A Imprensa e o Vintismo No Maranhão

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A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):

«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

The press and the Vintismo in Maranhão, Brazil (1820-1823):


«by a Newspaper The Peoples know the Governments ...»

Maria Bertolina Costa


CHSC| Universidade de Coimbra
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-3478-5267

Texto recebido em / Text submitted on: 16/01/2019


Texto aprovado em / Text approved on: 17/07/2019

Resumo Abstract
O estabelecimento da imprensa no The establishment of the press in Maranhão
Maranhão (1821) inaugurou no processo (1821) inaugurated in the province’s political
político da província uma nova realidade process a new reality marked by the growing
assinalada pela crescente participação da participation of public opinion in the game of
opinião pública no jogo do poder. Dessa power. Thus, from November 1821 to 1826,
forma, de novembro de 1821 até 1826, a typography came under the control of the
tipografia ficou sob o controle do governo, government, which used it to disseminate and
que a usou para difundir e defender os defend the constitutional principles / vintistas
princípios constitucionais/vintistas e os atos and the acts of the provincial administration.
da administração provincial. O léxico político The political lexicon widens and becomes
alarga-se e complexifica-se. Contudo, é more complex. However, it is revealing the
reveladora a tarefa cívica e pedagógica iniciada civic and pedagogical task initiated by the
pelo jornal O Conciliador do Maranhão em newspaper the Conciliador do Maranhão
prol da necessidade de incutir melhor certos in favor of the need to instill better certain
conceitos políticos tidos por fundamentais para political concepts considered fundamental for
a sociedade maranhense. Assim na imprensa Maranhão society. Thus in the press felt the
sentiam-se os ecos da mudança política e estes echoes of political change and these seemed
pareciam assumir um papel pedagógico de to assume a pedagogical role of educating
educar a sociedade para o exercício do jogo society for the exercise of the political game
político do Estado e da Nação moderna. of the state and the modern nation.
Palavras-chave: Maranhão; Vintismo; Keywords: Maranhão; Vintismo; press;
imprensa; liberalismo; independência. liberalisme; independence.

Revista Portuguesa de História – t. L (2019) – p. 13-40 – ISSN: 0870.4147


DOI: https://doi.org/10.14195/0870-4147_50_1
14 Maria Bertolina Costa

O desenho metodológico desta investigação constituiu-se na coleta de


informações, no que tange ao universo estudado: historiográfico e documen-
tal. Analisamos as produções historiográficas sobre os movimentos políticos
como o Vintismo em Portugal e Brasil, nomeadamente no Maranhão na pri-
meira metade do século XIX, sempre na perspectiva do diálogo entre as pro-
duções historiográficas portuguesa e brasileira. No que diz respeito às fontes
documentais procedemos ao levantamento e análise das mesmas, nos seguin-
tes arquivos: em Portugal: Arquivo da Universidade de Coimbra, Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Histórico Ultramarino, Biblioteca
Nacional de Portugal, Arquivo da Biblioteca da Assembleia da República.
Catálogos Gerais: Diario das Cortes Geraes Extraordinarias da Nação Portu-
gueza [online], Biblioteca da Universidade de Coimbra. Arquivos do Brasil:
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
Arquivo Público do Estado do Maranhão, Arquivo do Tribunal de Justiça do
Estado do Maranhão, Biblioteca Pública Benedito Leite e Arquivo Público do
Estado do Piauí.
No que diz respeito à Imprensa Maranhense, foi analisado na Biblioteca
Pública Benedito Leite, em São Luís, o jornal O Conciliador do Maranhão,
para além de outros jornais. Neste caso, procedemos à análise de conteúdo,
com o intuito de perceber a sua composição discursiva. É com este percurso
que iniciamos nossas reflexões.
Portugal por três vezes foi invadido pelo exército francês imperial, entre
1807 e 1811, vendo-se completamente envolvido nas chamadas Guerras
Napoleônicas, num movimento intenso que ficou perto de subverter o quadro
político, social e econômico vigente na Europa e nas extensões ultramarinas.
Essas guerras levaram o rei e a corte a transferirem-se para o Brasil, fato
com certeza estratégico para salvaguardar a soberania portuguesa e, a princí-
pio, a integridade do império, mas que também resultou numa duplicação do
governo, que abriria o caminho para a independência do Brasil.
Uma questão resultante dessa situação complexa pode ser formulada nes-
tes termos: apesar da derrota das tropas francesas, será que devemos ver uma
continuidade mais ou menos linear entre as invasões francesas e as lutas libe-
rais, aceitando a conclusão de que a derrota dos exércitos de Napoleão não
impediu a vitória dos princípios liberais pelos quais estes se enfrentavam?
Ana Cristina Araújo1 defende que, antes mesmo das invasões francesas, o
ideário liberal já se disseminara entre as elites portuguesas, pelo que, além de

1 
Ana Cristina Araújo, “Revoltas e ideologias em conflito durante as invasões francesas”,
Revista de História das Ideias, n.º 7 (1985), p. 7-90.
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
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«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

ter significado «uma guerra de opiniões», não parece fiável a influência das
lutas napoleônicas na consolidação do ideário liberal em Portugal. A mesma
autora enfatiza que, ao contrário da Espanha, em Portugal não teria existido
em 1808 «um modelo ideologicamente magnético e mobilizador de um pro-
cesso revolucionário»2. Ou seja, tende a considerar-se, no terreno do movi-
mento das ideias, que existe uma «origem» do liberalismo que vem de trás3.
Ao pensarmos dessa forma, emerge outra perspetiva associada às conhecidas
e discutidas ideias de Jürgen Habermas4 sobre a emergência do espaço público
na Europa. O autor afirma que o século XVIII seria caracterizável pelo cresci-
mento do «espaço público», entendido como a esfera de circulação de ideias,
de práticas de sociabilidade e de consumos de bens culturais relativamente
autônomos em relação à corte e ao poder político das monarquias. Na mesma
linha, Jorge Borges de Macedo (1979)5 refere o peso da «opinião pública»
antes mesmo da época contemporânea. José Augusto dos Alves Santos, em
seu trabalho A Opinião Pública em Portugal (1780-1820)6, ao apoiar-se nas
correspondências da Intendência Geral de Polícia, rastreou e identificou uma
opinião pública crítica mesmo antes das invasões francesas. Por seu lado, Ana
Cristina Araújo, em seu trabalho sobre A Cultura das Luzes em Portugal7,
dá-nos uma contribuição fundamental para uma nova visão do tema, ao iden-
tificar o papel fundamental da imprensa na emergência das Luzes no espaço
público, e quando destaca a sua abrupta interrupção durante o pombalismo,
com a supressão da Gazeta de Lisboa e a criação da Real Mesa Censória.
Portanto, se a história de Portugal não pode ser entendida fora do contexto
europeu, igualmente não pode fora do contexto imperial. Assim, o mesmo se
deve dizer da história da independência do Brasil, que fica incompreensível se
for colocada à margem das suas ligações não só com a metrópole portuguesa,
mas também com o restante da Europa. Os próprios eventos se incumbiram de
reforçar tais conexões.

2 
Op. cit., p. 72.
3 
Cf. José Arriaga, História da Revolução Portuguesa de 1820. vol. 1,1886, p. 177; Vasco
Pulido Valente, “O povo em armas: a revolta nacional de 1808-1809”, Análise Social, vol. XV,
n.º 57 (1979).
4 
Jürgen Habermas, L’Espace Public. Archéologie de la publicité comme dimension consti-
tutive de la société bourgeoise, Paris, Payot, 1978.
5 
Jorge Borges de Macedo, História diplomática portuguesa. Constantes e linhas de força,
Lisboa, Instituto da Defesa Nacional, 1979.
6 
José Augusto dos Santos Alves, A Opinião Pública em Portugal (1780-1820), Lisboa,
Univ. Autônoma de Lisboa, 2000.
7 
Ana Cristina Araújo, A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e problemas, Lisboa, Livros
Horizonte, 2003.
16 Maria Bertolina Costa

Em 1808, Portugal transfere sua capital política para o Brasil, fato abso-
lutamente singular na história europeia e por via do qual promoveu a recons-
trução dos espaços políticos da monarquia. No Reino ficaram a Regência e
depois as Juntas de Governos que, nas suas diversas modalidades e compo-
sição, mantiveram as funções de gestão corrente dos assuntos do Reino até
18208. No Brasil, para agilizar o processo governativo, foi necessário criar
novos órgãos que apontavam para a inversão do estatuto colonial, como os tri-
bunais superiores, a Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens;
a administração judiciária foi complementada com a elevação do tribunal do
Rio de Janeiro, a Relação, à Casa de Suplicação, em maio de 1808. Esse tri-
bunal da justiça deliberava os pleitos em última instância, exercendo suas fun-
ções, no primeiro ano, sobre o Pará e o Maranhão, sobre a Relação da Bahia,
que foi mantida, e, fora do território brasileiro, sobre as ilhas dos Açores e da
Madeira. Mais tarde, foram criadas mais duas novas Relações: a do Maranhão
em 1812, e a de Pernambuco em 18219. Além desses órgãos foi criada a Real
Junta do Comércio e Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil e
Domínios Ultramarinos que absorveu as funções da Mesa de Inspeção do Rio
de Janeiro. Foram instituídos o Conselho Militar e o Conselho de Justiça; a
Intendência Geral da Polícia, que além de policiar a cidade, contra «os pertur-
badores da ordem civil», também iniciou a urbanização do Rio de Janeiro10;
a Chancelaria-Mor do Estado do Brasil, semelhante à de Lisboa, a Impres-
são Régia e o estabelecimento do Registro de Mercês. A América portuguesa,
esteve desprovida de tipografia até 180811, e de instituições de ensino superior
até 1827, enquanto a elite intelectual brasileira se movimentava na esfera do
pensamento e da cultura de Portugal, especialmente em Coimbra; entretanto
as classes marginalizadas, imersas na cultura oral, continuavam sem conhe-
cer a escrita. Nesse quadro, as questões políticas e públicas interessavam a
poucos, até por causa das distâncias físicas entre Lisboa, centro de decisão
político-administrativo, e as cidades litorâneas brasileiras. Todos estes órgãos
representavam, até certo ponto, uma duplicação da estrutura política e institu-
cional da monarquia.

