Psicodrama
Psicodrama
Psicodrama
INTRODUÇÃO
O Psicodrama é um método de pesquisa e intervenção nas relações
interpessoais, nos grupos, entre grupos ou de uma pessoa consigo mesma. A partir do
reconhecimento das diferenças e dos conflitos, apresenta outros significados ao que é
revelado no cenário dramático, expandindo os recursos disponíveis. Esse método é
bastante utilizado na educação, nas empresas, nos hospitais, na clínica e nas
comunidades. Ver a respeito, o site da FEBRAP (Federação Brasileira de Psicodrama) –
www.febrap.org.br (cursos, escolas de formação em psicodrama e outros links). Existem
perto de 4000 psicodramatistas no Brasil.
O Psicodrama é parte de uma construção muito mais ampla, criada por Jacob Levy
Moreno, a Socionomia. Na verdade, a denominação da parte foi estendida para o todo e,
quando as pessoas usam o termo Psicodrama, estão geralmente se referindo à
Socionomia. Ciência das leis sociais e das relações, a socionomia é caracterizada
fundamentalmente por seu foco na intersecção do mundo subjetivo, psicológico e do
mundo objetivo, social, contextualizando o indivíduo em relação às suas circunstâncias.
Divide-se em três ramos: a Sociometria, a Sociodinâmica e a Sociatria, que guardam em
comum a ação dramática – pensar, agir e sentir um acontecimento-experiência -- como
recurso para facilitar a expressão da realidade implícita nas relações interpessoais ou
para a investigação e reflexão sobre determinado tema.
1
Texto introdutório com objetivos didáticos Teorias e Processos Grupais -- Prof. Altivir João Volpe, 2009.
1
Assim, o homem, a partir do impulso da espontaneidade, poderá desenvolver a
"centelha divina criadora" que traz em si mesmo. "É um gênio em potencial, que lutando
contra as conservas culturais, através da espontaneidade criadora, chegará a
assemelhar-se a Deus e encontrar sua liberdade". E se o homem não desenvolver essa
espontaneidade, ele adoece, continua Moreno.
Dessa maneira, como síntese unificadora, o papel - conceito social - conecta com a
espontaneidade, de conteúdo individual. Papel e espontaneidade caminharam juntos
desde os primeiros trabalhos de Moreno com seu teatro de improviso: "O desempenho de
papéis foi a técnica fundamental do teatro espontâneo vienense. Dada a predominância
da espontaneidade e da criatividade no desempenho de papéis, este foi chamado
"desempenho espontâneo-criativo", completa Moreno.
2
MATRIZ DE IDENTIDADE
3
possibilitar certa integração e organização que vão aos poucos constituindo a rede de
sustentação grupal.
- O duplo é utilizado com pessoas mais fechadas, solitárias, com um átomo social
empobrecido ou que se mostram confusas e misturadas a um outro (Por exemplo, no
início de um grupo; ou num grupo que se mostra desorganizado, bastante regredido).
Talvez essas pessoas (ou integrantes de um grupo) não estejam em condições de realizar
inversão de papéis, mas aceitarão um duplo. Segue um exemplo de duplo.
- Um adolescente inibido não consegue soltar sua agressividade em seguida a uma
cena em que se sentiu humilhado por seu pai. Um duplo (representado por um ego-
auxiliar ou pelo próprio Diretor), em contato com a agressividade reprimida, é chamado a
ficar ao lado do adolescente na cena dramática. À medida que o duplo desempenha seu
papel, o protagonista, aquecido em sua irritação, adere à situação, tornando-se
desnecessária a partir daí a atuação do duplo.
Conseqüências:
4
- A criança desconhece seu corpo e sua inscrição na cultura e na sociometria
familiar.
- O corpo é vivido como disperso, parcial, sem unidade no tempo e no espaço.
- A maior parte das vivências são interoceptivas: predominam os mecanismos
incorporativos (ser acolhido, dependente, reconhecido, aceito -- acolher, conter, ter
disponibilidade para o outro).
- A persistência nessa fase pode resultar em vivências com características
psicóticas: chegar ao cosmos pela solidão, pelo vazio e não pelo encontro. Nessas
vivências, o indivíduo é o desejo do desejo do Outro (prolongamento e encerramento no
imaginário).
-
2ª fase – Reconhecimento do eu
- Existe uma aquisição de uma gestalt corporal e início do jogo lúdico (imitação).
- Com o amadurecimento neurológico, vai se formando uma identidade parcialmente
reconhecida (a criança -- e os membros de um grupo mais tarde -- começam a se
separar, a se diferenciar do outro, do mundo...).
- A criança (o adolescente, os membros de um grupo) concentra sua atenção no
outro e estranha parte dela mesma: começa a existir um não-eu (movimento centrípeto).
