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Ebook - O Mito

1) O documento apresenta uma coletânea de artigos sobre o uso de mitos, lendas e narrativas orais em atividades de letramento literário na sala de aula. 2) Os autores discutem como esses elementos da cultura podem ser empregados didaticamente para promover a formação de leitores e a aprendizagem literária de estudantes. 3) Cada capítulo propõe uma intervenção pedagógica diferente utilizando histórias míticas de origens diversas.

Enviado por

Jana Castro
Direitos autorais
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Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Ebook - O Mito

1) O documento apresenta uma coletânea de artigos sobre o uso de mitos, lendas e narrativas orais em atividades de letramento literário na sala de aula. 2) Os autores discutem como esses elementos da cultura podem ser empregados didaticamente para promover a formação de leitores e a aprendizagem literária de estudantes. 3) Cada capítulo propõe uma intervenção pedagógica diferente utilizando histórias míticas de origens diversas.

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O MITO

E OUTRAS HISTÓRIAS
DE ENCANTAMENTO
NA SALA DE AULA

Ideia – João Pessoa – 2022


Todos os direitos do organizador.
A responsabilidade sobre os textos são dos respectivos autores.

Capa/Diagramação: Magno Nicolau


Revisão: Janaína de Castro
Ilustrações da capa: www.istockphoto.com

Milton Marques – UFPB


Marcos Nicolau – UFPB
Roseane Feitosa – UFPB (Litoral Norte)
Dermeval da hora – Proling/UFPB
Helder Pinheiro – UFCG

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

M684 O mito e outras histórias de encantamento na sala de aula [recur-


so eletrônico] / Elri Bandeira de Sousa – Organizador – Dados
eletrônicos. - João Pessoa: Ideia, 2022.
2,8MB. PDF

ISBN 978-65-5608-246-2

1. 1. Mitologia e literatura. 2. Mitologia e educação. 3. Letra-


mento literário.4. Formação do leitor. I. Sousa, Elri Bandeira de.

C DU 292:82-343:37
Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Gilvanedja Mendes, CRB 15/810

EDITORA
www.ideiaeditora.com.br
[email protected]
SUMÁRIO

PREFÁCIO
MITOLOGIA, LITERATURA E EDUCAÇÃO .................................................... 7
PROF. DR. DORGIVAL GONÇALVES FERNANDES

APRESENTAÇÃO ................................................................................................ 13
PROF. DR. ELRI BANDEIRA DE SOUSA

AS ORIGENS MÍTICAS DA NOITE NA SALA DE AULA: O LETRAMENTO


LITERÁRIO E A FORMAÇÃO DO LEITOR .................................................... 16
BÁRBARA DANIANE MENDES MARQUES
DANIEL SOARES DANTAS
LUCIANA DA SILVA

MITOS E LENDAS INDÍGENAS: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O


LETRAMENTO LITERÁRIO NA EJA ............................................................... 42
MARIA REGILÂNIA DE OLIVEIRA GONÇALVES VARELA

MITO E POESIA NO CORDEL NORDESTINO: ENCANTAMENTO E


FORMAÇÃO DE LEITORES NO ENSINO FUNDAMENTAL ....................... 64
MARIA APARECIDA DE SOUSA CARDOSO
MARIA JOSÉ ABREU FERNANDES
YEDA ANGELINA VIEIRA CANUTO
ELRI BANDEIRA DE SOUSA

O MISTERIO DAS TREZE PORTAS NO CASTELO ENCANTADO DA


PONTE FANTÁSTICA: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO
DE LITERATURA ................................................................................................ 87
ALANNA RODRIGUES NERI CUNHA
MARIA ALVANY BATISTA
O NARCISISMO NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: RECORRÊNCIAS
E REINVENÇÃO DA AUTOESTIMA ............................................................. 102
ANTONIO ROMERO SIQUEIRA DODOU
MARIA DA CONCEIÇÃO SIEBRA
RAIMUNDA CALISTO DE BRITO

O REAL E O SOBRENATURAL NAS LENDAS SOBRE BOTIJA:UMA


PROPOSTA DIDÁTICA PARA ALUNOS DO 9º ANO ............................... 116
DAMIANA GALDINO DOS SANTOS
MARIA CARMELITA MIGUEL BRASIL

INDIVIDUALISMO, VIRTUDE E SUA CORRUPÇÃO EM JASÃO E


NARCISO: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA O 6° ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL .............................................................................. 133
FRANCISCO ANTONIO PEREIRA DE ARAÚJO

MITO E BELEZA: UMA PROPOSTA DE APLICAÇÃO DIDÁTICA PARA O


6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL ........................................................ 154
FRANCISCO JOSÉ HOLANDA
SARA JULIENE JACINTO TRAJANO
ELRI BANDEIRA DE SOUSA

A NARRATIVA MÍTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL II: UMA


PROPOSTA DIDÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO DA ORALIDADE
.............................................................................................................................. 175
JOSICLEIDE ODETE DOS SANTOS
MARIA DAS DÔRES PEREIRA RAMOS
MARIA DO SOCORRO DE ALMEIDA BARBOSA XAVIER

A NARRATIVA DE TRADIÇÃO ORAL NA SALA DE AULA: UMA


PROPOSTA DE INTERVENÇÃO COM A “LENDA DO PONTAL DA
SANTA CRUZ” ................................................................................................... 191
DALVA PATRICIA DE ALENCAR
SONIA MARIA DE MATOS

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES ........................................................ 206


O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 7

PREFÁCIO
MITOLOGIA, LITERATURA E EDUCAÇÃO

Este livro, organizado pelo Prof. Dr. Elri Bandeira de Sousa


e escrito na companhia de professores de Língua Portuguesa e
Literatura na educação básica, constituídos como grupo de estu-
dantes do Mestrado Profissional em Letras, na Universidade Fede-
ral de Campina Grande, campus de Cajazeiras-PB, tematiza, em
seus capítulos, o emprego de mitos e lendas nos processos de le-
tramento literário. Tais capítulos partem de reflexões e considera-
ções acerca dos mitos, em seu espectro universal e/ou brasileiro,
para, então, apresentarem possibilidades de intervenções didáti-
cas por parte de professores/as no processo de escolarização e
formação de alunos/as por meio do letramento literário.
Centrado no que a leitura deste livro me proporcionou en-
quanto Pedagogo, Professor de Filosofia da Educação, Formador
de Professores e leitor entusiasta de Literatura, destaco a sua
condição de artefato provocador de reflexões, aprendizagens e
sugestões de encaminhamentos didático-pedagógicos que podem
favorecer uma melhor prática docente e uma efetiva aprendiza-
gem discente. É dessa condição, primeiramente, que surge o âni-
mo para convidar professores/as, pesquisadores/as, discentes e
demais possíveis leitores/as, seja em função da sua formação ini-
cial ou contínua, seja em função do seu trabalho, a se beneficiarem
da leitura do livro a partir dos temas nele protagonizados, e que o
constituem: a mitologia, a literatura e a educação.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 8

Outro motivo que atesta a importância deste livro e anima


o convite à sua leitura é que na atualidade política, escolar e cultu-
ral brasileira, reflexões, discussões e proposições acerca da mito-
logia no processo de educação escolar, de modo geral, e de letra-
mento literário, de modo específico, ganham enorme relevância.
Isto por se constituírem enquanto necessidade e pertinência em
função da crise educacional (estrutural e conjuntural, de sentido e
forma) que nos atravessa e afeta de diversas maneiras e intensi-
dades.
Neste sentido, indagamos! Como e por que o trabalho do-
cente com os mitos, lendas e narrativas orais outras, em função do
processo de educação escolar e letramento literário, pode favore-
cer o processo de escolarização e formação humana na contempo-
raneidade? Qual a sua condição de possibilidade no tempo presen-
te? Uma das possíveis chaves de leitura para buscarmos respon-
der a essas indagações é compreendermos o modo como foi esta-
belecida a distinção entre as noções de conhecimento e de sabe-
res, negando-se a validade dos saberes (campo de produção de
cosmovisões e mitologias), até meados do século passado, quando
se dá a emergência da valorização e validação dos saberes.
O itinerário sobre a emergência do poder mobilizador dos
mitos como saberes explicativos do homem e da história, dos faze-
res e do desenvolvimento humano, e o seu descrédito, não-
validade, tem sido comum, na Modernidade, e descrito a partir da
seguinte sequência temporal e epistemológica, linear: no começo
era o nada, e eis que surgem o homem, o verbo e o mundo, e com
esses, os mitos; depois os mitos caem em descrédito com o nasci-
mento da filosofia; e a partir da filosofia, surge a ciência, carregada
de vontade de objetividade e neutralidade para explicar o homem,
seus fazeres e desenvolvimento.
A passagem do mito à filosofia. Eis um enunciado bastante
comum a configurar títulos ou tópicos de capítulos de livros sobre

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 9

a Filosofia, a História, a Literatura e a Pedagogia, referentes à His-


tória da Filosofia, Filosofia das Ciências, História da Literatura,
História da Pedagogia, História da Educação, Filosofia da Educa-
ção, etc. Tal enunciado busca explicitar que houve, na história oci-
dental, com o surgimento da filosofia na Grécia Antiga, por volta
do século V a.C., a superação e o aniquilamento do mito enquanto
possibilidade explicativa e produtora do mundo, do homem e do
seu desenvolvimento. A partir de então, a tradição, a religião, os
mitos e as lendas perdem autoridade explicativa, sendo substituí-
dos pelo poder explicativo do logos (BOTTER, 2012). Tal substi-
tuição vigorou até à emergência da Idade Média, na qual a função
explicativa do mundo e do homem, pautada na religiosidade, pas-
sou a caber à revelação divina, constituindo, conforme alguns his-
toriadores, a “noite de mil anos” ou a “idade das trevas”, na qual o
logos é substituído pela fé.
A filosofia e a emergência da ciência. A partir do Renasci-
mento, no século XIV, inicia-se o processo de soerguimento do
logos sobre a fé, consolidado com o advento do Iluminismo, no
século XVII. Assim, no raiar do século XVIII, a ciência moderna
começa a ser sedimentada, sob a perspectiva do “momento carte-
siano” no qual a espiritualidade é apartada do conhecimento, co-
mo assinala Michel Foucault (2010), iniciando-se a era da razão. A
partir de então, nada que não possa ser racionalizado, aferido,
cotejado, mensurado, comprovado por meio do método científico,
terá valor explicativo ou mobilizador para os homens entenderem
a si e a seu mundo. Neste caso, ainda que a filosofia não seja supe-
rada, perde status e sofre deslocamento no panteão do conheci-
mento. A seguinte indagação, um tanto recorrente nos dias atuais,
nos serve como exemplo de tal deslocamento: para que serve a
filosofia? No livro de Marilena Chauí (1997), Convite à Filosofia, no
capítulo introdutório, “Para que Filosofia?”, a filósofa tematiza tal

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 10

questão, assinalando que ninguém se pergunta para que matemá-


tica, física, geografia.
Na perspectiva acima assinalada, sendo o mito superado
pela filosofia e pela ciência, este será compreendido como sinôni-
mo de mentira, ilusão, trapaça, enganação, e cairá na marginalida-
de, na não-validade, no folclore (em sentido pejorativo). Este sen-
tido atribuído aos mitos, embora há tempos esteja em derrocada,
ainda tem alguma prevalência nos dias atuais. Assim, por exemplo,
ao se colocar a palavra mito, como descritor, na plataforma You-
Tube, é possível encontrar, entre outras, as seguintes chamadas:
“Entenda o mito da democracia racial”, “A low carb é perigosa pa-
ra os rins? verdade ou mito?”, “10 mitos sobre gravidez que você
precisa parar de acreditar”.
A crise da ciência moderna e a revalidação dos saberes, dos
mitos. A história moderna oficial sobre a produção e validação dos
conhecimentos, a partir de um itinerário linear, nos mostra a pro-
dução de um “depois dos mitos”, no qual a filosofia e a ciência o
fizeram sucumbir. E se os mitos não inauguraram um “depois”,
mas sim, o contínuo, o extemporâneo e o intempestivo, a comple-
mentariedade, para produzirem e habitarem o presente e o futuro,
usando “a força das asas que o passado tem” no transcorrer da
existência humana, criando o tempo, os acontecimentos e produ-
zindo “estórias que a História tece” (PEPETELA, 2016, p. 276)?
Em reposta a tal indagação, podemos ver que a história
moderna também nos tem demonstrado a produtividade dos mi-
tos em diversos campos do conhecimento, a exemplo da literatura
produzida por Shakespeare (sécs. XVI/XVII), da filosofia produzi-
da por Nietzsche (séc. XIX), da Psicanálise, criada por Sigmund
Freud, e da Psicologia Analítica, criada por Carl Gustav Jung, no
início do séc. XX. Todavia, é em meados do século passado, que a
ciência moderna passa a ser problematizada e questionada como
o único paradigma explicativo, produzindo-se a crise dos para-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 11

digmas científicos consolidados na Modernidade. Tem início, as-


sim, um movimento político e epistemológico de reabilitação dos
saberes, da cosmovisão dos diversos grupos étnicos e seus mitos.
Neste sentido, entre outros, destacamos como exemplo, o
trabalho do filósofo Michel Foucault com a sua arqueologia e a
genealogia do saber, o trabalho do sociólogo Boaventura de Sousa
Santos e a sua discussão sobre conhecimento prudente para uma
vida decente, o pedagogo Paulo Freire e a sua pedagogia dialógica,
o matemático Ubiratan D’Ambrósio e o seu trabalho com a etno-
matemática, Mircea Eliade e suas pesquisas no campo das ciências
da religião e da mitologia, o trabalho dos historiadores nos cam-
pos da “Nova História”, da “Escola dos Analles” e História Oral.
Esses pensadores, com diferentes intensidades, propiciaram mo-
dificações no modo de se conceber e praticar o currículo escolar,
bem como nas discussões curriculares sobre conhecimentos e sa-
beres que podem/devem contar como conteúdo do ensino escolar.
Sendo assim, ressalto a atualidade e pertinência deste livro.
Os seus capítulos, centrados na proposição de sequências didáti-
cas, ao versarem sobre mitos gregos, indígenas e africanos, lendas
brasileiras urbanas e indígenas, mito e poesia no cordel nordesti-
no, narcisismo na música popular brasileira, mito e beleza, narra-
tiva mítica, narrativa oral, formação de leitores, letramento literá-
rio, a partir dos quais são apresentadas propostas de intervenção
e de sequências didáticas, suscitando reflexões educacionais, con-
ferem possibilidades e potencialidades à melhoria do trabalho
docente, mitigando dificuldades de professores e alunos.

Prof. Dr. Dorgival Gonçalves Fernandes


Cajazeiras – PB, fevereiro de 2022.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 12

REFERÊNCIAS

BOTTER, Barbara. A pedagogia antes da pedagogia. In. OLIVEIRA, Paulo Eduar-


do de (Org). Filosofia e Educação: Aproximações e Convergências. Curitiba:
Círculo de Estudos Bandeirantes, 2012.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 9ª ed. São Paulo: Ática, 1997.

FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. 3ª ed. Tradução de Márcio


Alves Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

PEPETELA. Se o passado não tivesse asas. Lisboa: Dom Quixote, 2016.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 13

APRESENTAÇÃO

Esta obra surgiu de uma provocação feita pela professora


Maria Nazareth de Lima Arrais, à época vice-coordenadora do
Mestrado Profissional em Letras do CFP/UFCG – Cajazeiras/PB.
Eu ministrava um minicurso intitulado “O mito literário na sala de
aula”, quando a provocação surgiu e foi, de imediato, aceita por
professor e alunos. Era setembro de 2020. Enfrentávamos a pan-
demia do novo coronavírus e trabalhávamos no modo remoto.
Esta obra resulta, também, das produtivas e agradáveis discussões
sobre literatura e ensino que há algum tempo tenho com o colega
e amigo Marcílio Garcia de Queiroga, também professor da UFCG e
do citado Mestrado Profissional e Letras.
Os artigos que se seguem derivam, por fim, da convicção de
que eu poderia ampliar minha reflexão acadêmica sobre as rela-
ções entre mito e literatura, adaptando-a à sala de aula do Ensino
Fundamental e Médio. Todavia, fui um pouco além: alguns alunos
reivindicaram a produção de propostas de intervenção que con-
templassem “outras histórias de encantamentos”, como a lenda, o
cordel, a narrativa oral, etc. Atendi ao pedido, e logo eles mergu-
lharam na desafiadora tarefa da escrita dos artigos acadêmicos
que aqui se apresentam na forma de capítulos.
Este livro destina-se a professores do Ensino Básico. Em
geral, cada capítulo estrutura-se da seguinte forma: uma discussão
teórica e, a seguir, uma proposta de aplicação. Não raro, porém, a
discussão teórica antecipa, mesmo que modestamente, um exercí-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 14

cio de aplicação. Mas o viés analítico adotado não pode nem deve
ser o único a ser seguido pelo professor que se achar com este
volume em mãos.
Por outro lado, não proponho que o professor leve para a
sala de aula do Ensino Básico uma discussão com a complexidade
aqui formulada. É ele, o professor, que deve ter essa formação crí-
tico-teórica, que, pressuposta em suas atividades de ensino, dê o
fundamento necessário a seu trabalho de pesquisador e professor
de literatura.
Feitas essas ressalvas, segue-se um alerta: a teoria da lite-
ratura e a teoria mítica, ainda que ajustadas ao horizonte de ex-
pectativas do aluno do Ensino Básico, não são suficientes para o
êxito do professor. Os autores aqui citados por discutirem e en-
caminharem propostas sobre o ensino de literatura não podem
ser tomados como a última palavra no assunto. São referências
válidas e importantes pontos de apoio. Cada sequência didática,
oficina ou outra atividade resultou da “conversa” que se estabele-
ceu com esses autores, das discussões que se travaram no mini-
curso e da experiência profissional dos professores-alunos do Pro-
fletras, agora traduzida em sugestão de aplicação nos capítulos
que se seguem.
Faço aqui meus agradecimentos aos alunos do Profletras,
que aceitaram o desafio de participarem como autores de capítu-
los desta obra, e à Coordenação do Programa na UFCG/CFP – Caja-
zeiras/PB nas pessoas de Rose Maria Leite de Oliveira e Maria
Nazareth de Lima Arrais, pelo apoio e incentivo dados a esta inici-
ativa. Os agradecimentos vão, por fim, ao pós-doutor Dorgival
Gonçalves Fernandes, por aceitar, de forma tão gentil, o encargo
de prefaciar este livro. Para mim, é um orgulho tê-lo nesta parce-
ria, pois trata-se de profissional há anos dedicado à pesquisa, ao
ensino e a pensar as melhores e mais criativas formas de enfren-
tar os impasses da educação no Brasil.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 15

Na Introdução a seu encantador livro – Tudo o que precisa-


mos saber, mas nunca aprendemos, sobre mitologia – o historiador
norte-americano Kenneth C. Davis escreve o seguinte: “um dos
fatos mais tristes que constatei nesses anos – principalmente
quando visitei algumas escolas – foi que a curiosidade inata e in-
saciável que as crianças têm a respeito do mundo é totalmente
massacrada pelo tédio da escola”. Minha esperança é a de que este
trabalho, assim como tantos outros publicados por colegas da
Área de Literatura, possa ajudar a espantar o tédio e manter acesa
e criativa a curiosidade de nossas crianças e adolescentes.

