A Construção Da Voz Autora Do Professor Narrador Uma Experiência de Formação de Professores No Cotidiano Escolar
A Construção Da Voz Autora Do Professor Narrador Uma Experiência de Formação de Professores No Cotidiano Escolar
A Construção Da Voz Autora Do Professor Narrador Uma Experiência de Formação de Professores No Cotidiano Escolar
SÃO PAULO
2018
Renata Araujo Moreira dos Santos
SÃO PAULO
2018
RENATA ARAUJO MOREIRA DOS SANTOS
Dissertação de mestrado aprovada como requisição parcial para obtenção de grau de Mestre em
Artes no curso de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estudual
Paulista – Unesp, com Área de concentração em Arte e Educação, pela seguinte banca
examinadora:
Suplentes
1. Introdução.................................................................................................................... 11
2. O encontro com a escola Vila do Aprender................................................................ 19
1. Introdução
(RINALDI, 2012)
A presente pesquisa tem o objetivo de pensar caminhos que contribuam para a reflexão
sobre a escola e a formação continuada de professores. Trata-se da investigação sobre a
formação em serviço, com a proposta de encontrar na invenção de narrativas e na produção
coletiva, possibilidades de (re)construção da autoria do professor.
Minha história com a escola e a compreensão de que ela é espaço de vida e de futuro
teve início muito cedo. Cresci com as palavras da mãe que, privada da experiência formal de
ensino, valorizava o que não acessou e fortemente lançava ao universo e a mim suas palavras
dizendo que eu precisaria estudar para que tivesse, no futuro, uma vida melhor do que a que ela
tivera.
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Recuperar meu percurso, minha memória de vida e de formação, traz novos sentidos à
minha identidade profissional e reposiciona meu papel de professora/pesquisadora e aprendiz,
o que contribui para reafirmar reflexões que proporei nesse nesse texto.
Fisgada pela palavra defender, detive-me nesse contexto a pensar sobre a defesa da
formação de professores na escola e quis entender e declarar um pouco melhor sobre o que essa
palavra representa no cenário em que essa pesquisa se estrutura.
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Provocada por BOSI (1994, p.18) ao perguntar: “Que é ser velho?” Pergunto-me: Que
é ser professor?
Provoca-me um pouco mais a autora ao dizer: “Por que temos que lutar pelos velhos?
Porque são a fonte de onde jorra a essência da cultura, ponto de onde o passado se conserva e
o presente se prepara, pois, como escrevera Benjamin, só perde o sentido aquilo que no presente
não é percebido como visado pelo passado.”. (BOSI, 1994, p. 18)
Desse ponto, falar sobre o professor e a escola, representa falar (e defender) sobre lugar
de vida, de reinvenção e de aprendizagem que constrói cultura e cria futuro.
Destaco a palavra lugar, no sentido que nos propõe BARBIERI (2014-2015, Projeto
Lugares realizado no SESC)1, entendo lugar como espaço habitado, que constrói seus sentidos
com a presença e a ação humana, concebendo a figura do aprendiz cada vez mais ativa.
1 Sobre o projeto “lugares” realizado por BARBIERI (2014-2015) no SESC, a autora nos aponta intenções da
proposta ao dizer no portfólio on-line: “são obras-oficinas, espaços de reflexão e também de produção, em que o
participante pode se envolver e ter possibilidades de ação. A intenção é que esse projeto se constitua em campos
de presença, ou seja, em espaços que nos fazem estar entregues e presentes.”
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Como ponto de partida, busquei na minha própria história de vida, como professora e
aprendiz, as pistas que pudessem colocar em relevo os percursos, as fronteiras, os territórios
que apontassem para esse caminho, para as possibilidades de construção, para o encontro do
recorte dessa pesquisa/ação, como mencionei acima.
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Desse lugar, cabe dizer que essa pesquisa, nasceu com as marcas da minha própria
história de vida e formação, de vivência e teoria. Da relação pessoal com a experiência estética,
com a palavra, com as narrativas e da hipótese de que a formação dos professores pode se dar
de forma mais consistente se caminhar junto com sua história e com sua capacidade de criação.
Entendendo criação como nos aponta SALLES (2013, p. 100), “como a seleção de
determinados elementos que são recombinados, correlacionados, associados e, assim,
transformados de modos inovadores.”.
Abro aqui uma fenda no tempo e no texto, para recuperar aspectos mais específicos do
meu percurso de formação. Aspectos que me posicionam e me reposicionam nessa pesquisa,
que revelam marcas da minha experiência que deram origem aos questionamentos e
inquietações que trago sobre a formação de professores e, sobretudo, que me inspiraram a
pensar caminhos para a formação continuada de professores...
Minha trajetória como educadora, teve início “oficialmente”, no ano de 1999, na escola
Viva Vida. Uma escola privada de Educação Infantil da região sul da cidade de São Paulo. Da
atuação como professora auxiliar até o início do papel como formadora de professores, lá se
foram 9 anos. Esse período tão frutífero de construção do meu papel como educadora, foi
marcado por trocas constantes com coordenadores, professores e auxiliares. Encontros
cotidianos que se davam nos corredores, na sala da equipe, na atuação com o grupo de alunos
e com os pares, nas reuniões individuais e coletivas que garantiam espaços significativos de
relação com a arte e com a criação, nos confrontos de ideias e nas construções colaborativas
que aconteciam entre educadores. Trocas que nos colocavam a refletir e a atuar considerando
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Essas experiências nos faziam acionar saberes anteriores para adquirirmos novos e nos
colocavam a construir teorias a partir do nosso próprio fazer.
Ao longo desses vinte e um anos como educadora, atuei como estagiária, professora
auxiliar, professora titular, formadora em cursos de curta duração, coordenadora e assessora
pedagógica.
Nesses dez anos realizando a formação de professores, tive a oportunidade de atuar com
profissionais de diferentes instituições e realidades distintas. Muitos professores trazendo
cenários de atuação individualizada, contextos de reprodução de conteúdos previamente
estabelecidos, pouco espaço de autoria, de criação e de troca com colegas. Aspectos que
dificultam que o professor assuma o papel de pesquisador e aprendiz, que reinvente suas
práticas, que encontre suas perguntas, que se coloque vivo em sua sala de aula e na busca por
sua própria aprendizagem.
O encontro com esse contexto, fez com que eu revisitasse a experiência de formação
que tive dentro da escola Viva Vida. Essa memória fez-me perceber que havia algo vivo,
orgânico, no modo de viver a aprendizagem do professor naquele cenário e cultivou em mim a
hipótese de que esse professor autor, talvez se constituísse dentro da escola, com experiências
vivas de aprendizagem, com espaços consistentes de confronto de ideias, de planejamento de
futuro, de escuta de si e do outro, de encontro com os sentidos de sua própria história na relação
com a aprendizagem, com a pesquisa e a produção coletiva entre educadores.
Com essas hipóteses, chego à escola Vila do Aprender. Instituição de ensino Infantil,
localizada no bairro da Vila Olímpia, na cidade de São Paulo, que trouxe na voz da direção o
desejo de encontrar na presença e no olhar de uma assessora pedagógica, o investimento na
formação de sua equipe de professores dentro da escola.
Esse convite/proposta, abria a fresta que eu buscava para a investigação sobre como os
espaços de formação dentro da escola, nos contextos anteriormente mencionados, contribuiriam
para o encontro do professor com sua voz autora, com seu papel criador e pesquisador.
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Nesse cenário, nessa escola, com esse grupo de professoras, nascem os encontros de
formação com a equipe e a pesquisa que partilho com vocês nessa dissertação que se estrutura
da seguinte forma:
Por fim, partilho algumas considerações acerca das questões, os aprendizados vividos,
construídos, ressignificados nessa experiência, que abriram novas possibilidades de reflexão e
aprendizado.
Ao narrar essa experiência particular de formação, que se fez entre o olhar para A Escola
e a formação das professoras da escola Vila do Aprender, entendendo a experiência do encontro
e da produção como potência aprendiz, inicio esse registro por uma breve apresentação dessa
escola que se constituiu como cenário para essa pesquisa e de nossas primeiras aproximações.
Meu encontro com a escola Vila do Aprender aconteceu fora dela, mas dentro do cenário
da aprendizagem. Rosângela Aquino, uma das sócias-diretoras da instituição, participou de um
encontro de formação realizado por mim no Centro de Estudos Madalena Freire, no final do
segundo semestre do ano de 2014. O tema proposto para a discussão foi: O papel do
coordenador pedagógico e os instrumentos metodológicos utilizados na formação do professor.
Nessa ocasião, já inquieta com meu papel formador junto aos professores e buscando
por essas vozes no cotidiano da escola, partilhei alguns dos aspectos que provocavam minha
investigação e mobilizavam a ação junto à minha equipe de trabalho. Ações que se
relacionavam especialmente, aos encontros coletivos e que principiavam a evidenciar pequenas
mudanças na atuação das professoras e também na minha forma de conduzir o trabalho.
Sem compreender muito bem o cenário, mas bastante desejosa por esse espaço de troca
e de ampliação de redes, aceitei o convite para uma conversa com a direção, com o intuito de
entender melhor sua intenção.
Algumas semanas mais tarde, encontramo-nos para essa conversa. No período entre o
encontro de formação realizado por mim e nossa reunião, Rosangela Aquino, em concordância
com sua sócia, Rosália Mantagrano, avaliou que seria interessante contar com uma assessora
pedagógica para realizar a formação de sua equipe. Assim, convidou-me para, no início de 2015,
assumir os encontros de formação no papel de assessora pedagógica nessa instituição.
Esse convite abria uma importante fresta para essa pesquisa que, até então, existia como
inquietação, como questionamento e levantamento de hipóteses sobre a construção da autoria
na formação do professor.
A Vila do Aprender é uma escola privada de Educação Infantil que existe há 17 anos.
Está localizada na Vila Olímpia, região sul da cidade de São Paulo e teve início atendendo
filhos dos funcionários da empresa DASLU com uma proposta de convênio. Do início com
atendimento exclusivo a esse público até a abertura para receber as famílias da região, foram 7
anos.
Minha chegada à essa instituição de ensino, materializava esse desejo e também abria
uma possibilidade para eu investigar, na ação, como os espaços de formação, dentro da escola,
contribuiriam para a construção do papel autor, criador e pesquisador do professor. Com esse
primeiro desenho, comecei a me preparar para esse trabalho que teve início em 2015.
Acredito que a escola se faz para além do seu espaço físico, por sua ocupação. O habitar
de alunos e profissionais que tornam esse ambiente, lugar de vida, de experiência, de criação,
de reinvenção, de pesquisa e de aprendizagem.
partilhado”, para nos debruçarmos em torno de determinado objeto de modo a tentar desvendá-
lo em suas possibilidades e potencialidades. Nessa perspectiva, provocam-me a entender a
escola como ambiente que permite sustentar as incertezas, o confronto de ideias, o levantamento
de hipóteses, a capacidade investigativa, o encantamento pelas sucessivas redescobertas do
mundo que se coloca diante de nós. Um lugar para ressignificar a relação com o tempo e com
o conhecimento. Como nos chamam a refletir ao proporem essa imagem:
Ou seja, algo (um texto, uma ação) está sendo oferecido e se torna, ao mesmo
tempo, separado de sua função e importância na ordem social, algo que aparece em si
mesmo, como um objeto de estudo ou de prática, independentemente do seu uso
adequado (em casa ou na sociedade, fora da escola). Quando algo se torna objeto de
estudo ou de prática, isso significa que exige a nossa atenção; que nos convida a
explorá-lo e engajá-lo, independentemente de como ele possa ser colocado em uso.
