A Construção Da Voz Autora Do Professor Narrador Uma Experiência de Formação de Professores No Cotidiano Escolar

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 117

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


INSTITUTO DE ARTES DE SÃO PAULO
Programa de Pós-Graduação em Artes

Renata Araujo Moreira dos Santos

A construção da voz autora do professor-narrador: uma


experiência de formação de professores no cotidiano escolar

SÃO PAULO
2018
Renata Araujo Moreira dos Santos

A construção da voz autora do professor-narrador: uma


experiência de formação de professores no cotidiano escolar

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradução em Artes ao


Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho”, como exigência para obtenção do título de Mestre
em Artes. Área de concentração: Arte e Educação. Orientadora:
Profa. Dra. Luiza Helena da Silva Christov

SÃO PAULO

2018
RENATA ARAUJO MOREIRA DOS SANTOS

A CONSTRUÇÃO DA VOZ AUTORA DO PROFESSOR-NARRADOR:


Uma experiência de formação de professores no cotidiano escolar

Dissertação de mestrado aprovada como requisição parcial para obtenção de grau de Mestre em
Artes no curso de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estudual
Paulista – Unesp, com Área de concentração em Arte e Educação, pela seguinte banca
examinadora:

Profª. Drª Luiza Helena da Silva Christov


Instituto de Artes da Universidade Paulista/ SP – Orientadora

Profª. Drª. Rita de Cássia Demarchi


IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Técnologia de São Paulo/Cubatão

Profª. Drª. Vera de Faria Caruso Ronca


Instituto de Artes da Universidade Paulista/SP

Suplentes

Prof. Dr. Giuliano Tierno de Siqueira

Instituto de Artes da Universidade Paulista/SP

Profª. Drª. Cecília Hanna Mate


Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/SP

São Paulo, 12 de maio de 2018.


Com amor e gratidão, à minha mãe e com amor e saudade à minha avó, em memória.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por toda a caminhada.


À Profa. Dra. Luiza Cristov, com imensa admiração, respeito e gratidão, pela confiança, pela
escuta disponível e pelas provocações que abriram portas para novos aprendizados.
À Profa. Dra . Rita Bredariolli e ao Prof. Dr. Agnus Valente pela leitura crítica e consistente do
relatório de qualificação e pelas orientações que foram de grande contribuição para os novos
rumos dessa pesquisa.
Aos professores que iluminaram essa caminhada de estudos durante a pesquisa de mestrado ao
trazerem novas vozes e vida nas aulas propostas nas disciplinas; Prof.a Dra. Luiza Cristov, Profa.
Dra. Rita Bredariolli e Profa. Dra. Rejane Coutinho.
À Professora Cleide do Amaral Terzi, que inspira o melhor em mim, com seu compromisso,
seriedade e pesquisa na formação de professores, coordenadores e diretores. Também por sua
confiança, aposta e presença.
Ao amigo mais que especial, Dr. Petty, por todo o incentivo, escuta e presença ao longo da vida.
À escola Carandá Vivavida, em especial, à direção, por todo apoio, incentivo e aposta nessa
minha caminhada de formação.
À escola Vila do Aprender, em especial à equipe de professoras e à direção, pela confiança,
pela vida e pela entrega a esse trabalho que construímos juntas.
À fotógrafa, Patricia Mochida, que esteve ao meu lado nessa jornada de formação e tão
sensivelmente, capturou as imagens que me ajudaram a compor as marcas dessa trajetória.
À fotógrafa e educadora, Carla Zavatieri, pela partilha dedicada e comprometida que tanto
contribuiu para as discussões com o grupo de professoras.
Ao músico e educador, Irajá Menezes, que com sua voz, encantamento e pesquisa, provocou
novos ecos em cada uma de nós.
Ao colega André Amaral, pelas trocas vividas durante as aulas.
À nova amiga, Camila Nunes, por sua parceria tão inteira e generosa nessa caminhada junto.
À Renata Gelamo, por sua voz, delicadeza e partilha durante essa escrita.
A todos os alunos, professores, coordenadores e diretores que tanto me ensinaram e ensinam.
Ao provocador grupo de pesquisa Rodalíngua, com os ensinamentos que trazem para a vida.
À minha mãe, pela paciência, pelo amor, pela presença, pelo incentivo, pelo valor à educação
e à vida.
RESUMO

A presente pesquisa trata da importância das narrativas e da produção coletiva de professores


na formação continuada na escola, como caminhos possíveis para a construção da autoria e das
identidades de artista/professor/pesquisador. A formação realizada na escola Vila do Aprender,
na região sul da cidade de São Paulo, fez-se por um período de três anos (2015-2017). Com o
intuito de investigar os aspectos acima mencionados, propôs conexões com a pesquisa sobre a
A/r/tography, desenvolvida pela professora Rita Irwin, além de considerar as teorias
desenvolvidas por teóricos como, Paulo Freire, John Dewey, Cecília Almeida Salles, Jorge
Larrosa, Jan Masschelein e Jacques Rancière, que contribuíram para compor caminhos que
consideram a escola, a experiência, a criação/processos e a pesquisa, como campos que
possibilitam a construção da autoria na formação de professores. Com a realização de dois
encontros quinzenais de formação com e entre as professoras, vivenciamos propostas que
envolveram escuta, partilha de narrativas, uso de diferentes linguagens, realização de estudos
teóricos e práticos, contextos de interpretação e representação e a criação e produção coletiva.
Esse trabalho foi composto pela experiência vivida com e no grupo, atrelada à perspectiva
teórica que orientou a pesquisa. Os procedimentos utilizados para a coleta de dados foram
análise das produções, a voz/interpretação das professoras e as ações que evidenciram os
deslocamentos. Destaca-se nesse processo o fortalecimento da voz das professoras, as
experiências de criação como terreno de autoria e pesquisa e a ressignificação da postura
aprendiz e formadora nos processos pessoais de formação.

Palavras Chave: Arte e educação, experiência, narrativa, autoria, identidade, formação de


professores.
Abstract
The present research deals with the importance of narratives and the collective production of
teachers in the continuous formation in the school, as possible ways for the construction of the
authorship and the identities of artist / professor / researcher. The training held at Vila do
Aprender school, in the southern region of the city of São Paulo, was carried out for a period
of three years (2015-2017). In order to investigate the aforementioned aspects, he proposed
connections with the research on A / r / tography, developed by Professor Rita Irwin, besides
considering the theories developed by theorists like Paulo Freire, John Dewey, Cecília Almeida
Salles, Jorge Larrosa, Jan Masschelein and Jacques Rancière, who contributed to compose paths
that consider school, experience, creation / processes and research as fields that make it possible
to construct authorship in teacher education. With two bi-weekly training sessions with and
among teachers, we experienced proposals that involved listening, sharing of narratives, use of
different languages, theoretical and practical studies, contexts of interpretation and
representation, and collective creation and production. This work was composed by the
experience lived with and in the group, linked to the theoretical perspective that guided the
research. The procedures used for the data collection were analysis of the productions, the voice
/ interpretation of the teachers and the actions that showed the displacements. I emphasize in
this process the strengthening of the voice of teachers, the experiences of creation as a field of
authorship and research, and the re-signification of the apprentice and formative position in the
personal processes of formation.
Keywords: Art and education, experience, narrative, authorship, identity, teacher training.
SUMÁRIO

1. Introdução.................................................................................................................... 11
2. O encontro com a escola Vila do Aprender................................................................ 19

2.1 Palavras de começo... Algumas reflexões sobre a escola e a formação de professores a


partir desse encontro.................................................................................................... 21
2.2 As primeiras percepções sobre o contexto... Compondo meu olhar............................ 26
2.3 As professoras... Primeiras percepções........................................................................ 27
2.4 Os dois primeiros encontros: Primeiras aproximações................................................ 30
3. Os primeiros contornos desse percurso: A preparação para o início da
caminhada.................................................................................................................... 36
3.1 Entre as marcas de nossa história de formação e as potencialidades do grupo:
Tecendo as possibilidades............................................................................................ 41
4. Palavras de chão, o chão da escola: O início da formação das professoras na Vila do
Aprender...................................................................................................................... 45
4.1 O início da construção das narrativas das professoras................................................. 48
4.2 Outros encontros, outras palavras, novas ampliações.................................................. 56
4.3 Os primeiros registros do grupo................................................................................... 59
4.4 Outras palavras: novas produções................................................................................ 65
4.5 A produção coletiva de uma obra: Processos e construções........................................ 82
5. Palavras de costurar; Re-Composição do percurso, algumas reflexões sobre o
processo........................................................................................................................ 95
6. A pesquisadora e a (re)constituição de sua(s) identidade (s)..................................... 101
7. Considerações finais................................................................................................. 103
8. Referências................................................................................................................ 107
9. Anexos...................................................................................................................... 109
11

1. Introdução

Projetar uma escola significa, essencialmente, criar um espaço de vida e de futuro.

(RINALDI, 2012)

A presente pesquisa tem o objetivo de pensar caminhos que contribuam para a reflexão
sobre a escola e a formação continuada de professores. Trata-se da investigação sobre a
formação em serviço, com a proposta de encontrar na invenção de narrativas e na produção
coletiva, possibilidades de (re)construção da autoria do professor.

Ao falar sobre autoria, proponho a aproximação com a ideia de processos de criação e


com a identidade pessoal/profissional de professores. Ao compor essas duas imagens, tenho a
hipótese de que a invenção de narrativas, conectada às histórias de vida e de formação,
proporcionam o re-encontro com a indentidade pessoal/profissional, criando contextos de
pesquisa, apropriação do ensino e experiências de criação. Marcas que reposicionam o
professor em sua postura investigativa e também em sua ação em sala de aula.

A proposta de investigar o papel do coordenador como mediador na constituição da


identidade autora/pesquisadora do professor, torna relevante, falar desse trabalho a partir da
minha história de formação e a relação entre essa concepção de educação e o relato da
experiência vivida na formação continuada de professores que deu origem a essa pesquisa.

Minha história com a escola e a compreensão de que ela é espaço de vida e de futuro
teve início muito cedo. Cresci com as palavras da mãe que, privada da experiência formal de
ensino, valorizava o que não acessou e fortemente lançava ao universo e a mim suas palavras
dizendo que eu precisaria estudar para que tivesse, no futuro, uma vida melhor do que a que ela
tivera.
12

Entre a potência do desejo e a realidade da profissão, percorri meu caminho de formação


embricada com a educação. Iniciei esse percurso de forma mais concreta ao ingressar no curso
de Magistério, durante meus estudos no Ensino Médio. Ainda nesse período, iniciei minha vida
profissional na área da educação, como estagiária e posteriormente, como professora auxiliar.
Juntamente com o ingresso no curso de Pedagogia, assumi minha primeira sala de aula como
professora titular na Educação Infantil. Continuei minha trajetória de estudos muito envolvida
com cursos, grupos de estudos e pesquisas relacionadas à educação e à arte como lugar de
reflexão e investigação sobre o ensino e a aprendizagem. Nessa caminhada, fui convidada a
realizar o curso de formação de estagiários proposto pela escola Vivavida (instituição onde
trabalhei e trabalho) e futuramente assumi o papel de coordenadora pedagógica e formadora de
professores nessa mesma instituição. Somando-se a esse papel, iniciei a atuação como assessora
pedagógica.

Recuperar meu percurso, minha memória de vida e de formação, traz novos sentidos à
minha identidade profissional e reposiciona meu papel de professora/pesquisadora e aprendiz,
o que contribui para reafirmar reflexões que proporei nesse nesse texto.

Esse percurso me coloca entre o “sonho da mãe” e a realidade de vida/profissão. Tantos


anos mais tarde, nesse futuro que se faz presente, cá estou. Entregue à escola e sua possibilidade
de futuro. Diante de uma pesquisa que se propõe a defender o ensino e a formação de
professores no cotidiano escolar, entendendo esse espaço como lugar de vida, de criação, de
pesquisa, de aprendizagem e de futuro.

Fisgada pela palavra defender, detive-me nesse contexto a pensar sobre a defesa da
formação de professores na escola e quis entender e declarar um pouco melhor sobre o que essa
palavra representa no cenário em que essa pesquisa se estrutura.
13

Provocada por BOSI (1994, p.18) ao perguntar: “Que é ser velho?” Pergunto-me: Que
é ser professor?

Provoca-me um pouco mais a autora ao dizer: “Por que temos que lutar pelos velhos?
Porque são a fonte de onde jorra a essência da cultura, ponto de onde o passado se conserva e
o presente se prepara, pois, como escrevera Benjamin, só perde o sentido aquilo que no presente
não é percebido como visado pelo passado.”. (BOSI, 1994, p. 18)

Teríamos aí uma aproximação entre o velho e o professor? Entre a escola e a essência


da cultura? Pergunto-me se como professores, estamos vivendo o presente/passado de modo
preparar o devir, a construir o que pode ser a essência dessa cultura de formação. Nessa
perspectiva, acredito que preparar o devir, relaciona-se com nossa inquietude diante do mundo,
com a postura investigativa, com o envolvimento em torno das questões que nos movem, com
a potência de vida e de criação presente ao planejarmos e vivenciarmos as experiências de
aprendizagem na formação de professores e alunos.

Desse ponto, falar sobre o professor e a escola, representa falar (e defender) sobre lugar
de vida, de reinvenção e de aprendizagem que constrói cultura e cria futuro.

Destaco a palavra lugar, no sentido que nos propõe BARBIERI (2014-2015, Projeto
Lugares realizado no SESC)1, entendo lugar como espaço habitado, que constrói seus sentidos
com a presença e a ação humana, concebendo a figura do aprendiz cada vez mais ativa.

Nessa perspectiva, o espaço transforma-se em lugar com a ação e a construção que se


faz na troca, na relação com o outro, com o patrimônio cultural, artístico, científico e filosófico,

1 Sobre o projeto “lugares” realizado por BARBIERI (2014-2015) no SESC, a autora nos aponta intenções da
proposta ao dizer no portfólio on-line: “são obras-oficinas, espaços de reflexão e também de produção, em que o
participante pode se envolver e ter possibilidades de ação. A intenção é que esse projeto se constitua em campos
de presença, ou seja, em espaços que nos fazem estar entregues e presentes.”
14

resultando no entre-lugar onde a aprendizagem e a constituição da identidade individual e


coletiva se dá.

Nesse sentido, trago a hipótese de que ao acessar as memórias de formação e de vida e


narrá-las, acessamos esse “entre” que nos coloca diante das transformações externas e internas,
dos sentidos que nos constituíram e estruturaram nossas identidades individuais e coletivas.
Talvez, ao nos encontrarmos entre as identidades que representam o que foi e o que é
(perspectiva externa), possamos recriar o que fomos e o que somos/estamos (perspectiva
interna). Considerando esse entre lugar que se faz no tempo e no espaço habitado e constituído
de sentidos e significados, começo a investigar a formação do professor na escola, como lugar
de criação, pesquisa e aprendizagem. Lugar de protagonismo e autoria.

Na expectativa de que, ao se (re) encontrarem com seus percursos, reencontrem-se


também com os sentidos que os constituíram de modo a se reinventarem e recriarem suas
trajetórias assumindo de forma autora seus processos de aprendizagem e de futuro,
consolidando a postura investigativa e inventiva.

Pergunto-me se pensar a formação do professor em contextos de vida, de criação, de


pesquisa e de aprendizagem, contribui para o reposicionamento do seu papel, possibilitando
que se desloque da posição de reprodutor e transmissor de conhecimento, para aquele que
pesquisa, cria contextos, constrói conhecimento, que aprende enquanto ensina. Com a hipótese
de que essa mudança de posição reascenda o exercício do ato curioso diante do mundo e
desperte sua capacidade de transformar e se transformar a partir da experiência constante de
recriação e pesquisa, coloquei-me a investigar caminhos para que essa possibilidade se desse.

Como ponto de partida, busquei na minha própria história de vida, como professora e
aprendiz, as pistas que pudessem colocar em relevo os percursos, as fronteiras, os territórios
que apontassem para esse caminho, para as possibilidades de construção, para o encontro do
recorte dessa pesquisa/ação, como mencionei acima.
15

Desse lugar, cabe dizer que essa pesquisa, nasceu com as marcas da minha própria
história de vida e formação, de vivência e teoria. Da relação pessoal com a experiência estética,
com a palavra, com as narrativas e da hipótese de que a formação dos professores pode se dar
de forma mais consistente se caminhar junto com sua história e com sua capacidade de criação.

Entendendo criação como nos aponta SALLES (2013, p. 100), “como a seleção de
determinados elementos que são recombinados, correlacionados, associados e, assim,
transformados de modos inovadores.”.

Essa forma de pensar a formação, contrapõe-se a ideia de educação como espaço de


informação e transmissão, reconhecendo-a como lugar de construção de sentido, composição
de olhares, repensar de processos... Como lugar de pesquisa e reinvenção.

Abro aqui uma fenda no tempo e no texto, para recuperar aspectos mais específicos do
meu percurso de formação. Aspectos que me posicionam e me reposicionam nessa pesquisa,
que revelam marcas da minha experiência que deram origem aos questionamentos e
inquietações que trago sobre a formação de professores e, sobretudo, que me inspiraram a
pensar caminhos para a formação continuada de professores...

Minha trajetória como educadora, teve início “oficialmente”, no ano de 1999, na escola
Viva Vida. Uma escola privada de Educação Infantil da região sul da cidade de São Paulo. Da
atuação como professora auxiliar até o início do papel como formadora de professores, lá se
foram 9 anos. Esse período tão frutífero de construção do meu papel como educadora, foi
marcado por trocas constantes com coordenadores, professores e auxiliares. Encontros
cotidianos que se davam nos corredores, na sala da equipe, na atuação com o grupo de alunos
e com os pares, nas reuniões individuais e coletivas que garantiam espaços significativos de
relação com a arte e com a criação, nos confrontos de ideias e nas construções colaborativas
que aconteciam entre educadores. Trocas que nos colocavam a refletir e a atuar considerando
16

os saberes em torno da cultura, da ciência, da teoria sobre o desenvolvimento infantil e do


cenário cotidiano de aprendizagem que nos impunha à necessidade de lançar mão de todos esses
recursos para ensinarmos e aprendermos sobre o ensino. Tudo isso, no chão da escola.

Essas experiências nos faziam acionar saberes anteriores para adquirirmos novos e nos
colocavam a construir teorias a partir do nosso próprio fazer.

Uma marca muito significativa dessa experiência de produção coletiva e construção de


conhecimento eram as preparações das mostras anuais de artes, que nos colocavam a pensar
nos conceitos trabalhados, a estruturar os caminhos para viabilizar as ideias, a relacionar as
intenções com as teorias que fundamentavam nossas escolhas e, por fim, encontrar as
linguagens mais adequadas para representar nosso pensamento/intenção. No dia da mostra, ao
tornar pública a narrativa do nosso trabalho, também tornávamos quase viva a experiência.
Reencontrávamo-nos com nossa trajetória, com a pesquisa, com os conhecimentos adquiridos,
com a emoção vivida, com a reinvenção do nosso percurso e de nós mesmas ao darmos novo
sentido ao vivido enquanto produzíamos o trabalho. De um modo interessante, reviver essa
trajetória e contar sobre ela, nos possibilitava construir novos sentidos e nos apropriarmos ainda
mais do trabalho e das aprendizagens construídas.

No ano de 2008, ao iniciar o meu percurso como coordenadora pedagógica, foi na


memória da experiência de formação e no reconhecimento do valor desse espaço de confronto,
pesquisa e criação, que alicercei meus primeiros estudos e ações em torno da formação de
professores. Foi nessa mesma escola, agora com outro nome, Carandá Vivavida – Educação,
que hoje atende todos os ciclos da educação básica, que iniciei essa trajetória como professora
e coordenadora pedagógica. A partir das bases que me formaram, comecei a levantar, ainda
sem ter consciência disso, algumas hipóteses sobre a importância da narrativa de educadores e
da produção coletiva para a construção da autoria na formação do professor. Aspectos que
trouxeram as primeiras bases para o nascimento dessa pesquisa.
17

Ao longo desses vinte e um anos como educadora, atuei como estagiária, professora
auxiliar, professora titular, formadora em cursos de curta duração, coordenadora e assessora
pedagógica.

Nesses dez anos realizando a formação de professores, tive a oportunidade de atuar com
profissionais de diferentes instituições e realidades distintas. Muitos professores trazendo
cenários de atuação individualizada, contextos de reprodução de conteúdos previamente
estabelecidos, pouco espaço de autoria, de criação e de troca com colegas. Aspectos que
dificultam que o professor assuma o papel de pesquisador e aprendiz, que reinvente suas
práticas, que encontre suas perguntas, que se coloque vivo em sua sala de aula e na busca por
sua própria aprendizagem.

