Resenha Do Filme Desmundo

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Resenha do Filme Desmundo

“Já que escrevi a Vossa Alteza a falta que nesta terra há de mulheres,
com quem os homens se casem e vivam em serviço de Nosso Senhor,
apartados dos pecados, em que agora vivem, mande Vossa Alteza muitas
órfãs. E se não houver muitas, venham de mistura delas e quaisquer, porque
são desejadas as mulheres brancas cá, que quaisquer farão cá muito bem à
terra, e elas se ganharão, e os homens de cá apartar-se-ão do pecado”.
(NÓBREGA, 1988, p. 133)
Com esse fragmento da carta do padre Manoel da Nóbrega ao rei D.
João, em 1552 temos o início do Filme Desmundo, homônimo do livro de Ana
Miranda (1996).
Tanto o livro como o filme narram a história das órfãs portuguesas que,
em 1570, foram enviadas ao Brasil para se casarem com os colonizadores.
Sob o apoio da Igreja, o Estado português pretendia que os colonos tivessem
casamentos “brancos e cristãos” reduzindo, assim, o nascimento de crianças
mestiças oriundas das relações com índias e negras.

A personagem Oribela (Simone Spoladore), de 16 anos, é uma das órfãs


portuguesa enviadas ao Brasil para o casamento forçado. Obrigada a casar
com Francisco de Albuquerque (Osmar Prado), é levada para seu engenho de
açúcar onde é violentada pelo marido. Tenta fugir, embarcar para um navio e
voltar a Portugal, mas é recapturada por Francisco que a acorrenta em um
pequeno galpão. Ali ela só conta com a ajuda de uma índia que lhe leva
comida e aplica plantas medicinais em seus ferimentos.
Quando ela sai de seu cativeiro, continua determinada em fugir, até que
numa noite, ela se disfarça de homem e segue para a vila, pedindo ajuda a
Ximeno Dias (Caco Ciocler), um cristão-novo que morava na região. Mantêm-
se escondida no estabelecimento do cristão-novo até ser descoberta pelo
marido.
Novamente capturada, Oribela retorna à casa de Francisco. Passado
algum tempo, Oribela dá à luz a uma criança, deixando-se em dúvida quem
seria seu pai.
O drama vivido pela personagem faz compreender o título do filme: a
colônia, longe de ser o paraíso imaginado pelos primeiros colonizadores e nem
mesmo uma reprodução do Reino, transformou-se num “desmundo”, isto é, um
“não-mundo”, termo aportuguesado do latim.

A mulher no Brasil colonial

No filme “Desmundo”, além de Oribela, dona Branca (Berta Zemel), dona


Brites (Beatriz Segall) e outras personagens femininas traduzem a condição da
mulher no Brasil colonial..
Segundo os costumes da época, quando uma jovem perdia o pai, ficava
sob a tutela do Estado português que se tornava responsável pelo seu futuro.
Enviar órfãs para desposar colonos era uma prática comum e foi adotada em
outras colônias, como, por exemplo, em Goa, na Índia, como forma de
preservar a “pureza” da elite branca de origem portuguesa.
A mulher vivia, então, submetida às leis do Estado e da Igreja sob o
fundamento de que o homem era superior e, portanto, cabia a ele exercer a
autoridade. A mulher devia submissão total ao homem seja ele o pai, o marido,
o irmão ou um tio. Sua educação era voltada exclusivamente para os afazeres
domésticos. Aprendia a cozinhar, fiar, tecer, bordar. O aprendizado da leitura e
da escrita, quando ocorria, limitava-se ao mínimo restringindo-se ao
funcionamento do futuro lar: ler, escrever, contar para redigir uma receita, um
bilhete, uma lista de produtos etc.
Casava-se menina ainda, com 12 anos completos ou até mais cedo. O
matrimônio era decidido pelo pai e este ficava muito apreensivo quando a
menina de 14 ou 15 anos ainda não se casara, ou pior, se sequer conseguira
marido para ela. O noivo era, em geral, um homem bem mais velho, de trinta,
sessenta até setenta anos. O ato sexual não se destinava ao prazer
(especialmente para a mulher), mas à procriação de filhos. A relação sexual
era marcada pela violência, quase um estupro, como bem mostra o filme.
O filme insinua uma relação incestuosa entre mãe e filho, pelos diálogos
entre dona Branca e Francisco de Albuquerque e pela presença da menina
excepcional sem que haja referência ao seu pai. Pode-se supor que a criança
fosse filha de Francisco de Albuquerque, gerada de uma relação com a própria
mãe.