8 
Ana Leal de Faria; Maria Adelina Amorim (coords.), O Reino sem Corte: a vida em Portugal
com a Corte no Brasil,1807-1821, Lisboa, Tribuna da História, 2011.
9 
Luís Norton, A corte de Portugal no Brasil, São Paulo, Companhia Editora Nacional;
Brasília, INL, 1979.
10 
Luiz Carlos Villalta, O Brasil e a crise do antigo regime português (1788-1822), Rio de
Janeiro, FGV Editora, 2017.
11 
Isabel Lustosa, O nascimento da imprensa brasileira, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003.
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
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«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

Para além desses espaços institucionais, a própria colônia teve seu estatuto
constitucional reforçado, com a elevação a Reino Unido, em 181512. O centro
político do império iria se localizar no interior do domínio, promovendo ine-
vitáveis transformações em ambos os polos da relação do império. Apesar dos
limites com que operavam os estrategas políticos do período joanino, limi-
tando o alcance das reformas estruturais por eles pretendidas, é inegável que o
sentido da fiscalidade se alterava, ganhando impulso interno. Porém, os efei-
tos negativos dos novos e generalizados tributos provocariam profundo des-
contentamento nas populações sujeitas a impostos como a «décima urbana», a
«meia sisa», o «selo de papéis», «legados e heranças», entre outros. No Norte,
estes descontentamentos se fizeram sentir de forma mais intensa, onde a pre-
sença do rei não podia, como no Rio de Janeiro, compensar a pressão fiscal
com maiores e mais rentáveis oportunidades de ganho. Um dos mais notórios
foi a Revolução Pernambucana de 181713, e mais tarde a Confederação do
Equador (1824), de cunho federalista, onde se defenderam o poder local e a
autonomia das províncias14.
Para além desses efeitos, a presença da corte no Rio de Janeiro, no âmbito
da política serviu também para exacerbar os conflitos no interior do aparelho
do Estado, pois tanto os novos cargos criados na corte, como os contratos
régios passaram a ser objeto de profunda disputa entre os filhos da terra, cujos
espaços se vinham ampliando desde meados do século XVIII, e os «estrangei-
ros» que, tendo chegado com a corte, procuravam fazer valer os privilégios
dos nascidos no reino. O Rio de Janeiro tinha ares e postura semelhantes a
Lisboa e despertou ressentimento nas outras províncias. O problema é que,
enquanto o Sul e o Sudeste experimentaram os benefícios do desenvolvimento
econômico estimulado pela capital, aos habitantes do Norte restaram os altos
impostos que não revertiam em seu benefício, restando-lhes portanto custear
a nobreza e a burocracia do governo central.
Em 24 de agosto de 1820, é em nome da Constituição, da Nação, do Rei
e da Religião Católica que o pronunciamento militar da cidade do Porto abre
caminho à chamada Revolução Vintista e, consequentemente, à derrocada do

12 
Ana Cristina Araújo, “O ´Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves`: 1815-1822”, Revista
de História das Ideias, Coimbra, vol. 14 (1992), p. 233-261.
13 
Para discutir o tema ver o texto de Denis Bernardes, “Pernambuco e o Império (1822-1824):
Sem Constituição Soberana não há união” in Eduardo França Paiva (org.), Brasil-Portugal:
sociedades, culturas e formas de governar no mundo português (Séculos XVI-XVIII), São Paulo,
AnnaBlume, 2006, p. 228.
14 
Evaldo Cabral de Mello, A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a
1824, 2ª edição, São Paulo, Editora 34, 2014.
18 Maria Bertolina Costa

Antigo Regime português 15. Num plano mais geral, a regeneração política
deveria estender-se a todas as regiões do Império, principalmente ao Brasil,
com o compromisso de «banir o despotismo», considerado responsável por
todos os males da sociedade16. A finalidade de reunir representantes da nação
portuguesa para a criação de um novo pacto político, assente numa nova
Constituição, presidiu também à convocação de representantes ultramarinos
para as Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa,
que tiveram a sua sessão inaugural em 26 de janeiro de 182117.
A adesão das províncias do Norte do Brasil, da Bahia, de Pernambuco, do
Pará, e mais tarde do Maranhão ao Vintismo refletiu-se, portanto, na composi-
ção do Soberano Congresso em Lisboa. A sintonia e os desfasamentos criados
pela liberalização política no Maranhão têm sido objeto de alguns estudos

15 
Para saber mais sobre o Vintismo ver: Isabel Nobre Vargues, A Aprendizagem da Cidada-
nia em Portugal 1820-1823, Coimbra, Edições Minerva, 1997; Zília Osório de Castro, Cultura
e Política. Manuel Borges Carneiro e o Vintismo, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação
Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1989; Benedicta
Maria Duque Vieira, A Formação da Sociedade Liberal, (1815-1851), Centro de Estudos de
História Contemporânea Portuguesa, ISCTE, Lisboa, 2005; História de Portugal (direção: José
Mattoso), Vol. V. O Liberalismo (1807- 1890), Lisboa, Editorial Estampa, 1993; Víctor de Sá
Pereira, Instauração do Liberalismo em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1985; J. B. S. L.
Almeida Garrett, Escritos do Vintismo (1820-1823), Lisboa, Estampa, 1985; J. B. S. L. Almeida
Garrett, Doutrinação da Sociedade Liberal (1824-1827), Lisboa, Estampa, 1991; Nuno Gonçalves
Monteiro, Elites e Poder entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa, ICS, 2003; M. Cândida
Proença, “As cartas de adesão ao movimento liberal (1820-1823)” in F. M; Domingues Costa;
Nuno Gonçalves Gonçalves (org.), Do Antigo Regime ao Liberalismo, 1750-1850, Lisboa, Vega,
1989, p. 131-14; Jaime Raposo Costa, A Teoria da Liberdade. Período de 1820 a 1823, Coimbra,
1976; A. P. Ribeiro dos Santos, A Imagem do Poder no Constitucionalismo Português, Lisboa,
ISCSP, 1990; Benedita Duque Vieira, O Problema Político Português no Tempo das Primeiras
Cortes Liberais, Lisboa, Sá da Costa, 1992; Ana Cristina Araújo, “Linguagem e Leituras do
Contrato Social nos alvores da Revolução Liberal em Portugal”, Revista de História da Sociedade
e da Cultura, Centro de História da Sociedade e da Cultura-CHSC- Universidade de Coimbra,
2013; M. de Lourdes Lima dos Santos, “Sobre os intelectuais portugueses no século XIX (do
Vintismo à Regeneração)”, Revista Análise Social, vol. XV, 57 (1979), Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa, p. 69-115; Luís Reis Torgal, “A Contra-Revolução durante o
período Vintista. Notas para uma investigação”, Revista Análise Social vol. XVI, 61-62 (1980),
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, p. 279-292; A. Duarte Almeida, Liberais
e Miguelistas. Reinado de D. João VI, Regência de D. Isabel Maria, D. Miguel I, regência de D.
Pedro 1817-1834, Colecção Portugal Histórico, Lisboa, Livraria João Romano Torres & Cia, 1971.
16 
Valentim Alexandre, “O nacionalismo vintista e a questão brasileira: esboço de análise
política” in Miriam H. Pereira, O Liberalismo na Península Ibérica na Primeira Metade do
Século XIX, 1.º Vol., Lisboa, Ed. Sá da Costa,1981.
17 
Galeria dos Deputados das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portu-
gueza: instauradas em 26 de janeiro de 1821. Epocha I. Lisboa: na Typographia Rollandiana,1822.
Sala Ferreira Lima, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Cota: FL 2, 6, 8, 8.
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
19
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

realizados por historiadores locais18, e tema de notas e capítulos publicados


em obras de historiadores brasileiros que produziram sucessivas sínteses da
história geral do Brasil19. Ressaltamos que, até à primeira metade do século
XIX, a Amazônia, termo utilizado muitas vezes para referir o Pará e toda a
região até ao Rio da Prata, o Maranhão e o Piauí, estiveram muito mais próxi-
mos e relacionados com Portugal do que com o Rio de Janeiro, situação que,
por si só, já demanda uma perspectiva diferente da história do Centro-Sul, que
desde o início do século XIX se organizou em torno das dinâmicas produzidas
pelas relações com a Inglaterra.
Portanto, aqui salientamos o conflituoso processo de incorporação da pro-
víncia do Maranhão no Império do Brasil, no qual houve divergências profun-
das que cindiram os poderes locais. Esta instabilidade política experienciada
no Maranhão se deve ao fato de que neste período os homens de elite da pro-
víncia divergiram em múltiplas posições partidárias, cada um em defesa dos
diferentes projetos de futuro, situação que resultou numa disputa interna entre
estes grupos de poder ao longo de vários anos. Desse modo, a adesão ao Vin-
tismo na província é vista a partir de interesses locais, não sendo de imediato
percepcionada como um processo recolonizador por parte de Portugal. Entre-
tanto, no Maranhão, o constitucionalismo tomou seus próprios contornos, os
conflitos e divergências entre os poderes e elites locais arrastaram-se com a
adesão tardia do Maranhão à independência do Brasil (1823) até 1838, quando
eclode o movimento rebelde chamado de Balaiada.