(MASSCHELEIN e SIMONS, 2014, p. 42)
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Pergunto-me como pensar essa proposta de escola para o aluno, sem transformarmos as
experiências do professor na relação com a aprendizagem em seu cotidiano escolar. Sem que
ele tenha tempo para estudar algo que, separado do mundo e da finalidade pré-estabelecida,
permita aprofundamentos, conexões e ampliações. Trata-se de uma mudança de postura, de
uma transformação no modo de conceber a relação com o ensino e a aprendizagem.
Percebo que a Escola, essa, com letra maiúscula, de forma geral, nega ao professor esse
tempo livre para o estudo, no sentido que nos propõe Jan Masschelein e Maarten Simons. O
tempo livre para debruçar-se em torno do conhecimento. Aquele que momentaneamente é
retirado do mundo e posto na sala de aula para tornar-se objeto de pesquisa em sua amplitude.
Ao contrário, por vezes, em sua formação, o professor tem sido chamado a pensar o
conhecimento e a aprendizagem a partir da ideia de reprodução. Nesses contextos, aos poucos,
distancia-se da ideia de aprendizagem como experiência de problematização, a possibilidade
de por em diálogo diferentes pensamentos e possibilidades, para se aproximar da busca pelas
respostas certas.
Essa escola em que nos formamos, como aponta LARROSA (2015), cultivou ainda a
imagem do professor como aquele que professa, um pregador de certezas. Como se, ao assumir
o papel de professor, precisasse distanciar-se do papel de aprendiz, da possibilidade de se
colocar em dúvida, de questionar caminhos. Ao chamar a atenção para o riso nos contextos de
sala de aula, coloca diante de nós o desafio redimensionar a imagem do professor e sua relação
com as certezas ou do suposto abismo que coloca entre si próprio e o estudante, ao acreditar
que ocupa um lugar diferenciado na relação com a aprendizagem.
em imposição. Mas se veste uma capa puída, se não tem posturas para impostar, nem
posições para impor, se não se enxerga sem a sua toga, quem vai lhe prestar atenção?
Com essa imagem, provoca-nos a refletir sobre as certezas que cultiva o professor ou
que acredita ser necessário cultivar para assumir esse papel. Ao construir sua imagem em torno
das afirmações, das imposições, distancia-se de sua potência aprendiz, da possibilidade de se
colocar – assim como colocar a seus alunos – diante de algo que possa ser investigado,
desvendado, (re)significado. Com essa postura, entende o conhecimento como algo estável,
incontestável, indiscutível, sagrado. A busca pelo estudo requer a dúvida, a consciência da
incompletude. A busca pela aprendizagem, requer a falta. O riso, segundo o autor, pode ser uma
alternativa para romper com essa marca. Diz-nos: “O riso destrói as certezas. E especialmente
aquela certeza que constitui a consciência enclausurada: a certeza de si. Mas só na perda da
certeza, no permanente questionamento da certeza, na distância irônica da certeza, está a
possibilidade do devir.” (LARROSA, 2015, p. 181)
Refletir sobre essas questões provocou-me a pensar sobre como a escola em seus
contextos cotidianos de formação, poderia re-significar o encontro do professor com a
aprendizagem e com sua voz autora. A experiência de formação com as professoras da Vila do
Aprender, possibilitou-me o contato mais direto com os desafios e as potências dessa
experiência que, até então, faziam-se presentes mais no campo das hipóteses e das reflexões.
Ainda que eu falasse a partir do chão da escola e de um percurso pessoal na educação que já
existe há 21 anos.
Estar na escola Vila do Aprender com abertura para essa investigação, fez com que eu
me aproximasse dessa experiência no corpo, que confrontasse minhas hipóteses, que
reinventasse processos, questionasse certezas e ampliasse possibilidades.
Dessa forma, uma das expectativas com essa pesquisa é de que o professor se reencontre
com sua voz autora, (re) encante-se com a aprendizagem e, em seu ato aprendiz, possa conduzir-
se a si mesmo ao sair de si e se colocar em relação – com o outro e com o conhecimento -.
A breve reflexão sobre a escola e sua essência, permitiu-me pensar nessa escola (a Vila
do Aprender) e sua essência. Sobre como a Vila e sua equipe de professoras se colocavam nesse
cenário. Aspectos que seriam fundamentais para nossas construções.
Esta era a primeira vez que esse grupo teria um espaço coletivo de formação dentro da
instituição. O que, de alguma forma, declarava a intenção da direção de proporcionar contextos
de diálogo e reflexão sobre a aprendizagem na Vila do Aprender (Mesmo que a solicitação
inicial ainda trouxesse um olhar para a formação como lugar de informação.). Acordamos que
os encontros de formação de professoras, se realizariam em reuniões quinzenais com 2 horas e
1h30 de duração, dentro da escola. Tempo e espaço que traziam os primeiros contornos dessa
proposta. Era necessário construir outros terrenos de aproximação...
Estávamos inaugurando uma nova experiência formativa com esse grupo e com essa
escola. A possibilidade de pensar a aprendizagem a partir de dentro, da realidade dessa equipe
e da instituição. A formação no cotidiano escolar. Identifico essa possibilidade como potência,
mas também como desafio, já que nossa história com a escola e a aprendizagem, por vezes, se
deu pela perspectiva externa.
Para costurar melhor esses fios e me aproximar desse “dentro” que é a Vila do Aprender,
tornava-se pertinente conhecer um pouco melhor as professoras dessa escola e seus percursos
de formação.
Meu encontro com as professoras, deu-se primeiro pelas palavras que tentavam dizê-
las. Palavras que chegaram a mim pela diretora Rosangela Aquino que, ao falar sobre a equipe,
escolheu como recorte a formação de cada uma. Suas palavras, inicialmente, contaram sobre os
títulos, não sobre o percurso ou sobre as características das profissionais. Relato que
posteriormente se misturou às percepções, estruturadas nas duas primeiras reuniões realizadas
com o grupo.
Abaixo, um breve recorte, fruto da soma das informações oferecidas pela diretora sobre
os cursos de formação realizados pelas professoras e as primeiras impressões que tive após
realizarmos as duas primeiras reuniões coletivas que deram base para o início do percurso. Após
essa pequena partilha sobre as marcas do individual, contarei um pouco sobre as experiências
iniciais com o coletivo de professoras da Vila do Aprender.
Sobre as professoras...
Kátia Sousa, pedagoga, arte-terapeuta e artista plástica. Sua relação intensa com a arte
transpira no modo como se relaciona com o mundo e com o conhecimento. No início, aparentou
certa resistência, mas, aos poucos, seu encantamento pelo conhecimento, foi rompendo as
barreiras e dando lugar à entrega e disponibilidade para as propostas.
Esse grupo iniciou conosco o trabalho e, no decorrer da caminhada, com a abertura de novas
turmas e a saída das professoras Andréa Lages e Aline Meneses, recebemos novas
companheiras que seguem conosco.
Carla Mauro, Arquiteta, pedagoga, com especialização em História da arte. Sua relação
com a arte ganhou força dentro de casa, na interação com o avô. Criação, jogo, fantasia... As
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marcas dessa história voltaram nos encontros do grupo. A história de vida, misturou-se à
profissão. Os estudos na Europa, as lembranças do tempo com o avô, o gosto pelas diferentes
linguagens da arte, ao serem partilhados com as colegas, foram ressignificados. Permitiram que
se reencontrasse com saberes que pareciam não caber naquele contexto.
de possibilitar o encontro das professoras com a voz autora, propus-me a iniciar as construções
do grupo a partir da partilha das histórias de formação e de vida. Marcas da identidade pessoal
e profissional do grupo.
As palavras de LARROSA (2014), abriram uma fresta para pensar nesse caminho que
buscava pela experiência, pelo encontro com a própria palavra e a possibilidade de, falando a
partir de si, encontrar-se com o outro e com o conhecimento.
Para podermos nos falar precisamos falar e escrever, ler e escutar, talvez
pensar, em nome próprio, na primeira pessoa, com as próprias palavras, com as
próprias ideias. Obviamente, só podemos falar (e escrever) com as palavras comuns,
com essas palavras que são ao mesmo tempo de todos e de ninguém. Falar (ou
escrever) com as próprias palavras significa se colocar na língua a partir de dentro,
sentir que as palavras que usamos têm a ver conosco, que as podemos sentir como
próprias quando as dizemos, que são palavras que de alguma maneira nos dizem,
embora não seja de nós de quem falam. Falar (ou escrever) na primeira pessoa não
significa falar de si mesmo, colocar a si mesmo como tema ou conteúdo do que se diz,
mas significa, de preferência, falar (ou escrever) a partir de si mesmo, colocar a si
mesmo em jogo no que se diz ou pensa, expor-se no que se diz ou pensa. Falar (ou
escrever) em nome próprio significa abandonar a segurança de qualquer posição
enunciativa para se expor na insegurança das próprias palavras, na incerteza dos
próprios pensamentos. Além disso, trata-se de falar (ou de escrever), talvez de pensar,
em direção a alguém. A língua da experiência não traz só a marca do falante, mas
também a do ouvinte, a do leitor, a do destinatário sempre desconhecido de nossas
palavras e de nossos pensamentos. (...) falar (ou escrever) em nome próprio significa
também fazê-lo com alguém e para alguém. (LARROSA, 2014, p. 70)
Para falar em nome próprio, não precisamos necessariamente, falar sobre nossas
histórias, mas podemos falar na primeira pessoa a partir das conexões que estabelecemos entre
o que lemos ou escutamos, dos sentidos que esse outro texto ou palavra, produz em nós.
Observei que esse exercício de conexão entre a palavra do outro e a própria palavra não
era algo a que as professoras se autorizassem a fazer. Como se o primeiro movimento fosse o
de tentar “reter” o que era dito ao invés de colocar em diálogo, em relação. Também fruto de
nossa experiência de formação ao longo da história com a escola.
e ajudam a compor nossa identidade. Nessa perspectiva, a busca pelas palavras comuns, poderia
ressignificar a relação com a escuta, com a palavra, com a interpretação.
Assim, começamos com as palavras de todos. Propus que nos apresentássemos contando
um pouco de nossas histórias de formação, sobre como chegamos à educação e à Vila do
Aprender. As vozes começaram baixas e um pouco reticentes, como se estivessem se sentindo
avaliadas ou como se buscassem um sentido prático (útil) para essa ação. Provavelmente, marca
da representação construída na escola em torno da imagem de ensino e aprendizagem como
meio para um fim específico e pré-determinado.
