Francamente, você me escreve como
se eu devesse partir para alguma ilha deserta e distante, da qual jamais
retornarei, e compara-se a um homem que está prestes a ser enforcado.
Mãe querida, você sabe que mesmo que eu fosse embora por muitos anos,
o amor que lhe dedico nunca cessará. . . De qualquer maneira, tudo será
muito difícil. . . você sabe, mãe, que não podemos ser fracos, pois assim
não nos ajudarem os... Tudo isso, como você mesma diz, tem um lado
maior, que é essencial e do qual não devemos arredar pé.

Nisso, para alegria de Lady Emily, o marido convidou-a a acom-


panhá-lo a Deli naquele inverno: ela esperava chegar a Adyar para
estar com Krishna durante sua estada na índia.
No dia 20 de outubro Krishna deixou Montesano, ao mesmo
tempo que Nitya se dirigia a Leysin com a Sra. de Manziarly, a fim
de consultar um famoso especialista dos pulmões, o Dr. Rollier. De­
pois de passar quinze dias em Londres despedindo-se de várias pessoas,
incluindo o Sr. Sanger e Rajagopal, que estava agora estudando Direito

137
no Trinity College, Cambridge, £oi passar uma semana na Holanda,
desta vez para assistir a uma Convenção Teosófica e da Estrela em
Amsterdã. Ali tornou a ver Helen Knothe. A 17 de novembro, dia
em que embarcou para Marselha, escreveu a Lady Emily, do aparta­
mento dos Blechs em Paris, uma carta curta que pouco teria contri­
buído no sentido de facilitar a separação para ela:
Sinto-me infelicíssimo porque a estou deixando e deixando Helen
por um longo período de tempo. Estou terrivelmente apaixonado e isso
é um grande sacrifício para mim, mas nada mais se pode fazer, Sinto como
se eu tivesse uma ferida medonha dentro de mim; não pense que estou
exagerando. Deixarei de ver Helen por não sei quanto tempo e você sabe,
mãe querida, o que sou. Cristo, sei que ela também sentiu o mesmo,
mas que outra coisa se poderá fazer? Não será fácil; ao contrário,
será mil vezes pior. Oh! bem, não adianta resmungar por causa disso.
De qualquer modo, eu a verei logo, graças a Deus, mas — !!! Espero que
não esteja enciumada, mamãe querida?? Não receberei carta sua, nem
dela, pelo menos durante um mês. Alegremo-nos. Pare com isso, Krishna,
que diabo! Você não sabe como me sinto. Nunca o compreendi antes,
como tampouco compreendi o que tudo isso significa. .. “ Chega de
votos ociosos, que roubam tempo.” Como somos infelizes!! Deus a
abençoe.

Infelizmente para Nitya, o Dr. Rollier declarou-o suficientemente


bom para viajar. A Sra. de Manziarly seguiu na frente, querendo estar
na índia a tempo de recebê-lo, ficando Cordes encarregado de acom­
panhá-lo a Marselha, onde ele se encontrou com Krishna a 18 de
novembro. No dia seguinte os irmãos zarparam rumo a Bombaim,
no Morea.

cd

138
16
REGRESSO À ÍNDIA

A Sra. Besant, a Sra. de Manziarly, Ratansi, Jamnadas e grande


multidão de teosofistas e membros da Estrela estavam no cais para
receber Krishna e Nitya quando o navio atracou em Bombaim no dia
3 de dezembro. Carregando duas grinaldas, a Sra. Besant foi a pri­
meira a cruzar a prancha de desembarque. Como ela escreveu no
Theosophist, “ os dois irmãos, que tinham saído meninos, voltavam
homens, depois de uma ausência de quase dez anos de sua terra natal” .
Chegaram trajando roupas européias mas, à tarde, numa festa ao ar
livre em casa de Ratansi, no Morro de Malabar, onde ficariam enquanto
se demorassem em Bombaim, já envergavam trajes indianos. Como
parte do seu desejo natural de apagar-se, Krishna timbrava sempre em
parpcer tão inconspícuo quanto possível. Por isso mesmo, usava roupas
indianas na índia e roupas ocidentais na Europa e na América, a
não ser à noite, às vezes, quando podia envergar trajes indianos sem
dar na vista.
Depois de ir com a Sra. Besant a Deli, Agra, Benares e Calcutá,
chegaram a Adyar na -segunda semana de dezembro, onde tiveram uma
“ recepção real” . A Sra. Besant tentou dizer umas poucas palavras
de boas-vindas no Adyar Hall, mas foi-lhe difícil falar, por ser “ tão
acabrunhador o sentimento de fechar um capítulo e abrir outro” .
Ela mandara construir uma ampla sala com varanda para os irmãos
no topo do que fora a casa da Sra. Russak, que se ligava, ao nível
do rés-do-chão, com o edifício da sede. A varanda dos dois tinha uma
vista belíssima de Adyar.
Krishna escreveu a Lady Emily no dia 12 de dezembro dando-lhe
as boas-vindas ao seu país, onde ela deveria chegar a 17, dizendo-lhe
que a vida não era “ agradabilíssima” , que ele não fora “ particular-

139
mente feliz” e que “ as coisas seriam muito difíceis no futuro” . Junto
com essa carta de saudações, ele e Nitya foram para Bombaim recebê-la.
“ Pareciam muito estranhos” , recordou ela, “ em seus trajes indianos
— Krishna com um turbante lilás, um comprido casaco de tussor
e um dotim (longa peça de musselina colgada em tomo das pernas),
e Nitya com um bonezinho redondo de veludo” . Lady Emily conseguiu
escapar do Palácio do Governo de Bombaim, onde ela e o marido
se hospedaram com Sir George e Lady Lloyd, para ir em companhia
de Krishna e Nitya a Benares a fim de juntar-se à Sra. Besant e assistir
à Convenção teosófica que ali se realizava naquele ano.
Em 1914 a Sra. Besant entregara o Colégio Central Hindu, e as
escolas anexas para meninos e meninas a alguns hindus importantes,
que o transformaram na Universidade Hindu. Durante sua visita à
índia em 1921, o Príncipe de Gales esteve no dia 23 de dezembro
em Benares, onde lhe foi conferido o título de doutor honoris causa
pela Universidade Hindu. No dia seguinte outorgou-se à Sra. Besant
a mesma honraria. Ela sentia-se muito orgulhosa do título e, dali
por diante, mostrava gostar que lhe chamassem Dra. Besant. Voltou
por certo a Benares para receber o título no dia seguinte à recepção
de Krishna em Adyar. Aos setenta e quatro anos sua energia con­
tinuava pasmosa.
Krishna proferiu uma das quatro conferências da Convenção em
Benares, cujo tema foi “ Teosofia e Internacionalismo” . Ao falar,
mostrou-se “ muito hesitante naqueles dias” , rememorou Lady Emily,
e obviamente encontrava grande dificuldade para traduzir em palavras os
pensamentos, embora preparasse do princípio ao fim suas palestras. Sua
técnica é agora muito impressionante e ele tem completo domínio do
público mas, no meu modo de entender, deve-o mais à força da sua
personalidade do que ao seu poder de oratória. Fala sempre em inglês,
que grande proporção do seu público, pelo menos na Índia, não com­
preende e, no entanto, todos o escutam fascinados. Creio que ele se
dirige a alguma consciência interior, que não depende de palavras.

Isso foi escrito há quase vinte anos e, não obstante, muitos diriam
o mesmo dele hoje em dia.
Shiva Rao estava em Benares, como também estavam George
Arundale e Rukmini Devi, a bela esposa brâmane que ele desposara
em abril, com dezesseis anos mal completos, filha de conhecido enge­
nheiro e estudioso de sânscrito. (O casamento suscitara vigorosa opo­
sição, que Rukmini enfrentara corajosamente.) Outra pessoa que ali
estava era Barbara Villiers, prima de Lady Emily por parte dos Cla-
rendons e quase uma filha adotiva de Lady De La Warr, que Krishna

140
conhecera bem na Inglaterra e que viajara com ele • no Morea. Ela
apanhou tifo durante a Convenção e ficou muito doente, provocando
profunda ansiedade. Assim que a julgaram fora de perigo, Krishna,
Nitya, a Sra. Besant, a Sra. de Manziarly e um amigo indiano, Jadu-
nandan Prasad ( chamado Jadu para abreviar) , 1 foram para Adyar no
princípio de janeiro de 1922, ao passo que Lady Emily era obrigada
a juntar-se ao marido em Deli.
No dia 11 de janeiro, a Sra. Besant, Krishna e Nitya falaram
numa reunião em Adyar. Krishna falou durante trinta e cinco minutos.
“ A .B . me disse depois da palestra que falei bem” , contou Krishna
a Lady Emily, “ com maior domínio de mim mesmo, idéias mais claras,
etc.!! Também, pudera! Levei dois dias preparando essa maldita coisa
e suei a camisa” . Nessa palestra ele pressagiou o que havia de vir
quando disse: “ Quero dizer-lhes nesta manhã que Ele não pregará
o que queremos, nem o que desejamos, nem fará concessões aos nossos
sentimentos que todos apreciamos mas, ao contrário, virá acordar-nos,
quer o queiramos quer não, pois precisamos ser capazes de receber
golpes como homens.” Na mesma carta a Lady Emily acrescentou:
Adyar é um lugar 'muito cheio de mexericos, e se eu começar a
contá-los a você, não lhes chegarei ao fim ... Helen mandou-me uma
grande fotografia sua, não muito boa; mostrei-a à Sra. Besant e ela me
perguntou: “ Você não quer mandá-la emoldurar?” E ela já se dispunha
a dar as ordens necessárias, quando eu disse: “ Acho melhor não, pois
não quero dar margem a mexericos a meu respeito, e muita gente entra
no meu quarto.” Ela sorriu e compreendeu.. . Nem tudo é divertimento
por aqui. Maldição. Que vida!

Krishna sentiu-se consternado ao deparar com tantas invejas e


facções antagônicas em Adyar. Decidido a fazer que todos vivessem
em harmonia e a “ arrebentar-lhes as panelinhas” , entrou a convidar
para o chá em seu quarto, diariamente, pessoas diferentes. Depois
passou a oferecer almoços, aos domingos, no andar térreo da casa que
fora da Sra. Russak, para umas vinte pessoas de cada vez. Esse andar
era agora ocupado por Dwarkanath Telang, que se diplomara em Oxford
e gerenciava o New índia, o jornal diário de Madrasta dirigido pela
Sra. Besant. Rico e generoso, Dwarkanath era o verdadeiro anfitrião
desses almoços dominicais. No primeiro andar estavam morando Raja

1. Jadu nascera em Bihar e fora e-ducado no Colégio Central Hindu, onde


Krishna o conhecera em 1910. Depois disso, fora para Cambridge, onde se
bacharelara em ciências naturais. Estivera em Varengeville em 1913, e ainda
se tornaria muito chegado a Krishna.

141
e sua esposa. A própria Sra. Russak voltara a casar e vivia agora
nos Estados Unidos.
Krishna tinha uma pesada correspondência a que lhe era preciso
responder, além de escrever as notas editoriais do Herald, cada vez
mais difíceis para ele, embora tivesse, “ como sempre, a ajuda de Nitya” .
Descansava e lia por uma hora todas as tardes; a Sra. de Manziarly
dava-lhe aulas de francês e ele voltara a estudar sânscrito, de modo
que levava uma vida bem ativa. Nitya repousava durante três horas
à tarde e estava começando a engordar. Todos os dias, ao entardecer,
depois da partida de tênis, Krishna caminhava até a beira-mar no
momento exato em que o sol se punha e achava-o “ realmente mara­
vilhoso” . Sempre tivera paixão pelo ocaso. Tanto para ele quanto
para Nitya, Adyar era o mais belo sítio que já tinham visto.
Fora idéia de Nitya, antes de regressar à índia, reverem ambos
o pai e tentarem fazer amizade com ele. O encontro ocorreu num
dia qualquer de janeiro em Triplicane, distrito de Madrasta, onde
Narianiah estava vivendo. Nitya escreveu a Mar de Manziarly: “ Nous
avons vu nôtre père qui est gaga, nôtre frère ainé qui est vraimeni pas
mal, nôtre frère cadet qui est fou.” A única coisa de que Krishna se
lembra desse encontro é que ele e Nitya se prosternaram diante do pai
e lhe tocaram os pés com a testa. Narianiah saiu correndo e foi lavar
os pés, que haviam sido tocados por párias. 1
No fim de janeiro chegaram notícias de que Barbara Villiers tivera
uma recaída e estava passando malíssimo. Krishna partiu imediata­
mente para Benares. “ Quando ela souber que estou ali, um velho
amigo, um curador, etc., isso talvez a alegre e ajude” , escreveu ele
a Lady Emily do próprio trem. “ Vou curá-la; meu orgulho está ferido.”
Mas em Calcutá, onde teve de interromper a viagem, recebeu um tele­
grama que lhe anunciava a morte.
Não é horrível? [escreveu ele de Benares], A pobre e querida Bar­
bara se foi e para sempre. Sinto-me atordoado... F.sta é a primeira
vez em minha vida que morre alguém que eu realmente amava [ele
parece haver-se esquecido da mãe] e isso me dá uma sensação estranha
e deprimente. Mas precisamos ser filósofos, mormente quando estamos
amargurados. . . Barbara era como uma irmã e, como a rosa tenra da
manhã, ela se foi!

1. Narianiah morreu em fevereiro de 1924. Seu filho mais velho, Sivaram,


tornou-se médico. Morreu em 1952, deixando quatro filhos e quatro filhas.
O filho mais velho, Giddu Narayan, ensina matemática na Rudolph Steiner School
em Sussex. O irmão mais moço de Krishna, Sadanand, viveu com Sivaram até sua
morte em 1948. Tendo permanecido mentalmente uma criança, era muito brin­
calhão, gostava de jogos e sempre foi muito querido pelos sobrinhos e sobrinhas.

142
Nitya já se mostrava menos filosófico ao escrever, de Adyar, para
Mar de Manziarly:
Pobre Barbara, foi um choque medonho para n ó s... Ê horrível ver
que a vida continua, que ninguém é realmente necessário para a exis­
tência do mundo nem para a nossa existência; não importa quem morre,
precisamos continuar, continuar, continuar. Tudo isso é tão cansativo,
e a Teosofia é a mais cansativa de todas as coisas. Krishna est un grand
succès ici et moí aussi, mais tout ça au fond change tres peu. Você tem
muita sorte, tem sua música, e pode esquecer tudo de vez em quando.
La vie prochaine, vou interessar-me por alguma espécie de música, nem
que seja para ficar apenas tocando tambor.

Krishna não viu muito a Sra. Besant enquanto estiveram em Adyar.


Ela saía todas as manhãs às dez horas para a redação do New índia
em Madrasta, e só voltava às seis e meia da tarde, não gostando de
ser perturbada de manhã cedo. Krishna, naturalmente, obedecia aos
horários indianos, como toda a gente em Adyar, e adotava os hábitos
hindus, sentando-se no chão de pernas cruzadas às refeições e comendo
com os dedos os alimentos servidos em pratos que eram grandes folhas
de bananeiras. Levantava-se às 5:45, tomava o desjejum com a Sra.
Besant às 6:30, almoçava às 10:30, tomava chá às 3:30, jantava às 6:30
e deitava-se às 8:45. De manhã muita gente lhe solicitava entrevistas
particulares. “ Todo o mundo anseia ver-me, falar comigo e ouvir meus
conselhos” , contou ele a Lady Emily no dia 14 de fevereiro. “ Deus
há de saber por quê. Eu é que não sei. A Sra. Besant ouve minha
tagarelice com muita atenção quando falo com ela e diz que lhe serei
de jran d e ajuda, etc. Não, mãe, não se preocupe, que não ficarei pre­
sunçoso.”
A própria Lady Emily conseguiu escapar de Deli para Adyar
por um mês, a partir do fim de fevereiro, antes de regressar à Ingla­
terra. A Sra. Besant colocou um quarto à sua disposição no edifício
da sede e, pelo menos dessa vez, ela teve um período de plena felici­
dade ao lado de Krishna. E, como aconteceu a muita gente antes e
depois disso, apaixonou-se pela beleza do lugar.
Quando eles chegaram à índia, ficou decidido que Krishna e
Nitya iriam a Sydney, onde Leadbeater ainda estava morando, para
assistir ali a uma Convenção teosófica em abril. No dia 22 de março,
zarparam de Colombo a bordo do O mar em companhi a de Raja e sua
esposa, para serem seguidos pela Sra. Besant três semanas depois. A
Sra. Besant achava que não devia ir com eles, embora isso significasse
para ela perder a Convenção de Sydney, pois Gandhi acabava de ser
preso, e ela esperava, ficando na índia, utilizar sua influência para

143
evitar derramamento de sangue. A Sra. de Manziarly permaneceu na
índia até setembro, quando voltou a Paris.
A viagem para Colombo e o calor úmido do Ceilão foram muito
maus para Nitya, que recomeçara a tossir durante a viagem por mar.
A ultrajante curiosidade dos passageiros desgostou Krishna; “ as duas
beldades” de bordo tentaram flertar com ele, e o deixaram “ na fossa” .
Que vida! Valerá a pena? [perguntou ele a Lady Emily, uma semana
depois de zarparem]. Esta luta que não acaba mais. Para que, é que
não sei. . . Sonho e sonho com uma vida diferente. . . Eu quisera que
você e Helen estivessem comigo, pois assim eu seria perfeitamente fe liz ...
Desejos vãos e vazios. Isso, às vezes, me deixa meio maluco mas, como
todas as coisas, boas ou más, logo passará., . Você não sabe o que
estou passando; há uma rebelião dentro de mim, que vem crescendo lenta,
mas seguramente. Com que propósito, também não sei. Um contínuo
lutar, lutar e, depois, mais um pouco de luta. Eu gostaria de chorar um
choro longo e bom, e aliviar um pouco essa tensão, mas não adianta; ela
voltará logo. Minha mãe estremecida, quero afastar-me, afastar-me de toda
a gente e refugiar-me num lugar belo, frio e solitário, mas ai de mim!

Este trecho fazia parte de uma longa carta, que ele levara dias
escrevendo, embora escrevesse várias páginas quase todos os dias. Foi
uma viagem enfadonha, animada apenas por jogos de pôquer, mas ele
não diz com quem jogava.
No dia l.° de abril, véspera do dia de sua chegada a Fremantle,
Krishna recebeu um radiograma de Perth, que dizia: “ Os Irmãos da
Estrela dão-lhe as boas-vindas.”
Senti um calafrio descer-me pela espinha [escreveu]. Onde já se viu
uma coisa dessa? Aqui há gente à minha espera para dar-me as boas-
-vindas — para dar-me as boas-vindas — e eu desejo estar em qualquer
lugar, menos aqui. É medonho e não posso explicá-lo direito a você.
De certo modo é uma vergonha; não sou dos que ambicionam esse tipo
de coisas e, no entanto, será assim toda a minha vida. Oh! Senhor, que
foi o que fiz? Além do mais me sinto tão tímido e envergonhado do
que essa gente vai pensar, os meus companheiros de viagem! Não que
eu ligue para isso. Mas detesto todas essas coisas! Diga-me, mãe, que
devo fazer? Sinto-me como uma criança que quer fugir para os braços
maternos. Oh! céus, de que estou falando! •

Contou, em seguida, que, na noite anterior, Raja foi “ sentar-se


ao lado de um inglês no sofá e o homem disse: ‘Está ocupado.’ Raja
escusou-se, ‘Queira desculpar-me’, e afastou-se. Nisso, o homem vira-se
para o amigo e explica em tom ofendido: ‘Que p. . . ousadia!’ Senti
ganas de esmurrar-lhe a cabeça feia mas, infelizmente, tenho bom senso
demais para fazer uma coisa dessas. Que é que podemos fazer com
esses bárbaros ignorantes?”

144
De Fremantle foram a Perth, onde Krishna teve de suportar a
“ tortura” de falar por duas vezes, “ Eu não tinha vontade alguma
de falar e toda a gente ficou encantada e agradeceu-me o que eu tinha
dito. Você não sabe o quanto abomino tudo isso, todo o pessoal que
vem receber-nos, as reuniões e devoções. É contrário à minha natureza
e não sirvo para esse trabalho.” Antes da última reunião noturna (o
navio se faria ao mar às 11 horas da noite), numa sala que lhes
emprestaram para descansar, ele e Nitya tentaram, durante uma hora,
expor a Raja o seu ponto de vista. Krishna disse-lhe que a gente da
S .T . não lhe interessava, que ele não se sentia membro do círculo
deles e que, apesar disso, no mundo lá fora ele era um “ excêntrico em
grau superlativo” , Raja era incapaz de compreender. “ Ele segue a
corrente. . . E assim, quando duas pessoas lutam contra a detestável
corrente, Raja, estupidificado e assombrado, não consegue compreender
os lutadores.” Tudo o que Raja disse no fim foi: “ ‘Você não devia
monunciar tantas palestras’!!! E assim recomeçamos em Adelaide, Mel-
uourne, Sydney, etc. Oh! diabo.”
A mesma coisa aconteceu em Adelaide e Melbourne — reuniões,
apertos de mão, devoção e sorrisos, ao passo que Krishna ficava “ cada
vez mais taciturno e deprimido” , e reiterava o seu desejo de ir para
algum sítio em que nenhum ser humano tivesse estado antes. Não
obstante, em suas notas editoriais para o Herald de julho, enviadas
de Adelaide, fez uma descrição lírica da beleza do trajeto de vinte
quilômetros entre Fremantle e Perth e da excitação que o possuía por
estar num país novo. Ao ler essas notas ninguém diria que ele não
era o jovem mais feliz do mundo.

145
17
DIFICULDADES EM SYDNEY

Chegaram a Sydney numa quarta-feira, 12 de abril, e foram rece­


bidos por Leadbeater cercado de um grupinho de meninos, e a costu­
meira multidão de teosofistas e membros da Estrela. “ C .W .L . con­
tinua o mesmo” , escreveu Krishna a Lady Emily; “ tem o cabelo muito
mais branco, mas continua a ser o homem jovial e radiante de felici­
dade. Ficou muito contente ao ver-nos. Pegou no meu braço, não
o largou mais e apresentou-me a todos com um ‘voilà’ em seu tom.
Também tive muito prazer em vê-lo” .
Krishna, Nitya e os Raja hospedaram-se em casa do Sr. John
Mackay e esposa, teosofistas eminentes, em “ Malahide” , Alamang
Avenue, Kirribilli, a três quilômetros e pouco do local em que Lead­
beater vivia ( “ Crendon” , Neutral Bay), em casa de uma família holan­
desa chamada Kõllerstrõm. Fazia quase seis anos que Leadbeater mo­
rava em Sydney. Tinha agora uns doze jovens à sua volta, na maioria
rapazes, cuja idade variava entre catorze e vinte e um anos.
Você sabe que ele é realnente um velho maravilhoso [escreveu
Nitya a Ruspoli]; continua o mesmo, embora um pouco mais manso
e um pouco menos cruel com as velhas damas; agora já sai dos seus
cômodos para ir conversar com todas as feias. . . De vez em quando,
porém, diz impropérios e é, então, o velho C .W .L . de Adyar. Mas
exatamente como acontecia em Adyar, tudo para ele são favas contadas,
nunca existe o problema de uma dúvida, nunca existe o problema de
que alguém possa duvidar; está sempre seguro de que tudo é tão real
para todos quanto para ele.

Havia nele, contudo, uma mudança importante desde que Krishna


e Nitya o tinham visto pela última vez em 1912 — fizera-se bispo da
Igreja Católica Liberal. Nesse ponto, outro personagem brilhante
ingressa na história — James Ingall Wedgwood, descendente do mestre

146
oleiro Josiah Wedgwood. Nascido em 1883, fizera o curso de far­
mácia e estudara a construção do órgão; discípulo do organista dc
York Minster, tencionava tomar ordens sacras na Igreja Anglicana,
quando, em 1911, ouviu a Sra. Besant falar em York e converteu-se
imediatamente à Teosofia. Tornou-se secretário-geral da S .T . na In­
glaterra e no País de Gales, antes de George Arundale ocupar essa
essa posição, e introduziu na Ordem da Estrela, logo após sua fun­
dação, um rito que teve vida efêmera, chamado a Cruz Rósea. Quando
esta falhou, saiu à procura de outra vazão para suas inclinações ceri­
moniais e foi encontrá-la na Velha Igreja Católica ou Jansenista, assim
chamada pelo nome do fundador, Jansênio, Bispo de Ypres, reformador
do século X V II, que se afastara da Igreja de Roma por não aceitar
a doutrina da infalibilidade papal. Os Velhos Católicos reivindicavam
a sucessão apostólica, e Wedgwood foi ordenado padre em 1913 pelo
Bispo Mathew, da Velha Igreja Católica. Três anos mais tarde, depois
de consultar a Sra. Besant e Leadbeater (pois não deixara de ser
membro ativo da S . T . e da Estrela), foi guindado à dignidade epis­
copal por outro bispo da mesma Igreja, o Bispo Willoughby. Wedg­
wood partiu imediatamente para a Austrália e, no dia 15 de julho
de 1916, com a bênção do Senhor Maitreya, elevou Leadbeater ao cargo
de Bispo Regional da Australásia da Igreja Católica Liberal, novo nome
da Velha Igreja Católica. A missa obedecia ao ritual católico romano,
mas as orações, que a Sra. Besant ajudara Leadbeater a compor, eram
ditas em inglês; não havia confessionário; e não se exigia o celibato do
clero. Os padres, assim como os bispos, envergavam suntuosos para­
mentos.
É estranho que Leadbeater tivesse desejado essa forma de ele­
vação, mas é possível que, durante todo esse tempo, ele anelasse voltar
à antiga profissão pois, no dia 25 de julho de 1916, escrevera à Sra.
Besant:
Um interessante vislumbrezinho de processos esotéricos veio-me na
noite que se seguiu à minha consagração. Meu próprio Mestre [Kuthumi]
referiu-se a ela com muita bondade e falou da força adicional para ajudar
que ela me dera; em seguida, observou: “ Você julgou haver renunciado
a toda e qualquer perspectiva de um bispado ao deixar sua Igreja há trinta
e dois anos para seguir Upâsika [a Sra. Blavastky]; mas posso dizer-lhe
que você o alcançaria naquele mesmo ano em seu trabalho original, de
modo que nada perdeu exceto os emolumentos e a posição social, e
ganhou enormemente em outros sentidos. Ninguém perde jamais por
servir-Nos!”

Wedgwood regressara à Inglaterra, depois da consagração de Lead­


beater, para trabalhar como conferencista e escritor teosófico e cumprir

147
suas obrigações episcopais mas, quando a Sra. Besant £oi para Londres
depois da guerra, ouviu dizer que estavam sendo assacadas contra ele,
pela polícia, acusações de perversão sexual. Ela decidiu exigir que ele
se demitisse incontinenti da S . T ., mas teve de revogar sua decisão
ao receber um telegrama de Leadbeater em que este dizia que isso
seria impossível porque Wedgwood fora recentemente elevado à cate­
goria de Iniciado. Parece que a polícia não insistiu nas suas acusações
contra ele e Wedgwood permaneceu mais algum tempo na Inglaterra.
Krishna e Nitya ficaram espantados ao constatar que as atividades
da Igreja Católica Liberal desempenhavam um papel importante na
vida dos seguidores de Leadbeater. O velho tinha agora mais força
do que nunca, pois lhe era dado criar padres e distribuir promoções
esotéricas. A atitude de Krishna em relação à Igreja foi expressa na
primeira carta que ele escreveu de Sydney a Lady Emily:
Domingo de manhã [18 de abril] fui à igreja da I .C .L . [em Regent
Street, Redfern], cujo padre oficiante era C .W .L . Ele fez tudo muito
direitinho, mas você sabe que não sou cerimonialista nem aprecio tantos
ornatos, com tantas orações e inclinações para um lado e para outro,
tantos mantos, etc.; mas não atacarei nada disso. Há pessoas que o
apreciam. Portanto, que direito tenho eu de atacá-lo ou desaprová-lo?
A igreja durou duas horas e meia e fiquei tão entediado que já estava
quase desmaiando. Aliás, receio ter dado demonstração disso. Preciso
tomar cuidado para que não me interpretem mal e não haja confusões.
Eles são como cães e gatos no tocante a esse negócio de igreja. Seja
como for,' são uns tolos. O seu excesso de zelo e falta de tato é a causa
de todas as dificuldades que surgem por aqui.

Fazia muito tempo que essas dificuldades vinham fermentando no


seio da S. T. entre o partido da Igreja de Leadbeater e a facção con­
trária à Igreja, dirigida por T. H. Martyn, secretário-geral da S .T .
e chefe da Seção Esotérica na Austrália, homem rico que, antes da ida
de Leadbeater para Sydney, sustentara financeiramente, durante anos,
a Loja Teosófica Australiana. Martyn, agora, fazia campanha contra
Leadbeater num movimento de “ Retorno a Blavatsky” — pois a Teo­
sofia de Blavatsky era considerada por muitos como Teosofia pura,
não-contaminada pelo culto de personalidades, pelas promoções esoté­
ricas distribuídas como diplomas universitários, pelo Mestre Universal
e por essa Igreja adventícia, inventados por Leadbeater. Martyn fundou
uma Liga da Lealdade — isto é, leal à Sra. Blavatsky. Wedgwood,
em Londres, assim como Leadbeater, estava no centro da tempestade;
o primeiro era acusado de mau procedimento heterossexual e homos­
sexual e ultrajara o Sr. Martyn mantendo relações com a mulher dele
em sua casa, e ultrajara ainda mais a Sra. Martyn deixando-a por

148
insistência de Leadbeater. Toda a desgraçada história veio a furo na
Convenção da S .T ., inaugurada na sexta-feira, 16 de abril, dois dias
após a chegada de Krishna. Se a Sra. Besant estivesse presente, talvez
lhe tivesse atalhado a erupção, pelo menos da forma tão desagradável
com que ela se verificou.
Segundo Krishna, o barulho só começou no dia 19, quando um
eminente teosofista australiano apresentou uma moção em que pedia à
Convenção um voto de confiança aos seus dois mestres, a Dra. Besant
e o Bispo Leadbeater.
Ouviu-se um imenso clamor da parte da Liga da Lealdade. Um
sujeito levantou-se, tremendamente grosseiro e vulgar, e disse que não
tinha confiança em C .W .L . pois este era um homem imoral e começou
a enumerar todas as mentiras já proferidas contra C .W .L . Raja, que
era o presidente, declarou que nada disso tinha relação com o caso em
tela, etc. Depois se ouviram os defensores de C .W .L . e os seus detra­
tores. Ele ficou lá o tempo todo. A tempestade de acusações e defesas
durou cerca de duas horas e meia. Martyn falou e disse que C .W .L .
não merecia confiança por estar ligado a Wedgewood [ sic]. Em seguida,
falamos Fritz Kunz, 1 Nitya e eu. Afirmei que conhecia C .W .L . melhor
do que a maioria dos presentes, de modo que podia falar com alguma
autoridade. Declarei que era um dos homens mais puros e mais notáveis
que eu já conhecera. Podia-se duvidar da sua clarividência, mas não se
podia duvidar da sua pureza. Quanto ao fato de se intitular Bispo, um
homem pode denominar-se o que bem entender, etc. Finalmente, fiz ver
que, sendo teosofistas, estávamos procedendo pior do que o homem comum
e perdendo todo o nosso cavalheirismo ao atacar, etc. Martyn saiu ime­
diatamente após a votação. 85 a favor e 15 contra. Só os delegados
votaram.

Dois dias depois, Krishna e Nitya jantaram com o Sr. e a Sra.


Martyn e fizeram o possível para reconciliá-los com Leadbeater. Martyn
disse acreditar na pureza de Leadbeater, mas afirmou possuir provas
irrefutáveis da imoralidade de Wedgwood. Krishna conhecera Wedg-
wood, naturalmente, mas nada sabia do seu caráter. Pediu a Lady
Emily que descobrisse as acusações formuladas contra ele na Inglaterra.
As principais acusações feitas contra ele em Sydney diziam que um -
detetive particular o vira entrar dezesseis vezes em ‘‘privadas públicas”
no espaço de duas horas; na Inglaterra, segundo transpirou, acusavam-
-no de atos imorais com um dos padres. Nesse intervalo, Wedgwood
pediu demissão em março da S. T., “ cansado da campanha de calúnias

1. Um norte-americano de Illinois, que viera de Adyar com Krishna e seu


grupo. Aos dezessete anos de idade viajara com Leadbeater e fora um dos seus
secretários em 1906, por ocasião do inquérito realizado em Londres acerca do
procedimento de Leadbeater.

149
e intrigas maldosas movida contra ele” ; recusou-se a responder aos
ataques pessoais que lhe eram dirigidos e declarou que tencionava
recolher-se à vida privada.
Terminada a Convenção, Nitya, muito enfraquecido pela viagem
por mar, foi procurar um médico em Sydney. Este descobriu pelo
raio-X que não só o pulmão esquerdo estava doente mas que o direito
também fora afetado. O choque foi terrível para os dois irmãos, pois
o Dr. Rollier lhes assegurara que tanto o pulmão esquerdo estava
curado quanto o direito se achava em perfeitas condições. O médico
ordenou a Nitya que deixasse Sydney sem demora, de modo que, no
dia 29 de abril, ele e Krishna foram para o Hotel Carrington, em
Katoomba, nas Montanhas Azuis, a quase cem quilômetros de Sydney.
Antes de ir para Katoomba, Krishna tentou falar a sós com Lead-
beater, mas chegou à conclusão de que isso era impossível porque havia
sempre um número exagerado de jovens em tomo dele. Krishna não
se sentiu atraído por nenhum dos rapazes, mas teve ocasião de fazer
amizade com uma moça inglesa que também se achava hospedada em
casa dos Mackays em “ Malahide” — Ruth Roberts, sobrinha da Dra.
Mary Rocke, que agora morava em Sydney como auxiliar médica de
Leadbeater e trouxera Ruth consigo para que Leadbeater a ajudasse
em seu progresso pelo Caminho. “ Ela [Ruth] é muito simpática,
muito alta e bonita” , contou Krishna a Lady Emily. “ Não, não estou
apaixonado e não creio que venha a estar.” Dez dias depois, tornava
a escrever a respeito de Ruth:
Bem, admito que ela é muito simpática e que gosto dela; ela quer
submeter-se à provação e não sabe por que não pode. Fez apenas 17 anos
e tivemos uma longa conversa. Alguém me contou que circularam boatos
por aí de que eu me apaixonara por ela e de que isso lhe viraria a cabeça.
Que idéia! Logo eu apaixonado! De mais a mais, como posso? De
qualquer maneira, essa história serviu para mostrar que preciso ter o
máximo cuidado com esse tipo de coisas para não granjear “ alguma”
reputação. Os teosofistas são muito crédulos.

Ter-se-ia ele esquecido de que declarara estar apaixonado por


Helen na véspera da sua partida para a índia? Ainda que assim fosse,
não se esquecera da própria Helen, pois na carta seguinte escreveu:
“ Agora preciso parar e escrever para Helen. Tenho escrito meia hora
para você e meia hora para Helen.” E poucas semanas mais tarde
escrevia, depois de saber que Lady Emily conhecera Helen: “ Estou
muito muito contente por você gostar de Helen. Agrada-me saber que
aprova meu gosto.”

150
Como Krishna e Nitya voltaram a Sydney para encontrar-se com
a Sra. Besant, que chegou no dia 9 de maio, Nitya mal se demorara
dei: dias nas montanhas, onde logo começara a sentir-se melhor. Krishna
ficou encantado ao ver a Sra. Besant: “ Ela é realmente grande” , disse
a Lady Emily, “ e muito melhor do que todos nós” .
Nitya descreveu numa carta a Ruspoli o que aconteceu em Sydney
•após a chegada da Sra. Besant:
Martyn solicitou uma investigação sobre Wedgwood, a Igreja e
C .W .L . Martyn entregou todos os seus documentos a um dos grandes
jornais diários [o D a ily T e le g r a p h ]. A .B . teve uma recepção muito amis­
tosa ao chegar, todos os jornais entoaram loas a ela, de modo que as
acusações de Martyn, naturalmente, foram uma bomba tremenda e todos
os jornais lhes deram guarida. Eles remexeram em tudo, H .P .B . [Sra.
Blavatsky], C .W .L ., Alcíone, a Estrela, a Igreja, os Mestres, tudo foi
escarafunchado, e durante uns quinze dias tivemos imensas colunas nos
jornais. Toda a gente escreveu; A .B . respondeu a algumas cartas;
C .W .L ., à sua maneira habitual, deu pouquíssima atenção ao caso. As
conferências de A .B . foram muito concorridas e cada vez que ela fazia
um sermão na igreja atraía, mais ou menos, umas 1.500 pessoas. Tivemos
uma imensa propaganda sem pagar um tostão.

O senso comercial de Nitya era robusto. Ele, Krishna e alguns


jovens de Leadbeater escreveram para o Telegraph em defesa de Lead-
beater, mas o jornal recusou-se a imprimir-lhes as cartas. Krishna dava
muito maior importância à publicidade do que Nitya.
Artigos terrivelmente vulgares têm aparecido [relatou ele a L a d y
Emily no dia 2 de julho], tais como “ Onde Leadbeater bispa” , “ Os
Mahatmas” , “Negros de cor ajanotada” , referindo-se a nós. [Outra man­
chete era “ Leadbeater um S w is b B is h com Meninos” .] Um deles per­
guntou onde arranjei minhas roupas, tão bem cortadas são e la s ... Só
Deus sabe o quanto detesto tudo isso; é muito desagradável esse tipo de
notoriedade. Quando ando pelas ruas as pessoas se cutucam e me apontam;
no outro, dia, um sujeito disse a outro: “L á vai aquele cara que sai nos
jornais, o M essias!” E os dois caíram na gargalhada. Eu também teria
rido se não estivesse ali ou não me achasse envolvido no caso. Sydney
< irí sc divertindo á beça à nossa custa e à custa da Teosofia, graças ao
Sr Mnilyn c á sua tu rm a ... No outro dia eu estava andando pela rua,
qinmdo alguém disse: “ Ora, viva! Lá vai aquele sujeito das 30 vidas.”
Quase caí duro no chão. Senhor! Como odeio tudo isso e como detesto
a publicidade! K dizer-se que a terei pelo resto da vida! Céus, que foi
o que fiz para merecer tudo isso?

Tão grande foi o estardalhaço nos jornais que o Ministro da Ju s­


tiça se viu obrigado a ordenar a arbertura de um inquérito a fim de
apurar a veracidade das alegações contra Leadbeater e, no dia 25 de
maio (o dia que 'ainda sc supunha fosse o do aniversário de Krishna

151
— o seu vigésimo sétimo) ele e Nitya, Raja, Fritz Kunz e outros
“ meninos” de Leadbeater rumaram voluntariamente para o Departa­
mento de Polícia no intuito de serem reinquiridos por um detetive.
Entraram um por um, exceto Krishna e Nitya, que, por serem irmãos,
tiveram permissão para entrar juntos. Krishna descreveu essa provação
em sua carta de 2 de junho; ele “ tremia como uma folha” e estava
tão nervoso que ficou quase “ maluco” . “ Tornei-me mais sensível
e você pode imaginar o que passei.” Teve a impressão de que os
detetives não tinham prevenção contra ninguém mas queriam realmente
descobrir a verdade. Ele e Nitya disseram um “ não” peremptório
a todas as perguntas, taís como se tinham algum dia presenciado uma
imoralidade qualquer ou se tinham aprendido práticas imorais com
Leadbeater. “ Eles fizeram perguntas tão estarrecedoras” , contou
Nitya a Ruspoli, “ que o garoto menor nem as compreendeu” .
Tendo sido as acusações contra Leadbeater negadas por todos os
seus “ meninos” , passados e presentes, encerrou-se o inquérito. Nunca
se provou coisa alguma contra Leadbeater. Este nunca negou, nem
por um momento, que advogava a masturbação como medida profi­
lática mas, ao fazê-lo, estava apenas adiante do seu tempo, e por
certo não a ensinou a Krishna nem a Nitya. De mais a mais, não há
prova nenhuma de que algum dos seus “ meninos” , depois de crescer,
se tenha tornado homossexual; quase todos, na verdade, foram felizes
no casamento.
Nessa ocasião, todos chegaram à conclusão de que urgia afastar
Nitya de Sydney o mais depressa possível e mandá-lo de volta à
Suíça, onde ele deveria permanecer até curar-se de todo. Ir, via índia
ou África do Sul, seria demasiado quente para ele; só havia uma
alternativa — ir por São Francisco. O Sr. A. P. Warrington, secre­
tário-geral da S .T . nos Estados Unidos, que fora a Sydney para assistir
à Convenção, sugeriu que os viajantes interrompessem a viagem demo­
rando-se no Ojai Valley, a uns cento e trinta quilômetros de Los
Angeles, cujo clima, segundo se dizia, era excelente para tísicos. Um
amigo dele lhes emprestaria uma casa, onde eles poderiam ficar por
três ou quatro meses, indo depois para a Suíça no fim do outono.
“ Tive uma conversa com Amma [Mãe: a Sra. Besant] a meu respeito” ,
escreveu Krishna a Lady Emily no dia 19 de maio; “ Eu disse-lhe que
meu corpo mental não estava suficientemente desenvolvido e que eu
queria estudar num ambiente sossegado e sem interrupções. . . É
claro que não farei nenhum trabalho para a Estrela nem para a Teo­
sofia, visto que realmente quero estudar” . Ele pretendia passar de­
zoito meses na Califórnia e na Suíça estudando filosofia, economia,

152
religião e educação. A Sra. Besant: e Leadbeater aprovaram o plano
e ficou decidido que eles, acompanhados do Sr. Warrington e de Fritz
Kunz, embarcariam no dia 14 de junho para São Francisco.
A Sra. Besant retornou à índia uns quinze dias antes do embarque
dos rapazes. “ Amma partiu ontem à noite” , contou Krishna a Lady
Emily em carta de 2 de junho, “ no meio de grandes aclamações. IVs
soalmente fiquei muito triste com a sua partida, pois só Deus sabe
quando tornaremos a vê-la, sobretudo nós dois. Não creio que ou a
tenha alguma vez amado mais do que a amo agora. Ela é realmente
maravilhosa” . Antes de partir, ela e Leadbeater tinham tido longas
conversas particulares com Krishna, Nitya e Raja sobre “ a história
toda, Wedgwood, Iniciados, etc.” , que Krishna achou melhor não
pôr por escrito. Krishna também contou a Lady Emily na mesma
carta de 2 de junho que recebera uma mensagem do Mestre Kuthumi
“ trazida” por Leadbeater. Krishna copiou-a para ela:
“ A teu respeito também alimentamos as mais altas esperanças. Firma-
-te e amplia-te e forceja sempre mais por deixar a mente e o cérebro
em posição de subserviência diante do verdadeiro Ego interior. Sê tole­
rante para com as divergências de pontos de vista e métodos, pois cada
qual tem geralmente um fragmento de verdade escondido em algum lugar
no seu interior, ainda que muitas vezes deformado a ponto de tornar-se
irreconhecível. Procura esse tenuíssimo lampejo de luz no meio da escuri­
dão estígia de cada mente ignorante, pois, reconhecendo-o e secundando-o,
poderás ajudar um pequenino irmão.”

Krishna acrescentou: “ É isso justamente o que eu desejava, pois


me inclino a ser intolerante e a não procurar o irmão!” Essa men­
sagem exerceria profundo efeito sobre Krishna.
Os dois irmãos chegaram a São Francisco no dia 3 de julho,
depois de uma viagem sumamente aborrecida, durante a qual passa­
geiras de todas as idades procuraram conhecer Krishna, ao passo que
alguns passageiros se mostraram extremamente insultuosos. Krishna
ouviu um australiano perguntar por que “ um homem escuro” tinha
permissão para viajar de primeira classe. Em São Francisco ficaram
em casa de um membro da S . T . , a Srta. Miklau, professora da Uni­
versidade de Berkeley. Nitya, que passara muito mal durante a viagem
mas que, de um modo geral, se achava melhor e tossia menos, quis
consultar um médico em São Francisco, de modo que eles foram obri­
gados a permanecer ali duas noites, já que o dia 4 era o Dia da
Independência, feriado nacional. O médico mostrou-se otimista, disse
não achar que o pulmão direito de Nitya estivesse comprometido e
assegurou-lhe que Ojai era um lugar excelente para ele.

153
A Srta. Miklau mostrou-lhes toda a Universidade de Berkley,
onde havia 14.000 estudantes de todas as nacionalidades. Krishna
ficou maravilhado com aquilo:
Não havia a pavorosa distinção entre homens c mu limes que cria a
atmosfera especial tão peculiar à Inglaterra c a outros lugares | contou ele
a Lady Emily], As pessoas olham umas para as outras cara a <ara c não
com aquele olhar enviesado tão penoso nos países mais velhos Ku queria
viver ali e reviver parte da minha vida. O laisser-allcr de lodu a gente
era o meu deleite particular... Eu desejava ajudar a todos; senti-me tao
amigo, tão amável, sem me preocupar sequer com que conhecessem minha
história. Não havia a distância que existe entre o inglês devoto <• o
humilde indiano... respirava-sè o ar da liberdade e da igualdade, que 6
a igualdade de oportunidade e de capacidade, independente da classe, do
credo ou da cor. Fiquei tão emocionado que tive vontade de transportar
a beleza física do lugar para a índia e para os indianos, que são os únicos
que sabem. . . criar a atmosfera escolástica apropriada. Aqui faltava essa
atmosfera e eles não eram tão decorosos quanto nós, os indianos, o
somos. . . . oh, se uma universidade assim fosse transplantada para a índia,
com os nossos professores, para os quais a religião ó tanto ou mais impor­
tante que a educação.

Na noite do dia 5 de julho, partiram de trem, num carro Pullman,


para Ventura, onde chegaram na manhã seguinte às dez horas e foram
recebidos pela sua anfitriã, a Sra. Mary Gray, e levados de automóvel,
num trajeto de trinta e tantos quilômetros, interior adentro, até a
extremidade mais distante de Ojai Valley, a 450 metros acima do nível
do mar. A Sra. Gray tinha dois chalés vazios no meio de laranjais;
cedeu um deles aos irmãos e o outro, a dois minutos de distância do
primeiro, ao Sr. Warrington. Embora a temperatura fosse de 35 graus
quando chegaram, o ar era muito seco e as noites, frias. Uma mulher
vinha cozinhar-lhes o desjejum e o almoço, e eles mesmos cozinhavam o
jantar. Krishna ficou assombrado ao saber que a mulher recebia 5,30
dólares por dia, cerca de 25 xelins. “ Horrível, não é? Nós não pagamos,
somos hóspedes da Sra. G ray !!!” Havia verduras, frutas e cremes mara­
vilhosos. Passaram a cavalgar pelas montanhas duas vezes por semana,
o que não cansava Nitya; faziam exercícios físicos regularmente e encon­
traram um córrego em que tomavam um semicúpio diário. No dia 20
de julho Krishna pôde contar a Lady Emily que agora sabiam cozinhar
panquecas, preparar ovos mexidos e fritar batatas, embora Heinz “ fosse
de grande utilidade” . Nitya estava indo muito bem e quase não
expectorava mais.
Mas uma semana depois todo o quadro se modificou. Nitya come­
çara a ter febre e a tossir muito; Krishna passara por vários sustos,
porque estavam sozinhos na casa.

154
Nitya é muito temperamental [escreveu ele a Lady Emily no dia 28
de julho] e, sendo eu seu irmão, agasta-se comigo e recusa-se a fazer o que
lhe digo que faça. A Srta. Williams, irmã de uma amiga da Sra. Gray,
veio outro dia fazer uma visita à casa da Sra. Gray. Bem, seja como for,
nós dois gostamos dela e ela gosta de nós; não é teosofista, mas é muito
simpática. Para encurtar a história, Nitya faz o que cia manda e, como
conseqüência, faz o que há dez dias venho recomendando que faça. Ela é
apenas uma menina de dezenove anos, mas esses americanos são capazes
desde que nascem e, o que é mais, ela ó muito animada, alegre e con­
serva N. de bom humor, o que ó essencial. Sua irmã 6 uma pessoa da
S .T . e, portanto, sabe de tudo mas, apesar disso, é muito boazinha. Ela
partiu ontem e foi saber de sua mãe se pode voltar e, assim, de certo modo,
cuidar de Nitya. Leio para ele umas três horas por dia; ele não lê absoluta­
mente nada, o que é muito b o m ... Não se preocupe; tudo dará certo.
Tenho mais do que certeza disso. Estamos lendo O. Henry e a Bíblia, uma
boa combinação!

“ O Cântico de Salomão’’ era, dentre os livros da Bíblia, o favo­


rito de Krishna, depois partes do “ Eclesiastes” e o “ Eclesiástico” dos
Apócrifos. Ele garante que nunca leu os Evangelhos.
O que Krishna não disse foi que Rosalind Williams era uma moça
muito bonita, de cabelos loiros e ondulados e olhos de um azul
incomum, como os de um gato siamês. Ela obteve permissão para
voltar à casa da Sra. Gray, o que aliás não deixa de ser surpreendente,
se considerarmos a natureza da moléstia de Nitya. Talvez a sua teosó-
fica irmã houvesse persuadido a mãe de que a tuberculose era um
preço pequeno que teriam de pagar pelo privilégio de cuidar do irmão
do futuro Mestre Universal. Ficou entendido desde o princípio que
Rosalind era a amiga especial de Nitya e não de Krishna.
Muitas pessoas tinham escrito ao Sr. Warrington instando com ele
para que Nitya experimentasse o tratamento do Dr. Albert Abrams,
que afirmava ser capaz de diagnosticar e curar a tuberculose, o câncer, a
sífilis e muitas outras moléstias por meio de uma máquina elétrica
de sua invenção. Afirmava o Dr. Abrams que a vacina da varíola era
a causa da maioria das doenças, especialmente a sífilis; e sustentava que
apenas dois por cento da população mundial estavam livres da sífilis,
quer contraída quer hereditária. As únicas coisas necessárias a um diag­
nóstico eram algumas gotas de sangue do paciente sobre um pedaço
limpo de papel mata-borrão. Os irmãos decidiram tentar o tratamento.
O sangue de Nitya foi mandado para um discípulo do Dr. Abrams
em Los Angeles, o Dr. Strong, sem detalhes de espécie alguma, exceto
o nome; dois dias depois chegava o relatório: Nitya tinha tuberculose
no pulmão esquerdo e nos dois rins ( essa última parte foi um grande
choque para eles) e sífilis no baço. Por intermédio de um amigo,
o Sr. Warrington conseguiu obter uma das raras máquinas Abrams
chamadas “ osciloclastos” . Amarravam-se placas nas partes afetadas
(pulmão esquerdo, rins e baço) e ligavam-se fios da máquina às placas,
e Nitya precisava ficar sentado por horas a fio, todos os dias, submetido
ao tratamento tedioso mas completamente indolor. O conteúdo da
caixa era um segredo muito bem guardado; quando ligado, fazia o
ruído de um relógio barulhento mas não produzia sensação alguma no
paciente. O método de tratamento consistia em mandar ondas elétricas
através das partes afetadas, que vibravam no mesmo ritmo da moléstia.
Albert Abrams (1863-1925) nascera em São Francisco, de pais
muito ricos. Longe de ser um charlatão, possuía as mais altas habi­
litações médicas. Para Sir James Barr, distinto médico escocês, Adams
era um gênio nascido antes do tempo. Upton Sinclair, que acreditava
muito em Adams, escreveu: “ Onde quer que estejais, ó vós que estais
sofrendo, segui o meu conselho, procurai descobrir o novo trabalho
e ajudai a torná-lo conhecido do mundo inteiro.” Fazia-se a diagnose
percutindo o torso de um jovem sadio eletricamente ligado, de uma
forma complicada, ao sangue do paciente.
Duas semanas e meia depois, uma amostra do sangue de Nitya foi
novamente mandada ao Dr. Strong para ser testada; segundo o relató­
rio deste último, os germes da tuberculose e da sífilis já haviam desa­
parecido do corpo; apesar disso, Nitya deveria continuar o tratamento
por quarenta e cinco minutos diários e tomar grande cuidado consigo
mesmo. Krishna contou a Lady Emily que, pela primeira vez desde que
contraíra a moléstia, Nitya perdera o gosto do seu escarro.
Krishna, que agora acreditava piamente na máquina, enviou uma
amostra do próprio sangue e ficou sabendo que tinha um pouco de
câncer nos intestinos e no pulmão esquerdo, e sífilis no baço e no
nariz. “ É engraçado esse negócio a respeito do meu nariz, não é ? ”
escreveu ele a Lady Emily. “ Lembra-se de que ele costumava aborrecer-
-me e os médicos não conseguiam atinar com o que e ra ? . . . Está claro
que não escrevi a ninguém sobre o meu diagnóstico e o de Nitya;
isso provocaria, sem dúvida, um tremendo alvoroço.” Ele se referia,
naturalmente, ao diagnóstico da sífilis. Ao contar à Sra. Besant e a
Leadbeater o diagnóstico do Dr. Strong e o tratamento de Nitya por
meio da máquina Abrams, Krishna falou em tudo, menos em sífilis.
Ele também começara a tratar-se com o “ osciloclasto” e logo depois
pôde escrever a Lady Emily que seu nariz estava muito melhor.

156
18
O PONTO DECISIVO

Não há dúvida de que Krishna fora grandemente influenciado pela


mensagem de Mestre Kuthumi “ trazida” antes da sua partida de
Sydney. No dia 12 de agosto, umas cinco semanas após a sua chegada
a Ojai, escreveu a Lady Emily:
Tenho meditado todas as manhãs durante meia hora ou 35 minutos.
Medito das 6:45 às 7:20. Estou começando a concentrar-me melhor ainda
que seja por algum tempo, e volto a meditar por uns 10 minutos antes
de dormir. Tudo isso a está surpreendendo, não está? Vou recuperar meu
antigo contato com os Mestres. Afinal de contas, essa é a única coisa que
tem importância na vida. Nada mais tem. A princípio foi difícil meditar
ou concentrar-me, e se bem eu o esteja fazendo apenas por uma semana,
sinto-me agradavelmente surpreendido.