O encontro com esse contexto, fez com que eu revisitasse a experiência de formação
que tive dentro da escola Viva Vida. Essa memória fez-me perceber que havia algo vivo,
orgânico, no modo de viver a aprendizagem do professor naquele cenário e cultivou em mim a
hipótese de que esse professor autor, talvez se constituísse dentro da escola, com experiências
vivas de aprendizagem, com espaços consistentes de confronto de ideias, de planejamento de
futuro, de escuta de si e do outro, de encontro com os sentidos de sua própria história na relação
com a aprendizagem, com a pesquisa e a produção coletiva entre educadores.

Com essas hipóteses, chego à escola Vila do Aprender. Instituição de ensino Infantil,
localizada no bairro da Vila Olímpia, na cidade de São Paulo, que trouxe na voz da direção o
desejo de encontrar na presença e no olhar de uma assessora pedagógica, o investimento na
formação de sua equipe de professores dentro da escola.

Esse convite/proposta, abria a fresta que eu buscava para a investigação sobre como os
espaços de formação dentro da escola, nos contextos anteriormente mencionados, contribuiriam
para o encontro do professor com sua voz autora, com seu papel criador e pesquisador.
18

Nesse cenário, nessa escola, com esse grupo de professoras, nascem os encontros de
formação com a equipe e a pesquisa que partilho com vocês nessa dissertação que se estrutura
da seguinte forma:

No capítulo 1, a introdução, aponto o ponto de partida e as intenções dessa pesquisa e


recupero meu percurso de formação.

No capítulo 2, trago aspectos da história da escola Vila do Aprender; a origem, as


marcas da trajetória e o contexto em que se instala essa experiência de formação junto com as
primeiras relações que estabeleço com as práticas e as teorias que têm me formado. Na
sequência, ainda no capítulo 2, ao me aproximar da Vila do Aprender, retomo brevemente o
olhar para a escola como instituição de forma mais ampla, relacionando esse contexto à história
de formação de professores. Em seguida, faço um breve registro sobre cada uma das
protagonistas dessa história, as professoras da Vila. No relato, um pouco de suas trajetórias de
formação e as primeiras imagens que me deram a ler. Aspectos que foram fundamentais para o
início do trabalho. Concluo esse capítulo com aproximações em torno dos primeiros encontros
com as professoras.

No capítulo 3, aponto para a metodologia de pesquisa e o início desse caminho de


investigação.

No capítulo 4, partilho nossa experiência de formação, as marcas de nosso processo, a


constituição do grupo e a construção do trabalho. Aspectos entremeados, costurados pelas
teorias que foram compondo essa trama, essa história de formação.

No capítulo 5, as marcas teóricas e reflexivas que contribuíram para a composição do


meu olhar para esse percurso.

No capítulo 6, trago algumas das aprendizagens que a pesquisa trouxe à pesquisadora.


19

Por fim, partilho algumas considerações acerca das questões, os aprendizados vividos,
construídos, ressignificados nessa experiência, que abriram novas possibilidades de reflexão e
aprendizado.

2. O encontro com a escola Vila do Aprender

Ao narrar essa experiência particular de formação, que se fez entre o olhar para A Escola
e a formação das professoras da escola Vila do Aprender, entendendo a experiência do encontro
e da produção como potência aprendiz, inicio esse registro por uma breve apresentação dessa
escola que se constituiu como cenário para essa pesquisa e de nossas primeiras aproximações.

Meu encontro com a escola Vila do Aprender aconteceu fora dela, mas dentro do cenário
da aprendizagem. Rosângela Aquino, uma das sócias-diretoras da instituição, participou de um
encontro de formação realizado por mim no Centro de Estudos Madalena Freire, no final do
segundo semestre do ano de 2014. O tema proposto para a discussão foi: O papel do
coordenador pedagógico e os instrumentos metodológicos utilizados na formação do professor.

Nessa ocasião, já inquieta com meu papel formador junto aos professores e buscando
por essas vozes no cotidiano da escola, partilhei alguns dos aspectos que provocavam minha
investigação e mobilizavam a ação junto à minha equipe de trabalho. Ações que se
relacionavam especialmente, aos encontros coletivos e que principiavam a evidenciar pequenas
mudanças na atuação das professoras e também na minha forma de conduzir o trabalho.

A partilha dessas reflexões, de um modo inesperado, atravessou a diretora da Vila do


Aprender que, ao final do encontro, procurou-me para conversar um pouco mais sobre a
formação de professores, sobre o papel do coordenador para o fortalecimento da autoria de sua
equipe e sobre a possibilidade de eu realizar uma palestra para suas professoras.
20

Sem compreender muito bem o cenário, mas bastante desejosa por esse espaço de troca
e de ampliação de redes, aceitei o convite para uma conversa com a direção, com o intuito de
entender melhor sua intenção.

Algumas semanas mais tarde, encontramo-nos para essa conversa. No período entre o
encontro de formação realizado por mim e nossa reunião, Rosangela Aquino, em concordância
com sua sócia, Rosália Mantagrano, avaliou que seria interessante contar com uma assessora
pedagógica para realizar a formação de sua equipe. Assim, convidou-me para, no início de 2015,
assumir os encontros de formação no papel de assessora pedagógica nessa instituição.

Esse convite abria uma importante fresta para essa pesquisa que, até então, existia como
inquietação, como questionamento e levantamento de hipóteses sobre a construção da autoria
na formação do professor.

Convite aceito. Hora de começar a construir as bases para essa formação.

Na tentativa de compreender um pouco melhor o que motivava esse convite, busquei


me aproximar da história da escola e de seu percurso na formação de professores...

A Vila do Aprender é uma escola privada de Educação Infantil que existe há 17 anos.
Está localizada na Vila Olímpia, região sul da cidade de São Paulo e teve início atendendo
filhos dos funcionários da empresa DASLU com uma proposta de convênio. Do início com
atendimento exclusivo a esse público até a abertura para receber as famílias da região, foram 7
anos.

O nascimento da escola contou com uma assessoria para a contratação da equipe e


formação das professoras. Três anos mais tarde, Rose Aquino, uma das sócias, assumiu a parte
pedagógica e formação das educadoras.
21

Em 2008, já sem a presença da assessora, a escola abriu as portas para a comunidade e,


aos poucos, por questões alheias a sua vontade, encerrou o convênio com a DASLU.

Acreditando na importância da formação continuada dos professores, Rose Aquino e


Rosália Matangrano, nesse período, investiram na participação da equipe em cursos oferecidos
por diferentes instituições, mas cultivavam o desejo de oferecer, dentro da própria escola, um
espaço mais sistematizado de formação.

Minha chegada à essa instituição de ensino, materializava esse desejo e também abria
uma possibilidade para eu investigar, na ação, como os espaços de formação, dentro da escola,
contribuiriam para a construção do papel autor, criador e pesquisador do professor. Com esse
primeiro desenho, comecei a me preparar para esse trabalho que teve início em 2015.

2.1 Palavras de começo... Algumas reflexões sobre a Escola e a formação de professores a


partir desse encontro.

O encontro com a escola Vila do Aprender, nesse contexto de formação, proporcionou


o meu reencontro com a imagem da escola. Ponto de partida para essa reflexão/investigação.

Acredito que a escola se faz para além do seu espaço físico, por sua ocupação. O habitar
de alunos e profissionais que tornam esse ambiente, lugar de vida, de experiência, de criação,
de reinvenção, de pesquisa e de aprendizagem.

MASSCHELEIN E SIMONS (2014), em defesa à escola, ajudam-nos a pensar nos


sentidos que a constituem e nos chamam a refletir sobre sua essência ao falar sobre a escola
como lugar de investigação, de tempo livre para o estudo e para que o “mundo possa ser
22

partilhado”, para nos debruçarmos em torno de determinado objeto de modo a tentar desvendá-
lo em suas possibilidades e potencialidades. Nessa perspectiva, provocam-me a entender a
escola como ambiente que permite sustentar as incertezas, o confronto de ideias, o levantamento
de hipóteses, a capacidade investigativa, o encantamento pelas sucessivas redescobertas do
mundo que se coloca diante de nós. Um lugar para ressignificar a relação com o tempo e com
o conhecimento. Como nos chamam a refletir ao proporem essa imagem:

Motores e carros meio desmontados são exibidos como se estivessem em um


museu. Mas esse não é um museu do automóvel, é uma oficina, um atelier. [...] Essas
peças não têm dono, apenas estão lá, para todos. Elas não são os modelos e motores
mais recentes – mas é a essência o que conta. Montagem e desmontagem, em sua
forma mais pura. Manutenção e pequenos reparos, também. As coisas devem ser bem
feitas, com um olho para o detalhe, know-how também, e muito discernimento. Não
discernimento mecânico, mas o discernimento em mecânica. E eletrônica. Apenas o
motor despojado parece ser capaz de dar esse discernimento, como um modelo nu em
torno do qual o professor reúne seus alunos. Como se a coisa ansiasse por ser estudada,
admirada, mas também, cuidadosamente desmontada e cuidadosamente restaurada.
Não tanto o professor, mas aquele motor requer habilidade, e é como se os motores
em exposição tivessem se sacrificado para o aperfeiçoamento dessas habilidades. Eles
fazem o tempo, dão tempo – e o professor garante que os alunos o usem. Para praticar
com olhos, mãos e mente. Uma mão hábil, um olho experiente, uma mente focada –
a mecânica está no toque. Apenas adequado, mas felizmente não totalmente. Porque,
então, não haveria mais tempo para o estudo e a prática, e, portanto, não haveria tempo
para erros e novos discernimentos. (MASCHELEIN E SIMONS, 2014, p. 37 e 38)

A imagem do motor afastado de uma finalidade pré-determinada, da busca por uma


resposta que nasce antes da pergunta, mas como algo que solicita (e permite) ser visto de
diferentes formas, com tempo para ser estudado, desvendado, possibilitando a construção de
diferentes saberes a medida que colocado em campo de discussão e reflexão, de contemplação
e questionamento, redimensiona nosso modo de entender a escola e a relação com o
conhecimento. Esse motor que não precisa colocar o carro a funcionar, pede para ser desvelado.
Retira-nos da necessidade de um fim específico e aproxima-nos da curiosidade aprendiz que
nos move a conhecer, a colocar em relação, a ampliar e aprofundar. Essa escola dá tempo e
espaço para a investigação, para o nascer da pergunta, para que “algo do mundo seja colocado
sobre a mesa” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014, p. 42) para ser estudado.

Ou seja, algo (um texto, uma ação) está sendo oferecido e se torna, ao mesmo
tempo, separado de sua função e importância na ordem social, algo que aparece em si
mesmo, como um objeto de estudo ou de prática, independentemente do seu uso
adequado (em casa ou na sociedade, fora da escola). Quando algo se torna objeto de
estudo ou de prática, isso significa que exige a nossa atenção; que nos convida a
explorá-lo e engajá-lo, independentemente de como ele possa ser colocado em uso.
(MASSCHELEIN e SIMONS, 2014, p. 42)
23

Pergunto-me como pensar essa proposta de escola para o aluno, sem transformarmos as
experiências do professor na relação com a aprendizagem em seu cotidiano escolar. Sem que
ele tenha tempo para estudar algo que, separado do mundo e da finalidade pré-estabelecida,
permita aprofundamentos, conexões e ampliações. Trata-se de uma mudança de postura, de
uma transformação no modo de conceber a relação com o ensino e a aprendizagem.

Se essa é a escola que defendo, parece-me coerente defender também a formação do


professor, considerando a importância do tempo livre para o estudo e o encontro com a
experiência do mundo nos contextos de vida e no cotidiano de formação do educador.

Percebo que a Escola, essa, com letra maiúscula, de forma geral, nega ao professor esse
tempo livre para o estudo, no sentido que nos propõe Jan Masschelein e Maarten Simons. O
tempo livre para debruçar-se em torno do conhecimento. Aquele que momentaneamente é
retirado do mundo e posto na sala de aula para tornar-se objeto de pesquisa em sua amplitude.
Ao contrário, por vezes, em sua formação, o professor tem sido chamado a pensar o
conhecimento e a aprendizagem a partir da ideia de reprodução. Nesses contextos, aos poucos,
distancia-se da ideia de aprendizagem como experiência de problematização, a possibilidade
de por em diálogo diferentes pensamentos e possibilidades, para se aproximar da busca pelas
respostas certas.

Essa escola em que nos formamos, como aponta LARROSA (2015), cultivou ainda a
imagem do professor como aquele que professa, um pregador de certezas. Como se, ao assumir
o papel de professor, precisasse distanciar-se do papel de aprendiz, da possibilidade de se
colocar em dúvida, de questionar caminhos. Ao chamar a atenção para o riso nos contextos de
sala de aula, coloca diante de nós o desafio redimensionar a imagem do professor e sua relação
com as certezas ou do suposto abismo que coloca entre si próprio e o estudante, ao acreditar
que ocupa um lugar diferenciado na relação com a aprendizagem.

[...] Um estudante sim, pode vestir a capa puída do vagabundo. Mas um


professor não pode. Um professor com capa puída pareceria um impostor e não um
professor de verdade. Um professor tem de ter uma postura sobre as coisas das quais
ele fala, tem de saber manter uma posição. E se veste uma toga, qualquer impostura
pode se apresentar como se fosse uma postura e qualquer posição pode se converter
24

em imposição. Mas se veste uma capa puída, se não tem posturas para impostar, nem
posições para impor, se não se enxerga sem a sua toga, quem vai lhe prestar atenção?

Um professor tem muito de pregador. Por isso, o tom professoral é uma


mistura de austeridade e dogmatismo. A única coisa que um professor pode fazer sem
se ruborizar demais é pregar o riso, analisar o riso: reinvidicar seriamente o chapéu de
guizos, falar dogmaticamente sobre as orelhas de burro, fazer um sermão sobre a capa
puída dos vagabundos. Mas um professor não pode vestir um chapéu de guizos. Aos
professores nos falta, talvez irremediavelmente, essa aristocracia de espírito, essa
finura de espírito, essa leveza que ainda tinha o pensamento quando não era
monopólio dos professores, quando ainda não se havia contaminado dessa austeridade
pedagógica [...] (LARROSA, 2015, p. 168 e 169)

Com essa imagem, provoca-nos a refletir sobre as certezas que cultiva o professor ou
que acredita ser necessário cultivar para assumir esse papel. Ao construir sua imagem em torno
das afirmações, das imposições, distancia-se de sua potência aprendiz, da possibilidade de se
colocar – assim como colocar a seus alunos – diante de algo que possa ser investigado,
desvendado, (re)significado. Com essa postura, entende o conhecimento como algo estável,
incontestável, indiscutível, sagrado. A busca pelo estudo requer a dúvida, a consciência da
incompletude. A busca pela aprendizagem, requer a falta. O riso, segundo o autor, pode ser uma
alternativa para romper com essa marca. Diz-nos: “O riso destrói as certezas. E especialmente
aquela certeza que constitui a consciência enclausurada: a certeza de si. Mas só na perda da
certeza, no permanente questionamento da certeza, na distância irônica da certeza, está a
possibilidade do devir.” (LARROSA, 2015, p. 181)

Tais reflexões aproximaram-me da busca por um entendimento da escola como lugar


da construção do comum, da reinvenção, do confronto de ideias, do questionamento das
certezas, do encontro significativo com a aprendizagem na formação do professor. Aspectos
que começavam a dar contornos mais consistentes a essa pesquisa e à possibilidade de
ressignificar, no cotidiano formador, a relação com o conhecimento e com a construção da
autoria profissional do professor.

Criar cenários que possibilitem ao professor, questionar as normas, refletir sobre os


processos, duvidar de certezas, poderia oportunizar a transformação do modo de se relacionar
com a aprendizagem de forma que deixe de entendê-la como algo dado e externo a ele.
25

Refletir sobre essas questões provocou-me a pensar sobre como a escola em seus
contextos cotidianos de formação, poderia re-significar o encontro do professor com a
aprendizagem e com sua voz autora. A experiência de formação com as professoras da Vila do
Aprender, possibilitou-me o contato mais direto com os desafios e as potências dessa
experiência que, até então, faziam-se presentes mais no campo das hipóteses e das reflexões.
Ainda que eu falasse a partir do chão da escola e de um percurso pessoal na educação que já
existe há 21 anos.

Estar na escola Vila do Aprender com abertura para essa investigação, fez com que eu
me aproximasse dessa experiência no corpo, que confrontasse minhas hipóteses, que
reinventasse processos, questionasse certezas e ampliasse possibilidades.

Durante esse percurso de quase três anos de formação, de pesquisa, de dúvidas, de


confronto, de aprendizado e de transformação, tenho me encontrado com o desafio de romper
com essa imagem do ensino e da aprendizagem como lugar de reprodução, de distanciamento
da busca pelas respostas certas, de abertura para a possibilidade de expor as hipóteses acerca
dos assuntos discutidos, de modificar a postura de professor-aluno para professor-pesquisador.
Entendendo o professor-aluno como aquele que se coloca à espera do conhecimento/informação,
da resposta do professor e o professor-pesquisador, como aquele que se sente provocado a
encontrar suas próprias perguntas e buscar hipóteses em torno dos caminhos que se propõe a
seguir. Encontrei-me também com tanta beleza e encantamento ao observar as professoras
descobrindo-se capazes em suas próprias vozes, enxergando aprendizagem em sua história de
vida e ganhando confiança para assumirem suas pesquisas e seus saberes no e com o coletivo.

Ao longo desse processo, indaguei-me sobre a relevância da partilha dessa experiência,


como possibilidade de ampliação da reflexão a respeito da construção da autoria do professor
a partir do resgate de suas narrativas, de sua identidade e da percepção da consistência de suas
aprendizagens nesse percurso de vida e de formação de modo a se apropriar de seus saberes
para construir novos de maneira mais consciente.
26

Entendendo a formação como lugar de confronto e de composição entre teoria e prática,


entre experiência e sentido, entre pesquisa e ação, entre reflexão e partilha, avalio ser relevante
partilhar essa experiência que se deu entre viver e pensar a formação; entre propor e participar;
entre indagar e indagar-se; entre agir e sofrer a ação, como caminho de pesquisa. Caminho que
leva para fora e também para dentro. Como nos propõe Jorge Larrosa ao invocar a imagem do
professor como aquele que “conduz alguém até si mesmo” (LARROSA, 2015, p. 51).

Dessa forma, uma das expectativas com essa pesquisa é de que o professor se reencontre
com sua voz autora, (re) encante-se com a aprendizagem e, em seu ato aprendiz, possa conduzir-
se a si mesmo ao sair de si e se colocar em relação – com o outro e com o conhecimento -.

2.2 As primeiras percepções sobre o contexto... Compondo meu olhar.

A breve reflexão sobre a escola e sua essência, permitiu-me pensar nessa escola (a Vila
do Aprender) e sua essência. Sobre como a Vila e sua equipe de professoras se colocavam nesse
cenário. Aspectos que seriam fundamentais para nossas construções.

Cheguei à escola Vila do Aprender, sem conhecer a história de formação e de vida


dessas professoras, mas acreditando na importância de compor esse cenário junto, como ponto
de partida para a construção do comum desse grupo em nossa jornada de pesquisa, de
construção de sentido e de aprendizagem.

Ao entender a escola como ambiente que se constitui a partir de sua ocupação, da


interação entre pessoas, da relação com o conhecimento e a experiência de mundo que essa
relação nos proporciona, tornava-se relevante aproximar-me do contexto dessa escola e da
relação de seus membros entre eles e com o conhecimento. Aspectos que contribuiriam para
compor meu olhar e para alicerçar as propostas.
27

Esta era a primeira vez que esse grupo teria um espaço coletivo de formação dentro da
instituição. O que, de alguma forma, declarava a intenção da direção de proporcionar contextos
de diálogo e reflexão sobre a aprendizagem na Vila do Aprender (Mesmo que a solicitação
inicial ainda trouxesse um olhar para a formação como lugar de informação.). Acordamos que
os encontros de formação de professoras, se realizariam em reuniões quinzenais com 2 horas e
1h30 de duração, dentro da escola. Tempo e espaço que traziam os primeiros contornos dessa
proposta. Era necessário construir outros terrenos de aproximação...

Estávamos inaugurando uma nova experiência formativa com esse grupo e com essa
escola. A possibilidade de pensar a aprendizagem a partir de dentro, da realidade dessa equipe
e da instituição. A formação no cotidiano escolar. Identifico essa possibilidade como potência,
mas também como desafio, já que nossa história com a escola e a aprendizagem, por vezes, se
deu pela perspectiva externa.

Esse modo de pensar a formação já solicita um reposicionamento no que diz respeito à


autoria. Para pensar a partir de dentro, precisamos colocar as nossas experiências, questões e
reflexões em jogo. O exercício de colocar nossa voz em diálogo, de nos expor no que pensamos
e nos abrir para a escuta do pensar do outro. Outra fresta que se abria para considerar caminhos
possíveis.