- Reconhecimento de “polaridades” (amor/ódio; carinho/agressão; pode/não pode...
- A criança começa a distinguir fome, dor, proximidade/distância; apego/desapego;
relação/solidão; interior/exterior; Eu/Não-eu...
- Vivência (embrionária ainda, é verdade) de ser uma unidade, de ter uma
identidade: o corpo se mantém único, apesar das variações internas e externas.
Técnicas apropriadas:
5
- O método do solilóquio foi muitas vezes empregado por dramaturgos, como
Shakespeare, com fins artísticos. No psicodrama, seu valor reside no (re)conhecimento
de si mesmo. Trata-se de um alargamento do Eu!
- Corresponde ao falar em off, próprio da linguagem teatral... Mantém o
aquecimento e o compromisso do protagonista com a ação; aprofunda seus sentimentos.
Existe um resgate dos pensamentos (o que é pensado e imaginado – MAS NÃO DITO),
os sentimentos e emoções...
- Nesse momento, a criança (e o adulto) é capaz de se ouvir, de ficar consigo
própria, de re-fletir (voltar-se para dentro, como um bumerangue...).
- O protagonista assume seus próprios sentimentos. Pode apropriar-se de suas
relações e escolhas.
- O solilóquio “é a reprodução de pensamentos e sentimentos escondidos através
de diálogos ou atuações colaterais, paralelos às cenas e idéias da ação principal. O
protagonista permanece em cena. O método permite ver reações pessoais do paciente a
seu papel principal” (MORENO, 1999: 123).
3ª fase – Reconhecimento do tu
6
Ao inverter os papéis com eles, o sujeito já está aprendendo muito a
respeito dessas pessoas, coisas que a vida, apenas, não lhe ensinou.
Quando ele pode ser as pessoas que alucina, não só elas perdem seus
poderes e feitiço sobre ele, mas ele ganha, para si, estes poderes. Seu
próprio eu tem a oportunidade de encontrar-se, reorganizar-se e juntar os
elementos que podem ter ficado separados por forças insidiosas, de
modo a integrá-los e conseguir a sensação de poder e de alívio, uma
catarse de integração (MORENO, 1992: 186).
Conseqüências:
7
- Inversão de papéis leva a uma diminuição da dependência da criança dos pais.
Por outro lado, pode aumentar a capacidade da criança de dominar os pais.
- Freqüentes inversões de papéis da criança com indivíduos mais velhos (ou de
colegas de um grupo com outros integrantes) fortalecem sua sensibilidade para uma vida
interior que é mais rica que a sua. Moreno denomina tal percepção de tele. Ou seja:
percepção interna mútua entre duas pessoas.
- O método da inversão de papéis é mais eficaz quanto mais próximas, do ponto de
vista psicológico e social, duas pessoas estão: mãe-filho; marido-mulher; professor-aluno;
pai-filho...
- A inversão de papéis é um método eficaz para aproximar socialmente grupos
culturalmente estranhos. Quanto maior a “distância social” entre dois grupos sociais, mais
difícil se torna a utilização da inversão de papéis. Nessa perspectiva, seria mais difícil um
brasileiro inverter o papel com alguém de um país do Oriente Médio...
- A inversão de papéis é indispensável para a investigação de relações
interpessoais e para a investigação dos pequenos grupos.
- Interessado em resgatar a percepção télica do outro, Moreno deteve-se em
fenômenos que ocorriam em ligações profundas entre pessoas e grupos. Para ele, os
estados co-inconscientes e co-conscientes são aqueles que os participantes
experimentam e produzem conjuntamente e que, portanto, são podem ser reproduzidos e
representados conjuntamente. Portanto, sentimentos, vivências e fantasias comuns a
duas ou mais pessoas (pai-filho; mãe-filho; terapeuta-paciente; professor-aluno; marido-
mulher...), e que se dão em estado inconsciente.
- A inversão de papéis é perigosa e, eventualmente, contraindicada quando o eu de
uma pessoa é diminuto e o da outra é altamente estruturado. Um exemplo disso é o que
acontece com pacientes psicóticos. Moreno afirma que eles gostam de desempenhar
papéis de pessoas autoritárias, policiais, enfermeiros, chefes, médicos ou de pessoas
ideais. Dramatizam com prazer, por exemplo, Deus. Quando estão, entretanto, em
contato com a pessoa real que corporifica a autoridade, recusam o contato íntimo e a
inversão de papel.
- Dificuldade de inverter papéis: checar em qual ou em quais papéis.
- Quanto maior o nível ou depositação transferencial, maior dificuldade de inverter
papéis.