Prof. Dr. Elri Bandeira de Sousa


Cajazeiras – PB, fevereiro de 2022.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 16

AS ORIGENS MÍTICAS DA NOITE NA


SALA DE AULA: O LETRAMENTO
LITERÁRIO E A FORMAÇÃO DO LEITOR
Bárbara Daniane Mendes Marques
Daniel Soares Dantas
Luciana da Silva

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresentamos uma reflexão sobre a media-


ção da leitura do Mito em sala de aula, tendo como exemplo três
versões da “Origem da noite” - grega, africana e indígena – na
perspectiva de construir o letramento literário, algo tão almejado
pelo Ensino de Literatura. Nesse sentido, este trabalho se justifica
pela necessidade de se mostrar um percurso metodológico para o
trabalho com Literatura em sala de aula, mais precisamente, fazer
uma análise comparativa entre textos míticos de culturas diversas
com uma mesma temática, na intenção de capacitar o aluno para
ler textos literários.
Dessa forma, esta proposta visa nortear o professor para
a mediação de atividades de leitura literária comparativa de mitos
que narram as origens da noite nas supracitadas culturas. Assim,
objetivamos apresentar uma sequência didática, fundamentada

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 17

nos estudos da mitologia e no letramento literário, como sugestão


de aplicação em atividades da mesma natureza, ou seja, a interface
mito e literatura na sala de aula. Para isso, fundamentamos nosso
trabalho nos estudos sobre mitologia de Prandi (2001) e Machado
(2003) e na organização do trabalho sistematizado para o letra-
mento literário, de Cosson (2018).
Nessa perspectiva de ampliação dos estudos teóricos
sobre mito e letramento literário, adotamos a abordagem qualita-
tiva, de natureza básica, objetivando a descrição. Quanto aos pro-
cedimentos, adotamos a pesquisa bibliográfica, o que permitiu a
criação de uma sequência didática para a mediação da leitura dos
mitos escolhidos que tratam do surgimento da noite.
Diante do exposto, buscando unir teoria e prática, divi-
dimos este trabalho em duas partes: na primeira, de natureza teó-
rica, apresentamos os mitos em cada uma de suas culturas e le-
vantamos a seguinte questão: como esse conjunto de narrativas
entende e explica o surgimento das coisas? Na segunda parte,
construímos um modelo de sequência didática a partir da noção
de letramento literário de Cosson (2018). Nesse sentido, o traba-
lho permite, para além da reflexão, uma oportunidade de entrada
do mito como gênero literário na sala de aula conforme o plane-
jamento do que pretendemos para o ensino de literatura na esco-
la.

2 MITOS E CULTURAS

Em tempos remotos, bem antes de o ser humano ter co-


nhecimento da Filosofia, o mundo era explicado através de reali-
dades paralelas, relacionadas ao fantástico, ou seja, cada povo, de
acordo com suas tradições, sua imaginação e sua criatividade,
usava de relatos simbólicos para desvendar os fenômenos, narrar

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 18

o surgimento de deuses, heróis e outros personagens sobrenatu-


rais. Assim foram criados os mitos.
Em termos etimológicos, conforme Chauí (1994, p. 354),
mýthos, em grego, entre várias acepções, significa “palavra profe-
rida, discurso, narrativa”. É como narrativa que ele aqui nos inte-
ressa. Mas não se trata de qualquer narrativa. Grimal (2000, p.
46), embora fale em “sentido estrito”, vai além do contorno etimo-
lógico da palavra, demarcando melhor o seu campo de significa-
ção: “convencionou-se chamar ‘mito’, em sentido estrito, a uma
narrativa que se refere a uma ordem do mundo anterior à ordem
atual e destinada não a explicar uma particularidade local e limi-
tada (é a função da simples ‘lenda etiológica’), mas uma lei orgâni-
ca da natureza das coisas”. Enfim, o mito faz parte da cultura hu-
mana que o utiliza para explicar fatos que transcendem a existên-
cia comum. Vejamos mais um conceito de mito:

[...]o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimen-


to ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’.
[...] É sempre, portanto, a narrativa de uma ‘criação’: ele relata de
que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas
do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente"
(ELIADE, 2013, p.11).

Essa definição de Eliade aponta, igualmente, para uma


“ordem anterior” à atual, mas fixa o tempo mítico como sendo
“primordial”, como o tempo da “criação”. Percebe-se, então, que
não é correto associar mito a mentira ou fábula, já que a consciên-
cia mítica é uma tentativa autêntica de dar sentido ao mundo de
acordo com o estágio em que se encontra uma cultura. O mito con-
siste, portanto, em narrativas sobrenaturais da origem e da natu-
reza das coisas. Eliade chama-nos à atenção para o caráter sagra-
do desse gênero narrativo, pois o mito enquanto forma de explicar
ou entender o mundo é fundamentado na fé, na crença e não na

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 19

razão. É exatamente esse caráter sagrado do mito, cultuado atra-


vés dos rituais e cerimônias religiosas, que norteia as narrativas e
estabelece as fronteiras entre os padrões do que é benéfico ou
maléfico para a sociedade.
Além disso, o mito é atemporal, isto é, para a cultura a
que ele pertence, é uma narrativa que sempre existiu. Não sendo
datado historicamente nem obra de um autor individual, perma-
nece válido. Revivido nos rituais, escapa ao esquecimento, atuali-
za-se e fornece sentido para a vida cotidiana das pessoas e da co-
munidade.
Mesmo quando perde a conexão ritual com a vida con-
temporânea (como é o caso da mitologia grega que, na transição
da Antiguidade para a Idade Média, foi substituída pela mitologia
cristã), a mitologia encanta o homem moderno. Atualmente ga-
nhou bastante divulgação na mídia, pois há inúmeros desenhos e
filmes fundamentados nela, tais como Tróia, Hércules, Percy Jack-
son e o ladrão de raios, Imortais, Helena de Tróia (Mitologia Grega),
Thor, Vikings, O Senhor dos Anéis (Mitologia Nórdica), dentre ou-
tros.
A verdade é que não há sociedades sem mitos. Ainda que
sob outras perspectivas, o imaginário mítico permanece através
de estereótipos, imagens e comportamentos que são relevantes
para a sociedade e se disseminam largamente através da mídia,
corroborando com o pensamento do filósofo romeno Mircea Eli-
ade (2002), que afirma que uma das funções do mito é fixar mode-
los exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas
significativas. Nessa perspectiva, a sociedade fomenta a criação
dos arquétipos (modelos ideais que fazem parte do nosso incons-
ciente). Nas palavras de Jung,

Os arquétipos não são apenas impregnações de experiências típi-


cas, incessantemente repetidas, mas também se comportam empi-
ricamente como forças ou tendências à repetição das mesmas ex-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 20

periências. Cada vez que um arquétipo aparece em sonho, na fan-


tasia ou na vida, ele traz consigo uma “influência” específica ou
uma força que lhe confere um efeito luminoso e fascinante ou im-
pele à ação. (JUNG, 2000, p.109).

Surgem, assim, em nossa sociedade outros mitos, despro-


vidos do caráter sagrado, mas que despertam a curiosidade e ser-
vem de modelos para seus seguidores, que veem neles a represen-
tação do ideal, como por exemplo, os mitos dos grandes esportis-
tas, das estrelas de cinema, dos políticos, da música, dos super-
heróis.
É importante destacar que todos os povos têm suas mito-
logias. Algumas ultrapassaram limites temporais e geográficos,
como, por exemplo, a mitologia nórdica, a egípcia, a japonesa, a
hindu, a asteca, a iorubá, a greco-latina, entre outras. Normalmen-
te, no mundo ocidental, as pessoas têm mais contato com a mito-
logia grega. Mas esse contato varia de época para época, refletin-
do-se, inclusive, nas épocas literárias. É o que ocorre entre nós, no
Brasil: fundada pelos portugueses, a sociedade brasileira fala a
língua do colonizador e recebeu da Europa não só o cristianismo,
mas a ciência, a filosofia e a mitologia greco-latina. Isso não signi-
fica que as culturas indígenas e africanas não tenham seu peso na
nossa formação, embora reconheçamos que, nesse sincretismo –
forjado durante todo o processo de colonização – o europeu impôs
as linhas gerais do nosso caráter nacional, como a língua e a reli-
gião, na maior parte do território brasileiro.
Na sequência deste trabalho, após introduzir, brevemen-
te, considerações acerca das mitologias africana, indígena e greco-
latina, destacando o mito da origem da Noite em cada uma delas,
elaboraremos uma proposta de intervenção com esse mito para a
sala de aula.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 21

2.1 O mito para os povos africanos

Apesar de não ser tão difundida quanto a mitologia greco-


latina, a mitologia africana, trazida principalmente pelos povos
iorubás, incontestavelmente, é riquíssima, principalmente nos
aspectos que concernem à religiosidade. Pouco se sabe sobre os
deuses africanos, e há grandes equívocos e preconceitos em rela-
ção a essa mitologia. Sabe-se que Olorum é o deus supremo para
os africanos iorubanos, criador de todas as coisas existentes no
mundo, até mesmo de outras divindades. Há registro de mais de
quatrocentos deuses diferentes com características e significados
diversos que envolvem tanto a visão de mundo como as religiões
desses povos. Fica evidente que cada mitologia tem suas próprias
características representativas da crença de seus povos, e para
entendê-la é necessário tomar ciência de realidades diferentes.
Assim, também a mitologia africana requer o conhecimento de sua
natureza. Conforme Machado,

Compreender a mitologia africana passa pela necessidade de


apreensão de outras realidades. O ser humano não foi construído
de um único elemento da natureza. A construção de um ser síntese
do mundo, síntese de elementos universais. O pensamento africa-
no, destacadamente a mitologia, serve como reflexão para apro-
ximação ou reconciliação da cultura com a Ciência, com a Filosofia,
com a Psicologia moderna e com a vida, na elaboração de saberes
e fazeres e as práticas educacionais. (MACHADO, 2003, p. 6).

Nesse sentido, podemos perceber que o conhecimento


acerca de cada mitologia é importante para a desconstrução de
falsas interpretações que circundam essas narrativas. Cada mito-
logia tem suas explicações para o surgimento do mundo, dos he-
róis, das coisas, dos fenômenos e dos deuses. No Brasil, o catoli-
cismo, trazido pelo colonizador europeu, enraizou-se fortemente,
sendo imposto a índios e a negros escravizados, o que levou à vio-
Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 22

lenta negação da cultura desses povos, quando não, pelo menos


em parte, à destruição propriamente dita.
Segundo Candido (2006, p. 200), a própria língua geral, o
tupi-guarani, adaptado pelos jesuítas e falado em grande parte do
território nacional, foi proibida em São Paulo na segunda metade
do século XVIII. Sendo a língua o suporte maior de qualquer cultu-
ra, e sendo ela silenciada à força ou pela ausência de falantes, toda
a cultura que nela se originou e que dela depende tende a desapa-
recer ou, na melhor das hipóteses, a sobreviver na forma de frag-
mentos em um novo ambiente linguístico e social. O fato é que,
apesar desse violento e duradouro processo de colonização, muito
das culturas indígenas e, principalmente, afro-brasileira, resistiu e
permanece, seja assumindo formas sincréticas, seja recorrendo a
novas formas de existir.
Como sabemos, as religiões de matriz africana, como o
candomblé, derivaram das manifestações da mitologia iorubá.
Podemos citar, como deuses mais conhecidos desta mitologia:
Olorum (deus supremo), Oxalá (criador da humanidade), Ossaim
(Orixá das folhas), Ogum (Orixá da guerra), Oxóssi (orixá da caça),
Exu (Orixá mensageiro), Oxumaré (Orixá do arco-íris), Xangô (Ori-
xá da justiça), Oxum (deusa das águas doces), Iansã (orixá dos ven-
tos, tempestades e raios), Iemanjá (rainha do mar), Obá (represen-
tante da justiça feminina), dentre outros.
Um exemplo da mitologia africana é o mito da criação da
noite. Como dito anteriormente, cada povo tem suas crenças e
formas de explicar o surgimento dos fenômenos. Apresentaremos,
de forma resumida, com base na versão de Prandi (2001), como a
narrativa do surgimento da Noite é apresentada pelos africanos:
segundo o mito “Iemanjá salva o sol de extinguir-se”, só existia dia
no Ayê (a Terra). Eis que Iemanjá, o orixá de domínio da materni-
dade e de todas as águas, fez nascer Oxu (a Lua). Com o surgimen-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 23

to da lua, a noite passou a existir, e o sol, que iluminava incansa-


velmente a terra, agora poderia descansar no Orun (o Céu).
Percebemos, de acordo com a narrativa, que a ausência da
noite significava que não havia ordem temporal, que tudo era
apenas dia, fato esse que tornava a vida de todos os seres cansati-
va, inclusive a da estrela maior, o Sol. Sem a Noite, não havia con-
dições favoráveis para o descanso. Assim, na mitologia iorubá, o
mito da origem da Noite se relaciona com o mito do surgimento do
descanso. Há diferentes versões do surgimento da noite. De acor-
do com cada mitologia, ela surge em combinações distintas.

2.2 O mito para os povos indígenas

Os povos indígenas que viviam no Brasil antes da coloni-


zação, apesar de ainda hoje haver quem não os considere civiliza-
dos, eram muito organizados e resolvidos em relação aos traba-
lhos, crenças e ritos religiosos. Milhares de tribos habitavam nos-
so território na época em que Pedro Álvares Cabral aportou por
aqui, mas a tribo encontrada por ele foi a Tupiniquim, um grupo
que pertence à nação Tupi-Guarani.
O trabalho nas aldeias era dividido conforme a idade e o
sexo, e toda a produção era comunitária. As moradas eram ocas
construídas com barro, madeira e palha. A disposição das casas
formava um grande círculo no centro da aldeia, onde os índios
compartilhavam os alimentos e faziam suas cerimônias religiosas.
Assim como outras civilizações antigas possuíam suas crenças, os
nossos nativos também as tinham. Conforme Rios (2013, p. 12), a
maioria das populações nativas das Américas acreditava em um
criador supremo e divino e na possibilidade do contato humano
com entidades sobrenaturais por meio de visões e diversos rituais.
As poucas nações nativas que ainda sobrevivem no Bra-
sil fazem um grande esforço para que não se perca o que resta de

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 24

suas tradições. Os mitos e ritos indígenas foram, aos poucos, sen-


do desarticulados à medida que os jesuítas introduziam o Catoli-
cismo na Colônia, a partir de 1549, quando esses integrantes da
Companhia de Jesus, liderados pelo padre Manuel da Nóbrega,
chegaram ao Brasil. Fazia parte do esforço de conversão por parte
dos jesuítas o trabalho de negação dos mitos e rituais autóctones.
De acordo com Rios (2013, p. 12), “muitos mitos nativos foram
registrados por missionários cristãos, que recolheram as histórias
dos indígenas apenas para provar o quanto elas eram ‘erradas’”.
Segundo Wataghin (1998, p. 168-173), o mito “Mai Pitu-
na Oiuquau Ãna” - “Como a Noite Apareceu” – foi traduzido por
Couto de Magalhães a partir da narrativa oral de um nativo e pu-
blicado em seu livro O selvagem, em 1876. Esse e outros dois mi-
tos indígenas brasileiros foram traduzidos por Giuseppe Ungaret-
ti, para o italiano, e publicados na revista italiana “Poesia”, em
1946.
O mito conta que, no princípio das civilizações, era sem-
pre dia; a noite pertencia à Cobra Grande, que morava nas profun-
dezas das águas. Um dia, a filha da Cobra Grande casou-se com um
índio, mas exigia uma condição para que ela dormisse com ele:
buscar a noite no rio. Assim, três fâmulos são enviados até a Cobra
Grande, que entrega para eles a noite dentro de um caroço de tu-
cumã, advertindo-os de que não o abrissem. O barulho do cantar
de grilos e sapos que saía do caroço deixou os jovens curiosos, que
o abriram e, assim, do caroço de tucumã escapou a noite, e tudo
escureceu. Então todas as coisas do bosque começaram a se trans-
formar em animais. De sua casa, a filha da Cobra Grande sabia que
o caroço tinha sido aberto. Somente quando aparece Vênus, a úl-
tima estrela noturna, a filha da Cobra Grande separa o Dia da Noi-
te.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 25

2.3 O mito para os gregos

A mitologia grega é um conjunto de narrativas que já


circulavam oralmente desde o período arcaico, ou seja, bem antes
do surgimento da polis, da democracia e da filosofia. Embora os
filósofos tendam a negar os mitos, seus sistemas preservam algo
dessa forma de conhecimento como, por exemplo, a ideia de Cos-
mo, como sendo a ordem do Universo. Uma das primeiras formas
de negação dos mitos é atribuída ao siciliano Evêmero, um pensa-
dor da época helenista, do século IV-III a.C. Segundo Ruthven
(2010, p. 17-23), para o evemerismo os deuses eram nada mais
nada menos que mortais que viveram em época anterior e, em
razão de seus feitos extraordinários, foram deificados pelos ho-
mens. Desse modo, essa corrente de pensamento desmistificava a
religião primitiva, opondo-lhe o espírito crítico do racionalismo.
Não só a filosofia grega negou a mitologia. O cristianis-
mo também o fez, posto que se tratava de uma nova religião com
uma característica singular, herdada do judaísmo: o monoteísmo.
Porém, uma das formas de sobrevivência da mitologia greco-latina
foi a literatura. Desvinculadas dos rituais, as narrativas míticas
serviram de matéria para a epopeia, a tragédia e a poesia lírica
não só na Antiguidade, mas na Época Moderna e Contemporânea,
nas quais seus heróis ressurgem, mesmo que atualizados confor-
me os novos contextos e diferentes movimentos literários.
Como manifestação religiosa e de tradição oral, a mito-
logia grega era politeísta e exerceu forte influência na mitologia
romana, cujos deuses, embora com nomes próprios, tinham carac-
terísticas e funções semelhantes aos deuses gregos. Algo curioso
em relação aos deuses gregos é que muitos deles tinham uma apa-
rência semelhante à humana: a esse traço chamou-se antropomor-
fismo. Além da forma, os deuses tinham qualidades e defeitos,
temperamento, ira ou compaixão, que são próprios dos homens,

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 26

embora fossem imortais. Já o antropozoomorfismo definia os se-


res que eram semelhantes em parte aos homens e em parte aos
animais. Acreditava-se também que os deuses expressavam suas
emoções através dos fenômenos da natureza.
Antes do surgimento dos sofistas (séculos V e IV a.C.), a
religiosidade grega era muito intensa e, certamente, não era ques-
tionada. Acreditava-se que homens e deuses possuíam vínculos
afetivos tão estreitos a ponto de poderem conceber filhos. Um
exemplo disso foi Héracles (Hércules, para os romanos), filho de
Zeus e Alcmena, uma mortal esposa de Anfitrião (GRIMAL, 2000,
p. 205). Héracles era um herói, certamente o mais popular de to-
dos eles entre os gregos. Conforme Brandão (1987, p. 15), a etimo-
logia e a origem da palavra “herói” ainda não estão muito claras,
mas deriva do grego héros e significaria “o guardião, o defensor, o
que nasceu para servir”. Aqueles que são filhos de deuses com
humanos são semideuses. É preciso notar que nem todos os heróis
são semideuses. Aquiles e Enéias eram semideuses, mas Odisseu
(Ulisses, para os romanos), não o era, pois nascera de Laertes, rei
de Ítaca, e Anticleia, dois mortais. Na Odisseia, de Homero, Ulisses
é protegido por Atena e perseguido por Poseidon, deus dos mares
(HARVEY, 1998, p. 361-362).
Segundo Hesíodo (1996, p. 31-37), os deuses criaram
cinco raças: a de ouro, a de prata, a de bronze, a dos heróis e a de
ferro. Os homens da raça de ouro tinham a mesma origem que os
deuses e “como deuses viviam, tendo despreocupado coração”.
Apesar dessa vida paradisíaca que os homens levavam na Terra e
da proximidade com os deuses, estes moravam no Olimpo. Os con-
flitos entre deuses e homens só começam a surgir com a raça de
prata, que se recusava a fazer sacrifícios aos imortais e tiveram
prosseguimento com a raça de bronze, que vivia da guerra. Zeus
criou, então, uma raça “mais justa e mais corajosa”, a raça dos he-
róis, também chamados de semideuses. Estes desapareceram em