Para costurar melhor esses fios e me aproximar desse “dentro” que é a Vila do Aprender,
tornava-se pertinente conhecer um pouco melhor as professoras dessa escola e seus percursos
de formação.

Um “encontro”, antes do encontro.

2.3 As professoras... Primeiras percepções.


28

Meu encontro com as professoras, deu-se primeiro pelas palavras que tentavam dizê-
las. Palavras que chegaram a mim pela diretora Rosangela Aquino que, ao falar sobre a equipe,
escolheu como recorte a formação de cada uma. Suas palavras, inicialmente, contaram sobre os
títulos, não sobre o percurso ou sobre as características das profissionais. Relato que
posteriormente se misturou às percepções, estruturadas nas duas primeiras reuniões realizadas
com o grupo.

Abaixo, um breve recorte, fruto da soma das informações oferecidas pela diretora sobre
os cursos de formação realizados pelas professoras e as primeiras impressões que tive após
realizarmos as duas primeiras reuniões coletivas que deram base para o início do percurso. Após
essa pequena partilha sobre as marcas do individual, contarei um pouco sobre as experiências
iniciais com o coletivo de professoras da Vila do Aprender.

Sobre as professoras...

Andréa Lages, pedagoga, com pós-gradução em psicopedagogia e neurociência


aplicada à educação. No início, aparentemente desconfiada. Demonstrava avaliar se eu teria ou
não predicados que justificassem o reconhecimento de uma “autoridade formadora” no grupo.
Em pouco tempo, construiu uma importante parceria de trabalho comigo e com isso, soltou-se
mais também junto ao grupo. Por uma mudança de escola, essa parceria foi interrompida em
setembro de 2015.

Adriana Wertchko, pedagoga, com pós-graduação em psicomotricidade, mostra um


encantamento particular por sua história de vida. Aspecto que evidencia no modo como se
envolve com as questões que a permitem conectar marcas de seu passado com discussões e
estudos realizados no grupo. As propostas relacionadas às memórias pessoais recebem destaque
em sua participação.

Alais Xavier, pedagoga, com pós-graduação em psicomotricidade. Sua relação com a


escola mostrou-se muito atrelada à sua história de vida e formação. Vinda da região Nordeste
do Brasil, encontrou na Vila do Aprender espaço para a construção da sua própria aprendizagem.
Iniciou na escola sem formação universitária e junto ao seu percurso profissional foi
construindo seu processo de aprendizagem também fora da instituição.
29

Aline Meneses, pedagoga, com pós-graduação em psicomotricidade. A atuação como


psicomotricista em um dos períodos, estabeleceu uma relação diferenciada com a escola e com
seu papel de “especialista”. A relação com a arte mostrou-se um importante traço de sua vida
pessoal que trouxe também para a profissão. Aspecto que permeia suas aulas.

Carla Barbieri, pedagoga, com um jeito muito peculiar de se aproximar e se deixar


aproximar do grupo e de quem está chegando. A relação com as linguagens da arte se fez
bastante presente em sua vida pessoal e isso a torna particularmente articulada na possibilidade
de estabelecer relações entre os assuntos, de modo a ampliar os conhecimentos. Fala um pouco
sobre tudo e revela um olhar sensível para o mundo ao seu redor.

Kátia Sousa, pedagoga, arte-terapeuta e artista plástica. Sua relação intensa com a arte
transpira no modo como se relaciona com o mundo e com o conhecimento. No início, aparentou
certa resistência, mas, aos poucos, seu encantamento pelo conhecimento, foi rompendo as
barreiras e dando lugar à entrega e disponibilidade para as propostas.

O envolvimento com a arte também a fisga no viés político e questionador. Os elementos


da cultura africana e indígena mostram-se bem presentes em seus projetos junto aos alunos.
Também um modo de se posicionar e deixar marcados os valores que defende como professora
e representante da miscigenação presente na cultura Brasileira.

Esse grupo iniciou conosco o trabalho e, no decorrer da caminhada, com a abertura de novas
turmas e a saída das professoras Andréa Lages e Aline Meneses, recebemos novas
companheiras que seguem conosco.

Ana Claudia, fonoaudióloga, pedagoga, com pós-graduação em alfabetização. Filha de


pedagoga, Ana orgulha-se de dizer que cresceu no chão da escola de sua mãe. A constante
busca pela aprendizagem e o encantamento pelo conhecimento são marcas de sua atuação. A
habilidade manual também marca sua participação e faz com que procure nesse recurso,
soluções para questões que pretende desenvolver com seus alunos. Sobras de tecidos, fitas,
materiais recicláveis, canetas... Instrumentos que são transformados com a potência de seu olhar,
transformando-se em conhecimento.

Carla Mauro, Arquiteta, pedagoga, com especialização em História da arte. Sua relação
com a arte ganhou força dentro de casa, na interação com o avô. Criação, jogo, fantasia... As
30

marcas dessa história voltaram nos encontros do grupo. A história de vida, misturou-se à
profissão. Os estudos na Europa, as lembranças do tempo com o avô, o gosto pelas diferentes
linguagens da arte, ao serem partilhados com as colegas, foram ressignificados. Permitiram que
se reencontrasse com saberes que pareciam não caber naquele contexto.

Flávia Novaes, com graduação em pedagogia e em artes-visuais. A sensibilidade do olhar


artístico mostra-se em suas produções. Mais do que isso, suas representações revelam o olhar
estético com que se relaciona com o mundo e com o conhecimento. Escolhe cada elemento com
muita consistência. Letras, cores, formas, palavras... Tudo é imagem. Na formação e na atuação
como formadora junto aos seus alunos.

Com essas imagens ainda sombreadas, aproximei-me da identidade pesquisadora de cada


professora, comecei a compor as possibilidades para nossa construção, aqueci-me para nossos
primeiros encontros.

2.4 Os dois primeiros encontros... Primeiras aproximações

Em fevereiro de 2015, conhecemo-nos pessoalmente, as professoras e eu. Nosso


primeiro contato tinha a missão de possibilitar as primeiras aproximações, as primeiras escutas
de uma e de outra e, talvez, apontar para um caminho que desse sustentação ao trabalho.

Expectativas, olhares curiosos... No primeiro momento, o silêncio das professoras


demonstrava que gostariam de sentir o terreno antes de pisar o “novo chão”. Também eu, no
papel de formadora e aprendiz, trazia expectativa diante do novo e a necessidade de compor os
recortes que me ajudariam a mapear o caminho.

Pouco a pouco, comecei a recolher as pistas que contribuiriam para o planejamento do


trabalho/pesquisa. Considerando a conversa com a direção, a expectativa do estudo sobre
Reggio Emilia, os temas dos cursos de pós-graduação realizados pela equipe e minha intenção
31

de possibilitar o encontro das professoras com a voz autora, propus-me a iniciar as construções
do grupo a partir da partilha das histórias de formação e de vida. Marcas da identidade pessoal
e profissional do grupo.

As palavras de LARROSA (2014), abriram uma fresta para pensar nesse caminho que
buscava pela experiência, pelo encontro com a própria palavra e a possibilidade de, falando a
partir de si, encontrar-se com o outro e com o conhecimento.

Para podermos nos falar precisamos falar e escrever, ler e escutar, talvez
pensar, em nome próprio, na primeira pessoa, com as próprias palavras, com as
próprias ideias. Obviamente, só podemos falar (e escrever) com as palavras comuns,
com essas palavras que são ao mesmo tempo de todos e de ninguém. Falar (ou
escrever) com as próprias palavras significa se colocar na língua a partir de dentro,
sentir que as palavras que usamos têm a ver conosco, que as podemos sentir como
próprias quando as dizemos, que são palavras que de alguma maneira nos dizem,
embora não seja de nós de quem falam. Falar (ou escrever) na primeira pessoa não
significa falar de si mesmo, colocar a si mesmo como tema ou conteúdo do que se diz,
mas significa, de preferência, falar (ou escrever) a partir de si mesmo, colocar a si
mesmo em jogo no que se diz ou pensa, expor-se no que se diz ou pensa. Falar (ou
escrever) em nome próprio significa abandonar a segurança de qualquer posição
enunciativa para se expor na insegurança das próprias palavras, na incerteza dos
próprios pensamentos. Além disso, trata-se de falar (ou de escrever), talvez de pensar,
em direção a alguém. A língua da experiência não traz só a marca do falante, mas
também a do ouvinte, a do leitor, a do destinatário sempre desconhecido de nossas
palavras e de nossos pensamentos. (...) falar (ou escrever) em nome próprio significa
também fazê-lo com alguém e para alguém. (LARROSA, 2014, p. 70)

Para falar em nome próprio, não precisamos necessariamente, falar sobre nossas
histórias, mas podemos falar na primeira pessoa a partir das conexões que estabelecemos entre
o que lemos ou escutamos, dos sentidos que esse outro texto ou palavra, produz em nós.

Observei que esse exercício de conexão entre a palavra do outro e a própria palavra não
era algo a que as professoras se autorizassem a fazer. Como se o primeiro movimento fosse o
de tentar “reter” o que era dito ao invés de colocar em diálogo, em relação. Também fruto de
nossa experiência de formação ao longo da história com a escola.

Tínhamos aí um primeiro desafio: encontrar espaço interno para acolher as palavras e


deixá-las conversar com as referências pessoais possibilitando que falássemos a partir de nós e
com o outro. Minha hipótese era que ao recuperarmos as marcas de nossa experiência de
formação, nos aproximaríamos desse entre lugar posto entre o “eu” e os “eus” que nos habitam
32

e ajudam a compor nossa identidade. Nessa perspectiva, a busca pelas palavras comuns, poderia
ressignificar a relação com a escuta, com a palavra, com a interpretação.

Assim, começamos com as palavras de todos. Propus que nos apresentássemos contando
um pouco de nossas histórias de formação, sobre como chegamos à educação e à Vila do
Aprender. As vozes começaram baixas e um pouco reticentes, como se estivessem se sentindo
avaliadas ou como se buscassem um sentido prático (útil) para essa ação. Provavelmente, marca
da representação construída na escola em torno da imagem de ensino e aprendizagem como
meio para um fim específico e pré-determinado.

Aos poucos, o encantamento diante do reencontro com a própria história, foi trazendo
uma voz mais firme. Como se, ao narrar-se, cada uma pudesse acessar lugares ainda não
visitados em sua própria história e na compreensão de si. A vida e a experiência, começavam a
calar a escola da informação.

Esse encontro com o passado, anuncia os sentidos do presente e renova o desejo de


futuro. Encontrar-se com a própria história era também encontrar-se com a história de outros e
com as marcas da história da humanidade presentes em cada uma.

Enquanto recuperavam seus percursos na educação, informalmente, emergiam em suas


vozes saberes que estavam impressos no corpo: Um olhar para a realidade do ensino no Brasil,
o clima na região do Nordeste do país, algumas mudanças no transporte de São Paulo, a
percepção de diferenças no Currículo do curso de Pedagogia, saberes sobre o desenvolvimento
psicomotor, sobre a arte e a educação...

Sem perceberem, foram declarando saberes pessoais, concepções de ensino, áreas de


preferência etc. Ao nomearem as experiências, apropriavam-se delas.
33

Nesse tempo de partilha e de escuta, pouco a pouco, o receio de se expor foi dando lugar
à segurança ao falar a partir de algo conhecido. As palavras comuns que descreviam sobre a
importância da educação e sobre as marcas da teoria que ficaram na memória ao serem
compostas com experiências que fizeram sentido, misturavam-se às histórias pessoais, às
dificuldades do percurso, a esperança de uma nova vida, a satisfação com a conquista do
diploma. Recortes da realidade social, cultural, política e educacional do Brasil. Marcas da
formação e da vida, do fato e da memória, da realidade e da impressão.

Durante os relatos, o encantamento ao se reencontrar com a própria história fez-se


presente. Emoção. Empatia. Aproximação. Algumas choraram ao revisitar suas trajetórias e/ou
ao ouvir sobre o percurso das colegas. Surpreenderam-se com os relatos, com as marcas de vida
de cada uma, com o fato de estarem juntas há tanto tempo e pouco se saberem nessa caminhada.
Avançamos um passo na possibilidade de nos conhecermos e nos reconhecermos. As primeiras
frestas para a construção desse grupo.

Nesse mesmo encontro, após a apresentação, pedi que falassem sobre as expectativas
com relação à formação. A partir disso, projetaríamos nosso percurso. No primeiro momento,
queriam ouvir da professora – eu – qual seria a rota desse trabalho. Perguntaram sobre o que
faríamos nesses encontros e sobre como essa formação fortaleceria suas práticas.

O entendimento de que a aprendizagem se dá como lugar de informação, mostrou-se


novamente presente. Fruto de uma longa caminhada entendendo a formação como lugar de
transmissão.

FREIRE (2016), provoca-nos a refletir sobre o desafio de assumir a própria palavra


diante de uma educação impositiva. Diante de uma cultura escolar que se estruturou em torno
da formação do aluno ouvinte, passivo, não questionador. Vivenciamos o desafio de formar o
professor em contextos de diálogo, de pesquisa, de confronto.
34

O silêncio das professoras e a expectativa pela direção do mestre, apontava para o


desafio de romper com a passividade que nos foi ensinada. Não se trata de não ter o que dizer,
mas de não se sentir autorizado. De romper com uma trajetória tácita de ensino, que manteve a
voz do aluno/professor, silenciada nas vozes dos mestres e das teorias. Trazendo na figura do
professor aquele que aponta os caminhos e as palavras que faltam aos alunos/professores ou
que são ocultadas pelos professores – mesmo sem perceberem -.

Na busca pela experiência de exposição e pelo exercício de declaração, da re-integração


dessa voz silenciada, insisti na possibilidade de planejarmos juntas esse percurso.

Diante da solicitação, novo silêncio. Talvez, a surpresa por perceberem que a proposta
não estava dada e que não viria de fora, mas seria construída, junto.

Sustentei o silêncio. Após um tempo, duas professoras mencionaram que a diretora


havia informado que estudaríamos Reggio Emilia.

Ao ouvi-las, observei que a expectativa era de que os sentidos dessa formação seriam
dados e não construídos. Marca da nossa experiência escolar que, por muito tempo, trouxe-nos
a ideia de formação como algo externo a nós, algo que, pouco a pouco, tentamos transformar.

Percebi nessas poucas trocas, que o olhar para a formação como lugar de informação e
transferência, fazia-se presente e que a postura do “professor aluno”, com a hipótese de que
precisa encontrar respostas para perguntas que não são suas, pois viriam do “professor formador”
também mostrava-se viva naquele cenário. Em contrapartida, o desejo de busca pela
aprendizagem e o encantamento com a descoberta de si na relação com o outro também
começou a se revelar nos entreditos desse grupo.
35

A proposta, nessa perspectiva, era recuperar a ideia de que ensinar e aprender, existe
como processo e se constrói na produção, na autoria, nos sonhos de vida, como nos diz FREIRE
(2008, p. 151): “Para (re)acender o (re)conhecimento de desejos, sonhos de vida – esperança
que nasce da apropriação do próprio pensamento – na prática pedagógica, é necessário a
presença (...) de um educador que se disponha a aprender enquanto ensina...”.

O reconhecimento da presença dos sonhos de vida e da disponibilidade para aprender,


foram como janelas abertas para o despertar desse trabalho, mas ainda não conseguia visualizar
o horizonte nessa abertura. Conclui esse primeiro ciclo de aproximações com algumas
inquietações:

Onde estariam as perguntas das professoras na relação com seu percurso aprendiz?

Como essa experiência possibilitaria que elas pudessem acessá-las?

De que forma o espaço de encontro contribuiria para o despertar da voz autora e da


postura investigativa?

Ao final desse ciclo de dois encontros, com todas as incertezas próprias do início de um
processo desconhecido e com o desafio de manter as questões em suspensão, acordamos que as
reflexões, investigações e produções nesse fórum, não teriam um caráter útil, não seriam um
meio para alcançar determinado fim ou um guia que apontaria o caminho a seguir. O valor
dessa experiência estaria nos processos e não nos resultados que, aliás, não estariam pré-
definidos, mas emergiriam da construção e dos sentidos desse coletivo.

A materialização desse discurso, apontava para um desejo de construção, mas se deu


com a clara consciência de que propor, não bastaria, pois seria na vida e no viver, que
constituiríamos esse caminho.
36

Dessa forma, os objetivos para esse trabalho desenharam-se em torno dos seguintes
focos:

“Derrubar” os muros da resistência e criar as primeiras aberturas (escuta);

Investir no princípio da construção da identidade desse grupo;

Possibilitar o encontro com as histórias/narrativas das professoras;

Construir o comum desse grupo;

Fortalecer a voz-autora das professoras;

Ampliar experiências de troca com artistas-professores;

Proporcionar contextos de interpretação e representação;

Promover situações de reinvenção (planejamento, criação, ensino e aprendizagem);

Possibilitar contextos de pesquisa, ensino e criação.

Os registros dos próximos capítulos, recuperam reflexões que orientaram o trabalho, as


marcas dos processos, das investigações, dos desafios e dos deslocamentos vivenciados com a
equipe, assim como o encontro com autores que dialogaram com minhas inquietações e
possibilitaram a abertura de caminhos para as construções que se deram durante a pesquisa.

Com a expectativa de que ao falar a partir de nós, possamos falar com alguém e para
alguém.

3. Os primeiros contornos... Ou, a preparação para o início da caminhada.

A composição do meu olhar, esboçada a partir da aproximação do contexto da escola


Vila do Aprender e da sua equipe, aliada à reflexão sobre a formação de professores, foram
disparadores para pensar as primeiras possibilidades na formação dessa equipe em torno do
37

questionamento inicial: Como os espaços de formação dentro da escola podem contribuir


para o encontro do professor com sua voz autora-pesquisadora?

BOSI (1994, p. 73) ajuda-me a refletir sobre autoria ao dizer: “A verdadeira mudança
dá-se a perceber no interior, no concreto, no cotidiano, no miúdo; os abalos exteriores não
modificam o essencial.”.

Acredito que os sentidos têm a ver com o sentir e esses, somente se constituem na
experiência, do lado de dentro, nos atravessamentos, nos espaços que habitamos e que nos
habitam.

Com esse olhar, comecei a questionar o quanto começar esse processo de formação e
construção da autoria, estudando um tema externo ao chão da escola, poderia, de fato,
modificar o essencial. Em confronto a essa ideia, pensar na conexão entre as marcas do
passado e as ações no presente, na possibilidade de aliar o olhar para o cotidiano, para o
concreto, relacionando memória e ação, como ponto de partida para a construção dessa
essência, parecia fazer cada vez mais sentido.

Inquietava-me, no entanto, pensar qual proposta possibilitaria esse olhar a partir de


dentro.

Debruçada sobre as primeiras imagens que o início desse processo deu a ver, coloquei-
me diante de outros olhares, autores, que me ajudaram a ampliar as reflexões e as
possibilidades ao pesquisar a experiência de formação a partir do reencontro com as
histórias pessoais nos contextos de formação como disparador para construção da autoria
do professor.
38

Vale ressaltar que, por autoria, estou entendendo o reconhecimento de nossa capacidade
reflexiva e transformadora a partir das questões em torno do processo de ensino e
aprendizagem. Autoria do professor no que diz respeito à percepção de sua condição
pesquisadora e criadora, de sua capacidade de estabelecer relações entre os contextos e criar
possibilidades a partir dos saberes que possui e, nesse processo, adquirir novos, reinventar-
se. Falo dessa voz autora tanto na dimensão individual quanto coletiva. Considerando que
o indivíduo se constitui em meio ao coletivo ao qual ele pertence e, nessa (re) constituição
constante, provoca também a renovação do grupo que deixa-se afetar pelas partes. Desse
modo, entendo ser relevante propor essa construção a partir do diálogo que se pretende a
partir da escuta, da pesquisa, da partilha e da produção coletiva.

Ao pensar essa composição de cenários e as possibilidades de atuação, algumas palavras


serviram como norte para as primeiras intenções: experiência, sentido, unidade, processo e
criação.

Essas palavras, nesse contexto, ajudavam-me a dar contorno ao desafio de pensar a


formação a partir de dentro, da experiência de encontros com e entre educadores no
cotidiano da escola, considerando sua forma de viver e entender a relação com a
aprendizagem e da possibilidade de reinventar os sentidos de aprender como ponto de
partida para essa construção.

Ao escrever sobre “Ter uma experiência”, DEWEY (2010) ajudou-me a ampliar essa
reflexão ao pensar a experiência como um fluxo que se estabelece entre o todo e a parte e
que a composição que se dá a partir dessa mescla de experiências, amplia e potencializa
cada parte justamente pela heterogeneidade presente nessa interação. Aponta, ao falar sobre
as partes que, ao se fundirem para compor uma unidade, não desaparecem com essa fusão
mas, ao contrário, distinguem-se em suas particularidades ao mesmo tempo em que
contribuem para a recomposição do todo. Essa imagem aproxima-me da busca pela voz
autora no contexto coletivo de construção. Nesse fluxo, todo e parte interferem e sofrem as
interferências do meio à medida que vivenciam a experiência. Transformam-se, recompõe-
39

se, reconstituiem-se continuamente, como no ciclo da vida. Distinguem-se e, nessa


distinção, redimensionam também o todo.

