Monumentos Pátrios
Monumentos Pátrios
Monumentos Pátrios
Monumentos Pátrios
(1835-1928)
Porto
1995
Lúcia Maria Cardoso Rosas
Monumentos Pátrios
A arquitectura religiosa medieval - património e
restauro
(1835-1928)
Dissertação de doutoramento
em História de Arte
apresentada à Faculdade de
Letras da Universidade do
Porto
Porto
1995
Agradecemos ao Prof. Doutor Artur Nobre de Gusmão e ao Prof. Doutor
Carlos Alberto Ferreira de Almeida por terem aceite a orientação deste
trabalho e todas as oportunas sugestões que nos forneceram.
Introdução 12
a nação 29
e critérios 301
Conclusão 344
Periódicos 398
2
Sumário do segundo volume
Catálogo Analítico
Nota prévia 1*
1. Os edifícios
Castelo da Feira 94
Castelo de Leiria 96
3
101
Cerca fernandina de Lisboa
4
Rates (S. Pedro) 242
Sé de Faro 317
Sé da Guarda 318
Sé de Lisboa 324
Sé de Silves 365
Sé Velha 367
5
Valdreu (S. Salvador)
Arnóia 426
Ermêlo 441
1.A.H.M.O.R
2. A.M.A.P. - Guimarães
3. A.N./T.T.
4. B.M.C.
8
a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro 491
- Manuscritos vários
5. M.O.P. - Porto
9
"Por esta resumida descripção se vê immediatamente que o tempo da Batalha
forma um todo com o seu desenho inteiro, e com tal unidade que lhe não falta
nem sobeja parte alguma para constituir um edifício acabado. Vê-se
igualmente que n'este todo existem todas as partes necessárias para o seu
completamento, mas que não é possível juntar-lhe parte alguma nova sem
alterar a unidade do pensamento que presidiu á primeira construção e ao
primitivo traçado".
10
Siglas
11
Introdução
12
Maio de 1929 é decretada a criação da Direcção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais desenvolvendo a partir de então, um programa de
restauro orientado por critérios que devem ser equacionados em diverso
âmbito cultural.
Dedicamos a primeira parte do volume 1 à definição de conceitos e
valores dos monumentos e dos "estilos" eleitos, à escrita e aos autores que
desenvolveram essas categorias, à importância da divulgação dos monumentos
pela imprensa e pela imagem e às instituições públicas e privadas que tiveram
a seu cargo a conservação e o restauro do património. A segunda parte deste
volume aborda, em primeiro lugar, os restauros dos quais nos chegaram
textos programáticos dos mesmos autores que dirigiram as obras (Mousinho
de Albuquerque, António Augusto Gonçalves, Rosendo Carvalheira e Augusto
Fuschini). Entendemos distinguir estes restauros, porque a planificação e
descrição dos mesmos constituiem dados preciosos para o entendimento dos
critérios adoptados, e porque a rarefação da teoria de restauro em Portugal
lhes confere um valor de excepção. Nesta parte distinguimos igualmente as
obras de retauro/adaptação do convento da Madre de Deus que representa um
curioso exemplo da ambiguidade entre o restauro e a arquitectura revivalista,
disciplinas que assiduamente se aproximam mas que decorrem de muito
diversas formas de representar o passado. Abordamos em seguida um
conjunto de restauros que julgámos dever destacar, ordenando-os numa
sequência cronológica com o objectivo de obter uma mais clara elucidação
sobre os diversos critérios adoptados, preferidos e preteridos.
No volume 2 registamos, em catálogo analítico as obras de restauro
realizadas entre 1835 e 1928. Este catálogo não pertende ser exaustivo, nem o
poderia ser dada a ampla cronologia do trabalho, e a quantidade e dispersão de
fontes manuscritas e impressas na época que nos ocupa. Registamos restauros
realizados por todo o país atendendo aos que nos pareceram mais
significativos, não somente pelas obras que receberam, mas pela importância
patrimonial que lhes foi atribuída.
13
monumentos, principalmente a que é ilustrada e a pesquisa de imagens de
arquitectura, como plantas, alçados e fotografias formaram um corpo nuclear
da investigação.
Nas Bibliotecas Nacional de Paris e do Museu d'Orsay consultámos a
bibliografia mais actualizada de origem francesa, inglesa, espanhola e italiana.
A Biblioteca Pública Municipal do Porto, a Biblioteca Nacional de Lisboa
e a Biblioteca Geral da Univesidade de Coimbra forneceram-nos a maior parte
das fontes e bibliografia correspondentes à época inquirida. Tentámos
preencher lacunas compulsando as espécies das Bibliotecas da Sociedade
Martins Sarmento (Guimarães), da Biblioteca Municipal de Vila do Conde,
Biblioteca Municipal de Penafiel, Biblioteca do Museu Soares do Reis e
Biblioteca Geral da Universidade do Minho.
As fontes manuscritas foram pesquisadas no Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas, Delegação do
Ministério das Obras Públicas do Porto, Biblioteca Municipal de Coimbra,
Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Arquivo Distrital do
Porto e Arquivo Municipal Alfredo Pimenta (Guimarães).
As fontes iconográficas constituidas por desenhos de arquitectura foram
compulsadas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e no Arquivo Histórico
do Ministério das Obras Públicas. Uma vez que a sua indicação só faz sentido
na presença das mesmas, estas fontes são assinaladas apenas no Catálogo
Analítico junto aos edifícios que representam.
14
1. Os Monumentos: conceitos e valores
1
França, Itália, Espanha, Inglaterra e Alemanha são países onde este fenómeno cultural se
formula, com particular pertinência no século XIX, relacionando-se com os temas do restauro e
do património. Sobre este assunto veja-se, entre outros, a obra actualizada de Choay,
Françoise, L'Allégorie du Patrimoine, Paris, Seuil, 1992.
2
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, v.l, Venda Nova, Bertrand, 3a
edição, p. 126.
15
litográficas particulares3, permitindo a utilização desse sistema de reprodução
gráfica na imprensa, de forma ainda incipiente mas cada vez mais sistemática.
Já no final de setecentos alguns artistas portugueses encontraram em
Londres um centro especializado na produção da gravura4, mas não há dúvida
que a sua utilização nos periódicos só foi significativa depois de 1834.
Entre 1816 e 1817, no entanto, surgia a primeira revista publicada em
Portugal que dedicava algumas das suas páginas à descrição de monumentos,
incluindo as respectivas gravuras desenhadas por Pedro Alexandre Cravoé
(1776-1844), poeta, marceneiro e arquitecto auto-didacta, director e redactor
da revista que intitulou "Jornal de Bellas-Artes ou Mnémosine Lusitana"5.
Se é certo que a imprensa literária dedicou, sobretudo até meados do
século, pouca importância às artes plásticas contemporâneas6 o mesmo não
pode dizer-se em relação à arquitectura do passado, por muito incipiente que
fosse a cultura artística dos autores dos textos. A sua divulgação deve incluir-
se no fenómeno mais vasto do jornalismo da época e nas intenções dos seus
mentores, que esperavam alargar a instrução ao maior número possível de
leitores, exercendo uma função pedagógica e civilizadora indispensável para o
progresso do país, tão carenciado nessa matéria7.
16
É curioso referir que dois meses depois aquele jornal publica um artigo
sobre o modo de conservar as pedras nos edifícios "e de lhes tirar a côr negra
que adquire a pedra com o tempo", revelando as experiências do químico
francês Chevalier em monumentos antigos. Utilizando ácidos Chevalier
propunha um método de limpeza mais económico, mais expedito e menos
destrutivo do que a habitual picagem da pedra 10 . Este tipo de conhecimentos
práticos vai entrando em Portugal ao mesmo tempo que começava a fazer-se a
divulgação iconográfica dos monumentos do passado medieval e também a
propiciar o seu culto.
No ano seguinte (1836) o "Jornal Encyclopedico" edita o seu primeiro
número publicando no rosto uma gravura da fachada ocidental da igreja do
mosteiro da Batalha assinada por Manuel Maria Bordalo Pinheiro e
acompanhada do respectivo texto descritivo", iniciando nesta época, na
imprensa portuguesa a consagração de um dos edifícios mais emblemáticos do
romantismo português.
Foi contudo nas páginas do "O Panorama", revista semanal patrocinada
pela Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, que no seu primeiro
número em 1837 surgiu um elogio explicito da arquitectura gótica e o
primeiro protesto contra o descuido a que o governo e os municípios votavam
os monumentos portugueses. O artigo intitulado "A Arquitectura Gótica.
Igreja do Carmo em Lisboa" era acompanhado da respectiva gravura que
figurava o cenário arruinado da igreja do convento. 12 Escrito por Alexandre
Herculano, à época o redactor princial da revista, nele se definem alguns dos
tópicos fundamentais da consagração do monumento histórico em Portugal, da
valorização dos edifícios góticos, apesar da imprecisão cronológica e artística
sobre o estilo, e da exaltação da época correspondente. Herculano não deixa de
referir "o riquíssimo mosteiro da Batalha, que é a admiração de todos os
entrangeiros que o examinam", aspirando à sua reparação, à semelhança do
que, exemplarmente, uma escola de arquitectos e escultores realizava na
catedral de Estrasburgo 13 .
10
"O Recreio, Jornal das Famílias" (...), n° 5, Maio, 1835, p.130-131. O artigo é traduzido
do periódico espanhol "El propagador de conocimientos utiles".
11
Edifício da Batalha, "Jornal Encyclopedico", Lisboa, v. 1, n° 1, Nov., 1836, rosto (gavura)
e p. 1-4.
O texto reproduz fragmentos da obra de S. Luis, Frei Francisco de, Memoria histórica sobre as
obras do real mosteiro de Santa Maria da Victoria vulgarmente chamado da Batalha , 1827.
Sobre a gravura assinada: Bordallo, veja-se a iconografia do mosteiro da Batalha no v. 2 deste
trabalho.
12
[Herculano, Alexandre], s./a., A Arquitectura Gothica. Igreja do Carmo em Lisboa,
"Panorama", Lisboa, n° 1,6, Maio, 1837, p. 2-4.
13
Idem, ibidem, p.1-2.
17
Se examinarmos a imprensa desde o principio do século e as raras obras
escritas sobre os monumentos portugueses, não duvidamos em considerar que
este texto de Herculano marca o início de uma reflexão sobre os monumentos
e o património, que será continuada nos anos seguintes pelo mesmo autor e
por outros.
É verdade que já anteriormante - sobretudo desde a extinção das ordens
religiosas em 28 de Maio de 183414 - a questão vinha sendo levantada,
nomeadamente por Luis Mousinho da Silva de Albuquerque, no quadro do
Ministério do Reino, que logo em 1836 convida a Academia das Ciências a
inventariar os edifícios "notáveis pela época da sua fundação, factos históricos
com que tem intima relação, monumentos fúnebres ou relíquias d'homens
celebres que encerrão, ou finalmente pela sua architectura (...)"15, intenção a
que não correspondeu nenhum arrolamento efectivo, mas que por si só e pelo
texto citado é indiciadora do conceito sobre monumentos e a importância de os
conservar. No mesmo ano D. Fernando II depois de visitar o mosteiro da
Batalha adverte o governo da urgência das obras que serão orçamentadas dois
anos depois16.
O tema dos monumentos andava necessariamente no ar e é nesse contexto
que surgem os artigos de Herculano. A sua divulgação através de um periódico
tão prestigiado e lido confere ao assunto uma relevância que deve ser
sublinhada. "O Panorama" tinha uma tiragem de 5000 exemplares e contava
com assinantes em todo o país. O público a que se destinava este periódico e os
seus similares era muito heterogéneo, mas a intenção declarada dos redactores
era instruir as classes laboriosas em "missão civilizadora"17 num entusiasmo
impulsionado pela ideia da felicidade pela instrução.
O "Panorama" introduz nas suas páginas artigos traduzidos de publicações
estrangeiras congéneres como o "Magasin Pittoresque" ou o "Museé des
Familles", assim como as gravuras aí publicadas18 contribuindo para a
divulgação da iconografia de uma considerável quantidade de catedrais e
castelos espanhóis, franceses, alemães, ingleses e de exóticas construções dos
14
Collecçãode Decretos e Regulamentos mandados publicar por sua Magestade Imperial,
Regente do Reino, Lisboa Imprensa Nacional, 1835, p. 189.
15
"Diário do Governo", Lisboa, n° 51, 1836. Veja-se o que escrevemos neste v. sobre Luís da
Silva Mousinho de Albuquerque e o restauro do mosteiro da Batalha.
16
Cfr. Coelho, F. J. Pinto, Contemporâneos ilustre - D. Fernando II de Portugal, Lisboa,
1878, p. 42. e Pinheiro, Magda, Luis Mousinho de Albuquerque. Um Intelectual na
Revolução, Fundação Maria Manuela e Vasco d'Albuquerque D'Orey, Quetzal Editores,
Lisboa, 1992, p. 180.
17
Santos, Maria de Lourdes Costa Lima dos, O. c, p. 167-168.
18
Idem, ibidem, p. 168.
18
países de cultura árabe19. A utilização de gravuras estrangeiras era feita não
por vontade própria mas pela ausência de uma quantidade suficiente de
gravura portuguesa, cuja produção estava ainda muito aquém das
necessidades20.
19
Cfr. a publicação desta iconografia nas 5 séries da revista publicadas entre 1837 e 1868
20
Santos, Maria de Lourdes Costa Lima dos, O.c, p. 168.
21
"O Archivo Popular. Semanário Pintoresco" Lisboa, v. 1, n° 26, 23, Set.,1837, p.197-199.
22
"O Ramalhete. Jornal d'instruçao e recreio", Lisboa, 2o ano, 18, Abr., 1839, p, 113.
23
Sobre este assunto consultem-se, entre outros: Riegl, Aloïs, El culto moderno a los
monumentos. Caracteres y origen, Madrid, Visor, 1987, (edição original em língua alemã de
1903) ; Le Goff, Jacques, Documento/Monumento, in "Enciclopédia Einaudi, Memória-
História, v.l, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, p. 95-106; Les monuments
historiques demain, Actes du Colloque de la Direction du Patrimoine, Paris, Ministère de la
Culture et de la Communication, 1987, (o colóquio foi realizado em 1984); Chastel, André, Le
patrimoine in Pierre Nora (direction de), "Les lieux de la mémoire. La Nation **", Paris,
Gallimard, 1986, p. 405-450; Choay, Françoise, L'Allégorie du Patrimoine, Paris, Seuil,
1992; Leniaud, Jean-Michel, L'Utopie Française. Essai sur le Patrimoine, Paris, Mengès,
1992; Almeida, Carlos Alberto Ferreira de, Património - Riegl e Hoje, sep. da "Revista da
Faculdade de Letras", "História", 2a série, v. 10, Porto, 1993,p. 407-416.
24
Embora nesta parte do presente capítulo tratemos unicamente da Ia metade do século XIX,
os dicionários utilizados como fontes para este assunto abrangerão as datas de 1789 a 1910,
19
Em 1789 na Ia edição do Dicionário (...) de Morais o significado de
monumento é o seguinte: "obra, edificio erigido à memória de alguém ou de
algum sucesso para a conservar em o futuro, mausoleo ou sepultura nobre. As
escrituras, que conservão a memoria dos factos"25. Na 4a edição de 1831 o
significado primeiro continua a manter-se, mas é-lhe acrescentado o sentido de
"produções da antiga natureza, tiradas da terra, dentes, ossos, etc."26. Começa
a associar-se a ideia de monumentos a objectos antigos de vaga concepção
arqueológica que só veremos retomar e desenvolver em 1868 no dicionário de
Correia Lacerda: "(Lat. monumentum, de moneo, ere, admoestar, annunciar)
edificio, estatua ou outra obra erigida em memoria de pessoa ou de sucesso
notável: - s. da natureza, produções que attestam o que o globo foi em outros
tempos; v.g. ossos fosseis, petrificações. Monumento, diz-se igualmente de
toda a produção do engenho ou da arte que passa á posteridade"27.
O conceito de monumento torna-se mais vasto, abrangendo os objectos
remanescentes do passado que asseguram a muita antiguidade da civilização,
mas só em 1881 vemos consagrado explicitamente, no dicionário de Caldas
Aulete, o conceito de monumento também como "Edificio grandioso, digno de
admiração pela sua estructura ou pela sua antiguidade (...). pi. documentos,
fragmentos de obras cientificas, litterarias, legislativas ou artísticas da
antiguidade pela quais se estuda a historia dos séculos passados. O respeito dos
venerandos monumentos dos nossos avós, renascendo, poderá acudir ainda a
tempo com mão protectora"28.
Com a valorização do monumento antigo (histórico) enlaçam-se a
valorização da própria arquitectura, sendo ela grandiosa, e o conceito de
património no sentido em que o presente tem por obrigação respeitar os
monumentos legados pelo passado, ou melhor, pelos avós. Os monumentos
porque nos parece que estar a dividir a nomeação dos termos em duas partes - Ia e 2a metades
do século - tornaria o texto mais repetitivo e menos elucidativo. Como a evolução da fixação da
língua nos dicionários é muito lenta, separar as duas partes do século resultaria na falta de
clareza da exposição.
Não indicamos exemplares posteriores a 1910, porque no período que estudamos (1837-
1929), não encontramos alterações depois daquela data. Recuamos à data de 1789 por se tratar
da Ia edição do mais prestigiado Dicionário português e para melhor podermos avaliar as
alterações ocorridas entre os dois séculos.
Seguiremos o mesmo critério quando nos referirmos aos "estilos".
25
Silva, Antonio de Moraes e, S./v. Monumento in "Diccionario da Lingua Portugueza
composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado e acrescentado ", Lisboa, Ia edição, 1789.
26
Idem, S./v. Monumento in "Diccionario da Lingua Portugueza recopilado de todos os
impressos até ao presente", Lisboa, 4a edição, 1831.
27
Lacerda, D. José Maria d'Almeida e Araújo Corrêa, S./v. Monumento in "Diccionario da
Lingua Portugueza ", Lisboa, 3a edição, 1868.
28
Aulete, Caldas, S./v. Monumento in "Diccionario Contemporâneo da Lingua Portugueza",
Lisboa, Imprensa Nacional, 1881,
20
surgem aqui incluídos na asserção coeva de património, noção jurídica que
corresponde aos bens herdados pelos antepassados.
A partir de 188429 e depois repetidamente em 189830 e 191031
encontramos, junto à definição de monumento como obra em honra de alguém
ou feita para memória de alguma acção ou acontecimento notável - definição
mais frequente -, os significados de recordação e lembrança.
Supomos que a evolução semântica da palavra monumento entre as datas
que referimos, registada nos dicionários é apenas um indicador dessa evolução
que normalmente é fixada nos registos da língua de forma extremamente lenta,
e por isso desajustada no tempo relativamente ao processo teorético que lhe
introduz alterações. Se consultarmos um dicionário elaborado actualmente as
distinções entre a definição de monumento, e as que encontramos há mais de
um século atrás são muito ténues, mas se consultarmos literatura especializada,
os meios de informação ou as classificações da Unesco para sabermos o que é
um monumento, ficamos informados que é um edifício antigo ou importante,
um grupo escultórico, um conjunto urbano notável, uma gravura rupestre,
uma alfaia agrícola, ou algum aspecto mais grandioso da natureza, ou tudo
isso, conforme a fonte inquirida, ilustrando a vastidão do conceito, muito
distinta daquela que os limites de um dicionário da língua podem congregar.
29
S./v. Monumento in "Diccionario da lingua portugueza, etymologico prosodico e
ortographico", Lisboa, David Corazzie, 1884.
30
Almeida, Francisco de e Brunswick, Henrique, S./v. Monumento in "Diccionario illustrado
da lingua portugeza ", Lisboa, 1898.
31
Brunswick, Henrique,S./v. Monumento in "Novo Diccionario illustrado da lingua
Portugueza", Lisboa, 2a edição, 1910.
32
Cfr. França, José-Augusto, A Arte Medieval Portuguesa na visão de Herculano, sep. de
"Alexandre Herculano à luz do nosso tempo", Lisboa, Academia Portuguesa de História,
1977.
21
reflectida no mármore do pavimento através dos vidros corados das frestas
esguias (...) as torres erguidas dos campanários, cujos cimos pyramidaes
pareciam apontar parao ceo - as columnas delgadas e subindo a prodigiosa
altura, semelhantes ao pensamento que se ergue até ao throno do Senhor - tudo
isso desapareceu" 33 . Este cenário gótico ideal estava a ser destruído e
ameaçado pelo reaproveitamento dos edíficios para aquartelamento de
soldados, armazéns e outras finalidades "onde nem uma pedra falia do passado,
onde nada respira uma ideia religiosa"34.
Contrastanto com o desleixo português de governos e clero, Herculano
chama a atenção para a Inglaterra e para França onde seriamente se tratava de
conservar os edifícios "que são como a história da grandeza e do paiz, e que
talvez em breve serão modelos para os artífices, quando de todo acabar o
preconceito de que em artes só o grego e o romano é bello; quando se
persuadirem que os hábitos, as opiniões, e as crenças de uma nação devem
estar em harmonia com os monumentos35".
0 autor elogia ainda o trabalho de restauro que arquitectos e escultores
realizavam na catedral de Estrasburgo, seguindo o sistema gótico36.
33
A Arquitectura Gothica. Igreja do Carmo em Lisboa (...), p. 2.
34
Ibidem, p. 2
35
Ibidem, p.2
36
O restauro desta catedral foi muito apreciado por alguns dos autores franceses que debatiam
a questão na década de 30, como Montalembert cujos artigos constituíram, sem dúvida, fonte
de inspiração para os textos que Herculano escreveu sobre nonumentos, como veremos. Cfr. o
texto em que aquele autor francês elogia o restauro da catedral de Estrasburgo: Montalembert,
M. Le Comte de, Du Vandalisme en France. Lettre a M. Victor Hugo in "Oeuvres, Mélanges
d'Art et de Littérature", Paris, 1861, p.73.
Publicado originalmente na "Revue des Deux Mondes", Paris, 1 de Março, 1833.
Sobre o restauro da Catedral de Estrasburgo e a sua importância no desenvolvimento da
disciplina veja-se: Grodecki, Louis, Le "néo-gothique" et le "neo-roman " a la Cathédrale de
Strasboug de 1770 a 1970" in "Le Moyen âge Retrouvé", Paris, v.2, Flammarion, 1991, p.
365-372. Este estudo foi publicado originalmente em "Actes du XXIIe. Congrès International
d'histoire de l'art", Budapeste, 1969, 1972.
22
4 - apela à conservação dos edifícios porque as "pedras falam", são
testemunhas e herança do passado;
5 - a conservação do passado também se justifica em nome da instrução.
37
Os textos intituladosOs Monumentos, Os Monumentos II, Mais um brado a favor dos
Monumentos I e Mais um brado a favor dos Monumentos II, foram publicados em "O
Panorama", Lisboa, respectivamente nos n°s 69 de 25 Ago. de 1838, 266-268, 70 de 1 Set.
de 1838, p. 275-277, 93 de 9 Fev. de 1839, p. 43-45, 94 de 16 Fev. de 1839, p. 50-52.
38
Publicados no v. 2 dos "Opúsculos" editados em 1872-1873.
39
Cfr. França, José-Augusto, A Arte Medieval Portuguesa (...); Mourão-Ferreira, David,
Alexandre Herculano e a valorização do património cultural português, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1977; Custódio, Jorge, Salvaguarda do Património - Antecedentes históricos. De
Alexandre Herculano à Carta de Veneza (1837-1964) in "Dar Futuro ao Passado", Lisboa,
S.E.C./I.P.P.A.A.R., 1993, p. 33-71.
40
Santos, Maria de Lourdes Costa Lima dos, O. c, p. 264.
41
Choay, Françoise, O.c, p. 103-104.
42
Montalembert, M. Le Comte de, Du Vandalisme en France. Lettre a M. Victor Hugo (...).
43
Idem, Le Vandalisme en 1838, "Revue des Deux Mondes", Paris, v. 12, 4a s., 1 Out. de
1838, p. 509-531.
23
que é neste último ano que Herculano começa a escrever os seus artigos sobre
os monumentos. Se cotejarmos estes textos com os de Montalembert
apercebemo-nos da sua decisiva influência no pensamento de Herculano e
quanto este se inspirou nos artigos do conde francês e também no de Victor
Hugo (1802-1885).
24
monumentos de seis séculos para fazer um terreiro corresponde a uma
"civilização vandálica".
45
Dirigidas inicialmente por Ludovic Vitet (até 1834) e depois por Prosper Mérimée estas
comissões foram compostas por Montalembert, Victor Hugo, Victor Cousin e o barão Taylor.
Cfr. Choay, Françoise, O.c, p. 112.
46
Periódico cujo fundador e redactor, a quem devem atribuir-se os textos que citamos, foi
Inácio de Vilhena Barbosa.
47
Portugal , IHI Lisboa. Mosteiro de Belém, "Universo Pittoresco. Jornal d'Instruçao e
Recreio", Lisboa, v. 1, n° 4, 1839, p. 50.
25
resuma tão peregrinas memórias? Que livro, em fim, em que esteja estampada
uma época inteira de tão subida ilustração?48
Os mesmos tópicos são repetidos em "O Panorama"49, num ano fértil em
intenções na conservação dos monumentos50. A designação monumentos
nacionais é utilizada. Ali se escreve que os monumentos são a própria história
da nação, dão lições do passado e indicam o presente. "Qual será o bárbaro
que ousará arrazar ou adulterar essas obras? Não o dizemos por causa da
elegância das formas e porque ellas sejam modelos de arte, mas porque são as
paginas do grande livro da vida de um povo"51. No mesmo artigo anónimo dá-
se notícia da licença do governo para o Convento do Carmo de Lisboa ser
destinado a museu, assim como de uma associação a ele adstrita que no
momento formulava os estatutos e se denominaria Conservadora dos
Monumentos Nacionais. A difusão dos artigos de Herculano e o impulso dado
pelo rei D. Fernando II a obras de restauro como a do mosteiro da Batalha
(1840) davam alento pelo menos intencional, já que não voltamos a ter notícia
do museu e da sociedade senão em 1863 quando se institucionaliza a
Associação dos Arquitectos Civis Portugueses.
Os monumentos são valorizados por serem documentos da história como
o entendera Herculano em 1838: "Cada facto histórico tinha uma egreja, uma
casa, um mosteiro, um castello, uma muralha, uma pedra de sepulchre, que
eram os documentos perenes desse facto, e da existência das pessoas que nelle
tinham apparecido"52. Depois de admirar a muralha fernandina de Lisboa e a
rapidez da sua construção afirma: "A esta muralha deve talvez hoje Portugal o
não ser uma província de Hespanha (...). Esta muralha era portanto, um
verdadeiro monumento histórico"53.
J. M. da Silva Leal escreve em 1841 Mais um brado contra os
destruidores dos monumentos, em outro periódico, "O Mosaico", retomando o
tom de protesto presente nos títulos utilizados por Herculano. A causa próxima
deste artigo foi ter corrido a notícia da venda da Custódia de Belém "primícias
do primeiro ouro que nos veiu da Asia, e ningém negará ser um Monumento,
porventura dos mais preciosos que existem em Portugal!, e que nos suscita
48
Portugal , XLV, Lisboa. O claustro do mosteiro de Snta Maria de Belém, "Universo
Pittoresco. (...)", v. 2, n° 18, 1840, p.275-276.
49
S./a., Conservação dos Monumentos Nacionaes, "O Panorama", Lisboa, v. 4, n° 165, 1
Junh., 1840, p. 205.
50
Cfr. na Cronologia deste trabalho uma série de iniciativas sobre no âmbito da conservação
dos monumentos no ano de 1840.
51
$>.l2í.,Conservação dos Monumentos Nacionaes (...), p. 205.
52
Monumentos II, "O Panorama", Lisboa, n° 70, 1 Set. 1838, p. 275.
53
Idem, ibidem, p. 276.
26
n'aima uma serie de recordações honrosas cheias de patriotismo e de
gloria!"54. Contra as destruições vandálicas que recordam os tempos de Átila,
se insurge Silva Leal com veemência semelhante à de Heculano e repetindo os
seus tópicos. Aqui assoma igualmente a ideia negativa do progresso que
desdenha o passado e destrói o que há de mais sagrado nas nações.55
O tom repete-se noutros periódicos da época, que ora registam de forma
indignada as destruições de antigas muralhas para o calcetamanto de novas vias
urbanas, ora noticiam o estado de ruína de igrejas e castelos que
frequentemente ilustram com gravuras. Mas começam também a surgir
algumas notícias de restauros de iniciativa particular.
Em 1842 a "Revista Universal Lisbonense" publica uma sequência de
artigos com o sugestivo título Homenagem ao Antigo e ao Moderno. A cerca
medieval de Lisboa estava a ser destruída e Francisco Caldas Aulete comprou
as ruínas de um palácio que lhe era adjacente, reconstruiu-o, ajardinou o
espaço envolvente e restaurou igualmente parte da muralha, deixando aí
registada em placa comemorativa, a sua obra56.
Situação ideal de encontro entre o presente e o passado, assim a celebra a
revista: "No espirito d'esté homem se conciliaram perfeitamente duas coisas,
que em geral se julgam repugnantes; enquanto com uma das mãos por si só, e
sem se fazer ajudar de architectos estrangeiros consagrava no centro de Lisboa
esta publica homenagem ao gosto e á civilização moderna, com a outra
defendia e segurava alguns restos das memórias antigas depositadas no seu
terreno"57.
Três anos depois noticiava a Restauração de um antigo monumento , a
igreja românica de Abragão (Penafiel)58, de forma elogiosa porquanto "se fez
por conservar na reedificação o mesmo cunho e caracter primitivo do
edifício"5?.
Os exemplos podiam multiplicar-se, mas cremos que estes são suficientes
para demonstrarmos como a terminologia que nomea os monumentos, o
54
Leal, J. M. da Silva, Mais um brado contra os destruidores dos monumentos, "O Mosaico.
Jornal Dlnstrução e Recreio"", Lisboa, v.3, n° 95, 1841, p. 70-71.
Este periódico de objectivos filantrópicos, cujos lucros se destinavam às Casas de Asilo da
infância desvalida, dedica muitas das suas páginas a temas da história e a monumentos, que
fazia acompanhar de gravuras.
55
Idem, ibidem, p. 71.
56
Cfr. o que escrevemos sobre o restauro da muralha no v. 2, deste trabalho: Cerca fernandina
de Lisboa.
57
[Herculano, Alexandre] S./a., Homenagem ao Antigo e ao Moderno, "Revista Universal
Lisbonense", Lisboa, v.2, n° 15, 29 Dez. de 1842, p.183.
58
Cfr. o que escrevemos sobre este restauro no v. 2, deste trabalho: Abrasão (S. Pedro).
59
S./a., Restauração de um antigo monumento, "Revista Universal Lisbonense", Lisboa, v.4,
n° 46, 5 Junho de 1845, p.554-555.
27
património e o restauro, e o respeito pela arquitectura antiga nas obras de
conservação é já, no princípio da década de 40, voz corrente na imprensa
ilustrada e também nos jornais.
60
Herculano, Alexandre, Conhecimentos úteis. A Eschola Polytechnica e o Monumento,
"Revista Universal Lisbonense", Lisboa, v. 2, n° 38, 4a série, p. 470.
61
Idem, ibidem, p.473.
62
Idem, ibidem, p.473.
28
Herculano condena mais uma vez as alterações (perversões) feitas aos
monumentos porque estes, uma vez transformados "conservariam talvez o seu
caracter essencial, o lembrarem o individuo, ou a coisa, mas perderiam as suas
condições de historia social. (...)• Se os monumentos servem também como
diplomas que illustrera a verdadeira historia - a da sociedade - é preciso
respeita-los a todos"63.
Da restrita definição etimológica de monumento - advertir, lembrar - que
acima procuramos seguir na sua evolução semântica, A. Herculano progride
para a definição de monumento histórico ao qual atribui a categoria nuclear de
memória e acrescenta a qualidade de ilustração da história. Capaz de lembrar
o passado o monumento histórico é um documento, uma prova, um detalhe das
gerações precedentes. A sua capacidade de memoração é imensa ultrapassando
o indivíduo ou o facto isolado. Por isso ele é tão valorizado por Herculano,
situando-se o seu pensamento no contexto da sobrevalorização romântica da
História.
Tinha de ser muito poderoso o sortilégio dos monumentos medievais (e
manuelinos) na mente da geração romântica portuguesa apaixonada pela
História e pelo passado glorioso de Portugal, depositário das mais nobres
virtudes guerreiras e da grande ousadia que levou a nação às descobertas. E
sabido que Herculano elege a Idade Média, D. Afonso Henriques e D. João I.
A época dos Descobrimentos é já de decadência mas as suas preferências não
são dominantes e noutros autores vamos encontrar um culto pelo passado e
pelos monumentos, onde igualmente têm lugar o rei D. Manuel e as inúmeras
e apelativas construções marcadas pelo seu longo reinado.
63
Idem, O Monumento e a Eschóla Poliytechnica. Ultima verba, "Revista Universal
Lisbonense", Lisboa, v. 2, n° 43, 4a série, p. 571.
29
matéria foram intelectuais de formação literária e histórica da primeira
geração romântica, como Herculano e Garrett, o primeiro escrevendo em
vertente teorética e mais sistemática e o segundo de forma tacteante em
produções literárias, mas nem por isso de menor repercussão em sectores da
sociedade portuguesa apreciadores do seu dandysmo e cultura requintada64.
Do mosteiro dos Jerónimos fizera Garrett o cenário do seu poema
Camões (1825) contribuindo para a valorização deste monumento no mesmo
ano em que o barão Taylor tirava modelos em gesso das colunas do templo.
Entre os finais de setecentos e o novo século, o conjunto monástico tinha sido
apreciado por Murphy e depois por Byron e já o "Dictionnaire" de D'Aviller
(1775) havia sido encomiástico relativamente à sua arquitectura65.
Mas voltemos a Garrett e ao seu protagonismo na defesa dos
monumentos, uma das vertentes da definição teórica de monumento histórico
e/ou nacional. Na Lírica de João Mínimo publicada em 1829, dá conta da
tremenda desilusão que constituiu uma visita ao mosteiro de S. Dionísio de
Odivelas, fundação do rei D. Dinis, onde o autor pensava ir encontrar "o
solene e magestoso espectáculo do interior de um templo gothico (...). O
interior da egreja é exactamente o tal mixto hermaphrodito de architectura
amphibia e ridicula, de doirados e mármores fingidos, de columnas anómalas
que a nehuma ordem pertencem - ou mais exactamente formam a nova ordem
asnatica, adoptada para a construção de quase todos os novos edifícios de
Portugal, e para a emplastração e degradação de todos os antigos"66. E o
mesmo desagrado contra dourados, pinturas e rebocos que ocultam a singeleza
dos monumentos medievais, expresso por Herculano uns anos depois.
É bem conhecida a indignação de Garrett perante o estado ruinoso dos
monumentos de Santarém, nas Viagens na Minha Terra romance inicialmente
publicado em 1843 na "Revista Universal Lisbonense". Mais do que as ruínas,
o que causa uma impressão altamente negativa no autor são as alterações que
os edifícios sofreram:
"As minas do tempo são tristes, mas bellas, as que as revoluções trazem
ficam marcadas com o cunho solene da historia. Mas as brutas degradações e
64
Sobre este assunto consulte-se: França, José-Auguso, O Romantismo em Portugal, Lisboa,
v.l, Livros Horizonte, p. 239-283.
65
Idem, A Arte em Portugal no século XIX, v.l(...), p. 383.
66
Garrett, Almeida, Lírica de João Mínimo, in "Obras Completas de Almeida Garrett",
(Edição revista coordenada e dirigida por Teophilo Braga) Lisboa, v.l.tomo 2, Empreza da
História de Portugal, 1904, p.18
30
as mais brutas reparações da ignorância, os mesquinhos consertos da arte
parasita, esses profanam, tiram todo o prestigio"67.
A decepção que demonstra perante a Igreja de Santa Maria de Alcáçova é
imensa. Garrett entendia que aquele templo tinha sido quase catedral da
primeira vila do reino e que era um dos mais antigos e históricos templos de
Portugal. Aí se depara com "esse igrejorio insignificante de capuchos,
mesquinha e ridicula massa de alvenaria, sem nenhuma architectura, sem
nenhum gosto, risco, execução e trabalho de um mestre pedreiro de aldeia e
do seu aprendiz! (...).
Nos reparos e reconstruções dos templos antigos é que este péssimo estilo,
esta ausência de todo o estilo, de toda a arte, mais ofende e escandaliza.
Olhem aquela empena clássica posta de remate ao frontispicio todo
Renascença da Conceição Velha, em Lisboa. Vejam a emplastagem de gesso
com que estão mascarados os elegantes feixes de colunas góticas da nossa
Sé"6».
67
Idem,Viagens na Minha Terra in "Obras Completas "Obras Completas de Almeida
Garrett", (Edição revista coordenada e dirigida por Teophilo Braga) Lisboa, v.2, tomo 19,
Empreza da História de Portugal, 1904, p.l 87.
68
Idem, ibidem, p. 183.
69
Nogueira, José Maria António, Algumas horas em Évora, "Jornal do Commercio", Lisboa,
n° 3943, 12/2/1866; Veja-se o que escrevemos sobre ao restauro da igreja no v. 2 deste
trabalho: S. Francisco de Évora.
31
Voltemos às palavras de Garrett. A forma como se refere às ruínas
associa dois aspectos nucleares do pensamento romântico a que a emigração
para Inglaterra em 1823 e os novos gostos aí adquiridos não serão estranhos:
70
Sobre esta questão consulte-se a obra consagrada de Béguin, Albert, L'âme romantique et le
rêve. Essai sur le romantisme allemand et la poésie française, Paris, José Corti, 1939.
71
Veja-se o que escrevemos a propósito destes autores de obras de restauros, assim como a
análise dos respectivos textos.
32
lo no futuro. O valor histórico de um monumento reside exactamente no facto
de ele representar uma etapa determinada na evolução de qualquer campo
criativo da humanidade72.
Os monumentos tranformados produziam inevitavelmente uma
desagradável impressão de "caos histórico" porque perdiam a sua lisibilidade
relativamente ao tempo em que tinham sido construidos. Ao perder essa
referência, a capacidade de identificação de determinados elementos artísticos
ou construtivos que se supunham corresponderem à época da génese do
monumento tornava-se impossível. A nenhum amante da História podia
agradar esta perda de valor documental. Devemos acrescentar que a maior
parte das alterações dos edifícios medievais portugueses foi realizada nos
séculos XVII, XVIII e princípios do XIX e que esta época é muito
desvalorizada pela primeira geração romântica no que diz respeito à história
do país, principalmente a partir do século XVIII, e também à produção
artística, pois considerava-se que a partir daí o gosto se pervertera. Não
podemos esquecer que a decadência de grande parte das ordens religiosas,
depois de meados do século XVIII levou à degradação de um vasto conjunto de
edifícios que se iam reparando da forma mais económica possível, isto é
rebocando e pintando. Seria errado pensar que as invasões napoleónicas e a
extinção das ordens religiosas foram as únicas causas da degradação do
património artístico, que até aí teria chegado incólume. Este argumento será
por vezes utilizado como arma política e como tal enfatizado: a
responsabilidade da perda e estado ruinoso do património é atribuída ao caos
do liberalismo e ao desrespeito pela história gloriosa de Portugal de gente
imoral e sem fé, ou então aos vários governos que se vão sucedendo sem nada
fazeram para alterarem o estado das coisas.
Vejam-se por exemplo os casos do mosteiro da Batalha, Alcobaça, Santa
Cruz de Coimbra, Sé Velha, entre outros, cujo estado de degradação era
acentuado no princípio do século XIX73.
O aspecto das construções da Idade Média nas primeiras décadas de
oitocentos era sem dúvida deplorável. Atestam-no as descrições,
principalmente do interior do edifícios e as gravuras da época, apesar de
muitas vezes apresentarem uma imagem algo idealizada dos monumentos. No
último quartel do século um maior realismo das representações e o
72
Riegl, Alois, O. c, p. 57-66.
73
Cfr. as descrições dos respectivos mosteiros no v. 2 deste trabalho
33
aparecimento da fotografia evidenciam bem a manutenção desse estado
precário em grande parte de mosteiros e castelos 74 .
O hábito de rebocar, pintar e dourar não se prende, como é evidente,
unicamente com factores de ordem económica - no século XIX cremos que
sim - mas com as grandes alterações introduzidas no culto e também no gosto
já patentes nas Visitações do século XVI. As intervenções mais radicais e
monumentalizadas efectuadas depois da Contra-Reforma além das
transformações na arquitectura, preencheram os interiores do templos de
altares de grande monumentalidade, longos cadeirais, órgãos de grandes
dimensões e outro mobiliário litúrgico, e de revestimentos que encobriam,
muitas vezes totalmente, o interior das igrejas, cuja época de fundação, ou
antes cuja ligação a um facto ou personalidade histórica deixava de ser
inteligível 75 .
Esta ausência de lisibilidade era um factor de perda de informação
histórica e um obstáculo ao reencontro com a nação que incluía a perservação
das tradições, das estruturas elementares da sociedade como a família, a aldeia,
ou seja, o património.
O património é um esteio das sociedades, é a sua memória colectiva,
objecto de referência que confere prestígio porque perserva o passado,
assegurando aos grupos sociais a sua continuidade temporal.
74
Veja-se a iconografia dos monumentos no v. 2 deste trabalho.
75
Vejam-se, a título de exemplo, o interior da Sé da Guarda que em 1897 guardava ainda um
coro alto que ocupava um terço da nave principal e também o caso da Sé Velha de Coimbra, no
v. 2 deste trabalho.
76
A valorização dos estilos medievais em Portugal abrange as construções manuelinas.
Precisamente porque o século é nacionalista encontra nestes edifícios uma arte verdadeiramente
portuguesa (veremos que nem sempre).
77
Como veremos noutro local deste trabalho.
34
menos heróicos da nossa história. Muitas pertencem às décadas da dominação
espanhola, outras à degradação dos valores nacionais, outras ainda são
demasiado recentes para poderem conter o que Riegl designou de valor de
antiguidade: as pedras ainda não escureceram, o tempo não deixou as suas
marcas para que as construções possam opôr-se de forma redundante ao
presente, sem se confundirem com as obras modernas, porque nessa oposição
ao presente é que reside o valor de antiguidade78.
Citemos as páginas do "Universo Pittoresco", a propósito da lavagem que
ia ser feita na fachada da igreja da Conceição Velha de Lisboa em 1841:
78
Riegl, Alois, O. c. p. 49.
79
Portugal XXXI. Lisboa. A Igreja da Conceição Velha., "Universo Pittoresco.(...)", v. 2, n°
9, 1841, p. 132.
80
Riegl, Alois, O. c, p. 39.
35
Não encontramos por estes motivos, em Portugal, uma grande diferença
na maior ou menor valorização dos diversos estilos medievais. Estes edifícios
têm todos um valor semelhante - o que é diferente de dizer que todos os que
escrevem sobre arte preferem as mesmas construções - porque todos eles são
coevos, testemunhas ou fundações das mais nobres épocas da nação ou dos seus
mais ilustres heróis, ou seja porque são momumentos históricos antes de serem
objectos artísticos. É por esta razão que encontramos repetidamente ao longo
do século o sentido de uma frase escrita no "Panorama" que transcrevemos
acima e que agora repetimos para tornar mais claro o nosso raciocínio:
"Qual será o bárbaro que ousará arrazar ou adulterar essas obras? Não o
dizemos por causa da elegância das formas e porque ellas sejam modelos de
arte, mas porque são as paginas do grande livro da vida de um povo".
81
Portugal. XXVIII. Coimbra. A Sé Velha, "Universo Pittoresco.(...)", v. 2, n° 2, 1841, p.
17.
36
digno de um acontecimento nacional, por isso D. João I destinou um convento
sumptuoso para perpetuar essa memória82.
Nos dois textos reconhecemos um culto semelhante aos dois monumentos
e, apesar de ambos seres designados como góticos vemos que as qualidades
artísticas elogiadas são completamente díspares, enquanto as qualidades
históricas não. Embora a Batalha seja um monumento intencionado - realizado
para memorar um feito e por isso magnífico - e a Sé Velha não - aqui são as
paredes singelas que espelham o viver da época - ambos são padrões da nossa
história e se um relembra um facto, o outro relembra a sociedade do seu
tempo e as respectivas virtudes.
É por manterem presente a memória da nação que estes monumentos são
dignos de tão encomiásticos e variados textos. A valia artística é certamente
notada mas constitui uma vertente muito mais variável entre os autores e
também no tempo.
Na primeira metade do século o conceito de monumento histórico
sobrepõe-se na valorização da arquitectura medieval. Apesar de ser visível
uma maior atenção prestada às construções de vasto programa construtivo - a
Batalha, o Carmo, os Jerónimos, o Convento de Cristo, as Sés -, as construções
mais pequenas, como algumas igrejas românicas do norte - surgem, já na
década de 40, com a qualidade de monumentos e frequentemente também
ilustradas. Trata-se de igrejas que tiveram prestigiados fundadores: reis ou
princesas da primeira dinastia (Abragão) ou que guardam preciosas relíquias
de varões ilustres (Paço de Sousa)83, ou de origens tão antigas que se tornam
venerandas (Cedofeita cuja fundação era atribuída ao rei suevo Teodomiro)84.
Poderemos dizer que encontramos este mesmo pensamento generalizado a
todos os autores ? Certamente que não. Mas não duvidamos que ele
corresponde à maioria dos que escrevem na imprensa periódica e também nos
livros. Parece-nos que é, no entanto, comum à intelligentsia de mais acentuada
formação literária, histórica e romântica que é também, por natureza, a mais
interveniente e prolífica.
Voltaremos a este assunto.
82
Portugal. IV. Convento da Batalha , "Universo Pittoresco.(...)", v. 1, n° 5, 1839, p. 65.
83
Sobre Abragão ver a citação supra. Sobre Paço de Sousa: ML. I. R., Egas Moniz, "A
Nação", Lisboa, n° 115, 3 Fev. de 1848, p. 4.
84
Portugal. IX. Cedofeita no Porto, "O Panorama", v.l, n° 22, 28, Maio de 1842, p. 169-
170.
37
1.3. O prestígio da arquitectura
85
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 392.
86
S. Luis, Frei Francisco de, Memoria Histórica sobre as obras do real Mosteiro de Santa
Maria da Victoria, chamado vulgarmente da Batalha in "Historia e Memorias da Academia Real
das Sciencias de Lisboa", Lisboa, t. 10, parte I, 1827.
87
Idem, ibidem, p. 169.
88
Idem, ibidem, p. 199-216.
89
Idem, ibidem, p. 220.
90
Riegl, Alois, O. c, p. 28.
38
estilos medievais. Mas essa relação não é sempre nítida e se por vezes se faz
explicitamente, como na obra isolada de Varnhagen91 (1842), na maioria da
escritasobre arte em Portugal, na primeira metade do século, a relação é
indicada de forma titubiante.
91
Veja-se o que escrevemos sobre a obra de Varnhagen em: Os "estilos" e os monumentos
eleitos.
92
Silva, Joaquim Possidónio Narciso, O que foi e é Arquitectura e o que aprendem os
Arquitectos fora de Portugal, Lisboa, 1833, p. 13.
93
Idem, ibidem, p. 4-5.
39
Os monumentos são entendidos como símbolos das civilizações, como
forma de as perpetuar e de representar as suas características, ideia presente
no conceito de monumento histórico. Mas neste caso não é o valor histórico
dos edifícios que é primordial, mas sim a capacidade significante da própria
arquitectura, ou seja os monumentos não são exactamente documentos, livros
ou espelhos, como temos visto até aqui, mas sim objectos geradores de
civilização. A visão de um arquitecto formado na Ecole des Beaux Arts e com
alguma experiência em obras parisienses94 é necessariamente distinta da visão
de historiadores, literatos e escritores de arte. A arquitectura é para
Possidónio uma arte maior e é essa disciplina que primeiro valoriza. Trinta
anos depois, afastado de vários projectos que iam pontuando a capital de
edifícios desiguais95, impulsionará decisivamente a Associação dos Arquitectos
Civis e Arqueólogos Portugueses, movido agora pela paixão da arqueologia e
da salvagurada dos monumentos nacionais, ou pelo prestígio que tal missão lhe
conferia, como veremos.
94
Possidónio Narciso da Silva concluiu os seus exames em 1828. Trabalhou com o arquitecto
Charles Percier e também nas obras do Palais Royal e das Tulherias. Cfr. França, José-
Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 319.
95
Arquitecto da Casa Real, Possidónio colaborou nos Palácios da Pena e das Necessidades e
projectou um plano para o Palácio da Ajuda que não foi aceite seguindo-se um período,
incompreensivelmente, sem encomedas. Cfr. França, José-Augusto, A Arte em Portugal no
século XIX (...), v.l, p. 319-320.
96
Relatório Geral sobre as Obras Públicas do Reino apresentado ao exscellentissimo Ministro
e Secretario d'Estado dos negócios do Remo, pello Inspector Geral Interino o conselheiro Luiz
da Silva Mousinho dAlbuquerque em 8 de Julho de 1840, para servir de base ás medidas,
melhoramentos e reformas, que neste ramo de Administração Publica tenham de ser adoptados
pelo Governo, na Imprensa Nacional, p. 4
97
Embora publicado posteriormente, em 1854, 1867 e 1881 em livro e em 1858 e 1859 na
imprensa periódica, este texto deverá datar de 1843. Cfr. o que dissemos a este propósito e
sobre a formação de Mousinho, assim como a respectiva análise da Memória (...) no presente
volume.
40
esforços nacionais e da indiscutível primazia dos portugueses no caminho do
progresso:
"Ambos sublimes, ambos magestosos, cada um em seu género; ambos
sellados com o cunho do génio; ambos inspirados por imaginações ardentes,
excitados pelo amor da gloria e da pátria: o edifício monumental da Batalha e
os Lusíadas de Camões. (...).
Os monumentos tão altamente veneráveis e patrióticos não podem
reputar-se estéreis para as nações que os possuem. Não são um pregão
vanglorioso de memorias passadas, são uma excitante moral de virtudes civicas
e amor da pátria"98.
É curioso como Mousinho prefere, entre as épocas da nossa história, a
época dos Descobrimentos. As cinzas que repousam na Batalha são veneráveis
porque daqueles personagens partiu o impulso que resultou na ligação de toda
a hmanidade. E uma glória que uma nação tão pequena se apresente "como a
primeira propagadora das luzes da civilização e do commércio por toda a
redondeza do globo"99.
A cultura iluminista em que se formou tem aqui a sua marca. Entre ela, o
valor pedagógico dos monumentos e o culto da pátria se enlaçam as duas
épocas culturais em que Mousinho se situa: as Luzes e o Romantismo.
Ao longo da Memória, vai emergindo um conceito de monumento menos
retórico. O excelente objecto artístico que é o mosteiro da Batalha faz do
conjunto formado pelo templo, o claustro e a Capela do Fundador um
monumento elogiado pela qualidade da sua arquitectura, por ser um
documento de uma época, dos materiais e das técnicas então utilizadas. Nesse
sentido é-lhe atribuído um valor histórico, segundo a definição de Riegl.
Cremos, no entanto, que Mousinho tem uma visão semelhante à de Possidónio
Narciso da Silva e que a valorização da Batalha se prende mais com a sua
arquitectura e a capacidade que esta possui de ser significante.
Apesar de eleger a época dos Descobrimentos como a página mais
brilhante da nossa história, Mousinho não gosta das Capelas Imperfeitas100 e
nesta aparente contradição se exprime a complexidade cultural na definição de
categorias como monumento, gótico e manuelino. Se em Herculano
entendemos que prefira a Batalha aos Jerónimos é porque as suas épocas
históricas de eleição excluem os Descobrimentos, colando-se com precisão,
história e monumento, porque em lugar primeiro está a história. Em
98
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, Memoria inédita acerca do Edifício Monumental
da Batalha , Lisboa, 1881, p. VII.
99
Idem, ibidem, p. VII.
100
Idem, ibidem, p. 21. Cfr. o que dissemos a este propósito no presente volume.
4 1
Mouzinho essa colagem não se faz porque o sortilégio que nele exerceu a
Batalha foi a excelência da arquitectura do templo, do claustro e da Capela do
Fundador.
A preferência por uma época histórica nem sempre coincide com um
maior gosto pelo estilo que se pensa coevo. Esse fenómeno é mais comum em
autores de formação literária e histórica, e a preponderância destes na escrita
sobre arte conduz-nos, por vezes, a tomar o todo pela parte. Esse equívoco
ressalta à medida que estudamos as obras de restauro porque essa
correspondência entre história e arquitectura, entre história e gosto nem
sempre se faz.
101
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 391.
102
Cfr. Pereira, Paulo, Alguns aspectos da cultura artística de F. A. Vernahagen in
"Romantismo - da mentalidade à criação artística", Sintra, Instituto de Sintra, 1986, p. 293-
327.
103
[Varnhagen, Francisco Adolfo], S./a. Noticia histórica e descriptiva do mosteiro de Belém,
Lisboa, 1842, p. 1.
104
Idem, ibidem, dedicatória.
42
desagrado "por tantos emplastos e cataplasmas de nova espécie"105, no mesmo
estilo de Herculano e Garrett.
Lembra a conveniência de uma associação dedicada à "conservação dos
monumentos religiosos nacionaes, e que servisse de illustrar o governo para
até dirigir em gosto e amor d'antiguidade a somma de uns poucos contos de
réis, que as camarás approvaram para a conservação dos monumentos
nacionaes"106.
A compreensão da obra de Varnhagen prende-se porém com a sua
tentativa de difinir o "estilo manuelino". A visão que tem do mosteiro dos
Jerónimos enquanto monumento é indissociável da procura que nele faz de um
"estilo português", por esse motivo desenvolveremos posteriormente este
assunto.
105
Idem, ibidem, p. 6.
106 A frase qUe citamos não foi publicada na edição em livro. Conclui um dos artigos de " O
Panorama" e é significativa das diferenças entre uma revista e um livro enquanto canais de
mediatização. A frase de Varnhagen segue-se à indignação causada pela obra dos
"concertadores modernos dos edifícios antigos. - Porem baste-lhes o que ja por este jornal tem
ouvido.". Portugal V. Mosteiro de Belém. 3o, "O Panorama" (...), v.l, n°10, 5, Mar., 1842,
p.75-76.
107
Sobre a importância e a valia da obra deste autor na historiografia da arte portuguesa
consulte-se: França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 392-396.
108
Raczynski, Comte A., Les arts en Portugal. Lettres adressées a la Société artistique et
Scientifique de Berlim, Paris, Jules Renourd, 1846, p. 496.
109
Idem, ibidem, p. 379.
43
suevo e visigodo tinham resistido incólumes às invasões árabes, mantendo
intactos os templos da fé cristã. Tradições registadas e inventadas pelos
cronistas dos séculos XVII e XVIII, estas estórias irão sendo repetidas no
século XIX dando motivo para que as respectivas construções fossem
considerados monumentos nacionais.
110
Murphy, James, Plans elevations sections and views of the Church of Batalha, in the
province of Estremadura in Portugal with the Histoiy and Description by Fr. Luis de Sousa;
with remarks to wich is prefixed an Introductory Discourse on the principals of Gothic
Architecture, London, 1795.
1]
' A obra de Murphy será estudada no capítulo que dedicamos ao restauro do mosteiro da
Batalha por Mousinho de Albuquerque.
112
Murphy, James, Travels in Portugal; trough the Provinces of Entre Douro e Minho, Beira,
Estremadura, and Alem-Tejo, in the years 1789 and 1790. Consisting of Observations on the
Manners, Customs, Trade, Public Buildings, Arts, Antiquities &c. of that Kingdom, Londres,
1795.
44
1.4. O governo da nação: as leis
113
Collecção Official de Legislação Porugueza, 1834, p. 134.
114
Ibidem, 1835, p. 119.
115
"O Ecco.Jornal Critico, Litterario e Politico", Lisboa, n° 124, 6, Out., 1836, p. 2111.
Frequentemente a notícia e descrição deste estado de coisas era favorecida por rivalidade
política. "O Ecco" era um jornal miguelista, e este tipo de noticias tinha uma intenção. Mas a
45
Outro quadro seria impossível de econtrar em anos tão conturbados e sem
uma inventariação dos edifícios que se incluiam nas categorias da carta de lei.
Em circular de 13 de Fevereiro de 1836, ocupando o Ministério do Reino,
Luis da Silva Mousinho de Albuquerque convidara a Academia Real das
Ciências de Lisboa a fazer um arrolamento de todos os edifícios pertencentes
às extintas Ordens Religiosas que fossem notáveis "pela época da sua fundação,
factos históricos com que tem intima relação, monumentos fúnebres ou
relíquias d'homens celebres que encerrão, ou finalmente pela sua architectura
(...)116". O convite não obteve resposta e o inventário ficou por fazer. Em
1838 a Academia é encarregada por ordem do governo de elaborar a referida
"relação". Forma-se uma comissão composta por F. M. Trigoso de Aragão
Morato, pelo bispo Conde resignatário de Coimbra D. Francisco, o visconde
de Vilarinho de S. Romão, Manuel José da Costa e Sá, António Lopes da Costa
e Almeida e pelo secretário da Academia "que ajudados de pessoas instruídas
e zelosas da honra Nacional, salvarão da destruição grande numero de
Monumentos"117. A medida legislativa não teve qualquer eficácia.
46
No ano seguinte a legislação respeitante ao restauro do mosteiro de Santa
Maria da Vitória, que D. Fernando II120 tinha impulsionado junto das Cortes,
refere-se às obras como necessárias "para a conservação e embelezamento do
Convento da Batalha; e Querendo a Mesma Augusta Senhora, que se perpetue,
e não caia em minas um tão sumptuoso e magnifico Edificio, primor de arte
digno de geral admiração, não só porque suscita as mais gratas recordações de
gloria nacional, mas igualmente porque nelle se encerram as venerandas cinzas
de muitos dos mais eximios Monarcas deste Reino, que tanto o illustraram por
seu relevantes feitos e Sabedoria"121.
120
Cfr. o que dissemos sobre este assunto quando nos referimos ao restauro do mosteiro da
Batalha.
121
Portaria de 4 de Setembro de 1839 in Collecção de Leis e outros documentos officiais,
(...), 1839. p. 336.
47
continuem a apparecer ignóbeis remendos modernos, documento de ignorância
e de falta de estima por nossas gloriosas antiguidades; e sempre que fôr
necessária alguma obra de consideração que possa altérer as proporções da
construcção do Edifício, será o projecto submettido ao Governo antes de
começar a executar-se. (...)"122.
122
Ibidem, 1840, p. 7. Sublinhados nossos. A extensão da citação justifica-se porque nesta
portaria estão contidos implicitamente, pela primeira vez na legislação portuguesa, príncipios
programáticos a seguir no restauro dos monumentos. Voltaremos a este assunto na Parte II
deste volume.
123
Relatório Geral sobre as Obras Públicas do Reino apresentado ao exscellentissimo Ministro
e Secretario d'Estado dos negócios do Reino, pello Inspector Geral Interino o conselheiro Luiz
da Silva Mousinho d'Albuquerque (...).
124
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, Memoria inédita (...). Veja-se o que
escrevemos sobre este texto e Mousinho de Albuquerque neste volume.
125
A Capella do Fundador no Convento da Batalha in "Universo Pittoresco"(...), v.2, n° 10,
1841, p.147.
48
2) os monumentos sofrem devastações porque as obras de reparação
desprezem o gosto e não obedecem aos princípios que em tais casos é preciso
observar;
3) reparar o que é antigo de forma "moderna" é sintoma de ignorância;
4) os projectos que alterem a proporção dos edifícios devem ser
submetidos ao governo.
126
Cfr. o que escrevemos sobre este mosteiro no v. 2 deste trabalho:Jerónimos (Mosteiro de
Santa Maria de Belém)
127
Em duas portarias de 1 e 6 de Setembro de 1843 imcumbe-se o Governador civil de
Santarém de dispender 300 réis diários no pagamento a um funcionário que deveria ter a seu
cargo a limpeza e guarda do Convento de Cristo que se escontrava ao abandono e à
depredação. Silva, Antonio Delgado da, Collecção Officiai de legislação portugueza, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1843, p. 240 e 245.
128
Cfr. Serrão, Joaquim Veríssimo, História de Portugal [1832-1851], Lisboa, v. 8, Verbo,
1986, p. 358.
129
Mousinho refere-se ao relatório de 1840 supracitado: Relatório Geral sobre as Obras
Públicas do Reino apresentado ao exscellentissimo Ministro e Secretario d'Estado dos negócios
do Reino, pello Inspector Geral Interino o conselheiro Luiz da Silva Mousinho d'Albuquerque
(...).
49
de arte e arquitectura, devem ser conservados como monumentos; não desejo
de maneira alguma que se estenda demasiado essa classificação monumental,
para que não se dispenda na conservação de objectos que não o merecem; mas
não posso prescindir de que se considere e conserve como monumento aquillo
que realmente é monumental, ou histórico ou artisticamente fallando. Sr.
Presidente esta primeira classificação é essencial: antes do Governo poder usar
deste voto de confiança, deve-se-lhe pôr a condição de fazer tal classificação,
ou por uma Comissão ou pela Academia das Sciencias de Lisboa, Corporação
propria para esta designar quaes sejam os edifícios que devam ser
considerados como monumentos"130.
A proposta de Mousinho não mereceu a atenção dos seus congéneres
pouco ou nada sensibilizados para esta matéria e mais interessados na aquisisão
particular dos bens nacionais131. Aliás o já então ministro do Reino, Costa
Cabral, compraria ao estado o convento de Cristo e a respectiva cerca em
1844132.
Na época em que discursava, Mousinho era opositor a Costa Cabral e por
isso terá sido afastado do restauro de Santa Maria da Vitória. É pena que a
falta de repercussão do seu discurso não nos permita saber quais os
monumentos que assim mereciam ser considerados, nesta fase da sua definição
nacional.
130
"Diário da Camará dos Deputados", Lisboa, sessão de 8 de Abril de 1843, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1943, p. 90.
131
Silva, António Martins da, O. c. , p. 276.
132
Cfr. o que escrevemos sobre o assunto no cap.I, v. 2 deste trabalho: Convento de Cristo.
50
serviços dos Monumentos Históricos cujo núcleo era constituído por um
considerável catálogo de monumentos restaurados133.
Em Espanha foram criadas em 1844 a Comissão Central de Monumentos
e as Comissões Provinciais com o objectivo de elaborarem uma estatística
monumental que resultou em dezanove volumes (incompletos) dos
Monumentos Arquitectónicos de Espana (1859-1887)134. A Lei de Instrução
Pública dee 1857 suprimiria a Comissão Central, colocando as provinciais sob
a dependência da Academia de S. Fernando o que terá resultado numa menor
eficácia na salvaguarda do património artístico que se viu privado de um
organismo expressamente dedicado à sua protecção135.
Contrariamente à tendência centralizadora das legislações francesa e
espanhola, em Inglaterra eram as associações privadas que inventariavam e
protegiam o património construído desde a década de 1830, formadas com
intuitos arqueológicos ou de organização da igreja enquanto instituição ou
ainda, de forma mais abrangente, com a estrita finalidade de proteger as
edifícios antigos. A estatização da protecção dos monumentos históricos será
uma realidade muito mais tardia (1881)136.
133
Cfr. Chastel, André, Le patrimoine in Pierre Nora (direction de), "Les lieux de la mémoire
(...), p. 424-429.
134
González-Varas, Ibánez,La catedral de León, Historia e restauration (1859-1901), León,
Universidad de León, 1993, p. 122.
135
Munoz Cosme, Alfonso, La conservation dei Património arquitectónico espahol, Madrid,
Ministério de la Cultura, Instituto de Conservacion e Restauracion de Bienes Culturales, 1989,
p. 38.
136
Cfr. Choay, Françoise, L'Allégorie du Patrimoine, (...), p. 113-114.
51
com resultados práticos, o que só acontecerá quase vinte anos depois, em
1880137.
137
Monumentos Nacionaes Portuguezes. Legislação (Publicação Official), Lisboa, Imprensa
Nacional, 1910, p. 16.
138
Portaria de 18 de Agosto de 1834, "Diário do Governo", Lisboa, p.l 1. Sobre esta questão
dos bens móveis e respectivos destinos ver a obra de Silva, António Martins da, O. c, p. 90-
117.
139
Portaria de 9 de Novembro de 1836 in Collecção Official de legislação portugueza, (...) ,
série VI, 1836, p. 120
140
Portaria de 30 de Dezembro de 1836 in Collecção Officia! de legislação portugueza, (...),
série VII, 1837, p. 2
52
política permitiram o desaparecimento de grande parte desses objectos. A
imprensa e o parlamento denunciavam esses desvios:
"A Nação quer saber onde estão as jóias: os ricos utensilios, tantos chefes
d'obra e primores do génio e da arte que embelesavam os clautros (...) fiel á
minha missão, desejo satisfazer-lhe a vontade, até porque delia pôde resultar a
grande vantagem de entrarem na massa dos Bens Nacionaes muitas alfaias, que
com grossas quantias de dinheiro se tem sonegado"141.
Ainda em 1836 (portaria de 10 de Maio) o governo manda proceder á
elaboração de mapas dos objectos de culto que farão parte da Fazenda
Nacional e serão distribuídos para o serviço religioso ou entrarão na Casa da
Moeda para reverterem a favor do estado.
Segundo António Martins da Silva é impossivel avaliar a quantidade de
objectos extraviados, mas segundo o mapa de 1840 foram contabilizadas, entre
utensílios de culto e peças de uso doméstico, 17.861 peças: 6.575 entraram na
Casa da Moeda, 735 venderam-se nos distritos, 164 foram dadas como
extraviadas e 10.387 foram distribuídas pelas igrejas142.
O mapa de 1842 indica, como ainda depositados na Casa da Moeda, 207
objectos que se destinavam a ser conservados como valores de arte "por se
considerarem dignos de serem collocados nos Muzeus como peças de
primoroso trabalho, raras, históricas, celebres por sua antiguidade"143.