Aos poucos, o encantamento diante do reencontro com a própria história, foi trazendo
uma voz mais firme. Como se, ao narrar-se, cada uma pudesse acessar lugares ainda não
visitados em sua própria história e na compreensão de si. A vida e a experiência, começavam a
calar a escola da informação.
Nesse tempo de partilha e de escuta, pouco a pouco, o receio de se expor foi dando lugar
à segurança ao falar a partir de algo conhecido. As palavras comuns que descreviam sobre a
importância da educação e sobre as marcas da teoria que ficaram na memória ao serem
compostas com experiências que fizeram sentido, misturavam-se às histórias pessoais, às
dificuldades do percurso, a esperança de uma nova vida, a satisfação com a conquista do
diploma. Recortes da realidade social, cultural, política e educacional do Brasil. Marcas da
formação e da vida, do fato e da memória, da realidade e da impressão.
Nesse mesmo encontro, após a apresentação, pedi que falassem sobre as expectativas
com relação à formação. A partir disso, projetaríamos nosso percurso. No primeiro momento,
queriam ouvir da professora – eu – qual seria a rota desse trabalho. Perguntaram sobre o que
faríamos nesses encontros e sobre como essa formação fortaleceria suas práticas.
Diante da solicitação, novo silêncio. Talvez, a surpresa por perceberem que a proposta
não estava dada e que não viria de fora, mas seria construída, junto.
Ao ouvi-las, observei que a expectativa era de que os sentidos dessa formação seriam
dados e não construídos. Marca da nossa experiência escolar que, por muito tempo, trouxe-nos
a ideia de formação como algo externo a nós, algo que, pouco a pouco, tentamos transformar.
Percebi nessas poucas trocas, que o olhar para a formação como lugar de informação e
transferência, fazia-se presente e que a postura do “professor aluno”, com a hipótese de que
precisa encontrar respostas para perguntas que não são suas, pois viriam do “professor formador”
também mostrava-se viva naquele cenário. Em contrapartida, o desejo de busca pela
aprendizagem e o encantamento com a descoberta de si na relação com o outro também
começou a se revelar nos entreditos desse grupo.
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A proposta, nessa perspectiva, era recuperar a ideia de que ensinar e aprender, existe
como processo e se constrói na produção, na autoria, nos sonhos de vida, como nos diz FREIRE
(2008, p. 151): “Para (re)acender o (re)conhecimento de desejos, sonhos de vida – esperança
que nasce da apropriação do próprio pensamento – na prática pedagógica, é necessário a
presença (...) de um educador que se disponha a aprender enquanto ensina...”.
Onde estariam as perguntas das professoras na relação com seu percurso aprendiz?
Ao final desse ciclo de dois encontros, com todas as incertezas próprias do início de um
processo desconhecido e com o desafio de manter as questões em suspensão, acordamos que as
reflexões, investigações e produções nesse fórum, não teriam um caráter útil, não seriam um
meio para alcançar determinado fim ou um guia que apontaria o caminho a seguir. O valor
dessa experiência estaria nos processos e não nos resultados que, aliás, não estariam pré-
definidos, mas emergiriam da construção e dos sentidos desse coletivo.
Dessa forma, os objetivos para esse trabalho desenharam-se em torno dos seguintes
focos:
Com a expectativa de que ao falar a partir de nós, possamos falar com alguém e para
alguém.
BOSI (1994, p. 73) ajuda-me a refletir sobre autoria ao dizer: “A verdadeira mudança
dá-se a perceber no interior, no concreto, no cotidiano, no miúdo; os abalos exteriores não
modificam o essencial.”.
Acredito que os sentidos têm a ver com o sentir e esses, somente se constituem na
experiência, do lado de dentro, nos atravessamentos, nos espaços que habitamos e que nos
habitam.
Com esse olhar, comecei a questionar o quanto começar esse processo de formação e
construção da autoria, estudando um tema externo ao chão da escola, poderia, de fato,
modificar o essencial. Em confronto a essa ideia, pensar na conexão entre as marcas do
passado e as ações no presente, na possibilidade de aliar o olhar para o cotidiano, para o
concreto, relacionando memória e ação, como ponto de partida para a construção dessa
essência, parecia fazer cada vez mais sentido.
Debruçada sobre as primeiras imagens que o início desse processo deu a ver, coloquei-
me diante de outros olhares, autores, que me ajudaram a ampliar as reflexões e as
possibilidades ao pesquisar a experiência de formação a partir do reencontro com as
histórias pessoais nos contextos de formação como disparador para construção da autoria
do professor.
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Vale ressaltar que, por autoria, estou entendendo o reconhecimento de nossa capacidade
reflexiva e transformadora a partir das questões em torno do processo de ensino e
aprendizagem. Autoria do professor no que diz respeito à percepção de sua condição
pesquisadora e criadora, de sua capacidade de estabelecer relações entre os contextos e criar
possibilidades a partir dos saberes que possui e, nesse processo, adquirir novos, reinventar-
se. Falo dessa voz autora tanto na dimensão individual quanto coletiva. Considerando que
o indivíduo se constitui em meio ao coletivo ao qual ele pertence e, nessa (re) constituição
constante, provoca também a renovação do grupo que deixa-se afetar pelas partes. Desse
modo, entendo ser relevante propor essa construção a partir do diálogo que se pretende a
partir da escuta, da pesquisa, da partilha e da produção coletiva.
Ao escrever sobre “Ter uma experiência”, DEWEY (2010) ajudou-me a ampliar essa
reflexão ao pensar a experiência como um fluxo que se estabelece entre o todo e a parte e
que a composição que se dá a partir dessa mescla de experiências, amplia e potencializa
cada parte justamente pela heterogeneidade presente nessa interação. Aponta, ao falar sobre
as partes que, ao se fundirem para compor uma unidade, não desaparecem com essa fusão
mas, ao contrário, distinguem-se em suas particularidades ao mesmo tempo em que
contribuem para a recomposição do todo. Essa imagem aproxima-me da busca pela voz
autora no contexto coletivo de construção. Nesse fluxo, todo e parte interferem e sofrem as
interferências do meio à medida que vivenciam a experiência. Transformam-se, recompõe-
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Para tanto, tornava-se pertinente iniciarmos essa busca pelo comum a partir das vozes
individuais ecoando no contexto coletivo. Vozes que teriam espaço para declarar suas
hipóteses sem o receio do “certo” ou “errado”.
Percebendo que o comum existente nesse grupo estava inicialmente definido pelo
espaço e não pela experiência, precisávamos da experiência, das vozes, da escuta, para que
encontrássemos a unidade que contribuiria para a construção da identidade desse coletivo.
Como nos diz BAUMAN (2009, p. 74 apud Focault), ‘a identidade não é dada’, “nossas
identidades [...] precisam ser criadas, tal como são criadas as obras de arte.”. Essa
identidade coletiva precisaria ser criada, construída a cada dia, em meio ao trabalho, às
trocas, ao acionar de saberes, da narração de histórias, da realização de pesquisa, da
produção de uma obra de arte.
Tornava-se necessário refletir melhor sobre o que significava falar sobre arte e criação
nesse contexto. Aos poucos, tornava-se evidente que perseguiria o processo, a experiência,
as relações que emergiriam da/na ação coletiva e nesse percurso, as transformações próprias
de quem se põe em movimento. Mas também buscava pela materialidade como
possibilidade de colocar em jogo as representações e interpretações desse grupo, como
possibilidade de encontro com outras linguagens e sua possibilidade de dizer-nos no que,
por vezes, não sabemos estar em nós.
40
Para tanto, coloquei-me diante da arte como processo de criação, como defende Cecilia
Almeida Salles (2013) ao relacionar a arte à ideia de inacabamento. Ao entender a criação
como processo constante de transformação, reconhecemos o produto como parte desse
movimento infindável de questionamento, de hipóteses, de renovação e de incertezas. Nesse
processo entre pensar e produzir, acionamos saberes e redimensionamos nossa postura
aprendiz. No exercício de representar o pensamento, também tornamos visíveis as
aprendizagens e tornamos mais consistente a autoria. A medida que criamos e recriamos
contextos e materiais, deparamo-nos constantemente com o novo e o renovo que o exercício
criador possibilita.
Além disso, falar sobre a arte e a criação nessa perspectiva, significava falar sobre a
experiência e o sentido, sobre a possibilidade de criar representações que nos aproximassem
dos simbólicos, da essência, dos sentidos desse grupo nessa experiência humana de
formação. Como nos diz DEWEY (2010);
A arte é uma qualidade que permeia a experiência; não é, a não ser em sentido
figurado, a experiência em si. A experiência estética é sempre mais do que estética.
Nela, um corpo de materiais e significados que em si não são estéticos torna-se
estético, ao entrar em um movimento ordeiro e ritmado para a consumação. O material
em si é largamente humano. [...] O material da experiência estética, por ser humano –
humano em conexão com a natureza da qual faz parte -, é social. A experiência estética
é uma manifestação, um registro e uma celebração da vida de uma civilização, um
meio para promover seu desenvolvimento, e também o juízo supremo sobre a
qualidade dessa civilização. Isso porque, embora ela seja produzida e desfrutada por
indivíduos, esses indivíduos são como são, no conteúdo de sua experiência, por causa
das culturas de que participam. (DEWEY, 2010, p. 551)
Para tecer os primeiros fios dessa urdidura, procurei compor os aspectos refletidos
acima, considerando o reencontro com as histórias de formação como ponto de partida para a
construção do espaço de diálogo, acreditando que, da palavra e da escuta, poderiam emergir o
princípio do comum desse grupo.
Pensar na palavra como ponto de partida para essa experiência de formação, considerava
o desafio que enfrentamos de expor a nossa palavra, nossas ideias, nossas dúvidas e o desafio
de nos abrirmos para a escuta “inteira”, livre da prontidão para uma resposta. Escuta que dá-se
ao diálogo, ao questionamento, ao alargamento do pensar. Desafio que se fez presente também
nas primeiras escutas do grupo.
É preciso, porém, que quem tem o que dizer saiba, sem sombra de dúvida,
não ser o único ou a única a ter o que dizer. Mais ainda, que o que tem a dizer não é
necessariamente, por mais importante que seja, a verdade alvissareira por todos
esperada. É preciso que quem tem o que dizer saiba, sem dúvida nenhuma, que, sem
escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer, termina por esgotar a sua
capacidade de dizer por muito ter dito sem nada ou quase nada ter escutado.
[...]
Sua fala, por isso mesmo, se dá num espaço silenciado e não num espaço
com ou em silêncio. (FREIRE, 2016 p. 113 e 114)
42
Esse encontro, a que me refiro, propõe a ideia de encontro como uma experiência que
produz uma espécie de emoção que nos desconecta da necessidade de “respostas cognitivas”
como aponta BOULTON-FUNK (2015, p. 11-12 apud O’SULLIVAN, 2006). O encontro,
nessa perspectiva, possibilita ressignificar a relação com o conhecimento. Ao confrontar razão
e emoção, distancia-nos da necessidade de busca por uma suposta lógica. Esse modo de
entender o encontro, aproxima-nos do caráter afetivo, não racional, que ele desperta. Essa
experiência, pelos atravessamentos que promove, aciona algo novo. Esse novo em nós, pode
provocar potencial criador e pesquisador, além de deslocar as nossas percepções em torno do
que é “novo” e também do que é familiar. 2
Pensar o encontro nessa perspectiva, ampliou o olhar para os contextos dessa formação
considerando o encontro com algo que está em nós, nas marcas de nossa história, na nossa
identidade. O encontro com a própria voz a partir de experiências não normativas poderia
redimensionar a relação com a aprendizagem, com a pesquisa, com a criação. Nesse contexto,
tornou-se relevante iniciar as construções do grupo a partir da partilha das histórias de formação
e de vida, da possibilidade do encontro, na perspectiva mencionada acima.