1. As Cortes vintistas e os ventos liberais que sopraram no Maranhão,


1820-1823
Para uma visão mais objetiva da mentalidade liberal de 1820 em Portugal
é importante começar por salientar que o Vintismo fez parte de um processo
único que decorreu na transição do século XVIII para o XIX. Esse processo

18 
Luís Antônio Vieira da Silva, História da independência da província do Maranhão (1822-
1828), 2ª ed., Rio de Janeiro, Companhia Editora Americana (Coleção São Luís, vol 4), 1972.
19 
Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil, Rio de Janeiro/São Paulo,
Laemmert, 1907; Sérgio Burque de Holanda, História Geral da civilização brasileira, São Paulo,
Difusão Europeia do Livro, Tomo II, vol I, 1960; Renato Lopes Leite, Republicanos e Libertários.
Pensadores Radicais no Rio de Janeiro (1822), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999; Caio
Prado Júnior, Evolução política do Brasil: Colônia e Império, 15ª edição, São Paulo, Brasiliense,
1986; Oliveira Vianna, O ocaso do Império, 3ª edição, Rio de Janeiro, Academia Brasileira de
Letras, 2006; Manuel de Oliveira Lima, Formação histórica da nacionalidade brasileira, 3ª
edição, São Paulo, Publifolha/Rio de Janeiro, Topbooks, 2000; Evaldo Cabral de Mello, A outra
Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004.
20 Maria Bertolina Costa

diz respeito à multiplicidade de fatores de natureza estrutural e conjuntural


que, atuando sobre bases da sociedade portuguesa no período em questão,
resultaram nas transformações que a sociedade vivenciou entre 1820-1823.
Um dos seus resultados imediatos foi a instalação das Cortes Gerais, Extraor-
dinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, em 26 de janeiro de 182120,
com a finalidade de reunir representantes de todas as partes do império para a
criação de um novo pacto político, assente em uma Constituição21.
O Vintismo foi ao mesmo tempo uma teoria política, um projeto político e
uma prática política. Legatários do ideário da Revolução Francesa e da Cons-
tituição de Cádis, os constituintes de 1821 e 1822 já refletiam que a sobera-
nia deveria residir na nação. A Constituição espanhola serviu de fundamento
para as posturas e decisões portuguesas desde agosto de 1820 até março de
1821, quando os deputados congregados em Lisboa finalmente homologaram
as Bases da Constituição Portuguesa.
É fato que, aquando da tomada de assento em 27 de janeiro de 1821 dos
deputados representantes em assembleia e eleitos por todo território continen-
tal e ultramarino do reino, as Cortes Representativas e Constituintes da Nação
Portuguesa não constituíam um todo homogêneo, havendo muitas divergên-
cias. Em situações limite, impuseram a rejeição total ou parcial do processo
de independência, muitas vezes por divergências pontuais ou propostas mino-
ritárias de um liberalismo moderado. Entretanto, estes deputados pautavam-se
por um ideal comum de transformação política alicerçado num conjunto de
ideias que se ligavam basicamente aos princípios da soberania nacional e da
afirmação política dos direitos naturais individuais. Reconheciam-se igual-
mente pela fidelidade, pragmática ou persuadida, à dinastia de Bragança e a
D. João VI, bem como à religião católica.
A ambivalência da ruptura com o Antigo Regime manifesta-se sempre
que estão em causa matérias de jurisdição e de soberania régia. É certo que
à personalização da soberania sucedeu o seu carácter abstrato, à monarquia
de direito divino a monarquia «pactualista», à hierarquização histórica da

20 
Galeria dos Deputados das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portu-
gueza: instauradas em 26 de janeiro de 1821. Epocha I. Lisboa: na Typographia Rollandiana,1822.
Sala Ferreira Lima, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Cota: FL 2,6,8,8.
21 
Isabel Nobre Vargues; Maria Manuela Tavares Ribeiro, “Estruturas políticas: parlamento,
eleições, partidos políticos e maçonarias” in José Mattoso (dir.); Luís Reis Torgal e João Lourenço
Roque (coord.), História de Portugal. Quinto Volume: O Liberalismo (1807 a 1890), Lisboa,
Editorial Estampa, 1993, p. 183-213.
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
21
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

sociedade a igualdade de direitos do cidadão22. Mas, ao optarem pela manu-


tenção dos valores tradicionais, os deputados assumiram o peso da Coroa e
da Igreja na sociedade. Em contrapartida, o vintismo abriu as portas para o
futuro, não tanto para a realização mas para novas possibilidades ao adotar
e praticar novos valores políticos. Carregou consigo reformas, mas também
inovações, como a elaboração e juramento da Constituição23, a lei de liberdade
de Imprensa, o sufrágio universal, o juízo de jurados, o enunciado dos direitos
dos portugueses. A ação das Cortes ao longo de todo o processo seria condi-
cionada pela dialética, que impunha aos vintistas, por um lado, a necessidade
de modernizar o país e, por outro, a consciência de que essa modernização não
poderia transpor os limites determinados pela realidade que se afirmava por
meio das relações sociais e políticas fundadas na propriedade da terra24.
O resultado desse processo incidiria sobre o Brasil, na medida em que uma
eventual reversão das condições criadas pelos eventos de 1808 e 1810, como
era expectativa geral da burguesia vintista desde o começo do movimento
regenerador, restituiria às suas representações os privilégios do comércio bra-
sileiro perdido com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro e a conse-
quente abertura dos portos ao tráfico internacional.
Nesse sentido, foi coerente a ação das Cortes de 1821, de transporem o
ideário inicial das forças que se manifestaram no Porto em 24 de agosto de
1820. Para Joel Serrão25, a ação legislativa do Congresso, que extinguiu a
Inquisição e instituiu a liberdade de imprensa, deu início a uma nova ordem
jurídica cuja concretização ultrapassava amplamente os limites contidos no
projeto revolucionário dos promotores do vintismo. A burguesia portuguesa,
consolidada no exclusivo mercantil, reclamava do contexto econômico, que

22 
Zília Osório de Castro (dir.), Dicionário do Vintismo e do primeiro Cartismo: 1821-1823
e 1826-1828, Prefácio. vol I, Lisboa, Assembleia da República; Porto, Afrontamento, 2002.
23 
Fernando Catroga, “´Quimeras de um façanhoso império`: o patriotismo constitucional e
a independência do Brasil” in Jacqueline/Azevedo Herman; Francisca L. Nogueira; Fernando
Catroga (organizadores). Memória, escrita da história e cultura política no mundo luso-brasileiro,
Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, p. 327-387.
24 
Vitor Sá, “Factores de crise do liberalismo em Portugal” in O Liberalismo na Península
Ibérica na primeira metade do século XIX, comunicações ao colóquio, Volume 1, Lisboa, Sá de
Costa Editora, 1981, p. 27-30; J. S. da Silva Dias, “A revolução liberal portuguesa: amálgama
e não substituição de classes” in O Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do
século XIX, comunicações ao colóquio, Volume 1, Lisboa, Sá de Costa Editora, 1981, p. 21-25;
Nuno Gonçalo Monteiro Elites e Poder entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa, Imprensa
de Ciências Sociais, 2007.
25 
Joel Serrão; A. H. de Oliveira Marques (dir.) e Maria Beatriz Nizza da Silva (coord.),
Nova História da Expansão Portuguesa. O Império Luso-Brasileiro 1750-1822, vol. 8, Lisboa,
Editorial Estampa, 1986.
22 Maria Bertolina Costa

lhe era desfavorável. Por esse motivo, denunciara o Tratado de 1810, que
atingiu a indústria fabril e artesanal, preparando-se para reagir numa conjun-
tura política mais favorável. Entretanto, com o fim do bloqueio continental,
tornou-se incômodo aceitar o Brasil como o centro do sistema.
Os deputados eleitos por todo território continental e ultramarino às Cor-
tes Representativas e Constituintes da Nação Portuguesa não constituíam um
todo homogêneo, havendo entre eles divergências ideológicas e profundos
contrastes de enraizamento territorial. Em situação limite, as Cortes impuse-
ram, sob a capa de adesão a idênticos princípios liberais moderados, a rejeição
do processo de independência do Brasil. Como traço comum, reconheciam-se
os deputados do reino pela fidelidade, pragmática ou persuadida, à dinastia
de Bragança e a D. João VI, bem como à religião católica26 e pela aceitação
do juramento da Constituição27. Para dar coesão ao sistema representativo, as
Bases da Constituição, inspiradas no texto constitucional de Cádis de 1812,
consagraram direitos liberdades e garantias para os cidadãos portugueses, a
separação de poderes, judicial, legislativo e executivo, o unicameralismo par-
lamentar e o veto suspensivo do monarca28.
A solução inicial parecia estar no retorno de D. João VI, como também na
criação de uma estrutura política a exemplo das Juntas do Governo Provisó-
rio29 que substituísse a antiga subordinada ao Rio de Janeiro.

26 
Zília Osório de Castro (Dir.), Dicionário do Vintismo e do primeiro Cartismo: 1821-1823
e 1826-1828, Prefácio vol I, Lisboa, Assembleia da República; Porto, Afrontamento, 2002.
27 
Fernando Catroga, “´Quimeras de um façanhoso império`: o patriotismo constitucional e
a independência do Brasil” in Jacqueline/Azevedo Herman; Francisca L. Nogueira; Fernando
Catroga (organizadores), Memória, escrita da história e cultura política no mundo luso-brasileiro,
Rio de Janeiro, Editora FGV, 2011, p. 327-387.
28 
Vitor Sá, “Factores de crise do liberalismo em Portugal” in O Liberalismo na Península
Ibérica na primeira metade do século XIX, comunicações ao colóquio, Volume 1, Lisboa, Sá de
Costa Editora, 1981, p. 27-30; J. S. da Silva Dias, “A revolução liberal portuguesa: amálgama e
não substituição de classes” in O Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século
XIX, comunicações ao colóquio, Volume 1, Lisboa, Sá de Costa Editora, 1981, p. 21-25; Nuno
Gonçalo Monteiro, Elites e Poder entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa, Imprensa de
Ciências Sociais, 2007.
29 
Também chamadas de Juntas do Governo Provisório, criadas a partir 1821, para substituir
os capitães e governadores das capitanias, tendo como competência toda a autoridade e jurisdição
no âmbito civil, econômico, administrativo e de polícia. A criação das Juntas constituiu, por-
tanto, uma verdadeira ruptura com a prática vigente, devido ao caráter eletivo de escolha de seus
membros e à possibilidade de representação de interesses locais por via constitucional. Também
serviu como tentativa de controlar a atuação independente do príncipe regente D. Pedro (Andréa
Slemian, “Delegados do chefe da nação: a função dos presidentes de província na formação do
Império do Brasil, 1823-1834”, Almanack brasiliense, n.º 6 (2007), São Paulo, p. 20-38).
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
23
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

Com o retorno de D. João VI a Portugal, o núcleo de poder do Rio de


Janeiro mostrava sinais claros de esfacelamento, o que levou capitanias como
a Bahia, Pernambuco, Pará, Maranhão e Piauí, com parcela considerável de
comerciantes portugueses articulados com o comércio europeu, a instituírem
Lisboa como o principal centro de poder. Entretanto, as Juntas Provisórias
trouxeram, mesmo que momentaneamente, benefícios práticos para estas pro-
víncias. Pernambuco, Bahia e Maranhão, por exemplo, não teriam a obrigação
de «sustentarem o Rio de Janeiro com o envio de homens para o exército, ou
tributos que custeavam a luz do Rio de Janeiro», usando uma expressão da
época.
O Pará foi a primeira capitania a manifestar a adesão ao movimento liberal
português, em 1 de janeiro de 1821. Logo depois, o movimento estendeu-se
para Bahia, em 10 de fevereiro, Rio de Janeiro e Pernambuco. No Maranhão,
em 6 de abril de 1821, Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca30, governador
da capitania do Maranhão, declarava a «adesão» à Revolução do Porto, com o
apoio de alguns setores da tropa e membros do Corpo de Comércio e Agricul-
tura31. Com essa atitude Pinto da Fonseca frustrava a oposição ao movimento.
Desta nova conjuntura resultaram muitas disputas em relação à permanên-
cia ou não do então governador Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Na
tentativa de validar o seu nome internamente, encaminha ao rei e às Cortes
um documento onde descreve as ocorrências e uma saudação de seu nome.
Sentia-se o único capaz de dirigir aquelas transformações de forma pacífica na
capitania32. Tais registos revelam quão delicada era a sua situação.