Os números das espécies são muito reduzidos se pensarmos na quantidade
de casas religiosas e nos respectivos recheios. Já vimos como a legislação mais
actuante foi tardia. Apesar de o mapa de 1842 registar o valor artístico e
patrimonial de alguns objectos estes não despertaram o mesmo tipo de
consciência (boa ou má) que conduziu ao prestígio dos monumentos
arquitectónicos, e alguns casos pontuais, como o que apontámos acima sobre a
Custódia de Belém, não se podem equiparar ao valor que nesse campo foi
conferido à arquitectura.
A valorização dos objectos, das artes decorativas, artesanais e caseiras
como depositárias da originalidade nacional é um fenómeno que se inicia na
Europa nos meados de oitocentos, mas cujas consequências e integração plena
no conceito de património serão visíveis, e obterão correspondente teorização
com as obras de Gotfried Semper (1860-63) e de Alois Riegl (1901), para
141
Intervenção do deputado Galvão Palma, "Diário do Governo", Lisboa, 1837, p 343
142
Silva, António Martins da, O. c, p. 110.
143
Cfr. idem, ibidem, p. 111-112. O autor utilizou como fonte: Contas correntes dos objectos
Preciosos de ouro e prata e jóias que pertenceram aos Conventos supprimidos do Continente
do Reino, Lisboa, Imprensa Nacional, 1842.
53
além da importância do movimento Arts and Crafts (1882), reabilitador dos
ofícios, que radicava no pensamento de Jonh Ruskin e William Morris.
Em Portugal, sobretudo a partir de 1880 caberá a Joaquim de
Vasconcelos e a Sousa Viterbo um lugar maior na valorização e investigação
das artes industriais portuguesas.
144
Almeida, Carlos Alberto Ferreira de, O românico in "História da Arte em Portugal" ( )
p. 25.
54
transmitem, cremos ter constituído no caso português um aspecto
particularmente impressivo na sua valorização, e na vontade, com eficácia ou
sem ela, de ordenar o sentido caótico que produz, sempre e em todo o lado, o
aspecto degradado daquilo que percepcionamos: uma igreja, um castelo, um
terreno de cultivo abandonado ou uma floresta destruida.
O tema do gosto pelas ruínas é uma questão distinta desta que acabámos
de colocar. Fenómeno pictórico que emerge no século XVII representando as
ruínas do mundo pagão que se opõem à ordem cristã, ou então o grande poder
do império romano, ele é um tema preferido da pintura barroca que privilegia
o gosto pelo contraste sobre o da unidade. Nos finais do século XVIII e no
século XIX é um dos tópicos da poética e da estética pré-romântica e
romântica, principalmente na Inglaterra e na Alemanha. Segundo Riegl as
marcas da antiguidade exercem sobre o homem moderno (do principio do
século XX) um efeito tranquilizador, muito diferente daquele que se pretendia
alcançar na pintura dos séculos anteriores, por serem um testemunho do
inalterável curso da natureza, a que toda a obra humana está sujeita de modo
seguro e infalível145.
De qualquer modo, este efeito tranquilizador só se exerce através de
processos ruinosos muito lentos, que pressupõem um enlace entre ruína e
natureza e apagam ou afastam qualquer impressão de uma causa rápida e
violenta. O tempo e a natureza conferem uma ordem às ruínas, porque as
englobam no seus ciclos, ao mesmo tempo que lhes imprimem um arranjo
pitoresco. Sem querermos simplificar um fenómeno tão complexo, notamos
que o culto das ruínas na Inglaterra oitocentista corresponde a um gosto
cenográfico, à busca do efeito surpreendente que se estende à própria
natureza. Mas são ruínas limpas que mantêm parte da estrutura da construção,
imagem completamente diversa da que é transmitida por igrejas ou mosteiros
com vidros e portas partidas, pinturas salitradas, altares apodrecidos e
abóbadas arruinadas que deixam ver o estado de decomposição dos materiais
A desordem intencionada do "jardim inglês" e as ruínas fingidas parecem
sublinhar a razão desse gosto por ruínas controladas. Ninguém cultiva o gosto
das contruções arruinadas por uma guerra acabada de acontecer. Quando
muito elas são conservadas como lugar de memória, advertências de um
acontecimento. Actualmente um certo gosto pós-moderno por paredes com a
pintura degradada ou por compartimentos incompletos, corresponde a um
estragar deliberado que procura um efeito aleatório ou agressivo que
corresponde a um caos projectado. É uma moda que não decorre do culto do
55
que é antigo, mas da amostragem do que é velho e corroído, da passagem
inexorável do tempo e da implacável vertente aniquiladora do homem, mas
também (ou também) da capacidade humana de controlar a degradação,
conferindo-lhe um valor estético.
146
Cfr. os exemplos recolhidos no cap. Ill do v. 2 deste trabalho.
147
Cfr. texto supracitado, nota 68. VIAGENS
56
Nas revistas que citámos, amiudadamente se afirma (e lamenta) que os
nossos monumentos sejam objecto de interesse e de estudo por parte de
estrangeiros e raras vezes por portugueses. É conhecida a importância da
literatura de viagens na divulgação e valorização da arquitectura medieval,
fenómeno comum à Europa.
Em França as Voyages Pittoresques de Taylor e Nodier 148
desempenharam um destacado papel na cristalização do interesse pelos
monumentos e apesar de neste caso estarmos em presença de autores
especialmente vocacionados para o estudo artístico, os estrangeiros que
escreveram sobre os monumentos portugueses deram um contributo
importante para a valorização nacional do património construido. Uma boa
parte deles refere a obra de Murphy149 que suscitou viva curiosidade pelo
monumento de um país mal conhecido e por isso envolto numa apelativa aura
de exotismo.
148
Grodecki, Louis, Le "Gothique" retrouvé. Avant Viollet-le-Duc in "Le Moyen Âge
Retrouvé", v.2, Paris, Flammarion, 1991, p. 361.
149
Vejam-se, entre outras, as obras de: Lichnowsky, Félix, Portugal. Recordações do ano de
1842, Lisboa ; Denis, Ferdinand, Portugal, 1846; Smith, Alfred, Narrative of a Spring in
Portugal, 1870; Boutroue, M. Alexandre, Rapport a M. le Ministre de l'Instruction publique et
des Beaux-Arts sur une Mission Archéologique en Portugal et dans le Sud de L'Espagne,
Paris, 1893.
150
Sobre a literatura de viagens, e concretamente sobre este assunto, Cfr. Martins, Isabel
Oliveira, William Morgan Kinsey. Uma ilustração de Portugal, Lisboa, Edições 70, 1987, p.
17-30.
57
Os ingleses, ainda mais que os outros, vinham a Portugal com a ideia
antecipada de aqui encontrar algo de primitivo e exótico 151 . O próprio
catolicismo e a pompa do culto são percepcionados como um exotismo, e na
prodigalidade ornamental das igrejas repletas de imagens e retábulos
dourados, procuram efeitos pitorescos.
Sendo o Romantismo um processo de renovação do material mítico, como
o entendeu Kenneth Clark, esta procura de exotismo num país mal conhecido
aí se deve enquadrar, assim como as apreciações preconcebidas dos
estrangeiros sobre os nossos monumentos medievais que na descoberta do país
através da sua paisagem monumental procuravam ou forçavam os indícios
desse exotismo. Já em 1760 Thomas Pitt se deslocara à Península Ibérica
procurando nas construções medievais a confirmação da teoria de Cristopher
Wren sobre a origem sarracena da arquitectura gótica152.
Oriundos de países onde a valorização do gótico se fazia desde o século
XVIII, os estrangeiros vão ocupar-se principalmente das construções
medievais que tendencialmente classificam de sarracenas e mouriscas.
Nem todos escrevem sobre os monumentos até porque muitos se limitam
a ficar por Lisboa e são mais atraídos por aspectos da vida e da sociedade
portuguesa, do que pelas viagens atribuladas por um país sem rede viária que
garantisse comodidade.
Entre 1795 e 1896, em quarenta e cinco livros escritos por
estrangeiros 153 , vinte não fazem qualquer referência aos monumentos
enquanto vinte e cinco demonstram um real interesse pela arquitectura
medieval portuguesa. Os monumentos mais frequentemente mencionados, que
suscitam maior interesse e sobre os quais os autores patenteiam um melhor
conhecimento são, seguindo estas coordenadas:
1) Mosteiro da Batalha
2) Mosteiro de Alcobaça
3) Mosteiro dos Jerónimos
4) Sé Velha de Coimbra
5) Sé de Braga
Sé de Lisboa
151
Idem, ibidem, p. 25
152
Lovejoy, A.O., La Redécouverte du Gothique in "Le Gothique des Lumières", Gérard
Monfort Éditeur, Brionne, 1991, p. 13. (edição do original em língua inglesa: The first gothic
revival and the return to nature, The Johns Hopkins University Press, 1932).
153
As espécies consultadas constam da bibliografia. Dada a sua quantidade optámos por não
as colocar em nota.
58
Igreja de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães
Castelo de Leiria
6) Convento de Cristo
Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra
Castelo de Pombal
Castelo de Alcobaça
Torre de Belém
Igreja de Santa Maria do Olival de Tomar
Palácio Nacional de Sintra
Igreja de Cedofeita do Porto
7) Mosteiro de Leça do Balio
Igreja de Santiago de Coimbra
Igreja de Almacave
Sé do Porto
Castelo da Feira
154
Raczynski, Comte A., O. c, p. 410-414.
59
históricos e artísticos, veiculada pelas obras estrangeiras. Esta diferença radica
no avanço da disciplina em Portugal que nesta altura já podia fornecer
informações mais ajustadas pela voz ou pelas obras de Mendes Leal, Vilhena
Barbosa, Augusto Filipe Simões, Joaquim Possidónio Narciso da Silva,
Joaquim de Vasconcelos, Sousa Viterbo, Gabriel Pereira, Luciano Cordeiro e
Ramalho Ortigão155.
155
Cfr. na bibliografia deste trabalho, a cronologia e as obras destes autores. Veja-se Também
a título de exemplo a bibliografia citada por Alexandre Boutruoe, assim como as personalidades
que o autor afirma terem fornecido informações para o seu trabalho: Rapport a M.le Ministre de
l'Instruction publique et des Beaux-Arts sur une Mission Archéologique en Portugal et dans le
Sud de L'Espagne, Paris, Ernest Leroux, 1893, p.4 e 53-57. Consulte-se ainda França, José-
Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v. 2, p. 115-123, sobre a historiografia da
arte portuguesa nesta época.
60
idêntica as construções de maior monumentalidade, que por essa razão são
mais vezes referidas, permitindo a repetição do "estilo" que lhes é atribuido.
A utilização de gótico ou arquitectura gótica é evidentemente a mais
antiga e também a que ocorre com mais frequência. Já vinha sendo empregue
desde o século XVII e, pontualmente, com um carácter positivo. Os "estilos"
com que os edifícios são classificados prendem-se com a sua valorização e por
isso importa-nos saber os diversos significados dos termos acima referidos.
Em 1789 o dicionário de António Moraes da Silva define :
"Gothico 156- conforme à maneira, estilo, uso, costume dos godos. v. g.
edificio de traça gothica, gosto estilo - i.e. máo, rude". Romão é romano 157 .
Só na 4 a edição, publicada em 1831 se acrescenta à entrada gótico:
"(...) qual se viu nas artes pelo tempo dos godos, na arquitectura,
pintura. Traçado, trajado, feito à antiga, fora de moda" 158 .
Em 1844 repete-se o significado da 4 a edição ao qual se junta: "um
homem que traja á moda dos Affonsinhos"159.
Os mesmos significados manterão-se-ão até à 8 a edição de 1891 -
"romão" é entendido sempre da mesma forma - embora outros dicionários
registem algumas alterações desde 1868 como é o caso da obra de D. José M.
de Almeida e Araújo Correia Lacerda que define:
"Gothico adj. dos godos, conforme o uso dos godos, Architectura -
atribuida aos godos por se diferençar das 5 ordens. Caracter - (fig.) rude,
grosseiro (estylo, gosto)" 160 .
No dicionário de Caldas Aulete de 1881 encontramos pela primeira vez
uma definição estilística de gótico enquanto o termo românico já não se limita
a um significado linguístico:
"Gothico, que vem dos godos feito á imitação dos godos // Architectura
gothica, architectura caracterizada principalmente pela forma ogival das
abobadas e dos arcos // Ordem Gothica. V. Ordem".
156
Subinhámos as entradas dos dicionários, e só essas, para que o texto se torne mais claro.
Os restantes sublinhados pertencem aos originais.
157
Silva, Antonio de Moraes, S./v. Gothico, Romão in "Diccionario da Lingua Portugueza
composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado e acrescentado" (...).
158
Idem, S./. Gothico in "Diccionario da Lingua Portugueza recopilado de todos os
impressos até ao presente" (...).
159
Idem, S./. Gothico in "Diccionario da Lingua Portugueza recopilado de todos os
impressos até ao presente", Lisboa, 5a edição, 1844.
160
Lacerda, D. José Maria d'Almeida e Araújo Corrêa, S./v. Gothico in "Diccionario da
Lingua Portugueza " (...).
61
"Românico, adj., que imita a eschola ou estylo romano: Pintor românico
// língua românica, o romance ou a lingua provençal"161.
Em 1898 surgem as primeiras definições ilustradas com gravuras de uma
catedral gótica e de Notre Dame-la-Grande de Poitiers, e a primeira
referência à cronologia da architectura românica, embora esta seja designada
de romana:
"Góthico - Que vem do godos, ou que é á moda dos godos/Architectura
ou ordem gothica, género ou estylo architectonico, principalmente
caracterizado pela ogiva".
"Romano (...) / Diz-se do estylo de arquitectura usado em Roma desde o
século V até ao século XII"162.
161
Aulete, Caldas, S./v. Gothico , Românico, in "Diccionario Contemporâneo da Lingua
Portugueza" (...)
162
Almeida. Francisco de e Brunswick, Henrique, S./v. Góthico , Romano in "Diccionario
illustrado da lingua portugeza " (...).
163
Artigo publicado em "Borboleta Constitucional", Porto, 21, Set., 1821 citado por França,
José-Augusto. A Arte em Portugal no século XIX (...), v. 1, p.95.
62
fenómeno europeu, já vem de trás mesmo no caso da incipiente cultura
artística portuguesa.
Nos últimos anos este tema tem sido objecto de estudo e análise tanto na
prática arquitectónica como na teoria sobre o gótico, ou mais extensamente
sobre os revivalismos no século XVIII ou mesmo um pouco antes164.
Rafael Moreira refere a obra do engenheiro Manuel Pinto Vila Lobos (m.
1734) que, através de um edifício de arquitectura civil em Viana do Castelo, a
Casa da Carreira (1691-1705), introduz o revivalismo, um tema inédito na
arquitectura portuguesa, onde apresenta "uma mescla de motivos góticos
abastardados com outros do século XVII que não pode dever-se senão a
consciente simbiose: um neomanuelino seiscentista, em que Pinto Vila Lobos
explora com ironia o historicismo do seu tempo (...)"165. A Casa dos Alpoins
na mesma cidade e alguns pormenores na matriz de Caminha onde trabalhou
entre 1704 e 1721 são outros exemplares com equivalentes soluções.
Paulo Varela Gomes retoma a tese de Robert Smith de que Nasoni terá
sido um dos iniciadores do neo-goticismo em Portugal na década de 1740,
revelado na torre da Quinta da Prelada (c.1758) , no aproveitamento da torre
da Casa de Ramalde (c. 1746) e em outros exemplares de casas rurais. Na sua
obra ter-se-á, algumas vezes, imposto a tradição medieval e quinhentista da
casa senhorial: as torres, a decoração de motivos românicos e tardo-medievais.
O arquitecto C.Gimac, de origem maltesa tinha optado por uma solução
semelhante às de Nasoni, quando nos inícios do século XVIII integrou uma
torre de arranjo medieval no Palácio de Novões (Tabuado, Marco de
Canavezes)166. Casos muito semelhantes terão ocorrido já desde o século XVII,
no aproveitamento e na construção de torres de perfil medievalisante nas casas
164
O assunto tem sido tratado nomeadamente por Anacleto, Maria Regina Dias Baptista
Teixeira, Arquitectura neo-medieval portuguesa - 1780-1924, Coimbra, 2 v., dissertação de
doutoramento policopiada, p. 163-207; Araújo, Agostinho, O palácio neo-gótico de Monserrate
e a sua leitura ao longo do pré-romantismo (1791-1836), in "Romantismo - Sintra nos
Itinerários de um movimento", Sintra, Instituto de Sintra, p.177-214; Gomes, Paulo Varela,
Traços de pré-romantismo na teoria e na prática arquitectónica em Portugal na segunda metade
do século XVIII in "Romantismo - da mentalidade à criação artística, Sintra, Instituto de Sintra,
1986, p. 229-346; Idem, "A cultura arquitectónica e artística em Portugal no séc. XVIII",
Lisboa, Caminho, 1988; Idem, "A Confissão de Cyrillo", Lisboa, Hiena, 1992; Moreira,
Rafael, Do rigor teórico à urgência prática: a arquitectura militar, in "História da Arte em
Portugal. O Limiar do Barroco", Lisboa, Publicações Alfa, 1987, p.84-85.
165
Moreira, Rafael, O. c, p. 85.
166
Gomes, Paulo Varei a,Traces' de pré-romantismo na teoria e na prática arquitectónica em
Portugal na segunda metade do século XVIII, (...), p. 231-235.
63
solarengas do Minho e Beiras167 que desde essa época recebiam algumas
transformações, como a abertura de maiores vãos nas janelas, escadarias algo
monumentalizadas e novas construções que se adossavam às antigas
O panteão construido na igreja de Alcobaça entre 1782 e 1786, segundo o
estudo de Regina Anacleto168, pelo engenheiro militar inglês Elsden, é uma
obra neo-gótica cuja solução arquitectónica pretende aproximar-se da
linguagem formal da igreja cisterciense. O castelo neo-gótico de Monserrate
(1791)169corresponde ao exemplo mais referido das construções daquele estilo
realizadas em Portugal antes de oitocentos, e que já tem sido apontado como a
única construção neo-gótica feita no país no século XVIII170.
Supomos que os estudos mais recentes que temos vindo a citar têm
acrescentado novos dados e novos exemplos que vão preenchendo um lugar
que surgia demasiadamente vazio no panorama da arquitectura portuguesa de
setecentos. Uma corrente de gosto neo-gótico parece correr paralela ao gosto
barroco dominante e por vezes nele se revelar subtilmente, como indicia a
obra de Nasoni.
Não queremos no entanto dizer que o gosto medievalisante corresponda
sempre a uma situação de modernidade, ou seja ao emprego de uma linguagem
formal deliberadamente distinta daquela que é preponderante na época,
querendo substituí-la por a encontrar desajustada no tempo. O caso do palacete
de Monserrate, da autoria hipotética de um ingês e o exemplo do panteão de
Alcobaça, correspondem sem dúvida à emergência do neo-gótico que na
Inglaterra de setecentos se pratica paralelamente à corrente neo-clássica. São
exemplares de uma atitude consciente de valorização do gótico.
Os outros casos apontados poderão corresponder mais a um medievalismo
de resistência do que a um gothic revival, ou seja, as obras referidas de
Nasoni e Gimac e os reaproveitamentos de torres medievais, não obstante as
distintas intenções arquitectónicas de cada um, terão sido motivados pelos
desejo dos encomendadores de manterem, realçarem ou criarem, um símbolo
da sua prosápia, a amostragem da sua genealogia, que agora associavam a
alçados mais modernos e a interiores mais requintados. A tradição da casa
senhorial quinhentista que se terá imposto a Nasoni, corresponde a uma
permanência no tempo e no espaço de uma tipologia arquitectónica que foi, ela
167
Cfr. os exemplos de solares seiscentistas referidos por Pereira, José Fernandes,
Resistências e aceitação do espaço barroco: a arquitectura religiosa e civil in "História da Arte
em Portugal. O Limiar do Barroco", Lisboa, Publicações Alfa, 1987, p.59-60.
168
Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, O. c, v. 1, p. 185-208.
169
Araújo, Agostinho^a c, p. 178.
170
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 85-86.
64
própria, a inspiradora de uma linguagem formal que marcou a arquitectura do
século XVIII. Por isso a ligamos a um medievalismo de resistência porque
corresponde a uma tipologia que permanecera, em algumas construções, e se
encontrava agora com a vontade nobilitadora dos proprietários.
Um aspecto, não menos importante e que com este se liga é a questão da
prática arquitectónica, não só do autor de projectos, mas da prática da
arquitectura enquanto obra ou fábrica, enquanto estaleiro. Saber construir
determinados elementos arquitectónicos ou decorativos é algo que decorre da
aprendizagem é certo, mas que se alicerça principalmente na tradição e na
permanência da mesma. Em Portugal esta "prática de estaleiro", a que não é
alheio um considerável atavismo formal e construtivo, sobrepõe-se a um
ensino artístico sempre deficitário. Aliás na própria cultura do trabalho da
pedra a experiência prática é essencial e a transmissão de conhecimentos
raramente é fixada na escrita. Transmitida de geração em geração através de
exemplos práticos, os hábitos e as atitudes mentais desta cultura resultam numa
imensa permanência no tempo171.
A igreja do convento de Vilar de Frades é um exemplo a que devemos
prestar atenção. Segundo documentação revelada nos últimos anos, a nave da
igreja e respectiva cobertura foram construidas entre 1623 e 1641, embora
pretendam corresponder a um projecto manuelino encomendado no primeiro
quartel do século XVI a João Lopes o Velho - que trabalhou nomeadamente na
matriz de Caminha e na Sé de Lamego - pelo arcebispo de Braga D. Diogo de
Sousa, que na altura mandou construir a capela-mor e o cruzeiro do transepto.
O projecto foi interrompido e o corpo da igreja concluído economicamente
com muros delgados e cobertura de madeira. Em 1623 a congregação decidiu
refazer a nave única em correspondência com a capela-mor e o cruzeiro, isto
é, uma construção cuidada e de abóbada complexa de multiplicadas nervuras
reunidas em feixes que apoiam sobre mísulas172.
O projecto adoptado em 1623 não corresponderá ao que João Lopes o
Velho concebeu mas sim um projecto inspirado na capela-mor que terá
servido de módulo para a reconstrução da nave. É o que parece inferir-se do
Epilogo e Compendio da Origem da Congregação de S. João Evangelista do
171
Rockwell, Peter, Lavorare la Pietra. Manuale per Varcheologo, lo storico dell'arte e il
restaurato re, Roma, 1989, p.9.
172
Cfr. a documentação publicada e comentada por: Ramos, Maria Teresa Calheiros
Figueiredo de, A igreja Manuelina de Vilar de Frades (do arquitecto, dos cronistas, do
monumento), "Revista de Ciências Históricas", Porto, Universidade Portucalense, v. 5, p. 91-
121 e Lancastre, Maria do Carmo Henriques de, A igreja do convento de Vilar de Frades
segundo as memórias do Padre Jorge de S. Paulo (1658), "Barcelos-Revista", Barcelos,
Câmara Municipal de Barcelos, n°2, 2a série, 1991, p. 169-204.
65
Padre Jorge de S. Paulo, datado de 1658 quando se terminavam as capelas e os
respectivos retábulos. O autor escreve:
"(...) e se o corpo deste templo chegara lograr a perfeição que tinha
insinuado o Arcebispo D. Diogo de Souza conforme a planta traçada pello
arquitecto da capella mayor havia de ser protentoza, mas nem por isso ficou
atrazada conforme a reedificação do estado em que o temos reprezentado"173.
Parece claro que a construção do século XVII não seguiu o plano inicial,
talvez concebido para receber três naves amplas em vez das cripto-naves que
apresenta, mas segundo o autor o resultado não ficou atrás do projecto
encomendado pelo arcebispo de Braga. Aliás afirma que a comunidade
deliberou "darem o principio à obra proporcionada à capella repartida em seis
painéis (...)"174, indiciando que a ábside foi utilizada como padrão.
Um século depois do projecto inicial construia-se "à manuelino", embora
a obra do século XVII seja maioritariamente em alvenaria, numa época que já
há muito não correspondia ao seu tempo próprio. Este exemplo sugere-nos
uma ilação e algumas hipóteses.
Tratando-se de uma construção complexa do ponto de vista do projecto
arquitectónico e da obra pressupõe a permanência, em pleno século XVII, do
conhecimento no que respeita à construção de edifícios manuelinos com
abóbada de desenho profusamente nervado e a permanência, no trabalho da
pedra, dos métodos utilizados desde há mais de um século. Apesar da
modenatura das nervuras da abóbada do corpo da igreja ser mais simples do
que aquela que se apresenta na capela-mor, a sua multiplicidade e
correspondente elevado número de chaves demonstram a persistência da
utilização de calibres e o método de com eles trabalhar, utilizado nas
construções góticas e manuelinas desde há três séculos atrás, ou mesmo desde a
época românica, uma vez que os príncipios essenciais utilizados no trabalho da
pedra se mantêm durante toda a Idade Média175. Havia pois em Portugal
artistas capazes de construir uma abóbada de derivação gótica no século XVII
o que se explica pelas razões atrás apontadas e pela importância que a
aprendizagem adquirida nos estaleiros teve nos resultados da arquitectura
portuguesa até ao século XIX. Lembremos que "a arte até meados do século
dependeu daquilo que fizeram (e ensinaram) as equipas da Ajuda (...)" e que
173
Cfr. o manuscrito trancrito e publicado por Ramos, Maria Teresa Calheiros Figueiredo de,
O. c, p. 112.
174
Idem, ibidem, p. 112.
175
Rockwell, Peter, O. c, p. 108-113.
66
das aulas de pintura e arquitectura daquela obra saiu metade dos professores e
membros da Academia de Belas-Artes criada em 1836176.
Outra questão é a que levanta o facto de a comunidade de Vilar de Frades
ter optado por refazer a nave de acordo com a cabeceira, inspirando-se no
projecto pensado cem anos antes. Sabemos como é frequente nas obras do
século XVII e XVIII construírem-se naves ou cabeceiras de planimetria e
alçados modernos em edifícios medievais, sabemos também que construir
conforme o tempo corresponde a necessidades litúrgicas e à evolução do gosto
e que as obras novas são prestigiantes. Indiciam poder económico, vontade
construtiva, gosto pela novidade e emulação. Esta vertente não é única embora
seja talvez preponderante no gosto das populações. Assim o entendeu Riegl ao
definir o "valor de novidade", ou seja a preferência pelo que é novo, acabado
e colorido que atribui às grandes massas pouco cultas177. Mas o que é antigo
pode ser igualmente prestigiante. No caso de Vilar de Frades coloca-se uma
questão multímoda:
1) a vontade explícita de refazer o corpo da igreja em conformidade com
a capela-mor corresponde a um gosto pela unidade da arquitectura;
2) o prestígio conferido pela execução de um projecto semelhante ao
encomendado por um personagem ilustre;
3) a excelência e ousadia da arquitectura do projecto do século XVI e a
amostragem da capacidade de possuir correspondentes meios humanos e
financeiros para realizar algo semelhante;
4) a opção por um projecto inspirado no já existente dispensando a
escolha de uma obra "à moderna" que poderia não ser do agrado da
comunidade.
176
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 108.
177
Riegl, Aloïs, O. c, p. 80-81.
67
reinado do Venturoso (...)" 178 . Sendo a arquitectura manuelina tão
poderosamente simbólica e aparatosa nas suas construções, um "retorno" ao
manuelino pode ter constituído uma referência a que não podemos chamar
nacionalista nem histórica, porque estaríamos a utilizar conceitos oitocentistas,
mas estética e simbólica, com a intenção de retomar uma matriz reportada à
idade de ouro. Já vimos como cerca de cinquenta anos mais tarde, Vila Lobos
utilizará uma linguagem decorativa neo-manuelina.
A reforma da igreja de Vilar de Frades agradou e causou admiração:
"Por maneira que ficou o edifício de todo este templo não só magestoso e
admirável; mas mui polido sotil e aprazível, e obra tao perfeita que depois de
posta em execução se considerava impossível, e poem em admiração todos os
que entrão nesta igreja, quando penetrão com a vista o todo deste edifício"179.
O tom laudatório que estas descrições sempre patenteiam, não retira a
validade da constatação de que a obra agradou.
178
Silva, Ana Cristina Nogueira da e Hespanha, António Manuel, A identidade portuguesa in
"História de Portugal, v. 4, O Antigo Regime (1620-1807)", (direcção de José Mattoso), s./l.,
Círculo de Leitores, p.33.
179
Cfr. o manuscrito trancrito e publicado por Ramos, Maria Teresa Calheiros Figueiredo de,
O. c.,p. 112.
180
Veja-se, entre outros: Choay, Françoise, O.c, p. 61.
181
Grodecki, Louis, O. c, p. 351
68
"continuidade" e a "descoberta" são frequentemente pouco nítidas. Ele
funciona, contudo, como método interrogativo.
Resta-nos saber se o caso de Vilar de Frades constitui uma excepção no
panorama da arquitectura portuguesa. Apesar do paralelismo enquanto
fenómeno de gosto, existe uma grande diferença entre esculpir na pedra
motivos decorativos neo-manuelinos (Vila Lobos) ou construir uma abóbada
como a de Vilar de Frades, empresa sempre arrojada que requere
conhecimentos de estereometria adequados àquele tipo de construção. Registar
a existência de artistas capazes de a realizarem no século XVII português é um
dado de grande riqueza para o entendimento do fenómeno artístico no tempo.
Sabemos através da documentação - principalmente das visitações e dos
registos trienais ,que a ordem beneditina reformada escreveu de forma
bastante sistemática, a partir das primeiras décadas do século XVII - quanto os
nossos edifícios românicos e góticos necessitaram de obras repetidas182. Nem
de outro modo poderia ser porque os edifícios degradam-se, as paredes
desaprumam-se, as esculturas partem-se e é necessário repará-los
constantemente. Basta prestar-se alguma atenção às visitações, já do início do
século XVI, para se tornar evidente essa realidade.
Seguindo apenas os exemplos das igrejas que estudamos podemos referir
o caso da igreja de Abade de Neiva (Barcelos) cujas paredes foram reformadas
depois de 1756183, mantendo ao aparelho e o alçado românicos. Interrogamo-
nos se as soluções mais arcaizantes das paredes laterais, concretamente nos
cachorros e frestas estreitas, do que as são utilizadas na capela-mor e nos
portais sul e norte, não terão resultado da reforma do século XVIII. É bem
conhecido o fenómeno artístico que se traduz por, depois de passado o élan da
implantação e afirmação de um estilo, a repetição da mesma gramática
arquitectónica e decorativa resultar numa linguagem formal mais arcaica do
que aquela com que o estilo se implantou. Essa lição dá-nos a arte românica
portuguesa ao prolongar as suas soluções no arranjo arquitectónico de muitos
exemplares até ao século XVI184.
O conhecimento dos processos da construção medieval, mesmo que tenda
a ser menor e a apresentar inferior qualidade, não desapareceu na prática.
182
Cfr. Soares, Franquelim Neiva, Ensino e arte na região de Guimarães através dos Livros
de Visitações do século XVI, "Revista de Guimarães", Guimarães, v.93, Jan.-Dez., 1983,
p.350-384. Veja-se igualmente o que escrevemos em: As obras seiscentistas no Mosteiro de S.
Salvador de Ganfei, "Revista da Faculdade de Letras. História", Porto, v.8, 2a série,
Universidade do Porto, 1991, p. 319-326.
183
Cfr. no Catálogo analítico, v. 2 deste trabalho : Abade de Neiva.
184
Cfr. Almeida, Carlos Alberto Ferreira de, O românico in "História da Arte em Portugal",
Lisboa, v. 3, Publicações Alfa, 1986, passim.
69
As consequências do terramoto de 1755 originaram a reparação de três
importantes edifícios entre as décadas de cinquenta e de oitenta do século
XVIII, que nos importa agora realçar. Trata-se das obras realizadas na igreja
do convento do Carmo de Lisboa (iniciadas em 1757), no Palácio nacional de
Sintra (1784-1787) e na Capela do Fundador do mosteiro da Batalha
(anteriores a 1777).
Estas obras têm em comum o facto de nelas se ter conservado, ou melhor
sublinhado, as características artísticas dos edifícios medievais em que foram
realizadas inicialmente.
Na igreja do convento do Carmo a comunidade religiosa tentou
reconstruir a igreja dentro de uma linguagem inspirada na obra gótica do
templo, erguendo pilares coroados com capitéis neo-góticos, reconstruindo o
andar superior da capela-mor, criando molduras para os arcos das antigas
dezoito capelas laterais185, em campanha que terá durado até à extinção das
ordens, e que os monges não puderam ou não souberam terminar. Herculano
notou, em 1837, que "o estado actual das colunas que dividem as naves,
mostram que de novo se tentou reedifica-lo. Houve contudo o bom juízo de
conservar a unidade da architectura (...)"186.Em 1867 distinguiam-se ainda as
obras de reedificação pela brancura da pedra que contrastava com a da fábrica
primitiva, enegrecida pelo tempo187.
O Palácio nacional de Sintra recebeu obras que estiveram a cargo do
provedor das obras dos Paços, o conde de Soure e José Manuel Carvalho
Negreiros à época o arquitecto-geral dos Paços. A Sala dos Cisnes necessitou
de obras consideráveis de carpintaria e pintura e foi coroada exteriormente de
ameias "mouriscas" que antes não possuía. A parede norte da mesma sala foi
refeita aproveitando-se algumas peças e fazendo outras, semelhantes às antigas,
para a reconstrução da janelas188.
185
Cfr. no Catálogo analítico, v. 2 deste trabalho : Carmo (Nossa Senhora do Vencimento do
Monte do)
186
[Herculano, Alexandre], s./a., A Arquitectura Gothica. Igreja do Carmo em Lisboa, "O
Panorama" (...), p. 4.
187
Castro, Abade de, As minas da Igreja do Carmo de Lisboa, 'Archivo de Architectura
Civil", Lisboa, n°9, Junho de 1867, p.129;
188
Cfr.Silva, José Custódio Vieira da Paços Medievais Portugueses. Caracterização e
evolução da habitação nobre. Séculos XII a XVI, Lisboa, v.l, p.369-373, 1992, (dissertação
de doutoramento policopiada, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova
de Lisboa);
70
A Capela do Fundador do mosteiro da Batalha, igualmente abalada pelo
terramoto, foi parcialmente refeita no reinado de D. José em correspondência
com o seu estilo, conforme noticia James Murphy que observou o mosteiro em
1789189. Uma vez que o reinado de D. José terminou em 1777, as obras terão
sido efectuadas entre 1755 e esta data.
Todas estas reparações realizadas em plena época de reconstrução,
pombalina e depois tardo-barroca, podem apontar quatro motivações que não
se excluem:
189
Murphy, James, Plans elevations sections and views of the Church of Batalha,(...),
Preface.
190
Cfr. Gomes, Paulo Varela, Sobre José Manuel de Carvalho Negreiros in "A cultura
arquitectónica e artística em Portugal no séc. XVIII", p. 105-106. O autor refere-se à versão
71
Negreiros (1751(?)-1815) regressou do estrangeiro em 1776 e segundo P.
Varela Gomes foi o primeiro escritor português de arquitectura a fazer o
elogio do gótico. Distingue dois tipos de gótico, o do Norte e o mourisco
referindo que o método dos edifícios dos godos se aperfeiçoou depois do
século XII - demonstrando a consciência da diversidade entre românico e
gótico - e afirma que "os Godos foram os primeiros que para fazerem as suas
torres e outros similhantes edifícios com tanta ligeireza e arrogância, uzarão
com muita industria (...) de assentar o peso vertical nos encostos das abobadas
e cupulas (...)". Varela Gomes integra esta opinião do engenheiro militar na
influência de teóricos franceses como Laugier191. O que J. M. C. Negreiros
aprecia na arquitectura gótica é a ousadia da técnica, ou seja o apelo do gótico
faz-se pela construção e não pela estética, o que aliás é comum aos teóricos
franceses da época como Soufflot, Cordemoy e Laugier que apreciam o gótico
pelas suas qualidades construtivas embora considerem a arquitectura
desmesurada.
O que importa reter é esta valorização teórica do gótico na última década
do século, em correspondência com o "revivalismo" de Vila Lobos ainda em
finais de seiscentos, os projectos de torres medievalistas documentados desde
os inícios do século XVIII, e praticados por Nasoni depois de 1740, as obras
de reparação/restauro do Carmo, Palácio de Sintra e Batalha começadas depois
de 1755, a construção do panteão de Alcobaça entre 1782 e 1786, o projecto
neo-gótico de Monserrate de 1791 e a utilização de janelas manuelinas na
arquitectura efémera que ambientou o Terreiro do Paço em 1793, aquando das
celebrações pelo nascimento do primeiro filho do regente192.
Um fio condutor parece ligar estas obras que decorrem durante um
século. Podemos ainda recuar no tempo lembrando a reforma de Vilar de
Frades no século XVII e o atavismo da forma românica de construir no século
XVI. Se os casos apresentados são dissemelhantes enquanto prática da
disciplina arquitectónica - uns equivalem a projectos novos, outros a
adaptações e outros ainda a reparações - estão unidos por um mesmo
"respeito" pelas construções medievais. A interrogação de Grodecki deve
colocar-se aqui: trata-se de um fenómeno artístico de Survival ou de Revival!
Cremos que no caso português as fronteiras se diluem tornando esta questão
especialmente difusa, mas elas diluem-se por duas razões fundamentais: por
um lado, a prática de estaleiro e o sequente peso da tradição na construção e na
guardada na Biblioteca Nacional de Lisboa, uma vez que existe uma outra, na Biblioteca do
Palácio da Ajuda.
191
Idem, ibidem, p. 112-113.
192
Cfr. França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 28-29.
72
linguagem formal que conservou técnicas e soluções muito antigas, e por
outro a incipiente cultura artística portuguesa que só tardia e esparsamente
valoriza o gótico. A ponderação das duas vertentes deixa lugar a um neo-
medievalismo que pode ser consciente ou não.
Nessa indefinição se marca a diferença fundamental entre a valorização
do gótico no século XVIII e a sua adopção histórica e estética, consciente,
deliberada e sistemática a partir da década de 30 no Portugal de oitocentos.
Mas a tradição nunca totalmente perdida da "fábrica" medieval contribuiu
de forma assinalável para o restauro do mosteiro da Batalha (1840), obra
precoce a nível europeu se entendermos o restauro como ele foi praticado no
século XIX. O primeiro autor do restauro,Luís da Silva Mousinho de
Albuquerque fornece-nos essa indicação:
"A bandeira e as pilastras foram desenhadas e executadas em perfeita
semelhança com as das janellas eguaes e contiguas, e a perfeição com que este
trabalho foi executado pelo lapis e escopro do canteiro de ornatos José Maria,
natural de Lisboa, e anteriormente empregado pela intendência das obras
publicas da capital, me fez conhecer que poderia com os nossos artistas actuaes
conseguir a mesma perfeição de desenhos e cortes de pedra, que se havia
obtido dos primeiros artistas, em quanto encontrasse exemplares ou ainda
vestígios que me guiassem na restauração"193.
A persistência no vocabulário dos mestres pedreiros de termos próprios
da arquitectura gótica e manuelina é outro indício da presença da tradição.
Varnhagen acrescentou um glossário de termos de arquitectura à Notícia
Histórica e Descritiva do Mosteiro de Belém (1842). Uma das fontes que
utilizou, consistiu na recolha de vocábulos junto dos "práticos", como ele
próprio aconselha outros a fazer194. Em 1841 viajou pelo país e visitou
Coimbra a Batalha, Leiria etc195. Junto dos "mestres de obras" que então
trabalhavam no restauro do mosteiro da Batalha, iniciado no ano anterior,
recolheu alguns vocábulos, entre os quais o termo cogulhos que afirma
expressamente ter ouvido junto daqueles196. Do vocabulário dos mestres que
trabalhavam no Palácio da Pena, também registou termos como, arangões ou
arrincões]91 (artezões, que Varnhagen define, também como nervuras).
73
A visão clássica de Luís Mousinho de Albuquerque sobre o conjunto
gótico da Batalha198, encontrou-se com uma prática de "obra" de engenheiro
militar e com uma equipa de pedreiros e canteiros conhecedores da tradição.
De outro modo não se compreenderia a capacidade de restaurar edifícios
medievais sem um correspondente ensino e uma cultura artística medieval, que
Mousinho não possuía, nem podia possuir, tanto pela época em que viveu
como pela formação de cariz iluminista que teve199.
198
Cfr. o que escrevemos a este propósito na Parte II deste volume.
199
Ibidem.
200
Cfr. Gomes, Paulo Varela,7Vapos de pré-romantismo na teoria e na prática arquitectónica
em Portugal na segunda metade do século XVIII, (...), p. 238.
201
Machado, Cyrillo Volkmar, Collecção de Memorias relativas ás vidas dos Pintores,
Escultores, Architectos e Gravadores Portugezes,E dos Estrangeiros que estiverão em Portugal
recolhidas e ordenadas por (...), [1823], p. 127.
202
Idem, (trad, e anot.), As Honras da Pintura, Esculpura e Architectura. Discurso de João
Pedro Bellori (...), Lisboa, 1815, citado por: Gomes, Paulo Varela,7Vafos de pré-romantismo
na teoria e na prática arquitectónica em Portugal na segunda metade do século XVIII, (. ) p
238.
203
Paulo Varela Gomes, no texto citado na nota anterior, encadeia esta frase de Cirilo em
alguns indícios que apontam a valorização do gótico na teoria arquitectónica. Pelo que
afirmamos na sequência do nosso texto, não concordamos com esta inclusão.
74
fermosa torre no começo, junto do muro, e outras torres tem também
grandes", e a propósito de S. Frutuoso de Montélios (Braga) escreve ser uma
"casa de maravilhosa feição"204.
Em 1712 Frei Agostinho de Santa Maria assim se refere ao mosteiro de
Pombeiro (Felgueiras): "De todo o antigo edifício só o Templo perdoarão as
porfias do tempo consumidor, que he de arquitectura Gótica; de tão magnifica
sumptuosidade, que ainda hoje acreditam as suas antigas pedras a piedosa
magnificência de seu generoso Fundador"205. A fábrica grandiosa deste
mosteiro sugere igualmente a Francisco Xavier da Serra Craesbeeck (1726) o
seguinte: "(...) e sobretudo, coroada toda a malha da dita igreja, de ameas em
roda, mostrando à vista huma continuada antiguidade e huma veneração
respeitosa"206. No Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso a Igreja de
Cárquere (Lamego) é descrita em 1751: "(...) cuja capella-mór he de abobeda,
com arcos de pedra daquelles tempos, de tão boa arquitectura, que bem mostra
ser obra real207".
Estas observações não têm um carácter muito diferente do elogio que
Cirilo faz da Batalha. É certo que se trata de um teórico da arquitectura, e essa
diferença deve ser assinalada, mas situemos devidamente o seu apreço: ele faz-
se pela qualidade da "fábrica" e não pelo estilo gótico do mosteiro.
204
Barros, João de, Geographia d'entre Douro e Minho e Tras-os-Montes, [1549], Colecção
de manuscritos inéditos agora dados à estampa, V, Porto, 1919, p. 43, 47 e 59.
205
Santa Maria, Frei Agostinho de, Santuário Mariano e historia das imagens milagrosas de
Nossa Senhora, Lisboa, v. 4, 1712, p. 68.
206
Craesbeeck, Francisco Xavier da Serra, Memórias Ressuscitadas da Província de Entre
Douro e Minho no ano de 1726, Ponte de Lima, v. 2, Edições Carvalhos de Basto, Lda
1991, p.250.
207
Cardoso, Luis, S./v. Cárquere, "Diccionario Geographico", Lisboa, v. 2, 1751.
75
"chame-se a esta arquitectura nimiamente alta & magra, e diga-se que não he
architectura: mas he um edifício grandioso e sublime, que eleva a alma do
espectador, que exalta a sua imaginação, que o enche de profundo respeito, e
que lhe rouba invencivelmente toda a sua admiração"208.
Frei Francisco de S. Luís referencia implicitamente a obra de Cirilo
Volkmar Machado e a sua opinião sobre o gótico, a que já aludimos, para se
situar numa outra posição. Critica aliás a Colecção de Memórias (...) de Cirilo
por não se referir ao mosteiro da Batalha e aos artistas que nele trabalharam,
notando aí uma prova de negligência dos "nossos naturaes sobre as cousas da
pátria (...)"209.
A valorização do gótico é feita não pela teoria da arquitectura - nem o
autor em causa o poderia fazer - mas sim numa nítida oposição à depreciação
do gótico, e nessa oposição devemos notar um assinalável indicador de
mudança.
208
S. Luis, Frei Francisco de, O. c, p. 182.
209
Idem, ibidem, p .169-170.
210
Silva, Joaquim Possidónio Narciso da, O que foi e é Arquitectura e o que aprendem os
Arquitectos fora de Portugal (...), p. 12.
211
Idem, ibidem, p. 8.
212
Idem, ibidem, p. 8.
76
de Félibien e da sua obra de 1678 Recueil historique de la vie et des ouvrages
des plus célebres architectes, e será repetida por Laugier e Quatremère de
Quincy 213 . Possidónio ter-se-à inspirado mesmo em Quatremère e no seu
Dictionnaire d'Architecture da "Encyclopédie méthodique", tal é a semelhança
entre a distinção que faz do gótico e a que o teórico francês ali escreveu entre
1798 el825. 214 .
Apesar da classificação referenciar modelos antiquados o arquitecto
português situa-se mentalmente noutra época, ou melhor entre duas épocas. O
valor impressivo e místico do gótico leva-o a escrever que este tipo de
arquitectura devia ser sempre utilizada nos templos consagrados a Deus215.
213
Cfr., Choay, Françoise, O.c, p. 58-59.
214
Artigo citado por Lovejoy, A.O., La Redécouverte du Gothique in "Le Gothique des
Lumières" (...), p. 13.
215
Silva, Joaquim Possidónio Narciso da, O. c, p. 8.
216
[Varnhagen, Francisco Adolfo], S./a. O. c, p. 1, 8 e 9.
217
Idem, ibidem, p. 8-9.
77
também estrutural nos elementos tectónicos e nas abóbadas que neles se
sustentam.
Definido o estilo, o termo irá ser pouco utilizado durante grande parte do
século, mas a valorização do mosteiro - e do "estilo" - estava consagrada nas
páginas da revista de cultura mais lida da época218. Mesmo que em outros
textos continue a designar-se o mosteiro dos Jerónimos como um edifício
gótico-florido, ou a Torre de Belém de mourisca, a consagração do manuelino
e a sua colagem à estética romântica é um fenómeno que não mais deixará de
ganhar adeptos, precoces e tardios.
218
Recordamos que o texto de Varnhagen foi editado no mesmo ano de 1842, mas
primeiramente, no "Panorama". Cfr. nota supra.
219
Veja-se o que dissemos acima sobre o conceito de monumento na Memória (...) de Luís da
Silva Mouzinho de Albuquerque e o que escrevemos também, no capítulo sobre Mousinho e o
restauro do mosteiro da Batalha.
78
Prestemos agora atenção aos monumentos medievais preferidos e por isso
mais frequentemente mencionados e ilustrados na i m p r e n s a da primeira
metade do século, e também à forma como são classificados estilisticamente 220 .
220
O critério de selecção destas fontes assentou nas seguintes variáveis: são precoces,
ilustradas, tiveram grande tiragem, a sua missão era pedagógica, pretendiam ilustrar de forma
distrativa as "classes laboriosas", têm como fundadores, directores e colaboradores, escritores,
eruditos, historiadores, publicistas e literatos de grande projecção cultural como Herculano,
Garrett, Castilho, Vilhena Barbosa, Varnhagen, Rodrigues de Gusmão, etc., alguns
exemplares atravessam as décadas de 30 e 40 e estendem-se para além delas.
A periodicidade das publicações varia ao longo dos anos e nem sempre é possível conhecê-la
por ausência de datação nas mesmas. Sabemos que "O Recreativo", o "Jornal Enciclopédico" e
o "Universo Pittoresco" são publicações mensais. "O Panorama", "O Archivo Popular", "O
Recreativo" e a "Revista Universal Lisbonense" são semanários, embora a sua edição não seja
sempre regular. "A Nação" é um jornal diário e uma das publicações mais lidas na época.
Note-se que houve interrupções na publicação de algumas revistas. "O Panorama", por
exemplo deixou de ser publicado entre 1844 e 1846, daí que não tenhamos registado textos e
imagens de 1845.
Sobre os locais de publicação consulte-se: Fontes e Bibliografia, no v. 2 deste trabalho.
79
1840 Padrão de Idem sim
Guimarães
1840 Colegiada Idaan gótico
Guimarães
1840 Batalha 0 Panorama gótico sim
1840 Batalha 0 Mosaico gótico sim
1841 Batalha (CL) Universo Pitoresco sim
1841 Sé Velha Idem gótico sim
1841 Sé de Lisboa Idem sim
1841 Conceição Idem gótico sim
Velha
1841 Batalha (CF.) Idem sim
1841 Jerónimos Idem sim
1841 Muralha de Revista Universal
Lisboa Lisbonense
1841 Castelo da Feira O Panorama mourisco sim
1842 Jerónimos Idem manuelino sim
1842 Convento de Idem
Cristo
1842 I. de Pombeiro Idem
1842 I. deJ esus de Idem sim
Setúbal
1842 I. de Cedofeita Idem sim
1842 I. de Rates Idem gótico sim
1842 Sé de Lisboa Idem sim
80
1843 Batalha (C.C.) Universo Pitoresco sim
1843 Batalha (CL) Idem sim
1843 Jerónimos Idem gótico sim
(P.O.)
1843 Sé de Évora Idem gótico- sim
-florido
1843 Convento de Revista Universal
Cristo Lisbonense
1843 Sé Velha Idem
1844 Matriz de 0 Panorama gótico sim
Caminha
1844 Paço de Sousa Idem sim
1845 I. de Abragão Revista Universal
Lisbonense
1846 Alcobaça Idem
1846 Batalha Idem
1847 Batalha Idem
1847 I. de Boa Novaldtem sim
Terena
1847 I. de Santa A Nação
Cruz de
Coimbra
1848 Paço de Sousa Idem
1849 Sé Velha A Época
* C. - claustro
C.C. - Casa do capítulo
CF. - Capela do Fundador
C l . - Capelas Imperfeitas
P.O.- portal ocidental
1) Mosteiro da Batalha
81
2) Mosteiro dos Jerónimos
3) Sé de Lisboa
4) Sé Velha de Coimbra
5) Mosteiro de Alcobaça
6) Igreja de Santa Cruz de Coimbra
Igreja da Conceição Velha de Lisboa
Convento de Cristo de Tomar
7) todos os outros 15 monumentos que são mencionados apenas uma vez.
221
Cfr. Riegl, Alois, O. c, p. 28.
82
engloba na categoria dos monumentos intencionados, relembra o mesmo
acontecimento e o seu fundador é um herói de Aljubarrota, assim como a
colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, cuja reforma foi motivada por um
outro voto de D. João I feito naquela batalha. Igualmento tido como um
monumento intencionado é o mosteiro dos Jerónimos cuja origem, segundo a
leitura da época, reside na intenção de D. Manuel de comemorar a descoberta
do caminho marítimo para a índia.
A fundação do mosteiro de Alcobaça radica num voto de D. Afonso
Henriques, quando conquistava Santarém aos mouros, recorda a fundação da
monarquia, o começo da ordem de S. Bernardo e a introdução da arquitectura
normando-gótica-moderna.
Recorrendo mais uma vez às categorias definidas por Riegl falamos de
monumentos intencionados quando o seu valor comemorativo nos é imposto
pelos seus fundadores. Os monumentos não intencionados correspondem
àqueles cujo valor comemorativo é determinado a posteriori, valor
necessariamente relativo. Mas ambos possuem um valor de comemoração,
lembram, advertem e por isso designamos as duas categorias por
monumentos222. Se a Batalha é um monumento nitidamente intencionado, é
simultaneamente um monumento não intencionado, quando quem escreve
sobre ele lhe atribui valores comemorativos contemporâneos que ultrapassam
o voto da fundação. Atente-se na sobreposição dos dois valores comemorativos
no caso do mosteiro de Alcobaça. Começa por ser considerado um voto - um
monumento no sentido etimológico do termo - mas também recorda outros
três "factos históricos" adquirindo um valor comemorativo que lhe é
conferido pelo autor do texto. É um monumento e um monumento histórico.
Os outros monumentos pertencem à categoria dos não intencionados, mas,
como vimos possuem um valor comemorativo semelhante aos anteriores, não
obstante essa qualidade lhes ser atribuída por quem os referencia.
A Sé de Lisboa foi fundada por D. Afonso Henriques, celebra a
conquista da cidade aos mouros e guarda as cinzas da família real e da
nobreza, até ao reinado de D. Afonso IV. Santa Cruz de Coimbra foi fundada
por D. Afonso Henriques. A Sé Velha de Coimbra ora é atribuída ao tempo
dos godos e logo tranformada em baluarte da fé cristã que "venceu" os
mouros, ora a sua fundação é devida ao nosso primeiro rei e então, é um livro
de pedra onde estão escritas as qualidades de duas lídimas gerações: a
severidade da fé dos soldados de Ourique e a esperança dos navegadores, ou
seja a fundação da nacionalidade e o impulso que conduziu aos
222
Idem, ibidem, p. 28-29.
83
Descobrimentos. A Sé de Évora demonstra, na sua antiga fábrica a singeleza e
modéstia da monarquia nascente. O convento de Cristo de Tomar é coevo da
nacionalidade e de um dos seus mais aguerridos fautores, Gualdim Paes, assim
como a igreja de Santa Maria do Olival. A igreja do mosteiro de Pombeiro
possuíra uma galilé onde estavam esculpidas as armas da mais antiga nobreza
de Portugal. O mosteiro de Rates foi levantado das ruínas por D. Henrique e
D. Teresa depois da destruição causada pelos mouros. Paço de Sousa é um
mosteiro anterior à nacionalidade que guarda as cinzas e o túmulo onde está
figurada - lembrada - a história de Egas Moniz, máximo símbolo da honradez
e probidade. A igreja de Cedofeita é valorizada pela sua antiguidade e porque
resultou de um voto do rei suevo Teodomiro, que conduziu à sua conversão ao
catolicismo. Abragão é uma pequena igreja fundada por D. Mafalda, filha de
D. Sancho I. Os castelos, muralhas e a igreja de Boa Nova de Terena
impondo-se pelo seu perfil militar, correspondem à reconquista e à definição
do território nacional. O portal da igreja Conceição Velha de Lisboa é o que
resta da fundação de D. Manuel, e foi erigida pelos nossos afortunados avós no
tempo da nossa glória. À igreja de Jesus de Setúbal associa-se o nome ilustre
do rei Venturoso. A matriz de Caminha, é curioso notá-lo, é valorizada pela
sua construção e beleza. D. Manuel teria contribuído para a sua fundação, mas
os senhores da obra foram os habitantes da vila.
84
todos entendidos como góticos mas o que se impôs primeiramente não foi o
estilo, mas sim os monumentos enquanto memória, numa valorização geral
pelo passado de Portugal antes da "decadência".
Nesta sobrevalorização do monumento enquanto memória, relativamente
ao estilo e à estética dos edifícios, se definem o que poderemos designar por
dois mitos sobre a arquitectura medieval: o mito construtivo e o mito social.
O mito construtivo radica na crença na firmeza das construções, que
atravessaram séculos porque eram sólidas, e essa qualidade cruza-se com as
virtudes dos fundadores da nacionalidade. Ambos conferem segurança: os
edifícios e o passado (a História).
O mito social radica na crença do dinamismo que permitiu a Reconquista,
o retomar da independência e os Descobrimentos. Foi esse dinamismo dos reis
e do povo que permitiu a construção de monumentos tão sólidos.
É na solidez da arquitectura e da História, ou melhor na sua equivalência,
que assenta a valorização do património e a vontade de o conservar. Não
cremos que a perda de função da arquitectura religiosa tenha constituído um
factor decisivo na consagração do monumento histórico. A maioria das igrejas
continuou a desempenhar as suas funções litúrgicas, os castelos já estavam
arruinados desde há muito e os edifícios religiosos também se tinham
degradado. É verdade que houve um maior abandono depois da extinção das
Ordens, mas foi precisamente o facto de esse abandono ser brusco que
contribuiu para se formar a consciência de que os monumentos arquitectónicos
são fundamentais para a memória da nação. Um fenómeno não exclui o outro,
mas este último é mais importante.
O receio de perder a memória do passado é que motiva o homem a
conservar, porque o passado é uma herança. É quando se adquire a consciência
que essa herança pode desaparecer, que já não é eterna como a solidez dos
edifícios parecia indicar, que se começa a zelar conscientemente pela sua
conservação.
O mesmo fenómeno leva-nos hoje a declarar espécies animais e vegetais
como património da humanidade, que deve ser conservado. A acção predadora
do homem levou ao desaparecimento de algumas espécies e à consciência da
sua irrecuperabilidade, ou melhor à consciência que a natureza não é eterna e
não se pode repetir. A mesma angústia tiveram os homens da primeira metade
do século XIX perante a História, ou melhor, perante a perda das reservas de
memória do passado.
85
1.9. Passado, progresso e desencanto
223
Cfr. Ribeiro, Maria Manuela Tavares, A Regeneração e o seu significado in "História de
Portugal", v. 5 (direcção de José Mattoso), Lisboa, Círculo de Leitores, p. 121-129.
86
portuguesa224. Vivia-se na época uma intensa polémica entre nacionalistas e
iberistas225 e por isso o texto de Vilhena Barbosa faz do mosteiro da Batalha
uma alegoria da independência nacional, de forma mais sublinhada e
impositiva do que o fizeram os autores da primeira metade do século. Neste
caso o mosteiro já não é um monumento nem um símbolo, é um signo, um
sinal identificativo da autonomia da pátria, como um estandarte.
Sendo repetidas inúmeras vezes as mesmas estórias sobre os edifícios ou
a mesma perplexidade perante o seu abandono e degradação, não encontramos
uma correspondente acção governativa que desse resposta eficaz a esta questão
tantas vezes mencionada. Existe uma enorme discrepância entre o apreço pelos
monumentos e a sua conservação na opinião veiculada pela imprensa, e a
vontade política e um quadro cultural capazes de uma acção concertada.
224
Barbosa, Inácio de Vilhena, Mosteiro da Santa Maria da Victoria vulgarmente chamado da
Batalha, "Archivo Pittoresco", Lisboa, v. 8, n° 1, 1865, p. 1-5. Cfr. as gravuras referidas no
cap. I, v. 2 deste trabalho.
225
Cfr. Catroga, Fernando, Nacionalistas e iberistas, in "História de Portugal", v. 5 (direcção
de José Mattoso), Lisboa, Círculo de Leitores, p. 563-567.
226
[Herculano, Alexandre] S./a., Homenagem ao Antigo e ao Moderno, "Revista Universal
Lisbonense", Lisboa, v.2, n° 15, 29 Dez. de 1842, p.183.
227
Herculano, A., Uma Villa-Nova Antiga, "O Panorama", Lisboa, v.2, n° 104, 23, Dez.,
1843, p. 404.
87
Não ralhamos dos caminhos de ferro e das cadeiras á Voltaire, Deus nos
livre; mas não podemos deixar de bradar alto contra o vandalismo e a
barbaridade"228.
O combate à ideia do progresso a todo o custo, que destrói para construir
será um dos aspectos nucleares da intervenção política de Herculano e dos
"Históricos", facção da qual é um dos principais mentores.
O crescimento urbano e a abertura de novas vias, a vontade das Câmaras
de apresentarem obra, a ideia de fomento, os benefícios políticos e pessoais,
tudo se conjugava para que uma série de demolições desse lugar a novas
praças, que a pedra das muralhas fosse utilizada nos arruamentos e nas casas
particulares de alguns "camaristas"229. A história distinguirá o século "pelo
epitheto de bota-abaixo" escreve Rodrigues de Gusmão em 1856, citando
Herculamo, a propósito da demolição da igreja de Santa Maria Madalena de
Portalegre documentada desde os meados do século XIII230. Mais uma vez se
percepciona a poderosa influência de Herculano que é constantemente citado,
repetido e glosado. "Que é o mosteiro de Alcobaça comparado com a melhor
estação dos nossos caminhos de ferro?" pergunta-se num jornal em 1862231.
O desencanto pela incapacidade do liberalismo neste campo é evidente em
autores como Pinheiro Chagas: "(...) pensavam que destruindo os edifícios,
profanando as sepulturas e os templos, roubando os livros, os quadros e as
alfaias, melhor cimentavam os alicerces da liberdade. E ao cabo de tanta
destruição, passados trinta annos o que teem construído?232".
A insistência na ideia negativa do progresso urbano que destrói o passado
provoca a justificação, acertada ou não, de quem necessita promover novas
vias e edificações:
"Haverá porventura (...) nesses destroços do convento de S. Domingos
[do Porto] os rendados lavores da architectura gothica, ou as columnas e
architraves do mais apurado estylo greco-romano - quaesquer primores d'arte,
ou sequer vestígios délies, que absorvam alli a attenção do antiquário como em
frente do magestoso convento da Batalha ou no meio das ruinas de
Herculanum e Pompeia?
228
S./a., Um Monumento na Sé de Lisboa, "O Panorama", Lisboa, v.9, n° 3, 19, Out., 1846,
p. 21.
229
Chaves, Germano, Bibliographia. , "O Panorama", Lisboa, v. 2, n° 12, 19, Março, 1853,
p. 95. O autor noticia a demolição de parte da muralha e de uma torre da cerca da Covilhã, cuja
pedra foi utilizada em edificações particulares de membros da Câmara Municipal.
230
Gusmão, Rodrigues de, Brevíssima noticia da Parochial Egreja de Santa Maria Magdalena
da cidade de Portalegre, "A Nação", Lisboa, n° 3283, 12° ano, 21, Out., 1856, p.l.
231
"O Amigo da Religião", Lisboa, n° 24, 13, Ag., 1862.
232
Folhetim I . Reminiscências. Santarém (...), "Jornal do Commercio", Lisboa, n° 2992,
3,Set., 1863, p.l.
88
Nada disso (...) são minas triviais"233.
As ruínas desfeiavam o local, com grande prejuízo de novas edificações.
Os interesses imobiliários constituíam um factor de pressão, as cidades
necessitavam de um equipamento arquitectónico adaptado aos novos tempos, e
a verdade é que não se podia conservar tudo. Interessa-nos contudo sublinhar
que exemplos como este são significativos da importância e do peso na opinião
pública no que diz respeito à necessidade de conservação dos monumentos, e
elucidam-nos acerca da sua amplitude e respectiva ponderação no pensamento
sobre património e restauro na época que questionamos.
233
S./a. , A cerca e edifício do Extincto Convento de S. Domingos, "O Jornal do Porto",
Porto, n° 83, 12, Abr., 1865, p. 1.
234
Cfr. "O Panorama" (...), v. 16, n° 29, p. 225-226, n° 39, p. 305-306.
89
Vilhena Barbosa235, apesar de haver uma colaboração mais esparsa de Augusto
Filipe Simões e de Augusto Mendes Simões de Castro. Outros artigos são da
autoria de correspondentes locais, processo utilizado já em "O Panorama",
desde a sua fundação, permitindo uma rede de informações sobre os edifícios e
o seu estado, estendida a uma boa parte do país. As gravuras tinham vindo a
adquirir maior qualidade e abrangiam um número mais vasto de monumentos.
No "Arquivo Pitoresco" são quase invariavelmente da autoria de João
Pedroso, Nogueira da Silva e Caetano Alberto. Depois de 1860 começam a
aparecer gravuras copiadas de fotografias da autoria de Carlos Relvas236.
Embora haja uma nítida evolução qualitativa no desenho dos
monumentos, no tratamento da perspectiva e no detalhe dos elementos
decorativos, e a preocupação pictórica de colocar personagens junto aos
edifícios para melhor percepcionarmos a sua escala, há exemplares que não
são desenhados a partir da observação directa, mas através de cópia de outras
gravuras ou de esboços imprecisos, o que por vezes resulta na criação de
imagens pouco fiéis ou mesmo muito diferentes do modelo. A análise
iconográfica dos monumentos deve procurar um número o mais alargado
possível de reproduções e atender à sua hipotética idealização, não obstante, a
qualidade da gravura ter tido uma evolução considerável depois dos meados do
século.
235
Parte destes artigos foi publicada em livro em 1886, alguns deles depois de ampliados:
Monumentos de Portugal, históricos, artísticos e archeologicos,\Á^>o'à, 1886.
236
Cfr. a gravura da matriz da Golegã editada no "Archivo Pittoresco", Lisboa, v. 10, n° 21,
1867, p. 161. Veja-se no cap. I, v. 2 deste trabalho a respectiva gravura em Golegã (Nossa
Senhora da Conceição, matriz)
90
4) apelo ao restauro e conservação por parte das autoridades públicas e
ecleseásticas, sugerindo por vezes o seu aproveitamento para instituições de
carácter filantrópico;
5) crítica às obras de reparação que englobem caiações, pinturas e
demolições de parcelas "antigas". Elogio aos restauros feitos no "estilo
primitivo".
6) ideia de decadência da arquitectura de oitocentos, "simbolizada pela
cal", em oposição ao arrojo patente nas construções do passado.
237
Cfr. Simões, Augusto Filipe, Paços reaes de Évora, "Archivo Pittoresco", Lisboa, v. 11,
n° 6, 1868, p. 161, p. 41-42.
91
"Illustração Popular" é visível quanto a prática do restauro, principalmente do
mosteiro da Batalha, e também do mosteiro dos Jerónimos que então
começava, foi um fenómeno gerador de opinião. Juntamente com as
advertências ao governo e às municipalidades começam a emergir opiniões
sobre a forma de conservar não só os edifícios, mas também os seus
enquadramentos, difundindo-se a ideia que os monumentos devem ser
"desafrontados" e percepcionados como um todo.