Sociedade colonial

Chamados de “brasis”, os índios são escravizados pelos colonos. Os


jesuítas reclamam da falta de batismo dos nativos. Em suas visitas frequentes
à casa de Francisco, o padre acusa que, na fazenda dele, existem mais de dez
brasis sem receber catequese. Ao final, o padre leva alguns meninos índios
para torná-los cristãos, deixando-se no ar a suspeita de que, na verdade,
pretendia usá-los como mãos de obra escrava. Dona Branca (Berta Zemel) em
Desmundo.
O cristão-novo, judeu convertido ao catolicismo, é um elemento dúbio no
filme. Apesar de sua presença necessária, é visto com desconfiança pelos
demais colonos e, às vezes, até com repulsa.
O filme “Desmundo” faz uma reconstituição rigorosa do Brasil do século
XVI no vestuário, mobiliário, costumes e inclusive na língua. Alain Fresnot
manteve o plurilinguismo do romance de Ana Miranda. Inteiramente falado em
galego-português, a forma arcaica da língua portuguesa, que todo elenco teve
que aprender. O filme traz legendas em português contemporâneo para facilitar
a compreensão do público. Para essa tarefa, o diretor contou com o auxílio e a
supervisão de Helder Ferreira e Heitor Megale, renomados escritores e
professores de Linguística da USP.
Interessante observar que as falas em tupi, dos indígenas, e em nagô,
dos escravos não tem tradução.
Talvez Fresnot desejou manter a plateia com a mesma sensação de
estupefação de Oribela diante do desconhecido universo linguístico do Brasil
da época. Isso permite ao espectador imaginar a pluralidade de linguagens
existente na colônia e a dificuldade de comunicação entre os diversos grupos
sociais.

Explorando os temas abordados pelo filme Desmundo


O filme “Desmundo” é um rico recurso pedagógico que permite trabalhar
temas específicos e polêmicos da História Colonial brasileira, bem como em
uma abordagem interdisciplinar, já que envolve outros temas que poderão ser
trabalhados em outras disciplinas.

Entre os temas que podem ser extraídos do filme “Desmundo” estão:


A religiosidade no Brasil colonial.
A situação da mulher na sociedade portuguesa do séc. XV.
O conceito de matrimônio.
O cotidiano no Brasil colonial: costumes, habitações, condições de
higiene.
Conflitos entre a Igreja e os colonos na questão indígena. Relações
comerciais na colônia.
Relações sociais na colônia: colonos, índios, padres, cristãos-novos.
A família patriarcal.

Sugestão de questões
Situe a época e o local em que se passa a história narrada no filme.
Descreva os principais cenários do filme: a vila, o engenho de Francisco
de Albuquerque e a Mata Atlântica.
Quais são as línguas faladas no filme?
Como os indígenas eram chamados pelos colonizadores?
Como o padre caracteriza o índio em seu discurso durante o
casamento?
Como ocorria a catequização dos indígenas?
Por que Ximeno Dias é visto com desconfiança e inferioridade por
Francisco Albuquerque? Por que ele tem que esconder suas crenças?
Que elementos do filme expressam o patriarcalismo da sociedade
colonial brasileira?
Como a mulher é retratada no filme?
O filme mostra uma sociedade marcada pela subordinação e violência
em todas as relações sociais. Cite três exemplos de subordinação e violência.
[Entre maridos/homens e esposas/mulheres; entre senhores e escravos; entre
católicos e cristãos-novos.]
A palavra “desmundo” não existe na língua portuguesa. No entanto, ela
faz sentido do ponto de vista da personagem Oribela. Por que?
REFERÊNCIAS

DESMUNDO. Direção de Alain Fresnot. Brasil, 2003, 100 min.

NÓBREGA, Manoel da. (1517-1570). Cartas do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia,


São Paulo: Edusp, 1988.

“Desmundo”, de Alain Fresnot, entrevista com a profª. Drª. Márcia Eckert


Miranda, Revista do Instituto Humanitas Unisinos, edição 216, 23 abr 2007.

FONTES, Mariana Cunha; FEITOZA, Tatiana Aparecida. “Desmundo” uma


análise da América por trás do filme. Revista IHGP, v. 7, n.2, 2020.

ZORZO, Solange Salete Toccolini. A voz ex-cêntrica da personagem Oribela


em “Desmundo”. Revista Policromias, dez 2017, p. 111-122.

ZORZO, Solange Salete Toccolini. “Desmundo”: as relações dialógicas entre o


romance de Ana Miranda e o filme de Alain Fresnot.

NEVES, Fátima Maria. O filme “Desmundo”, a História e a Educação, a História


e a Educação. ANPUH, XXIV Simpósio Nacional de História, 2007.

GREGIO, Gustavo Batista. Igreja e família: a submissão da mulher no filme


“Desmundo” a submissão da mulher no filme “Desmundo” (Universidade
Estadual de Maringá). VI SIES, Simpósio Internacional em Educação Sexual.

GREGIO, Gustavo Batista; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. A


construção histórica do gênero feminino na narrativa fílmica de ‘Desmundo”.
História Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 21, n.2, mai/jun 2021, p. 67-
86.

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https://ensinarhistoria.com.br/desmundo-o-brasil-do-sec-xvi/ - Blog: Ensinar
História - Joelza Ester Domingues

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