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 27

guerras como as de Tebas e a de Troia, mas foram honrados por


Zeus e receberam, como morada, no Hades, a Ilha dos Bem-
Aventurados, onde permanecem “de coração tranquilo”. Veio, por
fim, a raça de ferro, a mais fraca de todas e que corresponde ao
tempo do próprio poeta Hesíodo. Essa raça foi abandonada pelos
deuses que a castigaram com “tristes pesares”.
Depois da Titanomaquia, os deuses do Olimpo, sob o
comando de Zeus, passaram a dominar o Universo. Segundo Ver-
nant (2000, p. 35), “a vitória de Zeus não é só um modo de vencer
o adversário e pai Crono, é também uma maneira de recriar o
mundo, refazer um mundo ordenado a partir de um Caos, onde
nada é visível, onde tudo é desordem”. Nessa nova ordem, coube a
Zeus o Céu e “a preeminência sobre o universo”; a Posídon, o Mar;
e a Hades, o Mundo Subterrâneo (GRIMAL, 2000, p. 469).
Para além da partilha realizada por Zeus, cabe acrescen-
tar que cada um dos deuses tinha domínio sobre um elemento da
natureza. Zeus era o deus da luz, do raio e do trovão; Hera, a deusa
da maternidade e protetora das mulheres casadas; Poseidon, o
deus dos mares e dos terremotos; Atena, a deusa guerreira e da
sabedoria; Ares, deus da guerra; Hefesto, o deus do fogo; Afrodite,
a deusa do amor; Apolo, deus do sol, da claridade, da harmonia, da
música e das artes; Ártemis, deusa da caça, da vida selvagem e da
lua; Deméter, deusa da terra cultivada e do trigo; Dionísio, deus da
vegetação, do vinho, do êxtase, do entusiasmo e da fecundidade
animal e humana; Hermes, o deus mensageiro dos deuses. Acredi-
tando que os fenômenos naturais estavam diretamente ligados ao
plano sobrenatural, os gregos cultuavam seus deuses com a oferta
de sacrifícios e rituais religiosos.
Um mito pouco conhecido, mas de grande importância, é
o da noite, representado pela deusa Nyx. Segundo a mitologia gre-
ga, Nyx é filha do Caos. Antes, somente ele existia, e foi o desejo
dele em ter uma companhia que o fez gerar a Noite. A deusa da

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 28

escuridão e do mistério deu origem ao Éter e ao Dia, ao Sono, aos


Sonhos, à Sorte, ao engano e dela saíram as tecelãs da morte: o
Céu (Urano) e a Terra (Gaia). Além desses filhos, Nyx teve muitos
outros, dela surgiu a luz e é ela quem tem o controle do Sol e da
Lua. A noite representa a incerteza, a inconsciência e a obscurida-
de, mas, também, é ela a responsável pela fertilidade da terra e
pela germinação das sementes. É Nyx quem controla os intervalos
entre luz e escuridão para dar equilíbrio à vida em Gaia.
Pensando nos mitos que narram a origem da Noite, vale a
pena convocar para essa discussão as definições de Eliade (2000,
p. 25-26) a esse respeito. Esse pesquisador das religiões arcaicas
estabelece distinções entre mito cosmogônico e mito de origem. O
primeiro relata a criação do Mundo e funciona como “o modelo
exemplar para toda espécie de ‘criação’”. Quanto ao mito de ori-
gem, Eliade (2000, p. 26) o define da seguinte forma:

Todo mito de origem conta e justifica uma ‘nova situação’ – nova


no sentido de que não existia desde o início do Mundo. Os mitos de
origem prolongam e completam o mito cosmogônico: eles contam
como o Mundo foi modificado, enriquecido ou empobrecido.

No próximo tópico, veremos como os conceitos discuti-


dos até aqui e o letramento literário podem ser empregados numa
proposta de intervenção com o mito sobre a Noite nas três tradi-
ções aqui reunidas – a africana, a indígena e a greco-latina. O nos-
so propósito é oferecer uma alternativa às estratégias que mini-
mizam a presença do texto literário na sala de aula de Língua Por-
tuguesa do Ensino Fundamental.

3 O LETRAMENTO LITERÁRIO PROPOSTO POR COSSON

O ensino de literatura na escola tem ganhado espaço nas


discussões sobre formação do leitor, em virtude da necessidade de

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 29

se repensar, sobretudo no Ensino Fundamental, uma abordagem


literária que dê conta do trabalho com o texto para além do ensino
dos períodos ou estilos de época. Nessa perspectiva, inúmeros
autores se debruçaram a fim de fazer um levantamento conjuntu-
ral do cenário do ensino de literatura e traçar estratégias mais
eficazes para formar leitores críticos do texto literário, livrando-os
da visão esquemática oferecida pela maior parte dos livros didáti-
cos.
Nesse sentido, Rildo Cosson (2018) apresenta uma abor-
dagem metodológica que orienta o professor para o trabalho com
a literatura na perspectiva do letramento literário. Para o autor, a
escola precisa repensar o ensino de literatura de modo que o tra-
balho objetive, principalmente, levar o aluno a perceber o valor e
função social do texto literário. Corroborando com a proposta do
citado pesquisador, Paulino (2004) afirma que:

A formação de um leitor literário significa a formação de um leitor


que saiba escolher suas leituras, que aprecie construções e signifi-
cações verbais de cunho artístico, que faça disso parte de seus fa-
zeres e prazeres. Esse leitor tem de saber usar estratégias de lei-
tura adequadas aos textos literários, aceitando o pacto ficcional
proposto, com reconhecimento de marcas linguísticas de subjeti-
vidade, intertextualidade, interdiscursividade, recuperando a cria-
ção de linguagem realizada, em aspectos fonológicos, sintáticos,
semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento
histórico de produção. (PAULINO, 2004, p. 56).

Nesse propósito de formação do leitor literário, o profes-


sor precisa lançar mão de atividades que tratem dessas constru-
ções de sentido. Cosson (2018) sugere dois modelos sistematiza-
dos para ensinar literatura para a formação do leitor literário: a
sequência básica e a sequência expandida. Aqui, trataremos da
primeira sequência, a básica, para propor atividades com os mitos
da origem da Noite, segundo as culturas africana (mais precisa-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 30

mente dos povos Iorubá), indígena, e grega. A proposta de traba-


lho segue os quatro momentos propostos pelo autor: motivação,
introdução, leitura e interpretação.
Vejamos, a partir do quadro abaixo, a definição de cada
um desses momentos da sequência básica:

Quadro A: Sequência básica de Cosson (2018)


1 Motivação Momento de preparação para a análise da obra.
Nesta etapa são ativados os conhecimentos prévios
dos alunos por meio de questões levantadas acerca
do texto/obra que será lido.
2 Introdução Nesta etapa, o mediador/professor apresenta autor
e obra de forma geral, sem se deter a detalhes ínti-
mos da vida daquele.
3 Leitura Etapa em que o texto/obra é lido, com atividades
didáticas planejadas a fim de aprofundar o que está
sendo lido e construir o letramento literário. Aqui, a
leitura é intercalada com ações que promovam a
análise da obra em questão.
4 Interpretação Momento em que o aluno devolve, externaliza aqui-
lo que de mais significativo ficou da leitura realiza-
da. Nesta etapa, os sentidos são construídos de ma-
neira interna (pessoal) e externa (social).
Fonte: elaborado pelos autores.

Essa sistematização didática para o trabalho com a litera-


tura permite que o professor efetive a leitura com os alunos, in-
vestindo em atividades que aprofundem a discussão temática da
obra ou texto em questão. Para alcançar tal aprofundamento, to-
mamos como referência as habilidades constantes da Base Nacio-
nal Comum Curricular (BNCC, 2017), documento norteador para a
reelaboração dos currículos das redes e dos sistemas de escolas
públicas e privadas de todo o território nacional. Daremos ênfase,

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 31

na sequência didática proposta, às habilidades relacionadas ao


eixo leitura, no campo de atuação1 artístico-literário, que trata do
desenvolvimento do leitor literário com foco na fruição. Sobre
essa questão, vejamos o que diz o documento:

Para que a função utilitária da literatura – e da arte em geral –


possa dar lugar à sua dimensão humanizadora, transformadora e
mobilizadora, é preciso supor – e, portanto, garantir a formação
de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja capaz de se
implicar na leitura dos textos, de “desvendar” suas múltiplas ca-
madas de sentido, de responder às suas demandas e de firmar
pactos de leitura. Para tanto, as habilidades, no que tange à forma-
ção literária, envolvem conhecimentos de gêneros narrativos e
poéticos que podem ser desenvolvidos em função dessa aprecia-
ção e que dizem respeito, no caso da narrativa literária, a seus
elementos (espaço, tempo, personagens); às escolhas que consti-
tuem o estilo nos textos, na configuração do tempo e do espaço e
na construção dos personagens; aos diferentes modos de se con-
tar uma história (em primeira ou terceira pessoa, por meio de um
narrador personagem, com pleno ou parcial domínio dos aconte-
cimentos); à polifonia própria das narrativas, que oferecem níveis
de complexidade a serem explorados em cada ano da escolarida-
de; ao fôlego dos textos. (BRASIL, 2017, p.138).

Norteados pelas concepções teóricas acima discutidas e


pela BNCC, apresentamos, a seguir, um conjunto de atividades
organizadas a que Cosson (2008) chamou de sequência didática,
mais precisamente sequência básica, que tem por objetivo a análi-
se comparativa dos mitos, conforme adiantamos no tópico inicial
deste trabalho. Trata-se, pois, de uma proposta que visa tratar tais
mitos como literatura, pois é através da forma escrita que chega-

1
Os campos de atuação, de acordo com a BNCC (2017), são as práticas cotidianas
de uso da linguagem. No Ensino Fundamental, temos os seguintes campos de atua-
ção: jornalístico-midiático; atuação na vida pública; práticas de estudo e pesquisa;
artístico/literário. Neste artigo, enfatizamos o campo artístico-literário.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 32

ram até nós, mesmo que tenham origem na tradição oral de cada
povo.

3.1 Proposta de atividade: As origens da noite – mitologia e


diversidade cultural

A proposta de trabalho volta-se para o 6º ano do Ensino


Fundamental, podendo ser adaptada para outros anos dessa etapa
escolar. Aqui, optamos por fazer um estudo comparativo entre
mitos da cultura Iorubá (africana), indígena (brasileira) e grega.
Nesse sentido, trabalharemos, nas etapas da sequência básica,
com o estudo dos mitos2 da origem da noite em cada uma dessas
culturas, a fim de levar o aluno a perceber o valor da tradição oral
para os povos antigos, bem como as diferentes visões de mundo.

Quadro B: Motivação – 1ª etapa da sequência didática básica

Habilidade da BNCC
(EF69LP44) Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e
de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nes-
ses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades,
sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e his-
tórico de sua produção.

Tempo estimado: 2 aulas geminadas

2
Links de acesso aos mitos (na íntegra) mencionados nas etapas da sequência
didática:
Mitologia dos orixás, de Reginaldo Prandi:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11261
Contos e lendas da Amazônia, de Reginaldo Prandi:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13085
Nyx, mitologia grega: https://segredosdomundo.r7.com/nix-deusa-historia/

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 33

Descrição da etapa

Explique aos alunos que eles vão ler um conjunto de três mitos sobre a
origem da noite. Antes disso, discuta com eles a diferença entre o con-
ceito de mito e mentira. É importante que saibam que a palavra mito,
etimologicamente, não significa “mentira”, conforme vimos no tópico 2
deste trabalho.

Em seguida, pergunte aos alunos se eles já ouviram alguma história que


parecesse fantasiosa e sem respaldo científico. Caso eles não se manifes-
tem, comente algo sobre ciência e sabedoria popular. Construa, junto
com a turma, o conceito de mito e o afixe em algum lugar visível na sala
de aula.

Questione: “alguém aqui da sala saberia explicar de onde vem a noite?”.


Colha as falas dos alunos e instigue-os a tentar explicar esse fenômeno
da natureza. Elabore, ao final, um vídeo ou um mural com as explicações
da turma. Em seguida, faça uma eleição para decidirem qual a resposta
mais convincente. A ideia não é competir, mas mostrar que as explica-
ções míticas surgiam a partir das visões de mundo e valores que as pes-
soas possuíam.

Professor, caso tenha tempo, repita a atividade com outros fenômenos


naturais (chuva, calor, frio, etc.). Isso levará a turma à percepção de co-
mo as pessoas explicavam os fenômenos naturais ou sociais através dos
mitos, uma vez que nem se cogitava uma forma de explicação que se
pudesse chamar de “científica”. Você pode montar um dicionário ou
álbum ilustrado com as definições da turma.
Fonte: elaborada pelos autores

Esse primeiro momento consiste em ativar os conheci-


mentos prévios dos alunos e fazê-los manifestar o interesse pelas
leituras que estão por vir. O professor, por sua vez, deve ser bas-
tante dinâmico para instigar a turma a falar e conceituar. Deve,
ainda, conhecer sobre mito para aprofundar a discussão com os

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 34

alunos e, assim, tentar alcançar os objetivos da habilidade da


BNCC descrita no Quadro B. Desse modo, a etapa de motivação
cumprirá seu papel, que é o de preparar os leitores para a leitura.

Quadro C: Introdução – 2ª etapa da sequência didática básica

Habilidade da BNCC
(EF69LP32) Selecionar informações e dados relevantes de fontes diver-
sas (impressas, digitais, orais etc.), avaliando a qualidade e a utilidade
dessas fontes, e organizar, esquematicamente, com ajuda do professor,
as informações necessárias (sem excedê-las) com ou sem apoio de fer-
ramentas digitais, em quadros, tabelas ou gráficos.

Tempo estimado: 1 aula


Descrição da etapa

Nesta etapa, o professor fará uma apresentação das obras de onde serão
explorados os mitos sobre a origem da noite e os respectivos autores.
Nesse sentido, é importante dar preferência a livros*que possam ser
visualizados pelos alunos.

Apresente as obras Mitologia dos Orixás, Contos e Lendas da Amazônia e


o texto “Nyx, quem é? Origem, filhos e personificação da noite”, do portal
Segredos do Mundo R7. Aqui, ainda não é a leitura dos mitos propria-
mente dita, mas um primeiro contato com o objeto de estudo. Lance mão
de ações como: leitura das capas dos livros e dos elementos gráficos do
site, títulos dos livros; sumários, texto de apresentação, ilustrações das
obras (inclusive, se possível, leve os desenhos em tamanho maior).

Em seguida, fale sobre Reginaldo Prandi (biografia), autor dos livros e


apresente informações do site onde está o mito de Nyx. Se houver tempo
e condições logísticas disponíveis, apresente a entrevista com Prandi ao
Canal Futura, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=anGbwxO6Cug. Nesse vídeo, o
autor fala sobre mitologia e esclarece o sentido de crença. Além disso, é

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 35

uma oportunidade de a turma conhecer o autor.

Depois disso, leia os títulos dos mitos que serão explorados ao longo da
sequência:
1. “Iemanjá salva o sol de extinguir-se” (PRANDI, 2001, p. 391-
392).
2. “Do caroço de tucumã escapa a noite” (PRANDI, 2012, p. 23 –
31).
3. Nyx, quem é? Origem, filhos e personificação da noite”
( https://segredosdomundo.r7.com/nix-deusa-historia/).

Pergunte aos alunos o que esses títulos têm em comum e o que esperam
encontrar nas leituras. Ao final da discussão, sugira que, em casa, pes-
quisem outros mitos que tratem da mesma temática: a noite.

*No nosso caso, como não encontramos a origem da noite, segundo a Mitologia grega,
mostraremos o site de onde retiramos o texto.
Fonte: elaborada pelos autores

A etapa da introdução permite um contato do aluno com


as obras e com os autores. Sempre que for possível, leve a obra
original para a sala de aula. Estamos de acordo com Cosson (2018,
p. 60): “a apresentação física da obra é também o momento em
que o professor chama a atenção do aluno para a leitura da capa,
da orelha e de outros elementos paratextuais que introduzem uma
obra”. Desse modo, investir em livros da biblioteca da escola ou de
fácil acesso possibilita essa exploração anterior ao texto. Porém,
caso isso não seja possível por questões alheias, leve o texto im-
presso e comente a sua origem.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 36

Quadro D: Leitura – 3ª etapa da sequência didática básica

Habilidade da BNCC
(EF67LP38) Analisar os efeitos de sentido do uso de figuras de lingua-
gem, como comparação, metáfora, metonímia, personificação, hipérbole,
dentre outras.
(EF69LP44) Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e
de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nes-
ses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades,
sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e his-
tórico de sua produção.
Tempo estimado: 3 aulas
Descrição da etapa

Inicie o primeiro momento com a leitura dos mitos. Você pode variar a
leitura, usando as seguintes estratégias:
• Leitura compartilhada: cada participante da roda lê uma parte;
• Leitura silenciosa: recomendamos para uma segunda leitura, se
for o caso;
• Leitura no livro: o professor faz a leitura em voz alta, e os alunos
o acompanham com suas cópias ou exemplares;
• Audiobook: o professor grava previamente os textos, valendo-se
de efeitos sonoros, ritmo marcado e entonação. No dia da leitura,
leva os áudios e pede que a turma feche os olhos e se imagine
nos lugares da narrativa. Os alunos podem, ainda, acompanhar a
leitura enquanto escutam.

Feitas as leituras, converse com a turma sobre as primeiras impressões


de cada mito. Elabore questionamentos a fim de levá-los à percepção
das diferentes visões de mundo para cada povo. Faça-os perceber os
espaços das narrativas, símbolos (como a noite, por exemplo) e outros
elementos importantes que caracterizam cada cultura. Nesse momento
de questionamentos e avaliações apreciativas dos textos, fale acerca das
principais características do mito. Para isso, aprofunde-se no estudo

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 37

desse texto.

Outra estratégia importante é o reconto dos mitos. Esses textos vêm


passando de geração a geração por meio da oralidade até assumirem a
forma escrita nas sociedades letradas (que deixaram de ser ágrafas).
Para levá-los a compreender o percurso dessas narrativas, proponha o
reconto oral com os alunos da seguinte forma:
• Divida a turma em pequenos grupos e distribua um dos três mi-
tos para cada um deles;
• Solicite que elaborem, oralmente, o reconto do mito;
• Abra um círculo na sala para a escuta e apresentação de cada
grupo.

Após as apresentações, questione: a maneira de recontar é igual? O que


muda de uma recontagem para outra? Como a noite surge em cada um
dos mitos?
Construa um quadro comparativo com os três mitos e preencha-o, cole-
tivamente, de acordo com as impressões dos alunos.