Ao pensar a experiência de formação nessa perspectiva que possibilita a construção da


unidade a partir da composição das partes, trago a intenção de ressaltar o encontro entre as
experiências de vida e a relação com a aprendizagem a partir da troca, do confronto de
ideias, da ampliação do olhar e da perspectiva de rede.

Para tanto, tornava-se pertinente iniciarmos essa busca pelo comum a partir das vozes
individuais ecoando no contexto coletivo. Vozes que teriam espaço para declarar suas
hipóteses sem o receio do “certo” ou “errado”.

Percebendo que o comum existente nesse grupo estava inicialmente definido pelo
espaço e não pela experiência, precisávamos da experiência, das vozes, da escuta, para que
encontrássemos a unidade que contribuiria para a construção da identidade desse coletivo.

Como nos diz BAUMAN (2009, p. 74 apud Focault), ‘a identidade não é dada’, “nossas
identidades [...] precisam ser criadas, tal como são criadas as obras de arte.”. Essa
identidade coletiva precisaria ser criada, construída a cada dia, em meio ao trabalho, às
trocas, ao acionar de saberes, da narração de histórias, da realização de pesquisa, da
produção de uma obra de arte.

Tornava-se necessário refletir melhor sobre o que significava falar sobre arte e criação
nesse contexto. Aos poucos, tornava-se evidente que perseguiria o processo, a experiência,
as relações que emergiriam da/na ação coletiva e nesse percurso, as transformações próprias
de quem se põe em movimento. Mas também buscava pela materialidade como
possibilidade de colocar em jogo as representações e interpretações desse grupo, como
possibilidade de encontro com outras linguagens e sua possibilidade de dizer-nos no que,
por vezes, não sabemos estar em nós.
40

Para tanto, coloquei-me diante da arte como processo de criação, como defende Cecilia
Almeida Salles (2013) ao relacionar a arte à ideia de inacabamento. Ao entender a criação
como processo constante de transformação, reconhecemos o produto como parte desse
movimento infindável de questionamento, de hipóteses, de renovação e de incertezas. Nesse
processo entre pensar e produzir, acionamos saberes e redimensionamos nossa postura
aprendiz. No exercício de representar o pensamento, também tornamos visíveis as
aprendizagens e tornamos mais consistente a autoria. A medida que criamos e recriamos
contextos e materiais, deparamo-nos constantemente com o novo e o renovo que o exercício
criador possibilita.

Além disso, falar sobre a arte e a criação nessa perspectiva, significava falar sobre a
experiência e o sentido, sobre a possibilidade de criar representações que nos aproximassem
dos simbólicos, da essência, dos sentidos desse grupo nessa experiência humana de
formação. Como nos diz DEWEY (2010);

A arte é uma qualidade que permeia a experiência; não é, a não ser em sentido
figurado, a experiência em si. A experiência estética é sempre mais do que estética.
Nela, um corpo de materiais e significados que em si não são estéticos torna-se
estético, ao entrar em um movimento ordeiro e ritmado para a consumação. O material
em si é largamente humano. [...] O material da experiência estética, por ser humano –
humano em conexão com a natureza da qual faz parte -, é social. A experiência estética
é uma manifestação, um registro e uma celebração da vida de uma civilização, um
meio para promover seu desenvolvimento, e também o juízo supremo sobre a
qualidade dessa civilização. Isso porque, embora ela seja produzida e desfrutada por
indivíduos, esses indivíduos são como são, no conteúdo de sua experiência, por causa
das culturas de que participam. (DEWEY, 2010, p. 551)

Em concordância com esse pensamento, coloquei-me a refletir sobre como possibilitar


espaços para as produções que nos ajudasse a encontrar no produto, não a materialidade
isolada que poderia trazer, mas a representação simbólica e significativa de um processo,
de uma experiência estética, do humano, dos sentidos que resultaram na produção.
41

Diante dessas primeiras questões/reflexões, encontrei como contorno para pensar os


caminhos com esse grupo, a palavra, a escuta, a construção do simbólico e a realização de
pequenas produções como possibilidade de construção.

3.1 Entre as marcas de nossa história de formação e as potencialidades do grupo:


Tecendo as possibilidades.

Considerando esses dois aspectos: A escola, sua história de formação, as possibilidades


de reinvenção e o encontro com a autoria, propus aproximar-me dos possíveis
encaminhamentos para o início do trabalho com as professoras da Vila do Aprender, a partir
das experiências de partilha.

Para tecer os primeiros fios dessa urdidura, procurei compor os aspectos refletidos
acima, considerando o reencontro com as histórias de formação como ponto de partida para a
construção do espaço de diálogo, acreditando que, da palavra e da escuta, poderiam emergir o
princípio do comum desse grupo.

Pensar na palavra como ponto de partida para essa experiência de formação, considerava
o desafio que enfrentamos de expor a nossa palavra, nossas ideias, nossas dúvidas e o desafio
de nos abrirmos para a escuta “inteira”, livre da prontidão para uma resposta. Escuta que dá-se
ao diálogo, ao questionamento, ao alargamento do pensar. Desafio que se fez presente também
nas primeiras escutas do grupo.

É preciso, porém, que quem tem o que dizer saiba, sem sombra de dúvida,
não ser o único ou a única a ter o que dizer. Mais ainda, que o que tem a dizer não é
necessariamente, por mais importante que seja, a verdade alvissareira por todos
esperada. É preciso que quem tem o que dizer saiba, sem dúvida nenhuma, que, sem
escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer, termina por esgotar a sua
capacidade de dizer por muito ter dito sem nada ou quase nada ter escutado.

[...]

Sua fala, por isso mesmo, se dá num espaço silenciado e não num espaço
com ou em silêncio. (FREIRE, 2016 p. 113 e 114)
42

Minha hipótese era de que, ao construir uma relação de reconhecimento da importância


de sua palavra e da do outro guardando na experiência de falar e ouvir, espaço para o
acolhimento reflexivo à voz, proporcionando a abertura de fendas para o surgimento do diálogo,
seria um passo importante para reverter esse espaço de silenciamento que se fez ao longo da
experiência escolar e possibilitar a experiência do Encontro.

Esse encontro, a que me refiro, propõe a ideia de encontro como uma experiência que
produz uma espécie de emoção que nos desconecta da necessidade de “respostas cognitivas”
como aponta BOULTON-FUNK (2015, p. 11-12 apud O’SULLIVAN, 2006). O encontro,
nessa perspectiva, possibilita ressignificar a relação com o conhecimento. Ao confrontar razão
e emoção, distancia-nos da necessidade de busca por uma suposta lógica. Esse modo de
entender o encontro, aproxima-nos do caráter afetivo, não racional, que ele desperta. Essa
experiência, pelos atravessamentos que promove, aciona algo novo. Esse novo em nós, pode
provocar potencial criador e pesquisador, além de deslocar as nossas percepções em torno do
que é “novo” e também do que é familiar. 2

Pensar o encontro nessa perspectiva, ampliou o olhar para os contextos dessa formação
considerando o encontro com algo que está em nós, nas marcas de nossa história, na nossa
identidade. O encontro com a própria voz a partir de experiências não normativas poderia
redimensionar a relação com a aprendizagem, com a pesquisa, com a criação. Nesse contexto,
tornou-se relevante iniciar as construções do grupo a partir da partilha das histórias de formação
e de vida, da possibilidade do encontro, na perspectiva mencionada acima.

Investir na construção dessa narrativa como espaço provocador do encontro,


aproximava-me da reflexão proposta por LARROSA (2015, p. 53) acerca da “viagem de
formação”. Ao dialogar com Peter Handke, Larrosa nos convida a pensar a formação a partir

2 Interpretação realizada a partir de tradução pessoal feita de trecho da seguinte tese de doutorado: BOULTON-
FUNK, Adrienne. An Arts-Based Methodology of Intuition: Secondoray Visual Art Teacher Becomings
and Enconters with Schooling. The University of Britsh Columbia, Vancouver, 2015. “For O’ Sullivan, the
encounter draws on affect as a physiological response that precedes the mediated processes of language. This
pre-cognitive sensorial process is produced through experience that neither affirmes nor sustains normative
unterstandings and emerges momentarily outside of discurse, offering a unique and temporal opportunit for the
production of difference as new and creative thought.”
43

da imagem de uma “viagem exterior que se enlaça com a viagem interior”. Propõe-nos entender
a formação considerando a construção de sentido que somente é possível no entrelaçamento
entre o externo e o interno, entre o todo e a parte, entre o individual e o coletivo. Nesse contexto,
somente é possível pensar a “experiência formativa” a partir de si, da descoberta da identidade,
da percepção do modo como interpretamos o mundo. Ao dialogar com “os heróis de Handke”,
Larrosa nos aproxima da compreensão de que para que a formação, a aprendizagem, ocorra,
precisamos nos encontrar com nossa forma de ser, estar e interpretar o mundo, com nossa
identidade, com a peculiaridade de cada um. Com o que está em nós e que colocamos em
diálogo com o mundo ao vivenciarmos essa exposição.

Encontra-se nesse ponto um dos desafios e um dos investimentos dessa pesquisa: a


busca por modos de narrar-se, de re-descobrir-se, de re-inventar-se nessa experiência de
encontro. O encontro conosco e com nossa forma de apreender o mundo e construir
conhecimento.

A busca pela própria palavra, portanto, tinha íntima relação com a identidade e com a
capacidade de reinvenção de si.

Desse modo, pareceu relevante pensar a formação como investigação viva que considera
a importância dos processos, da construção de sentidos, do conhecimento posto em rede e da
criação de uma obra como experiência que ressignifica a aprendizagem ao encontrar na
materialidade modos de representação do pensamento, dos processos e dos sentidos do grupo.
Aspecto que DEWEY (2010) nos provoca a refletir ao falar sobre a experiência estética como
possibilidade de trazer na materialidade a representação dos significados e dos valores
vivenciados no processo.

A perspectiva de produzir coletivamente uma obra, também poderia deslocar-nos da


experiência de reprodução que “a Escola e a sociedade pedagogizada”, como nos aponta
RANCIÈRE (2015, p. 11), colocou diante de nós. A busca pelo ato criador, oferecia a
44

oportunidade de re-significar a experiência aprendiz, ao colocarmos em jogo nossos saberes


pessoais na tentativa de representar o pensamento, as impressões, a compreensão.

Colocar em discussão o saber constituído no percurso de formação poderia ser um jeito


de resistir à manutenção dessa distância que foi posta entre a escola e a vida, entre a reprodução
e construção do saber. Pôr em jogo, as memórias em torno das experiências de aprendizagem,
poderia contribuir para a emancipação que o encontro com a palavra autora, pode produzir.

Encontrei nesse grupo e nessa escola, tempo e espaço para me dedicar a essa
investigação, considerando a experiência estética e a materialidade como possibilidade de
representação do pensamento e construção de sentidos e significados a partir de uma produção
coletiva que resulte da discussão, partilha, reencontro com as histórias de vida, construção de
sentidos, pesquisa e criação.

Como disse acima, como ponto de partida, busquei pelo caminho de volta. O reencontro
com as marcas da própria história, com as raízes, as identidades de cada uma. Procurei criar
tempo e espaço para deixar emergir a voz de cada professora sem saber ao certo quais os ecos
que essas vozes produziriam, mas com a perspectiva de, à partir delas, encontrar o comum desse
grupo.

Expor-se, foi o primeiro desafio encontrado, provavelmente, em função da expectativa


de encontrar um sentido prático para o que estava sendo proposto. Sentido que, supunham, seria
dado na declaração do fim a ser alcançado após o percurso. Pediam pela resposta do mestre,
mas não haviam ainda encontrado as perguntas para às quais gostariam de ter as respostas.

Com a expectativa de que as “respostas” viriam de fora, precisamos de tempo e


propostas que ajudassem a trazer a voz desse coletivo.
45

Escolhi atentar-me às palavras, aos silêncios, aos gestos... Deter-me a esse grupo de
modo a encontrar alguns de seus múltiplos, como aponta ALMEIDA (2010). Re-conhecendo
cada sujeito, sua potência, suas marcas, sua voz, seu sabor e seu saber. Com escuta e olhar
ativos, começamos a encontrar nossas palavras de chão, as experiências do corpo que foram
sendo re-significadas nos diferentes corpos que compõem essa equipe.

Com essas primeiras reflexões, seguimos com o exercício da escuta de si e do outro. O


reconhecimento dessa outra voz e a possibilidade de que ela componha com a nossa.

4. Palavras de chão, o chão da escola: O início dos encontros de formação de


professores na Vila do Aprender

A reflexão sobre a escola e seu cenário cotidiano como potência de construção da autoria
do professor, foi disparadora para essa experiência de formação que se fez dentro da escola Vila
do Aprender, no encontro entre as professoras, entre elas e seus saberes, entre elas e suas
experiências de mundo. O foco dessa investigação fez-se em torno das narrativas de professoras
e da produção coletiva de uma obra como caminho possível para o reencontro com os saberes,
com a potência criadora e com a voz autora de cada indivíduo e do grupo.

Esse modo de entender o percurso formador, considera o indivíduo e suas conexões com
o outro e com o mundo, uma experiência que potencializa o processo aprendiz e altera a
percepção para o entorno. Essa forma de se colocar em relação, potencializa a construção e
reconstrução de significados em uma rede que se faz e se refaz ao nos colocarmos em contextos
de escuta e de criação.

Cada um de nós ordena e nomeia aquilo que vê, que escuta e que toca por meio de um
sistema próprio de significados. A percepção é um exercício de confronto entre
diferentes sistemas e sentidos. Essas tensões produzem a necessidade da criação de
um campo poético, no qual a visão de mundo particular de cada um pode se tornar
questionável. Com a criação desse campo poético, o indivíduo pode tornar sua visão
singular de mundo em potencialidade. (AMARAL, 2008 p. 46)
46

A hipótese de que o modo particular com que cada um percebe o mundo, posto em
relação, potenciaria a construção de novos sentidos e significados no processo de formação das
professoras, foi um dos aspectos que moveu-me a considerar contextos de partilha e de
confronto de ideias como ponto de partida para esse projeto. Considerando que as marcas do
percurso escolar poderia tê-las distanciado dos saberes da experiência e da voz própria, pareceu
relevante iniciarmos essa investigação pelo reencontro com os sentidos de cada membro dessa
equipe em torno de algo comum. Assim, lancei-me a essa experiência buscando pela identidade
desse grupo a partir do olhar para a identidade da escola.

Na busca pelas percepções pessoais e pelas memórias, aproximamo-nos do nome e da


identidade da Vila do Aprender, como disparador para essa construção, o primeiro divisor de
águas nessa experiência de partilha e reconhecimento de si e do outro.

A que imagem a palavra Vila nos remete? – Perguntei.

Foi o olhar para “fora” que nos trouxe para “dentro”.

Eu não supunha que essa pergunta nos levaria para terrenos tão significativos.

Foi surpreendente o que essa palavra acionou de memória e de marca de experiência


impressa no corpo de cada uma. A partilha das histórias pessoais de pessoas que até então, mal
se conheciam, começou a abrir frestas para que pudéssemos adentrar esse universo tão amplo
que é cada humano.

Tivemos o relato da professora que lembrou sobre sua infância na Vila Olímpia (bairro
onde se situa a escola Vila do Aprender), sobre as brincadeiras nas ruas alagadas em dias de
chuva, sobre as memórias dos encontros com os primos nesses momentos, sobre a fala da mãe
preocupada com a brincadeira dos meninos...
47

Da outra que falava da Vila do Chaves e a experiência de assistir esse desenho com as
crianças do bairro. O desejo de fazer parte daquela Vila e o modo como ela permeia seu
imaginário...

Houve a que partilhou a experiência da infância mais dura vivida no interior do nordeste.
Sem a televisão, sua Vila do Chaves era o quintal/rua/terreiro, que ocupava com os outros
meninos e meninas... Os pés no chão, as brincadeiras, até os conflitos ganharam um novo sabor
em sua memória...

Todas trouxeram em seus relatos a imagem de vila como lugar de encontro, a


possibilidade de estar junto. Essas imagens inicialmente soltas, começaram a tecer um fio que
nos aproximou da imagem da escola Vila do Aprender. Entendendo a Vila como lugar de
encontro, tínhamos na identidade dessa escola o símbolo de lugar que proporciona encontros
com a aprendizagem.

Com essa reflexão, lancei a pergunta:

Quais os espaços de vila que temos localizado nessa escola?

A imagem trazida em torno do nome Vila do Aprender, não era a mesma que traziam
em torno da experiência que relatavam viver na escola. Colocavam na instituição a
responsabilidade por não terem esse espaço de encontro no cotidiano. Queixavam-se da falta
de tempo para discutirem ideias, para as negociações, para o planejamento do trabalho. Não
enxergavam no cotidiano e na ação coletiva desse grupo, frestas para construírem esse espaço
de troca.

Diante dessa fala, perguntei sobre o que faziam para tentar modificar essa realidade e
ouvi como resposta as justificativas que as impediam de agir quanto a isso: Os horários de
intervalo eram usados para organizarem algo de seus grupos e não poderiam dispor desse tempo,
48

durante as aulas tinham que ficar o tempo todo com as crianças, os espaços não permitiam que
reunissem duas turmas etc.

Saímos da reunião com essa inquietação. Por um lado, a motivação que a imagem da
vila proporcionou em cada uma de nós, por outro, a sensação de um tempo que as amarrava e
as distanciava dessa possibilidade de encontro. Será que era isso?

Quinze dias mais tarde, em nosso próximo encontro, uma das professoras pediu para
contar sobre uma experiência vivida com seu grupo e os demais. Ao produzir uma construção
com caixas com seus alunos, combinaram de leva-la em cada sala para que todos os grupos
pudessem intervir. Assim foi feito. Cada turma deixou sua marca nessa construção que, ao ser
concluída com a participação de todos, passou a ocupar a entrada da escola, pois já não pertencia
a uma única turma.

O que esse relato me deu a ver?

Não havia uma tarefa, sequer um pedido, para que fizessem algo com o que
conversamos no encontro anterior. Ainda assim, algo foi acionado e mobilizou uma das
professoras para essa troca com as demais. O contexto espontâneo de partilha, trouxe um novo
sentido para estar junto no cotidiano da escola, junto aos alunos, em torno das aprendizagens
de adultos e crianças, em torno da possibilidade de construir algo juntas. Criação e autoria.

Na ação de uma professora e na disponibilidade de todas as outras, rompemos uma


pequena barreira, possibilitando as primeiras experiências de vila, de encontro, de troca, de
construção, na Vila do Aprender.

4.1 O início da construção das narrativas do grupo de professoras

O exercício da busca pelo sentido da palavra Vila, trouxe imagens variadas para o centro
de nossa roda. Fruto das diferentes interpretações, das vozes de cada uma que foram somadas
49

às vozes de seu passado/memória. Essas vozes, ressignificadas, possibilitaram novas escutas,


novos sentidos. Algo que foi acionado de uma experiência pessoal em torno de algo comum ao
grupo.

Esse encontro entre as vozes, provocou uma interrupção em relação à expectativa da


construção de saber em um formato pré-concebido. Momentaneamente, entregaram-se às
memórias e às narrativas, aos símbolos pessoais e aos novos símbolos que surgiram no entre
lugar que se fez. Aproximaram-se de algo novo, provocado pela emoção e, esse novo, tornou-
se potência de criação para o grupo em outro contexto, na experiência cotidiana, na sala de aula
que fez-se plural.

Bem lentamente, as trocas vividas nesses encontros quinzenais, começaram a


proporcionar alargamentos nas experiências cotidianas de troca. Sem qualquer imposição,
pouco a pouco, romperam algumas fronteiras, re-criaram lugares de encontro com o outro e
com a aprendizagem.

É preciso reconhecer que muitas de nossas lembranças, ou mesmo de nossas


ideias, não são originais: foram inspiradas nas conversas com os outros. Com o correr
do tempo, elas passam a ter uma história dentro da gente, acompanham nossa vida e
são enriquecidas por experiências e embates. (BOSI, 1994, p. 407)

A hipótese de que o conhecimento e nossa identidade se constitui na relação e que ocupa


um lugar dentro da gente, tornava-se cada vez mais consistente. Ganhava relevo nos relatos das
professoras que começavam a acionar, umas às outras, nas ações que começavam a desenvolver
coletivamente.

Essa movimentação ainda incipiente, não parecia ser tão visível ao grupo que, com
naturalidade, começou a relatar algumas trocas sem destacar o quanto essa experiência era
recente.