2 Interpretação realizada a partir de tradução pessoal feita de trecho da seguinte tese de doutorado: BOULTON-
FUNK, Adrienne. An Arts-Based Methodology of Intuition: Secondoray Visual Art Teacher Becomings
and Enconters with Schooling. The University of Britsh Columbia, Vancouver, 2015. “For O’ Sullivan, the
encounter draws on affect as a physiological response that precedes the mediated processes of language. This
pre-cognitive sensorial process is produced through experience that neither affirmes nor sustains normative
unterstandings and emerges momentarily outside of discurse, offering a unique and temporal opportunit for the
production of difference as new and creative thought.”
43
da imagem de uma “viagem exterior que se enlaça com a viagem interior”. Propõe-nos entender
a formação considerando a construção de sentido que somente é possível no entrelaçamento
entre o externo e o interno, entre o todo e a parte, entre o individual e o coletivo. Nesse contexto,
somente é possível pensar a “experiência formativa” a partir de si, da descoberta da identidade,
da percepção do modo como interpretamos o mundo. Ao dialogar com “os heróis de Handke”,
Larrosa nos aproxima da compreensão de que para que a formação, a aprendizagem, ocorra,
precisamos nos encontrar com nossa forma de ser, estar e interpretar o mundo, com nossa
identidade, com a peculiaridade de cada um. Com o que está em nós e que colocamos em
diálogo com o mundo ao vivenciarmos essa exposição.
A busca pela própria palavra, portanto, tinha íntima relação com a identidade e com a
capacidade de reinvenção de si.
Desse modo, pareceu relevante pensar a formação como investigação viva que considera
a importância dos processos, da construção de sentidos, do conhecimento posto em rede e da
criação de uma obra como experiência que ressignifica a aprendizagem ao encontrar na
materialidade modos de representação do pensamento, dos processos e dos sentidos do grupo.
Aspecto que DEWEY (2010) nos provoca a refletir ao falar sobre a experiência estética como
possibilidade de trazer na materialidade a representação dos significados e dos valores
vivenciados no processo.
Encontrei nesse grupo e nessa escola, tempo e espaço para me dedicar a essa
investigação, considerando a experiência estética e a materialidade como possibilidade de
representação do pensamento e construção de sentidos e significados a partir de uma produção
coletiva que resulte da discussão, partilha, reencontro com as histórias de vida, construção de
sentidos, pesquisa e criação.
Como disse acima, como ponto de partida, busquei pelo caminho de volta. O reencontro
com as marcas da própria história, com as raízes, as identidades de cada uma. Procurei criar
tempo e espaço para deixar emergir a voz de cada professora sem saber ao certo quais os ecos
que essas vozes produziriam, mas com a perspectiva de, à partir delas, encontrar o comum desse
grupo.
Escolhi atentar-me às palavras, aos silêncios, aos gestos... Deter-me a esse grupo de
modo a encontrar alguns de seus múltiplos, como aponta ALMEIDA (2010). Re-conhecendo
cada sujeito, sua potência, suas marcas, sua voz, seu sabor e seu saber. Com escuta e olhar
ativos, começamos a encontrar nossas palavras de chão, as experiências do corpo que foram
sendo re-significadas nos diferentes corpos que compõem essa equipe.
A reflexão sobre a escola e seu cenário cotidiano como potência de construção da autoria
do professor, foi disparadora para essa experiência de formação que se fez dentro da escola Vila
do Aprender, no encontro entre as professoras, entre elas e seus saberes, entre elas e suas
experiências de mundo. O foco dessa investigação fez-se em torno das narrativas de professoras
e da produção coletiva de uma obra como caminho possível para o reencontro com os saberes,
com a potência criadora e com a voz autora de cada indivíduo e do grupo.
Esse modo de entender o percurso formador, considera o indivíduo e suas conexões com
o outro e com o mundo, uma experiência que potencializa o processo aprendiz e altera a
percepção para o entorno. Essa forma de se colocar em relação, potencializa a construção e
reconstrução de significados em uma rede que se faz e se refaz ao nos colocarmos em contextos
de escuta e de criação.
Cada um de nós ordena e nomeia aquilo que vê, que escuta e que toca por meio de um
sistema próprio de significados. A percepção é um exercício de confronto entre
diferentes sistemas e sentidos. Essas tensões produzem a necessidade da criação de
um campo poético, no qual a visão de mundo particular de cada um pode se tornar
questionável. Com a criação desse campo poético, o indivíduo pode tornar sua visão
singular de mundo em potencialidade. (AMARAL, 2008 p. 46)
46
A hipótese de que o modo particular com que cada um percebe o mundo, posto em
relação, potenciaria a construção de novos sentidos e significados no processo de formação das
professoras, foi um dos aspectos que moveu-me a considerar contextos de partilha e de
confronto de ideias como ponto de partida para esse projeto. Considerando que as marcas do
percurso escolar poderia tê-las distanciado dos saberes da experiência e da voz própria, pareceu
relevante iniciarmos essa investigação pelo reencontro com os sentidos de cada membro dessa
equipe em torno de algo comum. Assim, lancei-me a essa experiência buscando pela identidade
desse grupo a partir do olhar para a identidade da escola.
Eu não supunha que essa pergunta nos levaria para terrenos tão significativos.
Tivemos o relato da professora que lembrou sobre sua infância na Vila Olímpia (bairro
onde se situa a escola Vila do Aprender), sobre as brincadeiras nas ruas alagadas em dias de
chuva, sobre as memórias dos encontros com os primos nesses momentos, sobre a fala da mãe
preocupada com a brincadeira dos meninos...
47
Da outra que falava da Vila do Chaves e a experiência de assistir esse desenho com as
crianças do bairro. O desejo de fazer parte daquela Vila e o modo como ela permeia seu
imaginário...
Houve a que partilhou a experiência da infância mais dura vivida no interior do nordeste.
Sem a televisão, sua Vila do Chaves era o quintal/rua/terreiro, que ocupava com os outros
meninos e meninas... Os pés no chão, as brincadeiras, até os conflitos ganharam um novo sabor
em sua memória...
A imagem trazida em torno do nome Vila do Aprender, não era a mesma que traziam
em torno da experiência que relatavam viver na escola. Colocavam na instituição a
responsabilidade por não terem esse espaço de encontro no cotidiano. Queixavam-se da falta
de tempo para discutirem ideias, para as negociações, para o planejamento do trabalho. Não
enxergavam no cotidiano e na ação coletiva desse grupo, frestas para construírem esse espaço
de troca.
Diante dessa fala, perguntei sobre o que faziam para tentar modificar essa realidade e
ouvi como resposta as justificativas que as impediam de agir quanto a isso: Os horários de
intervalo eram usados para organizarem algo de seus grupos e não poderiam dispor desse tempo,
48
durante as aulas tinham que ficar o tempo todo com as crianças, os espaços não permitiam que
reunissem duas turmas etc.
Saímos da reunião com essa inquietação. Por um lado, a motivação que a imagem da
vila proporcionou em cada uma de nós, por outro, a sensação de um tempo que as amarrava e
as distanciava dessa possibilidade de encontro. Será que era isso?
Quinze dias mais tarde, em nosso próximo encontro, uma das professoras pediu para
contar sobre uma experiência vivida com seu grupo e os demais. Ao produzir uma construção
com caixas com seus alunos, combinaram de leva-la em cada sala para que todos os grupos
pudessem intervir. Assim foi feito. Cada turma deixou sua marca nessa construção que, ao ser
concluída com a participação de todos, passou a ocupar a entrada da escola, pois já não pertencia
a uma única turma.
Não havia uma tarefa, sequer um pedido, para que fizessem algo com o que
conversamos no encontro anterior. Ainda assim, algo foi acionado e mobilizou uma das
professoras para essa troca com as demais. O contexto espontâneo de partilha, trouxe um novo
sentido para estar junto no cotidiano da escola, junto aos alunos, em torno das aprendizagens
de adultos e crianças, em torno da possibilidade de construir algo juntas. Criação e autoria.
O exercício da busca pelo sentido da palavra Vila, trouxe imagens variadas para o centro
de nossa roda. Fruto das diferentes interpretações, das vozes de cada uma que foram somadas
49
Essa movimentação ainda incipiente, não parecia ser tão visível ao grupo que, com
naturalidade, começou a relatar algumas trocas sem destacar o quanto essa experiência era
recente.
seguinte, cada professora deveria trazer um livro, uma poesia, uma música, a imagem de uma
pintura ou escultura que tenha um significado especial. Apenas esse pedido, nenhum outro
combinado foi feito.
Duas semanas mais tarde, cheguei mais cedo, como de costume e me dirigi ao local
onde realizaríamos nosso encontro. Diferentemente das outras vezes, todas já estavam lá,
organizando os espaços que contariam suas narrativas...
- Vamos preparar juntas a sala? Podemos organizar de acordo com o material e não com
a pessoa.
E assim fizeram. Juntas, cuidaram daquele espaço que foi ganhando cor, forma, som,
vida... história.
Mesas ocupadas com livros, com poesia, com imagens, com memórias...
Na sala, o som da música suave que tocava no aparelho, misturava-se às vozes das
professoras que conversavam entre si sobre o desafio da escolha por esse ou aquele livro,
música, pintura...
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Figura 1. Imagem de parte da sala no dia da partilha de algumas referências das professoras. (Foto de
Patricia Mochida)
Figura 2. Imagem de parte da sala no dia da partilha de algumas referências das professoras. (Foto de
Patricia Mochida)
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Figura 3: Imagem de parte da sala no dia da partilha de algumas referências das professoras. (Foto de
Patricia Mochida)
Figura 4: Imagens e poemas trazidos, recompostos na roda durante a conversa. (Foto: Patricia Mochida)
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No horário marcado, reunimo-nos em torno das histórias de cada uma e do lanche que
estava preparado para alimentar nosso corpo e nossa alma com tudo o que estava por vir.
Ali, sentadas, sem pressa, combinamos como seria nosso tempo e espaço de escuta do
outro e de nossas histórias.
As vozes do grupo começaram a surgir... Primeiro, em torno das obras que escolheram
para compor aquele cenário de troca, logo depois, a vida de cada uma foi dando novo sentido
às músicas, às poesias, às imagens...
...Da professora que, ainda menina, via o chão de terra de sua casa se encher de água em
dias de chuva e se deixava misturar pelas palavras de Manoel de Barros contando de seu chão
de infância...
... A que ouvia Arnaldo Antunes durante a gravidez e preparava sua casa, como na
canção, enquanto esperava por sua menina...