Como noticia a "Illustração Popular" a Câmara Municpal de Alcobaça
aforou a um particular, um terreno na praça que rodeia o mosteiro,
aforamento confirmado pelo governo em 1872. Este caso originou um
protesto da autoria de um médico de Alcobaça que escreveu: "2o que qualquer
edificação alli levantada vai obstruir a praça, e affrontar a perspectiva do
monumento, incúria esta que assiste a quasi todos os monumentos pátrios; 3 o
que sendo o monumento o incentivo para attrahir á localidade os viajantes,
hoje mais numerosos (...) é esta concorrência uma fonte de riqueza para seus
habitantes, e não se deve permitir por isso a aniquilação da praça, e do ponto
de vista, que deixa analysar a grandeza do monumento"238
238 protesto de animadversão publica a todos aquelles que tentam contra os monumentos e
principalmente contra o mosteiro D'Alcobaça, "Illustração Popular", Lisboa, t 5 v 4 n° 19
1872, p. 3.
92
dirigindo "O Conimbricence" faz deste jornal um dos que mais
insistentemente, durante toda a segunda metade do século 239 , maior atenção
dedica aos apelos e às notícias sobre a conservação e o restauro dos
monumentos medievais de Coimbra.
As seis constantes que vimos enformarem os textos de Vilhena Barbosa
no "Arquivo Pitoresco" são comuns à maioria dos artigos publicados nos
jornais, não excluindo certamente algumas variantes. A estrutura é no entanto
semelhante, embora os protestos pelo estado ruinoso dos edifícios sejam mais
veementes, assim como o tom em que são feitos os apelos ao restauro 240 .
A motivação primeira na escolha dos edifícios merecedores de atenção
continua a ser a mesma que encontrámos na primeira metade do século, ou
seja, a categoria de monumento histórico. Embora se insista na arquitectura
arrojada das construções efectuadas até ao reinado de D. Manuel, esta
qualidade é enfatizada mais como contraposição à arquitectura oitocentista,
decadente e sem qualidade, do que como um entendimento da arquitectura
medieval. Aliás entendemos que o carácter aliterativo destes textos, na sua
maioria, lhes imprime um empobrecimento na compreensão do fenómeno
artístico e no estudo dos monumentos como objectos de arte, relativamente às
décadas da consagração do monumento histórico A insistência nos aspectos de
memoração da história sobrepõe-se totalmente ao estudo estético e artístico e o
monumento/documento da História pátria emerge como o principal motivo da
sua valorização. Não deveremos falar de retrocesso conceptual, mas podemos
indicar uma estagnação dos conceitos formulados e consagrados
anteriormente, que numa boa parte da escrita sobre arte se mantêm, nos
periódicos não especializados, até ao primeiro quartel do século XX. Sem
dúvida que há correntes paralelas, mais cultas e acertadas, mas neste momento
estamos apenas a referirmo-nos aos textos sobre monumentos publicados nos
jornais.
93
A partir dos finais da década de sessenta a fotografia deu alento a novas
publicações especialmente atentas aos monumentos. Não obstante a sua curta
duração a "Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal com vistas
photographicas" foi publicada por Joaquim Possidónio Narciso da Silva, com
os auspícios da família real241. Álbum luxuoso, mostrava edifícios como as
Sés de Lisboa e Coimbra, a igreja e o claustro de Santa Cruz, Santa Clara-a-
Velha, o claustro do convento de S. Francisco de Santarém e o claustro dos
Jerónimos, numa clara preferência por construções da época medieval.
Um pouco mais tarde (1869) surge em Coimbra uma revista destinada a
mais prolongada edição. Ilustrado com fotografias de Carlos Relvas o
"Panorama Photographico de Portugal", fazia acompanhar as imagens com
textos da autoria de Augusto Filipe Simões e Augusto Mendes Simões de
Castro, que denotam um acrescido rigor descritivo e uma atribuição estilística
mais precisa. Algum descrédito na disciplina do restauro é visível na escrita
de A. Filipe Simões, quando em referência aos vitrais da Batalha e às novas
construções de Belém, em 1874, constata que as imitações não possuem a
qualidade dos originais242.
Na categoria das publicações ilustradas a segunda metade do século é
marcada pela edição de "O Ocidente" (1878-1814), periódico onde a gravura
sobre madeira demonstra um desenvovimento considerável. As imagens dos
monumentos tornam-se mais precisas e rigorosas, sendo muitas gravuras
elaboradas a partir de fotografias. O grande contributo desta revista na
divulgação do culto pelos monumentos radica na qualidade e quantidade das
imagens que editou. Nos textos respectivos, o avanço da disciplina da História
de Arte só é assinalável no último decénio do século. Até então persiste a
utilização de terminologia imprecisa e ultrapassada pelo desenvolvimento da
História da Arte medieval em França e também em Portugal, como veremos.
O mosteiro dos Jerónimos é descrito como um edifício manuelino em
1880243, e em 1894 como gótico-florido mesclado de feições árabes™. A Sé
241
A "Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal com vistas photographicas (...)", Lisboa,
foi editada entre 1862 e 1863.
242
Simões, A. Filippe, Claustro do Mosteiro de Santa Maria de Belém, "Panorama
Photographico de Portugal", Coimbra, v. 4, Jan. 1874, p. 2.
243
Acácio, Abel, Architectes da Batalha e dos Jerónimos, "O Occidente", Lisboa v 3 n° 52
15, Fev., 1880, p. 31.
244
Janella da Casa do Capitulo no Convento de Christo, em Thomar, "O Occidente" Lisboa
v. 17, n° 541, 1, Jan., 1894, p.3.
94
de Coimbra é normanda, o castelo de Lisboa mourico245, Paço de Sousa é
bizantino ou gótico246.
s
245
Acácio, Abel, Architectes da Batalha e dos Jerónimos, (...), p. 31.
246
Mosteiro de Paço de Sousa, "O Occidente", Lisboa, v.7, n°186, 21, Fev., 1884, p.43, e v.
14, n°451, 1, Julho, 1891, p. 146,
247
Pereira, Gabriel, Monumentos de Évora II, A Sé, "O Occidente", Lisboa, v.15, n°502, 1,
Dez., 1892, p. 275.
248
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.l, p. 407. Camilo
Castelo Branco, Bulhão Pato, Latino Coelho, Pinheiro Chaves , Tomás Ribeiro assinaram
vários artigos.
249
Sobre monumentos escreveram: Rangel de Lima, Brito Aranha, António Francisco Barata,
I. de Vilhena Barbosa, Pereira Caldas, J. Ribeiro Guimarães, A.A. da Fonseca Pinto, I.
Francisco da Silva, A. Filipe Simões e Francisco M. Tubino.
250
A archeologia, "Revista das Sciencias Eccleseasticas", Coimbra, v.4, n°s 6 e 10, 1873-
1874, p. 241-243,459-465, 540-549.
95
A tanta prolixidade não corresponde um avanço na escrita sobre a
arquitectura da Idade Média, mas já o culto dos monumentos, os apelos à
conservação e os elogios ou as críticas e detracções aos restauros são temas
constantemente abordados.
A imprensa é um fenómeno da mais alta importância no liberalismo, e o
protagonismo dos monumentos medievais e das questões a eles associadas deve
ser entendido no quadro desse fenómeno.
O culto dos monumentos e os apelos à sua conservação prosseguem por
todo o século em franca desproporção com a evolução da cultura artística.
Podemos afirmar que os dois aspectos quase se excluem, ou melhor, a
valorização dos monumentos medievais e da sua manutenção, não necessitou
no decorrer do tempo de um avanço da História de Arte para conservar a sua
premência, porque lhe é exterior. Decorre, quase invariavelmente, da
produção simbólica e mítica da identidade nacional.
Referimo-nos, evidentemente, à valorização dos monumentos nos géneros
de imprensa que acabámos de analisar. Outras publicações, mais eruditas
editavam, na mesma época, textos que marcam a evolução da historiografia da
arte portuguesa e que foram contributos fundamentais nos restauros pensados
e praticados no final do século, como o da Sé-Velha de Coimbra e o da Sé da
Guarda. Mas o que pretendemos sublinhar é que a ideia patente nos projectos
destes restauros, que para conservar é preciso conhecer, é um aspecto paralelo
à valorização dos monumentos medievais mas não lhe é necessário.
Deste quadro mental de sobrevalorização simbólica dos monumentos
pátrios como fenómeno autónomo da cultura artística, resultam a inoperância
das leis, a classificação monumental tardia e a ausência de lucidez na selecção
de projectos de restauro como o do mosteiro dos Jerónimos.
251
Publica-se desde 1852.
252
Simões, Augusto Fillipe, Relíquias da achitectura romano-byzantina em Portugal e
particularmente na cidade de Coimbra, Lisboa, 1870,
96
características estilísticas da arquitecura da época românica253, exemplificadas
nos elementos estruturais e decorativos das igrejas coimbrãs. E o primeiro
autor a estudar as construções românicas como objectos artísticos diversos até
então quase sempre incluídos no estilo gótico, e a distingui-los do "estilo
ogival" exemplificado por Santa-Clara-a-Velha e pelos mosteiros de S.
Francisco e S. Domingos, destruídos pelas cheias do Mondego. Estudo
esclarecido, aí o autor prefere a designação "francesa" de estilo romano-
bizantino, que lhe parece mais ajustada com a "genealogia" da arquitectura
praticada na Europa desde o principio do século XI, embora refira o termo
românico "bem como dizem os hespanhoes" e o adjectivo português que
melhor lhe corresponde: romão254
Nos países europeus, como a França e a Itália, possuidores de vastíssimos
conjuntos de construções da época românica, o estudo sobre a diversidade da
arquitectura da época medieval, tinha lugar desde o primeiro quartel do século
XIX. Dando continuidade ao processo de divisão temporal dos estilos iniciada
por Winkelmann no século XVIII, no início do século XIX definiam-se os
princípios para uma nova classificação dos períodos artísticos posteriores às
artes grega e romana.
Em França, os membros da Société des Antiquaires de Normandie
protagonizaram essa classificação. Gerville, membro desta sociedade, redige
em 1819 duas monografias onde introduz o termo roman para designar toda a
arquitectura medieval produzida "depois da dominação romana e anterior ao
século XIII"255. O gótico, segundo o local de implantação recebia a designação
de saxónico, normando e lombardo, espécies reunidas num único género, o
românico 256 . Gerville, como Arcisse de Caumont, tivera uma primeira
formação orientada para as ciências naturais e o contacto com os naturalistas,
sobretudo com a obra de Karl von Linné, que estabelecera uma classificação
tipológica dos seres vivos, teve uma influência decisiva na taxinomia aplicada à
arquitectura pelos dois estudiosos257.
Arcisse de Caumont retoma o termo românico e a classificação indicados
por Gerville, nas suas obras L'Achitecture religieuse au Moyen Âge (1824),
Cours d'antiquités monumentales (1831-1843) e Abécédaire ou Rudiment
253
Simões, A. Fillipe Simões, Da Arquitectura religiosa em Coimbra durante a Idade Média,
"O Instituto", Coimbra, v. 18, n°s. 7 a 12, Nov.-Abril, 1873-1874, p. 254-277.
254
Idem, Ibidem, p. 8.
255
Guarisco, Gabriella, Românico. Uno stile per il restauro, L'attività di tutela a Como, 1860-
1915, Milão, Franco Angeli. 1992, p. 54.
256
Idem, ibidem, p. 54.
257
Bercé, Françoise, Arcisse de Caumont et les Sociétés Savantes in Pierre Nora (direction
de), "Les lieux de la mémoire. La Nation **" (...), p. 539.
97
d'archéologie (1850) 258 . A teoria evolutiva da arte medieval de A. de
Caumont, foi de tal forma dominante que, segundo escreveu Jean Hubert em
1953 o Abécédaire (...) foi o único guia dos arqueólogos franceses até ao
início do século XX, uma vez que a sua obra foi constantemente copiada,
asxavando-se os seus erros259.
A influência da obra de A. de Caumont foi muito vasta. Em 1875 o
Abécédaire (...) era editado pela sexta vez, e em Portugal publicou-se uma
tradução da autoria de Joaquim Possidónio Narciso da Silva em 1878260,
adaptada com exemplos portugueses, utilizando as gravuras da versão original,
sob o título Noções Elementares de Archeologia
A. Filipe Simões, no seu livro de 1870 cita aquela trabalho, e toda a
análise sequente que faz da arquitectura românica é subsidiária desta obra de
Caumont, a mais citada pelos autores portugueses como J.P. Narciso da Silva e
Gabriel Pereira, entre outros.
258
Idem, ibidem, p. 540.
259
Citado por Idem, ibidem, p. 540.
260
Cfr. Gusmão, Artur Nobre de, A expansão da arquitectura borgonhesa e os mosteiros de
Cister em Portugal, Lisboa, 1956, p. 71-72.
2
6i Cfr. Colecção de Leis de 1800 a 1802, Lisboa, p. 262.
98
respectivas jurisdições. Situação inoperante por falta de meios, num quadro
administrativo nacional renovado com as reformas do liberalismo, esta função
do Bibliotecário-mor quase não se exercia.
Os monumentos tratados por Mendes Leal são os seguintes:
- Castelo de Almourol
- Mosteiro dos Jerónimos
- Paço acastelado da Pena
- S. João de Alporão
- Sé de Lisboa
- Torre de Belém
262
Leal, José da Silva Mendes,Monumentos Nacionaes, Lisboa, 1868, p. 21.
263
Idem, ibidem, p. 139.
264
Idem. ibidem, p. VI-VIL
99
historiografia da arte portuguesa é o corolário de um dos temas desenvolvidos
em programa de conferências sobre história da arte peninsular, realizadas por
este autor no Porto e em Lisboa entre 1880 e 1883265. Joaquim de Vasconcelos
questiona a Noticia historica(...) de Varnhagen de 1842, sobre a existência do
estilo manuelino. A caracterização da arte manuelina fora feita por Varnhagen
essencialmente segundo os elementos decorativos. Para Vasconcelos o que é
fundamental para definir um estilo são os aspectos estáticos e construtivos: a
planimetria, os alçados, os perfis de colunas, pilares, arcos e abóbadas. Só
através de um estudo comparativo desses elementos, afirma, seria possível
verificar a originalidade das concepções artísticas do reinado de D. Manuel, e
conclui que não existe originalidade nos elementos estáticos, uma vez que
encontra exemplos paralelos na arquitectura espanhola da mesma época266.
Vasconcelos insere o manuelino nas correntes do gótico final europeu, ou seja
na época da "desorganização" do estilo267.
Devemos situar esta argumentação de Joaquim de Vasconcelos no
ambiente de discussão em torno da existência de um estilo nacional. A
Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola realizada em 1882,
desencadeara uma polémica, que já vinha de trás, sobre a existência de uma
arte original portuguesa268. A argumentação de Vasconcelos, alicerçada numa
formação adquirida na Alemanha que em Portugal nenhum outro autor
possuía na época, pretendia também demonstrar que a originalidade da arte
portuguesa estava nas "industrias populares e caseiras", cujo alento residia na
alma popular269. O mito romântico da pureza do povo, e logo das suas artes,
faz parte de um tema mais amplo que não podemos aqui desenvolver porque
remete para questões de índole diversa do núcleo do nosso trabalho, apesar de
lhe ser adjacente. Convém, apesar disso, notar que Joaquim de Vasconcelos,
como os seus contemporâneos, não podia compreender a autonomia da arte
porque entendia dever desempenhar um papel generoso na felicidade dos
povos, e recorrentemente na valorização da arte popular e da sua
especificidade nacional.
265
Vasconcellos, Joaquim de, Da Arquitectura Mauelina in "Historia da Arte em Portugal
(sexto estudo)", Coimbra, Imprensa da Universidade, 1885, p. 17.
Cfr."Arte Portuguesa", Porto, 1882.
266
Idem, ibidem, p. 9-12.
267
Idem, ibidem, p. 14.
268
Cfr. o que escrevemos sobre esta Exposição e respectiva polémica, em colaboraçãp com
Maria da Conceição Meireles Pereira, Arte e Nacionalidade - uma proposta de Yriarte a
propósito da Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola de 1882, "Revista da
Faculdade e Letras", Porto, 2a s., v. 8, Porto, Universidade do Porto, 1991, p.327-338.
269
Vasconcellos, Joaquim de, O.c, p. 16.
100
Não obstante, a desvalorização que faz da arte manuelina como arte
"portuguesa" e a valorização, um pouco mais tardia (1908,1914) 270 da
arquitectura românica, apesar de aí procurar uma relação entre os elementos
decorativos e as indústrias caseiras nacionais, não deixam por isso de patentear
análises rigorosas e modernas da arquitectura, inseridas na sua variada
produção de história de arte, que lhe confere um lugar pioneiro no
desenvolvimento da disciplina em Portugal.
Em 1900 a obra de Albano Bellino Arqueologia Cristã (...), dedica
particular atenção aos edifícios da época românica em vertente essencialmente
descritiva. Desenvolve a história dos monumentos, e não os seus aspectos
artísticos. Por proposta sua as igrejas românicas de S. Pedro de Rates (Póvoa
de Varzim) e Serzedelo (Guimarães) foram classificadas em 1897, como
monumentos nacionais271.
As obras de José Pessanha A Arquitectura Bizantina (1903) e de Augusto
Fuschini, A Arquitectura religiosa da Idade Média (1904), indiciadoras de um
interesse cada vez mais alargado pela alteridade da arte românica, não deixam
por isso de a englobar num processo evolutivo de caminho formal para a arte
gótica, ponto de perfeição, de que o românico é uma etapa. Para Fuschini o
conjunto da Batalha é perfeito e elege o século XIII, o das "monarquias
feudais", como o mais brilhante da Idade Média. Considera que Portugal não
possui nenhum exemplar "completo e rico" do estilo românico. Os que existem
são pequenos, pobres e estão adulterados. Por isso restaurará a Sé de Lisboa
imprimindo-lhe o aspecto que melhor lhe parece traduzir a fisionomia especial
do estilo românico: a severa solenidade e o aspecto de força. Numa imprecisão
desajustada no tempo da escrita sobre arte, depois da edição de obras atrás
referidas e dos caminhos seguidos pela historiografia de arte europeia,
Fuschini engloba a Sé da Guarda no grupo de monumentos românicos de
"relativa importância" como a Sé de Coimbra e a de Lisboa 272.
O estudo de Manuel Monteiro, São Pedro de Rates - com uma introdução
acerca da arquitectura românica em Portugal, (1908) inaugura
270
Cfr. os texto deste autor: Ensaio sobre a Architecture! Românica em Portugal, "Arte.
Archivo de Obras de Arte", Porto, n°s. 37 e 38, 31, Jan. e 28, Fev., 1908. p. 6-8 e 14-16;
Arte Românica em Portugal, Porto Marques Abreu, 1918, p. 3-76. (o texto publicado em
1918, como introdução ao conjunto de fotografias de Marques Abreu, corresponde a uma
conferência realizada no Porto em 1914 no âmbito da exposição das mesmas fotografias)
271
Bellino, Albano, Archeologia Christã. Descriçpção histórica de todas as egrejas, capellas,
oratorios, cruzeiros e outros monumentos de Braga e Guimarães, Lisboa, Empresa da Historia
de Portugal, 1900, p. 129 e 132.
272
Pessanha, José, A Architectura Byzantina, Lisboa, 1903, Fuschini, Augusto, A
Architectura religiosa da Edade Média, Lisboa, 1904, p. 274, 126, 125, 151 e 139,
respectivamente.
101
significativamente uma fase de observação estilística e comparativa da arte
românica portuguesa que marcará os estudos posteriores do mesmo autor e de
outros. Dividindo as igrejas românicas em grupos conformes à sua
planimetria, entendendo os edifícios nucleares como focos irradiadores e
inspiradores de motivos ornamentais glosados noutras igrejas, Manuel
Monteiro, conhecedor das obras de André Michel, Camille Enlart e Émile
Mâle, lançou as bases do estudo da arte românica portuguesa que lucidamente
desenvolveu em estudos posteriores273.
Em 1929 Virgílio Correia publica a monografia: Batalha. Estudo
histórico-artístico-arqueológico do Mosteiro da Batalha, defendendo a hipótese
da origem levantina de Mestre Huguet. Nas igrejas peninsulares procurou a
planimetria da cabeceira de cinco capelas, que teria sido divulgada pelos
cisterciences e adoptada pelas ordens mendicantes274. Trabalho exemplar, esta
monografia corresponde a um avanço no estudo de um dos monumentos
eleitos pela escrita de arte do século XIX, que não fora capaz de analisar a sua
arquitectura depois da longínqua Memória (...) de Luis da Silva Mouzinho de
Albuquerque [1843]. As consequências do estudo de Virgílio Correia na
historiografia da arte portuguesa são evidentemente posteriores ao nosso
inquérito, mas a data da sua publicação permite-nos registar uma longa
diacronia, durante a qual tanto se escreveu sobre o mosteiro da Batalha, tendo-
se progredido tão pouco no conhecimento das soluções artísticas que patenteia.
273
Não nos referiremos a esses estudos porque a sua datação ultrapassa largamente a diacronia
que nos propomos tratar.
274
Correia, Virgílio, Batalha. Estudo histórico-artístico-arqueológico do Mosteiro da Batalha,
Porto, 1929. passim.
102
deixaram como rastos 275 . Este conceito levará Michelet mais longe na
compreensão do fenómeno artístico, discernindo na arquitectura medieval uma
coerência lógica e uma "soberba dialética de pedra"276. A maioria dos autores
portugueses detém-se na observação do monumento como facto histórico. Em
1886 são reunidos em livro intitulado Monumentos de Portugal os textos que
Vilhena Barbosa escreveu no "Arquivo Pitoresco" vinte anos antes, notando
que: "A data da fundação dos monumentos é em geral um indicador por meio
do qual se podem afferir os passos que deu, ou vae dando no caminho da
civilização o povo que levanta esses padrões do seu progresso"277. Logo depois
afirma que o mosteiro da Batalha tem nesse aspecto "maior valia e mais alta
significação, porque o monumento abriu uma época inteiramente nova para as
artes n'este paiz". Já conhecemos a matriz essencialmente descritiva da sua
análise dos edifícios, da investigação sobre a genealogia histórica, numa
tradição de antiquário que remonta ao século anterior.
275
Cfr. Haskell, Francis, Michelet et l'utilisation des arts plastiques comme sources
historiques, "Annales. Économie, Sociétés, Civilisations", n°6, Nov.-Dec, 1993, p. 1408.
276
Idem, ibidem, p. 1408. Sobre o entendimento de Michelet sobre o fenómeno artístico v.
todo o artigo citado, p. 1403-1420.
277
Barbosa, Inácio de Vilhena, Monumentos de Portugal, históricos, artísticos e
archeologicos, Lisboa, 1886, p. 8
103
1.11. A Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos
Portugueses
278
"Archivo de Architectura Civil", Lisboa, n°l, 1865, p. 1-2.
279
Estatutos da Associação dos Architectos Civis Portuguezes, Lisboa, 1864, p. 13.
280
Ibidem, p. 5.
281
"Archivo de Architectura Civil", Lisboa, n°l, 1865, p. 1-2.
282
Ibidem p. 3-4.Estatutos da Associação dos Architectos Civis Portuguezes (...), p. 7-8.
283
Estatutos da Associação dos Architectos Civis Portuguezes (...), p. 7-8.
284
"Archivo de Architectura Civil", Lisboa, n°l, 1865, p. 1-2.
285
Cfr. Catálogo Analítico, v. 2 deste trabalho: Batalha (Mosteiro de Santa Maria da Vitória).
104
Augusto Teixeira de Vasconcelos, o abade António Dâmaso de Castro e Sousa
e Inácio de Vilhena Barbosa, que frequentemente escreviam sobre
monumentos. A sociedade criou também a categoria de sócio correspondente,
em todo o país e no estrangeiro. Os sócios portugueses enviavam à Associação
informações sobre a existência de antiguidades, monumentos menos
conhecidos, sobre o estado dos edifícios e dos restauros que se praticavam,
mantendo uma útil rede de informações, para a actividade de fiscalização e
inventariação que a sociedade foi desempenhando, principalmente até aos
finais do século XIX.
Os sócios estrangeiros conferiam prestígio à Associação e mantinham
com Possidónio Narciso da Silva uma importante correspondência repleta de
informações que enriqueciam o Boletim, de trocas de opiniões sobre
restauros, notícias de congressos internacionais, intercâmbio de revistas e
bibliografia da especialidade, permitindo um conhecimento actualizado do que
em matéria de arquitectura e restauro se fazia lá fora, principalmente em
França286.
Como sócios efectivos e/ou correspondentes aderem à Associação a quase
totalidade dos autores das obras se restauro ou que sobre as mesmas
escreveram, e ainda os autores que escreveram sobre monumentos. O
protagonismo que alguns dos sócios desempenharam na escrita ou no restauro
dos monumentos, leva-nos a referir os seus nomes, para além dos
supracitados, e as respectivas datas de adesão à sociedade:
286
Grande parte da correspondência, escrita por portugueses e estrangeiros, era dirigida a
Joaquim Possidónio Narciso da Silva. Guarda-se actualmente no A.N./T.T.. No Apêndice
Documental deste trabalho, v.2, transcrevemos parte dessa correspondência, seleccionando os
exemplares que nos pareceram mais significativos no âmbito do nosso inquérito.
105
Augusto Filipe Simões (1864)
Augusto Mendes Simões de Castro (1871)
Bispo de Beja, D. António (1886)
Bispo do Porto, D. Américo (1874)
Caetano Xavier de Almeida da Câmara Manuel (1873)
Carlos Maria Eugénio de Almeida (1875)
Carlos Relvas (1875)
Conde de Samodães (1865)
Conde de Tomar (1866)
Eduardo Augusto da Rocha Dias (1878)
Eduardo Coelho (1872)
Ernesto Korrodi (1898)
Francisco António Rodrigues de Gusmão (1871)
Francisco de Assis Rodrigues (1864)
Francisco Liberato Teles de Castro e Silva (1897)
Francisco Martins Sarmento (1877)
Francisco Simões Margiochi (1880)
Francisco Soares O'Sullivand (1887)
Gabriel Pereira (1876)
João Correia Aires de Campos (1873)
João Crisóstomo de Abreu e Sousa (1867)
João Maria Feijó (1864)
Joaquim da Costa Cascaes (1864)
Joaquim Maria Pereira Botto (1889)
Joaquim Martins de Carvalho (1871)
Joaquim Possidónio Narciso da Silva (1863)
Joaquim de Vasconcelos (1877)
José Cinatti (1867)
José da Silva Mendes Leal (1866)
José Joaquim da Silva Pereira Caldas (1877)
José Maria Caggiani (1865)
José Maria Couceiro da Costa (1865)
José Osório da Gama e Castro (1903)
José Silvestre Ribeiro (1877)
José Teixeira Lopes (1898)
Júlio Carlos Mardel de Arriaga (1877)
Luciano Cordeiro (1877)
Manuel José de Oliveira Cruz (1863)
Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1864)
106
Manuel Maria Rodrigues (1885)
Manuel Vieira Natividade (1889)
Miguel Osório Cabral de Castro (1864)
Miguel Ventura Terra (1900)
Rafael da Silva Castro (1864)
Rosendo Carvalheira (1895)
Simão Rodrigues Ferreira (1877)
Tadeu Maria de Almeida Furtado (1864)
Zeferino Brandão (1882)287
287
Cfr. Dias, Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos
Portuguezes desde o XXV anniversario da sua fundação, Lisboa, Typ. Lallement, 1904, p.
37-52.
288
Cfr. no Catálogo Analítico, v. 2 deste trabalho, a ocorrência destes nomes nos projectos,
obras e opiniões sobre os restauros.
107
Victor Baltard (1866)
289
Cfr. Dias, Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos
Portuguezes (...), p. 53-57.
290
"Archivo de Architectura Civil", Lisboa, n°l, 1865, p. 3-4.
291
Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos
Portuguezes desde a sua fundação até 11 de Novembro de 1889, Lisboa, Typ. da Casa da
Moeda, p. 8.
292
"Archivo de Architectura Civil", Lisboa, n°l, 1865, p. 7-8.
108
Valorizava-se então a arquitectura e o ofício de arquitecto de que o
restauro dos monumentos era uma das vertentes desde logo apontadas. Em 2
de Junho de 1864 a sociedade adverte o governo sobre a necessidade de
adoptar o sistema de concursos em relação aos edifícios que o estado mandasse
construir ou restaurar 293 . Os arquitectos pretendiam normalizar a sua
profissão, já que a escolha de projectos para as obras do estado obedecia a
critérios nunca definidos, e a autoria das mesmas era frequentemente entregue
a funcionários do Ministério das Obras Públicas, ao contrário do que se fazia
lá fora, em França e Espanha, onde a aprovação de projectos para obras de
restauro obedecia a concursos ou à apresentação prévia do programa das
obras294.
Em 22 de Fevereiro de 1866 a Associação nomeou uma comissão
composta pelo presidente, J. Possidónio Narciso da Silva, João Maria Feijó e o
abade de Castro e Sousa com o objectivo de impulsionar entre os sócios "a
apreciação sobre os diversos edifícios construídos em Portugal desde o século
XII até ao século XVIII (...)". A análise deveria atender a 12 questões das
quais detacámos quatro, porque indicam aspectos quase sempre nucleares nas
obras de restauro:
"- Se em différentes partes se manifestam diversos estylos empregados na
mesma, ou em epochas distantes, analysar cada uma d'essas partes, e comparal-
as entre si?
- Se houver restaurações em que epocha tiveram lugar e como foram
levadas e effeito, tanto no que diz respeito á decoração como á construção?
- Se visto de différentes pontos de fácil accesso apresenta boas ou más
perspectivas, e as causas a que isso é principalmente devido?
- Qual era o género de architectura dominante na Europa em que o
edifício, ou as suas différentes partes, foram construídos?"295
293
Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectes Civis e Archeologos
Portuguez.es desde a sua fundação até 11 de Novembro de 1889 (...), p. 6.
294
Vejam-se, a título de exemplo, sobre os concursos e projectos de restauro em França e
Espanha: Leniaud, Jean-Baptiste, Jean-Baptiste Lassus (1807-1857) ou le temps retrouvé des
cathédrales, Paris, Arts et Métiers Graphiques, 1980, p. 79-80 e Gonzalez-Varas Ibánez,
Ignacio, La catedral de León, Historia e restauración (1859-1901 ) , León, Universidad de
León, 1993, p. 132-139.
293
"Archivo de Architectura Civil", Lisboa, n°5, Julho 1866, p.77-78.
109
desafrontado, isolado, e a tentativa de situar estilisticamente as construções
portuguesas nas correntes artísticas europeias, formam um conjunto de
questões recorrente do conceito de monumento que temos vindo a analisar no
seu devir teorético, e constituem a matriz orientadora tendencialmente seguida
nas obras de restauro no período que analisamos.
296
Ibidem. Lisboa, n°3, Jan., 1866, p.39-42.
297
Ibidem, Lisboa, n°5, Julho 1866, p.78-80.
298
Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectes Civis e Archeologos
Portuguezes desde a sua fundação até 11 de Novembro de 1889 (...), p. 13.
299
"Archivo de Architectura Civil" (...), n°6, Out., 1866, p. 95-96.
300
Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectes Civis e Archeologos
Portuguezes desde a sua fundação até 11 de Novembro de 1889 (...), p. 15-16.
110
Civis e Archeologos Portuguezes"301, consagração pública que de certa forma
culminará quando o Ministério das Obras Públicas em Outubro de 1880
encarrega a Associação de elaborar uma relação dos edifícios que deviam ser
considerados monumentos nacionais302. Surgia finalmente, em 1881 a primeira
classificação oficial dos monumentos, quarenta e cinco anos depois de Luis da
Silva Mouzinho de Albuquerque ter requerido à Academia Real das Ciências
de Lisboa uma relação dos edifícios notáveis pela época da sua fundação,
recordação de factos históricos ou pela valia da arquitectura.
301
Idem, ibidem, p. 16-17.
302
Idem, ibidem, p. 22.
303
Vasconcellos, José Maximo de Castro Leite e, "Colleccção official de legislação
portugueza", Lisboa, Imprensa Nacional, 1853, p. 383-384.
304
Idem, ibidem, p. 513.
111
scientificas do Exercito", nos cursos de Matemática e Filosofia da
Universidade de Coimbra ou de Universidades estrangeiras, e nas Escolas
Politécnicas de Lisboa e do Porto305. Quatro anos mais tarde a Direcção Geral
das Obras Públicas regulamentava a formação em França, na Ecole des Ponts
et Chaussées dos "oficiais" da repartição306.
Relativamente ao ensino vocacionado para a arquitectura e o seu restauro,
nada de novo é merecedor de legislação. Não obstante, quando o restauro do
mosteiro dos Jerónimos é regulamentado a formação dos artífices é uma
preocupação que emerge da lei. Ordenava-se em 26 de Dezembro de 1859:
"Mandar apresentar ao mesmo Provedor [da Casa Pia] alguns mestres das
obras publicas dos officios que se aplicam ás construções urbanas, afim de que
formem escola de aprendizagem d'esses officios com os orphãos da Casa Pia, e
ministrem assim, a par da educação dada a essses orphãos, um elemento efficaz
para a reconstrução de que se trata"307.
A disciplina do ofício de canteiro já tinha sido criada em 1853 e sabemos
por informação de 1863, de Joaquim Possidónio Narciso da Silva que os
alunos ensinados por um mestre faziam as esculturas para a fachada e para o
claustro308.
No âmbito da política de desenvolvimento da Regeneração, o Ministério
das Obras Públicas, Comércio e Indústria criara em 1852 o ensino técnico
industrial que em portaria de 1864, João Crisóstomo de Abreu e Sousa, então
ministro da tutela, pretendeu reorganizar309. Trata-se, contudo de uma questão
diversa, do desenho aplicado à indústria fabril que não engloba ainda o
trabalho da pedra, cujo ensino irá surgindo em escolas particulares e só terá
desenvolvimento programático no Relatório publicado em 1876.
A reorganização do Ministério das Obras Públicas, Commercio e
Industria consignada em decreto de 3 de Outubro de 1864310, criou um
"corpo de engenharia civil e dos seus auxiliares" pretendendo autonomizar-se
dos engenheiros militares, à semelhança do que acontecia na "maior parte das
nações cultas (...)". O incremento das obras públicas, nas vias de comunicação
como as estradas e caminho de ferro, a construção de portos, os trabalhos
hidráulicos, a construção e reparação de edifícios públicos, eram apontados
como um extenso desenvolvimento dos trabalhos de engenharia civil, em todos
305
Idem, ibidem, p. 515.
306
Idem, ibidem, 1857, p. 290.
307
Idem, ibidem, 1959, p. 859.
308
Cfr. Catálogo Analítico, v. 2 deste trabalho, p. 159.
309
Vasconcellos, José Maximo de Castro Leite e, "Colleccção official de legislação
portugueza", 1853, p. 865-869 e 1864, p.572-573.
3)0
Idem, ibidem, p. 773-781.
112
as suas especialidades que havia conferido aos engenheiros e condutores ao
serviço do Ministério uma "instrução suficientemente solida e pratica (...)" que
justificava a organização dos serviços de engenharia civil311. Os auxiliares
compreendiam os arquitectos, que deveriam ocupar-se especialmente nas
reparações e restauros dos monumentos nacionais e nas novas edificações
públicas, que, tão assiduamente, desprezavam e ignoravam a arte.
311
Idem, ibidem, 1864, p. 113-11 A.
312
Cfr. a documentação do M.O.P. - Porto publicada no v. 2 deste trabalho, p. 511-529.
313
A pesquisa incidiu nos fundos documentais do Arquivo Histórico do Ministério das Obras
Públicas e da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais de Lisboa. Nestas
instituições não havia qualquer conhecimento do Inquérito de 1864.
113
"(...) Afim de poder confeccionar um mappa do estado de todos os
edeficios públicos, rogo a V. Sa que se digne dizer o estado de conservação,
em que se acham a Egreja parochial e as Capellas publicas que por ventura
hajam na sua freguezia.
Se V. Sa acrescentasse o que souber a respeito da data de fundação e
objectos d'arte pertencentes ás mesmas Egrejas e Capellas muito me
obsequiaria"314.
As respostas indiciam, na maioria das vezes, um desconhecimento
histórico e artístico total e, apesar de a antiguidade das igrejas ser indicada
com visível orgulho, em alguns casos, outros há que nos informam sobre
obras que tranformaram igrejas medievais em edifícios da época, ou a
pretenção de o fazer com o objectivo de tornar os templos mais majestosos e
uniformizados na sua arquitectura, como ocorre na resposta do pároco da
Igreja de Santa Maria da Penha Longa315 ou na carta do pároco de Santa Maria
Maior de Vilar do Forno que noticia a transformação da igreja em 1859,
porque a anterior era muito pequena. Como patenteava a arquitectura da sua
porta principal, "em figura cónica", foi mesquita de mouros ou godos316, não
demonstrando o pároco da freguesia qualquer apreço por essa antiguidade.
Embora nas respostas ao questionário ressalte uma acentuada ignorância
sobre as igrejas românicas que descrevem, atribuíndo-as aos godos ou mouros,
apesar de existirem excepções com descrições mais informadas, como nos
casos de Boelhe, Cete ou Rio Mau317, nota-se em grande parte das respostas
uma falta de vontade em transmitir mais informações, principalmente no que
respeita aos "objectos de arte". A desconfiança permanece apesar de passados
os tempos mais conturbados do liberalismo porque o roubo e venda no
estrangeiro do património religioso móvel era uma questão bem presente a
que nehuma acção governamental punha cobro, como aliás o confirma
Joaquim de Vasconcelos em 1878, como veremos.
314
Cfr. a documentação do M.O.P. - Porto publicada no v. 2 deste trabalho, p. 513.
315
Ibidem, p. 525.
316
Ibidem, p. 529.
317
Ibidem, p. 515-516, 518, 525-526.
114
engenheiros" 318 . O decreto de 5 de Dezembro de 1860 que esta nova lei
pretendia alterar, comportava no quadro do Ministério 115 engenheiros, 18
arquitectos e 175 condutores, embora a situação de facto em 1864 contasse
com um número superior de funcionários entre os quais, 150 engenheiros319.
Os desenhadores e condutores de obras, integrados também como
auxiliares do corpo de engenheiros civis, poderiam, na carreira do Ministério,
ascender à categoria de arquitectos de 3 a classe e exercer as funções de
arquitecto "quando o bem do serviço assim o exigir"320.
Que formação obtinham os arquitectos em Portugal?
A profissão de arquitecto era entendida como auxiliar da engenharia
civil, em correspondência com o insuficiente ensino artístico que a Associação
dos Arquitectos pretendia alterar, como acima observámos. As Academias de
Belas-Artes de Lisboa e do Porto, criadas no impulso setembrista em 1836 por
Passos Manuel, e herdeiras de programa já encomendado por D. Pedro IV e
depois por D. Maria, proporcionavam um ensino da arquitectura alicerçado no
conhecimento das cinco ordens gregas e romanas, em noções de aritmética,
geometria, mecânica e química e na "arte de construção dos edifícios".
Exigências elementares, alunos que iniciavam os seus estudos nas Academias
com dez anos de idade e de lá saíam com 15, orçamentos muito aquém do
necessário, um corpo docente, no caso da primeira, formado em grande parte
na Ajuda, recusando Joaquim Possidónio Narciso da Silva 321 e as
potencialidades de um ensino adquirido em França, resultaram no facto de a
mais importante arquitectura da época lhe ser de todo alheia.
318
Idem, ibidem, 1864, p. 775 e 780.
319
Idem, ibidem, 1864, p. 776. A fonte consultada é omissa quanto ao número de arquitectos,
embora mencione a totalidade de 340 funcionários das três categorias: engenheiros, arquitectos
e desenhadores.
320
Idem, ibidem, 1864, p. 781.
321
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, v.l, (...), p. 217-232.
115
seguir o ensino da arquitectura nos aspectos que melhor podem elucidar o
culto dos monumentos e o seu restauro, sem nos afastarmos, no entanto, dessa
relação.
322
S./a.[Holstein, Marquês de Sousa]Observações sobre o estado actual do ensino das artes
em Portugal , a organização dos Museus e o serviço dos monumentos históricos e da
Archeologia offerecidas á Comissão nomeada por Decreto de 10 de Novembro de 1875 por
um vogal da mesma commisão, Lisboa, Imprensa Nacional, 1875.
323
Idem, ibidem, p. 4-5.
324
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 130-151 e 158-183, respectivamente, assim como o que
escrevemos no presente volume sobre as obras no convento da Madre de Deus.
116
O ensino das artes aplicadas à indústria é considerado por Sousa Holstein
de maior importância, notando a desorganização que campeava apesar de ser
muito concorrido pelos alunos. Em 1873-1874 frequentaram as aulas
nocturnas da Academia de Lisboa, 22 canteiros, 3 lavrantes, 4 pedreiros e 4
santeiros325, no que diz respeito somente aos ofícios do trabalho da pedra. O
ensino contemplava principalmente o desenho de ornamento, realçando o autor
a necessidade da aprendizagem do desenho da figura, humana e animal e da
modelação, assim como de conhecimentos sobre história da arte, dos estilos e
regras da composição326.
A perícia dos artífices portugueses no trabalho da pedra foi um dos
factores do desenvolvimento da exportação de cantaria lavrada para o Brasil.
Sousa Holstein propunha habilitar os "nossos operários não só a copiar com a
sua acostumada perícia, mas também a inventar, ensinando-os a ter estylo (...)
habilitando-os a perceber os admiráveis modelos da nossa arte manuelina, tão
portugueza e tão original (...)"327. O autor não deixa de referir o South
Kensigton Museum, que em trabalho modelar, criara desde 1851 mais de 150
escolas de ensino industrial sob a sua inspecção, nas principais cidades de
Inglaterra, citando Ruskin e como ele sublinhando as vantagens para o
progresso, do talento de muitos artífices, perdido pela inexistência de escolas
onde poderiam encontrar-se as vocações de cada um. Aos canteiros e ourives
nacionais, executores admiráveis de sólida educação técnica faltava a educação
artística328.
Na salvaguarda dos monumentos históricos tudo faltava, nos restauros
primava a ignorância, excepção feita às obras da Batalha e do templo romano
de Évora. A organização respectiva deveria começar por um arrolamento dos
monumentos e um serviço de inspecção. "Sem estudar, medir, analysar e
comparar os monumentos, de nada valerão os esforços que se fizerem para
escrever este capitulo da vida do nosso povo". Faltava pessoal habilitado com
conhecimentos teóricos e práticos "que se requerem para a restauração dos
edifícios de différentes estylos a que é mister acudir"329.
A comissão nomeada em 1875 mandou imprimir 4.000 exemplares das
Observações (...) cujo texto foi enviado a todos os jornais e vendido a baixo
custo330, numa visível vontade de levar a questão à opinião pública, solicitando
325
S./a.[Holstein, Marquês de Sousa]Observações sobre o estado actual do ensino das artes
em Portugal (...), p. 10-11.
326
Idem, ibidem, p. 12.
327
Idem, ibidem, p.14.
328
Idem, ibidem, p.14.14-15 e 39.
329
Idem, ibidem, p.46.
330
Idem, ibidem, p. 1.
117
mesmo o envio de sugestões de todos quantos podessem auxiliar. Os membros
da Associação dos arquitectos obtêm lugares de destaque nesta comissão,
demonstrando a importância que a sociedade foi adquirindo na opinião pública
e junto do governo, que os nomeou. Presidida por Sousa Holstein, e
secretariada por Luciano Cordeiro (que seria sócio em 1877) tinha ainda como
vogais os sócios da Associação: Conde de Samodães, Joaquim Possidónio
Narciso da Silva, Augusto Filipe Simões, António Augusto Teixeira de
Vasconcelos, Carlos Maria Eugénio de Almeida, Francisco Martins Rodrigues,
António Tomás da Fonseca, Tadeu Maria de Almeida Furtado e Augusto
Carlos Teixeira de Aragão331. Somente o Conde de Valbom, par do reino,
António Tomás da Fonseca, António Victor Figueiredo Bastos, professores da
Academia de Lisboa e José Maria Nepomuceno, académico de mérito da
mesma instituição e o principal responsável pelo restauro do convento da
Madre de Deus e da sua adaptação a museu, não pertenciam à Associação dos
arquitectos e arqueólogos. Certamente que os restantes 11 membros da
comissão desempenhavam funções, mencionadas no decreto de nomeação, de
alguma forma ligadas às reformas que o governo pretendia levar a cabo -
pares do reino, lentes de Coimbra, académicos e professores das academias de
Ciências e Belas-Artes e Lisboa e do Porto - mas o facto de pertencerem todos
à Associação não é de menor significado na sua escolha. Cinco anos mais
tarde, o Ministério das Obras Publias encarregará a Real Associação de
elaborar um relatório sobre os edifícios que deveriam ser considerados
monumentos nacionais.
331
Relatório dirigido ao Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor Ministro e Secretario D'Estado
dos Negócios do Reino pela Comissão nomeada por Decreto de 10 de Novembro de 1875 para
propor a reforma do Ensino Artístico e a organização do serviço dos Museus, Monumentos
Históricos e Archeologia. Primeira parte. Relatório e projectos, Lisboa, Imprensa Nacional
1876, p.III-IV.
118
logo as reconstruções e restauros desde então efectuados, e a necessidade de
uma legislação eficaz.
O seu conceito de monumento não apresenta evolução assinalável, embora
sublinhe de forma mais evidente a ideia que os monumentos são propriedade
pública:
"Entenda-se, enfim, que nenhum monumento histórico pertence
propriamente ao municipio, em cujo âmbito jaz, mas sim à nação toda. Por via
de regra nem a mão poderosa que o ergueu regia só esse municipio, nem as
somas que aí se despenderam saíram dele só, nem a história que transforma o
monumento em documento é a historia de uma vila ou cidade, mas sim a de
um povo inteiro"332.
Os monumentos são propriedade da nação, herança que a todos pertence
porque a História é necessariamente nacional. Para além do conceito
romântico de história e de nação, Herculano estava convicto que só uma
legislação firme e centralizadora poderia travar o processo de atropelo ao
passado, que as entidades municipais tanto desprezavam e destruíam, levadas
pela ignorância e pelo prestígio que as obras públicas sempre trazem aos seus
mentores, desejosos de dotarem as suas cidades e vilas de largas vias, feitas
com a pedra das muralhas e de edifícios modernos, construídos no lugar dos
monumentos do passado. As obras novas são sempre apelativas para a maioria
da população que aprecia o poder de construir. Herculano não criticava o que
era novo, mas sim a ausência de qualidade da arquitectura. A verdade é que a
sua visão moral da história não lhe permitia apreciar os tempos modernos
marcados pela ausência de virtudes.
Restar-nos-iam "inestimáveis monumentos, se nesta terra, desamparada de
Deus e da arte, tivesse havido um vislumbre de puro gosto e de veneração pelo
passado (...)"333.
332
Herculano, Alexandre, "Opúsculos I", Lisboa, Presença, 1982, p. 218-219. (organização,
introdução e notas de Jorge Custódio e José Manuel Garcia).
333
Idem, ibidem, p. 186.
119
nacional, que as gerações passadas nos legaram com o opulentíssimo cabedal
do seu renome e das suas glorias"334.
O sentido de património é algo de muito amplo e pouco utilizado no
século XIX, que ao eleger períodos gloriosos da história, restringe logo o
conceito de património-herança aos monumentos que simbolizam ou permitem
a amostragem das qualidades dessas épocas. Utilizado pelos revolucionários
franceses logo nos anos sequentes à Revolução, o conceito transformou, como
realça Françoise Choay, o estatuto das antiguidades nacionais, porque todos os
bens pertenciam à nação, ou melhor, constituíam propriedade de todo o povo.
Esta noção, segundo a mesma autora transcende as barreiras do tempo e do
gosto, porque na categoria dos bens imóveis estão englobadas as construções
de todas as épocas 335 . A consagração do monumento histórico, que vimos
desenvolver-se e fixar-se em Portugal, à semelhança do que aconteceu em
França, delimitou o património aos parâmetros do gosto de oitocentos,
histórico e nacionalista, mas a noção jurídica de propriedade que lhe
corresponde esteve sempre presente, ou seja, a noção de bens herdados dos
pais.
E esta a definição de património que encontramos invariavelmente nos
Dicionários, desde 1789 até 1910, nas espécies que mencionámos a propósito
dos conceitos de monumento, gótico e românico.
A noção de património como "propriedade artistica e histórica da
nação"336 é assim referenciada por Luciano Cordeiro e modernizada quando
se refere ao "património opulento de historia do trabalho nacional (...)". A
valorização do trabalho como herança e forma de participação para o bem
comum, não decorre das teorias assimiladas por Sousa Holstein em Ruskin,
mas do conceito proudhoniano, ou se quisermos de forma mais lata, das
doutrinas do socialismo utópico, retomadas em Portugal pela geração de 70. A
nação é entendida como uma entidade com vida própria, com alma e virtudes.
Embora as escolas não façam os génios, os governos têm a obrigação de
garantirem à arte "os meios de se affirmar utilmente, de se exercer e
desenvolver, de expandir as suas benéficas influencias no movimento social,
334
[Cordeiro Luciano], Relatório dirigido ao Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor Ministro e
Secretario D'Estado dos Negócios do Reino pela Comissão nomeada por Decreto de 10 de
Novembro de 1875 p. XI.
335
Choay, Françoise, L'Allégorie du Patrimoine, (...), p.78-79.
336
[Cordeiro Luciano], Relatório dirigido ao Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor Ministro e
Secretario D'Estado dos Negócios do Reino pela Comissão nomeada por Decreto de 10 de
Novembro de 1875 , p.XIII.
120
quando exactamente a arte é como a sciencia e como a industria uma força
primaria na sociedade, porque é uma faculdade geral do homem"337.
O culto da beleza, do fecundo estudo da natureza, dos grandes
pensamentos, das justas glorificações da humanidade, da pátria, da família
correspondem ao nível "que coincide sempre e não pôde deixar de concidir
com o [culto] da força, da opulência, da pureza, d'esta vitalidade histórica que
se chama a consciência publica, que onde não existe não poderá legitimamente
dizer-se que exista uma nação culta e digna"338.
O património como herança de toda a nação, o ensino como fonte de
estímulo da capacidade artística do homem, de benéficos resultados no tecido
social, e a consciência pública, só ela capaz de obstar ao mau gosto e às plantas
daninhas, à insciência do mercantilismo, obliteradores da tradição artística
portuguesa, são os vectores fundamentais do texto de Luciano Cordeiro, mais
fecundo no pensamento que nas soluções apresentadas para sanar aqueles
males.
A presença tutelar de Alexandre Herculano e concretamente a sua escrita
sobre monumentos "ha bem trinta e oito annos"339 é constantemente chamada
por Luciano Cordeiro que, inspirado no historiador, vê na Batalha um poema,
no mosteiro dos Jerónimos uma estrofe de pedra retirada da epopeia dos
descobrimentos e nos alicerces do castelo de Leiria o sangue dos fundadores da
nação 340 . A salvaguarda dos monumentos é assim, necessariamente uma
questão patriótica e cívica, que necessita de um quadro administrativo adstrito
ao ministério da Obras Públicas "sob o título de direcção geral de bellas artes
e monumentos históricos (...)"341 e de arquitectos formados em escolas
profissionais:
"A cada um o seu logar.
Aos artistas, a arte"342.
337
Idem, ibidem, p. XVIII.
338
Idem, ibidem, p. XII.
339
Idem, ibidem, p. XI.
340
Idem, ibidem, p. XXI.
341
Idem, ibidem, p. XXXIX.
342
Idem, ibidem, p. XL.
343
Relatório dirigido ao Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor Ministro e Secretario D'Estado
dos Negócios do Reino pela Comissão nomeada por Decreto de 10 de Novembro de 1875 para
propor a reforma do Ensino Artístico e a organização do serviço dos Museus, Monumentos
Históricos e Archeologia. Segunda parte. Actas e Communicações, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1876, p. 3.
121
que o primeiro constituía uma fonte essencial de ensinamento para o segundo.
No ensino das Belas-Artes, concretamente no da arquitectura e do desenho
aplicado à indústria era conferido assinalável lugar ao estudo da história de
arte, da estética, e da arqueologia. Criavam-se os cursos de:
Arquitectura civil
Arte ornamental e decorativa
Escultura e estatuária
que conjuntamente com os de Pintura e Gravura, eram destinados ao
ensino público e aos trabalhos de "caracter monumental e artistico ordenados
pelo Estado e corporações públicas, e para os empregos e comissões de
natureza correspondente"344.
344
Idem, ibidem, p. 4-5.
345
Idem, ibidem, p. 12.
122
presente, ou alguns dos seus agentes, nele projectam e procuram. Neste
sentido, e com este exemplo, podemos observar quanto a salvaguarda do
património é um processo de reconstrução do universo, sempre mutante e
sempre utópicona vastidão das suas intenções de guardar e salvar não somente
a herança, os bens, porque esses são sempre vestígios parcelares, mas a
totalidade do passado como fonte de conhecimento da humanidade.
Projecto ambicioso e utópico, no que respeita os monumentos, nada será
posto em prática das propostas da comissão de 1875, mas veremos que a
primeira classificação do património realizada poucos anos depois (1881) algo
reteve das definições acima transcritas.
Na polémica suscitada pelos projectos da comissão se envolveu Joaquim
de Vasconcelos editando um texto crítico (1878) de torrenciais referências ao
ensino no estrangeiro, citando uma vastíssima bibliografia europeia, sempre
crítico dos "circumloquios mais ou menos poéticos" do texto da Luciano
Cordeiro que "não valem a definição breve, clara e concludente de qualquer
bom compendio de esthetica" 346 . O projecto enfermava de um erro de
principio, ao cingir-se à modéstia de meios imposta pelo governo porque é
sabido "que em todo o projecto de reforma se tem de tomar sempre o ponto de
vista mais vasto, theoreticamente, e que só achado elle, é que se pode
estabelecer a redução ao caso especial, na practica (...). Não existindo esse
plano completamente elaborado, desde o principio, é impossível completal-o
depois methodicamente; poder-se-ha acrescentar isto ou aquillo, mais ou
menos bem, mas esses acrescentos são e serão sempre remendos, e nunca a
consequência natural de um desenvolvimento orgânico"347. Entre os modelos
apontados figuara a reforma da Academia real de Berlim (1875), cujo
projecto tomara o "ponto de vista absoluto, theoreticamente; (...)"34s.
Dasadaptado da realidade portuguesa, Vasconcelos não se conformava com a
falta de conhecimento e capacidade teórica que em Portugal realmente
ninguém tinha.
A comissão havia proposto a inclusão no curso de arquitectura, do curso
de mestres de obras dos institutos industriais, sem separar as águas, do ponto
de vista artístico e técnico, e talvez a querer juntá-las, para enquadrar a
reforma nas apertadas finanças que o governo estava disposto a dispender, sob
a mesma alçada: a da Academia. Joaquim de Vasconcelos propõe a distinção
346
Vasconcellos, Joaquim, A Reforma do Ensino das Belas-Artes II (Analyse da segunda
parte do Relatório Official), Porto, 1878, p. 7.
347
Idem, ibidem, p.9-10.
348
Idem, ibidem, p.10.
123
entre o curso de arquitectura das Academias e o ensino profissional que seria
ministrado em Escola de Artes e Ofícios349.
Sobre a salvaguarda dos monumentos Vasconcelos quase nada escreve,
exceptuando a necessidade de leis eficientes que obstassem a venda para o
estrangeiro de objectos artísticos350, mas veremos que o Centro Artístico
Portuense que ajudará a criar em 1880, desempenhou, nesse campo uma
actividade que assinalaremos.
349
Idem, ibidem, p. 19.
350
Idem, ibidem, p.65.
351
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.2, p. 61.
352
S./a., "Colleccção official de legislação portugueza", Lisboa, Imprensa Nacional, 1881, p
41.
353
Idem, ibidem, v.2, p. 66.
124
Canteiros - 338
Condutores de Obras Públicas - 6
Engenheiros - 10
Escultores - 136
Lavrantes - 32
Pedreiros - 545
Santeiros - 2354
354
Vasconcellos, Joaquim, A Reforma do Ensino das Belas-Artes III Reforma do Ensino de
Desenho, Porto, Imprensa Internacional, 1879, s./p..
355
Este assunto será retomado na parte II deste trabalho.
356
Relatório e Mappa acerca dos edifícios que devem ser classificados monumentos
macionaes. Apresentado ao Governo pela Real Associação dos Arquitectos Civis e
Archeologos Portuguezes em conformidade da portaria do Ministério das Obras Publicas de
24/10/1880, Lisboa, 1881. Appenso ao n°4, (série 3 a , tomo III) do "Boletim da Real
Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", p. 3-14.
125
António Pedro de Azevedo - secretario
J. Possidónio Narciso da Silva - vogal
Augusto Carlos Teixeira de Aragão - vogal
Valentim José Correia - vogal
Inácio de Vilhena Barbosa - relator357
357
Ibidem, p. 7.
358
Ibidem, p.3-14.
359
Ibidem, p.4.
360
Sublinhado nosso.
361
Ibidem, p.3.
126
O conceito de monumento já não é o mesmo que encontrámos até aqui.
Desde a Carta de Lei de 15 de Abril de 1835 que exceptuava da venda "As
Obras e Edifícios de notável antiguidade que mereçam ser conservados como
primores de arte, ou como Monumentos históricos de grandes feitos, ou de
Épocas Nacionaes"362, vimos como o conceito de monumento se foi associando
a edifício, a obra construída. Apesar da definição de Herculano insistir na
estrita razão dos monumentos, a de lembrar, notámos como a ideia de
monumento histórico se sobrepôs à etimologia da palavra no mesmo autor e
nos outros, e como o poder significante da arquitectura contruibuiu,
juntamente com aquele conceito, para estreitar o par monumento/edifício.
O gosto pela descoberta arqueológica e a moda da antropologia
alargavam o conceito de monumento o que engloba o alargamento do próprio
campo da história. O estudo das épocas eleitas pelas décadas que temos vindo a
estudar, épocas da nação, ou próximas do estabelecimento dos seus contornos,
estende-se a todas as épocas vividas pelos diversos povos que deixaram marcas
no território nacional. E o próprio conceito de tempo da nação que se
prolonga para um passado cada vez mais longínquo, no qual se procuram as
raízes da especificidade nacional para além dos factos históricos que
propiciaram a definição do território e da sua independência. No último
quartel do século exploravam-se os castros, começava a exaltar-se a cultura
celta, e atribuía-se importância ao factor rácico na distinção da produção
artística entre as nações, sem dúvida à luz da enorme influência de Taine,
também em Portugal, como é patente quando é percorrida a bibliografia dos
protagonistas da comissão de 1875 e o "Boletim da Real Associação (...)", nas
duas últimas décadas do século.
Com o conceito de monumento que engloba todos os vestígios do passado,
convive o seu sentido primeiro, etimológico e comemorativo.
O apreço pelas grandes construções, dada a sua imponência arquitectónica
e pelas pequenas igrejas românicas, pobres e humildes mas tão importantes
pela capacidade de limpidamente espelharem as virtudes dos antepassados
fizeram destas construções monumentos a conservar. Agora pretende-se
considerá-las a todas como monumentos porque constituiem, todas as
construções, mesmo as mais grosseiras, importantes elos da cadeia de evolução
da história da arte nacional. Como a evolução da humanidade, a produção
artística caminha univocamente da rudeza para o requinte, do grosseiro para a
perfeição. Já vimos como as teorias evolucionistas das ciências naturais
a
Collecção Officiai de Legislação Porugueza, 1835, p. 119.
127
influenciaram a história de arte de A. de Caumont e outros, e como a recepção
destas obras em Portugal, marcou a epistemologia da disciplina.
A Comissão classifica os monumentos em seis classes, recomendando
medidas para a sua conservação, conforme a "classe", a saber363:
363
Cfr. Relatório e Mappa acerca dos edifícios que devem ser classificados monumentos
macionaes (...), p. 3-14.
364
Ibidem, p. 4.
365
Ibidem, p. 4.
366
Ibidem, p. 4.
128
"A conservação d'estes monumentos deverá estar a cargo das
municipalidades, exceptuando os que foram erigidos a custa do thesouro
publico"367.
367
Ibidem, p. 5.
368
Ibidem, p. 5.
369
Ibidem, p. 5.
370
Ibidem, p. 6.
129
económica, ou seja a determinar princípios, recomendando ao governo a quem
deve caber a responsabilidade da conservação e do restauro dos monumentos.
Todos eles são dignos de desvelo e de conservação embora haja uma real
distinção que coloca em primeiro lugar as construções grandiosas e de
assinalável excelência artística, mas elas enquanto monumentos não possuíem
mais valor que aqueles que estão incluídos nas outras classes, embora sejam de
maior valia enquanto objectos artísticos.
Não existe nesta listagem um medievalismo exacerbado na selecção dos
monumentos. É incorrecto reduzir o gosto do século XIX à admiração
exclusiva dos edifícios construídos na Idade Média, como se tem sido escrito,
afirmando a novidade da Lista de Monumenos Nacionais publicada em 1910
que inclui edifícios até ao século XVIII. O Mapa de 1881 também os engloba.
A ponderação dos edifícios românicos, góticos e manuelinos é com certeza
maior e não poderia deixar de o ser no século da história das nações. Mas no
conceito de monumento, como temos visto, a qualidade da arquitectura
exerceu frequentemente uma grande força apelativa, em maior ou menor
grau, embora não fosse essa a qualidade que definia os monumentos.
No Relatório e Mappa de 1881 na Ia classe encontramos a listagem de 18
edifícios dos quais 10 são românicos, góticos e manuelinos, ou seja 55,5% do
total.
Na 2a classe em 62 construções, 38 são situadas entre os séculos XI e
XVI, o que representa uma percentagem de 61,2%.
A ponderação das construções medievais e manuelinas é certamente
superior, não pelo estilo mas pela época a que correspondem, mas deve ser
assinalada a valorização de edifícios de outras épocas. O excessivo
medievalismo francês, patente nas classificações patrimoniais influenciadas por
Viollet-le-Duc na década de 1870371 e a respectiva actividade restauradora
correspondem a uma situação histórico-cultural muito específica e particular
mas há a tendência para generalizar o fenómeno da salvaguarda dos
monumentos, à luz do que se passou em França. Sem dúvida que as grandes
linhas de influência daí vieram (e no final do século também de Itália), mas
não podemos tornar obsessiva a tendência de tudo procurar nas influências
vindas de França, apesar de a atenção dedicada ao património fazer parte de
fenómeno europeu e de Portugal também se situar nesse contexto cultural.
130
MONUMENTOS NACIONAES
X
PRIMEIRA CLASSE
Monumentos históricos e artisticos, e também os edifícios que somente se recommendam pela grandeza
da sua coustrucção, ou pela sua magnificência, ou por encerrarem primores d'arte.
ALCOBAÇA — Mosteiro de Santa Maria Histórico e artistico.
LATALHA — Convento de Santa Maria da Viclo-i
ria | »' »
Vão designados pela ordsm alphabetic» d»s loaf localidade*.
131
8
.'
Mosteiro de M. Sr." de Belém Históricoe artisiieo.
R \ Torrc do S. Vicciitc de Belcm » »
BKLEM
y Egreja de N. Sr." do Livramento c S.i
( José — vulgarmente da Memoria . . . > ° *
/ Mosteiro de Santa Cruz » »
COIMBRA ] Sé Velha » »
l Paroi da Universidade » »
EVOKA Templo denominado de Diana jV ™ ^ ^ p01 S r
' '' ° m " i s , l 0 l a v c l ! ' a t ó o d a ' , 0 '» h i a '.' i '°
GiiiMARÃiis — Castello
i Aqucdueto das Aguas Livres, na r i i . . . . . . , ,
mi lis
' beira de Carenque f ' " o t a v c i s monumentos d'artc cm Portugal.
Egreja arruinada de N. Sr." do Vcnt Fundação de 1>. Nuno Alvares Pereiro, em cumprimento de
l cimento do Monte do Carmo ' voto pela victoria d'Aljubarrota.
j \'Basilica
; do SS. Coração de Jesus . . . . Monumento d'arte de muita sumptuosidade.
ISB A
° ÍT>r6ii de * Vicente de Fora )F\mi. de D. Alfonso Henriques. Começado a reedificar por
1 kgreja rte t>. Vicente a t t o i a , F i l i p p p „ d e Castclla e acabado por Û. João iv.
I i •„ i„ c B „ „ u J o i ^ S l u «igreja, encena bcllos mosaicos, e uos seus painéis
I fcereia de b. Roque— capclla de à.l ,,e Ifi°. \e . , • ,. , , , j . , , , , * ,
'■ J \a Bantisla ] ( K J" saehnsUa) modelos dos trajos de todas as clas
' ( ses sociaes no século xvi.
M i Real basilica e convento de N. Sr." e. Monumento grandioso e a sua egreja de verdadeira magnifi
MArnAj g a n t 0 A.ni0i)iû j cencia artística.
, Dm dos monumentos mais ricos de memorias historiens e
l Convento d:i Ordem de Chrislo : de todos o mais rico de elementos para o estudo da his
TnowAn < { toria das artes.
/ Egreja de Santa Maria do Olival, maj Fundação dos templários anterior a 1162. Fabrica primitiva,
triz da Ordem de Christo . . j importaiuissima para aquelle estudo.
Às catbedraes são todas, mais ou menos, monumentos históricos e artísticos. Para a sua conservação
e reparação ha verbas especiaea dos seus rendimentos próprios, ou da consignação do thesouro.
Também se devem considerar monumentos nacionaes os palácios reaes. O de Cintra c rico d'arle e de
memorias históricas, e assim os palácios de Queluz, das Necessidades, onde viveu e falleceu a primeira
rainha constitucional dos portuguezes, além de outras memorias históricas; o palácio d'Ajuda, embora in
completo ; e o de Villa Viçosa, construcção grandiosa e histórica.
SEGUNDA CLASSE
Edifícios importantes para o estudo da historia das artes cm Portugal, ou somente históricos, mas não
grandiosos, ou simplesmente rccomrncndavcis por qualquer cxcellcncia d'arle.
Egreja de'.