Cinco dias depois de ter escrito essa carta passou ele por uma
experiência que lhe modificou a vida, embora decorressem ainda algu­
mas semanas até que outras pessoas fora de Ojai soubessem o que
acontecera. Tanto Nitya quanto Krishna escreveram relatos da expe­
riência, começada no dia 17 de agosto. O de Nitya foi escrito para
a Sra. Besant e Leadbeater duas semanas depois do sucedido:
Nossa casa está situada num longo e estreito vale de pomares de
abricoteiros e laranjais, e o sol quente brilha dia após dia para lembrar­
mos de Adyar mas, ao entardecer, vem o ar frio da cadeia de montanhas
que se erguem de cada lado. Muito além da extremidade inferior do
vale corre a longa e perfeita estrada de Seattle, em Washington, a San
Diego, no Sul da Califórnia, numa extensão aproximada de três mil e
duzentos quilômetros, com um fluir incessante de tráfego barulhento.
Apesar disso, nosso vale jaz felizmente desconhecido e esquecido, pois a
estrada que o penetra não tem saída. Os índios norte-americanos cha­
mavam-lhe o Ojai, isto é, o ninho, e durante séculos devem tê-lo procurado
como refúgio.

157
Nosso chalé fica na extremidade superior e ninguém mais vive aqui
por perto, a não ser o Sr. Warrington, que tem um chalé só para si a
umas poucas centenas de metros; e Krishna, o Sr. Warrington e eu aqui
estamos há quase oito semanas, descansando e recuperando a saúde. O
Sr. Walton, vigário-geral da Igreja Católica Liberal dos Estados Unidos,
que também tem uma casa no vale, vem visitar-nos de vez em quando
e Rosalind, uma moça norte-americana, demora-se uma ou duas semanas
aqui por perto e passa o seu tempo conosco. Há umas duas semanas
aconteceu este incidente que deseja descrever-lhes, quando nós cinco está­
vamos reunidos aqui.
Os senhores poderão dizer-nos, se quiserem, o verdadeiro sentido do
que aconteceu e a sua exata importância, mas aqui parecemos haver sido
transportados a um mundo em que os Deuses tornavam a caminhar entre
os homens por um curto espaço de tempo, deixando-nos a todos tão mu­
dados que agora a nossa bússola encontrou sua estrela-guia. Creio não
exagerar quando digo que todas as nossas vidas foram profundamente
afetadas pelo que aconteceu.
O próprio Krishna, para falar verdade, deveria relatar a seqüência dos
acontecimentos, visto que nós outros fomos meros espectadores, dispostos
a ajudar quando necessário; entretanto, ele não se lembra de todos os
pormenores, pois esteve fora do seu corpo grande parte do tempo, e tudo
permanece claro em nossa memória, pois nós o observamos sempre com
muito cuidado, persuadidos de que o seu corpo nos fora parcialmente
confiado. O Sr. Warrington não está passando bem de saúde, e eu ainda
não tenho permissão para movimentar-me em demasia, de modo que coube
a Rosalind a boa fortuna de cuidar de Krishna, e creio que ela já recebeu
a sua recompensa [ao ser submetida à provação].
Ao entardecer de quinta-feira, dia dezessete, Krishna sentiu-se meio
cansado e nós notamos, no centro da sua nuca, uma excrescência dolorosa
do que parecia ser um músculo contraído, mais ou menos do tamanho de
uma bola de gude. Na manhã seguinte ele parecia bem disposto, até
depois do desjejum, quando se deitou para descansar. Rosalind e eu está­
vamos sentados fora, e o Sr. Warrington e Krishna dentro de casa.
Rosalind entrou a chamado do Sr. Warrington e encontrou Krishna apa­
rentemente muito mal, deitado na cama, agitado e gemendo, como se
estivesse sofrendo muito. Ela sentou-se ao seu lado e tentou descobrir
o que acontecera, mas Krishna não pôde dar-lhe uma resposta clara. Re­
começou a gemer e foi sacudido por um acesso de tremores e arrepios.
Cerrava os dentes e apertava as mãos com força para atalhar os tremores;
era exatamente o comportamento de um doente de maleita, com a dife­
rença de que Krishna se queixava de um calor terrível. Rosalind man­
tinha-o quieto por algum tempo, mas ele tornava a ser presa de tremores
e arrepios, como se estivesse com sezões. Depois empurrava-a, afastando-a
de si e queixando-se de muito calor, com os olhos cheios de estranha
inconsciência. Rosalind tornava a sentar-se ao pé dele e ele se aquietava
de novo, quando ela lhe segurava as mãos e apaziguava-o, como faz a mãe
com o filho. Sentado na extremidade oposta do quarto, o Sr. Warrington
compreendeu, como depois me contou, que algum processo se estava reali­
zando no corpo de Krishna, em resultado de influências dirigidas desde
planos diferentes do plano físico. A pobre Rosalind, a princípio muito
aflita, erguia os olhos indagadores e o Sr. Warrington lhe assegurava que
tudo acabaria bem. Durante a manhã, no entanto, as coisas pioraram, t

158
quando me sentei ao lado dele, Krishna tornou a queixar-se do caior,
e disse que todos estávamos muito nervosos e o cansávamos; e de poucos
em poucos minutos, erguia-se subitamente na cama, empurrava-nos e reco­
meçava a tremer. Tudo isso ainda semiconsciente, pois falava em Adyar e
nas pessoas de lá como se estivessem presentes; em seguida, tornava a
jazer sossegado por algum tempo até que o agitar-se de uma cortina, o
bater de uma janela, ou o som de um arado distante no campo voltava
a despertá-lo e ele gemia outra vez, pedindo silêncio e sossego. Persis­
tentemente, de poucos em poucos minutos, afastava Rosalind de si quando
começava a sentir-se acalorado, e logo a queria outra vez à sua beira.
Sentei-me perto, mas não muito. Fazíamos o possível para manter a
casa em silêncio e no escuro, mas leves sons que mal se notam são
inevitáveis. E Krishna ficara tão sensível que o menor tinido lhe deixava
os nervos em petição de miséria.
Mais tarde, à hora do almoço, acalmou-se e pareceu bem disposto e
plenamente consciente. Rosalind levou-lhe a comida, que ele comeu, e,
enquanto todos acabávamos a refeição, permaneceu quieto. Dali a poucos
minutos, no entanto, recomeçou a gemer e, logo depois, coitado, não pôde
reter o alimento que havia ingerido. E assim se passou toda a tarde;
Krishna tremia, gemia, inquieto, semiconsciente e como que presa de
um sofrimento agudo. Curiosamente, quando chegava o momento das
nossas refeições, ainda que ele mesmo não comesse nada, ficava tran-
qüilo e Rosalind podia deixá-lo o tempo suficiente para alimentar-se. À
hora de deitar-se, também se mostrou calmo e dormiu toda a noite.
No dia seguinte, sábado, reiniciou-se a coisa depois que ele tomou
banho, mas de uma forma ainda mais aguda, e Krishna parecia menos
consciente do que na véspera. E durou o dia inteiro, com intervalos regu­
lares, em que ele descansava e pedia a Rosalind que fizesse suas refeições.
Domingo, porém, foi o pior dia e domingo assistimos ao glorioso
clímax. Nos três dias anteriores tínhamos tentado manter nossas mentes
e emoções imperturbadas e pacíficas, e Rosalind passou-os ao lado de
Krishna, pronta quando ele a queria e deixando-o quando ele assim o
desejava. Era realmente belo vê-la com ele, observar o modo com que
ela derramava o seu amor desinteressado e de forma absolutamente im­
pessoal. Antes mesmo que tudo isso acontecesse tínhamos notado essa
grande característica nela e, se bem duvidássemos então de que uma
mulher devesse estar por perto num momento como aquele, os aconte­
cimentos finais deram a entender que ela talvez houvesse sido levada
especialmente para lá a fim de ajudar Krishna e todos nós. Posto que
tivesse apenas dezenove anos e soubesse pouca coisa de Teosofia, ela
representou o papel de uma grande mãe nesses três dias.
No domingo, como eu disse, Krishna deu a impressão de estar muito
pior. Parecia sofrer muito, os tremores e o calor se diriam intensificados e
sua consciência mais e mais intermitente. Quando supúnhamos que ele
estivesse controlando o próprio corpo, só falava em Adyar, em A .B ., nos
membros da Ordem da Púrpura e imaginava-se constantemente em Adyar.
Em seguida dizia: “ Quero ir para a índia! Por que me trouxeram para
cá? Não sei onde estou”, e repetia muitas, muitas e muitas vezes: “ Não
sei onde estou.” Quando alguém se movia dentro de casa ele quase
pulava da cama e todas as vezes que desejávamos entrar em seu quarto
precisávamos avisá-lo antes. Lá pelas seis horas da tarde, porém, enquanto
fazíamos nossa refeição vespertina, ele se aquietou Depois, de súbito, a
casa pareceu cheia de uma força terrífica e Krishna ficou como que pos­
sesso. Não quis que nenhum de nós permanecesse perto dele e entrou a
queixar-se amargamente da sujeira, da sujeira da cama, da intolerável
sujeira da casa, da sujeira de todos à sua volta e, com voz carregada
de sofrimento, disse que ansiava ir para as matas. Agora soluçava alto,
não nos atrevíamos a tocá-lo e não sabíamos o que fazer; ele saltara da
cama e sentara-se num canto escuro do quarto, no chão, dizendo, entre
soluços, que queria ir para as matas, na fndia. De repente, anunciou
sua intenção de sair sozinho para um passeio, mas disso conseguimos
dissuadi-lo, pois não acreditávamos que ele estivesse em condições de
realizar ambulações noturnas. Depois, como ele expressasse um desejo de
solidão, deixamo-lo e fomos para a varanda, lá fora, onde, dali a pouco,
ele veio ter conosco, trazendo um travesseiro na mão e sentando-se o
mais longe possível de nós. Tivera energia e consciência suficientes
para chegar à varanda mas, assim que chegou, tornou a desaparecer de
nós e seu corpo, murmurando incoerências, ali se quedou sentado.
Formávamos um estranho grupo naquela varanda; Rosalind e eu
sentados em cadeiras, o Sr. Warrington e o Sr. Walton, à nossa frente,
sentados num banco, e Krishna à direita, a poucos metros de distância.
O sol pusera-se uma hora antes e nós contemplávamos as montanhas dis­
tantes, purpurinas contra o céu pálido no crepúsculo que se adensava,
falando pouco e sentindo, cada vez mais, a iminência de um clímax; todos
os nossos pensamentos e emoções estavam tensos com uma expectativa
estranhamente pacífica de algum grande acontecimento.
Nisso, o Sr. Warrington teve uma inspiração mandada do céu. Diante
da casa, a poucos metros de distância ergue-se uma jovem aroeira-mole,
com folhas delicadas de um verde tenro, agora pesada de olorosas flores­
cências, e que é o dia todo a “ múrmura guarida de abelhas” , pequenos
canários e brilhantes passarinhos ativos. Ele instou gentilmente com
Krishna que fosse sentar-se debaixo da árvore. Krishna, a princípio, não
quis mas, pouco depois, para lá se dirigiu espontaneamente.
Estávamos agora numa escuridão pontilhada de estrelas e Krishna
se sentara sob um dossel de folhas delicadas, negras, contra o céu. Ainda
estava murmurando inconscientemente mas, dali a pouco, ouvimos um
suspiro de alívio e ele nos interpelou: “ Por que vocês não me mandaram
antes para cá?” Seguiu-se breve silêncio.
E ele se pôs a cantar. Fazia quase três dias que nada lhe passava
pelos lábios e seu corpo estava totalmente exausto mercê do esforço
intenso, mas foi uma voz calma e cansada que salmodiou a mantra cantada
todas as noites em Adyar na Sala do Relicário. Depois, silêncio.
Muito tempo atrás, em Taormina, Krishna olhara com olhos medita­
tivos para uma bela imagem do nosso Senhor Gautama em trajes de men­
dicante, e nós sentimos, por um momento de bem-aventurança, a divina
presença do Grande Ente, que se dignara mandar um pensamento. E
novamente nessa noite, quando Krishna, sob a jovem aroeira-mole, termi­
nava seu canto de adoração, pensei no Tatagata [o Buda] debaixo da
árvore Bo, e mais uma vez senti difundir-se pelo vale pacífico uma onda
daquele esplendor, como se mais uma vez Ele houvesse deixado cair uma
bênção sobre Krishna.

160
Quedamo-nos sentados com os olhos fitos na árvore, perguntando
a nós mesmos se tudo estaria bem, pois agora reinava um silêncio perfeito
e, enquanto olhávamos, vi, de inopino, por um momento, uma grande
Estrela brilhando acima da árvore, e compreendi que <> corpo cie Krishna
estava sendo preparado para o Grande Ente. Inclinei-me do outro lado e
chamei a atenção do Sr. Warrington para a Estrela.
O lugar parecia ter-se enchido de uma Grande Presença e senti o
desejo ardente de cair de joelhos e adorar, pois conheci que o Grande
Senhor de todos os nossos corações estava lá; e se bem não O víssemos,
sentíamos o esplendor da Sua presença. Nesse momento os olhos de
Rosalind se abriram e ela viu.O seu rosto alterou-se como nunca vi
um rosto alterar-se, pois lhe foi concedida a bênção de ver com olhos
físicos as glórias daquela noite. Tinha o rosto transfigurado quando nos
perguntou: “ Vocês O estão vendo, vocês O estão vendo?” pois via o
divino Bodisatva [o Senhor Maitreya], e milhões esperam encarnações para
conseguir um vislumbre assim de nosso Senhor, mas os seus olhos eram
olhos de inocência e ela O servira fielmente. E nós, que não podíamos
ver, vimos os Esplendores da noite espelhados no seu rosto pálido e
extático à luz das estrelas. Nunca me esquecerei a expressão da sua fisio­
nomia, pois dali a pouco, eu, que não podia ver mas exultava na presença
de nosso Senhor, senti que Ele se voltava para nós e dizia algumas
palavras a Rosalind, cujo rosto brilhou com êxtase divino enquanto ela
respondia: “ Eu o farei, eu o farei.” E pronunciava as palavras como uma
promessa feita com esplêndida alegria. Jamais me esquecerei do seu sem­
blante quando olhei para ela; até eu tive quase a bênção de uma visão.
O rosto mostrava o enlevo do coração, pois a parte mais íntima do seu
ser estava inflamada com a presença d’Ele, mas os olhos viram. E silcn-
ciosamente orei para que Ele pudesse aceitar-mc como Seu servo e todos
os nossos corações se encheram dessa prece. Na distância todos ouvimos
uma música divina tocada suavemente, embora estivessem ocultos de nós
os Gandarvas [Anjos cósmicos, encarregados de executar a música das
esferas].
O resplendor e a glória dos muitos Seres presentes duraram quase
meia hora e Rosalind, tremendo e soluçando de alegria, viu tudo. “ Olhem,
estão vendo?” perguntava amiúde. Ou então: “ Vocês estão ouvindo a
música?” Pouco depois ouvimos os passos de Krishna, vimos sua figura
branca destacar-se da escuridão, e tudo se acabou. E Rosalind bradou:
“ Oh! ele vem vindo; vão pegá-lo, vão pegá-lo” , e caiu na cadeira quase
desmaiada. Quando tornou em si, infelizmente, não se lembrava de nada,
nada. Tudo se fora da sua memória, exceto o som da música que ainda
lhe soava aos ouvidos.
No dia seguinte, mais uma vez, houve uma recorrência dos tremores e
da consciência semidesperta de Krishna, posto que agora só durasse poucos
minutos e os intervalos fossem longos. Durante o dia todo ele permaneceu
debaixo da árvore em samádi i e, ao entardecer, enquanto se entregava à
meditação como na noite anterior, Rosalind tornou a ver três figuras

1. Palavra sânscrita, aqui usada provavelmente para designar um estado


de transe. Uma definição simples é a seguinte: “ O excelente processo do Samádi
destrói a morte, conduz à felicidade eterna e confere a suprema Bem-aventurança
do Brâmane [Realidade].”

161
à sua volta, que logo se afastaram, levando-o consigo e deixando-lhe o
corpo no mesmo lugar. Desde então, às primeiras horas da noite, ele
se senta para meditar debaixo da árvore.
Descrevi o que vi e ouvi, mas não falei no efeito causado pelo inci­
dente em todos nós, pois creio que levará tempo, pelo menos no meu
caso, para compreender plenamente toda a glória que tivemos o privilégio
de testemunhar, embora eu sinta agora que a vida só pode ser vivida de
um jeito, a serviço do Senhor.

Segue-se o relato do próprio Krishna. Foi mandado ao mesmo


tempo que o de Nitya, mas ele só escreveu a última parte dois dias
após os acontecimentos descritos:
Desde que deixei a Austrália pensei na mensagem que o Mestre
K .H . me enviou enquanto estive lá e deliberei sobre ela. Eu queria, natu­
ralmente, cumprir essas ordens o mais depressa que pudesse e, até certo
ponto, não tinha muita certeza quanto ao melhor método de alcançar os
ideais que me haviam sido propostos. Não creio que se passasse um dia
sem que eu pensasse um pouco sobre isso, mas envergonho-me de dizer
que tudo se fez da maneira mais casual e com certa negligência.
Mas a mensagem do Mestre nunca deixou de morar no fundo da
minha mente.
Pois bem, desde o dia 3 de agosto comecei a meditar, regularmente,
por trinta minutos, todas as manhãs. Para meu espanto, constatei que
eu era capaz de concentrar-me com muita facilidade e, dali a poucos dias,
principiei a ver claramente onde falhara e onde estava falhando. Sem
perda de tempo, conscientemente, pus-me a anular todas as acumulações
erradas dos anos passados. Com a mesma deliberação entrei a procurar
modos e meios de atingir meu objetivo. Primeiro que tudo, compreendi
que eu tinha de harmonizar todos os meus outros corpos com o plano
búdico [o plano mais elevado da consciência] e, para produzir essa feliz
combinação, tinha de descobrir o que meu ego desejava no plano búdico.
A fim de harmonizar os vários corpos eu precisava mantê-los vibrando no
mesmo ritmo do búdico e, para consegui-lo, tinha de averiguar qual era
o interesse vital do búdico. Com uma facilidade que me espantou, veri­
fiquei que o principal interesse nesse plano elevado era servir o Senhor
Maitreya e os Mestres. Com essa idéia clara em minha mente física,
cumpria-me dirigir e controlar os outros corpos para agirem e pensarem
como no nobre plano espiritual. Nesse período de menos de três semanas,
concentrei-me para reter na mente a imagem do Senhor Maitreya durante
o dia inteiro, e não me foi difícil fazê-lo. Descobri que eu estava ficando
mais calmo e mais sereno. Todo o meu modo de ver a vida se modificou.
Depois, no dia 17 de agosto, senti uma dor aguda na nuca e precisei
reduzir minha meditação para quinze minutos. Em lugar de melhorar,
como eu esperava, a dor piorou. O clímax foi atingido no dia 19. Eu
não podia pensar, nem fazer o que quer que fosse, e meus amigos obri­
garam-me a ir para a cama. Em seguida fiquei quase inconsciente, embora
me advertisse muito bem de tudo o que estava acontecendo à minha volta.
Eu tornava em mim mais ou menos às doze horas, todos os dias. No pri­
meiro em que me vi nesse estado, e mais consciente das coisas à minha
volta, tive a primeira experiência extraordinária. Havia um homem con-

162
sertando a estrada; esse homem era eu; a picareta que ele segurava era eu;
a própria pedra que ele estava quebrando era uma parte de mim; a tenra
haste de relva era o meu ser, a árvore ao lado do homem era eu mesmo.
Eu quase pocia sentir e pensar como o homem que consertava a estrada,
podia sentir o vento que passava pela árvore, e também podia sentir a for-
miguinha na haste de relva. Os pássaros, a poeira e o próprio ruído
eram uma parte de mim. Nesse momento, um carro passava a alguma dis­
tância; eu era o motorista, o motor e os pneumáticos; à medida que o
carro se distanciava de mim, eu saía de mim mesmo. Eu estava em
tudo, ou melhor, tudo estava em mim, inanimado e animado, a montanha,
o verme e todas as coisas que respiram. Durante o dia permaneci nesse
estado feliz. Não podia comer nada e, mais uma vez, por volta das seis
horas, principiei a perder meu corpo físico e, naturalmente, o elemental1
físico fez o que bem entendia; eu estava semiconsciente.
A manhã do dia seguinte (dia 20) foi quase igual à do dia anterior,
e não me era possível tolerar a presença de muita gente no quarto. Eu
sentia as pessoas de forma curiosa e suas vibrações me davam nos nervos.
Nesse entardecer, mais ou menos à mesma hora, ou seja, às seis da tarde,
senti-me pior do que nunca. Eu não queria ninguém perto de mim nem
queria que ninguém me tocasse. Eu estava extremamente cansado e fraco.
Creio que chorava de exaustão e por falta de domínio. Minha cabeça ficou
péssima e seu coruto dava a impressão de estar sendo atravessado por
uma infinidade de agulhas. Enquanto eu me achava nesse estado, senti
que a cama em que me deitava, a mesma em que estivera deitado na
véspera, estava suja e nojenta além do que permitia a imaginação e não
pude continuar deitado nela. De repente me vi sentado no chão e Nttya
e Rosalind me pediam que voltasse para a cama. Pedi-lhes que não me
tocassem e gritei que a cama não estava limpa. Continuei assim por algum
tempo até que finalmente fui para a varanda e ali me sentei por alguns
momentos, exausto, mas um pouco mais calmo. Principiei a recobrar cons­
ciência e, por fim, o Sr. Warrington me pediu para ir ficar debaixo da
aroeira-mole, que se ergue perto da casa. Ali me sentei com as pernas
cruzadas, na postura da meditação. Depois de ficar assim por algum
tempo, senti que eu saía do meu corpo. Vi-o sentado, debaixo das deli­
cadas folhas da árvore. Eu tinha os olhos voltados para o Leste. Diante
de mim estava meu corpo e sobre minha cabeça, a Estrela, brilhante e
clara. A seguir, percebi as vibrações do Senhor Buda; vi o Senhor Maitreya
e Mestre K .H . Eu me sentia profundamente feliz, calmo e pacificado.
Ainda via meu corpo e pairava perto dele. Havia uma calma profunda,
assim no ar como dentro em mim mesmo, a calma de um lago fundo e
insondável. Como o lago, senti que o meu corpo físico, com sua mente .
e suas emoções, poderia encrespar-se à superfície, mas nada, nada de nada
perturbaria a serenidade de minha alma. A Presença dos poderosos Entes
esteve comigo por algum tempo e depois Eles se foram. Eu me sentia
supremamente feliz, pois vira. Nada mais viria a ser o mesmo. Bebi
das águas claras e puras da fonte da vida e minha sede se aplacou. Nunca
mais eu teria sede, nunca mais me veria na escuridão absoluta. Eu vi a
a Luz. Eu toquei a compaixão que cura toda a tristeza e todo o sofri-

1. A parte do corpo que lhe controla os atos instintivos e puramente físicos


quando a consciência superior se retira. Está numa fase baixa de evolução e
necessita de orientação.

163
mento; não para mim, mas para o mundo. Estive em pé no topo da
montanha e olhei para os Entes poderosos. Nunca estarei na treva total;
vi a Luz gloriosa e curativa. A fonte da Verdade me foi revelada e a
treva, dissipada. O amor em toda a sua glória embriagou-me o coração;
bebi na fonte da Alegria e da Beleza eterna. Estou bêbedo de Deus.

O Sr. Wanington também escreveu um relato da experiência, em


que declarou haver lido os relatos de Krishna e Nitya e poder confir­
mar-lhes a veracidade. Acrescentou apenas um pormenor de interesse
— sabia que a cama estava limpa porque ajudara a fazê-la pessoalmente
a fazê-la com “ roupas tiradas do armário de roupas brancas, naquela
tarde” .
No dia 2 de setembro Krishna escrevia cartas para a Sra. Besant,
Leadbeater e Lady Emily. A Leadbeater escreveu;
Mandei-lhe há algum tempo um telegrama pedindo-lhe para confirmar
minhas impressões de que Lady Emily foi aceita na noite de 12 de agosto.
Como não tive resposta, presumo que ela não foi aceita. Sinto muito.
Estou-lhe mandando fotografias de Helen Knothe e Rosalind Williams.
Conversamos sobre Helen quando estive na Austrália e tenho certeza de
que ela trabalhará para os Mestres. Além disso, você me disse uma vez
que ela era Piet Meuleman. i Escreva-me, por favor, a esse respeito, visto
que ela me interessa muitíssimo. (Quase me apaixonei por ela quando
a vi na H olanda!!!)
A Srta. Williams tem 19 anos, é uma moça norte-americana muito
simpática e, na noite do dia 21 de agosto, tive a impressão de que ela foi
submetida à provação. Diga-me, por favor, se foi ou não.
Nitya está escrevendo com alguns pormenores a extraordinária expe­
riência por que passei na noite do dia 20 de agosto, e o modo com que
os dois dias anteriores conduziram a ela. Estou enviando a você, à Sra.
Besant e a Raja uma cópia para cada um. Como você está farto de saber,
não tenho sido o que se chama “ feliz” por muitos anos; tudo o que eu
tocava me trazia descontentamento; minha condição mental, meu queridís­
simo Irmão, tem sido deplorável. Eu não sabia o que queria nem me
preocupava em sabê-lo; tudo me • enfadava depois de pouco tempo e,
na verdade, eu não me encontrava. Pelo que Nitya escreveu e pelo que
acrescentei às palavras dele, verá que mudei consideravelmente em relação
ao que eu era quando estive na Austrália. Naturalmente tenho refletido
clara e deliberadamente acerca da mensagem que Mestre K .H . me mandou
durante minha estada na Austrália. Eu começara a meditar regularmente
todas as manhãs, por meia hora. Depois de alguns dias de meditação,
principiei a ver com clareza onde falhara e onde estava falhando e comecei
a destruir consciente e deliberadamente as acumulações erradas dos anos
passados desde que tive a desventura de deixá-lo. Deixe-me aqui reco­
nhecer envergonhado que meus sentimentos por você não eram o que

1. Sra. Petronella Catharina Meuleman-van Ginkel (1841-1902). Iniciou


a S .T . na Holanda em 1891. Helen nasceu em 1904.

164
deviam ter sido. Agora são inteiramente diferentes, e creio que o amo
e respeito como pouca gente o faz. Ò amor que eu lhe consagrava quando
nos encontramos pela primeira vez em Adyar voltou trazendo consigo o
amor do passado. Não imagine, por favor, que estou escrevendo simples
banalidades e frases batidas. Eles não são uma coisa nem outra e você,
irmão muito querido, me conhece melhor do que eu mesmo. Eu quisera,
de todo o coração, poder vê-lo neste momento.
Depois do dia 20 de agosto sei o que quero fazer e o que me espera
— nada mais do que servir os Mestres e o Senhor. A partir dessa data
me tornei muito mais sensível e ligeiramente clarividente, visto que o vi
em companhia da presidenta, na outra noite, enquanto eu estava sentado
ao luar. Fazia mais de sete anos que uma coisa dessas não me acontecia.
Nos últimos sete anos, com efeito, tenho estado espiritualmente cego, tenho
estado metido numa masmorra, sem luz, sem ar fresco. Agora sinto que
estou ao sol, com a energia de muitos, não física senão mental e emocional.
Sinto-me novamente em contato com o Senhor Maitreya e o Mestre e não
há mais nada que fazer senão servi-l’Os. Toda a minha vida, agora, no
plano físico, é conscientemente dedicada ao trabalho e não é provável que
eu mude.
Diga-me, por favor, sem reservas, o que pensa de tudo o que escrevi
e senti.

Sua carta à Sra. Besant foi mais ou menos uma repetição da


anterior. Escrevendo a Lady Emily, ele expressou seus sentimentos
com maior intimidade:
Faz mais de quinze dias que não lhe escrevo uma carta comprida;
sinto muito, mas não pude evitá-lo, como você verá quando eu continuar
explicando. Estive doente, mas como você depreenderá do que mandei
à Sr ta. Dodge, não estive exatamente doente. Creio que tive a felicidade
de retornar à consciência do Mestre e ao meu velho contacto com o
Senhor Maitreya. Enviei meu depoimento escrito à Srta. Dodge, em pri­
meiro lugar porque aqui não podemos obter muitas cópias e porque eu
também queria que ela o recebesse, pois não está passando bem e isso
talvez a alegre e ajude. Eu sabia que você não se zangaria se eu o man­
dasse a ela, e espero que não se zangue! Vou escrever a ela e pedir-lhe
que o entregue depois a você. Creio que será melhor que um de vocês
a leia quando estiverem todos juntos. Escreverei à Srta. Dodge nesse
sentido. Por esse depoimento você verá que estou “ mudado” e que minha
felicidade transcende a felicidade humana. Sinto e vivo em estado de •
exaltação, que não é a exaltação do orgulho. Nitya e o Sr. Warrington
escreveram também o seu relato e eu escrevi o meu desajudado. Sobretudo
a última parte foi escrita dois dias depois do evento e quando eu ainda
me achava em estado de exaltação e adoração. Continuo a sentir-me assim
quando penso no caso. Tudo o que escrevi é absolutamente genuíno e
profundo. Nunca mais serei o mesmo. Não vou deixar de amá-la, mãe
querida, nunca, mas minha atitude em relação à vida modificou-se; ela
não me reserva mais nada além do trabalho. Possuo, decerto, mais
energia mental e emocional, mas ainda não possuo a energia física, que
virá a seu tempo. Sinto-me como se estivesse sentado no topo de uma
montanha em atitude de adoração e que o Senhor Maitreya está perto de

165
mim, Sinto como se caminhasse sobre o ar delicado e fragrante. O hori­
zonte de minha vida é claro e a linha do céu é bela e precisa.
Portanto, mãe, você está vendo que mudei e com essa mudança
em mim mudarei a vida dos meus amigos. Quero que eles escalem a
mesma montanha e dali contemplem as glórias dos Grandes Entes. ..
Quero que você esteja lá em cima com igo... ajudarei o mundo inteiro
a subir a um plano um pouco mais elevado do que o seu plano atual
e você, mãe, precisa ajudar-me e, para ajudar, precisa ter escalado de
modo que possa dirigir as pessoas ao longo do caminho. Você precisa
mudar, mudar com deliberação e com um propósito firmado. . . Não
pense, por favor, que estou pregando para você mas, tendo mudado e
julgado haver-me encontrado, quero ajudá-la a compreender o seu próprio
ego e a crescer. Você precisa ser grande, pois não há mais nada para
fazer no mundo além de palmilhar a Senda gloriosa e sagrada e, mãe
querida, eu vou ajudá-la. Não há nada mais para fazer senão vir a
ser como Eles em todas as coisas e segui-POs e servi-POs servindo o
mundo. Você não sabe o quanto mudei, toda a minha natureza interior
vibra de energia e pensamento e estou certo de que o meu ego já foi
destruído. Estou ligeiramente clarividente.
E quando receber, afinal, o manuscrito da minha experiência, o que
Nitya, o Sr. Warrington e eu escrevemos, será capaz de me arranjar 4
cópias dele?.. . Não quero saber de falatórios a respeito e, além disso,
pouquíssimas pessoas devem conhecê-lo. Tenha muito cuidado na escolha
do datilógrafo. Você não conhece ninguém totalmente merecedor de con­
fiança? Quero que as mande, com as seguintes recomendações, “ Absoluta­
mente Particular. Não mostre a ninguém” , a: — Cordes, Ruspoli, à Sra.
Blech e à Srta. Dijkgraaf. Espero que não se incomode e escolha uma
pessoa realmente digna de confiança. Por favor, seja cuidadosa. Deixo-o
ao seu critério.

Numa carta subseqüente que lhe escreveu, ele disse a Lady Emily
que não estava mandando uma cópia a Helen porque não cria que
ela viesse a compreender o que acontecera mas, como ela estaria na
Holanda, a Srta. Dijkraaf poderia ler-lhe o relato.
Lady Emily pediu a Rajagopal que datilografasse o manuscrito.
Ao remeter uma cópia para Ruspoli, escreveu-lhe:
Espero que a leitura o faça tão feliz quanto me fez a mim. Conhe­
cendo K. e sua absoluta sinceridade é ainda mais surpreendente... Para
você e para mim que vimos como K. tem sido infeliz — não é maravilhoso
imaginá-lo feliz e em paz — depois de haver-se encontrado? Isso modi­
ficou, sem dúvida, toda a corrente da vida para mim e espero que a
modifique para você também.

Nitya também sentia que sua vida se alterara. Como escreveu


a Leadbeater no dia l.° de setembro: “ Receio não ter sido de muita
ajuda para Krishna como deveria ter sido; é provável até que eu
tenha sido um estorvo, mas hei de ajudá-lo em tudo o que puder de

166
agora em diante. . . Se puder dizer-me como poderei ajudar Krishna,
não se esqueça de que lhe ficarei muito grato.” E Nitya escreveu à
Sra. Besant: “ O mundo inteiro mudou tanto para mim depois que
essas coisas aconteceram, que me sinto como uma bolha que de repente
se solidificasse, e a vida se tornou simples, graças a Deus. Tenho a
impressão de não ter realmente vivido até agora, e agora eu não
poderia viver sem servir o Senhor.’’
Leadbeater não tinha dúvida de que a experiência de Krishna
era a passagem da terceira Iniciação mas, apesar disso, estava perplexo,
como o demonstra sua carta de 21 de outubro à Sra. Besant:
A esta altura já deve ter recebido cópias dos relatos escritos por
Krishna e Nitya da maravilhosa experiência por que passou o primeiro.
Foi realmente maravilhosa e bela, embora eu a preferisse desacompanhada
de tantos padecimentos físicos. Eu gostaria muito de ouvir o seu comen­
tário sobre tudo isso. Nós mesmos passamos por experiências muito
semelhantes, mas com uma diferença: no meu caso, pelo menos, nunca
se registrou nenhum desses terríveis sintomas físicos, ficando o corpo
quase sempre descansando pacificamente numa situação de transe, ou ple­
namente desperto e participando do que estava acontecendo, mas sem
nenhuma dor e nenhum sofrimento.

Por mais estranho que pareça, só dali a um mês Leadbeater


escreveu ao próprio Krishna. Teria ele esperado ouvir a opinião da
Sra. Besant para escrever? No dia 14 de novembro, de uma casa cha­
mada O Solar, em Mosman, subúrbio de Sydney, onde passara a morar,
compôs esta carta:
Meu caro Krishna,
Congratulo-me com você de todo o coração. O passo que deu é de
extrema importância, e torna certo (na medida em que simples seres
humanos podemos ter certeza de alguma coisa!) que também dará o
próximo antes que se passem muitos anos. Compreendo toda a felicidade
que sente, a certeza, o maravilhoso acréscimo de amor e de energia.
Pois ela e eu passamos por tudo isso — embora eu não sofresse fisica­
mente tanto quanto você parece ter sofrido. Creio que ela sofreu, mas
falou muito pouco a esse respeito. Comparado com o modo com que o
processo se desenrola em relação à maioria dos discípulos, as coisas se
passaram com maravilhosa rapidez desde o dia, há catorze anos, em que
nos encontramos pela primeira vez nesta encarnação em Adyar. E me sinto
muito, muito grato por havermos chegado tão longe no caminho sem
nenhum contratempo sério, pois houve uma época em que eu sentia um
pouco de ansiedade, embora soubesse que tudo acabaria bem. Você agora
deverá ser absolutamente firme e inabalável; apesar de tudo, toda a
tradição oculta nos adverte de que ainda há perigos e tentações até o
limiar da Divindade. Digne-se o SENHOR [Maitreya] permitir que Lhe
sejamos sempre fiéis — que nos esqueçamos de tudo em nosso amor
a Ele!

167
Foi uma oportunidade maravilhosa e sem paralelo para Rosahna
Williams estar com você e poder servi-lo nessa ocasião importantíssima, e
não devemos surpreender-nos de que, em resultado disso, ela tenha sido
imediatamente submetida à provação. Possa o seu progresso ser digno
desse início maravilhoso e sublime! Você tinha toda a ra2ão ao supor
que Lady Emily foi aceita. Helen Knothe era um nenezinho quando a
conheci; não sei muita coisa a seu respeito agora, conquanto eu a admi­
rasse muito como Piet Meuleman. . .
Qual será o seu próximo movimento? Está pensando em vir para
cá outra vez? Ficaríamos todos mais do que encantados por vê-lo, e
você sem dúvida nos faria um grande bem — mas o mesmo se poderá
dizer, naturalmente, de todos os outros países do mundo! Envio muito
amor a Nitya e a você e muitas recomendações ao Sr. Warrington.
Sou,
O sempre muito afetuosamente seu,
C. W. Leadbeater

Cerca de um mês antes de haver recebido esta carta, Krishna


soube, por intermédio da Sra. Besant, que ele passara pela terceira
Iniciação mas, nessa ocasião, estava sofrendo um estranho e torturante
processo, que continuaria pelos anos a fora.

168
19
INICIA-SE O PROCESSO

Os amigos e seguidores de Krishnamurti chamam-lhe Krishnaji,


pois o sufixo -ji é um termo de afetuoso respeito na índia. Mas ele
agora sempre se refere a si mesmo na terceira pessoa como K. A
mudança que nele se operou depois da experiência em Ojai foi tão
grande que teria de ser assinalada por alguma nova forma de respeito,
de modo que, depois de consultá-lo, decidimos chamar-lhe K daqui
por diante neste livro.
O estranho processo a que se fez alusão no último capítulo desen­
rolava-se desde aquele domingo, 20 de agosto. K descreveu-o à Sra.
Besant numa carta de 16 de setembro mas forneceu muito maiores
detalhes ao escrever a Lady Emily no dia seguinte:
Faz mais de dez dias que não lhe escrevo... Mas creio que tenho
uma desculpa muito substancial; desde que tive aquela memorável expe­
riência não tenho andado “ bem” . Todas as tardes, por volta das 6:30, fico
semiconsciente; não me alimento mas vou para a cama; isso dura de 6:30 a
7:30 ou 8 e, às vezes, até 8:30. Debato-me, resmungo, gemo e murmuro
coisas estranhas, na realidade quase me comporto como um possesso.
Levanto-me, pensando que alguém está-me chamando e caio no chão; tres­
vario consideravelmente, vejo rostos estranhos e luzes. Durante todo esse
tempo sinto uma dor violenta na cabeça e na nuca e não tolero o contacto
de ninguém. Torno-me também muito sensível, não agüento um único som,
por menor que seja. Sinto-me exausto enquanto a coisa se processa. A
experiência toda, por vezes, é muito aguda e faz-se mister o emprego da
força para sujeitar-me. Outras vezes, porém, é bem suave. Depois que
se acaba, lembro-me de algumas partes da cena que andei criando; em
seguida alimento-me e vou para a cama. Não sei qual é a causa nem para
que é isso; faz quase um mês que dura, ocorrendo praticamente todos
os dias, a não ser quando fui a Los Angeles. Pode ser que eu me torne
clarividente quando tudo isso acabar, ou pode ser apenas que eu esteja
enlouquecendo aos poucos!!! Nos últimos cinco ou seis dias tenho visto
minha mãe morta. Sempre que fecho os olhos, sobretudo ao entardecer,

169
quando Rosalind, que cuida de mim nesse período, está comigo, vejo-a
com muita clareza, chamo-a em voz alta e confundo Rosalind com minha
mãe, que perdi há tanto tempo. Pode ser que ela se utilize de R. ou que
R. seja a reencarnação de minha mãe. Não sei qual das duas hipóteses é
a verdadeira, nem isso tem importância. Enquanto estou nesse estado,
lembro-me de cenas da infância há muito esquecidas: quando eu estava
doente, como costumava descansar no estômago de minha mãe!!, os men­
digos a que dávamos de comer, como ela me acordava todos os dias, a
ida para a escola, etc. Não posso explicar tudo isso, mas vou perguntar
a C .W .L . — isto é, se ele quiser contar-me. De modo que assim passo
as primeiras horas da noite. Nitya estendido numa cadeira lá fora, na
varanda, e Rosalind dentro do quarto para impedir-me de cair.
Aproveito as manhãs para escrever um artigo de natureza um tanto
curiosa. Já escrevi, até agora, 23 páginas, absolutamente desajudado, e não
lhe direi de que se trata, pois você o verá. i

No dia 25 de setembro o processo interrompeu-se temporaria­


mente, como K tinha a certeza de que ele se interromperia, porque
a lua brilhava demasiado; ele acreditava, no entanto, que o processo
recomeçaria assim que a lua minguasse, como de fato recomeçou, mais
doloroso do que nunca, e deixando-o completamente exausto. A cozi­
nheira deles havia-se despedido e Rosalind agora se encarregava da
cozinha, com uma pequena ajuda de K.
Nitya também escreveu a Leadbeater sobre o processo numa carta
de 2 de outubro:
Todos os princípios de noite, das 6:30 às 8, Krishna tem passado a
um estado de semiconsciência, quando o ego parece partir e o elemental
físico tem consciência suficiente para sofrer, falar e até transmitir inteli­
gentemente qualquer bocado de informação que possa ser necessário. Ele
se queixa de uma dor torturante enquanto se acha nesse estado, centrali­
zada sobretudo na espinha; por isso mesmo presumimos que sua kundalini
está sendo despertada.

De acordo com a filosofia iogue, alguns centros de força do corpo


humano são despertados em vários estádios de evolução. Kundalini, às
vezes cognominada Fogo Serpentino, é o centro de força localizado na
base da espinha. Um viver correto, pensamentos elevados e atividade
altruísta, diz-se, são condições essenciais para o despertar de kundalini,
que é parte da prática da verdadeira Ioga. O despertar traz consigo tre­
menda liberação de energia e o poder de clarividência.

1. Esse “ artigo” , uma espécie de poema em prosa, contém 12.000 palavras.


Sob o título de O Caminho foi publicado no Herald em três partes, n®s números
de outubro, novembro e dezembro de 1923. Em 1924 apareceu em forma de
iivreto (Theosophical Publishing House, Adyar).

170
Nesse estranho estado, contou Nitya na mesma carta a Leadbeater,
Krishna se persuadia de que Rosalind era sua mãe. Na verdade, Rosa-
lind tinha dezenove anos e fazia apenas dezessete que morrera a mãe
dos rapazes, de modo que a moça dificilmente poderia ser uma reen-
carnação de sua mãe, “ mas suponho que a discrepância poderá explicar-
-se se os Grandes Entes considerarem necessário o emprego de medidas
inusitadas. Ela tem sido um perfeito presente do céu para ele nesses
dias, pois possui enorme vitalidade e um grande amor a Krishna. Ela
também gosta de mim” . A última observação não deixava de ser uma
atenuação da verdade, pois era, de fato, muito especial o amor que
havia entre Rosalind e Nitya.
As comoções dos últimos dois meses não tinham feito bem à
saúde de Nitya. Julgou-se, pois, aconselhável que ele insistisse um
pouco mais no tratamento de Adams. Mas tendo deixado partir o
“ osciloclasto” e não podendo arranjar outro, os irmãos foram para
Hollywood no dia 26 de outubro, para que Nitya se tratasse com a
máquina do Dr. Strong. Hospedaram-se em casa do Dr. John Ingleman,
teosofista e dieteta sueco, que submeteu os dois a um regime rigorosís­
simo. O Dr. Strong descobriu que Nitya ainda tinha uma área de tuber­
culose no antigo ponto do pulmão esquerdo, mas garantiu curá-lo em
quinze dias, ou coisa que o valha (na realidade levou dois meses) e,
como K conservasse traços de sífilis no nariz, os dois faziam tratamentos
diários com a máquina. Era muito difícil para K não “ partir” todos os
dias ao entardecer e ele teve a certeza de que, se Rosalind lá estivesse,
o processo se teria reiniciado; a dor, entretanto, não o incomodou du­
rante todo o tempo que ficaram em Hollywood.
Ainda estavam lá quando chegou afinal a carta de Leadbeater de
14 de novembro, dando os parabéns a K por sua terceira Iniciação.
K respondeu-lhe a 14 de dezembro:
Mal consigo compenetrar-me de ter dado esse passo; enquanto passava
por essa notável experiência, não ponderei a importância dela, como o
faço agora. Foi como um sonho magnífico, cuja grandiosa realidade agora
compreendo. Alegro-me por ter sido honrado com essa Iniciação, pois
doravante posso ser mais útil aos Mestres e a vocês dois, a ela e a você.
Minha dificuldade é sentir-me muito pequeno e incapaz de executar o
grande trabalho; ainda me falta confiança em mim mesmo e não creio que
eu venha a ser presunçoso algum dia. Não me sinto assim. Preciso melhorar
tanto a escrita quanto a fala, visto que sou meio retraído. Darei ênfase
especial a essas duas coisas. Daqui por diante, só terei uma preocupação
e essa preocupação é o trabalho, que espero executar de maneira total­
mente desinteressada. . .
Fiquei muito contente com o que soube de Lady Emily e Rosalind
"Williams e farei quanto puder para ajudá-las. No que concerne a Helen

171
Knothe, ela quer ir para a Austrália e ficar sob a sua orientação. Escreveu
aos pais, perguntando-lhes se pode ir ter com você; ainda está em
Amsterdã, estudando música. A .B . [a Sra. Besant] escreveu a ela, suge­
rindo-lhe que vá para a Austrália, e ela está fazendo o possível para
aproveitar a oportunidade.

Assim que recebeu a carta de Leadbeater, K transmitiu a Lady


Emily a boa nova da sua aceitação. Ele não fizera nenhuma alusão a
ela enquanto Leadbeater não a confirmou. Fazia nove anos que Lady
Emily fora submetida à provação em Varengeville (11 de agosto de
1913) e ainda tivera de esperar mais quatro meses para receber a
notícia da sua aceitação em virtude da demora de Leadbeater em escre­
ver. Ele a punira, de certo, pelo mal que ela pudera ter causado a
Barbie e Robert ao seguir K a Taormina em 1914, conquanto dissesse,
naturalmente, que ela incorrera no desagrado do Mestre.
K e Nitya regressaram a Ojai em dezembro com um atestado
de saúde para Nitya passado pelo Dr. Strong, mas com a recomendação
de fazer-se examinar todos os meses, ou coisa parecida. Tinham tam­
bém consultado um especialista ortodoxo, segundo o qual o pulmão
estava sarando, mas Nitya não devia trabalhar pelo menos durante seis
meses. “ Coitado” , escreveu K à Sra. Besant, “ ele está louco para iniciar
uma vida ativa, e sabe que não deve exceder-se em coisa alguma por
algum tempo, pois isso seria desastroso” . E a Lady Emily escrevera:
“ Nitya fez progressos em todos os sentidos, tanto mental quanto mo­
ralmente. Ninguém o diria um homem doente, pois até certo ponto
irradia saúde e é feliz, o que não deixa de ser uma grande coisa.”
Nitya procurara também um oculista, que o ajudara tanto que ele
estava começando a ver com o olho cego. Pesava agora 53,500 kg, o
máximo que já pesara em toda a sua vida.
Ojai estava ressequido quando haviam deixado o vale em outubro;
agora, depois de uma chuva pesada, tudo era de “ um verde tenro e
cintilante” . K enlevou-se na beleza da paisagem: “ . . . o verde da
Inglaterra não é nada comparado com isto. . . este é um país realmente
maravilhoso” , disse a Lady Emily.
Ele não tardaria a receber um choque desagradável: ouviu dizer
que Mar de Manziarly estava noiva e pretendia casar. “ Que notícia
medonha a respeito de Mar” , escreveu a Lady Emily no dia 26 de
dezembro. “ Seria o mesmo se ela se suicidasse.” E dois dias depois:
Foi o maior choque que já recebi. Mal posso acreditar nisso; é como
um pesadelo medonho. Sempre que não estou fazendo nada, minha mente
retoma a Mar e à calamidade, pois é uma calamidade. Que grandessíssima
to la !... Pense só no que Mar poderia fazer pelo Mestre etc. e agora.

172
Oh! Deus, é realmente lamentável... Imagino que seja impossível impedi-
-lo e, se eu interferisse, Mar nunca mais falaria comigo.
O noivado mais tarde se desfez de forma indolor, por mútuo
consentimento e sem nenhuma interferência de K. Nitya, com efeito,
escrevera a Mar dizendo que, embora as notícias tivessem sido um
choque para ele, se ela achava que agora seriam dois para ajudar os
Mestres, a sua decisão de casar lhe agradava muito.
No Ano Novo de 1923, K principiou realmente a trabalhar para
a Estrela e para a Teosofia. Além das notas editoriais do Herald, que
se haviam tornado ainda mais onerosas desde a experiência de agosto,
pôs-se a escrever uma mensagem mensal para os grupos de Autopre-
paração, fundados em todos os países pelo movimento da Estrela.
Ele estava respondendo a dúzias de cartas oficiais e dando à Estrela
uma nova base na Califórnia através de Ernest Wood, dos velhos
tempos de Adyar, seu novo Representante Nacional. Foi a Hollywood
falar no setuagésimo sexto aniversário de Leadbeater, a 17 de feve­
reiro, e conseguiu angariar quase 100 libras. Falou no colégio de me­
ninas em Pasadena e no Thatcher’s, escola só de meninos no Ojai
Valley. Concordara também em fazer uma tournée pelos Estados Uni­
dos em maio, pronunciando conferências, e em assistir à Convenção
Teosófica de Chicago no fim do mesmo mês, assim como, em junho,
aos Congressos Teosófico e da Estrela em Viena.
Entrementes, o “ processo” de K continuava, intermitente, em
Ojai, se bem que de forma muito mais suave. Rosalind ainda estava
lá mas era raramente mencionada. Ele vivia sem tempo para fazer
as coisas; suas cartas a Lady Emily foram nesse ano curtas e infre-
qüentes e ele contou-lhe que não tinha tempo sequer de escrever para
Helen. Sua experiência, contudo, o aproximara ainda mais da Sra.
Besant, à qual assegurava, quase todas as semanas, que ansiava por
estar com ela na índia.
Em meados de fevereiro ofereceu-se-lhes a oportunidade de com­
prar o chalé de Ojai e seis acres de terra com outra casa, maior, dentro
das divisas. “ Telegrafei a Baillie-Weaver dizendo-lhe que seria uma
pena perder este lugar depois de tudo o que aconteceu aqui” , escreveu
K à Sra. Besant no dia 28 de fevereiro. “ Diz ele que podemos
comprá-lo e que o dinheiro virá. . . Dentro de poucos dias será
nosso. . . Achei que seria melhor organizar uma fundação para con­
servar a propriedade e creio que será um centro magnífico.” Não
disse de onde viria o dinheiro nem quanto teriam de pagar pelo imóvel,
mas é provável que viesse da Srta. Dodge. Mais tarde, acrescentaram-se
outros sete aos seis primeiros acres, e estes, sem dúvida, foram um

173
presente da Srta. Dodge. A Fundação que geria a propriedade chamava-
-se Associação dos Irmãos.
Depois de uma semana de viagens de automóvel para ver as se-
quóias no Norte da Califórnia, como hóspedes da Sra. Cray, e de três
semanas passadas em Hollywood para um turno final de tratamento
Adams, K e Nitya encetaram uma excursão por centros teosóficos e da
Estrela em várias cidades, que incluíam Kansas City, Detroit, Rochester
e Washington, antes de ir finalmente para Chicago, a fim de assistir
à Convenção da S . T . , que se realizou entre os dias 27 e 30 de maio.
Hospedavam-se em hotéis, com que não estavam acostumados e que
eram, no dizer de Krishna, “ o limite de Deus” . Em cada lugar K falava
três vezes, na reunião da S . T . , na reunião da Seção Esotérica e na
reunião da Estrela; era-lhe preciso também comparecer a recepções.
Em todas as reuniões, tentava levantar fundos para a educação indiana,
um dos seus amores mais intensos e duradouros. Esperava sobretudo
levantar 21.000 rupias a fim de comprar terras para a ampliação de
uma escola teosófica em Guindy, que distava um quilômetro e pouco
da sede da S . T . em Adyar, e fora começada logo depois da guerra.
Nitya não assistiu a nenhuma das reuniões durante a tournée,
pois lhe era essencial preservar as energias, não só para as viagens
de trem através do continente norte-americano mas também para a
viagem à Inglaterra. As passagens de ambos tinham sido reservadas
desde Nova Iorque no navio Paris, programado para zarpar no dia
6 de junho. Rosalind ficara de ir ter com eles em Nova Iorque, mas
não os acompanharia na viagem à Inglaterra, muito embora Lady Emily
lhe tivesse oferecido sua casa em Londres.
Como contou à Sra. Besant em carta que lhe escreveu de Washing­
ton no dia 23 de maio, K estava preocupado com o seu estado físico.
O :‘processo” continuou durante todo o tempo em que viajou. As
dores que sentia eram constantes, com um latejo e uma queimação na
nuca e na base da espinha. Abandonava com freqüência o próprio
corpo e, nessas ocasiões, segundo Nitya lhe contou, se punha a gemer,
a chorar e a chamar pela mãe. Não sabia o que seria melhor fazer
para o futuro. Quando fora para Ojai no ano anterior tencionara seria­
mente estudar mas, então, começara o processo e impossibilitara os
estudos ou qualquer atividade semelhante. Tinha plena consciência
de que não se achava suficientemente preparado, do ponto de vista
intelectual, para o seu trabalho futuro. Desejava poder tirar umas
férias em algum lugar da Europa depois do Congresso de Viena; além
disso, achava-se inteiramente no escuro quanto à vontade do Mestre,

174
pois não sabia se este queria que ele fosse para a índia, como desejava
fazer, ou se queria que ele voltasse a Ojai para estudar.
Nitya, evidentemente, assistiu às reuniões de Chicago, pois relatou
à Sra. Besant:
A Convenção foi um sucesso fora do comum, graças à presença de
K, e acho que a maior coisa que se pode dizer é que ele superou de
modo considerável as expectativas de to d o s... cada pessoa com a qual
Krishna entrou em contato sente um novo reviver do seu entusiasmo.
Krishna fala agora como alguém que encontrou seu objetivo, e nas pa­
lestras que pronuncia tem visado a tornar a existência dos Mestres uma
intensa realidade. Nisso ele se mostra realmente inspirado.