... A que partilhou das pinturas que fez com suas próprias mãos e nos contou o quanto a
arte plástica e o desenho, desde menina, foi um canal para curar suas dores e compreender o
incompreensível do mundo que a habita...
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... Da professora que, diante desse pedido para o encontro de formação, foi em busca
das canções escritas e tocadas por seu pai que, quando vivo, fazia parte de um grupo. Nessas
duas semanas de busca por sua história, reencontrou-se com o pai e promoveu o reencontro dele
com a família...
À medida que foram contando suas histórias, começaram a recuperar fragmentos que
revelavam suas identidades. Marcas de vida que foram se costurando a partir das representações
que compunham as narrativas de cada uma. Esse repertório pessoal, foi ganhando sentido em
nosso pequeno coletivo, iniciando a construção do comum do grupo.
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Ali, diante de nossas histórias, das emoções que provocavam em cada uma de nós e nas
demais, nos tornamos mais humanas e sensíveis umas às outras.
Naquele momento, não havia o receio da partilha, não esperavam pela voz diretiva da
professora, não importava qual o sentido útil daquela experiência. Pudemos nos expor. Falar e
ouvir. Sentir e tocar. Admirar, trazer para perto, para dentro. Trouxeram o outro para o diálogo.
Colocaram-se em relação, relacionaram também seus saberes. Nesse gesto de comoção,
moveram-se com o outro.
Conversar sobre essas experiências, sobre suas memórias assemelha-se a ideia de versar
com, versar com o outro sobre as marcas de sua/minha/nossa história. Em meio a essa
possibilidade de versar, principiamos nossa construção. Os simbólicos, as imagens que
começaram com a identidade da escola, com a imagem da palavra vila como ideia de encontro,
agora, com as marcas das histórias de cada uma interligadas com a arte expressa em suas
diferentes linguagens e os sentidos que foram constituindo na experiência do grupo e de cada
membro que o compõe, foram alicerçando a construção desse coletivo no encontro com a
aprendizagem entrelaçada às histórias de vida.
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A composição dos diferentes olhares foi o primeiro passo para essa ampliação. Com a
hipótese de que ao se colocar com o outro, amplia-se o olhar, as referências, as possibilidades.
Oportuniza-se nessa troca, o surgimento de um terceiro lugar. Cria-se um novo olhar, uma nova
percepção a partir do deslocamento que essa integração nos provoca. Acessamos e
confrontamos, por meio dessa experiência, o antigo e o novo, o supostamente conhecido e o
desconhecido, o eu e o outro. Possibilitamos um religar de olhares, pensamentos e intensões.
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Com essa imagem, começamos a buscar aquilo que nos entre-laçava, o entre lugar que
nasceria no encontro e no confronto, entre o eu e o outro, entre o interno e o externo, entre o
individual e o coletivo...
Deixar vir na voz e na palavra falada as impressões sobre o mundo e o conhecimento, tem
sido um passo importante para a construção da palavra autora, escrita de um novo lugar, com
nova consistência.
A experiência de partilha das histórias de cada uma na relação com as imagens, os textos,
as canções, as esculturas etc., trazidas pelo grupo, aproximou-nos da fronteira que nos aponta
Rita Irwin, colocou-nos a repensar nossos próprios processos a partir da escuta e da experiência
do outro.
Esse entrecortar de olhares e fronteiras, a possibilidade de religar o que está dentro e o que
está fora, criou espaços para começarmos a re-pensar, re-significar, re-encontrar... papeis,
caminhos, sentidos, aprendizagens...
De que lugar esse encontro com o externo atravessaria o interno? Quais as conexões que
provocariam? De que forma essa experiência nos colocaria a re-pensar, re-aprender? Como
possibilitaria que tateássemos nossas percepções de mundo?
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Essa foi uma colocação comum a boa parte do grupo que, novamente na posição de aluno,
buscou pela palavra de direção que apontaria para algo quase concretamente aproveitável, útil.
A partir da vivência com os convidados e da fala das professoras, procurei retirar as camadas
desse discurso. Seguimos com a perspectiva da escuta e da potência da palavra do grupo. Com
a possibilidade de encontrarem novas relações e saberes a partir dessa reflexão coletiva.
- Do que vimos e ouvimos nos encontros com Irajá Menezes e Carla Zavatieri, que
aproximações podemos fazer com experiências anteriores? – Perguntei.
Diante dessa questão, levantamos palavras, gestos, imagens, sons... que cada uma colocou
em relevo, relacionando suas percepções às linguagens que foram trazidas.
Essa aproximação, não tinha a intenção de criar possibilidades para trabalhar com os alunos,
como disseram inicialmente, mas para pensar em campos de aproximações, em relações que
foram possíveis a partir do vivido, em como os recortes trazidos revelam aprendizagens e
saberes que são acionados e alargados a cada fronteira que rompem.
Esse exercício de encontrar nas palavras (faladas e escritas), nas imagens, nos sons e nos
gestos trazidos, referências pessoais, possibilitou a aproximação entre as diferentes leituras do
grupo, as interpretações que fazem a partir de suas experiências pessoais na relação com o
mundo e com a cultura. Identidade. Identidades.
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Também ampliação das percepções sobre seus saberes e a possibilidade de não se deter na
primeira mirada. Ao contrário, tentar trazer para dentro, encontrar conexões, retirar as camadas.
Segundo FREIRE (2016, p. 86): “Um dos saberes fundamentais à minha prática educativo-
crítica é o que me adverte a necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade-
epistemológica.”. O apontamento de Paulo Freire ajudou-me a refletir sobre os caminhos
possíveis para oportunizar essa promoção que, nessa situação, estava mais especificamente
vinculada à condição de acionarem os saberes que tinham acerca dos assuntos trazidos e os re-
posicionarem ampliando a reflexão e a consistência posta nos conhecimentos que fossem
colocados em jogo. Esse é um exercício ao qual pouco fomos expostas em nossa história de
formação e necessitam de investimento para que sejam naturalizados em nossas experiências.
A provocação realizada em torno das aproximações do grupo acerca das referências trazidas
pelos artistas, resultou em uma pequena ampliação do olhar. Levantamos juntas, oralmente, as
percepções que revelaram. Entre os apontamentos, falaram sobre aproximações com uma
Língua estrangeira, sobre a leitura dos gestos e expressões do dançarino, levantaram hipóteses
sobre diferentes ritmos e a reação espontânea do corpo, questionaram aspectos políticos e
religiosos a partir da fotografia trazida por Carla Zavatieri etc.
Esse foi nosso último encontro de formação do primeiro semestre de 2016. Encontro que
nos preparava para as marcas do registro, da palavra escrita como lugar de representação do
pensamento. Assim, antes de sua conclusão, deixei o pedido para a escrita de uma avaliação do
percurso. Nada muito direcionado, apenas a solicitação de que registrassem as marcas dessa
experiência pensando nos sentidos e nas aprendizagens desse período. As primeiras palavras-
texto que declarariam a voz dos indivíduos que compõem esse coletivo.
O destaque para o prazo, aponta para uma transformação. No início desse percurso, por
vezes, solicitei registros que não foram entregues ou somente chegaram após uma “cobrança”.
Essa mudança de postura, o comprometimento com o envio e o formato dos registros, fizeram-
me crer que haviam atribuído um sentido particular a esse ato de por em texto os pensamentos
nesse momento. Talvez, não mais por um compromisso com o outro externo, mas por um
compromisso consigo e com a sua palavra.
No retorno das férias, em nosso primeiro encontro, com a autorização do grupo, li em voz
alta, as palavras escritas, os saberes impressos e expressos nas cartas/avaliações que me foram
enviadas.
(Adriana)
“O nosso primeiro encontro, foi uma experiência que me marcou profundamente. Este
poema me fez resgatar aquela menina que gostava tanto de poesias, de pequenos versos, e que
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tinha um caderno velho cheio de inspirações, com algumas páginas marcadas com o barro
vermelho do Nordeste. Essa era eu!
Foi com esta pergunta que finalizei o meu relato no nosso primeiro encontro. Onde foi
parar aquela menina? Em que momento ela se distanciou, ou se perdeu? Acredito que pensar
na infância é nunca esquecer o que você foi um dia. É nunca esquecer suas raízes para não se
perder.
O nosso último encontro foi bem dinâmico e construtivo, acredito eu. Acho que seria bem
interessante se tivesse a possibilidade de fazermos essas trocas de forma mais dinâmica. (só
uma dica).
Enfim...
Fechamos nosso semestre com chave de ouro. Que bacana essa troca com o outro. E como
as relações com o outro nos faz bem, como pessoa, como amigos e profissionais. Tenho certeza
que esses encontros, essa troca de experiências, esses diálogos vão contribuir cada vez mais
na relação com o outro no nosso cotidiano, refletindo assim, em nossa pratica no dia a dia com
os nossos alunos. Afinal de contas é por nós e por eles que fazemos essas trocas.”
(Alais)
“Quanto aos encontros com o grupo, infelizmente por motivos familiares me ausentei em
dois dias, o que dificulta um pouco a devolutiva. Mas penso que seria mais produtivo momentos
como o do último encontro, não somente com as professoras compartilhando experiências, mas
que os convidados também tivessem a prática como parte do encontro.
Como psicomotricista acredito que o “ouvir” atrelado ao “fazer” sempre nos atravessa
mais, afinal, muito do que ouvimos um dia podemos esquecer, mas o que vivenciamos
corporalmente sempre ficará em nós.”
(Aline)
62
O dia que tínhamos que levar para o encontro: um livro marcante na nossa vida, uma
música que gostamos, uma poesia e uma obra de artes que mais apreciamos, foi muito
emocionante!! Pois foi gostoso ouvir o relato de todas as professoras, seu e da Rose. Foram
interessantes, ricos e carregados de emoção e amor. O que me marcou foi a história contada
pela professora Alais sobre sua infância e o relato da Adriana sobre o pai músico.
No encontro com o Irajá achei bastante interessante aquele vídeo que ele passou do cantor
na praia e que ganhou um programa americano. Mostra que precisamos acima de tudo
acreditar em nós mesmos, nos nossos sonhos individuais e compartilhados.
No encontro com a Carla, achei bem importante pensar na fotografia como uma das formas
de registro dos alunos. Pensar que quando fotografo outra pessoa, devo refletir sobre a cena,
o que o outro quer me mostrar, o que ele está me passando com aquela expressão do seu rosto.
Esse espaço de formação serve com certeza para ampliarmos ainda mais nossos
conhecimentos enquanto educadoras, para trocarmos informações, estudarmos sobre
Currículo, partilharmos experiências, vivências, saberes sobre Educação. Percebo que nosso
grupo é unido e forte, também graças a esses riquíssimos e deliciosos encontros.”
(Ana Claudia)
“Para mim valeu muito para ressignificar algumas coisas como por exemplo no encontro
da Carla, pude rever uma paixão antiga que é a fotografia. Acho que o foco dos nossos
encontros com os convidados, poderia dar maior ênfase a nossa prática em sala de aula, senti
falta de dicas da Carla por exemplo de como ter um olhar para uma cena ou uma foto dos
nossos pequenos em geral. Quanto ao encontro do Irajá simplesmente AMEI! Fiquei encantada
com o olhar dele sobre as coisas!