30 
O governador pertencia a uma família de militares que lutou contra os franceses na
Península Ibérica e, posteriormente, participou das campanhas no Rio da Prata. Governou o
Maranhão de 1819 a 1822. Era genro do Conde de Amarante, à época governador da província de
Trás-os-Montes; seu cunhado, também Conde de Amarante, foi um dos líderes da Vilafrancada,
reviravolta que possibilitou nova ascensão na carreira de Pinto da Fonseca que, ao regressar
a Portugal, acumulou títulos e cargos (Marcelo Cheche Galves, “Comemorações vintistas no
Maranhão (1821-1823)”, Revista Outros Tempos. Volume 8, número 12 (dezembro de 2011),
Dossiê História Atlântica e da Diáspora Africana, Universidade Estadual do Maranhão).
31 
Arquivo Histórico Ultramarino/Conselho Ultramarino-009, Cx. 166, Doc. 12094. 1821,
Abril, 30. São Luís do Maranhão. Carta do governador e capitão-general do Maranhão, Ber-
nardo da Silveira Pinto da Fonseca, para o rei D. João VI, expondo as razões que motivaram
a mudança política verificada na capitania e analisando os seus deveres como homem público
e como cidadão.
32 
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BN), Seção de Manuscritos, 5, 4, 15. Ao ministro
Thomaz António de Villanova Portugal, com pedido para que encaminhasse ao rei, enviou os
Acontecimentos políticos ocorridos na capital do Maranhão no dia seis de abril (1821); Insti-
tuto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), lata 58, pasta 35. Exposição do Governador do
24 Maria Bertolina Costa

Em torno da decisão de adesão, estava a proposta de eleição de uma Junta


de Governo, até que novas deliberações chegassem de Portugal. A oposição
impunha a convocação de eleições para a Junta. No entanto, esta aconteceu
apenas em fevereiro de 1822, depois de recebidas as instruções das Cortes, em
outubro de 1821, determinando como proceder nesta matéria. Foi com o apoio
do Corpo de Comércio e Agricultura, à frente do qual estava o grande nego-
ciante Antônio José Meireles33, que se possibilitou o «governo constitucional»
de Pinto da Fonseca. O negociante recolheu 270 assinaturas para seguimento
de Pinto da Fonseca no cargo, dando assim como certa a «aclamação» à sua
eleição, em 13 de abril34. O decurso do processo de eleição dos deputados no
Maranhão para as Cortes foi marcado por disputas entre as elites locais, entre
«portugueses» de Portugal e «portugueses» do Brasil, situação que não esca-
pou ao plenário das Cortes, em sessão de 11 de setembro de 1821:

Ontem com a maior amargura ouvi ler dois officios, um do Governador do


Maranhão, e outro do Governador do Ceará. Do primeiro, evidentemente se
collige, que aquella desgraçada provincia, bem digna de melhor sorte, acha-
-se em inteira oppressão; o seu Governador não contente de conservar presos
muitos cidadãos, a quem pretende deshonrar, com o epiteto de sediciosos, e os
quaes não duvido que sejão os mais benemeritos, ainda ousa affirmar, perante
este soberano Congresso, que sabe usar de medidas mais severas; o que suppo-
nho já ser uma Commissão militar. O do Ceará da mesma maneira tem o desca-
ramento de perguntar a elle mesmo Congresso, se deve ou não usar das armas,
para a eleição dos deputados; pergunta que bem denota o seu mal intencionado
coração, e a sua crassa ignorancia do verdadeiro systema constitucional (…)35.

Vários folhetos e abaixo-assinados circulavam na capitania com denún-


cias de que o ex-governador e seus aliados tinham o monopólio dos cargos

Maranhão Bernardo da Silveira Pinto ao congresso português sobre o juramento à constituição


que houver de fazer o mesmo congresso, e estabelecimento do Governo Provisório (1821).
33 
O comendador Antônio José Meirelles, era um grande negociante em São Luís, foi capitão
do regimento de milícias da cidade, arrematante das Rendas Reais e comendador da Ordem de
Cristo. Meirelles construiu parte considerável de sua fortuna a partir de relações estreitas com a
administração pública: era o contratante no abastecimento de carne verde durante o governo de
Pinto da Fonseca e um dos principais credores e devedores do erário público.
34 
Marcelo Cheche Galves, “«Ao público sincero e imparcial»: Imprensa e Independência
do Maranhão (1821-1826)”, Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010, p. 154.
35 
Assembleia da República. Catálogos Gerais: Diario das Cortes Geraes Extraordinarias
da Nação Portugueza. Sessão de 11 de setembro,1821. p. 2219, (http://debates.parlamento.pt/
catalogo/mc/c1821/01/01/01/173/1821-09-11, consultado em 2016.12.05).
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
25
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

administrativos e de outras benesses do poder, mas isso não impossibilitou o


processo de eleição. As diversas demandas no Maranhão aformoseiam-se de
um constitucionalismo polissêmico, distintas em suas motivações e procedi-
mentos. O Vintismo legou à província o domínio decisório sobre o governo
a nomear, permitindo dar uma impressão vaga à noção de «partidos», os que
naquele momento eram contra ou a favor da permanência do atual governo.
À luz dos imperativos constitucionais, estes «partidos» e fações políticas pas-
saram a se defrontar, muitas vezes de forma violenta36.
Entre março e julho de 1821, as Cortes divulgaram as Bases da Constitui-
ção, extinguiram a Inquisição e decretaram a lei da liberdade de imprensa37.
Com isso, o movimento vintista afrontava as estruturas que simbolizavam o
Antigo Regime e dissolvia as bases institucionais da sua sustentação.

2. A imprensa no Maranhão: «por hum Jornal Conhecem os Povos os


Governos…»
A difusão mais efetiva de novos conceitos políticos surge no Brasil somente
a partir de 1821, com a repercussão da Revolução do Porto, movimento liberal
do mundo luso-brasileiro que trouxe em seu seio uma linguagem parlamentar
e constitucionalista herdeira direta do liberalismo espanhol de Cádis e, por via
indireta, do discurso revolucionário francês. O estabelecimento da imprensa
no Maranhão38 inaugurou no processo político da província uma nova rea-
lidade assinalada pela crescente participação da opinião pública no jogo do
poder. A liberdade de imprensa possibilitou ainda que esses conceitos fossem
reapropriados em uma linguagem exaltada, muitas vezes violenta e perso-

36 
André Roberto de Arruda Machado, A quebra da mola real das sociedades. A crise polí-
tica do Antigo Regime Português na província do Grão-Pará (1821-1825). Tese (Doutorado
em História) Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2006, p. 93-95.
37 
Assembleia da República. Catálogos Gerais: Diario das Cortes Geraes Extraordinarias
da Nação Portugueza. Sessão de 4 de julho, 1821. p. 1436/1437, (http://debates.parlamento.pt/
catalogo/mc/c1821/01/01/01/118/1821-07-04/1436, consultado em 2016.12.05). Os princípios
gerais estabelecidos pela lei eram: a abolição da censura prévia («licenças» da Real Mesa Censória
e do Ordinário), punição dos abusos de liberdade de imprensa e criação de um tribunal especial
de proteção da liberdade de imprensa.
38 
Para saber mais, ver: Isabel Lustosa, O nascimento da imprensa brasileira, Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 2003; Tânia Regina Luca, “Fontes Impressas: História dos, nos e por meio dos
periódicos” in Carla Bassanezi Pinsky (org.), Fontes Históricas, São Paulo, Contexto, 2005.
26 Maria Bertolina Costa

nalizada; uma linguagem que, no dizer de Isabel Lustosa39, degenerou para


insultos impressos. Os jornalistas debatiam, ameaçavam de morte, escreviam
para outros jornalistas; e também para donos de escravos fugidos, pequenos
proprietários e negociantes, para os que assistiam ao teatro, para os professo-
res de primeiras letras, mais ainda para denunciar os atos arbitrários de um
governador de província.
Em novembro de 1821, Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca institui a
Administração da Imprensa e instaura a primeira tipografia com o nome de
Tipografia Nacional do Maranhão, apoiando a circulação do primeiro jornal
maranhense O Conciliador do Maranhão40. Dessa forma, de 1821 até 1826, a
tipografia ficou sob o controle do governo, que a usou para difundir e defender
os princípios Constitucionais/Vintistas e os atos da administração provincial.
Com o padre José Antônio Ferreira Tezinho (Padre Tezinho)41 editor do
jornal, colaborava o português Antônio Marques da Costa Soares42, juntos
fortaleciam os interesses lusos na condução deste primeiro momento de ade-
são ao Vintismo. Estes jornalistas tinham ligações estreitas com o governador
Pinto da Fonseca. Por meio do jornal fizeram ataques excessivos aos seus opo-
sitores, motivo pelo qual o Padre Tezinho foi denunciado por crime de abuso
da liberdade de imprensa, baseado na Lei sobre a Liberdade de Imprensa,
Titulo II, Art.16, que trata do abuso da liberdade da imprensa contra os par-