Nem Leadbeater nem a Sra. Besant foram capazes de explicar a


estranha condição de K. O primeiro ficou particularmente mistificado,
como transparece da carta que escreveu à Sra. Besant no dia 12 de
maio de 1933:
É evidente que em todos os assuntos mais elevados os métodos
de progresso diferem para cada indivíduo. Positivamente não compreendo
por que o nosso Krishna haveria de estar sujeito a um sofrimento físico
tão terrível. O corpo brâmane, sem dúvida, é excepcionalmente puro, e
precisaria de menos, no processo de preparação, do que o veículo europeu
comum. Em meu próprio caso não tenho lembrança de nada que se pu­
desse comparar com isto quando passei pela mesma fase, embora hou­
vesse, por certo, uma grande dose de excessivo incômodo no desenvol­
vimento de Kundalini. Talvez seja tudo isso, como a senhora mesma
sugere, parte da preparação daquele corpo para o seu Grande Ocupante.
Nada se disse, no entanto, sobre qualquer apressamento do Advento. Mas
pode ser, de fato, que seja indispensável o transcurso de anos depois
de completada a preparação, para que o corpo se recobre dela antes de
sofrer a pressão da ocupação real. O caso é tão singular que, na verdade,
só podemos esperar e observar.

173
20

INTENSIFICA-SE O PROCESSO

Lady Emily foi a Plymouth a fim de receber K e Nitya no dia


11 de junho. Eles foram para West Side House, em Wimbledon, com
a Sr ta. Dodge e Lady De La Warr, e Lady Emily foi convidada a
passar ali também a primeira noite. Ela se lembrava nitidamente de
haver tomado o desjejum com os dois irmãos, sozinha, na manha
seguinte, e, quando começou a falar a K sobre a sua experiência, este
perdeu os sentidos. Nitya contou-lhe que K não podia falar sobre o
assunto; bastava que alguém o mencionasse em sua presença para que
ele abaixasse a cabeça e desmaiasse.
........................................................ " '' “ ^ S í.

Agora que tenho visto mais Krishna e Nitya [escreveu Lady Emily à
Sra. Besant dez dias mais tarde], posso descrever melhor a impressão que
ambos nos causam a todos. Krishna parece exteriormente pouco alterado,
embora talvez mais belo, mas temos consciência, a todo momento, de um
poder concentrado e controlado, porém imenso, a fluir dele. Sua palestra
na S .E . do último domingo representou um progresso enorme em relação
a tudo o que já fez antes. Não trazia notas e falou durante 45 minutos,
com fluência e facilidade mas, ao mesmo tempo, com um fervor e uma
força tão tremendos que o mesmo era ouvir o pulsar de uma grande
máquina. Ele já está operando grandes mudanças e resolvendo muitos
problemas embrulhados. Nitya deixou de ser um garoto para ser um
homem, com toda a sua meiguice intensificada mas com uma força imen­
samente acrescentada. Agora, para os dois, só o trabalho importa e inte­
ressa. A senhora se sentiria feliz se os visse.

Depois de um mês de grande atividade em Londres, dando entre­


vistas e falando em várias reuniões, K e Nitya partiram para Viena
passando por Paris e pela casa de campo do Sr. Blech em Septeuil,
onde puderam descansar alguns dias. Para grande decepção de K, a
Sra. Besant não pôde ir à Europa naquele ano por ter passado mal
em resultado da picada de um escorpião, de modo que, se bem Raja

176
lá estivesse para presidir ao Congresso da S. T., que começou no dia
19 de julho, todo o peso do Segundo Congresso Internacional da E s­
trela, que se seguiu, caiu sobre os ombros de K. Muitos dos seus amigos
mais chegados, incluindo Lady Emily e Helen, lá estavam para dar-lhe
apoio e, logo depois, um grupo escolhido deles acompanhou os dois
irmãos a Ehrwald, aldeia no Tirol austríaco perto de Innsbruck, onde
um amigo de John Cordes colocara um chalé, a Villa Sonnblick, à
disposição de K, e onde o grupo passou sete semanas descansando.
O grupo consistia em Helen, Lady Emily em companhia de Betty
e Mary, Rajagopal, Mar de Manziarly (que já não estava noiva),
Cordes, Ruth Roberts (a moça que K conhecera em Sydney) e uma
jovem indiana, Malati Patwardhan, com o marido. Isabelle Mallet
juntou-se a eles no dia 10 de agosto. (A Srta. Dodge vivia sempre
tão entrevada que não podia viajar para o exterior.) Krishna, Nitya,
Lady Emily, Helen, Rajagopal e Cordes ficaram em Sonnblick, onde o
grupo todo fazia as refeições, ao passo que os restantes se hospedaram
num chalé vizinho. Era um lugar ideal para passeios; havia um campo
para beisebol e um regato para semicúpios diários — com os sexos
cuidadosamente separados. Os primeiros quinze dias foram realmente
feriados; Krishna e Helen estavam felizes, sem dúvida, embora hou­
vesse um pouco de inveja entre as outras moças, que não puderam
deixar de notar o grande favoritismo de Elelen. Embora não fosse bo­
nita, em confronto com Ruth, que era realmente bela, Helen possuía
um encanto e uma vitalidade excepcionais.
Depois, em meados de agosto, o “ processo” de K recomeçou,
mais severamente ainda. No dia 13 de agosto Lady Emily principiou a
escrever uma carta diária à Sra. Besant relatando as estranhas ocor­
rências noturnas:
Na segunda-feira [13 de agosto] saímos para um longo passeio pelas
montanhas até uma floresta de pinheiros. Todos nos espalhamos, tomamos
banho de sol e, dali a pouco, ouvimos a voz de Krishna cantando e Nitya
e Rajagopal respondendo. Não posso dizer-lhe o quanto tudo aquilo era
belo, tão cheio de força ecoando pela floresta... À hora do jantar se
percebia que ele mal estava consciente. Logo depois “ ausentou-se” , e o
corpo começou a soluçar e a gemer. Todos ficamos sentados no mais
absoluto silêncio lá fora, exceto o fiel Nitya — que presumivelmente
mandou buscar Helen, por julgá-la capaz de ajudá-lo. Aquilo durou até
às 9 horas, quando ele tornou em si e foi para a cama. Mas às 12 horas
recomeçou, e mais uma vez Helen e Nitya ficaram junto dele até 1 hora,
repetindo a dose de madrugada. Ele disse que Helen estava muito nervosa,
o que não deixa de ser natural, pois é medonho presenciar tamanho sofri­
mento e compreender que a consciência da pessoa não está lá. É muito
curioso que ele precise da presença de uma mulher e também que a
vitalidade dos norte-americanos lhe proporcione algo de que ele necessita.

177
Perguntei-lhe se podia ajudá-lo, pois me sentia capaz de manter-me muito
calma, mas ele explicou-me que o fato de ser casada tornaria minha pre­
sença indesejável — pois quando se encontra nesse estado ele é muito
exigente e quer que tudo à sua volta seja da maior pureza. Fiquei-lhe
muito grata por me dizer isso, que posso compreender perfeitamente, e
agora tento proporcionar-lhe toda a ajuda possível por meio dos meus
pensamentos extremosos e puros, ao passo que Helen o ajuda de outras
maneiras. . .
Ontem ele estava muito cansado, o que era natural, e passamos a
manhã tranqüilamente nas matas, a ler. Ele parecia muito fe liz ... porém,
mais uma vez, à hora do jantar, só o seu corpo se achava presente —
e cansando-se em demasia ao escutar qualquer fala ou voz mais alta. O
jantar terminou às 7. Minhas duas filhas e Ruth foram incontinenti para
a casa onde dormem — e os restantes ficamos sentados, em silêncio,
observando o pôr-do-sol e meditando. Krishna foi para o seu próprio
quarto com Nitya e Helen e tornou a “ ausentar-se” até às 9 horas. Desta
vez, pareceu sofrer muito menos e não gemeu demais. Mas quando des­
pertou, às 9 horas, mostrou-se atordoado e confuso. ..
Quando está presente, ele gosta dos jovens que o rodeiam ... Pro­
curo ser Mãe para todos e cooperar quando sou querida. .. Com tantas
moças por aqui faz-se necessária uma mulher mais idosa, e creio que
posso ajudar Helen, pois a tensão que pesa sobre ela é severa. Terça-feira
[16 de agosto]. Ontem foi um dia curioso. À hora do almoço, Krishna
se mostrou muito expansivo e cheio de brincadeiras. Depois desabou uma
tempestade e choveu tanto que não pudemos pôr os pés fora de casa.
Por isso ficamos jogando. É muito interessaste observar as fases por que
ele passa. Às vezes, é apenas um rapaz brincalhão, aparentemente sem
nenhum pensamento sério na cabeça. Depois, de um momento para outro,
modifica-se e ei-lo transformado no Mestre — severo e inflexível —
a instar com os discípulos para que caminhem no rumo do progresso
rápido. E volta a torturá-lo a dor na espinha — quando ele não fala
e só quer silêncio — ou, a mais estranha de todas, a figura que vem
para jantar — belo, com olhos que não vêem, comendo mecanicamente
e encolhendo-se a cada ruído. E mais belo ainda quando se senta para
meditar e salmodia mantras — quando sua alma se evola, adorativa.
Essas fases se sucedem umas às outras em tão rápida sucessão que pre­
cisamos fazer um esforço para estar sempre atentas a elas.
Na noite passada. . . eram 7 horas, a casa estava quieta e Krishna
subira para o quarto. Ficamos meditando em silêncio mas, logo depois,
Nitya veio dizer que ele estava sentindo nossos pensamentos e que estes
o perturbavam — pedindo-nos que continuássemos com nossas ocupações
comuns. Isso não é fácil de fazer — mas é claro que o faremos. Parece
muito mais natural ficar em silêncio e pensar no Mestre, mas suponho que
qualquer intensidade de sentimento o perturba e somos suficientemente
avisados para saber guiar nossos pensamentos. Krishna ausentou-se por
duas horas — aparentemente sem muita dor mas falando coisas vagas.
Ele disse que o seu corpo não devia comer tanto à noite e devia fazer
mais exercícios.
Sábado [18 de agosto]. Na noite passada, no momento exato em
que se ausentou, Krishna disse que precisava ser acordado às 8:30. Nisso,
quase imediatamente, chegaram alguns dos Grandes Entes. Nitya aparen-

178
temente Os viu e ouviu do balcão, defronte do quarto de Krishna. O
próprio Krishna prefere agora o quarto de Nitya, mais sossegado e mais
escuro. Diz Nitya que nunca esteve tão cônscio da presença de Mestre
K .H . e, quando Eles se foram, sentiu que algo de seu ia atrás d’Eles
e, em seguida, desmaiou. Krishna percebeu-o, chamou-o e ele tornou ime-
diatamente em si. Quando o corpo de Krishna desfalece, Helen e Nitya
precisam reanimá-lo. Às vezes, basta-lhes chamá-lo para que volte a si,
às vezes são obrigados a despejar água sobre ele, mas Krishna pediu-lhes
que não fizessem isso se fosse possível, pois era um expediente que lhe
fazia muito mal. Antes que ele voltasse, o seu elemental [veja a p. 163]
disse: “ Krishna está lá, em pé, dando risada. Do que estará rindo?”
Nitya sugeriu-lhe que perguntasse ao próprio Krishna, mas ele respondeu:
“ Oh, não, eu não seria capaz. . . ”
Domingo. Quando Krishna subiu ontem à noite, disse que precisavam
acordá-lo às 8:30. E depois de anunciar que Alguém viria, pediu a Helen
e Nitya que esperassem lá fora. Eles esperaram uns cinco minutos mas,
ouvindo-o cair com estrépito, entraram. Parece que o seu sofrimento foi
muito grande na noite passada e que ele perdeu os sentidos muitas vezes.
Confessou-lhes, por fim, que estava tão cansado que não poderia fazer
mais nada, mas que isso continuaria hoje à noite. ..
Segunda-feira. Tivemos ontem um dia muito calmo. Nada de especial
aconteceu à noite. Krishna ausentou-se por muito tempo e a criancinha
veio falando em sua infância, no seu ódio à escola, etc. Creio que Nitya
recebeu uma mensagem há duas noites e está tentando recordá-la. . . Como
a experiência acontece à noite, espero que as condições aqui sejam boas
para ele. É um privilégio maravilhoso estar aqui e partilhar um pouquinho
desses grandes acontecimentos. Rezo apenas para ser digna de tudo isso.

No dia seguinte, terça-feira, 21 cie agosto, Lady Emily iniciou


uma segunda carta:
Krishnaji ausentou-se como de costume às 7 e ficou ausente até
às 8:40. Sofreu muito e seu corpo gemeu e chorou.
Quarta-feira. Krishnaji ausentou-se à hora de costume e sofreu terri­
velmente. Helen, muito cansada, não estava passando muito bem. O ele­
mental físico pareceu percebê-lo e tentou controlar seus gemidos — mas
houve um momento em que eles foram tão profundos que Krishna vqltou
e perguntou o que estava acontecendo. Não lhe responderam nada e
quando ele se ausentou de novo o elemental físico, ou o que quer que
esteja encarregado do corpo, aflitíssimo, contou que Krishna lhe ordenara
que se controlasse e ele fizera o possível, mas não conseguira evitá-lo.
Os sinos da igreja começam a tocar sempre por volta das 8 horas
e o seu bimbalhar é dolorosíssímo para ele. Ontem à noite, Krishna
desmaiou duas vezes enquanto eles repicavam...
Nitya falou-me da mensagem que Mestre K .H . lhe deu, segundo a
qual Krishna estava desperdiçando energia e devia ler livros que lhe
ampliassem o vocabulário mas não lhe dessem opiniões firmadas. [Depois
disso todos tentaram decorar um soneto de Shakespeare por dia.] Nitya
e eu pensamos em alguns livros mas, por enquanto, ele não está em
condições de realizar qualquer tipo de trabalho mental. Nitya compreen­
deu que essas experiências não se prolongarão por muito tempo. Contou-

17)
-me também que, na sua opinião, Helen foi posta sob provação na noite
do dia 17. Isto será um esplêndido conseguimento, visto que Krishna o
desejava muitíssimo e significa que nossa estada aqui já foi amplamente
justificada. Eles telegrafaram a C .W .L . solicitando confirmação.
Quinta-feira. Ontem . . . o processo noturno foi péssimo, o pior de todos
até agora. Uma hora de agonia concentrada. Krishna expulsou Nitya e
Helen do quarto uma vez, porque estava muito mal. No andar térreo
ouvimo-lo debater-se no chão e lhe ouvimos os gemidos espantosos. Foi-nos
difícil manter os pensamentos resolutamente afastados daquilo. Mais tarde,
quando subi, ele pareceu-me cansadíssimo e tinha os pobres olhos injetados
de sangue. A dor tem sido principalmente na cabeça nestes d ias. . .
Sexta-feira. O processo noturno voltou a ser torturante. Ele teve de
mandar Nitya e Helen para fora do quarto várias vezes e pudemos ouvir-
-Ihe o corpo caindo repetidamente. Ele deita-se no chão sobre um tapete
mas levanta-se na sua agonia, perde os sentidos e cai com estrondo. Feliz­
mente, porém, dá a impressão de dormir profundamente e de manhã
não se mostra cansado. Hoje cedo fizemos um bom passeio e ao vê-lo
saltando morro abaixo tão cheio de graça, beleza e vitalidade, quase
não podemos acreditar no que o séu pobre corpo tem suportado todas
as noites.
Creio que Nitya está sentindo muito o esforço. Helen não é um
apoio como imagino que fosse Rosalind. Está muito nervosa e muito
tensa, mas tem-se dominado com firmeza. Eis aí uma curiosa experiência
para uma moça.
Sábado. A noite de ontem foi ruim como de costume, mas ele parecia
mais controlado e não precisou enxotá-los do quarto. Helen acredita que
isso aconteceu porque ela estava mais controlada. Krishna lhe disse, certa
noite, que, sendo ela tão nervosa, o negócio todo teria de ser suspenso.
A atitude dela devia ser bondosa, porém indiferente. Ruth, ontem,
não se sentiu bem e nós a seguramos em casa para dormir. Ela ficou
sentada comigo no andar inferior enquanto o processo se desenrolava lá
em cima. O elemental pareceu ter consciência imediata de uma nova pessoa
e perguntou quem estava lá . . .
Domingo. Ontem, o processo noturno foi mais torturante que de cos­
tume. .. precisamente no pior momento os sinos da igreja começaram a
tocar e causaram-lhe tamanho choque de dor que Krishna teve de voltar
e aparentemente os consultou sobre se era possível fazer mais alguma coisa
ao corpo naquela noite. O elemental físico rogou-lhes que continuassem.
Mais tarde, ele disse: “ Escapei por pouco. Esses sinos quase repicaram
para o meu enterro.” Quando tornaram a soar, Helen chamou Krishna
de volta e pediu-lhe que maneirasse até silenciarem outra vez. Ele pareceu
muito nervoso durante o resto do tempo e, quando subi, mais tarde, Krishna
continuava dizendo: “ Que aconteceu? Sinto-me tão mal esta noite.” Ele
[o elemental físico] também lhes disse que Krishna precisa sair e fazer
exercícios, mesmo debaixo de chuva.
Segunda-feira. Ontem à noite foi muito ruim. Ouvimos-lhe os gritos pavo­
rosos e ele parece ter dito: “ Nunca foi tão mim assim.” Depois que
passa o pior, Krishna geralmente tem mais ou menos meia hora em que
volta a ser criancinha, quando pensa que Helen é sua Mãe. É muito
curioso. Acaso a confunde ele com Rosalind — ou sua Mãe influi nele
através de am bas?.. .

m
Creio que lhe contei tudo a respeito de Krishna. Receio que Nitya
esteja demasiado tenso. Está tossindo muito, mas nós o fazemos descansar
o máximo possível.

No dia 7 de setembro Lady Emily começou uma terceira carta:


Com esta semana parece ter-se iniciado uma nova fase de intensidade
nas experiências noturnas de Krishna. Na segunda-feira [3 de setembro]
ele sofreu terrivelmente, ou melhor, o corpo sofreu terrivelmente e ele
passou mal duas vezes. Na terça-feira sofreu muito o dia todo e tornou
a passar mal depois de cada refeição, não conseguindo reter nada no estô­
mago a não ser o leite tomado à noitinha. Na quarta-feira lhe disseram
que só comesse frutas, que ele não devolveu. Na quinta-feira lhe orde­
naram que jejuasse o dia todo, bebendo apenas água. Isso o reduziu a
um tal estado de fraqueza que o trabalho noturno foi desperdiçado, pois
nada se poderia fazer ao pobre corpo exausto. Foi preciso dar-lhe comida
e garrafas quentes para revivê-lo e, quando fui desejar-lhe boa noite, o
seu pobre rosto parecia tão fino e tão macilento. . .
Krishna ficou muito aborrecido com a perda de tempo e censurou
Nitya e Helen pelo haverem deixado jejuar, mas eles, naturalmente, estavam
obedecendo às suas próprias instruções. Agora ele precisa moderar-se —
já não faz a refeição da noite, mas toma banho enquanto comemos e só
come depois que tudo se acaba. Isso parece funcionar melhor. Tenho a
impressão de que trabalharam nele nas duas últimas noites com maior
concentração e energia — foi horrível ouvir-lhe os gritos e os soluços.
Dir-se-ia um animal presa de uma dor pavorosa. Mas ele agora come
logo depois das 8 horas e parece muito alegre e feliz quando subo para
desejar-lhe boa n o ite... É maravilhosa a rapidez com que o seu corpo
se recupera. Mesmo depois do dia em que jejuou, quando parecia fraco
demais para mover-se, na manhã seguinte caminhou c jogou beisebol vigo­
rosamente como sempre.

Não há outras cartas cie Lady Emily a respeito do processo no­


turno, mas sabe-se, através do seu diário, que ele continuou, posto
que de forma menos severa, até 20 de setembro. Naquela noite, K
“ trouxe” uma mensagem do Mestre Kuthumi e a transmitiu a Nitya,
que a pôs imediatamente por escrito:
Nitya preste atenção.
Isso aqui acabou, esta é a última noite. Continuará em Ojai. Mas
tudo depende de vocês. Vocês dois precisam ter mais energia. Do que
fizerem no mês que vem dependerá o sucesso. Terão de ser excessivamente
cautelosos. Não deixem que nada se atravesse no caminho. Precisam
engordar mais, para ter mais energia. Deixem que tudo se consagre ao
bom êxito disto. Foi um sucesso aqui. Mas Ojai só depende de vocês, lá
será continuado com muito maior vigor se estiverem preparados.
Helen — Ela aprendeu bem, está progredindo. Será utilizada mais tarde.
Estamos todos muito gratos a ela.
Nitya — Eles o querem especialmente. Não lhe dizem que estão muito
gratos porque você está demasiado próximo. Quando deixar este lugar,

181
terá de ser excessivamente cauteloso. É como um vaso novo, recém-saido
do molde, que qualquer vibração má pode partir, o que significaria reparos
e remodelações, que levariam muito tempo.
Você precisa ter cuidado; se falhar, terá de recomeçar tudo desde
o princípio. Consagre tudo. “ Faça-o como se fosse para Mim.”
Agradeça, por favor, aos felizes moradores da casa sua cortesia e
seus pensamentos; eles foram felizes. Deus esteve com eles sem que o
soubessem. Oxalá sejam felizes daqui por diante.
Esta casa é sagrada, devia ser usada para a Áustria. [A Villa Sonnblick
é agora uma pensão.]

O grupo todo deixou Ehrwald a 22 de setembro, quando alguns,


incluindo os Lutyens, Rajagopal, Helen e Ruth foram com K e Nitya
para o Castelo de Eerde, em Ommen, a convite do Barão Philip van
Pallandt, que em 1921, se prontificara generosamente a doar a K o
Castelo e 5.000 acres de terra. Como K não desejasse ter nenhuma
propriedade em seu nome, organizou-se uma Fundação, tendo K como
presidente, à qual foi transmitida a propriedade. Eerde passou,
assim, a ser a sede internacional da Ordem da Estrela no Oriente.
Planejou-se celebrar ali um Congresso da Estrela no ano seguinte,
de modo que essa foi a última ocasião em que o Barão se houve
como anfitrião. Circundado por um fosso externo e outro interno,
alimentados por um riozinho, o Castelo era um exemplo perfeito da
arquitetura holandesa do século X V III, tão bem conservado por dentro
quanto por fora, com todo o seu mobiliário original, que incluía
quatro gobelinos feitos para a sala de estar em 1714; em cada quarto
de dormir começavam gabinetes cujas masmorras iam diretamente até
o fosso, onde gigantescas carpas antigas faziam as vezes de animais
necrófagos. A situação do Castelo era ideal para um centro religioso,
isolado no meio de acres de matas, entremeadas de lagos, onde nenhuma
criatura fora morta pelo homem desde que o Barão, Idealista Prático,
herdara a propriedade.

182
21
O CLIMAX DO PROCESSO

K decidira, com relutância, não ir à índia naquele outono, como


almejava fazer, pois precisava voltar a Ojai a fim de completar o tra­
balho de preparação em seu corpo. Durante esse tempo, por mais
longo que fosse, não se sentia capaz de realizar nenhum outro trabalho
público. Enquanto estivesse em Ojai, Nitya poderia estudar para
prestar os exames finais. Dessarte, depois de uma ou duas semanas
em Londres, após a estada em Eerde, os irmãos zarparam para Nova
Iorque no dia 22 de outubro e chegaram a Ojai a 8 de novembro.
Helen viajou com eles no mesmo navio, mas separou-se deles em Nova
Iorque. “ Helen estava muito desconsolada quando nos deixou para
reunir-se à família” , contou K a Lady Emily. “ Creio que está passando
por um mau bocado. Mas será bom para ela.” A última observação,
aparentemente tão desapiedada, era característica de K: passar por um
mau bocado representava uma preliminar essencial à mudança e ao cres­
cimento; o contentamento era a estagnação, e esta conduz à mediocri­
dade.
Nitya achou de bom alvitre ter mais um Iniciado em Ojai que o
ajudasse a cuidar de K; por conseguinte, pediu a Rajagopal, que fora
feito Iniciado antes de ir para a Inglaterra em 1920, que se licenciasse
por um ano em Cambridge e os acompanhasse. Koos van de Leeuw,
teosofista e membro da Estrela, pertencente a uma rica família de
comerciantes de café de Roterdã, e membro da Fundação Eerde, tam­
bém os acompanhou. Alojaram-se na casa mais espaçosa de Ojai
incluída na propriedade que haviam comprado em fevereiro. Rosalind,
que estava no chalé anteriormente ocupado por eles, em companhia
de sua mãe, ficou tão encantada ao vê-los que “ quase chorou” . Deram

183
à nova casa o nome de Arya Vihara, que quer dizer Nobre Mosteiro. 3
Não era nada confortável, pois não tinha mobília, exceto um pavoroso
conjunto de sala de jantar e quatro cadeiras de vime. O exterior, que
era branco, precisava de pintura, e como estivessem inteiramente des­
providos de numerário, eles mesmos se puseram a pintar; além disso,
encarregaram-se também de toda a comida e de toda a limpeza, o que,
para K, era “ mais que uma piada” ; nem podiam descurar do trabalho
caseiro, pois Rajagopa], irritantemente metódico, insistia em que tudo
ficasse na mais perfeita ordem. Finalmente, contrataram uma mulher
para fazer a limpeza, que vinha da aldeia duas vezes por semana, e
um jardineiro.
No dia 20 de novembro, menos de quinze dias após a sua che­
gada, reiniciou-se o “ processo” de K. Mas tão violento que, pela
primeira vez, Nitya ficou preocupado, perguntando a si mesmo se tudo
era como deveria ser. Ele, naturalmente, voltou-se para Leadbeater
em busca de conselho e, no dia 27, escreveu-lhe uma carta cheia de
ansiedade. Depois de contar-lhe tudo o que acontecera em Ehrwald
e dizer que estava juntando uma cópia da mensagem que o Mestre
lhes mandara na última noite que haviam passado ali, continuou:
Durante os últimos dias em Ehrwald Eles experimentaram deixar
Krishna consciente enquanto a dor era ainda muito forte, mas essa cons­
ciência durava apenas 10 ou 20 segundos de cada vez, pois assim que a
dor se tornava demasiado intensa, Krishna abandonava o corpo.
Há sete dias o processo recomeçou, só que agora Krishna está plena­
mente consciente e a dor mais e mais intensa. Esta noite foi a pior de
todas. Comecei a escrever enquanto ele estava sofrendo e ele acaba de
sair do quarto depois de uma hora de dores lancinantes. Atualmente
Helen não está ao seu lado, nem Rosalind, embora R esteja aqui em Ojai
morando na casa vizinha. Ele não parece querê-la; depois que passa a
dor, Krishna deixa o corpo e este chora, desesperado, de exaustão. Chama
pela mãe e, segundo descobri, quer Helen, não quer Rosalind.
Pelo que pude depreender das palavras ditas de vez em quando pelo
corpo de Krishna, ainda há muito trabalho para ser feito no corpo, um
trabalho talvez de muitos m eses... Voltamos a Ojai por julgar este sítio
o mais adequado, já que essas coisas começaram aqui no ano passado.
Enquanto estávamos em Ehrwald, Krishna e eu lhe telegrafamos, convi­
dando-o a vir para cá e passar aqui o tempo que quisesse. Aparentemente,
porém, os telegramas (pois nós lhe telegrafamos duas vezes, a primeira
com resposta paga) não chegaram ao seu destino, pois não recebemos
resposta. Creio que seria maravilhoso se você, que poderia ver o que

1. A casa ainda tem esse nome. O chalé, que agora se chama Chalé do
Pinheiro, fica na extremidade da Senda do Pinheiro. Foi aumentado (estragado,
na opinião de K ) e a “jovem aroeira-mole” cresceu tanto que o domina comple­
tamente.

184
O Castelo de Eerde, em Ommen, na Holanda

Arya Vihara, Ojai, Califórnia, em 1924


Pergine, agosto de 1924. N a fila de trás: Helen, Rama Rao, Rajagopal, Cordes;
na fila da fren te: K, L ad y Emily, Betty, Mary, Sivakamu, Malati, Ruth
está acontecendo, estivesse conosco durante esse tempo. Você sabe, natu­
ralmente, a grande alegria que seria para nós estar em sua companhia,
poderíamos até reviver os dias de Adyar. O ponto agora é o seguinte.
Na sua opinião, Krishna não deveria estar em sua companhia durante
este período? Se você nos respondesse, tomaríamos o próximo navio para
a Austrália. Por que não nos telegrafa? Por favor, por favor, diga-nos
o que acha melhor para Krishna. Claro está que os Grandes Entes zelarão
para que tudo se resolva da melhor maneira. Não gostaríamos de deixar
Ojai e embarcar para Sydney sem receber instruções definidas suas ou uma
expressão da sua opinião. Agora quero fazer-lhe algumas perguntas. . .
Rosalind é nossa mãe? Devemos ir para Sydney e levar Rajagopal?

No dia seguinte acrescentou, à guisa de pós-escrito:


O corpo de Krishna repetiu esta mensagem na noite do dia 26,
imediatamente após o término do processo daquela noite.
“ O trabalho que está sendo feito agora é da maior importância e
delicadíssimo. É a primeira vez que a experiência se faz no mundo. Tudo
na casa deve dar lugar ao trabalho, e não devem ser levadas em consi­
deração as conveniências de ninguém, nem mesmo as de Krishna. Estranhos
não podem ir aí muito amiúde. Você e Krishna darão conta do recado.
Mantenham a paz e uma vida serena.”
Tenho não só a impressão de que a referência à “ experiência” não
alude ao fato de que esse tipo de coisa geralmente se faz num mosteiro,
mas também de que Eles talvez estejam tentando alguma coisa nova na
preparação do corpo.
Você sabe, por acaso, se algo semelhante ao que está acontecendo
agora foi parte da preparação do corpo do Mestre Jesus quando o Senhor
veio da última vez? Você não poderia dizer-nos alguma coisa sobre isso?
Eu gostaria tanto de que estivéssemos ao seu lado; os sofrimentos de
Krishna hoje à noite foram piores do que os de ontem —• é claro que
sei que o corpo está entregue aos cuidados dos Mestres, mas mesmo assim
eu quisera tê-lo aqui no plano físico. Seria uma grande bênção para
todos nós.

Foi bom que eles não embarcassem para Sydney antes de ter
notícias de Leadbeater, pois não teriam sido bem recebidos. Lead-
beater não podia dar nenhuma explicação do que estava acontecendo
nem tranqüilizar ninguém. Como ele mesmo escreveu no dia l.° de
janeiro à Sra. Besant:
Acabo de receber uma carta de Nitya em que ele me diz que se
reiniciou o terrível negócio da preparação. . . Estou muitíssimo perturbado
com toda essa história, porque nunca encontrei nada parecido, e não
posso ter a certeza de que isso está certo nem de que é necessário. É
verdade que ele conseguiu dar um passo no ano passado seguindo um
plano muito semelhante; entretanto, tudo é tão contrário ao que me
foi ensinado! Espero que a senhora possa tranqüilizar-me, afirmando
saber que tudo está bem.
Krishna e Nitya não parecem ter sequer uma sombra de dúvida,
e acho que devem saber; e, no entanto, as duas mensagens que receberam
(cujas cópias vão junto, embora eles já devam tê-las mandado à senhora)
não têm de modo algum o estilo de qualquer um dos nossos Mestres.
Imagino que tudo vai bem, e que eles estão sendo conduzidos ao longo
do caminho certo e melhor para eles; mas continuo achando tudo muito
estranho. Parece-me claro que, embora seja este um centro muito poderoso,
não seria de modo algum um bom lugar para exercícios dessa natureza;
está demasiado perto de uma cidade grande, e há sempre tanto trabalho
em andamento que seria impossível obter o sossego perfeito, que parece
tão necessário.

Parte da carta que Leadbeater escreveu a Nitya, também no dia


l.° de janeiro, vem a seguir:
Não compreendo o drama terrível que está ocorrendo com o nosso
amado Krishna, mas quero ter freqüentes notícias dele, pois estou real­
mente muito aflito em relação a tudo isso. É muito difícil acreditar que
essa dor pavorosa seja certa ou necessária para ele. Não havia nada disso
no futuro que se estendia diante de nós nos dias felizes de Adyar, há
tanto tempo. O corpo então precisava de preparação, mas não dessa
espécie de preparação; o que foi feito a ele desde então tornou necessário
tudo isso. Entretanto, das suas palavras se depreende que vocês foram
mandados especialmente para esse local isolado no Ojai Valley a fim
de que o trabalho fosse feito; e, sendo assim, vocês precisam ficar
aí até que tudo se cumpra. Não assumirei a responsabilidade de acon­
selhá-los a vir para cá enquanto isso estiver acontecendo; nem assumiria a
outra responsabilidade, muito mais mundana, de trazer você, com o seu
peito e os seus pulmões delicados, para o ar do mar que tão mal lhe fez
em Malahide. Quando todos esses estranhos sofrimentos tiverem segura­
mente terminado, ficaremos encantados por tê-lo em Sydney se a sua
saúde o permitir; mas mesmo nesse caso convém que você procure conhecer
a opinião de um médico de confiança quanto à questão do ar.
Não vejo como Rosalind possa ser sua mãe pois, segundo me consta,
ela nasceu antes da morte de sua mãe. Como Krishna parece ter empre­
gado a mesma linguagem com a Srta. Knothe, só podemos considerá-la
simbólica, a não ser que suponhamos que sua mãe foi autorizada a usar
os corpos dessas duas moças como meios de ajudar o filho em seus pavo­
rosos sofrimentos. Creio que isso não tem nada de improvável, e explicaria
o gesto dele recorrendo a pessoas relativamente estranhas dessa maneira
curiosamente íntima.

A Sra. Besant, por estranho que pareça, pois renunciara à clarivi­


dência por amor do seu trabalho em favor da índia, aparentemente não
tinha dúvidas, visto que no dia 8 de janeiro Leadbeater pôde escre­
ver-lhe:
Folguei muito em receber sua carta de 7 de dezembro, juntamente
com a cópia de uma das mensagens que Nitya teve por intermédio de
Krishna. É para mim um grande alívio sabê-la plenamente convencida de

186
que todo o processo é autvizado e que tudo está sendo feito corretamente.
Parecia-me que isso devia ser assim, mas a coisa toda era táo diferente
de tudo o que aconteceu no meu caso e de tudo com o que estou pèssoal-
mente familiarizado, que eu não poderia ter certeza e, naturalmente, quero
estar bem certo de tudo o que se refere a Krishna. Imagino que podemos
estar seguros de que o corpo físico será muito bem protegido, mas os
relatos são de natureza francamente alarmante.

Dessa época em diante, Leadbeater parece haver deixado à Sra.


Besant toda a responsabilidade para com K, o que era totalmente con­
trário à sua índole, pois qualquer um o julgaria em condições de
perguntar ao Mestre Kuthumi, ao Senhor Maitreya, ou particularmente
ao Mestre Jesus, o que estava acontecendo ao corpo de Krishna. Infe-
lizmente não há meio de saber o que se passava na mente dele. Este é
um dos muitos mistérios dessa estranha história. Poder-se-á conjeturar,
todavia, que sua incerteza no assunto lhe empresta autenticidade à
clarividência, e não o contrário.
Entretanto, a tortura de Krishna não se abrandava.
Estou ficando cada vez mais irritadiço e cansado [contou ele a Lady
Emily]. Eu quisera que você e os outros estivessem aqui. Sinto agora
vontade de chorar com muita freqüência e eu não era assim. É horrível
para os outros e para mim. . . Eu quisera que Helen estivesse aqui mas
isso é impossível, como também é provável que Eles não queiram que
ninguém me ajude neste momento. De modo que terei de fazer tudo
sozinho. .. Por mais que tentemos, existe uma solidão, a de um pinheiro
solitário no ermo.

Tudo indicava que só quando voltava a ser criança conseguia ele


relaxar e obter assim algum alívio da dor, que agora o acompanhava,
contínua e vaga, o dia todo, mas intensificada ao anoitecer. Ele, porém,
não podia tornar-se criança sem uma “ mãe” que lhe cuidasse do corpo.
Por alguma razão inexplicada, Rosalind já não tinha condições de de­
sempenhar esse papel, e o pai de Helen, muito naturalmente, não
permitia à filha tr a Ojai. ( “ Imagino que seja difícil com uma família
cheia de preconceitos” , observou ele em carta a Lady Emily. “ Que
bom que eu não tenho nenhuma!” — No entanto, quando foi a Paris
pela primeira vez, em 1920, uma família era a única coisa por que
ele ansiava.) Todas as cartas não-respondidas, que se amontoavam, a
mensagem mensal aos grupos de Autopreparação e suas notas editoriais
lhe pesavam no espírito; nunca lhe fora preciso esmerar-se no acaba­
mento dos seus escritos oficiais, pois Lady Emily invariavelmente os
corrigia para ele, mas o menor esforço mental lhe despertava agora a
dor na espinha.

187
K só transmitiu a Lady Emiiy uns poucos aspectos da vida que
levavam todos os dias: o golfe, que não conseguia relaxá-lo, a álgebra,
que Rajagopal tentava ensinar a Rcsalind, e as brigas dos dois por causa
disso. “ Estamos todos tão fartos de nós mesmos que nada agora nos
diverte, ou melhor, tudo nos diverte. Rimos até às lágrimas, ou
quase, pela menor das coisas.”
No dia 7 de fevereiro Nitya contou à Sra. Besant que tinham
tido setenta e seis noites do processo, sem solução de continuidade,
e que fazia três meses que estavam em Arya Vihara.
A história noturna é hoje mais do que nunca uma tensão, agora que
se foram toda a excitação e todo o divertimento, se é que algum dia
houve divertimento. . . Creio que Krishna já quase se esqueceu de
sorrir. . . A dor está-se tornando mais e mais intensa, embora a sua
capacidade de suportá-la esteja crescendo com ela. . . No outro dia recebi
uma carta de C . W . L . sobre este assunto. Ele disse que não compreendia
o que estava acontecendo. Sua carta deixou-nos um tanto ou quanto
ansiosos sobre se tudo estaria certo e por isso lhe telegrafamos. A resposta
dele foi muito característica — “ Presidenta diz tudo certo” .

Durante todo esse tempo K continuou a escrever pequeninas cartas


tocantemente afetuosas à Sra. Besant, que mandava por quase todas
as malas postais. Numa delas confessou querer muito que Helen fosse
para Sydney a fim de ser “ apresentada” por Leadbeater, querendo dizer
com isso que desejava vê-la ajudada no Caminho do Discipulado, mas
o pai não a deixou ir e Leadbeater negou-se a recebê-la sem o consen­
timento paterno. K estava preocupado com ela, temendo vê-la des­
perdiçar a sua vida junto da família.
No princípio de março, K confidenciou à Sra. Besant que John
Ingleman, o médico sueco em cuja casa se hospedara durante sua
estada em Hollywood no ano anterior, lhe dera um automóvel, mas
como ele não queria que se divulgasse a notícia de um presente tão
caro, pedira a Dwarkanath Telang que figurasse como o seu “ proprie­
tário oficial” . Dwarkanath estava em Adyar e K pretendia embarcar
o carro para lá na próxima vez em que voltasse à índia. (N a verdade,
porém, não o fez.) O automóvel chegou a Ojai no dia 2 de março
e causou intensa comoção por ser o primeiro que ele já possuíra. Era
um Lincoln conversível azul pálido, de sete lugares, com “ lâmpadas
de prata” — “ tão bom quanto um Rolls” , disse ele a Lady Emiiy.
“ Faz com facilidade 115 quilômetros por hora e sobe morro como
um passarinho.” Foi a única alegria que conheceu durante esses meses
torturantes, tirante o fato de que Nitya, apesar da tensão, parecia
completamente curado da sua enfermidade.

188
Mais ou menos no fim de fevereiro o “ processo” de K atingiu
um clímax, que ele descreveu a Lady Emily:
Não se preocupe comigo, pois acho que tudo foi arranjado para que
eu passasse sozinho por esse transe. É provável que a influência feminina
não fosse desejada e Eles diligenciaram afastá-la de mim. Os últimos 10
dias foram realmente violentos, minha espinha e meu pescoço ficaram
muito fortes e anteontem, dia 27 [fevereiro], tive uma noite extraordinária.
Seja lá o que for, a força ou como quer que denominemos a maldita
coisa, me subiu pela espinha, me chegou à nuca e ali se separou em duas,
uma que foi para a direita e a outra para a esquerda da minha cabeça
até se encontrarem entre os dois olhos, logo acima do meu nariz. Houve
uma espécie de chama e vi o Senhor e o Mestre. Foi uma noite tremenda.
Está claro que foi tudo doloroso ao extremo. Ontem à noite eu estava
tão cansado que não se pôde fazer coisa alguma, mas suponho que isso
continuará e tenho a certeza de que logo teremos um feriado.

Ele descreveu essa experiência à Sra. Besant também, embora


sem mencionar a influência feminina, e Nitya lhe fez igualmente um
relato de tudo. Nitya presumia tratar-se da “ abertura do terceiro olho” .
Nos tratados de Ioga menciona-se amiúde o “ terceiro olho” como o
Olho de Xiva. Fica no meio da testa e, como kundalini, associa-se à
Nitya, “ mas imagino que seja apenas uma questão de tempo. Até
clarividência. “ A clarividência de Krishna ainda não começou” , ajuntou
agora já tivemos 110 noites do processo desde que estamos aqui” .
Continuou dizendo que tinham acabado de receber um telegrama da
Dra. Rocke, de Sydney, anunciando que chegaria no fim de março
para uma curta visita. Embora ficassem muito contentes com a pers­
pectiva de vê-la, não conseguiam atinar com a razão da sua vinda.
“ Em uma de suas cartas, C .W .L . disse desejar que um médico esti­
vesse aqui para verificar se o corpo físico não estava muito sobre­
carregado, acrescentando que, no seu entender, um médico comum
condenaria a história toda. Por isso pode ser que tenha pedido a ela
para vir aqui.”
A Dra. Rocke foi realmente a Ojai e lá esteve por mais de uma
semana observando todas as noites o processo de K. Ela ainda estava
lá na derradeira noite, a 11 de abril — “ uma noite maravilhosa para
todos nós” , contou Nitya à Sra. Besant quinze dias depois. Nessa
noite, K recebeu uma mensagem, que repetiu a Nitya, o qual a pôs
imediatamente por escrito e juntou à mesma carta à Sra. Besant de 25
de abril. Nitya acreditava que a primeira parte da mensagem fosse
do próprio Senhor Maitreya. K lhes dissera que, poucos dias antes
da cessação do processo, o Senhor Buda viera uma noite. “ Na men­
sagem eles se referem à Sua vinda do modo mais belo” , escreveu
Nitya.

189
Esta foi a mensagem:
11 de abril de 1924 (das 6:30 às 7:15 da tarde)
Meus filhos, estou satisfeito com a vossa resistência e a vossa coragem.
Tem sido uma longa luta e, até onde Nós chegamos, tem sido um bom
êxito. Embora fossem muitas as dificuldades, Nós as superamos com rela­
tiva facilidade. Tem havido inúmeros capítulos no progresso da evolução,
e cada fase tem a sua provação. Este é apenas o princípio de muitas lutas.
Sede igualmente bravos, e suportai-as com a mesma graça no futuro, com
a mesma força e com a mesma alegria. Só assim podereis ajudar-Nos.
Vós vos saístes bem disso, posto que a preparação toda não esteja
terminada. A parte feita foi bem feita e com sucesso. Lamentamos o
sofrimento, muito prolongado, que vos deve ter parecido interminável,
mas há uma grande glória à espera de cada um de vós. O mesmo teria
sido viver continuamente numa cela escura, mas o sol está lá fora à vossa
espera.
Minha Bênção esteja convosco.
Embora Nós devamos começar numa data ulterior, não quero que
deixeis este lugar para ir à Europa antes do Wesak [a grande festa oculta
da lua cheia de maio que, nesse ano, caiu no dia 18 de maio], quando
todos Me vereis. Embora tenhamos guardado os três lugares em vosso
corpo é certo que haverá dor. É como uma operação; embora ela possa
passar, não podereis deixar de sentir os efeitos depois.
Podeis partir para as vossas férias há tanto tempo esperadas, mas
sede prudentes em vossa liberdade. Não partais ainda por ora. Enquanto
estiverdes aqui, antes de embarcar, preparai vossos corpos. Se bem isto
tenha sido um tanto ou quanto descurado, precisais voltar vossos pensa­
mentos inteiramente nessa direção. Muita comida, muito ar livre e exer­
cício deverão bastar. Não procureis sem necessidade os lugares muito
cheios de gente, e ficai ao ar livre sempre que puderdes. Não façais tudo
isso imediatamente, senão de modo lento e delicado, pois podereis quebrar
o corpo que esteve debaixo de tremenda tensão. Ele precisa ser tratado
com sumo cuidado.
O corpo não pode relaxar-se direito enquanto não ficar algum tempo
com sua suposta mãe. Se houver uma oportunidade, deixai que ele a
veja.
Embora Nós talvez não estejamos tão conscientemente convosco,
lembrai-vos de que tivestes o tremendo privilégio de receber muitas visi­
tações Nossas. Se bem Krishna alimentasse dúvidas e suspeitas ocasionais,
Nós estivemos sempre vigiando. Não vos preocupeis por esse lado, pois
sempre estaremos convosco.
Nos próximos meses sede felizes no conhecimento de que O vistes,
vistes Quem dá felicidade a todas as coisas, a Nós e a vós. [Esta foi a
referência à presença de Buda.]

Essas mensagens talvez não tivessem o estilo de nenhum dos


Mestres, como disse Leadbeater, mas o caso é que não tinham tam­
pouco o estilo de K.

190
Verificou-se afinal que a Dra. Rocke havia sido mandada especial­
mente por Leadbeater, que desejava um relatório sobre o estado físico
geral de K feito por “ uma pessoa sadia” . “ Ficamos alegríssimos ao
vê-la” , contou K a Lady Emily, “ pois também queríamos uma confir­
mação de que não estamos inteiramente loucos. . . Ela ficou impres-
sionadíssima com a história toda e nós não estamos inteiramente
loucos” .
Infelizmente não existe outro registro além desse da opinião da
Dra. Rocke sobre o que estava acontecendo. Foi ela o único médico
que testemunhou o “ processo” de K. O próprio K, na verdade, nunca
pareceu duvidar de que a dor fosse uma parte necessária da preparação
do corpo. Ele jamais pensou em consultar um médico nem em tomar
uma aspirina. Não obstante, a opinião de um psiquiatra ou de um
médico ortodoxo seria interessante, se não elucidativa. O mais pro­
vável, contudo, é que nada teria acontecido se um médico estranho
áC achasse na casa, ao passo que a Dra. Rocke era não só uma velha
amiga mas também uma Iniciada. Tal era a sensibilidade do corpo
de K que o elemental físico se advertira, como o leitor há de estar
lembrado, de outra presença na casa de Ehrwald quando Ruth lá
ficara uma noite. Não é muito concebível, portanto, que o processo
ocorresse com as vibrações de um estranho tão próximo de K que
pudesse observá-lo e examiná-lo.

191
22

ENSINANDO EM PERGINE

Lady Emily e Mary tinham passado o inverno na índia onde ti­


veram a alegria de ocupar por várias semanas o próprio quarto de
K em Adyar, e regressavam à Inglaterra em companhia de Edwin
Lutyens e da Sra. Besant na segunda semana de maio. K desejaria
estar lá para recebê-los — não via a Sra. Besant desde junho de 1922,
quando ela deixou Sydney — mas como nem sequer pensaria em deso­
bedecer às ordens do Mestre de só sair de Ojai depois de Wesak, e
como Nitya nessa ocasião ainda precisasse de alguns tratamentos de
Abrams em Hollywood, os dois irmãos só chegaram a Plymouth a 15
de junho. Rajagopal e Helen, que encontraram em Nova Iorque, via­
jaram com eles, enquanto que Rosalind e Koos van de Leeuw foram
para Sydney, a fim de ser “ apresentados” por Leadbeater.
K tinha grandes esperanças, como ele mesmo dissera a Lady Emily
mais de uma vez, de que todos pudessem passar juntos outra vez as
férias de verão, e fora aventada a possibilidade de irem para a Itália.
Ele rogou-lhe que conversasse sobre o assunto com a Sra. Besant
antes da sua chegada e visse o que poderia ser arranjado.
Assim que puseram os pés na Inglaterra, K e Nitya viram-se
imediatamente presos no torvelinho de atividades da Sra. Besant;
acompanharam-na em sua tournée de conferências por cidades da
província e depois, em julho, numa visita aérea a Paris ( era a primeira
vez que entravam num avião); e logo regressaram a Londres para
participar de uma Convenção da S .T . e da Estrela, que culminou, no
dia 23 de julho, com uma reunião maciça no Queen’s Hall a fim de
comemorar os cinqüenta anos de trabalhos públicos da Sra. Besant, à
qual compareceram todos os seus velhos amigos e colaboradores, assim
como o seu grande séquito de adeptos da Teosofia.

192
A 4 de agosto os irmãos foram com a Sra. Besant, novamente
por via aérea, a Hamburgo, de onde voaram para a Holanda a fim
de tomar parte num Congresso da S .T . em Arnhem, imediatamente
seguido pelo terceiro Congresso Internacional da Estrela, também em
Arnhem e, depois, pelo primeiro Acampamento da Estrela em Ommen,
a um quilômetro e meio do Castelo de Eerde, na parte das terras doadas
à Estrela por Philip van Pallandt. Esse primeiro Acampamento de
Ommen, que durou dois dias, foi muito pequeno; só uns quinhentos
membros participaram dele, dormindo todos debaixo de toldos de lona,
sete na mesma tenda, em condições muito primitivas, e não tendo outro
lugar para lavar-se senão um riozinho. A Sra. Besant regressou à
índia logo após o Congresso de Arnhem, de modo que não assistiu
ao primeiro Acampamento de Ommen, mas George Arundale e sua
esposa lá estavam. Instalou-se o Acampamento numa extensa clareira,
cercada de pinheiros. Em ambas as noites se acendeu uma fogueira
assim que começou a escurecer. Toda a gente se reunia em torno do
fogo enquanto K falava; quando ele acabava de falar, Nitya e Raja-
gopal salmodiavam em sânscrito alguns cânticos de Sri Krishna.
Em suas palestras nesse ano K enfatizou a necessidade de sentir-.
uma concepção meramente intelectual de um divino Mestre não bastava
aos que forcejavam por atingir o Caminho do Discipulado; fazia-se
mister um sentimento apaixonado, uma energia ardente que ele só
poderia comparar com o apaixonar-se. Era essa capacidade de apai­
xonar-se, de dar-se completamente, que lhe parecia tão escassa, sobre­
tudo nas pessoas mais velhas.
Em obediência aos desejos dele, Lady Emily combinara com alguns
amigos que, encerradas as atividades do Acampamento, partiriam todos
novamente para umas férias fora dali. Os Kirbys haviam encontrado
acomodações num castelo do século X I convertido em hotel, no topo
de um morro íngreme, a cavaleiro da aldeia de Pergine, a uns dezesseis
quilômetros de Trento. Embora K as tivesse convidado, Mar de Man-
ziarly e Isabelle Mallet não puderam fazer parte do grupo nesse ano,
mas lá estavam todos os outros companheiros das férias de Ehrwald
— Lady Emily, Betty, Mary, Helen, Ru th, Rajagopal, Cordes e os
Patwardhans. Além disso, havia mais dois indianos — N. S. Rama
Rao 1 e uma médica gentil, Sivakamu, a irmã mais velha de Rukinim,

1. Rama Rao (nenhum parentesco com Shiva Rao) estudara, como Jadu,
em Cambridge, onde se bacharelara em ciências. Ainda menino, fugira de
casa, em Misore, e dirigira-se para Benares, ambicionando educar-se no Colégio
Central Hindu. George Arundale dera-lhe uma bolsa de estudos e ele se tornara
esposa de George Arundale. O grupo chegou a Pergine no dia 18 de
agosto, tendo-se os Kirbys juntado a ele no fim do mês.
O Hotel Castello gozava de uma situação belíssima, com vistas
de montanhas coroadas de neve e terraços de vinhas logo abaixo. K,
Nitya, Lady Emily, Helen e Rajagopal ocupavam uma torre quadrada,
separada do corpo principal do hotel, num canto dos antigos adarves;
os demais membros do grupo espalharam-se pelo castelo, em cuja vasta
sala de jantar o grupo todo fazia suas refeições separado por biombos
dos outros hóspedes e com sua própria cozinheira vegetariana, uma
austríaca contratada por Cordes.1
Às oito horas da manhã, todos se dirigiam à torre de K, para
meia hora de meditação antes do desjejum; K lia para eles, em voz
alta, um trecho de O Evangelho de acordo com Buda; depois, ele, Nitya
e Rama Rao cantavam juntos uma mantra. Mais tarde, ainda de manhã,
desciam pelos vinhedos até um campo plano, onde se entregavam aos
jogos inevitáveis de beisebol e voleibol.
Estavam todos lá com um propósito definido naquele verão —
ser ajudados ao longo do Caminho do Discipulado. O Solar, em Sydney,
presidido por Leadbeater, era reconhecido como a maior das casas de
forçamento esotérico, e Lady Emily, Betty, Mary, Helen e Ruth espe­
ravam ir a Sydney o mais depressa possível, de acordo com o desejo
ardente de K. Lady Emily escrevera à Dra. Rocke, a única pessoa
íntima de Leadbeater que ela conhecia em Sydney, perguntando se ele
aprovaria a ida dela para lá em companhia das quatro moças. No
dia 30 de agosto a Dra. Rocke respondeu, comunicando a anuência de
Leadbeater ao plano. Concertou-se, portanto, que Lady Emily e as
quatro jovens viajariam para a índia com K e Nitya em novembro e
iriam depois a Sydney, após passarem algumas semanas em Adyar.
Definitivamente acertada a ida delas para Sydney, Lady Emily
rogou a K que tentasse prepará-las para a grande oportunidade, de
modo que, em lugar de disputar jogos a manhã toda, K principiou a
falar-lhes sobre a finalidade para a qual estavam ali reunidas. “ Ele
era muito tímido a princípio” , lembra-se Mary, “ e nós também, mas
a timidez logo se dissipou e ele se pôs a falar cada vez mais aberta­
mente” . K sentava-se debaixo de uma macieira na orla do campo,

um dos alunos mais brilhantes de George. Também estivera em Varengeville


em 1913.
1. O Castelo ainda é um hotel, porém muito mais luxuoso. A torre qua­
drada é agora um anexo com quartos numerados e separados, um em cada andar,
ao passo que em 1924 mais se assemelhava a uma casa pequena.