Na minha opinião esses espaços de formação são muito construtivos, temos a oportunidade
de nos conhecer melhor, colocar-se na posição de ouvintes, escutando o outro e também o
trabalho das nossas parceiras. Acho fantástica essa ideia de compartilhar com os todos nossos
projetos, trabalhos além de nos aproximar, como amigas.
63
Encerro o semestre, feliz em fazer parte desse grupo e da Vila do Aprender, sinto-me
acolhida e parte dessa família.”
(Carla Mauro)
É possível, ao se deparar com momentos como esses, perceber o quanto podemos aprender,
avançar e progredir. Aprender com o outro é tão fundamental quanto aprender com os livros.
Nesses encontros eu aprendi ainda mais a ouvir. Ouvir com atenção e empenho, o que refletiu
diretamente em sala de aula. Não que antes não acontecesse, mas percebo uma consciência
maior, uma vontade e determinação em ouvir. E isso me fez uma pessoa melhor e acredito que
uma educadora melhor.
Ao me colocar como ouvinte, constatei o quanto aprendo com meus alunos diariamente e
me sinto orgulhosa ao perceber o quanto aprendi.
A ênfase em aprender também faz parte desse texto, repetidas vezes, aprendi tanto que peço
uma licença poética para repetir tantas vezes.
Ao finalizar o semestre me sinto feliz e realizada, mas não com a sensação de trabalho
encerrado, mas a espera de um porvir. Percebo o quanto eu amadureci e cresci, o quanto meus
alunos também aprenderam e quanto minhas práticas foram aprimoradas. Devo ressaltar que
hoje me sinto segura ao intervir com qualquer criança de qualquer grupo, pois sinto que
falamos a mesma linguagem e que todas buscamos uma formação completa, mas com a
consciência de que sempre falta algo.
Para encerrar...
O jardim ou o jardineiro?
Rubem Alves
jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa
cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro.
O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem.”
(Carla Barbieri)
Para não me alongar muito (posso escrever páginas e páginas. rs), tentarei me orientar
pelo percurso.
Achei muito interessantes as propostas feitas pelos convidados Irajá e Carla, que nos
fizeram refletir sobre assuntos diferenciados, contudo penso que eles poderiam ter costurado
melhor os conteúdos expostos com nossas práticas. Quem sabe focando em ações para o nosso
dia a dia escolar. Ex: exercícios de música e possíveis repertórios, como fazer um bom registro
fotográfico e o que devo enquadrar durante este registro (que lugar é este? Quem está nele? O
que estão fazendo? Detalhes, etc.)
Nosso primeiro encontro foi sem dúvidas o mais significativo e nos ajudou a estabelecer
um vínculo e uma proximidade que antes não existia. Foi tão significativo que me inspirou
ideias para o projeto do 1ºsemestre junto ás crianças.
Ainda gostaria de sugerir que para o próximo semestre houvesse um espaço em que as
próprias educadoras da Vila do Aprender pudessem indicar material para estudo e propor
atividades, estabelecendo assim uma troca com pessoas que de fato conhecem a escola e suas
necessidades.
Realmente acho válido trazer pessoas de fora para enriquecer o nosso olhar, mas penso
que o oposto ajudaria a fortalecer o vínculo dentro do grupo, e trazer a luz os potenciais que
esta escola já possui, e que não são poucos.
É isso. Gratidão pela oportunidade e por todo o aprendizado que nos possibilitou.”
(Kátia)
O reconhecimento do valor de suas escritas, tornou-se maior do que o receio e a dor de “ter”
que escrever. Ao se depararem com suas palavras, encontraram-se também com sua potência
de criação e com seus conhecimentos.
Os olhos e os sorrisos pareciam concordar com a colega, mas a voz disse outra coisa:
- Acho que ainda não estamos prontas. Disseram.
No meu olhar... elas só não sabiam que estavam.
Voltei para casa naquela noite, refletindo sobre o que estaria nas entrelinhas desse
pedido/desejo de exposição que o assumir da própria voz nos traz?
As palavras da professora foram para mim como lampejos de luz, ou ruídos sonoros que
apontavam para o desejo de fala.
Três duplas escolheram diferentes linguagens para propor uma experiência que envolveria
uma produção.
Iniciamos com uma dança coletiva que envolvia dança e grafia. A proposta de mover-se e
deixar a marca desse movimento em um papel preso na parede, teve como principal desafio
fazer mover nossos corpos. No princípio, a resistência provocada por uma vida pouco exposta
ao movimento dançante em um contexto de exposição.
Com passos bem lentos, começamos a nos soltar das amarras. Bem aos poucos, o receio da
exposição, começou a dividir espaço com o desejo de se render ao corpo que, provocado pelo
som, teimava em mover-se. Por fim, o pedido de que congelássemos um movimento juntas. E,
na parede, o traço que, de algum modo, também congelava a marca desse processo.
Um instante, e outra estação se fez como lugar de experiência. Dessa vez, papeis variados,
tinta, canetinha, giz... materiais que nos ajudariam a deixar marcas no papel. Representação de
pensamentos e/ou emoções.
“Eu não sei desenhar!” – Palavras que, mais uma vez, revelavam as marcas de nossa história
de opressão, de um olhar para o ensino que busca pelo “certo” sempre como palavra singular,
como caminho único.
Aos poucos, começamos a dar contorno para os pensamentos, deixamos emergir o possível
nesse registro-imagem que foi surgindo.
Por fim, outra dupla, dessa vez, com mais leveza, nos colocamos diante da experiência de
produção.
Uma das professoras trouxe os materiais – giz de cera, potinhos, gliter, lantejoulas, velas
coloridas etc. -. Em roda, observamos e ouvimos as orientações para a produção de nossas
pequenas luminárias.
71
Figura 11: Escolha do material para o preparo das luminárias. (Foto: Patricia Mochida)
Em seguida, com as luzes apagadas, as velas acesas e uma música bem tranquila ao fundo,
nos detivemos à proposta. Derretemos as velas coloridas e acrescentamos, de acordo com nossa
escolha, os itens disponíveis para essa produção.
72
Ao final, orientadas pela professora, descobrimos uma técnica para desenformar a base feita
com vela.
73
Ao observá-las nesse contexto, chamou minha atenção o modo como puderam realizar uma
ação tão presente no cotidiano do professor, com o olhar tão transformado. Uma experiência
que as aproxima de um espaço intermediário, de re-invenção e re-descoberta e da experiência
aprendiz. Reencontraram-se com propostas anteriores de forma renovada, possibilitando novos
sentidos e construindo significado.
Entendo que a arte e a experiência são a fresta que nos possibilita esse encontro com o novo
em nós e considerando, como nos diz MASSCHELEIN E SIMONS (2014, p. 43) que “a escola
não é um campo de treinamento para aprendizes, mas o lugar onde algo [...] realmente se torna
separado de seu próprio uso e, portanto, também se torna separado da função e significado que
ligam aquele algo à família ou à sociedade.”. Ao trazer algo para o jogo, ao transformar esse
algo em foco de investigação a fim de se aprofundar em alguma coisa como um objeto de prática
e de estudo; distanciamo-nos da experiência com o intuito de interpretá-la, de colocar em relevo
as percepções acerca de nossas aprendizagens.
A reflexão acerca desses encontros, acerca do que nos aconteceu como experiência, fez
emergir a percepção de que as referências teóricas e as experiências de vida foram compondo
o olhar de cada uma e possibilitando que colocassem em jogo seus saberes. Observaram que,
as experiências pessoais, ao serem recuperadas de forma consciente com a intenção de planejar
uma ação formativa, foram ressignificadas e deixaram de ocupar “apenas” o espaço de memória
para ocuparem também lugar de estudo e de aprendizagem. Saber que foi se transformando em
conhecimento à medida que passou a ser discutido com e no grupo. Por ser constituído em um
terreno que envolvia a experiência e a criação, tal conhecimento ganhou novo significado e
consistência.
Esse processo tornou visível a relação entre os sentidos e a experiência, como nos dizem
abaixo, DALHBERG, MOSS E PENCE.
Nos dois encontros que seguiram, propus que três professoras partilhassem com o grupo
recortes de seu projeto com os alunos, enquanto as demais ouviriam. Então, no encontro
seguinte, inverteriam os papeis.
Para essa partilha, precisariam olhar de forma mais ampla para as propostas realizadas com
seus grupos, mapearem as relevâncias, selecionarem os recortes que poderiam aproximar do
processo e construírem uma narrativa que nos aproximaria do trabalho. Realizariam um estudo
da documentação combinando processos e produtos.
A sensação de ser avaliada em seu fazer, provavelmente, acionou a memória dessa busca
pelo certo.
Durante a partilha, aos poucos, o certo e o errado, foi dando lugar à satisfação de ouvir os
apontamentos sobre o valor da proposta. Encantavam-se ao encontrar no olhar da professora,
nesse caso, eu, as outras vozes que compunham com as experiências que elas estavam trazendo.
Logo ao final de cada partilha, fiz rápidas e pequenas devolutivas apontando a potência do
trabalho e conectando alguns aspectos ao pensamento de teóricos que estiveram conosco nessa
caminhada como, Stela Barbieri, Jorge Larrosa, Jan Masschelein, Mirian Celeste, Miró,
Alexander Calder, Ivan Cruz...
Perceber a presença dessas outras vozes em suas ações, foi conferindo confiança e soltura
à voz das professoras que, pouco a pouco, colocavam-se mais firmes ao contar sobre suas
experiências e declarar suas intenções.
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Quase ao final dessa etapa do processo, uma surpresa: Após selecionar imagens que
colocavam em relevo o trabalho com as crianças, uma das professoras, me enviou,
espontaneamente, uma reflexão escrita sobre a fotografia no seu trabalho e uma imagem de sua
sala de aula.
“REGISTRO FOTOGRÁFICO:
“Vea Vecchi, atelierista de Reggio Emilia, acredita que toda a documentação – as descrições
escritas, as transcrições das palavras das crianças, as fotografias e vídeos – tornam-se uma
fonte indispensável de materiais que usamos todos os dias, para sermos capazes de “ler” e
refletir, tanto individual quanto coletivamente, sobre a experiência que estamos vivendo, sobre
o projeto que estamos explorando. É a partir dessa leitura e reflexão frequente que nos
tornamos capazes de construir teorias e hipóteses que nascem de fato do que aconteceu
significativamente para as crianças.”
As imagens também nos contam histórias e fazem o resgate de memórias do que já foi
vivido e experimentado. Despertando olhares de ternura transmitindo essa sensibilidade ao
apreciarmos o que está sendo compartilhado. Como no momento que a Júlia desperta o olhar
de encantamento ao compartilhar conosco seu final de semana com o mascote, mostrando ao
relatar com propriedade o quanto foi significativo essa vivência.
Eu pude observar também que as crianças tendo esse contato com essas vivências
anteriores, buscam representá-las de outra forma. Seja com os objetos ou com o outro.
Nesta imagem por exemplo: Elas estão representando a canção ‘ Se eu fosse um peixinho’.