Explore as figuras de linguagem presentes em cada um dos mitos. Antes


disso, certifique-se de que a turma já possui conhecimento prévio acerca
desse conteúdo. Caso não tenha, é uma oportunidade para trabalhar a
partir dos elementos conotativos dos mitos.

Fonte: elaborado pelos autores.

Na descrição e sugestão de etapas dessa proposta, inseri-


mos as atividades a título de sugestão, uma vez que o professor
pode, a partir dos exemplos citados, aprofundar essa estratégia ou
criar outras, focar em outros temas e enfatizar elementos para a
leitura e a construção do letramento literário. Como este artigo
pretende nortear o professor para a mediação de atividades de
leitura literária a partir da análise comparativa de mitos do sur-
gimento da noite em diferentes culturas, achamos por bem (e pela

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 38

extensão do trabalho) apresentar a sequência didática básica co-


mo protótipo para a criação de outras e, sobretudo, orientar o
mediador nas etapas da leitura.

Quadro E: Interpretação –
4ª etapa da sequência didática básica

Habilidade da BNCC
(EF69LP44) Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e
de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nes-
ses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades,
sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e his-
tórico de sua produção.
Tempo estimado: 1 aula.
Descrição da etapa

Retome a tabela comparativa que foi construída na etapa anterior. Faça


uma leitura analítica com os alunos, ressaltando as diferenças e seme-
lhanças entre os mitos lidos ao longo das aulas.

Para externalizar o que foi lido, lance mão de atividades que envolvam
arte e tecnologia. Você pode sugerir ilustrações dos lugares citados nos
mitos. Pode, ainda, investir em atividades de dramatização dos textos ou
releituras.

Fonte: elaborado pelos autores.

Essa etapa de devolutiva da leitura é vista por Cosson


(2018, p. 66) como o momento de externalização da leitura. O au-
tor afirma que “esse registro vai variar de acordo com o tipo de
texto, a idade do aluno e a série escolar, entre outros aspectos”.
Nesse sentido, é importante conhecer as habilidades dos alunos e
da turma, no geral, antes de propor qualquer ação.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 39

Como vimos, a organização para a mediação da leitura


consiste em valorizar o conhecimento prévio da turma antes
mesmo de iniciar o trabalho com o texto propriamente dito, moti-
vando os alunos a acolherem as leituras que estão por vir, através
de uma visão geral da obra e conhecimento do autor. Durante a
etapa de leitura, devem-se observar aspectos da natureza do texto
literário que contribuam para a formação do leitor de textos lite-
rários. Além disso, no momento de interpretação, o professor me-
diador precisa verificar as habilidades da turma para investir em
atividades que deem conta da expressão daquilo que de mais sig-
nificativo ficou da leitura realizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo das discussões aqui apresentadas, vimos que, de


acordo com os teóricos citados, os mitos fazem parte das culturas
humanas, que os utilizam para explicar fatos transcendentais à
existência comum, como o surgimento do universo e da própria
humanidade. Além disso, entendemos que os mitos devem ser
lidos e estudados em sala de aula para que o aluno compreenda
que imaginário e mentira diferem, que são estreitas as relações
entre mito e literatura. Podemos afirmar que na forma escrita
como o mito hoje se oferece, nós o acatamos como literatura, uma
vez que também se tornou littera, “letra”, e pode, portanto, ser
tomado como objeto do letramento literário.
Nessa perspectiva, apresentamos uma sequência didática
com atividades envolvendo os mitos da origem da noite, segundo
as culturas indígena, africana e grega. A proposta de trabalho foi
organizada em quatro momentos sistematizados: a motivação, a
introdução, a leitura e a interpretação. Cada etapa assegura e nor-
teia o trabalho docente para a construção do pensamento crítico
do aluno em relação às leituras feitas.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 40

Assim, esperamos que o trabalho desenvolvido possa ser


aplicado em sala de aula, sobretudo a parte prática aqui proposta.
Acreditamos que uma sequência didática, nesses termos, servirá
de subsídio ao docente de Língua Portuguesa e de Literatura, para
produção de outras sequências didáticas que motivem a leitura
literária em sala de aula e contribuam para formar leitores críticos
capazes de encontrar deleite na atividade leitora.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/Secretaria de Edu-


cação Básica, 2017.

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cação pela noite. 5 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos Pré-Socráticos a


Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994.

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2018.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6 ed. Trad. Pola Civelli. São Paulo: perspecti-
va, 2013.

GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. 4 ed. Trad. Victor


Jabouille. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

HARVEY, Paul. Dicionário Oxford de Literatura Clássica grega a latina. Trad.


Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

HESÍODO. Os trabalhos e os dias. Trad. Mary de Camargo Neves Lafer. 3 ed.


São Paulo: Biblioteca Pólen/Iluminuras, 1996.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 41

JUNG, Carl Gustav. O inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. Petró-


polis: Vozes, 2000.

MACHADO, V. Mitos afro-brasileiros e vivências educacionais. Secretaria


Municipal de Educação e Cultura (SMEC), Salvador-BA, 2003.

PAULINO, G. Formação de leitores: a questão dos cânones literários. Revista


Portuguesa de Educação, v. 17, n. 1, p. 47-62, 2004.

PRANDI, R. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

PRANDI, R. Contos e Lendas da Amazônia. Curitiba: A Página, 2012.

RIOS, Rosana. América mítica: histórias fantásticas de povos nativos pré-


colombianos. Porto Alegre: BesouroBox, 2013.
RUTHVEN, K. K. O mito. Trad. Esther Eva Horivitz. São Paulo: Perspectiva,
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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 42

MITOS E LENDAS INDÍGENAS: UMA


SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O
LETRAMENTO LITERÁRIO NA EJA
Maria Regilânia de Oliveira Gonçalves Varela

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, buscamos provocar reflexões sobre o trabalho


com a cultura indígena em sala de aula, principalmente quanto à
abordagem de textos que registram a cultura e as crenças desses
povos. Assim, selecionamos lendas e mitos da criação da natureza
e de elementos do universo que integram o livro didático EJA: 6º
ao 9º ano do Ensino fundamental: Língua Portuguesa: manual do
educador (SILVA; SILVA; MARCHETTI, 2013) e alguns suportes
digitais. Dessa forma, justificamos que é importante conhecer as
narrativas que construíram o imaginário desses povos e que tam-
bém alimentam o imaginário do povo brasileiro, incluindo-as em
uma proposta de trabalho com o letramento literário voltada para
alunos da EJA do Ensino Fundamental.
Assim, objetivamos, a partir das leituras de mitos e lendas
indígenas do folclore brasileiro, com uma sequência didática bási-
ca planejada e elaborada diretamente para o uso em sala de aula,
como um suporte pedagógico para a ação mediadora em aulas de

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 43

literatura, contribuir com a formação de nossos alunos como lei-


tores de literatura.
Nessa perspectiva, teóricos como Cosson (2019) nos dão
suporte sobre o letramento literário em sala de aula, e, pelos seus
exemplos, sugerimos uma sequência básica que tenha como norte
as habilidades previstas na BNCC para os anos finais do ensino
fundamental (BRASIL, 2018). Por sua vez, Silva; Silva e Marchetti
(2013) nos dão suporte imprescindíveis para alguns dos textos
lidos pelos alunos, e Bayard (2005), Eliade (1978) e Jabouille
(1994) fundamentam-nos sobre os conceitos de mito e lenda, te-
mas gerais do nosso trabalho.
Este artigo tem como procedimentos metodológicos uma
pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, cuja natureza é
básica e descritiva. Nesses limites, discutimos o conceito de mito e
lenda, assim como sua importância para os povos indígenas no
Brasil e no mundo, além de explicitar a concepção de letramento
literário adotada como suporte para a sequência básica proposta.
Inicialmente, discorremos sobre a importância dos mitos
para a humanidade, a sua transmissão oral de geração a geração,
especialmente em períodos históricos anteriores ao surgimento
da escrita, sem perder de vista o fato de que mitos também sur-
gem em sociedades não ágrafas. Interessam-nos, porém, neste
trabalho, aquelas narrativas primordiais que nos revelam a cria-
ção do universo, que nos dão conta das origens, segundo o olhar e
a imaginação primevos. Discutimos, a seguir, mitos e lendas na
construção de crenças indígenas, principalmente relacionadas à
criação do meio ambiente e de elementos universais. Nosso corpus
são algumas narrativas indígenas brasileiras, parte principal da
sequência básica, segunda parte deste trabalho, com sugestões
práticas para execução em sala de aula, objetivando o ensino-
aprendizagem de literatura mais eficaz.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 44

2 A IMPORTÂNCIA DOS MITOS PARA A HUMANIDADE

O homem, desde os tempos arcaicos, produziu explicações


para as origens das coisas através da mitologia. Ao que tudo indi-
ca, esse conjunto de narrativas perfaz as próprias bases de cren-
ças e tradições, que foram passando de geração a geração, através
da fala, da escuta e dos rituais. Muitos desses mitos e lendas pas-
saram ao domínio comum de muitas sociedades: perpassaram
séculos e ultrapassaram seus espaços de origem a ponto de se
tornarem universais. Outros transformaram-se no confronto com
a cultura dos colonizadores, de tal forma que, hoje, nem sempre
conhecemos suas origens. Apesar disso, Bayard (2005, p. 8) faz a
seguinte afirmação:

[...] É verdade que durante sua peregrinação, os contos se trans-


formaram; há a influência do meio, a alteração de certos fatos, la-
cunas que foram preenchidas e novos motivos surgiram, mas a
base da criação continua a mesma; as particularidades locais, mui-
tas vezes morais, fornecem preciosos ensinamentos sobre o povo
e sua maneira de pensar.

Os gregos, os romanos, os incas, os persas, os africanos, os


indígenas brasileiros e muitas outras civilizações têm suas lendas
e mitos para a explicação da origem do universo. Da mesma forma,
as religiões monoteístas. A Bíblia Sagrada do catolicismo e a do
judaísmo, por exemplo, narram como o Deus único criou todas as
coisas. Outras civilizações, sejam elas mesopotâmicas, egípcias ou
chinesas, têm também suas cosmogonias. Porque tudo se revela
como ensinamentos para serem seguidos ou imitados. Assim co-
mo as civilizações antigas, politeístas ou não, que aludiam aos
deuses para justificar seus atos e sentimentos, as civilizações mo-
dernas, herdeiras das antigas, atualizam suas divindades e as cul-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 45

tivam como fontes de orientação e vida prática. Nesse sentido,


Armstrong (2005, p. 9) confirma:

“A mitologia foi, portanto, criada para nos auxiliar a lidar com as


dificuldades humanas mais problemáticas. Ela ajudou as pessoas a
encontrarem seu lugar no mundo e sua verdadeira orientação.”

Conforme as palavras de Eliade (1978), o mito conta, atra-


vés de seres místicos, sobre a existência das coisas, tal qual temos
agora, seja o próprio universo, ou apenas parte deste. Quer sejam
a lua, as estrelas, o amor e o ódio, ou até mesmo vegetais e ani-
mais, todos têm sua veracidade através dos mitos, porque estes
explicam não somente a origem do Mundo e da vida, mas tudo o
que nos fez ser como somos hoje: mortal, sexuado, que se agrupa,
divide espaços, trabalha para viver e sobreviver, segue regras es-
tabelecidas para a convivência social. São parte do dia a dia e para
os povos indígenas, talvez mais que para os homens da sociedade
urbana, são essenciais, pois dizem respeito diretamente às suas
vivências e a seu modo de existir no mundo.
Descobrir como surgiu cada elemento que compõe o uni-
verso e a natureza faz parte da curiosidade humana. E a mitologia,
com sua sabedoria particular, cria uma lógica para dar sentido à
realidade que nos cerca. Assim compreendemos que o mito não é
algo falso, mas uma forma de verdade. Por isso, e por ser uma con-
trapartida aos rituais religiosos e crenças, é parte do sagrado.

2.1 Mitos e lendas nas culturas indígenas

Nas culturas indígenas, mitos e lendas explicam a existên-


cia das coisas, inclusive as leis da natureza. Essas narrativas re-
gem as suas comunidades, são responsáveis por rituais sagrados
que passam de geração a geração, como forma de cultuar a tradi-
ção e a permanência de cada um desses povos. Isto porque, para
Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 46

eles, os elementos da natureza representam as divindades, e so-


mente estas têm o poder sobre todas as outras coisas. Passado,
presente e futuro são sequências temporais asseguradas pelas
narrativas míticas e lendárias, vividas e revividas nos rituais reali-
zados conforme um calendário próprio. Conforme as palavras de
Jabouille (1994, p. 36-37)

[...] o mito é uma narrativa (com ação e personagens memoráveis),


cujo autor não é identificável (porque pertence ao patrimônio cul-
tural coletivo), que tem como tema o fundo lendário, étnico e ima-
ginário (com base na tradição), e que, ao ser geralmente aceito, se
integra num sistema, na maior parte dos casos religioso, e, muitas
vezes sob forma literária (oral ou escrita), agrupa-se e constitui-se
em mitologia.

Nos mitos criados pelos indígenas, todas as coisas têm uma


explicação para o seu surgimento: a lua, a noite, o sol, as estrelas, o
milho, a mandioca, a onça, a vitória-régia, e tudo o que para eles
precisa ser justificado. Além disso, os mitos e as lendas também
podem ser determinantes em algumas normas estabelecidas nas
organizações sociais da tribo, até mesmo naquelas que regem os
casamentos. Dessa forma, essa mitologia está relacionada às re-
gras da hierarquia na tribo, ao papel dos guerreiros, às funções da
mulher, aos rituais. Ou seja, à interpretação do lugar que pertence
a cada um na tribo.
É perceptível que a cultura indígena, especificamente no
Brasil, tem rituais religiosos marcantes e que são retratados nas
histórias que contam, no jeito como se vestem, se pintam, dançam
e, também, na maneira como se relacionam e vivem. Assim, para
os índios, a mitologia é patrimônio sagrado, de onde emana o po-
der de um deus, que norteia todas as coisas e fenômenos da natu-
reza. O que os mitos narram é o modelo de ações a serem imitadas

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 47

pelos homens. Como nos diz Bayard (2005), o herói transmite as


verdades de seu povo em favor de algo que necessita ser seguido.
No dizer de Brandão (2007), aquilo que se multiplica entre
pescadores, índios e camponeses, por exemplo, como suas histó-
rias, mitos e lendas, artes e doutrinas, multiplica-se pela simbolo-
gia e pela relevância para a vida dessas pessoas e dos grupos soci-
ais a que pertencem. Muitas dessas tradições vão resistindo ao
tempo, modificando-se e recriando-se, como parte do imaginário e
da história vivida. Dessa forma, retrataremos, no próximo tópico,
lendas que se tornaram parte da cultura de povos indígenas brasi-
leiros, as quais foram reproduzidas e recriadas e chegaram a mui-
tos de nós através dos livros didáticos em sala de aula.

2.2 Lendas indígenas do imaginário brasileiro

As lendas indígenas são contadas pelos adultos às crianças,


em respostas a muitos questionamentos. Quase sempre, de cunho
moral, elas narram fatos fantasiosos para explicar a criação de
algumas coisas, ou até mesmo para ensinar alguns valores huma-
nos e de convivência social. São parte do patrimônio cultural
mundial, mas seus estudos e propagação, aqui no Brasil, estão ca-
da vez mais limitados até mesmo nos espaços escolares. Quando
muito, as lendas são estudadas no mês de agosto, quando se co-
memora o dia do folclore.
Compartilhamos, todavia, da perspectiva de Souza (2011, p.
23), ao afirmar que

[...] as histórias lendárias são atemporais, o que elas contam pode


acontecer em qualquer lugar com qualquer um, aqui e agora, o que
torna possível à criança se identificar e relacioná-las à realidade.
Também as personagens existentes nessas histórias, são repre-
sentações efetuadas pelo homem, por milênios, e que representam

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 48

seus sentimentos mais profundos. As personagens lendárias pos-


suem características comuns nas crianças.

As lendas são contos que narram histórias localizadas, com


personagens que podem ser tanto humanas quanto animais, e que
são, em muitos casos, adaptadas ao povo, ao tempo e ao espaço. A
linguagem é acessível às crianças, pois a maioria surgiu como ex-
plicação, ensinamento e reflexão para elas. São histórias irreais,
são fantasias que não são falsas, porque, de algum modo, podem
ocorrer mesmo que de forma involuntária, posto que são proveni-
entes da imaginação humana. É preciso não confundir a mentira
com o imaginário. A mentira frauda a realidade de forma calcula-
da. Quanto ao imaginário, podemos distinguir daquela, nos seguin-
tes termos postos por Wunenburger (2007, p. 11):

...um conjunto de produções, mentais ou materializadas em obras,


com base em imagens visuais (quadro, desenho, fotografia) e lin-
guísticas (metáfora, símbolo, relato), formando conjuntos coeren-
tes e dinâmicos, referentes a uma função simbólica no sentido de
um ajuste de sentidos próprios e figurados.

Por essa definição, vemos que o imaginário não se reduz ao


mito e à lenda. Ele abrange um campo bem mais amplo que, no
entanto, não se confunde com o engano premeditado.
Os contadores ou narradores de histórias são responsáveis
pela sobrevivência da memória da tribo, uma vez que narram so-
bre os costumes, as experiências e os hábitos corriqueiros. Cabe a
eles a transmissão oral às novas gerações do conjunto de saberes,
do legado, enfim, o que identifica seu povo. Graças a essa trans-
missão, em parte preservada, apesar da colonização europeia dos
territórios americanos, essas tradições autóctones chegaram até
nós e se atualizaram na escrita literária, em áudios, em vídeos e
nas formas de documentação etnográfica.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 49

Algumas das lendas e contos mitológicos que compõem o


repertório indígena brasileiro são: a lenda da Iara, do Boitatá, da
Vitória-régia, das Estrelas, do Sol, da Lua, da Mandioca, etc. For-
mam um corpus, a nosso ver, bastante produtivo para o trabalho
em sala de aula, em várias disciplinas. A seguir, apresentaremos
algumas delas, posto que serão utilizadas como material na se-
quência didática construída conforme a concepção de letramento
literário sugerida por Cosson (2019).

3 O LETRAMENTO LITERÁRIO E A SEQUÊNCIA BÁSICA

Constantemente, o ensino da Literatura Brasileira é debati-


do em congressos e eventos. Os professores ora repetem as estra-
tégias de ensino do passado, ora buscam novas fórmulas para li-
dar com a resistência da leitura dos textos literários em sala de
aula. Atividades como fichas de leitura, relatórios, características
de autor e obra, seminários, etc., continuam sendo práticas cotidi-
anas em sala de aula de Língua Portuguesa. Não obstante, obser-
vamos, enquanto educadores, que muitas dessas práticas desesti-
mulam os alunos à leitura de obras integrais. Cosson (2019, p. 47)
nos alerta sobre isso, quando se posiciona afirmando que:

As práticas de sala de aula precisam contemplar o processo de le-


tramento literário e não apenas a mera leitura das obras. A litera-
tura é uma prática e um discurso, cujo funcionamento deve ser
compreendido criticamente pelo aluno. Cabe ao professor essa
disposição crítica, levando seus alunos a ultrapassar o simples
consumo de textos literários.