194
N

um pouco apartado dos outros, os joelhos dobrados à altura do queixo


e os dedos brincando com as longas hastes da relva a seus pés. Nitya
também lhes falava de vez em quando; julgava-se capaz de ajudar por­
que, em certa ocasião, fora “ arrastado para longe de todas essas coisas”
mas tornara a encontrar seu “ caminho de volta” .
Tanto Lady Emily quanto Mary tomaram nota em seus diários de
algumas coisas ditas por K nessas palestras: as qualidades de que todas
precisavam para conseguir o discipulado eram a abnegação, o amor e
a simpatia; todas deveriam dar um salto no escuro; precisavam viver
perigosamente; sentir com tanta agudeza que deviam ser capazes de
saltar pela janela; e mudar radicalmente; era “ tão fácil” e “ tão diver­
tido” mudar! K disse às moças que estariam apenas dando expressão
à sua própria natureza humana se ansiassem por casar, por ter um
companheiro e um lar só seu, mas não poderiam ter essas coisas e
servir o Mestre ao mesmo tempo; ser-lhes-ia forçoso escolher; não
lhes seria possível brincar com esses dois tipos de vida; o casamento
só serviria para aburguesá-los; qualquer coisa era melhor que a medio­
cridade; não deviam, porém, destruir a emoção e tornar-se duras; a
única maneira de crescer era crescer por amor e radiosa felicidade. E
definiu a verdadeira devoção: a capacidade de responder instantanea­
mente.
Além das palestras matutinas, K mantinha conversas pUrticulares
com algumas jovens no quarto de Lady Emily, à tarde. Mary publicou
um relato das que manteve com ele e que, na ocasião, registrou em
seu diário. Sua última anotação foi:
Tenho tido outras conversas maravilhosas com Krishna — numa das
quais me fez chorar — em que ele insiste na necessidade de um esforço
imediato no caso de vir a dissipar-se a visão do topo da montanha. . .
Ele acabou dizendo que nunca ninguém me amaria tanto quanto ele me
ama — que nenhuma de nós sabe o que é o verdadeiro amor, a verda­
deira devoção, e que ele me queria ver grande, feliz e bela. Ficava, às
vezes, tão comovido pelos próprios esforços e pelo desejo de ajudar
que chegava a chorar.

K falava, sem dúvida, com as outras gopis (como as moças se


chamavam umas às outras) no mesmo estilo, fazendo cada qual sentir
que a única coisa importante para ele era o progresso dela, exatamente
como Sri Krishna, eternamente jovem e eternamente sábio, se multi­
plicara para dançar com todas as gopis ( ordenhadoras ) ao mesmo
tempo na Floresta de Brindaban. Em sua autobiografia, Betty Lutyens
sustenta que essas conversas particulares com K destruíram por largos
anos a confiança que ela depositava em si mesma, mas também não

195
esconde que sempre tivera ciúme do amor de sua mãe a ele. K, sem
dúvida, fazia muitas vezes chorar todas elas, incluindo Lady Emily,
com as amargas verdades íntimas que lhes dizia sobre a aparência, o
comportamento e o caráter de cada uma. Por mais desagradáveis que
fossem, no entanto, essas críticas se afiguravam necessárias a Mary,
se é que as raparigas desejavam efetivamente modificar-se de modo ra­
dical, como lhe asseguravam, embora não haja dúvida de que ele dou­
rava mais as pílulas para Mary, sua constante favorita desde os três
anos de idade.
K achava-as todas tremendamente irresponsáveis. No dia 13 de
setembro ele disse a Lady Emily que era o mesmo falar a um grupo
de esponjas, que se limitavam a absorver tudo; sentia vontade de
“ machucá-las” ainda mais. No dia seguinte, confessou-se desesperado
por notar tão pouca mudança em qualquer uma delas e perguntava
a si mesmo se seria ele a pessoa indicada para ajudá-las. “ Vocês são
como pessoas num quarto escuro à espera de que alguém lhes acenda a
luz, em lugar de tatear no escuro e acendê-la sozinhas.” Lady Emily
recordou-lhe as palavras de São Paulo: “ Minhas criancinhas, pelas quais
sofro as dores do parto até Cristo nascer em vós.” Ao que ele retrucou:
“ Pode apostar que sinto as dores, sim, senhora!”
Ele bem podia dizer isso porque seu “ processo” recomeçara no
dia 21 de agosto, mais torturante do que nunca, o que se diria impos­
sível em Ojai. Escrevendo a Mar de Manziarly no dia 14 de setembro,
Nitya afirmou que o processo, nas últimas três semanas, representara
uma tensão maior do que tudo o que lhe era dado recordar.
A 4 de setembro K recebeu instruções para fechar o seu quarto
às 3 horas da tarde, a fim de que ninguém pudesse tocá-lo depois
dessa hora e para diligenciar que tudo e todos estivessem excepcional­
mente limpos; ele tampouco deveria comer antes do seu ordálío. Às
6 horas tomaria banho, vestiria um traje hindu e iria para a “ câmara
de torturas” , como lhe chamava Lady Emily. Só a Nitya se permitia
acompanhá-lo. Jantando cedo, Lady Emily, Helen e Rajagopal costu­
mavam passar a hora que durava o processo sentados na escada fora
do quarto dele. Terminada a provação, sentavam-se junto dele, no
quarto, e assistiam ao seu jantar.
No anoitecer do dia 24, Lady Emily recordou que K tivera um
pressentimento de que aquela seria “ uma noite emocionante” e não
havia dúvida alguma de que o Senhor Maitreya viera e ficara com
ele durante muito tempo, deixando uma mensagem para todo o grupo,
A mensagem foi lida para todos, em voz alta, na manhã seguinte, por
Nitya:

196
Aprendei a servir-Me, pois só ao longo dessa senda Me encontrareis
Esquecei-vos, porque só então serei encontrado
Não procureis os Grandes quando Eles podem estar muito perto de vós
Sois como o cego que busca a luz do sol
Sois como o faminto a quem se oferece comida e não come
A felicidade que buscais não está longe; está em cada pedra comum
Estou aqui; basta quererdes ver. Sou o Ajudador; basta que Me deixeis
ajudar

Estas poderiam ter sido as próprias palavras de K, bem no estilo


dos poemas que, logo depois, estaria escrevendo. Como se poderia
sustentar, é claro, que o Senhor Maitreya inspiraria os poemas a K.
Como quer que fosse, essa mensagem diferia muito, no estilo, das
outras que tinham sido “ trazidas” .
O processo foi suspenso depois do dia 24 de setembro e, nas
últimas três semanas da estada em Pergine, K jantou com o resto
do grupo no refeitório do hotel. Relaxou-se completamente, cantou
canções cômicas e contou piadas um tanto vulgares, das quais se
ria descompassadamente. Lady Emily ficava chocadíssima com tamanho
sacrilégio depois das noites maravilhosas na torre quadrada. As súbitas
mudanças de K, que passava do sublime ao ridículo, sempre a des­
concertavam. Para os membros mais humildes do grupo, no entanto,
que não tinham tido o privilégio de freqüentar a torre quadraâa, era
uma alegria poder fruir da companhia de K e Nitya nessas noites,
fazendo bobagens e divertindo-se.
23
"O CIRCO ITINERANTE”

“ O circo itinerante” , como Lady Emily chamava ao seu grupo,


deixou Pergine num domingo, 28 de setembro, e viajou até Milão.
Dali, K e Nitya foram para Gênova, onde precisavam resolver um
contratempo qualquer surgido em conexão com a Estrela, e depois
para a Holanda, a fim de proceder aos últimos arranjos que visavam
à transferência de Eerde para a Fundação. De volta a Londres no
dia 7 de outubro, ficaram com Lady De La Warr, numa casa que ela
alugara na cidade, Buckingham Street, 10, Westminster, visto que
a Srta. Dodge abrira mão de Warwick House; em fins de outubro,
foram a Paris enquanto Rajagopal retornava a Cambridge, no intuito
de cursar o último ano antes de formar-se em Direito.
Na noite de 28 de outubro Lady Emily juntou-se a eles em Paris
com Helen, Ruth, Betty e Mary, e foram todos para Veneza, de onde
embarcariam rumo a Bombaim num navio da Lloyd Triestino Line,
mais barato que o P & O. Com a costumeira generosidade, a Srta.
Dodge pagou as passagens de volta a Sydney de Lady Emily e das
quatro moças. Não fora isso e Edwin Lutyens poderia ter vetado o
plano, que deplorava, pois Lady Emily não estava financeiramente em
condições de fazer essa viagem. No dia 13 de outubro sua segunda
filha, Ursula, que nunca veio a sofrer a influência da Teosofia, casara
com toda a pompa da igreja de St. Margaret, Westminster, de modo
que o pai devia sentir-se particularmente desinclinado a mandar o
resto da família numa excursão dispendiosa à Austrália, sem falar
no seu receio de que Betty e Mary viessem a cair sob a influência
de Leadbeater. É um mistério o modo com que Lady Emily conseguiu
fazer todos os arranjos para o casamento de Ursula, tendo estado
fora de casa desde o começo de agosto e só voltando de Pergine no
fim de setembro.

198
ssafe

. ■

S S 'ä i mm

K debaixo da macieira em Pcrgine, 1924


Chegada a Bombaim, em novembro de 1924. Nitya, a Sra. Besant, K
Lady Emily escreveu em seu diário a 28 de outubro: “ Partimos
para a grande aventura. Aonde nos conduzirá ela?” Poderia ter con­
duzido ao desastre pois, a despeito do aviso representado pela morte
de Barbara Villiers de febre tifóide em Benares, Lady Emily parecia
não se advertir do risco que corria por não se haver vacinado nem
haver vacinado as moças antes de partir. K não aprovava a inoculação
de venenos no corpo (sobretudo agora que conhecia a opinião do Dr.
Abrams a respeito da vacinação) de modo que ela também não a
aprovava. Talvez sua fé fosse tão eficaz quanto qualquer outra pro­
teção contra as infecções.
Depois de quatro dias frigidíssimos de visita aos lugares mais
interessantes de Veneza, onde se hospedaram no Luna Hotel, embar­
caram, no dia 2 de novembro, no Pilsna. Rama Rao e os Patwardhans
reuniram-se a eles em Veneza e com eles fizeram a viagem por mar.
A última parte da viagem trouxe a bem-aventurança para Mary, agora
com dezesseis anos. Ela estivera apaixonada por Nitya desde que se
conhecia por gente e se aproximara muito dele em Pergine. Certo
dia ao entardecer, no Mar Vermelho, estando ambos debruçados sobre
a amurada do navio assistindo ao pôr-do-sol, ele confessou-lhe que
a amava. Disse mais que amara primeiro sua irmã mais velha, Barbie,
depois a Sra. de Manziarly, depois Rosalind ( “ Quando vi Rosalind
pela primeira vez qualquer coisa pareceu quebrar-se dentro de mim” ).
“ E agora, você” , ajuntou ele. Mas a felicidade de Mary seria tão breve
quanto os crepúsculos do Oriente: dois dias antes de chegarem a
Bombaim, quando os dois se encontraram no convés para assistir ao
pôr-do-sol, como se tornara seu hábito, Nitya contou-lhe que tornara
a expelir sangue pela boca ao tossir, naquela manhã. A súbita hemor­
ragia chegara com um choque terrível para ele, que se acreditava curado,
e a preocupação era ainda maior por saber que se achava a caminho
do calor úmido de Adyar. E tinha pavor de precisar contar a K.
Chegaram a Bombaim no dia 18 de novembro, e ali foram rece­
bidos pela Sra. Besant e por uma multidão de teosofistas, incluindo
Raja, Shiva Rao e Ratansi, com quem foram todos passar alguns dias.
K e Nitya trocaram imediatamente de roupa, vestindo trajes indianos.
Nitya avisara Mary de que “ as coisas seriam diferentes” depois que
chegassem à índia, mas ela não estava preparada para uma separação
daquela natureza. Havia sempre tanta gente à volta dele e de K que
ela não teve sequer a oportunidade de trocar uma palavra a sós com
o rapaz durante todo o tempo em que estiveram em Bombaim. E
não acreditava que Nitya tivesse tido a coragem de falar a K sobre
a hemorragia a bordo do navio.

199
A chegada a Adyar ocorreu no dia 24 de novembro. Ali toda
a família dc Manziarly, incluindo Sacha, que se encontrava na índia
desde o fim de outubro, estava esperando para cumprimentá-los. Lady
Emily alugara a chamada Arundale House, perto da sede, defronte do
rio. (A Srta. Arundale, falecida em março daquele ano, construíra a
casa em 1910.) Helen, Ruth, Betty, Mary e Shiva Rao ali se hospe-
param com Lady Emily, e K e Nitya almoçavam e jantavam com eles
todos os dias na sala de jantar ladrilhada e desguarnecida de móveis,
sentados no chão e tendo folhas de bananeiras à guisa de pratos. Havia,
naturalmente, um cozinheiro brâmane. Depois do jantar, Lady Emily
lia em voz alta para eles, cumprindo notar que a leitura em voz alta
era um dos seus maiores talentos.
A Sra. Besant foi muito bondosa para com as jovens. Não tinha
muita coisa para dizer lhes mas, quando as via, tomava-lhes as mãos
e encarava-as com um sorriso tão afetuoso que elas teriam morrido
por ela. A Sra. Besant possuía, com efeito, um talento extraordinário
para inspirar devoção. Usando sempre sáris brancos quando estava na
índia, dir-se-ia, de certo modo, que fora feita para usá-los, à diferença
das outras mulheres européias residentes em Adyar, que lhe seguiam
o exemplo e pareciam ridículas. Felizmente nem Lady Emily nem
qualquer uma das gopis tentou usar alguma coisa que não fossem
roupas ocidentais, muito embora adotassem horários e hábitos indianos,
tais como sentar-se no chão às refeições, comer com as mãos e tirar
os sapatos antes de entrar numa sala.
Às sete horas, todas as manhãs, K fazia uma reunião em seu
quarto, a que estavam presentes, entre outros, todas as gopis. Falava
praticamente como falara em Pergine mas, como houvesse cerca de
quarenta pessoas nessas reuniões, estas eram muito mais formais. De­
pois, quando a tarde esfriava, um grande grupo de jovens e menos
jovens disputava partidas emocionantes de voleibol na velha quadra
de tênis.
A essa altura, toda a gente já sabia que Nitya estava doente
outra vez. Febril, não assistia às reuniões matutinas nem participava
dos jogos; sentia-se, às vezes, tão mal que nem ia jantar em casa
de Lady Emily. (Noites negras, essas, para Mary.) Apesar de tudo,
em meados de dezembro, foi passar duas semanas em Bombaim com
a Sra. Besant e K, a fim de participar de uma Convenção Teosófica,
o que, por certo, não lhe fez bem à saúde. K ali falou em público
sobre o tema “ O Cidadão como Agente Divino” .

200
Nesse meio tempo, a 11 de dezembro, Ruth e Helen tinham ido
na frente para Sydnev. K escrevera a Leadbeater no dia em que elas
partiram, antes de ir para Bombaim:
Estamos todos, mais uma vez, de volta à velha e querida Adyar, e
não há lugar como ela no mundo inteiro. Nem mesmo a Califórnia atinge
o magnífico nível de Adyar. Eu só desejaria que você estivesse aqui como
outrora, mas tenho grandes esperanças de que virá para a grande Con­
venção de 1925 em Adyar [o quinquagésimo aniversário de fundação da
S. T. ] . . .
Folgo em que Ru th esteja voltando para você; creio que a achará
muito mudada e, segundo espero, para melhor. É claro que você será
capaz de ajudá-la mais do que qualquer um de nós e eu me sinto feli­
císsimo por ela estar indo.
Sobre Helen. Tenho insistido e diligenciado para que vá procurá-lo.
Esse tem sido o meu sonho, desde que a conheci, e venho tentando
prepará-la para tirar o máximo proveito da sua companhia. Creio que
ela é alguém e será útil mais tarde. Por isso fiz todo o possível para
que ela fosse. Rezo para que ela coopere, mas a cooperação está nas
mãos dela, na vontade de Deus e na sua.
I^ady Emily e as filhas irão em março.
Meu processo está começando devagar e é bem doloroso. Tenho a
nuca e a base da espinha mais uma vez ativas e quando penso ou escrevo
essa atividade é quase insuportável. Assim que me deito sinto muita
dor e, quando acordo de manhã, acordo com a impressão de que a dor
esteve presente a noite inteira. É tudo muito curioso e não o com­
preendo de maneira alguma. . . Tenho um intenso desejo de vê-lo, e
pergunto a mim mesmo quando verei satisfeito o meu desejo.

O seu desejo seria satisfeito muito mais cedo do/ que ele esperava.
K e Nitya tinham sido convidados para assistir à Convenção da S .T .
de abril em Sydney e, quando John Mackay, seu anfitrião de 1922,
se ofereceu para pagar-lhes as passagens, decidiram ir em companhia
de Lady Emily se Nitya estivesse suficientemente bom.
No dia 9 de janeiro de 1925, Lady Emily, com Betty e Mary, foi
para Deli a fim de juntar-se ao marido. Logo depois Nitya ficou tão
doente que lhe recomendaram uma temporada de alguma semanas
na estação montanhosa de Ootacamund, de onde regressaria a Ojai
passando por Sydney, para outra série de tratamentos Adams. A Sra.
Besant, que estava em Deli com os Lutyens, aprovou o plano, de
modo que no dia 23 de janeiro Nitya foi para “ Ooty” com a Sra. de
Manziarly, Yo e Rama Rao. Ali se instalaram numa casa chamada
Gulistan ( “ Sítio de Flores” ) onde a Sra. Besant vivera durante o seu
internamento em 1917. Construída pelo Coronel Olcott em 1890,
era a casa de verão da presidenta da S .T ., que dificilmente a utilizava.

201
Depois de informar a Sra. Besant da partida de Nitya, K passou
a falar-lhe da própria dor, que estava “ ficando cada vez pior” .
Imagino que ela cessará algum dia mas, por enquanto, é medonha.
Não posso fazer trabalho de espécie alguma, etc. Atualmente dura o dia
inteiro e a noite inteira. Quando Helen estava aqui eu conseguia relaxar-
-me, mas agora nem isso. Sinto uma vontade enorme de chorar a mais
não poder, mas não adianta. Eu gostaria de que Helen estivesse aqui.
Recebi carta dela de Sydney e C . W . L . parece tê-la recebido bem, falado
com ela e mostrando-se muito simpático. Por isso estou contente.

Alguns dias antes de escrever as frases acima ele estivera em


Madanapalle, sua terra natal, procurando um local adequado à uni­
versidade que pretendia fundar na índia, seu sonho mais querido.
Descobrira um lindo lugar no Vale de Tettu, a uns dezesseis quilô­
metros da cidade e cerca de 750 metros acima do nível do mar, e
esperava poder ali comprar 1.000 acres. 1
Sua preocupação com Nitya transparece de uma carta que escreveu
à Sra. Besant no dia 10 de fevereiro, contando um sonho que tivera:
Lembro-me de ter ido à casa do Mestre, a quem pedi e implorei
que deixasse Nitya sarar e o deixasse viver. O Mestre aconselhou-me a
procurar o Senhor Maitreya. Fui até lá e supliquei-Lhe, mas pareceu-me
que isso não Lhe dizia respeito e que eu devia ir ao Mahachohgn [veja
a p. 47]. Lá fui eu. Recordo-me de tudo com a máxima clareza. Ele
estava sentado na Sua cadeira, com grande dignidade e magnífico enten­
dimento, os olhos graves e bondosos. Sei que a minha fútil descrição é
absurda, mas não me é possível transmitir a grande impressão que tudo
aquilo me causou. Eu disse-Lhe que sacrificaria minha felicidade ou o
que quer que fosse preciso para que Nitya pudesse viver, pois sentia
que isso estava sendo decidido. Ele escutou-me e respondeu: “Ele ficará
bom.” Experimentei um grande alívio e toda a minha ansiedade desapa­
receu completa mente.

Nitya recobrou alguma saúde em “ Ooty” , se bem que no dia 19


de fevereiro escrevesse a Mary, a qual, com Lady Emily e Betty,
acabava de voltar a Adyar, vinda de Deli:

1. O plano só se materializou no ano seguinte e, mesmo assim, ele só


conseguiu comprar 300 acres. Ali se fundou uma escola, não uma universidade,
e o vale foi rebatizado com o nome de Vale do Rishi, porque era dominado
pelo monte Rishikonda. Organizou-se a Fundação do Vale do Rishi nas mesmas
linhas em que se organizou a Fundação Eerde, sendo K um dos membros
do seu conselho-diretor. A escola, baseada em suas idéias de educação, ainda
floresce e, todas as vezes que vai à índia, ele passa lá algumas semanas conver­
sando com os alunos e professores.

202
Estive de cama durante quatro semanas e os ossos estão-me furando
a pele. Quantas vezes já caminhei até o precipício da morte, olhei para
baixo e retrocedi! Isso está-se tornando um hábito para mim. Quando eu
realmente morrer na provecta idade de 90 anos, ou coisa que o valha, con­
tinuarei a viver por força do hábito. .. Foram as piores quatro semanas
que já passei. Sentir-se alguém doente, fraco e fracassado é uma combi­
nação horrível. [Ele deu a Mary algum conforto acrescentando:] Mas seja
o que for que você fizer ou deixar de fazer hei de amá-la sempre.

Nitya tornou a Adyar no dia 11 de março e, dois dias depois,


ele, K, Raja, Rama Rao, Lady Emily, Betty e Mary partiram para
Sydney, enquanto que os de Manziarly permaneciam na índia, com
exceção de Sacha, que fora assumir um emprego em Pequim. Raja
decidira de repente ir com eles a Sydney e partilhar da responsabi­
lidade de cuidar de Nitya, e sua decisão representara um grande alívio
para K, que estava com muito medo da viagem. Nitya parecia terri­
velmente magro e doente; a péssima travessia até o Ceilão deixou-o
exausto e ele precisou apoiar-se pesadamente no braço de Raja enquanto
faziam fila para a inspeção dos passaportes ao embarcarem em Co­
lombo no Ormuz. Durante a viagem, só deixava o camarote para
deitar-se no tombadilho, Mary fora proibida de aproximar-se dele.
Ficara decidido que ele voltaria a Ojai o mais cedo possível, e que se
pediria a Rosalind, que estava em Sydney desde que os irmãos tinham
viajado para a Inglaterra no ano anterior, que fosse com eles a fim
de cuidar de Nitya. Ao saber disso alguns dias depois do embarque,
Mary ficou tão enciumada que pensou em matar-se, ouvindo de K,
caracteristicamente, um “ Não faça o papel de idiota!” Ele não supor­
tava mesquinhezas e que poderia ser mais mesquinho do que o ciúme,
mormente estando em jogo o bem-estar de Nitya? K afirma que nunca
o sentiu em toda a sua vida. Poder-se-ia dizer que nunca teve motivos
para senti-lo, mas é realmente difícil imaginá-lo nutrindo pdí mais
de um instante um sentimento tão incompatível com a nobreza e a
grandeza, tão completamente medíocre e desprezível.
Em Fremantle, Perth, Adelaide e Melbourne, realizaram-se
reuniões da Estrela em que falaram K, Raja e Lady Emily. Em todos
esses sítios foram apresentados a K lotes de terra em que se poderiam
erguer edifícios para o trabalho do Mestre Universal. Essas Terras
da Estrela, como eram chamadas, dedicavam-se a ele não só em Victoria
mas também em New South Wales, Queensland e Tasmânia. Como
sempre, K pediu que a propriedade fosse gerida por uma Fundação.
Na própria cidade de Sydney havia sido construído um grande anfi­
teatro branco capaz de acomodar 2.500 pessoas sentadas em vinte e
seis filas de assentos — inspiração da Dra. Rocke. Situava-se num

203
local realmente magnífico, na beira da costa rochosa que domina o
porto de Balmoral. A própria Dra. Rocke fizera uma generosa con­
tribuição para as despesas, embora o grosso das 13 500 libras em que
tinham sido orçadas a construção e a compra da terra fosse levantado
mediante a venda das cadeiras dos Fundadores — 10 libras por cadeira
no topo e 100 libras por cadeira próxima da arena. A pedra funda­
mental fora lançada por Leadbeater em junho de 1923 e a construção
ficou pronta a tempo de K poder usá-la para falar durante a Convenção,
que se iniciou logo após a sua chegada a Sydney.

204
24
NITYA INSPIRA CUIDADOS

O grupo chegou a Sydney no dia 3 de abril, e foi recebido por


Leadbeater e todo o seu séquito, incluindo Dick Clarke, agora seu
companheiro constante. Leadbeater “ veio-se pavoneando pelo cais
abaixo como um grande leão” , descreveu-o Mary, “ sem chapéu, envolto
num longo manto de púrpura, apoiado ao braço de um rapazinho loiro,
muito bonito, dc seus quinze anos de idade” . Era Theodore St. John,
garoto australiano de grande encanto e meiguice, favorito de Lead­
beater naquela época e que tinha o privilégio de dormir em seu quarto.
Teria sido difícil não notar Leadbeater no meio da multidão, pois
mesmo sem a roupa e sem os cabelos brancos, era muito alto e usava
uma longa barba alvacenta. “ Tinha olhos azuis, coruscantes e prazen­
teiros, modos brincalhões, voz aguda, porém agradável” , e um “ ar de
saúde efervescente, como se mantivesse todas as suas faculdades, men­
tais e físicas, em perfeito estado de funcionamento para seu uso ime­
diato” . Debaixo do manto trazia batina vermelha com uma grapde
cruz de ametista em volta do pescoço e urn imenso anel de ametista
no terceiro dedo da mão direita. Estava agora com setenta e oito
anos mas parecia muito mais moço, dando a impressão, pela sua enorme
vitalidade, que não havia “ nada que não fizesse ou não ousasse” . O
seu único traço desagradável era um par de caninos superiores, ama­
relos, muito compridos, que nos traziam inevitavelmente ao espírito a
lembrança de vampiros.
K e Nitya foram imediatamente arrebatados pelo Sr. Mackay e
por Rosalínd e carregados para a casa do primeiro, Myola, em David
Street, Mosman, subúrbio de Sydney, :>erto de O Solar, onde Lead­
beater vivia com a sua comunidade desde 1922. O Solar era um
casarão medonho, erguido numa bela posição a cavaleiro do porto,
onde umas cinqüenta pessoas de todas as idades e nacionalidades ten-

203
tava viver em harmonia, comendo numa sala de jantar comum sob o
olhar vigilante de Leadbeater postado no alto de um estrado, e que,
se bem consentisse numa conversação em surdina, estremecia ao cair
de uma faca ou ao arrastar de uma cadeira.
A Lady Emily e suas filhas foi concedido o privilégio de dormir
num quarto do rés-do-chão, perto do quarto de Leadbeater. As únicas
pessoas que elas conheciam ali, além de Dick Clarke, eram a Dra.
Rocke, Helen, Ruth, a mãe de Ruth, a Sra. Roberts e Koos van de
Leemv, transformado agora em padre da Igreja Católica Liberal e
encarregado das finanças da comunidade. Leadbeater formou um gru-
pinho especial, composto de Theodore St. John, Lady Emily, Betty,
Mary, Ruth e Helen, que convidava para ir ao seu quarto todas as
tardinhas e ao qual falava sobre os Mestres com a mais contagiosa
convicção da sua realidade. A atmosfera nada tinha de santa; ele
contava anedotas prosaicas dos Mestres, como se fossem os vizinhos
do lado, e sempre oferecia cortesmente a melhor cadeira ao seu gato.
Desse gato se dizia que estava em sua última encarnação; e, com
efeito, tão humano era ele que, tendo entrado uma noite no quarto
de Lady Emily quando esta se dispunha a ir para a cama, ela se sentiu
tão encabulada que não se despiu diante dele.
Num passeio, a conversação de Leadbeater era fascinante. Fazia
comentários sobre tudo o que via clarividentemente à sua volta, como
os devas, ou espíritos da natureza, que não suportavam amantes hu­
manos vulgares nem o cheiro do álcool ou do fumo, mas se apinhavam
ao redor dos residentes em O Solar porque estes não bebiam, não
fumavam, não comiam carne e viviam “ unidos por verdadeira afeição” .
Um dia Leadbeater apontou para uma grande rocha no Parque Taronga
que, de uma feita, se apaixonara por um dos meninos de O Solar;
quando o menino se sentou sobre a rocha, toda a vida que havia
na rocha se concentrou na parte em que o menino estava sentado.
Ser amado por rochas e por espíritos da natureza talvez não fosse
um substituto adequado para o amor humano, mas parecia assaz inve­
jável aos olhos de Mary.
Dois dias antes da Convenção Teosófica, inaugurada no dia 9
de abril, Nitya procurara um especialista que diagnosticara cavidades
no ápice e na base do pulmão esquerdo e uma lesão no pulmão direito,
declarando que ele precisaria de toda a sua força para recuperar-se;
mas teria de deixar Sydney incontinenti. A Dra. Rocke partiu sem
demora para Leura, nas Montanhas Azuis, a 900 metros acima do nível
do mar, e encontrou para ele uma casa mobiliada, de cinco cômodos,
uma espécie de cabana superior de troncos. Logo após a Convenção,

206
ele foi para lá com K , Rosalind, Rama Rao e a Sra. Roberts, que
servia de acompanhante e ama de chaves. Como o lugar distasse de
Sydney apenas uma hora de trem, K podia subir e descer à vontade.
A temperatura de Nitya não tardou a cair sob o influxo do ar seco e
relativamente frio, mas o médico lhe recomendara que ficasse nas
montanhas o tempo suficiente para reunir condições de voltar à Cali­
fórnia. Como Raja se comprometera a retornar à índia, K telegrafou
ao Dr. John Ingleman, de Hollywood, pedindo-lhe que viesse ajudar
a cuidar de Nitya durante a viagem. (Ingleman chegou a Sydney no
dia 5 de maio.) K estava certo de que Nitya sararia; escreveu à Sra.
Besant no dia 3 de maio: “ Já não existe a atmosfera do doente ao
redor dele; está muito mais alegre e, o que é excelente, sente estar
melhorando.”
Período intranqüilo e tedioso para K, que vivia, virtualmente,
no trem, entre a casa dos Mackays em Myola e “ Nilgiri” , como cha­
mavam à casa de Leura, que o Sr. Mackay acabara comprando. Embora
tivesse sido o seu próprio desejo, o seu “ sonho” , que as gopis fossem
para Sydney, ele agora não resistia à tentação de troçar delas vendo-as
ali. O Solar estava engrenado com a Igreja Católica Liberal e a C o
-Maçonaria. 1 Koos van de Leeuw celebrava missa todos os dias antes
do desjejum numa capela particular, e havia bênção todas as tardes,
ao passo que, aos domingos, Leadbeater celebrava dois ofícios da Igreja
Católica Liberal, na igreja de St. Alban, em Regent Street, aos quais
se esperava que assistisse todo o pessoal de O Solar. O não compa-
recimento aos serviços religiosos lhes atalharia de certo o progresso
esotérico. A igreja era tão alheia à natureza de K que, conquanto ele
tentasse mostrar-se respeitoso e destituído de espírito crítico, todos os
seus instintos se rebelavam contra isso. Ansiava pela recuperação de
Nitya, a fim de que ambos pudessem partir para Ojai.
Mary sentiu que K estava tão fora do seu lugar naquela comuni­
dade medíocre quanto uma gazela num rebanho de carneiros, ao passo
que Leadbeater se achava ali tão à vontade quanto um pastor feliz.
Mesmo assim, ela considerava injusta a ironia com que K ridicularizava

1. Outro ramo da Teosofia. Em 1879 vários Capítulos Maçónicos sob o


Conselho Supremo da França se haviam revoltado. Uma Loja separada, Les
Libres Penseurs, admitiu uma mulher em 1991, a Sr ta, Marie Desraimes. Doze
anos mais tarde, em colaboração com Georges Martin, ela formou uma Loja,
Le Droit Humain, à qual dezesseis mulheres foram admitidas. A Srta. Francesca
Arundale foi a primeira inglesa a ser iniciada em 1902. Ela despertou o interesse
da Sra. Besant pelo movimento e esta última foi iniciada em Paris no mesmo
ano. A Sra. Besant fundou Lojas em Benares e Londres e, em 1910, ergueu um
templo maçónico em Adyar.

207
os seus esforços para conformar-se com a situação. Afinal cie contas,
não fora ele quem as instigara a ir para Sydney, insistindo em que
aquela seria uma oportunidade de ouro? Ora, se elas não se adaptassem
ao modo de vida de O Solar, que estariam fazendo lá? Lembrava-se
particularmente bem de uma ocasião: toda a turma jovem de O Solar,
sentada, formava um círculo durante uma reunião semanal; todos tinham
os olhos fechados, seguravam as mãos uns dos outros e meditavam sobre
a sua unidade. A certa altura, ao abrir os olhos de repente, deu com
K sorrindo e piscando para ela do outro lado da janela. Aquilo lhe
foi quase intolerável. Que contraste com Pergine, quando Nitya estava
aparentemente curado e K, sentado debaixo da macieira, falava com
elas. E, no entanto, tudo o que ele dissera naqueles dias felizes dissera-o
em função dessa oportunidade única de procurar Leadbeater a fim de
ser “ transportada” .
Mary não teria sido tão infeliz em Sydney se tivesse alguma coisa
definida para fazer — Betty, ao menos, tocava órgão na igreja e nadava,
o que aterrorizava a irmã por causa do perigo dos tubarões — mas
fora as reuniões vesperais no quarto de Leadbeater e um passeio oca­
sional com ele nada havia que ela pudesse fazer senão tentar aprender
por conta própria estenografia e datilografia. A Sra. Besant, que acre­
ditava em educação superior para as mulheres, ficara chocada ao ver
Mary na índia em 1923 e ao saber que fora tirada da escola aos quinze
anos de idade. Em vista disso, fizera uma lista de livros para ela
estudar. Leadbeater não partilhava d a s' suas opiniões a respeito da
educação, pois considerava qualquer espécie de trabalho individual
como um caso deplorável de satisfação pessoal. A seu ver, só eram
permissíveis a estenografia e a datilografia, porque poderiam ser usadas
no serviço dos Mestres.
Leadbeater tinha o costume de aparecer de surpresa na varanda
que circunda a casa, pronto para sair a passeio, e quem estivesse
ali poderia ser convidado para passear com ele. A perda de uma opor­
tunidade dessas era reputada prejudicial ao progresso espiritual; por
isso mesmo, a maioria dos jovens ficava na varanda o dia inteiro, na
esperança de vê-lo sair do quarto. Betty fizera amizade com Theodore
St. John, o melhor amigo de Ruth e tão chegado a Leadbeater que nadar
com ele era tão bom quanto passear com o próprio Leadbeater. Theo­
dore tocava violino, de modo que ele, Betty e Helen realizavam juntos
sessões musicais.
Leadbeater deve ter achado a influência de K muito perturbadora
e ninguém poderia duvidar que as suas visitas ao Solar não eram bem
recebidas. Não obstante, Leadbeater escreveu sobre ele à Sra. Besant

208
no dia 21 de abril: “ É, sem dúvida, uma bela e maravilhosa pessoa e
?arece ter mudado muito em vários sentidos depois que esteve aqui
iá três anos — o que, aliás, não deixa de ser natural, considerando-se
o que teve de agüentar.”
K desejara muito conversar com Leadbeater sobre o seu processo
e eles tiveram várias entrevistas particulares, mas é pouco provável
que Leadbeater tenha podido ajudá-lo; este, na verdade, parecia até
relutar em discutir o assunto e chegou a dizer a Lady Emily que aquilo
estava inteiramente fora da esfera da sua experiência e não era uma
parte necessária da preparação para as Iniciações: “ Dir-se-ia o força-
mento dos espirilos em cada átomo.” Quando instado a dar uma expli­
cação dessa frase, limitava-se a dizer que os homens da quinta raça
fundamental tinham apenas certo número de espirilos funcionando em
cada átomo do cérebro; a fim de preparar o corpo de K para o Senhor
Maitreya, tinham de ser abertos novos espirilos — espirilos que esta­
riam presentes em homens da sexta raça fundamental. O despertar
de espirilos da sexta raça num corpo da quinta teria de ser, por força,
um processo muito doloroso.1
Leadbeater não gostava de sentir-se desnorteado. No Solar, onde
vivia inteiramente em seu elemento, todas as atividades eram dirigidas
no sentido de propiciar os passos esotéricos ao longo do Caminho.
Esses passos eram dados mais provavelmente nos grandes festivais,
sobretudo o de Wesak — o plenilúnio de maio — que em Sydney, em
1925, ocorreria a 1 hora e 43 minutos da madrugada do dia 8 de
maio. Por várias semanas antes dessa data, o Solar pulsava de comoção
e expectativa, enquanto os membros da comunidade se exercitavam,
frenéticos, para desenvolver as qualidades consideradas necessárias ao
Discipulado com toda a intensidade do estudante que se prepara à pressa
para um exame vital. Os resultados não eram eram afixados num
quadro de avisos, mas logo se divulgavam e davam origem a grandes
doses de mortificação, esnobismo e orgulho espiritual. A única per­
gunta importante que se fazia a alguém no Solar era “ Até onde você
chegou?” Leadbeater elaborava listas antecipadas de possíveis avanços,

1. De acordo com as investigações clarividentes da Sra. Besant e de Lead­


beater sobre a estrutura da matéria, o Anu era o “ átomo final” de que se com­
punham todas as coisas físicas. A força vital fluía através do Anu. Havia sete
espirilos em cada Anu, e desses sete somente quatro eram normalmente ativos.
Havia 1 600 roscas, ou espirais, em cada espirilo. Os espirilos de um indivíduo
poderiam ser forçados pela prática iogue ( Occult Chemistry [Química Oculta]
de Annie Besant e C. W. Leadbeater, Theosophical Publishing House, Adyar,
1908).

209
enquanto que Theodore St. John fazia insinuações aos seus amigos es­
peciais sobre o que poderiam esperar. Dois dias antes de Wesak, K
escreveu à Sra. Besant para contar-lhe alguns dos passos que seriam
dados.
Houve, ao todo, setenta avanços por ocasião do Wesak em todas
as partes do mundo, mais até do que os previstos por Leadbeater.
Lady Emily, Ruth, Ruspoli, a Sra. Kirby e Shiva Rao fizeram sua pri­
meira Iniciação; Helen foi aceita e Betty e Mary, submetidas à pro
vação. Rosalind já tinha sido aceita e Rama Rao já era um Iniciado.
Os de Manziarly, Isabelle Mallet, Harold Baillie-Weaver, Cordes e
os Blech dariam também um passo qualquer, pois K escreveu à Sra.
Besant dizendo-se muito feliz por causa deles. Entretanto, apesar do
que dizia na carta, irritava-o sobremodo ver cada um dos residentes do
Solar inteiramente absorto no próprio progresso espiritual. No dia 25
de maio (que ainda se supunha ser o do seu aniversário, o trigésimo)
ele jantou no Solar e falou depois à comunidade “ muito lindamente” ,
de acordo com o diário de Lady Emily, e parecia também “ maravilhosa­
mente belo” . Falou da importância “ do que vocês são e não deste ou
daquele rótulo” — coisa muito necessária para incutir no pessoal do
Solar, preocupado sobretudo com suas etiquetas espirituais. (Ele escre­
vera nas notas editoriais para o Herald de janeiro: “ O simples fato de
ostentar um distintivo ou intitular-se membro da Estrela é o mesmo
que trazer consigo um talão de cheques sem ter conta no banco.” )
Afigurava-se estranho a Mary que K, a quem cabia desempenhar
o papel principal no grande drama para o qual estavam todos ensaiando,
estivesse tão distante de tudo aquilo. Aos olhos dela, ele se apresentava
como uma bela rosa que crescia num lindo jardim, ao passo que toda
a turma do Solar não passava de uma imitação de papel, fabricada em
salas abafadas por mãos acostumadas a produzir, às dúzias, essas pre­
tensiosas falsificações. Ao insistir com Helen e com as outras gopis
para que fossem a Sydney, K deveria estar-se lembrando, sem dúvida,
do Leadbeater dos antigos tempos de Adyar, treinando um punhado
de discípulos excepcionais, ou mesmo do Leadbeater de há três anos,
que tinha apenas dez discípulos à sua volta; não se dera conta, antes
daquela visita, da verdadeira fábrica em que tudo aquilo se transfor­
mara.
Enquanto se demorou em Sydney, K teve raras oportunidades de
ver algum de seus amigos a sós, apesar de Helen ter ido a Leura uma
vez, quando ele estava lá. É possível, todavia, que não se sentisse
muito afinado com ela agora, pois Helen e Ruth se haviam identificado
profundamente com o modo de vida do Solar antes da sua chegada.

210
K talvez se sentisse mais próximo cie Mary, que sabia infeliz e tão
preocupada quanto e1e em relação a Nitya. Certa noite, ao voltar para
o quarto em que dormia com sua mãe e Betty, Mary encontrou K pro­
fundamente adormecido em sua cama. Ela nunca vira nada tão belo
quanto aquele rosto adormecido e sentiu que sua cama fora abençoada.
“ Por que será ele sempre tão delicioso?” escreveu em seu diário. “ Ele
faz-me sentir mais desinteressada do que qualquer outra pessoa. Eu
quisera poder amar a todos tão puramente quanto o amo.”
K estava começando a parecer cansado e esgotado. Pela primeira
vez punha em dúvida as probabilidades de sobrevivência de Nitya.
Lady Emily planejava regressar à índia em companhia de Raja
no dia 7 de junho, deixando Betty e Mary no Solar e depois voltar à
Inglaterra com a Sra. Besant a tempo de assistir ao nascimento do pri­
meiro filho de Ursula. E viu-se em luta renhida com a própria cons­
ciência quando K lhe pediu que o acompanhasse a Ojai assim que Nitya
estivesse em condições de viajar. Consultou Leadbeater, certa de que,
na opinião dele, o seu principal dever era acompanhar K mas, para sua
imensa decepção, C . W . L . declarou, sem titubear, que ela devia voltar
à Inglaterra como fora planejado, porque a Sra. Besant e Ursula preci­
savam mais dela do que K. Assim sendo, relutante, ela partiu. Espe­
rava rever K na Inglaterra no outono, mas só veria Betty e Mary em
dezembro, quando todos se reuniriam em Adyar para a Convenção do
Jubileu de Ouro da S. T., a que Leadbeater e a maior parte da sua
comunidade deveriam assistir.
Tendo estado em Leura para ver Nitya, o especialista afirmou que
ele poderia viajar em meados de junho. Krishna ficou preocupado com
a idéia de que, indo com eles, Rosalind perdesse a oportunidade de
algum avanço esotérico. Leadbeater tranqüilizou-o, de acordo com o
diário de Lady Emily: “ É verdade que o próximo passo [Iniciação]
é muito grande — mas não se esqueça de que, indo com vocês e aju­
dando Nitya, ela também Os estará servindo.” Este pareceu a Mary
um meio muito injustamente fácil de “ O s” servir. Mary se encontrara
com Rosalind uma vez quando esta viera passar uma noite no Solar, e
Rosalind a tratara com tanta meiguice, talvez por instigação de Nitya,
que os seus ciúmes haviam derretido; não obstante, cuidando de Nitya,
Rosalind estava fazendo a única coisa no mundo que Mary realmente
desejava fazer.
No dia 24 de junho, Nitya e K, Rosalind, Rama Rao e o Dr.
Ingleman embarcaram no Sierra com destino a São Francisco. Mary
teve licença para ver Nitya a sós em seu camarote por cinco minutos,
a primeira vez que falava com ele desde que partira de Adyar para

211
Deli em janeiro. Enquanto estivera em Leura, Nitya deixara crescer
uma longa barba negra, que lhe escondia o aspecto enfermiço. O que,
aliás, vinha muito a propósito, pois todos estavam com medo de que
sua entrada nos Estados Unidos fosse recusada pelas autoridades de São
Francisco.
K escreveu à Sra. Besant, do Havaí, a 11 de julho:
Esta viagem medonha está chegando ao fim. Alcançaremos São Fran­
cisco no dia 14 e Ojai no dia 15. Passamos há pouco por um susto como
nunca tivemos. Quando descemos das montanhas, dois dias antes de
embarcar, a temperatura de Nitya, em virtude de toda a comoção, subiu
muito e manteve-se alta, com ligeiras variações, até mais ou menos uma
semana atrás. A. febre alta quase o reduziu à exaustão total, e ele cos­
tumava chorar depois do banho, tão cansado se sentia. Há uma semana
tivemos uma espécie de crise. Seu coração entrou a bater muito fracamente
e ele começou a ficar cada vez mais fraco e seus pés cada vez mais frios.
Teve a impressão de estar fugindo; com um fio de voz pediu a Rosalind,
que se achava ao seu lado, pois todos nos revezamos à cabeceira de sua
cama, que lhe segurasse os pés. Ela agarrou-se a eles e pensou no Mestre.
Em cerca de cinco minutos Nitya recobrou-se e, a partir desse dia, tem
sido uma pessoa diferente. Quase não tem febre e, assim que chegarmos a
Ojai, daremos graças a Deus. Ele está pavorosamente magro e incrivel­
mente fraco.
Nós nos recuperaremos e Nitya ficará bom outra vez. Este foi, e
ainda é, um período de grande aflição, minha mãe muito querida, mas a
senhora e os Mestres estão aí.

Assim que K e Nitya chegaram a Ojai alugaram uma máquina


Abrams e, depois dos primeiros quinze dias de tratamentos diários, K
pôde assegurar à Sra. Besant e a Leadbeater que Nitya já estava muito
melhor.

212
25
OS APÓSTOLOS AUTONOMEADOS

Entrementes, coisas extraordinárias estavam acontecendo na Ho­


landa. Depois de haver dado a volta ao mundo numa tournée de con­
ferências com sua jovem esposa, Rukmini, George Arundale fora para
Huizen, a poucos quilômetros de Ommen e centro da Igreja Católica
Liberal na Europa, presidido pelo Bispo Wedgwood. Uma casa mo­
derna, De Duinen, num terreno com um belo jardim, fora doada à
obra da Igreja pela Sra. van Eegen-Boissevain, que ali construíra uma
capelinha, a capela de St. Michael, para Wedgwood. Oscar Kôllerstrôm,
jovem holandês e antigo discípulo de Leadbeater, que era agora padre
da Igreja Católica Liberal, também se achava em Huizen naquela
ocasião. Quando a Sra. Besant, acompanhada de Lady Emily e Shiva
Rao, chegou a Marselha no dia 17 de julho, recebeu um telegrama de
George anunciando que Oscar acabara de fazer a terceira Iniciação;
Wedgwood, a segunda e Rukmini, supunha ele, a primeira. Outros
importantes acontecimentos esotéricos estavam sendo esperados em
Huizen e ele rogava à Sra. Besant que fosse para lá sem perda de
tempo. Ela telegrafou em resposta que só poderia estar na Holanda
em princípio de agosto, visto que se comprometera a pronunciar algumas
conferências no Queen’s Hall em Londres.
Em Londres, a Sra. Besant e Shiva Rao ficaram em Buckingham
Street com Lady De La Warr; três dias após a sua chegada foram à
casa de Lady Emily e leram alto para ela “ uma carta maravilhosa” que
a Sra. Besant recebera de George contando tudo sobre os aconteci­
mentos ocultos de Huizen; kundalini fora despertada em Wedgwood e
Rukmini (George e Oscar Kôllerstrôm já eram clarividentes) e falava-se
numa possível visita, no plano físico, ao castelo do Mestre Conde, em
algum lugar da Hungria. Nessa mesma carta George pedia à Sra.

213
Besant permissão para fazer-se padre. Muito perturbada com o último
pedido, a Sra. Besant afirmou, veemente, que um passo desses destruiria
toda utilidade dele, George, na índia. Sem embargo, dali a dois dias,
depois de outra carta “ mais maravilhosa ainda” de George, a Sra.
Besant adiou suas conferências no Queen’s Hall e foi para Huizen.
Lady Emily, Shiva Rao, Rajagopal e a Srta. Bright, entre outros, acom­
panharam-na.
No dia seguinte, 25 de julho, a Sra. Besant decidiu redespertar sua
kundalini mas, aparentemente, não conseguiu fazê-lo. No dia 26 George
foi ordenado; nessa noite a Srta. Bright e Rajagopal obtiveram sua
segunda Iniciação e, no dia seguinte, Rajagopal foi feito diácono. Na
noite de l.° de agosto George e Wedgwood passaram pela terceira
Iniciação e Rukmini pela segunda. Numa mensagem, Mahachohan
ordenou que todo avanço e toda Iniciação fossem confirmados por
Leadbeater no plano físico, mas parece que essa ordem não foi obe­
decida.
Embora precisasse regressar a Londres para o parto de Ursula
no dia 19 de julho, Lady Emily voltou a Huizen a tempo de assistir à
ascensão de George à dignidade de bispo no dia 4 de agosto. Para o
insólito processo de eleger-se bispo pouco mais de uma semana após
ordenar-se padre fora solicitada a autorização de Leadbeater por tele­
grama. Nenhuma resposta chegara até o dia marcado, mas como George
assegurasse a todos que Leadbeater dera o seu “ consentimento cordial”
no plano astral, Wedgwood prosseguiu na cerimônia da consagração.
Ao voltarem da capela, encontraram um telegrama de Leadbeater desa­
provando vigorosamente a medida. Lady Emily teve a impressão de que
a Sra. Besant ficou séria ao ler o telegrama.
Nesse intervalo, K perguntara à Sra. Besant se Rajagopal não po­
deria ser mandado a Ojai para ajudar a cuidar de Nitya, que estava
novamente muito mal. Com a permissão dela, Rajagopal embarcou para
a América no dia 5 de agosto.
Durante esses dias agitados em Huizen, George “ trouxe” muitas
mensagens e instruções dos Mestres: nenhum Iniciado dormiria no
mesmo quarto com um não-Iniciado; os padres só usariam roupas de
baixo de seda; mantos e vestes seriam escolhidos com cuidado, mas
não se usariam chapéus. (A instrução acerca da roupa de baixo de
seda era particularmente dificultosa para os padres mais pobres e,
dessa vez pelo menos, a Srta. Dodge negou-se a colaborar quando lhe
solicitaram que comprasse vestimentas para os bispos.) A Sra. Besant,
Wedgwood, George e Rukmini receberam instruções para não comer
ovos de forma alguma. Segundo Lady Emily, apenas a Sra. Besant

214
adotou a dieta e quase morreu de fome depois disso, visto que até um
pedacinho de bolo lhe era vedado, por conter ovos.
A aventada visita ao Mestre Conde em seu castelo húngaro foi
discutida minuciosamente. A importância desse encontro era vital, pois
se o Conde pudesse ser visitado no plano físico, estaria indubitavel­
mente provada ao mundo a existência dos Mestres. A verdadeira loca­
lização do castelo era um segredo; George recebeu instruções do astral
para abrir um Bradshaw continental ao acaso e levar o grupo ao lugar
em que lhe sucedesse colocar o dedo.
Na noite de 7 de agosto, K (em O jai), Raja (na índia), George
e Wedgwood passaram todos pela quarta Iniciação, ou Arhat. Lead-
beater e a Sra. Besant já eram Arhats. George contou a Lady Emily
que os que tinham passado por essa iniciação podiam pedir uma graça
e K pedira a vida de Nitya. Nessa mesma noite Lady Emily e a Dra.
Rocke (em Sydney) foram consagradas pelo Senhor no plano astral
para dirigir uma Ordem de Mulheres, que ele fundaria quando viesse.
Isso deleitou particularmente Lady Emily, que nunca se interessara por
roupas mas agora esperava poder vestir logo um hábito de abadessa.

Wedgwood será o Mahachohan da 7.“ raça fundamental sendo Anima


[a Sra. Besant] o Manu [veja a p. 47 nota] e C .W .L . o Bodisatva. Por
essa razão o Mahachohan está retirando aos poucos sua influência de Raja,
dono até agora dessa posição no triângulo. George me disse que Raja
estava precisando de muita ajuda, pois se sentia assaz deprimido em con-
seqüência da nova designação. O próprio George será o Chefe do Pessoal
da 7.a Raça, e contou-me que esta é a sua derradeira encarnação, pois daqui
por diante será enviado ao Universo inteiro e não ficará preso a nenhum
planeta.

Convém não esquecer aqui a depressão que George experimentou


em 1914 quando ouviu dizer que Rajagopal usurparia o seu lugar em •
Mercúrio. George escrevera um artigo no Herald de junho em que
anunciava que K não compareceria ao Acampamento de Ommen daquele
ano em virtude do estado de saúde de Nitya, mas esperava que, longe de
cancelar suas reservas, os membros da Estrela considerassem como obri­
gação especial o estar presentes. A Sra. Besant lá estaria e lá estaria
ele, Arundale. Mercê desse apelo não houve muitos cancelamentos e,
no dia 10 de agosto, o grupo de Huizen partiu para Ommen, onde o
Acampamento e o Congresso foram inaugurados nessa tarde. À noite,
uma tremenda tempestade e um ciclone varreram a região, destruindo

21.5
cidades e aldeias de cada lado de Ommen, mas deixando o Acampa­
mento milagrosamente intacto. Um presságio [ omen, em inglês] em
Ommen!
Na noite do dia 9, George “ trouxera” os nomes de dez dos doze
apóstolos que o Senhor escolhera para trabalhar com ele quando viesse;
eram — a Sra. Besant, Leadbeater, Raja, George, Wedgwood, Rukmini,
Nitya, Lady Emily, Rajagopal e Oscar Kõllerstrõm. Não se decidira
ainda quais seriam os outros dois.
Na manhã do dia 11, que se seguiu ao da abertura do Acampa­
mento, no correr de um discurso muito comprido, a Sra. Besant
anunciou publicamente o nome de alguns apóstolos. Falando sobre
“ Sri Krishna-Cristo” , contou ao público que o nascimento, a transfi­
guração, a crucifixão, a ressurreição e a ascensão eram os símbolos
da jornada do espírito humano através das cinco grandes Iniciações.
E prosseguiu:
A tomada dc posse dos seus Seus veículos escolhidos é tipificada pelo
nascimento que vocês lêem nos Evangelhos, e is s o ... será logo. Depois
Ele escolherá, como antes, Seus doze A póstolos... Já os escolheu, mas
só estou autorizada a mencionar sete que atingiram a fase do estado de
Arhat, que parece ser o status esotérico para o pequeno círculo dos Seus
discípulos im ediatos... Os dois primeiros, meu irmão Charles Leadbeater
e eu, passamos por essa grande Iniciação... no tempo em que me tornei
Presidente da S .T . Nossos irmãos mais jovens a q u i... passaram pelas
quatro grandes Iniciações... S ã o ... o discípulo de formoso caráter e
formosa linguagem, C. Jinarajadasa... Meu irmão Leadbeater e eu mesma
estivemos presentes, no plano astral, por ocasião da sua Iniciação, e
também da de Krishnaji, e demos as boas-vindas às novas adições ao
nosso grupo. Depois meu irmão George Arundalc, cuja consagração como
Bispo era necessária, como o último passo de sua preparação para o grande
quarto passo da Iniciação; e meu irmão Oscar Kõllerstrõm ... e também
alguém a quem tenho chamado minha filha, Rukmini Arundale, jovem
indiana de passado glorioso, que o será dentro de poucos d ia s ... Jovem
no corpo mas velha na sabedoria e na força de vontade; “ filha da vontade
indómita”, como a recebem nos mundos superiores.