39 
Isabel Lustosa, Insultos Impressos. A Guerra dos Jornalistas na Independência (1821-
-1823), São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 26-27.
40 
O Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. De cunho conservador,
servia a política do governador Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. O jornal foi pioneiro nas
atividades jornalísticas da província Maranhense. Estava ao serviço dos portugueses, já que fora
uma voz veemente contra a independência política do Brasil, de modo que como órgão oficial
não podia ir contra o governo que o sustentava. Conciliador do Maranhão teve início como
folha manuscrita, divulgada regularmente por sete meses, mas em abril de 1821 passou a ser
impresso e prosseguiu em atividade até julho de 1823, aquando da adesão da província à causa
da Independência. Sua publicação impressa começou a 15 abril 1821 e encerrou em 12 junho
1823. A partir do n.º 77, passou a chamar-se O Conciliador do Maranhão. Sua periodicidade
era bissemanal. (Fundação Cultural do Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais
Maranhenses, Anno: 1821. São Luís: Sioge, 1981).
41 
José Antônio da Cruz Ferreira Tezo (padre Tezinho) era um dos redatores do jornal, no bom
estilo dos clérigos que atuavam no Brasil no início do século XIX. O padre se envolveu em atividades
diversas, acumulou atribuições religiosas, jornalísticas e mercantis; foi proprietário de um botequim,
de uma casa de bilhar e uma botica. Seguramente, as atividades do padre Tezinho iam além do altar,
do prelo, e do balcão. No início de 1823, foi eleito deputado para Cortes pelo Maranhão. Esteve à
frente do jornal O Conciliador do Maranhão, por mais de dois anos. Período surpreendente para
os parâmetros da imprensa brasileira (Cesar Augusto Marques, 1888, p. 167-220).
42 
O jornalista era homem de confiança de Pinto da Fonseca, exercia também funções no
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
27
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

ticulares43. Dos seus excessos, resultou uma representação dos moradores de


São Luís44.
Por outro lado, este jornal preparou o debate político posterior a 1825,
quando é criado por Manuel Odorico Mendes45 o jornal Argos da Lei, e por
iniciativa de João Antônio Garcia Abranches46 surge o jornal O Censor Mara-
nhense. As discussões e polêmicas que envolveram estes jornais nos anos de
1821 a 1825, entre a adesão ao Vintismo e a adesão à independência, giravam
em torno das posições defendidas entre «brasileiros» e «portugueses». Nessas
discussões preponderava a ideia de um formato público de nação como pauta
mais corrente nestes jornais.
Em 15 de abril de 1821 o editorial do jornal O Conciliador do Maranhão
apresentava a seguinte justificativa para a sua existência, que remetia para a
publicitação do debate político e para o papel pedagógico que o jornal desem-
penharia na sociedade maranhense, «… por hum Jornal Conhecem os Povos
os Governos seguem para regêllos; e estes se instruem sobre os sentimentos
com que aquelles olhão as suas deliberações…», e ainda, para os critérios de
«imparcialidade» e «verdade» na regulação do espaço público,

governo, na direção da Tipografia, além de ser responsável pelas peças encenadas no Teatro
União. Tendo sido expulso do Maranhão em 15 de setembro de 1823, por decisão da Câmara
Geral (Arquivo Nacional Fundo Diversos, Caixa 741ª).
43 
Diario das Cortes Geraes Extraordinarias da Nação Portugueza. Sessão de 7 de julho,1821.
p. 1437 (http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/118/1821-07-04/1437, con-
sultado 2016.12.05).
44 
Sebastião Barros Jorge, A Linguagem dos Pasquins, São Luís, Maranhão, Lithograf, 1998.
45 
Manoel Odorico Mendes nasceu a 24 de janeiro de 1799 em São Luís e morreu a 17 de
agosto de 1864 em Londres. Foi considerado exposto na casa de Manoel Mendes Farias, irmão
do seu pai que o criou até aos 16 anos de idade. Concluídos os estudos preparatórios em São
Luís, foi enviado para estudar na Universidade de Coimbra e cursar Medicina. Matricula-se no
primeiro ano na Faculdade de Matemática como voluntário, no ano letivo de 1816/1817, e residiu
nesse ano na Rua dos Estudos, n.º 346. No segundo ano matricula-se novamente na Faculdade
de Matemática como voluntário, agora em nova residência, na Rua do Borralho, n.º 35. No ano
letivo de 1818/1819 matricula-se na Faculdade de Filosofia, onde cursou as cadeiras de Filosofia
no segundo ano, e Botânica e Química (Chymica) no terceiro ano, agora com residência na Rua
da Mathematica, n.º 50. Odorico foi colega de turma de mais dois maranhenses, Antônio Belfort
Pereira de Burgos e Vital Raymundo da Costa Pinheiro.
46 
João Antônio Garcia de Abranches, redator do jornal Censor (1825) estreou a sua carreira
de publicista em 1822, com o folheto Espelho crítico-político. Em contextos políticos distintos,
o folheto e o posterior jornal expressaram a preocupação do autor com as condições para o
exercício da lavoura e do comércio no Maranhão. Registe-se ainda a frequência com que nego-
ciantes, como o comendador Antônio José Meirelles, se vincularam às atividades do Conciliador,
patrocinando subscrições, financiando suplementos ou tecendo considerações sobre a situação
política provincial
28 Maria Bertolina Costa

«…Que evidente, e inegável utilidade para um Paiz onde são admissíveis as


idéas liberais. Debaixo destes princípios; querendo nós concorrer para esta
interessante obra, quanto cabe no curto limite de nossas forças, nos propomos a
offerecer ao Publico neste Periodico, os acontecimentos Políticos, que tiveram
princípio nesta Cidade no memoravel dia 06 de abril, e que sucessivamente
continuarem. Imparcialidade, verdade, e franqueza serão os nossos timbres,
e o amor do bem Publico e da boa Ordem os nossos únicos incentivos …»47.
(Grifo nosso)

O jornal dava ênfase à notícia do dia 6 de abril de 1821 da adesão ao Vin-


tismo, simbolicamente comemorada no campo de Ourique48, criando a ideia
de um «consenso geral», e apresentando o governador Pinto da Fonseca como
líder natural da nova ordem política. No entender do jornal, a manutenção do
governador no cargo traria benefícios para portugueses e brasileiros49.
Contudo, a resistência a esta posição foi visível em São Luís, com tumultos
no Largo do Palácio, prisões, demissões, deportações e a abertura de devassas
que indicavam a reação anti-constitucional ao governo de Pinto da Fonseca.
Esse dissenso manifestava-se ainda numa representação de 24 de outubro de
1821 de moradores do Maranhão enviada ao rei D. João VI solicitando a subs-
tituição do governador, do juiz de fora entre outras autoridades, com várias
denúncias de atos arbitrários, perseguições, vinganças por parte do «governa-
dor e seus partidistas» aos cidadãos, por «despotismo» e por lesarem os cofres
públicos. A mesma representação acusava ainda o governador de defraudar
uma Representação enviada às Cortes, com a repetição de assinaturas50.
Entretanto, o governador encaminhou à Comissão de Justiça das Cortes
Gerais vários processos de devassas, com a alegação de que os implicados
visavam «destruir o systema constitucional»51. Ao mesmo tempo, O Conci-
liador do Maranhão divulgou uma representação dos oficiais Comandantes

47 
O Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. Fundação Cultural
do Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais Maranhenses. São Luis, anno 1821,
N.º 01, p. 1.
48 
Quartel no Campo de Ourique, na área central de São Luís, onde hoje está situado o Liceu
Maranhense e a Praça Deodoro.
49 
O Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. Fundação Cultural
do Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais Maranhenses. São Luís, anno 1821,
N.º 01, p. 1.
50 
Arquivo Histórico Ultramarino-Conselho Ultramarino-009, Cx. 167, Doc. 12168. 1821,
outubro, 24. Maranhão. Representação dos moradores do Maranhão ao Rei D. João VI, infor-
mando sobre o estado do Maranhão e solicitando que o governador, o juiz de fora, entre muitos
outros, fossem substituídos.
51 
Diario das Cortes Geraes Extraordinarias da Nação Portugueza. Sessão de 20 de novem-
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
29
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

dos Corpos Militares da Capitania, publicitando o seu apoio a Bernardo da


Silveira Pinto da Fonseca.

(…) Descendentes dos filhos do Tejo, e do Douro, Irmãos dos Brazileiros


generosos, que no Pará, Bahia, e Pernambuco levantarão o Pavilhão da
lealdade a ELRei, e da liberdade Constitucional, não devemos nós, Senhor
confessar a V. Excelencia com aquella franqueza marcial, que V. Excellencia
nos tem ensinado, que os mesmos sentimentos pilão em nossos corações? Que
amamos e respeitamos no centro de nossas almas o muito Poderoso Rei o Sr.
D. João VI, e toda a sua Real Dynastia (…), e que em fim queremos huma
Constituição liberal, que combine a Soberania da Casa de Bragança com os
direitos dos Cidadãos (…). Não duvidamos, Senhor, que o Corpo Municipal,
e Clero, convocados por V. Exc., deixem de clamar comnosco: Viva ElRei, a
Religião, a Patria e a Constituição. Quartel no Campo de Ourique no Maranhão,
6 de abril de 1821 – Manoel de Sousa Pinto de Magalhães, Tenente Coronel
Comandante do Regimento de Linha-Ricardo José Coelho, entre outros (…)52.

É visível o poder militar no Maranhão, através do governador Bernardo da


Silveira Pinto, que se proclamava representante verdadeiramente constitucio-
nal da autoridade portuguesa na Província. O eco desta pretensão do gover-
nador fez-se ouvir também na sessão de 20 de dezembro de 1821 das Cortes
Gerais em Lisboa.

«…Dirigião-se à Commissão de constituição sete representações remettidas


pela camara de S. Luiz do Maranhão, de todas as classes de cidadãos daquella
cidade, a favor dos serviços feitos à província pelo general Bernardo da
Silveira Pinto, expondo a necessidade da sua presença para conter alguns
poucos de facciosos, o que he confirmado em uma representação da mesma
camara, que reclama providencias para a manutenção da boa ordem. Forão
presentes: Uma carta de felicitação ás Cortes da Camara, da Villa de Alcantara
da provincia do Maranhão, acompanhando uma representação de diversos
escalões, expondo e concluindo o mesmo que a de [...], apoiado e confirmado
tudo pela mesma camara a favor do general Bernardo da Silveira Pinto; que as
remetteu á Comissão de constituição mandando-se fazer menção honrosa da
felicitação. Uma representação da Camara e das autoridades civis e militares

bro,1821. p. 3149 (http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/230/1821-11-20,


consultado 2016.11.10).
52 
O Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. Fundação Cultural
do Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais Maranhenses. São Luís, anno 1821,
N.º 01, p. 3.
30 Maria Bertolina Costa