E mittíot monarcLia
ACKASSANTAH ,'Concclho da Uaia)\ Ja B j ^ ' ^{ ^^^ " ' ?«rt«necu aos tem
' ctação . . )
AUOUAMMTA Ermida do S. Jorge 'j F"f'iúí\ POT »■ Xuno Alvares Pereira cm commemoração
6
J da Victoria c do seu voto antes da batalha.
/Este palácio, verdadeira fortaleza, foi começado cm 1454,
i por Diogo Lopes Lobo, com permissão d'elrti B. AíTonso v.
, f i Caslello ou palácio acastcllado do sr.j E' a «nica residência da nobreza, que ha no reino, cons
" '' ( marquez d"Alvito j tinida segundo o estylo c forma dos castcllos feudaes
r da edade media. Acbasc em excellente estado de coiiBor
'v _ viiçao.
. i Egreja do extincto convento, cabeça dai E histórica, n apezar das reconstrucções conserva algumas
y z
) ordem militar de S. Bento d'Aviz. . ( partes apreciáveis.
ÀZUHAIU Egreja matriz | F a ^° d ° S P r i n B Í l» Í M d o s ( Î C u l ° s v í > o b l ' a ™-™ »■ **'
! Egreja do convento de religiosas de N.( Fundada em 1467 pelos infantes D . Fernando e D . Beatriz,
BEJA. j Sr." da Conceição I que n'ella jazem, pães d'elrei D . Manoel.
! Ermida de Santo André
„ \Capella de N. Sr." da Conceiçãoi Construcção do começo do século xvi, elegante, muito orna
' *■ ' i na rua de S. João do Souto. . . I roentada e miica no paiz pela sua estrueturn.
j> i (Nas suas visinhanç.as) Ruínas do> Antiquíssimo mosteiro benedictino, abandonado c começado
AN,Aj( m o s teiro de Castro d'Avelans. . j a arruinar no reinado de D. João ni.
O convento com as capcllas na mata constituem um monu
i mento histórico apreciável, porque a lueta de gigantes, en
R c i r n ■ '"* deserto da Ordem Carmelitana des' tre a inquisição e o marquez de Pombal, teve ali o seu
uss
I calça em Portugal j derradeiro acto com a prisão, durante 18 annos, do inquí
í sidor geral, B. José de Bragança, e seu irmão B. Anto
nio, filhos legitimados d'elrei D . João v.
Cl Os seus monumentos qiigrapbicos parleiwenj ;i unira tilasse, e m<[\n:ata simpteim«nl() religioios não tècm logar n'osto ratalogn.
132
9
, Egreja matriz N. Sr.' da Assuma Começada em 1488* e concluída nos princípios do século
(,.\>ÍINHA ! b ,i j seguinte. E um dos mais formosos templos golhicos que
r
" \ ha no paiz.
CASTELLO D E VIDE —Porta d'Aramenha . , . . Curiosa porta da cerca de muros.
,. \ EgTcjasdeN. Sr." dos Remédios i „ _ , , . „ .,_ . ,,„„
LASTRO VERD E j ° c chagas de S. Salvador Constiucçoes commemorativas da batalha d Ourique em 1139.
0 mosteiro, hoje paço de N. Sr,' d a l ^ . , , . _. Tf , .„.„
1 Tcna (Fundado por elrei D . Manoel em 1S03.
CIVIUA ( Edificada no século xvn sobre um píncaro da serra de Cin
j Ermida de N. Sr.' da Peninha } r a ' J n J ? t o . a o . C a l 3 0 .da, H o c a < W o e x t e r i o r d e tionst™cv™
f I humilde, é rica no interior, pois que as suas paredes suo
\ de mosaico, em mármores de variadas cores.
; Egreja do Salvador Fundação do século xn por vezes reconstruída parcialmente.
i: . , , . , . .
Arco d Almedina
{ Era uma das porias da cerca da cidade. Por esta e outras
j Tazõeg é m o n u m e û t o hÍBlorio0i
.Egreja velha d e S . " Clara em minas. Fundação da rainha Santa Izabel.
re a e coro
COIMBRA ) ^ 8 i do convento de Santal Fundada no século xvn. No coro das freiras está o rico ruau
A
Clara f soleu que foi da rainha Santa Isabel.
\ Egreja de S. Thiago
S
Apezar das recoD strucções, conserva feições da fundação pri
mitiva, do século xn, e como a do Salvador não é falta
de memorias históricas.
133
10
n . _ . , c . „„ , r,nArn I E' um templo grandioso, de trm.m original, fundado n;. nri
OBTDOS Egreja do S. Jesus da Pedra ( ^ .^ ^ ^ d o S(>culo x v m
ODIVELLAS — Mosteiro de S. D iniz Encerra o tumulo d'elrci D . D iniz, seu fundador.
. , , ,, „,., , . , E' um templo iicqucno c de labrica siugelu, não pouco ar
l
Egreja de S Ihiago caberá do r uDi adû ^ 4 l l i ( . l ( ) r i c o ,, v n w m 0 I I ) a l l s „ , e u ^ m i , s t r c
PALMELLA « Urdem nublar de S. I b u g o j da o r d m D j d c Lencastre, duque de Coimbra, iilho
dentro do Castello f 1 ( l f c r l [ i m i l d o ( V ( ; l r c j j , . j 0 ão II.
_ ! (no concelho) Egreja do Salvador — \ Dc benediclinos. Fundado em 1088. Encerra os tum;ilos de
FENAFIEL j .^ paç0 dc gousa | T)0m £„aj. J^niZ c flC SC US fllllOS.
/ E r a um dos antigos mosteiros ria ordem bénédictins. À egrej;»
1 é toda recoustrucçâo dos séculos XV]1 c XVI11, Mas a sua
„ „ . , . . , 1 galile, apezar de ter perdido por essa occasião a sua an
POMBEÍRO Egreja do mosteiro de ^. g a e 5 l r u C l u r a d e l r e s û u v e S ) a i n d a 6 u m a n e c r o p o l e h i s .
/ lorica pelos túmulos, que encerra, dc muitos varões illus
\ três dos primeiros tempos da inonarchia.
/ ! E' ■ fundação geralmente attribnida a Tlieodomiro, rei dos
' — • . . „ . , . , . . „ . » . \ suevos, no anno 559. Porém ainda quo se negue ao
Egreja de S. Martinho de Cedofeita.. .< t e r a p i 0 a c t u a l uma tão grande antiguidade, e fora de du
vida que é anterior á tuonarcliía.
! Fundada no Mm do século XV por D . João I. E' muito apre
j Egreja de S. Francisco ! ciavel pela obra dc talha doirada com que foi ornamen
I ( tada no século XVII.
p [ EgTcja e convento da serra do P i l a r . . . E' monumento da nossa historia moderna.
RT0
1™ . {Posto que não se recommende pila helieza da arebitectura,
torre dos Clérigos j ^ c o n s irucção grandiosa, c 6 a torre mais alta do reino.
! j A vastidão e nobreza do edifício, e os primores d'esculptuTa
Palácio da Bolsa I d o g a ] â o principal, dâolhe direito a figurar aqui.
. í A sua grandeza c excellente construcção e a magnificência
1F a ç o ePlscoPal ' í e belleza da sua escada assignalamlhe aqui um logar.
!
. . • Apezar de incompleto, a sumptuosidade da sua ralirica dilhe
, Hospital de Santo Antonio ! « j u | a o e p i l D e l 0 d e monumento.
_, _ . , _ _, , . _ ! Â 1 légua de BaTcellos — E' fundação do Conde D . Henrique
RATES Egreja de S. Pedro dc Rates | d e B o r g o J Q t 8 > n o s e c u i 0 XI. Está bem conservada.
( Fundado pela priD ceza viuva D . Maria Benedicta e iuaugu
RUKA — Hospital dos Inválidos . . . . ) rado cm 182G. Edifício vastíssimo, com uma sumptuosa
; egreja.
,„ . , (Embora muito desfigurada da traça primitiva, ainda conserva
oiau v
I igreja
^ proianada de b. João d Al< ve stigios
vento da construcção romana, quando era sede do 0.011
jurídico.
SANTABEM.1I P ° r a o ' E ' v^ntn
um be.llo templo do estylo gothico puro, fundado em 1380,
I
V inridico.
' _ . . I c conservado sem alteração alguma. Entre muitos sepul
134
11
/ F o i construído nos princípios do scoulo X V I . E' muito re
i g u l a r , c está decorado com toda a riqueza da ornamenta
., „ \ Palácio dos Viscondes) coo, propria do cstylo então d o m i n a n t e . D epois da des
YIANNA no LASTELLO j d a Carreira j truição que tem havido modernamente nos bellos edifícios
f particuliires do mesmo estylo architecte nico, sobre tudo cm
\ É v o r a , este de V i a n n a é de muito apreço.
,, ,, i 0 pairo do condestavol D . N u n o l „ , , , , . ,, ,,„ T T M 1 „ rr. „
VILLA VIÇOSA ; , , ' „ „ T>„„„ ; ..„ Esta dentro do castello do Villa Viçosa.
( Alvares Pereira I
Tumulo» : „
. Este t u m u l o nao tem belleza n e m r i q u e z a . E de granito
^ T u m u l o de D . Affonso, i . ° d u q u e doi grosseiramente l a v r a d o ; e todo pintado a vivas côres.
CHAVES Í Bragança, na egreja do convento de) Todavia i o sepulchro do chefe da d y n a s t i a de Bragança.
• s Francisco . j p 0 j m a m i a d o fazer pela duqueza de B r a g a n ç a , D . Calha
i r i n a , no século XYII.
• T u m u l o de João d a s /
8 n a c re
S. D OMINGOS D E BEMFICA ) ^eg™ g J a \ E' de mármore e tem n a tampa a estatua do eloquente clian
j do convento de S.J celler d'elrei D . João I.
\ D omingos '
; T u m u l o da r a i n h a D . Maria Francisca\
j Isabel de Saboya ! Na egreja das F r a n c o z i n h a s , n a calçada d a E s t r e l l a .
T u m u l o da princeza D . Isabel, filhai
1 de D . Pedro U j Na m e s m a egreja, j u n t o do t u m u l o da r a i n h a s u a m ã e .
LISBOA ! T u m u l ° . d a r a i n h a D . Maria Ânnai Na egreja do convento do S. Francisco de P a u l a , n a r u a do
; Victoria j mesmo nome.
j ( N a sachristia da egreja de Nossa S e n h o r a d a Graça. E' da
I T u m u l o de Mendo de Foyos, secretario;) m á r m o r e de côres, e ricamente ornado do mosaicos, e de
I d'estado d'elrei D . Pedro II 1 eseulpturas em m á r m o r e e em bronze. E ' obra de mere
, \ cimento artístico.
|, Tumulo do m a r q u e z de Pombal Na e r m i d a de N. Senhora das Mercês j u n t o á r u a Formosa.
i T u m u l o d a i n f a n t a D .; Na egreja de Nossa Senhora da Luz, fundação s u a . Está na
.V SENHORA D A L U Z . Maria filha d'elrei D .Ï capellamór, q u e é o q u e resta do t u m p l o , destruído pelo
{ Manuel ( terremoto de 17S5.
PANOIAS (Penafiel) ~ Sepulchros r o m a n o s . .
SANTARÉM — Santa Maria d'Alcáçova Cippos romanos.
Aquedueioa :
COIMBRA Obra d'elrei D . Sebastião.
( Construído no reinado de D . Sebastião, lançandose p a r a esse
ELVAS Aquedueto da Amoreira j fim, pela primeira vez, o imposto do real d ' a g u a . Con
( strucção de género especial.
; Foi mandado fazer por elrei D . João III sobre os alicerces do
EVOKA — Aqueducto da P r a t a aquedueto do Sertório, descoberto por diligencias de André
' do Resende.
( E ' obra de D . Filippe II de Castella e tevo por architecto a
IfloMAR — A q u e d u e t o do convento de Cliristo.j Filippe Tcrcio, italiano. 0 arco p r i n c i p a l , a u m kilomètre
( do convento, é grandioso, e v e r d a d e i r a m e n t e m o n u m e n t a l .
ue(
V I L L \ no COND E i M l n c l o °.o convento dej E ' fundação do mesmo tempo do antecedente, e do mesmo
í Santa Clara | architecto.
TERCEIRA CLASSE
Monumentos da a r t e m i l i t a r antiga. Castellos e torres.
ALCÁCER D O SAI. — Castello a r r u i n a d o . LINDOSO.
ALMOUROL — Castello arruinado no meio do Tejo. L A N G R O I V A . *—
ALTER D O CHÃO. MONCORVO.
ANCIÃES. MON SARAS.
BRAGA. MONSANTO.
BRAGANÇA. MONTALEGRE.
BEJA. NEIVA.
CASTELLO B O J I . *»■ ÓBIDOS.
CASTKLLO D E V I D E . POMBAL.
CASTELLO ROD RIGO. — PORTO D E MÓS.
CASTRO M A R D I , SABUGAL. —
CELORICO. SEGURA.
ESTREMOZ. SILVES.
FUIKA. SOURE.
FREIXO D'ESPADA A CINTA. S. THIAGO D E CACEM.
LAPELA. THOMAR.
LAMEGO. TORRES NOVAS.
LEIRIA. VILLA VIÇOSA.
135
12
L' alem d'esles muitos outros, cm melhor ou prior estudo, mas rtuviyidn Indr» ser conservados i«m<i
padrões da historia c da arte uiilitur dos. tempos antigos.
QUARTA CLASSE
Monumentos levantados cm logare.s públicos pela gratidão nacional «n» honra de homens, que. bem
morderam da pátria.
ISUAGÀ — Monumento de D . Pedro V. i win as estatuas do Viriato, D , Nuno
CAtCAt;. Monuineiiio da sr." D . Maria II. Alvares Pereira, Vasco da (lama, e mar
CAXTULUJ D F. VIDE—•Monumento de D . Pedro V. quez de Pombal.
S. JULIÃO D A BARRA — Monumento de Gomes Freire. MATTOSISHOS — Estatua de Manoel da Silva Passos.
LISBOA Estatua equestre d'Elrci D . José í. PORTO—Estatua equestre de D . Pedro IV.
» Monumento de D . Pedro IV. » Monumento de D . Pedro V, na Praça da
.. Monumento de Luiz de. Cam5cs. Batalha.
■I Monumento do D uque da Terceira. SAGRES — Padrão do Infante D . Henrique,
" E.statua de José Estevão C. de M. SETÚBAL — Monumento de Bocage.
ii Arco Triumphal da Praça do Commercio
QUINTA CLASSE
Padrões commeuiorativos de leitos gloriosos, ou de acontecimentos notáveis : algumas casas, que ser
viram de residência a grandes vultos históricos ou litterarios : alguns mausoléus, de valia histórica ou
artística, e que se abrigam em templos, que não vão incluidos nas classes antecedentes : certos pelouri
ubos e cruzeiros de merecimento artístico : cippos, ooluranas miliarias, e outras memorias epigraphicas.
1'adrõe» :
, ! Padrão das linhas de Torres Vc
ALIIANDRA, d m
,\ret»M c o m i n e m o r a t i v o i e f u n m e o s :
E' um arco encimado pela estatua do nosso 1.° rei. Embora
(Serra d') padrão da conquista dei soja contestado o voto, que, dizem, elrci fizera ali a S.
AI.HAIUMS* Santarém por elrei D . Alfonso' Bernardo, é certo que descançou com a sua hoste n'aquelle
' Henriques / logar, quando ia sobre Santarém, c que o arco é um pa
drão d'aquellc glorioso feito.
. Levanlase este arco junto do logar da Ermida, nas visinhan
ma no
P ^,'an ças de Penafiel. Segundo uns é um padrão commemnra
d a t,rmi a
\ " > \ tjvo do transito fúnebre do corpo da rainha D . Mafalda,
ERMIDA (Concelho de Pcnnfiel), como lhe, j j l h a d e D S a u d l u j _ . _ d ( i 1 U o T m l n > U I l d p f a n e C eu. p a r a
/ chama o^ Q l l l o s teiro de Arouca, onde jaz. Conforme oulrus, « o tu
vu
'8° i mulo de D . Sousino Alvares.
i E' um arco ogival de granito, proximo do Porto, um pouco
Louuiao Arco de Lordelo j paTe,oido com os indicados abaixo.
; Erguese cm uni oiteiro sobranceiro ao vulle e mosteiro de
„ . „ „ „ . , , , ! A ™" vulgarmcr.tr. denominado mo õdivoUas. E' questão arcl.eotogica se diz respeito a clrei
( UUI D CIIIO d'clrc! D . D im* / D D i n l z > sl , ., e l . r c i D . J u 5 o £
^ N'esta Iregnezia do concelho de( E s ( e &Q ^ e gío commemorntivos
1«IMBIIIIA»A ■ Bemviver, esta outro arco, pa^ d ^ ^ ^ r u i a l l aD D M a M d a
• recido com o da Ermida \
136
13
Acha-se este arco proximo da estrada que segue de Villa Boa
(L01 K
REBORDAI ' , '" Rcfoios de ttiba* p a r a Q D o u r 0 - T o d o s o s t e s a r c o s s g 0 construídos de eanla-
ll A v e
' ' ( ria, no estylo gothieo.
L o g a r c » »in>i<»ravei* :
D'esta casa, em que habitou o celebrado juriscousulto antes
{'.asa do'João à\iA Regras no largo do; do seu casamento, Testa apenas uru grande arco ogival,
' Poro do Borralem ! do très que outr'ora teve, no pavimento térreo.
/ D'esté seu palácio, que o terremoto de 1755 destruiu em
Casa de D. Vasco da Gama, na cal-l parte, e que' as reedifioações em parte desfiguraram muito
cada do Duque, proximo do Largoj modernamente, somente restam umas cinco jancllaa de
de S. Roque [ sacada no pavimento nobre.
I / E' a casa em que ha pouco se collocou uma lapida comme-
Casa de Luiz de Camões na calçada} morativa, na supposição de que o grande épico alli morava
LISBOA./ d e Sant'Anna ( ao tempo do seu fallecimento.
iCasa do visconde d'Almeida Garrett, S E ' a c a s a e m <I ue r e s i d i u n o s SBUB n l t i m o « t«n*P<>s> e ° n d e
na rua de Santa Isabel morreu o illustre poeta
ÍE a casa de D. Anlao d'Almada, um dos quarenta fidalgos,
1
Palácio do Conde d'Almada, no largo» que acclamaram D. João IV. Era n'este palácio que se rcu-
de S. Domingos ( niam os conspiradores.
Casa de Braz d'Albuquerque, filho doí C a s a vulgarmente chamada Casa dos Bicos. O terremoto de
grande Affonso d'Albuquerque, que) 1 7 5 5 derrocou-lhe os andares superiores. Do que foi pou-
toraou o primeiro nome do pae por) P a d o P e l ° cataclysmo alteraram-lhe algumas partes as rc-
ordem d'el-rei D. Manoel ' conatrucções.
Pelourinho» ;
ALTER DO CHÃO.
ALVERCA..
ABRUDA.
BATALHA.
CINTRA.
I Como obra d'arte, por ser a columns de uma pedra inteiriça,
LISBOA j formada de 1res hastes torcidas e separada», mas unidas
( na base e junto ao capitel.
; E' uma formosa columna corynthia de mármore preto e branco,
SETODAL j encontrada nas ruinas de Cetobriga, em escavações feita»
' no reinado de D. Maria I.
Cruzeiro» :
LEÇA DU BALIO. Cruzeiro da egreja de Santa Maria.
( E' o cruzeiro, que estava no centro do largo d'Arroyos, e
LISBOA — Arroyos j q Ue f0i mudado para a egreja de S. Jorge.
PORTO DE MÓS.
São numerosíssimos os monumentos epigraphicos que ainda existem uo reino, apezar da grande des-
truição que se tein exercido n'elles desde tempos antigos, e de muitos anniquilados pelo terremoto de 1755.
Os que ainda se conservam formariam um extenso catalogo. A Estremadura, o Alemtejo e o Algarve são
as províncias em que mais abundam, não fallando nos que n'ellas se acham colleccionados. Enconlram-se
lambem em muitas terras do Minho e de Traz-os-Montes. Das columnas miliarias das vias militares ro-
manas possue Braga boa copia. Também se vêem na villa de Chaves, e outras localidades. São de diffé-
rente origem, iste 6, dizem respeito a mui différentes povos os monumentos epigraphioos, que possuímos,
anteriores á rnonarchia. E alguns ha de caracteres ainda hoje desconhecidos, e por conseguinte ainda não
decifrados. Porém o maior numero é de origem romana.
Encontram-sc cm quasi todas as províncias de Portugal restos mais ou menos importantes, de povoa-
ções antigas, representantes de différentes civilisações. Em algumas, infelizmente poucas, tcm-Be feito ex-
plorações, dirigidas par pessoas competentes, zelosos cultores de archeologia. Aquellas são, em tempos an-
teriores, porém modernos, Cetobriga, e na actualidade as Citania, no Minno, Ossonoba e outras no
Algarve. Mas a maior parte jazem desconhecidas ou desprezadas.
Seria conveniente relacional-as, para fazer conhecida a sua existência ; para se obstar a que os povos
as destruam totalmente, indo ali buscar materiaes de construcção, como até aqui tem auecedido ; e a fim
de que algum dia sejam exploradas e estudadas.
137
14
S E X T A C L A S S E
Monumentos prehístoricos
D o l m e n » , c o n h e c i d o s e m o noftso p a l z p e l o n o m e d ' a n t a » :
ifen-hii-M :
FAN EL , . Concelho de Villa Velha do Ródão.
MON E FIDALCO » » » * » »
\ .tu. D ' A C A F A L L A » » » » » »
Vf a m u n h a g :
CARRAZEDO Nas cercanias de Villa Pouca d'Aguiar.
MAMALTÀR » » d a s m i n a s do Braçal.
Jusé Silvestre Ribeiro, presidente. — Antonio Pedro de Azevedo, secretario.— Joaquim Possidonio Narciso
da Siha, Augusto Carlos Teixeira de Aragão, Valentim José Correia, v o g a e s . — Ignacio de Vilhena Barlosa,
relator.
138
Joaquim de Vasconcelos não deixou de louvar a iniciativa da Associação
embora aponte a sua discordância relativamente à classificação de alguns
edifícios, que assenta numa questão de princípio: a relação artística dos nossos
monumentos com os do país vizinho que existe "desde o estylo românico até ao
fim do Renascimento, incluindo a época dos Filipes. Classificações que não
sejam feitas sobre esta base, o estudo comparado, hão-de sair erradas. Na
questão artística nunca houve fronteiras entre Portugal e Hespanha"372. Não
esqueçamos o ambiente que se vivia na altura em torno da discussão da
existência de uma arte portuguesa, suscitada pelos preparativos para a
Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola e do pensamento de
Joaquim de Vasconcelos sobre a questão, que já referimos.
Vasconcelos sugere ainda a classificação dos monumentos in loco, com
vista à racional distribuição das despesas para ao seu restauro, a elaboração de
questionários semelhantes aos que haviam sido realizados em França, na
Prússia e na Austria e insiste no ensino artístico em oficina.
Se o estado tolera "os castellos de cartas de Belém, etc., como querem
que o povo respeite os monumentos?"373 Como sempre ninguém o ouviu ou
quis ouvir.
372
"Revista da Sociedade de Instrução do Porto", Porto, n°4, 1 de Abril, 1881, p. 136.
373
Ibidem, p. 138.
374
Monumentos Nacionaes Portuguezes. Legislação (Publicação Official), Lisboa, Imprensa
Nacional, p.17, (Portaria de 29/12/1881).
375
Ibidem, p. 18-19.
139
Indicar os padrões levantados em logares públicos, nos seus différentes
géneros, mais dignos de serem conservados para a historia.
Mencionar aqueductos antigos e modernos notáveis pelo seu aspecto e
importância architectonica, assim como os castellos e torres.
Se possue arcos commemorativos e funéreos.
Os pelourinhos devem ser considerados como obra de arte.
Os cruzeiros igualmente pela sua antiguidade e merecimento artistico.
Os cippos, columnas miliares e memorias epigraphicas.
Haverá vestígios romanos e arabes nessas localidades ? Em que sitio e
qual o seu estado actual?
Os monumentos pre-historicos, taes commo antas, pedras levantadas,
pedregulhos e mamanhas (sic); isto é, montes isolados uns dos outros e
levantados nos campos".376
376
Ibidem, p. 18-19.
377
[Silva, Joaquim Possidónio Narciso da], Relatório da Comissão dos Monumentos
Nacionaes apresentado ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Ministro das Obras Publicas,
Commercio e Industria pelo Presidente da referida Comissão em 1884, Lisboa, Imprensa
Nacional, p. 4.
378
Cfr. no Anexo Documental do v. 2 deste trabalho, p. 459-463.
379
"O Instituto", Coimbra, v. 30, n°4, Out, 1883, p. 179-192.
380
"O Tribuno Popular", Coimbra, n° 1098, 8 de Ag. de 1866, p.l.
140
Eu não so dice ao nosso Padre capelão que fizesse substitui aquella pedra
que V. Exa desejava ter, por outra qualquer lage381, como approvei que elle
lhe entregasse aquella cabecinha do Frade; porem muito senti não falar a V.
Exa agradecendo desde ja, toda a sua protecção em favor deste mosteiro que
pelo prigo (sic) que nos amiaça bem precisa hum reparo no Tecto da Egreja.
Se V.Exa pela sua reconhecida bondade me fizesse o distincto favor de por
aqui, aparecer, eu teria o maior gosto em o obsequiar. (...).382
381
Sublinhado nosso.
382
A.N./T.T, Correspondência artística e scientifica nacional e estrangeira com J. Possidónio
da Silva, t. III (8o). doe. 390. Cfr. o Anexo Documental do v. 2 deste trabalho, p. 470-471.
383
[Gonçalves, António Augusto], O Claustro de Celas. Apello á Imprensa, Coimbra, p. 9.
Esta publicação é atribuída a A. A. Gonçalves. Cfr. Madahil, A. G. da Rocha, Tentativa de
Bibliografia de Mestre António Augusto Gonçalves, Coimbra Editora, 1947, p.
384
Cfr. no v. 2 deste trabalho o que registamos sobre este exemplo em: Convento de Cristo.
p.l 18 e fig. 8.
385
[Silva, Joaquim Possidónio Narciso da], Relatório da Comissão dos Monumentos
Nacionaes (...), p. 22.
141
Depois de outras tentativas sem resultado, de inventariar o património,
em 27 de Fevereiro de 1894 é regulamentada, por portaria, a Comissão dos
Monumentos Nacionais 386 .
São considerados monumentos nacionais todos os edifícios, construções,
ruínas e objectos artisticos, industriais e arqueológicos:
"a) Que importem á historia do modo de ser intellectual, moral e material
da nação nas diversas evoluções e influencias do seu desenvolvimento;
b) Que testemunhem e comemmorem factos notáveis da historia nacional;
c) Os megalitos, e em geral os que constituam vestigios dos povos e
civilizações anterioras á formação da nacionalidade, quando existentes ou
encontrados em território portuguez". 387
386
S./a., "Colleccção officiai de legislação portugueza" (...), 1894,p. 101.
387
Ibidem, p. 101-102.
388
Ibidem, p. 102.
389
S./a., "Colleccção official de legislação portugueza" (...), 1891, p. 228-230.
390
/bidem, p. 230.
142
secretário Júlio Mardel e como vogais Alberto Pimentel, Alfredo Ribeiro,
Fernando Larcher, Gabriel Pereira, Joaquim Rasteiro, Ramalho Ortigão e
Sousa Viterbo391. Era também composta por correspondentes locais.
Em Julho de 1894 a referida Comissão apresenta um Questinário Geral,
enviado aos presidentes de Câmaras, Juntas de Distrito e autoridades
ecleseásticas, e dois outros questionários, militar e paroquial, destinados à
administração militar e aos párocos.
O Questionário geral dividia a classificação dos monumentos, pela
primeira vez, por épocas, embora se introduzam vectores de outra índole:
Monumentos Pré-históricos
Antiguidades romanas
Tradições locais
Antiguidades românicas e góticas
Monumentos árabes
Monumentos portugueses (igrejas, ermidas, castelos, solares, brasões,
moedas, pinturas, bordados, tapeçarias, vestuário, relógios, etc.)
Antiguidades de origem desconhecida
Notícias de retratos, estampas ou cartas geographicas antigas
Notas sobre o estado de conservação dos objectos mencionados.392
143
O "complexo de Noé" de que se tem vindo a falar no nosso tempo, pelo
desejo de tudo classificar como património, é uma utopia já patente nestes
questionários, mutatis mutandis, uma vez que actualmente o conceito de
património abrange a natureza e pretende ser mundial.
Como já observámos, na primeira metade do século os monumentos
passam a sê-lo quando está patente a possibilidade de desaparecerem. Do
monumento histórico que ameaçava ruína física e era preciso proteger antes
que se perdesse aquela poderosa presença do passado, passou-se à vontade de
guardar os "costumes" tradicionais, "próprios do povo português" que os
novos hábitos civilizacionais iam mitigando ou eliminando. Este facto
tranforma os hábitos das sociedades em preciosos mirabilia, objectos de apreço
intelectual que é preciso cristalizar. A classificação dos monumemtos e do
património também decorre da vontade de parar o tempo.
393
Cfr. França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX (...), v.2, p.l 12
394 "Arte Portugueza. Revista de Archeologia e Arte Moderna sob a Protecção de Suas
Magestades", Lisboa, 1895, Prospecto, S ./p..
144
A comissão acrescenta nas cartas que diriga às várias entidades: "Ainda
também, no momento actual, esse volver de olhos para o passado como que
nos levanta o espirito e nos dá alento para vencermos dificuldades que hão de
passar se houver coragem civica. Não devemos esquecer a influencia moral do
estudo dos monumentos nacionaes"395.
A alusão à desmoralização nacional, finissecular e decadente agravada
pelo Ultimatum de 1890 é clara, e nítido também é o entendimento do
património como esteio da nação e como elemento vivificador do brio
nacional. Os monumentos são uma lição, não talvez de uma forma tão directa e
pedagógica, como entendia Herculano, porque valorizava principalmente os
monumentos históricos, mas de um modo mais geral que procura propiciar o
amor à pátria pelo conhecimento, porque só o estudo dos monumentos "realça
a nação; o ignorado é inutil; (...)"396. Na verdade a questão é a mesma: de
contornos positivistas, actualizado pelas novas ciências sociais e humanas, o
conceito de monumento persiste em decorrer da procura das raízes, ou seja, da
produção simbólica da nação.
395
Ibidem, p. 2-3.
396
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
n°l, v.7, 3a série, p. 4.
397
"O Archeologo Portugez", Lisboa, n° ljan., 1895, p. 17.
398
Ibidem, v.3, n°s. 1-2, Jan. e Fev., 1897, p. 63.
145
permittindo que se pintem ou dealbem cantarias ou ferragens de merecimento,
que se arranquem azulejos, etc"399.
O bispo de Bragança, em 1898, envia aos párocos uma circular com
recomendações similares relativamente ao restauro das igrejas400.
A criação de cursos de arqueologia nos seminários corresponde a uma
ideia que já havia sido lançada em 1886 pela Associação dos Arquitectos Civis
e Arqueólogos Portugueses que encarregou Vilhena Barbosa de enviar ofícios
às autoridades ecleseásticas. D. António Xavier de Sousa Monteiro, bispo de
Beja foi o primeiro a implementar uma cadeira de desenho e arqueologia no
seminário da diocese, pelo que recebeu um louvor da sociedade, e em 1887
publicou uma obra ilustrada, Elementos de Arqueologia e Iconografia Cristã,
onde escreve que o livro se destina a ser adoptado nas aulas do seminário401.
O bispo do Algarve e o Cardeal Patriarca de Lisboa responderam
também de modo favorável às sugestões da Associação402.
399
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
v.7, n°8, 3a série, 1897, p. 124.
400
"O Archeologo Portugez", (...), v.4, n°s. 1-6, Jan.-Junho, 1898, p. 61
401
Cfr. Dias, Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos
Portuguezes (...), p. 26.
V. Gusmão, Artur Nobre de, A Expansão da arquitectura borgonhesa (...), p. 72.
402
Cfr. Dias, Eduardo A. da Rocha, A Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos
Portuguezes (...), p. 26.
146
"a) Formular o inventario dos monumentos e objectos d'arte, que devem
ser apontados á acção vigilante do governo e ao culto esthetico do povo
portuguez,
b) Estabelecer uma forte corrente de opinião que torne viável qualquer
projecto que tenda a garanttir eficazmente a guarda e conservação dos
monumentos;
c) Recolher, para depois fundir n'um pensamento commum todos os
alvitres e todas as propostas que mais racional e mais particularmente
concorram para realisar o fim que se pretende"403.
403
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
v. 8, n°s. 1-2, 3aa série, 1898, p. 4-5.
404
Cfr. o que escrevemos a propósito da Memória (...) sobre o restauro da Sé da Guarda, por
Rosendo Carvalheira.
405
Cfr. "Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes",
Lisboa, v. 7, n° 9, 3a série, 1897, p.135-139.
406
Cfr. "Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes",
Lisboa, v. 8 n°s. 5 e 6, 3a série, 1899, p.92-96.
407
S ./a., "Colleccção officiai de legislação portugueza" (...), 1898, p.923-925.
147
protectora e rigorosa onde é implícito que o primeiro proprietário do objecto
artístico é a colectividade nacional408.
As funções do Conselho são semelhantes às das comissões anteriores:
classificar os monumentos, estudar e aprovar os projectos de restauro, propor
obras, mander proceder ao levantamento gráfico dos monumentos, elaborar
monografias sobre os mesmos, etc.. Do Conselho fariam parte vinte vogais
nomeados pelo ministério e também, com as funções inerentes aos respectivos
cargos:
408
Ibidem, 1898, p. 924.
409
Ibidem, 1898, p. 925.
148
José Duarte Ramalho Ortigão - Academia das Ciências e Bibliotecário da
Ajuda
José Ferreira Chaves - professor da Academia de Belas-Artes
José Veloso Salgado - professor da Academia de Belas-Artes
Julio Carlos Mardel de Arriaga Cabral da Cunha - vogal da extinta
Comissão dos Monumentos Nacionais
Lino de Assunção - Academia Real das Ciências
Luciano Cordeiro - do conselho do rei e chefe de repartição do
Ministério do Reino
Luis José Monteiro - arquitecto
Visconde de Castilho - conservador da Biblioteca Nacional.410
410
Monumentos Nacionaes Portuguezes. Legislação (Publicação Official), (...), p.30-32.
411
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
v. 7n°s. 3 e 4 , 3a série, 1895, p.35.
412
Ibidem, v. 7 n°.5, 3a série, 1896, p.66.
413
S./a., "Colleccção official de legislação portugueza". Suplemento do ano de 1901, (...),
1903, p.1436-1437.
149
Monumentos Nacionais elaborava sob a presidência de Augusto Fuschini, e que
iria resultar em novo arrolamento monumental concluído em 1909 e aprovado
por decreto de 16 de Junho de 1910 414 , 29 anos volvidos sobre a edição do
Relatório e Mappa (...) que é republicado em 1904 como Subsídios para a
classificação dos Monumentos Nacionaes415 juntamente com uma lista de
"monumentos históricos e artísticos" do município de Coimbra,
correspondente às respostas ao questionário de 1882, publicadas em "O
Instituto" 416 .
Em 1900 Fuschini requerera à Associação dos Arquitectos e Arqueólogos
a documentação que esta recebeu depois de lançar a campanha de 1897 para
auxiliar o trabalho do Conselho dos Monumentos Nacionais 417 . Durante a
primeira década do século as publicações periódicas dedicadas à arte,
arquitectura e arqueologia irão propor nas suas páginas a classificação de
vários monumentos e multiplicarão o estudo sobre os mesmos.
Os próprios membros do Conselho publicam listas de monumentos a
classificar como Joaquim Leite de Vasconcelos (entretanto nomeado vogal)
que em 1905 propõe a classificação de 19 monumentos em "O Archeologo
Português" 4 1 8 , enumerando monumentos pré-historicos, proto-históricos,
romanos, românicos e góticos, e Ramalho Ortigão que publica uma lista de 48
monumentos no "Diário de Notícias", em 1907.419
Os edifícios que refere foram todos construídos entre a época românica e
o século XVI, mas o principal critério que aponta não é de carácter
cronológico ou estilístico: "(...) as grandes fabricas architecturaes mais
facilmente por si mesmas se defendem que as não menos preciosas edificações
obscuras, que tão saudosos escritos de arte espalham ainda pelos mais
deslembrados recantos das doces villas e aldeias de Portugal" 420 . Os exemplos
que aponta necessitam por isso de uma mais rápida classificação como forma
de os defender da deturpação ou da destruição.
414
"Diário do Governo", Lisboa, n° 136, 23, Junho, 1910, p. 301.
415
Conselho dos Monumentos Nacionaes, Subsídios para a classificação dos Monumentos
Nacionaes, Lisboa, Imprensa Nacional, 1904.
416
Como acima referimos. Cfr. nota supra: "O Instituto", Coimbra, v. 30, n°4, Out., 1883, p.
179-192.
417
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
v.8 n° 12, 3a série, 1900, p. 183.
418
V., J. L. de, Lista de monumentos que pelo seu caracter histórico, archeologico ou artístico
são susceptíveis de se considerarem nacionaes, "O Archeologo Português", Lisboa, v. 10 n°s
1-2, Jan.-Fev, 1905, p. 38-41.
419
"Diário de Notícias", Lisboa, 19, Jan., 1907.
420
Ibidem.
150
Apesar de o Conselho dos Monumentos Nacionais ter recomendado que
não se destruíssem as muralhas de Braga, enviando um parecer à respectiva
Câmara sobre o que devia ser restaurado, a verdade é que a muralha foi
demolida em 1905 com comemorações e apoio popular.421 A eficácia do
Conselho continuava a diluir-se nos interesses locais e este pouco mais fazia do
que prosseguir o inventário. Em 1907 já estavam classificados 400
monumentos, desde a Pré-história ao século XVIII422, e será o mesmo critério
cronológico a presidir à classificação concluída em 1909.
421
"O Archeologo Português", Lisboa, v. 10, n°s 10-12, Out.-Dez., 1905, p. 375-379.
422
"O Archeologo Português", Lisboa, v. 12, n°s 10-12, Maio-Agosto, 1907, p. 201.
423
"Boletim da Associação dos Archeologos Portuguezes", Lisboa, v.13 n° 4, 5a série, 1915,
p. 216-218. Apesar de o Boletim citado datar de 1915 o texto de Sousa Viterbo, que tomámos
como exemplo, está datado de 1909. A Associação publica, desde 1912, uma série de artigos
daquele autor escritos em publicações periódicas como o "Diário de Noticias". A obra
vastíssima de Sousa Viterbo e a sua dispersão e valia resultaram nestas publicaões por parte da
Associação dos Arqueólogos.
151
arcanos. Representar o passado é a sua missão, o seu destino, a sua força, o seu
proveito e o seu encanto"424.
424
Ortigão, Ramalho, Um brado a favor dos monumentos, "Diário de Noticias", Lisboa, n°
17, Maio, 1905. Publicado originalmente neste periódico, o que quisemos registar pela
divulgação implícita, este texto foi editado no "Boletim da Real Associação dos Arquitectos
Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa, v.10 n° 8, 4a série, [1905], p.369-376. Sublinhado
nosso.
425
Almeida, Carlos Alberto Ferreira de, Património - Riegl e Hoje, (...), p. 414.
426
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
v.10 n° 8, 4a série, [1905] p. 438-440.
152
(...)".427 Em Junho do mesmo ano uma nova circular é enviada às Câmaras
seguindo-se a publicação de mais 42 relações locais de monumentos.428
Todos estes elementos eram enviados ao Conselho que em 1909 apresenta
a Classificação dos Monumentos NacionaesA29 Os critérios da classificação
assentam na época, no tipo de monumento e na função, a saber:
Pré-historica
Lusitana
Lusitana-romana
Romana
Sueva
Medieval
Renascimento
Moderna
monumento religioso
monumento militar
monumento civil
igrejas
castelos
torres
fortalezas
palácios
pontes
aquedutos
cruzeiros
pelourinhos
padrões
antas
marcos miliários
sepulturas
túmulos
427
Ibidem, p. 440-462.
428
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
v. 10 n° 11-12, 4a série, [1906] p. 581-686.
429
Ministério das Obras Publicas Commercio e Industria, Conselho dos Monumentos
Nacionais, Classificação dos Monumentos Nacionaes, Lisboa, Imprensa Nacional, 1909.
153
em total de cerca de 400 monumentos430, ordenados dor distritos, que se
seguem não por ordem alfabética, mas de norte para sul do país. A
classificação foi aprovada por decreto de 16 de Junho de 1910, como já
notámos.
430
Idem, ibidem, passim.
431
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa,
v.12 n° 3, 5a série, Julho-Set., 1910, p. 153.
432
Iibidem, p. 161.
433
'Annuario da Sociedade dos Architectos Portuguezes", ano 1, Lisboa, 1905.
434
Ibidiem, p. 90-91.
154
composto por homens ilustres enfermava de má organização e não passava de
um "platonismo officiai" de que nada beneficiavam os monumentos.435
435
Ibidem, anos 5 e 6, 1909-1910, p. 67-72.
436
"Boletim da Associação dos Archeologos Portuguezes", Lisboa, v.12 n° 7, 5a série, Julho-
Setembro, 1911, p. 313.
437
Ibidem, p. 314.
155
arqueologia, de hiostória de arte e de crítica artística, conforme à formação do
candidato.438
Em cada Conselho era formada uma comissão dos monumentos composta
por onze sócios efectivos, seis artistas (na sua maioria arquitectos), e cinco
escritores de arte e arqueólogos.439
Em cada uma da direcções de obras públicas seria nomeado um
arquitecto, sob proposta da respectiva comissão de monumentos Ao qual
caberia exesrcer as funções de conservador de monumentos da respectiva ares,
visitando os mesmos e propondo à comissão as medidas necessárias para a sua
salvaguarda, fornecer informações técnicas, organizar orçamentos de obras de
conservaçãoe restauro e dirigir os respectivos trabalhos sob a superintendência
da respectiva comissão.440
438
Ibidem, p. 315-316.
439
Ibidem, p. 319.
440
Ibidem, p. 324.
441
Conselho de Arte e Arqueologia (I a Circunscrição), Monumentos Nacionais classificados
até Setembro de 1928, Lisboa, 1929.
156
Lista dos Monumentos Nacionais
DISTRITO DE AVEIRO
Águeda
Albergaria-a-Velha
Anta de Mamaltar.
Arouca
Aveiro
Castelo de Paiva
Feira
Castelo da Feira.
Ílhavo
157
Oliveira de Azeméis
DISTRITO DE BEJA
Alvito
Castelo de Alvito
Barrancos
Castelo de Noudar
Beja
Castro Verde
Mértola
Ourique
Castro de Cola.
Serpa
158
Igreja de S. Francisco (3a) (na vila).
DISTRITO DE BRAGA
Amares
Barcelos
Braga
159
Cabeceiras de Basto
Ponte de Cavez.
Fafe
Famalicão
Guimarães
160
Póvoa de Lanhoso
Vila-Verde
DISTRITO DE BRAGANÇA
Bragança
Carrazeda de Ansiães
Freixo de Espada-à-Cinta
161
Igreja (idem).
Miranda do Douro
Mirandela
Torre de Moncorvo
Belmonte
Castelo Branco
Fundão
162
DISTRITO DE COIMBRA
Cantanhede
Capela de Varziela.
Coimbra
Condeixa-a-Velha
163
Ruínas de Conímbriga.
Figueira da Foz
Gois
Lousã
Montemor-o-Velho
Castelo (da vila), compreendendo a Igreja anexa de N.a Sr.a dos Anjos com o
túmulo de Diogo de Azambuja.
Oliveira do Hospital
Penacova
164
Penela
DISTRITO DE ÉVORA
Alandroal
Arraiolos
Borba
Évora
165
Janelas da Frontaria do antigo palácio dos Sepúlvedas, Rua da Lagoa,
n° 78 (na cidade) (D. 8252 de 10-VII-1922).
Janela manuelina do prédio n° 31 e 33 da Rua da Moeda (idem) (D. de 3-
VII-1922).
Torre quadrangular (medieval) da Rua Nova, pertencente a António
Coelho Vilas-Boas (idem) (D. de 3-VII-1920).
Torre pentagonal (medieval), da antiga Rua da Selaria, pertencente a
Francisco Severino Godinho (idem) (D. de 3-VII-1929).
Muralhas de Évora:- Da Cerca romana e árabe: o arco de D. Isabel, a
muralha posterior do passeio de conde de Schomberg, a Torre das Cinco
Quinas, a muralha do palácio das Condes de Basto, as tôrrres da Porta de
Moura, a muralha da Praça de Sertório, a muralha da Igreja de S. Bento,
as torres das Alcárcovas, debaixo e de cima.
- Da Cerca medieval: astôres e as muralhas compreendidas entre as
portas de Alconchel e do Raimundo, ângulo em frente da estrada da
Malagueira, torre junta ao Convento do Calvário, torre junta ao
Aqueduto, torre da Porta de A viz, torre do Baluarte de S. Bartolomeu,
torre junta à rampa dos colegiais, ângulo de ligação entre a muralha
fernandina e o baluarte do Conde de Lippe, muralha junto ao quartel de
cavalaria, torre do jardim público (D. 8228 de 4-VII-1922).
Parte dos prédios militares n° 14 e 15 de Évora que consta dos trechos
mais típicos e mais interessantes das antigas muralhas daquela
cidade,incluindo as portas extremas desse troço de muralha, i.e., a porta
da Alagoa e a do Raimundo (anteriores a D. João IV) (D.7719 de 29-IX-
1921).
Toda a parte das muralhas e fossos de Évora que à data deste decreto
ainda não estavam classificados (D. 11773 de 23-VI-1926).
Capela de Nossa Senhora do Espinheiro em S. Mancos (D. 7767 de 11-
VIII-1921 e de 16_VI-1910).
Castelo de Valongo.
Anta do Pinheiro-do-Campo.
Anta da Herdade de Montinho.
Anta da Herdade de Galvoeira.
Anta do Paço-da-Vinha.
Anta de Paredes.
Anta da Herdade da Serranheira.
Anta do Barrocal.
Anta da Herdade da Tisnada.
Anta da Herdade do Zambujal.
166
Anta da Herdade da Murteira.
Via de Lisboa a Mérida (12 marcos miliários) (vide LISBOA- Alenquer).
Extremoz
Montemor-o-Novo
Mora
167
Anta de Pavia, transformada em capela de S. Denis.
Portel
Redondo
Anta da Venda-do-Duque.
Anta da Herdade da Candieira
Anta da Herdade das Tesouras.
Anta da Vidigueira.
Viana do Alentejo
Vila Viçosa
DISTRITO DE FARO
Castro Marim
Faro
168
Arco da Vila (na cidade}.
Ruínas de Estoi (arredores de Faro).
Lagos
Loulé
Portimão
Monumentos de Alcalar.
Silves
Tavira
Vila do Bispo
169
Ermida da Nossa Senhora de Guadalupe, na Rapozeira (D. 9842 de
20-V1-1924).
DISTRITO DO FUNCHAL
Funchal
Sé (na cidade).
DISTRITO DA GUARDA
Aguiar da Beira
Almeida
Celorico da Beira
Castelo e muralha (na vila) (D.D. 8176 de 3-VI 1922 e de 16-VI- 19 10).
Castelo de Linhares (D. 8201 de 17 VI-1922).
170
Cruz de Pedro Jacques (idem).
Gouveia
Guarda
Meda
Pinhel
Seia
Sabugal
Trancoso
171
Igreja Matriz (na vila).
Pelourinho (idem).
Castelo de Freixo de Numão.
DISTRITO DE LEIRIA
Alcobaça
Batalha
Caldas da Rainha
Leiria
Óbidos
172
Castelo (na vila).
Pelourinho (idem).
Pedrógão Grande
Pombal
Porto de Mós
DISTRITO DE LISBOA
Alenquer
Arruda
Cadaval
Castro de Rocha-Forte.
Lisboa
173
Igreja do Carmo (ruínas) (idem) (D.D. de 10-1-1907 e de 16-VI-1910).
Igreja da Conceição-Velha (idem).
Igreja da Madre de Deus (idem)
Igreja de S. Vicente de Fora (idem).
Igreja (incompleta) de Santa Engrácia (idem).
Igreja de S. Roque (idem).
Igreja de Cheias (idem).
Igreja do Menino Deus (idem) (D. 3318 de 27-VIII-1917).
Igreja de Santa Catarina (idem) (D. 3318 de 27-VIII-1917).
Igreja de S. Domingos (idem) (D. 3318 de 27-VIII-1917).
Igreja de St. Estêvão de Alfama (idem) (D. 3318 de 27-VIII-1917).
Sacristia e capelas intermediárias da Igreja da Graça, compreendendo
o túmulo de D. Mendo Foios (D. 3318 de 27-VIII-1917 e de 16-VI 1910).
Basílica da Estrela, compreendendo os túmulos de D. Maria I e do seu
confessor (D.D. de 10-1-1907 e de 16-VI-1910).
Igreja da Memória (na cidade) (D. 8267 de 8-II-1923).
Capela-mor da Igreja da Luz e sepultura da infante D. Maria (idem)
(D. 8267 de 8-II-1923 e de 16-VI-1910).
Mosteiro de Belém, compreendendo os túmulos, designadamente os de D.
Manuel, de D. João III, de D. Sebastião e do Cardial D. Henrique (na
cidade) (D. 3318 de 10-1-1917 e de 16-VI-1910).
Capela de Santo Amaro (idem).
Capela dos Castros (idem).
Portal principal da Igreja da Madalena (idem).
Portal da capela da Nossa Senhora dos Remédios (idem).
Portal lateral dos antigos Paços de S. Cristóvão (idem).
Sepulturas da Igreja de Santa Luzia (idem).
Túmulo da rainha D. Maria Vitória, na igreja de S. Francisco de
Paula (idem).
Túmulo de João das Regras, em S. Domingos de Benfica (idem).
Aqueduto das Águas-Livres compreendendo a Mãe-d'Água (idem).
Palácio Nacional da Ajuda (idem).
Casa de Brás de Albuquerque (Casa dos Bicos), fachada (idem) .
Palácio dos Condes de Almada, compreendendo os padrões
comemorativos da conspiração de 1640 (idem).
Teatro de S. Carlos (imóvel de interesse público) (idem) (D. 15962 de
17-1X-1928).
Teatro Nacional de Almeida Garrett (imóvel de interesse público)
(idem) (D. 15962 de 17-1X-1928).
Castelo de S. Jorge e resto das Cercas de Lisboa.
Torre de S. Vicente de Belém (idem) (DD. de 10-1-1907 e de
16-VI-1910).
Palácio que pertenceu aos Almadas, provedores da Casa da índia situado
no L. do Conde Barão (idem) (D. de 27-XII-1919).
Chafariz da Esperança (idem).
Pelourinho (idem).
174
Cruzeiro de Arroios (idem).
Cruzeiro das Laranjeiras (idem)
Padrão do Campo Pequeno (idem).
Praça do Comércio monumentos e edifícios (idem).
Lápides das Pedras-Negras (idem).
Lápide do Deus Esculápio (idem).
Estátuas lusitanas de Montalegre. No Museu Etnológico (idem).
Via de Lisboa a Mérida (2 marcos miliários) (Vide ÉVORA — Évora) .
Loures
Lourinhã
Mafra
Sintra
175
Anta de Adrenunes.
Anta de Agualva.
Anta de Belas.
Torres Vedras
DISTRITO DE PORTALEGRE
Alter do Chão
Arronches
Avis
176
Campo Maior
Castelo de Vide
Crato
Elvas
Marvão
177
Cruzeiro da Estrela (no arrabalde) (D. 8228 de 4-VII-1922).
Niza
Portalegre
Sé (na cidade).
Igreja de S. Bernardo, compreendendo o túmulo de D. Jorge de Melo
(idem).
Cruzeiro (S. Bernardo) (idem).
Janelas da Casa da Rua de Azevedo Coutinho (idem).
Lápide do Município (idem).
Claustro do Convento de Santa Clara (idem) (D. 8518 de 29-XI-1922).
Muralhas do Castelo (idem) (D. 8217 de 29-VM922).
DISTRITO DO PORTO
Amarante
Felgueiras
Louzada
178
Maia
Marco de Canavezes
Matozinhos
Paços de Ferreira
Paredes
Igreja de Cete.
Penafiel
179
Igreja de Gândara (D. 14425 de 15-X-1927).
Igreja de S. Miguel de Entre-os-Rios (D. 14425 de 15-X-1927).
Porto
Sé (na cidade).
Igreja de S. Martinho de Cedofeita (idem).
Igreja dos Clérigos, designadamente a sua torre (idem).
Igreja de Santa Clara (2a) idem).
Igreja de S. Francisco (I a ) (idem).
Hospital Santo António (idem).
Casa da Rua da Alfândega velha (na cidade) onde, segundo a tradição
nasceu o Infante D. Henrique.
Torre do Palácio dos Terenas (na cidade).
Muralhas do Porto denominadas de D. Fernando, e respectivo
miradouro e o pequeno fontenário existente no Largo da Sé ( D. 11454
de 19-11-1926).
Palácio do Freixo (na cidade).
Chafariz das virtudes (idem).
Chafariz do Passeio-Alegre em S. João da Foz.
Capela de N.a S.a de Agosto
Capela dos Alfaiates (na cidade) (D. 14425 de 15-X-1927).
Póvoa do Varzim
Santo Tirso
Valongo
180
Vila do Conde
DISTRITO DE SANTARÉM
Abrantes
Barquinha
Castelo de Almourol.
Igreja da Atalaia (D. 11453 de 19-11-1926).
Cartaxo
Golegã
181
Mação
Castelo de Belver.
Santarém
Tomar
182
Igreja de S. João Baptista (idem).
Capela de S. Lourenço, junto ao Padrão de D. João I (idem) (D. 7621 de
29-VII-1921).
Parte interna das lojas do prédio da Rua Nova que servia de
Sinagoga no século XV (idem) (D. 7621 de 29-VII-1921).
Castelo (idem).
Igreja de Santa Iria, a porta de entrada e a Capela fronteira à mesma
entrada (idem) (D. de ll-VII-1920).
Fachada quinhentista do prédio da Rua Direita da Várzea Pequena esquina
com a Rua dos Oleiros (idem) (DD. 9842 de 20-VI-1924 e de 26-VII-
1924).
Janela de cunhal quinhentista, situada na esquina da Rua dos Moinhos com
a Rua de S. João (idem) (DD. 9842 de 20-VI-1924 e de 26-VII- 1924).
Padrão de D.João I (2o) (idem).
Ruínas ditas de Nabância, Marmelais.
Aqueduto do Convento de Cristo, nos arredores da cidade.
Torres Novas
Castelo de Ourém.
DISTRITO DE SETÚBAL
Alcácer do Sal
Alcochete
183
Barreiro
Santiago do Cacém
Sezimbra
Setúbal
Arcos de Vale-de-Vez
184
Pelourinho (na vila).
Paço de Giela.
Pelourinho de Soajo.
Castro de Azere.
Antas da Serra do Soajo.
Caminha
Coura
Via romana de Braga a Tui (14 marcos miliários) (Série Capela) (Vide
Valença e Ponte do Lima).
Melgaço
Monção
Castelo de Monção.
Torre de Lapela.
Palácio da Brejoeira.
Capela-mor da igreja de Longos Vales (D. 11454 de 19-11-1926).
185
Paredes de Coura
Ponte da Barca
Ponte do Lima
Valença
Viana do Castelo
186
Chafariz da Praça da Rainha (idem).
Ruínas da citania velha de Santa Luzia (D. 11455 de 19-11-1928).
Casa chamada de João Velho ou dos Arcos (D. 11455 de 19-11-1928).
Casa de Miguel de Vasconcelos (D. 11455 de 19-11-1928).
Boticas
Chaves
Montalegre
Murça
187
Valpaços
Vila Real
DISTRITO DE VISEU
Armamar
Carregal do Sal
Castro Daire
188
Lamego
Sé (na cidade).
Castelo (idem).
Igreja de Santa Maria de Almacave (idem).
Capela de S. Pedro, em Balsemão (D. de 8-VII-1921).
Mangualde
Anta da Cunha-Baixa.
Moimenta da Beira
Oliveira de Frades
Anta de Arca.
Penalva do Castelo
Antas de Penalva.
Penedono
Resende
189
Igreja Matriz de Cárquere.
S. João da Pesqueira
Sátão
Taboaço
Tarouca
Tondela
Viseu
190
Vouzela
191
2. O restauro: teoria e prática
1
O texto referido teve uma Ia publicação em 1854, em Leiria . Foi posteriormente publicado
em Lisboa, em 1867. Cf. Pinheiro, Magda, Luis Mousinho de Albuquerque. Um Intelectual na
Revolução, Fundação Maria Manuela e Vasco d'Albuquerque D'Orey, Quetzal Editores,
Lisboa, 1992, p. 181;
Publicado novamente em Lisboa em 1881, a Memória Inédita (...), havia surgido já em 1858
no periódico lisboeta "O Futuro", desde 29 de Novembro na secção "Folhetim" sob o título "A
Batalha", nas Ia e 2a páginas, até 13/12/1858, tendo ficado incompleta a publicação, incluindo
embora uma parte considerável do capítulo II que versa a conservação e o restauro do
monumento.
Chamamos a atenção para este facto porque o conhecimento da divulgação deste texto na
imprensa periódica, neste caso não especializada, é por demais significativo e é um indicador
da frequência de uma difusão alargada de opiniões sobre restauro, conservação e monumentos
medievais.
No ano seguinte - 1859 - é a vez de o prestigiado e erudito periódico "O Instituto" de Coimbra
publicar a Memória , sob o título "A Batalha", desta feita, na íntegra.
O texto terá sido, no entanto,escrito em 1843, como parece indicar o seu autor quando regista:"
(...) de que estive encarregado até aos fins do corrente ano de 1843.", p. 29 da edição de
1881.
2
Neto, Maria João Quintas Lopes Baptista , O Restauro do Mosteiro de Santa Maris da Vitória
de 1840 a 1900, dissertação de mestrado policopiada, Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa,
1990, p. 120-126.
192
Encontraremos exemplos comparáveis já no último quartel da centúria e,
mais frequentemente, na última década de oitocentos e nos primeiros vinte
anos do nosso século - António Augusto Gonçalves, Ernesto Korrodi, Rosendo
Carvalheira, Augusto Fuschini - numa outra situação da cultura e do ensino
artístico a que os arquitectos ou engenheiros nacionais tinham acesso em
Portugal e principalmente, e mais uma vez - apesar das reformas escolares que
a monarquia liberal ainda que mais ou menos atenta ao culto das artes, não
pôde ou não soube modernamente concretizar - no estrangeiro.
3
Santos, Maria de Lourdes Costa Lima dos, Itelectuais portugueses na primeira metade de
oitocentos, Lisboa, Presença, 1988, p.343.
4
Pinheiro, Magda, O.c, p.69-76.
5
Idem, ibidem, p. 25-27'.
6
Idem, ibidem, p. 36.
7
Idem, ibidem, p. 30.
8
Idem, ibidem, p. 36
9
"Boletim Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira", v.l, n°4, Out. - Dez., Lisboa, F.
Calouste Gulbenkian, p.590.
193
Em 1821 Mousinho envia a Domingos António de Sequeira uma prensa de
litografia, processo de reprodução gráfica, sobre o qual escreviam os exilados
nas páginas dos "Anais, que entra assim em Portugal incrementando a prática
da divulgação da imagem no país, "arma poderosíssima de "comunicação de
massas" nas proporções da época"10.
Factor primordial na divulgação e "fabricação" da iconografia dos
monumentos, para este assunto da gravura reservaremos um lugar maior, não
querendo abster-nos de registar aqui o "acaso" de Mousinho ter contribuído
para a introdução dessa novidade. Acaso porventura não totalmente fortuito,
porque indicia uma personalidade e um tempo de exílio de muitos
conhecimentos e curiosidades, de que a cultura artística da primeira metade de
oitocentos em Portugal foi certamente herdeira por vontade própria.
Em Paris Mousinho de Albuquerque frequentou os laboratórios do Jardin
des Plantes, assistiu aos cursos de Vauquelin e enriqueceu a sua formação
literária e científica nas aulas públicas, galerias de pintura e antiguidades e
gabinetes de leitura, que pelo acesso fácil que permitiam, encantavam os
exilados11.
Em 1820 a revista dirigida pelo tio publica as Geórgicas Portuguezas,
poema que Mousinho dedica à sua mulher12, longa elegia à vida do campo, à
felicidade pela agricultura, utilizando simultaneamente a linguagem precisa das
ciências exactas e o recurso às inúmeras metáforas que a mitologia clássica
permite 13 , situando-se neste caso, cultural e esteticamente, no universo
ilumunista que permaneceria no século XIX português por longo tempo e em
diversas áreas da cultura.
Ainda em Paris publica as Ideias Sobre o Estabelecimento da Instrução
Pública, dedicando o texto aos deputados da nação, e exortando-os a "dissipar
as trevas, e fazer raiar o mais cedo possível e o mais amplamente possível a luz
brilhante da verdade, propria para patentear toda a beleza da Liberdade e da
Justiça"14.
10
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, v.l, Venda Nova, Bertrand, 3a
edição, p. 126.
11
Santos, Maria de Lourdes Costa Lima dos, O.c, p. 114.
12
Pinheiro, Magda, idem, p. 35.
13
Albuquerque, Luiz da Silva Mozinho (sic) de, Geórgicas Portuguezas, Paris, 1820,
passim..
14
Citado por Pinheiro, Magda, idem, p. 136.
194
consideração de todos os homens notáveis pelos seus conhecimentos, deve
causar uma viva satisfação a todos aqueles que reconhecem a vantagem que
resulta para a nação possuir no seu seio homens de abalisado mérito, e por isso
necessários para a construção do nosso novo edifício público"15. Mouzinho de
Albuquerque adquirira notoriedade através dos seus artigos publicados nos
Anais das Ciências das Letras e das Artes, onde demonstra um actualizado
conhecimento das técnicas modernas empregues na agricultura, desde as alfaias
até à utilização dos adubos, da teoria da electricidade, e se congratula com a
"união feliz para o progresso das ciências (...) da análise matemática com a
observação"16.
O prestígio que o rodeava, valeu-lhe uma nomeação para provedor da
Casa da Moeda, logo em 1823, com a incumbência de reger a cadeira de Física
e Química tornada obrigatória por decreto de 16 de Novembro de 1824 para
os oficiais engenheiros 17 . O método apelativo das suas exposições
acompanhadas de experiências e a novidade das matérias que leccionava,
contrastando com os conteúdos científicos cristalizados há cinquenta anos na
Universidade de Coimbra, tornaram famoso o seu curso ao qual não faltavam
as senhoras da "primeira nobreza", como a marquesa de Alorna18, numa moda
de "salão científico" que o gosto europeu de setecentos havia lançado.
Em 1824 Mousinho escreve ainda uma memória sobre a Importância das
Ciências e das Artes para o Progresso das Nações 19 , recusada pela Academia
Real das Ciências.
Depois de ter estado na Madeira, onde realizou estudos geológicos, nos
Açores analisando os terrenos das águas das furnas, e em Lisboa, incumbido da
examinar as águas de Lisboa e a composição do cimento romano, vamos
encontrá-lo a participar na Regência da ilha Terceira. Nomeado em 1836
Inspector das Obras Públicas da Divisão Centro do Reino, retorna a Paris
levado pelos acontecimentos políticos que se seguiram à Revolução de
Setembro, onde vive cerca de dois anos no exílio já acima registado.
Quando regressa em 1838 é nomeado Inspector das Obras Públicas do
Reino com a finalidade de reformar a respectiva repartição. Desenvolve
projectos para as barras de vários portos, do encanamento de rios, da
demarcação de estradas, encarrega-se das obras da ponte pênsil do Porto e a
partir de 1840, do restauro do Mosteiro da Batalha. Em 1843 é demitido do
15
"O Diário do Governo", Lisboa, 7 de Maio de 1823 citado por Santos, Maria de Lourdes
Costa Lima dos, O.c, p.100.
16
Pinheiro, Magda, O.c, p. 152-155.
17
Idem, ibidem, p. 38.
18
Santos, Maria de Lourdes Costa Lima dos, O.c, p.88.
19
Pinheiro , Magda, O.c, p. 39.
195
cargo de Inspector de Obras Públicas, certamente pela oposição parlamentar a
Costa Cabral 20.
Em 23 de Dezembro de 1846 foi ferido em Torres Vedras, nos sucessos
desencadeados pela revolta da Maria da Fonte, vindo a morrer quatro dias
depois de ter enfrentado as tropas de Saldanha, ele, Mousinho de Albuquerque,
que "se gabava de nunca ter contribuído para desencadear uma guerra"21.
20
Neto, Maria João Quintas Lopes Baptista , O.c, p. 131, nota 4.
Sobre a biografia de Luis da Silva Mousinho de Albuquerque, ver também: Cordeiro, Antonio
Xavier Rodrigues, Elogio histórico do socio do Instituto da Academia dramática Luiz da Silva
Mousinho de Albuquerque, recitado na sessão solemne de 9 de Junho de 1950 pelo Socio
Antonio Xavier Rodrigues Cordeiro in "Memorias do Instituto da Academia Dramática de
Coimbra", Coimbra, 1850; Pimentel, Julio Maximo d'Oliveira, Elogio Histórico do Socio
Efectivo Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque, recitado na sessão publica da Academia Real
das Ciências em 19 de Maio de 1856, Lisboa, 1856; Silva, Inocêncio Francisco da,
Diccionario Bibliographico Portuguez, t.7, Lisboa, Imprensa Nacional, Dicionário Ilustrado da
História de Portugal, Lisboa, Publicações Alfa, 1985, entre outros.
21
Pinheiro, Magda, O.c, p. 130. Cf. também p. 121-131.
22
A quinta do Lapedo situava-se na freguesia de Pousos do conselho de Leiria. Idem, ibidem,
p.51.