Rukmini passou pela terceira e quarta Iniciações na noite do dia


12, quando Lady Emily e Shiva Rao passaram pela Segunda, de acordo
com o diário de Lady Emily. A Sra. Besant só mais tarde compreendeu,
ao lhe chamarem a atenção para isso, que deixara de fora Wedgwood
e, ao fazê-lo, dera a impressão de que K seria um dos seus próprios
apóstolos pois, não contando Wedgwood, mencionara apenas seis. Ela
retificou publicamente o engano em outro discurso no dia 14.
Continuando o discurso do dia 11, anunciou que seria fundada
uma Religião Universal, que não destruiria as outras fés, e uma Univer-

216
sidade Mundial, com três centros, cm Adyar, Sydney e Huizen (a pro­
priedade de Huizen compreendia apenas 40 acres, ao passo que Eerde,
com os seus 5.000 acres, não foi sequer mencionada.) Ida seria o
Reitor da Universidade Mundial, Arundale o Diretor e Wedgwood o
Diretor de Estudos.
Na manha seguinte, Arundale, num extenso discurso, discorreu
longamente sobre a nova universidade: recebera ordens do seu próprio
e grande Mestre, o Mahachohan, para fundá-la com a menor demora
possível. “ Não procuraremos o reconhecimento de fora” , declarou.
“ Não pediremos a ninguém que nos outorgue uma carta-patente, que
torne nossos diplomas respeitáveis e aprovados pelo mundo. . . os di
plomas conferidos em nome do Mestre — serão reconhecidos pelo m un­
do, como não o poderá ser jamais nenhum diploma conferido por um
órgão humano.”
Que nova e gloriosa fonte de poder essas duas instituições pro­
porcionariam a George e Wedgwood! Eles teriam condições de con­
ceder diplomas e Iniciações, eleger bispos e arcebispos e inventar para
si mesmos posições tão poderosas quanto a do Papa!
Quando Leadbeater ouviu da Sra. Besant o relato de todos esses
pronunciamentos, ficou “ visivelmente angustiado” , de acordo com
Ernest Wood, que estava com ele em Sydney nessa ocasião. Ele não
acreditou no que ouvira e disse a Wood: “ Só espero que ela não
destrua a Sociedade!”
O Acampamento dispersou-se no dia 14 e o grupo que estivera
em Huizen antes da sua inauguração voltou para lá. George não cessou
de dizer, presa de grande excitação, o dia todo: “ Sei que aconteceu
outra coisa, mas parece impossível!” A Sra. Besant chamou ao seu
quarto Lady Emily, Esther Bright, Rukmini e Shiva Rao e contou-lhes,
muito acanhada, que ela, Leadbeater, K, Raja, George, Wedgwood e
Oscar haviam todos passado pela quinta e última Iniciação na noite
do dia 13, mas isso não faria diferença alguma no modo com que
deveriam ser tratados. (Rukmini contou mais tarde a Lady Emily que .
ela se tornara um Adepto — isto é, passara pela quinta Iniciação —
ao mesmo tempo que os outros. Três Iniciações em três d ias!) Lady
Emily, com a Srta. Bright e Shiva Rao partiram para a Inglaterra
naquela tarde levando um telegrama que deveria ser enviado a Krishna.
“ Saudações de quatro irmãos.” Presumia-se que ele tivesse sabido, no
plano astral, da passagem pela quinta Iniciação.
De Huizen Lady Emily escrevera a K para contar-lhe tudo o
que ali ocorrera e dele recebera um telegrama, enquanto se achava no
Acampamento, perguntando se Leadbeater confirmara todos esses su-

2 /7
cessos. Ela respondera, também por telegrama, que a própria Sra.
Besant os estava anunciando, e ajuntava: “ Ponha sua confiança nela.”
Chegando a Londres, encontrou uma carta dele à sua espera, cheia do
mais infeliz ceticismo. A seu pedido, Lady Emily destruiu todas as
cartas dele escritas nesse período. K receava que, caindo em mãos de
terceiros, suas críticas à Sra. Besant fossem mal interpretadas.
No dia 16 de agosto, a Sra. Besant, George, Rukmini, Wedgwood
e Oscar partiram para a viagem secreta ao castelo do Mestre Conde
na Hungria. No dia seguinte Lady Emily recebeu um telegrama de
Amsterdã: “ Você está convidada para acompanhar-nos. Procure Esther
incontinenti. Besant.” Lady Emily correu para Wimbledon, onde a
Srta. Bright lhe contou que as duas deveriam ir a Innsbruck “ assim
que chegassem as instruções” e ali esperar novas ordens. Lady Emily
obteve um visto para a Hungria, descontou um cheque polpudo e
anunciou à família que “ ia fazer um retiro de alguns dias” . Ela e a
Srta. Bright ficaram à espera, mas não vieram novas instruções. Uma
semana depois, mais ou menos, a Sra. Besant e os outros voltaram
a Huizen. Shiva Rao foi a Huizen para ver a Sra. Besant, que lhe
disse: “ Você é a única pessoa sensata deste grupo.” Mas não fez a
menor referência à viagem, embora ele presumisse que os viajantes não
tinham ido além de Innsbruck.
Só no dia 12 de setembro chegaram todos a Londres, onde a Sra.
Besant pronunciaria, afinal, suas palestras no Queen’s Hall. Lady Emily
foi recebê-los na estação da Liverpool Street, mas não se disse uma
única palavra a respeito da viagem frustrada. A Sra. Besant tinha uma
expressão muito severa e o grupo todo parecia “ acabrunhadíssimo” .
Na manhã seguinte, a Sra. Besant disse apenas a Lady Emily que as
“ forças negras” tinham sido demasiado fortes para eles. A história
do que realmente aconteceu nessa viagem nunca foi contada. Mas não
se pode imputar tão-só a George Arundale a tentativa de chegar ao
castelo do Conde pois, afinal de contas, Rukmini, Wedgwood e Oscar
Kõllerstrõm haviam todos afirmado ter desenvolvido poderes psíquicos
pelo despertar de kundalini.
Ao mesmo tempo em que George “ trazia” os nomes dos apóstolos
(10 de agosto) Krishna escrevia à Sra. Besant para dizer que Nitya
sofrera uma súbita hemorragia e que por alguns dias ele estivera deses­
peradamente aflito. Nitya estava agora tão fraco que não podia sair da
cama e precisava sempre de alguém à sua cabeceira dia e noite. Rosalind
lá ficava durante o dia, ao passo que K e Rama Rao repartiam a vigília
noturna. Os acontecimentos de Huizen devem ter parecido muito re­
motos e perturbadores a K ; apesar disso, numa carta que escreveu à

218
Sra. Besant no dia 22 de agosto, conseguiu esconder seus verdadeiros
sentimentos para não a magoar:
Lady Emily telegrafou dizendo que grandes acontecimentos têm ocor­
rido na Holanda, que muitos foram submetidos à provação, que outros
ingressaram no Caminho e que outros ainda deram novos passos. Estou
encantado e só quisera estar lá — fisicamente — para ter presenciado
tudo. O que mais surpreende é o fato de George haver-se tornado Bispo!
Imagino que esteja certo, visto que o seu trabalho na índia sofrerá com
isso. Este, Mãe, é sem dúvida um mundo curioso e nossas mudanças são
rápidas. Como eu gostaria de estar com a senhora e em sua presença!
Para consegui-lo, abriria mão de muitas coisas, inclusive de Iniciações.
Nitya teve outra hemorragia, não da variedade séria, mas o caso
é que tivemos, até agora, duas em menos de um mês. Isso o deixou
completamente exausto e fraco, de modo que o lavo, etc., na própria cama.
O pobre Nitya tem sofrido muito e eu fico sentado, amiúde, durante uma
hora ou mais, segurando-lhe o coração ou a mão. O sofrimento é bom,
pois ele nos faz mais fortes e dele saímos ilesos e maiores. Tudo isto é a
coisa mais extraordinária — tão comprida, mas suponho que devemos
passar por ela. Ainda podemos rir, graças a Deus.
Será um tremendo alívio ter Rajagopal aqui. Ele chegará dentro de
dois dias. Como eu gostaria de vê-la, pois a amo de todo o coração e
com toda a minha alma. A senhora é a minha mãe muitíssimo querida.

Cumpre notar que, além de escrever que abriria mão das Iniciações
para poder estar com ela, K não fizera alusão às Iniciações pelas quais
diziam que ele passara, nem aos Apóstolos, embora a essa altura Lady
Emily já lhe tivesse contado tudo a respeito deles. Krishna se achava
numa posição terrível, pois não acreditava nas coisas que se dizia terem
ocorrido em Huizen e, sem embargo disso, não podia repudiá-las sem
repudiar a Sra. Besant, que as proclamava em público. Em tais cir­
cunstâncias, deve ter sido uma carta muito difícil de escrever. E ficamos
sem saber se ele levou muito tempo para compô-la ou se a sua sensibi­
lidade e o seu amor à Sra. Besant encontraram expressão imediata em
palavras que não o comprometiam nem poderiam feri-la.
Era evidente que ele estava sendo pressionado pela Sra. Besant •
para confirmar os progressos “ trazidos” em Huizen, pois escrevia, três
semanas mais tarde: “ Receio não me lembrar de nenhum desses acon­
tecimentos, visto que ando excessivamente cansado, tenho de dormir
no quarto de Nitya e preciso estar constantemente acordado. Minha
cabeça e minha espinha têm-me feito sofrer com intermitências.” Na
mesma carta de 16 de setembro, ele contou-lhe que os últimos três
meses tinham
sido terríveis, em parte pela ansiedade e pelos cuidados dispensados a
Nitya. Pobre Nitya, tem passado por um período brutal! Imagino que

219
isso seja bom para ele, mas, céus! que preço temos de pagar para evolver!
Com certeza vale a pena. Às vezes ele fica inconsciente, enquanto o seu
corpo chora e quer a sua Amma. Outras vezes, não consegue dizer coisa
alguma nem se mexer de tanta fraqueza. Não sai da cama para nada
e eu cuido de todas as suas necessidades corporais. Isso é um bom treino,
rnas detesto ver outras pessoas sofrendo.

Apesar de tudo, Nitya melhorava aos poucos, de sorte que, ao


receber um telegrama da Sra. Besant em que esta lhe pedia que fosse
para a Inglaterra a fim de encontrar-se com ela e irem juntos para a
índia no fim de outubro, onde assistiriam à Convenção do Jubileu, ele
concordou, se bem que relutante. Rosalind e Rajagopal viajariam com
ele, ao mesmo tempo que a Sra. de Manziarly iria da índia para cuidar
de Nitya com a ajuda de Rama Rao.

220
26

A PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO

K, Rosalind e Rajagopal chegaram a Plymouth no dia 23 de


outubro. Lady Emily, como sempre, foi recebê-los, mas a viagem com
eles no trem para Londres foi muito infeliz. Embora já soubesse, pelas
cartas de K, que ele encarava com ceticismo os acontecimentos de
Huizen e Ommen, não estava preparada para “ a avalanche de sarcasmo”
que, vinda dos três, caiu sobre ela. Particularmente desconcertante lhe
há de ter sido a volte face de Rajagopal, que partilhara da maior parte
da comoção de Huizen e até embarcara para Ojai com uma suástica
magnetizada, emblema teosófico, para ajudar a cura de Nilya. A própria
Lady Emily já estava um tanto ou quanto cética a essa altura, embora
ainda confiasse na Sra. Besant e não visse como ela podia ter sido
iludida a tal ponto.
K hospedou-se em West Side House, em casa da Srta. Dodge,
onde Lady Emily teve uma longa conversa com ele no dia seguinte.
Ela o achou “ terrivelmente infeliz em relação a todo o caso, descrente
de tudo” . Na opinião dele, algo infinitamente precioso, sagrado e par­
ticular fora tornado publicamente feio e ridículo, barato e vulgar.
Lady Emily perguntou-lhe por que não dizia com franqueza o que
sentia, ao que ele replicou: “ Para quê?” Os outros diriam apenas '
que os Poderes Negros se haviam apoderado dele. Não obstante,
tentou várias vezes falar com a Sra. Besant mas, no dizer de Lady
Emily, ela não pareceu compreender o ponto de vista dele; dir-se-ia
quase que George a houvesse hipnotizado.
Na véspera da partida deles para a índia, realizou-se uma reunião
dos membros da Estrela em que falaram K e a Sra. Besant. Esta última
disse: “ . . . nenhum de vocês deve sentir-se surpreso nem perturbado
porque muitas coisas que só têm sido tratadas num círculo relativa-

221
mente restrito, estão sendo agora divulgadas pelo mundo todo” . (O
discurso dela, anunciando os nomes dos que tinham passado pela quarta
Iniciação e tinham sido escolhidos por Apóstolos, fora publicado no
número de setembro do Herald. ) Ela acrescentou que o objetivo dessa
publicidade era muito definido, mas não revelou qual fosse. Falando
depois dela, K nem sequer se referiu às declarações feitas em Ommen,
o que deve ter decepcionado profundamente o seu público. Falou sobre
a importância de nos colocarmos no lugar de outros que têm idéias
tão emocionantes quanto as nossas. E rematou a sua palestra com as
palavras: “ Sorriam e sejam felizes.”
A Sra, Besant, K, Lady Emily, Rajagopal, Rosalind, Wedgwood e
Shiva Rao iniciaram a viagem para a índia no dia 3 de novembro. O
navio deles partiria de Nápoles, para onde foram, passando por Paris
e Roma. Em Roma, onde pernoitaram no Hotel Bristol, os Arundale
juntaram-se a eles. George e Wedgwood envergavam batinas purpúreas
com grandes e balouçantes cruzes peitorais. Lady Emily afirmou que
eles trataram K com uma boa dose de condescendência e que George
“ trouxe” mensagens do Mahachohan censurando-lhe o ceticismo. “ Insi­
nuou-se sutilmente que o seu espírito de crítica e descrença lhe estava
comprometendo as oportunidades.” Chegaram a dizer-lhe que, se ele
os reconhecesse por discípulos e os confirmasse como Adeptos, a vida
de Nitya seria poupada.
No entardecer do dia 8, subiram a bordo do Ormuz debaixo de
uma chuva torrencial. Mal se haviam instalado no navio, K recebeu
um telegrama que dizia que Nitya estava com gripe. Chegaram a Port
Said no dia 13, onde desceram à terra; quando regressaram ao navio,
K encontrou outro telegrama à sua espera: “ Gripe mais séria. Reze por
mim.” K não ficou indevidamente preocupado com isso, pois, como
disse a Shiva Rao, “ Se Nitya devesse morrer, não me teriam deixado
sair de Ojai” . Sua fé no poder que tinham os Mestres de prolongar
a vida do irmão pareceu a Shiva Rao incondicional e irrestrita: Nitya
era essencial à missão da vida de K e, portanto, não poderiam consentir
em sua morte.
Na noite do dia 13, quando o navio entrava no Canal de Suez,
no meio de violenta tempestade, chegou o telegrama que anunciava a
morte de Nitya. As autoridades do navio não o entregaram de pronto,
pois algumas partes da mensagem eram obscuras, de modo que só
na manhã seguinte, ao desjejum, ele foi confiado à Sra. Besant. Como
K sempre tomava o desjejum no camarote, a Sra. Besant pediu a Shiva
Rao que a levasse até lá. Ele entrou sozinho, para dar a notícia.

222
De acordo com Shiva Rao, que, juntamente com Rajagopal, dividia
o camarote com K nessa viagem, a notícia “ arrasou-o completamente;
fez mais — toda a sua filosofia de vida — a fé implícita no futuro
delineado pela Sra. Besant e pelo Sr. Leadbeater, a parte vital que
Nitya devia representar nesse futuro, tudo pareceu reduzido a fran­
galhos naquele momento” . Os dez dias seguintes foram torturantes
para ele e para os que tinham de vigiá-lo, sobretudo para os que
partilhavam do seu camarote.
À noite soluçava, gemia e chorava, chamando por Nitya, às vezes
no télugo nativo, que não conseguia falar em vigília consciente. Dia após
dia, nós o vigiamos, prostrado pela dor, desiludido. Dia após dia, ele
parecia mudar, recompondo-se com esforço para enfrentar a vida — mas
sem Nitya. Krishna estava passando por uma revolução interior, encon­
trando novas forças.

No instante em que chegaram a Colombo ele já conseguira ex­


pressar seus sentimentos em palavras:
Acabaram-se os sonhos agradáveis que meu irmão e eu tivemos do
físico.. . O silêncio era um deleite especial para nós, já que nos era
tão fácil compreender os pensamentos e sentimentos um do outro. Não
nos esquecia a irritação ocasional que provocávamos um no outro, mas
nunca íamos muito longe, pois a irritação passava em poucos minutos e
costumávamos cantar canções cômicas ou salmodiar juntos, conforme a
ocasião. Gostávamos ambos da mesma nuvem, da mesma árvore, da mesma
música. Divertíamo-nos muito na vida, embora tivéssemos temperamentos
diferentes. De certo modo, nós nos compreendíamos sem esforço... Era
uma existência feliz e eu lhe sentirei a falta física durante toda esta
vida.
Um velho sonho está morto e um novo sonho está nascendo, como
a flor que rompe através da terra sólida. Uma nova visão está ganhando
vida e uma nova consciência está-se desdobrando. . . Sente-se um novo
frêmito e uma nova pulsação da mesma vida. Uma nova força, nascida
do sofrimento, pulsa nas veias e uma nova simpatia e uma nova com­
preensão nascem do sofrimento passado. Um desejo maior de ver os outros
sofrerem menos e, se for preciso que sofram, vê-los suportar com nobreza
o sofrimento e sair dele sem muitas cicatrizes. Chorei, mas não quero
que os outros chorem. Se eles, porém, chorarem sei agora o que isso
significa. . . Vi meu irmão. . . No plano físico poderíamos estar sepa­
rados, mas agora somos inseparáveis. . . Pois meu irmão e eu somos
um só. Como Krishnamurti tenho agora maior zelo, maior fé, maior
simpatia e maior amor, pois há também dentro em mim o corpo, o Ser,
de Nityananda.. . Ainda sei chorar, mas isso é humano. Agora sei, com
maior certeza do que nunca, que há uma beleza real na vida, uma felici­
dade real que nenhum acontecimento físico pode destruir, uma grande
força que não pode ser enfraquecida pelos acontecimentos que passam,
e um grande amor permanente, imperecível e invencível.

Mar e Yo de Manziarly, que tinham ficado em Adyàr o ano


inteiro, estavam na estação de Madrasta para recebê-los quando eles

223
chegaram no dia 25 de novembro. Mar se lembrava de que o rosto de
K estava radiante; não havia nele uma sombra sequer que revelasse
o que ele havia sofrido.
Leadbeater e seu grupo de setenta, incluindo Helen, Ruth, Betty,
Mary, Theodore St. John e a Dra. Rocke, chegaram a Colombo no dia
2 de dezembro, tendo sabido da morte de Nitya quando o navio parou
em Melbourne. K, a Sra. Besant, Lady Emily, Wedgwood e Raja vol­
taram a Colombo para encontrar-se com eles, embora fizesse apenas
cinco dias que estavam em Adyar. Leadbeater saudou K com as pa­
lavras: “ Bem, você pelo menos é um Arhat” , querendo dizer com
isso que ele, pelo menos, passara pela quarta Iniciação.
Havia um trem especial para a volta do grupo todo a Madrasta
e, em cada estação, multidões, grinaldas e prostrações. K, natural­
mente, conhecia os sentimentos de Mary por Nitya. Tratou-a com
muita meiguice, fez questão de sentar-se ao lado dela e conversou com
ela, tanto no trem quanto na travessia de barco para a índia. “ Krishna
foi perfeitamente delicioso” , escreveu Mary em seu diário, “ e falou
comigo a respeito de Nitya. Agora estão juntos o tempo todo. E o
próprio K está muito mais maravilhoso, muito mais suave” .
Lady Emily ocupou de novo Arundale House em Adyar, onde não
só Helen e Ruth, mas um total de treze moças ficou com ela, dormindo
em charpoys nas varandas, pois havia grande falta de acomodações em
Adyar durante a Convenção do Jubileu, a despeito da construção de
uma aldeia de choças de palha temporárias. Rosalind estava no edi­
fício da sede, onde também se alojara Rajagopal. A morte de Nitya e
tudo aquilo por que haviam passado juntos em Ojai nos últimos meses
da vida dele tinham servido para aproximá-los muito um do outro.
A Sra. Besant também se sentira profundamente chocada com a
morte de Nitya, como acontecera, aliás, com todo o mundo que man­
tinha íntimo contato com K; todos haviam partilhado da sua fé em
que não se permitiria a morte de Nitya. Naquele tempo, pouca gente
à roda de K não se sentiria, de um modo ou outro, perturbado ou
infeliz pela extraordinária situação que se criara. Lady Emily ouviu
de Ruth, que ouvira de Theodore St. John, que Leadbeater não acre­
ditava que ele mesmo ou qualquer outro houvesse passado pela quinta
Iniciação (esperava que ele e a Sra. Besant pudessem fazê-lo em sua
próxima vida), e duvidava muito que Rukmini houvesse passado por
três Iniciações num período tão reduzido de tempo. “ Isso é até mais
do que fez o nosso Krishna” , disse ele. Entretanto, as promoções
esotéricas continuaram em seu próprio grupo, onde, na semana que
se seguiu à sua chegada a Adyar, houve vinte avanços. A única coisa

224
que impediu uma cisão declarada entre ele e a facção Arundale-Wedg-
wood foi o respeito que todos votavam à Sra. Besant.
Lady Emily via-se agora forçada a concluir que a Sra. Besant fora
enganada em Huizen, como acontecera com ela mesma. A Sra. Besant
era tão correta, rematou Lady Emily, “ que nunca suspeitaria de insince­
ridade em quem lhe merecera confiança em outro tempo, mormente em
se tratando de George, a quem ela queria tão bem” . Entretanto, não
há provas da insinceridade de George. Este pode ter sido enganado
por Wedgwood, como também é possível que ambos fossem vítimas
de histeria ou de delírio. Se acreditavam nos Mestres e no Mestre
Universal, por que não acreditariam no Mahachohan? E se acreditavam
numa, por que não acreditariam em cinco Iniciações? Não seria apenas
uma questão de grau? Era o que se poderia argüir. Mas era também
o grau que tornava a coisa tão absurda. Afirmando haver passado
por cinco Iniciações, eles se atribuíam as prerrogativas da divindade,
ao passo que Leadbeater nunca dissera que K seria mais que o veículo
da divindade.
O próprio K se manteve eqüidistante das duas facções, tanto da
de Leadbeater quanto da de Arundale e Wedgwood, muito embora,
por amor da Sra. Besant, participasse de todas as atividades que tanto
significavam para ela, como, por exemplo, assistir à missa. Até per­
mitiu que o fizessem Co-Maçom no dia 27 de novembro, só para
agradar-lhe. Havia, contudo, uma forma de cerimonial a que ele parecia
mostrar-se genuinamente sensível — um ritual hindu reformado a que
ele, como brâmane, tinha o direito de presidir. A primeira celebração
pública dessa cerimônia verificou-se a 21 de dezembro, três dias antes
de inaugurar-se a Convenção. Vestindo apenas um dotim branco, com
o fio sagrado em torno do pescoço, K presidiu, maravilhosamente belo,
e tendo a acolitá-lo Rajagopal, à cerimônia de consagração de um tem-
plozinho hindu recém-construído no terreno da S .T . (Construíram-se
também um santuário zoroastriano e outro budista, uma sinagoga,
uma mesquita e uma capela da Igreja Católica Liberal em Adyar nos
anos de 1925 e 1926, conquanto a idéia da Religião Universal e a da
Universidade Mundial fossem tranqüilamente arquivadas.)
Nessa ocasião, a Sra. Besant se achava numa posição quase tão
infeliz quanto o próprio K. O amor e a reverência que consagrava a
K não tinham sido abalados, como não tinham sido abalados os que
K lhe dedicava, nem a sua crença em que ele era o veículo escolhido
pelo Senhor Maitreya, mas havia nela um conflito de lealdades que
já não podia deixar de notar. Ela ainda fez uma derradeira tentativa
para reconciliá-los logo após a chegada de Leadbeater. Certa manhã,

225
subiu ao quarto de K, tomou-o pela mão e levou-o à sala de estar, onde
se encontravam Leadbeater, Raja, Arundale e Wedgwood; colocando-o
no sofá entre ela e Leadbeater, perguntou-lhe se os aceitaria por seus
discípulos. K replicou que não aceitaria nenhum deles, com exceção
talvez da própria Sra. Besant.
Posto que a discórdia entre os líderes da S . T . fosse naturalmente
mantida muito em sigilo, nenhum segredo se fez da expectativa de
grandes acontecimentos que cercou a Convenção; centenas de membros
esperavam ver os Mestres em pessoa ou até seres ainda mais elevados.
O New York Herald, o New York Times, o Times of índia e jornais
indianos menos importantes publicaram artigos sobre a chegada dos
delegados de todo o mundo, e os surpreendentes pronunciamentos de
Ommen, estampados no Herald de setembro, foram comentados no
Indian Daily Mail. Mais de quatro mil pessoas assistiram à Convenção,
que durou quatro dias, no maior desconforto possível, pois choveu
quase todo tempo, em virtude do atraso da estação chuvosa naquele
ano, e a temperatura caiu inusitadamente. Não obstante, a maioria
das reuniões celebrou-se debaixo da Figueira de Bengala, onde a Sra.
Besant, pela primeira vez, instalara amplificadores e onde os oradores
ficavam num estrado alto, encimado de um dossel entretecido de flores.
Mas nada de emocionante aconteceu, e a Convenção dissolveu-se no
meio de grande decepção.
Seguiu-se-lhe, no outro dia, 28 de dezembro (dia sagrado desde
1911), o Congresso da Estrela e, na primeira reunião debaixo da
Figueira de Bengala, às oito horas da manhã, quando os amplificadores
estavam desligados, uma mudança dramática ocorreu no fim do dis­
curso de K , que discorria sobre o Mestre Universal: “ Ele só vem para
os que querem, que desejam, que anseiam. . . ” e, súbito, sua voz
modificou-se completamente e soou: “ e Eu venho para os que querem
simpatia, os que desejam felicidade, os que anseiam libertar-se, os que
almejam encontrar a felicidade em todas as coisas. Venho para reformar
e não para derrubar, não venho para destruir senão para construir” .
Os que repararam na mudança para a primeira pessoa e na dife­
rença de vozes não puderam deixar de sentir um calafrio percorrer-lhes
a espinha. Entre os poucos que nada notaram figuravam, muito natu­
ralmente, Wedgwood e os Arundale. Estes cuidaram que ele esti­
vesse apenas “ citando as Escrituras” . Mas como K nunca citara as
Escrituras, eles devem ter-se advertido de alguma diferença. A Sra.
Besant, Leadbeater e Raja tiveram, sem dúvida, perfeita consciência
da mudança, e a Sra. Besant se referiu frequentemente a ela depois
disso. Na reunião final do Congresso da Estrela declarou:

226
. . . esse acontecimento [de 28 de dezembro] marcou a consagração defi­
nitiva do veículo escolhido. . . a aceitação final do corpo eleito há muito
tem po... O advento com eçou... É natural que houvesse oposição; os
judeus acaso O reconheceram, os romanos porventura Lhe deram as boas-
-vindas, quando Ele veio pela primeira vez no corpo de uma raça subju­
gada? A história se repete diante dos nossos olhos.

E no Theosophisí, escreveu: “ Pela primeira vez a Voz que falou


como nenhum homem jamais o fez voltou a soar em nossos caminhos
inferiores, aos ouvidos da grande multidão sentada debaixo da Figueira
de Bengala. Foi no dia 28 de dezembro. . . e conhecemos que o pe­
ríodo de espera terminara, e que a estrela da manhã escalara o hori­
zonte.”
O próprio K não tinha dúvidas. Falando aos Representantes Na­
cionais no fim do Congresso da Estrela, disse:
Vocês beberam na fonte da sabedoria e do conhecimento. Vocês
devem guardar a lembrança do dia 28 como se guardassem alguma jóia
preciosa, e todas as vezes que olharem para ela sentirão um frêmito.
Depois, quando Ele voltar outra vez, e estou certo de que Ele voltará
logo, a ocasião será para nós mais nobre e até muito mais bela que a
da última vez. /
f/

E no dia 5 de janeiro de 1926, afirmou numa reunião de discípulos:


Uma nova vida, uma nova tempestade varreu o mundo. É como um
tremendo vendaval que sopra e limpa tudo, todas as partículas de poeira
das árvores, as teias de aranha de nossas mentes e de nossas emoções
e nos deixa perfeitamente lim pos... Eu, pessoalmente, me sinto muito
diferente desde aquele d ia ... Sinto-me como um vaso de cristal, um
jarro que foi limpo e onde agora qualquer pessoa no mundo pode colocar
uma bela flor. A flor viverá no vaso e nunca morrerá.

Quinze dias mais tarde, ele contou a Lady Emily que se sentia
como uma casca — absolutamente impessoal. Usou a frase: “ De certo
modo, sinto-me agora muito precioso.” E afirmou estar certo “ de que
o Senhor viria com freqüência cada vez maior, sempre que houvesse
a ocasião ou a necessidade especial d’Ele” .
Leadbeater não estava menos certo. Respondendo a uma pergunta
depois que voltou a Sydney: “ Quando nos perguntarem se o Mestre
Universal chegou, que é que devemos responder?” ele replicou que
não havia “ a menor sombra de dúvida” de que “ Ele” “ utilizara o
veículo mais de uma vez na Convenção do Jubileu, assim como o uti­
lizara em Benares no dia 28 de dezembro de 1911. “ Ele” continuaria
a utilizá-lo intermitentemente, embora sempre com maior freqüência.
Sendo “ a pessoa mais ocupada do mundo, Ele” , naturalmente, não o

227
utilizaria numa viagem de trem nem durante uma reieição. Além disso,
“ teria de fazer o Veículo acostumar-se a Ele” .
Lady Emily enviou um relato do que acontecera à irmã, Lady
Betty Balfour, na Inglaterra. Em sua resposta, Lady Betty repetiu
alguns comentários muito naturais do marido, da cunhada e do amigo
que morava com eles: a cunhada “ silenciosa e profundamente chocada,
como estaria uma matrona romana de antanho ao ouvir as doutrinas
cristas enunciadas por São Paulo” ; o amigo “ em tom de mofa, disse
que nenhum outro Messias teve o palco tão cuidadosamente armado
para si, nem fora treinado desde a mais tenra infância a acreditar que
Cristo haveria de habitá-lo. Depois, sua manifestação numa reunião
pública organizada com o máximo cuidado. Na minha opinião, os pas­
tores, os Magos, Simeão, os Doutores no Templo, o batismo público
e a reunião em Pentecostes eram comparáveis” ; o marido, Gerald
(irmão de Arthur Balfour), “ muito reverente, profundamente interes­
sado, mas cético quanto à autenticidade de tudo aquilo. Quer saber
em que provas se baseia, tirando a palavra do próprio Krishna e da
Sra. B e sa n t.. . Que acharam Betty e M ary?”
Todas as pessoas que deram tento da mudança sentiram-na ins­
tantânea e independentemente. Lady Emily, Mary e Mar de Manziarly
descreveram-na em seus diários como um fato e sem se consultarem,
e outras pessoas, que ainda hoje estão vivas, acreditaram nela na época
e ainda acreditam. Mas uma prova? Haverá alguma prova da fé reli­
giosa — uma prova das doutrinas da transubstanciação ou da reencar-
nação? Onde se poderá traçar a linha divisória entre a fé e a creduli­
dade? Não é fé o nome com que dignificamos nossa própria convicção
da verdade de alguma doutrina não-cientificamente provada, e credu­
lidade a palavra derrisória com que designamos a mesma crença nos
outros? Mas agora, por maior que fosse a fé (ou a credulidade),
tornara-se impossível para alguém acreditar em K e em Arundale e
Wedgwood. A menos que um deles aceitasse o outro, uma cisão decla­
rada seria inevitável mais cedo ou mais tarde.

228
27
O REINO DA FELICIDADE

O grupo de Adyar dispersara-se no fim de janeiro de 1926. Lady


Emily, Betty, Mary e Mar de Manziarly voltaram à Europa; Helen e
Ruth regressaram a Sydney com Leadbeater, que também levou consigo
os Arundale, ao passo que Rosalind, Rajagopal e a Sra. de Manziarly,
que tinham chegado a Adyar com as cinzas de Nitya na véspera da
Convenção, permaneceram na índia com K.
Em fevereiro, K foi passar um mês em Benares, onde falou todos
os dias aos meninos e meninas da Escola Teosófica da Sociedade, incu­
tindo-lhes particularmente a necessidade de um escrupuloso asseio físico
e o cuidado na maneira de vestir-se. Ele sempre tivera amor aos jovens
e sempre se sentira muito à vontade entre as crianças. Também achava
que, se pudesse contatá-los antes que eles fossem condicionados pelas
tradições e preconceitos raciais e familiais, fá-los-ia crescer em liberdade
e sem medo.
No dia 12 de março ele voltou a Adyar ardendo em febre e com
o rosto cheio de furúnculos, em resultado de uma intoxicação alimentar
que sofrera em Calcutá. Felizmente a Sra. de Manziarly ainda estava
em Adyar; encarregou-se dele sem perda de tempo e, no dia 25, levou-o
para Ootacamund, onde ele poderia convalescer, em companhia de
Malati Patwardhan e Jadu. Rajagopal estava tão ocupado com vários
assuntos da Estrela que não pôde acompanhá-los, e Rosalind também
ficou em Adyar. Rajagopal fora nomeado secretário-organizador da
Estrela em lugar de Nitya. Tornou-se também tesoureiro internacional
da Ordem, cargo criado pouco antes. Utilizou o Bangalô Octogonal
de Adyar como escritório mas, na tarde de 28 de dezembro, lançou-se
a pedra fundamental de uma sede da Estrela em Adyar, dedicada a
Nitya, em terras doadas pela Sra. Besant.

229
No dia em que Krishna partiu para “ Ooty” , escreveu de forma
reveladora a Leadbeater:
Folgo muito em que o Mestre queira que George fique na Austrália
durante um ano. [George lá ficou dois anos, como secretário-geral da
S .T . ] Isto nos poupa complicações, além de absurdas e românticas co­
moções. Tenho despertado tão amiúde com sentimentos de revolta e des­
confiança que minhas impressões e intuições estão ficando cada vez mais
fortes e sinto que os acontecimentos dos últimos dez meses não são limpos
nem saudáveis. É claro que não se pode fazer outra coisa senão esperar
pelas consequências dos fatos. É claro que nenhum deles é muito impor­
tante, mas essa história dos apóstolos é o máximo. Não acredito nela e
minha descrença não se baseia em preconceito. Teremos dificuldade com
isso, mas não cederei nesse particular. Acho que está errado e que tudo
é imaginação de George. Seja como for, trata-se de uma coisa trivial,
mas outras pessoas estão fazendo dela uma montanha. . . Wedgwood não
se cansa de distribuir iniciações por a í. . . Daqui a pouco, iniciações e
coisas sagradas serão objeto de troça. .. Eu acredito em tudo isso de
modo tão completo que a visão de coisas sagradas arrastadas pela lama
me faz chorar.

Fazia pouco mais cie um ano que Nitya estivera em “ Ooty” e K


escreveu dali a Lady Emily no dia 31 de março: “ Estou dormindo
no quarto de Nitya. Sinto-o, vejo-o e falo com ele, mas sinto muita
falta dele.” Contou-lhe também que estava deixando crescer a barba.
“ Eu gostaria de que ela crescesse e ficasse bem comprida, para qs
pessoas não me reconhecerem. Espero que isso aconteça. Oh! meu
Deus, os jornais e as multidões!!” Ele acabara de receber a triste
notícia do falecimento de Harold Baillie-Weaver no dia 18 de março,
depois de longa enfermidade.
K achou os repórteres mais persistentes do que nunca quando foi
para Bombaim com a Sra. Besant no começo de maio, a caminho
da Europa. Havia também uma contínua dose de publicidade de natu­
reza mista nos Estados Unidos e na Inglaterra, assim como na índia.
K observou a Leadbeater, de bordo do Rajputana, um dos navios mais
novos da P & O Line, que os passageiros “ eram menos simpáticos
do que o navio” . E tão curiosos que a maioria deles estará de “ pes­
coço duro e olhos saltados quando desembarcar” . A Sra. Besant, Raja-
gopal, Rosalind, a Sra. de Manziarly, Jadu e os Patwardhan viajavam
com ele.
K já planejara realizar uma reunião no Castelo de Eerde antes de
inaugurar-se o Acampamento da Estrela em Ommen naquele ano, e
uma carta datilografada, que tinha por cabeçalho “ West Side House,
Wimbledon” e a data de 3 de junho de 1926, foi enviada a amigos

230
especiais, com um convite para essa reunião de quase três semanas,
a partir de 3 de julho:
O programa será muito parecido com o que costumava ser seguido em
P ergine... Haverá apenas uma reunião por dia e o resto do tempo será
gasto de outras maneiras. Venha preparado, por favor, para passar mal
em matéria de arranjos domésticos; e se tiver uma máquina de escrever,
tenha a bondade de trazê-la, pois teremos muito trabalho para fazer.

Dizia-se que as despesas de subsistência seriam de três a quatro


florins holandeses por dia (cerca de 2 libras por semana). Um pós-
-escrito acrescentava: “ Se não lhe for possível arcar com as despesas
adicionais [fora as do Acampamento] que esta visita acarretará, faça
o obséquio de escrever pela volta do correio ao Sr. D. Rajagopal no
mesmo endereço (com a observação “ confidencial” ) e tentaremos con­
seguir ajuda de um fundozinho que estamos tentando reunir com essa
finalidade.”
A redação dessa carta era típica de Rajagopal, que sempre se
mostrara eficientíssimo, organizador nato, adepto fanático da ordem
e inclinado a mandar — exatamente o contrário de K e Nitya; não
obstante, sabia ser muito meigo, pois tinha um natural afetuoso e,
ao mesmo tempo, uma grande dose de encanto. Sua eficiência, por
certo, era oportuna naquele momento, pois, como K contou a Lead-
beater, Ommen estava “ precisando desesperadamente de trabalhadores.
Huizen está agora em voga, de modo que Ommen sofre, visto que toda
a gente corre para o que supõe ser o mais recente centro espiritual” .
No ano anterior, Huizen, e não Ommen, fora indicado como um dos
três centros para a Universidade Mundial e para a Religião Universal
e a Sra. Besant, conquanto declarasse que o Senhor falava através de
K no dia 28 de dezembro, foi diretamente para Huizen quando chegou
à Europa.
Lady Emily, naturalmente, iria à reunião com Betty e Mary e, no
outono, Mary quis ir para Ojaí com K e Betty quis voltar para Sydney.
Dessa vez, contudo, parece que o pai delas fez pé firme, pois K escre­
veu a Lady Emily no dia 25 de junho, de Grimalp, perto de Basiléia,
para onde fora com Rajagopal a fim de descansar durante um mês:
Fiquei transtornado ao saber que a ida de Betty para Sydney impli­
caria a destruição do lar. Por favor, não vale a pena! O próprio C. W. L.
não o aprovaria. Se me permite dizer-lhe, não faça nada enquanto não
nos encontrarmos e discutirmos o assunto. É sério demais. . . Não é
tão importante que Betty vá para a Austrália ou que Mary vá para a
Am érica.. . Mamãe, querida, por favor não se precipite. Sua carta me
deixou muito preocupado.

231
E provavelmente maior o número dos lares preservados do que
o dos destruídos por K. Mary já reservara sua passagem para Nova
Iorque; mas em vista da carta de K, cancclou-a, embora com relutância.
Trinta e cinco pessoas de muitas nacionalidades diferentes jun­
taram-se a K no Castelo de Eerde a 3 de julho. Instalara-se um sistema
moderno de encanamento e de eletricidade no Castelo e os grandes
quartos de dormir tinham sido transformados em dormitórios. Apenas
K dispunha de um quarto só para si. Ficava no primeiro andar, no
canto sudeste, e tinha ao lado um quarto de vestir. Além dos Lutyens
havia lá outros componentes do velho grupo de Ehrwald — Mar de
Manziarly, Rajagopal, os Patwardhan e John Cordes. Estavam tam­
bém presentes Rosalind, Jadu, John Ingleman, Philip von Pallandt e
vários outros amiges que K granjeara no curso das suas viagens.
A vida no Castelo não era, de modo algum, o que fora a vida
em Pergine. Em primeiro lugar, todos haviam sido incluídos numa
escala de serviço para ajudar nas várias tarefas domésticas, e não havia
o mesmo sentido de intimidade. Por outro lado, era muito menos
solitário para a criançada e havia gente suficiente para formar equipes
que se empenhavam em partidas emocionantes de voleibol; além disso,
o “ processo” de K cessara — pelo menos em sua forma intensa
anterior, embora ele ainda “ se ausentasse” às vezes, “ perfilhado” por
Rosalind que, desde a morte de Nitya, pudera ajudá-lo outra vez dessa
maneira.
K apanhara um resfriado forte na Suíça e, nos primeiros três
dias da reunião, ficou de cama com bronquite. Uma gopi sueca, Noomi
Hagge, que era enfermeira c depois se formou em medicina, teve o
privilégio de levar-lhe as bandejas, mas alguns membros do velho
grupo de Pergine passaram a revezar-se à cabeceira dele depois do
jantar, de modo que não lhe sentiram o alheamento. Na manhã do
dia 8 ele desceu pela primeira vez, de chambre, e dirigiu-se ao pessoal
reunido na ampla sala de estar, nos fundos do Castelo, sobranceira
aos prados para além do fosso. Depois disso, nos quinze dias seguintes,
ele falou todas as manhãs durante cerca de uma hora, sentado no sofá,
de pernas cruzadas, debaixo de um dos gobelinos.
O tempo esteve sempre magnífico e contribuiu, assim, enorme-
mente, para o êxito da reunião. Na maioria das tardes K ia passear
sozinho pelas belas florestas que cercavam o Castelo, à procura de
inspiração para a palestra do dia seguinte. Lady Emily, Mary e Mar
tomaram notas a respeito dessas palestras em seus diários, o que lhes
atesta a crença independente em que o Senhor Maitreya falava amiúde
através de K. No dia 11, Lady Emily anotou: “ Palestra maravilhosa.

232
Tenho a certeza de que o Senhor estava lá. K disse-me depois que pre­
cisou resistir para não dizer Eu em lugar de Ele.” Mas foi mais
enfática, afirmando simplesmente: “ O Senhor falou.”
“ Não há nada melhor no mundo” , escreveu Mary em seu diário,
“ do que a gente sentir-se como se sente aqui, física, mental e emocio­
nalmente viva. Ter, como disse K, esse sentido de bem-estar completo” .
Ela esteve muito próxima de K durante esse tempo em Eerde. Nada
lhe parecia mais natural do que transferir para ele o seu amor, acredi­
tando, como acreditava, que ele e Nitya eram agora um só.
“ Eu o vi com íreqüência” , escreveu ela (Mary costumava vê-lo
a sós no quarto dele, depois do jantar), “ e não há palavras que ex­
pressem toda a suavidade com que ele me tratou. Ele disse que, agora,
só é capaz de apreciar a vida com Nitya ou comigo. Esta noite, falou-me
de um passeio que nós três fizemos hoje cedo. Os dois estão juntos
lá em cima — Nitya e Krishna. Ele disse que gostaria de que eu
fosse sua irmã” . Mary também gostaria; como irmã poderia ter pas­
sado o resto da vida ao lado dele.
A palestra do dia 19, o último dia da reunião, no dizer de Lady
Emíly, foi a mais maravilhosa de todas:
Krishna falou como nunca e sentimos que sua consciência e a do
Senhor se fundiram de maneira tão completa que já não existe nenhuma
distinção entre elas. Disse ele: “ Segui-me e eu vos mostrarei o caminho
que leva ao Reino da Felicidade. Darei a cada um de vós a chave com
que podereis abrir o portão do jardim” — e não precisou fazer esforço
algum para usar o pronome pessoal. . . o rosto do Senhor brilhou através
do rosto de Krishna e Sua aura gloriosa cingiu-nos de uma luz quase
ofuscante. Quando ele terminou, Jadu arremessou-se-lhe aos pés — senti
ímpetos de imitá-lo, mas surpreendi a tempo o olhar de Krishna.

No dia seguinte Lady Emily escreveu uma carta longa e extática a


Raja, na índia, dizendo-lhe tudo acerca dessas palestras, e afirmando
que 19 de julho fora até mais maravilhoso do que 28 de dezembro —
“ primeiro que tudo porque Ele não esteve conosco por alguns mo­
mentos, mas por uma hora. Em segundo lugar porque, se no dia 28
podíamos sentir a dissociação de personalidades entre o Senhor e
Krishna, agora parece que tudo isso acabou e Eles são Um. Krishna
tornou-se o Senhor” .
Rosalind e Mary, sem dúvida por vontade de K, permaneceram
no Castelo com K e Rajagopal quando todos os outros partiram para
o Acampamento de Ommen na tarde de 19 de julho. A Sra. Besant
e Wedgwood chegaram dois dias depois e também se hospedaram no
Castelo. A Convenção, inaugurada no dia 24 de julho, contou com

23.3
a presença de umas 2.000 pessoas de quase todas as nacionalidades. 1
Havia uma tenda imensa para reuniões, tendas menores para as re­
feições, fieiras de tendas-dormitórios para uma, duas, três ou quatro
pessoas, chuveiros, privadas e choças permanentes, bem desenhadas,
para os correios, livraria, um posto de primeiros socorros e um depar­
tamento de informações. Estava tudo muito bem organizado. No meio
do Acampamento fora construído um anfiteatro com fileiras circulares
de troncos grosseiramente desbastados, que serviam de bancos. As
reuniões realizavam-se ali quando fazia bom tempo e ali se acendia
uma grande fogueira todas as noites quando o tempo o permitia. K,
orador ainda hesitante, repetia-se com freqüência e nem sempre concluía
suas sentenças, mas superava-se ao falar diante das fogueiras do Acam­
pamento. O cheiro do pinho a arder era um acompanhamento delicioso
para as reuniões vespertinas, que começavam exatamente quando o sol
se punha. K envergava um traje indiano e, quando se acendia a fogueira
de quase cinco metros de altura, entoava um hino a Agni, Deus do
Fogo.
De acordo com o diário de Mar de Manziarly, o Senhor falou
através de K, diante da fogueira do Acampamento, ao chegar a noite
do primeiro dia e novamente no dia 25 e no dia 27. Lady Emily e
Mary, no entanto, não fazem reparo algum sobre isso antes do dia 27,
quando ambas se estenderam liricamente a esse respeito em seus diários.
Wedgwood falara na manhã do dia 27 e Lady Emily “ sentiu-se enjoada!
Era tão artificial — tão pessoal — e tão trágico ver toda aquela mul­
tidão ronronando de contentamento e sentindo-se desafogada” . Às
2:30 houve uma reunião do Conselho da Estrela no Castelo em que
K falou “ maravilhosamente mas, ai de mim! com tamanha tristeza pela
falta de compreensão!” Seguiu-se uma reunião de discípulos, em que
Wedgwood tornou a falar. K esteve presente por pouco tempo: “ Seus
olhos eram os do Senhor fuzilando e ele, logo, se precipitou para fora
da sala, como se não agüentasse mais.” Naquela sobretarde, diante da
fogueira do Acampamento, Lady Emily
conheceu que, assim que ele apareceu, Ele estava lá. Tinha o semblante
severo e cheio de fo rç a ... Depois falou. Seu aspecto era magnífico e
sua voz vibrava de energia. Ele disse: “ Eu vos falarei como o Chefe
desta Ordem — e vos pedirei cortesmente que presteis atenção a quanto
eu disser, da primeira à derradeira palavra. Pois sinto que tudo o que
tenho dito nestas últimas noites tem sido em vão porque não compreen-

1. O relatório anual da Ordem da Estrela no Oriente de 1926 dava 43.600


como o número total de membros em quarenta países. Apenas dois terços deles
eram membros também da S .T .

234
destes” — Depois falou com inconcebível majestade e poder, com um
fluxo de belas palvras. Quanta severidade e quanta compaixão!

Foi uma fala particularmente bela. A certa altura, disse ele:


Eu vos pediria que olhásseis do meu ponto de vista; eu vos pediria
que viésseis olhar pela minha janela, que vos mostrará o meu céu, que
vos mostrará o meu jardim e a minha habitação. Então vereis que o
importante não é o que fazeis, o que ledes, o que qualquer pessoa diz
que sois ou que não sois, senão que sintais o desejo intenso de entrar
nessa habitação onde mora a V erdade... Eu quisera que viésseis e a
vísseis; eu quisera que viésseis e a sentísseis. .. e não me dissésseis: “ És
diferente, estás no topo da montanha, és um místico.” Vós me dizeis
frases e cobris minha Verdade com vossas palavras. Não quero que
volteis as costas a tudo aquilo em que acreditais. Não quero que negueis
o vosso temperamento. Não quero que façais coisas que não vos parecem
corretas. Mas algum de vós é feliz? Algum de vós acaso provou a eter­
nidade? . . . Eu pertenço a todas as pessoas, a quantos realmente amam, a
quantos estão sofrendo. E se caminhardes, devereis caminhar comigo. Se
sentirdes, devereis olhar através do meu coração. E porque realmente
amo, quero que ameis. Porque realmente sinto, quero que sintais. Por­
que tudo me é caro, quero que tudo vos seja caro. Porque quero proteger,
devereis proteger. E esta é a única vida que vale a pena ser vivida,
é a única Felicidade que vale a pena possuir.

A Sra. Kirby, que estava presente e conhecia K havia mais tempo


do que qualquer outro circunstante, havia mais tempo até do que a
Sra. Besant, disse mais tarde a Lady Emily, enquanto caminhavam
pelos bosques: “ Eu sempre O conheci, foi a Sua voz que sempre ouvi
e é a voz do nosso próprio ego superior.”
Depois de regressar a Gênova, reportando-se a essa palestra, a
Sra. Kirby escreveu a uma amiga:
A princípio, K começou da maneira usual, conquanto eu notasse
(estava muito perto dele) uma inusitada dignidade em sua aparência.
Seu rosto se tornara estranhamente poderoso e severo, seus olhos às vezes
meio velados, como se ele estivesse olhando para dentro, tinham um fogo
incomum, e até sua voz soava mais profunda e mais cheia. A força con­
tinuou a aumentar a cada palavra que ele pronunciava. . . Havia um
estranho silêncio — ninguém se movia nem emitia o menor som, mesmo
depois que a fala terminou.. . Você lerá o discurso, e eu também, mas
sei que não encontrarei nele a décima parte do que ouvi. . . Não se
pode descrever. Que é o que se pode dizer? O Senhor estava lá e Ele
estava falando. Creio que tenho, em regra geral, uma grande dose de
controle sobre meus sentimentos mas, quando a palestra terminou, descobri
que eu estava tremendo da cabeça aos p é s .. . Não sei o que os outros
pensaram e sentiram, visto que parti na manhã seguinte sem ter falado
com ninguém. [— Ela devia estar muito arrebatada para não se lembrar
de falar com Lady Emily.] Só vi Krishnaji, porque ele me mandou chamar
no último momento, terno e afetuoso como sempre. Quando eu lhe

23.5
disse que toda a sua aparência se alterara na véspera, ele confessou: “Eu
quisera poder vê-lo também.” . .. Krishnaji deu-me a impressão de estar
muito precisado de repouso... Que vida, pobrezinho! Não há dúvida
alguma de que ele é o Sacrifício.

Pela atmosfera de excitação que tomou conta do Acampamento era


evidente que a grande maioria das pessoas presentes acreditava ter
ouvido a voz do Senhor Maitreya que elas, naturalmente, estavam
esperando ouvir desde que se iniciara a Convenção. Um indivíduo,
aorém, teve a sua própria e única explicação do fenômeno. Sentado ao
ado da Sra. Besant diante da fogueira do acampamento, Wedgwood
inclinou-se e murmurou qualquer coisa ao ouvido dela quando K acabou
de falar. Assim que a reunião se dissolveu, a Sra. Besant pediu a
Rajagopal que reconduzisse K imediatamente ao Castelo. E assim que
voltou ao Castelo, a Sra. Besant entrou no quarto de K e disse-lhe
que um poderoso mágico negro, que ela bem conhecia, falara através
dele no Acampamento. (Fora sem dúvida Wedgwood quem “ vira”
o mágico negro e lhe sussurrara o nome à Sra. Besant.) K ficou estar­
recido. E declarou à Sra. Besant que, se ela acreditava mesmo naquilo,
ele nunca mais tornaria a falar em público. Essa declaração, aparente­
mente, a consternou ainda mais do que a revelação de Wedgwood e ela
nunca mais fez nenhuma insinuação acerca da influência dos poderes
negros sobre ele. A partir desse momento, porém, a teoria foi conve­
nientemente adotada por Wedgwood e outros, e todas as vezes que
K dizia qualquer coisa que eles desaprovavam, afirmavam que os
“ negros” tinham falado através dele.
A 28 de julho, no entardecer do dia seguinte ao do incidente
do mágico negro, Lady Emily contou saber que o Senhor estava ali
de novo no Acampamento “ mas, desta feita, com ternura em lugar de
força. Foi infinitamente tocante e triste. K nos contou sua experiência
interior, levou-nos para dentro do próprio coração. E disse: ‘Podeis
tomar meu coração e comê-lo, podeis tomar meu sangue e bebê-lo e
não me importarei — porque tenho tanto e vós tendes tão pouco.’ ”
No dia seguinte o Acampamento debandou.
28
“O MESTRE UNIVERSAL ESTÁ AQUI”

Tão consternada se achava a Sra. Besant nessa ocasião, em vir­


tude de suas lealdades conflitantes, que pensou seriamente em abrir
mão da presidência da Sociedade Teosófica a fim de obedecer aos
ditames do seu coração e acompanhar K. Expôs seu dilema a Lead-
beater, o qual, em carta de 21 de setembro de 1926, a dissuadiu desse
passo, que contrariava as ordens do seu Mestre. Antes de receber
a carta de C . W . L . e ainda indecisa sobre se devia ou não renunciar,
ela tomou a súbita decisão de ir com K para os Estados Unidos no
fim do verão, em vez de regressar à índia, como planejara. Seria a
primeira vez que ia à América desde 1909, o ano em que K fora
‘‘descoberto” . Logo se arranjou uma tournée de conferências pelos
Estados à razão de 1.000 dólares por conferência. Mas, antes de
partir, ela falou no País de Gales, na Escócia e na Irlanda sobre o
Mestre Universal. Nesse meio tempo, K permaneceu em West Side
House durante o mês de agosto e não se passou um dia sem que
se avistasse com Lady Emily e Mary.
No dia 26 de agosto, K, a Sra. Besant, Rosalind e Rajagopal
chegaram a Nova Iorque procedentes de Southampton. Vinte repór­
teres subiram a bordo do navio, acompanhados de fotógrafos e todos
pareceram decepcionados ao dar com K enfarpelado num elegante
terno, muito assustado, bem apessoado, magro, cabelos lisos de um
azul-escuro, suaves olhos castanhos e cílios abatidos. As manchetes
podem ser imaginadas: “ O Culto da Estrela Aguarda a Glória do
Futuro Senhor” , “ Novo Evangelho Anunciado por Annie Besant” ,
“ O Novo Messias Veste Calças de Flanela” , “ Nova Divindade Chega
de Calções de Golfe” , e assim por diante.