da Villa de Itapicurú Mirim, provincia do Maranhão, sobre o mesmo objecto


das antecedentes, e á qual se deu por conseguinte a mesma direcção»53

Entretanto, em meados de 1822, o clima independentista se alastrava nas


províncias do Sul estendendo-se às províncias do Norte. Para todos os efeitos,
a liberdade de imprensa no Maranhão tornara este ambiente flexível às ideias
de um separatismo latente.
Com este estado de agitação na região Norte, tornou-se primordial a preo-
cupação do Governador das Armas do Pará, José Maria de Moura, de solicitar
a Lisboa o envio de tropas que garantissem o isolamento do Maranhão e Pará
da ebulição que crescia no Rio de Janeiro, com a argumentação de que o Norte
do Brasil estava muito mais próximo de Portugal do que do Rio de Janeiro, e
que a viabilidade de separação do Brasil a partir do Maranhão, com a inclusão
do Piauí, poderia trazer vantagens econômicas para Portugal, na medida em
que o reino poderia aproveitar melhor os recursos naturais e promover a aber-
tura de uma fronteira com o Peru, com vantagem para o controle português
sobre o comércio no Rio da Prata54.
O poder militar reorganizado a partir destas duas províncias destinaria a
oficiais portugueses o comando das suas unidades a fim de preservar a força
armada da contaminação de ideias dissidentes ou independentistas, dando
sobretudo maior coesão aos chamados «interesses nacionais». No entender do
governador de Armas do Pará, estas condições iriam fortalecer a presença de
Portugal a partir do Maranhão, no Norte e Centro Oeste do Brasil, garantindo
assim os interesses de Portugal na região. Entre final de 1822 e o começo
de 1823, esta situação tornou-se mais ou menos oficial quando o Diário do
Governo publicou, em 15 de novembro de 1822, uma posição de princípio
que defendia que o Grão-Pará, Maranhão e Piauí deveriam permanecer unidos
a Portugal55.
Recorde-se que nos meses finais de 1821 chegavam às Cortes notícias
desestabilizadoras do Brasil, primeiro de Pernambuco, depois do Rio de
Janeiro e da Bahia, com exceções das províncias do Norte, especialmente Pará
e Maranhão, que estavam ainda em consonância com os ideais integracionis-
tas dos liberais Vintistas. A adesão do Pará, em 1 de janeiro de 1821, se deu

53 
Diario das Cortes Geraes Extraordinarias da Nação Portugueza. Sessão de 20 de dezem-
bro,1821. p. 3477 (http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/255/1821-12-20,
consultado em 2017.01.20).
54 
Geraldo Mártires Coelho, Anarquistas, demagogos e dissidentes; a imprensa liberal no
Pará de 1822, Belém, Cejup, 1993.
55 
Diário de Governo, n.º 29, 15 de novembro, 1822. Lisboa: Imprensa Nacional.
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
31
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

antes mesmo da instalação das Cortes em Lisboa, no dia 26. Submeteu-se


às instruções eleitorais de novembro, baseadas na Constituição de Cádis, e
criou na capitania uma junta provincial, depondo o governador nomeado por
D. João VI. Portanto, antes de qualquer determinação dos deputados de Por-
tugal, o Pará já se considerava uma unidade provincial incluída no processo
constitucional iniciado no Porto. Apenas em 27 de março as Cortes ficariam
oficialmente informadas dessa adesão do Pará56.
Ainda nesse caminho, após a instalação da Assembleia, em 10 de fevereiro,
a Bahia criou uma junta provincial e aderiu ao movimento constitucional. As
eleições para deputados só aconteceram em 2 de setembro e agregaram a par-
tir da negociação entre diversos setores em conflito. Por ser considerada uma
capitania essencial para a organização do Reino do Brasil, em função de suas
atividades econômicas e de seu peso político-administrativo, o processo prin-
cipiado na Bahia motivou maiores abalos tanto no Rio de Janeiro como nas
áreas circunvizinhas. O movimento constitucional alastrou pelo Nordeste e
governos locais. Legitimados como intervenientes de D. João desde 1817,
agem agora com o objetivo de controlar as adesões.
No Rio de Janeiro, a adesão da Bahia provocou tensões entre importantes
ministros do Reino. Cogitou-se a princípio enviar D. Pedro a Portugal com
autoridade para submeter o movimento e, paralelamente, criar uma comissão
indicada pelo rei com o objetivo de elaborar uma Constituição para o Brasil.
Entretanto, o movimento de 26 de fevereiro permitiu que, a partir da inter-
venção de D. Pedro, o rei ainda jurasse a Constituição e se resolvesse pelo
regresso à Europa.
Dessa forma, as adesões ao movimento constitucional adquirem um cará-
ter ambíguo. Só a partir de março, quando as Bases da Constituição ficaram
circunscritas, é que as Cortes aprovaram um decreto que admitia as antigas
capitanias como unidades provinciais e regulamentava as eleições em conso-
nância com as regras de novembro. O desfecho das escolhas dos deputados no
Norte parecia apontar para uma representação parlamentar de matriz liberal,
fosse em razão dos vínculos mais fortes com Lisboa, como no caso do Pará,
Maranhão e Piauí, fosse em função das exigências não satisfeitas em 1817,
como era o caso de Pernambuco.

56 
Geraldo Mártires Coelho, O Vintismo no Grão-Pará: relações entre imprensa e poder
(1820-1823), Lisboa, Tese (Doutoramento) apresentada na F.C.S.H. da U.N.L, 1986; Geraldo
Mártires Coelho, Anarquistas, demagogos e dissidentes; a imprensa liberal no Pará de 1822,
Belém, Cejup,1993.
32 Maria Bertolina Costa

Entretanto, as Cortes pareciam não ter conhecimento dos conflitos que


estavam na base da adesão ao Vintismo no Maranhão. Nos discursos os depu-
tados portugueses defendiam que era preciso salvaguardar a burguesia mer-
cantil local, e ter como estratégia um plano de defesa da província; era preciso
salvaguardar parte do reino do domínio de D. Pedro, o qual, segundo cons-
tava, tencionava utilizar os serviços do aventureiro inglês Lord Tomas Coch-
rane. Nesse sentido, contraria-se a possível intenção das Cortes em separar a
região Norte do país, especialmente as províncias do Pará, Maranhão e Piauí,
do resto do país.
No Maranhão, encontravam-se homens ilustrados e de poder, arreiga-
dos ao ideal reformador, e que temiam que o curso que o vintismo tomava
fosse semelhante ao processo revolucionário francês. Faziam parte das elites
locais, e intitulavam-se conservadores. Eram simpatizantes de um liberalismo
clássico, que conservava a figura do rei como representante da nação e freio
da soberania popular. Enfim, temiam que o produto imediato da revolução
fosse o anarquismo, ou seja, a negação absoluta de uma ordem política justa
e suscetível de ser respeitada. A sua notoriedade chegou ao Congresso em
Lisboa através de uma comunicação oficial que denunciava como perigosa a
ação destes «facciosos»57. Um dos «facciosos» opositores do governador era
Miguel Ignácio Freire Bruce58, que assumiu a presidência da primeira Junta
Provisória.
Como se verifica, a «adesão» ao Vintismo no Maranhão potenciou pro-
fundas divergências políticas provinciais. O liberalismo ganhou forma nos
jornais, por meio de uma ferramenta que efetivava, na prática, essas aspira-
ções políticas: a Constituição, símbolo da Regeneração Vintista. A palavra
expressava os anseios políticos dos membros das elites políticas e intelectuais,
tanto em Portugal como no Brasil.
Com efeito, o Vintismo havia materializado no Maranhão a consciência
de que a palavra era fundamental para formar e informar a opinião pública.
O recurso à imprensa por parte das elites esclarecidas atesta a importância
da comunicação nas páginas do jornal. Revelando a matéria política, o jornal
O Conciliador do Maranhão em 1821 publica uma carta de um leitor em que
se deifica a liberdade de expressão e se exalta o patriotismo, nestes termos:

57 
Diário das Cortes Geraes Extraordinarias da Nação Portugueza. Sessão de 18 de
dezembro, 1822. p. 191 (http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cd/01/01/01/019/1822-12-
18/191?q=piauhy%2B, consultado em 2016.12.05).
58 
O advogado foi empossado a 7 de agosto de 1823, na presidência da Junta Governativa e
Provisória Constitucional de São Luís, em eleição de 25 de dezembro de 1823.
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
33
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

(…) Excita-me o amor da Patria, e da rasão, authorisão-me os sagrados direitos


do homem, que disfructa a ventura de pertencer a huma Nação, onde acabou de
ser crime a expressão de idéas liberaes, e a ostentação de ardente patriotismo
(…). Habitantes do Maranhão assim como no dia 6 de abril vos elevastes
a hum grau superior de glória, também tocastes huma crise perigosíssima,
se não souberdes esmagar a terrível fúria da anarquia (…). Desde que há
Governos injustos, desde que o abuso do poder formou déspotas, principiou a
ser desejada a liberdade da Nação: este bem fysico e moral, parece que devia
ser adoptado, e seguido por todos os Povos; porém a experiencia em todas as
épocas evidenciou, que o abuso deste sentimento era fatalíssimo, e por isso se
julgou sempre quase incombinável com a felicidade Nacional…»59.

As preocupações em torno das repercussões da Revolução do Porto no


Maranhão foram então debatidas entre os apoiantes do governador Pinto da
Fonseca. Aos defensores do velho absolutismo opuseram-se as novas ideias
de liberdade60. Aos defensores do sufrágio e da representação parlamentar res-
pondiam os cidadãos mais prósperos e bem-educados. O termo Nação come-
çava assim a aparecer com um sentido coletivo singular, para referenciar uma
comunidade provida de vontade própria e autônoma em relação à figura do rei.
O conceito de Nação deslocava-se portanto para outra esfera, a de um corpo
político formado por seus representantes, como «bem fysico e moral», mas
que era preciso cuidados porque «a experiencia em todas as épocas eviden-
ciou, que o abuso deste sentimento era fatalíssimo, e por isso se julgou quase
sempre incombinável com a felicidade Nacional».
Percebe-se que o início da instauração do Estado brasileiro se opera em
contexto de coexistência de forças antagônicas, no interior do que é a Amé-
rica Portuguesa, ou seja, no contexto de múltiplas identidades políticas, que
expressam trajetórias coletivas que demarcam alternativas de futuro.
Os projetos de futuro disputados corresponderam a diferentes visões de
Estado, cidadania, inclusão/exclusão, lealdade, critérios de adesão, cada um
traçando elementos do novo pacto tido como adequado para transformar
comunidades em nação. Neste campo, multiplicam-se as tentativas de educar
o cidadão para um novo exercício de cidadania. Mais uma vez o jornal faz eco
das preocupações dos seus leitores, como revela esta carta de um leitor:

59 
O Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. Fundação Cultural
do Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais Maranhenses. São Luis, anno 1821,
N.º 01, pp. 6-7.
60 
Independência, Pasquins. Documentos enviados a Junta do Governo da Província do
Maranhão contendo Pasquins a favor da Independência. São Luís, Maranhão, 1822-1823.
Biblioteca Pública Benedito Leite- BPBL. Man- 276, M-4AA, G-2, E-11. 9 fls. manuscritas.
34 Maria Bertolina Costa

«… Habitantes do Maranhão, aproveitai a lição profícua. A Constituição, esse


apetecido bem que enthusiasma os Portuguezes, e que hoje vos electriza, há-de
ser hum manancial de venturas para toda a Nação; mas he necessário que o
abuso não prostitua os Cidadãos: ella há-de purificar a Religião, electrizar o Rei
em favor dos Vassallos, enobrecer os defensores da Patria, prosperar as Artes,
chamar a abundancia, garantir o direito das Propriedades, e a tranquilidade
dos Cidadãos …» 61.