23
"Diário do Governo", Lisboa, n° 51, 1836.
24
Collecçãode Decretos e Regulamentos mandados publicar por sua Magestade Imperial,
Regente do Reino, Lisboa Imprensa Nacional, 1835, pi 89.
196
monásticos tornaram-se propriedade da Fazenda Pública e a sua manutenção
passou a fazer parte das atribuições das Obras Públicas25.
Mousinho de Albuquerque cumpria assim a vontade e a necessidade que o
governo tinha de controlar um património que desconhecia, definindo, embora
de uma forma vaga e tacteante, os edifícios considerados notáveis que era
necessário inventariar.
Quatro anos depois no Relatório Geral sobre as Obras Públicas do Reino
(...) de 8 de Julho de 1840, determina o que "urge fazer no tocante ás Obras
Publicas, das quaes depende a prosperidade material do Reino" 26 . Em 12
artigos que contemplam a reforma administrativa da repartição, as
comunicações, a secagem dos campos do Mondego, etc., inclui no artigo 7o os
"Edifícios Monumentaes" considerando que a sua ruína é "opprobriosa para
toda a Nação civilisada, que taes Monumentos possue, e, pelo contrario, a sua
conservação dando honra e lustre ao Paiz, onde é praticada, força é votar
sommas para este objecto"27. Afirma não poder ainda apresentar uma relação
de todos os edifícios "designando entre elles os que por considerações
históricas por elles colligidas, ou pela elegância e sumptuosidade da
architectura, merecerem ser considerados como Monumentos; preencherei
porém este dever logo que o tempo m'o tenha permittido." Indica, entretanto,
dois monumentos importantes "quer historicamente, quer pela sua
Architectura, e são as Igrejas da Batalha, e de Alcobaça com as suas
dependências"28.
Propõe a dotação de dois contos de réis para a Batalha, verba que aliás, e
como refere já havia sido votada e deveria continuar a sê-lo, e para o mosteiro
de Alcobaça a quantia de dois contos e quinhentos mil réis29. Considera que a
soma votada para a o mosteiro da Batalha tem sido empregue "com muita
vantagem" e que a obra "pela sua delicadeza precisa ser continuada com
escrupulosa attenção, e não admitte o emprego de Artifices e trabalhadores
quaesquer (...)"3°.
25
Sobre a extinção da ordens religiosas e o destino do seu património veja-se Silva, António
Martins da, Desamortização e venda dos bens nacionais em Portugal na primeira metade do
século XIX, dissertação de doutoramento polocopiada, Faculdade de Letras de Coimbra, 1989,
p. 90-140 e 275-276.
26
Relatório Geral sobre as Obras Públicas do Reino apresentado ao exscellentissimo Ministro
e Secretario d'Estado dos negócios do Reino, pello Inspector Geral Interino o conselheiro Luiz
da Silva Mousinho d'Albuquerque em 8 de Julho de 1840, para servir de base ás medidas,
melhoramentos e reformas, que neste ramo de Administração Publica tenham de ser adoptados
pelo Governo, na Imprensa Nacional, p.l.
27
idem, p.4.
28
Idem, p. 4.
29
Idem, p. 4.
30
Idem, p.4.
197
O convite dirigido à Academia das Ciências em 1836 não obteve resposta
prática, uma vez que o inventário dos edifícios "notáveis", agora designados
por "monumentos" continuava por fazer. Em Abril de 1843, discursando na
Câmara dos Deputados, Mousinho exorta mais uma vez o governo a realizar a
classificação dos edifícios que "devem ser conservados como monumentos"31.
O discurso foi recebido com indiferença geral e as suas propostas não
obtiveram qualquer resultado legislativo. Tratava-se de discutir uma lei que
deveria dar destino aos Bens Nacionais que tinham ficado por vender, mas o
governo e os deputados da nação estavam mais atentos às questões da aquisição
particular 3 2 e a inventariação patrimonial ficou mais uma vez descurada.
O Relatório Geral sobre as Obras Publicas (...) foi escrito na Quinta da
Várzea, antiga propriedade do mosteiro da Batalha e próxima deste, que
Mousinho adquirira em 183733. Em 1840 fora mais uma vez nomeado
Director das Obras Públicas da Divisão do Centro, repartição responsável pela
conservação e restauro de Santa Maria da Vitória que logo passaria para a
alçada da Inspecção Geral das Obras Públicas do Reino, sob a sua direcção até
finais de 184334.
31
"Diário da Camará dos Deputados", Lisboa, sessão de 8 de Abril, 1843, p.90.
32
Silva, António Martins da, O.c, p. 276.
33
Neto, Maria João Quintas Lopes Baptista , O.c, p. 121.
34
Albuquerque, Luis da Silva Mousinho de, Memoria inédita acerca do Edifício Monumental
da Batalha, Lisboa, 1881 p. 29.
Sempre que fizermos referências a este texto citaremos a edição de 1881, por termos um
exemplar disponível e depois de termos verificado o seu acerto com as outras edições já
referenciadas.
35
Coelho, F. J. Pinto, Contemporâneos ilustre - D. Fernando II de Portugal, Lisboa, 1878 p
42.
36
Pinheiro. Magda, O.c, p. 180.
37
Se a Memória foi escrita, como já indicamos, em 1843 é pouco posterior ao texto do
brasileiro Francisco Adolfo Varnhagen: Noticia histórica e Descriptiva do Mosteiro de Belém,
publicada em "O Panorama" em 1842 e reeditada no mesmo ano em livro.
198
princípios seguidos no restauro de um monumento em Portugal. É este texto
que passaremos a analisar com o objectivo de detectar as opções seguidas por
Mousinho nas obras que dirigiu, a motivação dessas opções e as raízes dessa
motivação, ou melhor: porque é que optou por determinados príncipios e qual
o contexto cultural em que estes radicam, qual era a cultura artística
(arquitectónica) do autor ?
199
vai levá-lo a seguir de perto os desenhos do arquitecto, utilizando-os como
fonte iconográfica nas obras de restauro da Batalha40, acertadamente ou não.
Interessa-nos mais, neste momento, sublinhar o valor apelativo da obra de
Murphy porque essa sim, ajuda a esclarecer as opções de Mousinho na medida
em que se aproxima da sua formação "científica", do seu gosto pela clareza e
precisão dos conhecimentos, ou seja do universo mental de raiz iluminista em
que se formou. E principalmente porque funciona como um dado precioso
para entendermos o que Mousinho de Albuquerque pensa e sabe sobre
arquitectura gótica, sobre a arquitectura en soi même e também sobre a forma
de restaurar um edifício gótico.
40
Idem, ibidem, p.30.
41
Murphy, James, "Preface.", O.c, s/p.
42
Kruft, Hanno-Walter, Historia de la teoria de la arquitectura. 2. Desde el siglo XIX hasta
nuestros dias, Madrid, Alianza Forma, 1990, p. 568. (edição original em língua alemã de
1985). '
43
Grodecki, Louis, Le "Gothique" retrouvé. Avant Viollet-le-Duc in "Le Moyen Âge
Retrouvé", v.2, Paris, Flammarion, 1991, p.354-355.
44
Lovejqy, A.O., La Redécouverte du Gothique i n "Le Gothique des Lumières", Gérard
Monfort Éditeur, Brionne, 1991, p. 13. (edição do original em língua inglesa: The first gothic
revival and tha return to nature, The Johns Hopkins University Press, 1932).
45
McCarthy, Michael, The Origins of Gothic Revival, London, Yale University Press, 1987
p. 17.
200
acentuada pela origem inglesa da D. Filipa de Lencastre, esposa do fundador
do mosteiro.
É neste contexto que deve entender-se o grande sucesso da obra de
Murphy editada luxuosamente em Londres em 1795 e que projectou pela
Europa de então o prestígio do mosteiro da Batalha e da sua sempre tão
valorizada arquitectura. Grande parte dos estrangeiros que viajam em Portugal
no século XIX e que, por deveres de oficio ou curiosidade de viajante
mundano e culto, visitam a Batalha, referem a obra de Murphy, indiciando a
sua alargada difusão e o seu papel na divulgação do conjunto monumental
português46.
Para elaborar os seus apontamentos e esboços Murphy permaneceu
apenas treze semanas no mosteiro da Batalha47, que nos finais do século XVIII
já apresentava consideráveis sinais de ruína em alguns dos seus elementos, além
de contruções das épocas sequentes à sua fundação e de um conjunto de
mobiliário litúrgico alterado conforme a evolução formal do culto, que muito
encobriam as construções da época gótica.48 O arquitecto terá terminado em
Inglaterra os seus desenhos a partir do material que recolheu em Portugal.
Albrecht Haupt considerou as suas gravuras pouco rigorosas49 e é certo que
Murphy desenhou arco-botantes da capela do Fundador enquanto a
documentação do restauro apenas refere um desses elementos em ruínas50.
46
Vejam-se, entre outras, as obras de:
Lichnowsky, Félix, Portugal. Recordações do ano de 1842, Lisboa ; Denis, Ferdinand,
Portugal, 1846; Smith, Alfred, Narrative of a Spring in Portugal, 1870; Boutroue, M.
Alexandre, Rapport a M. le Ministre de l'Instruction publique et des Beaux-Arts sur une
Mission Archéologique en Portugal et dans le Sud de L'Espagne, Paris, 1893.
47
Murphy, James, O.c., s/p. , (Preface).
48
Idem, ibidem.
49
Haupt, Albrecht, A Arquitectura do Renascimento em Portugal, Lisboa , Presença, 1985,
p. 156. (edição original em Língua alemã de 1890)
50
Neto, Maria João Quintas Lopes Baptista, O.c., v. 1, p. 124.
51
Murphy, James, O.c, p. 2-3.
52
Idem, ibidem, p. 4.
201
"Spires, pinnacles, and pointed arches; are always found to accompany
each other, and very clearly imply a system founded on the principals of the
Pyramid.
It appears evident, from these instances, that the pyramidal form actually
exists throughout the several component parts, and the general disposition of
the edifice, approaches as near to it, at least, as the ordonnance of an historical
paintig which is faid to be pyramidally grouped. Hence we may comprehend
the reason why the arch was made pinted, as no other form could have been
introduced with equal propriety, in a pyramidal figure, to answer the different
purposes of uniformity, fitness; and strength"53.
Para Murphy a ideia de procurar a origem do arco apontado nos ramos
das árvores é uma ideia vã, assim como não faz sentido buscá-la na intercessão
dos círculos "saxão" e "grego", na perspectiva dos arcos ou em outro qualquer
ocasional encontro de circunstâncias fortuitas54.
O arco quebrado (ou apontado) parece-lhe fazer parte de um "principio
geral actuante" da construção gótica55. É significativo que o arquitecto
pergunte como terminaria uma catedral gótica incompleta, sem portas e
janelas, um artista ateniense do tempo de Péricles ou um arquitecto romano da
época de Augusto, concluindo que ambos só poderiam utilizar o "Pointed
Arch" num edifício onde todas as partes crescem para um ponto, sob pena de
serem acusados de violar as leis da arte, e os princípios tão fortemente
inculcados na arquitectura do seus países.56
Murphy encontra um princípio ordenador na arquitectura gótica, como
em toda a arquitectura, um sistema baseado no príncipios geométrico da
pirâmide, concluindo que os arquitectos góticos não fizeram mais que adaptar
o arco à forma geral do edifício.57 A arquitectura em quanto tal tem uma
lógica interna porque obedece a leis, a proporções e a formas geométricas,
dependentes das leis matemáticas.
A visão da arquitectura gótica de James Murphy é filtrada por uma
concepção clássica da arquitectura e é esse universo mental que o leva o
procurar leis e sistemas que afastem as construções góticas de preconceitos - a
ausência de ordem e o facto de constituírem o resultado de um processo
criativo aleatório - que correntemente lhes eram associados, inferiorizando-as
53
Idem, ibidem, p.3. Sublinhado nosso.
54
Idem, ibidem, p.3-4.
55
Idem, ibidem, p.4.
56
Idem, ibidem, p.4.
57
Idem, ibidem, p.4.
202
no gosto e na prática arquitectónica, relativamente às construções de inspiração
greco-latina.
As opiniões de Murphy e a sua formação artística não podem ter sido
alheias à forma como observou e apreciou o mosteiro da Batalha, que nos
parece ter de algum modo idealizado nas suas estampas. E o primeiro a
afirmar que o terramoto de 1755 atingiu o edifício destruindo pináculos,
partes da grilhagem e o coruchéu da Capela do Fundador, ainda por
reconstruir. Outros elementos da mesma capela haviam sido reparados "in
their former style" devido à munificiencia do rei D. José58.
Cremos que esta última informação de Murphy não foi ainda notada e
valorizada. Ela tem uma enorme importância para um melhor entendimento
das obras de restauro realizadas no século XVIII, assim como para uma mais
alargada compreensão da prática da arquitectura neo-gótica no Portugal
setecentista.
As obras de reconstrução da Capela do Fundador, efectuadas depois do
terramoto, embora incompletas, seguiram ou procuraram seguir o estilo do
monumento. No mesmo reinado e devido à mesma causa - o terramoto - os
trabalhos de reparação do Palácio nacional de Sintra, executados entre 1784 e
1787 sob a direcção do Conde de Soure e de José Manuel de Carvalho
Negreiros, então arquitecto-geral dos Paços, reconstruíram janelas de uma
parede arruinada mantendo o perfil das janelas antigas59. Na mesma década
construía-se em Alcobaça a sala dos túmulos [1782-1786] à maneira neo-gótica,
obra que tem sido atribuída ao inglês Guilherme Elsden que na mesma altura
trabalhava nas reformas pombalinas da Universidade de Coimbra60.
Pensamos que o exemplo apontado por Murphy se evidencia ao ser
englobado na corrente, porventura algo submersa, de um gosto neo-medieval
presente no século XVIII português, e que não tem sido devidamente
valorizado ou mesmo notado entre nós, pela historiografia de arte. Este gosto
ou moda (ou modo), parece correr paralelo aos gostos barroco e neo-clássico
dominantes na época e por isso, naturalmente, mais estudados. Voltaremos a
este assunto, mas não quisemos deixar de notar a opinião de Murphy, ao
analisar a sua obra porque ela é também elucidativa do seu pensamento
arquitectónico.
58
Idem, ibidem, s/p., Preface.
59
Cfr. no v.2 deste trabalho: Palácio nacional de Sintra.
60
Sobre esta questão veja-se: Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, Arquitectura Neo-
Medieval Portuguesa - 1780-1924, dissertação de doutoramento policopiada, v.l, Coimbra,
1992, p. 185-208.
203
Estando destruídos o coruchéu da Capela do Fundador, pináculos e
grilhagem, e grande parte do Coruchéu da Cegonha61, Murphy desenhou
certamente estes elementos "in their former style", seguindo as suas ideias
sobre arquitectura gótica: a utilização do arco apontado, enquadrando-se na
forma da pirâmide corresponde aos príncipios de uniformidade, elegância e
firmeza62.
São estes desenhos que Mousinho de Albuquerque vai utilizar nas obras
de restauro que dirige no mosteiro da Batalha, como ele próprio afirma: "(...)
para effectuar as restaurações ao alcance dos meus meios, tinha eu nas partes
ainda intactas do monumento os exemplares necessários, a na bella obra de
James Murphy o traçado e descripções daquellas partes de que appareciam
somente vestígios."63
61
Neto, Maria João Quintas Lopes Baptista, O.c, v. 1, p. 124.
62
Sublinhado nosso.
63
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, O.c, p. 30.
Sobre as obras restauro que Mousinho de Albuquerque dirigiu no mosteiro da Batalha
consulte-se o v. 2 deste trabalho.
64
Idem, ibidem, p. 12.
65
Idem, ibidem, p. 13.
204
A unidade de pensamento é para Mousinho uma condição imprescindível
"em todos os produtos da imaginação". A arquitectura monumental está
necessariamente sujeita "a esta regra geral das belas-artes e um monumento
uma vez completo exclue tudo o que sae fora dos limites da unidade"66. E
principalmente por esta razão que Mousinho não gosta das Capelas Imperfeitas
embora, esclarecidamente considere que são dignas da atenção dos amantes das
artes. Não obstante, as capelas foram construídas contra "as leis invariáveis da
arte e do gosto"67. Aprecia a qualidade dos lavores mas vê neles a mão do
artista, enquanto "na fabrica primordial transcende o génio sublime do
architecto" 68 Aí aprecia a decoração por ser sóbria, severa, simples e
elegante69. James Murphy também se tinha encantado da sobriedade decorativa
do mosteiro, tão distinta da profusão ornamental que estava habituado a
observar em edifícios da mesma época70.
Mousinho de Albuquerque tem uma visão clássica da Batalha porque tem
um visão clássica da arquitectura. Valoriza o mosteiro porque encontra nele os
princípios fundamentais do seu pensamento sobre arquitectura e não (ou não
principalmente), por se tratar de um edifício medieval.
O edifício gótico não é apercebido enquanto tal, na alteridade do seu
estilo, mas como uma construção notável precisamente porque
consubstancializa os valores da simetria e da unidade do pensamento, valores
quebrados nas Capelas Imperfeitas, que atraem pelo detalhe mas negligenciam
o todo.
O pensamento de Mousinho é muito semelhante às definições de
Montesquieu na Encyclopédie (1751-52) 71. O autor anuncia a "regra geral"
segundo a qual aquilo que "nous apercevons d'un coup d'oeil" deve ter
simetria, ser "simple et unique et ses parties [doivent] se rapporter toutes à
l'object principal." Segundo a sua teoria tudo o que produz uma multiplicidade
de impressões, que nos impede de aperceber um todo único e nitidamente
delimitado, é incompatível com a beleza.72
Os preconceitos dos "clássicos" contra o gótico radicavam frequentemente
na ligação a este estilo de noções de assimetria e irregularidade. Talvez fosse
essa a impressão que transmitia uma boa parte dos monumentos góticos
66
Idem, ibidem, p. 16.
67
Idem, ibidem, p. 21.
68
Idem, ibidem, p. 20.
69
Idem, ibidem, p. 14.
70
Murphy, James, O.c, s/p. , (Preface).
7
' Artigo Goût.
72
Citado por Lovejoy, A.O., O.c. , p,23-24.
205
inacabados, ou terminados noutras épocas, como sugere Lovejoy73. Mas o
movimento setecentista do "retorno ao gótico", decorre paralelo a estes
perconceitos e por vezes os seus protagonistas, como Cristopher Wren,
apreciam a unidade das construções. É por isso que quando este arquitecto
escreve em 1750 sobre o restauro que realiza na abadia de Westminster,
considera que um afastamento da forma original gótica correria o risco de cair
numa confusão desagradável, que nenhuma pessoa de bom gosto apreciaria.74
73
Idem, ibidem, p. 24.
74
Idem, ibidem, p. 27-28.
75
Grodecki, Louis, O.c, p. 354.
76
Idem, ibidem, p.354-356.
77
Vitet, L., Notre -Dame de Noyon. Essai Archéologique , in "Revue des Deux Mondes",
v.4, 15 de Dezembro e 1 de Março de 1844, p. 545-576 e 651-682.
206
francesas sobre uma catedral,78 se preocupa em encontrar no templo, a
regularidade, a ordenação, e considerando embora a multiplicidade dos
detalhes, uma grande unidade de pensamento em todo o edifício.79 Argumenta
que as proporções nas obras de arte como na natureza, são leis gerais e conclui
que a arquitectura do século XIII assenta num sistema de proporções que lhe é
próprio e, não obstante as particularidades que distinguem os vários edifícios
desta época, há semelhanças tão fundamentais quanto necessárias que são
indícios de um principio comum, do qual emanam.80
Há evidentes paralelismos na forma como Mousinho e Vitet vêem, ou
pretendem ver, as duas construções góticas a que cada um se refere. A
diferença reside no facto de Vitet o fazer deliberadamente "contra"
Quatremère de Quincy (1755-1849), citando constantemente o Dictionnaire
Historique de d'Architecture (1789-1832) onde aquele professor da École des
Beaux-Arts81 considera o gótico como um conjunto de elementos heterogéneos
e desordenados. Trata-se aqui da polémica entre "goticistas" e "classicistas" que
conduz Vitet a uma teorização sobre a origem da arte gótica inserindo o
monumento na sua época histórica, ela sim geradora de uma arte própria, que
a organização "laica" dos estaleiros urbanos das grandes catedrais teria
permitido.
E o conceito da historicidade da arquitectura, que vemos formulado por
Vitet associado ao ideal mítico das "cidades livres", dois tópicos preferidos da
cultura romântica cuja alargada difusão ultrapassou o tempo próprio do
Romantismo.
E significativo notar que a recuperação teórica da arquitectura gótica se
fez, por vezes, procurando neste estilo os princípios da arquitectura clássica,
leia-se os princípios tidos então como gerais a toda a arquitectura, para
justificar o valor da primeira.
Este fenómeno passa-se principalmente em França onde é perceptível um
desfasamento temporal e mental entre a recuperação literária do gótico muito
mais precoce, e a compreensão de um tipo arquitectónico específico, mais lenta
e tardia.
Em Portugal supomos encontrar uma situação semelhante embora com
um desajustamento cronológico nitidamente mais vincado. O atraso da cultura
artística portuguesa e a adesão precoce da geração liberal vintista ao ambiente
78
Grodecki, Louis, O.c, p. 374.
79
Vitet, L., O.c, p. 564.
80
Idem, ibidem, p. 567-568.
81
Kruft, Hanno-Walter, O. c, p. 489.
207
romântico literário e histórico, dificilmente teriam possibilitado outra situação
mental.
Cremos que a consciência dos fenómenos culturais que acabamos de expor
é necessária, para compreendermos porque é que em Portugal as questões da
conservação do património e do restauro se tornam tão facilmente vox populi
e tão dificilmente práticas concertadas.
É certo que há muitos outros factores de ordem política, social e
financeira que não permitiram a Portugal programas de recuperação
monumental tão vastos como os realizados em França, na Alemanha, em Itália,
e em Espanha, mas esses factores não explicam tudo, até porque em alguns
casos se gastaram grandes somas no restauro de monumentos portugueses, em
proporção com as capacidades financeiras do país.82
208
arquitectónico quando compara as construções gregas e romanas, enfatizando
a robustez das segundas e as "disposições scientificas e mechanicas no
equilibrio reciproco das suas partes realmente dignas de admiração."86 O
emprego da abóbada nos monumentos romanos, medievais e nos "modernos"
permite uma dimensão inalcansável na arquitecura grega, que "seguindo
fielmente por typo primordial a choupana, recorreo sempre ao suporte vertical
da coluna, (...)"87.
O interesse pelos aspectos "científicos" da construção não deixa de fazer
de Mousinho um admirador da arquitectura grega e de outro modo não
poderia ser, conforme nos indicia a Memória (...) que temos vindo a analisar.
"Os monumentos architectonicos dos gregos recommendão-se pela
acertada proporção e disposição das partes, pela elegância e propriedade das
formas, pela execução admirável dos pormenores, que os constituem
exemplares completos de gosto, onde sobressahe a parte imaginativa,
pinturesca, e por assim dizer poética da architectura, muito mais do que a
parte mechanica ou scientifica da arte de edificar"88.
86
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, Guia do Engenheiro (...), Lisboa, 1844. p.205.
87
Idem, ibidem, p. 204.
88
Idem, ibidem, p. 204.
89
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, Memoria (...), p. VII-VIII.
9
« Idem, ibidem, p. VIII.
209
amor da pátria é nítido o conhecimento das proclamações de Victor Hugo 91 .
Em Portugal desde 1837, Alexandre Herculano escrevia em "O Panorama"
uma série de artigos no sentido da conservação dos monumentos pátrios,
colocando-os sempre em relação com o presente, tal como Mousinho faz92.
Habituado às leituras francesas, presentes no seu Guia do Engenheiro -
não esqueçamos o segundo exílio em Paris em 1837-1838 - não se pode
estranhar que Mousinho tivesse um razoável conhecimento do que então se
escrevia e praticava nas obras de restauro em França, de uma forma mais
centralizada e eficaz desde que Guizot criara o cargo de Inspector dos
Monumentos Históricos assumido por Ludovic Vitet em 183093.
As ideias sobre restauro que deixou escritas na Memória, assim como a
sua prática nas obras que dirigiu no mosteiro da Batalha, aproximam-se
frequentemente do que então se escrevia e praticava em França na mesma
época.
Mousinho recusou-se a utilizar materiais modernos, como por exemplo o
asfalto, na reparação da cobertura da igreja, porque considera que todos os
meios empregues "têem uma relação intima de proporção, de forma e de
gosto, todos se referem a um mesmo estado de adiantamento da arte: todos são
por conseguinte uma exposição, uma historia do estado a que ela havia
chegado" 9 4 . A utilização de recursos técnicos do século XIX, seria um
anacronismo imperdoável. O edifício é visto aqui como um documento de uma
época, do seu gosto, dos materiais e das técnicas utilizadas num momento dado.
Mousinho valoriza o que poderemos designar por capacidade histórica do
monumento enquanto objecto construído, enquanto objecto artístico e não
propriamente como testemunho ou memoração da História ou "página da vida
de um povo", categorias recorrentemente associadas à noção de monumento
histórico e/ou nacional, na quase totalidade dos autores que consagraram e
difundiram estes conceitos, desde a publicação dos artigos de Alexandre
Herculano no "Panorama" entre 1838 e 184095 até aos estudos de Joaquim de
91
Hugo, Victor, Guerre aux démolisseurs i n "Revue de Paris", 1829 e reeditado com uma
segunda parte original na "Revue des Deux Mondes", Paris, 1832.
92
Trataremos dete assunto detalhadamente pelo que não se justifica, neste contexto, um maior
desenvolvimento.
93
Choay. Françoise, L'Allégorie du Patrimoine, Paris, Seuil, 1992, p.l 12.
94
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, Memoria (...), p. 32-33.
95
Os conceitos de monumento definidos por Herculano e outros autores, serão tratados,
especificamente, noutro local deste trabalho.
210
Vasconcelos cuja formação alemã lhe permitiu uma abordagem ao estudo dos
monumentos, a partir das décadas de 1870-80, verdadeiramente inovadora96.
Supomos que esta visão do objecto artístico em si mesmo, esboçada no
texto de Mousinho, esclarece os critérios de rigor que ditaram as soluções que
adoptou nas obras de restauro. Foi a ideia de manter os materiais da época que
o levou a procurar as pedreiras utilizadas na construção original97, e que,
equivocadamente, julgou encontrar98.
"O problema que tem de resolver o restaurador de um monumento
precioso é um problema de copia ou de fiel imitação; deve excluir a invenção
própria e até mesmo o espirito de correcção e de melhoramento. Não é licito
ao restaurador introduzir na obra que restaura, ideias nem concepções
estranhas ás do primeiro inventor; deve procurar penetrar-se quanto possível
do caracter primordial da invenção, com o fim de reproduzir, taes quês eram
inicialmente, as partes mutiladas ou destruídas de que restam vestígios, e de
substituir as que desapparecem de todo por um modo tão análogo e em tanta
harmonia com as outras partes, que o inventor primitivo podesse julga-las
suas, se porventura tornasse a examinar a obra"99.
A contradição em que Mousinho parece incorrer é apenas uma
contradição aparente. Se por um lado afirma que o restaurador deve excluir a
invenção própria, por outro não hesita em substituir elementos que tenham
desaparecido, mas essas peças terão de ser análogas e em harmonia com as
existentes. Se é certo que inconscientemente defende uma utopia, não se
contradiz. Como notámos atrás, para ele o monumento da Batalha - o templo, a
sacristia, o claustro e a Capela do Fundador - obedecem a uma unidade de
pensamento, unidade essa que é uma regra da arquitectura monumental e mais,
uma regra geral das Belas-Artes. Sublinhemos que Mousinho considera o
mosteiro como um dos exemplares mais característicos do estilo gótico "levado
ao auge de perfeição"100. A Batalha constitui um conjunto perfeito, dentro do
seu género, precisamente por resultar de uma unidade do pensamento.
A regra da unidade é o principio que conduz Mousinho a julgar possível
refazer elementos desaparecidos. Para tanto, basta acompanhar o todo
harmónico do monumento, que foi concebido como tal.
96
Sobre Joaquim de Vasconcelos veja-se José-Augusto França, que considera este autor
nascido no Porto em 1849, o verdadeiro fundador da História da Arte em Portugal. Cfr O c
v.2, p. 115-120.
97
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, Memoria (...), p. 33.
98
Cfr.os relatórios do Laboratório de Mineralogia e Petralogia do Instituto Superior Técnico
(LAMPIST), referidos por : Neto, Maria João Quintas Lopes Baptista, O.c, v. 1, p. 132, nota
18.
99
Albuquerque, Luiz da Silva Mousinho de, Memoria (...), p. 33.
100
Idem, ibidem, p. 32-33.
211
O rigor e o escrúpulo com que dirige as obras vão de encontro a estes
princípios: "Apeado que seja cada um dos coruxeos, tratar se ha imediatamente
da sua reedificação, e só depois desta concluida, se passará a apear o coruxeo
seguinte, e assim sucessivamente; tendo o cuidado de conservar desde logo as
dimensões em risco das peças que oferecer cada coruxeo, que faltando nos
outros tenham de ser feitas de novo.101"
As construções conventuais feitas posteriormente ao século XV, que se
encontravam adossadas ao edifício não mereciam ser reparadas "porque a sua
architectura é baixa e vulgar e da sua demolição total deve resultar a vantagem
de descobrir e tornar mais aparente o monumento por aqueles lados"102.
212
Debret dirige os trabalhos reconstruindo a torre norte com materiais
demasiado pesados, que logo ameaça ruína obrigando o arquitecto a demoli-la,
suprimindo a torre antiga até à plataforma106. Os protestos são imensos e a
polémica estala. Na "Revue de l'Architecture et des travaux publiques" dirigida
por César Daly pergunta-se em 1842 se Debret desnaturou as formas
primitivas, que teria sido possível conservar intactas107.
Didron afirmara em 1841 o seu desacordo por todo tipo de restauro,
porque qualquer que ele seja, esconde a doença mas não cura, e considerava
que não existiam arquitectos em França capazes de realizar uma obra de
restauro108.
Em 1833, depois de uma extensa enumeração de "vandalismos" praticados
nos monumentos franceses, Montalembert valoriza alguns exemplos de
restauro. A sua preferência elege o restauro "vraiment surprenant" das
esculturas da catedral de Strasburgo que atribui a Kirsten e Haumack: o
trabalho foi executado com uma exactidão tão perfeita, um sentimento tão
profundo e piedoso que numa primeira abordagem é-se tentado a confundir as
esculturas com os originais109. Nas primeiras páginas do mesmo texto notava
que, contrariamente ao que se passava em França, em Inglaterra há mais de um
século que se restaurava e construía as igrejas segundo o modelo medieval110.
Depois de um período de indefinições, nos primeiras anos da década de
quarenta o gosto pelo rigor e a exatidão apreciados por Montalembert parecem
ganhar cada vez mais adeptos. Em 1843 Lassus enfatiza a ideia da reprodução
escrupulosa e discreta, mesmo nos elementos acrescentados posteriormente111.
Já Victor Hugo se havia oposto á destruição dos elementos posteriores ao plano
inicial de um edifício, por constituírem testemunhos materiais da História112.
106
Idem, ibidem, p. 78.
107
Notice sur les divers construction et restaurations de l'Église de Saint-Denis in "Revue de
l'Architecture et des travaux publiques", Paris, t.3, 1842, p. 193-194.
108
citado porLeniaud, Jean-Michel, O.c, p. 78-79.
109
Montalembert, M. Le Comte de, Du Vandalisme en France. Lettre a M. Victor Hugo in
"Oeuvres, Mélanges d'Art et de Littérature", Paris, 1861, p.73.
Publicado originalmente na "Revue des Deux Mondes", Paris, 1 de Março, 1833.
110
Idem. ibidem, p. 10.
111
Leniaud. Jean-Michel, O.c, p. 80.
112
Citado porLeniaud, Jean-Michel, idem, p. 80.
213
que apesar da importância da actividade teórica e prática do arquitecto
francês, ela não foi sempre dominante.
As questões do restauro e do retorno à Idade Média são extremamente
complexas. A variedade de ideias e opiniões que sobre este assunto se cruzam é
por vezes resultado da falta de cultura artística, da permanência de situações
culturais com origem no passado mas profundamente enraizadas na cultura
oitocentista, ou ainda devida às múltiplas raízes e variada formação dos seus
autores.
Mas não é só o somatório destes factos (e de muitos outros) que explica
essa complexidade. É a própria natureza da questão que, pela sua proximidade
com os fenómenos da moda e do gosto - cujas manifestações são difíceis de
cabalmente entender porque emergem de forma inesperada, quase aleatória - a
torna tão opaca e por isso tão árdua de captar.
113
"Universo Pittoresco, Jornal de Instrução e Recreio", Lisboa, v.l, n°s. 5 e 8, 1838, p.66 e
116, respectivamente.
114
A Capella do Fundador no Convento da Batalha in "Universo Pittoresco (...)", Lisboa,v.2,
n° 10, 1841, p.147.
O autor anónimo deste artigo cita um oficio enviado ao governo, da autoria de Mousinho de
Albuquerque, publicado no "Diário do Governo; Lisboa, 2 de Agosto de 1841, n° 187, sobre
as obras que dirigia, onde afirma: "(...) e tenho a satisfação de assegurar a V. exa que os
artistas que alli se têm empregado teem desempenhado cabalmente o meu desejo, reproduzindo,
se me é licito explicar-me assim, os antigos exemplares, sem a menor alteração."
214
também os desenhos primitivos"115 elogiando igualmente as obras que se
realizavam à época, dirigidas desde 1852 pelo arquitecto Lucas José dos Santos
Pereira116.
Quando Ramalho Ortigão escreve O Culto da Arte em Portugal (1896)
mostra-se indignado com as obras que se realizavam na altura em Santa Maria
da Victoria,117 que qualifica de "vis deturpações" criticando outros restauros
anteriores118. Os encómios vão para Mouzinho de Albuquerque e para a sua
Memória (...) "de incontestável merecimento", e por ser o único "arquitecto"
que estudou a história do edifício e planeou o restauro119, concluindo que até
"Mousinho a architectura da Batalha foi na litteratura portugueza um puro
tema de rhetorica"120.
No final do século Ramalho enfatiza e consagra uma opinião, que
percorreu a segunda metade de oitocentos, poucas vezes alicerçada numa real
entendimento da questão, mas nem por isso menos geradora de consequências.
Mousinho de Albuquerque, apesar dos poucos anos que dirigiu as obras da
Batalha, desenvolveu uma actividade que por ser precoce, mesmo no tempo
europeu, por se dedicar a um dos monumentos mais emblemáticos do
romantismo português, e por ter tido um registo escrito e publicado não só em
livro, mas também na imprensa121, pressupondo desde logo uma difusão que
devemos sublinhar, parece ter marcado de forma assinalável, não
propriamente, ou nem sempre, o modo de restaurar em Portugal, mas sim a
moda de o fazer, tornando o apelo à prática do restauro e da conservação dos
monumentos um lugar-comum da produção escrita de arqueólogos, literatos,
curiosos e historiadores, assim como da imprensa periódica e também do
discurso político, se bem que correspondendo poucas vezes a uma prática
eficaz.
115
Barbosa, I. de Vilhena, Mosteiro de Santa Maria da Victoria vulgarmente chamado da
Batalha in "Archivo Pittoresco", Lisboa, v.8, n.16, 1965, p. 123.
116
Neto, Maria João Quintas Lopes Baptista, O.c, v.l, p. 126.
117
Desde 1893 as obras eram dirigidas por João Maria de Abreu Mota. Cfr Idem, ibidem, p.
126 e v. 2 do presente trabalho.
118
Ortigão, Ramalho, O Culto da Arte em Portugal, Lisboa, 1896, p. 52-53.
119
Idem, ibidem, p. 21-22.
120
Idem, ibidem, p. 23.
121
Veja-se o que dissemos a este respeito na nota 1.
215
2.2. A Sé-Velha de Coimbra: A. A. Gonçalves e a inteireza do
aspecto venerando
1
Ortigão, Ramalho, O Culto da Arte em Portugal, Lisboa, Antonio Maria Pereira, 1896.
2
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, v.2, 3a edição, Venda Nova,
1990, p. 99.
3
Ortigão, Ramalho, O.c, p. 151-164.
4
Idem, ibidem, p. 170.
5
França, José-Augusto, O.c, v. 2, p. 99.
6
idem, ibidem, p. 74.
7
Veja-se o que escrevemos a este respeito em: Ramalho Ortigão: teoria e acção no restauro
arquitectónico in "Antero de Quental e o destino de uma Geração", Porto, Edições Asa, 1994,
p. 293-297.
216
Parada, condutor de obras públicas, encarregado da fiscalização técnica e
António Augusto Gonçalves, a quem cabia dirigir os trabalhos sob os pontos de
vista artístico e arqueológico8.
O início das obras desencadeara logo um ambiente de polémica com o
respectivo eco na imprensa periódica de Coimbra e de Lisboa9. A Comissão
dos Monumentos Nacionais não fora consultada nem tampouco a Real
Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses10. As críticas ao
restauro não se fizeram tardar e nesse ambiente prosseguiriam, com abandonos
temporários da parte de Gonçalves (1895-1896), homem de grande
susceptibilidade e incapaz de compromissos, e a constante substituição dos
técnicos do Ministério das Obras Públicas11.
8
Vasconcellos, António de, Sé-Velha de Coimbra.Apontamentos para a sua história, v. 1,
Coimbra, Coimbra Editora, 1930, p. 291.
António de Vasconcelos deixou-nos nesta obra um largo registo sobre o restauro da Sé Velha e
sobre os vários episódios e desinteligências ocorridos durante as obras. A origem da maior
parte destes episódios deverá ser imputada ao ambiente de rivalidade entre a capital e os
membros das instituições governamentais encarregues dos monumentos por um lado, e António
Augusto Gonçalves e grande parte da imprensa Coimbrã, nomeadamente "O Conimbricense"
defensor acérrimo da obras que Gonçalves dirigia na Sé, por outro.
Sobre este assunto, acirrado pelo distanciamento entre o poder central e as vontades locais, ou
entre a capital e a "provinda" remetemos o leitor para a obra de António de Vasconcelos e só
nos referiremos às discordâncias quando elas forem significativos para um entendimento do
pensamento nacional sobre restauro .
9
Cfr. Vasconcellos, António de, O.c, v.l, p. 295-297, 305, 313-316.
10
Idem, ibidem, p. 305.
11
Idem, ibidem, p. 336-366.
12
Idem, ibidem, p. 259.
13
França, José-Augusto, O.c, v.2, p.67.
14
S./v. , Gonçalves, António Augusto, "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira", v. 12,
Lisboa, Rio deJaneiro, 1935-1958 , p. 551-553.
15
Serrão, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, (1851-1890), Lisboa, v. 9, p. 340-342.
217
Gonçalves dava particular atenção ao ensino do desenho aplicado às artes
industriais e à ornamentação arquitectónica. A Escola pretendia tornar
acessível a aprendizagem do trabalho nos mais diversos materiais,
acompanhado o ensino das técnicas com uma educação estética que
possibilitasse um melhor entendimento das obras de arte organizando, com esse
objectivo, conferências sobre história de arte e visitas a monumentos16. Alunos
formados nesta Escola trabalharam no restauro da Sé de Coimbra e em
variados projectos de gosto neo-manuelino, destacando-se entre eles, pela
imensa profusão de elementos decorativos que necessitou de artífices bem
formados no trabalho da pedra, o Palace Hotel do Buçaco projectado por
Manini em 188817.
Na segunda metade do século a atenção focalizada no ensino do desenho
aplicado à indústria chegara a Portugal por influência do movimento inglês
Arts and Crafts, e através das ideias de Morris e Ruskin ou melhor do seu
entendimento e difusão por Sousa Holstein, Ramalho Ortigão e de forma mais
aprofundada e insistente por Joaquim de Vasconcelos18 cuja formação alemã e
qualidades pessoais lhe permitiram obter uma cultura artística sem par no
contexto português 19 .
16
Cfr. Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, Arquitectura neomedieval portuguesa -
1780-1924, Coimbra, v.l, dissertação de doutoramento policopiada, p. 528-534.
17
Sobre a construção do Palace Hotel do Buçaco e do respectivo parque consulte-se: Idem,
ibidem, p. 469-545 e também o texto da mesma autora no catálogo da Exposição inaugurada na
Galeria de Pintura do Rei D. Luis: O Neomanuelino ou a invenção da arquitectura dos
descobrimentos, Lisboa, 1994, p.226-239.
18
Sobre o tema do ensino do desenho aplicado às artes industriais que teve resultados
evidentes nos restauros dos finais do século e na arquitectura portuguesa da época vejam-se
também: França, José-Augusto, O.c. e Carvalho, António Cardoso Pinheiro de, O Arquitecto
José Marques da Silva e a Arquitectura do Norte do País na Ia metade do século XX,
dissertação de doutoramento policipiada, Porto, v.l, 1992, p. 175-176.
19
Sobre este assunto veja-se França, José.Augusto, O.c, v.2, p.115-120. O autor considera
Joaquim de Vasconcelos o fundador da História da Arte em Portugal.
20
Do espólio de A. A. Gonçalves adquirido por Rocha Madahil em 1946, foram publicadas as
cartas que Joaquim de Vasconcelos dirigiu ao professor de desenho de Coimbra. A edição foi
preparada para 1951, por Marques Abreu (pai), e destinava-se a ser precedida de um estudo e
notas explicativas de Rocha Madahil. O projecto não chegou a realizar-se, tendo as cartas sido
publicadas apenas em [1973] por Marques de Abreu (filho), com uma nota de apresentação de
Eugénio de Andrea da Cunha e Freitas.
A tiragem limitada desta edição dificulta a sua consulta.
Agradecemos à Dr3 Teresa Viana do Museu Nacional Soares dos Reis a informação sobre a
existência de um exemplar desta correspondência na Biblioteca do Museu.
218
pedem conselhos sobre os restauros da Sé Velha e da Sé de Lisboa, assim
como se trocam informações bibliográficas que nos indiciam as leituras de
ambos interessando-nos agora, principalmente o caso de Gonçalves, uma vez
que a formação de Vasconcelos é bem conhecida.
Em 1884 Gonçalves pede a Joaquim de Vasconcelos informação e
cedência de bibliografia destinada a uma Memoria 21 que então preparava e
que deverá tratar-se do trabalho inédito: Memória sobre métodos e processos
de ensino do Desenho, que apresentou em 1898 no concurso para professor de
Desenho na Universidade de Coimbra22. Vasconcelos envia-lhe a obra que
Facundo Riano publicara em 1879, The Industrial Arts in Spain, na série
"South Kensington Museum art Handbooks", a primeira obra do género sobre
arte peninsular, que recomenda especialmente a Gonçalves assim como o
Tratado de dibujo de Borrei que então se publicava, entre outras obras23.
Desde 1894 que "O Instituto" de Coimbra admitira como sócio António
Augusto Gonçalves 24 que trabalhará activamente na criação do Museu de
Antiguidades, iniciativa daquela associação, inaugurado em 26 de Abril de
1896 25 . Também ao espólio artístico da Sé Velha, Gonçalves se dedicou,
publicando um catálogo, com Eugénio de Castro26, que faz parte de uma
bibliografia muito dispersa, quase sempre dedicada ao património artístico,
com particular incidência na época medieval, da cidade de Coimbra27.
21
Cartas de Joaquim de Vasconcelos para António Augusto Gonçalves, n° LIX, Porto,
Marques Abreu, p. 64.
22
Madahil, A. G. da Rocha, Tentativa de Bibliografia de Mestre António Augusto Gonçalves,
Coimbra Editora, 1947, p. 9-10.
23
Cartas (...), n° LX, p. 66.
24
"O Instituto", Coimbra, v. 41, n°l, 3a s., Jul. 1893, p. 1027-1031.
25
Idem, , v. 43, n°l, 3 a s., p. 253-273.
26
Gonçalves, Antonio Augusto e Castro, Eugénio de, Noticia histórica e descriptiva dos
principais objectos de ouivesaria exixtentes no Thesoiro da Sé de Coimbra, Coimbra, Imprensa
Académica, 1911.
27
Cfr. Madahil, A. G. da Rocha, O.c, passim.
28
Vasconcellos, António, O.c, v.2, p. 292.
219
Estes documentos fazem parte parte do remanescente do espólio de
Gonçalves que Rocha Madahil adquiriu em 194629, e que os seus descendentes
doaram à Biblioteca Municipal de Coimbra. Aí se encontra inúmera
documentação não inventariada, mas conscenciosamente arrumada, da autoria
de António Augusto Gonçalves, incluindo as notas e apontamentos sobre o
restauro da Sé Velha 30 .
Pelo que nos foi dado observar da referida documentação, Gonçalves
projectou publicar uma monografia sobre a Sé de Coimbra, projecto que não
chegou a realizar mas para o qual escreveu uma série de estudos preparatórios
evidentemente incompletos que agora publicamos, uma vez que nos fornecem
elementos preciosos acerca do restauro da Sé e mais latamente sobre a cultura
artística do autor e as suas ideias sobre o modo de restaurar os edifícios
medievais 31 . Gonçalves escreveu o plano da obra, não deixando dúvidas sobre
a forma como a iria desenvolver32. Estes estudos terão servido de base a outras
publicações de menor dimensão 33 .
Do espólio fazem igualmente parte apontamentos de viagem, anotações e
esboços de edifícios medievais portugueses que visitou, elucidativos de uma
notável perspicácia ao "saber ver a arquitectura", que um acutilante espírito
crítico, uma razoável cultura artística e a faculdade de saber desenhar
caucionam e valorizam, dando credibilidade 34 .
29
Madahil, A. G. da Rocha, O.c, p. 12.
30
Agradecemos ao Director da Biblioteca Municipal de Coimbra a disponibilidade que
demontrou aos facultar-nos a consulta desta documentação inédita e o cuidado na arrumação do
espólio de A. A. Gonçalves, sem a qual teria sido bastante penoso ou mesmo impossível
aceder a estes documentos.
A datação destes manuscritos deve situar-se entre 1895 e 1915.
As anotações escritas sob o título Apontamentos relativos à Sé Velha terminam em 1909,
quando foram interrompidas as obras do claustro.
Algumas notas soltas podem ser datadas de 1915 - B.M.C., Anotações para palestras, fl.l, -
porque Gonçalves referencia uma "grande obra publicada o anno passado, (a Hist, de Arte de
André Michel)", que logo depois indica ter sido publicada entre 1905 e 1914.
Quanto aos fólios que correspondem aos esboços de capítulos destinados à monografia,
registam obras de restauro efectuadas até cerca de 1900. Mas a redacção de parte deles deverá
ser anterior porque alguns excertos desses manuscritos foram, seguramente, utilizados no
artigo publicado em \S95:Sé Velha de Coimbra, 'Arte Portugueza", Lisboa, n°6, 1895, 122-
123.
31
Veja-se no v. 2 deste trabalho o Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para
uma publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro.
32
Idem, fl.O.
33
Nomeadamente ao artigo supracitado:Se Velha de Coimbra, (...), 1895, e o texto publicado
sob o título de: Coimbra, Porto, Marques Abreu, 1929, que corresponde ao n° 5 da colecção "A
Arte em Portugal".
34
Idem, B.M.C., Projecto e anotações para uma publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o
seu restauro.
220
0 programa de restauro que A. Augusto Gonçalves expôs logo que o
soverno através do Ministério das Obras Públicas nomeou, em 16 de Janeiro
de 189335, a comissão encarregada das obras da Sé Velha foi o seguinte36:
1 - Desobstruir o templo, removendo dele o que lhe modificava o carácter
e prejudicava o efeito geral;
2 - Consertar e restaurar o que fora mutilado, aproveitando para essa
reconstituição, com religioso cuidado, todos os elementos que pudessem
encontrar-se nas alvenarias e nos entulhos, os quais ficariam reintegrados nos
seus respectivos lugares, como documentos a autenticar a fidelidade da
restauração;
3 - Parar e recuar quando a obra a fazer fosse destruir qualquer
monumento ou exemplar de alto valor artístico.
35
Vasconcelos, António de, O. c, v.l, p.290.
36
idem, ibidem, p. 291.
37
A Sé Velha teve outras obras de restauro, tendo sido realizados estudos para o restauro das
ábsides desde 1921. Veja-se a documentação publicada no v. 2 deste trabalho, Apêndice
Documental, M.O.P., Porto.
Só mais tarde as obras foram efectivadas pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais que publicou o respectivo Boletim em 1962, com o n° 109.
221
1 - Viollet-le-Duc (1814-1879) - Dictionnaire raisonné de l'architecture
française du Xle. au XVIe. siècle, Paris, 10 volumes, 1870-1873; Entretiens
sur l'architecture, Paris, 1863-1872;
2 - Hipólito Taine (1823-1893) - Gonçalves não refere as obras das quais
retirou os seus apontamentos mas não esqueçamos que Taine escrevia
frequentemente na "Revue des Deux Mondes", no "Journal des Débats" e na
"Revue de l'Instruction Publique"38, periódicos editados em Paris e assaz lidos
em Portugal39. Gonçalves leu também, sem dúvida, as várias publicações de
Taine sobre Filosofia da arte, que aliás influenciaram a teoria de Viollet-le-
Duc40;
3 - Camile Enlart (1862- -.Origines de l'architecture Gothique en Espagne
et en Portugal, Paris, 1894;
4 - André Michel - Histoire Générale de l'Art depuis les premiers temps
chrétiens jusqu'à nos jours, Paris, 1905-1914. Obra muito ilustrada, dirigida
por aquele autor com a colaboração de vários especialistas. Na época era
considerada como a História de Arte mais completa.
Gonçalves refere que a Sé Velha é aí exaltada "como monumento
românico do mais puro estylo."41;
5 - Louis Gonse - L'Art Gothique, Paris, 1890.
A. Gonçalves nota o pensamento comum entre este autor e Viollet-le-Duc
quando referem que "são dignos de lastima os povos que não presam os
documentos do seu passado porque para eles não há futuro."42
43
L.R.D. (pseudónimo de A. A.Gonçalves), Roteiro Ilustrado do Viajante em Coimbra ,
Coimbra, 1894, p. 48-49.
44
Idem, ibidem, p. 50.
45
Idem, ibidem, p. 49.
46
Apesar de o panorama geral corresponder a este estado da questão, começavam a aparecer
obras com outras preocupações de rigor relativamente à época românica portuguesa, tendo sido
Augusto Filipe Simões, do Instituto de Coimbra o primeiro a publicar um estudo sobre arte
românica intitulado Relíquias da arquitectura romano-byzantina em Portugal e particularmente
na cidade de Coimbra, Lisboa, 1870. Repare-se no desajuste semântico, ou na sua opção,
significativo do tratamento tardio do tema em Portugal.
47
Estudos posteriores viriam confirmar esta datação, uma vez que a igreja terá sido construída
no essencial, durante a 2a metade do século XII. Apesar de existir uma longa bibliografia sobre
o assunto, principalmente a partir da obra de A. Nogueira Gonçalves, Novas Hipóteses acerca
da arquitectura Românica de Coimbra, Coimbra, 1938, não vamos fazer aqui o seu historial.
Destacamos, no entanto, a obra de David, Pierre, La Sé Velha de Coimbra et les dates de sa
construction (1140-1180), Lisboa, Institut, Français du Portugal, 1942. O autor esclarece uma
série de dúvidas quanto às datas de construção da Sé e põe de parte as teorias da destruição da
catedral pelas invasões árabes em 1117, que teria levado a uma reconstrução logo depois ou
então à teoria que catedral teria ficado em ruínas até ao bispado de Miguel de Salomão (1162-
1176). Pierre David conclui que a antiga catedral de Santa Maria foi demolida entre 1139 e
1142, tendo então começado os trabalhos de construção da nova Sé, aberta ao culto a partir da
década de oitenta do mesmo século. Sobre a análise artística do monumento remetemos o leitor
para Almeida, Carlos Alberto Ferreira de, "O românico" in "História da Arte em Portugal",
Lisboa, v. 3, 1986, p. 116-117.
223
Sé 48 , ou quando viu na solução arquitectónica da porta norte da Igreja de
Cedofeita do Porto uma hipótese sobre o alçado da entrada norte da Sé Velha,
encoberta pela fachada renascença49 ou ainda, quando buscou nos edifícios
espanhóis (a conselho de Joaquim de Vasconcelos), a solução para o restauro
das janelas laterais da fachada principal50.
Restaurar foi no século XIX, muitas vezes, uma forma de aprendizagem
da arquitectura medieval e do seu sistema construtivo. Para Jean-Baptiste
Lassus e Viollet-le-Duc, por exemplo, essa aprendizagem foi uma prática
corrente tendo como objectivo construir edifícios neo-medievais51.
A. A.Gonçalves gostaria de estudar seriamente o monumento, na sua
monografia, mas tinha consciência da importância da observação directa dos
edifícios, necessária para verificar as "hypoteses formuladas na lição dos livros
e nas sugestões da photografia"52. A falta de longos estudos e a competência
adquirida nas viagens, são lacunas que lamenta.
O conhecimento bibliográfico que possui é contudo suficientemente
actualizado para Gonçalves saber que estudar um edifício como a Sé Velha
implica conhecer as condições técnicas, os incentivos morais e religiosos, a sua
genealogia e relações com outros edifícios congéneres e "finalmente a
determinação circunstanciada e exacta do seu valor, como documento artístico,
ethnografico e nacional."53
Repare-se na lição bem assimilada na bibliografia estrangeira e nos
indicadores do avanço da disciplina em Portugal trazidos por Joaquim de
Vasconcelos e com diferentes níveis desenvolvida por Sousa Viterbo, Ramalho
Ortigão e Gabriel Pereira, entre outros54.
O pensamento positivista, a valorização etnográfica dos objectos do
passado e do presente, a consciência do objecto de estudo, não apenas na sua
qualidade de monumento histórico mas de documento artístico, que os
manuscritos de Gonçalves patenteiam, são bem um sinal da evolução da
historiografia da arte portuguesa no final do século, e do longo caminho
48
Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B.M.C., Apontamentos relativos à Sé Velha,
fis. 18,19.
49
Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 27.
50
Cartas ..., n° CLV, p. 179 e Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B.M.C.,
Apontamentos relativos à Sé Velha, fis. 20-21.
51
Cfr. Leniaudjean-Michel, Jean-Baptiste Lassus (1807-1857) ou le temps retrouvé de
cathédrales, Paris, Arts et Métiers Graphiques, 1980, passim.
52
Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 15.
53
Idem, fl. 16.
54
França, José-Augusto, O.c, v.2,p.l 15-121.
224
percorrido desde a década de trinta empenhada na exaltação patriótica dos
monumentos encarados como testemunhas dos episódios gloriosos da História
nacional. Não enfatizemos demasiadamente este progresso. Ele fica muitas
vezes aquém do necessário e, uma vez mais, a marca nacionalista será indelével
em grande parte da produção escrita sobre os temas da arte portuguesa. Mas
situemos com o devido acerto a cultura artística de Gonçalves e o contexto
português em que ele, também protagonista do avanço da disciplina, adquiriu a
sua formação.
55
Idem, A Arte Medieval Portuguesa na visão de Herculano, sep. de "Alexandre Herculano à
luz do nosso tempo", Academa Portuguesa de História, Lisboa, 1977, p. 67 e passim.
56
Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Anotações para palestras, fl.4.
57
Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Anotações para palestras, fl.2
58
Idem, fl.2
59
Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 7.
225
A Sé Velha é considerada como "a mais notável e pura construção
românica, que tenha sido erguida no solo portuguez" e por isso a sua
reconstituição é o meio de a reivindicar como glória nacional60. A apreciação
da qualidade artística dos edifícios demonstra um grande salto na atenção
prestada às questões da arte no último quartel do século, e evidencia o longo
caminho percorrido desde a primeira geração romântica que consagrou os
monumentos pela sua "qualidade histórica" e não pelo seu valor como obras de
arte. Para Gonçalves, ao contrário, a Sé de Coimbra é uma glória nacional,
não por estar associada a momentos ou personagens notáveis da História pátria,
mas por constituir o melhor exemplo da construção da época românica em
Portugal. A arte nos seus objectos de melhor qualidade é entendida como uma
das manifestações que dignificam a nossa História. As ideias expressas por
Gonçalves são partilhadas por um escassa minoria e por isso não podem ser
entendidas como dominantes ou como recorrentes a toda a valorização da arte
românica em Portugal no final do século.
Ficamos com a ideia de que, na opinião de A. A.Gonçalves os
monumentos só passam a sê-lo depois de restaurados, ou melhor quando se
pode observá-los "na inteiresa do seu aspecto venerando" já que não é possível
- no caso da Sé de Coimbra (ou sempre?) - reestabelecer "a sua completa
integral e exacta expressão primitiva."61.
Restaurar é para Gonçalves devolver ao edifício o seu aspecto venerando
mas não exactamente a sua forma pristina ou um estado construtivo uno e
ideal, como Viollet-le-Duc e outros muitas vezes entenderam na prática e na
teoria.
Detenhamo-nos no que escreveu sobre o restauro de capitéis, que as
reformas do século XVIII destruíram: "(...) perante a veracidade histórica do
seu estylo, um capitel românico feito hoje, sobrepticiamente misturado entre
todos os de factura antiga somente significaria uma hypotese e uma falsidade.
E como se n'um manuscripto medieval se completassem rasuras de
deterioração com palavras de mera conjectura"62.
É seguindo esta ideia que Gonçalves se recusa a decorar capitéis,
preferindo substituir os que foram destruídos por capitéis lisos para que o
aspecto geral do edifício não fosse alterado, contra a opinião que diz ser
corrente ( a do inspector das obras públicas?), que considerava a sua atitude
60
Idem, fl. 12.
61
Idem, fl. 11.
62
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 42.
226
"exagero ou tibiesa" o que afinal não passava de "um propósito de
honestidade".63
As opiniões negativas como, falsidade, documento viciado e hipótese com
que julga elementos decorativos inventados encontram-se em consonância com
as ideias que Camillo Boito (1835-1914) expôs no texto "Conservare o
restaurare" publicado nas Questioni Pratiche de Belle Arti (Milão, 1893),
inspirando-se em Ruskin e Morris ao estabelecer o conceito de conservação dos
monumentos com base na autenticidade64.
Boito criticava Viollet-le-Duc cujos restauros levavam à falsificação,
citando um provérbio que é simultaneamente uma crítica e um programa de
restauro e conservação: "é vergonha enganar os de agora, maior vergonha é
enganar os vindouros".65 A. A.Gonçalves conhecia as teorias de Boito que
Gabriel Pereira divulgou, aprovando-as, na "Arte Portugueza" em 189566,
onde aliás Gonçalves também escreveu - no mesmo número - um artigo sobre
a Sé Velha de Coimbra67. Camillo Boito insistia na importância de o
restaurador possuir um sólido conhecimento histórico e técnico, pressuposto
indispensável na orientação das obras de restauro que vimos ser uma
preocupação maior de Gonçalves na monografia que esboçou.
No último quartel de oitocentos a hegemonia da doutrina de Viollet-le-
Duc começava a esmorecer, esboçando-se uma outra corrente de ideias
impulsionada pelos avanços da arqueologia e da história da arte68.
Em 1897 Ramalho Ortigão irá dar expressão a alguns reflexos da teoria
de Boito: "Ninguém preenche lacunas literárias, como ninguém deve preencer
lacunas arquitectónicas" 69 . Registe-se a semelhança - ou a inspiração de
Gonçalves - com o texto supracitado onde, este último, refere o exemplo das
impensáveis correcções de um manuscrito medieval. A ideia de comparar
monumentos e obras literárias, para defender a integridade dos primeiros já
63
Idem, fl. 42.
64
Choay, Françoise, L'Allégorie du patrimoine, Paris, Seuil, 1992, p. 126-127.
65
Mazzei, Otello, (direcção de), L'ideologia dei "restauro" architettonico da Quatremere a
Brandi, Milão, Clup, 2a edição, 1984, p. 51.
66
Pereira, Gabriel, Restaurar e Conservar, "Arte Portugueza", Lisboa, n°6, Jun., 1895, p.
121.
67
Veja-se nota supra sobre os manuscritos de A.A. Gonçalves.
68
Choay, Françoise, O.c, p. 125.
69
Ortigão, Ramalho, "A conclusão do edifício dos Jerónimos" in Arte Portuguesa, Lisboa,
v.l, Livraria Clássica Editora, 1943, p. 242. O texto original é de 1897 e constitui um relatório
escrito por Ramalho sobre os pareceres da Comissão dos Monumentos Nacionais acerca dos
projectos apresentados a concurso (1896) para a conclusão do restauro do mosteiro dos
Jerónimos.
227
vinha de trás. Em 1851 Didron escrevia nos "Annales archéologiques" a
propósito do restauro da catedral de Reims:
"De même qu'aucun poète ne voudrait entreprendre de compléter les vers
inachevés de Y Enéide, aucun peintre de terminer un tableau de Raphael, aucun
statuaire d'achever une statue de Michel-Ange, de même aucun architecte sensé
ne saurait consentir à achever la cathédrale (...)70.
70
"Annales archéologiques", Paris, v. 11, 1851, p. 365.
71
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 40-41.
72
Cfr. a descrição que Gonçalves faz do estado do pórtico e do seu restauro no documento
supracitado e em B.M.C., Apontamentos relativos à Sé Velha, fl.18.Cfr. Apêndice
Documental.
73
Idem, fl. 18.
74
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 44.
75
Cfr, v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B.M.C., Apontamentos relativos à Sé
Velha, fl. 18.
76
Idem, ibidem, fl. 18.
228
antigos retirados do portal, para se poder ajuizar da perfeição e escrúpulo na
execução das cópias77.
No caso das grandes janelas que ladeavam o portal, Gonçalves substituiu-
as por frestas, inspirando-se nos alçados correspondentes das catedrais de Ávila
e Zamora, a conselho de Joaquim de Vasconcelos78. Não havia vestígios do
perfil primitivo em nenhum dos vãos, ao contrário do que acontecera no
transepto onde foi possível reconstruir a fresta do muro facial, do lado do
Evangelho, copiando a fresta correspondente do outro facial, descoberta sob a
alvenaria79.
O restauro do pórtico ocidental e dos vãos da mesma fachada ficou
concluído em 1900. Sete anos antes, quando começou a reparação do templo,
uma das primeiras obras efectuadas consistiu em retirar o reboco caiado do
braço do transepto do lado da Epístola80. Descobriu-se então que os fustes das
colunas adossadas tinham sido cortados restando apenas alguns vestígios. Sobre
o restauro destes fustes "O Conimbricense" dá-nos a seguinte notícia:
"O sr. Parada tem feito restaurar as columnas do lado esquerdo do
transepto, e procedido a outros reparos (...). As columnas reconstruídas são de
pedra de Bordallo, para imitar a pedra de que foi construída a Sé Velha; e para
se fazer suppôr n'ellas grande antiguidade finge-se que estão ligeiramente
carcomidas em algumas partes"81.
Estranhamos a imitação de pedra antiga, frequentemente utilizada nos
restauros do século XIX, por toda a Europa ocidental, porque o processo está
em completo desacordo com as opiniões de Gonçalves sobre "falsidade e
"veracidade". Terá mudado a sua opinião ao longo das obras ou a iniciativa do
restauro daqueles fustes é da responsabilidade de Estevão Parada, embora a
direcção artística estivesse a cargo de Gonçalves?
No programa de restauro acima referido, apresentado em 1893, que
Vasconcelos diz ser da responsabilidade de A. A. Gonçalves, patenteia-se logo
a ideia de "fidelidade" afirmando que as reconstituições seriam feitas com os
elementos encontrados. Será que Gonçalves perante o estado de destruição dos
fustes optou por uma solução que antecipadamente parecia recusar? A. de
77
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 44.
78
Cfr., v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B.M.C. Apontamentos relativos à Sé
Velha, fis. 22-23.
79
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 22-23.
80
Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.l, 296.
81
Carvalho, J.M. de, Restauração artística da Sé Velha de Coimbra, "O Conimbricense",
Coimbra, n° 4762, 29 Abr. 1893, p.l.
229
Vasconcelos não refere qualquer discordância entre os dois membros da
comissão e a verdade é que as questões entre Gonçalves e os representantes das
obras públicas começaram precisamente depois da substituição de E. Parada
em Junho de 189382.
Registe-se porém que exactamente na mesma altura, Estevão Parada
trabalhava nas obras de restauro da igreja de Santa Cruz de Coimbra. Sobre a
caixa de madeira que forrava o arco triunfal descobriu raros vestígios de
colunelos partidos e foi incumbido de restaurar o respectivo arco "para
restabelecer a ornamentação como estava na sua primitiva"83. O objectivo do
restauro consistia em apagar "todas as emendas pretencciosas ás sucessivas
architecturas do templo, tratando principalmente de evidenciar a reforma
manoelina em todo o seu conjunto magestoso"84. Em 29 de Julho de 1897 o
arco triunfal "manuelino" estava concluído85.
E curioso notar como este tipo de restauro é consentâneo com a opção de
fabricar colunas novas, tratadas de forma a parecerem antigas, que vimos
orientar as obras do transepto da Sé Velha de que Estevão Parada foi o
executor.
Não esqueçamos que E. Parada era condutor de obras públicas e que
certamente executava ordens emanadas, no caso de Santa Cruz, do director das
obras públicas do distrito, à época Franco Frazão que integrava a comissão
encarregada do restauro da Sé Velha. Foi aliás com Franco Frazão que
Gonçalves se desentendeu abandonando a obra entre 1895 e 1896 e só
retomando a sua direcção em Outubro de 1897 depois daquele director das
obras públicas se demitir da comissão de obras86. As desinteligências entre
ambos advieram de equívocos sobre a autoridade de cada um, já que Franco
Frazão pretendeu insinuar uma orientação artística no restauro,
responsabilidade que cabia a A.A. Gonçalves, com a qual este discordava
liminarmente87.
82
Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.2, p. 305 e passim.
83
Restauração artística da Egreja de Santa Cruz, "O Conimbricense", Coimbra, n° 4762, 29
Abr. 1893, p.1-2.