237
Hospedaram-se no Waldorf Astoria onde, no dia seguinte, K
foi entrevistado sozinho por mais de quarenta repórteres; ele era muito
menos acanhado na ausência da Sra. Besant. O New York Times
relatou que muitos entrevistadores “ tentaram apanhá-lo em erro ou
contradição com perguntas astutamente formuladas; ele evitou habil­
mente todas as armadilhas e conquistou-lhes a admiração saindo-se
com brilho da situação” . Houve uma voz discordante: Maurice Guest
escreveu: “ Eis o que penso desse oriental. Eu não lhe daria emprego
nem numa'companhia Chu Chin Chow de terceira classe” ; entretanto,
pouco depois, uma companhia cinematográfica ofereceu a K 5.000
dólares semanais para desempenhar o papel-título num filme sobre a
vida de Buda. Esse oferecimento deu-lhe a lisonjeira convicção de
que sempre poderia prover a própria subsistência se algum dia preci­
sasse fazê-lo.
Dias depois, o New York Times comentou que K “ era visto
raras vezes cm circulação mas, quando isso acontecia, estava sempre
em companhia de Rosalind Williams, uma loira pertencente ao grupo” .
O repórter apressou-se em acrescentar que isso não queria dizer que
Krishnamurti tivesse algum interesse verdadeiro pelo sexo oposto.
Quando lhe perguntaram o que achava do amor e do casamento, K
replicou: “ As pessoas se casam porque estão sós. . . Eu nunca estou
só . . . Possuo uma coisa que ninguém pode tirar de mim.” Mais tarde
os jornais anunciaram que ele fora noivo de Helen Knothe, boato que os
pais de Helen não quiseram confirmar nem negar. O próprio K, toda­
via, negou-o com veemência: “ Qualquer notícia a respeito do noivado
é absurda. Na verdade é terrível demais.”
De Nova Iorque foram a Chicago a fim de assistir a uma Con­
venção da S . T . , quando o Tribune destacou sua principal repórter,
Geneviève Forbes Herrick, para fazer a cobertura da visita. Apesar
dos pesares, ela ficou impressionada. C s delegados, contudo, devem
ter ficado muito desapontados, pois o Mestre Universal não se mani­
festou em nenhuma das reuniões. Encerrada a Convenção, a Sra.
Besant foi para Minneapolis, onde pronunciaria a primeira das trinta
conferências, ao mesmo tempo que K e Rajagopal foram a Warm
Springs, na Virgínia, para descansar. (Presume-se que Rosalind tivesse
voltado para casa, embora devesse reunir-se a eles mais tarde em Ojai.)
De Warm Springs, K escreveu uma cartinha à Sra. Besant que mostra
que nem o episódio do “ mágico negro” nem coisa alguma lograra
diminuir o carinho que ele lhe votava: “ Espero vê-la brevemente,
minha Mãe muito querida. Por Deus, quero estar com a senhora e

238
compreendo o quanto a amo realmente. Só damos fé da grandeza
de uma montanha quando nos afastamos dela.”
Só no fim do mês de setembro ele se encontrou com ela em São
Francisco, ao termo de sua tournêe, e só no dia 3 de outubro teve
a alegria de levá-la a Ojai pela primeira vez. Ele estivera ausente dali
quase um ano. Dois dias após a sua chegada, ele escreveu a Lady
Emily de Arya Vihara:
Aqui estou eu — sem Nitya. Viemos de automóvel de Los Angeles
para cá em companhia de Amma. Ao entrarmos na casa vi Nitya e o senti
quase fisicamente. Quando entrei no quarto em que ele esteve doente
e do qual partiu, creio que o meu corpo chorou. O corpo é uma coisa
estranha. Eu não estava realmente transtornado, mas meu corpo se achava
num estado extraordinário. Depois da índia, e talvez antes dela, era deste
lugar que ele mais gostava e ainda gosta. Por isso posso sentí-lo e vê-lo.
A vida é estranha. Sinto-lhe terrivelmente a falta — o corpo. Estou-me
acostumando à sua ausência física — que é uma coisa difícil de fazer,
pois aqui vivemos mais do que em qualquer outro lugar, aqui ambos
sofremos e aqui fomos ambos felizes. Bem, não quero deprimi-la. Não
me sinto deprimido por dentro. . . Amma está muito cansada depois da
tournée, mas é notável a sua capacidade de recuperação. Os dois dias de
descanso aqui puseram-na outra vez de pé; ela é realmente assombrosa e
maravilhosa.

Ele continuou contando a Lady Emily que nas últimas quatro


semanas lhe aparecera um inchaço duro e doloroso no peito direito.
Fora a Hollywood consultar o Dr. Strong, mas este lhe dissera que
se tratava de uma excrescência de origem glandular e não constituía
motivo de preocupação, embora devesse ser vigiado. K ‘também contou
seus planos a Lady Emily — tencionava deixar Nova Iorque em com­
panhia da Sra. Besant no dia 20 de novembro e ir para a índia com
ela no princípio de dezembro. A Convenção da S . T . daquele ano se
realizaria em Benares e Leadbeater estaria presente.
Não tardou, porém, que todos os seus planos se alterassem. O
inchaço do peito tornou-se mais doloroso e o Dr. Strong, bem como
um médico ortodoxo de Hollywood proibiram-no de viajar para a
índia. A fim de atenuar-lhe a profunda decepção, a Sra. Besant decidiu
ficar com ele em Ojai. Numa carta de 22 de outubro, em que contava
tudo isso a Lady Emily, ele perguntou-lhe se ela, Betty e Mary não
iriam também a Ojai para estar com ele: “ Ainda não perguntei a
Amma se ela concorda com isso, mas estou certo de que concordará.
Você sabe ao que me refiro, jornais e mexericos. Mas, queridíssima
Mamãe, convido-a seriamente ( ! ! ) para vir a Ojai. Mary ficará con­
tentíssima. Em sua última carta ela escreveu que ansiava por estar
aqui. . . Venha, se puder. Rezarei por isso.”
• •

239
Era evidente que a Sra. Besant não faria objeções ao plano e,
tendo arranjado algumas conferências nos Estados Unidos para ajudá-la
a pagar as despesas da viagem, Lady Emily embarcou alegremente em
companhia de Mary no fim de novembro. Betty não quis ir porque
já começara a sua reação contra K e a Teosofia; de mais disso, acabara
de ingressar no Colégio Real de Música. Lady Emily e Mary perma­
neceram em Ojai quase cinco meses, o período consecutivo mais longo
que Lady Emily esteve com K em todo o decorrer da longa associação
entre ambos. Foi também o período mais tranqüilo, porque lhe era
vedado qualquer esforço, embora o inchaço do peito houvesse dimi­
nuído um pouco. Lady Emily e Mary hospedaram-se com Rosalind
numa feia e moderna casa de hóspedes recém-construída na propriedade,
ao passo que a Sra. Besant, Rajagopal e K ocupavam Arya Vihara,
onde todos faziam as refeições.
Lady Emily escreveu ao marido no dia 18 de dezembro:
Imagine a Itália, a Riviera e as melhores partes da índia reunidas
numa coisa só e você terá este lugar. . . Anima aqui é tão meiga e tão
feliz! Faz anos que ela não tem um período sossegado como este. Ajudou-
■ me a fazer minha cama ontem e hoje cedo ajudou a pôr a mesa. À
noite jogamos bridge e ela escreve ou lê. Krishnaji está muito melhor e
é muito feliz aqui. Adora trabalhar no jardim. Rajagopal anda ocupado
com a Estrela e posso ajudá-lo nisso. Isto é um verdadeiro Paraíso em
todos os sentidos.

As primeiras semanas foram realmente paradisíacas. K estava


escrevendo poesia nessa ocasião e, todas as sobretardes, eles cami­
nhavam um pouco para assistir ao pôr-do-sol. O ocaso inspirava-o de
tal maneira que ele voltava para escrever um poema. 1 Entretanto, em
janeiro de 1927, ao escrever para Leadbeater, a “ velha história” da
dor intensa na base da espinha e na nuca recomeçou e durou, prati­
camente, o dia todo.
Mary agora podia ajudá-lo a relaxar-se nas ocasiões em que ele
“ se ausentava” às tardes. Quando ela foi ter com ele pela primeira
vez no dia 20 de fevereiro, o corpo perguntou-lhe quem era e disse,
a seguir: “ Bem, se você é amiga de Krishna e de Nitya acho que está
tudo bem.” Ele transformava-se numa criança de quatro anos, mas
sem a turbulência da criança. Embora falasse em inglês, sempre a

1. Seu primeiro poema, Hino do Iniciado Triunfante, tinha sido publicado


no Herald em janeiro de 1923. Publicaram-se ainda uns sessenta poemas,
tanto no Herald quanto em forma de livro, até 1931, quando ele deixou de
escrever poesias.

240
chamava cie Arama; parecia ter medo de K, como de um irmão mais
velho e severo, e dizia coisas assim: “ Cuidado, Krishna está voltando.”
Quando K se ausentava, o corpo não parecia experimentar nenhuma
grande dor, embora se mostrasse às vezes irascível. Ao regressar, K
não se lembrava de nada do que a criança dissera. Essas ocorrências
vespertinas aconteciam no Santuário, como era então chamado o Chalé
do Pinheiro. No princípio de março, K tivera sua cama transportada
para o Santuário, onde gostava muito mais de dormir, longe de todos,
por ser o lugar muito mais tranqüilo.
De manhã, ensinava Mary a dirigir. O Lincoln fora trocado por
um Packard e, recentemente, permutara-se o Packard por outro Lincoln
azul pálido. K ficou tão irritadiço, por simples nervosismo, que, um
dia, para despicar-se, Mary saiu sozinha com o carro. Querendo voltar
depois de haver dirigido um pouco, foi obrigada a desandar a pé o
caminho percorrido, pois não sabia dar marcha-à-ré. E ficou descon­
solada ao compreender a ansiedade que causara a K.
Lady Emily também o achou “ menos professoral e mais humano”
nesse ambiente pacífico e, conseqüentemente, lhe foi mais difícil su­
blimar o amor que votava a ele. Ele disse-lhe que ela “ não devia assu­
mir a atitude possessiva. . . Se eu me tornar necessário a você, você
deixará de ser livre e isso estragará tudo. Nós nos amamos um ao
outro e é o quanto basta” . Ela perguntou-lhe o que clc queria dizer
exatamente ao empregar a palavra “ possessiva” , ao que ele replicou:
“ Toda a gente é igual — todo o mundo acha que tem algum direito
especial — algum caminho especial que conduz a mim.”
Houve também certa dose de atrito entre as Lutyens e Rosalind.
As primeiras estavam acostumadas a ser servidas por criados, de modo
que se justificava plenamente a queixa de Rosalind a K de que elas
não limpavam direito o banheiro; Lady Emily, contudo, ficou contra­
riada por haver-se Rosalind queixado a K em vez de dirigir-se dire­
tamente a ela. É provável que a Sra. Besant não desse tento dessas
subcorrentes, pois prosseguia tranqüilamente em suas ocupações, escre­
vendo cartas e artigos e fazendo listas de futuros discípulos, além de
estar também empenhada num emocionante plano novo que envolvia a
propriedade. Como toda a gente, ela se apaixonara por Ojai e, pouco
depois da sua chegada, conseguira comprar 450 acres no vale superior,
perto de Arya Vihara, onde K desejava fundar uma escola. Estava
agora agenciando fundos para comprar mais 240 acres na extremidade
inferior, no intuito de formar um centro destinado ao Mestre Universal
e a um Acampamento anual, como em Ommen. Organizou-se uma
Fundação, que passou a chamar-se Fundação de Happy Valley e lançou-

241
-se um apelo para conseguir 200.000 dólares. Levantou-se grande parte
da importância desejada e a terra foi adquirida, mas só vinte anos
depois se iniciou a Escola de Happy Valley.
Durante esse período de calma em companhia de K em Ojai, a
Sra. Besant reviu sua concepção do Mestre Universal que falava através
dele com intermitências e chegou a acreditar que a consciência de K
se fundira quase que certamente com a do Senhor Maitreya. Era evi­
dente que ela se deixara influenciar pela própria convicção de K a
esse respeito, expressa por ele numa carta a Leadbeater do dia 9 de
fevereiro:
Conheço meu destino e minha obra. Conheço com certeza e conhe­
cimento próprios que me estou fundindo na consciência do Mestre e
que Ele me encherá completamente. Sinto e conheço também que minha
taça está quase cheia e que logo transbordará. Até então terei de esperar
tranqüilamente e com ardente paciência.. . Anseio por tornar todo o
mundo feliz, e hei-de fazê-lo.

Antes de deixar Ojai em abril, a Sra. Besant tornou inequívoca a


sua posição fazendo uma declaração à Associated Press of America,
que principiava com estas palavras: “ O Espírito Divino desceu mais
uma vez sobre um homem, Krishnamurti, um homem literalmente per­
feito em sua vida, como o podem atestar os que o conhecem” , e ter­
minava com estas: “ O Mestre Universal está aqui.”

242
29
LIBERTAÇÃO

Lady Emily deixou Ojai relutante, em companhia de Mary, dez


dias antes de K e da Sra. Besant, a fim de voltar à Inglaterra com o
marido, que estava nos Estados Unidos incumbido de fazer o projeto
da nova Embaixada Britânica em Washington. Dois dias depois que
elas partiram, K escreveu a Lady Emily:
Estou escrevendo esta carta no Santuário, logo depois do meu negócio
de todos os d ia s ... Sinto imensamente a sua falta, mas logo tornarei
a vê-la. Esta vida é uma coisa extraordinária mas, felizmente, está sempre
mudando. Minha cabeça tem andado péssima, meu corpo físico sente uma
falta enorme de Mary, e eu também. Mas é extraordinária a maneira com
que o corpo a tudo se acostuma. No primeiro dia, naquele em que você
partiu, estive à beira das lágrimas, mas agora tudo voltou ao norm al...
Sinto-me muito mudado desde que vim para cá, e como a amo, quero
que você também contemple a glória. Grandes coisas estão à nossa espera
e você também será grande.

Acompanhado da Sra. Besant, Rosalind e Rajagopal, K chegou


â Inglaterra no dia 10 de maio. Ficou uma semana em Londres e
foi depois com Rajagopal para Eerde, onde vivia agora em caráter
permanente uma comunidadezinha que incluía a Srta. Dijkgraaf, Philip
van Pallandt e a Dra. Rocke, que deixara Sydney definitivamente. De
Eerde, K foi a Paris no dia 25 de maio e voou de volta para Londres
no dia 30. Contou a Lady Emily que falara em Paris numa reunião
da Seção Esotérica e dissera “ algumas coisas fortes — que os Mestres
eram meros incidentes” . Tratava-se de um pronunciamento importan­
tíssimo, que deve ter escandalizado e perturbado profundamente os
ouvintes, pois a crença na existência dos Mestres era toda a raison
d’être da Seção Esotérica da S . T . Ninguém teria adivinhado a pres-

243
teza com que até o Senhor Maitreya se transformaria em “ incidente”
para K.
No dia 6 de junho a Sra. Besant pronunciou a primeira das suas
quatro conferências públicas no Queen’s Hall sobre “ O Mestre Uni­
versal e a Nova Civilização” . Haveria outra reunião no Castelo de
Eerde antes do Acampamento daquele ano, com início marcado para o
dia 19 de junho, e que seria seguida pelo Acampamento em Ommen.
A Sra. Besant pretendia comparecer ao Acampamento, mas tinha a
intenção de passar alguns dias em Huizen antes disso.
K foi para Eerde com dez dias de antecedência em companhia de
Rajagopal, Mary e Koos van de Leeuw. Ficara decidido, havia já algum
tempo, que Mary iria com eles mas, à última hora, a Sra. Besant
decretara que ela não podería viajar sem uma dama de companhia. A
fim de não desapontar Mary, Lady Emily acompanhara-os na viagem
noturna por mar, embora tivesse de regressar a Londres na noite se­
guinte. Rajagopal ficou acabrunhadíssimo porque Rosalind não foi
também. A essa altura, ele estava muito apaixonado e queria desposa­
da. Para surpresa geral, Rosalind não apareceu em Eerde durante todo
o verão, nem mesmo em Ommen. Ficou quase todo o tempo na Ingla­
terra, em Wimbledon, onde algumas casas tinham sido compradas em
West Side Common com a intenção de formar um centro comunitário
para a Teosofia e a Estrela. É provável que Rosalind precisasse do
tempo e da distância para ajudá-la a decidir-se sobre se devia ou não
casar com Rajagopal.
Um dos grandes celeiros que flanqueavam a entrada do Castelo
de Eerde fora dividido em pequenos quartos dispostos em dois pavi­
mentos, de modo que umas sessenta pessoas tinham condições de
assistir à reunião daquele ano, que foi, por isso mesmo, menos harmo­
niosa. Entre os velhos amigos que lá se aboletaram figuravam a Sra.
de Manziarly e suas três filh as,1 Lady Emily, Mary, Rajagopal, Ruth
(que acabava de regressar de Sydney), a Sra. Roberts, a Dra. Rocke,
Isabelle Mallet, Jadu, os Patwardhan, Philip van Pallandt, Koos van
de Leeuw, Noomi Hagge e A. P. Warrington, que estivera com K e
Nitya em Ojai em 1922.
Apesar de uma tosse feia que apanhara em Paris, K encetou suas
palestras no dia 19 de junho “ cheio de serena força e certeza” , de

1. Mima, a mais velha, casara com um norte-americano, George Porter,


em 1925, mas este morrera tragicamente em fevereiro de 1927. Ela construiu
uma casa no Vale de Ojai alguns anos depois e nessa casa tem vivido desde
então.

244
SSFJ.

Consagração episcopal de Arundale, em Huizen, em agosto de 1925.


D a esquerda para a direita: o Bispo Mazel, Oscar Kõllerstrõm (vestido
de padre), o Bispo Arundale, Rajagopal (segurando o báculo), a Sra.
Besant, o Bispo Wedgwood, o Bispo Pigott

K falando no acampamento de Oramen


K no telhado do Hotel Sheraton,
em Chicago, cm setembro de 1926

K debaixo de um gobelino, no
Castelo de Eerde, em junho de 1926
acordo com o diário de Lady Emily, e sem nenhuma timidez. Dois dias
depois, no entanto, acordou com febre. Declarou-se uma bronquite que
o obrigou a ficar de cama por mais de uma semana. Isso acarretou
uma briga entre a Sra. de Manziarly e Noomi Haage, quanto à escolha,
entre elas, da mais qualificada para cuidar dele. A Sra. de Manziarly,
que tinha um temperamento forte, acabou vencendo, embora ainda se
concedesse a Noomi o privilégio de levar-lhe as bandejas. Depois a
Sra. de Manziarly e a Dra. Rocke se desavieram quanto à melhor
maneira de tratar a doença. O próprio K, registrou Lady Emily, “ diver­
tia-se à grande com essa briga idiota por sua causa, como briga de
cães por causa de um osso” ; ele pediu a Lady Emily que convocasse
uma reunião e as intimasse a “ deixarem de ser bobas” . Durante o
tempo em que K esteve doente, Lady Emily lia os poemas dele em
voz alta, todas as manhãs, diante do grupo reunido. Enquanto isso,
na cama, ele lia Edgar Wallace.
O grupo de Eerde ouviu dizer, no dia 25 de junho, que George
Arundale (que, tendo saído da Austrália, estivera na Inglaterra ten­
tando reunir 10.000 libras esterlinas para dar à Sra. Besant e a Lead-
beater por ocasião do octogésimo aniversário dos dois, que estava
próximo) realizara uma reunião da Estrela em Londres em que decla­
rara dissentir da Sra. Besant no respeitante à fusão da consciência de
K com a do Senhor; sem embargo, disse ele, é preciso mostrar ao
público uma frente unida. Ele e Rukmini retornaram à índia antes
da realização do Acampamento de Ommen.
K se sentia tão bem no dia 28 que se levantou da cama e foi
sentar-se com os outros na sala de estar, enquanto Lady Emily lia em
voz alta alguns de seus poemas; no dia seguinte, ele mesmo leu três
poemas para testar a voz. No dia 30 já recomeçou a falar. O seu
tema naquele ano era a Libertação, ao passo que, no ano anterior,
discorrera sobre O Reino da Felicidade. Lady Emily tomou notas do
que ele disse em cada um desses dias: .
Vós precisais libertar-vos, não por minha causa mas apesar de m im ... •
Em toda esta vida, sobretudo nos últimos meses, tenho lutado por libertar-
-me — libertar-me dos meus amigos, dos meus livros, das minhas asso­
ciações. Precisais lutar pela mesma liberdade. Cumpre que seja perma­
nente a inquietação interior. Mantendo constantemente um espelho à
vossa frente e se virdes refletida nele alguma coisa indigna do ideal que
criastes para vós mesmos, mudai-a. . . Não façais de mim uma autoridade.
Se eu me tornar uma necessidade para vós, que fareis quando eu for
em bora?... Talvez imagineis que posso dar-vos uma bebida que vos
deixará livres, que posso dar-vos uma fórmula que vos libertará — mas
não é assim. Pode ser que eu seja a porta, mas precisareis passar por
ela para encontrar a libertação que está além dela. . . A verdade chega

245
como um ladrão — quando menos a esperais. Eu quisera poder inventar
uma nova linguagem mas, como não posso fazê-lo, gostaria de destruir
vossa velha fraseologia e vossas antigas concepções. Ninguém pode dar-vos
a libertação, tereis de encontrá-la em vosso próprio íntimo. E porque a
encontrei, mostrar-vos-ei o caminho. . . Quem atingiu a libertação tornou-
-se o Mestre — como eu. Cada um de nós tem o poder de entrar na
chama, de tornar-se chama. .. Porque estou aqui, se me conservardes no
coração, dar-vos-ei força para chegar. . . A libertação não se destina aos
poucos, aos escolhidos, aos eleitos. Destina-se a todos quando cessam de
criar c a rm a . Vós mesmos pondes em movimento a roda do nascimento
e da morte, cujos raios são sofrimentos e dores e só vós a podereis deter,
de modo que não volte a girar. Nesse momento sereis livres. A maioria
das pessoas agarra-se a essa individualidade, a esse sentido do Eu. É o
que cria c arm a. A libertação é a vida e a cessação da vida. É um grande
fogo e, quando entrais neíe, vós vos converteis em chama e depois seguis
como centelhas, parte da chama.

Ele estava dizendo, com efeito, que os Mestres e todos os gurus


eram desnecessários; que havia um caminho direto para a verdade e
que todos teriam de encontrá-lo por si mesmos. Isso causou grande
consternação entre os circunstantes em Eerde, os quais, se bem não
fossem teosofistas, queriam que ele lhes dissesse exatamente o que
deviam fazer. As palavras de K, todavia, foram ainda mais arrasadoras
para os membros da Seção Esotérica da S . T . que se encontravam na
reunião, acostumados a ser informados com exatidão sobre os seus
progressos ao longo do Caminho espiritual.
Nessa ocasião, K anelava pela renúncia completa, por-tornar-se um
saniasi na índia. Falou muito sobre isso a Lady Emily durante a
reunião. Foi essa talvez a última tentação que teve de enfrentar.
Escrevera a Raja desde Ojai, a 9 de fevereiro: “ Minha taça está
cheia. . . Enverguei mental e emocionalmente o manto amarelo! Quero
gritar do topo da montanha e sacudir as pessoas no vale. Quero abrir
mão de tudo e transformar-me num verdadeiro saniasi. Posso fazê-lo.
Seja como for, minha hora ainda não chegou e esper©-a com ansiosa
paciência.”
Travaram-se freqüentes discussões durante a reunião sobre a reor­
ganização da Ordem, pois agora que tanta gente acreditava na chegada
do Mestre, os objetivos da Ordem já não pareciam válidos. No dia
28 de junho Lady Emily e Rajagopal redigiram novos objetivos: “ 1.
Congregar todos os que acreditam na presença do Mestre Universal
neste mundo. 2. Trabalhar de todos os modos por que Ele realize o
Seu ideal para a humanidade. A Ordem não tem dogmas, nem credos,
nem sistemas de crença. Sua inspiração é o Mestre, seu propósito é
corporificar-Lhe a vida universal.”

246
O nome da Ordem seria mudado, passando de Ordem da Estrela
no Oriente para Ordem da Estrela, e a revista oficial Hcrald of the
Star (Arauto da Estrela) passaria a chamar-se Star Review (Revista
da Estrela). Dali por diante cada país publicaria sua própria versão
da revista, mas haveria, além disso, um International Star Bulletin
(Boletim Internacional da Estrela), publicado pela editora da Fun­
dação, a Star Publishing Trust, legalmente constituída na Holanda
em 1926 e que publicaria, durante muitos anos, todos os escritos
de K. Rajagopal seria conhecido no futuro como Organizador-Chefe
em lugar de Secretário-Tesoureiro Geral, e os Representantes Nacionais
passariam a ser Organizadores Nacionais.
Na manhã de 11 de julho Raja e sua esposa chegaram a Eerde
e passaram a noite no Castelo, a caminho de Huizen, onde se encon­
trava a Sra. Besant. Em lugar da sua palestra matutina, K leu três
poemas seus em voz alta, e depois se discutiram os novos objetivos da
Ordem, Raja opôs objeções ao primeiro objetivo, dizendo-o demasiado
definido, uma vez que associava com excessiva intimidade Krishnamurti,
o discípulo, ao Senhor. Várias pessoas falaram em seguida, todas
atacando a objeção de Raja; Koos van de Leeuw chegou a dizer que
o primeiro objetivo não era sufícientemente definido.
Ao entardecer, K levou Raja para um passeio e persuadiu-o (ou
assim o supôs) de que ele e o Mestre, na verdade, eram agora um só.
No dia seguinte, escreveu uma notazinha à Sra. Besant para que Raja
lha levasse e entregasse em Huizen:
Estou cada vez mais certo de que sou o Mestre e minha mente e
minha consciência estão mudadas. Creio que Raja será capaz de explicá-lo.
Minha obra e minha vida estão firmadas. Atingi minha meta. Nunca du­
vide, nem pense que eu a amaria menos por isso. Amo-a de todo o meu
coração... Oh! mãe, a realização de muitas vidas acaba de chegar.

No dia 15, em companhia de Koos, foi passar o dia em Huizen


para ver a Sra. Besant, que se sentia evidentemente muito mais feliz
ali do que se teria sentido em Eerde, onde as pessoas que rodeavam
K, se bem não lhe fossem realmente hostis, não manifestavam sufi­
ciente reverência pelo passado.
No mesmo dia, Lady Emily recebeu uma carta do marido em que
este dizia ter ouvido de Lorde Riddell que a Central News Agency
estava a pique de publicar a notícia do noivado de Mary com K.
Lutyens conseguira impedir-lhe a publicação, alegando que seria cometer
um crime de difamação noticiar o noivado de um “ homem santo” ;
sem embargo disso, queria que Mary voltasse incontinenti para casa.

247
Lady Emily ficou muito mais preocupada com o efeito que a informação
poderia ter sobre K, se este viesse a conhecê-la, do que com a cólera
do marido, muito embora Betty também tivesse escrito dizendo que o
pai jurara, a ser verdade tudo aquilo, largar o seu trabalho, expulsar
a família de casa e nunca mais tornar a ver nenhuma delas. Mary
desejava que a notícia fosse verdadeira, mas sabia que K ficaria tão
horrorizado quanto seu pai se ouvisse falar no assunto e, com toda
a certeza, insistiria em mandá-la de volta para Londres; por isso mesmo
K nunca soube de nada, e Lady Emily conseguiu apaziguar o marido
assegurando-lhe que K jamais se casaria: “ Toda a sua vida é dedicada
a um objetivo, que é ensinar; e se bem tenha várias amigas de dife­
rentes idades, não ama nenhuma especialmente.” Mary, que se sentia
ainda mais próxima de K nesse- ano do que no anterior, não se mexeu.
Conseguia vê-lo a sós todos os dias, ainda que apenas por uns poucos
minutos. Lady Emily também tinha suas sessões particulares com ele,
como as tinham, sem dúvida, muitos outros membros do grupo.
No dia 22 de julho, Raja e a esposa voltaram de Huizen para
passar duas noites no castelo; à noite, depois de K haver-se recolhido,
ele falou ao grupo reunido sobre K como um ego. Para poder com­
preendê-lo, disse, precisamos conhecer alguma coisa de suas existências
passadas, bem como do seu futuro, quando será um Buda; mas ele
teria ainda muitas e muitas vidas pela frente antes de atingir essa
meta. Para Lady Emily suas palavras foram como “ uma ducha de
água fria” , e a maioria dos outros que se encontravam em Eerde sen­
tiram o mesmo.
O que ele disse foi, sem dúvida, repetido a K, pois este, na manhã
seguinte, falou em presença de Raja:
Há uma pessoa, chamada J. Krishnamurti, que sempre teve em vista
o fim que alcançaria e que, na busca desse fim, conheceu um sem-número
de lutas, tristezas e sofrimentos. Explorou muitas avenidas na crença de
que elas conduziriam à meta. E veio-lhe a visão do topo da montanha,
que é a união com o Amado, que é a libertação e, a partir desse momento,
pôs de lado todas as afeições, todos os desejos, todas as coisas exceto o
alcançamento da meta. Agora a meta foi atingida e ele entrou na chama. E
o que acontece depois disso não tem importância — isto é, se a centelha
permanece no interior da chama ou dela se projeta. E vocês poderão
ter o Amado constantemente com vocês antes mesmo de se terem identi­
ficado com Ele.

Lady Emily observou que esta “ era uma resposta a Raja, quase
uma reprimenda, feita porém com suma dignidade, simplicidade e
cortesia” .

248
No entardecer do dia seguinte, Lady Emily saiu a passeio com
Raja, que a “ deixou atordoada” ao dizer que a reunião em Eerde
naquele ano “ tinha sido uma tragédia e um fracasso, e quase deitara
a perder o plano da Irmandade [isto é, da hierarquia esotérica]” .
À diferença de Wedgwood, Raja era pessoalmente muito dedi­
cado a K, mas pertencia à antiga escola de teosofistas; trabalhara,
durante toda a existência, pela Teosofia esotérica, em cujo âmago
se encontrava o Caminho do Discipulado. Se K pretendia negar a
existência dos Mestres, ou tencionava passá-los por alto (já dissera
que eles eram meros “ incidentes” ), estaria completamente anulado todo
o trabalho da vida de Raja. Os líderes mais antigos da Teosofia che­
gariam, cada vez mais, à mesmíssima conclusão; a influência deles estava
sendo solapada. Como poderiam continuar viajando pelo mundo' e
pronunciando conferências? Sobre que versariam suas lições? Que
aconteceria à autoridade deles se já não lhes fosse possível exercitar os
discípulos a palmilhar o Caminho do Discipulado e distribuir as Ini­
ciações como a derradeira e a mais importante das acoladas? O ca­
minho direto para a verdade se afastaria deles como já se afastara
dos Mestres a que eles serviam.

249
30
PRONUNCIAMENTOS REVOLUCIONÁRIOS

O grupo de Eerde dirigiu-se para o Acampamento no dia l.° de


agosto e as reuniões começaram, conquanto a Convenção só devesse
inaugurar-se oficialmente dali a uma semana. Nesse ano, quase três
mil membros compareceram ao Acampamento, hospedando-se alguns
em hotéis das vizinhanças. George Lansbury, que se acomodara no
próprio Acampamento, escreveu que ali se haviam reunido represen­
tantes de um número maior de raças, credos e seitas do que em qualquer
outro lugar. Rom Landau, que também estava lá naquele ano, des­
creveu-o com cores vivas em seu livro God is my Adventure. Não
podendo pagar a passagem de trem, um jovem búlgaro levara seis
semanas caminhando desde o seu país natal até Ommen, Os demais
acampados cotizaram-se para pagar-lhe a passagem de volta, mas ele
preferiu ficar definitivamente e foi nomeado zelador do Acampamento
no inverno.
No dia 2 de agosto, numa palestra intitulada “ Quem traz a ver­
dade?” , K deu sua primeira resposta pública à pergunta que estava con­
turbando tanta gente — acreditava ou não acreditava ele nos Mestres
e no resto da hierarquia esotérica?
Quando eu era um garotínho [disse] costumava ver Sri Krishna com a
flauta, como o imaginam os hindus, porque minha mãe era devota de Sri
Krishna. . . Quando fiquei mais velho e conheci o Bispo Leadbeater e a
Sociedade Teosófica, comecei a ver o Mestre K .H . — mais uma vez na
forma em que o colocaram à minha frente, a realidade do ponto de vista
deles — e por isso para mim, o Mestre K .H . era o fim. Mais tarde, cres­
cendo, comecei a ver o Senhor Maitreya. Isso aconteceu há dois anos
e eu o via constantemente na forma que me foi apresentada. . . Ultíma-
mente, tenho visto o Buda, e tem sido meu deleite e minha glória estar
com Ele. Ás pessoas me perguntam o que quero dizer quando me refiro
‘‘ao Amado” . Darei um significado, uma explicação, que vocês interpretarão

250
como quiserem. Para mim é tudo — é Sri Krishna, é o Mestre K .H .,
é o Senhor Maitreya, é o Buda, e, ao mesmo tempo, está além de todas
essas formas. Que importa o nome que vocês lhe dão?. . . O que os
perturba é saber se existe uma pessoa como o Mestre Universal, que Se
manifestou no corpo de certa pessoa, Krishnamurti; mas no mundo
ninguém se preocupará com essa pergunta. Vocês vêem, portanto, meu
ponto de vista quando falo sobre o meu Amado. É uma infelicidade que
eu tenha de explicar, mas preciso fazê-lo. Quero que isso seja tão vago
quanto possível, e espero tê-lo feito assim. Meu Amado é o céu aberto,
é a flor, é todo ser hum ano... Enquanto não pude dizer com certeza,
sem nenhuma comoção inadequada, sem nenhum exagero para convencer os
outros, que eu e o meu Amado éramos um só, não falei. Falei sobre as
vagas generalidades que todo o mundo queria ouvir. Eu nunca disse: sou o
Mestre Universal; mas agora que me sinto unido ao meu Amado, digo-o,
não para imprimir minha autoridade sobre vocês, nem para convencê-los
da minha grandeza, nem da grandeza do Mestre Universal, nem mesmo
da beleza da vida, mas tão-somente para despertar em seus corações e
em suas mentes o desejo de buscar a Verdade. Se digo, e o direi, que o
Amado e eu somos um só, a razão é porque o sinto e o sei. Encontrei o
que anelava, uni-me a Ele, de modo que doravante não haverá separação,
pois meus pensamentos, meus desejos, meus anseios — os do eu indi­
vidual — foram destruídos... Sou a flor que perfuma o ar matinal.
Não se preocupa com quem está passando.. . Até agora vocês têm depen­
dido dos dois Protetores da Ordem [a Sra. Besant e Leadbeater] sempre
que precisaram reportar-se a uma autoridade, como têm dependido de
outra pessoa para dizer-lhes a Verdade, quando a Verdade está dentro de
vocês. Vocês a encontrarão nos próprios corações, na própria experiência,
e essa é a única coisa de valor.. . Não tenho a intenção de suscitar
discussões sobre a autoridade, sobre as manifestações na personalidade
de Krishnamurti, senão de fornecer-lhes as águas que lavarão suas tris­
tezas, suas mesquinhas tiranias, suas limitações, de modo que vocês
se libertem, de modo que vocês se juntem finalmente ao oceano onde
não há limitação, onde está o A m ado.. . Terá, porventura, alguma impor­
tância o copo em que bebem a água, contanto que a água lhes sacie a
sede?. . . Eu me uni ao meu Amado, e meu Amado e eu percorreremos
juntos a face da terra. .. Não adianta perguntar-me quem é o Amado.
De que serve a explicação? Vocês só compreenderão o Amado quando
forem capazes de vê-PQ em cada animal, em cada haste de relva, em
cada pessoa que está sofrendo, em cada indivíduo.

A Sra. Besant, Raja e Wedgwood chegaram no dia seguinte, 3


de agosto, e hospedaram-se no Castelo. Lady De La Warr também
veio dessa vez e ficou no acampamento. A Sra. Besant quisera vir
mais cedo, mas K a persuadira a não o fazer, dizendo que se acanhava
de falar em sua presença. Na verdade, receava que o que pretendia
dizer na reunião do dia 2 pudesse magoá-la.
O Acampamento inaugurou-se oficialmente no dia 7 e encerrou-se
no dia 12. Conquanto o principal discurso da Sra. Besant no Acam­
pamento se intitulasse “ O Mestre Universal está aqui” , ela ainda achava
difícil conciliar as declarações de K com o que supunha que diria o

251
Senhor Maitreya quando viesse. Em todos os anos de preparação do
Advento rogara aos leitores e ouvintes que mantivessem a mente aberta,
avisara-os de que ele, ao chegar, talvez dissesse muita coisa difícil
de aceitar por ser inteiramente nova; agora, ela mesma corria o risco
de cair na armadilha que vaticinara para os outros. Os pronuncia­
mentos de K eram tão completamente revolucionários que sacudiam
com violência os fundamentos do seu mundo.
Ela retornou a Huizen no dia 14. Depois da sua partida orga­
nizou-se uma sessão de dois dias para os trabalhadores voluntários que
tinham ajudado nas cozinhas e nos escritórios da administração e, por­
tanto, não tinham podido assistir às reuniões da Convenção. A fala
de K endereçada ao Acampamento de Serviço, como foi chamado, no
dia 15 de agosto, desconcertou muita gente. Dela não existe nenhum
registro impresso, provavelmente suprimido por consideração pela Sra.
Besant. O diário de Lady Emily registra apenas: “ Krishnaji falou no
Acampamento de Serviço. Excelente, mas perturbou muita gente. Uma
bela sentença foi esta: você só poderá ajudar de verdade depois que,
pessoalmente, já não precisar de ajuda.” Entretanto, pode-se ter uma
idéia das coisas desorientadoras que ele disse lendo um relatório de
Peter Freedman, membro do Parlamento, secretário-geral da S . T . para
o País de Gales: “ Ele [K ] contou-nos que nunca foi capaz em sua
vida de ler um livro teosófico até o fim — que não conseguia compreen­
der o nosso ‘jargão’ teosófico e que, embora já tivesse ouvido muitas
conferências teosóficas, nenhuma delas o convencera de que possuíam o
conhecimento da Verdade.”
Lady De La Warr, evidentemente, foi uma das pessoas confun­
didas por essa palestra, pois K escreveu à Sra. Besant no dia 22 de
agosto, de Montesano, na Suíça, para onde fora com Rajagopal e Jadu
a fim de descansar e onde também se encontrava Lady De La Warr,
que estivera doente:
Fiquei felicíssimo ao receber sua carta, Amma querida. Eu não sabia
que provocara tamanha tempestade com o meu discurso no Acampamento
de Serviço. Não me lembro do que eu disse, mas quero vê-lo quando
chegar a cópia. Lamento muito que Lady D. e outros tenham ficado trans­
tornados. Ela não me disse uma palavra. Receio que ninguém mais queira
pensar por si mesmo, já que é muito mais fácil ficar sentado remoendo
confortavelmente o que os outros já pensaram.
A vida é curiosa e ficará difícil. Está tudo no trabalho do dia.
Estou cada vez mais certo da minha visão da Verdade. Estas montanhas
e o ar puro que aqui se respira são maravilhosos e tenho o Amado comigo.
Portanto. . . !
Mãe, conservemo-nos unidos, que nada mais importa.

252
Conversarei com Lady De La Warr, e tentarei explicar o que quer
que ela tenha compreendido mal.

E quatro dias mais tarde tornou a escrever:


Tive uma longa conversa com Lady De La Warr e ela me disse
que não estava preocupada nem transtornada, mas afirmou que não con­
cordava com algumas coisas que eu dissera. Isso é muito diferente. . De
qualquer maneira, Amma querida, ela disse que nunca brigaria comigo!! i
Por isso mesmo, faça-me o favor de não pensar mais nisso nem de
se preocupar com essas coisas. Não sei se aquele infeliz discurso foi taqui-
grafado; isso não tem importância...
Nestes morros e nestas Florestas, sinto-me mais próximo do meu
Amado do que nunca.
Estou contentíssimo por voltarmos juntos para a índia.

Mas a Sra. Besant não se aplacou. Conversou, mais tarde, com


Lady Emily em Londres acerca da sua profunda preocupação pela cisão
cada vez maior entre a Seção Esotérica da S . T . e a Estrela, susten­
tando que K reunia à sua volta em Eerde jovens que nada sabiam do
passado, ou teosofistas renegados, e que “ o seu discurso no Acampa­
mento de Serviço deixara as pessoas terrivelmente abaladas” . Em
Adyar, acrescentou, ele dissera “ Não venho para destruir” , mas temia
que o atual espírito fosse muito destrutivo. Lady Emily perguntou-lhe
se ela desejava restringir aos teosofistas os seguidores dele. Ela res­
pondeu que não, evidentemente não, mas que os outros não teriam
utilidade alguma para ele.
De Montesano, no dia 21 de setembro, K foi a Paris, onde pro­
metera posar para o escultor Antoine Bourdelle, a quem fora apre­
sentado pela Sra. de Manziarly. As sessões de escultura iniciaram-se
no dia imediato. Bourdelle teria preferido que ele se demorasse um
mês, pois assim teria tempo de fazer uma estátua de corpo inteiro mas,
sendo isso impossível, K concordou em posar duas horas pela manhã
e duas à tarde, durante oito dias. “ O que o Sr. Bourdelle está fazendo
será de primeira ordem” , disse ele à Sra. Besant no dia 23 de setembro,
“ pois é realmente um mestre na profissão. É como Rodin, porém
melhor, no meu entender” . Bourdelle, que tinha então sessenta e seis
anos, foi imediatamente conquistado por K. “ Quando ouvimos Krishna-
murti falar ficamos espantados — por encontrar tanta sabedoria num
homem tão moço, . . Krishnamurti é um grande sábio e, se eu tivesse
quinze anos de idade, não hesitaria em segui-lo” , teria dito ele, se-

1. L a d y De La Warr nunca brigou com ele, rnas também nunca recuperou


totalmente a saúde e morreu em 1930.

253
gundo se afirma. Bourdelle achava o seu busto de K , que ora se
encontra no Museu Bourdelle, em Paris, uma das suas melhores obras.
K voou de regresso a Londres no dia 30 de setembro. Hospedou-
-se em casa de Lady Emily e ela acompanhou-o ao jantar em Buckin-
gham Street, no dia l.° de outubro, comemorativo do octogésimo ani­
versário da Sra. Besant. O maior presente que ela recebeu foram 25.000
libras que lhe deixara a Sra. Percy Douglas-Hamilton, recentemente fale­
cida. A Ordem da Estrela também foi contemplada no testamento
com 10.000 libras.
K combinara ir para a índia com a Sra. Besant em meados de
outubro. Nesse ínterim, enquanto ela permanecia em Londres, ele
voltou para Eerde. K não se achava presente quando, no dia 3 de
outubro, Rosalind e Rajagopal se receberam no Cartório do Registro
Civil em Londres, sendo Jadu um dos padrinhos; nem assistiu à ceri­
mônia religiosa realizada no dia 11 na Igreja Católica Liberal de Santa
Maria, na Caledonian Road. Rosalind entrou na igreja pelo braço
da Sra. Besant e apadrinhada por David Graham Pole, o advogado
que redigira o recurso apresentado pela Sra. Besant ao Tribunal de
Apelação de Madrasta em 1913. Presume-se que o Bispo Pigott, o
bispo católico liberal da Inglaterra, tenha oficiado. K não se lembra
do que pensou a respeito desse casamento. Seus sentimentos em relação
ao matrimônio em geral, todavia, tinham sofrido uma mudança consi­
derável desde 1922; já não o considerava um desastre total.
Depois de um giro pela Europa em companhia de Philip van
Pallandt, Rosalind e Rajagopal partiram para Arya Vihara, em Ojai,
que passaria a ser o seu lar. Entrementes, K fora encontrar-se com a
Sra. Besant, em Marselha. Raja, Jadu e a Dra. Rocke figuravam tam­
bém no grupo que voltou à índia a bordo do China. Enquanto o
navio singrava as águas do Mar Vermelho, a Dra. Rocke rolou por
uma escada de tombadilho e morreu instantaneamente de hemorragia
cerebral. Era uma das mais velhas amigas de K, que ficou profunda­
mente chocado e entristecido com a sua morte.
31
O RIO QUE SE DESÁGUA NO MAR

Ao desembarcarem em Bombaim no dia 27 de outubro, foram


recebidos por uma multidão de repórteres, aos quais a Sra. Besant fez
a seguinte declaração a respeito de K:
Sou testemunha de que ele foi considerado digno da missão para a
qual foi escolhido, digno de fundir sua consciência com a de um frag­
mento, uma amsa, da consciência onipresente do Mestre U niversal...
Quando Ele chegou, há dois mil anos, à Palestina, escolheu para seu uso
o corpo de um membro de uma raça vassala... E quando Ele veio a
n ó s... escolheu alguém entre os desprezados e rejeitados do m un do...
E para nós agora, indianos, irmãos, chegou esta grande alegria... Poucos
meses se passaram desde que o longo e firme crescimento atingiu sua
conclusão na união com “o Amado” . . . E agora que ele voltou para
vocês, para o seu povo, para a sua raça, mas transcendendo a ambos, pois
ele pertence ao mundo inteiro, vocês têm a alegria de ver que a sua
raça deu um corpo para trazer a grande Mensagem de ajuda.

Pode imaginar-se o efeito dessa declaração sobre indianos cuja


tendência natural é prosternar-se adorativamente sem o menor constran­
gimento. Uma afirmação pública dessa natureza, no entanto, provocou
um artigo de George Arundale que ilustra as dificuldades com que K
teria de haver-se em Adyar naquele inverno: “ Nossa presidenta declarou
que o Senhor [Maitreya] está aqui. . . Agora me é impossível con­
ciliar essa afirmativa. . . com o meu próprio conhecimento do Senhor
tal como Ele está em Seu glorioso corpo.” A Sra. Besant, continuou
ele, concordara em que. apenas um fragmento da consciência do Senhor
estava em Krishnamurti;' ele, Arundale, duvidava até de que esse frag­
mento estivesse sempre com Krishnamurti. Mas ela dissera “ O Senhor
está aqui” , e devia ter razão, pois ela sempre tinha razão.
Que fariam os teosofistas diante dessa ambiguidade? Leadbeater
foi mais sutil. Num tributo prestado à Sra. Besant pelo seu octogésimo

255
aniversário, escrevera: “ Outro e maravilhoso departamento do seu tra­
balho tem sido treinar o veículo do Mestre Universal e cuidar dele. . .
Agora ela está colhendo o fruto desses cuidados e observando com
alegria o desabrochar do botão que alimentou, o abrir-se da flor cuja
fragrância inundará o mundo.” Leadbeater encontrara uma posição- da
qual lhe seria fácil retirar-se quando o desejasse: a fragrância podería
não inundar o mundo e o botão poderia não desabrochar por muitos
e muitos anos ainda.
Por enquanto, todavia, Leadbeater estava de acordo com K.
Chegou a Adyar no dia 4 de dezembro para a Convenção da S . T . e,
quatro dias depois, K escrevia a Lady Emily a respeito dele:
Tive uma longa conversa com ele durante uma hora e meia. Ele
concorda comigo em muita coisa — o que é surpreendente. Perguntou-me
como me sentia e lhe disse que não havia nenhum Krishna — o rio e o mar.
Ele disse que sim, como os livros de antanho, é tudo verdade. Foi muito
simpático e reverente ao extrem o... Não tive muito tempo para pensar
em renúncia e sangha [a existência numa comunidade religiosa]. Está
no fundo da minha mente, onde ferve a fogo lento e fica cada vez maior.
Mas quero andar muito devagar no tocante a essas coisas. Elas são impor­
tantes e não devem ser precipitadas.

Durante a Convenção, a Sra. Besant não perdeu a oportunidade


de proclamar sua fé absoluta em K. E disse numa reunião: “ Em
agosto do corrente ano de 1927 a parte da consciência do Mestre Uni­
versal que poderia manifestar-se no interior da habitação de um corpo
físico humano desceu e instalou-se nele. . . Eu, que o conheci desde
criancinha. . . tornei-me agora sua discípula devotada.”
Depois de uma visita a Calecute, na costa ocidental, logo após a
Convenção, K regressou a Adyar para o dia sagrado, o Dia da Estrela,
11 de janeiro — aniversário da sua primeira Iniciação dezessete anos
antes. “ Houve uma reunião, em que Amma, C . W . L . e eu falamos” ,
relatou ele a Lady Emily no dia seguinte. “ Eles deixaram perfeita­
mente claro, sem dúvida alguma, que eu sou o Mestre, ao passo que
toda a gente procura saber se sou o Cristo, o portador da Verdade.
Aonde quer que eu vá, é a pergunta que me fazem. . . Isso vai ser
mesmo muito difícil.” Na mesma carta do dia 12 ele contou-lhe que
sua cabeça estivera péssima e que devia ter desmaiado com muita fre-
qüência. Sentia-se evidentemente desapontado por Leadbeater não
poder dar-lhe nenhuma explicação sobre a continuação da dor, dizendo
apenas que “ isso deve ser parte do trabalho” . “ George está furioso
comigo” , ajuntou; “ acha que estou errado, etc. Mal os vejo, a ele e
à mulher. Mas não me preocupo nem um pouco. Receio muito que

256
seja pessoal e que não exista nenhum grande pensamento atrás disso
— quero dizer, dele. Bem, Amma e C . W . L . me ‘põem nas nuvens’,
de modo que ele se sente meio excluído de tudo. Sinto muito.”
Seguiu-se um Acampamento da Estrela — o primeiro organizado
na índia e que se realizou na Guindy School, nos arredores de Adyar
— em que K falou duas vezes por dia, além de submeter-se a uma
sessão de perguntas e respostas, que durou duas horas e meia.
Foi exclusivamente por minha culpa [escreveu ele a Lady Emily no
dia 17 de janeiro], pois eu queria que as perguntas fossem respondidas
depois de terem sido feitas. .. sobre a Unicidade Individual, o Amado e
a criatividade. Não sei como esse povo agüentouü Eu não poderia parar
na metade. “ De um modo geral” , o Acampamento foi um sucesso. Havia
cerca de mil pessoas, cheias de devoção. Entretanto, precisei lutar contra
um muro feito de tudo. Foi extenuante, mas já se acabou. Tudo é muito
difícil, porém lutarei contra todos. Nada mais importa. Hei de salvá-los
de si mesmos. É uma vida estranha. .. Estou-me sentindo absolutamente
exausto e fraco, mas daqui a pouco estarei bem outra vez.

Depois disso, ele realizou uma tournée, pela índia, falando em


toda a parte para públicos de três mil pessoas, mais ou menos. Com
o casamento de Rajagopal, Jadu passou a ser o seu companheiro mais
chegado, viajando com ele para todos os lugares. Jadu tinha muito do
encanto de Nitya, com o qual se parecia em vários sentidos. Por
causa disso havia uma afinidade natural entre ele e K, e K tornou-se-
-Ihe muito dedicado.
Quando K e Jadu embarcaram em Bombaim com destino à Europa,
a 29 de fevereiro de 1928, o primeiro estava literalmente exausto,
tendo tido outro acesso de bronquite e tendo pronunciado duas con­
ferências públicas em Bombaim. Viajaram num navio lento para Gênova
e, pela primeira vez, K dirigiu palestras aos companheiros de viagem
e promoveu debates com eles depois de reiteradas solicitações.
De Gênova foram a Paris, em seguida a Ommen e de Ommen a
Londres, onde K pronunciou sua primeira conferência pública, no' dia
31 de março, na Friends Meeting House. E tão grande foi o interesse •
provocado que centenas de pessoas desejosas de. ouvi-lo não puderam
entrar. Quatro dias depois, ele e Jadu zarparam para Nova Iorque.
K pretendia descansar em Ojai antes do início do primeiro Acampa­
mento da Estrela, que se realizaria em maio na Fundação do Vale
Feliz, cujas terras haviam sido adquiridas pela Sra. Besant no ano
anterior. K folgou muito de rever Rajagopal e Rosalind e, como ele
mesmo confessou à Sra. Besant, encantou-se com o crescimento de
todas as novas árvores que ela o ajudara a plantar em Arya Vihara.