- Essa dificuldade indicaria maior comprometimento em fases anteriores: evidencia
a própria estrutura das relações sociais; forma como essa estrutura se particulariza no
interior das relações familiares.
- A diferença entre saúde e doença é uma questão de caminho, de direção. O que
adoece é a relação, a dimensão inter.
8
- Conforme as vivências, teremos em cada fase da Matriz de Identidade um tipo de
moldagem, de inscrição, de registros.
- A Matriz de Identidade é a matriz afetiva primária. Esta vai se dissolvendo,
favorecendo maior autonomia à criança.
- O trabalho psicodramático pode se tornar a matriz afetiva substitutiva
secundária: outras possibilidades de viver o não-vivido; repetir “diferenciando”.
- Diz Moreno (1974: 120):
- Nesse sentido, a experiência psicodramática pode ser uma nova reinscrição, uma
nova rematrização.
É possível observar e compreender todos esses movimentos que ocorrem no
decorrer do desenvolvimento humano e, analogamente, nos diferentes percursos do
processo de um grupo.
A SESSÃO DE PSICODRAMA
Uma sessão de psicodrama compõe-se de 5 instrumentos, 3 etapas e 3
contextos, descritos na seqüência. Comecemos pelos contextos.
Estes são encadeamentos de vivências pessoais e coletivas, de pessoas que interagem
numa situação ou contingência espaço-temporal.
1. Contexto social:
- Realidade social “tal qual é”;
- Tempo cronológico como o conhecemos: “isso ocorre às 9:40 da manhã!”
- Espaço das leis, normas e valores
- É a matriz social. Corresponde ao átomo social de alguém: pai; mãe, irmãos,
colegas de faculdade; vizinhos... “Estou em São Paulo, moro na rua tal... “
2. Contexto grupal:
- É a realidade de um grupo tal como é;
- Tempo cronológico é definido em um espaço (“setting”): “toda 2ª. feira pela
manhã nos reunimos com essas pessoas para realizar um determinado projeto ou tarefa”.
- Corresponde ao enquadre de uma sessão, por exemplo: situações definidas e
objetivos específicos: “uma miniatura da família, da sociedade, dos grupos sociais...”, diz
Moreno.
- Estrutura desvinculada de modelos controladores, coercitivos e destrutivos (na
verdade, os costumes, normas e leis são aqueles definidos para aquele grupo ou relação
terapêutica).
9
- O contexto grupal é constituído pelo psicodramatista, protagonista, membros do
grupo e egos-auxiliares (quando houver)
- Estudado pela sociodinâmica e pela sociometria: nova matriz de identidade.
- Espaço do co-inconsciente.
- Aqui o compromisso é total: existem conseqüências mas com maior liberdade,
tolerância e compreensão (do que no contexto social).
- A partir do aquecimento específico e das escolhas sociométricas dos integrantes
o grupo, é neste contexto que surge o protagonista.
3. Contexto dramático:
- É a realidade dramática no “como se” do imaginário, da fantasia.
- O tempo é fenomenológico, virtual... o campo é relaxado, devido ao
aquecimento experimentado.
- O espaço é aberto, delimitado, “protegido”; espaço da espontaneidade, da
criatividade, do “homem cósmico”.
- Criam-se e recriam-se papéis.
- Trabalha-se a um só tempo o passado, presente e futuro.
- No “como se” o protagonista tem uma idade, sexo, aparência, roupa, maneira de
se comportar, voz, gestos definidos, definidos pelo protagonista...
1. Cenário:
- espaço multidimensional e móvel onde ocorre a ação dramática, projetado de
acordo com as necessidades terapêuticas.
- Pode ser um tablado, um tapete, um espaço delimitado por giz, o espaço central
da sala... Ou uma praça, a sala de estar de uma casa, uma sala de reuniões da
empresa...
- A decoração do ambiente é constituída antes por convenções estabelecidas
entre o diretor e o protagonista do que por um arsenal de objetos materiais “fiéis” à
realidade social. Pode haver luzes, música, recursos cênicos do teatro, como máscaras,
panos, roupas... Uma almofada pode representar a mesa da sala de jantar; um lenço
pode ser uma pintura situada na parede e...
- Visa criar um clima afetivo para as cenas. A ação se dá num lugar, num tempo e
entre sujeitos que têm um corpo total e maneiras de agir em conjunto.
- Constitui o campo da ação dramática. Diz Moreno (1974: 107):
É uma ampliação da vida, além da vida real. Realidade e fantasia não
estão em contradição, mas ambas são funções dentro de uma esfera
mais vasta, o mundo psicodramático de objetos, pessoas e
acontecimentos. Aqui o pai de Hamlet é exatamente tão real e tem tanto
direito a existir quanto o próprio Hamlet. Ilusões e alucinações ganham
forma através da corporificação no cenário e são colocadas em igualdade
de condições com percepções normais... permitem descontração,
movimento e plasticidade à ação.