84
Idem, 29 Jul. 1893, p. 2.
85
Idem, ibidem.
86
Cfr., v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B.M.C.,Apontamentos relativos à Sé
Velha, fl. 1.
87
Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.l, p. 334-355.
António de Vasconcelos dá a entender que as desinteligências mais graves de Gonçalves eram
com o condutor de obras públicas. Não nos parece ser exacta esta opinião uma vez que no
periódico de Coimbra "A Resistência", n° 149, 23 Jul. 1896, se refere claramente à
interferência do director de obras públicas no restauro . Aliás é o próprio Franco Frazão que se
desloca a Lisboa com plantas e desenhos da Sé solicitando apoio da Comissão dos
230
É possível que o processo de restaurar as colunas do transepto esteja
relacionada com a orientação de F. Frazão (veja-se o caso de Santa Cruz), tão
arredada nos parece ela dos princípios de Gonçalves, e do seu carácter
escrupuloso até à exaustão. Mas não exageremos na busca de uma coerência
total, alicerçada em bases teóricas bem definidas e enraizadas em sólidos e
inamovivéis critérios de restauro, seja qual fôr o seu responsável, porque se há
matéria escorregadia é a do pensamento sobre restauro não exclusivamente no
Portugal oitocentista, como em toda a Europa de então.
91
Sobre esta questão Cfr. a obra, rica em citações destes autores de Leniaud, Jean-Michel,
Jean-Baptiste Lassus (1807-1857) ou le temps retrouvé de cathédrales, Paris, Arts et Métiers
Graphiques, 1980, p.80-81.
92
Cfr. Ruskin, John, The Restoration of ancient buildings, "The Builder", Londres, 28 Dez.,
1878, The Seven Lamps of Architecture, Londres, 1848, The stones of Venice, Londres,
1851-1853.
Sobre William Morris a os seus vários artigos e conferências veja-se Kruft, Hanno-Walter,
O.c, p. 582-586.
93
Cfr. Boito, Camillo, "Conservare o restaurare" mQuestioni Pratiche de Belle Arti ,Milão,
1893.
232
prática coloca inúmeras dúvidas - em que estado das obras de arte se deve
restaurar, quais são os limites da intervenção - nem sempre foi seguida na sua
totalidade pelo próprio Camillo Boito94.
A admiração que o arquitecto italiano nutre pela obra de Alfredo de
Andrade, no caso da resconstrução da cidade medieval de Turim, é um
exemplo de aproximação involuntária à teoria de Viollet-le-Duc, apesar de
Camillo Boito se empenhar em reconhecer neste caso qualidades distintas e
mesmo contrárias aos restauros dirigidos pelo arquitecto francês.
Alfredo de Andrade (1839-1915), pintor e arquitecto português estudou
em Itália e aí se notabilizou, principalmente pela sua obra de restauro, seguida
posteriormente em castelos de Paris, Antuérpia, Budapeste e em obras de
restauro realizadas na Alemanha e na Suiça95. Em Turim reconstruiu o castelo
e o núcleo urbano medieval destinados a receber uma grande exposição em
1884. Camillo Boito viu nesta obra de Andrade uma feliz conjugação da
imaginação criativa e do conhecimento científico, um olhar através de uma
janela aberta sobre a Idade Média, a imaginação de uma página de história
construída sobre sólidos critérios arqueológicos96. Para o arquitecto italiano o
núcleo reconstituído não é a reconstrução de um monumento mas sim a
construção de um documento que por isso adquire o carácter de uma fonte
histórica. O próprio Alfredo de Andrade afirma que o castelo não reproduz
nenhum castelo pré-existente97.
É precisamente aí que reside, na opinião de Camillo Boito, o significado
excepcional da obra do arquitecto português: o burgo medieval reconstruído
em Turim - a partir de modelos encontrados nas construções medievais do
Piemonte, Ligúria e Vale de Aosta - não é um exercício histórico-crítico sobre
o pré-existente, sobre os vestígios materiais da História, é, pelo contrário, uma
simulação perfeita através de um modelo que representa um inquérito rigoroso
ao passado, concretiza fisicamente os resultados através de um projecto e
assegura a total conservação desse passado. Não se trata de um restauro e por
isso não é uma falsificação: é uma manifestação criativa e inédita do
conhecimento histórico realizada com os meios do arquitecto e não com os do
historiador98.
94
Choay, Françoise, O.c, p. 126.
95
Cfr. S/v. Andrade, (Alfredo de), in Pamplona, Fernando de, Dicionário de Pintores e
Escultores Portugueses, v.l, 2a ediçaõ, 1987, p. 99-101.
96
Torsello, Paolo, Restauro Architettonico. Padri, Teorie, Imagini, Milão, 1994, Franco
Angeli, 5a edição, p. 128.
97
citado por Idem, ibidem, p. 129, nota 45.
98
Cfr. Idem, ibidem, p. 128-130.
233
Concordamos com PaoloTorsello quando este observa que Camillo Boito
confirma e aprecia, neste caso de Turim, a teoria de restauro que combate. Há
diferenças de concepção, mas os princípios são os mesmos. Qual é pois, no seu
resultado final a diferença entre o castelo de Turim e o restauro de Carcassone
(1853)" dirigido por Viollet-le-Duc? Não pretende, da mesma forma, o
arquitecto francês "reactivar" o passado através da construção virtual de um
hipotético conjunto urbano da Idade Média?
Em ambos os casos a reconstrução é também entendida como uma forma
de aprendizagem da ciência da construção, ou melhor como uma criação
artística do arquitecto-restaurador.
A obra de Alfredo de Andrade em Turim corresponde à construção de
uma imagem do passado, nisso não se distinguindo no essencial da obra de
Viollet-le-Duc. Os dois arquitectos fabricaram representações mentais dos
edifícios medievais, contribuindo na criação de uma iconografia oitocentista da
Idade Média de repercussões avassaladoras no imaginário dos séculos XIX e
XX.
Mas não simplifiquemos: a obra teórica e prática de Viollet-le-Duc é
muitas vezes equívoca na diacronia do seu trabalho e na formulação teórica
acerca do restauro. Nem todos os (inúmeros) restauros que praticou seguiram
rigorosamente os mesmos princípios, como por vezes aparenta uma observação
rápida sobre a sua vastíssima obra100. Em Camillo Boito não podemos, da
mesma forma, procurar uma coerência ao analisar as suas obras, porque a
questão do restauro tal como é enunciada no século XIX, é uma questão nova e
como tal essencialmente interrogativa no seu devir teórico.
A repercussão da obra de Camillo Boito de 1893 apesar de um pouco
tardia foi notável, aceite na legislação italiana em 1909, enformou
grandemente a Carta de Restauro de Atenas (1931)101 e ainda hoje os seus
príncipios são em grande parte aceites.
Em Portugal, como já vimos as ideias do arquitecto italiano obtiveram
rápida divulgação e alguma aceitação. Pensamos que a sua insistência na
"autenticidade" influenciou A. A. Gonçalves talvez por ir ao encontro da
forma como ele próprio entendia o restauro.
99
Foucart, Bruno, "Viollet-le-Duc et la restauration" in Nora, Pierre, (direcção de), Les lieux
de la mémoire. IL La Nation **, Paris, Gallimard, 1986, p.638.
100
Sobre a vastíssima obra de restauro de Viollet-le-Duc veja-se o artigo de Bruno Foucart
supracitado t:Viollet-le-Duc, Paris, Galeries Nationales du Grand-Palais, 1980, (Catálogo da
Exposição); Actes du Colloque International Viollet-le-Duc, Paris, Nouvelles Édition latines,
1982 (o colóquio foi realizado em 1980).
101
Mazzei, Otello, (direcção de), O. c, p. 76
234
A preocupação de registar, desenhando ou fotografando, as construções
antes e durante as obras, para que nenhum elemento do passado se perdesse ou
ficasse oculto, é um dos aspectos mais insistentemente referidos por Camillo
Boito que A. A. Gonçalves praticou ou tentou praticar no restauro da Sé-
Velha. Desenhou os arcos que sustentavam o coro alto antes da sua
demolição 102 . Nos seus manuscritos demonstra-se indignado quando o
representante das obras públicas Franco Frazão mandou entulhar as escavações
que tinham posto a descoberto "vestigios d'uma edificação anterior" perdendo-
se "o ensejo único de colher notas valiosas que deveriam ser de vantagem a
quem de futuro tentasse investigações mais profundas"103
102
Cfr. no Catálogo Analítico, v. 2 deste trabalho os desenhos de Gonçalves em: Sé Velha .
103
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 50.
104
Idem, fl. 11.
105
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 14.
106
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 13.
107
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 14.
108
Vasconcellos, António, O.c, p 307.
235
elementos românicos foram parcialmente quebrados quando se revestiu a
parede de talha dourada, mas a sua deterioração não era tão grande que não
permitisse um restauro 109 .
O retábulo considerado de alto valor resultou de uma encomenda de D.
Jorge de Almeida. Foi realizado entre 1498 e 1502 pelos artistas flamengos
Olivier de Gand e Jean d'Ypres 110 . De grandes proporções (15 m de altura na
parte central) esta peça de madeira dourada e policromada, ambienta as suas
esculturas de vulto em arquitecturas e baldaquinos de gosto flamejante.
Considerado em estado de ruína, faltando-lhe duas estátuas originais 111 , foi
restaurado por mestres da Carregosa entre 1898 e 1900112.
Consultado o Bispo-Conde, por A. A. Gonçalves, na presença de vários
cidadãos de Coimbra curiosos do que se passava na Sé, sobre a desmontagem
da talha que obstruía a capela-mor impedindo uma visão plena do retábulo
flamengo, a decisão unanimemente aceite, foi a da sua remoção total, uma vez
que os painés laterais já haviam sido retirados. 113 Quatro meses depois o
ministro das obras públicas autorizava a venda da respectiva obra de talha,
devendo o seu produto ser aplicado nas obras de restauro do templo. 114
Repare-se que a proposta de eliminar a talha da capela-mór foi de
Gonçalves. É certo que podemos argumentar que o retábulo flamengo, pelo
seu estilo, se colocava ainda na época gótica. Mas não é uma razão
"medievalista" que dita a opções de A. A. Gonçalves. Quando foi necessário
reestabelecer o pavimento do transepto, depois de encontrados os vestígios dos
degraus que elevavam esta zona do templo, e também toda a cabeceira, surgiu
um questão : os absídiolos tinham sido rebaixados no século XVI para
colocação dos retábulos renascentistas. Levantou-se a polémica e reacenderam-
se os desacordos entre Gonçalves e o representante das Obras Públicas. Foram
chamados a Coimbra Ramalho Ortigão e Joaquim de Vasconcelos, delegados da
109
Idem, ibidem, p. 207 e 317-319.
1,110
Craveiro, Lurdes, A escultura das oficinas portuguesas do último gótico in Dias, Pedro
(direcção de) "O Manuelino", "História da Arte em Portugal", Lisboa, v.5, Alfa, 1986, p. 111.
111
in Dias, Pedro (direcção de) "O Manuelino", "História da Arte em Portugal", Lisboa, v.5,
Alfa, 1986, p.
112
Cfr., v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B.M.C.,Apontamentos relativos à Sé
Velha, fl. 15.
113
Carvalho, Joaquim Martins de, A Sé Velha, "O Conimbricense", Coimbra, n° 4824, 5 Dez.
1893, p.l
114
A egreja da Sé Velha, idem, n° 4860, 14 Abr. 1894, p.2.
236
comissão monumentos nacionais 115 , e pouco depois o arquitecto Ventura
Terra 116 , para com os seus pareceres resolverem as dúvidas e dissenções.
Na opinião de Gonçalves a reposição do pavimento do transepto e da
cabeceira, tal como tinham existido primitivamente era impraticável porque
essa obra obrigaria à deslocação dos retábulos renascentistas o que "seria um
vandalismo ignominioso e estúpido". 117 A sua conservação impunha-se porque
constituiam obras excepcionais da renascença portuguesa 118 . A. A.Gonçalves
não abdicou desta opinião e o pavimento dos absidíolos não foi alteado 119 ,
conservando-se inclusivamente no pavimento do chamado absidíolo de S.
Pedro o tapete de azulejos mudéjares, encomendados pelo mesmo bispo
D.Jorge de Almeida que encarregou Olivier de Gand de ir a Sevilha em 1503
comprar os azulejos que revestiram grande parte do interior da igreja.120.
As opções que A.A. Gonçalves tomou devem ser vistas caso a caso. Seria
um erro tomarmos o todo pela parte, concluindo que a eliminação da talha da
capela-mór corresponde a um desprezo geral pelas produções artísticas
posteriores à construção românica do templo. Já verificamos que assim não é:
- A obra talha do século XVII é retirada porque impedia uma apreciação
global do retábulo dos finais do século XV e porque ocultava o alçado
românico das paredes laterais;
- Os absídiolos não são alterados porque os retábulos do século XVI são
de grande qualidade;
- A porta Especiosa, apesar de encobrir o alçado românico praticamente
intacto, é igualmente conservada pela sua qualidade.
115
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 30-32.
116
Sé Velha, "O Conimbricense", Coimbra, n° 5214, 16, Março, 1897, p. 3. sobre esta
questão do veja-se também: Cartas ..., n°s. CXLVI a CL, p. 168-174.
117
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 29.
us
119
idem, fl. 29.
A solução adoptada consistiu na colocação dos degraus do transepto na linha extrema das
naves, (fol.33) Gonçalves acescenta que a solução adoptada corresponde ao plano da capela de
S. Pedro, no castelo de Leiria, na qual encontra diversas analogias, arquitectónicas e
decorativas, com a Sé de Coimbra (foi.36). Não é essa a solução que encontramos hoje no
pavimento da Sé. Obras realizadas na década de 20 do nosso século devem ter alterado o
pavimento proposto por Gonçalves. (Cfr. no Apêndice Documental a documentação do
Ministério das Obras Públicas do Porto relativa às obras na Sé e/ou aos seus projectos,
M.O.P., Porto).
O Boletim da Direcção dos Edifícios e Monumentos Nacionais (n°109, 1962) supracitado, na
planta que apresenta como sendo anterior ao restauro, não regista os degraus construídos no
século XIX.
120
Goulão, Maria José, As cerâmicas de uso e os azulejos manuelinos in Dias, Pedro
(direcção de) "O Manuelino", "História da Arte em Portugal", Lisboa, v.5, Alfa, 1986, p. 163.
Voltaremos a este assunto do revestimento em azulejos retirado posteriormente.
237
Durante algum tempo hesitou-se em suprimir o coro alto121 construído
desde a entrada principal da igreja, ao nível do triforium , e que ocupava
metade da nave central. A tranformação deste coro, no século XVIII (?), para
colocação de um órgão causou grandes alterações na estrutura arquitectónica
românica, nomeadamente nas colunas adossadas aos dois primeiros pilares, que
foram destruídas122, nos arcos torais, nas arcadas do triforium e no muro
ocidental onde foram demolidos três arcos e entaipados outros com alvenaria,
de uma galeria de passagem que permitia a circulação entre as tribunas123. A
dúvida sobre a demolição do coro assentava no facto de ele se apoiar em
painéis mudéjares que ocupavam, pelo menos, dois tramos da nave central.
Os painéis cumpriam a função de tectos dos dois primeiros tramos da
nave principal124. Eram os elementos remanescentes do coro aí instalado no
primeiro quartel do século XV125. Gonçalves conhecia bem o seu valor
artístico, pela raridade de tectos semelhantes conservados em Portugal, porque
teve o cuidado de desenhar os arcos em que assentavam, antes da sua demolição
em Maio de 1894126, e porque removeu os painéis mudéjares de madeira
policromada para o paço do bispo onde foram reutilizados como tectos de duas
salas127.
Apesar das hesitações o coro alto acabou por ser demolido, quando se
verificaram os estragos que tinha produzido e quando se descobriu a galeria
românica do topo ocidental da igreja.
121
Vasconcelos, António de, O.c, v.2, p. 327.
122
Idem, ibidem, v. 2, p. 376.
123
Idem, ibidem, v. 2, p. 328.
124
Vasconcelos, António de, O.c, v.l, p. 165.
125
Dias, Pedro, Arquitectura mudéjar portuguesa: tentativa de sistematização, sep. de "Mare
Liberam", n°8, dez. 1994, p.56. Pedro Dias faz referência ao pintor João Martins que em 1413
trabalhava no coro da Sé com a obrigação de "...dourar o almocaravez douro fino...".
126
Vasconcelos, António de, O.c, v.2, p. 331.
127
Idem, ibidem, v.l, p. 165-166. O antigo paço do bispo pertence ao Museu Nacional
Machado de Castro.
238
mas opta por retirar os azulejos da mesma época que revestiam pilares e
arcadas das naves.
É sabido que o conceito de qualidade não é absoluto e que a
desvalorização do mobiliário litúrgico e dos revestimentos do século XVIII é
um preconceito muito enraizado no gosto oitocentista. Daí a diferença de
tratamento que vimos ser dada à obra de talha dourada da capela-mór (retirada
e vendida), e aos painéis mudéjares (removidos mas reutilizados). Mas também
é verdade que nem todos os altares de talha dourada foram eliminados e que o
revestimento de azulejos mudéjares nos pilares e nas colunas o foi. Quais
foram os limites para Gonçalves?
O que mais o indigna nas obras realizadas nos século XVIII e XIX é o
facto de destruírem cantarias, capitéis, arcos e fustes da época românica para
simplesmente aplicarem uma camada de reboco, como aconteceu no muro
facial do transepto do lado da Epístola 128 . Perturbava-o a "confusão
abominável" que desfigurava o interior da igreja129.
Nos manuscritos que temos vindo a citar, Gonçalves não faz qualquer
referência à remoção dos azulejos mudéjares que revestiam grande parte da
igreja, mas inclui-os em 1894 entre as obras de alto valor, trazidas pelas
reformas do templo, quando edita o Roteiro Ilustrado (...) 13 °. António de
Vasconcelos sempre tão minucioso na descrição do restauro não nos indica a
data da remoção daquele revestimento, embora refira que quando foram
retirados "o reboco e os azulejos assentes no princípio do século XVI,
encontraram-se por baixo as pedras lisas, com o primitivo aparelho intacto, e
com as marcas dos canteiros do século XII, ao contrário do que sucedeu com
os revestimentos de cal feitos posteriormente nos séculos XVII e XVIII"131.
Apesar da admiração que demonstra pela policromia e combinação dos
desenhos, desta "vestidura" opulenta e vistosa, não deixa de notar que as
colunas foram deformadas, tanto nas bases como nos fustes, que eram
cilíndricos e passaram a ser poligonais. O seu diâmetro tinha sido
aumentado.132
Terão sido estes dois aspectos - o bom estado do aparelho medieval,
intacto sob o revestimento, e a deformação que este causou no perfil das
128
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 48-49.
129
Idem, fl. 14.
130
Vasconcelos, António de, O.c, p. 50-51.
131
Vasconcellos, Antonio de, O.C, v.l, p.182.
132
Idem, ibidem, v.l, p. 173.
239
colunas, alterando a perspectiva original das naves - que ditaram a remoção
dos azulejos.
Quando, em Setembro de 1893, começaram os trabalhos de consolidação
da porta Especiosa, cuja pedra se encontrava em avançado estado de
deterioração, Gonçalves pôde verificar com agrado que a obra renascentista
fora adossada ao portal românico sem o destruir. Sob o portal do século XV
podia ver-se, completo, um corpo saliente semelhante ao da fachada ocidental
emoldurado por arquivoltas de modenatura lisa. Gonçalves encontra nesta
descoberta uma lição: "O revestimento renascença, tão opulento de elegância e
graça, cinge, em adaptação estrutiva, a edificação românica; e assim os
construtores dessas idades compreendiam por instinto, que o carácter essencial
da arquitectura reside fundamentalmente na ponderação dos seus membros"133.
O que agrada a Gonçalves nas obras da renascença é a harmonia e justa
proporção com que são adaptadas ao edifício pré-existente, assim como a não
deturpação dos elementos subjacentes. Ambas as qualidades contrastam com o
sentido caótico e a destruição causada pelos revestimentos, altares e acrescentos
dos séculos XVIII e XIX.
133
Carta de A. A. Gonçalves citada por: Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.l, p. 383-386.
134
Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.l, p. 253.
135
Cfr., v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B.M.C. Apontamentos relativos à Sé
Velha, fl. 33.
136
Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.l.p. 426
240
O arco central da ala sul recebeu uma "bella rosacea reconstituída com 4
bocados antigos, achados na alvenaria"137.
Na sala do capítulo foram substituídos os arcos que ambientam a sua
entrada, apeada e reposta parte da silharia, corrigida a direcção de algumas
nervuras das abóbada, etc138.
Como vimos o estado do claustro conduziu Gonçalves a utilizar métodos,
no seu restauro, que tentou evitar no templo. Aí o seu escrúpulo foi maior ao
deixar capitéis por esculpir à falta dos modelos pré-existentes, e mesmo no
caso do pórtico ocidental procurou primeiro modelos para os motivos
vegetalistas e geométricos, e só depois orientou a reconstrução de fustes e
pilastras.
Tudo leva a crer que uma razoável parte dos elementos decorativos do
claustro resultam do restauro que teve inúmeras interrupções e foi concluído
unicamente em 1918139. Terá Gonçalves, no decorrer do tempo, mudado de
opinião quanto aos princípios de autenticidade e veracidade que tão
insistentemente defendeu nas obras da igreja, ou foi o estado ruinoso do
claustro que não lhe permitiu uma intervenção mais consentânea com as
normas enunciadas e praticadas no templo da Sé? Ou ainda, será que Gonçalves
via no claustro gótico a mesma excelência de concepção que tanto admirava na
Igreja românica?
São perguntas para as quais não encontramos resposta nos seus
manuscritos que desenvolvem muito mais as referências à igreja. Na
monografia sobre Coimbra publicada em 1929 não deixa de notar, a propósito
dos estragos causados no claustro pelas obras pombalinas, a insensibilidade do
século XVIII "que não reconhecia a grandeza severa e cheia de encanto da
arquitectura medieval"140. Entendemos esta frase, nesta data, como um lugar-
comum sobre a mentalidade artística de setecentos onde não podemos captar
qualquer juízo de valor sobre o claustro gótico.
A.Augusto Gonçalves demonstra, no entanto, sempre a mesma indignação
pelo carácter destruidor das obras dos séculos XVIII e XIX quando alteraram
por motivações cultuais ou de utilidade prática as construções pré-existentes.
137
Cfr., v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental. B .M.C. Apontamentos relativos à Sé
Velha, fl. 33.
138 idem, fl. 3 3 e 3 5 .
139
Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.l, p. 436.
140
Gonçalves, A., Coimbra, Porto, Marques Abreu, 1929, p.16.
241
Tratava-se de indiferença e desrespeito pelas obras do passado ou de "um
não saber fazer" técnico destes dois séculos? Ou ainda da falta de
entendimento do que é a própria arquitectura?
Detenhamo-nos novamente no texto de A. A. Gonçalves: se com o
decorrer do tempo a porta Especiosa desaparecesse "então se veria que já no
século XII os artistas sabiam que o efeito das linhas gerais é independente do
revestimento decorativo. Esta subtil acuidade de percepção é rara, ainda hoje,
porque só em longa e atilada experiência se adquire"141.
Não é a única vez que Gonçalves esboça este pensamento. Nos manuscritos
que temos vindo a analisar refere-se ao programa pensado para o restauro:
"consolidação e reconstrução do effeito primitivo nas suas linhas geraes. Em
toda a fabrica architectonica a decoração do detalhe é um aspecto
secundário"142.
Não obstante o prestígio que a arte românica vai adquirindo em Portugal
no último quartel do nosso século, a sua compreensão como produto artístico
diverso não é totalmente entendida, nem o poderia ser antes dos estudos de
Baltrusaitis (1931)143 e de Focillon (1931)144 que realçaram e teorizaram o
carácter arquitectónico da escultura românica, bem adaptada ao quadro e dele
dependendo, com técnicas, formas e temas que tão bem evidenciam a sua
ligação à arquitectura.
Quando em 1891 Gonçalves imprimiu um texto que enviou a diversos
periódicos, sobre a iminente desmontagem do claustro de Celas145, escreveu:
"A orchestração das linhas, a proporção, a symetria, o estylo do todo
architectónico, incontestavelmente contemporâneo e congénere, isso para o
Instituto nada vale! O acessório bizarro, com fantochins. de mais a mais, eis o
thesouro que os deslumbra"146. Mais uma vez é o todo arquitectónico e as
respectivas qualidades que dão valia maior a este exemplar.
141
Carta de A. A. Gonçalves citada por: Vasconcellos, Antonio de, O.c, v.l,p. 383-384.
142
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 41.
143
Baltrusaitis, Jurgis, La stylistique omamentale dans la sculpture romane, Paris, 1931
144
Focillon, Henri, L'art des sculpteurs romans, Paris, 1931.
145
O claustro do mosteiro de Celas ia ser vendido a um particular e os respectivos capitéis
passariam a fazer parte do acervo do futuro museu do Instituto de Coimbra. Veja-se o que
escrevemos sobre este assunto no v. 2 deste trabalho em : Claustro do Mosteiro de Celas.
146
S./a., O Claustro de Cellas. Apello á Imprensa, Coimbra, 1891, p. 10. Este texto foi
atribuído a A. A. Gonçalves por Madahil, A. G. da Rocha, O.c, p 22.
242
Pensamos que foi a ideia de recuperar o "efeito primitivo" que presidiu a
várias opções, como a da retirada do coro alto incluindo os tectos mudéjares,
porque obstruíam a visão geral do edifício, a remoção dos azulejos que
deturpavam o perfil das colunas adossadas e o espaço das naves, a solução
adoptada no pavimento do transepto, mantendo os absidíolos com as suas
alterações quinhentistas porque se exigia "uma solução nova, que não estivesse
em desacordo com as normas românicas e sem dano á perspectiva geral do
templo se mantivesse a linha do terreno nas condições actuaes"147.
Gonçalves pretendia reestabelecer não a totalidade do edifício primitivo,
mas o seu efeito primitivo. Foi essa a razão que o levou a mandar retirar os
azulejos mudéjares, embora conhecesse perfeitamente a sua importância
artística.
Não é por desprezo pelas artes decorativas sequentes ao românico que
Gonçalves opta por retirar os azulejos, mas sim porque estes alteravam o efeito
primitivo do templo e porque, como citámos, considerava que em toda a
fábrica arquitectónica a decoração do detalhe é um aspecto secundário.
Gonçalves quer fazer sobressair a arquitectura do templo e para isso necessita
retirar os elementos que encobrem a estrutura construtiva.
E a arquitectura românica, mais do que a arte românica que Gonçalves
admira: "Foi a verificação dum princípio absoluto e supremo, comum a todos
os grandes monumentos, que deu origem à teoria do triangulo gerador. Na Sé-
Velha é fácil verificar, que o traçado inicial se desenvolve, em exactidão
rigorosa, do triangulo equilateral"148.
A Sé de Coimbra obedece pois a esse princípio absoluto e supremo . Por
isso é tão valorizada por Gonçalves, e é por isso que tanto se empenha em
revelar a sua caixa arquitectónica apresentando a relação entre as partes: a
planimetria e os alçados.
O pensamento e a prática do restauro no século XIX deslizam sempre,
necessariamente, para o pensamento arquitectónico e aí radicam
simultaneamente o seu interesse e a sua complexidade. A. Augusto Gonçalves
projecta na Sé Velha uma ideia clássica de um principio supremo e uno comum
a toda a "grande" arquitectura. E essa a crença que corre como pano de fundo
na orientação que imprime às obras de restauro. A obsessão pela fidelidade e
pela veracidade, nem sempre possíveis de seguir in limine - como ele próprio
reconhece - decorrem na verdade da visão que tem da própria arquitectura e
147
Cfr. v. 2 deste trabalho: Apêndice Documental, B.M.C., Projecto e anotações para uma
publicação sobre a Sé Velha de Coimbra e o seu restauro, fl. 29.
148
Carta de A. A. Gonçalves citada por: Vasconcelos, António, O.c, v.l, p. 384.
243
que de forma alguma quer ver alterada, esforçando-se entre críticas e
polémicas durante os largos anos que trabalhou na Sé, por manter a todo o
custo.
Com todo o seu escrúpulo e rigor, procurando seguir alguns preceitos de
grande modernidade sempre que evitou "enganar os vindouros" deixando nas
peças novas a marca evidente do restauro, Gonçalves persseguiu uma utopia
(não persseguiram utopias todos os restauradores do século XIX?) ao projectar
na Sé de Coimbra um princípio que considerava universal a todos as grandes
obras de arquitectura, ou melhor, a enformar o seu restauro de uma
representação mental da arquitectura enquanto diciplina artística "maior", pela
sua qualidade exclusiva de assentar na imutabilidade de um princípio
geométrico.
O restauro não agradou a todos, e para além dos seus mais acirrados
detractores houve outras vozes discordantes, a que "O Occidente" deu
expressão logo depois de Ramalho ter elogiado a "segurança de critério",
considerando o restauro da Sé Velha o melhor que se fizera até então em
Portugal.
"Hoje entro ali com tristeza. Para mim, a velha Sé perdeu o caracter com
que a conheci desde os annos de rapaz, e porque ainda se me não desfez a
dúvida se, por fim, conseguirá readquirir o da sua primitiva. Nas melhores
intenções e até com bastante talento, com bastante audácia, sobretudo encetou-
se uma reconstituição do estylo romano (sic). Destruindo, derrubando,
affeiçoando aqui, renovando acolá, partiu-se em busca das pedras que Affonso
Henriques mandara talhar (...); mas o tempo tinha já posto em tantas a sua mão
destruidora, que por vezes os actuais artistas ficaram paralysados sem saber
que rumo seguir, arrependidos da destruição que os tinha levado ao nada, e
obrigados a fazer, em vez d'uma evocação do passado, um pastiche datando e
authenticando uma profanação do presente149".
Saudades das pedras tisnadas pelo tempo, conceito dos monumentos como
locais de acumulação de ambientes do passado, ou consciência da utopia do
restauro?
Quase no final do século as dúvidas persistem, e os monumentos
restaurados transformam-se por vezes numa desilusão porque ficam destituídos
Pereira, A. C , A Sé Velha, "O Occidente", Lisboa, v. 20, n° 649. 10 Jan. 1897, p. 289.
244
do "valor de antiguidade" como o definiu Riegl150. Perdendo a impressão
anímica e subjectiva que causa todo o monumento antigo com as marcas da sua
ancienidade, perdem também o seu carácter de oposição ao presente no qual se
baseia, precisamente, aquele valor.
A oposição ao presente manifesta-se sobretudo numa imperfeição, numa
tendência para a erosão da forma e da cor, numa carência do caráter "fechado"
da obra de arte, características que se opõem de forma redundante às das obras
recém-criadas. É nas marcas da actividade do tempo e da actividade
destruidora da natureza que se conhece imediatamente que um monumento não
é obra do presente mais imediato, mas de um tempo suficientemente
longínquo. O valor de antiguidade de um monumento reside na clara
percepção dessas marcas e é por essa razão que qualquer pessoa descobre á
primeira vista a sua aparência não moderna.
Continuando a seguir as categorias definidas por Riegl 151 , já valor
histórico de um monumento baseia-se no inequívoco reconhecimento do seu
estado primitivo e nesse sentido deve ser entendido o afã da actividade
restauradora de retirar as transformações posteriores que alteram a clara
lisibilidade.
No restauro da Sé Velha A. Augusto Gonçalves foi de certo modo atraído
por uma vontade de restituir ao edifício essa lisibilidade. Ao analisar os seus
manuscritos notámos que só considera que um edifício é um monumento
depois de restaurado, ou seja, depois de ser visível o seu aspecto antigo. Não
esqueçamos, no entanto, o episódio que conferiu aos colunelos do transepto um
aspecto antigo através da deterioração propositada dos silhares, e como essa
obra foi elogiada pela imprensa local esclarecida, embora nos parecesse
contrária aos princípios de Gonçalves. Supomos que o gosto pelas marcas da
acção do tempo e da natureza nos edifícios do passado, mesmo que fabricadas
artificialmente, enlaçam por vezes os cultos do valor da antiguidade e do valor
histórico nos restauros do século XIX.
Aqui radica, ao que nos parece a substancial diferença com os restauros
feitos em Portugal depois de criada a Direccção Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais em 1929, embora os princípios que esta seguirá já
viessem a ser esboçados anteriormante. Mas a política definida para os
restauros, a quantidade de edifícios restaurados no século XX - principalmente
150
Riegl, Alois, El culto moderno a los monumentos. Caracteres y origen, Madrid, Visor,
1987, p. 39-40 e 49-56. (edição original em língua alemã de 1903).
151
Sobre as categorias definidas por A. Riegl como valor monumental, valor histórico, valor
de antiguidade e valor de novidade, consulte-se a sua obra supracitada, contributo maior na
reflexão sobre património.
245
até á década de sessenta - e o empenho que é posto na sua execução,
resultaram numa aparente unidade de concepção que retirou aos monumentos
todas as marcas da deterioração, "criando" edifícios que apresentam uma
aparência algo estranha porque neles se gera um conflito entre a amostragem
dos monumentos antigos e a valorização do que é novo e acabado, sem lacunas
ou estragos..
Foi este o conflito que desagradou ao autor do artigo publicado em "O
Ocidente" em 1897, embora o restauros do século XX tivessem acentuado
muito mais o aspecto novo e completo do que as obras oitocentistas da Sé
Velha.
246
2.3. A Sé da Guarda: Rosendo Carvalheira e o poder sugestivo
da arquitectura
1
Cfr. no v. 2 deste trabalho as obras e respectivas datas do restauro em: Sé da Guarda.
2
A referida Memória é composta por 2 volumes, constituindo o v.2 um album documental
com 32 fotografias obtidas antes do restauro e comentadas pelo autor. Este trabalho de
Rosendo Carvalheira encontra-se inédito no A.H.M.O.P. O v. 1 tem 60 fólios e está datada de
finais de Novembro de 1897. Na delegação do M.O.P.do Porto existe uma cópia do v.l.da
Memória, exemplar que utilizámos, pela sua maior acessibilidade, depois de termos conferido
no A.H.M.O.P., tratar-se exactamente de uma cópia. O exemplar que utilizamos não se
encontra paginado, e por isso a paginação que apresentamos nas citações é da nossa
responsabilidade. Não existe autorização no A.H.M.O.P. para a publicação da Memória, o que
só faria sentido se a edição comportasse igualmente o v. 2, correspondente ao apêndice
fotográfico. Pela impossibilidade da sua reprodução, faremos referência descritiva às
fotografias daquele volume.
José Osório da Gama e Castro transcreveu parte desta Memória: (capítulo 2o da II parte e
alguns extratos da III parte) quando publicou o seu trabalho Diocese e districto da Guarda,
Porto, 1902, p. 351-353.
3
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, v.2, Venda Nova, Bertrand
Editora, 3a edição, p. 138.
4
S./v. Carvalheira, Rosendo Garcia de Araújo in "Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira", Lisboa, Rio de Janeiro, v. 6, p. 65.
247
pela herança intelectual de tão notável personagem da primeira geração
romântica portuguesa.
Apesar de o contacto com Herculano não ter ultrapassado a adolescência5,
Rosendo Carvalheira foi sem dúvida por ele influenciado nas leituras da sua
vasta obra. A marca dessas leituras transparece no texto da Memória e noutros
escritos do arquitecto emprestando-lhe por vezes um tom de retórica antiquada
quando enaltece figuras da história portuguesa especialmente apreciadas por
Herculano, como D. João I. O seu conceito de monumento e o vocabulário que
emprega ao criticar as obras realizadas na Sé no século XVIII recordam os
"brados" a favor dos monumentos escritos pelo historiador a partir de 1838 n'
"O Panorama".
E certo que a retórica patriótica que repete, exaurindo-os, os tópicos da
cultura da primeira geração romântica, é um fenómeno recorrente do epi-
romantismo português a que o Ultimatum de 1890 deu alento exacerbado, mas
é mais frequente encontrá-lo em autores de vocação e actuação literária. Em
Rosendo Carvalheira encontramos a miscigenação de uma cultura artística e
técnica actualizada, no contexto português, com uma visão da função dos
monumentos eivada de referências aos conceitos transmitidos por Herculano
cerca de sessenta anos antes. Deste (des)encontro resulta por vezes a definição
um pouco forçada de algumas ideias que emergem descontextualizadas da
consciência artística do arquitecto. Analisando a Memória e outros textos da
sua autoria podemos notar a ponderação de uma e de ou outra situação mental
nas opções preferidas para o restauro da Sé da Guarda.
248
32 clichés comentados pelo autor a que juntou uma planta cedida pela direcção
de obras públicas local.
Obra exemplar, a Memória de Rosendo Carvalheira concretiza a
importância da existência de programas de restauro que antecedam as
intervenções, compostos de estudos prévios sobre a história dos edifícios, as
técnicas e os materiais aí empregues assim como os que se projecta utilizar, a
"determinação do estilo", o método a seguir, a necessária aprendizagem dos
artífices, ou seja uma série de requisitos necessários a um restauro capaz, que
Ramalho Ortigão enunciara um ano antes e a cuja falta atribuía as intervenções
quase sempre desastrosas nos nossos monumentos6.
A prática de apresentar projectos anteriores às obras de restauro,
acompanhados de relatórios justificativos, era comum em França desde a
década de 40 até porque frequentemente essas obras eram sujeitas a concurso
como aconteceu logo em 1843 no caso de Notre-Dame de Paris, tendo sido
escolhido o projecto de Viollet-le-Duc e Jean-Baptiste Lassus7. Em Espanha
encontramos o exemplo do restauro da catedral de León (1859-1901), centro
de grande debate doutrinário sobre a questão, para o qual foram elaborados
vários projectos ao longo do tempo em que decorreram as intervenções. Em
1860 Matias Lavina Blasco, o primeiro arquitecto encarregado das obras
apresentou o seu Proyeto de restauración (Demoliciones y Derribos) o
Conservation (atirantados) par la Catedral de León, cujo título só por si é
elucidativo dos debates e dúvidas em torno da matéria8.
Programar o restauros com estudos sobre o edifício era uma prática
corrente que Rosendo Carvalheira aprendeu nas obras teóricas de Viollet-le-
Duc, autor que constantemente cita e enaltece.
Para reforçar a justificação do álbum fotográfico que acompanha a
Memória , o arquitecto recorre à entrada Restauration do "Dictionnaire
Raisonné de l'Architecture Française de XI au XVIéme siècle", sobre as
vantagens da fotografia nos trabalhos de restauro dos edifícios antigos9.
Rosendo Carvalheira estava familiarizado com as obras do teórico francês e
com as instruções do Comité des Arts et Monuments sobre arquitectura,
6
Ortigão, Ramalho, O Culto da Arte em Portugal, Lisboa, 1896, p.20 e 54.
Ramalho exceptuava a Memória (...) de Mouzinho de Albuquerque e a qualidade do restauro
da Sé Velha de Coimbra, dirigido por A. A. Gonçalves. Cfr. o que dissemos sobre estes temas
nos respectivos locais.
7
Leniaud, Jean-Baptiste, Jean-Baptiste Lassus (1807-1857) ou le temps retrouvé des
cathédrales, Paris, Arts et Métiers Graphiques, 1980, p. 79-80.
8
González-Varas Ibánez, Ignacio, La catedral de León, Historia e restauración (1859-1901),
León, Universidad de León, 1993, p. 132-139.
9
Memoria (...), fl 18-19. A voce Restauration do "Dicctionnaire (...)" foi publicada no v 8
em 1864.
249
escultura, mobiliário, armas, utensílios e música, desde a antiguidade até à
Idade Média, reunidas nos Cahiers d'instructions publicados a partir de
184610, corolário de num assinalável trabalho de inventariação e fixação da
nomenclatura artística, que igualmente cita quando desenvolve o capítulo sobre
"Arquitectura ogival"11.
10
Vários, Principes d'analyse scientifique. Architecture. Méthode et Vocabulaire, Paris,
Imprimerie Nationale, 1972, p. 3.
11
Memoria (...), fl. 24.
12
Discurso do Sr. Rozendo Carvalheira na sessão de 26 de Julho de 1895, "Boletim da Real
Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa, v. 7, n°5, 3a série,
1896, p.65.
13
Assembleia Geral de 7 de Novembro de 1897 "Boletim da Real Associação dos Architectos
Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa, v. 7, n° 12, 3a série, 1897, p. 182-184.
14
"Boletim da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa, v.
7, n°9, 3 a série, 1897, p. 135-139. Cfr. a cronologia que inserimos no fim deste volume.
15
Cfr. o que escrevemos sobre este restauro, neste volume.
16
Cfr. Korrodi, Ernesto, Estudos de Reconstrução sobre o Castelo de Leiria , Zurique,
Instituto Polygraphico, 1898.
250
da Sé (...)" 17 , segundo princípios aprendidos na obra do mesmo arquitecto
francês e que transparecem no livro de Fuschini publicado em 1904.
A Memória de Rosendo Carvalheira, apesar da sua qualidade exemplar
não surge pois como uma obra isolada na factura e nos conceitos, como aliás a
de Ernesto Korrodi, a de Fuschini ou a de A. A. Gonçalves. A verdade é que
apesar das notórias diferenças, todas demonstram um atraso considerável em
relação ao que se passava na Europa, não porque os métodos preferidos em
Portugal tivessem já sido abandonados nos outros países, mas porque aí eram
praticados e discutidos há algumas décadas, o que propiciava a recepção, mais
ajustada no tempo, de novas teorias que iam surgindo e ganhando adeptos. Em
Portugal as obras acima referidas imprimiram e fixaram no final do século
modos de restaurar, principalmente nos casos da Sé da Guarda e da proposta
de Korrodi, de grande sucesso no gosto português, perpetuando-se no século
XX a pratica de um restauro tardiamente tipificado, uma vez que já nos finais
da centúria anterior se começava a preferir conservar 18 .
No VI Congresso Internacional dos Arquitectos realizado em Madrid em
1904, no qual participou Rosendo Carvalheira, proclamou-se a necessidade de
salvaguardar as modificações que apresentassem mérito artístico, obedecendo à
condição de não destruírem a unidade do conjunto. Prevalecia o objectivo de
manter a unidade do estilo mas recomendava-se vivamente a distinção entre os
elementos novos e os antigos19.
17
Fuschini, Augusto, Arquitectura Religiosa na Idade Média., Lisboa, Imprensa Nacional,
1912, p. 151. Cfr. o que escrevemos sobre o restauro da Sé de Lisboa.
18
Note-se a difusão das teorias de Camillo Boito depois da sua publicação em Questioni
pratiche di Belli Arte, 1893. Cfr. o que escrevemos quando analisámos o restauro da Sé de
Coimbra.
Os princípios de Camillo Boito foram integrados na lei italiana e tiveram influência decisiva na
Carta de Atenas que resultou da Conferência Internacional de 1934. No entanto a sua
repercussão europeia começou muito mais cedo e teve eco em Portugal logo em 1895. Em
1897, como adiante veremos a preferência de conservar a restaurar é defendida na A.A.C.A.P.
por Sousa Viterbo.
\9yj° Congresso Internacional de Arquitectura, "A Construção Moderna", Lisboa, n° 133 1
Jun. 1904.
20
Memória (...), fl. 12.
251
estabelecendo os limites de cada período uma vez que as obras se desenrolaram
por várias campanhas21.
O facto de a construção da catedral ter sido iniciada durante o reinado de
D. João I, que forneceu ao respectivo bispo "a traça e as provisões" - apesar
da vontade expressa, os monarcas anteriores não lograram alcançar as
promessas de construir a nova Sé 22 - é razão e pretexto para Rosendo
Carvalheira elogiar aquele rei e a sua Kunstwollen que explica "por duas
incommensuraveis forças" que solicitavam o seu ânimo decidido: Deus e
Pátria23. Parece-nos ouvir a voz distante de Herculano. Vale a pena transcrever
um pouco mais o texto do arquitecto: "A sua cota de guerreiro sentiu por
muitas vezes o pulsar d'um coração leal absorvido por estes dois cultos
preponderantes da sua vida, que fizeram da sua máscula individualidade de
crente e da sua brônzea investidura de rei, a mais luminosa syntese, de que,
com justificado desvanecimento nos podemos orgulhar, ao invocarmos o nosso
passado histórico.
Não é de estranhar pois, que durante o seu longo e glorioso reinado,
Portugal fosse dotado com muitos padrões comprovativos da sua crença
ardente (...)"24. Máximo vulto da idade média portuguesa, assim classificara
Herculano o rei D. João I, em 184325 fixando a imagem de guerreiro viril e
devoto e enaltecendo os valores da sobriedade e da religião.
No final do século Rosendo Carvalheira elogia o edifício da Sé da Guarda
"pela serenidade magestosa das suas grandes linhas; os pequenos e por vezes
mesquinhos motivos de decoração, não existem a attenuar com a sua presença
burilada a sugestiva imponência e beleza dos grandes vãos; a este respeito o
edifício da Sé da Guarda é talvez um dos mais interessantes do paiz"26. Ao
longo da Memória várias vezes transmite o seu apreço pelas qualidades de
"sobriedade magestosa e de simplicidade decorativa"27 e essas características
que, apesar de todos os acrescentos "vandálicos" ou não, detecta na Sé da
Guarda serão um dos factores determinantes do programa que define para o
restauro. As virtudes atribuídas por Herculano e por Carvalheira a D. João I
enlaçam com as qualidades que o segundo encontra na catedral beirã. Mas, a
colagem que Alexandre Herculano faz entre a personalidade humana e
lx
Ibidem, fl. 16.
22
Ibidem, fl. 1 3 e 6 a 8 .
23
Ibidem, fl. 9
24
Ibidem, fl. 9.
25
Herculano, A. A Eschóla poytechnica e o monumento, "Revista Universal Lisbonense",
Lisboa, v.2, n° 40, 4a série, 8 Jun., 1843.
26
Memória (...), fl. 33.
27
Ibidem, fl. 35.
252
histórica do rei e a arquitectura do seu tempo, espelho do modo de viver da
época, engloba uma visão historicista da arquitectura, sem dúvida, mas também
uma visão marcadamente simbólica e emblemática das construções. Nesse
sentido o historicismo de Herculano é radicalmente romântico, na medida em
que coloca o passado sempre em relação com o presente, conferindo à História
um forte sentido pedagógico que se estende à arquitectura. O heroísmo de D.
João I e o mosteiro da Batalha comungam das mesmas características
"humanas", porque a construção do conjunto monástico tinha de consubstanciar
a personalidade do rei e da pátria, a que só o arquitecto Afonso Domingues
podia dar expressão "portuguesa"28.
Nos textos de Rosendo Carvalheira, apesar das alusões que faz a D. João I
e à sua brilhante acção de bahuer, o enlace entre as virtudes do rei e a
arquitectura do seu tempo é muito menos apertado, destacando-se uma
consciência arquitectónica que valoriza a sobriedade, é certo, mas a sobriedade
da arquitectura enquanto fenómeno construtivo e visual. O valor emblemático,
embora presente, parece afastar-se um pouco da análise do edifício, permitindo
ressaltar o valor da sua concepção artística.
28
Referimo-nos aos textos de Herculano sobre monumentos, à ao conto "A Abóbada" (1839).
Sobre este assunto leia-se o notável estudo de França, José-Augusto, A Arte Medieval
Portuguesa na visão de Herculano, sep. de "Alexandre Herculano à luz do nosso tempo",
Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1977.
29
Ibidem, fl. 17.
30
Ibidem, fl. 26.
253
Partindo das definições anunciadas, Rosendo Carvalheira vai nortear o
programa de restauro com o objectivo de retirar todos os elementos que foram
acrescentados à Sé depois de meados do século XVI, época em que, como
vimos, considera que o edifício foi concluído.
31
Ibidem, fl. 44-45.
32
Leniaud, Jean-Baptiste, O.c, p. 107.
33
Brochard, Bernard, La place de Notre-Dame-la-Grande dans l'histoire médiévale et les
étapes de sa restauration, "Monumental", Paris, n°l, Dez. 1992, p. 18.
34
Cfr. o que dissemos a este propósito quando nos referimos ao restauro da Sé Velha
254
ocultando, a intenção primordial dos edificadores. Mas entre os vandalismos há
importantes distinções a fazer que afastam a abordagem do arquitecto das
severas condenações de Herculano aos revestimentos pintados e dourados que
tanto detestava porque encobriam, como falsos ouropéis, a sobriedade da
arquitectura medieval, espelho da simplicidade dos costumes dos primeiros
séculos da nacionalidade 35 . A cultura artística de Rosendo Carvalheira é
evidentemente outra, e a sua leitura dos objectos artísticos dos séculos XVII e
XVIII é mais racional e objectiva, mas é interessante notarmos como apesar
dessa substancial diferença, continua a empregar o vocabulário altamente
depreciativo que Herculano utilizou a partir de 1837 nas páginas de "O
Panorama" e da "Revista Universal Lisbonense", e que depois se generalizou
vastissimamente na literatura sobre arte, nos periódicos da época e mesmo no
discurso dos deputados.
"Rajada vandalica", "acrescentos torpes", "barbarismos" "estulticia e
ignorância", "atentado de lesa-arte" e "crime" são algumas das expressões
constantemente repetidas na Memória sempre que referem obras realizadas
durante os trezentos anos que se seguiram à conclusão da Sé 36 . Mas, como já
apontámos, Rosendo Carvalheira faz importantes distinções entre os
vandalismos, separando as águas, para encontrar soluções diversas para o
restauro. Exemplifiquemos.
Os vandalismos que em sua opinião devem ser conservados são: o órgão
monumental, que ocupava um dos tramos da nave central, e o retábulo da
capela-mor. Como explica na Memória, uma peça pela sua natureza intrínseca
pode ser uma bela produção artística de considerável valor, mas se essa peça
pela sua situação afronta ou encobre uma parte nobre do edifício,
prejudicando-lhe o efeito e a intenção primordial, então deixa de ter valor e só
deve ser considerada como um deplorável "elemento vandalico attentatorio da
pureza e integridade do edifício. Um vandalismo d'essa natureza poderá e
deverá conservar-se mas a sua deslocação impõe-se como uma necesidade
reconhecida e incontestável" 37 .
O órgão de talha dourada, com uma altura superior a 10 metros, de
desenho "magnífico e gracioso", de "execução admirável", pertence aos
vandalismos que devem ser considerados. O arquitecto propõe a sua remoção
35
Cfr. os artigos publicados por Alexandre Herculano sobre monumentos em "O Panorama"
entre 1837 e 1838, mais tarde reunidos, com algumas alterações nos "Opúsculos", v.2,
Lisboa, Livraria Bertrand, s./d. [1872-1873] e na "Revista Universal Lisbonense" em Julho e
Agosto
36
de 1843.
Memoria (...), fl. 46.
37
Ibidem, fl. 34.
255
para o fundo da nave central - depois de demolido o coro alto - onde poderá
servir de "artístico guarda-vento"38.
Quanto ao retábulo da capela-mor Rosendo Carvalheira considera-o a
mais notável peça artística existente no templo e, no seu género, um dos
melhores trabalhos de todo o país. Compara-o ao retábulo da capela do
Sacramento da Sé Velha de Coimbra que afirma ter sido terminado em 1566,
datando o exemplar da Guarda entre 1550 e 1553. Esta peça encontrava-se em
precário estado de conservação, faltando-lhe vários elementos e apresentando
outros muito deteriorados, vítima, segundo o autor da Memória , dos soldados
de Napoleão. O retábulo ocupava todo o fundo da ábside encobrindo colunas e
arcaturas da primitiva construção. Por essa razão e por necessitar de ser
desmontado para receber as reparações necessárias, propõe a deslocação para
o topo sul da nave cruzeira "onde pela sua presença não entaiparia peça alguma
de valor, e até guarneceria de uma forma conveniente a fria nudez do grande
elemento da parede do fundo"39.
256
Rosendo Carvalheira valoriza a arquitectura em si mesma.
Indiferentemente da época da construção, o que o seduz é o poder de retenção
de memória que a arquitectura, e principalmente ela, potencialmente contém,
ou seja o seu poder de monumento histórico que, contra a passagem
demolidora do tempo, mantém a presença do passado.
Retomemos a sua prelecção: "Entre-se em qualquer templo, d'aquelles que
o passado nos legou, envolto na dourada poeira da tradição, templos que, por
vezes synthetisam todo o esplendor d'uma época, toda a valentia d'uma raça,
toda a sinceridade d'uma crença; é extraordinária a impressão recebida!
Perpassa-nos pelo espirito absorto na contemplação, uma revoada do
passado, toda a visão complexa de uma época.
A nudez vetusta da naves a indicar-nos a simplicidade do viver coevo, o
arrojo quasi maravilhoso das artesoadas abobadas, apenas pousadas ao de leve
sobre os rendilhados capiteis de esbeltíssimos feixes de caprichosas columnas, a
revelarem-nos a coragem e o arrojo de sobrehumanos
42
acommetimantos;(...)" .
Não podemos deixar de ver aqui o estilo antiquado inspirado em
Herculano, mas a lição recebida nas leituras do historiador surge actualizada.
Relativizemos o tom acrisolado do discurso e dele retenhamos o essencial,
ou seja, o valor impressivo que Rosendo Carvalheira encontra na arquitectura,
arte maior pela sua capacidade de memoração. A escolha que faz da imagem de
um edifício medieval, acorda-se sem dúvida com o gosto da época como
vimos, mas este é um aspecto que nos parece secundarizar-se perante o fascínio
do monumento arquitectónico e histórico, esse sim, valorizado enquanto tal.
42
Ibidem, p. 68.
43
Veja-se o que dissemos quando analisamos os retauros dirigidos por Luis da Silva
Mouzinho de Albuquerque e A. Augusto Gonçalves, no mosteiro da Batalha e na Sé de
Coimbra respectivamente.
257
podemos esquecer que restaurar é igualmente uma prática arquitectónica, feita
por arquitectos ou não, e que essa circunstância não tem uma ponderação
menor no resultado final dos restauros, do que o gosto pela idade média. Pelo
contrário, muitas vezes ela é mais significante esclarecendo-nos melhor as
opções adoptadas.
Supomos que as razões que acabámos de aduzir ajudam a explicar que
tantas obras de restauro em edifícios medievais se tenham realizado em
Portugal, já desde o século XVIII, sem que para isso encontremos uma
equivalente cultura artística medievalista por parte dos restauradores. O
leitmotiv da sua acção e dos seus programas - de engenheiros, condutores de
obras públicas ou arquitectos - é a própria arquitectura e o seu poder de
simbolizar e não o puro gosto pela Idade Média, porque muitas vezes não
possuem mais que um incipiente conhecimento dos estilos, confundindo-os até
cronológica e esteticamente. O facto de a quantidade de edifícios medievais
restaurados ser maior do que a de qualquer outra época, esse sim é um aspecto
de ordem cultural que se prende com gosto, moda, encomenda e sobretudo
com a consagração de monumento histórico e nacional, que vê as construções
como totems legados deliberadamente pelo passado, memórias do tempo
histórico eleito pelo romantismo nacional: a época da formação e consolidação
da nacionalidade e a época dos Descobrimentos. Entre as duas variam as
opções pessoais e o tempo em que são tomadas ao longo do século que nesse
aspecto, como nos outros, não deve ser entendido como uma unidade cultural.
Mas não é o momento de desenvolvermos mais esta questão, a ela voltaremos.
É certo que Rosendo Carvalheira defende também o seu ofício, que aliás
precisa valorizar num país onde a prática da arquitectura só começa a ser
entendida como profissão diferenciada no final do século. Mas cremos que
neste caso as ideias que expõe no seu discurso não são ditadas, no essencial, por
essa razão. Cerca de dois anos mais tarde, na mesma Associação, apresenta
uma proposta sobre a protecção e conservação dos monumentos nacionais
lamentando os erros cometidos nesse campo, o que atribui ao facto de as obras
de restauro não obedecerem "a uma orientação methodica e conscenciosa
baseada sobre os bons principios de restauração aconselhados pelo maior
artista e pensador d'esté século, Violet-le-Duc"44.
Já acima referimos que se vivia uma época de debate entre os partidários
do restauro e os que preferiam a conservação. Não esquecemos que no mesmo
44
Sessão da Assembleia Geral em 7 de Novembro de 1897, "Boletim da Real Associação dos
Architectos Civis e Archeologos Portuguezes", Lisboa, v. 7, n° 12, 3a série, 1897, p. 183.
258
ano em que Rosendo Carvalheira apresenta a sua proposta (1897), Ramalho
Ortigão, como vogal da Comissão dos Monumentos Nacionais, publica um
texto sobre os projectos de restauro dos Jerónimos advogando algumas ideias
contra o restauro inspirado em Viollet-le-Duc em nome da autenticidade das
obras de arte45. Sousa Viterbo no debate lançado pela proposta de Carvalheira
mostra-se partidário da conservação e considera que em muitos restauros,
mesmo os que foram executados por artistas da qualidade de Viollet-le-Duc,
"faltam o verdadeiro carácter e o sentimento da epocha, a nitida comprehensão
do plano de quem delineou esses monumentos"46. Para além da discussão
teórica que as ideias publicadas em 1893 por Camillo Boito47 impulsionou, é
curioso notarmos que em grande parte dos casos, naturalmente com excepções,
o restauro é defendido por arquitectos enquanto a conservação agrada mais a
eruditos e arqueólogos. Não é só um debate teórico que está em causa mas
também a função prestigiante do arquitecto-restaurador que dessa forma
exerce a sua arte em edifícios emblemáticos, os monumentos nacionais, o que
confere uma nota de excelência à sua profissão dando-lhe razão de ser e
encomendas também...
45
Ortigão Ramalho, A conclusão do edifício dos Jerónimos in "Arte Portuguesa", Lisboa,
v.l, Livraria Clássica Editora, 1943, p. 242-244. (publicação original de 1897).
46
Sessão da Assembleia Geral em 7 de Novembro de 1897 (...), p. 183-184.
47
Cfr. nota 18.
48
Carvalheira, Rozendo, Architectura. Rápido esboceto. Da sua evolução desde as civilizações
primitivas até ao fim do século XIX, "Boletim de Architectura e Archeologia da Real
Associação do Architectos Civis e Archeologos Portugueses", Lisboa, v. 9, n° 3, 4a série,
1901, p. 27. O mesmo artigo foi publicado no "Diário de Noticias" de Lisboa em 29 e 30 de
Janeiro do mesmo ano.
49
Citado por Torsello, Paolo, Restauro Architettonico. Padri, Teorie, Immagini, Milão,
Franco Angeli, 1994, p. 17, (5a edição).
259
tem de se regenerar, quando encontre um intérprete culturalmente preparado
para compreender a sua disponibilidade para "reprojectar"50.
Esta visão forneceu as bases necessárias ao prestígio da função de
restaurar, ao conferir a esta prática uma qualidade criativa e não a de simples
mimesis de alguns elementos construtivos da arquitectura o que estava ao
alcance de qualquer bom artífice. No acolhimento desta visão por parte dos
arquitectos ou dos praticantes de arquitectura, é que devemos, também,
entender a valorização do restauro no século XIX e a sua interpenetração
frequente com a arquitectura revivalista como é possível verificar nos
restauros finisseculares dos mosteiros da Batalha e dos Jerónimos51.
50
Cfr. Idem, ibidem, p. 18.
51
Cfr. no v. 2 deste trabalho: Mosteiro da Batalha e Mosteiro dos Jerónimos.
52
Cfr. no v. 2 deste trabalho a iconografia da Sé em: Sé da Guarda.
53
Memoria (...), fl. 53.
54
Ibidem, fl. 36.
260
O percurso em volta do edifício demonstra bem o que Rosendo
Carvalheira pretendia valorizar, orientando uma "visita de estudo" à
sobriedade imponente da catedral, isolando-a como um monumento
arquitectónico, que, limpo de todas as excrecências, podesse evidenciar a sua
volumetria e estrutura construtiva, ou seja: a distinção entre a altura da nave
central e a das colaterais, o respectivo apoio da cobertura da primeira nas
paredes das segundas, através dos arco-botantes e respectivos contrafortes e
botaréus, os vãos de iluminação da nave central e da cabeceira e o coroamento
dos alçados em platibanda recortada.
261
do reconhecimento no século XII da superioridade estática do arco quebrado
relativamente ao arco de volta perfeita, mas foi partindo daí que se reconheceu
as vantagens das coberturas em cruzaria de ogivas. Este tipo de abobadamento
permitiu o desenvolvimento de um sistema evolutivo, lógico e racional, que
obrigatoriamente desembocaria na invenção de outros elementos como os arco-
botantes e em obras-primas: as catedrais de Amiens, Reims, Dijon, etc. Como
refere Grodecki tudo é lógico e racional nesta progressão. O final da Idade
Média corresponderia ao período de esquecimento de algumas regras
fundamentais58.
Rosendo Carvalheira escreve que um estilo, depois de se tornar universal,
tende a "nacionalizar-se", fenómeno que geralmente coincide com a decadência
artística do respectivo período. E exemplifica. Em Inglaterra foi adoptado,
numa época em que a decadência do "estilo ogival" era já nítida, o arco ogival
de quatro centros a que se chamou "arco Tudor"; em Portugal nos princípios
do século XVI a tradição ogival também se nacionalizou, recebendo um cunho
especial principalmente constituído "não só pelos accidentes do coroamento dos
vãos mas também pela disposição e estylização de novos motivos ornamentais;
foi o nosso período Emannuelino"59.
Alguns anos antes num ambiente que proporcionou a discussão sobre a
existência de uma arte original portuguesa60, Joaquim de Vasconcelos
preocupou-se em provar que a arte manuelina não correspondia a um estilo,
admitindo o termo aplicado à arquitectura da época de D. Manuel, como
admitia o termo "estylo Tudor". O sistema gótico já entrara em desorganização
quando D. Manuel subiu ao trono e essa desorganização prolongar-se-ia até aos
finais do século XVI. O manuelino não passava de um episódio decorativo "o
capricho do esculptor, onde devia só prevalecer a ideia do architecto; (...)"61.
Carvalheira parece estar de acordo com Joaquim de Vasconcelos e segue
mesmo o seu estudo publicado em 1885. É curioso notar que o arquitecto
prefere o termo Emanuelino, que Mousinho de Albuquerque empregou no sua
58
Grodecki, Louis, Viollet-Le-Duc et sa conception de l'architecture gothique in "Le Moyen
âge Retrouvé", v.2, Paris, Flammarion, 1991, p. 377. Este estudo foi publicado originalmente
em "Actes du Colloque Internacional Viollet-le-Duc" Paris, 1980-1982.
59
Memória (...), fl. 25.
60
Durante e depois da Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola realizada em
Lisboa em 1882, debateu-se largamente esta questão. Cfr. o nosso estudo em colaboração com
Pereira, Maria da Conceição Meireles, Arte e Nacionalidade - uma porposta de Yriarte a
propósito da Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola, "Revista da Faculdade de
Letras. História", Porto, Universidade do Porto, v.8, 2a série, p. 327-338.
61
Vasconcellos, Joaquim, Da Architectura manuelina in "História da Arte em Portugal "(sexto
estudo), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1885, p. 14-15 e passim. (Conferência realizada
no âmbito da Exposição Districtal de Coimbra de 1884).
262
publicação sobre o mosteiro da Batalha escrito à volta de 184362. Em 1901
persiste na utilização do termo e não duvida em considerá-lo um acidente
decorativo, como o plateresco em Espanha e o Luís XV em França63.
62
O referido texto terá sido publicado, pela primeira vez em 1854. Veja-se o que escrevamos
acerca de Luis Mousinho da Silva de Albuquerque e o restauro do mosteiro da Batalha, nota 1.
63
Carvalheira, Rozendo, Architecture Rápido esboceto. Da sua evolução desde as civilizações
primitivas até ao fim do século XIX, (...), p. 27.
64
Memória (...), fl. 28.
65
Ibidem, fl. 30.
66
Ibidem, fl. 34.
67
Ibidem, v. 2, est. VI. Cfr. a iconografia da igreja no v. 2 deste trabalho em : Sé da Guarda.
263
Apesar de enunciar como definição de restauro a restituição do edifício ao
estado provável em que este se encontrava quando foi concluído, não podemos
deixar de detectar no seu texto uma preferência pelo projecto inicial,
referenciada na forma de descrever as primeiras obras, no tom encomiástico
que utiliza sempre que se refere a D. João I, que aliás afirma ter fornecido a
traça do edifício. Embora não possua as provas documentais conclui que "o
projecto da Sé da Guarda, deve ter sido produto da grande escola artística que
produziu o monumento-epopeia da Batalha"68. Traça depois um quadro sobre a
propagação das formas góticas, eivado de conceitos românticos e de
referências a Viollet-le-Duc, referindo-se às poderosas associações de
pedreiros-livres que irradiando dos grandes núcleos artísticos "caminhavam
cheios de ideal pela Europa (...). Esta irradiação e esta disciplina explicam a
unidade de estylos por épochas que se observa em todos os monumentos, que
nos vários paizes deixou esse fulgido e pujantíssimo período de trez séculos,
em que predominou a arte ogival"69.
A Sé da Guarda apresenta algumas semelhanças com a igreja do mosteiro
da Batalha, como tem sido notado pela historiografia de arte portuguesa.
M. Tavares Chico refere-se ao templo da Guarda como o que mais se
aproxima da igreja do mosteiro da Batalha, apesar da falta de elegância do
primeiro relativamente à segunda. Nos dois exemplares as capelas poligonais
da cabeceira comunicam por passagens, a nave central é amparada por
arcobotantes e os contrafortes são coroados de agulhas. Vê na estrutura da
nave central da Sé uma versão manuelina da nave da Batalha e nos transeptos
de ambas encontra o mesmo tipo de composição apesar das ligeiras alterações.