257
Em lugar do Lincoln, tinha agora um Ford Chief que dizia ser tão
bom quanto o Lincoln.
Antes do Acampamento, porém, realizou sua primeira palestra
pública nos Estados Unidos na noite do dia 15 de maio no Hollywood
Bowl, perante um público de 16.000 pessoas, que, de acordo com o
Los Angeles Times, ouviram com “ atenção aparentemente absorta” o
que ele disse sobre “ A Felicidade através da Libertação” .
Entrementes, em Adyar, a Sra. Besant patrocinara uma nova per­
sonalidade divina — a Mãe Universal, como preferia chamar à Virgem
Maria, assim como preferia chamar ao Cristo o Mestre Universal, pelo
seu tom menos sectário. Rukmini Arundale foi o veículo humano esco­
lhido pela Mãe Universal. Esse movimento era uma revivescência mais
específica de um dos muitos prodígios “ trazidos” em Huizen em 1925
— a Ordem especial das Mulheres que o Senhor Maitreya encontraria
quando viesse e da qual Lady Emily e a Dra. Rocke tinham sido
consagradas abadessas. O Times of Índia publicou a história sob o
título “ A nova Mania da Sra. Besant” , que foi explorada, depois disso,
pelos jornais norte-americanos. K, como era de prever, viu-se envol­
vido nela e escreveu a Leadbeater no dia 4 de maio:
Ouvi dizer que Amma proclamou a Sra. Arundale representante da
Mãe Universal, etc. Ouvi dizer também que fui arrastado ao meio de
tudo isso. É obra de George, com suas mensagens, resultado do seu
cérebro. Suas maquinações são inumeráveis. Não quero ver-me metido
em nenhuma dessas coisas. Vou livrar-me de todas as complicações. Eu
gostaria de que Amma não me tivesse metido nisso, como fez no caso dos
pretensos Apóstolos. Imagino que você tenha sido informado de tudo
— a Mãe Universal, etc. — e imagino que minha franqueza não o
incomodará. A vida é estranha. Está cheia de complicações e como me
libertei de todas, não quero ser novamente apanhado numa delas.
Sei definitivamente o que desejo fazer aqui, desta vez, neste mundo,
e vou fazê-lo. Muito pouca gente o compreende e, portanto, será difícil.
Mesmo agora alguns pseudo-Apóstolos estão criando dificuldades e escárnio.
Não me estou queixando: ao contrário, tudo isso é divertido. Quero apenas
contar-lhe essas coisas, pois você conhece minha posição em relação a
elas. Espero que não se incomode.
Estou cada vez mais certo da minha união com o meu Amado, com
o Mestre, com a vida eterna. Como Krishna não existo, e essa é a grande
verdade. George e Wedgwood começaram a negá-lo mas, felizmente, há
muito espaço e campos abertos de compreensão. Não converterei ninguém
à minha maneira de pensar, mas afirmarei o fato, sempre que for necessário.
Tudo é curioso.
Minha cabeça tem andado e continua andando muito mal, mas não há
nada que se possa fazer. Isso não me causa a menor preocupação, mas
não deixa de ser cansativo. Estou diligenciando não trabalhar demais.

258
Farei por mantê-lo a par de tudo o que faço e digo, e tudo o que
for publicado lhe será enviado daqui por diante. Lamento muito que
isso não tenha sido feito antes.

K contou a Lady Emily no dia 9 de maio que a imprensa lbe


perguntara o que pensava da Mãe Universal, ao que ele replicara sim­
plesmente que nada sabia a esse respeito e, portanto, não podia fazer
comentários. “ É tudo tão absurdo!” escreveu. “ Felizmente, porém,
há um fim oportuno para todas essas bobagens. Vide A póstolos!!!!” 1
Nessa carta, aludiu à chegada a Ojai de Raja e Helen para o
primeiro Acampamento da Estrela. Disse que ficaria contentíssimo
por tornar a ver Raja, mas não fez nenhum comentário acerca de Helen,
embora fosse a primeira menção que fazia dela numa carta desde o
princípio de 1925, quando ela fora a Sydney pela primeira vez, e tam­
pouco voltou a referir-se a ela em suas cartas subseqüentes a Lady
Emily. É manifesto que ele e Helen seguiram caminhos diferentes.
No início da década de 1930 ela casou com o autor norte-americano
Scott Nearing e viveu uma vida muito feliz e realizada.
O Acampamento de Ojai foi um grande sucesso, embora apenas
cerca de mil pessoas estivessem presentes. Excelente organização e
comida muito melhor do que em Ommen; usou-se o sistema das caje-
terias, ao passo que em Ommen as pessoas dispostas a ajudar rodeavam
as mesas servindo a comida em grandes baldes de metal. As palestras
matinais, a que o público era admitido, realizavam-se num carvalhal —
os carvalhos sempre verdes do sul da Califórnia — e como o tempo
esteve ótimo, todas as reuniões se realizaram ao ar livre. O Carvalhal
de Ojai tornar-se-ia um local sagrado.
A 30 de maio, dois dias depois de fechado o Acampamento, K,
Jadu e Rajagopal embarcaram em Nova Iorque rumo à Europa, ao passo
que Rosalind permanecia em Ojai. Chegaram no dia 14 de junho, a
tempo de receber a Sra. Besant que voltava da índia e, quatro dias
depois, foram com ela a Paris onde, no dia 23, K pronunciou uma
palestra na maior sala de concertos da cidade, a Salle Pleyel. No dia
27 ele falou em francês, durante quinze minutos, da estação de rádio
da Torre Eiffel, para um público calculado em dois milhões de ouvintes.
Seu tema foi “ A Procura da Felicidade” .

1. O movimento da Mãe Universal teve vida curta. Em 1936 Rukmini


Arundale fundou uma Academia de Artes em Madrasta. Também fez muita
coisa pelo bem-estar dos animais na índia. Concorreu à presidência da S .T .
em 1973, depois da morte do irmão, Sri Ram, que fora presidente por muitos
anos. Mas foi derrotada, por uma margem de cinqüenta votos, por um inglês,
John Coats.

259
No derradeiro dia de junho, reuniu-se no Castelo de Eerde, du­
rante um mês, o maior de todos os grupos que ali já se juntara antes
da realização do Acampamento de Ommen. A essa altura, o outro
celeiro já estava parcialmente reformado, de modo que havia espaço
para visitantes que ali quisessem revezar-se por alguns dias. Sir Rode-
rick Jones, chefe da Reuters, lá esteve dois dias com a esposa, Enid
Bagnold, e o casal Leopold Stokowski, que conhecera K naquele inverno
em Adyar, chegou a 11 de julho para ali passar uma semana. 1 Entre
os velhos amigos de K figuravam a Sra. de Manziarly e suas três filhas,
Lady Emily, Mary, Jadu, Rajagopal, Noomi Hagge e Ruth, que casara,
no começo de julho, com John Tettemer, bispo da Igreja Católica
Liberal, que ela conhecera em Sydney. Casamento, aliás, que se revelou
muito feliz. No outono, os Tettemers foram viver na Califórnia, onde
Ruth tem morado desde essa época. Ela continua sendo muito amiga
de K.
K voltou para a cama na primeira semana da reunião, com uma
bronquite que já parecia crônica. No dia 3 de julho, escreveu à Sra.
Besant em Londres:
Tenho pensado muito na senhora, Arama, e as pessoas não têm
compreensão. Eu quisera que elas tivessem mais ternura no coração.
Como são coléricas algumas criaturas, sobretudo as que deviam estar melhor
informadas! Mas este mundo é estranho. As pessoas estão* levantando um
vigoroso e tolo muro de antagonismo ao que digo e isso me penaliza. Não
me queixo, longe disso, mas a senhora devia saber, Mãe. Aliás, é divertido.
Ouvi dizer que a senhora estará livre depois do dia quinze deste
mês e seria ótimo se pudesse vir para cá. Espero que venha, Arama.
Construíram uma choça especial para a senhora, para ser usada, se quiser,
durante o acampamento. 2 Há também uma sala de paredes recém-empape-
ladas à sua espera. Oh, Amma, eu a amo com todo o meu coração e
enquanto estivermos juntos, nada mais importa. Estou mais certo do
que nunca e continuarei.

Pouco tempo depois, a magnífica saúde da Sra. Besant fraquejou


pela primeira vez; ela foi obrigada a cancelar os compromissos públicos
restantes e a ficar de cama em casa da Srta. Bright, em ’Wimbledon.
Diziam alguns teosofistas que a causa do seu mal fora o choque pro-

1. Uma conversação entre K e Stokowski em Eerde foi publicada no


International Star Bulletin, de maio de 1929, reproduzida de The World Today
(Nova Iorque). Eles discutiram a inspiração e a criatividade.
2. Várias pessoas tinham agora construído para si cabanas permanentes de
madeira, que custavam cerca de 100 libras esterlinas, no terreno do Acampa­
mento. Essas cabanas tinham de obedecer a um determinado desenho aprovado
e situavam-se entre as árvores, de modo que não chamavam a atenção. O próprio
K tinha uma cabana, onde costumava descansar entre as reuniões.

260
vocado pela notícia de que, em Eerde, K declarara, com mais veemência
do que nunca, que o caminho para a verdade, a felicidade, a libertação,
ou que outro nome se lhe desse, não se poderia encontrar em nenhuma
forma ou “ refúgios de conforto” exteriores, mas apenas na própria
pessoa, e que ele chegara a mencionar a possibilidade de dissolver a
Ordem da Estrela. Dissera ele: “ Não quero ter seguidores. . . Abo­
mino a própria idéia de alguém intitular-se meu discípulo. Sede antes
discípulos da compreensão, que é o fruto do pensamento maduro e do
grande amor, sede discípulos da vossa própria compreensão.” Em
Adyar, no ano anterior, a Sra. Besant se dissera sua “ devotada discí­
pula” e ele agora declarava abominar a idéia de ter discípulos.
O próprio K, no entanto, que recebia boletins diários a respeito
da Sra. Besant, enviados pela Sra. Bright, deu-lhe à doença a impor­
tância que ela parecia ter — um severo resfriado acompanhado de febre
— e ainda esperava vê-la no Acampamento mas, no dia 28 de julho,
ouviu dizer que ela regressaria à índia a 9 de agosto sem ir à Holanda.
No dia 30 ele foi à Inglaterra para vê-la, embora só pudesse ficar
em Londres uma noite, por causa da inauguração do Acampamento.
Ao voltar, mandou-lhe uma carta particularmente carinhosa em que
dizia o quanto fora importante para ele o tê-la visto e o quanto lhe
sentiria a falta no Acampamento. Voltou ao Castelo a tempo de assistir
ao casamento de Philip van Pallandt com uma jovem holandesa de
que ele ficara noivo algum tempo antes. Depois do casamento civil
em Ommen, realizou-se uma cerimônia nupcial de acordo com os ritos
da Igreja Católica Liberal na sala de estar do Castelo, oficiada pelo
marido de Ru th, o Bispo Tettemer. Foi essa a primeira cerimônia de
casamento presenciada por K, que ele definiu como “ uma papagaiada” .
Apesar de sentir pessoalmente a falta da Sra. Besant, a ausência
dela deve ter sido um alívio para K, que pôde dizer exatamente o que
queria sem receio de magoá-la. Numa palestra dirigida aos Organiza­
dores Nacionais, antes da inauguração do Acampamento, disse ele: “ A
verdade que vos apresento é tão bela que não pode ser rejeitada e tão
grande que não pode ser aceita sem reflexão.” Acrescentou que abo­
liria a Ordem imediatamente se ela “ se dissesse o vaso que contém a
Verdade e a única Verdade” .
Numa de suas falas durante a reunião de Eerde, explicou o que
queria dizer quando se referia ao “ Mestre Universal” :
Sustento que há uma Vida eterna, que é a Origem e a Meta, o
começo e o fim e que, não obstante, não tem fim nem começo. Só nessa
vida há plenitude. E quem quer que a preencha tem a chave da Verdade
sem limitação. Essa Vida é para todos. Nessa Vida entrou o Buda,

261
entrou o Cristo. Do meu ponto de vista, eu atingi, eu entrei nessa Vida.
Essa Vida não tem forma, como a Verdade não tem forma, não tem limi­
tação. E a essa Vida todos teremos de voltar.

Numa das reuniões ocorridas no Acampamento, ele disse: “ É


chegada a hora em que já não deveis sujeitar-vos a coisa alguma. . .
Espero que não deis ouvidos a ninguém, mas tão-somente à vossa
intuição, à vossa compreensão, e que ofereçais uma recusa pública aos
que se intitularem vossos intérpretes.” Os intérpretes eram, natural­
mente, os líderes da Sociedade Teosófica. Ele advertiu os ouvintes de
que seriam abalados em seus alicerces.
Durante as reuniões lhe fizeram muitas perguntas, tais como: “ É
verdade que não quer discípulos?” “ Que pensa dos rituais e ceri­
moniais?” “ Por que nos diz que não há estádios ao longo do Ca­
minho?” “ Já que nos afirma que não há Deus, nem código moral,
nem bem nem mal, em que é que os seus ensinamentos diferem do
materialismo comum?” “ Você é o Cristo que voltou?” Alguns ex­
certos das respostas de K mostram quão pouco o haviam compreendido
os formuladores dessas perguntas:
Torno a dizer que não tenho discípulos. Cada um de vós será um
discípulo da Verdade se compreender a Verdade e não seguir indivíduos...
A única maneira de alcançarmos a Verdade é tornarmo-nos discípulos da
própria Verdade, sem mediadores. . . A Verdade não dá esperança; dá
compreensão. . . Não há compreensão no culto das personalidades. . . Con­
tinuo afirmando que todas as cerimônias são desnecessárias ao crescimento
espiritual.. . Se quiserdes procurar a Verdade precisais sair, ir para bem
longe das limitações da mente e do coração humanos e ali descobrireis
a Verdade que está dentro de vós. Não é muito mais simples fazer
da própria Vida a meta — da própria Vida o guia, o Mestre e o Deus
— do que ter mediadores, gurus, que reduzirão inevitavelmente a Verdade
e, portanto, a trairão?. . . Digo que um homem que compreende pode
atingir a libertação em qualquer estádio da evolução, e que adorar estádios,
como.vós o fazeis, não é essencial... Não me citeis depois como auto­
ridade. Recuso-me a servir-vos de muleta. Não serei trazido numa gaiola
para a vossa adoração. Quando levais o ar fresco da montanha para um
quartinho e ali o encerrais, desaparece o frescor desse ar, que se estagna. . .
Por eu ser livre, por eu haver encontrado a Verdade, que não tem limites,
que não tem começo nem fim, não serei condicionado por vós. . . Eu
nunca disse que Deus não existe. Eu disse que Deus só existe manifestado
em vós. . . mas não usarei a palavra D e u s... Prefiro chamar-lhe V id a ...
É claro que não existe o bem nem o mal. O bem é o que não receais; o
mal, é o que receais. Por conseguinte, se destruirdes o medo, estareis espi­
ritualmente realizados.. . Quando estiverdes apaixonados pela vida, e colo­
cardes esse amor acima de todas as coisas, e julgardes por esse amor e
não pelo vosso medo, a estagnação a que chamais moralidade desapare­
ce rá ... Não me interessam sociedades, nem religiões, nem dogmas, mas
me interessa a vida, porque eu sou a V id a ... Amigos, não vos preocupeis

262
Parte de um poema escrito por K. Uma página escrita, a lápis
arrancada do seu livro de notas. 1927
K dissolvendo a Ordem da Estrela, no acampamento de Ommen,
em agosto de 1929
com o que sou; nunca o sabereis.. . Se eu disser que sou o Cristo, criareis
outra autoridade. Se eu disser que o não sou, também criareis outra
autoridade. Cuidais, acaso, que a Verdade tenha alguma relação com o
que pensais que sou? Não estais preocupados com a Verdade, estais
preocupados com o vaso que contém a Verdade. Não quereis beber as
águas, mas quereis saber quem afeiçoou o vaso que contém as águas. . .
Bebei a água se estiver limpa: eu vos digo que tenho essa água limpa;
tenho o bálsamo que purificará, que curará grandemente; e vós me per­
guntais: Quem és tu? Eu sou todas as coisas porque sou a Vida.

Ele encerrou a Convenção com estas palavras: “ Muitos milhares


de pessoas têm vindo a estes Acampamento«, e que não fariam eles no
mundo se todos compreendessem? Mudariam a face do amanha.” Ele
disse ao homem da Reuters encarregado da cobertura das reuniões
que nem Buda nem Cristo haviam reivindicado para si a divindade
nem desejado fundar uma religião; foram seus seguidores que o fizeram,
depois da sua morte.
Lady Emily escreveu um artigo sobre esse Acampamento de
Ommen para o International Star Bulletin de setembro de 1928, que
expressou a perplexidade de muitos circunstantes daquele ano e que,
na verdade, também exprimia a agitação que lhe ia por dentro:
Como parece estranho que tenhamos esperado, durante dezessete anos,
o Mestre Universal, e que agora, quando Ele fala do que está além de
todas as formas, nos sintamos feridos ou irados. Ele nos obriga a fazer
o nosso próprio trabalho, mental e emocionalmente, e essa é a última coisa
que esperávamos d’Ele. Algumas pessoas estão voltando para casa nuas
e sozinhas, com os fundamentos abalados, compreendendo a necessidade
de reorientar-se num mundo em que todos os valores mudaram. . . Se
se pode associar alguma tragédia a alguém que tenha atingido a libertação
final e a felicidade eterna, o lado trágico desse Acampamento foi o modo
com que o passado morto se levantou em todos os momentos para enfrentar
as novas idéias.

263
32
“TODOS ME ABANDONARÃO”

Raja, que estivera fazendo conferências nos Estados Unidos, che­


gou ao Castelo logo depois de encerrar-se o Acampamento, e K con­
vidou-o para ir com ele a St. Moritz no dia 15 de agosto, onde
tencionava demorar-se algumas semanas descansando. No tempo que
passaram na Suíça, ele e Raja tiveram muitas conversas particulares,
cujos resultados influiriam de forma direta sobre as ações futuras da
Sra. Besant. Rajagopal, Lady Emily, Mary e Jadu também estavam
com K em St. Moritz, num chalé a cavaleiro do Lago de Silvaplana.
K acreditava que Mary, nessa ocasião, tinha um caso com um homem
casado, muito mais velho do que ela, e a moça passou por maus bocados
até conseguir convencê-lo do seu engano. Apesar disso, ele entendia
que a amizade dela com esse homem era perniciosa de todos os pontos
de vista. K acabara de ler um livrinho recentemente publicado — uma
narrativa em versos, um poema, de Stephen Phillips chamado Marpessa
— que conta a história de uma rapariga mortal, Marpessa, a quem Zeus
permitira escolher entre o Deus Apoio e o mortal Idas. Marpessa
escolhera Idas. K dizia agora constantemente a Mary que não' fosse
“ uma Marpessa” . Ao instar com ela nesse sentido, ele não se com­
parava a Apoio, mas punha em paralelo uma vida de emocionante
aventura espiritual e a mediocridade de um casamento prosaico.
Da Suíça, K viajou para Paris, onde posou mais um pouco para
Bourdelle, que ainda não concluíra o busto iniciado no ano anterior;
depois tornou a Eerde e dali foi a Toulon, de onde embarcou, em
companhia de Jadu, para Colombo, no dia 20 de outubro, ao mesmo
tempo que Rajagopal regressava a Ojai. De Aden, no dia 28 K escreveu
a Lady Emily:

264
Recebi uma carta de Raja, escrita em Nápoles, e na qual ele incluiu
uma cópia de oucra, que mandou a Ámma e a C .W .L ., em que lhes
diz (estou-lhe contando tudo de modo resumido) que conversou muito
comigo, que eles, a meu ver, não me estão apoiando, que a I .C .L . [Igreja
Católica Liberal], a Maçonaria, a Mãe Universal, etc., são, para mim, uma
perda de tempo. Que sustento que o “ Caminho Direto” e tudo o mais é
urna inutilidade. Que se eles dizem que sou apenas uma parte, como pode
a parte discordar do to d o ? ... Que embora ele (Raja), não concorde
inteiramente comigo, reputa imprescindível alguma ação. Que eu, provavel­
mente, não mudarei, pois sempre fui muito voltado para uma direção só,
e que eles precisam fazer alguma coisa a esse respeito, alterar a S .E ., etc.
Receio que Amma fique magoada, pensando que não falei com ela tão
francamente quanto falei com Raja. Acontece que falei francamente com
ela, como você sabe, mas, de um modo ou de outro, ela não enxerga o
meu ponto de v ista ... Tudo isso vai ser meio divertido e triste, porém
não modificarei minha atitude por ninguém, neste ou em outro mundo.
Embora possam negar que eu seja o Mestre Universal, continuarei assim
mesmc.
À vida é um negócio estranho mas, felizmente para mim, tenho um
vigoroso senso do ridículo... Este barco está cheio de australianos,
dos tais que gostam de caçoar, que riem da gente na cara da gente. De
modo que isso não me deixará ficar convencido!!!!

E acrescentou: “ Escrevi uma ionga carta a Mary corno, aliás, tenho


escrito todos os dias. Eia ierá para você os trechos interessantes.” Ele
andara escrevendo a Mary com muita freqüência nos últimos dois anos,
mas ela, infelizmente, destruiu todas as suas cartas quando ficou noiva
para casar em 1929.
K chegou a Colombo no dia 5 de novembro e foi diretamente
para Adyar, de onde escreveu, três dias depois, a Lady Emily:
Aqui estou, afinai, e tudo isso é curioso. Em Colombo, os jornais
locais, ingleses e indianos, estavam cheios de Krishnamurti. Entrevistas e
discursos. Grinaldas em cada estação e devoção. ..
Amma está em Deli e voltará para cá depois de amanhã de manhã.
Recebi uma carta em que ela me conta que fechou a S .E . no mundo
inteiro, por tempo indeterminado. Diz que, sendo eu o Mestre, a mim
me cabe ensinar, e a mais ninguém, e daí o fechamento da S .E . É uma
boa coisa; isso tinha de acontecer e aconteceu de modo oportuno. Muitos
se sentirão aliviados e muitos não gostarão e xingarão. Mas o que está
feito está feito. Aqui, em Adyar, acredito que muitos estão encantados e
os irrefletidos estão ficando refletidos. Finaímente. Tudo isso é muito
sério e me dá uma oportunidade imensa, mas preciso ser prudente e cheío
de paciência. Sinto-me feliz por Ámma tê-lo feito antes da minha chegada,
por sua livre e espontânea vontade.
Diz-me Dwarkanath que ela está perdendo a memória. Isso é trágico.
Pobre Ámma. Á vida é penosa, cruel, mas tudo tem um propósito...
George e a esposa partiram dois dias antes da minha chegada a Adyar!! ! ! . . .
Ámma fez o máximo que uma pessoa pode fazer. Construir alguma coisa e
depois pô-la de lado por uma coisa maior é fabuloso.

265
Fora, com efeito, um grande passo dado pela Sra. Besant. A Seção
Esotérica da S . T . , fundada pela Sra. Blavatsky em 1889, situava-se
no próprio coração da Sociedade. Constituíra-se com a finalidade de
colocar os seus membros em contato com os Mestres e, portanto, ao
fechá-la, a Sra. Besant punha os Mestres virtualmente de lado.
Três semanas depois K escreveu de Bombaim para dizer a Lady
Emily que não deixara de falar um dia sequer em Adyar. ‘Talar a
pessoas que já deixaram de pensar é muito cansativo. No fundo, alguns
estão contra mim, mas aprenderam a respeitar-me. Estão todos um
pouco nervosos comigo, visto que sou como um pedaço de espelho
que os reflete — sobretudo a eles, o que não lhes agrada.” Estivera
com George e a esposa, continuava K, e os três tinham tido uma longa
conversa.
George diz que não acredita que eu seja, etc., mas não quer dizê-lo
em público por consideração (? ) para com Ammaü! Disse ele: “ Siga
você o seu caminho, que nós seguiremos o nosso. Também tenho alguma
coisa para ensinar, etc.” De modo que as coisas estão nesse pé. O caso
é meio divertido mas estranhamente trágico. Pobre Amma, ela é a única
que acredita no que diz. Quanto ao resto, são só palavras. Meras palavras.
Eles não são francos nem diretos. Disseram-se ambos apóstolos do
Senhor. .. Santo Deus, que mundo!!! Quero ser cínico, mas não o serei.

Em virtude de um resfriado muito forte, K viu-se obrigado a


cancelar uma visita a Karachi e a Lahore, de modo que, de Bombaim,
foi a Benares a fim de participar de uma reunião de inverno seme­
lhante à de Eerde. A Sra. Besant passou ali uma noite a caminho de
Allahabad.
Ela foi extremamente simpática [contou ele a Lady Emily no dia 5
de dezembro], e disse-me que faria o que eu desejasse. Confessou, patetica­
mente, que deseja renunciar à presidência da S .T . e seguir-me aonde
quer que eu vá. Mas o Mestre dela ordenou-lhe que não abrisse mão do
seu trabalho, e pronto. Confessou-se desapontada. Pobre Amma. .. Dentro
em pouco haverá uma divisão nítida, que será muito melhor do que esse
fingimento.

Depois de falar duas vezes por dia na reunião de inverno, a dor


na cabeça e na espinha recomeçou com redobrada fúria, e ninguém
pôde ajudar, “ como antes” .
Ele pedira a Lady Emily que lhe mandasse quaisquer livros que
ela e Mary tivessem apreciado. Um pacote deles chegou a Benares
mas, com a correspondência, as palestras e as entrevistas cada vez
mais frequentes, ele passou a 1er cada vez menos, e o seu desejo tantas
vezes expresso de dedicar vários meses a um estudo tranqüilo nunca
se concretizou.
A essa altura, Mary estava começando a achar, como, aliás, muita
gente achava também, que, se todas as pessoas mudassem como ele
queria, e se tornassem perfeitas como ele, sem nenhum desejo pessoal,
o mundo pararia. Lady Emily deve ter transmitido as opiniões de
Mary a K, que escreveu de Benares, na mesma carta de 5 de dezembro:
“ Faça-me o favor de dizer a Mary que não sou “ perfeito” , mas apenas
a flor natural do mundo. O que ela quer dizer ao chamar-me de “ per­
feito” é que sou uma aberração. A perfeição não é uma aberração.
Se o mundo todo pensasse e vivesse como eu, seria adorável e não
pararia.” Ele lembrou-se do aniversário de Lady Emily (que comple­
taria cinquenta e quatro anos' no dia 26 de dezembro) e depois de
desejar-lhe muitas felicidades, acrescentou: “ Que o amor que sentimos
um pelo outro aumente sempre.”
Escreveu a Raja no dia 27 de dezembro: “ Quero fazer uma coisa
e vou fazê-la. Pronto. Continuarei nesse caminho, que é o único.
Ninguém pode tirar uma partícula do eterno que está em mim. Há um
céu lindamente puro e aberto e as pessoas brigam por causa de uma
nuvenzinha tangida pelo vento cego.”
Dessa vez, enquanto K estava em Benares, a Fundação do Vale do
Rishi conseguiu adquirir das autoridades militares uns 300 acres de
terra onde fazia muito tempo que K desejava erguer uma nova escola.
O lugar era em Rajghat, num lindo sítio às margens do Ganges, ao
norte da estação ferroviária de Kashi. O caminho dos peregrinos atra­
vessa o Estado de Rajghat, ligando Kashi a Sarnath, onde o Buda
pregou seu primeiro sermão depois da iluminação. K disse a Lady
Emily que todo o capital da Fundação seria gasto nessa terra, mas
que nada se poderia fazer para evitá-lo. 1
Em virtude dos seus compromissos políticos, a Sra. Besant não
pôde comparecer à Convenção da S . T . em Benares, que se seguiu à
reunião de inverno e, como Leadbeater e Raja também não se achavam
presentes nesse ano, coube a K a tarefa de presidir a ela. Por sua
livre e espontânea vontade, a Sra. Besant dera instruções para que não
se realizassem cerimônias no interior do recinto teosófico durante a

1. Existe agora uma escola mista em Rajghat, um colégio feminino, uma


escola agrícola e um hospital que proporciona assistência médica praticamente
de graça às aldeias vizinhas. Recentemente ali se fundou uma escola normal.
Rama Rao foi o primeiro diretor da escola. Morreu de tuberculose aos quarenta
e cinco anos de idade.

267
Convenção, “ pois a vida que Ele derrama com tanta profusão criará,
quando chegar a hora, as próprias formas com que Seus admiráveis
ideais se vestirão; mas essa hora ainda não chegou” . George Arundale,
entretanto, reivindicou o direito, que lhe assistia como Bispo, de oficiar
serviços da Igreja Católica Liberal. Celebrou missa, a que assistiram
centenas de membros da Estrela, bem como teosofistas, fora do recinto,
obedecendo assim à letra das instruções deixadas pela Sra. Besant na
carta, mas desafiando-lhes o espírito. Não obstante, fazendo ainda
quanto estava ao seu alcance para reconciliar K com a S . T . , a Sra.
Besant defendeu no Theosophist o gesto de George e citou o Bha-
gavad Gita, segundo o qual todos os caminhos levam à mesma meta
espiritual, e o dito de Sri Krishna: “ A ,humanidade vem a mim por
muitas estradas.”
A Sra. Besant conseguiu reconciliar os ensinamentos de K com a
Teosofia na própria mente, sublinhando que apenas um fragmento da
consciência do Senhor se manifestava através de K. “ A consciência
física de Krishnamurti não partilha da onisciência do Senhor Maitreya
— este é o principal ponto que deve ser lembrado” , escreveu ela no
Theosophist. Era essa a causa de “ tanta confusão” . “ Ouvi Krishna­
murti dizer muitas e muitas vezes: ‘Jogai fora todas as formas’, mas
eu não faço isso. . . Sei que não se aplica a mim. . . Mas se uma
pessoa faz da forma um fim, quanto mais cedo esta se romper, tanto
melhor.” Leadbeater confirmara-lhe a teoria ao escrever à Sra. Besant
antes que ela saísse de Londres: “ É claro que o nosso Krishnaji não
tem a Onisciência do Senhor. Imagino que nenhum corpo físico do
nosso estádio poderia tê-lo, e digo-o com toda a franqueza.”
As declarações contraditórias da Sra. Besant devem ter criado
maior confusão entre os teosofistas em vez de esclarecer o que quer
que fosse. Virtualmente, ela dizia: “ O Mestre Universal está aqui,
mas o que Ele tem para dizer não é necessariamente válido para todos
nós.” Na realidade, ela tentava reconciliar duas coisas absolutamente
irreconciliáveis.
Depois da Convenção, K regressou a Adyar e dali foi para Bom­
baim, de onde ele e Jadu embarcaram para a Europa no dia 2 de feve­
reiro de 1929. Após breves visitas a Paris, Eerde e Londres, rumaram
para Nova Iorque no fim do mês. Durante a viagem, K escreveu a
Mar de Manziarly: “ Nunca abandonarei ninguém, mas todos me aban­
donarão.” Ele costumava escrever-lhe em francês, mas essa sentença
foi escrita em inglês.
A citada observação derivou, por certo, da notícia que ele ouvira
de Mary em Londres, a saber, que ela estava prestes a ficar noiva,

268
pois no mesmo dia em que escreveu a Mar (5 de março), escreveu
também a Lady Emily:
A princípio, tudo isso me transtornou de maneira estranha — você
sabe o que quero dizer — e pensei cuidadosamente a respeito enquanto
estive com você, mas agora está tudo certo. Nosso equilíbrio interno
retorna, o meu, pelo menos, retornou. Minhas idéias e minha maneira
de encarar as coisas não devem interferir no crescimento de Mary. Muito
poucos percorrerão comigo o caminho todo. Espero que ela saia disso
como uma flor plenamente desabrochada.

Mary fizera a escolha de Marpessa e, contudo, foi com um senti­


mento de traição que desposou o seu mortal; não de traição a K, que
não tinha necessidade pessoal dela nem de ninguém, como ela estava
farta de saber, mas de traição à vista do topo da montanha que ele
lhe descortinara. Como a sua reação contra o que ela descobrira ser
um modo de vida impossível fosse muito violenta, casou-se com um
rapaz muito mundano. Não admira que o casamento acabasse em
divórcio.
Nem todos abandonaram K; um punhado de velhos amigos nunca
vacilou em sua lealdade a ele, embora, sem dúvida, muitos lhe faltassem,
de um jeito ou de outro. Alguns se afastaram, e o amor que lhe
tinham converteu-se em amargor; outros reagiram contra ele mas aca­
baram voltando anos depois; alguns, posto continuassem a reverenciá-
-lo, anelavam por uma religião positiva; outros, conquanto forcejassem
por manter-se ao lado dele, iam ficando para trás; alguns tentaram
sujeitá-lo e, não o conseguindo, passaram a hostilizá-lo. Mas sempre
que velhos amigos o desamparavam, novos amigos apareciam.
K voltou a Ojai em meados de março. Escreveu à Sra. Besant
no dia 22 para contar-lhe que o Vale Feliz estava lindo. O chalé em
que ele dormia fora “ arrumado” , tendo sido acrescentado mais um
banheiro às duas dependências por uma senhora norte-americana, a
Sra. Hastings, que comparecera à reunião no Castelo de Eerde reali­
zada no ano anterior.
Estou muito surpreendido [contou ele a Lady Emily] por encontrar
tanto antagonismo entre os membros neste país, por minha causa., .
mas suponho que tenha de ser assim. Isso mostra que a alavanca está
funcionando. Sinto-me morto de cansaço, embora não esteja fazendo muita
coisa. É provável que eu esteja tendo algum “ relax” . Não sei quando
minha cabeça vai começar. Rajagopal, Jadu e eu temos conversado, con­
versado sobre tudo, mudando a crença na Estrela, revistas, acampamentos,
inflamando-nos e brigando.

A dor de cabeça deve ter começado logo depois disso, pois ele
escrevia a Raja no dia 13 de maio que não somente sentira dores nas
seis semanas anteriores, mas também passara mal depois de cada re­
feição e estava, por conseguinte, muito fraco. O próprio Raja devia
achar-se, num estado de grande depressão naquele momento e a carta
de K foi muito afetuosa:
Fiquei muito pesaroso com o que você me disse. .. Pelo amor de
Deus, a morte não resolverá coisa alguma. A solidão é inevitável enquanto
----- ! Você sabe o que penso a respeito disso, portanto não o impor­
tunarei. Lamento muito, Raja, meu coração está com você. . . Há tantas
coisas a cujo respeito eu gostaria de conversar com você. . . As coisas vão
ficar muito difíceis, mas tant mieux.

A imprensa dizia agora que se verificara uma cisão entre a Sra.


Besant e K. “ Os jornais daqui são realmente absurdos” , escreveu ele
à Sra. Besant no mesmo dia em que escreveu a Raja. “ Eles querem
que nós briguemos mas, como não brigamos, dizem que brigamos. De
modo que isso, para eles, está decidido. . . A senhora está sempre em
meus pensamentos e em meu coração.”
Conquanto o Acampamento de Ojai só devesse abrir-se em fins
de maio, ele tencionava falar todos os fins de semana, a partir de
meados de abril; nisso, porém, um novo médico de Hollywood, o Dr.
Morris, que ele fora consultar em virtude do seu extraordinário can­
saço, abalou-o de modo considerável ao dizer que os seus amiudados
acessos de bronquite lhe haviam deixado o pulmão num estado de
grande fraqueza e que, se continuasse a fazer o que estava fazendo,
estaria tuberculoso dali a dois anos. O Dr. Strong confirmou o diag­
nóstico, de sorte que ele cancelou todas as palestras programadas para
o verão, incluindo as três conferências que devia pronunciar no Queen’s
Hall em Londres, no mês de julho, e decidiu ocupar-se apenas dos
Acampamentos de Ojai e Ommen e da reunião de Eerde. “ Não fique
preocupada e não conte a ninguém” , escreveu a Lady Emily no dia
26 de maio. “ Preciso tomar cuidado. Seria um desastre se alguma
coisa me acontecesse.” Por recomendação do Dr. Morris foi para
Pine Crest, nas montanhas de San Bernardino, a fim de ali passar dez
dias em companhia de Rosalind e de John Ingleman e esposa. Embora
engordasse quase um quilo enquanto esteve fora, ainda assim pesava
menos de cinqüenta quilos por ocasião do seu regresso.
A essa altura, parecia haver abandonado de todo em todo a idéia
de tornar-se um saniasi. Não aludiu a isso em nenhuma das cartas que
escreveu a Lady Emily desde aquela do dia 8 de dezembro de 1927.
Acabara compreendendo que o seu trabalho teria de ser feito no mundo
— que precisava sair pelo mundo e dirigir a palavra aos muitos, em
lugar de ficar esperando em casa os poucos que fossem procurá-lo.

270
Começando no dia 27 de maio, o Acampamento de Ojai teve nesse
ano uma assistência duas vezes maior e recebeu esplêndida cobertura
jornalística. Numa das reuniões, K fez um pronunciamento extraordi­
nário: “ Digo agora, e digo-o sem nenhuma vaidade, com a necessária
compreensão, com a plenitude do espírito e do coração, que sou a
chama plena que é a glória da vida, para a qual devem vir todos
os seres humanos, não só os indivíduos mas também o mundo inteiro.”
Corriam rumores por todo o Acampamento de que era intenção dele
dissolver logo a Ordem da Estrela.
Saindo de Nova Iorque no Leviathan a 12 de junho, em com­
panhia de Jadu e dos Rajagopals, K pôs o pé em Londres no dia 18
do mesmo mês. Ali encontrou a Sra. Besant, chegada da índia no
dia 4 de maio, mas tão ocupada com a Liga de Autonomia Política
para a índia, que fundara na Inglaterra, e com suas conferências, que
mal tiveram tempo de encontrar-se. Ela, porém, prometeu comparecer
ao Acampamento de Ommen no mês de agosto. No dia 24 de junho,
K foi com Jadu a Paris e dali se dirigiu a Montroc, nos Alpes Fran­
ceses, para um período de completo repouso antes da reunião do Cas­
telo de Eerde.

271
33
“A VERDADE É UMA TERRA SEM
CAMINHOS”

O Acampamento cie Ommen em 1929 iniciou seus trabalhos no


dia 2 de agosto numa atmosfera de tensão e expectativa, quando a
maioria das pessoas ali presentes compreendia o que ia acontecer. Na
manhã seguinte, em presença da Sra. Besant, de mais de três mil
membros da Estrela, e com muitos milhares de holandeses ouvindo
peio rádio, K fez o discurso em que dissolveu a Ordem da Estreia:
Vamos discutir hoje cedo a dissolução da Ordem da Estrela. Muitos
ficarão encantados e outros ficarão tristes. Não se trata, porém, de uma
questão de regozijo nem. de tristeza, porque é inevitável, como passarei
a explicar...
Sustento que a Verdade é unia terra sem caminhos, e vós não podeis
aproximar-vos dela por nenhum caminho, por nenhuma religião, por
nenhuma seita. Esse é o meu ponto de vista e eu o sigo de modo absoluto
e incondicional. Não tendo limites, não sendo condicionada e não sendo
acessível por nenhuma espécie de caminho, a Verdade não pode ser orga­
nizada; nem se deve formar nenhuma organização para levar ou forçar as
pessoas a enveredar por determinado caminho. Se compreenderdes isso em
primeiro lugar, vereis que é impossível organizar a crença. A crença é
uma questão puramente individual, e não podeis nem deveis organizá-la. Se
o fizerdes, ela morrerá, cristalizar-se-á; tornar-se-á um credo, uma seita,
uma religião, para ser imposta a outros.
Isso é o que toda a gente, no mundo inteiro, está tentando fazer.
Acanha-se a Verdade e transforma-se em brinquedo para os fracos, para
os momentaneamente insatisfeitos. A Verdade não pode ser trazida cá
para baixo, o indivíduo é que deve fazer um esforço para subir até ela.
Não podereis trazer o topo da montanha ao v ale...
Portanto, esta é a primeira razão, do meu ponto de vista, pela qual
a Ordem da Estrela deve ser dissolvida. Apesar disso, formareis prova­
velmente outras Ordens, continuareis a pertencer a outras organizações à
procura da Verdade. Não quero pertencer a nenhuma organização espi­
ritual; compreendei-me isso, por favor...

272
Se se criar uma organização com esse propósito, ela se tornará uma
muleta, uma fraqueza, uma servidão, estropiará o indivíduo e o impedirá
de crescer, de firmar sua unicidade, que reside no descobrimento, para si
mesmo, da Verdade absoluta, não-condicionada. Portanto, essa é outra
razão que me leva, como Chefe da Ordem, a querer dissolvê-la.
Não se trata de um feito magnífico, porque não quero seguidores,
e estou falando sério. A partir do momento em que seguirdes alguém
deixareis de seguir a Verdade. Não me preocupa saber se prestais ou
nlo atenção ao que digo. Quero fazer certa coisa no mundo e vou fazê-la
com pertinaz concentração. Só me preocupa uma coisa essencial: libertar
o homem. Desejo libertá-lo de todas as gaiolas, de todos os temores, e
não fundar religiões, novas seitas, nem estabelecer novas teorias e novas
filosofias. Diante disso, perguntar-me-eis, naturalmente, por que percorro
o mundo todo, falando sem parar. Eu vos direi por que o faço; não o
faço por desejar um séquito, não o faço por almejar um grupo especial
de discípulos especiais. (Os homens gostam de ser diferentes dos seus
semelhantes, por mais ridículas, absurdas e triviais que possam ser as
distinções! Não quero estimular essa absurdeza.) Não tenho discípulos,
nem apóstòlos, nem na terra nem no reino da espiritualidade.
Tampouco me atrai o fascínio do dinheiro ou o desejo de levar uma
vida confortável. Se eu quisesse levar uma vida confortável, não viria a
um Acampamento nem viveria num país úmido! Estou falando com fran­
queza porque pretendo deixar isto resolvido de uma vez por todas. Não
quero saber dessas discussões infantis ano após ano.
Um repórter de jornal, que me entrevistou, considerou um ato magní­
fico dissolver uma organização que possuía milhares e milhares de membros.
No seu entender foi um grande ato porque ele disse: “ Que fará o senhor
depois disso? Como viverá? Não terá quem o siga, ninguém mais lhe
dará atenção.” Bastará que haja cinco pessoas desejosas de prestar atenção,
desejosas de viver, com o rosto voltado para a eternidade! Que adianta
ter milhares que não compreendem, que estão totalmente embalsamados em
preconceitos, que só querem o novo para traduzi-lo e, assim, adequá-lo
aos seus próprios egos estéreis e estagnados?. . .
Porque sou livre, não-condicionado, total, não a parte, não o relativo,
mas a Verdade total, que é eterna, desejo que os que procuram compreender-
-me sejam livres, não me sigam, não façam de mim a gaiola que se
converterá em religião, em seita. Desejo que sejam livres de todos os
medos — do medo da religião, do medo da salvação, do medo da espiri­
tualidade, do medo do amor, do medo da morte, do medo da própria
vida. Assim como o artista pinta um quadro por encontrar deleite na
pintura, por ser ela a expressão de si mesmo, sua glória, seu bem-estar,
assim não faço isto por desejar alguma coisa de alguém. Estais acostumados
à autoridade, ou à atmosfera da autoridade que, cuidais, vos levará à
espiritualidade. Pensais e esperais que outra pessoa, por seus poderes
extraordinários — um milagre — possa transportar-vos ao reino da liber­
dade eterna que é a Felicidade. Toda a vossa maneira de encarar a vida
se baseia nessa autoridade.
Faz hoje três anos que me ouvis, sem que nenhuma alteração se
tenha verificado, a não ser em poucos. Analisai agora o que estou dizendo,
sede críticos, para poderdes compreender cabalmente, fundamentalmente...

273
Há dezoito anos que vos preparais para este acontecimento, para o
Advento do Mestre Universal. Durante dezoito anos organizastes alguém
capaz de proporcionar um novo deleite aos vossos corações e às vossas
mentes, de transformar a vossa vida, de dar-vos uma nova compreensão;
alguém que vos elevasse a um novo plano de vida, que vos desse um novo
incentivo, que vos libertasse — e vede agora o que está acontecendo!
Considerai, raciocinai e descobri como foi que essa crença vos tornou
diferentes — não com a diferença superficial do uso de uma insígnia, que
é trivial, absurda. Como foi que essa crença varreu para longe todas as
coisas não-essenciais da vida? Esta é a única maneira de julgar: como
foi que vos tornastes mais livres, maiores, mais perigosos para toda socie­
dade que se baseia no falso e no não-essencial? Como foi que se tornaram
diferentes os membros desta organização da Estrela?. . .
Todos dependeis, para a vossa espiritualidade, de outra pessoa; para
a vossa felicidade, de outra pessoa; para a vossa iluminação, de outra
pessoa. .. Quando digo buscai dentro de vós a iluminação, a glória, a
purificação e a incorruptibilidade do ego, nenhum de vós se dispõe a
fazê-lo. Talvez haja uns poucos, mas são muito, muito poucos. Assim
sendo, por que ter uma organização?. . .
Nenhum homem de fora pode libertar-vos; nem o culto organizado,
nem a vossa imolação por uma causa poderão libertar-vos; como também
não poderá libertar-vos o ingresso numa organização, o envolvimento no
trabalho. Usais uma máquina de escrever para redigir cartas, porém não
a colocais num altar e não a adorais. Mas é isso o que fazeis quando
as organizações passam a ser vossa principal preocupação. “ Quantos
membros há nela?” É a primeira pergunta que me formulam todos os
repórteres de jornais. “ Quantos seguidores tem o senhor? Pelo número
deles julgaremos se o que diz é verdadeiro ou falso.” Não sei quantos há.
Não me preocupo com isso. Se houvesse apenas um homem que se tivesse
libertado, este já seria o suficiente...
Além disso, tendes a idéia de que somente certas pessoas têm a chave
do Reino da Felicidade. Ninguém a tem. Ninguém tem autoridade para
trazê-la consigo. Essa chave é o vosso eu, e só no desenvolvimento, na
purificação e na incorruptibilidade desse eu se encontra o Reino da Eter­
nidade . ..
Estais acostumados a que vos digam até onde chegou o vosso progresso,
qual é o vosso status espiritual. Quanta infantilidade! Quem, se não
vós mesmos, poderá dizer se sois ou não incorruptíveis?...
Mas os que realmente desejam compreender, que estão buscando o
eterno, o sem começo e sem fim, caminharão juntos com maior intensi­
dade, serão um perigo para tudo o que não é essencial, as irrealidades e
as sombras. E eles se concentrarão, tornar-se-ão a chama, porque com­
preendem. Tal é o corpo que precisamos criar e tal é o meu propósito.
Por causa dessa amizade verdadeira — que pareceis não conhecer — haverá
uma cooperação verdadeira da parte de cada um, Não em virtude da
autoridade, não em virtude da salvação, mas porque compreendeis real­
mente e, portanto, sois capazes de viver no eterno. Isto, sim, é maior
do que todo o prazer, do que todo o sacrifício.
Eis aí, portanto, algumas das razões pór que, depois de dois anos
de cuidadosa consideração, tomei essa decisão. Ela não partiu de um
impulso momentâneo. Ninguém me persuadiu a tomá-la — ninguém me

274
persuade a fazer essas coisas. Por dois anos venho pensando nisso, lenta,
cuidadosa, pacientemente, e agora decidi dissolver a Ordem, visto que
sou o Chefe, Podereis formar outras organizações e esperar outra pessoa.
Isso não me interessa, como também não me interessa a criação de novas
gaiolas e novas decorações para as gaiolas. Minha preocupação é formar
homens absoluta e incondicionalmente livres.

275
34
A FLOR PLENAMENTE DESABROCHADA

Após a dissolução da Ordem, os Acampamentos de Ommen e


Ojai foram franqueados ao público. Desejoso de livrar-se de todas as
responsabilidades, K pediu demissão das várias Fundações de que era
membro. O Castelo de Eerde e seu terreno, com exceção dos 400
acres em que se achava instalado o Acampamento, foram devolvidos a
Philip van Pallandt, que agora tinha um herdeiro. Philip relutou em
aceitá-los de volta, mas K apertou com ele para que o fizesse; Philip,
porém, restituiu todo o dinheiro gasto em conversões e benfeitorias.1
Exteriormente não se registrou grande mudança na vida de K
depois da dissolução, posto que interiormente ele mudasse sempre,
como nunca deixou de o fazer. Quanto a dinheiro, ainda tinha a
renda vitalícia que lhe doara a Srta. Dodge — nunca dispôs pessoal­
mente de nenhum outro — e, quando estava em Ojai, continuou
vivendo em Arya Vihara com Rosalind e Rajagopal.
Em 1930, demitiu-se da Sociedade Teosófica. Isso se tomou
inevitável depois que, dois meses após a dissolução da Ordem, a Sra.
Besant reabriu a Seção Esotérica em todo o mundo. Não obstante,
K voltara com ela para a índia em outubro de 1929. Em Benares,
a caminho de Adyar, ele recebera uma carta de Lady Emily em que
esta lhe dizia que vira Wedgwood em Londres, o qual sustentava
não só que “ o Advento gorara” , mas também que a Sra. Besant estava
mentalmente desequilibrada, de modo que quando ela dizia que a

1. O Castelo de Eerde é agora uma escola quacre internacional. Transfor­


mado em campo de concentração germânico durante a guerra, o Acampamento
de Ommen, depois disso, nunca mais foi utilizado por K. Hoje pertence a
organização comercial holandesa.

276
consciência de K e o Senhor Maitreya eram uma coisa só, não se podia
confiar nas suas palavras.
Fiquei realmente boquiaberto com a sua história [escreveu K a Lady
Emily de Benares no dia 12 de dezembro]. Imagino que eles se reunirão
em Adyar e dirão que minha personalidade está atrapalhando, falarão
em limitações, etc. Estou interessado em ver o que fará C .W .L . Eles
saíram à caça da minha cabeça e vai ser divertido. Em 1925 era C .W .L .
quem estava gagá e agora A m m a... Serei positivo e pouco me importa
o que aconteça; podem pedir-me para sair.

Em Adyar, K descobriu que Leadbeater, que viera de Sydney


para a Convenção, também se voltara contra ele. Não se repetiram as
longas conversações; na verdade os dois mal se falaram.
A Convenção da S .T . está em andamento [contou ele a Lady Emily
no dia 26 de dezembro], e tenho de ver uma porção de gente. Estão
acontecendo coisas extraordinárias e será impossível escrever sobre elas,
pois não terei tempo. Só posso dizer que vou sair de tudo isso. Eles não
têm jeito mesmo. C .W .L . diz à Sra. Raja que o Advento gorou e lá
vai ele para a reunião, onde o “ nosso Krishnaji” está na berlinda. Assim
prossegue o jogo. Amma me diz, e diz nas reuniões, que sou o Mestre
Universal, mas que ela continuará com as cerimônias, etc., etc.!! Falei com
muito vigor no último domingo e deixei-a meio abalada com o que eu
disse. Mas ela trata as pessoas como crianças e elas continuam sendo
crianças.

Com. a permissão de Lady Emily, K mostrara à Sra. Besant o


relato do encontro de Lady Emily com Wedgwood. “ O seu único
comentário foi: ‘Eu quisera que as pessoas fossem mais bondosas, mas
a crença forte as torna duras’ ” , contou ele na mesma carta de 26 de
dezembro. “ Eu não disse nada. Não adianta. Estou chegando à con­
clusão de que preciso sair de toda essa baboseira.”
No ano novo de 1930 K se admirava de que Lady Emily ficasse
preocupada com as divergências de opinião entre ele e os líderes da
S .T . “ Pessoalmente estou fora da sociedade” , escreveu, “das suas
brigas e da sua política. Há coisa muito mais importante. Quero
preocupar-me inteiramente com o que falo e deixar em paz a S .T .
Eu disse adeus a ela. Não estou escrevendo tudo isto para incitá-la
a fazer o mesmo” . Lady Emily só se demitiu da S .T . em 1936.
Embora tratasse K de modo tão reverente que fazia questão de
sentar-se no chão com o resto do público quando ele falava, em lugar
de sentar-se no estrado ao seu lado, a Sra. Besant não dispensava o
próprio guru, o Mestre Morya, nem compreendia que a questão de
saber se os Mestres existiam ou não carecia totalmente de importância
para K. Quanto a Leadbeater, não era difícil explicar-lhe a mudança

277
desde 1927; nessa época, ainda teria sido possível ajustar K ao modelo
que lhe tinham destinado; agora já não havia lugar para Leadbeater
nos ensinamentos de K. Se os Mestres não fossem reconhecidos, Lead­
beater, como seu principal lugar-tenente, perderia todo o poder e todo
o prestígio.
Ao deixar a índia em fevereiro de 1930, K escreveu à Sra. Besant,
a quem ainda chamava “ Minha Mãe muito amada” :
Eu sei, e não me importo, que C .W .L . está contra mim e contra
o que eu digo, mas, por favor, não se preocupe com isso. É tudo inevi­
tável e, de certo modo, necessário. Não posso mudar e suponho que
eles não queiram mudar, daí o conflito. Não importa o que um milhão
de pessoas diz ou deixa de dizer, estou seguro do que sou e seguirei o
meu caminho. Assim sendo, por favor, Amma querida, não se preocupe
nem se aborreça. Só espero que a senhora se esteja cuidando deveras.