A construção da legitimidade do novo pacto político carecia no Maranhão


de uma ação pedagógica e cívica mais forte. Para o efeito, o único teatro da
cidade de São Luís (Teatro União, que mais tarde passa a chamar-se Theatro
Nacional, e permanece até hoje em São Luís, agora com o nome de Teatro
Arthur Azevedo), era fundamental como «escola pratica de sã moral, e vir-
tudes civicas».
No teatro sentiam-se os ecos da mudança política tanto no Maranhão,
como em Portugal no primeiro momento liberal. Profundamente associado
à Revolução Vintista, o teatro deu os primeiros passos no sentido da acepção
de um teatro nacional. Atos festivos da liturgia Vintista no Maranhão eram
celebrados em sonetos e no «Hymno Constitucional».
Paralelamente, fora criada, a 9 de abril de 1821 a Junta Consultiva62 com
o propósito de evitar uma efetiva reestruturação das relações de domínio na
província. Dela fizeram parte o bispo D. Fr. Joaquim de Nossa Senhora de
Nazaré como presidente, e secretário o brigadeiro Sebastião Gomes da Silva
Belfort63, responsáveis pelos pareceres sobre as eleições de deputados mara-
nhenses às Cortes. Concluído o processo, foram eleitos o provisor e vigário-
-geral da Diocese do Maranhão, José João Beckman e Caldas64, em 17 de

61 
O Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. Fundação Cultural
do Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais Maranhenses. São Luis, anno 1821,
N.º 01, p. 6-7.
62 
O Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. Fundação Cultural
do Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais Maranhenses. São Luis, anno 1821,
N.º 03, p. 19.
63 
Formou-se em Cânones em 1802 pela Universidade de Coimbra.
64 
Era natural de São Luís do Maranhão, foi exposto na casa do pároco da freguesia de Nossa
Senhora da Vitória, o reverendo Bernardo Beckman, que o batizou, o criou e o educou. Depois,
foi reconhecido como filho do tenente-general Gonçalo Pereira Caldas, encarregado da província
do Minho. Em 1783, foi habilitado pelo bispo do Maranhão D. Fr. José do Menino Jesus, por
dispensa, às ordens e dignidade eclesiásticas. Em 1807, foi nomeado cônego. Por decreto de 11
de março de 1809, foi condecorado com o hábito da Ordem de Cristo e a professar na Catedral
de São Luís (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Decretos Honoríficos, cx.787,pc.2, doc.18;
Graças e Mercês. cód. 15, v. 1,fl.164 e 169).
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
35
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

maio de 1821, suplente de deputado às Cortes de Lisboa, em substituição do


titular, o provedor da fazenda Raimundo de Brito Magalhães e Cunha65, impe-
dido por alegadas razões de saúde, e o desembargador Joaquim Antônio Vieira
Belfort66, eleito em 6 de agosto de 1821, para representarem o Maranhão nas
Cortes em Lisboa.
Entretanto, o jornal O Conciliador do Maranhão esmerava-se na divulga-
ção dos princípios e dos conceitos políticos do novo sistema constitucional.
O terceiro número do jornal trazia uma análise extensa do termo Constituição.
Dizia «que era preciso que os Povos fossem iniciados nos seus mistérios, para
evitar que a ignorância frustrasse as providências da legislação67». Os reda-
tores sustentavam que a melhor forma de saber as coisas era saber primeiro
os seus nomes. Desta forma procuravam colmatar o estado de ignorância evi-
dente em certas camadas da sociedade maranhense, nomeadamente quanto
ao significado dos vocábulos novos que emergiam na cena política, e orientar
as opiniões dos cidadãos em conformidade com a prática do governo liberal.
A tarefa cívica e pedagógica iniciada pelo jornal de incutir certos concei-
tos políticos tidos por fundamentais para a sociedade maranhense esbarrava
com sérias dificuldades, desde logo a escassíssima margem de alfabetização
e de literacia dos habitantes da região. Ainda assim, é claro que a palavra
Constituição não era desconhecida, pelo menos nos grupos sociais mais escla-
recidos da sociedade maranhense, assim como não o era o reconhecimento
da sua importância na nova ordem política. O jornal defendia que as bases da
Constituição eram a razão e a justiça, e afirmava que a Constituição política
de um Estado devia ser precedida de princípios gerais. No esforço de uma
aprendizagem liberal e constitucional, a intervenção dos redatores do jornal é

65 
Natural de Tomar, Portugal, era neto do desembargador de agravos da Casa de Suplicação,
José de Morais Machado, e filho do desembargador honorário e cavaleiro da Ordem de Cristo
Carlos de Brito Magalhães e Cunha e de Joaquina Josefa Vieira. Era advogado formado pela
Universidade de Coimbra. Em dezembro de 1793, solicitou habilitação para exercer as funções
da magistratura, o que lhe foi concedido em fevereiro do ano seguinte. Era casado com Maria
Gertrudes Belfort Carneiro (Zília Osório de Castro (Dir.), Dicionário do Vintismo e do primeiro
Cartismo: 1821-1823 e 1826-1828, Vol I. Lisboa, Assembleia da República; Porto, Afrontamento,
2002, p. 581-582).
66 
Natural de São Luís do Maranhão era filho do cirurgião-mor Leonel Fernandes Vieira e
de Francisca Maria Belfort. Bacharel e doutor em Leis pela Universidade de Coimbra. Foi juiz
de fora de Lagos, no Algarve, até 1812. Através de decreto de 13 de maio de 1812, foi nomeado
ouvidor da comarca do Piauí.
67 
Conciliador do Maranhão. Maranhão: Typ. Nacional, 1821-1823. Fundação Cultural do
Maranhão. Biblioteca Pública Benedito Leite. Jornais Maranhenses. São Luis, anno 1821, N.º
03, p. 21.
36 Maria Bertolina Costa

essencialmente ditada pela necessidade de difundir e alargar os novos conteú-


dos políticos constitucionais a um maior universo social.
O léxico político alarga-se e complexifica-se. Neologismos como Cida-
dão e Constituição são termos constantemente utilizados nos textos do triênio
vintista e, consequentemente, na imprensa liberal. É claro que Cidadão não
é um neologismo criado pelos vintistas, pois a sua origem é clássica. Mas,
em 1820-1823, o termo significa o indivíduo gozando de liberdade e direitos.
Em alguns textos vintistas os seus autores subscrevem-se fazendo preceder o
termo cidadão ao seu nome68. Neste sentido, Cidadão adquiria o significado
de identidade política nacional, como membro igualitário da nação soberana.
As heranças da Revolução Francesa estavam bem vivas. O Cidadão desig-
nava, não um estatuto de privilégio, mas o privilégio da igualdade jurídica, e
aplicava-se ao homem livre a quem eram reconhecidos direitos e deveres, em
oposição ao estatuto de «servo» ou «vassalo». Aliás, estas últimas palavras
serão censuradas nas Cortes, em 1821 e 1822.
No esforço de uma aprendizagem liberal e constitucional, a intervenção
dos redatores do Conciliador do Maranhão é essencialmente ditada pela
necessidade de difundir e alargar os novos conteúdos políticos constitucionais
a um maior universo social, constituindo no Maranhão um exemplo de jornal
com um profícuo trabalho regenerador.
Entretanto, chega a São Luís, em fins de 1822, a notícia da ruptura do
Brasil com Portugal, liderada pela província do Rio de Janeiro. Dias depois, a
Junta Provisória do Governo do Maranhão, em proclamação de 3 de fevereiro
de 1823, opôs-se reafirmando os vínculos com Portugal. A Proclamação da
Junta Provisional do Governo do Maranhão deu lugar a diversos conflitos,
com prisões e deportações de «facciosos», ou seja, de inimigos dos políti-
cos que se achavam à frente do governo da província69. Eram então notórias
as disputas na política provincial. As parentelas de grupos políticos rompem
equilíbrios instáveis no primeiro momento da Regeneração, manifestando-se
abertamente a favor da independência. É o caso do coronel José Félix Pereira
Belfort de Burgos70, líder político na região do Itapecuru, parente de lideran-
ças da Junta de Governo em São Luís, que apoiou as forças independentistas,

68 
Isabel Nobre Vargues, A Aprendizagem da Cidadania em Portugal:1820-1823, Coimbra,
Minerva, 1997, p. 115-116.
69 
Biblioteca Pública Benedito Leite. Edital, 8 de abril de 1823. Manuscrito: 274, M-AA,
G-2, E-11. São Luís, Maranhão. Arquivo Ribeiro do Amaral.
70 
Arquivo Histórico Ultramarino-Conselho Ultramarino-MA, 009, Cx. 109, Doc. 8579.
Concessão de licença ao alferes do Regimento de Linha José Félix Pereira de Burgos para ir
estudar na Universidade de Coimbra. Este formou-se em Matemática em Coimbra e voltou ao
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
37
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

interferindo no avanço da adesão à causa brasileira nas vilas e cidades do


interior no Maranhão.
Com o avanço das tropas independentistas no interior da província, os inte-
resses econômicos e o cerco feito à cidade de São Luís pela frota do merce-
nário britânico almirante Lorde Cochrane (fato já mencionado nas Cortes),
enviado por D. Pedro I para sufocar as lutas iniciadas no Norte, fizeram com
que a Junta declarasse a «adesão» à Independência do Brasil. Em 28 de julho
de 1823, a declaração «pacífica» vem publicada no jornal governista a Gazeta
Extraordinária do Governo da Província do Maranhão71.