Na ábside nota diferenças na iluminação, uma vez que na igreja beirã apenas o
andar superior é iluminado por frestas, mas estas até um terço da altura total
conservam as "grilhagens", os arcos trilobados e os colunelos esguios das
janelas da Batalha. Já nas estreitas frestas dos absidiolos, de arco de volta
perfeita, encontra uma solução de tipo arcaizante, e nas janelas das naves, com
o mesmo perfil vê a alteração das características da arquitectura nacional do
século XIV e princípios do século XV70. Chico interroga-se mesmo se Pêro e
Filipe Henriques (filhos de Mateus Fernandes) que trabalharam nas obras da
catedral da Guarda no bispado de D. Pêro Vaz Gavião (1504-1517), teriam
contribuído para aumentar a semelhança entre as duas igrejas, ou se pelo
contrário, teriam procurado imprimir um sabor diferente ao projecto de D.
68
Ibidem, fl. 27.
69
Ibidem, fl. 27-28.
70
Chico, Mário Tavares, A Arquitectura Gótica em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1968,
p.106, nota 79 e 178-181, (2a edição), a Io edição é de 1954.
264
João I, dada a época avançada em que trabalharam. As perguntas ficam sem
resposta e os autores que escreveram posteriormente a M. Tavares Chico
pouco avançam neste campo uma vez que a Sé da Guarda ainda não foi objecto
de um estudo monográfico recente.
Responder às questões levantadas por Chico não é o objectivo deste
trabalho. Mas o estudo do restauro pode esclarecer alguns aspectos porque
supomos que as semelhanças com a igreja da Batalha, que existiam sem dúvida
e foram notadas por Rosendo Carvalheira, devem ter sido acentuadas pelas
obras de restauro. O arquitecto encontrou paralelismos nas duas construções e
partiu do princípio que a traça inicial foi enviada por D. João I, "senhor da
obra" nos dois casos. Já notámos uma certa preferência pelas obras
relacionadas com este rei, em detrimento da construção da fachada e do seu
portal manuelino.
Devemos evidenciar aqui o estado calamitoso de elementos fundamentais
para a comparação estilística das duas igrejas, como as frestas e janelas da
cabeceira, os vão da nave central, os arco-botantes e os contrafortes coroados
por agulhas, ou seja, os elementos que imprimem ao edifício os aspectos mais
evidentes do seu perfil, a imagem retida por um leigo em matéria de
arquitectura medieval. Pensamos que as obras de restauro acentuaram esse
perfil, aproximando ainda mais os dois templos não na sua planimetria e no
arranjo fundamental dos seus alçados, mas naqueles aspectos mais superficiais
da construção que os nossos olhos registam sem esforço e por isso definem a
imagem dos monumentos.
71
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 319-320.
72
Pereira, Gabriel, A Catedral da Guarda in "Estudos Diversos", 1934, p. 349-354. (artigo
publicado originalmente em 1881).
265
2 - na fachada norte o muro da nave lateral foi rebaixado de forma a
surgirem os arco-botantes ocultos por um telhado de uma água que cobria toda
a nave (fig.6)73. Estes foram restaurados, assim como as 12 janelas maineladas
da nave central (estampa XXVIII). Os botaréus foram elevados e guarnecidos
de gárgulas e restaurou-se platibandas e pavimentos das naves colaterais (fig.
5);
3 - demolição do coro alto que ocupava 1/3 da nave (estampa XII),
equivalendo a 130 rm;
4 - restauro dos pilares das naves muito deteriorados pelo assentamento
do coro alto, do órgão e dos púlpitos;
5 - restauro do forro e botaréus do exterior da ábside sul com materiais
provenientes da demolição da sacristia anexa;
6 - rebaixamento do terreno circundante ao templo;
7 - rebaixamento do pavimento da igreja em 1,10 m; este rebaixamento
originou um desnível entre a soleira da porta principal e o pavimento da
igreja, que levou depois de 1921 à construção de 7 degraus de acesso à nave
central;
8 - restauro de bases e fustes, incluindo a construção de vários elementos
que haviam sido destruídos na nave e na cabeceira (fig. 3);
9) - refechamento de juntas no aparelho dos muros, nervuras e tambores
dos fustes;
10) - reparação de jambas, capitéis e arquivoltas;
73
Quando fazemos referência às figuras, estamos a remeter o leitor para a sua consulta no v. 2
deste trabalho, concretamente para: Sé da Guarda, p. 318-323. Quando referenciamos
estampas elas dizem respeito ao album documental da Memoria de Rosendo Carvalheira.
74
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 318-323.
75
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 318-319.
266
informação de obras que terão sofrido uma interrupção até serem retomadas
pela D.G.E.M.N., que terminou o restauro em 195776.
76
Sé da Guarda, "Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais", Lisboa,
n° 88, 1957.
267
distinguindo as partes, e a estrutura construtiva, retirando tudo o que
deturpava as coberturas e os equivalentes sistemas tectónicos. Entre a
valorização teórica da arquitectura como criação artística privilegiada, o gosto
pela arte gótica e pela sua época, e os métodos de rigor aprendidos nas obras
de Viollet-le-Duc, Rosendo Carvalheira definiu o programa de restauro da Sé
da Guarda.
268
2.3. A Sé de Lisboa: Augusto Fuschini e representação da
Idade Média
1
Fonseca, Martinho, Sé de Lisboa, "O Occidente", Lisboa, v. 35, n° 1203, 30, Maio, 1912,
p. 119.
2
Cfr. no v. 2 deste trabalho: Sé de Lisboa, p. 328.
3
Ibidem, p. 326.
269
As obras decorreram de forma lenta e com interrupções, como regista a
imprensa da época, apelando ao respectivo ministro pela conservação dos
monumentos históricos. O aspecto exterior da Sé manteve-se, em todas as suas
fachadas, como patenteia a iconografia do templo datada dos anos sequentes a
esta intervenção4. Mas a fachada ocidental desagradava e começam a surgir
ideias de a modificar. Em 1863 nas páginas de "O Conservador" escreve-se
que a varanda sobreposta à entrada principal dali deveria ser retirada, assim
como os vãos rectangulares que abriam para a mesma:
4
Ibidem, figs. 18, 23, 27.
5
Obras da Sé, "O Conservador", Lisboa, n° 384, 9, Maio, 1863, p. 2-3.
6
O n° das figuras referenciadas reporta-se sempre ao v. 2 deste trabalho e mais especificamante
ao seu Catálogo Analítico. A numeração das figuras é feita por edifício. Neste caso as imagens
referidas encontram-se assim registadas no item Fontes iconográficas da Sé de Lisboa.
7
Cfr. a referência a estes sócios e à respectiva Associação na primeira parte deste
volume.
270
Tratando-se de arquitectos do Ministério responsável pelas obras da Sé,
durante a realização das mesmas, artistas interessados pela arquitectura do
passado é muito provável que aquele projecto date da campanha decorrida
entre 1856 e 1864. Detenhamo-nos nas alterações projectadas:
271
representativo resulta em uma (ou de uma) visão cenográfica da arquitectura
que se detém na fachada, e secundariza a arquitectura como sistema construtivo
e como fenómeno de projecção nas três dimensões do espaço.
272
estudo da alteração da sacada atrás descrita fará parte a fig. 18 que não regista
o gradeamento em balaústres bem visível na fig. 5, gravura de 1817. O
projecto de restauro de Manuel José de Oliveira Cruz inclui também um
gradeamento em pedra de acordo com os coroamentos superiores do corpo
central da fachada e das torres.
Possidónio refere que alterou o estado da construção no corte longitudinal
do monumento, ao omitir no claustro a "casinhola moderna arranjada no
recanto norte, e onde se revestem os cónegos do cabido (...). Dá-se esta
omissão (...) a fim de não ficarem encobertas as antigas arcarias que decoram
o primitivo claustro e que unicamente n'este lado do edifício resistiram ás
oscilações do grande terramoto de 1755, ficando os outros lados destruídos"13.
Esta construção omitida é visível na planta de 1882 (fig.22), também resultante
dos trabalhos de Possidónio onde se verifica a existência das arcadas na ala
norte, mas também em parte da ala nascente, o que é confirmado pela fig. 33,
fotografia publicada em 1906 mas seguramente anterior às obras de restauro
do claustro sob a direcção de Fuschini, que exactamente na ala leste tinha
mandado construir uma janela para o exterior, voltada a sul, que já estava
concluída em Julho de 1906 conforme a notícia coeva de Manuel Monteiro,
que à data visitou as obras da Sé14.
A idealização do levantamento deve ser sublinhada, não só porque nos
indica aspectos da construção que não correspondem à realidade, mas porque é
um sintoma do que poderemos chamar de vontade de monumento histórico,
que muito corresponde à definição de valor histórico proposta por Riegl. Este
valor é tanto maior, como já observámos 15 , quanto menores sejam as
alterações efectuadas, factor incómodo porque aquele valor reside no facto de
o monumento representar uma determinada etapa na evolução de qualquer
campo criativo. Este quadro mental é apresentado pelo próprio J. P. Narciso
da Silva, quando escreve a propósito da fachada ocidental:
"(...) e ate de futuro quem visse o alçado com tão grave defeito julgaria
que ao artista que delineara esse grandioso edifício medieval faltavam os
conhecimentos architectonicos e por isso encorrêra n'um reprehensivel erro,
ficando a sua memória deslustrada sem razão"16.
13
Idem, ibidem, p. 8. Sublinhado nosso.
14
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 325-326.
15
Cfr. o que escrevemos sobre o conceito de monumento histórico e os seus valores na parte 1
deste volume.
16
Idem, ibidem, p. 8.
273
A ideia de Possidónio transmite não só a vontade de registar o passado
arquitectónico "correcto", como a de deixar para ao futuro a imagem intocada
dessa correcção.
O culto dos monumentos históricos é um extraordinário exemplo da
complexa relação entre a realidade física e a realidade virtual e é também por
essa motivo que pensamos que a prática do restauro, de forma muito diferente
da arquitectura revivalista, não pretende ser um processo artístico, ou seja, um
processo que decorre da invenção, mas sim um processo mental que decorre da
reconstrução do mundo, neste caso da reconstrução do passado.
274
1886. José Maria Nepomuceno restaurou também o túmulo de D. Dinis e o
Mosteiro de S. Vicente de Fora e emitiu um parecer sobre a forma como
deveria ser terminado o mosteiro dos Jerónimos, que lhe foi requerido por
Pedro Romano Folque em 1895. Tinha pois uma prática de restauro
considerável e tal como nas transformações que imprimiu no convento da
Madre de Deus apresenta, neste projecto para a fachada da Sé de Lisboa uma
solução de gosto cenográfico, possível de figurar em cenário de ópera. A
principal alteração proposta é ao nível dos coroamentos e do óculo17.
Remata superiormente o corpo central e as torres laterais por merlões
rectangulares e lisos e transforma o óculo em rosácea de complicado desenho
interno e recorte exterior estrelado. No círculo periférico do vão adopta uma
solução decorativa em fiada de losangos, que é glosada no arco do portal e nos
arcos das aberturas das torres destinadas aos sinos. Projecto ingénuo, nele, e
mais uma vez, se representam as duas épocas medievais da construção da
igreja. Através do recorte acastelado conferido pelos merlões que o autor
conhece da Sé Velha de Coimbra faz a amostragem da época românica sóbria e
guerreira, e através da rosácea "festiva" representa o esplendor da época
gótica.
275
exemplo do estilo românico em Portugal que conjuntamente com a Sé Velha de
Coimbra e a Sé da Guarda deveria ser considerado como monumento
românico de relativa importância. Edifícios modestos, muito alterados por
obras posteriores à sua primeira construção, só a Sé Velha tinha merecido um
consciencioso restauro. A catedral de Lisboa apresentava uma tão profunda
ruína no templo e no claustro que as obras empreendidas deveriam ser
designadas de "dispendiosa reconstrução " mais do que "simples e económica
restauração"19.
A Sé é merecedora de reconstrução, apesar da falta de valia artística e das
alterações sofridas, porque representa "a primeira egreja do país na ordem da
hierarquia eccleseastica e é a catedral de uma grande cidade da Europa"20.
É esta a motivação em que assentam os projectos de Fuschini: conferir
dignidade arquitectónica à catedral, que não se cansa de repetir ser de estilo
pobre, construção ordinária, quer na escolha quer na disposição dos materiais,
de pobreza ornamental, enfim um edifício que não exigiu de certo planos
muito estudados e completos.
A fundação deveria ser atribuída a D. Afonso Henriques, logo depois da
conquista de Lisboa em 1147 e o templo estaria concluído em 1150, o que não
custava a acreditar porque em três anos "não seria grande a dificuldade em
elevar um edifício d'essa natureza"21.
Perante tal descrição e conclusões hesitamos entre levá-las à conta de
ignorância - Fuschini considera a catedral da Guarda coeva da de Coimbra e da
Sé da Lisboa - ou em enquadrar aquelas considerações no estado do edifício à
data do seu restauro: os pilares estavam cobertos de pinturas de mármore
fingido, a nave central tinha cobertura de madeira e estuque, as naves laterais
eram cobertas por abóbadas de tijolo, inúmeras e descuidadas construções
ocultavam as fachadas laterais, o estado do claustro era caótico, encoberta que
estava a sua estrutura por várias construções, etc.22.
O autor classifica estilisticamente o templo do estilo românico secundário,
que floresceu na Europa no século XI, e define a planta primitiva com
transepto saliente e deambulatório sem capelas radiantes. O alçado da fachada
não era muito diferente do que a igreja então apresentava, na sua estrutura de
corpo central mais baixo, ladeado por duas torres, embora os vãos,
coroamentos, portal e arcadas tivessem sido alterados antes do terramoto de
19
Fuschini, Augusto, A Arquitectura Religiosa na Edade Media, Lisboa, Imprensa Nacional,
1904, p. 141-142.
20
Idem, ibidem, p. 142.
21
Idem, ibidem, p. 146-147.
22
Idem, ibidem, p. 162-163 e 165-166. Cfr. também os elementos descritivos e iconográficos
registados no v. 2 deste trabalho, p.324-362.
276
175523. Para constatar este facto Fuschini aponta o desenho gravado por Le
Bas (fig. 4) que representa a igreja arruinada pelo terramoto, como prova de
que todas aquelas alterações já existiam na primeira metade do século XVIII.
A antiga catedral de D. Afonso Henriques conduzia à elaboração de um
projecto de restauro que tornava patente a "severa solennidade do estylo e o
aspecto de força, que nunca perderam as grandes e massiças torres da Sé
(...)"24. Depois de enumerar a série de construções posteriores à edificação
inicial, adjacentes aos muros da catedral, afirma:
23
Idem, ibidem, p 150.
24
Idem, ibidem, p 151.
25
Idem, ibidem, p 161.
26
Idem, ibidem, p 164.
27
Idem, ibidem, p 165.
277
O estado da Sé era lastimoso e a "reconstrução e restauração mais ou
menos radical do antigo monumento é, portanto, quasi um dever de
patriotismo"28.
Augusti Fuschini nunca pensou em restaurar a igreja devolvendo-lhe o
aspecto primitivo, mas sim em construir uma catedral cuja fábrica estivesse de
acordo com a importância eclesiástica da Sé e com a sua situação na capital do
reino, que demonstrasse uma fisionomia românica, por um lado, mas também
gótica, porque alguns elementos dessa época estavam bem conservados.
Estamos perante uma situação pouco comum no âmbito do restauro realizado
em Portugal até à data se exceptuarmos o projecto de Korrodi de reconstrução
do arruinado castelo de Leiria (1898)29. Com maiores ou menores equívocos,
tendo em maior ou menor grau a consciência da impossibilidade de retomar
totalmente as formas pristinas, em todos os restauros dos grandes edifícios
religiosos - mosteiro da Batalha, Sé Velha de Coimbra, Sé da Guarda - os seus
autores procuraram, quase sempre, o arranjo original. Também nas
construções de menor dimensão e em programas de reconstrução menos
ambiciosos emerge a ideia de restaurar de acordo com o "estilo primitivo". E
certo que Fuschini tinha diante de si uma igreja mais transformada do que
nenhuma, mas a sua convicção explícita de que a construção românica
correspondia a um edifício de fracas dimensões, pouca qualidade construtiva e
de um quase total empirismo arquitectónico foi sem dúvida nuclear nos
projectos que desenvolveu. Convicção ou resolução? Permanece a dúvida se a
observação que faz da Sé depreciou demasiadamente a arquitectura primordial
do templo para poder optar por um programa de total transformação,
pontuando a cidade, no seu edifício virtualmente mais prestigiado com uma
criação pessoal.
Joaquim de Vasconcelos visitou a Sé em Junho de 1905 e refere que a
reintegração do templo era muito fácil do ponto de vista arqueológico, mas do
ponto de vista construtivo equivalia a uma obra nova e onerosa. Os capitéis das
colunas que sustentavam a antiga abóbada tinham desaparecido quase todos,
incluindo os do triforium refeitos em estuque. Vasconcelos vê no lance norte
do claustro a sua parte mais antiga, como já registara J. P. Narciso da Silva e
compara os perfis das nervuras das abóbadas daquela ala com os elementos
correspondentes da Sé e de Santa-Clara-a-Velha de Coimbra. Não obstante a
desordem que o catedral de Lisboa apresentava, J. de Vasconcelos considera
que a charola, claustro, e capelas anexas "são interessantes e devem ficar muito
28
Idem, ibidem, p. 164.
29
Cfr. o que registamos sobre este projecto no v. 2 deste trabalho.
278
bem com a elegante ossatura dos arco-botantes (...) á vista (...). Seria muito
lindo, se o claustro não envolvesse tudo e impedisse a vista d'esse systema
radial, do lado da rúa"30. O autor sublinha o carácter "ogival" que a Sé
adquiriu no século XIV e, crítico acérrimo de Fuschini e do restauro que então
decorria, não pode deixar de criticar as "descobertas" daqueles elementos que
o engenheiro proclamava nas páginas da "Ilustração Portuguesa" em 1905:
"Estava tudo á vista desde que conheço a Sé (1870)"31.
Um dos objectivos da visita à catedral de Lisboa de Joaquim de
Vasconcelos era a procura de elementos, no claustro, que podessem ser
tomados como modelos do restauro do claustro da Sé Velha de Coimbra, que
então se realizava sob a direcção de A. A. Gonçalves32. A emulação entre os
dois restauros não será alheia às observações citadas de Vasconcelos, que
escreve em seguida: "A provincia ensinou mais uma vez á capital o caminho da
honra, da probidade scientifica, e artistica, da iniciativa corajosa, que pondera
com critério (...)"33. Devidamente enquadrado o texto de Vasconcelos é um
documento sobre o estado da Sé, aliás os detractores de Fuschini são muitos,
como veremos.
30
Cartas de Joaquim de Vasconcelos para António Augusto Gonçalves, n° CLXVIII, Porto,
Marques Abreu, p. 192-193.
31
Idem, ibidem, p. 193.
32
Cfr. o que escrevemos sobre o restauro da Sé de Coimbra em capítulo específico.
33
Idem, ibidem, p. 194.
34
Fuschini, Augusto, A Arquitectura Religiosa na Edade Media, (...), p. 270-274.
35
Viollet-le-Duc, Eugène, S./v. Restauration, "Dictionnaire Raisonné de FArchitecture
Française de XI au XVIéme siècle", Paris, v.8, 1868.
279
Viollet-le-Duc, pelas intervenções mais conhecidas que realizou, como a de
Notre-Dame e da Sainte-Chapelle de Paris, da catedral gótica de Clérmont-
Ferrand, onde inventou uma fachada gótica e de Saint-Sernin de Toulouse que
reconstitui totalmente nos coroamentos, procurando em todos estes exemplos
uma uniformidade estrutural e decorativa36.
Quando se processava e discutia o restauro do templo do mosteiro dos
Jerónimos em 1879, A. Fuschini defendera a substituição da capela-mor por
considerar aquele elemento "horrível e discordante"37.
Depois de concluída a reconstrução da capela de Bartolomeu Joanes,
Fuschini pretendia revesti-la interiormente de pintura polícroma, pelo que
tencionava deslocar-se à Bélgica e à Itália, onde encontraria modelos
necessários. Não chegou a realizar essa intenção por ter falecido em 1911, mas
a vontade de o fazer é elucidativa da forma como pretendia restaurar a Sé,
com elementos que ela nunca possuíra, mesmo no caso das adjunções góticas. A
catedral ficaria assim dotada e valorizada pela amostragem dos dois estilos, nos
seus aspectos mais espectaculares. Apesar da valorização que faz da sobriedade
da Batalha, da subordinação do ornamento às linhas da arquitectura, notando a
diferença entre a arquitectura da fachada da igreja de Santa Maria da Vitória e
a rica ornamentação das catedrais góticas de outros países europeus, preferindo
o monumento português, a decoração das bases e plintos que estavam
destinadas ao pórtico exterior do nartex (fig. 35), demonstram quanto Fuschini
pretendia fazer daquela entrada um elemento monumentalizado pelo
decorativismo dos seus elementos, como ele próprio sugere:
"O grande arco do vestibulo será formado por três grossas colunmas
românicas, coroadas de ricos capiteis ligados, sobre os quaes virão repousar
grandes molduras de volta inteira (...)"38.
Entre 1908 e 1911 dirigiu o corte e trabalho ornamental das bases e parte
de uma coluna, como testemunha Martinho da Fonseca 39 . Este autor
acompanha a ideia de Fuschini de enriquecer o monumento, que assim
difundiria as belezas do estilo românico, pouco conhecido entre nós e ao
mesmo tempo tornaria mais eficaz "a acção educativa e atrahiria as massas
populares, deslumbradas um pouco com a sua riqueza"40.
36
Choay, Françoise, L'Allégorie du Patrimoine, Paris, Seuil, 1992, p. 120.
37
Fuschini, Augusto, Santa Maria de Belém e o novo edifício da Casa Pia, "O Occidente",
Lisboa, v.2, n° 26, 26, Jan., 1879, p. 11.
38
Fuschini, Augusto, Lisboa, Sé, "A arte e a natureza em Portugal", Porto, v. 7, p. 95.
39
Fonseca, Martinho da, A Sé de lisboa e Augusto Fuschini, Lisboa, 1912, p. 16.
40
Fonseca, Martinho da, Sé de Lisboa, "O Occidente", Lisboa, v. 35, n° 1201, 10, Maio,
1912, p. 100.
280
O projecto de restauro da fachada ocidental que Fuschini publicou na obra
que temos vindo a referir faz parte de um conjunto cinco de desenhos
semelhantes guardados actualmente no A.H.M.O.P. e na D.G.E.M.N.. As
diferenças entre os vários desenhos são de pormenor, pelo que prestaremos
atenção ao projecto publicado por Fuschini (fig. 38) e que corresponde àquele
que pensava utilizar já que o publicou e que conduziu as obras segundo o
mesmo, como é visível em fotografia publicada em 1906 (fig. 31).
Fuschini partiu do princípio que as torres figuradas em gravuras
posteriores ao século XV não eram as originais, mas sim uma alteração
posterior a um terramoto.41 Por isso projectou para as torres uma vigorosa
animação dos muros que sublinha a sua robustez. Acentua a verticalidade
coroando as torres de balcões salientes, apoiados em matacães rematados por
merlões e, terminando em altos coruchéus, ladeados a norte por pequenas
torres pontiagudas que protegem a terminação das escadas que dão acesso às
torres. O corpo central é animado por uma rosácea, em correspondência
decorativa com a da capela de Bartolomeu Joanes, a que se segue, entre aquela
e o portal exterior da galilé, de três arquivoltas, um conjunto de onze vãos de
arco de volta perfeita separados por colunelos, galeria destinada a nobilitar o
alçado mas também a iluminar o coro alto, inspirada em elementos similares
da arquitectura românica francesa e italiana e em solução correspondente com
as janelas maineladas das torres. Ladeando a torre sul em plano recuado
mantinha-se a construção existente (fig. 10).
41
Fuschini, Augusto, A Arquitectura Religiosa na Edade Media, (...), p. 150.
42
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 327.
281
Concluiu a agulha da primeira torre, feita em cimento, porque, segundo
elle, as paredes não supportavam o peso da pedra! No pináculo I anjo!
Está lançado á torre da outra banda.
Simultaneamente principiou o desrestauro da charola. Que critério, que
desenhos, que plástica, que berundanga! Pae dos céus !!!
Foi-se ao claustro e na testeira da ala oriental, voltada a sul, abriu uma
janella phantastica para a rua!...
Creio que para arejar!...
Uff'43.
43
Carta da Manuel Monteiro a António Augusto Gonçalves datada de Junho ou Julho de 1906
e publicada por Madahil, António Gomes da Rocha, Bibliotecas e arquivos: a questão dos
papéis de Braga, Coimbra, sep. do "Arquivo Coimbrão", v.25, 1970, p. 26-27;
44
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 327.
282
3) o muro norte do transepto era liso, sem a animação das arcadas-cegas
que hoje possui.
Em vez da rosácea hoje existente no mesmo muro, também projecto de
Fuschini, o óculo não apresentava qualquer decoração;
45
Cfr. Gordalina, Maria do Rosário, As obras realizadas na fachada ocidental da Sé de Lisboa
no séc. XIX, Critérios de intervenção, Lisboa, 1987 (trabalho policopiado existente no
A.H.M.O.P.). No título deste trabalho refere-se o século XIX o que corresponde a um lapso,
uma vez que a autora trata das obras realizadas no século XX por Fuschini e António do
Couto.
46
Sequeira, Matos e Brito, Nogueira de, Sé in "Guia de Portugal. Lisboa e Arredores",
Lisboa, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1924, v. 1, 278-282,
47
Silva, Augusto Vieira da, A Sé de Lisboa in "Lisboa Antiga" (Júlio de Castilho), Lisboa,
v.5, 2a edição, 1936, p. 52 e 37.
48
Gordalina, Maria do Rosário, O.c, p. 17. A autora apresenta uma fotografia (fig. 52) pouco
perceptível, referindo que os fustes foram totalmente demolidos. A fotografia é da
D.G.É.M.N. e não nos foi possível reproduzi-la, uma vez que quando requeremos a sua
consulta, não estava disponível.
283
que foram retomadas em 1946 e em 1952, tendo-se alterado a disposição do
corpo central da fachada, obra dirigida por António do Couto e retirado
definitivamente o coroamento das torres da autoria de Fuschini, substituíndo-o
por fiadas de merlões, e concluído as obras do restauro49. Estas intervenções
são realizadas já sob a administração da D.G.E.M.N. criada em 1929,
ultrapassando o nosso inquérito e seguindo critérios de restauro que necessitam
de uma análise distinta porque pertencem a um quadro temporal e mental
específico que não cabe desenvolver neste trabalho.
49
Gordalina, Maria do Rosário, O.c, p. 19-20.
50
Silva, Augusto Vieira da, A Sé de Lisboa in "Lisboa Antiga" (...), p. 55-56.
51
Silva, Augusto Vieira da, A frontaria da Sé de Lisboa, "Bazar das Letras das Ciências e das
Artes", Lisboa, v.4, n° 8, 16, Agosto, 1947, p. 4.
Do mesmo autor v. também: As malfeitorias na Sé de Lisboa, "Olisipo", Lisboa, n° 39, 1947,
p. 118-124.
284
dividindo o país em três circunscrições52. Os estudos que António do Couto
desenvolvia para o restauro da fachada contavam seguramente com a
documentação gráfica e escrita daquele Conselho, de que Augusto Fuschini
fora vogal e presidente. Vieira da Silva colaborava com o arquitecto no estudo
para as obras53.
Estes dados devem equacionar-se com o desenho do alçado da fachada
ocidental (fig. 28) que apresenta aquela solução - rosácea aplicada em
paramento reentrante, antecedida de um terraço separado do arco do portal
por merlões assentes em cornija sobre arquinhos - em vez da outra publicada
por Fuschini em 1904. Trata-se de um desenho datado de 1903 que fez parte
dos estudos daquele engenheiro, iniciados em 1899. A grande abertura em arco
de volta perfeita fazia fora desenhada no projecto de cerca de 1882 (fig. 21), a
que já fizemos referência. A ideia já vem de trás, como vimos, algo inspirada
na catedral de Coimbra mas também na de Évora que apresenta um terraço
entre as duas torres.
52
"Boletim da Associação dos Archeologos Portuguezes", Lisboa, v.12 n° 7, 5a série, Julho-
Setembro, 1911, p. 313. Cfr. o que escrevemos sobre este assunto na primeira parte deste
volume.
53
Gordalina, Maria do Rosário, O.c, p. 17.
54
Idem, ibidem, p. 14-21.
285
presente, como entendeu Viollet-le-Duc ao reconstruir o castelo de
Pierrefonds, "enorme brinquedo"55 nas palavras críticas de Anatole France.
55
Citado por Choay, Françoise, O.c, p.121.
56
S./.a, Restauração da Sé de Lisboa, "A Construção Moderna e as Artes do Metal, Lisboa, n°
13, 5, Julho, 1912.
57
Uma nova pesquisa poderá ser feita quando todo o espólio do antigo Arquivo do Ministério
das Finanças estiver passível de completa consulta. Cfr. nota 12.
58
Cfr. o que registámos sobre as obras setecentistas destes edifícios no Catálogo Analítico, v.
2 deste trabalho, assim como o que escrevemos na primeira parte do presente volume sobre o
gosto e a prática da arquitectura neo-medieval no século XVIII português.
286
A hipótese levantada detém-se no campo da sugestão, mas não quisemos
deixar de a colocar por constituir um indício que apela a uma investigação
futura.
287
2.5. O Convento da Madre de Deus: um exemplo ambíguo
1
Ortigão, Ramalho, O Culto da Arte em Portugal, Lisboa, 1896, p. 19-20.
2
Cfr. o Catálogo Analítico no v. 2 deste trabalho: Convento da Madre de Deus.
3
Silva, Francisco Liberato Telles de Castro, Mosteiro e egreja da Madre de Deus.
Monographia, "Boletim da Associação dos Conductores de Obras Publicas", Lisboa, v. 3, n°2,
1899, p.39-40
4
Guimarães, J. Ribeiro, O Mosteiro da Madre de Deus I, "Artes e Letras", Lisboa, n°3, p.
45.
288
Em 1862 Vilhena Barbosa aprecia a igreja, lamentando que as obras
sequentes ao terramoto de 1755 não atendessem à conservação das "antigas
feições" que na reedificação perderam as "galas do estilo gothico"5. É com
satisfação que em 1869 se descobre sob a parede, junto ao portal então
existente o pórtico de "gosto ghotico portuguez de (transição)"6. Registe-se a
imprecisão da nomenclatura que classifica como gótica a gramática decorativa
do século XVI, apesar de a categoria artística estilo manuelino ter sido
enunciada por A. F. Varnhagen em 1842 quando escreveu em "O Panorama"
uma sequência de artigos sobre o mosteiro dos Jerónimos7.
O termo foi difundido por Garrett, mas a sua utilização corrente parece-
nos muito mais tardia, porquanto continua a preferir empregar-se gótico
florido, gótico português de transição, etc. até Joaquim de Vasconcelos lançar
o debate negando a existência de um estilo manuelino em 18828, num contexto
mais geral de polémica sobre a originalidade da arte portuguesa, que a
Exposição de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola suscitou aquém e além
fronteiras9. A resistência à aceitação do termo dever-se-à principalmente ao
atraso da cultura artística em Portugal, uma vez que o gosto pela arquitectura
associada ao reinado de D. Manuel é um fenómeno de grande aceitação na
sociedade portuguesa de oitocentos.
Na mesma altura que era descoberto o pórtico da igreja da Madre de
Deus executavam-se importantes obras de restauro e transformação no
mosteiro dos Jerónimos, cuja acentuada polémica e vasta divulgação na
imprensa gerou um clima favorável ao exacerbamento do gosto pelas
construções manuelinas.
A cargo do Ministério das Obras Públicas o restauro do convento Madre
de Deus foi dirigido por vários funcionários daquele organismo do governo.
Quando o portal foi descoberto a direcção pertencia ao engenheiro Vitor
5
Vilhena Barbosa, I. de, Convento da Madre de Deus, "Archivo Pittoresco", Lisboa, v.5, n°
42, p. 333.
6
Convento da Madre de Deus e Asylo de D. Maria Pia, "A Revolução de Setembro", Lisboa,
n°8234, 17 Nov. 1869, p. 1.
7
França, José-Augusto, A Arte em Portugal no século XIX, Venda Nova, Bertrand, v. 1, p.
383, (3a edição).
° Vasconcellos, Joaquim de, Historia da Arte em Portugal (sexto estudo). Da Architectura
Manuelina, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1885. Este título corresponde à publicação de
uma conferência realizada no âmbito da Exposição Distrital de Aveiro - Relíquias da Arte
Nacional, que Vasconcelos organizou em oposição à grande exposição portuguesa e espanhola
de Lisboa.
9
Cfr. Rosas, Lúcia Maria Cardoso e Pereira, Maria da Conceição Meireles, Arte e
Nacionalidade - uma proposta de Yriarte a propósito da Exposição de Arte Ornamental
Portuguesa e Espanhola de 1882, "Revista da Faculdade de Letras, História", Porto, 2 a série,
v.8, 1991, p. 327-338.
289
Lecoq e ao arquitecto José Maria Nepomuceno. A este último se deve o
restauro da fachada que incluiu a colocação do pórtico encontrado no local
onde existia um portal posterior, e o seu respectivo restauro, a abertura de
janelas, ao nível do rés-do-chão, de gosto manuelino, o perfil dos vãos do
primeiro andar, o coroamento superior realizado como uma platibanda
recortada em motivo de flor-de-lis sobre o qual se inscrevem vários símbolos:
a cruz de Cristo, escudos, e inevitavelmente o pelicano e a rede de pescador,
"empresas" de D. João II e de D. Leonor, respectivamente10.
José Maria Nepomuceno encontrou suporte iconográfico para a
remodelação da fachada sul, no retábulo de Santa Auta, à época das obras
guardado na sacristia11, que representa a chegada das relíquias da santa ao
mosteiro, enviadas pelo imperador Maximiliano a D. Leonor em 12 de
Setembro de 151712.
Na representação destaca-se um portal manuelino profusamente decorado,
um medalhão semelhante às peças de majólica fabricadas pelos irmãos Delia
Robbia e mostra-se parte do coroamento da platibanda, recortada com o
motivo da flor de lis, o emblema da rainha, e ao fundo, um promenor do Tejo
onde deslizam dois barcos13.
Pais da Silva chamou a atenção para a ausência de escala no portal,
platibanda e pináculo e para o facto da visão do rio poder ser atribuída à
acentuada curva do rio que foi absorvida pelo assoreameto da margem direita,
embora admita um certo exagero por parte do artista que assim registava a
chegada das relíquias por via marítima14. Concordamos mais com esta segunda
hipótese cuja motivação simbólico-narrativa nos parece evidente.
A proporção do portal no retábulo deve ser atribuída ao seu valor como
símbolo, tanto no quadro - é o centro da composição porque é por ele que as
relíquias entram no mosteiro, nobilitando-o - como no mosteiro, porque as
entradas das igrejas estão sempre carregadas de sacralidade e por isso são
monumentalizadas. Na Madre de Deus, como é regra nos conventos femininos
10
Guimarães, J. Ribeiro, O. c, 46 e n°4 p. 50-51, n°5, p.70-72; Silva, Francisco Liberato
Telles de Castro, O.c, p. 40
Sobre as restantes obras dirigidas por José Maria Nepomuceno veja-se o v. 2 deste trabalho :
Convento da Madre de Deus. De momento apenas nos interessa reflectir sobre a opção do
desenho da fachada sul do mosteiro.
11
Convento da Madre de Deus e Asylo de D. Maria Pia, (...), p.l. Actualmente o retábulo
encontra-se no M.N.A.A..
12
Dias, Pedro e Serrão, Vítor, A pintura, a iluminura e a gravura dos primeiros tempos do
século XVI in "O Gótico", "História da Arte em Portugal", Lisboa, v. 5, Alfa, 1986, p. 119.
13
Cfr. no v. 2 deste trabalho a iconografia do mosteiro em: Convento da Madre de Deus.
14
Cfr. Silva, Jorge Henrique Pais da, A arquitectura no retábulo de Santa Auta in "Páginas de
História de Arte, 2, estudos e ensaios", Lisboa, Editorial Estampa, 2a edição, 1993, p.87. Este
texto foi publicado originalmente em 1972 pelo Ministério da Educação Nacional.
290
já na época gótica, não existe portal ocidental. Nestas igrejas "o portal maior,
o de serviço público, é lateral e decora-se porque, então, um convento
feminino é sempre casa de mulheres nobres, muito integrada na socidade"15
como escreveu C. A. Ferreira de Almeida a propósito da igreja de Jesus de
Setúbal, cuja construção [ 1491 -1496]16 terá começado poucos anos antes da
fundação do mosteiro de Madre de Deus (1509).
O portal figurado no retábulo, está inscrito entre duas colunas torsas
rematadas por pináculos de igual perfil, adossadas à parede, numa composição
arquitectónica e decorativa muito semelhante à que foi adoptada em
exemplares da arquitectura manuelina como o pórtico ocidental da matriz da
Golegã e a porta principal da Sé da Guarda.
Não podemos saber se o portal da Madre de Deus era exactamente assim
ou se foi alterado na sua representação. Quando foi encontrado sob a parede
não era esse o seu estado, como nos indica um periódico da época: "(...) tem
ido pondo a descoberto aquela magnifica obra de achitectura, a que so
parecem faltar duas columnas lateraes que pouca beleza davam a obra. Coisa
averiguada a ser aquelle o pórtico da igreja velha, que existe representado
num magnifico quadro da sacristia, de que é assumpto a chegada de Santa Alta
(sic) ao convento da Madre de Deus.
É possivel que as duas columnas que alli se vem e não aparecem no
escavamento 17 , tenham sido pintadas como necessidade de composição
pictórica ou para effeito d'esta, quebrando a monotonia da parede do edificio e
não porque realmente existissem, pois que mal se compreende como não se
encontrem vestígios delias"18.
Nas obras dirigidas por José Maria Nepomuceno, restaurou-se o portal
com as colunas torsas tal como estão representadas no retábulo. A pintura
forneceu a necessária definição cronológica e estética para a reconstituição
oitocentista da fachada sul do mosteiro poder optar por uma linguagem neo-
manuelina.
Não sabemos se as colunas realmente existiram no portal primitivo, mas
interessa-nos sobretudo registar que inspiraram o restauro, embora no
retábulo pareçam nascer ao nível do chão, como acontece na matriz da Golegã
enquanto na obra do século XIX se apoiam em altos plintos que acompanham a
deslocação da entrada para uma cota superior, através de degraus, como aliás
15
Almeida, C A . Ferreira de, A Igreja de Jesus de Setúbal, Porto, sep. da "Revista da
Faculdade de Letras", 2a série, v. 7, 1990, p.271.
16
idem, ibidem, p. 269.
17
Sublinhado nosso.
18
Convento da Madre de Deus e Asylo de D. Maria Pia, (...), p.l.
291
já acontecia depois das reformas pombalinas. A elevação da entrada ficou
certamente a dever-se à proximidade do rio que no Inverno devia causar
estragos no mosteiro. Em 1862 a entrada da igreja, já com degraus, era
precedida, como grande parte da fachada, de uma plataforma gradeada que a
protegia de possíveis inundações19.
19
Veja-se no v. 2 deste trabalho a iconografia do mosteiro em : Convento da Madre de Deus.
20
Ortigão, Ramalho, O.c, p.19.
21
Veja-se o v. 2 deste trabalho: Jerónimos (Mosteiro de Santa Maria de Belém)
22
Ortigão, Ramalho, O.c, p. 18-19.
292
contrafortes, tornando impensável que na construção primitiva tivesse existido
alguma quebra dessa unidade23.
É importante conhecermos esta opinião de J. M. Nepomuceno para um
melhor entendimento do esquema que adoptou na fachada do edifício da
Madre de Deus.
Embora na época se tenha afirmado que Nepomuceno se aproximou
quanto pode do edifício representado, na reconstrução das "janellas baixas que
são de ponto subido"24, a verdade é que o o desenho do seu alçado nada tem
em comum com os vãos que figuram no retábulo que, além do mais,
apresentam todos, entre si, um perfil diferente.
As janelas recortadas em arcos trilobados glosam o esquema do portal e
nele se inspirou o arquitecto para as delinear. Superiormente são rematadas
por quatro segmentos de arco unidos em três vértices, tal como se apresenta o
coroamento do portal, mas nas janelas o esquema decorativo foi reduzido a
essa forma geométrica, equanto no pórtico se encontra preenchido por escudos
e soluções decorativamente mais ricas, nos vértices que unem os segmentos dos
arcos25.
Nos vãos rectangulares do primeiro andar que necessitaram de uma
solução mais económica26, foi mantido o perfil, desta vez enquadrado por uma
moldura de finos toros aplicada no dintel superior e nos colunelos laterais,
recortados superior e inferiormente por modenaturas sugeridas por capitéis e
bases manuelinas.
O remate superior do edifício concebido por José Maria Nepomuceno
inspirou-se, de certa forma, no retábulo mas alterou significativamente a
platibanda em flor-de-lis que coroa um dos corpos representado, e que Pais da
Silva identificou como sendo o coro da igreja27. Em 1924 Reinaldo dos Santos
registou que a platibanda construída no século passado é "diferente da
primitiva de que ainda há restos numa arrecadação"28.
O perfil da platibanda foi barroquisado ao ser carregado de motivos
esculpidos sobre o esquema definido pela flor-de-lis: desenhos fitomórficos,
23
Cordeiro, Luciano, As obras dos Jeronymos. Parecer apresentado á commissão dos
monumentos nacionaes em sessão de 7 de Novembro de 1895, Lisboa, Typ. Casa Portugueza,
1895, p. 21.
24
Cfr. Guimarães, J. Ribeiro, O. c, n° 4, p. 50.
25
Veja-se, no v. 2 deste trabalho a iconografia do monumento.
26
Veja-se, no v. 2 deste trabalho o item Obras em: Convento da Madre de Deus.
27
Cfr. Silva, Jorge Henrique Pais da, O.c, p. 87.
28
Santos, Reynaldo dos, Madre de Deus in "Guia de Portugal. Lisboa e arredores", v. 1,
Lisboa, Biblioteca Nacional de Lisboa, 1924, p. 319.
293
esferas, os emblemas de D. Leonor e D. João II e uma corda que une todos
estes elementos, numa sobrecarga decorativa de tonalidades neo-manuelinas.
Foi esse aliás o tom imprimido a toda a fachada que uniformizou
exteriormente a compartimentação interior, embora a planta do mosteiro
resulte de campanhas de obras que correspondem a épocas distintas29. A
uniformidade atingiu também a volumetria das coberturas que anteriormante
atingiam cotas desiguais.
Mais tarde foi construído o lanternim da igreja "segundo o estylo
desta"3».
A torre-sineira da fachada, que já existia antes das obras do século XIX,
não chegou a ser totalmente refeita como estava previsto em quatro projectos,
um dos quais assinado por José Maria Nepomuceno. Trata-se de um desenho
onde se conjuga uma decoração manuelina com uma fraca verticalidade
arquitectónica. A marcação da função de campanário e o seu destaque do
conjunto da fachada são conseguidos por um grande decorativismo da
platibanda e do remate em pirâmide octogonal, que contrasta com a
sobriedade do alçado da torre e da respectiva porta cujo recorte glosa o arco
canopial.31. Na decoração da platibanda concentram-se alguns dos elementos
utilizados no coromento geral do edifício e a pirâmide é revestida de um
motivo encordoado formando uma rede que envolve o sólido geométrico.
O projecto da fachada reconstruída corresponde a uma ideia de
uniformidade e horizontalidade que, como vimos, J. M. Nepomuceno
encontrava e apreciava no mosteiro dos Jerónimos, monumento que devia
considerar como o paradigma da arte manuelina .O ritmo dos vãos e a sua
simetria relativamente ao eixo central que é o pórtico, e a uniformização
volumétrica demonstram a intenção de conferir uma horizontalidade ao
edifício da Madre de Deus, apenas quebrada pelo campanário.
Outro projecto do qual conhecemos um desenho de 1895 apresenta
soluções equivalentes ao anterior embora proponha um arranjo diferente na
parte superior da torre-sineira, onde a platibanda atinge dimensões que a
fazem corresponder a um terceiro registo que antecede a pirâmide, igualmente
octogonal. A altura dos pináculos adossados confere ao campanário uma
verticalidade mais acentuada.
29
Cfr. o v. 2 deste trabalho: Convento da Madre de Deus.
30
Silva, Francisco Liberato Telles de Castro, O.c, p. 51.
31
Cfr. no v. 2 deste trabalho os desenhos do projecto de restauro de José Maria Nepomuceno
datados de 1871. Vejam-se também os projectos de 1895 e de 1898, e um quarto projecto sem
data com o título "Aspecto da fachada principal da igreja da "Madre de Deus" depois de
construída a torre" cujo desenho é do pintor Benvindo de Ceia.
294
Um terceiro projecto, cujo desenho está datado de 1898, foi concretizado
somente na parte inferior do seu alçado. O remate superior do portal e o
perfil do seu vão, correspondem ao alçado das janelas do rés-do-chão. Para o
andar superior do campanário, que ficou por concluir, estava projectado um
vão para os sinos inspirado no portal reconstruído por J. M. Nepomuceno.
Uma cornija sob arquinhos de sabor gótico, gárgulas e uma platibanda
semelhante à do edifício antecedem uma pirâmide octogonal cuja decoração se
limita às molduras que reforçam as arestas das faces.
Desenhado por Benvindo Ceia o "Aspecto da fachada da principal da
"Igreja da Madre de Deus" depois de concluída a torre" apresenta um quarto
projecto para a conclusão do campanário onde o alçado se divide em quatro
registos antes da pirâmide. A parte superior da torre é mais acentuada que nos
casos já referidos, porquanto o seu perímetro se estreita em relação aos
registos inferiores e a sua secção se torna circular, em contraste com a forma
paralelipipédica adoptada no restante alçado. É ainda rodeada de uma
balaustrada perfurada e tem por remate uma cornija sob arquinhos e uma
platibanda que recorda a do templo da Batalha. É um projecto híbrido que
utiliza o vocabulário manuelino nos vãos e imprime ao alçado, através da
divisão em registos e da parte superior da torre, um carácter eclético de
referências neo-góticas cuja disparidade com a fachada e com o projecto de
José Maria Nepomuceno realça o gosto pela uniformidade da primeira
proposta.
Os três últimos projectos não estão assinados. A sua autoria deve ser
atribuída aos responsáveis pela direcção das obras abaixo referidos, ou mesmo
a Francisco Liberato Teles de Castro da Silva, condutor de obras públicas que
durante largos anos trabalhou no convento, embora a sequência cronológica
dos projectos possa ajustar-se á sequência no tempo das várias direcções.
Apesar de não podermos destrinçar com segurança as respectivas autorias,
todas as propostas se ambientam no clima revivalista praticado pela
arquitectura da época, embora nos pareça que há distinções a fazer.
O projecto de Nepomuceno é o que corresponde de forma mais directa a
uma determinada visão da arquitectura manuelina, na qual são predominantes
os valores da uniformidade e da horizontalidade e corresponde também à
vontade de materializar esses axiomas estilísticos. Já os outros projectos, com
especial incidência para os de 1895 e para o que foi desenhado por B. Ceia,
correspondem ao jogo de elementos próprio da arquitectura revivalista e à sua
praxis eclética. Não esqueçamos que mais de vinte anos são andados entre o
projecto de J.M. Nepomuceno e os outros e que esse é também o tempo do
295
exercício da arquitectura revivalista em Portugal 32 , que no final de oitocentos
apresenta necessariamente propostas resultantes de uma estética muitas vezes
experimentada.
32
Embora a prática e o gosto revivalista se prolonguem no século XX e tenham sido iniciados
em Portugal alguns anos antes do projecto de José Maria Nepomuceno, é certo que entre os
meados dos anos 60 e o final do século encontramos o período da produção mais significativa
da arquitectura revivalista, a que as arquitecturas efémeras das grandes exposições do último
quartel do século forneceram mote e ambiente propício. Cfr. Anacleto, Maria Regina Dias
Baptista Teixeira, Arquitectura neo-medieval portuguesa - 1780-1924, Coimbra, 2 v.,
dissertação de doutoramento policopiada, 1992, nomeadamenta a "Cronologia dos edifícios" .
Da mesma autora consulte-se também Arquitecturas Medievais. Memória e Retorno in "O
Neomanuelino ou a invenção da arquitectura dos Descobrimentos", Lisboa, C.N.C.D.P./
I.P.P.A.R., 1994, p.58-74, Os protagonistas das arquitecturas neomedievais in ibidem, p.
103-113 e Catálogo da Exposição p. 116-278.
33
Verifique-se o exemplo do edifício neo-manuelino da Câmara Municipal de Sintra (1905) da
autoria do arquitecto Adães Bermudes.
296
mosteiro, motivadas pela instalação da Casa Pia e posteriormente de dois
museus, correspondem a uma intervenção revivalista, enquanto as obras
praticadas no claustro e na igreja, menos radicais, devem ser incluídas na
categoria do restauro34.
Na vasta obra de Viollet-le-Duc não parece haver hesitações em
classificar de restauro as intervenções na igreja da Madelaine de Vézelay ou
em Notre-Dame de Paris, mas nos casos do castelo de Pierrefonds ou do
conjunto urbano de Carcassonne a aplicação da teoria do arquitecto francês
resultou em reconstruções totais35.
Como atitude em relação ao passado a arquitectura revivalista radica no
pensamento histórico, exactamente como o restauro. O tema é semelhante: a
memória do passado e a sua relação com o presente. Mas a arquitectura
revivalista não pretende mergulhar numa reflexão sobre a história, ela quer
sim glosar elementos artísticos identificados com épocas mais ou menos
recuadas, num gosto histórico sem dúvida, que priveligia um estilo ou outro,
ou ainda vários ao mesmo tempo, referenciando épocas que por multiplicadas
razões se pretende enaltecer, mas tendo como objectivo criar maneiras
arquitectónicas contemporâneas, geradoras de novos gostos e modas.
Os elementos arquitectónicos ou decorativas dos estilos do passado
soltam-se da sua gramática e são utilizados numa sintaxe nova, não como um
restauro que reúne ou repõe peças para reconstituir um todo ideal, mas como
um jogo que se concretiza numa prática arquitectónica com apetência para a
utilização de elementos antigos, esquecendo a gramática a que pertenceram e
originando uma arquitectura moderna destinada a funções concretas.
34
Sobre este assunto consultem-se principalmente, entre outros: Anacleto, Maria Regina Dias
Baptista Teixeira, Arquitectura neo-medieval (...), v.l ; Moreira, Rafael, Jerónimos, Lisboa,
Editorial Verbo, 1987, p. 23.
35
Cfr. Foucart, Bruno, Viollet.le-Duc et la restauration in Nora, Pierre (direcção de) "Les
lieux de la mémoire IL La Nation **", Paris, Gallimard, 1986, p. 613-645; Grodecki, Louis,
La restauration du Chateau de Pierrefonds in "Le Moyen Âge retrouvé", v.2, Paris,
Flammarion, 1991, p.383-391.
297
apenas como inspiração e nunca como padrões a reproduzir. O modelo foi a
época da fundação do mosteiro, ou melhor, a arquitectura maioritariamente
praticada (ou remanescente?) nessa época.
A fachada voltada para o exterior foi entendida cenograficamente,
ocultando as volumetrias, tanto no desenvolvimento planimétrico como em
altura, e tornando o edifício um todo que se mostra, não como uma
construção do século XVI mas como uma representação da arquitectura
manuelina com os seus sinais identificativos mais imediatos - no portal, no
alçado das janelas, nos elementos decorativos da platibanda - encenando a
época da fundação do mosteiro, sem pretender reconstruí-lo. A função
religiosa da igreja e dependências foi propositadamante obliterada. Como
vimos, o conjunto arquitectónico pela riqueza artística do seu interior mudou
de função, e foi destinado a museu. Essa alteração de função foi o principio
orientador de todo a intervenção entre 1869 e 1898 como esclarecem as obras
aí realizadas36.
A inclusão de capitéis como o que causou a crítica atónita de Ramalho é
um episódio descuidado da direcção das obras. Mas é necessário notar que os
seus responsáveis estavam mais interessados em construir cenários históricos
de várias épocas que ambientassem azulejos, pinturas, porcelanas, imaginária e
altares, e que entenderam o interior do mosteiro e os seus elementos móveis
ou arquitectónicos, como objectos museológicos. O claustro que recebeu o
capitel que figura um comboio foi revestido com azulejos enxaquetados
provenientes de outro mosteiro, como aliás aconteceu em muitas dependências
do convento37
Supomos que o arranjo actual deste claustro, sobretudo no pano de
parede que divide o andar inferior do superior, assim como neste último, pela
quantidade de capitéis novos que recebeu, deve atribuir-se às obras
oitocentistas.
36
Cfr. o v.2 deste trabalho: Convento da Madre de Deus.
37
Cfr. o v.2 deste trabalho o item Obras em: Convento da Madre de Deus.
298
responsabilidade de cada uma das direcções posteriores, mas elas parecem
seguir uma orientação marcada pelas primeiras obras.
José Maria Nepomuceno (1836-1895) entrou para o Ministério das Obras
Públicas em 1865 como condutor de Ia classe e aí fez a sua carreira passando a
arquitecto em 1886, categoria a que podia ascender dentro da orgânica do
ministério. Os condutores de obras públicas e minas obtinham a sua formação
nos cursos técnicos industrial e médio. Por mérito e alguns anos de bons
serviços ascendiam à categoria de arquitectos e mais tarde de engenheiros
(1892), embora trabalhassem sob a direcção de um engenheiro chefe38.
Considerado por José-Augusto França como um arquitecto antiquado, J.
M. Nepomuceno riscou a Escola Médica de Lisboa inaugurada em 190639 e
trabalhou em obras de restauro dos mosteiros de S. Vicente-de-Fora e de S.
Dionísio de Odivelas, onde foi encarregado de restaurar o túmulo de D. Dinis
que uma obra anterior encomendada pela rainha D. Estefânia tinha degradado
significativamente40.
Os restantes responsáveis das obras da Madre de Deus foram todos
engenheiros ao serviço do mesmo ministério. Luis Vitor Lecoq (1828-1892),
coronel de engenharia, exerceu os cargos de director das obras públicas nos
distritos de Évora, Portalegre e Porto e concluiu a reedificação do asilo Maria
Pia41. Pedro Romano Folque, oficial de engenharia foi um dos protagonistas
do restauro do mosteiro dos Jerónimos em 189542. João Veríssimo Mendes
Guerreiro, engenheiro, formou-se em Paris na École des Ponts et Chaussées e
integrou em 1864 o corpo de engenharia do Ministério das Obras Públicas.
Interessado pela arqueologia publicou em 1909: Monumentos Egípcios -
Notícia sobre a sua conservação 43.
Exceptuando o último exemplo, não encontramos nos responsáveis pelas
obras da Madre de Deus nenhuma formação ou apetência especial para
efectuarem obras de restauro. Outra situação não seria de esperar no quadro
de um organismo do governo que por tradição ou atavismo manteve a
hegemonia dos técnicos formados em engenharia, mesmo nas obras de
restauro, apesar dos protestos que a Real Associação dos Arquitectos Civis e
Arqueólogos Portugueses repetia desde 1864.
38
Cfr. "Boletim do Ministério das Obras Publicas, Commercio e Industria", Lisboa, 1864 e
seguintes.
39
França, José-Augusto, O.c,. v. 2, p. 134.
40
Cfr. no v. 2 deste trabalho: Odivelas (S. Dionísio).
41
S./v. Lecocq, Luis Vitor in "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira", Lisboa, Rio de
Janeiro, 1935-1958, v. 14 p. 805.
42
Cfr. no v. 2 deste trabalho: Jerónimos (Mosteiro de Santa Maria de Belérn).
43
S./v. Guerreiro, João Veríssimo Mendes in "Grande Enciclopédia ...", v. 12, p. 865.
299
As críticas de Ramalho Ortigão em 1896 traduzem uma situação mental
que apenas no final da centúria começava a alterar-se no processo
desencadeado pela conclusão das obras do mosteiro dos Jerónimos (1895) ou
na encomenda de projectos de restauro a um ou outro arquitecto, como no
caso de Rosendo Carvalheira encarregado de redigir uma monografia sobre o
restauro da Sé da Guarda (1897). Estes casos são apenas sinais de uma
mudança que poucas vezes se fará sentir. Eles correspondem a excepções e não
devem ser encarados como elos de uma evolução consagrada no século XX.
Pelo contrário. A este assunto voltaremos com mais atenção.
300
2.6. Exemplos de restauro entre 1835 e 1929: motivações e
critérios
301
de Beja e da Madre de Deus e muitos outros templos de menor programa
construtivo2. No que respeita a arquitectura militar e civil foram restaurados a
Torre de Belém, os castelos de Santa Maria da Feira e de Leiria e os paços
reais de Évora e de Sintra, exemplos de edifícios de maior monumentalidade
que receberam intervenções mais radicais e sistemáticas, uma vez que outros
exemplares foram igualmente objecto de obras marcadas pela vontade de
manter o "carácter de antiguidade"3.
2
Cfr. no v. 2 deste trabalho as obras em igrejas como, por exemplo: Abragão, Águas Santas,
Matriz da Batalha, Cete, Coucieiro Matriz de Monção, claustros de S. Domingos, de Nossa
Senhora da Oliveira de Guimarães e de S. Bento de Santo Tirso, Rio Mau, Roriz, S. Francisco
de Guimarães, S. Miguel do Castelo de Guimarães, Santiago de Coimbra, Santiago de Antas,
Sé de Silves, Santa Maria dos Anjos de Valença, Vila Boa de Quires, Matriz de Vila do Conde,
Vilar de Frades, etc.
3
Cfr. as obras de restauro ou conservação dos castelos de Alter do Chão e Noudar no v. 2.
4
Um dos exempares de maior difusão pertence à colecção dos Manuels Roret, da
responsabilidade do francês Nicolas Roret que fundou em Paris, em 1824, uma editora
tornada famosa pela sua enciclopédia popular de tecnologia .
302
Não obstante a ausência de programas concertados e métodos definidos,
sem ensino, sem teoria e arquitectos formados na especialidade, num quadro
político e governamental em constante mutação, recebendo tardiamente uma
estrutura administrativa própria, com orçamentos flutuantes e frequentemente
escassos, tacteando, sob o enorme impulso da imprensa periódica, grande
propulsora do fenómeno em Portugal, o entusiasmo (e as verbas) de
indíviduos ou sociedades locais vocacionadas para a salvaguarda dos
monumentos, e alguns conselhos, elogios e desagravos da Real Associação dos
Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses, efectuaram-se vários restauros,
foram mantidos edifícios que ameaçavam ruína com menores ou maiores
intervenções, em quantidade apreciável para uma época de crise, de
instabilidade e também de progresso e fomento, assiduamente em antinomia
com a conservação dos edifícios do passado5.
Sobre o restauro monumentos, foi editado naquela colecção: Schmit, J.-P., Nouveau Manuel
Complet de l'architecte des monuments religieux ou traité d'application pratique de
L'Archéologie Chrétienne a la construction, l'entretien, a la restauration et a la décoration des
Églises à l'usage du Clergé, des Fabriques, des Municipalités et des Artistes, Paris, A la
Librairie Encyclopédique de Roret, 1845.
J.-P. Shmit foi Inspector dos monumentos religiosos e membro do Comité Historique des Arts
et Monuments. O autor expõe os principios adoptados por aquele Comité e o seu objectivo é
dar conselhos obtidos em 26 anos de estudos e experiência teórica e prárica a quem se ocupa do
restauro dos monumentos, como escreve na p. 1.
Existe um exemplar deste manual no "catálogo antigo" da B.M.P. com o carimbo da Real
Bibliotheca Publica do Porto. No Catálogo da Bibliotheca publica de Guimarães, datado de
1888, p. 236 é referido um exemplar daquele manual em edição de 1856.
Podemos concluir que esta obra terá sido consultada em Portugal por autores do restauro. A
sua existência em Bibliotecas públicas, larga difusão, e conteúdo coincidente com o tipo de
restauro que assiduamente se praticou em Portugal permite esta conclusão.
O célebre periódico dirigido por César Daly, em cujas páginas largamente se noticiam e
discutem os restauros praticados em França, a "Revue de LArchitecture et des Travaux
Publiques", é assinada pela B.M.P. em 1860 como consta do Relatório da gerência da Camará
Municipal do Porto no biennio de 1860 2 1861, Porto, 1862, p. 20.
5
Cfr. o que escrevemos sobre o confronto entre a vontade do progresso e a conservação do
passado na parte I deste volume.
303
pela arquitectura que se impõe como arte maior, pelas qualidades artísticas e
construtivas e pela especial capacidade de significar a época da sua construção.
6
Viollet-le-Duc, Eugène, S./v. Restauration, "Dictionnaire Raisonné de l'Architecture
Française du XI au XVIéme siècle", Paris, v.8, 1868.
7
Cfr. a análise da teoria de Viollet-le-Duc em: Torsello, Paolo, Restauro Architettonico. Padri,
Teorie, Imagini, Milão, 1994, Franco Angeli, 5a edição, p. 17-22.
304
O termo restaurar/restauração é entendido desde a década de 1830, na
imprensa periódica portuguesa como: renovar, reformar, repor no antigo
estado8. Esta definição é igualmente consagrada no Dicionário de António de
Moraes desde a sua 3 a edição de 18239. A palavra restauração continua, no
entanto, a ser utilizada no sentido mais restrito de renovação, ou seja, quando
um edifício recebe obras que cuidam de conservar o seu estado presente, ou
ainda quando é alterado por obras modernas. Esta última acepção, muito
comum na cronística dos séculos XVII e XVIII, tende a ser cada vez menos
aplicada no decorrer de oitocentos. A ideia de "repor no antigo estado" é a
que prevalece e ganha raizes. No fim do século há uma certa mudança já que o
termo adquire o claro sentido de uma intervenção arquitectónica aplicada a um
edifício parcialmente arruinado, com o objectivo de reestabelecer os elementos
destruídos. Mas nesta época já são amplamente debatidas as diferenças entre
restauro e conservação, como veremos.
8
E o que se infere da leitura das espécies da imprensa periódica que referimos em- Fontes e
Bibliografia. Sublinhado nosso.
9
Silva, Antonio de Moraes e, S./v. Restaurar in "Diccionario da Lingua Portu^ueza
recopilado de todos os impressos até ao presente", Lisboa, 3a edição, 1823.
10
Sobre esta questão da protecção e restauro, desde a antiguidade até ao Renascimento cfr
Choay, Françoise, L'Allégorie du Patrimoine, Paris, Seuil, 1992, p. 26-50.
305
Resende, admirando a cidade de Évora pelo seu passado histórico ou de
Damião de Góis descrevendo os monumentos de Lisboa.
D. Manuel mandou reformar os túmulos reais de Santa Cruz de Coimbra
e o respectivo templo, conferindo maior dignidade aos fundadores da
monarquia que, simbolicamente marcava com a arte do seu tempo e os
multiplicados emblemas do seu reinado. São também conhecidas as posturas
régias impedindo a construção entre o mosteiro dos Jerónimos e o Tejo11 e as
medidas de conservação, atribuindo competências aos arquitectos da corte, dos
principais edifícios do reino12. Outra atitude não faria sentido.Todos os
sistemas políticos necessitam conservar os símbolos da sua legitimidade.
A atitude de D. João V criando a Academia Real de História Portuguesa
em 1720 e a lei de protecção e estudo dos "monumentos antigos", fenícios,
gregos, persas, romanos e árabes, faz parte do fenómeno europeu a que
Françoise Choay chamou o "tempo dos Antiquários"13, época de interesse pelo
conhecimento das antiguidades nacionais "em que pode ser muito interessada a
glória da Nação Portuguesa", constituindo a perda desses vestígios "um
prejuizo tão sensivel e tão danoso à reputação e glória da antiga Lusitânia"14.
A consciência do prejuízo que resultaria para a glória da nação a perda
daqueles vestígios, indicia uma consciência do valor patrimonial, mas, como já
dissemos, o prestígio das antiguidades e a sua guarda tocou todos os tempos,
com a sua aura de mistério, qualidade artística ou excelência de materiais.
11
Rosa, Walter, "Elementos da estrutura urbana de Belém até ao século XVIII", in Centro
Cultural de Belém, Lisboa, 1989, p. 126
12
Viterbo, Francisco Marques de Sousa, Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos,
Engenheiros e Construtores Portugueses, Lisboa, 3 v., 2a edição, 1988.
13
Choay, Françoise, O. c, p. 51-75
14
Citado por: Paço, Afonso do, A Academia Real da História Portuguesa e a sua Lei de
Protecção a Monumentos Arqueológicos, sep. de "Anais da Academia Portuguesa de História "
Lisboa, 2a série, v.8, 1958, p. 29-32.
15
Cfr. o que escrevemos sobre estas questões na parte I deste volume.
3 06
Tomemos os exemplos de restauro mais precoces no século XIX,
exceptuando agora a intervenção no mosteiro da Batalha.
Em 1835 Francisco José Caldas Aulete, contador da Relação e conhecido
publicista, comprou em Lisboa uma série de terrenos que incluíam ruínas da
muralha medieval e o palácio dos Condes da Vidigueira. No mesmo ano a
Câmara da cidade iniciara a demolição de parte da chamada cerca fernandina e
abria novas ruas. O recente proprietário alterou o palácio que destinou à sua
residência e restaurou a torre do Condestável e o lanço de muralha adjacente
onde colocou uma epígrafe com a seguinte inscrição: "Este lanço do muro que
El Rei D. Fernando acabou em 1413 foi conservado e reparado por Francisco
José Caldas Aulete em 1840" 16 . A demolição das antigas muralhas
impulsionada pelo desenvolvimento urbanístico suscitou logo o seu restauro,
que nos indica não só a consciência de o fazer como o prestígio que acarreta a
sua realização. O encomendador refez uma obra feita por um rei.
A Câmara do Porto mandou levantar, em 1838, uma nova planta da Rua
Ferreira Borges de forma a que ficasse conservada a capela-mor da igreja de
S. Francisco, porque novas opiniões tinham surgido sobre o alinhamento
daquela rua, tendentes à conservação da cabeceira do templo17. Não são
frequentes estas informações sobre o cuidado das edilidades na conservação de
monumentos, quando o desenvolvimento urbano pressiona a abertura de novas
vias. As notícias sobre demolições são mais frequentes porque estas originam
reações da opinião pública que assiste á destruição. Cremos, no entanto que o
crescimento das cidades, a ideia de fomento e lucro tiveram mais
consequências do que as tentativas de conservação.