Em busca da possibilidade de ampliar essas imagens e as referências do grupo em torno


das narrativas, das memórias e dos sentidos de seus integrantes, de oportunizar espaço de
criação a partir de ideias inspiradas na conversa com outros, lancei uma proposta: No encontro
50

seguinte, cada professora deveria trazer um livro, uma poesia, uma música, a imagem de uma
pintura ou escultura que tenha um significado especial. Apenas esse pedido, nenhum outro
combinado foi feito.

Duas semanas mais tarde, cheguei mais cedo, como de costume e me dirigi ao local
onde realizaríamos nosso encontro. Diferentemente das outras vezes, todas já estavam lá,
organizando os espaços que contariam suas narrativas...

Em algum momento, umas das professoras propôs:

- Vamos preparar juntas a sala? Podemos organizar de acordo com o material e não com
a pessoa.

E assim fizeram. Juntas, cuidaram daquele espaço que foi ganhando cor, forma, som,
vida... história.

Mesas ocupadas com livros, com poesia, com imagens, com memórias...

Na sala, o som da música suave que tocava no aparelho, misturava-se às vozes das
professoras que conversavam entre si sobre o desafio da escolha por esse ou aquele livro,
música, pintura...
51

Figura 1. Imagem de parte da sala no dia da partilha de algumas referências das professoras. (Foto de
Patricia Mochida)

Figura 2. Imagem de parte da sala no dia da partilha de algumas referências das professoras. (Foto de
Patricia Mochida)
52

Figura 3: Imagem de parte da sala no dia da partilha de algumas referências das professoras. (Foto de
Patricia Mochida)

Figura 4: Imagens e poemas trazidos, recompostos na roda durante a conversa. (Foto: Patricia Mochida)
53

Enquanto partilhavam e ampliavam suas referências, meus olhos admiravam aquela


cena...

No horário marcado, reunimo-nos em torno das histórias de cada uma e do lanche que
estava preparado para alimentar nosso corpo e nossa alma com tudo o que estava por vir.

Ali, sentadas, sem pressa, combinamos como seria nosso tempo e espaço de escuta do
outro e de nossas histórias.

As vozes do grupo começaram a surgir... Primeiro, em torno das obras que escolheram
para compor aquele cenário de troca, logo depois, a vida de cada uma foi dando novo sentido
às músicas, às poesias, às imagens...

Emoções e sentidos importantes marcaram aquela noite...

...Da professora que, ainda menina, via o chão de terra de sua casa se encher de água em
dias de chuva e se deixava misturar pelas palavras de Manoel de Barros contando de seu chão
de infância...

... A que ouvia Arnaldo Antunes durante a gravidez e preparava sua casa, como na
canção, enquanto esperava por sua menina...

... A que partilhou das pinturas que fez com suas próprias mãos e nos contou o quanto a
arte plástica e o desenho, desde menina, foi um canal para curar suas dores e compreender o
incompreensível do mundo que a habita...
54

... Da professora que, diante desse pedido para o encontro de formação, foi em busca
das canções escritas e tocadas por seu pai que, quando vivo, fazia parte de um grupo. Nessas
duas semanas de busca por sua história, reencontrou-se com o pai e promoveu o reencontro dele
com a família...

Muitas lágrimas, sorrisos, olhares de acolhimento, gestos de companheirismo,


marcaram aquela noite.

Figura 5. Professoras e eu em torno de nossas representações e de nossas palavras. (Foto: Patricia


Mochida)

À medida que foram contando suas histórias, começaram a recuperar fragmentos que
revelavam suas identidades. Marcas de vida que foram se costurando a partir das representações
que compunham as narrativas de cada uma. Esse repertório pessoal, foi ganhando sentido em
nosso pequeno coletivo, iniciando a construção do comum do grupo.
55

Ali, diante de nossas histórias, das emoções que provocavam em cada uma de nós e nas
demais, nos tornamos mais humanas e sensíveis umas às outras.

Naquele momento, não havia o receio da partilha, não esperavam pela voz diretiva da
professora, não importava qual o sentido útil daquela experiência. Pudemos nos expor. Falar e
ouvir. Sentir e tocar. Admirar, trazer para perto, para dentro. Trouxeram o outro para o diálogo.
Colocaram-se em relação, relacionaram também seus saberes. Nesse gesto de comoção,
moveram-se com o outro.

Deixaram-se estar ali, juntas, entrelaçadas pelas histórias. Partidas e inteiras.

Ao partilharem músicas, poesias, imagens, histórias de livros, histórias da família...


Aproximaram-se de suas vozes, suas identidades. Aproximaram-se de quem são e das marcas
que as constituíram.

O encontro em torno de algo inicialmente individual, começou a abrir fresta para a


construção do comum; lugar de troca e encontro com a própria palavra e a do outro, como nos
diz LARROSA (2014, p. 70 apud Miguel Morey): “Pensar se parece muito com conversar
consigo mesmo. Talvez por isso conversar – não dialogar nem debater, conversar – se parece
tanto com pensar em comum.”.

Conversar sobre essas experiências, sobre suas memórias assemelha-se a ideia de versar
com, versar com o outro sobre as marcas de sua/minha/nossa história. Em meio a essa
possibilidade de versar, principiamos nossa construção. Os simbólicos, as imagens que
começaram com a identidade da escola, com a imagem da palavra vila como ideia de encontro,
agora, com as marcas das histórias de cada uma interligadas com a arte expressa em suas
diferentes linguagens e os sentidos que foram constituindo na experiência do grupo e de cada
membro que o compõe, foram alicerçando a construção desse coletivo no encontro com a
aprendizagem entrelaçada às histórias de vida.
56

Em torno das narrativas pessoais, foram construindo espaço de identificação e de


identidade. Reconhecendo-se na voz das colegas, conectando memórias pessoais a memórias
coletivas, começaram a construir um entre-lugar, uma relação entre vida e obra, entre
experiência e conhecimento, entre palavra e sentido.

4.2 Outros encontros, outras palavras, novas ampliações.

Nesse caminho, tecendo as experiências com as professoras, buscando a construção do


comum, aproximamo-nos da experiência de partilha como um caminho de vida, de pesquisa e
de aprendizagem, falamos a partir de nós, de nossas percepções e apreensões do mundo.
O diálogo posto entre as nossas palavras e as palavras/imagens/sons produzidas por outros,
artistas que tiveram sua obra ressignificada em nossa experiência, possibilitou o início da
construção de uma rede que ampliava nossas relações com o mundo e com os sentidos que
foram ganhando a medida que nos aproximamos dele.

SALLES (2013), defende que o ato criador e a possibilidade de apreender o mundo ao


colocar-se sensível diante dele, oportuniza tanto a construção de novos sentidos e significados,
quanto a ampliação de informações e recursos que constituem novas aprendizagens. Razão e
emoção confrontam-se e conectam-se durante a criação, deslocando constantemente o olhar e
os modos de interpretar o mundo. Tais processos possibilitam a transformação da compreensão
acerca do mundo exterior assim como também altera a compreensão de si.

Inspirada pelo pensamento de SALLES (2013) ao falar sobre os processos como


possibilidade de criação, conhecimento do mundo e conhecimento de si, propus a ampliação
dessa experiência de apreensão do mundo oportunizando a expansão de nossas redes de troca e
partilha de sentidos.

A composição dos diferentes olhares foi o primeiro passo para essa ampliação. Com a
hipótese de que ao se colocar com o outro, amplia-se o olhar, as referências, as possibilidades.
Oportuniza-se nessa troca, o surgimento de um terceiro lugar. Cria-se um novo olhar, uma nova
percepção a partir do deslocamento que essa integração nos provoca. Acessamos e
confrontamos, por meio dessa experiência, o antigo e o novo, o supostamente conhecido e o
desconhecido, o eu e o outro. Possibilitamos um religar de olhares, pensamentos e intensões.
57

Ao nos colocarmos nessa fronteira, nos aproximamos de um espaço intermediário, como


nos propõe IRWIN (2008, p. 97). Segundo a autora, em experiências de “criação e recriação da
vida”, oportunizamos a aquisição de novos conhecimentos ao colocarmos diferentes saberes
em relação. Esse contexto, nos coloca na fronteira, chama-nos a olhar novamente, re-aprender,
re-fazer, re-pensar nossas certezas, nosso modo de ser e estar no mundo, com o outro, diante da
aprendizagem. Trata-se de tatear o mundo com todos os sentidos, com diferentes linguagens de
com-por, por-se junto, na/em relação.

Com essa imagem, começamos a buscar aquilo que nos entre-laçava, o entre lugar que
nasceria no encontro e no confronto, entre o eu e o outro, entre o interno e o externo, entre o
individual e o coletivo...

Deixar vir na voz e na palavra falada as impressões sobre o mundo e o conhecimento, tem
sido um passo importante para a construção da palavra autora, escrita de um novo lugar, com
nova consistência.

A experiência de partilha das histórias de cada uma na relação com as imagens, os textos,
as canções, as esculturas etc., trazidas pelo grupo, aproximou-nos da fronteira que nos aponta
Rita Irwin, colocou-nos a repensar nossos próprios processos a partir da escuta e da experiência
do outro.

Esse entrecortar de olhares e fronteiras, a possibilidade de religar o que está dentro e o que
está fora, criou espaços para começarmos a re-pensar, re-significar, re-encontrar... papeis,
caminhos, sentidos, aprendizagens...

Após as trocas entre o grupo, com a intenção de alargar as fronteiras e as possibilidades de


composição de olhares, após o encontro com as histórias de cada uma, propus dois momentos
de formação com a participação de artistas convidados. O músico, Irajá Menezes e a fotógrafa,
Carla Zavatieri.

De que lugar esse encontro com o externo atravessaria o interno? Quais as conexões que
provocariam? De que forma essa experiência nos colocaria a re-pensar, re-aprender? Como
possibilitaria que tateássemos nossas percepções de mundo?
58

Esses encontros, inicialmente, colocaram as professoras diante da memória do papel de


alunas-ouvintes à espera da palavra do mestre. Aparentemente distantes da experiência,
buscavam pelas respostas que o “especialista” poderia trazer.

Durante a reunião, pouco falaram.

Ao avaliarmos os encontros, algumas falas revelaram a expectativa por um


encaminhamento mais diretivo, uma receita a seguir:
- Senti falta de dicas para trabalharmos a música e a fotografia em sala de aula.

Essa foi uma colocação comum a boa parte do grupo que, novamente na posição de aluno,
buscou pela palavra de direção que apontaria para algo quase concretamente aproveitável, útil.
A partir da vivência com os convidados e da fala das professoras, procurei retirar as camadas
desse discurso. Seguimos com a perspectiva da escuta e da potência da palavra do grupo. Com
a possibilidade de encontrarem novas relações e saberes a partir dessa reflexão coletiva.

- Do que vimos e ouvimos nos encontros com Irajá Menezes e Carla Zavatieri, que
aproximações podemos fazer com experiências anteriores? – Perguntei.

Diante dessa questão, levantamos palavras, gestos, imagens, sons... que cada uma colocou
em relevo, relacionando suas percepções às linguagens que foram trazidas.

Essa aproximação, não tinha a intenção de criar possibilidades para trabalhar com os alunos,
como disseram inicialmente, mas para pensar em campos de aproximações, em relações que
foram possíveis a partir do vivido, em como os recortes trazidos revelam aprendizagens e
saberes que são acionados e alargados a cada fronteira que rompem.

Esse exercício de encontrar nas palavras (faladas e escritas), nas imagens, nos sons e nos
gestos trazidos, referências pessoais, possibilitou a aproximação entre as diferentes leituras do
grupo, as interpretações que fazem a partir de suas experiências pessoais na relação com o
mundo e com a cultura. Identidade. Identidades.
59

Também ampliação das percepções sobre seus saberes e a possibilidade de não se deter na
primeira mirada. Ao contrário, tentar trazer para dentro, encontrar conexões, retirar as camadas.

Segundo FREIRE (2016, p. 86): “Um dos saberes fundamentais à minha prática educativo-
crítica é o que me adverte a necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade-
epistemológica.”. O apontamento de Paulo Freire ajudou-me a refletir sobre os caminhos
possíveis para oportunizar essa promoção que, nessa situação, estava mais especificamente
vinculada à condição de acionarem os saberes que tinham acerca dos assuntos trazidos e os re-
posicionarem ampliando a reflexão e a consistência posta nos conhecimentos que fossem
colocados em jogo. Esse é um exercício ao qual pouco fomos expostas em nossa história de
formação e necessitam de investimento para que sejam naturalizados em nossas experiências.

A provocação realizada em torno das aproximações do grupo acerca das referências trazidas
pelos artistas, resultou em uma pequena ampliação do olhar. Levantamos juntas, oralmente, as
percepções que revelaram. Entre os apontamentos, falaram sobre aproximações com uma
Língua estrangeira, sobre a leitura dos gestos e expressões do dançarino, levantaram hipóteses
sobre diferentes ritmos e a reação espontânea do corpo, questionaram aspectos políticos e
religiosos a partir da fotografia trazida por Carla Zavatieri etc.

Ao final dessa conversa/reflexão, localizamos algumas das conexões que fizeram, os


saberes que acionaram, as relações que estabeleceram... Falamos sobre o princípio da
aprendizagem, sobre as relações, sobre os sentidos, sobre signos e interpretação. Ao realizarmos
essa “leitura” posterior, colocamos palavra, voz, saber e sabor nos encontros que, até então,
pareciam não ter provocado atravessamentos.

Esse foi nosso último encontro de formação do primeiro semestre de 2016. Encontro que
nos preparava para as marcas do registro, da palavra escrita como lugar de representação do
pensamento. Assim, antes de sua conclusão, deixei o pedido para a escrita de uma avaliação do
percurso. Nada muito direcionado, apenas a solicitação de que registrassem as marcas dessa
experiência pensando nos sentidos e nas aprendizagens desse período. As primeiras palavras-
texto que declarariam a voz dos indivíduos que compõem esse coletivo.

4.3 Os primeiros registros do grupo


60

No prazo acordado, recebi os textos. As vozes de cada membro desse coletivo.

O destaque para o prazo, aponta para uma transformação. No início desse percurso, por
vezes, solicitei registros que não foram entregues ou somente chegaram após uma “cobrança”.
Essa mudança de postura, o comprometimento com o envio e o formato dos registros, fizeram-
me crer que haviam atribuído um sentido particular a esse ato de por em texto os pensamentos
nesse momento. Talvez, não mais por um compromisso com o outro externo, mas por um
compromisso consigo e com a sua palavra.

Os registros, falavam de emoção, de experiência e de saberes. Começaram a estabelecer,


acredito, de forma mais consciente a relação entre a experiência e o conhecimento.
Relacionaram as experiências com alguns autores. Fizeram algumas conexões entre a teoria e
a prática.

No retorno das férias, em nosso primeiro encontro, com a autorização do grupo, li em voz
alta, as palavras escritas, os saberes impressos e expressos nas cartas/avaliações que me foram
enviadas.

Abaixo, o registro das avaliações escritas pelas professoras em agosto de 2016.

“Nossos encontros ampliaram o meu repertório e encheram a minha


sacolinha. Como você diz estas experiências são únicas e cada uma leva para si. Os encontros
que ficaram mais marcantes foram o primeiro e o último. Dos profissionais que vieram
esperava algo mais com a nossa prática.

(...) Só tenho a agradecer você e a direção da escola, Rose e Rosália, pela


oportunidade que nos dão de fazerem estes cursos na Vila pensando na formação dos
profissionais.”

(Adriana)

“O nosso primeiro encontro, foi uma experiência que me marcou profundamente. Este
poema me fez resgatar aquela menina que gostava tanto de poesias, de pequenos versos, e que
61

tinha um caderno velho cheio de inspirações, com algumas páginas marcadas com o barro
vermelho do Nordeste. Essa era eu!

Foi com esta pergunta que finalizei o meu relato no nosso primeiro encontro. Onde foi
parar aquela menina? Em que momento ela se distanciou, ou se perdeu? Acredito que pensar
na infância é nunca esquecer o que você foi um dia. É nunca esquecer suas raízes para não se
perder.

Os nossos encontros de certa forma, contribuíram para minhas dúvidas, reflexões,


aprendizagens e, o mais importante, o despertar para o eu e o outro. A cada vivência partilhada
em nossos encontros, uma marca ficou registrada que me faz refletir pensando em minhas aulas.
Que marca que deixei nos meus alunos? Como eles saíram daqui hoje?

O nosso último encontro foi bem dinâmico e construtivo, acredito eu. Acho que seria bem
interessante se tivesse a possibilidade de fazermos essas trocas de forma mais dinâmica. (só
uma dica).

Enfim...

Fechamos nosso semestre com chave de ouro. Que bacana essa troca com o outro. E como
as relações com o outro nos faz bem, como pessoa, como amigos e profissionais. Tenho certeza
que esses encontros, essa troca de experiências, esses diálogos vão contribuir cada vez mais
na relação com o outro no nosso cotidiano, refletindo assim, em nossa pratica no dia a dia com
os nossos alunos. Afinal de contas é por nós e por eles que fazemos essas trocas.”

(Alais)

“Quanto aos encontros com o grupo, infelizmente por motivos familiares me ausentei em
dois dias, o que dificulta um pouco a devolutiva. Mas penso que seria mais produtivo momentos
como o do último encontro, não somente com as professoras compartilhando experiências, mas
que os convidados também tivessem a prática como parte do encontro.

Como psicomotricista acredito que o “ouvir” atrelado ao “fazer” sempre nos atravessa
mais, afinal, muito do que ouvimos um dia podemos esquecer, mas o que vivenciamos
corporalmente sempre ficará em nós.”

(Aline)
62

“Os encontros em grupo contribuíram sim para ressignificar saberes construídos


anteriormente e modificaram o meu modo de olhar para algumas pessoas.

O dia que tínhamos que levar para o encontro: um livro marcante na nossa vida, uma
música que gostamos, uma poesia e uma obra de artes que mais apreciamos, foi muito
emocionante!! Pois foi gostoso ouvir o relato de todas as professoras, seu e da Rose. Foram
interessantes, ricos e carregados de emoção e amor. O que me marcou foi a história contada
pela professora Alais sobre sua infância e o relato da Adriana sobre o pai músico.

No encontro com o Irajá achei bastante interessante aquele vídeo que ele passou do cantor
na praia e que ganhou um programa americano. Mostra que precisamos acima de tudo
acreditar em nós mesmos, nos nossos sonhos individuais e compartilhados.

No encontro com a Carla, achei bem importante pensar na fotografia como uma das formas
de registro dos alunos. Pensar que quando fotografo outra pessoa, devo refletir sobre a cena,
o que o outro quer me mostrar, o que ele está me passando com aquela expressão do seu rosto.

Nosso último encontro do semestre foi carregado de emoções.

Esse espaço de formação serve com certeza para ampliarmos ainda mais nossos
conhecimentos enquanto educadoras, para trocarmos informações, estudarmos sobre
Currículo, partilharmos experiências, vivências, saberes sobre Educação. Percebo que nosso
grupo é unido e forte, também graças a esses riquíssimos e deliciosos encontros.”

(Ana Claudia)

“Para mim valeu muito para ressignificar algumas coisas como por exemplo no encontro
da Carla, pude rever uma paixão antiga que é a fotografia. Acho que o foco dos nossos
encontros com os convidados, poderia dar maior ênfase a nossa prática em sala de aula, senti
falta de dicas da Carla por exemplo de como ter um olhar para uma cena ou uma foto dos
nossos pequenos em geral. Quanto ao encontro do Irajá simplesmente AMEI! Fiquei encantada
com o olhar dele sobre as coisas!

Na minha opinião esses espaços de formação são muito construtivos, temos a oportunidade
de nos conhecer melhor, colocar-se na posição de ouvintes, escutando o outro e também o
trabalho das nossas parceiras. Acho fantástica essa ideia de compartilhar com os todos nossos
projetos, trabalhos além de nos aproximar, como amigas.
63

Encerro o semestre, feliz em fazer parte desse grupo e da Vila do Aprender, sinto-me
acolhida e parte dessa família.”

(Carla Mauro)

“Ao me encontrar com os outros, encontrei a mim mesma, descontruindo o construído e


reavaliando valores e ideias.

É preciso avaliar os posicionamentos e ancorar novos conceitos que acolham novos


comportamentos. É fundamental ilustrar a diferença que queremos perceber ao nosso entorno.

É possível, ao se deparar com momentos como esses, perceber o quanto podemos aprender,
avançar e progredir. Aprender com o outro é tão fundamental quanto aprender com os livros.
Nesses encontros eu aprendi ainda mais a ouvir. Ouvir com atenção e empenho, o que refletiu
diretamente em sala de aula. Não que antes não acontecesse, mas percebo uma consciência
maior, uma vontade e determinação em ouvir. E isso me fez uma pessoa melhor e acredito que
uma educadora melhor.