2. Protagonista:
- Surge no contexto grupal, a partir das escolhas sociométricas feitas pelos
integrantes do grupo no decorrer do aquecimento.
10
- Etimologicamente, é o principal, o que “primeiro combate” (= em grego, agon
significa combate); aquele membro do grupo que emerge para a ação dramática,
simbolizando os sentimentos comuns que permeiam o grupo, recebendo por parte dele o
consentimento, o compromisso afetivo para representá-lo, a partir de escolhas
sociométricas.
- É o autor e ator do Drama, aquele em quem a “zona de problemas” (cenas
temáticas) for a mais intensa, aquele cuja cena “latejar” e ressoar mais naquela sessão.
Diz Moreno (1974: 107):
4. Ego-auxiliar:
- “Cada pessoa é um auxiliar terapêutico para o outro. Um grupo é um agente
terapêutico para outros grupos” (MORENO, 1974: 31)
- É um terapeuta auxiliar que interage em cena com o protagonista.
- É um “prolongamento” do ego do paciente; também um “prolongamento” do
Diretor ou Terapeuta.
- O ego-auxiliar desempenha três funções:
- a) ator: é um co-ator, representa papéis, estando pois habituado a utilizar seus
iniciadores (físicos, verbais, mentais) e a colaborar na manutenção do aquecimento
específico.
- b) auxiliar do protagonista: facilita o compromisso dramático do protagonista na
medida em que participa diretamente do trabalho no cenário. Ajuda a criar o clima e
intensidade afetiva requerida para a cena, para aquele papel, etc.
11
- c) observador social: observa as inter-relações da microssociedade reproduzida
em cena (observador participante). Diz Moreno (1983: 212):
5. Público,auditório, platéia:
- Conjunto de participantes da sessão psicodramática (se se tratar de um grupo)
- É a caixa de ressonância, o protagonista coletivo. Assemelha-se ao coro que
aparece nas tragédias gregas. Diz Moreno (1975: 19):
2. Dramatização:
12
- É o núcleo da ação dramática.
- O protagonista começa a representar no contexto dramático as “figuras” de seu
mundo interno, presentificando seu conflito no cenário (é o passado no presente).
- O ego-auxiliar ajuda o protagonista a perceber vários aspectos dos elementos
presentes na ação dramática. Daí a importância da proximidade física e, sobretudo, do
compromisso afetivo do ego-auxiliar.
- Termina com a elucidação, encaminhamento ou resolução do conflito trazido.
3. Compartilhamento:
- Fase em que existe participação terapêutica do grupo: momento da “catarse do
grupo”: “me identifico com você em tais e tais aspectos!”. “Minha vida é muito parecida
com a sua”... Existe uma responsabilização conjunta.
- Cada participante expressa aquilo que o tocou, mobilizou, com quais aspectos
ele se identifica com o protagonista, sentimentos nele despertados.
- É como se fosse uma “caixa de ressonância” afetiva, um compartilhamento,
“dividir” com o protagonista as lutas, tristezas, perspectivas, fatos, acontecimentos...
- Não deve se confundir com um momento em que se diz o que o protagonista
deveria fazer, “seria melhor....”, “se fosse...” (como quem fica na arquibancada assistindo,
“voyeur exibicionista”, sem se comprometer afetivamente...).
LEMBRETE:
A seguir, algumas das muitas idéias que Moreno criou, desenvolveu ou enfatizou
(apud GERSHONI, Jacob. Psicodrama no século 21: Aplicações clínicas e educacionais. São
Paulo: Summus, 2008):
13
10. O trabalho psicodramático é essencialmente trabalho de grupo: o indivíduo não pode
ser compreendido sem que se leve em conta seu átomo social.
11. A alegria, a criatividade e o riso são vitais para a existência humana e, como tal,
devem integrar as diferentes práticas psicodramáticas.
ALMEIDA, Wilson C. de (org). Grupos: a proposta do psicodama. São Paulo: Agora, 1999.
CUKIER, Rosa. Psicodrama bipessoal – sua técnica, seu terapeuta e seu paciente. São
Paulo: Ágora, 1992.
DURIC, Zoran; Velijkovic, Jasna; Tomic, Miomir. Psicodrama em HQ: iniciação à teoria e à
técnica. São Paulo: Daimon, 2005.
14
FONSECA Fº, José de S. Psicoterapia da relação. São Paulo: Ágora, 2000.
MORENO, Jacob Levy. Psicoterapia de grupo e psicodrama. São Paulo: Mestre Jou,
1974.
______. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1975.
15