Elas colocaram alguns objetos dentro de um
tecido e balançavam de um lado para o outro
cantando a canção. Na sala de aula tinha um
painel com a música e as imagens de cada
criança no tecido, e nós segurando nas
extremidades fazendo esse movimento
representado agora por elas.
(Bom, essa foi a reflexão que eu fiz. Fui ligando algumas situações e cheguei a essa conclusão.
Se estou certa ou errada, só você pode me dizer Renata. Rsrs..).
Fazer refletir
Nos sensibilizar
Nos emocionar
Contar histórias
Acredito que...
Em nosso penúltimo encontro do semestre, como previsto, partilhei os recortes feitos pelas
colegas sobre o que viram e ouviram acerca do trabalho e, em seguida, devidamente autorizada,
partilhei a reflexão acima, escrita pela professora, com o grupo.
A resposta da professora?
- Eu nunca havia escrito uma reflexão antes!
Com aplausos, beijos e olhares fraternos, foi acolhida e reconhecida pelas colegas.
Novos espaços de reconhecimento e de pertencimento. Novos espaços de valorização da
voz. Palavra falada e escrita. Autoria.
Essa experiência, aproximou-me do que diz Lilian Amaral (2008) ao citar Deleuze; “os
processos são os devires, e estes não se julgam pelo resultado que os findaria, mas pela
qualidade de seus cursos e pela potência de sua continuação.” (AMARAL, 2008, p. 45)
A conclusão dessa etapa, falou-nos da qualidade dos processos vividos e lançou-nos para
a continuidade com uma proposta para o encontro seguinte:
A professora que no semestre anterior havia pedido para assumirem espaços de formação,
seria responsável pela proposta do último encontro desse semestre.
Jogamos uma amarelinha especial. Retiramos elementos que tinham relação com a “casa”
sorteada por cada uma.
Em pouco tempo, não haviam mais vozes ressoando. Apenas o som dos objetos, da
respiração, os ruídos de pensamentos ganhando representações...
Na volta, em 2017, a primeira reunião fez-se no encontro com a palavra. Nossas e de outros.
Assistimos uma cena do filme “Jogo de cena”.
Aspectos importantes para desvelarmos um pouco mais esse caminho de vida e de formação.
Também fizemos duas leituras coletivas em que as palavras poderiam ser subitamente
tomadas por qualquer uma, por muitas ou por todas. As palavras de outro que tomavam
emprestadas nossa voz.
O que nos movia nessa leitura coletiva? Que palavras nos diziam apesar de não ser de nós
que falavam?
Imersas nessas narrativas que falavam em primeira pessoa, fizemos um exercício de escuta,
voz, interpretação, invenção e escrita.
Após o encontro com essas palavras de todos e de ninguém, em dupla, cada uma tinha a
missão de criar uma personagem e uma história para si e, em dois minutos, apresentar seu “eu”
imaginado para a outra. Em seguida, cada uma produziria um registro/texto apresentando a
outra para o grupo.
O receio de se colocar nessa escrita, foi apagado pelo resultado desse processo. As palavras
revelavam a abertura desse grupo que, dia a dia, descobria sua potência de vida e de criação.
No encontro seguinte, seguimos com as palavras. Dessa vez, pensando na junção entre
palavra e imagem, refletindo sobre a escolha das palavras e sua consistência.
A proposta era que, a partir da sequência de imagens, em grupo, refletissem sobre quais as
intenções da professora ao criar aquele espaço de exploração.
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Após essa etapa, discutiram sobre quais as perguntas que as crianças revelavam ao
interagirem com aquele espaço.
A primeira escrita trouxe um texto longo que descrevia as imagens e suas interpretações,
não um diálogo.
Em uma breve intervenção, propus que lessem o texto e iluminassem as palavras essenciais,
aquelas que realmente declaravam a consistência do que gostariam de dizer.
A transição de um registro que descrevia a interpretação das imagens para um que dialogava
com elas, mostrou-se visível.
Elas mal podiam acreditar no que haviam produzido! Orgulhosas, parabenizavam-se pelo
feito.
No decorrer daquela semana, sem que houvesse qualquer combinado prévio, recebi imagens
e textos de aspectos do trabalho de todas elas.
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Trabalhos que traziam fortes marcas da experiência vivida na reunião anterior. Elas foram
atravessadas por aquela experiência em gesto, imagem e palavra.
DEWEY (2010) defende que uma obra de arte, um produto, é resultado do processo vivido
na experiência e que esse processo, nem sempre torna-se visível ao observarmos a produção.
Em concordância com esse pensamento, entendo a relevância de aproximar produto, processo
e sentidos, também para os envolvidos na experiência, observei que seria relevante localizar as
marcas dessa experiência em cada uma das envolvidas de modo que, distantes do percurso,
pudessem a tornar visíveis as representações das aprendizagens.
Também tempo de aflorar a intuição, de distanciar da razão, de encontrar com a emoção, com
a resistência e com a re-existência.
Esse exercício também permite que nos (re)apropriemos dos processos e dos sentidos que
se constituíram ao vivenciá-los. Os sentidos das aprendizagens, para nós, humanos
constantemente envolvidos com o processo de aprender, de transformar, de ressigificar a
aprendizagem e nossas histórias.
O desabrochar desse grupo se fez mais inteiro e consciente com a possibilidade de produzir
e se deparar com essas produções como forma de materializar as aprendizagens desses
adultos/professores que encontraram na própria palavra o saber e o valor das suas vozes. Que
juntas, ecoavam mais fortes, mais firmes e também mais sensíveis às experiências que se deram
no corpo.
Iniciamos o processo mais concreto de produção com um pedido: que cada professora
escrevesse em uma folha, individualmente, palavras que representassem as aprendizagens que
identificavam terem adquirido nesse percurso de quase 3 anos de parceria.
O silêncio completo durante a produção, revelou o mergulho nas memórias desse tempo...
Queriam escolher muito bem as palavras que dariam relevo e sentido ao processo.
Reflexão-arte
Conhecimento
Troca
Sensibilidade
Experiências
(Professora Alais)
Inspiração
Inspira a ação
Respira na ação
Vivência, evidência
Evidencia a ação
Vive
Respira
Desperta a respiração
Acorda a razão
Para viver a ação.
Inspira, respira e expande,
Jamais retrai.
(Professora Kátia)
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Figura 16: “Ateliê” – “Olhar que inspira ação.” (Foto: Kátia Sousa)
Olhar atento...
Inspiração de vida!
Liberdade e construção
(Professora Carla Mauro)
Figura 17: “Tapete da sala de reuniões” – “Aqui a gente se reúne, se une, se envolve.” (Foto: Carla
Mauro
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ObSERvar
(professora Flávia)
Aprender fazendo
Olhar
Refletir
Querer
Desejar
Sonhar
Mudar
Conhecimento prévio
Saberes
Encantamento
(Professora Carla Barbieri)
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Figura 19: “Ateliê” – “Símbolo do olhar atento que temos construído nesse percurso.” (Foto: Carla Barbieri)
Escola – Criança
Observação – Produção
Pensamento – Olhar atento
Ação – Escuta
Reflexão – Fazer artístico
Ressignificação – Interação
Ideias
Evoluir
Construção
Sala do G4= Espaço de aprendizagem da escrita, leitura e das interações.
(Professora Ana Claudia)
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Figura 20: “Sala do G4” – “Espaço da aprendizagem da escrita, leitura, interpretações e das interações.”
(Foto: Ana Claudia Federighi)
Eterno aprendizado
Conhecimento nunca acaba
Renascimento
Evolução
(Professora Adriana)
Figura 21: “Horta” – “Essa alface representa Renascer, Descobrir, ideia de eterno aprendizado.” (Foto:
Adriana Wertchko)
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As palavras escolhidas para o breve texto que tinha a proposta de revelar as aprendizagens
de cada uma, trouxe pelas palavras e por sua composição, também uma preocupação poética e
estética, revelando intencionalidade e atenção para forma e conteúdo.
- Precisamos produzir uma obra que fale dessa acolhida e da importância desse processo
para nosso crescimento pessoal e profissional. – Alguém falou.
- Tem que ser algo que caiba todo mundo! Quem partiu e quem chegou para seguir conosco.
Então, debruçadas e mergulhadas nessa missão, deixaram-se estar ali, sem pressa. Apenas
entregues à obra que estava prestes a nascer e dar nova vida, materialidade e sentido àquele
ciclo tão transformador.
Por dias debruçaram-se sobre o projeto dessa construção. Olharam para seus grupos, as
construções com os alunos, perceberam o que dessa experiência levaram para a sala de aula e
vice-versa.
Com essas marcas, chegamos ao dia em que concluiriam a obra e partilhariam comigo essa
produção.
Eu, do lado de fora da sala que por tantas vezes nos encontramos para vivermos essa história
de formação, escutava alguns ruídos, observava movimentos que surgiam por traz da porta de
vidro, sentia o arrepio doce e intenso de uma etapa do trabalho concluída.
Um silêncio avassalador foi interrompido pela Patricia, fotógrafa que estava responsável
por registrar com sua lente aquele momento. Ela abriu a porta autorizando minha entrada...
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Ao cruzar aquela fronteira, deparei-me com uma sala escura que se fazia iluminar pelas
luzes dos celulares que, propositalmente, estavam com as lanternas acesas em torno da obra.
No chão, um tecido fazia o papel de um tapete, guardando sobre ele ela, A CRIAÇÃO!!!!
Uma mandala! Ao lado dela, um “bastão que fala”. Produção inspirada na cultura indígena
que guarda em si o direito à palavra. Palavra que, naquele contexto, segundo elas, deveria sair
do coração.
Figura 23: Apreciação da obra. Palavras de partilha do processo. (Foto: Patricia Mochida)
De posse do bastão que fala, a primeira professora tomou a palavra... Então, uma a uma,
com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas, falou do valor e do sentido que aquela
experiência de aprendizagem lhe proporcionou.
“Você acreditou em nós. Em nossa palavra. Hoje também acreditamos e sabemos do valor
do nosso conhecimento. Você nos emancipou!!!”.
Com as mesmas lágrimas que escrevo essa narrativa, falei ao grupo naquele momento.
Juntas, vivenciamos nosso percurso como professoras, artistas, pesquisadoras. Concluímos um
ciclo de muito aprendizado e apropriação de nossa palavra.
Contaram sobre como pensaram a materialidade e sobre a emoção posta nessa produção.
Intelecto e emoção misturavam-se na composição desses saberes que acontecem no encontro.
- Temos que tornar pública essa obra! Precisamos colocar na entrada da escola. Todos
precisam saber o valor do que estudamos!
Hoje, quem entra na Vila do Aprender, encontra-se com a mandala construída pelo grupo
com os dizeres: “Mandala construída pelo grupo de professoras da Vila durante as reuniões de
formação. Resultado de um ciclo de aprendizagem e emancipação.”