3. O Maranhão pós-independência
No pós-Independência, a imprensa já estava assegurada, pela Constituição
de 1824, a partir do princípio da liberdade de expressão pública. A legalidade
institucional precocemente atingida dentro de um modelo com enorme poten-
cial de inquietude e abalo das instituições políticas. Neste período, esta célere
notoriedade e reconhecimento só podem ser percebidos no espaço mais amplo
do avanço político da esfera pública brasileira, cuja maior particularidade era
a sua relativa confusão com a política pública do Estado. A imprensa atingiu
um nível de importante reconhecimento devido à sua nobilitação como fer-
ramenta indispensável da prática política, atuando contra o Estado e a favor
dele, pois movia-se entre os diversos grupos, fações, partidos e manifestações,
dentro do espaço da discursividade política nacional e local. Se a expressão
pública era um procedimento necessário à projeção de ideias e interesses, os
jornais atuavam, portanto, como veículos da defesa e conservação do vigor do
jogo político. A imprensa carregava consigo a diversidade deste jogo, porque
atuou nas diferentes posições das fações.
O Maranhão aderiu oficialmente à independência72 e elegeu uma Câmara
Geral e a Junta Provisória do Itapecuru, integrada pelo irmão de José Félix
Pereira Belfort de Burgos, Raimundo Belfort Pereira de Burgos, seu apa-
rentado Antônio Joaquim Lamagnére Galvão e pelo padre Antônio Pinto do

Maranhão em 1807, assumiu o cargo no regimento de linha do Itapecuru, com ajuda do cunhado
de sua mãe, Ayres Carneiro Homem Souto Maior; subiu ao posto de sargento-mor.
71 
Jornal Gazeta Extraordinária do Governo da Província do Maranhão, 1823, edição N.º
01, p. 03, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, PR_SOR_00251_001_718122 (http://memo-
ria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=704326&pasta=ano%20182&pesq=, consultado 10 e
20.12.2016).
72 
A edição n.º 31 de 1825 do Jornal Argos da Lei traz também informações sobre o Juramento
de adesão do Maranhão à Independência do Brasil.
38 Maria Bertolina Costa

Lago73. Logo depois, a Junta do Itapecuru foi complementada com lideranças


políticas da capital, sendo designado presidente o advogado Miguel Inácio
dos Santos Freire Bruce74, além de outros membros da família Belfort. Estas
parentelas estavam muito arraigadas na disputa pelo poder político no Mara-
nhão, a ponto de o coronel Sebastião Gomes da Silva Belfort,75 que também
compunha a Junta, uma vez afastado colocou em seu lugar seu irmão Fábio
Gomes Belfort, também formado em Leis pela Universidade de Coimbra, e
recém-chegado ao Maranhão.
Nas disputas por cargos, José Félix Pereira Belfort de Burgos reservou para
si o cargo de governador das armas, o que lhe permitiu assumir a nova lide-
rança política na gestão administrativa da província. Não foi sem conflitos que
este geriu a coisa pública no Maranhão, pois o domínio da parentela das famí-
lias Burgos, Bruce e Belfort era de tal modo forte que gerou lutas intrafami-
liares, resultando na chamada «Guerra dos Três Bês»76. Estas lutas pelo poder
político no período da independência no Maranhão mal tinham começado. No
seio da própria Junta houve o rompimento de José Félix Pereira Belfort de
Burgos com o coronel Luís de Sá Moscoso, o primeiro mandando prendê-lo
sem êxito, pois o coronel evadiu-se, amotinou o povo no largo, e depôs José
Félix Pereira Belfort de Burgos do cargo, nomeando um novo governador.
Entretanto, Burgos volta ao cargo em 1824, com a anuência do imperador.
Logo que a junta foi eleita, imediatamente foi contestada pelos opositores. Na
terceira Junta provisória eleita reaparece a família Belfort, no caso Sebastião
Gomes da Silva Belfort como vice-presidente e seu primo Antônio de Sales
Belfort na presidência. Sebastião Gomes da Silva Belfort já havia assinado
o termo de adesão à causa portuguesa, em proclamação de 8 de fevereiro de
1823. Entretanto, quando percebeu que seus interesses não frutificariam, ime-
diatamente mudou de posição em favor da causa dos independentes.
Nestes posicionamentos conflituosos, importantes comerciantes «portu-
gueses» e figuras políticas foram demitidas de seus cargos e/ou expulsas da
província, modificando expressivamente a correlação de forças na política,
uma vez que a administração foi reorganizada com boa parte das elites da
região do Itapecuru que antes haviam sido excluídas da vida pública. As lutas

Antônia da Silva Mota, As famílias principais: redes de poder no Maranhão colonial, São
73 

Luís, Edufma, 2012, p. 162-163.


74 
Seu filho, José Vicente Freire Bruce formou-se em Leis na Universidade de Coimbra em
1822.
75 
Formado em Cânones em 1802 na Universidade de Coimbra.
76 
Mário Martins Meireles, História do Maranhão, 2.ª Edição, São Luís, Fundação Cultural
do Maranhão, 1980, p. 89-110.
A imprensa e o Vintismo no Maranhão, Brasil (1820-1823):
39
«por hum Jornal Conhecem os Povos os Governos…»

em torno do poder local acirravam os ânimos no processo de adesão do Mara-


nhão à Independência entre as famílias mais poderosas da região. As várias
Juntas que se formaram não resistiram a estes conflitos. Na última (1823-1824)
estavam Miguel Inácio dos Santos Freire e Bruce77, reeleito, e Joaquim Vieira
Belfort entre outros. Esta fase também conhecida como «Brucinada» revelou
a face mais «perigosa» das fações que se formaram na sociedade maranhense.
Miguel Inácio dos Santos Freire e Bruce78 assumiu em 7 de agosto de 1823
a presidência da Junta Governativa e Provisória Constitucional, e manteve-se
no cargo através da eleição de 25 de dezembro de 1823. Pouco depois, foi des-
tituído e preso pelo governador de armas Capitão-Mor, Rodrigo Luís Salgado
de Sá Moscoso, sob a acusação de ser «republicano». Em 17 de fevereiro de
1824, retomou o cargo e mandou prender e expulsar para o Rio de Janeiro
Rodrigo Salgado Moscoso. Quando assumiu o governo, entre suas primeiras
medidas estava a expulsão de todos os «europeus» da província79.
Neste contexto de turbulência política o antilusitanismo emergiu como
pano de fundo no debate político e perdurou ao longo de Oitocentos no Mara-
nhão. «Ser brasileiro» deu-se como construção histórica, por oposição a «ser
português». Esta identidade por contraposição foi utilizada como arma polí-
tica poderosa, gerando nesse período normas e leis de controle e vigilância
dos estrangeiros. O que nos mostra em que medida se deu a construção da
liberdade até à Independência, em 1822, e como esta questão permeou a vida
política dos primeiros anos do Brasil emancipado e desembocou no Sete de
Abril de 1831, data da Abdicação de D. Pedro I80.
A população branca era maioritariamente de origem portuguesa e os prin-
cipais postos administrativos da Província eram ocupados por portugueses81.

77 
De família de origem escocesa que se estabeleceu no antigo Estado do Grão-Pará e
Maranhão.
78 
Padre Domingos Cadáville Veloso, conhecido como padre Cascavel. Fugido da província
em 1824, após um sermão considerado ofensivo para a administração provincial, escreveu diversos
panfletos contra a administração de Miguel Bruce. Foi o autor das primeiras denúncias contra
Bruce, utilizadas como argumento para a sua deposição. No Rio de Janeiro, escreveu diversos
panfletos sobre o Maranhão, dentre os quais Bruciana, época horrível no Maranhão (1825) faz
um quadro minucioso da situação política da província.
79 
Domingos Cadáville Velloso, Bruciana, época horrível no Maranhão, Rio de Janeiro,
Tipografia Nacional, 1825, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
80 
Gladys Sabina Ribeiro, A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos anti-
lusitanos no Primeiro Reinado, Rio de Janeiro, FAPERJ/Relume Dumará, 2002.
81 
Lord Cochrane, Bando. No impresso Cochrane concede amnistia geral aos delitos políticos
e manda os culpados ou chefes para Justiça da capital do Império. Maranhão, 5 de fevereiro
de 1825. Biblioteca Pública Benedito Leite-BPBL. Man- 298. M-AA.G-2.E-13. 1 fl. Impressa.
40 Maria Bertolina Costa

Movimentos como a Setembrada (1831) e a Balaiada (1838) tinham esta ques-


tão no cerne de suas reivindicações.
Uma sucessão de enfrentamentos políticos marca a conjuntura. O Gover-
nador de Armas Tenente Coronel José Félix Pereira de Burgos é deposto, mas
retoma o cargo quatro dias depois, prendendo Burgos e enviando-o para a
Corte. Enfim, foi definitivamente deposto a 25 de dezembro de 1824, por
determinação de Lord Cochrane82. Paralelamente, nas cinco Juntas Provisórias
de Governo formadas para administrar a província, antes e depois da adesão
das elites maranhenses à independência, a família dos Belfort, fez-se também
representar por um dos seus mais influentes membros, Sebastião Gomes da
Silva Belfort.
Por fim, verificamos que o governador da província engendrou a «adesão»
ao Vintismo (1821), antes que seus opositores a fizessem. Esse fato deu lugar
a diversos conflitos, assinalando os meses que se seguiram à declaração da
«fase constitucional» do governo. Este cenário político foi publicitado no jor-
nal O Conciliador do Maranhão 83. Este jornal tentou construir uma espécie de
pedagogia constitucional encarregada de relativizar a importância das eleições
e em evidenciar os benefícios da atual administração, que garantia a proprie-
dade e a «liberdade bem compreendida». Nesse sentido, o constitucionalismo
no Maranhão converteu-se mais tarde, assim, em separatismo. As parente-
las de grupos políticos rompem equilíbrios instáveis no primeiro momento
da Regeneração, manifestando-se abertamente a favor da independência, e
ao mesmo tempo que representavam os interesses dos grupos dominantes,
também submetiam seu poder ao plebiscito popular, demarcando assim o seu
espaço de atuação dentro do novo processo emancipatório.

82 
Documento suspendendo a autoridade do Presidente da Província Miguel Ignacio dos
Santos Freire e Bruce e nomeando Manoel Telles da Silva Lobo para o cargo de Vice-presidente.
Maranhão, 25 de dezembro de 1824. Biblioteca Pública Benedito Leite-BPBL. Man- 297.
M-AA.G-E. E-13. 1 fl. impressa.
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Biblioteca Pública Benedito Leite. Edital, 8 de abril de 1823. Manuscrito: 274, M-AA,
G-2, E-11. São Luís, Maranhão. Arquivo Ribeiro do Amaral.

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