Ou seja, as práticas pedagógicas devem ser pensadas de


forma significativa, para que haja uma contribuição real para a
vida do aluno. As leituras literárias são fontes de conhecimento e
cultura e, para tanto, segundo Cosson (2019), é fundamental que

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 50

se tornem uma prática constante em sala de aula, que comecem a


partir do familiar para o desconhecido, do básico para o complexo,
do similar para o distinto, com o intuito de ampliar o repertório
do aluno. Sem esquecer que a escolha das obras e das práticas pe-
dagógicas de leitura na escola devem ter objetivos claramente de-
finidos.
Para fortalecer as práticas pedagógicas leitoras pelo viés do
letramento literário, Cosson (2019) elaborou dois tipos de se-
quência didática: a básica e a expandida. A básica é a que aborda-
remos nesse trabalho com as lendas indígenas, para que os pro-
fessores da EJA possam propor aos seus alunos do Ensino Funda-
mental. Dividida em quatro etapas, as duas primeiras são inter-
mediadas diretamente pelo professor no momento em que acon-
tecem; enquanto as últimas seguem ações propostas pelo profes-
sor, sem que o aluno deixe de ser o principal ator. As etapas estão
divididas assim:

• 1ª etapa – motivação – que consiste na preparação para a


leitura inicial, ou seja, ativação do conhecimento prévio;
• 2ª etapa – introdução – a apresentação da obra e do autor,
com suas características básicas;
• 3ª etapa – leitura – momento da mão na massa, de ler e
analisar a obra ou textos propostos pelo professor, na con-
cepção do letramento literário;
• 4ª etapa – interpretação – momento de externar o que foi
aprendido com a obra lida ou os textos lidos.

Essa estratégia didática fortalece o trabalho do professor


em sala de aula, porque orienta-o no processo de mediação da
leitura por parte do aluno, tendo em vista o objetivo maior de le-
vá-lo a um domínio crescente do literário propriamente dito. So-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 51

bre esse domínio, a BNCC, em uma de suas habilidades das práti-


cas de linguagem, não deixa dúvidas:

Para que a experiência da literatura – e da arte em geral – possa


alcançar seu potencial transformador e humanizador, é preciso
promover a formação de um leitor que não apenas compreenda os
sentidos dos textos, mas também que seja capaz de frui-los. Um
sujeito que desenvolve critérios de escolha e preferências (por au-
tores, estilos, gêneros) e que compartilha impressões e críticas
com outros leitores-fruidores (BRASIL, 2018, p.156).

Assim, o trabalho com a literatura deve ser uma prática de


encorajamento e estímulo, para que o professor, como mediador,
crie condições para que seus alunos façam escolhas conscientes e
se tornem protagonistas de uma nova história. Destarte, é preciso
conhecer as turmas, e, dentro desse contexto, a EJA tem muitas
particularidades, sendo uma delas a faixa etária diversificada. São
alunos que, muitas vezes, trabalham e estudam, por isso têm tem-
po limitado para leitura fora de sala de aula. É pensando nesse
grupo específico de alunos que explicitaremos, a seguir, uma se-
quência básica com algumas lendas indígenas, principiando pela
Lenda da Vitória-régia, do livro didático do aluno.

3.1 Sequência básica: mitos e lendas indígenas brasileiros na


EJA do Ensino Fundamental

O conto é um dos gêneros mais frequentes nos livros didá-


ticos do ensino fundamental. Assim, as lendas e mitos podem vir
também como exemplos de contos originados na tradição oral.
Para o 7º ano da EJA, contamos com o livro didático EJA: 6º ao 9º
ano do Ensino fundamental: Língua Portuguesa: manual do educa-
dor (SILVA; SILVA; MARCHETTI, 2013) que apresenta, além dos
gêneros canção e conto, mitos e lendas da cultura brasileira, na

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 52

Unidade 1 – meio ambiente, Capítulo 1 – O encantamento e a natu-


reza. Para enriquecer o trabalho com um pouco mais de cultura
indígena, apresentamos aqui uma sequência didática com outras
lendas e mitos que retratam um pouco mais da criação universal.

QUADRO 1 – 1ª etapa – MOTIVAÇÃO – Aguçando os


conhecimentos prévios dos alunos

Habilidade da BNCC
(EF69LP44) “Inferir a presença de valores sociais, culturais e huma-
nos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhe-
cendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as
identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o con-
texto social e histórico de sua produção” (BRASIL, 2018, p. 157).

Tempo aproximado: 2 h/a de 50 min.


Metodologia aplicada
Começar explicando aos alunos que a unidade e o capítulo do livro deles
é sobre o meio ambiente e a natureza, se for o caso da sua turma, e que
irão ler e estudar sobre lendas e mitos indígenas que tratam da origem
de elementos da natureza e de fenômenos naturais do universo, como o
sol e as estrelas.
Como são alunos da EJA, o professor deve questionar: “O que é lenda e
mito?”; “Vocês conhecem algum exemplo?”; “Sabem o que é uma vitória-
régia?”; “Qual a importância dos mitos e lendas para os indígenas?”.
A cada lenda citada, criar um diálogo de interação entre todos.
Em seguida, o professor explica o que é lenda e mito, qual a importância
desses gêneros orais na cultura indígena, que hoje, chegam a todos nós
por meio da escrita.
É imprescindível que eles percebam que as lendas e mitos cumprem a
função de fortalecer a cultura das tribos, que são instrumentos de expli-
cação dos fenômenos naturais e que, nas sociedades arcaicas, não se
produzira uma forma de conhecimento análogo à da ciência moderna.
FONTE: elaborada pela autora.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 53

A motivação é uma estratégia pela qual o professor busca


atrair a todos os alunos para a realização das leituras sugeridas.
Nesse momento, os alunos podem demonstrar, espontaneamente,
o que sabem e o que desconhecem. É primordial que o professor
conheça bem os mitos e as lendas com que pretende trabalhar,
que seja ativo e criativo em sua proposta, formulando perguntas
objetivas que sugiram respostas reflexivas. Essas são as condições
preliminares para que seja contemplada a habilidade acima citada,
proposta pela BNCC.

QUADRO 2 – 2ª etapa – INTRODUÇÃO – Falando sobre


os textos, obras e autores

Habilidade da BNCC
(EF69LP46) “Participar de práticas de compartilhamento de leitu-
ra/recepção de obras literárias/
manifestações artísticas, como rodas de leitura, clubes de leitura, even-
tos de contação de histórias,
de leituras dramáticas, de apresentações teatrais, musicais e de filmes,
cineclubes, festivais de
vídeo, saraus, slams, canais de booktubers, redes sociais temáticas (de
leitores, de cinéfilos, de
música etc.), dentre outros, tecendo, quando possível, comentários de
ordem estética e afetiva
e justificando suas apreciações, escrevendo comentários e resenhas para
jornais, blogs e redes
sociais e utilizando formas de expressão das culturas juvenis, tais como,
vlogs e podcasts culturais
(literatura, cinema, teatro, música), playlists comentadas, fanfics, fanzi-
nes, e-zines, fanvídeos,
fanclipes, posts em fanpages, trailer honesto, vídeo-minuto, dentre ou-
tras possibilidades de
práticas de apreciação e de manifestação da cultura de fãs” (BRASIL,

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 54

2018, p. 157).

Tempo estimado: 2 h/a de 50 min.


Metodologia aplicada
Neste momento, o professor deve sugerir aos alunos uma visita à biblio-
teca, antecipadamente, organizada com cadeiras em círculo.
Procurar obras que se relacionem a mitos e lendas, mesmo que estas
não sejam de cultura indígena, deixando-as separadas para a visualiza-
ção dos alunos e possíveis leituras.
Com os alunos na biblioteca, deve-se pedir que peguem os livros e ex-
plorem as capas, o sumário, nomes de autores, ao passo em que expõe
alguns textos impressos selecionados previamente – no caso, lendas e
mitos indígenas.
Feito isso, falar sobre autores como Luís da Câmara Cascudo, um dos
maiores pesquisadores da nossa cultura oral, e também sobre algumas
de suas obras. Se possível, disponibilize-as.
Também é possível explorar um pouco sobre a mitologia grega, africana,
mas lembrando: o destaque é a cultura indígena. Com Datashow, exibir
um vídeo com uma lenda indígena brasileira.

Sugestão: “Lenda da Iara Sereia”, uma animação da Turma do Folclore


(2017);
Para ver em casa, e aprofundar a discussão sobre o tema, disponibilizar
pelo WhatsApp do grupo da turma o link para o vídeo O mito do indígena
preguiçoso e outras lendas1, uma entrevista de Daniel Munduruku ao
#arenavirtual, em 22 de abr. 2020. Nessa live-entrevista, o professor e
escritor indígena fala de seu trabalho com a literatura indígena, e as
tradições dos povos indígenas (VÁ LER UM LIVRO, 2020).

1
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=dtNBzEmTtoY&ab_channel=V%C3%A1lerumLi
vro Acesso em: 20 dez. 2020.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 55

Após isso, ler para os alunos o título das lendas que serão trabalhadas:
1. “A vitória-régia2” (SILVA; SILVA; MARCHETTI, 2013, p. 21);
2. “A lenda do umbu3” (SILVA; SILVA; MARCHETTI, 2013, p. 21);
3. “Mito Indígena do Sol4” (CRIANÇA GENIAL, 2011);
4. “Como surgiram as estrelas5” (LISPECTOR, 2014, p. 8)
Posteriormente, indagar sobre o que já era de conhecimento deles e a
expectativa das leituras.
Incentivá-los a pesquisar outras lendas indígenas para compartilhamen-
to em sala.
FONTE: elaborada pela autora.

A etapa da introdução é o momento de conhecer as obras,


autores, sumários, o corpo dos livros, por isso é tão importante a
visita à biblioteca e o contato com os livros e textos a serem lidos.
Conhecer os elementos que antecipam a leitura, como a capa, a
apresentação da obra também é uma forma de descobrir detalhes
que muitas vezes são imperceptíveis pelo leitor. Além disso, tam-
bém pode ser uma atividade coletiva de descobertas e de integra-
ção com o tema.

2
Lenda brasileira indígena de origem tupi-guarani, cuja planta é o símbolo da
região amazônica. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/lendas-regiao-
norte/ Acesso: 20 dez. 2020.
3
Lenda do Sul do Brasil, fala da origem do umbu, originária do ombu, palavra
guarani, que significa vulto ou sombra. Os indígenas acreditavam que árvores
solitárias pelo caminho eram habitadas por espíritos. Disponível em:
https://www.recantodasletras.com.br/artigos/3860727 Acesso em: 20 dez. 2020.
4
Esse mito é contado pelos Índios Tucuna, no Vale do Rio Solimões, Amazonas.
Disponível em: https://www.ufmg.br/cienciaparatodos/wp-
content/uploads/2012/06/leituraparatodos/Textos-Leitura-Etapa-3-e-4/e34_56-
mitoindigenadosol.pdf Acesso em: 20 dez. 2020.
5
É uma lenda contada pelos índios da etnia Bororo, no estado de Mato Grosso.
Provavelmente, deve ser repassada por outros grupos indígenas de outras etnias.
Disponível em: https://legado.educacaoeparticipacao.org.br/oficinas/como-
nascem-estrelas-uma-lenda-indigena-para-criancas/ Acesso em: 20 dez. 2020.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 56

QUADRO 3 – 3ª etapa – LEITURA – Ações de letramento


propostas pelo professor

Habilidades da BNCC
(EF67LP28) “Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionando
procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes objetivos
e levando em conta características dos gêneros e suportes –, romances
infantojuvenis, contos populares, contos de terror, lendas brasileiras,
indígenas e africanas, narrativas de aventuras, narrativas de enigma,
mitos, crônicas, autobiografias, histórias em quadrinhos, mangás, poe-
mas de forma livre e fixa (como sonetos e cordéis), vídeo-poemas, poe-
mas visuais, dentre outros, expressando avaliação sobre o texto lido e
estabelecendo preferências por gêneros, temas, autores” (BRASIL,
2018, p. 169).

(EF69LP34) “Grifar as partes essenciais do texto, tendo em vista os ob-


jetivos de leitura,
produzir marginálias (ou tomar notas em outro suporte), sínteses orga-
nizadas em itens, quadro
sinóptico, quadro comparativo, esquema, resumo ou resenha do texto
lido (com ou sem
comentário/análise), mapa conceitual, dependendo do que for mais
adequado, como forma de
possibilitar uma maior compreensão do texto, a sistematização de con-
teúdos e informações e
um posicionamento frente aos textos, se esse for o caso” (BRASIL, 2018,
p. 151).

(EF69LP46) “Participar de práticas de compartilhamento de leitu-


ra/recepção de obras literárias/
manifestações artísticas, como rodas de leitura, clubes de leitura, even-
tos de contação de histórias,
de leituras dramáticas, de apresentações teatrais, musicais e de filmes,
cineclubes, festivais de

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 57

vídeo, saraus, slams, canais de booktubers, redes sociais temáticas (de


leitores, de cinéfilos, de
música etc.), dentre outros, tecendo, quando possível, comentários de
ordem estética e afetiva
e justificando suas apreciações, escrevendo comentários e resenhas para
jornais, blogs e redes
sociais e utilizando formas de expressão das culturas juvenis, tais como,
vlogs e podcasts culturais
(literatura, cinema, teatro, música), playlists comentadas, fanfics, fanzi-
nes, e-zines, fanvídeos,
fanclipes, posts em fanpages, trailer honesto, vídeo-minuto, dentre ou-
tras possibilidades de
práticas de apreciação e de manifestação da cultura de fãs” (BRASIL,
2018, p. 157).

Tempo aproximado: 4 h/a de 50 min.


Metodologia aplicada
Preparar a sala em círculos. No primeiro momento, pedir aos alunos que
leiam as lendas pesquisadas, que também podem estar salvas no celular.
Essa é a hora de compartilharem suas pesquisas.
Em seguida, fazer a leitura das lendas “A vitória-régia” e “A lenda do um-
bu”, atividade que todos podem acompanhar através do livro didático,
ou, se não for o caso, através de cópias distribuídas de todos os textos
que devem ser lidos, incluindo na lista os do segundo momento, “Como
nasceram as estrelas” e o “Mito Indígena do Sol”.
Pedir, ainda, que façam leituras silenciosas dos textos, analisando as
diferenças e semelhanças, de forma individualizada, para que cada um
possa grifar partes importantes e escrever sobre suas impressões acerca
dos textos. É a hora da compreensão das leituras.
Sugerir algumas perguntas, que poderão ser respondidas de forma oral
ou escrita:
“Quem conta a história?”; “Onde se passa?”; “Quem são os persona-
gens?”; “Qual é o conflito da história?”; “Como termina?”.

Em um segundo momento, pedir que façam as leituras dos textos “Como

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 58

nasceram as estrelas” e o “Mito Indígena do Sol”. Dessa vez, duplas de


alunos, de forma voluntária, podem fazer a leitura compartilhada de
cada um desses textos. Terminada a leitura, é hora do debate em grupos
(de três alunos):
“O que foi entendido sobre cada um dos textos?”; “O que desencadeou
cada problema?”; “Como terminam as histórias?”.
Os alunos podem grifar os textos, fazer anotações, caso queiram.
Pedir que pensem outra forma de explicar o surgimento das estrelas e
do sol (escrito ou oral).

*É provável que eles percebam que os dois primeiros textos tratam de


elementos da nossa flora (plantas), e os outros tratam de elementos do
Universo (estrelas e Sol).
FONTE: elaborada pela autora.

Todos os passos dessa etapa são apenas sugestões que po-


dem ser reformuladas de acordo com a turma e com a necessidade
de aprofundamento para a concepção do letramento literário. Esta
proposta tenciona orientar o professor na sua tarefa de mediador
de leitura literária ou não literária, a fim de que os alunos possam
conhecer melhor a cultura de um dos povos que participaram da
construção da nossa história. Nesse sentido, vale anotar o que
afirmam Almeida e Queiroz (2004, p.251): “contar o mito é bata-
lhar pela sobrevivência do próprio povo”. Para nós, é também o
momento de fortalecer nossas raízes.

QUADRO 4 – 4ª etapa – INTERPRETAÇÃO –


Ações de avaliação da aprendizagem

Habilidades da BNCC
(EF69LP44) “Inferir a presença de valores sociais, culturais e huma-
nos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhe-
cendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 59

identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o con-


texto social e histórico de sua produção” (BRASIL, 2018, p. 157).

Tempo aproximado: 2 h/a de 50 min.


Metodologia aplicada
Fazer uma leitura de todos os textos e, em seguida, pedir que os alunos
se juntem, formando quatro grupos. Redistribuir os textos de forma que
cada grupo fique com um texto diferente.
Propor, a seguir, que cada grupo faça uma dramatização do seu texto
para depois apresentá-lo aos outros grupos, ou, caso seja pertinente,
que reescrevam o texto como se fossem os autores.
Terminar com um vídeo sobre a “Lenda do Negrinho do Pastoreio”,
também da Turma do Folclore (2019), para que eles também percebam
a contribuição dos povos africanos no folclore brasileiro e na construção
da nossa cultura.
FONTE: elaborada pela autora.

A etapa de interpretação é o momento de avaliar o que foi


apreendido pelo aluno, individual e coletivamente, a partir das
leituras feitas e de todas as atividades propostas nas etapas de
motivação e introdução. Conforme Cosson (2019, p. 66):

Na escola, [...] é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os


sentidos construídos individualmente. A razão disso é que, por
meio do compartilhamento de suas interpretações, os leitores ga-
nham consciência de que são membros de uma coletividade e de
que essa coletividade fortalece e amplia seus horizontes de leitura.

O professor, ao sugerir atividades de leitura que reforcem o


domínio dos temas contidos nos textos, estará compartilhando e
confrontando opiniões entre seus alunos, pois sabemos que have-
rá sempre várias maneiras de interpretar uma mesma história e
textos de quaisquer gêneros.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 60

É importante considerar criticamente todas as etapas da


sequência didática, pois, dependendo do desempenho da turma e
da faixa etária, talvez ela precise ser adaptada. Verificar o conhe-
cimento prévio dos alunos quanto ao tema proposto é, também,
imprescindível para a realização das outras etapas, uma vez que, a
partir dessa verificação, o professor introduz o momento de moti-
vação para as leituras das obras ou textos, que tem por objetivo
final a evolução do aluno no sentido de conquistar, passo a passo,
o letramento literário. Nesse sentido, é importante uma aproxima-
ção da turma com o material que vai ser utilizado nas leituras.
Como proposta sujeita a mudanças, entendemos como necessárias
as adaptações das atividades de compreensão e interpretação,
sempre que possível, para que todas as habilidades almejadas,
conforme a BNCC e aqui elencadas, sejam contempladas significa-
tivamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta apresentada neste artigo parte da compreensão


de que os mitos e lendas integram grande parte do nosso imaginá-
rio e, mesmo, da literatura oral e escrita, pois correspondem a
verdades e valores que chegaram até nós, através dos séculos e ao
longo de nossa história – do período colonial aos dias atuais. São
antigas narrativas que ainda nos oferecem uma leitura sobre a
vida, a origem do universo e da natureza, despertando a curiosi-
dade, a imaginação e o prazer estético.
Compreendemos que discutir sobre a cultura indígena é
reportar-nos aos primórdios da cultura dos povos que já habita-
vam o território brasileiro muito antes da chegada dos portugue-
ses. As lendas e os mitos que veiculam as nossas crenças mais an-
tigas devem ter seu lugar na sala de aula, nas estratégias que vi-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 61

sam ao letramento literário, o que, aliás, está consignado no mais


recente documento da área da educação básica – a BNCC.
Acreditamos que a sequência didática proposta neste arti-
go pode fornecer estratégias facilitadoras para aulas de língua
materna e literatura, além de explorar o senso crítico e estético
dos alunos, posto que cada etapa desta sequência é um passo com
vista ao letramento literário dos mesmos. Esta proposta procura
contemplar as sugestões de Cosson (2019) e o que orientam os
documentos oficiais.
Assim, apresentamos esta sequência para a sala de aula
como mais um incentivo ao trabalho com a leitura literária, na
esperança de que, a partir dela, outras venham a ser criadas. Afi-
nal, o trabalho do professor é sempre aprimorar suas estratégias
de ensino para a efetiva aprendizagem dos alunos. É preciso reno-
var a prática leitora, sem deixar de torná-la constante na sala de
aula ou fora dela. Leitor autônomo é uma das condições para que
tenhamos cidadão consciente.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Inês de; QUEIROZ, Sônia. Na captura da voz: As edições da


narrativa oral no Brasil. Belo Horizonte: A Autêntica; FALE/UFMG, 2004.