Depois de todos os anos de proclamação do Advento, de reite­


rado destaque dado ao perigo de rejeitar o Mestre Universal quando
este chegasse, porque ele viria para dizer algo inteiramente novo e
inesperado, algo contrário às idéias preconcebidas e às esperanças da
maioria das pessoas, era triste ver que os líderes da Teosofia, um depois
do outro, caíram na armadilha contra a qual haviam acautelado tão
infatigavelmente os seus seguidores. Todos anunciariam razões per­
feitamente válidas para permanecer entrincheirados em suas velhas
fortalezas. Os “ Grandes Entes” com os quais Wedgwood “ tinha o
privilégio de manter contato” , viam o bem em todas as coisas. Arun-
dale declararia que assim como K realizava a sua parte do trabalho,
assim os outros realizavam a sua; ele, Arundale, conhecia muitos
Mestres pessoalmente e já entrara à presença do Senhor Maitreya.
Sabia, portanto, que ele, Arundale, estava dando ao mundo a Teosofia
que os “ Irmãos mais Velhos” quereriam que ele desse; consentiria
em que se desse a K um nicho no Panteão Teosófico, mas nada mais
do que isso. Leadbeater diria que os ensinamentos de Krishna se des­
tinavam ao homem comum e não a alguém “ que tem nossas vantagens
especiais” , e que, apesar do que dizia K, a Igreja Católica Liberal era
uma parte importante da obra do Mestre porque fora criada pelo
próprio Senhor Maitreya. Em resposta à pergunta “ Krishnaji é o
único canal do Mestre Universal?” Leadbeater diria: “ O Mestre Uni­
versal está cuidando de todas as religiões do mundo, a que alude como
‘Minhas muitas fés’ . . . Quando Ele veio da última vez, porventura
se interrompeu o trabalho das velhas religiões? Não.” Raja escreveria
que era um mistério que todo grande mestre religioso, incluindo o
Buda, sempre sustentasse que o seu era o único caminho; o valor

27 S
especial da Teosofia consistia em mostrar que as revelações separadas
e contraditórias na realidade não estavam separadas; os ensinamentos
de K eram apenas mais uma cor do espectro mas, por mais encanta­
doras que fossem as cores separadas, “ alguns de nós procuramos tam­
bém a Luz Branca. Isso quer dizer que somos teosofistas” . A Sra.
Besant afirmaria que, embora K tivesse dito, ao falar contra os ceri­
moniais, que o homem que deseja livrar-se de todas as limitações deve
pôr de lado todas as muletas, cumpria a ela criar muletas para os
fracos.
Com efeito, todos se diziam exceções, ao passo que K declarara,
ao responder a uma pergunta sobre se os seus ensinamentos se desti­
navam aos homens e mulheres comuns: “ Sois vós os poucos especial­
mente escolhidos? Nesse caso, sinto muito, mas não falarei para os
escolhidos. . . O que digo é para todos, incluindo os infelizes teoso­
fistas.”
Para a Sra. Besant, o conflito deve ter sido muito grande, mas o
crepúsculo da velhice não tardaria a envolvê-la, ao passo que para
Lady Emily e centenas de pessoas como ela o futuro reservava anos e
anos de desolação. Elas haviam sido preparadas para deixar seus lares,
abandonar os maridos, descurar dos filhos e trabalhar até mais não
poder pelo Senhor, antes e depois do seu Advento, e agora parecia
que ele não tinha precisão delas. As conferências que pronunciara,
os artigos que escrevera e as viagens que fizera como Representante
Nacional da Ordem haviam dado a Lady Emily o sentido de uma vida
valiosa vivida sob uma pressão altíssima; agora, de repente, sentia-se
redundante e perdida — arremessada de volta a recursos interiores que
simplesmente não existiam. Ela era, por natureza, uma devota, uma
seguidora, despida de iniciativa.
K voltou a Ojai em março de 1930, e a Ommen em julho para
o primeiro Acampamento público, que atraiu muita gente nova. Fi­
cava agora numa casa, Henan, perto do Acampamento, ou na sua choça ■
no próprio Acampamento. Em lugar de regressar à índia para ali
passar o inverno, cumpriu compromissos que assumira de falar em
Atenas, Constantinopla e Bucareste. Depois de afastar-se da Teosofia,
foi convidado para falar em muitas partes novas do mundo, incluindo
a América do Sul, e seus públicos assumiriam um caráter cada vez
mais diferente, formados de pessoas interessadas no que ele tinha
para dizer e não no que lhes haviam dito que ele era.
Ojai de novo na primavera de 1931 e, a seguir, de volta a Ommen
para mais outro Acampamento. Em agosto recebeu ele a triste notícia

279
de que Jadu, que permanecera nos Estados Unidos naquele ano, falecera
de uma apoplexia no Arizona, aos trinta e cinco anos. “ É horrível a
notícia a respeito de Jad u ” , escreveu K a Lady Emily. . . É real-
mente trágico dem ais. . . Estamos rareando, sim, senhora. Nitya e
Jadu. É estranho.” De fato, os velhos amigos estavam rareando —
morrendo ou se afastando. Mas novos amigos logo preenchiam os claros
das fileiras — novos seguidores, novos ajudadores — não do velho
tipo que aceitara a sua autoridade e a autoridade dos líderes teosó-
ficos, mas gente, com uma proporção cada vez maior de jovens, que
ansiava por um modo inteiramente novo de vida.
K também não foi à índia em 1931, visto que adoecera. Áo
invés disso, voltou a Ojai em outubro, decidido a ter um repouso com­
pleto. Os Rajagopal já tinham uma filhinha, Radha, a que ele se
afeiçoou muito. Em dezembro Rajagopal teve de ir a Hollywood para
extrair as amígdalas. Rosalind e a criancinha foram com ele. Enquanto
ficaram fora, K permaneceu inteiramente só. Escreveu a Raja no dia
11 de dezembro: “ Estou-me fartando de pensar e ‘meditar’. Em outras
palavras, sam ádi. . . Um repórter perguntou-me se eu era o Cristo
e respondi que era, sim, no sentido verdadeiro, mas não no sentido
tradicional, aceito, da palavra.” N o mesmo dia, do seu chalé, escrevia
a Lady Emily:
O faro de ter ficado sozinho assim deu-me algo tremendo, e era
disso mesmo que eu estava precisando. Em minha vida, até este momento,
tudo tem chegado na hora certa. Minha mente está serena, porém con­
centrada, e eu a observo como o gato observa o camundongo. Estou real­
mente gozando a solidão e não consigo traduzir em palavras o que sinto.
Mas também não me iludo. Desço a Arya Vihara para fazer minhas
refeições [presume-se que ele tivesse uma cozinheira] e quando vierem
Rajagopal e a família, minha comida me será trazida numa bandeja.
Durante os próximos três meses, ou durante o tempo que eu quiser, farei
isso. Não posso ser liquidado, mas quero liquidar todas as superficialidades
que tenho.

Nesse estado de samádi (veja a p. 161) K parecia atingir a


culminação de todos os anos de sofrimento físico no atingimento de
um êxtase que nunca o deixou. Tudo faz crer que foi mais ou menos
nessa ocasião, quando alcançara uma nova fase de consciência, que ele
perdeu quase que de todo a memória do passado. Isso se coadunava
com os seus ensinamentos, segundo os quais a memória era um peso
morto que não devia ser carregado de um dia para o outro, a não
ser com finalidades práticas; a morte a cada dia era um constante
renascer.

280
Lady Einily, contudo, e outras pessoas como ela achavam que os
seus ensinamentos tinham ficado tão abstratos que já não podiam servir
de auxílio real aos que eram obrigados a viver num mundo competitivo
com responsabilidades de família — e achavam por isso que ele estava,
na realidade, fugindo da vida como esta realmente era. Muitas pessoas
que não conseguiram compreendê-lo sentiram, e continuam sentindo,
o mesmo. Ele tentou convencer Lady Emily em algumas cartas que
são hoje tão válidas quanto o eram então:
Lamento muito que você se sinta dessa maneira a respeito do que
eu digo. O êxtase que sinto é o resultado deste mundo. Eu queria
compreender, queria vencer o sofrimento, a dor do apego e do desapego,
da morte, da continuidade da vida, de tudo aquilo por que o homem
passa, todos os dias. Eu o queria compreender e vencer. Compreendi e
venci. Portanto, meu êxtase é real e infinito, não é uma fuga. Conheço
a saída desta aflição incessante e quero ajudar as pessoas a safar-se desse
pântano de dor. Não, isto não é uma fuga. [30 de dezembro de 1931.]
Não é uma fuga, quando vendo que certas coisas nos são desneces­
sárias, não mergulhamos nelas. Conheci que a vida de família, com todos
os seus encantos e complicações, não me era necessária, por isso a evitei. . .
Escolhi de propósito o que para mim não é fuga, nem evitação, nem supers­
tição, nem medo. Vi, através dessa complicação cega, que eu não teria o
que desejava ter. Ora, sabendo que não encontraria nela o objeto dos
meus desejos, por que haveria eu de mergulhar nessa corrida cega, ciúmes,
etc.? [4 de fevereiro de 1932.]
Estou tentando esclarecer, tentando construir uma ponte para os
outros atravessarem, e que os leve, não para longe da vida, mas para uma
abundância maior de vida. Sinto que compreendi, sobretudo no mês
passado, alguma coisa que dá maior plenitude à vida. Tudo isso está
muito mal expresso e expressando-o constantemente e repisando o assunto,
esperamos torná-lo cada vez mais claro. Acho que isto — o que digo — é
a única ajuda, o modo de sair desse caos e dessa aflição. Não para longe
da vida, mas nela mesma. Dos poucos se cria a massa, mas os poucos
precisam fazer o esforço supremo. Estou tentando induzir quantos puder a
viver corretamente e juro que já existem alguns! É tudo muito estranho.
Não posso perder o entusiasmo, que é intenso, e quero gritar e incitar as
pessoas a mudar e a viver felizes... Quanto mais penso no que “com­
preendi” , tanto mais claramente posso expô-lo e ajudar a construir a ponte,
mas isso demanda tempo e uma contínua mudança de frases, para trans- .
mitir o verdadeiro sentido. Você não faz idéia da dificuldade que há em
exprimir o inexprimível e quando o que se exprime não é verdade. E
assim andam as coisas! [26 de março de 1932.]

O desejo de exprimir o inexprimível em palavras e frases dife­


rentes explica, sem dúvida, as repetições tão criticadas nas palestras
de K. Se uma frase não atinge o alvo, outra poderá atingi-lo, se uma
palavra não transmite o sentido que ele quer transmitir, talvez um
sinônimo o faça. “ Eu quisera poder falar-lhe a respeito do que estou

281
sentindo. Não é um vazio, um vácuo, mas que é a luz? Porque
existe o vácuo, o vazio, existe luz, intensa energia e vitalidade. Assim,
quando estamos vazios de todas as idéias e sentimento« pessoais,
há o êxtase da vida.” (6 de abril de 1932.)
Lady Emily estava agora cheia de remorsos, achando que ela o
desapontara. Sua resposta foi imediata;
Querida Mamãe, não estou “ desapontado” com você — você não
devia dizer nem escrever-me uma coisa dessas! Sei o que está passando,
mas não se preocupe com isso. .. Basta-lhe transferir a sua ênfase. Veja
bem, não devemos ter crenças nem mesmo idéias, pois elas pertencem a
todas as espécies de reações e respostas. . . Se você estiver alerta, livre
de idéias, crenças, etc. no presente, perceberá infinitamente e essa per­
cepção é alegria, Verdade, o que você q u ise r... Tudo isso por que você
está passando gera o conhecimento. Agora você pode dizer sinceramente
que as crenças são fúteis, que viver no futuro não se coaduna com a
compreensão e que não podemos ser um gramofone.. . A sabedoria está
nascendo em você. . . A sabedoria não tem direção. Ela é, e todas as coisas
falsas que dela se aproximam são queimadas. Que mais quer você? [31
de maio de 1932.]

Lady Emily ficou mais confusa do que nunca quando ouviu dizer
que não devia ter crenças nem mesmo idéias.
Depois do Acampamento de Ojai em maio de 1932, K realizou
uma tournée pelos Estados Unidos. Não houve Acampamento de
Ommen nesse ano porque ele pretendia ir à Austrália até descobrir
que Jadu, em sua ausência, assumira em seu nome o compromisso
de realizar a tournée norte-americana. No ar, entre Buffalo e Cleve-
land, escreveu a Lady Emily no dia 21 de setembro:
Estou cheio de algo tremendo. Não posso dizer-lhe com palavras o
que é isso, uma alegria borbulhante, um silêncio vivo, uma percepção
intensa qual chama viva. Escrevo palavras — num avião — mas para
além das palavras há algo muito real e profundo... Estou fazendo ten­
tativas de cura em dois ou três casos, e pedi-lhes que não dissessem
nada a esse respeito, o que foi muito bom. Creio que uma senhora que
estava perdendo a vista ficará boa.

K sempre se mostrara reticente a respeito do seu poder de curar


e nunca o reputara mais que uma atividade subsidiária da sua obra
principal. Ele não quer tornar-se conhecido como curador, nem quer
que as pessoas venham procurá-lo apenas para obter a cura física. Em
alguns casos, não sabe sequer os nomes dos que afirmam ter sido cura­
dos por ele. Já os poderes de clarividência que possuiu em determi­
nada ocasião são diferentes. Ele ficou tão desgostoso com as reve­
lações psíquicas de Arundale e Wedgwood em 1925 que, longe de usar

282
esses poderes ou desenvolvê-los, determinou-se, a partir dessa ocasião, a
empurrá-los para um segundo plano se não conseguisse suprimi-los
de todo. Sua antipatia pela clarividência é agora ainda mais positiva;
considera-a uma invasão da intimidade. Quando as pessoas se apro­
ximam dele à procura de ajuda, ele só quer saber a respeito delas o
que elas estão dispostas a revelar-lhe. Como ele diz, a maioria das
pessoas o procura usando máscara; ele espera que tirem a máscara
mas, se não o fizerem, não tentará enxergar por trás dela como não
tentaria ler-lhes a correspondência particular.
Em novembro de 1932, K foi com Rajagopal para a índia, pas­
sando pela Inglaterra. Não via a Sra. Besant desde 1930, embora
tivesse continuado a escrever-lhe com muita regularidade notazinhas
carinhosas, mas que nada diziam de importante. Foi recebido em
Bombaim no dia 5 de dezembro por velhos amigos, incluindo a Sra.
de Manziarly. Negou firmemente aos repórteres um boato que cir­
culara por algum tempo, segundo o qual ele e a Sra. Besant haviam
brigado, e declarou que ia a Adyar somente para vê-la. Quando os
repórteres lhe perguntaram o que pensava da entrada dos intocáveis
nos templos, escandalizou-os com a sua resposta inesperada: não devia
haver templos. A Sra. Besant estivera doente várias vezes desde um
tombo que levara em Adyar, em julho de 1931. A memória começara
a faltar-lhe; teria apenas nove meses para viver, mas reunira todas as
energias que lhe restavam para a Convenção anual da S . T . de 1932,
a que tanto Leadbeater quanto K estariam presentes.
Já não saía do quarto. Assim que K chegou a Adyar, tendo sido
recebido na estação de Madrasta por Leadbeater, Raja, os Arundale
e Shiva Rao, ele e Rajagopal subiram para vê-la.
Foi realmente trágico [escreveu ele a Lady Emily no dia 8 de
dezembro]. Sua voz mudara e era agora a voz de uma velha, muito velha
e muito magra. Reconheceu-me. E disse-me: “ Folgo muito em vê-lo (re­
petiu a frase duas ou três vezes), você parece muito bem disposto. Eu
o criei, não foi?” Também reconheceu Rajagopal e, poucos minutos depois,
perguntou-lhe: “ Você não está contente por ver Krishna?” É realmente
trágico e foi para mim um choque muito grande vê-la nesse estado.

E uma semana depois: “ Tive uma longa conversa com Raja —


todos decoraram a mesma frase — nós sabemos, você segue o seu
caminho, nós seguimos o nosso, mas nós nos encontraremos. Você
diz que não existem caminhos, mas nós sabemos que existem. Repe­
timos isso aã nauseam e aí está. Não tem jeito mesmo. Acredito que
eles não queriam que eu viesse para cá. Há um antagonismo inconfun­
dível, a que chamamos tolerância, criação do intelecto, coisa maldita

283
por si mesmo. É divertido observar e não estou perturbado, nem
mesmo emocionalmente, visto que me encontro fora de tudo isso
as ilusões deles, as lutas entre eles pelo poder e o seu chamado ocul­
tismo. Adyar é linda, mas o povo está morto. Caminho todas as tar­
dinhas ao longo da praia, durante uma hora. Adyar já não é a mesma.
A beleza das noites enluaradas, as sombras projetadas pelas palmeiras
e o silêncio dos crepúsculos perduram, mas qualquer coisa fugiu de
Adyar.” Fora ele quem havia fugido de Adyar.
K viu a Sra. Besant pela última vez no princípio do mês de maio
de 1933. Acometido de bexigas doidas em abril, que lhe haviam
transmitido as crianças de escola em Benares, não pudera fazer a barba
por causa das ulcerações do rosto. E ainda estava barbudo quando
foi a Adyar para despedir-se dela antes de embarcar rumo à Europa.
“ Ela me reconheceu” , escreveu ele; “ disse que eu estava muito
bonito de barba, que preciso tomar suco de uvas para ficar forte,
que preciso escrever-lhe para contar como estou passando, se isso não
for muito incômodo para mim, que preciso ser pintado por um grande
artista, e perguntou se eu tinha dinheiro suficiente. Ela se mostrou
mais coerente e carinhosa. Querida Amma, é trágico vê-la desse jeito.
É tudo tão triste para todos!”
Triste, sim, para os que se atardaram no ramerrão das suas tra­
dições, mas para K , que se desfizera do fardo do passado, cada dia
seria uma nova descoberta de alegria pois continuava, com a apaixo­
nada energia da liberdade, a palmilhar o seu caminho como um
mestre universal.

284
PÓS-ESCRITO

A Sra. Besant morreu serenamente no dia 20 de setembro de


1933. Leadbeater não lhe sobreviveu seis meses. Chamado a Adyar
quando se soube que ela agonizava, esteve ao pé do seu leito de morte.
Na viagem de regresso a Sydney, morreu em Perth, no dia l.° de
março. Krishnamurti encontrava-se por acaso em Sydney nessa ocasião,
fazendo uma tournée de conferências e pôde, assim, assistir-lhe à cre­
mação, naquela cidade.
George Arundale sucedeu à Sra. Besant como presidente da Socie­
dade Teosófica. Faleceu em 1945, depois de longa enfermidade, quan­
do Jinarajadasa se tornou presidente, cargo que ocupou até um ano
antes de sua morte, em 1953. Quanto a Wedgwood, enlouqueceu
em 1931 e passou a viver, dali por diante, na propriedade teosófica
de Teckels Park, em Camberley, Surrey. Tinha momentos de absoluta
lucidez, mas não lhe permitiam sair de casa, visto que sua loucura
se traduzia em impulsos para despir-se em público. Expirou em 1951.
Depois da morte prematura de Lady De La Warr em 1930, a
Srta. Dodge mudou-se para Hove; ela e Krishnamurti continuaram
muito amigos até a morte dela, cinco anos mais tarde. A Sra. de
Manziarly foi-se afastando aos poucos de Krishnamurti quando, alguns
anos antes do seu falecimento em 1956, passou a interessar-se pelo
movimento da Igreja Ecumênica.
Lady Emily viveu até 1964, seu nonagésimo ano de vida. Che­
gara à conclusão, nos anos trinta, de que já não poderia compreender
os ensinamentos de Krishnamurti; apesar disso, nunca deixou de amá-
-lo e reverenciá-lo e descreveu-o em sua autobiografia como “ o ser
mais puro e mais belo” que já encontrara — “ a flor perfeita da huma­
nidade” . Ele continuou a escrever-lhe e a vê-la todas as vezes que ia
a Londres. Até depois que ela perdeu a memória, e a conversação com
ela se tomou impossível, ele costumava permanecer sentado ao seu

285
lado durante uma hora, ou mais, segurando-lhe a mão e cantando para
ela, o que nunca deixava de encantá-la.
A morte da Sra. Besant cortou o derradeiro elo de Krishnamurti
com a Teosofia. A partir desse momento ele seguiu o seu caminho,
livre de toda e qualquer forma de organização espiritual. Existem
agora três Fundações Krishnamurti, uma na Inglaterra, outra na índia
e uma terceira nos Estados Unidos, mas de natureza puramente admi­
nistrativa; fazem arranjos para as suas conferências e para a publicação
dos seus livros, e ajudam a dirigir as escolas criadas sob a sua inspi­
ração. Não há nada de esotérico nelas nem nos seus ensinamentos
atuais.
Aos oitenta anos, com o mesmo vigor de sempre e muito melhor
de saúde, ele continua a viajar todos os anos entre a Europa, a índia
e a América. Nos últimos catorze anos, tem organizado uma reunião
internacional de verão em Saanen, na Suíça, onde pronuncia sete con­
ferências públicas no espaço de quinze dias e mantém debates diários
com todos os que desejam participar deles. Nos últimos seis anos
organizou também uma reunião de outono em Brockwood Park, bela
propriedade no Hampshire adquirida pela Fundação inglesa. Todas
essas conferências são gratuitas e franqueadas ao público. Em Saanen,
os que desejam participar da reunião fazem suas próprias reservas para
hospedar-se na aldeia, ao passo que as conferências de Brockwood Park
são ouvidas, na maior parte, por visitantes diurnos, mas nos dois locais
existem amplas instalações para acampar, de modo que os jovens, que
representam considerável proporção do seu público, não precisam
gastar muito.
Recentemente, os ensinamentos de Krishnamurti despertaram
grande interesse no mundo científico e, pela primeira vez, em outubro
de 1974, um grupo de distintos físicos e psicólogos demorou-se dez
dias em Brockwood Park, travando debates diários com ele, sobre o
seguinte tema: “ Que lugar tem o conhecimento na transformação do
homem e da sociedade?”
A educação sempre esteve mais próxima do coração de Krishna­
murti do que qualquer outra coisa. Ele tem hoje quatro escolas mistas
na índia, duas das quais internacionais, assim como uma escola mista
internacional em Brockwood Park. Dez por cento das vagas em todas
elas são reservadas a alunos que não podem pagar. Krishnamurti
visita-as todos os anos e nelas se empenha em discussões com alunos
e professores. Embora se siga nessas escolas o currículo comum, o
seu principal objetivo ao fundá-las foi dar às crianças a oportunidade
de crescer sem nenhum dos preconceitos nacionais, raciais, religiosos,

286
de classe e culturais que erguem barreiras entre os seres humanos e
dão origem a tanta violência. Ele mesmo acha que pertence a toda a
parte e a parte nenhuma em particular.
A principal dificuldade no que concerne a essas escolas é encontrar
professores igualmente libertos de todo e qualquer preconceito e que
possuam, ao mesmo tempo, as necessárias qualificações escolásticas.
Krishnamurti, no entanto, não desanima. Espera fundar, dentro de
pouco tempo, uma escola perto de Vancouver, outra em Ojai, na Cali­
fórnia (faz vários anos que já não tem nada com a Escola do Vale
Feliz, ali existente), e fez planos também para novas escolas na índia,
onde a educação é tão necessária. Sempre lhe foi possível inflamar as
pessoas com o próprio entusiasmo e afastar delicadamente os cautos
e prudentes. Amigos avisados dizem-lhe, pesarosos, que tal e tal escola
é um sonho impossível; não há dinheiro para ela. Ele sorri e con­
corda; pouco tempo depois, entretanto, o dinheiro materíaliza-se como
que por milagre, adquire-se uma propriedade, professores e alunos são
magneticamente atraídos para lá e a escola entra em funcionamento.
É claro que os ensinamentos de Krishnamurti mudaram de ma­
neira considerável em todos esses anos e continuam a mudar à medida
que ele procura novas palavras para exprimir uma verdade tão evidente
para ele quanto a própria mão, mas tão difícil de explicar aos outros.
Basicamente, porém, sua única preocupação continua a ser a mesma
do tempo em que dissolveu a Ordem da Estrela — libertar psicologi­
camente os homens. Sustenta ele que essa liberdade só pode ser alcan­
çada através de uma completa transformação do espírito humano e que
todo indivíduo tem em si o poder de transformar-se de modo radical,
não no futuro, senão instantaneamente. Krishnamurti nuncâ perdeu a
alegria que conheceu no início da década de 1930 e anseia por parti­
lhá-la. Sabe que descobriu a cura da tristeza e, como bom médico,
deseja fazer presente dela ao mundo.

287
CRONOLOGIA

Aqui, e nas Notas e Fontes, usam-se as seguintes iniciais em lugar dos nomes
completos:

AB Annie Besant
CWL C. W. Leadbeater
EL Emily Lutyens
GA George Arundale
K Krishnamurti
N Nitya
OEO Ordem da Estrela no Oriente
ST Sociedade Teosófica

1831
11 de agosto Nascimento de H. P. Blavatsky (que quando solteira se
chamava von Han)

1832
2 de agosto Nascimento de H. S. Olcott

1847
17 de fevereiro Nascimento de CWL
1 de outubro Nascimento de AB

1875
17 de novembro ST inaugurada nos Estados Unidos

1882
Dezembro A sede da ST muda-se para Adyar, Madrasta

16 de dezembro CWL ingressa na ST

1884 CWL conhece a Sra. Blavatsky e viaja em sua companhia


para a índia, chegando a Adyar no dia 21 de de­
zembro

289
1888
15 de março AB conhece a Sra. Blavatsky

1889
-^21 de maio AB ingressa na ST
Dezembro CWL volta à Inglaterra em companhia de Raja para
tornar-se preceptor do filho do Sr. Sinnett e de GA

1890 AB e CWL conhecem-se

1891
8 de maio Morte da Sra. Blavatsky

1893
Novembro AB vai à índia pela primeira vez

1895
11 de maio Nascimento de K

1897 K quase morre de maleita

1898 AB funda o Colégio Central Hindu, em Benares


30 de maio Nascimento de Nitya

1901 A Upanyanam de K

1905
7 de janeiro Morre a mãe de K

1906
16 de maio Aberto inquérito em Londres para apurar acusações de
imoralidade contra CWL. CWL pede demissão da
ST

1907 0

17 de fevereiro Morte de H. S. Olcott em Adyar


Junho AB eleita presidenta da ST

1908
Novembro CWL reintegrado na ST

1909
23 de janeiro Narianiah e família chegam a Adyar
10 de fevereiro CWL chega a Adyar
22 de abril AB deixa Adyar numa tournée de sete meses pela Europa
e Estados Unidos
1 de agosto K e N são submetidos à provação por determinação do
Mestre Kuthumi

290
27 de novembro AB retorna a Adyar e encontra-se com K pela primeira
vez
31 de dezembro K é aceito pelo Mestre Kuthumi

1910
11 de janeiro Primeira Iniciação de K. N é aceito.
6 de março Documento assinado por Narianiah em que transfere a
tutela dos meninos para AB
Abril Narianiah queixa-se do comportamento de CWL em re­
lação a K
29 de maio K encontra-se com GA em Adyar pela primeira vez
Fim de outubro K começa a ensinar um grupo em Benares
Dezembro Publica-se Aos Pés do Mestre

1911
11 de janeiro Ordem do Sol Nascente fundada por GA que mais tarde
se torna a internacional OEO
22 de março Os meninos deixam Adyar em companhia de AB a ca­
minho da Europa
22 de abril Os meninos partem de Bombaim com AB e GA
5 de maio O grupo chega a Londres. EL encontra-se com K pela
primeira vez
28 de maio K faz o primeiro discurso em Londres
12 de junho Os meninos vão com AB a Paris, onde ela fala na Sor-
bonne. K vê o Mestre Conde
7 de outubro AB e os meninos voltam a Adyar
28 de dezembro As pessoas caem aos pés de K em Benares enquanto ele
distribui os certificados de membros da OEO. Dali
por diante o dia 28 de dezembro passa a ser san­
tificado na OEO

1912
l.° de janeiro Funda-se na Índia a revista trimestral Herald of the
Star (O Arauto da Estrela)
19 de janeiro Narianiah assina um documento em Adyar em que declara
não fazer objeções a que AB leve os meninos para
a Inglaterra a fim de estudarem
16 de fevereiro AB e os meninos chegam à Inglaterra
26 de março Os meninos em Taormina com CWL, GA e Raja
l.° de maio Segunda Iniciação de K em Taormina
Maio AB junta-se ao grupo em Taormina
Fim de julho Os meninos voltam à Inglaterra com GA e Raja. CWL
regressa à índia depois dc visitar Gênova
Agosto AB retorna à Índia para responder a processo judicial,
deixando os meninos guardados na Inglaterra, teme­
rosa de um seqüestro
24 de outubro Narianiah inicia um processo contra AB no Tribunal Dis­
trital de Chingleput, mais tarde transferido para o
Superior Tribunal de Madrasta
Novembro a abril Os meninos e os tutores em Old Lodge, na Floresta de
de 1913 Ashdown

291
1913
20 de março Inicia-se o processo depois de vários adiamentos
11 de abril AB perde a tutela, mas CWL e K são absolvidos da acusa-
sação de imoralidade
15 de abril Sentença proferida. Por ela AB é obrigada a entregar os
meninos até o dia 26 de maio, ou antes desse dia,
mas é dispensada do pagamento das custas
25 de abril AB consegue suspensão de execução da sentença enquanto
aguarda resultado da apelação
17 de maio AB deixa a índia rumo à Inglaterra
28 de junho Os meninos vão para Varengeville, na Normandia, com
GA, Raja e E L
5 de julho AB regressa a Adyar
Fim de setembro O grupo de Varengeville volta a Londres
Outubro A Srta. Dodge doa uma renda vitalícia de 500 libras
anuais a K
29 de outubro Julgando a apelação, o tribunal confirma a decisão da
instância inferior e intima AB a pagar todas as custas
31 de outubro Carta importante de K a CWL, em que lhe pede que o
livre da tutela de Raja
l.° de dezembro AB solicita lhe seja concedido apelar para o Comitê Ju ­
dicial do Conselho Privado em Londres

.1914
l.° de janeiro Ampliada e internacionalizada, a revista Herald of the
Star começa a aparecer todos os meses
Princípio de janeiro Os meninos são levados secretamente para Taormina por
GA
23 de janeiro O grupo volta à Inglaterra
27 de janeiro A suspensão de execução enquanto se aguarda o resul­
tado da apelação é concedida pelo Conselho Privado
em presença dos meninos
20 de fevereiro CWL deixa Adyar pela Austrália, que passa a ser, dali
por diante, o seu lar
Março Os meninos vão para Shanklin, Ilha de Wight, com GA
e Wodehouse
5 de maio AB vence a sua apelação ao Conselho Privado e é dis­
pensada do pagamento das custas
Junho e julho de Os meninos em Cornwall com GA estudando- para entrar
1915 em Oxford
4 de agosto Deflagração da guerra contra a Alemanha

1915
18 de fevereiro K escreve uma longa carta a CWL em Sydney explicando-
-lhe todas as suas dificuldades
Fim de março Nitya alista-se na Cruz Vermelha, na França, como men­
sageiro
Abril K espera ir para a França. Encomenda uniforme
Maio Frustram-se as esperanças de K
Junho K deixa Cornwall e trabalha com EL no Endsleigh Palace
Hotel, Bloomsbury, que deverá ser transformado em
hospital. N volta da França

292
Outubro K desiste da idéia de exercer alguma atividade ligada à
guerra a pedido de AB. Os meninos estabelecem-se
em Londres a fim de estudar de novo para entrar
em Oxford. Baillie-Weaver torna-se uma influência,
importante em suas vidas
Princípio de novembro GA é nomeado secretário-geral da ST para a Inglaterra
e o País de Gales. A partir de então pouco se avista
com K
Fim de novembro Os rapazes retornam a Cornwall tendo Wodehouse por pre-
ceptor

1916
Janeiro-fevereiro Dificuldades para entrar em Oxford
Junho Os rapazes são mandados para o Sr. Sanger, preparador
de examinandos que mora perto de Rochester, Kent
15 de julho Em Sydney, CWL é consagrado Bispo da Igreja Católica
Liberal
11 de novembro Casamento de Raja, em Londres, com Dorothy Graham

1917
Março Desfazem-se as esperanças de ingressar em Oxford; K
decide tentar Cambridge
Junho Desfazem-se as esperanças de ingressar em Cambridge; K
decide tentar a Universidade de Londres
21 de junho AB e GA internados em Ootacamund
21 de setembro AB e GA libertados sem condições
Novembro K tenta curar os olhos de N
Dezembro Os rapazes mudam-se para um apartamento em Londres

1918
14 de janeiro Os rapazes prestam exames de admissão
Março K ouve dizer que foi reprovado; N passou com distinção.
Os dois irmãos voltam à casa de Sanger
24 de maio Os rapazes deixam a casa de Sanger para ir morar em
Wimbledon. K assiste a conferências na Universidade
de Londres
Junho O nome de N é registrado na Faculdade de Direito
9 de setembro K presta novos exames de admissão
l.° de outubro K fica sabendo que voltou a ser reprovado. Continua
assistindo a conferências na Universidade de Londres
Dezembro Os rapazes saem de Londres para restabelecer-se de uma
gripe

1919
Fevereiro Os rapazes tornam a Londres. K assiste a conferências
na U. de L. N estuda Direito
6 de junho AB chega a Londres depois de mais de quatro anos e
meio
14 de junho K preside a uma reunião da OEO, seu primeiro trabalho
para a Estrela desde que AB saiu da Inglaterra em
1914

293
Julho K joga golfe na Escócia e torna-se bom jogador
Outubro K e N vão a Paris com AB. Quando voltam a Londres,
vão morar num apartamento em St. James Street

1920
13 de janeiro N é aprovado nos exames de Direito Constitucional e
História do Direito
24 de janeiro K vai a Paris e hospeda-se em casa dos Blech, enquanto
que N permanece em Londres
Janeiro K faz amizade com os de Manziarly e Isabelle Mallet, e
renova sua amizade com Ruspoli
8 de fevereiro K sente uma presença invisível. K e Ruspoli igualmente
infelizes
12 de fevereiro K vai para o Sul da França com Max Wardall
28 de fevereiro K volta a Paris para morar sozinho num apartamento
24 de março N é impedido de ir à índia por AB
Abril GA casa com Rukmini Devi na índia
6 de maio K pensa continuamente, todos os dias, no Senhor Buda,
e medita
20 de julho K reúne-se aos de Manziarly em Amphion, perto de
Genebra
25 de julho Reaviva-se o interesse de K pela ST e pela OEO. Ele
ouve dizer que Raja chegou a Londres com Rajagopal
31 de julho K afirma sua crença nos Mestres, mas rebela-se contra
certas coisas que lhe parecem “ monstruosamente dele­
térias” na ST
30 de setembro K e 'N regressam a Londres e ficam num apartamento
novo
Outubro K encontra-se com Rajagopal
5 de outubro N passa no exame de Direito Penal
8 de dezembro K volta a Paris e hospeda-se num hotel da Rue de
Ponthieu
28 de dezembro K fala voluntariamente numa reunião da ST

1921
l.° de janeiro As notas editoriais de K tornam a aparecer no Herald
Meados de maio N tem a primeira hemorragia
22 de maio K está meditando pouco. Conclui que precisa ter uma
filosofia de vida
29 de maio N vai a Paris para ficar sob os cuidados do Dr. Carton
23-26 de julho AB e K comparecem ao primeiro Congresso Mundial da
ST em Paris
27-28 de julho Primeiro Congresso Mundial da OEO. K toma tudo em
suas mãos e surpreende a própria AB
l.° de agosto K e N vão para Boissy-St. Leger
4 de setembro K e N vão para a Suíça com Rajagopal
15 de setembro K vai para a Holanda, vê o Castelo de Eerde pela pri­
meira vez; conhece Helen Knothe e apaixona-se
por ela
20 de outubro K vai para Londres, depois para Amsterdã, a fim de
assistir às Convenções da ST e da OEO

294
19 de novembro K e N (que se acredita estar curado) saem de Marselha
no rumo da índia
3 de dezembro K e N são recebidos por AB em Bombaim
5 de dezembro O grupo chega a Adyar
14 de dezembro Conferido a AB em Benares o título de doutor honoris
causa
Fim de dezembro K pronuncia uma das quatro conferências da Convenção
em Benares

1922
11 de janeiro K fala bem na reunião de Adyar da OEO
Meados de janeiro K e N encontram-se com o pai
22 de março K e N embarcam em Colombo, em companhia de Raja,
para assistir à Convenção da ST em Sydney
12 de abril Chegam a Sydney e são recebidos por CWL, que não
viam desde julho de 1912
19 de abril Começam as desavenças na Convenção entre CWL e a
facção de Martyn
29 de abril Nitya adoece de novo. Ele e K vão para Katoomba
9 de maio AB chega a Sydney
Maio-junho Barulho nos jornais
15 de maio K, N, Raja e outros procuram voluntariamente o Depar­
tamento de Polícia para refutar as acusações de imo­
ralidade contra CWL
Fins de maio Tomada a decisão de voltar à Europa via São Francisco
e passar o verão no Vale de Ojai
l.° ( ? ) de junho Mensagem do Mestre Kuthumi entregue a K
3 de julho K e N chegam a São Francisco
6 de julho Chegam a Ojai
Meados de julho Nitya passa muito mal outra vez. Rosalind Williams vem
tratar dele
5 de agosto K principia a meditar sobre a mensagem do Mestre
17-20 de agosto K passa por uma experiência que lhe modifica comple­
tamente a vida. CWL sustenta que essa é a sua
terceira Iniciação
Fim de agosto Começa o estranho “ processo” de K

1923
Janeiro K principia a escrever uma mensagem mensal para os
Grupos de Autopreparação, assim como notas edi­
toriais. Seu primeiro poema é publicado no Herald.
Fevereiro K começa a trabalhar para a OED, falando e angariando
fundos
Meados de fevereiro Eles compram o chalé que ocupam e seis acres com
uma casa maior dentro deles
Maio K realiza uma tournée de conferências pelos Estados
Unidos. AB e CWL são incapazes de explicar o
“ processo” de K
11 de junho K e N chegam à Inglaterra
18-29 de julho Congressos da ST e da OEO em Viena;. como AB não
pode estar presente, K preside ao Congresso da OEO

295
De 30 de julho a K e N passam esse período em Ehrwald, no Tirol
22 de setembro austríaco, com um grupo de amigos. O “ processo”
de K revela-se muito penoso
Fim de setembro K e o grupo visitam o Castelo de Eerde, o qual, com
um terreno de 5.000 acres, é oferecido a K pelo
Barão van Pallandt
22 de outubro K e N voltam à América com Rajagopal
8 de novembro Chegam a Ojai e passam a viver na casa maior, a que
dão o nome de Arya Vihara
20 de novembro Recomeça o “ processo” de K, que continua até o dia
11 de abril de 1924

1924
Fevereiro O “ processo” de K atinge um clímax, mas ainda continua
Abril Chega a Dra. Rocke, mandada de Sydney por CWL para
verificar se o corpo de K não está sendo submetido
a um esforço excessivo
11 de abril Descrita por N como uma noite maravilhosa para todos.
A Dra. Rocke está presente
15 de abril AB chega à Inglaterra
15 de junho K, N e Rajagopal chegam à Inglaterra
Julho AB, K e N vão a Paris. É a primeira vez que os dois
irmãos andam de avião
9-15 de agosto Convenções da ST e da OEO em Arnhem, na Holanda,
seguidas pelo primeiro Acampamento da Estrela em
Ommen
18 de agosto K e N, em companhia de um grupo de amigos, vão para
Pergine, perto de Trento
11 de agosto Recomeça o “processo” de K
31 de agosto K principia a falar ao grupo
24 de setembro lnterrompe-se o “ processo”
28 de setembro Todos deixam Pergine
2 de novembro K e N embarcam em Veneza rumo a Bombaim em com­
panhia de E L
18 de novembro Chegada a Bombaim, onde são recebidos por AB
24 de novembro Chegada a Adyar

1925
Princípio de janeiro K vai a Madanapalle à procura de um sítio apropriado
à construção de uma universidade. Encontra o local
no Vale de Tettu (cujo nome é depois mudado para
Rishi) adquirido em 1926
26 de janeiro N, novamente muito doente, vai para Ootacamund com
a Sra. de Manzíarly
3 de abril K, N, Raja, Rama Rao e EL chegam a Sydney, onde
são recebidos por CWL
7 de abril Um especialista examina N e ordena-lhe que vá para as
montanhas
10 de abril Inaugura-se a Convenção da OEO
19 de abril K, N, Rosalind, a Sra. Roberts e Rama Rao mudam-se
para um chalé em Leura
8 de maio Muitos progressos esotéricos no Festival de Wesak

296
25 de maio K fala no Solar
l.° de junho O Herald anuncia que K não poderá comparecer ao Acam­
pamento de Ommen em agosto, cm virtude da saúde
de N
2 de junho CWL diz a EL que o “ processo” de K é o forçamento dos
espirilos em cada átomo
24 de junho K, N, Rosalind e Rama Rao deixam Sydney rumo a São
Francisco
15 de julho Chegam a Ojai depois de uma viagem terrível. N passa
muito mal
18 de julho AB, EL e Shiva Rao chegam à Inglaterra
24 de julho AB adia as conferências que devia pronunciar no Queen’s
Hall e vai para Huizen
7 de agosto GA afirma que K e outros passaram pela quarta Iniciação
10 de agosto GA “ traz” os nomes de dez dos doze Apóstolos
11 de agosto AB anuncia no Acampamento de Ommen os nomes de
sete Apóstolos
14 de agosto GA afirma que K e outros passaram pela Iniciação final.
EL regressa a Londres para encontrar uma carta de
K cheia de um triste ceticismo
24 de agosto Rajagopai chega a Ojai, a mandado de AB, para ajudar
a tratar de N
16 de setembro Com muito tato, K nega-se a confirmar as Iniciações
“ trazidas” em Huizen
23 de outubro K, Rajagopai e Rosalind chegam à Inglaterra, deixando
a Sra. de Manziarly e Rama Rao tomando conta de
N. K sente-se muito infeliz e muito cético em re­
lação às Iniciações e aos Apóstolos
2 de novembro AB e K falam numa reunião em Londres sem mencionar
os Apóstolos
8 de novembro AB, K, EL, Rajagopai, Rosalind, Shiva Rao, Wedgwood,
GA e Rukmini embarcam em Nápoles rumo a Co­
lombo
13 de novembro N morre em Ojai às 10 horas e 37 minutos da manhã.
14 de novembro K recebe a notícia da morte de N. Depois de dez dias
de sofrimento, K recobra a serenidade e escreve um
artigo sobre N
25 de novembro Grupo chega a Adyar. Rajagopai é nomeado secretário-
-geral da OEO em lugar de N
3 de dezembro CWL e o seu grupo chegam a Adyar, vindos de Sydney.
Pouco depois, AB faz a derradeira tentativa para
conseguir que K reconheça os Apóstolos
21 de dezembro K oficia pela primeira vez uma cerimônia segundo o
ritual hindu reformado
24-27 de dezembro Convenção da ST
28 de dezembro Inicia-se a Convenção da OEO. O Senhor fala através
de K na reunião matutina

1926
Janeiro CWL e o seu grupo retornam a Sydney
6 de- fevereiro K dirige-se a Benares a fim de falar às crianças da escola
da ST

297
De 25 de março a K passa esse tempo em Ootacamund restabelecendo-se de
19 de abril uma intoxicação alimentar
Maio Muitos repórteres em Bombaim, de onde AB e K viajam
para a Inglaterra
3-19 de julho Primeira reunião no Castelo de Eerde com 35 pessoas
convidadas por K
7 de julho K começa a falar todas as manhãs
19 de julho Todos os presentes acreditam que o Senhor falou pela
boca de K durante uma hora na palestra da manhã
24-29 de julho Acampamento de Ommen. Abre-se a Convenção em pre­
sença de AB e Wedgwood
27 de julho O Senhor fala pela boca de K diante da fogueira do
Acampamento à noite. Wedgwood diz a AB que
é o famoso Mágico Negro quem está falando através
de K. AB conta a K o que ouviu de Wedgwood
e K declara que nunca mais falará em público se
ela acreditar numa coisa dessas. AB fica muito per­
turbada
19 de agosto AB, K, Rosalind e Rajagopal embarcam para os Estados
Unidos. Repentina decisão de AB de acompanhar
K e os demais
26 de agosto O grupo chega a Nova Iorque. Os repórteres enxameiam
a bordo do navio
27 de agosto K é entrevistado, sozinho, por 40 repórteres. Ele causa
boa impressão. Faz-se também muita publicidade em
torno dele em Chicago, aonde vão para assistir à
Convenção, depois de Nova Iorque
3 de outubro K leva AB para Ojai pela primeira vez
Meados de outubro Em virtude de um inchaço doloroso que lhe apareceu
no peito,' K é aconselhado pelos, médicos a não
ir à Índia, como fora planejado. AB decide passar
o inverno com ele em Ojai
Novembro AB adquire terras no Vale de Ojai para o trabalho de K

1927
Janeiro Reinicia-se o “ processo” de K com dores intensas. Ele
escreve poemas todos os dias
14 de janeiro AB faz uma declaração à Associated Press dos Estados
Unidos segundo a qual “ O Mestre Universal está
aqui”
19 de abril AB, K, Rosalind e Rajagopal chegam à Inglaterra
25 de maio K vai a Paris onde diz, numa palestra pronunciada du­
rante uma reunião da S .E ., que os Mestres não
passam de “incidentes” . Isso escandaliza e perturba
muita gente
19 de junho Uma assembléia maior do que as anteriores rcúnc-sc no
Castelo de Eerde. Depois da sua primeira palestra,
K é obrigado a ficar de cama por dez dias, acome­
tido de bronquite
24 de junho GA afirma numa reunião em Londres que não concorda
como o pensamento de AB, segundo o qual a cons­
ciência de K se fundiu com a do Senhor

298
28 de junho EL e Rajagopal estabelecem novos objetivos para a OEO.
O nome é mudado para Ordem da Estrela, e o da re­
vista Herald para o de St ar Review (Revista da Es­
trela). Propõe-se também a publicação de um Interna­
tional Star Bulletin ( Boletim Internacional da Estrela)
30 de junho K reinicia suas palestras. Anseia por tornar-se um saniasi
22 de julho Raja chega de Huizen e, discursando, causa consternação
entre os presentes
23 de julho K fala na manhã seguinte censurando Raja
24 de julho Raja declara que a reunião foi um fracasso
29 de julho K dirige a palavra ao Conselho da Estrela, dizendo estar
agora certo da sua missão
2 de agosto K dá sua primeira resposta à pergunta vital sobre se
acredita ou não nos Mestres
7-12 de agosto Acampamento da Estrela em Ommen com a presença
de AB e Raja. K fala de sua união com o Amado
15 de agosto K fala no Acampamento de Serviço após a partida de AB.
O relato da fala de K deixa-a profundamente trans­
tornada
Fim de agosto K vai passar algumas semanas na Suíça
21 de setembro K vai a Paris e posa durante oito dias para o escultor
Antoine Bourdelle
30 de setembro K vai de avião para Londres a fim de comemorar com
AB o octogésimo aniversário dela no dia l.° de
outubro
3 de outubro Rosalind e Rajagopal casam-se em Londres
13 de outubro AB e K embarcam em Marselha com destino à índia
27 de outubro AB e K desembarcam em Bombaim, onde enfrentam uma
multidão de repórteres. AB “dá testemunho” de
que um fragmento da consciência de K está agora
fundida com a do Senhor
Novembro K em Adyar. Pronuncia uma conferência pública em
Madrasta
4 de dezembro CWL chega a Adyar para a convenção da ST; mostra-se
muito reverente em relação a K. AB e CWL deixam
claro durante a Convenção que K é o Mestre. AB
declara-se “sua discípula devotada”

1928
11 de janeiro GA fica “ furioso” por causa de K, pois não acredita
(Dia da Estrela) que ele seja o Mestre. Primeiro Acampamento da
Estrela em Guindy
Janeiro Organizada a Fundação do Vale de Rishi
1-6 de fevereiro Primeiro Acampamento em Benares
Fevereiro K faz uma tournée pela índia
29 de fevereiro K, exausto, viaja em companhia de Jadu para a Europa.
Pela primeira vez pronuncia palestras a bordo, a
pedido dos passageiros.
31 de março K pronuncia sua primeira conferência pública em Lon­
dres na Friends Meeting House
3 de abril K embarca para Nova Iorque depois de visitar Paris,
Eerde e Londres

299
Abril K descansa em Ojai
Maio K mostra-se aborrecido por ter sido arrastado ao movi­
mento da Mãe Universal
15 de maio K fala em público pela primeira vez nos Estados Unidos
para 16.000 pessoas no Hollywood Bowl
21-28 de maio Primeiro Acampamento da Estrela em Ojai nas terras
da Fundação do Vale Feliz
14 de junho K chega à Inglaterra em companhia de Rajagopal e Jadu
18 de junho K faz conferência em Kingsway Hall
23 de junho K faz conferência na Salle Pleyel, em Paris
27 de junho K fala pelo rádio da Torre Eiffel
30 de junho A maior de todas as assembléias até então reúne-se em
Eerde. As conseqüências, no entanto, não são tão
harmoniosas
8 de julho Primeiro discurso de K para a turma reunida em Eerde,
depois de uma semana de doença. AB está muito
doente em Londres
30 de julho K vai passar uma noite em Londres para estar com AB
2-10 de agosto Acampamento de Ommen
9 de agosto AB retorna à Índia
Agosto-setembro K em St. Moritz com Raja
20 de outubro K viaja em companhia de Jadu para Colombo
Fim de outubro AB fecha a S .E . em todo o mundo
6 de novembro K chega a Adyar
7-14 de dezembro Reunião de inverno em Benares na mesma linha das
reuniões de Eerde
Dezembro AB confessa a K que gostaria de abrir mão da presidência
da ST a fim de segui-lo aonde quer que ele vá, mas
o Mestre dela não lho permite
Dezembro Aquisição de terras em Rajghat, Benares, a fim de nelas
se construir uma escola
23-28 de dezembro Convenção da ST em Benares. K preside à Convenção
na ausência de AB. AB baixa instruções no sentido
de que não se realizem cerimônias durante a Con­
venção. GA celebra a missa fora dos terrenos da ST

1929
janeiro K regressa a Adyar
16 de janeiro Inaugura-se em Adyar a sede da Estrela
Fevereiro K viaja para a Europa em companhia de Jadu
Março K retorna aos Estados Unidos com Jadu. No dia 5, a
bordo, K escreve à Sra. de Manziarly: “Nunca aban­
donarei ninguém, mas todos me abandonarão”
19 de março K em Ojai surpreende-se ao encontrar antagonismo contra
ele entre os membros da Estrela
Maio K em Ojai adoece e fica muito fraco. Um novo médico
aconselha-o a tomar muito cuidado, pois a bronquite
constante acabou por enfraquecer-lhe o pulmão. Em
conseqüência disso, ele cancela as conferências que
deveria pronunciar no Queen’s Hall, em Londres,
programadas para julho. Os jornais anunciam uma
cisão entre K e AB. K declara absurda a notícia

300
De 27 de maio a Acampamento de Ojai. K declara numa reunião: “ Eu
4 de junho sou a chama plena que é a glória da vida”
18 de junho K chega a Londres em companhia de Jadu e dos Raja-
gopal
25 de junho K vai com Jadu para os Alpes franceses a fim de des­
cansar
De 10 de julho a
l.° de agosto Reunião em Eerde
3 de agosto K dissolve a Ordem da Estrela no Acampamento de
Ommen
1.“ de outubro Reabre-se a S .E .
11 de outubro K volta da índia com AB
23 de outubro Eles chegam a Bombaim e ali ficam alguns dias, durante
os quais K fala por três vezes
10-17 de novembro Acampamento em Benares
Fim de novembro K faz uma tournée pelo Norte da índia
23-27 de dezembro Convenção da ST em Adyar. CWL, que veio de Sydneyr
volta-se contra K e sustenta que “o Advento gorou”
26 de dezembro K escreve a EL dizendo que vai pedir demissão da ST
De 28 de dezembro
3 de janeiro Acampamento de K em Guindy

1930
l.° de fevereiro K e Jadu deixam Bombaim com destino à Inglaterra, a
caminho da América
21 de março Chegam a Ojai
De 27 de maio a
1.“ de junho Primeiro Acampamento em Ojai franqueado ao público
Junho K excursiona pelos Estados Unidos
26 de junho K embarca em Nova Iorque com destino à Inglaterra em
companhia de Rajagopal
16- 25 de julho Reunião de Eerde
De 26 de julho a
7 de agosto Primeiro Acampamento de Ommen franqueado ao público
De 15 de outubro a K na França e na Suíça. Tendo tido bronquite, cancela a
5 de novembro tournée italiana
6-30 de novembro K em Taormina, restabelecendo-se
9-14 de dezembro K fala em Atenas
17- 23 de dezembro K em Bucareste, onde chegou de navio, via Constanti­
nopla. É guardado por policiais noite e dia, visto
que sua vida foi ameaçada por estudantes naciona­
listas católicos

1931
5- 8 de janeiro K na Iugoslávia
De 10 de janeiro a
Fevereiro K na Hungria, onde fica doente
6- 10 de fevereiro Última reunião no Castelo de Eerde
7 e 9 de março K pronuncia uma conferência pública em Londres, na
Friends Meeting House
Março-maio K excursiona pelo Norte da Europa

301
26 de março Assinada a escritura de transferência, pela qual se devolve
Eerde ao Barão van Pallandt
De 28 de julho a
6 de agosto Acampamento de Ommen
19 de agosto Morte de Jadu no Arizona durante uma tournêe de con­
ferências
Outubro K regressa a Ojai
Dezembro K em samádi em Ojai

1932
Janciro-abril K fala todos os domingos no Carvalhal de Ojai
2-8 de junho Acampamento de Ojai
De 13 de julho a
6 de novembro K excursiona pelos Estados Unidos e pelo Canadá
7 de dezembro K e Rajagopal chegam a Adyar depois de passar pela
Inglaterra. K vê AB, que perdeu a memória
De 28 de dezembro a Acampamento de K em Guindy seguindo-se à Convenção
4 de janeiro da ST. K não fala na Convenção

1933
7-17 de janeiro K em Benares, onde pronuncia seis conferências públicas
De 21 de janeiro a
27 de fevereiro K excursiona pelo Norte da índia
Março K apanha catapora em Benares
Abril K recupera-se perto de Darjeeling
2 de maio K diz adeus a AB em Adyar
Maio K embarca em Bombaim em companhia de Rajagopal
20 de setembro Morte de AB

1934
1.“ de março Morte de CWL

302
KRISHNAMURTI: OS ANOS DO DESPERTAR

Mary Lutyens

No curso dos últimos cinqüenta anos, Krishnamurti tem exer­


cido, como mestre religioso, uma influência de âmbito mundial
que cresce a cada dia que passa. Este livro não se ocupa dos seus
atuais ensinamentos, encontráveis nas várias obras dele publicadas
pela Cultrix, mas sim da primeira parte de sua vida. Traça-lhe o
desenvolvimento desde os dias em que, menino na índia, foi decla­
rado pelos líderes da Sociedade Teosófica o veículo do vindouro
Messias, até quando, aos trinta e quatro anos de idade, rompeu
completamente com as influências e organizações que buscavam
confiná-lo ao papel messiânico tradicional. Desde então, percorreu
Krishnamurti seu próprio caminho como um mestre original, via­
jando continuamente pelo mundo, escrevendo livros e proferindo
conferências. Nascido na índia do Sul, educado na Inglaterra e em
Paris, e tendo vivido nos Estados Unidos, Krishnamurti não per­
tence nem ao Oriente nem ao Ocidente: é verdadeiramente interna­
cional, na sua condição de um dos mais influentes e mais profundos
pensadores que nossa época conheceu.

EDITORA CULTRIX

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