Ao me colocar como ouvinte, constatei o quanto aprendo com meus alunos diariamente e
me sinto orgulhosa ao perceber o quanto aprendi.

A ênfase em aprender também faz parte desse texto, repetidas vezes, aprendi tanto que peço
uma licença poética para repetir tantas vezes.

Ao finalizar o semestre me sinto feliz e realizada, mas não com a sensação de trabalho
encerrado, mas a espera de um porvir. Percebo o quanto eu amadureci e cresci, o quanto meus
alunos também aprenderam e quanto minhas práticas foram aprimoradas. Devo ressaltar que
hoje me sinto segura ao intervir com qualquer criança de qualquer grupo, pois sinto que
falamos a mesma linguagem e que todas buscamos uma formação completa, mas com a
consciência de que sempre falta algo.

Para encerrar...

O jardim ou o jardineiro?

Rubem Alves

O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um


jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem
64

jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa
cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro.
O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem.”

(Carla Barbieri)

“Final do semestre, hora de avaliar, mas principalmente de reconhecer e agradecer por


tudo o que foi construído e compartilhado dentro do nosso grupo.

Para não me alongar muito (posso escrever páginas e páginas. rs), tentarei me orientar
pelo percurso.

Achei muito interessantes as propostas feitas pelos convidados Irajá e Carla, que nos
fizeram refletir sobre assuntos diferenciados, contudo penso que eles poderiam ter costurado
melhor os conteúdos expostos com nossas práticas. Quem sabe focando em ações para o nosso
dia a dia escolar. Ex: exercícios de música e possíveis repertórios, como fazer um bom registro
fotográfico e o que devo enquadrar durante este registro (que lugar é este? Quem está nele? O
que estão fazendo? Detalhes, etc.)

Nosso primeiro encontro foi sem dúvidas o mais significativo e nos ajudou a estabelecer
um vínculo e uma proximidade que antes não existia. Foi tão significativo que me inspirou
ideias para o projeto do 1ºsemestre junto ás crianças.

Ainda gostaria de sugerir que para o próximo semestre houvesse um espaço em que as
próprias educadoras da Vila do Aprender pudessem indicar material para estudo e propor
atividades, estabelecendo assim uma troca com pessoas que de fato conhecem a escola e suas
necessidades.

Realmente acho válido trazer pessoas de fora para enriquecer o nosso olhar, mas penso
que o oposto ajudaria a fortalecer o vínculo dentro do grupo, e trazer a luz os potenciais que
esta escola já possui, e que não são poucos.

É isso. Gratidão pela oportunidade e por todo o aprendizado que nos possibilitou.”

(Kátia)

A reação do grupo diante da escuta?


65

Surpresa! Encantamento! Reconhecimento!

- Fomos nós que escrevemos tudo isso!? – Perguntaram/exclamaram.

O reconhecimento do valor de suas escritas, tornou-se maior do que o receio e a dor de “ter”
que escrever. Ao se depararem com suas palavras, encontraram-se também com sua potência
de criação e com seus conhecimentos.

Seria preciso ouvir-se fora de si para saber-se capaz?

Desacreditadas e encantadas com o valor de suas palavras/reflexões/saberes, houve quem


chorou, houve quem ficou em silêncio, houve quem se sentiu motivada a propor:
- Nós também temos nossas pesquisas, estudos em diferentes áreas. Eu estudo arte terapia.
Ela tem um lindo trabalho com psicomotricidade. Ela escreve. Ela gosta de fotografia.
Poderíamos assumir a formação de alguns encontros. O que acham?

Os olhos e os sorrisos pareciam concordar com a colega, mas a voz disse outra coisa:
- Acho que ainda não estamos prontas. Disseram.
No meu olhar... elas só não sabiam que estavam.

4.4 Outras palavras: novas produções

Voltei para casa naquela noite, refletindo sobre o que estaria nas entrelinhas desse
pedido/desejo de exposição que o assumir da própria voz nos traz?
As palavras da professora foram para mim como lampejos de luz, ou ruídos sonoros que
apontavam para o desejo de fala.

Perguntava-me se o reencontro com os fragmentos de suas histórias e o princípio da


construção dessa narrativa havia provocado esse quase impulso de se colocar a partir do seu
saber. Era uma hipótese.
O fato?

A manifestação do desejo de exposição e autoria.


66

Essa manifestação, aproximava-me do pensamento de IRWIN (2008, p. 97), ao dizer que:


“Aqueles que vivem nas fronteiras da a/r/t reconhecem a vitalidade de viver num espaço
intermediário. Eles reconhecem que arte, pesquisa e ensino, não são feitos, mas vividos.”. A
proposta da professora a colocava nessa fronteira e também diante do reconhecimento de que
sua voz e autoria se fariam mais fortes e inteiras no exercício de criar formas para colocar sua
pesquisa em movimento.

Considerando a potência de ocupar esse espaço intermediário para essa construção,


oferecendo escuta e ação às palavras de coragem da professora que gostaria que cada uma
assumisse um encontro e, criando espaço para que a experiência autora ganhasse outros lugares,
propus que, em dupla, escolhessem uma ou mais linguagens para propor uma ação com e para
o grupo em nossa próxima reunião. Sem muitas orientações e com a abertura suficiente para
elegerem os recortes que julgassem pertinentes, despedimo-nos.

A experiência de selecionar um tema, pensar uma ação, escolher os elementos a serem


utilizados etc., possibilitou que lidassem com a necessidade de negociar, posicionar-se,
confrontar ideias, acionar saberes, compor olhares, reinventar caminhos...

O que fazer? Com que intenção? Ancorada em que experiência anterior?

Algumas das questões que poderiam orientar esse processo de escolha.

No dia da partilha, expectativa, ansiedade para “dar” e “receber”.

Três duplas escolheram diferentes linguagens para propor uma experiência que envolveria
uma produção.

Essa experiência nos aproximava da integração das identidades de artistas-professores-


pesquisadores, como reflete IRWIN (2008). Ao planejarem uma ação, acessaram seus saberes
junto com outros, refletiram sobre as possibilidades e criaram contextos de experiência,
ressignificaram seus saberes, entrelaçaram pensamentos, acionaram emoções,
redimensionaram ações. Interligaram “intelecto, sentimento e prática.”.
67

Para organizarmos minimamente os contornos dessa experiência, estruturamos uma ordem


para as proposições.

Iniciamos com uma dança coletiva que envolvia dança e grafia. A proposta de mover-se e
deixar a marca desse movimento em um papel preso na parede, teve como principal desafio
fazer mover nossos corpos. No princípio, a resistência provocada por uma vida pouco exposta
ao movimento dançante em um contexto de exposição.

“Eu não sei dançar!” – Alguém logo anunciou.

Com passos bem lentos, começamos a nos soltar das amarras. Bem aos poucos, o receio da
exposição, começou a dividir espaço com o desejo de se render ao corpo que, provocado pelo
som, teimava em mover-se. Por fim, o pedido de que congelássemos um movimento juntas. E,
na parede, o traço que, de algum modo, também congelava a marca desse processo.

Figura 6: Início da grafia do movimento. (Foto: Patricia Mochida)


68

Figura 7: Continuação das marcas do movimento. (Foto: Patricia Mochida)

Figura 8: Resultado da grafia do processo. (Foto: Patricia Mochida)


69

Um instante, e outra estação se fez como lugar de experiência. Dessa vez, papeis variados,
tinta, canetinha, giz... materiais que nos ajudariam a deixar marcas no papel. Representação de
pensamentos e/ou emoções.

O desafio de começar fez-se novamente presente.

A tensão diante da expectativa pessoal de que há um certo a ser feito.

“Eu não sei desenhar!” – Palavras que, mais uma vez, revelavam as marcas de nossa história
de opressão, de um olhar para o ensino que busca pelo “certo” sempre como palavra singular,
como caminho único.

Aos poucos, começamos a dar contorno para os pensamentos, deixamos emergir o possível
nesse registro-imagem que foi surgindo.

Figura 9: O começo... Materiais. (Foto: Patricia Mochida)


70

Figura 10: Processo. Produção. (Foto: Patricia Mochida)

Por fim, outra dupla, dessa vez, com mais leveza, nos colocamos diante da experiência de
produção.

Uma das professoras trouxe os materiais – giz de cera, potinhos, gliter, lantejoulas, velas
coloridas etc. -. Em roda, observamos e ouvimos as orientações para a produção de nossas
pequenas luminárias.
71

Figura 11: Escolha do material para o preparo das luminárias. (Foto: Patricia Mochida)

Em seguida, com as luzes apagadas, as velas acesas e uma música bem tranquila ao fundo,
nos detivemos à proposta. Derretemos as velas coloridas e acrescentamos, de acordo com nossa
escolha, os itens disponíveis para essa produção.
72

Figura 12: Processo de produção das luminárias. (Foto: Patricia Mochida)

Entregues à experiência, produzimos em silêncio nossa arte. Experimentamos variações e


vimos nascer nossa produção.

Ao final, orientadas pela professora, descobrimos uma técnica para desenformar a base feita
com vela.
73

Foto 13: Produto. (Foto: Patricia Mochida)

A satisfação diante da materialidade que trazia marcas do processo, fez-se presente.


Enquanto falavam, relacionavam a sensação vivenciada durante a produção, às propostas
realizadas com as crianças. Compararam os contextos, falaram de adaptações que poderiam
fazer para propor aos seus grupos, fizeram conexões entre suas experiências de formação e o
papel de professoras.

Ao observá-las nesse contexto, chamou minha atenção o modo como puderam realizar uma
ação tão presente no cotidiano do professor, com o olhar tão transformado. Uma experiência
que as aproxima de um espaço intermediário, de re-invenção e re-descoberta e da experiência
aprendiz. Reencontraram-se com propostas anteriores de forma renovada, possibilitando novos
sentidos e construindo significado.

A variedade de saberes impressa nesse grupo e a potência criativa que possibilitou a


reinvenção dos conhecimentos, aproxima-nos do que diz KASTRUP (2007) ao falar sobre a
aprendizagem e o processo aprendiz. Nessa perspectiva, falamos da criatividade como
inteligência, como apropriação e possibilidade transformadora. Aquele que recria, coloca em
movimento seus saberes transformando-os e resignificando-os constantemente. Em seu
74

processo de reinterpretação, encontra a consistência e o aprofundamento do que, anteriormente,


poderia ser um saber da superfície.

Entendo que a arte e a experiência são a fresta que nos possibilita esse encontro com o novo
em nós e considerando, como nos diz MASSCHELEIN E SIMONS (2014, p. 43) que “a escola
não é um campo de treinamento para aprendizes, mas o lugar onde algo [...] realmente se torna
separado de seu próprio uso e, portanto, também se torna separado da função e significado que
ligam aquele algo à família ou à sociedade.”. Ao trazer algo para o jogo, ao transformar esse
algo em foco de investigação a fim de se aprofundar em alguma coisa como um objeto de prática
e de estudo; distanciamo-nos da experiência com o intuito de interpretá-la, de colocar em relevo
as percepções acerca de nossas aprendizagens.

A reflexão acerca desses encontros, acerca do que nos aconteceu como experiência, fez
emergir a percepção de que as referências teóricas e as experiências de vida foram compondo
o olhar de cada uma e possibilitando que colocassem em jogo seus saberes. Observaram que,
as experiências pessoais, ao serem recuperadas de forma consciente com a intenção de planejar
uma ação formativa, foram ressignificadas e deixaram de ocupar “apenas” o espaço de memória
para ocuparem também lugar de estudo e de aprendizagem. Saber que foi se transformando em
conhecimento à medida que passou a ser discutido com e no grupo. Por ser constituído em um
terreno que envolvia a experiência e a criação, tal conhecimento ganhou novo significado e
consistência.

Esse processo tornou visível a relação entre os sentidos e a experiência, como nos dizem
abaixo, DALHBERG, MOSS E PENCE.

O significado não provém apenas do ver ou observar; ‘o significado (não está)


repousando na natureza, esperando ser captado pelos sentidos – ao contrário, ele é
construído. É produzido em atos de interpretação’ (Steedman, 1991). Quando você
documenta, você constrói uma relação cujas palavras e cujas ações você documenta.
Nesse aspecto, a prática da documentação não pode, de modo algum, existir à parte
do nosso envolvimento no processo. (G.DALHBERG, P. MOSS E A. PENCE, 2003,
p.193)

No exercício de encontrarmos a teoria presente em nosso fazer e de experimentarmos


diferentes modos de narrarmos nossas experiências, começamos a olhar mais de perto para as
vivências e produções realizadas na sala de aula. Buscamos pelo significado em nossos gestos
de interpretação e construção de narrativas.
75

Nos dois encontros que seguiram, propus que três professoras partilhassem com o grupo
recortes de seu projeto com os alunos, enquanto as demais ouviriam. Então, no encontro
seguinte, inverteriam os papeis.

Para essa partilha, precisariam olhar de forma mais ampla para as propostas realizadas com
seus grupos, mapearem as relevâncias, selecionarem os recortes que poderiam aproximar do
processo e construírem uma narrativa que nos aproximaria do trabalho. Realizariam um estudo
da documentação combinando processos e produtos.

As ouvintes ativas, assumiriam a missão de selecionar recortes que colocariam em relevo


os aspectos que chamaram a atenção sobre o trabalho realizado. Para isso, escolheriam
linguagens que ajudariam a contar desse olhar/interpretação; imagens, texto, vídeos... No
encontro seguinte, partilhariam um painel com a composição desses recortes.

O primeiro desafio: o receio da exposição.

A sensação de ser avaliada em seu fazer, provavelmente, acionou a memória dessa busca
pelo certo.

Voz trêmula, aparente insegurança diante da escuta do outro. O medo do julgamento.


- Eu não sei se está certo. – Faziam questão de dizer.

Durante a partilha, aos poucos, o certo e o errado, foi dando lugar à satisfação de ouvir os
apontamentos sobre o valor da proposta. Encantavam-se ao encontrar no olhar da professora,
nesse caso, eu, as outras vozes que compunham com as experiências que elas estavam trazendo.

Logo ao final de cada partilha, fiz rápidas e pequenas devolutivas apontando a potência do
trabalho e conectando alguns aspectos ao pensamento de teóricos que estiveram conosco nessa
caminhada como, Stela Barbieri, Jorge Larrosa, Jan Masschelein, Mirian Celeste, Miró,
Alexander Calder, Ivan Cruz...
Perceber a presença dessas outras vozes em suas ações, foi conferindo confiança e soltura
à voz das professoras que, pouco a pouco, colocavam-se mais firmes ao contar sobre suas
experiências e declarar suas intenções.
76

O segundo desafio? A escuta ativa e entregue, liberta das antecipações.

O compromisso de falar do seu trabalho mostrou-se mais presente do que o de fazer a


devolutiva para o grupo. Apenas uma enviou o material. O que dificultou os encaminhamentos
previstos com relação à palavra, a interpretação e a produção. Mas permitiu a leitura para a
fragilidade desse aspecto da exposição: construir sentido para a palavra do outro ou se expor
colocando-se sobre a palavra do outro. Algo que não consegui avaliar pela falta de elementos.

Porém, individualmente, ficaram mexidas com a proposta, moveram-se no desejo de olhar


com mais propriedade para o que fazem e o modo como estão declarando suas ações e intenções
junto aos alunos.

Quase ao final dessa etapa do processo, uma surpresa: Após selecionar imagens que
colocavam em relevo o trabalho com as crianças, uma das professoras, me enviou,
espontaneamente, uma reflexão escrita sobre a fotografia no seu trabalho e uma imagem de sua
sala de aula.

“REGISTRO FOTOGRÁFICO:

Uma nova reflexão a cada olhar!

Por Alais Xavier (uma das professoras da equipe)

“Vea Vecchi, atelierista de Reggio Emilia, acredita que toda a documentação – as descrições
escritas, as transcrições das palavras das crianças, as fotografias e vídeos – tornam-se uma
fonte indispensável de materiais que usamos todos os dias, para sermos capazes de “ler” e
refletir, tanto individual quanto coletivamente, sobre a experiência que estamos vivendo, sobre
o projeto que estamos explorando. É a partir dessa leitura e reflexão frequente que nos
tornamos capazes de construir teorias e hipóteses que nascem de fato do que aconteceu
significativamente para as crianças.”

Revendo estas imagens do encontro anterior eu pude perceber, o quanto é fascinante


essa troca de experiência com o outro. Parar para ouvir, olhar e se encantar com os relatos.
77

As imagens nos revelam expressões de alegria, “desagrados” gestos e olhares atentos


e curiosos para o que está sendo compartilhado. ( desagrado: Quando a Carla Mauro relatou
sobre os alimentos saudáveis: brigadeiro de inhame. Algumas pessoas não gostaram)

As imagens também nos contam histórias e fazem o resgate de memórias do que já foi
vivido e experimentado. Despertando olhares de ternura transmitindo essa sensibilidade ao
apreciarmos o que está sendo compartilhado. Como no momento que a Júlia desperta o olhar
de encantamento ao compartilhar conosco seu final de semana com o mascote, mostrando ao
relatar com propriedade o quanto foi significativo essa vivência.

As expressões de encantamento quando a Carla relatou o quanto os alunos vêm


aceitando e experimentando alimentos saudáveis. É nítida a emoção e a alegria que todas
relatam sobre o desenvolvimento do projeto e o retorno que os pequenos vêm transmitindo.

Refletido sobre os registros fotográficos eu pude perceber o quanto é importante para


a criança ter contato com as imagens delas em atividades na sala de aula. Para que elas
possam fazer sua própria leitura sobre suas vivências e experiências. Desta forma estamos
possibilitando que elas ampliem suas capacidades de leitura de imagem. Resgatando as
memórias do que já foi vivido e experimentado.

Eu pude observar também que as crianças tendo esse contato com essas vivências
anteriores, buscam representá-las de outra forma. Seja com os objetos ou com o outro.

Nesta imagem por exemplo: Elas estão representando a canção ‘ Se eu fosse um peixinho’.
Elas colocaram alguns objetos dentro de um
tecido e balançavam de um lado para o outro
cantando a canção. Na sala de aula tinha um
painel com a música e as imagens de cada
criança no tecido, e nós segurando nas
extremidades fazendo esse movimento
representado agora por elas.

Imagem 14: Olhar para o grupo (Foto: professora Alais)

(Bom, essa foi a reflexão que eu fiz. Fui ligando algumas situações e cheguei a essa conclusão.
Se estou certa ou errada, só você pode me dizer Renata. Rsrs..).

E os registros fotográficos têm um grande poder de nos...


78

Fazer refletir

Nos sensibilizar

Nos emocionar

Contar histórias

E resgatar nossas memórias.

Acredito que...

A partir de hoje nenhuma imagem passará despercebida por nós.”

Em nosso penúltimo encontro do semestre, como previsto, partilhei os recortes feitos pelas
colegas sobre o que viram e ouviram acerca do trabalho e, em seguida, devidamente autorizada,
partilhei a reflexão acima, escrita pela professora, com o grupo.

O rosto ruborescido, a respiração curta... os olhos bem abertos lacrimejavam... Terminei


dizendo: E você me disse que não se sentia familiarizada com a escrita, hein!?

A resposta da professora?
- Eu nunca havia escrito uma reflexão antes!

Com aplausos, beijos e olhares fraternos, foi acolhida e reconhecida pelas colegas.
Novos espaços de reconhecimento e de pertencimento. Novos espaços de valorização da
voz. Palavra falada e escrita. Autoria.

Essa experiência, aproximou-me do que diz Lilian Amaral (2008) ao citar Deleuze; “os
processos são os devires, e estes não se julgam pelo resultado que os findaria, mas pela
qualidade de seus cursos e pela potência de sua continuação.” (AMARAL, 2008, p. 45)

As experiências vividas, começavam a nos preparar para a exposição a partir de nossas


próprias palavras, das nossas impressões e interpretações acerca dos acontecimentos e das
leituras realizadas.
79

A conclusão dessa etapa, falou-nos da qualidade dos processos vividos e lançou-nos para
a continuidade com uma proposta para o encontro seguinte:
A professora que no semestre anterior havia pedido para assumirem espaços de formação,
seria responsável pela proposta do último encontro desse semestre.

No dia combinado, ela partilhou conosco sua experiência na arte terapia.

Jogamos uma amarelinha especial. Retiramos elementos que tinham relação com a “casa”
sorteada por cada uma.

Depois, desenhando, pintando ou esculpindo em argila, representamos nossos elementos.


O medo de errar e as falas de que não sabíamos desenhar, aos poucos, foram substituídas
pela ação, pela entrega, pela criação.

Em pouco tempo, não haviam mais vozes ressoando. Apenas o som dos objetos, da
respiração, os ruídos de pensamentos ganhando representações...

A avaliação da professora sobre essa experiência?!