ARMSTRONG, K. Breve história do mito. Tradução de Celso Nogueira. São


Paulo: Companhia das letras, 2005.

BAYARD, Jean Pierre. História das Lendas. Tradução de Jeanne Marillier. [ver-
são para eBookLibris]. Ed. Ridendo Castigat Mores, 2005. Disponível em:
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/lendas.pdf>. Acesso em: 27 de jan.
de 2021.

BRANDÃO, C. R. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 2007.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 62

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular:


Brasília: MEC; CONSED; UNDIME, 2018. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&ali
as=79601-anexo-texto-bncc-reexportado-pdf-2&category_slug=dezembro-
2017-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 17 de nov. de 2020.

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2019.

CRIANÇA GENIAL. Folclore Brasileiro - Mito Indígena do Sol. Criança genial,


março de 2011. Disponível em:
<https://criancagenial.blogspot.com/2009/04/folclore-brasileiro-mito-
indigena-do.html#gsc.tab=0>. Acesso em: 26 de jan. de 2021.

ELIADE, M. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1978.

LISPECTOR, C. Doze lendas brasileiras: como nasceram as estrelas. Rio de


Janeiro: Rocco Pequenos Leitores, 2014. (e-book kindle)

JABOUILLE, V. Iniciação à Ciência dos Mitos. Portugal: Editorial Inquérito,


1994.

SILVA, C. de O.; SILVA. E. G. de O.; MARCHETTI, G. N. EJA: 6º ao 9º ano do Ensino


fundamental: Língua Portuguesa: manual do educador. 3. ed. São Paulo: IBEP,
2013. (Col. Tempo de aprender).

SOUZA, A. As Lendas Amazônicas em Sala de Aula: Apropriação da cultura e


formação sociocultural das crianças na interpretação do ser sobrenatural. Ma-
naus: Editora Valer, 2011.

TURMA do Folclore. Lenda da Iara Sereia: Turma do Folclore. 2017. (3m20s).


Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=gDEnVgMcJDA&ab_channel=TurmadoFo
lclore>. Acesso em: 26 de jan. de 2021.

TURMA do Folclore. Lenda do Negrinho do Pastoreio: Turma do Folclore.


2019. (4m00s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=gDEnVgMcJDA&ab_channel=TurmadoFo
lclore>. Acesso em: 26 de jan. de 2021.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 63

VÁ LER UM LIVRO. O Mito do indígena preguiçoso e outras lendas. Arena


Virtual, 2020. (47m48s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=dtNBzEmTtoY&ab_channel=V%C3%A1l
erumLivro>. Acesso em: 26 de jan. de 2021.

WUNENBURGER, Jean-Jacques. O imaginário. Trad. Maria Stela Gonçalves. São


Paulo: Edições Loyola, 2007.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 64

MITO E POESIA NO CORDEL


NORDESTINO: ENCANTAMENTO E
FORMAÇÃO DE LEITORES NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Maria Aparecida de Sousa Cardoso
Maria José Abreu Fernandes
Yeda Angelina Vieira Canuto
Elri Bandeira de Sousa

1. INTRODUÇÃO

Os mitos tendem a explicar os fenômenos ocorridos no


universo e nas sociedades arcaicas, nos tempos primordiais, seja
através da tradição oral ou escrita, das crenças, dos desenhos nas
cavernas, das esculturas, das pinturas, do modo de vestir, enfim,
no modo de agir humano. Os povos antigos encontraram nos mi-
tos a forma de ilustrar a sua própria realidade, a origem do ho-
mem, de suas tradições, os episódios naturais, os lugares, os espa-
ços, o universo.
Embora a ciência tenha desvendado muitos desses fenô-
menos, há todo um legado cultural com impregnação mitológica
cujas narrativas permanecem vivas, mesmo quando alteradas e
Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 65

adaptadas a novos contextos. Por isso, não faz sentido negar o va-
lor cultural dos mitos. Seus ritos desapareceram, mas seus perso-
nagens e ações mudaram para sobreviver primeiramente na lite-
ratura, no teatro, na canção e no imaginário popular. Hoje, é co-
mum encontrá-los a salvo do esquecimento também em dicioná-
rios e coletâneas de mitos, no cinema, na tv, na internet, nas artes
plásticas e em livros didáticos.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de in-
tervenção que contemple a leitura crítica do cordel Juvenal e o
Dragão, em comparação com o mito de Hércules e a lenda de São
Jorge, com apoio em algumas sugestões de Cosson (2019). Essas
duas últimas narrativas apresentam-se em diversas versões – em
livros, vídeos, desenhos, etc. Procedentes de uma longa tradição
oral, é natural que essas versões apresentem diferenças, em um
ou outro aspecto. Por essa razão, deixamos ao professor a escolha
daquela versão que melhor atender a seus objetivos.
A escolarização da literatura, prevista em documentos ofi-
ciais, respalda, em termos institucionais, a presença de gêneros
como o mito e o cordel em sala de aula. No caso desse último, além
de se poder trabalhar categorias analíticas como narrador, enre-
do, personagem, ação, etc., não se pode deixar à parte (como se
faz, frequentemente), a abordagem das formas tradicionais do
gênero como a sextilha, a setilha e a décima, o verso em redondi-
lha maior e o decassílabo, o ritmo, as imagens e a rima. Se utiliza-
mos o cordel como material didático capaz de nos levar ao mundo
das lendas, dos mitos e dos eventos históricos, é por que não igno-
ramos o fato de que esse gênero tradicional se renova sempre.
Conforme Sousa e Campos (2018, p. 332),

Se é pertinente enxergarmos no cordel uma forma de resistência


às ideologias externas, ao academicismo literário e ao modernis-
mo, não podemos negligenciar o fato de que se trata de gênero ra-
dicalmente aberto a todos e quaisquer temas, sejam os da tradi-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 66

ção, os da imaginação, os da história realística, os da crônica, os da


literatura acadêmica e, mesmo, os do cinema.

Para além do que está dito acima sobre o cordel e sua utili-
zação em sala de aula, pretendemos contribuir com os processos
de leitura e interpretação, fazendo uso de recursos convencionais,
alternativos e digitais e verificar de que modo o poeta popular se
apropria da mitologia clássica e cristã em obra de feitio popular.
De forma mais específica, objetivamos: a) levar o aluno a
compreender a mitologia como construção humana, histórica, so-
cial e cultural, de caráter dinâmico, reconhecendo-a como forma
ainda capaz de oferecer leituras do real e do humano; b) discutir
de que maneira o mito e a poesia universais atualizados nos cor-
déis podem despertar os estudantes para a valorização dos bens
culturais e históricos da literatura local; c) propor atividades com
o cordel Juvenal e o dragão, de Leandro Gomes de Barros, que con-
tribuam para que o aluno se familiarize com os elementos de
construção textual propriamente literários.
Pretendemos, com as atividades propostas, direcionadas
para as séries finais do Ensino Fundamental, e com apoio legal na
BNCC, contribuir, enquanto profissionais da educação, com a cons-
trução do letramento literário e o desenvolvimento de competên-
cias para o exercício da cidadania e para a fruição estética.
Acreditamos ser possível levar as discussões que faremos a
seguir a círculos de professores de Língua Portuguesa, a fim de
enfrentarmos, juntos, problemas da prática docente nessa área.
Cremos que trabalhos dessa natureza propiciem o fortalecimento
dos vínculos dos estudantes com a sua cultura e a compreensão
das relações entre esta e a cultura universal.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 67

2. MITOS E CULTURAS

Desde criança os mitos encantam a muitos de nós, ame-


drontam, fascinam, ensinam. Primeiro ouvindo, depois lendo e
ouvindo novamente essas narrativas sobre as origens, sobre seres
sobrenaturais e os seus feitos extraordinários. Estes seres foram
criados pela imaginação ou foram figuras reais que, com o tempo,
ganharam esse caráter sobre-humano? Históricos ou imaginados,
o fato é que pertencem à cultura das sociedades que os reverenci-
am e preservam sua memória.
Sem conhecermos, via de regra, os contextos em que os
mitos surgiram, resta-nos pensá-los como produto do imaginário
e confrontá-los com outras formas de conhecimento, inclusive a
literatura. Considerando, a partir de Mauss (1939), que o ilogismo
do mito é apenas aparente e que o mito tem uma lógica própria,
Detienne (1998, p. 203) afirma o seguinte:

Símbolo mediante o qual a sociedade se pensa e de onde proce-


dem, nas sociedades arcaicas, a moral, os ritos e a própria econo-
mia, a mitologia delimita o império das ideias inconscientes e ati-
vas; ela se identifica com o sistema simbólico que permite a co-
municação e nos põe em sintonia com formas de atividade, ao
mesmo tempo, nossas e outras.

Detienne sugere não haver fronteiras absolutas entre o mi-


to, a razão e as formas “marcadas” pela ciência e pela filosofia,
embora veja o mito mais pertinente ao campo do inconsciente. A
essas alturas, podemos nos perguntar: que dizer das relações en-
tre o mito e o “sistema simbólico” a que chamamos de literatura?
Sabemos que o sagrado se relaciona com o mito por meio
dos ritos. Ruthven (2010, p. 29) assinala que “os mitos não expli-
cam origens, mas preservam precedentes que justificam o status
quo: o mito é ‘uma garantia pragmática de fé primitiva e de sabe-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 68

doria moral”. Ocorre, porém, que o mito pode perder, com o tem-
po e com profundas mudanças sociais, sua relação com o rito e
com o sagrado. Mas pode sobreviver como literatura, o que nos
leva a supor que permanece como suporte de valores, inclusive
estéticos, para a sociedade. É o que se deu com a mitologia greco-
latina:

As religiões da Grécia e da Roma antigas desapareceram. As cha-


madas divindades do Olimpo não têm mais um só homem que as
cultue, entre os vivos. Já não pertencem à teologia, mas à literatu-
ra e ao bom gosto. Ainda persistem, e persistirão, pois estão de-
masiadamente vinculadas às mais notáveis produções da poesia e
das belas artes, antigas e modernas, para caírem no esquecimento.
(BULFINCH: 2002, p. 7).

A curiosidade e o deslumbre que os mitos causam já seri-


am suficientes para que sejam cultivados em sala de aula. Ruthven
(2010, p. 15) afirma que a mitologia “faz parte de um campo que
engloba uma variedade de ramos de conhecimento e disciplinas:
os clássicos, a antropologia, o folclore, a história das religiões, a
linguística, a psicologia e a história da arte”. Logo, como produto
da imaginação, como fonte de poesia e como objeto de diversas
ciências, nada mais natural que o mito, em estado puro ou em
forma literária, seja tomado como conteúdo escolar.

3. MITO E POESIA NA ARTE DO CORDEL

As origens da literatura de cordel remontam a Portugal e


seus trovadores. Conforme Abreu (1999, p. 21), há problemas,
quanto à forma e ao gênero, para se conceituar o cordel portu-
guês:

Não há qualquer constância em relação a esses aspectos: a litera-


tura de cordel abarca autos, pequenas novelas, farsas, contos fan-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 69

tásticos, moralizantes, histórias, peças teatrais, hagiografias, sáti-


ras, notícias... além de poder ser escrita em prosa, em verso ou sob
a forma de peça teatral.

Na Renascença, com a possiblidade de impressão em pa-


péis, a distribuição de textos foi possível, uma vez que, até então,
os versos eram apenas cantados. O gênero chegou ao Nordeste
brasileiro junto com os colonizadores portugueses, onde se trans-
formou e se adaptou em novo ambiente. Há que se ressaltar que,
no Brasil, o cordel assume as mais variadas temáticas, que vão de
histórias universais a histórias locais, mas a forma adotada é em
versos, organizados em estrofes regulares.
A literatura de cordel circula em todo o território brasilei-
ro, porém, lança raízes mais profundas nos estados de Pernambu-
co, Ceará, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte. Segundo Marinho
e Pinheiro (2012, p. 22), as características do gênero se definem
entre o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século
XX. Em 1893, Leandro Gomes de Barros começa a publicar seus
livros, sendo seguido por Francisco das Chagas Batista e João Mar-
tins de Athayde.
Com o passar dos anos, as capas dos folhetos contavam
com a xilogravura que, junto com o título, antecipavam uma ideia
da história narrada. Embora nem sempre os folhetos fossem ex-
postos em cordas, o nome cordel foi agregado ao gênero e ele as-
sim passou a ser chamado. Segundo o Dicionário Brasileiro de Lite-
ratura de Cordel (2013, p. 44), o termo foi empregado pelo pesqui-
sador francês Raymond Cantel “para designar os folhetos da lite-
ratura popular, vendidos nas feiras populares, pendurados em
pequenas cordas, cordinhas, cordões”.
Conforme já afirmamos, o cordel é um gênero aberto a
inúmeros temas: histórias de amor, aventuras fantásticas ou ma-
ravilhosas, batalhas entre guerreiros, trajetória de líderes religio-
sos ou políticos, façanhas de heróis e bandidos, fatos contemporâ-
Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 70

neos, fenômenos naturais (secas ou enchentes), conquistas espor-


tivas (Copa do Mundo), etc.
Obras que se tornaram verdadeiros clássicos da literatura
foram adaptadas aos cordéis. Citemos algumas por gênero ou te-
ma: romance: Iracema (Alfredo Pessoa de Lima), A escrava Isaura
(Apolônio Alves dos Santos), Menino de engenho em versos de cor-
del (Janduhi Dantas), Os miseráveis em cordel (Klévisson Viana);
epopeia e outras narrativas épicas: Os Lusíadas em cordel (Stélio
Torquato Lima), A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás (Leandro
Gomes de Barros).
Fatos e personagens históricos, artistas e atletas também
foram relidos pelo cordel: Zumbi dos Palmares: herói negro do
Brasil (Fernando Paixão), Antônio conselheiro: o revolucionário de
Canudos (João Firmino Cabral/Ronaldo Dória Dantas), Viagem aos
80 anos da Revolta de Princesa (Janduhi Dantas); Augusto dos An-
jos: o poeta do infortúnio (Manoel Monteiro), História Completa de
Lampião e Maria bonita (Rouxinol do Rinaré/Klévisson Viana),
História do Rei Pelé (Elias A. de Carvalho), Carta do Satanás a Ro-
berto Carlos (Antônio Teodoro dos Santos/Enéias Tavares Santos).
Outro filão importante do cordel são as fábulas, as lendas,
os mitos e os contos maravilhosos, sejam eles de origem brasilei-
ra, sejam universais. Aqui, podemos incluir aqueles cordéis que,
mesmo não recontando um mito, um conto, uma fábula ou uma
lenda, de algum modo filiam-se e um desses gêneros ou apropri-
am-se de alguns de seus traços. Citemos alguns: O Negrinho do
Pastoreio (Klévisson Viana), A lenda do guaraná (Rouxinol do Ri-
naré), Lenda da Vitória Régia (Gonçalo Ferreira da Silva), A cigarra
e a formiga (Manoel Monteiro), Viagem a São Saruê (Manoel Cami-
lo dos Santos), O gato de botas (Manoel Monteiro) e muitos outros.
Em Juvenal e o Dragão, cordel que se apropria da lenda, do
mito e do sobrenatural, Leandro Gomes de Barros (1865-1918)
conta as aventuras de Juvenal, um jovem cujo coração não mudou

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 71

após conquistar a riqueza. Com a morte do pai, o rapaz herda três


carneiros, deixa sua irmã aos cuidados do padrinho e viaja mundo
afora. Ao encontrar um estranho caçador acompanhado por três
cães, este lhe propõe uma troca desses animais pelos três canei-
ros, o que é aceito por Juvenal. Ao seguir viagem, Juvenal depara-
se com uma carruagem levando uma princesa para as garras de
um Dragão. O cocheiro conta-lhe a história: ele vinha de um reino
que ficava a cinquenta léguas de distância daquele local. A cada
ano, a “tirana fera” exigia que lhe fosse entregue uma das moças
bonitas daquele reinado. Dessa vez, a jovem a ser devorada era a
princesa. E o Dragão parecia invencível:

É impossível contar
A força que a fera tinha
Não respeitava princesa
Duque, nem rei, nem rainha
Devorou toda polícia
O exército e a marinha (BARROS, s/d, p. 8).

Foi então que se deu o ato de bravura do jovem e aventu-


reiro herói, que, com a ajuda de seus três cachorros, conseguiu
vencer o dragão e salvar não só a princesa, como todo o povo do
reino. Restava a Juvenal enfrentar outro tipo de inimigo: o cochei-
ro da princesa, que, doravante, tentava passar-se pelo herói da
façanha, com o objetivo escuso de ganhar a mão da donzela.
Três anos depois, Juvenal tem um sonho cheio de maus
presságios e resolve procurar o reino onde vivia a princesa que ele
salvara das garras do Dragão. Ao chegar a esse reino, toma conhe-
cimento de que a corte está em festa em razão do casamento da
princesa com o herói que a livrara da morte. Esse herói era o co-
cheiro impostor. “Cego de raiva”, Juvenal entra na cidade e declara
que o cocheiro é um mentiroso. Os soldados tentam prendê-lo,
mas Juvenal, auxiliado por seus cães, parte para o confronto:

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 72

Juvenal pulou pra trás


Bateu palma a seu cão
Partiu prá eles dizendo
Sou filho de outra nação
Ainda vindo o exército
Não me entrego à prisão (BARROS, s/d, p. 26).

Travou-se grande luta e, em menos de meia hora, Juvenal,


sem sofrer um só arranhão, matou diversos soldados. A notícia do
ocorrido chega ao rei com as seguintes palavras:

Ele conduz três cachorros


São três panteras iguais
O homem briga por dez
Pula mais que Satanás
Da sua espada sai fogo
Como os tachos infernais (BARROS, op. p. 27).

Juvenal conta a história verdadeira ao rei, que é confirmada


pela princesa. O cocheiro é desmascarado e punido pelo rei, que
ordena aos carrascos que o matem. Como se vê, a narrativa põe
em jogo temas como confiança, ambição, lealdade, verdade e men-
tira. No final, Juvenal casa-se com a princesa, e os cães, vendo que
a riqueza não mudara o coração do herói, revelam sua condição de
seres sobrenaturais:

Os cães eram encantados


Não podiam ter demora.
Se transformaram em três pássaros
Alvos da cor da aurora.
Disseram: - Adeus Juvenal!
Voaram, se foram embora (BARROS, s/d, p. 32).