Nesse caminho de investigação e busca pela palavra autora, pela identidade e entre as
identidades desse grupo, temos vivenciado experiências de encontro com as marcas de nossa
formação e também a com a redescoberta de nossos desejos de ensinar e aprender. De reinventar
caminhos. De construir novos saberes e novos significados. Esbarramos na percepção de que
os métodos tradicionais precisam de vida e de viver e que nossa forma de viver as experiências
de ensino e aprendizagem, de pesquisa e criação, igualmente, necessitam de vida e de viver.
Aquecidas com essa potência de vida, de pesquisa, de criação e de ensino, nos encontros
que se seguiram após à construção da mandala, debruçamo-nos a refletir sobre as aprendizagens
desse percurso e a forma como essa experiência nos atravessou.
- Queremos ampliar essa experiência. Trocar com outros. Queremos propor encontros de
formação na escola Vila do Aprender! – Disseram.
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Mais uma vez voltamos à Vila como metáfora. Como a imagem de lugar para encontros
com a aprendizagem.
Mobilizadas com essa voz que começa a surgir, as professoras da Vila do Aprender
começam a se preparar para realizar um encontro de formação nesse espaço/escola.
Ao serem questionadas sobre o que pensavam para esse caminho e para quem gostariam de
propor esse encontro de formação, disseram:
- Queremos iniciar esse caminho fazendo a formação das auxiliares e recreacionistas da
escola. Achamos que elas merecem vivenciar um pouco dessa experiência que tivemos.
Com essas vozes transformadas, mais firmes e conscientes de seu papel, seguiremos nesse
caminho de investigação e descoberta da nossa voz autora, das narrativas de educadoras que
renovam dia a dia seu gesto aprendiz e sua pesquisa de formação ao reconstruírem suas
narrativas e se encontrarem com a vida e com o viver.
Nesse capítulo, ao me debruçar sobre a experiência vivida com o grupo e as teorias que
nos referenciaram, tenho a intenção de me colocar na fronteira posta entre a experiência e o
sentido, entre a teoria e a prática, entre a ação e a reflexão, com a perspectiva de colocar em
relevo algumas das conexões que estruturamos e as aprendizagens que proporcionaram.
Aos poucos, percebi que essa investigação sobre a formação de professores se daria em
torno de três aspectos: a experiência de partilha de histórias de vida e de formação (o encontro
com as vozes do grupo), produções coletivas e encontros com os saberes do grupo (o princípio
da construção da autoria) e a pesquisa a partir da reflexão sobre a prática e a conexão com
teorias.
O ponto de partida para essa investigação, deu-se com a inquietação em torno da escola
e o modo como ela, ao longo do tempo, colocou-nos diante da aprendizagem. Carla Rinaldi nos
ajuda a pensar a respeito ao dizer:
com esse grupo, tão marcado pela escola da reprodução e do silenciamento das vozes de alunos
e professores.
Como partilhei nos capítulos anteriores, iniciamos esse processo com os relatos de
experiência, das histórias pessoais e as marcas das identidades das professoras.
Essa relação íntima entre agir e sofrer a ação, entre relembrar e reinventar, entre
pesquisar e criar, ajudou-nos a ressignificar o papel do professor.
Reconhecer o papel de cada uma nesse processo e o valor de cada experiência para a
composição desse todo, reanimou nossa forma de ser e estar no mundo e de nos relacionarmos
com o conhecimento, colocando-nos entre e dentre as identidades mencionadas por Irwin.
Esse, acredito, foi um diferencial para nossa construção. O reencontro com nossa
identidade e a percepção de que ela orienta nossa relação com a aprendizagem.
Tal percepção, aos poucos, foi dando sentido às experiências e mobilizando em cada
professora sua potência formadora e aprendiz.
Vivenciar uma pesquisa que tem a si mesmo e seus processos de aprendizagem como
foco de investigação, possibilitou, como nos diz Rita Irwin (2008), uma maior compreensão
das identidades pessoais e o reconhecimento de suas ações pesquisadoras como sujeitos da
própria aprendizagem.
Colocamo-nos nas fronteiras, como nos diz IRWIN (2008), começamos a exercitar o
re-pensar, re-inventar, re-aprender.
Nesse gesto de repetir, observar, associar etc., comecei a perceber, que as discussões e
as ações realizadas no grupo, passaram a fortalecer a confiança das professoras em suas práticas.
Começaram a criar contextos de aprendizagem para seus alunos a partir das re-descobertas que
faziam acerca do olhar para o ensino e a aprendizagem. Ao refletir sobre como aprendemos,
começaram a pensar sobre como seus alunos aprendem e a criar cenários mais potentes para
essas aprendizagens.
As buscas pelas respostas ainda se mostram presentes. Acredito que isso também é do
humano. Mas a descoberta do gesto investigativo, a percepção de que as perguntas estão em
nós a medida que nos colocamos a observar as situações e questionar os caminhos, começou
provocar contextos de problematização e, consequentemente, novas construções e
aprendizagens.
Encontro nesse capítulo um espaço para deixar ecoar minha voz própria e o modo como
reconstituo minha identidade pessoal e profissional a partir dessa busca pela autoria e pelas
identidades integradas de Artista-Professora-Pesquisadora.
Encontrei-me nesse processo, com desafios e potências que não reconhecia em mim.
Deparei-me com incorências que revelam as marcas de minha história na e com a escola.
Marcas do ensino da transmissão e da reprodução, do silenciamento da minha voz, mesmo com
a tentativa de fazê-la ecoar. Nesse processo, ao “mirar-me no espelho”, tantas vezes vi refletida
a imagem da “mestre explicadora”; precisei lidar com a frustração diante do erro, da falta, da
insegurança pesquisadora, do desafio da escuta desprovida de expectativa, das limitações do
meu repertório.
Também me deparei com a força do enfrentamento, com a coragem para fazer novas
buscas, com a capacidade de me reinventar, de encontrar no aparentemente familiar, algo novo:
Eu mesma, minha vida e profissão.
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Provocada por uma observação feita pela professora Vera Ronca, encontrei nesses
contextos, potência de vida e de morte. Experiência de rompimento e de
renascimento/transformação. Penso que a mestiçagem que nos propõe IRWIN (2008) ao falar
da integração das identidades de artista-professora-pesquisadora, somente se constitui e se
reconstitui nesses contextos de vida e de morte, de ação e transformação. De criação constante
de nossa possibilidade de ensinar e, sobretudo, de nossa capacidade de aprender.
Aprendi com essa pesquisa, que o encontro com a voz experiência, nasce no desafio e
no enfrentamento da exposição. Portanto, com entrega e coragem;
Descobri que escuta inteira tem a ver com disponibilidade para encontrar (se) com a
palavra do outro;
Que criação é processo que nasce do encontro conosco e com a experiência do mundo
em nós – interpretação e representação -. Que tem a ver com o que deixamos entrar. Com o que
resignificamos em nós e devolvemos ao coletivo para que ganhe novos sentidos;
Aprendi que a consciência da falta é o que me move nessa busca e que é na incompletude
que avanço no ato pesquisador;
Acima de tudo, percebi que a escola que tento reescrever, reinventar, nasce da escola
que me acolheu, me formou e continua a me (trans)formar como humana e aprendiz, que
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7. Considerações finais
Nesse exercício de escrita tenho refeito a mim mesma. Meu modo de pensar e viver os
processos de formação de professores. O que, de certa forma, confirma as hipóteses
investigadas que relacionavam à formação ao encontro com a identidade e a construção da
autoria entendendo que nesse processo de reinvenção, ambas passam por constantes alterações.
A defesa da escola e desse espaço como lugar de tempo livre para o estudo, para o
encontro com algo do mundo e a potência aprendiz, proposta por MASSCHELEIN E SIMONS
(2014), aproxima-me, da defesa dos professores e de suas vozes dentro da escola, tornando
104
também, e sobretudo, para os educadores esse espaço como lugar de encontro com a criação,
com suas identidades pesquisadoras e seus gestos aprendizes. O que, nesse contexto, significou
dizer, que foi preciso encontrar tempo livre para que as professoras construíssem canais de
diálogo, que exercitassem a escuta e a fala, que validassem seus saberes e criassem modos de
representarem seus pensamentos de modo a ampliarem e resignificarem seus aprendizados.
A primeira constatação foi a de que essa conquista não se faz na declaração da proposta,
mas precisa de construção. De vida e de viver.
O encontro com as histórias de vida foi o primeiro passo para conseguirmos aproximar
o grupo de uma relação mais estreita entre a vida e o saber, entre a experiência e a aprendizagem,
entre a informação e o conhecimento.
O caminho de encontro com a identidade individual e coletiva desse grupo, fez com que,
aos poucos, se autorizassem a assumir suas palavras e seus saberes, a reinventarem
possibilidades de atuação. Essa construção deu-se em torno dos simbólicos, das interpretações
de diferentes contextos, das experiências de criação, da construção do comum desse grupo.
105
Aos poucos, essas identidades, reveladas a partir das histórias de vida e ressignificadas
nas experiências de partilha, de representação do pensamento/impressões e da criação coletiva
de uma obra que trazia em seu resultado os sentidos do processo, começaram a ganhar força e
a se manifestar de forma mais consciente nas produções que eram realizadas.
Essa possibilidade de encontrar-se consigo fora de si, foi bastante significativa para a
percepção dos saberes do grupo e de cada uma e, mais do que isso, para a possibilidade de se
expor e com isso, vivenciar a experiência, construir e reconstruir conhecimento.
Como nos diz SALLES (2013, p. 127), “O percurso criativo pode ser observado sob a
perspectiva da construção de conhecimento. [...] O percurso criador deixa transparecer o
conhecimento guiando o fazer, ações impregnadas de reflexões e de intenções de significado.”.
Também eu, senti-me provocada e transformada a partir dessa experiência de busca pela
voz e pela autoria. Pelas questões que me movem e pelos modos que podem se manifestar na
minha ação no mundo.
Ao falar de posição, falo também de posicionamento, já que essa pesquisa renovou em meu
olhar e em minha atuação a crença de que a educação e a arte são gestos políticos que solicitam
posicionamento e, para isso, necessitam do encontro de nossas identidades e do reconhecimento
dos sentidos que nos constituem.
Assim, enquanto buscava pela voz do outro, encontrei-me com minha própria voz, com
minha própria busca pela palavra autora. Re-nasço nesse processo junto com a ComPosição:
Encontros de formação. Um espaço democrático de encontro com educadores e suas perguntas.
Com sua postura pesquisadora, criadora e aprendiz.
Referências
ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (Org.). O
coordenador pedagógico e o espaço da mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2010.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Matins Fontes, 2010.
FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
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FREIRE, Paulo. Alfabetização: Leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011.
IRWIN, Rita. A/r/tografia: uma mestiçagem metonímica. In: BARBOSA, Ana Mae, AMARAL,
Lilian (Org.). Interterritorialide, mídias, contextos e educação. São Paulo: Editora Senac:
Edições SESC SP, 2008 p. 87-100.
LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica editora,
2014.
MASSCHELEIN, Jan. SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo
Horizonte: Autêntica editora, 2015.
RINALDI. Carla. Diálogos com Reggio Emila: Escutar, investigar e aprender. São Paulo, Paz
e Terra, 2012.
SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processos de criação artística. São Paulo:
editora Intermeios, 2013.
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Anexos
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