- Me senti em dia de Mostra!

Com essa sensação, seguimos para as férias...

De forma mais clara e consciente, as palavras começavam a declarar os saberes do grupo,


as apropriações em seu percurso de formação e de vida. O que também apontava para as
próximas construções.

Na volta, em 2017, a primeira reunião fez-se no encontro com a palavra. Nossas e de outros.
Assistimos uma cena do filme “Jogo de cena”.

O que aquela narrativa nos provocava? Do que se tratava?


Impactadas, inferiam sobre a veracidade do relato. Teria mesmo acontecido? A narradora
era também a protagonista da história? Que pistas o relato nos dava? Com que repertório nos
colocávamos nessa interpretação?
80

Aspectos importantes para desvelarmos um pouco mais esse caminho de vida e de formação.
Também fizemos duas leituras coletivas em que as palavras poderiam ser subitamente
tomadas por qualquer uma, por muitas ou por todas. As palavras de outro que tomavam
emprestadas nossa voz.

O que nos movia nessa leitura coletiva? Que palavras nos diziam apesar de não ser de nós
que falavam?

Imersas nessas narrativas que falavam em primeira pessoa, fizemos um exercício de escuta,
voz, interpretação, invenção e escrita.

Após o encontro com essas palavras de todos e de ninguém, em dupla, cada uma tinha a
missão de criar uma personagem e uma história para si e, em dois minutos, apresentar seu “eu”
imaginado para a outra. Em seguida, cada uma produziria um registro/texto apresentando a
outra para o grupo.

O receio de se colocar nessa escrita, foi apagado pelo resultado desse processo. As palavras
revelavam a abertura desse grupo que, dia a dia, descobria sua potência de vida e de criação.

Arte e escrita unificam o visual e o textual por se complementarem, se refutarem


e se salientarem uma à outra. Imagem e texto não duplicam uma ao outro e, sim,
ensinam algo de diferente e ainda, similar, permitindo que nos questionemos mais
profundamente a respeito de nossas práticas. (IRWIN, 2008, p. 93)

No encontro seguinte, seguimos com as palavras. Dessa vez, pensando na junção entre
palavra e imagem, refletindo sobre a escolha das palavras e sua consistência.

Após a discussão sobre narrativas e documentação, propus que construíssem coletivamente


uma narrativa. O exercício de colocar palavras em diálogo com imagens.
Entreguei a elas uma sequência de imagens sem texto. Imagens de crianças atuando em
determinado espaço.

A proposta era que, a partir da sequência de imagens, em grupo, refletissem sobre quais as
intenções da professora ao criar aquele espaço de exploração.
81

Após essa etapa, discutiram sobre quais as perguntas que as crianças revelavam ao
interagirem com aquele espaço.

Por fim, construiriam uma narrativa compondo imagem e palavra.

Essa experiência colocou-as diante da necessidade de acionar saberes, compor olhares e


impressões em torno das imagens.

Mergulhadas em suas hipóteses e nas possibilidades de criação, falavam e ouviam,


escreviam e apagavam. Dialogavam com as imagens que, reinterpretadas, ganharam novo
sentido na composição com o texto.

A primeira escrita trouxe um texto longo que descrevia as imagens e suas interpretações,
não um diálogo.

Em uma breve intervenção, propus que lessem o texto e iluminassem as palavras essenciais,
aquelas que realmente declaravam a consistência do que gostariam de dizer.

A transição de um registro que descrevia a interpretação das imagens para um que dialogava
com elas, mostrou-se visível.

Ao final, juntas, vimos o resultado projetado na tela.

Elas mal podiam acreditar no que haviam produzido! Orgulhosas, parabenizavam-se pelo
feito.

Com essa cena, despedimo-nos.


No caminho de volta para casa, recebi duas mensagens no aplicativo WhatsApp, de
professoras que não podiam esperar para dizer o quanto essa experiência foi importante para
seu olhar.

No decorrer daquela semana, sem que houvesse qualquer combinado prévio, recebi imagens
e textos de aspectos do trabalho de todas elas.
82

Trabalhos que traziam fortes marcas da experiência vivida na reunião anterior. Elas foram
atravessadas por aquela experiência em gesto, imagem e palavra.

4.5 A produção coletiva de uma obra: Processos e construções

Nosso trabalho, a transformação desse grupo, a materialidade desse processo, fez-se na


caminhada. Produto e processo, forma e conteúdo, juntos, têm permitido a construção dessa
narrativa e da autoria das professoras, não como resultado definido, mas como exercício
constante de construção e reconstrução das identidades individuais e coletivas.
Assim como a caminhada que fazemos passa a existir ao caminharmos, (...) a
matéria adquire forma à medida que a experiência estética se desdobra de maneira
estruturada. Não há uma estrutura substantiva, de algum modo inserida nela, como
um esqueleto na carne. Forma e matéria são inseparáveis porque não existem relações
sem relata, e não existem coisas que não se relacionem com outras coisas. (KAPLAN,
Introdução, In DEWEY, 2010, p. 30-31)

Os produtos que se fizeram ao caminharmos, foram revelando as marcas das narrativas


desse grupo. Produto e processo, experiência e sentido, razão e emoção, caminharam lado a
lado na constituição desse grupo e da materialidade que representava esse processo, voltando-
se para nós também como possibilidade de releitura, de reinterpretação, de reconstituição de
sentido. Diante dos simbólicos que deram sentido à nossa existência coletiva, tornamos mais
vivas e conscientes nossas aprendizagens, nossos desafios, nossa voz.

DEWEY (2010) defende que uma obra de arte, um produto, é resultado do processo vivido
na experiência e que esse processo, nem sempre torna-se visível ao observarmos a produção.
Em concordância com esse pensamento, entendo a relevância de aproximar produto, processo
e sentidos, também para os envolvidos na experiência, observei que seria relevante localizar as
marcas dessa experiência em cada uma das envolvidas de modo que, distantes do percurso,
pudessem a tornar visíveis as representações das aprendizagens.

Assim, com a intenção de proporcionar o reencontro com as experiências vividas e com os


sentidos pessoais dessa construção coletiva, propus o revisitar desse processo. O encontro com
as palavras e as imagens que representariam os sentidos dessa caminhada. Nesse caminho,
tempo de palavra e silêncio, de busca por respostas, pela concretude, pela direção a seguir.
83

Também tempo de aflorar a intuição, de distanciar da razão, de encontrar com a emoção, com
a resistência e com a re-existência.

O exercício de encontrar com a memória e os simbólicos que deram sentido à experiência,


tinha a intenção de aquecer os olhares e o encontro da voz individual que posteriormente
comporia uma construção coletiva.

Esse exercício também permite que nos (re)apropriemos dos processos e dos sentidos que
se constituíram ao vivenciá-los. Os sentidos das aprendizagens, para nós, humanos
constantemente envolvidos com o processo de aprender, de transformar, de ressigificar a
aprendizagem e nossas histórias.

Durante esse caminho, exercitamos a experiência de produção em diferentes contextos.


Com imagens, movimentos, sons e grafias que foram imprimindo também na carne nossas
aprendizagens. Os registros feitos pelo grupo, as imagens que foram compostas com os
diferentes olhares, as palavras que quando transformadas em texto, aproximavam da
consistência do olhar e dos saberes de cada professora... A grafia da história desse coletivo e de
cada indivíduo que o compõe.

O desabrochar desse grupo se fez mais inteiro e consciente com a possibilidade de produzir
e se deparar com essas produções como forma de materializar as aprendizagens desses
adultos/professores que encontraram na própria palavra o saber e o valor das suas vozes. Que
juntas, ecoavam mais fortes, mais firmes e também mais sensíveis às experiências que se deram
no corpo.

Iniciamos o processo mais concreto de produção com um pedido: que cada professora
escrevesse em uma folha, individualmente, palavras que representassem as aprendizagens que
identificavam terem adquirido nesse percurso de quase 3 anos de parceria.

O silêncio completo durante a produção, revelou o mergulho nas memórias desse tempo...
Queriam escolher muito bem as palavras que dariam relevo e sentido ao processo.

Palavras de representação... Os sentidos individuais dessa experiência.


84

Reflexão-arte
Conhecimento
Troca
Sensibilidade
Experiências
(Professora Alais)

Figura 15: “Parque motoca” – “Experiência, aprendizagens.” (Foto: Alais Xavier)

Inspiração
Inspira a ação
Respira na ação
Vivência, evidência
Evidencia a ação
Vive
Respira
Desperta a respiração
Acorda a razão
Para viver a ação.
Inspira, respira e expande,
Jamais retrai.
(Professora Kátia)
85

Figura 16: “Ateliê” – “Olhar que inspira ação.” (Foto: Kátia Sousa)

Olhar atento...
Inspiração de vida!
Liberdade e construção
(Professora Carla Mauro)

Figura 17: “Tapete da sala de reuniões” – “Aqui a gente se reúne, se une, se envolve.” (Foto: Carla
Mauro
86

ObSERvar
(professora Flávia)

Figura 18: “Ateliê” – “Afinando olhares... as possibilidades.” (Foto: Flavia Novaes)

Aprender fazendo
Olhar
Refletir
Querer
Desejar
Sonhar
Mudar
Conhecimento prévio
Saberes
Encantamento
(Professora Carla Barbieri)
87

Figura 19: “Ateliê” – “Símbolo do olhar atento que temos construído nesse percurso.” (Foto: Carla Barbieri)

Escola – Criança
Observação – Produção
Pensamento – Olhar atento
Ação – Escuta
Reflexão – Fazer artístico
Ressignificação – Interação
Ideias
Evoluir
Construção
Sala do G4= Espaço de aprendizagem da escrita, leitura e das interações.
(Professora Ana Claudia)
88

Figura 20: “Sala do G4” – “Espaço da aprendizagem da escrita, leitura, interpretações e das interações.”
(Foto: Ana Claudia Federighi)

Eterno aprendizado
Conhecimento nunca acaba
Renascimento
Evolução
(Professora Adriana)

Figura 21: “Horta” – “Essa alface representa Renascer, Descobrir, ideia de eterno aprendizado.” (Foto:
Adriana Wertchko)
89

As palavras escolhidas para o breve texto que tinha a proposta de revelar as aprendizagens
de cada uma, trouxe pelas palavras e por sua composição, também uma preocupação poética e
estética, revelando intencionalidade e atenção para forma e conteúdo.

Da mesma forma, as fotografias e legendas solicitadas para representar os sentidos desse


processo para cada uma, trouxeram na forma, o cuidado com relação a composição das
linguagens.

Colocar os sentidos pessoais dessa experiência em relevo, encontrar na materialidade uma


forma de representação do pensamento/sentimento, aproxima-nos da integração entre razão e
emoção, como nos propõe IRWIN (2008, p. 91). “Talvez seja na ‘produção’ de nosso trabalho
como artistas-pesquisadores-professores que possamos confrontar as propriedades metafóricas
e metonímicas da terceiridade embutidas em nosso papel, nosso trabalho, e em nós.”

Na produção, colocam em jogo os saberes pessoais, acionam a criatividade ao pensarem na


composição entre forma e conteúdo, pesquisam aspectos necessários para viabilizar o projeto.

Com essa percepção, a intenção e a expectativa de que, ao produzirem coletivamente uma


obra, encontrem novos sentidos para o vivido, apropriem-se da experiência, confrontem ideias,
olhares, posicionamentos e, nesse exercício de reencontro e ressignificação do processo,
coloquem-se nas fronteiras que possibilitarão a mestiçagem, o entrelaçar dos olhares, o
surgimento de um entre-lugar, como nos diz Rita Irwin (2008), encontramos no desafio de
produzir coletivamente uma obra, a oportunidade de criar formas, utilizar linguagens para
representar os sentidos dos processos e da materialidade que as recolocaria diante dos sentidos
dessa experiência estética, deixando emergir o que ficou do lado de dentro e que se faria novo
ao se fazer matéria, ao se colocar em relação com as diferentes interpretações e recortes
realizados por cada uma. Que experimentassem diferentes papeis ao construírem essa narrativa
feita a partir da composição dos diferentes olhares e interpretações que fizeram nesse percurso.

Dessa forma, propus que, em grupo, partilhassem suas interpretações, os sentidos do


processo para cada uma e, juntas, a partir das vozes individuais, produzissem uma obra coletiva
que revelasse as aprendizagens desse grupo.
90

As conversas trouxeram de volta momentos que as impactaram nesse caminho.


Relembraram situações e pessoas ao falarem sobre as colegas que nos deixaram no percurso.
Da mesma forma, quem chegou, partilhou como foi se sentir acolhida nesse grupo e o que esse
processo representou para que se sentissem pertencentes à escola.

- Precisamos produzir uma obra que fale dessa acolhida e da importância desse processo
para nosso crescimento pessoal e profissional. – Alguém falou.

- Tem que ser algo que caiba todo mundo! Quem partiu e quem chegou para seguir conosco.

Então, debruçadas e mergulhadas nessa missão, deixaram-se estar ali, sem pressa. Apenas
entregues à obra que estava prestes a nascer e dar nova vida, materialidade e sentido àquele
ciclo tão transformador.

Por dias debruçaram-se sobre o projeto dessa construção. Olharam para seus grupos, as
construções com os alunos, perceberam o que dessa experiência levaram para a sala de aula e
vice-versa.

Com essas marcas, chegamos ao dia em que concluiriam a obra e partilhariam comigo essa
produção.

Muita emoção e expectativa...

Eu, do lado de fora da sala que por tantas vezes nos encontramos para vivermos essa história
de formação, escutava alguns ruídos, observava movimentos que surgiam por traz da porta de
vidro, sentia o arrepio doce e intenso de uma etapa do trabalho concluída.

Um tempo depois, ainda do lado de fora, vi a luz da sala se apagar...

Um silêncio avassalador foi interrompido pela Patricia, fotógrafa que estava responsável
por registrar com sua lente aquele momento. Ela abriu a porta autorizando minha entrada...
91

Ao cruzar aquela fronteira, deparei-me com uma sala escura que se fazia iluminar pelas
luzes dos celulares que, propositalmente, estavam com as lanternas acesas em torno da obra.
No chão, um tecido fazia o papel de um tapete, guardando sobre ele ela, A CRIAÇÃO!!!!

Figura 22: A Mandala! (Foto: Patricia Mochida)

Uma mandala! Ao lado dela, um “bastão que fala”. Produção inspirada na cultura indígena
que guarda em si o direito à palavra. Palavra que, naquele contexto, segundo elas, deveria sair
do coração.

Em torno do tapete com a mandala, todas nós, sentadas, emocionadas, contemplávamos a


imagem.
92

Figura 23: Apreciação da obra. Palavras de partilha do processo. (Foto: Patricia Mochida)

De posse do bastão que fala, a primeira professora tomou a palavra... Então, uma a uma,
com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas, falou do valor e do sentido que aquela
experiência de aprendizagem lhe proporcionou.

“Você acreditou em nós. Em nossa palavra. Hoje também acreditamos e sabemos do valor
do nosso conhecimento. Você nos emancipou!!!”.

Com as mesmas lágrimas que escrevo essa narrativa, falei ao grupo naquele momento.
Juntas, vivenciamos nosso percurso como professoras, artistas, pesquisadoras. Concluímos um
ciclo de muito aprendizado e apropriação de nossa palavra.

Ao final de nossos discursos emocionados, as professoras contaram sobre o processo de


produção e dos motivos dessa escolha. Enquanto falavam, deixavam emergir os conhecimentos
que foram acionados para essa construção: O saber sobre o símbolo da mandala, sobre as
representações que trouxeram para simbolizar cada palavra, sobre elementos da cultura
indígena, sobre os critérios utilizados para darem um nome ao bastão...
93

Contaram sobre como pensaram a materialidade e sobre a emoção posta nessa produção.
Intelecto e emoção misturavam-se na composição desses saberes que acontecem no encontro.

Por fim, a manifestação do orgulho e reconhecimento da importância desse processo veio


expressa na palavra:

- Temos que tornar pública essa obra! Precisamos colocar na entrada da escola. Todos
precisam saber o valor do que estudamos!

Hoje, quem entra na Vila do Aprender, encontra-se com a mandala construída pelo grupo
com os dizeres: “Mandala construída pelo grupo de professoras da Vila durante as reuniões de
formação. Resultado de um ciclo de aprendizagem e emancipação.”

Figura 24: Exposição da Mandala na entrada da escola. (Foto: Renata Araujo)


94

Figura 25: Texto de declaração da proposta. (Foto: Renata Araujo)

Talvez todos os educadores desejem se tornar artistas-pesquisadores-professores


quando começam a se questionar sobre como têm ensinado e como os métodos
tradicionais precisam de vida e de viver. Eles aspiram por um significado mais
evidente, desejam criar, e eles almejam suas próprias expressões de certeza e de
ambiguidade. (IRWIN, 2008, p. 91)

Nesse caminho de investigação e busca pela palavra autora, pela identidade e entre as
identidades desse grupo, temos vivenciado experiências de encontro com as marcas de nossa
formação e também a com a redescoberta de nossos desejos de ensinar e aprender. De reinventar
caminhos. De construir novos saberes e novos significados. Esbarramos na percepção de que
os métodos tradicionais precisam de vida e de viver e que nossa forma de viver as experiências
de ensino e aprendizagem, de pesquisa e criação, igualmente, necessitam de vida e de viver.
Aquecidas com essa potência de vida, de pesquisa, de criação e de ensino, nos encontros
que se seguiram após à construção da mandala, debruçamo-nos a refletir sobre as aprendizagens
desse percurso e a forma como essa experiência nos atravessou.

O desejo de criar novos espaços de pesquisa, experiência e ensino a partir do que


vivenciaram e construíram nesse percurso, lançou o grupo para novos cenários de investigação
e partilha.

- Queremos ampliar essa experiência. Trocar com outros. Queremos propor encontros de
formação na escola Vila do Aprender! – Disseram.
95

Mais uma vez voltamos à Vila como metáfora. Como a imagem de lugar para encontros
com a aprendizagem.

Mobilizadas com essa voz que começa a surgir, as professoras da Vila do Aprender
começam a se preparar para realizar um encontro de formação nesse espaço/escola.

Ao serem questionadas sobre o que pensavam para esse caminho e para quem gostariam de
propor esse encontro de formação, disseram:
- Queremos iniciar esse caminho fazendo a formação das auxiliares e recreacionistas da
escola. Achamos que elas merecem vivenciar um pouco dessa experiência que tivemos.

Com essas vozes transformadas, mais firmes e conscientes de seu papel, seguiremos nesse
caminho de investigação e descoberta da nossa voz autora, das narrativas de educadoras que
renovam dia a dia seu gesto aprendiz e sua pesquisa de formação ao reconstruírem suas
narrativas e se encontrarem com a vida e com o viver.

5. Palavras de costurar: Re-composição do percurso, algumas reflexões sobre o


processo

Nesse capítulo, ao me debruçar sobre a experiência vivida com o grupo e as teorias que
nos referenciaram, tenho a intenção de me colocar na fronteira posta entre a experiência e o
sentido, entre a teoria e a prática, entre a ação e a reflexão, com a perspectiva de colocar em
relevo algumas das conexões que estruturamos e as aprendizagens que proporcionaram.

O exercício de realizar essa pesquisa possibilitou, aproximar-me e distanciar-me de


questões que têm me inquietado ao pensar a importância da formação dos professores dentro
da escola. Durante esse processo, tive a oportunidade de vivenciar na prática, algumas teorias
que tratam sobre a experiência, sobre a criação, sobre as histórias de vida e a pesquisa como
elementos que possibilitam aos professores um reencontro com a aprendizagem e o sentido de
aprender.
96

A partir das vivências, da escuta e da reflexão, busquei compreender de forma mais


ampla as aprendizagens presentes nos contextos de vida, de criação, de ensino e de
pesquisa/aprendizagem. Busquei pela experiência, pela produção coletiva, pelas histórias de
formação e de vida e pela teoria como caminhos que, entrelaçados, poderiam compor olhares e
possibilidades que contribuiriam para a reflexão sobre a construção da narrativa de professores
como possibilidade de encontro com a voz autora.

Aos poucos, percebi que essa investigação sobre a formação de professores se daria em
torno de três aspectos: a experiência de partilha de histórias de vida e de formação (o encontro
com as vozes do grupo), produções coletivas e encontros com os saberes do grupo (o princípio
da construção da autoria) e a pesquisa a partir da reflexão sobre a prática e a conexão com
teorias.

O ponto de partida para essa investigação, deu-se com a inquietação em torno da escola
e o modo como ela, ao longo do tempo, colocou-nos diante da aprendizagem. Carla Rinaldi nos
ajuda a pensar a respeito ao dizer:

...continuamos a falar da escola, do ensino e da aprendizagem utilizando


apenas a linguagem verbal, a palavra falada e a escrita. Gerações de educadores têm
levado adiante sua formação inicial e seu desenvolvimento profissional continuado
sem jamais refletir sobre a variedade de coisas que sabemos acerca do aprendizado e
sobre o relacionamento do aprendizado com o seu contexto. E, em especial, abdicando
da busca por novas formas, novas linguagens, que possam lhes permitir viver,
partilhar, narrar e desempenhar os eventos do aprendizado.