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 73

O Cordel Juvenal e o Dragão pode ser confrontado, em al-


guns aspectos, ao mito de Hércules, mas também ao de outros he-
róis, como Teseu, que enfrenta o Minotauro na ilha de Creta, ou ao
de São Jorge, herói lendário cristão, que luta com o dragão.
Há inúmeros relatos e versões do mito de Hércules. Não
nos interessa, aqui, as variantes do mito nem sua atualização ao
longo do tempo. Importa saber, conforme Brandão (2014, p. 302-
305), que Hércules (Héracles, para os gregos), desde muito cedo,
demonstrava possuir força física descomunal, indisciplina e des-
controle. Cresceu desproporcionalmente e, já aos dezoito anos,
realizou sua primeira grande façanha, ao caçar e matar o leão do
Monte Citerão. Filho de Zeus com a mortal Alcmena, o herói passa
a ser o novo alvo da vingança de Hera, esposa de Zeus e protetora
dos amores legítimos. A deusa lançou contra Hércules o terrível
furor e a demência, que o levaram à insânia de matar os próprios
filhos.
Recuperada a razão, o herói procura o Oráculo de Delfos e
pede a Apolo os meios de se purificar de seu “crime hediondo”. As
palavras do Oráculo indicam que ele deve servir a seu primo Eu-
risteu, rei de Argos, durante doze anos. Os Doze Trabalhos são,
portanto, as provas a que Euristeu submete Hércules. Trata-se de
tarefas inexequíveis para qualquer homem comum. Mas o herói
conta com a ajuda dos deuses: “Hermes lhe deu a espada; Apolo,
os arcos e as flechas; Hefesto, uma couraça de bronze; Atená um
peplo e Posídon ofereceu-lhe os cavalos (BRANDÃO, op. cit., p
305).
De acordo com Chevalier e Gheerbrant (1998, p. 486), “se
considerarmos como de ordem psíquica e moral, por transposição,
os obstáculos dos quais ele triunfou, Héracles seria o representan-
te idealizado da força combativa: o símbolo da vitória (e da difi-
culdade da vitória) da alma humana sobre as suas fraquezas”.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 74

Diferentemente das inúmeras narrativas sobre o herói gre-


go, o cordel de Leandro Gomes de Barros nos apresenta Juvenal e
sua partida nas sete primeiras estrofes, sem oferecer detalhes so-
bre as origens e a formação do herói.
Como Hércules, Juvenal se caracteriza pela coragem e pela
força física. Em sua ação, também se verifica a dificuldade da vitó-
ria: após vencer o Dragão, com a ajuda de um de seus cães, que se
chamava sugestivamente Rompe-Ferro, ainda deve enfrentar,
tempos depois, a deslealdade do cocheiro. Diferentemente, porém,
do herói grego, que é um semideus (filho de Zeus com uma mor-
tal), ele é apenas um ser humano, assim como São Jorge, o herói
imortalizado pela mitologia cristã. Cabe observar que Hércules
recebe ajuda dos deuses, para que possa realizar seus trabalhos,
enquanto Juvenal recebe a ajuda de seus três cães, que são seres
sobrenaturais, “encantados”.

O moço era destemido


Com seus cachorros valente
Eles dois incorporados
Lutando com a serpente
Juvenal no ferro frio
E o cão fiel pelo dente.

Era um monstro sem feitio


De um corpo descomunal
Todo coberto de escamas
Mais duro do que metal
Tudo era mole na ponta
Do ferro de Juvenal (BARROS, s/d, p. 12).

Outros elementos da mitologia pagã entram na composição


das ações desse cordel de Leandro Gomes de Barros. Conforme
André Peyronie (1997, p. 866-875), Teseu, herói ateniense, além
de enfrentar e matar vários bandidos e vencer diversas disputas,

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 75

“se voluntaria (ou é escolhido por Minos) para ir a Creta onde, a


cada nove anos, eram dados ao Minotauro sete rapazes e sete mo-
ças como pagamento de um tributo”. Teseu mata o Minotauro e
leva consigo Ariadne, uma das filhas do rei, que por ele se apaixo-
nara, mas a abandona em Naxos. Por esse breve resumo de um
dos episódios do mito de Teseu, percebem-se as semelhanças en-
tre o herói ateniense e o do cordelista brasileiro.
No que diz respeito à simbologia cristã, basta que citemos o
funcionamento estético do número “três”, nesse cordel: são três os
cachorros encantados que ajudam Juvenal; são três anos de au-
sência do herói até seu reencontro com a princesa salva; e são três
os personagens que se envolvem de algum modo na luta contra o
Dragão: o próprio Juvenal, o cocheiro e a princesa. Mas, para além
do simbolismo da Trindade cristã, “o três é um número fundamen-
tal universalmente. Exprime uma ordem intelectual e espiritual,
em Deus, no cosmo ou no homem”; é um número perfeito e ex-
prime a totalidade, para os chineses; exprime o tempo: passado,
presente, futuro; por fim, entre outros significados, resume-se
“nas três fases da existência; aparecimento, evolução, destruição
(ou transformação) ou nascimento, crescimento, morte...” (CHE-
VALIER; GHEERBRANT, 1998, p. 899-902).
Juvenal é devoto do Deus da Bíblia, mas o enredo do cordel
gira em torno do salvamento da princesa, sendo o seu destino ca-
sar-se com ela. Já São Jorge tem sua figura construída pelo imagi-
nário cristão, desde a antiguidade até a época das Cruzadas, na
Idade Média. O mito do herói que vence o dragão, de origem pagã,
foi, todavia, utilizado pelos religiosos, conforme esclarece Propp
(1997, p. 312-313):

Esse é o mito popular que os monges budistas utilizaram para


seus objetivos, assim como a religião cristã utilizou para seus ob-
jetivos o combate com o dragão, fazendo que fosse morto por São

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 76

Jorge e que este em seguida convertesse ao cristianismo o povo li-


bertado.

Dessa forma fica evidente, também, que a condição do celi-


bato não permite a São Jorge viver uma história de amor. O seu
compromisso é com o Cristianismo, é difundi-lo e fortalecê-lo. O
povo está livre da ameaça do dragão (que pode ser uma alegoria
do pecado), porém deve seguir os ensinamentos da doutrina de
Cristo.
Jolles (1976, p. 44-50) apresenta um “resumo esquemático”
de uma das versões da história de São Jorge, colhida em um dos
numerosos e antigos “Atos dos Mártires”, que eram relatos do sa-
crifício ou morte de cristãos. A legenda evolui e atualiza-se con-
forme os novos interesses e desafios à fé. Por volta do ano 1.000,
São Jorge já não é apenas o mártir, o soldado romano que deu tes-
temunho de sua fé, que desafiou o imperador Constantino e recu-
sou-se a matar cristãos. Agora ele “torna-se matador de dragões e
libertador da Virgem”.
É provável, porém, que esse “santo mártir” tenha vínculos
com figuras bem mais antigas. Ele nasceu na Capadócia, mas teria
sido educado por sua mãe na Lida, bem próximo ao local onde
Perseu, herói grego, havia matado um monstro marinho devora-
dor de homens e resgatado a virgem Andrômeda. Jorge absorvera,
nas narrativas que o configuraram, o caráter de Perseu. Ele seria,
ao mesmo tempo, o continuador e a renovação de uma figura bem
mais antiga (Jolles, 1976, p. 49). Quando, na alta Idade Média, o
Ocidente cristão precisa de um cavaleiro, de um paladino, mani-
festa-se nesse herói esse poder combativo. Estamos nos tempos
das Cruzadas: agora, semelhante a Perseu, São Jorge mata o dra-
gão e liberta a virgem. É invocado em cada combate e assegura a
vitória aos cristãos. Ele é o protetor de treze ordens de cavalaria e

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 77

tornou-se, durante a Guerra dos Cem Anos, o patrono dos anglo-


normandos.

4. DIDATIZANDO O CORDEL JUVENAL E O DRAGÃO

A escola é uma das principais instituições responsáveis pe-


la formação de leitores, e o trabalho com a literatura em sala de
aula deve ser pensando de forma a considerar toda a sua dimen-
são. Assim,

[...] o processo de letramento que se faz via textos literários com-


preende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da
escrita, mas também, e sobretudo, uma forma de assegurar seu
efetivo domínio. Daí sua importância na escola, ou melhor, sua
importância em qualquer processo de letramento, seja aquele ofe-
recido pela escola, seja aquele que se encontra difuso na sociedade
(COSSON, 2019, p. 12).

O citado pesquisador pontua a importância do letramento


literário como prática social, mas, particularmente, como objetivo
a ser alcançado: o domínio do literário, não apenas o seu consumo.
Dessa forma, o exercício do letramento deve ter objetivos defini-
dos para produzir os efeitos almejados, dentre eles, o de trans-
formar o mundo do leitor, por meio da formação de indivíduos
críticos. Acrescentamos: capazes de experimentar a fruição estéti-
ca.
A nosso ver, o cordel é um gênero que, introduzido em sala
de aula de forma lúdica e dinâmica, pode levar ao prazer estético e
a atitudes questionadoras. Não pode, portanto, ser usado apenas
como um meio para fins extraliterários. É nesse sentido que nos
acostamos às palavras de Marinho e Pinheiro (2012, p. 11-12):

Acreditamos que a literatura de cordel ou de folhetos deve ter um


espaço na escola, nos níveis fundamentais e médio, levando em

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 78

conta as especificidades desse tipo de produção artística. Conside-


rá-la apenas como uma ferramenta que pode contribuir com a as-
similação de conteúdos disseminados nas mais variadas discipli-
nas (história, geografia, matemática, língua portuguesa) não nos
parece uma atitude que contribua para a construção de uma signi-
ficativa experiência de leitura de folhetos.

Ler o cordel ou obras de qualquer gênero literário como


mero veículo de conteúdos didáticos tem se mostrado uma estra-
tégia desastrosa, que dificulta a formação de leitores. Em vez dis-
so, devemos atentar para o que há de específico no texto literário
– formas, sonoridades, ritmos, imagens – sem perder de vista seus
vínculos sociais, os valores e os vieses ideológicos que ele assume.
A nosso ver, o desenvolvimento de habilidades leitoras implica a
apreensão dessas duas dimensões sem as quais o texto literário –
o cordel, em particular – não existe.
A Base Nacional Comum Curricular (2017) enfatiza, entre
as práticas de linguagem, objetos de conhecimento e habilidades,
nos anos finais do Ensino fundamental, o papel da literatura e da
arte em geral, nos seguintes termos:

Por fim, destaque-se a relevância desse campo para o exercício da


empatia e do diálogo, tendo em vista a potência da arte e da litera-
tura como expedientes que permitem o contato com diversifica-
dos valores, comportamentos, crenças, desejos e conflitos, o que
contribui para reconhecer e compreender modos distintos de ser
e estar no mundo e, pelo reconhecimento do que é diverso, com-
preender a si mesmo e desenvolver uma atitude de respeito e va-
lorização do que é diferente (BRASIL: 2017, p. 139).

Como se vê, o referido documento destaca o papel da litera-


tura na formação do indivíduo, podendo despertá-lo para a per-
cepção do mundo interior e do mundo que o cerca. Para tanto, é
preciso pensar estratégias criativas de abordagem da literatura e
fazer da leitura uma experiência agradável e instigante. Muitos
Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 79

indivíduos têm seu primeiro contato com determinados gêneros


na escola, o que torna o papel dessa instituição cada vez mais de-
cisivo na formação de leitores de literatura.
Cosson (2019) é favorável à escolarização da literatura e
propõe uma sequência básica, da qual tomaremos algumas suges-
tões como suporte para o trabalho com o cordel Juvenal e o Dra-
gão em sala de aula. Em outras palavras, não seguiremos todos os
passos da sequência proposta pelo citado pesquisador haja vista
as dimensões deste trabalho e em razão de não sermos favoráveis
a rígidas esquematizações de atividades didáticas. Assim, o que
propomos são atividades que podem ser ampliadas ou modifica-
das pelo professor, conforme suas conveniências.
Em todo caso, uma sequência, com objetivos claramente
definidos – e com as devidas adaptações – pode servir ao trabalho
do professor. Dessa forma, ela não deve ser encarada como um
molde, mas sim como possibilidade concreta de organização das
estratégias a serem utilizadas na estruturação das aulas de Litera-
tura no Ensino Básico.
A seguir, apresentaremos sugestões de atividades que en-
volvam o cordel Juvenal e o Dragão e os mitos de Hércules e de São
Jorge, buscando alinhar as semelhanças e diferenças entre os he-
róis e as histórias, atentando, embora, para o fato de que as condi-
ções e os contextos de produção dessas narrativas sejam bem di-
ferentes.

Quadro A

SEQUÊNCIA DIDÁTICA – Leitura e construção de sentido


1. MOTIVAÇÃO E LEITURA
A motivação deve ser, de preferência, o primeiro passo de uma
atividade dessa natureza. O professor pode, nesse momento, pre-
parar o aluno através de questionamentos para que ele se aproxi-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 80

me do tema e, posteriormente, do texto a ser lido. De início, pode


usar a imagem de alguém que ficou conhecido por um ato heroico.
Esse personagem pode ser um “herói” local ou mesmo um herói de
cinema. Perguntas sugeridas: O que faz de uma pessoa um herói?
Quais características um herói apresenta? Que heróis locais ou
universais você conhece? Após esse diálogo motivador, realizar
algumas ações, como:
- Projetar em slides as capas das obras Juvenal e o Dragão e de uma
das versões da lenda de São Jorge e do mito de Hércules para leitu-
ra.
- Disponibilizar as obras em sala de aula ou em PDF ou o link para
acesso.
- Fazer a leitura dramatizada do cordel.
- Fazer a leitura da lenda de São Jorge e do mito de Hércules.

Outro modo de ler as histórias: exibição de vídeos (se possível,


em outra aula);
- Exibir o vídeo: “São Jorge e o Dragão” ou outro que seja encon-
trado.
- Exibir o vídeo: “Os 12 trabalhos de Hércules” ou outro que atenda
ao mesmo objetivo.
- Solicitar que os alunos façam afirmações sobre o conteúdo das
histórias em vídeo, atentando para o título e as imagens narrati-
vas.
- Socializar as respostas e discuti-las.
- Comparar as histórias narradas em suporte literário e em vídeo:
destacar semelhanças e diferenças.

Links indicados. Conforme a dinâmica das atividades, outros links po-


dem ser disponibilizados:
1. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/jn000014.pdf
2. https://super.abril.com.br/historia/sao-jorge-as-aventuras-do-santo-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 81

que-nunca-existiu/
3. https://www.youtube.com/watch?v=nz0gvjd8QN4
4. https://padrepauloricardo.org/blog/por-que-sao-jorge-e-
retratado-derrotando-um-dragao
5. https://www.youtube.com/watch?v=SyTJRhrizX0
Fonte: elaborada pelos autores

Quadro B

2. PRODUÇÃO INICIAL: Interpretação


- Distribuir com os alunos uma folha em branco e pedir para que
escrevam a palavra, expressão ou trecho que mais chamou a aten-
ção no cordel.
- Trabalhar os recursos de intertextualidade entre o cordel Juvenal
e o Dragão e as histórias de São Jorge e de Hércules, comparando
essas narrativas, apontando semelhanças, diferenças e verificando
o desfecho de cada uma.
- A caracterização dos personagens – verificada nas ações – pode
ser um dos elementos a serem comparados.
- Propor aos alunos uma releitura do cordel com foco na lingua-
gem propriamente literária desse gênero (estrofes, rimas, ritmos,
imagens, estratégias narrativas), atentando para o valor expressi-
vo das palavras e expressões. Atentar para as diferenças entre a
narrativa em verso – o cordel – e a narrativa em prosa: as histórias
de São Jorge e de Hércules.
- Se Hércules, São Jorge e Juvenal pertencem a contextos e a narra-
tivas diferentes, por mais que se assemelhem (como vimos), suas
ações devem se prestar a significados e valores diferentes. Com
base nessa afirmação, instigar os alunos a discutirem os diferentes
significados de cada uma dessas histórias.
- Tratando de adaptações ou recriações de cordéis, especialmente

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 82

para o público infantil, Marinho e Pinheiro (2012, p. 83) dão uma


ótima sugestão, que pode ser aproveitada pelo professor: leitura
de A história de Juvenal e o Dragão, da autoria de Rosinha (2011).
Desse modo, o aluno entraria em contato, não só com histórias que
certamente motivaram o cordel de Leandro Gomes de Barros –
como a de Hércules e a de São Jorge – mas com uma história que
foi motivada por esse cordel.
Fonte: elaborada pelos autores

Quadro C: 3ª Etapa
3. PRODUÇÃO FINAL
- Propor aos alunos que retomem as produções feitas conforme
Quadro B e produzam pequenos textos orais (gravação de vídeos)
ou escritos, com suas impressões sobre as narrativas estudadas,
comparando suas ações e conflitos com os dos seres reais, sem
perder de vista o fato de que aqueles personagens literários vivem
no mundo do mito e do maravilhoso.
- Marinho e Pinheiro (2012, p. 83) lembram-nos que “são inúme-
ros os cordéis que aceitam com facilidade a realização musical.
Violeiros cantam e recitam seus poemas. Folhetos escritos para
serem lidos ou recitados receberam melodia”. Levando em conta
esse parentesco entre o cordel e a canção, o professor pode lançar
um desafio aos alunos – especialmente aqueles que gostam de can-
tar e tocar instrumentos musicais – que consistiria na leitura de
algumas estrofes do cordel Juvenal e o Dragão em forma de canto-
ria. Depois de alguns ensaios, os alunos poderiam se apresentar
para as demais turmas da escola, em ambiente apropriado. Esse
tipo de apresentação pode despertar um número ainda maior de
alunos para a leitura do cordel em referência e para o cordel como
gênero literário.
- Acreditamos, enfim, que as atividades propostas são oportunida-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 83

des que o aluno tem para exercitar a habilidade comparativa de


obras e vivenciar a experiência estética que o canto e a leitura
dramática podem proporcionar.
Fonte: elaborada pelos autores

Após concluída a atividade proposta, o professor pode le-


var para a sala de aula diversos cordéis como O Negrinho do Pas-
toreio (Klévisson Viana), Lenda da Vitória Régia (Gonçalo Ferreira
da Silva), A cigarra e a formiga (Manoel Monteiro), Viagem a São
Saruê (Manoel Camilo dos Santos), O gato de botas (Manoel Mon-
teiro) etc., para estimular a curiosidade dos alunos. Curiosidade
que pode levar à leitura. E ainda outros, por envolverem o sobre-
natural, o mistério, o imaginário enfim, como O romance do pavão
misterioso (José Camelo de Melo Resende) e O cachorro dos mortos
(Leandro Gomes de Barros).
Dentre as Competências Específicas de Língua Portuguesa
para o Ensino Fundamental, salientamos a Competência de núme-
ro 9 (nove) por destacar elementos pertinentes ao intuito deste
artigo, no que diz respeito ao envolvimento dos estudantes em
práticas de leitura literária. Assim, a BNCC (2017) preconiza:

Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o de-


senvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a litera-
tura e outras manifestações artístico-culturais como formas de
acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reco-
nhecendo o potencial transformador e humanizador da experiên-
cia com a literatura.