Em 1845 a igreja de Abragão (Penafiel), de cabeceira românica, acabou
de ser restaurada. As obras foram pagas por um residente no Brasil, natural
daquela freguesia, numa atitude que a imprensa da época classifica de "piedade
e patriotismo".
São frequentes estas doações de brasileiros destinadas a obras ou
edificação de novas igrejas nas freguesias onde nasceram, custeando a
instalação de altares, de sinos e relógios, o que frequentemente lhes assegurava
uma comenda. Mesmo ausentes no Brasil ocupam o lugar de "juiz" nas
confrarias, assegurando as contribuições para obras18.
As obras da igreja de Abragão, que ameaçava ruína, foram dirigidas por
um fiel executante das vontades do encomendador, que conservou na
16
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 101.
17
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 271.
18
Cfr. Alves, Jorge Fernandes Alves, Os Brasileiros. Emigração e retorno no Porto
oitocentista. Porto, 1994, p.296.
307
reedificação o mesmo cunho e carácter primitivo do edifício, igreja veneranda
"cuja origem pouco cede em antiga á da monarchia"19. O templo, segundo a
tradição, foi fundado por D. Mafalda, filha de D. Sancho I, facto registado em
inscrição do túmulo do abade Vaz Golias que em 1668 reformou o corpo da
igreja. Nada mais sabemos sobre estas obras, até porque a igreja foi
novamente restaurada depois de 1928, conforme mostra a fig.l20, já que nesta
altura a cabeceira se apresentava caiada nos panos dos muros, exceptuando o
embasamento, o contraforte, o friso, os cachorros e a rosácea, e o vão do
primeiro tramo era rectangular. Hoje a igreja não apresenta caiação e a
abertura rectangular foi modificada seguindo o modelo da outra fresta21.
Apesar de não ser possível saber quais os elementos atingidos pelas obras
anteriores a 1845, é significativo que a elas tenha presidido a ideia de
conservar o "cunho e carácter primitivo", tratando-se por isso de um restauro,
seguramente motivado pelo prestígio da fundadora e correspondente
antiguidade de parte da igreja.
308
construcção primitiva, empregando-se o maior desvelo para que "a par do
bello antigo" não continuem a aparecer remendos modernos, "documento de
ignorância e de falta de estima por nossas gloriosas antiguidades";
4 - sempre que seja necessária alguma obra que possa altérer as
proporções da construcção do edifício, o projecto terá de ser submetido ao
governo24.
24
Collecção de Leis e outros documentos officiais, Lisboa, Imprensa Nacional, 1840, p.7.
Sublinhados nossos.
25
Cfr. o que registamos sobre a Torre de Belém no v. 2 deste trabalho, p.383-385.
309
os pequenos balcões das fachadas norte, poente e nascente, que na gravura de
1839 surgem sem o remate que coroa a cobertura e sem a balaustrada que
depois apresentam. As edículas que ambientam as imagens colocadas nas
arestas da fachada norte, possuindo colunelos de solução muito idêntica aos do
claustro do mosteiro dos Jerónimos, parecem-nos uma cópia oitocentista.
A dúvida maior que este restauro suscita diz respeito à galeria com
arcadas, voltada a sul. Vilhena Barbosa refere em 1860 que os sete arcos da
galeria tinham estado entaipados no princípio do século26. Na gravura de
Pedroso publicada em 1861 (fig. 2) a galeria é figurada com seis apertados
arcos em ferradura, embora na imagem de 1864 (fig.3) desenhada por B.
Lima e gravada por Pedroso, se apresente com as suas sete amplas arcadas.
Será a gravura de Pedroso anterior à data da sua publicação, mostrando parte
da torre restaurada e outra por restaurar, uma vez que balcão coberto da
fachada norte é desenhado à semelhança do que surge na gravura de 1839, ou
corresponde a um desenho impreciso? A dúvida sobre o arranjo desta galeria
persiste.
Podemos, no entanto reter, que os elementos decorativos da Torre de
Belém receberam um restauro importante perto dos meados do século e que a
orientação desse restauro se pautou pelo sublinhar das características
decorativas e simbólicas das construções manuelinas e pela uniformização,
correspondência e simetria dessa decoração. Embora não pertença ao âmbito
deste trabalho, o estudo do restauro da arquitectura militar, não quisemos
deixar de fazer referência às intervenções na Torre de Belém por
exemplificarem, em data tão recuada, princípios de restauro que serão
aplicados durante todo o século, de uma forma já tão definida: uniformidade,
simetria e conformité, como a definiu L.B. Alberti: a correspondência
harmoniosa entre as diversas partes de um edifício.
26
Barbosa, Vilhena I. de, "Archivo Pittoresco", Lisboa, v.2, 1860, p. 405.
27
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 193-197.
310
elementos construtivos e decorativos foram de algum modo alterados, mas este
é um dos exemplos que demonstram a acção desenvolvida por particulares na
conservação das igrejas.
Depois de um terramoto ocorrido a 11 de Novembro de 1857, a igreja de
Jesus de Setúbal ameaçava uma possível ruina. A sua reparação, a partir de
1859 consistiu em intervenções nos telhados, abóbadas e muros da igreja. As
obras foram dirigidas pelo capelão das freiras que mandou pintar toda a
cantaria em ocre, almagre e cal com o objectivo de imitar os veios do calcário
da serra da Arrábida, material em que fora construido o edifício. Possidónio
Narciso da Silva, que visitou a igreja em 1860, não deixou de criticar esta
pintura fingida embora reconheça o mérito das obras que salvaram a igreja28.
As gravuras que representam a fachada sul da igreja não fornecem dados mais
precisos sobre estas obras, o desenho da fig. 1 é pouco seguro e a fig. 2 foi
publicada em 1860 podendo corresponder a um desenho anterior à
intervenção. O restauro da D.G.E.M.N. foi concluido quase um século depois,
em 1947, e o estado que o respectivo Boletim apresenta da igreja, antes das
obras a cargo daquela repartição, não corresponde necessariamente ao arranjo
de 1859-1860. Outras obras podem ter ocorrido. O alçado da nave sul foi
muito transformado por este último restauro, que prolongou os contrafortes,
rematou-os com cones espiralados e dotou toda a fachada de uma platibanda de
perfil à semelhança dos remates equivalentes do mosteiro dos Jerónimos.
311
O ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria foi criado em
1852, englobando uma secção técnica que tinha a seu cargo a reparação dos
monumentos nacionais, até aí sob a direcção do Ministério do reino. Mas a
grande reforma fontista de 1864, reorganizando o ministério e criando um
corpo de engenheiros, alguns dos quais foram estudar em França, é que
assinala verdadeiramente uma política de restauro mais organizada e
sistemática. No mesmo ano eram aprovados os estatutos da Real Associação
doa Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses, sociedade vocacionada,
desde cedo, para a salvaguarda do património. Estes dois factos, a que já
dedicámos atenção, assim como a multiplicação da imprensa periódica
ilustrada desde os finais da década de 1850 e da imprensa especializada, foram
decisivos para que nos anos seguintes as obras dedicadas a repor o aspecto
antigo dos edifícios, se multiplicassem também, embora, todos estes factores
tenham igualmente favorecido uma mais ampla informação, do que aquela que
existe para a década anterior.
31
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 260-261.
32
Cfr. o que escrevemos sobre esta questão na parte I deste volume.
312
engenheiro Caetano da Câmara Manuel, que mereceram o elogio formal
daquela sociedade, intervenção que terá corrigido alguns aspectos do restauro
anterior 33 . Entre a gravura publicada em 1868 (fig.l) e o desenho de Haupt
datado de 1886 (fig. 2), não encontramos diferenças na abertura de iluminação
a que se refere Possidónio, nem as fendas que este anota, embora os desenhos
não tenham escala. Devemos sublinhar que, por um lado, alguns desenhos de
Haupt publicados na sua obra de 1890, foram corrigidos na Alemanha, a partir
de esboços realizados em Portugal onde A Arquitectura do Renascimento em
Portugal foi editada e, por outro lado as fendas a que se refere Possidónio
podem ter sido reparadas, assim como o vão, antes de Haupt desenhar a igreja.
O arquitecto português já percorrera o país, depois de 1858 para proceder a
um arrolamento dos monumentos e elaborara plantas dos mesmos 34 . Já o
encontrámos em Setúbal em 1860, quando visitou a igreja de Jesus. A
descrição que faz das obras de S. Francisco e das suas consequências pode
reportar-se a essa missão, que várias vezes refere no Relatório (...). da
Comissão do Monumentos Nacionais.
As obras realizadas em S. Francisco de Évora, entre 1860 é 1862,
tiveram como preocupação a raspagem de rebocos que encobriam os silhares,
atitude louvada pela imprensa da época 35 , indiciando quanto esta vontade de
retirar o que cobre as pedras, elemento prejudicial ao valor histórico dos
monumentos, na definição de Riegl que já seguimos, faz parte da ideia de
restauro.
313
1860 e 1866, e ainda entre 1882 e 1886. O templo foi restaurado de 1868 a
187836.
As obras nos aposentos conventuais que ocupavam o designado corpo
ocidental, assim como o seu prolongamento devem ser consideradas de
arquitectura revivalista e por isso não as incluímos neste trabalho. O seu
âmbito, embora de fronteiras ténues e grande ambiguidade, como já
observámos, constitui outro núcleo de trabalho e como tal tem sido tratado
recentemente37. Atenderemos a um ou outro texto produzido no ambiente de
discussão que aquelas obras suscitaram, na década de 1890, quando a discussão
de critérios de restauro estiver patente.
No claustro, as obras começaram pela demolição dos tapumes que
fechavam os vãos do segundo piso assim como do lago que ocupava grande
parte da quadra interna (fig. 164). O provedor, José Maria Eugénio que na
altura dirigia as obras, considerava que o tanque correspondia a uma obra
realizada muito depois da construção do mosteiro, era um foco de
insalubridade, não tinha nenhuma beleza nem utilidade, discordando do clautro
e impedindo a visualização do mesmo, devendo ser substituído por um
jardim38. Depois dos projectos não realizados do arquitecto francês Colson que
neles trabalhou entre 1860 e 1863 até ao ano económico de 1869/1870, os
arquitectos não são nomeados pela Ministério das Obras Públicas, que reduz
drasticamente as verbas destinadas às obras no mosteiro. Dos arquitectos
contratados entre aquelas datas, Valentim José Correia e Samuel Bennet, que
dirigira as obras do Palácio de Monserrate, não se conhecem projectos
relativos ao claustro, sendo-lhes atribuídas obras no corpo ocidental e
respectivos torreões39.
As aberturas deixadas então nos vãos do piso superior foram ritmadas
por arcos duplos, unidos por um parte-luz com decoração espiralada, em tudo
semelhante à decoração dos fustes do piso inferior, e terminados em pináculo.
O intradorso dos arcos duplos repete o motivo decorativo do intradorso da
grande arcada que os envolve (fig. 22) e que é visível na fig. 3, anterior à
remoção dos tapumes assim como em gravura publicada em 1866 (fig. 16),
que figura o segundo piso depois de desentaipados os arcos mas ainda sem os
36
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 158-183.
37
Cfr. no v. 2 os actualizados trabalhos de investigação sobre este assunto, p. 162-163.
38
Citado por Gordalina, Maria do Rosário, As obras revivalistas do século XIX no Mosteiro
de Santa Maria de Belém in "Romantismo - da mentalidade à criação artística", Sintra, Instituto
de Sintra, 1986, p. 250;
39
Idem, ibidem, p. 252 e 257-259.
314
arcos Geminados. Nesta última gravura, em duas das arcadas do andar superior
do claustro é visível, nas respectivas jambas do lado direito, o arranque
interrompido de um arco que forneceu aos restauradores o motivo para
completar os arcos, derivando o seu arranjo das arcadas do piso térreo.
40
"Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos Portuguezes" Lisboa,
v.5, n°6. 1887 p. 96.
41
Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, Arquitectura neomedieval portuguesa - 1780-
1924, Coimbra, v.l, dissertação de doutoramento policopiada, Faculdade de Letras de
Coimbra, p. 382-385.
42
Idem, ibidem, p. 402.
315
distinto (fig. 8) imprimem ao conjunto monumental, obervado do claustro,
uma diversidade não só decorativa mas também de relação de volumes que
anteriormente não existia.
Em 1884 a sala do capítulo, que estava incompleta43 e que durante três
séculos e meio teve a função de capela44 foi destinada a receber o túmulo de
Alexandre Herculano, sendo objecto de importante intervenção durante o ano
de 1885. O pavimento foi rebaixado, completou-se a tribuna que liga a sala à
sacristia e ao piso superior do claustro, o portal duplo foi decorado
internamente e a sala foi abobadada45.
A igreja, cujas obras de restauro decorreram principalmente entre 1868 e
1878, foi alvo de dois projectos de restauro anteriores que não chegaram a
realizar-se. O primeiro do arquitecto Colson, datado de 1862 e o segundo de
Joaquim Possidónio Narciso da Silva, patente na exposição de Paris de 1867. O
desenho de Colson, previa a alteração da cobertura da torre existente (fig. 8)
e concluía a torre simétrica que se apresentava inacabada até então. As torres
mantinham o alçado oitavado, mas o paramento intermédio era elevado de
forma a receber frestas decoradas, e rematavam em flecha encimada pela cruz
de Cristo46.
As obras de restauro do templo terão ocorrido entre 1868 e 187847,
projectadas e dirigidas pelos cenógrafos Rambois e Cinatti, que trabalhavam
também na transformação do corpo ocidental do mosteiro.
A torre ocidental é tranformada atingindo uma cota consideravelmente
mais elevada que a anterior, embora mantenha o arranjo em planta poligonal e
as aberturas intercaladas por muros cegos (figas 9 e 21). O paramento entre a
chave do arco das aberturas é elevado até uma dupla cornija onde assenta a alta
cúpula, encimada por uma esfera armilar coroada com a cruz de Cristo. O
registo inferior é unido à platibanda do templo por arco-botantes decorativos e
pináculos de inspiração gótica, os vão são rematados com arco canopial, em
correspondência com o portal sul da igreja e os muros recebem símbolos
manuelinos.
O programa construtivo desta torre representa o elemento de maior
ecletismo adoptado na igreja, correspondente aos projectos de Rambois e
43
Idem, ibidem, p. 405.
44
Moreira, Rafael, Jerónimos, Lisboa, Verbo, 1987, p.18-19.
45
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 160.
46
Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, O.c, p. 367.
47
Regina Anacleto data a intervenção na igreja desde 1868, enquanto Maria do Rosário
Gordalina coloca em 1874 o início das obras. Depois de lida a documentação respectiva,
parece-nos mais correcta a datação proposta por Regina Anacleto.
316
Cinatti para o corpo ocidental do mosteiro. A sua aceitação pelo provedor da
Casa Pia Carlos Maria Eugénio de Almeida, deve pois enquadrar-se na opção
pelos projectos dos dois cenógrafos cujo claro programa revivalista se
sobrepõe à ideia de restauro.
No portal sul foi monumentalizado o baldaquino que ambienta a imagem
do Arcanjo S. Miguel (figas. 15 e 21), os contrafortes da mesma fachada
receberam um coroamento em pináculos cónicos de gosto manuelino que
ficam em nível ligeiramente inferior aos elementos correspondentes da
platibanda que, de acordo com esta, foram decorados em solução flamejante
(fig.21). Estes elementos estavam truncados antes destas obras (figas. 8, 15,
17).
Depois da derrocada da torre do corpo ocidental, em 1878, e o
afastamento de Rambois e Cinatti, a intervenção na igreja ficou interrompida,
tendo sido retomados os projectos, agora no âmbito de concurso da
responsabilidade do Ministério das Obras Públicas para a conclusão do portal
ocidental, em 189548. O enquadramento superior daquele portal fora destruído
pela demolição da "Sala dos Reis" que decorreu entre 1868 e 186949 (figas. 11
e 18).
O projecto não assinado (fig. 95), pretende nobilitar a fachada ocidental,
remata todos os elementos remanescentes com pináculos, enquadra o portal em
conjunto composto de colunas e arquivoltas em arco quebrado, profusamente
decoradas de motivos fitomórficos, e ladeado de dois fustes espiralados
semelhantes aos que enquadram os vão laterais ao pórtico sul. O espaço
correspondente ao tímpano é decorado por cabeças de anjos que emergem de
espessas nuvens. Menos delirante é o projecto de E. Augusto da Silva datado
de 1895 (fig. 20) que confere um enquadramento superior rectangular ao
pórtico, e ambienta o grupo escultório superior em sucessão de baldaquinos
flamejantes, a recordarem a ourivesaria sacra do século XV. O projecto que
ganhou o concurso é da autoria do arquitecto Adães Bermudes que
autonomizava a fachada terminando o portal em réplica do pórtico sul50.
Nenhum destes projectos foi realizado depois de levantada a polémica e
do parecer da Comissão dos Monumentos Nacionais de 1897, que
desenvolveremos depois por se tratar de um debate sobre critérios de restauro,
48
Cfr.Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, O.c, p. 392-394 e Dias, Pedro, Os
portais manuelinos do Mosteiro dos Jerónimos, "Revista do Instituto de História de Arte",
Coimbra, Faculdade de Letras de Coimbra, 1993, p. 257-308.
49
Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, O.c, p.379.
50
Não foi possível a reprodução deste projecto, cujas cópias não permitiram obter uma
imagem perceptível.
317
que embora impulsionado pelas obras dos Jerónimos, ultrapassa o restauro
deste monumento, como veremos. A conclusão das obras do templo e do
mosteiro coube já à D.G.E.M.N. em 193551.
318
as duas torres não seriam, quasi, simultaneamente vistas, ao passo que uma
torre central talvez ajudasse a disfarçar os tristes remendos da capella mór.
Isto porem não passa de uma simples ideia, aventada ca de longe, e como
prova de interesse pelo seu trabalho. Só quem vê em relevo o edifício é que
está em caso de ser a tal respeito juiz. (...)"
55
A.N./T.T., Correspondência artística e scientifica nacional e estrangeira com J. Possidónio
da Silva, t. III (8o). doe. 364, 26 de Setembro de 1868. Sublinhados de J.P.Possidónio da
Silva.
319
provenientes de Conferências internacionais, tentam resolver esta questão. Em
1932 a Carta de Atenas rejeita a cópia, a imitação e abandona a reconstituição
integral, e já em 1964 a Carta de Veneza estabelece que o restauro pára onde
começa a hipótese 56 . Estas notáveis reflexões, alterando os critérios
dominantes durante mais de século e meio, não deixam de fazer da disciplina
do restauro algo de muito complexo enquanto teoria e prática de arquitectura.
As torres do projecto de Possidónio fazem parte do campo da invenção
ou melhor da mimesis, porque o arranjo é inspirado em elementos existentes
no edifício e a torre sugerida por Varnhagen também o seria, ou mais ainda,
mas a este último não se coloca a questão de repor o edifício no seu estado
primitivo, enquanto Possidónio pensa que o pode fazer.
Na. Mémoire Descriptif du Project d'une restauration (...), Possidónio da
Silva afirma pretender fazer um restauro não somente de tudo o que foi
demolido e alterado, mas também compor a parte que nunca foi construída. As
circunstâncias particulares do templo, o seu valor histórico, o mérito da
arquitectura, o carácter original, a sua inclusão na arquitectura
"Emmanuelina", unicamente desenvolvida durante reinado do rei Venturoso,
formam um conjunto tão interessente para um arquitecto que o conduzem não
só à reparação do edifício, mas também à vontade de o completar57.
O arquitecto projectou igualmente o coroamento do portal ocidental que
estava incompleto e a cabeceira para a qual estabelece medidas porporcionais
ao comprimento das naves. Todos estes elementos têm como módulo o
templo, tanto nas dimensões como na decoração, criando um todo uniforme.
Possidónio indica as medidas dos diferentos elementos da construção,
estabelecendo as relações de proporção entre os mesmos, e estabelece a mesma
relação para os elementos novos. Desta forma, afirma, obtém um conjunto
agradável à vista e em harmonia com as dimensões que o arquitecto Boi taça
conferiu ao seu belo e magnífico edifício58.
Possidónio Narciso da Silva conhecia a obra de Viollet-le-Duc, que muito
admirava. Em 1869 a convite da Real Associação dos Arquitectos Civis e
Arqueólogos Português, o arquitecto francês veio a ser sócio correspondente
56
A Carta de Atenas de 1932 foi publicada em Portugal em "Arquitectura", Lisboa, n°s. 20 e
seguintes, 1848. Os princípios de restauro a que aludimos constam do artigo 70.
A Carta de Veneza foi publicada recentemente em: Custódio, Jorge, Salvaguarda do Património
- Antecedentes históricos. De Alexandre Herculano à Carta de Veneza (1837-1864) in "Dar
Futuro ao Passado", Lisboa, 1993, I.P.P.A.R., p.66-68, Artigo 9.
57
Silva, Le Chevalier J. da, Mémoire Descriptif du Project d'une Restauration pour L'Église
Monumentale de Belém á Lisbonne (...) Modèle fait pour LÉxposition de Paris 1867,
Lisbonne, 1867, p. 3.
58
Idem, ibidem, p. 5-6.
320
daquela sociedade59. O projecto de restauro dos Jerónimos inspira-se em obras
similares de Viollet-le-Duc cuja obra teórica começou a ser publicada em
1854, mas que desde o princípio desta década escrevia sobre os restauros que
então dirigia, em revistas que Possidónio bem conhecia e que o Boletim da
Real Associação constantemente refere, como a "Revue générale de
l'architecture"60.
Possidónio procurou no mosteiro dos Jerónimos algo semelhante à lógica
construtiva e decorativa que Viollet-le-Duc encontrou na arquitectura gótica e
nesse sentido o seu projecto é o exemplar português que mais se aproxima do
restauro praticado por este arquitecto em obras como Notre-Dame de Paris e a
catedral de Clermont-Ferrand. Os projectos portugueses do final de
oitocentos, como o de Korrodi para o Castelo de Leiria e o de Fuschuni para a
Sé de Lisboa, decorrem também da teoria de Viollet-le-Duc, mas os restauros
deste último não foram de modo algum todos orientados pelos mesmos
critérios. Os projectos de Fuschini e de Korrodi aproximam-se mais das
definições do Dictionnaire Raisonné (...) e das reconstruções de Carcassone e
Pierrefonds.
Como já sabemos o projecto de Possidónio não foi utilizado. Em
Portugal, até à década 1930 nunca é totalmente aceite nenhum projecto de
restauro moderno como o entendeu Viollet-le-Duc, na sua dupla vertente. Os
projectos unos e eruditos, pensados para concluir grandes estruturas
arquitectónicas até então inexistentes: torres, grandes abobadamentos, galilés,
etc., segundo as teorias de Viollet-le-Duc, ou seja em conformidade com o que
é remanescente do edifício e depois mimetisado, de que o projecto de
Possidónio é um exemplo, ou reconstruindo um edifício que pode nunca ter
existido, não merecem a aprovação ou se a merecem inicialmente são
transformados depois. O projecto de Korrodi para Castelo de Leiria (1898)
sofreu muitas alterações quando se passou à prática, e o de Fuschini para a Sé
de Lisboa (1902) foi amplamente alterado depois de estar parcialmente
construído.
Não há dúvida que Viollet-le-Duc influenciou explicitamente o estudo de
restauro para a Sé da Guarda da autoria de Rosendo Carvalheira (1897), mas a
utilização de critérios teorizados pelo arquitecto francês é muito diferente da
concepção de um projecto como o de Possidónio. Também sabemos que vários
templos sofreram um aumento da sua planimetria como o de Águas Santas
(1874) ou Vila Boa de Quires (1881), cuja ampliação foi feita em
59
Cfr. o que escrevemos sobre a R.A.A.C.A.P. e os seus sócios na parte I deste volume.
60
Ao percorrermos as listas de aquisições da biblioteca da Associação publicadas no Boletim
surgem constantes referências àquela publicação.
321
conformidade com o arranjo que os edifícios apresentavam, copiando. Mas
trata-se de casos distintos cujas ampliações foram motivadas por necessidades
de culto e que tentaram seguir o "estilo original" dos templos e não de
completar estruturas das quais existiam fragmentos, ou que nunca tinham
existido, mas que conferiam aos edifícios uma unidade arquitectónica ideal que
eles poderiam nunca ter apresentado num momento dado. Também não
correspondiam a verdadeiros projectos de arquitectutra, ou seja ao tratamento
da globalidade do edifício, nas suas três dimensões, como algo uno e
correspondente nas sua planimetria, construção e decoração.
Aproximemo-nos mais da questão. Os projectos de Possidónio, Korrodi e
Fuschini não permaneceram nem fizeram escola na cultura do restauro em
Portugal, entre os meados do século XIX e os príncipios do século XX, e os
projectos de cobertura das Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha
(Murphy e Haupt) ou a ideia de completar o convento do Carmo (1867,1904)
nunca tiveram a suficiente aceitação para serem realizados. No entanto os
projectos de carácter nitidamente revivalista, fantasiosos, foram aplicados no
mosteiro dos Jerónimos (corpo ocidental) e no convento da Madre de Deus, ou
seja em construções que já existiam mas que foram adaptadas a novas funções.
Este facto retira aos edifícios o seu valor documental e histórico. Já não são
encarados como monumentos mas como construções e aí, a transformação
inventiva e até festiva não se torna incómoda porque não está em causa o valor
histórico do monumento ou o seu valor de antiguidade.
A ideia de alterar profundamente o monumento histórico nunca foi bem
aceite e por isso os restauros mais elogiados são os que seguem a matriz da
autenticidade (Batalha, Mousinho de Albuquerque, Sé-Velha de Coimbra, A.
A. Gonçalves) e da procura do estado primitivo do edifício, copiando,
renovando e inventando, mas pouco. Esta matriz já vem de trás, do século
XVIII mesmo em Portugal, mas no século XIX foi sublinhada pela imensa
ponderação conferida ao valor histórico dos monumentos. Esta
sobrevalorização tornou-os algo intocáveis.
É verdade que o ensino artístico não preparava condignamente os
arquitectos, mas também é certo que quando há arquitectos capazes de
projectarem restauros completos quase ninguém os aceita, quer ou
compreende. Não é pois só uma questão de falta de ensino da arquitectura que
deve ser equacionada, mas sim uma profunda falta de cultura artística
acompanhada de um precoce, intenso e exacerbado culto pelos monumentos.
322
O restauro da igreja e claustro de Santa Cruz de Coimbra é um exemplo
de discrepância entre a legislação e outras medidas governamentais e a efectiva
realização de obras.
Em carta de lei de 30 de Março dei861 o governo é autorizado a
dispender a quantia anual de 600$000 reis no restauro e conservação do
monumento nacional de Santa Cruz, devendo as obras começar pela fachada
principal da igreja61. Dois anos depois, Lucas José dos Santos Pereira, na
época arquitecto responsável pelo restauro do mosteiro da Batalha, concluiu o
projecto para o restauro do frontispício da igreja62. Nada indica que as obras
tenham sido realizadas, uma vez que a documentação, a imprensa, a
iconografia do templo (figas 1 e 2) e as contas do Ministério das Obras
Públicas são praticamente omissas a esse respeito. As despesas apresentadas
por aquele Ministério são insignificantes, com excepção do ano económico de
1868-1869, em que os gastos se aproximam da verba atribuída e do ano de
1871-1872, em que a verba é ultrapassada63. Estes gastos deverão ser
atribuidos a obras menores. Devemos ainda notar que as contas do Ministério
referentes a Santa Cruz constituem um elemento de análise pouco seguro já
que entre 1892 e 1896, período para o qual temos uma série de informações
sobre o restauro da igreja, o registo das despesas do Ministério das Obras
Públicas apenas mencionam a mesma verba atribuída desde 1861 64 , sem
especificarem os gastos nem as obras que aliás eram dirigidas por técnicos do
mesmo Ministério.
Em 1900 regista-se que, apesar da igreja ter sido restaurada no interior, a
reparação da escultura do frontispício ficou por fazer. Ao compararmos a
iconografia da fachada ocidental publicada em 1865 e 1879 (fig. 1 e 2) com o
seu estado imediatamente anterior à recente reparação, verificamos que não
houve alteração alguma no alçado. A diferença reside no desgaste dos
materiais e no desaparecimento de alguma estatuária.
No espaço envolvente houve alterações importantes anteriores a 1865,
quando se abriu a rua do Visconde da Luz que terá conduzido a um aterro do
terreno fronteiro à fachada. Segundo Vilhena Barbosa a igreja era precedida
de um adro quadrangular, mais alto que o pavimento da praça então existente,
ao qual se acedia subindo quatro degraus. Na fig.l, que representa o local
depois da destruição do adro, vemos que a cota do terreno e a entrada da
61
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 291-299.
62
Ibidem, p, 292. A documentação do A.H.M.O.P. que regista este projecto não é
acompanhada de qualquer elemento gráfico. No mesmo arquivo não existe, catalogado,
nenhum desenho ou alçado relativo a Santa Cruz de Coimbra com a datação de 1863.
63
Ibidem, p. 294.
64
Ibidem, p. 295.
323
igreja estão ao mesmo nível o que indica que o aterro ja tinha sido
parcialmente feito. Depois de completadas as obras viárias o adro foi
reduzido, tomou a forma circular, recebeu uma grade e a rua ficou em cota
superior à entrada da igreja, pelo que o pequeno adro recebeu sete degraus
que se devem descer para entrar no templo (fig.2). Não admira pois que a
imprensa coimbrã ao longo da década de 1890, não deixe de referir as
constantes infiltrações de agua provenientes da chuvas e das cheias do
Mondego e a permanente humidade no interior da igreja que ia degradando a
decoração esculpida65.
As obras de restauro começaram sob a responsabilidade da Junta de
Paróquia que reparou arcos do claustro. Mas o restauro mais importante e
sistemático decorreu entre 1892 e 1896 e depois em 1900, dirigido por
Estevão Parada, condutor de obras públicas do Ministério e Franco Frazão,
engenheiro e responsável pela repartição do Centro do mesmo Ministério.
Com ambos trabalhava na mesma época António Augusto Gonçalves no
restauro da Sé-Velha, desentendendo-se por discordância de critérios e
competências66.
As obras começaram na capela-mor, foi retirada a espessa camada de cal
e os túmulos de D. Afonso Henriques e D. Sancho I foram reparados. O arco
triunfal, que estava coberto por uma armação de madeira, tinha sido
parcialmente destruído e, segundo Estevão Parada, restavam vestígios de
colunelos partidos e da cantaria do topo do arco. Os capitéis tinham sido
também partidos. Inspirado nesses vestígios o conduor de obras públicas teria
restaurado o arco triunfal. Estevão Parada terá utilizado o alçado que
ambienta os túmulos dos reis, mantendo uma equivalência decorativa entre a
decoração destes e o arco. Esta obra foi reprovada por Luciano Cordeiro67 e
mereceu os encómios de "O Conimbricense":
324
As obras prosseguiram no corpo da igreja, com algumas interrupções que
a imprensa de Coimbra logo acusava. Em Agosto de 1895, Ramalho Ortigão,
Gabriel Pereira e Júlio Mardel, delegados da Comissão dos Monumento
Nacionais visitaram as obras, a pedido do director das Obras Públicas e
aprovaram a reconstrução da abóbada69. Entretanto a abóbada do claustro era
reparada e no ano seguinte o pavimento da igreja foi ladrilhado. Em 1900 as
obras continuavam orientadas por Franco Frazão, embora não saibamos em
que elementos incidiram.
A simultaneidade deste restauro com o da Sé-Velha provocou uma
emulação entre o organismos oficiais responsáveis pelas obras de Santa Cruz e
António Augusto Gonçalves, responsável artístico do restauro da Sé-Velha
mas trabalhando em colaboração, a contragosto, com os mesmos técnicos do
Ministério. Neste contexto deve ser entendida a visita dos delegados da
Comissão dos Monumentos Nacionais, que na mesma altura tentavam resolver
dissensões no restauro da Sé. A sua aprovação das obras dirigidas por Estevão
Parada denota uma atitude conciliadora entre os responsáveis dos dois
restauros. Os critérios adoptados eram distintos, como já tivemos ocasião de
observar quando nos referimos ao restauro da Sé de Coimbra.
A citação que fizemos de "O Conimbricense" e as informações que
recolhemos sobre as obras patenteam os critérios de restauro utilizados.
Evidenciar a obra manuelina, apagando todas as "emendas pretenciosas",
consistiu em retirar rebocos e caiação, a talha que provavelmente encobria o
arco triunfal e refazer abóbadas e cantarias lavradas glosando os temas
remanescentes. A crítica de Luciano Cordeiro e o critério que Estevão Parada
e Franco Frazão seguiram na Sé-Velha, são outros elementos que nos levam a
concluir que o restauro de Santa Cruz terá sido algo imaginoso, e que à falta
de vestígios não se hesitou em fazê-los de novo, como não terá havido dúvidas
em retirar elementos posteriores à época manuelina que seguramente
ambientavam a igreja.
69
Cfr. v. 2 deste trabalho, p. 293.
70
Ibidem.
325
como já vimos, da Escola Livre de Artes do Desenho que A. A. Gonçalves
fundou em Coimbra em 1878, onde adoptou um ensino artístico de vocação
técnica e profissional 71 . Professores e alunos destas escolas, onde o ensino do
trabalho da pedra era acompanhado de visitas a construções do passado, foram
responsáveis pelo restauro da Sé-Velha. Em 1905 Carlos Malheiro Dias faz
referência a uma escola de canteiros, cinzeladores de pedra que trabalharam
nos restauros de Coimbra e que naquela data estavam empregados na obra do
Palace Hotel do Buçaco 72 .
Regina Anacleto indica uma série de artistas formados naquela Escola que
trabalharam em várias construções neo-manuelinas e neo-góticas 73 .
Joaquim de Vasconcelos não podia deixar de aprovar a escola de
Coimbra, e o seu ensino técnico e profisional, preocupado com a educação
estética dos artífices e de a tomar como exemplo a seguir e a distinguir das
escolas de Belas-Artes, principalmente da de Lisboa, onde nada se aprendia74.
No Centro Artístico Portuense pugnará por um ensino da escultura, pintura e
arquitectura alicerçado no modelo vivo, em digressões artísticas com o
objectivo de copiar, desenhar e modelar os monumentos de valor artístico e
arqueológico. Soares dos Reis orientava frequentemente essas digressões a
Leça do Balio, Paço de Sousa, Guimarães, Coimbra, etc., demonstrando
segundo os que o acompanhavam sólidos conhecimentos de história de arte e
de arqueologia 75 . Nas exposições do Centro surgirão também projectos de
restauro para as igrejas de Cedofeita e de Leça do Balio 76 .
Na década de 1880 é criada, no Norte do país, uma série de comissões
para estudar os monumentos históricos, movimento impulsionado pelo
inquérito destinado ao arrolamento dos monumentos nacionais, que a Real
Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses, incumbida pelo
Ministério das Obras Públicas, enviava às câmaras municipais em 188077 e
também por alguma dinamização proporcionada pelo acção do Centro
Artístico Portuense.
71
Cfr. o que escrevemos sobre este assunto no capítulo que dedicámos ao restauro da Sé-
Velha de Coimbra.
72
Dias, Carlos Malheiro, Cartas de Lisboa, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1905, p.89-90.
73
74
Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, O.c, p.529-534.
A Eschola Livre das Artes do Desenho, "Revista da Sociedade de Instrução do Porto, Porto,
n° 7, 1, Jan., 1881.
75
Cfr., entre outros, Mendes, Alves, Album phototypico e descriptivo das obras de Soares
dos Reis, Porto, Centro Artístico Portuense, 1889 e Macedo, Diogo de, Soares dos Reis.
Estudo
76
documentado, Porto, 1945.
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 98 e 184.
77
Cfr. o que escrevemos sobre esta questão na parte I deste volume.
326
Enquanto decorriam os restauros de grandes monumentos, a alteração
revivalista de outros (Batalha, Jerónimos e Madre de Deus), e as obras sempre
interrompidas do mosteiro de Alcobaça e do Convento de Cristo, entre as
décadas de 1860 e 1880 encontramos vários exemplos de obras de restauro
dinamizadas e custeadas pela iniciativa local, embora por vezes com a
colaboração financeira e técnica das entidades oficiais, ou seja da secção do
Ministério das Obras Públicas organizada desde 1852 e mais eficazmente desde
1864 para a intervenção em edifícios públicos e monumentos nacionais.
A igreja matriz da Golegã, construção do século XVI muito apreciada
pelo arranjo da fachada ocidental, recebeu obras de reparação anteriores a
1867, no interior e no exterior, orientadas de forma a não alterarem as feições
primitivas do monumento78.
Em 1874 a Junta de Paróquia da freguesia de Águas Santas e uma
Comissão dirigida pelo pároco António de Ascensão e Oliveira dá por
parcialmente terminada a obra de construção de uma terceira nave (sul) que
não existia (fig.l). O estado da igreja reclamava obras, era necessário
aumentar a sua capacidade para acolher os fiéis,o monumento era muito
respeitado pela sua antiguidade e a comissão pretendia conferir ao templo
uma forma simétrica e realçar a muita antiguidade, retirando as camadas de
cal e gesso que encobriam a pedra. Da inscrição colocada no muro sul que
noticia a reforma transparece o prestígio de reformar templos antigos79.
Encomendar e realizar obras sempre foi e é prestigiante, mas as intervenções
em obras antigas imprimem aos seus autores qualidades correspondentes ao
valor histórico dos edifícios.
A nave sul da igreja foi coroada de merlões à semelhança do remate
superior da torre norte. Este remate não corresponde ao pé-direito da nave
tendo sido elevado o seu muro oeste de forma a proporcionar uma maior
conformidade com a torre norte, conferindo à igreja uma monumentalidade
acastelada. (figas. 3 e 4). A torre recebeu aberturas para os sinos e sobre o
pórtico ocidental foi aumentada a dimensão do vão quadrangular (figas. 1,2 e
4). No interior foi retirado o estuque e respectiva pintura e caiação, demolidos
os arcos quebrados que dividiam as duas naves e copiados capitéis, impostas e
outros elementos, para a construção da nave sul80.
Embora este exemplo não possa ser considerado somente um restauro, a
construção de um elemento novo copiando o que era antigo, a vontade de
78
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 153.
79
Ibidem, p. 21.
80
Ibidem, p. 20-24.
327
uniformizar a igreja, a raspagem da silharia e certamente o restauro de
cantarias lisas e lavradas que a remoção de estuques sempre acarreta, colocam
as obras de Aguas Santas entre o restauro e o revivalismo.
Obra de características diversas foi o restauro da igreja de S. Miguel do
Castelo de Guimarães, iniciadas em 1874 sob a direcção de uma comissão
constituida por Francisco Martins Sarmento, o Padre António Ferreira Caldas,
J. Pinto de Queirós e o cónego José Aquino Veloso de Sequeira, aconselhada
por João Maria Feijó da Associação dos arquitectos e arqueólogos, que se
deslocou a Guimarães para prestar alguns esclarecimentos à comissão81.
Restauro considerado exemplar, custeado por o Ministério das Obras
Públicas e por uma subscrição local, mereceu rasgados elogios da imprensa
vimaranense e da Associação dos arquitectos e arqueólogos, que atribuiu uma
medalha a Francisco Martins Sarmento:
81
Ibidem, p. 280-284.
82
Villela, Sá, "Boletim Architectonico e de Archeologia" Lisboa, 1876, 2a série n°10 p 147-
148.
328
O desagrado que provocavam, em alguns meios, as obras que
prosseguiam no mosteiro do Jerónimos e na Madre de Deus estará implicito
nesta comparação com o restauro de S. Miguel do Castelo.
Em 1873 o presidente da Câmara de Guimarães solicita a intervenção na
igreja. Um temporal tinha derrubado parte da fachada ocidental e toda a igreja
apresentava estado de ruina. As imagens foram retiradas para a Colegiada e a
igreja foi fechada, por o culto ser aí impraticável83.
As obras de restauro começaram pela demolição das paredes, cuja
precaridade era maior do que inicialmente se julgara, logo depois reformadas.
O arco triunfal, resultante de uma reforma da Época Moderna foi destruido,
encontrando-se os vestígios da antiga imposta. Um conjunto de aduelas que
estava sob as escadas laterais do adro (fig. 1) e outras, colocadas na porta
norte foram utilizadas no restauro do arco. As restantes aduelas encontradas
nas escadas foram dispostas na parede do adro lateral às escadas (fig. 3 e 4),
acompanhadas da seguinte inscrição: "Do arco primitivo da capella-mór"84.
A igreja receberia altar, púlpito e portas desenhados pela Associação dos
arquitectos e arqueólogos e os muros foram raspados de caiações, sendo
apenas as juntas tomadas85. O restauro da D.G.E.M.N. (1940) alterou o
aspecto então conferido ao templo, criando outro arranjo do espaço
envolvente, demolindo a sacristia encostada ao muro sul e o campanário (fig.
3) e colocando um tímpano liso no portal voltado a ocidente.
O prestígio da igreja era imenso, na cidade e no país, não pelo seu
programa construtivo, mas pela proximidade com o Castelo e principalmente
por a tradição afirmar que neste templo fora baptizado D. Afonso Henriques.
A simplicidade e o reduzido programa faziam desta igreja uma amostragem
das virtudes e dos tempos do rei fundador da monarquia. O seu valor como
monumento histórico era muito elevado. O restauro mantendo a "pureza do
estilo" agradou a todos.
Martins Sarmento era um arqueólogo, de formação positivista, amante
das descobertas dos objectos do passado, carregados de veracidade histórica. O
facto de ter colocado algumas aduelas junto às escadas e a inscrição que as
acompanhou, é significativa do espírito de arqueólogo que expõe os elementos
remanescentes, valorizando-os, e do rigor com que orientou o restauro da
igreja. O critério adoptado foi a reconstrução do estado primitivo do
monumento, nos elementos em que era possível fazê-lo, com rigor e
83
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 280.
84
Ibidem, p. 281-282.
85
Ibidem, p. 281.
329
autenticidade. Neste sentido as obras dirigidas por F. Martins Sarmento
aproximamse do restauro que A. A. Gonçalves dirigiu no templo da SéVelha
de Coimbra.
86
Guerra, Luiz de Figueiredo da, Relíquias da architectura militar, religiosa e civil da idade
media em Vianna, "Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Archeologos
Portugueses", Lisboa, t.4, n°l, 2a série, 1883, p. 6
87
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 273274.
88
Ibidem, p. 274.
3 30
Em cada uma das paredes lateraes do corpo da igreja houve duas pilastras
encravadas no muro, a cada uma das quaes se encostavam três columnas de
fuste cylindrico, sobre o ábaco das quaes eram interrompidas as nervuras das
abobadas, terminando as columnas e pilastras por pedestaes, cujo rasto se
conheceu ao lagear o pavimento do Museu Districtal. E também não passou
desapercebido aos modernos reformadores d'esta casa que o seu pavimento era
em três planos, pois que encontraram ao lageal-o, como agora se vê, entre as
pilastras, duas a duas, e de cada lado, incluindo as do arco semicircular do
cruzeiro, fundamentos de degraus"89.
Nas obras de restauro as colunas e respectivas bases, que estariam muito
deterioradas, não foram reconstruídas, optando-se pela colocação de mísulas
entra as nervuras da abóbada e as pilastras facetadas.
Corresponde este restauro ao tipo mais elogiado por uma boa parte dos
escritores de arte e arqueólogos, como Luciano Cordeiro, Gabriel Pereira,
Sousa Viterbo e depois Manuel Monteiro e também a multiplicada opinião
veiculada na imprensa, especializada ou não.
Começamos a encontrar um fio condutor que liga o restauro do mosteiro
da Batalha orientado por Mousinho, a reparação da muralha de Lisboa, as
obras de Abragão, as obras de recuperação de S. Miguel do Castelo, os
restauros da Sé-Velha de Coimbra, da Sé da Guarda, nos quais apesar das
diferenças, a orientação nuclear foi a manutenção do aspecto original do
edifífio, sem a introdução de grandes alterações e só acrescentando, em
princípio, elementos copiados em peças remanescentes.
89
Brandão, Zephyrino N. G., Monumentos e Lendas de Santarém, Lisboa, 1883, p.495-498;
90
Vasconcellos, Joaquim de, O museu districtal de Santarém, "A Actualidade", Porto, n° 60,
ano 6, 14, Março, 1879, p. 1;
331
Encontramos elementos de ligação entre outros restauros, como o da
Torre de Belém, do templo e claustro do mosteiro dos Jerónimos, de Santa
Cruz de Coimbra, de S. Francisco de Évora, da matriz de Viana do Castelo,
cuja vontade de "devolver" aos edifícios o seu aspecto original, não se prende
com o critério da veracidade e autenticidade, premissas importantes no
conjunto de edifícios anterior. É curioso notar que a maior parte destas
construções são manuelinas. O aparato muito apelativo e festivo das obras do
reinado de D. Manuel é propício ao desejo de sublinhar ainda mais esse
carácter.
0 que poderíamos designar por um terceiro grupo diz respeito a
projectos como o de Possidónio N. da Silva para a igreja dos Jerónimos, o
projecto de Korrodi para o Castelo de Leiria e o de A. Fuschini para a Sé de
Lisboa. Já referimos acima o que estes projectos têm de comum.
91
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 222.
332
3 - Construção de janelas em arco de volta perfeita e de frestas nas três
naves; construção de soalhos; construcção de andaimes, demolição de
diferentes obras, remoção de madeiras.
4 - Pintura de todos os tectos, janelas frestas e grades de ferro.
5 - Limpeza de paramentos lisos e ornamentados, regularização de
superfícies e juntas tomadas em todo o edifício interiormente excepto no
interior da torre e em cerca de 9,0 m2 nas columnas junto do coro.
333
as juntas de argamassa que unem os silhares, e conhecemos a sua
recomendação aquando do restauro da Sé de Silves em 1868, para que não
fossem rebocadas as paredes, a fim de não ficarem ocultas as siglas que
existiam abundantemente no interior da igreja93.
93
Ibidem, p. 365.
94
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 25.
95
Ibidem, p. 118-119.
334
Vilhena Barbosa critica estas obras em 1853, as quais eram presidiadas
pela ignorância "porque se tem tratado do que era materialmente bom, e
abandonado o que era artisticamente bello"96.
No inverno de 1853 desabou o Claustro da Lavagem, em mais de metade
da sua construção, partindo-se colunas e capitéis. Em 1866 o governo autoriza
o envio de alguns fragmentos daquele claustro para o Museu do Carmo. Dois
anos mais tarde Lucas José dos Santos Pereira, arquitecto da Batalha que já
vimos ser solicitado para elaborar o projecto de restauro da fachada ocidental
de Santa Cruz de Coimbra, é notificado para projectar as obras necessárias
para "reparação e segurança do Claustro do Cemitério"97. Cremos que se
tratará de um lapso do documento de notificação. Não temos qualquer notícia
de obras neste claustro (fig. 6) e, no caso de se tratar de uma simples
reparação, não seria necessário chamar Lucas José dos Santos Pereira para a
projectar. Este episódio deve pois relacionar-se com o desabamento do
Claustro da Lavagem que só em 195598 recebeu um restauro completo (fig. 9
e 10) mantendo-se até essa data no estado de ruína patente na fig. 8.
96
Barbosa, Ignacio de Vilhena, "O Portuguez", Lisboa, n°105, 18, Agosto, 1853, p. 1-2.
97
Cfr. no v. 2 deste trabalho a documentação revelada por Maria João Quintas Lopes Baptista
Neto, p. 118.
98
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 121.
"Ibidem, p. 25-28.
335
O pavimento da igreja foi rebaixado em 38 cm. O antigo piso era
composto por tijolos quadrados e vidrados de pequeníssima dimensão, de
12x12 cm e 25 mm de espessura.100
A Casa dos Túmulos estava inundada e uma das torres, que fora destruída
parcialmente por um raio em 1881, continuava por concluir. Na mesma época
o refeitório era ainda ocupado por um teatro, a sala do capítulo despojada de
pedras tumulares e o claustro continuava parcialmente arruinado101.
Quando em 1894 A. A. Gonçalves visita o mosteiro a silharia da igreja
tinha sido recentemente limpa "a ferro", e Gonçalves afirma que as mísulas
inferiores que rematam as colunas adossadas aos pilares foram decoradas nessa
altura102. Recordemos que os pilares que apresentam as mísulas decoradas
estiveram ocupados pelo encosto do coro ali construído no século XVI, e que
hipoteticamente alterou ou degradou aqueles elementos.
A reforma das colunas do deambulatório realizada cerca de 1768 e
atribuída a Guilherme Elsden, que também será o autor do panteão neo-gótico,
como já referimos em outro lugar deste trabalho, em decoração clássica de
caneluras nos fustes e rosas nos capitéis, corresponde a uma reparação
necessária depois dos estragos causados neste mosteiro pelo terramoto de
1755103. As colunas do dembulatório já tinham sido reformadas, em arranjo
clássico no século XVI, como sugere Manuel Severim de Faria, amante e
conhecedor de antiguidades, quando visitou o mosteiro em 8 de Dezembro de
1604:
100
Ibidem, p. 25.
101
Ibidem, p. 25.
102
Ibidem, p. 27.
103
Cfr. Anacleto, Maria Regina Dias Baptista Teixeira, O.c, p. 196-199.
104
Serrão,Joaquim Veríssimo, (direcção de) Viagens em Portugal de Manuel Severim de
Faria, 1604-1609-1625, Lisboa, 1974, p. 134;
105
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 27.
336
do dormitório, e que Augusto Fuschini tranformou em escadaria de acesso ao
mesmo, destruindo a caixa de escada existente (fig. 8). Simultaneamente foi
destruída a alteração de uma edícula a que Castilho tinha conferido uma feição
mudejar de acordo com a restante obra manuelina do piso superior do
claustro106.
106
Ibidem, p. 27.
107
Ibidem, p. 246.
108
Ibidem, p. 247.
109
Ibidem, p. 248.
337
A igreja e o claustro do convento de Santa Clara de Vila do Conde a que
tinham sido acrescentadas construções posteriores (fig. 1) apresentava um
estado de ruína agravado pela queda, já depois de iniciadas as obras de
restauro em 1922, da Sala do Capítulo e de outras construções que arrastaram
consigo a parede sul da igreja destruindo o "túmulo central", altares, sanefas e
balaustradas (fig. 2 e 3).
As obras tinham começado sob a direcção do Ministério das Obras
Públicas. Retiraram-se rebocos e demoliram-se construções posteriores à obra
gótica e que a ocultavam, colocaram-se merlões na parede sul e as juntas
foram tomadas com uma mistura de cal, cimento e saibro, de forma a obterem
o mesmo tom da argamassa antiga110.
Depois da derrocada que referimos o Conselho de Arte e Arqueologia da
3 Circunscrição111 visita o convento e em oficio ao Administrador Geral dos
a
110
Ibidem, p. 285.
111
Cfr. o que escrevemos sobre as criação e organização deste organismo na parte I deste
volume.
338
consolidação definitiva e conveniente dos túmulos existentes na Egreja
C..)" 1 1 2 -
112
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 27.
113
Ibidem, p. 201.
339
considerar que este correspondia ao tipo mais antigo. Outros capitéis terão
tomado este modelo.
0 restante acabamento do claustro, a cobertura das alas em tecto de
madeira de uma água apoiado em cachorrada lisa, pretendem recriar também
uma ambiência românica.
Considerando uma série de factores parece-nos que o arranjo deste
claustro pertence ao século XVI embora as obras feitas nessa época tenham
aproveitado elementos de um claustro anterior:
114
Ibidem, p. 198.
115
Ibidem, p. 198.
116
Ibidem, p. 199-200.
340
Na última década do século XIX discutiu-se assiduamente em Portugal,
como já abordámos algumas vezes, os critérios de restauro. As longas e
polémicas intervenções no mosteiro dos Jerónimos e as novas tendências
europeias protagonizadas por Camillo Boito eram divulgadas em Portugal por
Gabriel Pereira, Sousa Viterbo e Ramalho Ortigão.
No texto sobre a conclusão do mosteiro dos Jerónimos, escrito a
propósito do concurso promovido por Pedro Romano Folque para a conclusão
do edifício, Ramalho Ortigão, como relator da Comissão dos Monumentos
Nacionais à qual incubia analisar os projectos, expõe o pensamento da
Comissão sobre a prática do restauro.
Começa por considerar que só a função prática e a utilidade de um
edifício justificam o seu restauro e estabelece três critérios fundamentais:
1 - da mesma forma que não se preenchem lacunas literárias, não se
preenchem lacunas arquitectónicas - esta ideia relançada por Camillo Boito já
estava presente no pensamento sobre o restauro em França. Didron em 1851
utilizou uma metáfora semelhante a propósito do restauro da catedral de
Reims117;
2 - um monumento é um organismo vivo que se desenvolve, modifica e
transforma. Desfazer a obra de uma época para refazer a de uma época
anterior é ofender a continuidade da tradição, "é aleijar o edificio (...) mais ou
menos cientificamente, num elemento essencial à integridade da sua expressão
histórica"11».
Victor Hugo, Didron, Prosper Mérimée, Montalembert e Guillermy
tinham pugnado, na primeira metade do século, pela não supressão dos
elementos posteriores à construção original. O respeito pela integridade dos
edifícios será um dos aspectos nucleares do pensamento de por J. Ruskin e W.
Morris119;
3 - no monumento restaurado devia ser colocada uma placa com a sua
história e sucessivas alterações arquitectónicas, ideia em que Camillo Boito
bastante insistiu.
117
Cfr. o que escrevemos a este respeito no capitulo que dedicámos ao restauro da Sé de
Coimbra.
118
[Ortigão, Ramalho], A conclusão do edifício dos Jerónimos in Arte Portuguesa. Obras
Completas de Ramalho Ortigão, v.l, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1943, p. 244 e 242,
263. (original de 1897)
119
Cfr. o que escrevemos a este respeito no capitulo que dedicámos ao restauro da Sé-Velha
de Coimbra.
341
Cedo iniciada em Portugal, a prática do restauro, no sentido de renovar e
"repor no antigo estado", é despertada e impulsionada pela consagração do
monumento histórico. Mas este hábito de restaurar já vem do século anterior,
como exemplificámos com as obras no mosteiro da Batalha, do Carmo e do
Palácio Nacional de Sintra ocorridas 1755, embora nesta última construção
sejam detectáveis indícios de um certo revivalismo, fenómeno sempre em
contacto com o restauro mas algo distinto, e dele se distanciando à medida que
a arquitectura revivalista aplicada a obras modernas vai ganhando adeptos e
encomendadores, e à medida que o restauro se constitui como uma ciência da
construção com Viollet-le-Duc.
No arranjo da fachada da igreja de Vilar de Frades 120 , com toda a
probabilidade anterior a 1834, vemos a permanência de um neo-medievalismo
de que encontrámos vários exemplos, desde os inícios de setecentos121 e não
propriamente uma obra de restauro. As janelas superiores de arco muito
quebrado e o seu ritmo, assim como a decoração da cantaria e do
envidraçamento de desenho gótico no lugar do tímpano, a figuração das
aduelas do portal entaipado patenteiam um gosto cenográfico e histórico que já
encontramos no século XVIII.
120
Cfr. no v. 2 deste trabalho, p. 396-404.
121
Cfr. o que escrevemos sobre este assunto na parte I deste volume.
342
seu culto em Portugal. O desprezo total pelas obras posteriores à Idade Média
não é muito frequente. Há "vandalismos" maus e "vandalismos" bons, e os
diversos elementos acrescentados à obra primitiva (as superfectações) são
frequentemente conservados pela sua qualidade artística. Certamente que esta
qualidade corresponde a um valor subjectivo e contemporâneo, mas não
encontramos em Portugal um medievalismo exacerbado no restauro dos
monumentos.
O restauro é por vezes praticado em jogo virtual, ou seja, a iconografia
dos monumentos, frequentemente idealizada, é também um modelo. Os
desenhos de J. Murphy, que figuram Santa Maria da Vitória, constituíram uma
fonte assinalável no restauro do mosteiro, indicando o poder avassalador da
imagem como meio de radical importância no fenómeno cultural que foi a
divulgação do culto pelos monumentos, o seu restauro e conservação.
343
Conclusão
344
na imprensa e nas fontes manuscritas, procurámos os princípios orientadores
das obras de restauro, equacionando-os com as teorias adoptadas na Europa de
então. Os projectos de restauro inspirados na teoria e nas obras de Viollet-le-
Duc e na célebre definição de restauration não tiveram grande aceitação em
Portugal embora o prestígio do arquitecto francês marcasse critérios
adoptados, que foram entendidos com mais rigor desde a última década do
século.
A falta de formação artística e a situação sempre deficitária do ensino da
arquitectura não justificam por si só a ausência de projectos de restauro
fundamentados na moderna teoria de Viollet-le-Duc. Quando há arquitectos
capazes de os realizar os projectos acabam por não ser aceites, ou se o são
recebem profundas alterações posteriores e muitas críticas. Em Portugal
preferiu-se o restauro menos radical, rigorosa e arqueologicamente inspirado
em vestígios remanescentes com o objectivo de retomar a "feição primitiva" do
edifício, mas não a sua exacta forma pristina (Batalha, S. Miguel do Castelo,
Sé-Velha de Coimbra, Sé da Guarda, etc.) Certamente que nem todos os
restauro seguiram estes princípios, mas são estes os mais elogiados e adoptados
como modelos de outros. Um gosto diverso (e momentos diversos) preferiu
restauros radicais e de formas apelativas, que se aproximam mais do ecletismo
no que este pressupõe de representação dos elementos arquitectónicos do
passado combinados em sintaxe contemporânea (Jerónimos, Madre de Deus,
Santa Cruz de Coimbra, etc.).
O debate finissecular entre as teorias que defendiam o restauro radical e a
conservação, cujo mote foi lançado pelo atribuladíssimo restauro do mosteiro
dos Jerónimos e pela recepção em Portugal da teoria de Camillo Boito que
então conhecia alguma difusão, parece fazer suspirar de alívio muitas
consciências, às quais nunca agradaram os restauros radicais.
O culto do monumento histórico em Portugal levado quase à sua
sacralização fez das construções medievais edifícios carregados de valor
histórico, de certa forma intocáveis. Aqui reside o cerne da questão do
restauro, a sua ambiguidade, equívoco e utopia e a oscilação dos seus autores
autores e críticos entre a pretensão de conservar os monumentos que a história
foi alterando, guardando o respeito por as obras de todas as épocas, e o valor
histórico do monumento, aqui entendida na acepcção de Riegl, que apela a
retirar tudo o que encobre os edifícios no seu estado original, a cal que
esconde as pedras e as siglas, os altares, azulejos e outras adjunções que
obliterem o valor histórico do monumento e a capacidade que ele tem de
patentear determinada época.
34 5
No decorrer de oitocentos e, epigonalmente, no principio do nosso século
o restauro da arquitectura medieval constituiu uma prática frequente em
Portugal na qual foram adoptados critérios vindos do século anterior,
utilizando o tradicional trabalho da pedra aprendido em estaleiro,
acrescentando aos conhecimentos de arquitectura e construção os modelos de
receituários de obras de restauro vindos de fora, em manuais de ampla
divulgação.
Mais do que na procura da unidade do estilo o restauro, neste período,
radicou quase sempre na ideia de unidade como princípio matricial de toda a
arquitectura e no culto dos monumentos decorrente da produção simbólica e
mítica da identidade nacional.
O restauro que univocamente procura a unidade de estilo e o total
desaparecimento das designadas superfectações, parece-nos ser algo detectável
a partir da segunda década do século XX e marcar de forma indelével os
restauros praticados depois de 1930, mas essa é uma questão que ultrapassa o
âmbito deste trabalho e cujos contornos podemos apenas esboçar.
346
Referências cronológicas
347
1817 - Publicação de uma gravura, copiada por P. A. Cravoé figurando a
fachada ocidental da Sé de Lisboa no n° 6 do "Jornal de Bellas Artes ou
Mnemosine Lusitana", impresso em Lisboa.
Pedro Alexandre Cravoé, (1776-1844) nascido em Lisboa, filho de franceses,
porta dramaturgo, marceneiro e arquitecto autodidacta publicou 52 números
do periódico referido, entre 1816 el817, onde surgiram descrições e gravuras
de monumentos.
348
1833 - 11 de Abril - portaria do Ministério do Reino que incumbe João
Baptista Ribeiro de organizar uma colecção de arte, com vista à creação do
Museu Portuense.
1835 - 15 de Abril - Carta de Lei que determina o modo de venda dos Bens
Nacionais.
São exceptuados da venda, entre outros: "3 o As Obras e Edifícios de notável
antiguidade que mereçam ser conservados como primores da arte, ou
como monumentos históricos de grandes feitos, ou de Épocas Nacionaes."
349
1836 - 18 de Junho - Decreto que regulamenta o serviço de obras públicas
criando três divisões - Norte, Centro e Sul - subordinadas ao Ministério do
Reino.
Em 22 de Junho é atribuida ao tenente-coronel Luís da Silva Mouzinho de
Albuquerque a Inspecção da Divisão do Centro.
350
1838 - 25 de Agosto - publicação de Os Monumentos, da autoria de
Alexandre Herculano em "O Panorama", a que se seguiram Monumentos
II, 1 de Setembro de 1838, Mais um brado a favor dos Monumentos I, 9
de Fevereiro de 1839, Mais um brado a favor dos Monumentos II, 16
de Fevereiro de 1839.
351
conforme desejo da sociedade e autorização do governo. (O projecto não foi
realizado).
352
1858 - 27 de Outubro - Joaquim Possidónio Narciso da Silva é incumbido, por
portaria, de desenhar, medir e inventariar os edifícios que deverião ser
classificados de monumentos nacionais.
353
estes informem sobre o estado de conservação das igrejas e capelas das
respectivas freguesias.
354
1870-Augusto Filipe Simões publica: Relíquias da achitectura romano-
bizantina em Portugal e particularmente na cidade de Coimbra.
355
1875 - 10 de Novembro - decreto que nomeia a comissão encarregue de
propor ao governo uma reforma das academias de Belas-Artes de Lisboa e do
Porto, um plano de organização de um museu e as medidas mais adequadas à
conservação, guarda e reparação dos monumentos históricos e dos
objectos arqueológicos.
A comissão era presidida pelo Marquês de Sousa Holstein e secretariada por
Luciano Coordeiro.
Era igualmente composta por : condes de Samodães e Valbom, Carlos Maria
Eugénio de Almeida, Francisco de Assis Rodrigues, Tomás de Carvalho,
António Augusto Teixeira de Vasconcelos, Augusto Filipe Simões, António
Tomás da Fonseca, António Victor de Figueiredo Bastos, Tadeu Maria de
Almeida Furtado, Augusto Carlos Teixeira de Aragão, Joaquim Possidónio
Narciso da Silva, e José Maria Nepomuceno.
356
1876 - 16 de Fevereiro - O Museu Distrital de Santarém é criado por
alvará. O documento nomeia uma comissão para o efeito que elabora o
regulamento orgânico do Museu, consignando no artigo 3o: a conservação e
o restauro dos monumentos do distrito.
357
relação dos edifícios que deverão ser considerados monumentos nacionais.
Foi nomeada uma comissão para o efeito.
358
das portas principal e lateral da igreja de Cedofeita e da porta principal da
igreja do mosteiro de Leça do Balio. Colaboraram nesses desenhos Soares dos
Reis, Torquato Pinheiro, J. A. Marques Guimarães e Francisco Aguiar dos
Santos.
359
1882 - 1883 -Joaquim Possidónio Narciso da Silva viaja pelo país com o
objectivo de verificar a classificação atribuída aos monumentos e de confirmar
a idoneidade das informações fornecidas pelas Câmaras Municipais.
360
1894 - 27 de Fevereiro - portaria que aprova o Regulamento da Comissão
dos Monumentos Nacionaes.
361
1897 - 28 de Agosto a 7 de Setembro - IV Congresso Internacional dos
Arquitectos realizado em Bruxelas.
O restauro e os seus critérios foi um dos temas mais debatidos neste
Congresso.
362
1900 - 30 de Julho a 4 de Agosto - V Congresso Internacional dos Arquitectos,
realizado em Paris.
Um dos temas debatidos foi a "conservação dos monumentos".
363
1904 - Maio - VI Congresso Internacional dos Arquitectos, realizado em
Madrid.
Tema 2 - "A conservação e a restauração dos monumentos de
arquitectura". Adães Bermudes foi o representante da Sociedade dos
Arquitectos Portugueses.
364
1907 - 18 a 213 de Maio - VIII congresso Internacional dos Arquitectos em
Viena.
Tema 5 - conservação dos monumentos artísticos.
365
1924 - 18 de Dezembro - decreto que substitui o Conselho de Arte Nacional
pelo Conselho Superior de Belas-Artes.
366
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Aedificiorum, Lisboa.
Arquitectura, Lisboa?.
Exposição dos principais actos administrativos da Camará Municipal da Antiga, mui Nobre e Semp
Leal, e Invicta cidade do Porto, Porto.
Imparcial, Guimarães.
400
Munda, Coimbra.
O Camões, Lisboa?.
O Civilisador, Porto.
O Coalisão, Porto.
O Conservador, Lisboa.
O Direito, Porto.
0 Futuro, Lisboa.
O Instituto, Coimbra.
0 Leiriense, Leiria.
O Minhoto, nn.
O Mosaico, Lisboa.
401
O Museu Portuense, Porto.
O Ocidente, Lisboa.
O Panorama, Lisboa.
O Parlamento, Lisboa.
O Portuense, Porto.
O Portuguez, Lisboa.
O Progressista, Lisboa.
O Ramalhete, Lisboa.
O Recreativo, Lisboa.
O Recreio, Lisboa.
O Tripeiro, Porto.
O Universo, Lisboa.
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Revista Illustrada, Lisboa.
Revue Générale de l'architecture et des travaux publiques. Journal des architectes, Paris.
403