Essas formas e essas linguagens, essa espécie de ‘contaminação’ entre


linguagens diferentes, poderiam abrir novos horizontes [...] e criar novos papeis de
liderança para as crianças e os educadores. Estes, por exemplo, seriam promovidos da
condição de meros praticantes para a posição de autores dos processos e trilhas
pedagógicas. (RINALDI, 2012, p.183)

A percepção de que nossa relação com a aprendizagem na escola, fez-se em torno da


palavra oral e escrita, da reprodução de informações como representação dos processos de
ensinar e aprender é algo que tem sido foco de estudo por pesquisadores de diferentes áreas que
se colocam a refletir e problematizar questões que envolvem a educação, a escola e a formação.
Aspectos que me inquietam desde o início do meu percurso como professora e aprendiz e, mais
tarde, como formadora e aprendiz. Em busca de propostas que pudessem reconfigurar esse
cenário, enxerguei na possibilidade de refletir sobre os saberes que adquirimos na experiência
e sobre a variedade de formas que possibilita construir aprendizagem, uma fresta para caminhar
97

com esse grupo, tão marcado pela escola da reprodução e do silenciamento das vozes de alunos
e professores.

Como partilhei nos capítulos anteriores, iniciamos esse processo com os relatos de
experiência, das histórias pessoais e as marcas das identidades das professoras.

Ao vivenciar as experiências de encontro com o passado, com nossas marcas de vida,


as aprendizagens foram ganhando novos sentidos. Misturados às emoções, os saberes impressos
em nós, eram “suavizados”, ao mesmo tempo em que adquiriam maior significado, pois
conectavam-se às nossas histórias e às nossas identidades pesquisadoras. Em meio a vivência,
a relação com o conhecimento deixava de ser algo externo para tornar-se integrado. Como se
não houvesse mais uma hierarquia entre a experiência e a teoria.

Essa relação íntima entre agir e sofrer a ação, entre relembrar e reinventar, entre
pesquisar e criar, ajudou-nos a ressignificar o papel do professor.

Esses aspectos, colocados em ação, em contextos de vida e de reencontro com a


aprendizagem, começaram a aflorar percepções, interpretações, emoções e saberes que
aparentemente, eram desconhecidos. Os saberes e experiências integrados, modificavam a
relação com o conhecimento e com o sentido da aprendizagem do adulto professor, provocando
o princípio de uma mudança de posição – do professor aluno para o professor pesquisador.

Durante o processo, inquietava-me perceber as transformações que começavam a


acontecer com as professoras e comigo. Os sentidos produzidos nas discussões e produções
realizadas, começaram a despertar a conexão de contextos dentro e fora da escola. O que
também apontava para o princípio da descoberta de que a relação com a aprendizagem não se
estabelece em um tempo e espaço pré-determinados, mas se fazem com nossa ação constante
no mundo.
98

Essas percepções foram se estruturando no processo, possibilitando que ligássemos e


religássemos pensamentos, impressões e interpretações. Refletir sobre a experiência de
formação e organizar de forma mais sistematizada esse caminho, ajudou-me a compreender de
um modo que eu não entendia antes, que as identidades integradas de
Artista/professor/pesquisador que nos propõe IRWIN (2008) ao refletir sobre a A/r/tography,
referem-se à experiência humana de aprendizagem, criação e pesquisa. Reconheço que são nos
contextos de vida que essas identidades se constituem, renovam-se e nos transformam, nos
reposicionam diante do outro, do mundo, do conhecimento, sobretudo, diante de nós mesmos.

Não se trata de sobrepor o saber constituído na escola (com o formato mencionado


anteriormente) ao saber da experiência, mas de reestabelecer a integração dessas formas – razão
e emoção – e reconhecer que é na conexão entre as identidades que o conhecimento se faz.

Reconhecer o papel de cada uma nesse processo e o valor de cada experiência para a
composição desse todo, reanimou nossa forma de ser e estar no mundo e de nos relacionarmos
com o conhecimento, colocando-nos entre e dentre as identidades mencionadas por Irwin.

Esse, acredito, foi um diferencial para nossa construção. O reencontro com nossa
identidade e a percepção de que ela orienta nossa relação com a aprendizagem.

Tal percepção, aos poucos, foi dando sentido às experiências e mobilizando em cada
professora sua potência formadora e aprendiz.

A experiência de formação no cotidiano da escola, no contexto proposto, promoveu o


re-encontro com a escola como lugar de criação, pesquisa e aprendizagem e, consequentemente,
alterou o modo de se relacionarem com as experiências pessoais de formação. Durante o
processo, colocamo-nos mais inteiras diante das identidades que se integravam (A/r/t).
99

Aguçamos a percepção acerca da ideia de que as identidades de artista/professor/pesquisador


caminham lado a lado em nossos gestos aprendizes. Assim, também tornamos cada vez mais
consciente, nossa percepção para o entorno, para as experiências de problematização, para as
diferentes interpretações possíveis que cada situação traz em si, buscando conhecer e
compreender nosso objeto de pesquisa, ao mesmo tempo em que tentamos conhecer melhor a
nós mesmas e o modo como nos relacionamos com o conhecimento.

Vivenciar uma pesquisa que tem a si mesmo e seus processos de aprendizagem como
foco de investigação, possibilitou, como nos diz Rita Irwin (2008), uma maior compreensão
das identidades pessoais e o reconhecimento de suas ações pesquisadoras como sujeitos da
própria aprendizagem.

Encontramos na materialidade uma forma de representar o pensamento e, com essa


experiência de produção/criação, revelamos e reconhecemos os conhecimentos presentes em
cada uma e os que emergiriam desse entre lugar que o ato de criação nos coloca ao acionar o
novo em nós.

Na ação de realizar pequenos registros, partilhar imagens, músicas, literatura....


Começaram a relacionar os saberes da experiência com os conhecimentos teóricos e a perceber
o quanto esses dois campos interligados, compõem nossa prática e construção cotidiana.

Colocamo-nos nas fronteiras, como nos diz IRWIN (2008), começamos a exercitar o
re-pensar, re-inventar, re-aprender.

Nesse processo de ir e vir, de re-conhecer as marcas das construções, encontraram-se


com a experiência aprendiz de um lugar que apesar de parecer novo, pelo sentido que adquiria,
estava posto na essência.

Mas a inteligência que os fizera aprender o francês em Telêmaco era a


mesma que os havia feito aprender a língua materna: observando e retendo, repetindo
100

e verificando, associando o que buscavam aprender àquilo que já conheciam, fazendo


e refletindo sobre o que haviam feito. (RANCIÈRE, 2015 p. 28)

Nesse gesto de repetir, observar, associar etc., comecei a perceber, que as discussões e
as ações realizadas no grupo, passaram a fortalecer a confiança das professoras em suas práticas.
Começaram a criar contextos de aprendizagem para seus alunos a partir das re-descobertas que
faziam acerca do olhar para o ensino e a aprendizagem. Ao refletir sobre como aprendemos,
começaram a pensar sobre como seus alunos aprendem e a criar cenários mais potentes para
essas aprendizagens.

Essa proposta começou a inverter a lógica da reprodução e nos aproximar da ideia de


construção, de aprendizagem em contexto, de conexão de saberes, de ampliação de sentidos, de
experiência de problematização. Possibilitou que começássemos a nos distanciar da busca pelas
respostas para nos aproximar das perguntas, como nos diz FREIRE (2011, p. 89), “precisamos
buscar por uma pedagogia preocupada com as incertezas que se radicam nas questões que
discutimos e, pela própria natureza, uma pedagogia que exige investigação. Assim, essa
pedagogia será muito mais uma pedagogia da pergunta do que uma pedagogia da resposta.”.

As buscas pelas respostas ainda se mostram presentes. Acredito que isso também é do
humano. Mas a descoberta do gesto investigativo, a percepção de que as perguntas estão em
nós a medida que nos colocamos a observar as situações e questionar os caminhos, começou
provocar contextos de problematização e, consequentemente, novas construções e
aprendizagens.

Entendemos, contudo, que as respostas (e as perguntas), não estão dadas, que as


construções se fazem no exercício constante de vida, criação e pesquisa. Reconhecemos, como
nos diz BAUMAN (2009, p. 108), que o “Absoluto precisa ser criado e bafejado pelo sopro da
vida - e não apenas num único ato de criação; só pode existir em um estado de criação
permanente, precisa ser constantemente recriado, dia após dia, hora após hora. Absolutos não
se encontram – são feitos.”.
101

Nesse gesto de pesquisa e reinvenção constantes, na mestiçagem que integra e


ressignifica nossa ação aprendiz, seguimos construindo e re-construindo nossas identidades de
Artistas/professores/pesquisadores. Estruturando nossas narrativas e buscando por nossa voz
autora.

6. A pesquisadora e a (re)constituição de sua (s) identidade(s)

Encontro nesse capítulo um espaço para deixar ecoar minha voz própria e o modo como
reconstituo minha identidade pessoal e profissional a partir dessa busca pela autoria e pelas
identidades integradas de Artista-Professora-Pesquisadora.

O encontro com as professoras da Vila do Aprender, com as marcas da escola do


silenciamento e com a potência de transformação que o reencontro com nossas narrativas, com
as experiências coletivas de criação e com a pesquisa, proporcionam para a reinvenção de si,
possibilitou o reencontro com minha própria história de formação, de deformação e de
transformação.

Encontrei-me nesse processo, com desafios e potências que não reconhecia em mim.
Deparei-me com incorências que revelam as marcas de minha história na e com a escola.
Marcas do ensino da transmissão e da reprodução, do silenciamento da minha voz, mesmo com
a tentativa de fazê-la ecoar. Nesse processo, ao “mirar-me no espelho”, tantas vezes vi refletida
a imagem da “mestre explicadora”; precisei lidar com a frustração diante do erro, da falta, da
insegurança pesquisadora, do desafio da escuta desprovida de expectativa, das limitações do
meu repertório.

Também me deparei com a força do enfrentamento, com a coragem para fazer novas
buscas, com a capacidade de me reinventar, de encontrar no aparentemente familiar, algo novo:
Eu mesma, minha vida e profissão.
102

Provocada por uma observação feita pela professora Vera Ronca, encontrei nesses
contextos, potência de vida e de morte. Experiência de rompimento e de
renascimento/transformação. Penso que a mestiçagem que nos propõe IRWIN (2008) ao falar
da integração das identidades de artista-professora-pesquisadora, somente se constitui e se
reconstitui nesses contextos de vida e de morte, de ação e transformação. De criação constante
de nossa possibilidade de ensinar e, sobretudo, de nossa capacidade de aprender.

E como tenho aprendido... Sobre o ensino e sobre meu modo de aprender. De me


encantar e provocar encantamentos diante da aprendizagem de si, do outro, do entorno.

As marcas da minha história de vida e de formação, com todas as deficiências e


potências que se instalaram na caminhada, foram acionadas nesse percuso. Acima de tudo,
foram e veem sendo transformadas – transformando-me.

Aprendi com essa pesquisa, que o encontro com a voz experiência, nasce no desafio e
no enfrentamento da exposição. Portanto, com entrega e coragem;

Aprendi que para possibilitar o surgimento da voz de um grupo de professoras, preciso,


como formadora, colocar minha voz junto, expor-me;

Descobri que escuta inteira tem a ver com disponibilidade para encontrar (se) com a
palavra do outro;

Que criação é processo que nasce do encontro conosco e com a experiência do mundo
em nós – interpretação e representação -. Que tem a ver com o que deixamos entrar. Com o que
resignificamos em nós e devolvemos ao coletivo para que ganhe novos sentidos;

Aprendi que a consciência da falta é o que me move nessa busca e que é na incompletude
que avanço no ato pesquisador;

Acima de tudo, percebi que a escola que tento reescrever, reinventar, nasce da escola
que me acolheu, me formou e continua a me (trans)formar como humana e aprendiz, que
103

aprende, ensina, inventa e se reinventa em busca de sua própria identidade de Artista –


Professora – Pesquisadora.

7. Considerações finais

Quando refaço uma canção


É a mim que me refaço
Yeats

Ao relatar a experiência de formação com as professoras da escola Vila do Aprender,


inicialmente, trazia a intenção de partilhar recortes desse processo que se fez em meio a dúvidas,
descobertas, construções e reinvenção constantes. Cultivava também o desejo de, ao revisitar
esse percurso e entrelaçá-lo às diferentes experiências vividas e às leituras que mediaram meu
percurso de formação, ampliar meu olhar e criar novas possibilidades para a construção da
narrativa e da autoria de professores em seus processos de formação no cotidiano escolar. Havia
ainda a expectativa de, ao organizar esse percurso em texto, criar espaço de diálogo com outras
vozes e potencializar a rede de trocas com e entre educadores.

Nesse exercício de escrita tenho refeito a mim mesma. Meu modo de pensar e viver os
processos de formação de professores. O que, de certa forma, confirma as hipóteses
investigadas que relacionavam à formação ao encontro com a identidade e a construção da
autoria entendendo que nesse processo de reinvenção, ambas passam por constantes alterações.

Desse modo, ao narrar essa experiência, as aprendizagens e questionamentos que


surgiram durante essa pesquisa, falo a partir de mim, como diz LARROSA (2014), mas não
sobre mim. Falo também sobre a escola e a urgência de repensar os processos de formação de
professores aproximando, cada vez mais as experiências de criação, investigação e ensino.

A defesa da escola e desse espaço como lugar de tempo livre para o estudo, para o
encontro com algo do mundo e a potência aprendiz, proposta por MASSCHELEIN E SIMONS
(2014), aproxima-me, da defesa dos professores e de suas vozes dentro da escola, tornando
104

também, e sobretudo, para os educadores esse espaço como lugar de encontro com a criação,
com suas identidades pesquisadoras e seus gestos aprendizes. O que, nesse contexto, significou
dizer, que foi preciso encontrar tempo livre para que as professoras construíssem canais de
diálogo, que exercitassem a escuta e a fala, que validassem seus saberes e criassem modos de
representarem seus pensamentos de modo a ampliarem e resignificarem seus aprendizados.

Palavra, escuta, criação de sentidos, produções – individuais e coletivas – e


investigação, possibilitaram o reconhecimento das identidades de cada uma e desse grupo.
Reconhecimento que alterou a percepção das práticas e das reflexões. Que abriu fresta para que
se autorizassem a interpretar situações, a “ler” entrelinhas, a compor olhares, a pôr sua palavra
com o outro.

A primeira constatação foi a de que essa conquista não se faz na declaração da proposta,
mas precisa de construção. De vida e de viver.

Esse modo de se relacionar com o conhecimento, solicita distanciar-se da ideia de


aprendizagem como processo que se dá de fora para dentro, que se constitui pela reprodução.

O encontro com as histórias de vida foi o primeiro passo para conseguirmos aproximar
o grupo de uma relação mais estreita entre a vida e o saber, entre a experiência e a aprendizagem,
entre a informação e o conhecimento.

As experiências vivas de encontro com o passado e a conexão dessas marcas com o


tempo presente, lançava-nos para frente. O estabelecer dessa relação possibilitou o princípio do
deslocamento do papel do professor aluno, que espera pelas respostas do mestre explicador,
como nos aponta RANCIÈRE (2015), para o professor pesquisador, que busca por suas próprias
perguntas e pelos recursos que poderão ajudá-lo na construção do devir.

O caminho de encontro com a identidade individual e coletiva desse grupo, fez com que,
aos poucos, se autorizassem a assumir suas palavras e seus saberes, a reinventarem
possibilidades de atuação. Essa construção deu-se em torno dos simbólicos, das interpretações
de diferentes contextos, das experiências de criação, da construção do comum desse grupo.
105

Aos poucos, essas identidades, reveladas a partir das histórias de vida e ressignificadas
nas experiências de partilha, de representação do pensamento/impressões e da criação coletiva
de uma obra que trazia em seu resultado os sentidos do processo, começaram a ganhar força e
a se manifestar de forma mais consciente nas produções que eram realizadas.

Percebi, de um modo que não percebia antes, o quanto as experiências de materialidade


com a presença de diferentes linguagens, possibilitam a expressão de emoções, sensações e
conhecimentos que, às vezes, desconhecíamos estar presentes em nós.

Essa possibilidade de encontrar-se consigo fora de si, foi bastante significativa para a
percepção dos saberes do grupo e de cada uma e, mais do que isso, para a possibilidade de se
expor e com isso, vivenciar a experiência, construir e reconstruir conhecimento.

Como nos diz SALLES (2013, p. 127), “O percurso criativo pode ser observado sob a
perspectiva da construção de conhecimento. [...] O percurso criador deixa transparecer o
conhecimento guiando o fazer, ações impregnadas de reflexões e de intenções de significado.”.

Essa construção, possibilitou o início da mudança de posição das professoras que,


concluíram esse ciclo provocadas a assumirem suas vozes autoras e sua condição pesquisadora.

O reconhecimento de suas potências e o exercício da pesquisa, moveu-as no desejo de


assumir essa palavra junto a outras professoras. Colocaram-se nas fronteiras, re-pensaram, re-
aprenderam, re-significaram sua palavra, sua autoria, sua voz.

Com essa força de reconstrução, assumem o papel de professoras pesquisadoras no


exercício de realizarem a formação das auxiliares e recreacionistas da escola.

Também eu, senti-me provocada e transformada a partir dessa experiência de busca pela
voz e pela autoria. Pelas questões que me movem e pelos modos que podem se manifestar na
minha ação no mundo.

(Re) encontrei-me fortemente com o desejo de trocar com outros educadores, de me


encontrar com outras vozes e, nesse processo, reinventar minha voz e minha posição no mundo.
106

Ao falar de posição, falo também de posicionamento, já que essa pesquisa renovou em meu
olhar e em minha atuação a crença de que a educação e a arte são gestos políticos que solicitam
posicionamento e, para isso, necessitam do encontro de nossas identidades e do reconhecimento
dos sentidos que nos constituem.

Assim, enquanto buscava pela voz do outro, encontrei-me com minha própria voz, com
minha própria busca pela palavra autora. Re-nasço nesse processo junto com a ComPosição:
Encontros de formação. Um espaço democrático de encontro com educadores e suas perguntas.
Com sua postura pesquisadora, criadora e aprendiz.

A ComPosição nasce como uma forma de representar os sentidos dessa pesquisa em


mim e como uma possibilidade de tornar o espaço virtual, como lugar de encontro com as vozes
de tantos educadores que eventualmente, têm sido silenciados em sua potência criadora,
pesquisadora e aprendiz.
107

Referências

AMARAL, Lilian. Interterritorialidades: passagens, cartografias e imaginários. In: BARBOSA,


Ana Mae, AMARAL, Lilian (Org.). Interterritorialide, mídias, contextos e educação. São
Paulo: Editora Senac: Edições SESC SP, 2008 p. 45-61.

ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (Org.). O
coordenador pedagógico e o espaço da mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

BARBIERI, Stela. Portfólio, Projeto Lugares. 2014-2015. Disponível em:


<http://www.stelabarbieri.com.br/arquivos/portfolio_lugares.pdf> Acesso em: 2018 jan.

BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

BOULTON-FUNK, Anne. An Arts-Based Methodology of Intuition: Secondary Visual Art


Teacher Becomings na Encounters with Schooling. 2015. (Thesis the degree of doctor of
philosophy). The University of British Columbia, Vancouver. Disponível em:
<file:///C:/Users/Renata%20Araujo/Downloads/ubc_2015_september_boultonfunke_adrienne
.pdf > Acesso em: 2018 fev.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.

DALHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE, Alan. Qualidade na Educação da Primeira


Infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003.

DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Matins Fontes, 2010.

FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
108

FREIRE, Paulo. Alfabetização: Leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011.

____________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 2016.

IRWIN, Rita. A/r/tografia: uma mestiçagem metonímica. In: BARBOSA, Ana Mae, AMARAL,
Lilian (Org.). Interterritorialide, mídias, contextos e educação. São Paulo: Editora Senac:
Edições SESC SP, 2008 p. 87-100.

KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo. Uma introdução do tempo e do coletivo no


estudo da cognição. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica editora,
2014.

_______________. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte:


Autêntica editora, 2015.

MASSCHELEIN, Jan. SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo
Horizonte: Autêntica editora, 2015.

RINALDI. Carla. Diálogos com Reggio Emila: Escutar, investigar e aprender. São Paulo, Paz
e Terra, 2012.

SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processos de criação artística. São Paulo:
editora Intermeios, 2013.
109

Anexos
110
111
112
113
114
115
116
117

Você também pode gostar