As práticas aqui propostas pressupõem habilidades e com-


petências a serem adquiridas pelos estudantes, e que deverão
concatenar-se a outras práticas em sala de aula e em outros ambi-
entes.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 84

A nosso ver, uma leitura mais proveitosa de uma obra lite-


rária ocorre quando a tomamos como parte de uma longa tradição
e quando, em razão disso, a lemos pelo viés da comparação, con-
frontando-a com outras obras em diferentes suportes (filmes, mú-
sica, desenho, pintura, estatuária) anteriores ou contemporâneas.
Essa proposta de intervenção pode ser trabalhada em con-
junto com disciplinas como Artes e História, o que, certamente,
amplia as possibilidades de leitura, uma vez que cada disciplina
representa um olhar e um recorte sobre os objetos de pesquisa.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho em sala de aula com o cordel, particularmente


aquele construído a partir de impressões mitológicas e lendárias,
permite ao indivíduo o contato com informações advindas de con-
textos culturais diversos, com os recursos estilísticos comuns a
esse gênero, além dos traços da narrativa lendária e mitológica
assimilada pelo cordel. São formas e temas que podem despertar a
curiosidade, as emoções e ajudar a desenvolver o domínio da ex-
pressão verbal por parte do jovem e adolescente.
A identidade dos sujeitos é atravessada por costumes e va-
lores que circulam numa cultura cada vez mais plural. Os diversos
gêneros da narrativa literária podem atuar como mais um elemen-
to a impulsionar a formação de cidadãos saudáveis, capazes de
reconhecer novos valores, mas de preservar aqueles que já se in-
corporaram a sua identidade.
Através de leituras como as que aqui propomos, os estu-
dantes poderão perceber que, como eles, existem outras pessoas,
em outros lugares, e que elas também possuem hábitos, costumes
e tradições próprias. E assim, o estudo da diversidade cultural fará
mais sentido. Desse modo, valorizar as expressões da cultura de
um povo, forjada no contato com outras culturas – outras lendas,

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 85

outros mitos, outras formas – é privilegiar a diversidade, e é tam-


bém criar possibilidades de se pensar o respeito às diferenças.
Não há sociedade em que mitos, contos e lendas não sejam
práticas culturais presentes. Os povos de uma maneira ou de outra
descobrem na literatura uma forma de consolidar, transmitir e
transformar seus valores culturais. Se observarmos com atenção,
veremos que o cordel também se insere nesse processo: preserva-
se, transmite, mas também se renova. Por isso, pode ter papel re-
levante na formação de leitores e na construção de conhecimento
e de identidades.

REFERÊNCIAS

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Letras; Associação de Leitura do Brasil, 1999. (Coleção Histórias de Leitura).

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Limitada. SD.

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Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 86

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CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos (mitos, so-


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Silva et al. 12 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

DICIONÁRIO BRASILEIRO DE LITERATURA DE CORDEL. Academia Brasileira


de Literatura de Cordel. Rio de Janeiro: Rovelle, 2013.

COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto,


2019.

DETIENNE, Marcel. A invenção da mitologia. 2 ed. Trad. André Telles e Gilda


Martins Saldanha da Gama. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília/DF: UnB,
1998.

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2006.

JOLLES, André. Formas simples: legenda, saga, mito, adivinha, ditado, caso,
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MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Helder. O cordel no cotidiano escolar.


São Paulo: Cortez, 2012.

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los/SP: Pedro & João Editores, 2020. p. 327-344.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 87

O MISTERIO DAS TREZE PORTAS NO


CASTELO ENCANTADO DA PONTE
FANTÁSTICA: UMA SEQUÊNCIA
DIDÁTICA PARA O ENSINO
DE LITERATURA
Alanna Rodrigues Neri Cunha
Maria Alvany Batista

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresentamos uma reflexão sobre a impor-


tância da leitura do texto literário para estudantes da educação
básica, com o objetivo de propor ações didáticas pedagógicas apli-
cáveis que venham estimular, incentivar a leitura, principalmente,
aquela que é feita por deleite. Para tanto, ressaltamos que há uma
necessidade de ações nesse sentido, que busquem promover, en-
riquecer e diversificar o processo de ensino-aprendizagem na es-
cola, particularmente na educação básica, sendo a prática da leitu-
ra literária uma dessas ações que precisam ser incrementadas,
incentivadas, diversificadas. Partindo dessa premissa, o presente
trabalho apresenta uma proposta de atividade que busca envolver

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 88

o estudante/leitor por meio do texto literário no campo da mito-


logia.
Em um primeiro momento, apresentamos algumas refle-
xões sobre leitura de texto literário e leitura de texto que relata
acontecimentos fabulosos, as façanhas dos Entes Sobrenaturais
ocorridas em um tempo primordial. Compreendemos que os tex-
tos que apresentam mistérios, suspenses, seres mágicos e míticos
bem “costurados” em uma narrativa, certamente despertarão no
estudante curiosidade, vontade de ler e envolver-se nas aventuras
criadas pelas palavras nas tramas do tecido do texto literário.
As reflexões aqui apresentadas são fruto da nossa prática
docente, de leituras e análise de documentos oficiais que tratam
da prática de leitura literária dentro e fora do ambiente escolar.
Muitos estudiosos, teóricos e pesquisadores, nos últimos tempos,
têm questionado os métodos tradicionais de ensino de Língua
Portuguesa, desenvolvido projetos e programas alternativos e
realizado campanhas tanto em órgãos públicos como também em
instituições privadas que buscam incentivar a leitura e torná-la
uma prática mais profícua. Podemos citar, por exemplo, os proje-
tos Literatura em minha casa, do Ministério da Educação, e Leia
para uma criança, idealizado pela Fundação Itaú Social, o progra-
ma Conta pra mim, também promovido pelo Ministério da Educa-
ção, dentre outros. A esse respeito, Britto (2015, p. 75) comenta
que “Programas de promoção da leitura existem porque se crê que
as pessoas leem pouco e que ler é um comportamento que vale a
pena ser estimulado”.
Não é intenção nossa aqui questionar a eficácia ou não des-
sas ações, mas ressaltarmos a necessidade de ações que promo-
vam a leitura literária, pois acreditamos que a leitura proporciona
ao leitor/estudante da educação básica momentos de descobertas,
de encontros e reencontros. Afinal, segundo Candido ([1988]
2011, p.180), “a literatura desenvolve em nós a quota de humani-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 89

dade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos


para a natureza, a sociedade, o semelhante”.
A leitura é importante porque nos dá acesso ao saber e,
dessa forma, contribui para que possamos modificar, melhorar
nossa vida escolar, social e profissional. Além disso, propicia ao
leitor sair do seu tempo, do seu espaço. Lemos por inúmeras ra-
zões: obter informações, encontrar soluções práticas para pro-
blemas que surgem no dia a dia, saciar a curiosidade, conhecer
“mundos” antigos, civilizações, validar ideias, refletir sobre o ho-
mem e o não-humano. A leitura literária é aqui compreendida co-
mo a leitura no “polo do aluno”, ou seja, é a leitura em que o leitor,
quando a realiza, estabelece com o texto lido uma prática cultural,
artística por meio de uma interação prazerosa.
Assim, ao enveredarmos pelo caminho da leitura literária,
recorremos a Cosson (2012, p. 30), que colabora com essa discus-
são quando afirma que:

Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler me-


lhor, não porque possibilita a criação do hábito de leitura ou por-
que seja prazerosa, mas sim, e sobretudo, porque nos fornece, co-
mo nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários
para conhecer e articular com proficiência o mundo feito lingua-
gem.

É na perspectiva da leitura literária que apresentaremos o


livro O mistério das treze portas no castelo encantado da ponte fan-
tástica, de J. Flávio Vieira (2011), como proposta de trabalho apli-
cável para as turmas dos anos finais do ensino fundamental. E,
tomando como referente a citada obra, arriscamos também uma
discussão teórica sobre mito e mito literário.
É do nosso conhecimento que narrativas que contam len-
das ou histórias de um lugar ou buscam explicar práticas religio-
sas de uma determinada comunidade prendem a nossa atenção,

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 90

porque essas narrativas, via de regra, fazem parte da tradição oral


e têm como traços fundamentais o fantástico, o encantamento, as
ações do herói e o apelo à imaginação.

2 O MITO

O mito e a lenda são comumente confundidos, sendo neces-


sário, portanto, fazer uma pequena conceituação dos mesmos,
pois para alguns eles são sinônimos. Os dois normalmente proce-
dem da tradição oral, usam o fantástico e o sobrenatural, tentam
explicar fatos que a ciência ainda não havia estudado e narram
acontecimentos históricos ou religiosos de uma determinada co-
munidade.
Inúmeros pesquisadores empenham-se em definir mito.
Apresentemos, a seguir, algumas dessas definições. Para Eliade
(2006 apud SOUSA, 2019, p. 143), o historiador das religiões, o
mito narra como foram criadas as coisas:

o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento


ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”.
Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos En-
tes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma reali-
dade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma es-
pécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição.

Nessa perspectiva, o mito seria a explicação não conceitual


de como foram surgindo e se organizando todas as coisas, inclusi-
ve as sociedades humanas. Em geral, a contraparte da fábula, que
é o mito, é o ritual, que tem por função invocar os deuses e refor-
çar costumes e crenças. Se não fossem os mitos, o passado imagi-
nado, alguns fatos históricos e sociais, provavelmente, seriam es-
quecidos.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 91

De caráter explicativo e/ou simbólico, o mito encerra o


sentido das coisas por meio de histórias sagradas que não recor-
rem a nenhum “embasamento” ou prova lógica ou científica para
serem aceitas como verdades. Trata-se de relatos em que heróis,
deuses e personagens sobrenaturais se misturam com fatos da
realidade para dar sentido à vida, ao homem e ao mundo, transmi-
tir ensinamentos, estabelecer limites e alertar as pessoas sobre os
perigos do mundo e as consequências dos excessos humanos.
Moisés (2004, p. 302) diz que “criar um mito significa con-
ceber, pela mediação das forças imaginativas, uma história que
reflete um modo não-lógico de enfrentar o mundo”.
Segundo Bayard (2005, p. 11), mito e lenda estão relacio-
nados:

O mito é uma forma de lenda; mas os personagens humanos tor-


nam-se divinos; a ação é então sobrenatural e irracional. O tempo
nada mais é do que uma ficção. Na realidade, essas categorias se
embaraçam e os mitos são de uma infinita variedade; relacionam-
se às religiões, são cosmogônicos, divinos -- ou heroicos. As len-
das, como personagens mais modestos, fazem evoluir mágicos, fa-
das, bruxas, que, de uma maneira quase divina, influem nos desti-
nos humanos.

Os termos “lenda” e “legenda” podem permutar, conforme


o autor. Jolles (1976, p. 30) emprega este último para se referir a
determinadas narrativas cristãs conservadas pela Igreja Católica
desde os primeiros séculos de nossa era: “a vida e os atos dos san-
tos”. Trata-se de personagens cuja santidade foi proclamada pela
citada instituição religiosa através do processo de canonização. O
santo é aquele que se torna um “modelo imitável” e que é reco-
nhecido pela virtude e por seus milagres. A narrativa de sua vida,
como se pode deduzir, agrega o maravilhoso e a realidade históri-
ca.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 92

Sem nos deter nas questões formalistas levantadas por Jol-


les para elaboração de seu conceito – já que não interessam dire-
tamente para o alcance dos objetivos deste trabalho – apresente-
mos um dos mais vivos exemplos discutidos pelo pesquisador ho-
landês:

Aquilo a que chamamos Legenda é, em primeiro lugar e muito


simplesmente, a disposição bem definida dos gestos no interior de
um campo. Aquilo a que chamamos a Vida de São Jorge é a realiza-
ção de uma das possibilidades oferecidas e contidas na legenda
(JOLLES, 1976, p. 47).

Jolles admite ser desconhecida a existência “histórica” de


São Jorge. O que importa é, pelo contrário, que ele designe e signi-
fique “todos os homens que conheceram a mesma situação; esse
indivíduo paradigmático dá-lhes a possibilidade de o seguirem,
pois é imitável” (Op. cit., p. 48). É nesse sentido que o dado histó-
rico se infiltra na lenda, ou a lenda se constitui a partir do dado
histórico.
Certamente, a funcionalidade do maravilhoso no mito e na
lenda, embora essa última tenha suas raízes na história, leva-nos a
compreender por que esses dois termos se apresentam em diver-
sas situações como sinônimas. Partindo, porém, dessa constata-
ção, e com apoio em Araújo (s/d), apresentamos a seguir um qua-
dro com as especificidades do mito e da lenda, posto que optamos
pela distinção entre esses dois gêneros.

QUADRO 1 – Mito ou Lenda?

Mito Lenda
Tem caráter explicativo e/ou simbóli- Se utiliza da fantasia ou ficção,
co. misturando-se com a realidade
dos fatos

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 93

Relaciona-se com uma data ou com Faz parte da tradição oral e


uma religião. vem sendo contada através dos
tempos.
Procura explicar as origens do mundo Fornece explicações aos fatos
e do homem por meio de personagens que não são explicáveis pela
sobrenaturais, como deuses e semi- ciência ou pela lógica.
deuses.
Explica a realidade por meio de suas Usa fatos reais e históricos para
histórias sagradas. dar suporte às histórias.
Todas as culturas possuem seus mi- Faz parte da realidade cultural
tos. Alguns assuntos, como a criação de todos os povos e por ser
do mundo, são bases para vários mi- repassada oralmente recebe a
tos diferentes. impressão e a interpretação
daqueles que a propagam.
FONTE: InfoEscola

Para Grimal (1982), o mito é uma representação da reali-


dade, uma maneira de explicar os mistérios do mundo, ficando
dividido entre a fé e a razão. Sousa (2019, p. 143), por sua vez,
leva-nos a refletir por meio de questionamentos acerca do concei-
to de mito e sugere que, “se a literatura se funde com a realidade e
com o mito, é possível pensar que este também tem uma dimen-
são histórica, que o sagrado é histórico, que o real e o onírico nele
se amalgamam”.
Entendemos, pois, que o mito é a forma mais remota de
crença e está impregnado do desejo humano de afugentar, espan-
tar a insegurança, os medos e a angústia diante do desconhecido.
Para os gregos antigos, os povos indígenas e outras comunidades
tradicionais, o mito é tido como a maneira de responder às per-
guntas relacionadas à origem dos deuses e do mundo. Embora,
cronologicamente, a mitologia greco-romana esteja distante da
nossa atualidade, o pensamento mítico, a narrativa mitológica e os

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 94

heróis continuam presentes na memória e na escrita do homem


moderno.
Isso ocorre uma vez que o mito greco-latino foi a base para
muitas produções, como a tragédia e a epopeia. Com o passar dos
séculos, evidentemente, ocorreram mudanças: no início havia a
religiosidade como centro, e o mito como expressão da religiosi-
dade arcaica; depois o mito revestiu-se de um caráter mais especi-
ficamente artístico, disponibilizando matéria para a arquitetura, a
escultura, a pintura e a literatura. Surge, assim, o mito literário.
Para Brunel (apud SOUSA, 2019, p. 146) “o mito literário é
constituído pela narrativa do mito ‘que o autor trata e modifica
com grande liberdade’ e pelos novos significados que lhe são
acrescentados então. Se esse significado não acrescenta nada aos
dados da tradição não há mito literário, há somente um tema”.
Assim, o mito literário pode ser definido como a atualização literá-
ria de um mito como resultado do trabalho de um poeta, de um
narrador ficcional, dramaturgo, etc.
Para Castillo (2017, p. 185), “o mito é uma narrativa da cri-
ação, a literatura é a criação de um discurso”. Esta se apropria dos
mitos e os atualiza numa forma literária que incorpora a cosmovi-
são da época.

3 A OBRA MÍTICA

Livro da literatura infanto-juvenil vencedor do I Prêmio


Rachel de Queiroz da Secretaria de Cultura e Turismo (Secult), O
Mistério das Treze Portas no Castelo Encantado Da Ponte Fantásti-
ca, do cearense José Flávio Vieira (2011) é uma obra híbrida que
“engenhosamente, faz uma tessitura dos mitos caririenses”.

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IMAGEM 1 – Capa do livro

FONTE: VIEIRA (2011)

Narrativa híbrida, a obra em referência trata de um Reino


Encantado com o nome de Aimará, localizado no pé de uma serra
de vegetal rica e exuberante. Nesse paraíso há um pássaro especi-
al, o guardião do Reino, que se chamava Soldadinho. Aimará era
governada pelo Rei Tristão e pela Rainha Bárbara. Ao lado, outro
Reino com o nome de Trono do Altar, governado pelo Rei Joaquim.
Rei guerreiro, perverso e invejoso. A obra O Mistério das trezes
portas no Castelo Encantado da Ponte fantástica envolve os perso-
nagens em diversas aventuras; a narrativa é construída com base
em personagens históricos e do conhecimento local: Bárbara de
Alencar (Rainha Bárbara), Tristão Gonçalves (Rei Tristão), Padre
Verdeixa, Cacique Araripe, Canena, Zé Bedeu e personagens ficci-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 96

onais como a serpente que protegia o Castelo encantado, e o bebê


de Catirina e Mateu, que nasceu com oito anos de idade.
Félix (2019, p. 65) comenta que a escolha do citado corpus
em seu trabalho se deu porque, além se tratar de uma narrativa
envolvente, a referida obra

ajudará no despertar dos leitores, é permeada de lendas e mitos


locais, como é o caso do famoso mito da Baleia que, segundo os di-
tos populares, até hoje se encontra presa debaixo do altar de Nos-
sa Senhora da Penha, na Igreja Matriz da cidade do Crato. Na nar-
rativa em apreço, ela tem seu papel de destaque, pois ajuda a criar
uma atmosfera fantástica, servindo de suporte para o resgate da
memória e da cultura Caririense, levando o educando a reconhe-
cer o valor da cultura da sua região, bem como a desenvolver um
empoderamento de sua identidade, respeitando as diferenças que
compõem e enriquecem esta região.

O repórter Antonio Vicelmo (2011, n.p.), em matéria publi-


cada no jornal Diário do Nordeste, relata que o livro de José Flavio
de Vieira “é uma história construída por gente simples como Ca-
nena, uma mulher que vendia tapioca com fígado no Crato antigo.
Tandô, um moreno metido a cangaceiro que carregava na cartu-
cheira, ao invés de balas, fragrâncias dos mais diversos perfumes
silvestres do Reino”. Podemos perceber que a riqueza da obra não
está só nos elementos constituintes da narrativa local com dimen-
sões e intertextualidade universal, mas também no colorido das
ilustrações feitas por Reginaldo Farias, nas canções que compõem
o cenário, identificam as portas e caracterizam os personagens.

4 SEQUÊNCIA DIDÁTICA

O trabalho com sequência didática facilita a aprendizagem


dos alunos. Para Dolz, Noverraz e Schneuwly (2013, p. 82), “uma
‘sequencia didática’ é um conjunto de atividades escolares organi-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 97

zadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral


ou escrito”. Dessa forma, o aluno desenvolverá seus conhecimen-
tos sobre determinado gênero, aprendendo a escrever ou falar de
forma mais adequada em um determinado contexto de comunica-
ção.
O modelo escolhido para desenvolver a sequência segue os
moldes propostos por Cosson (2012), ou seja: a motivação, a in-
trodução, a leitura e a interpretação. O público alvo são alunos do
6º ano do ensino fundamental, pois, neste mesmo ano, eles estu-
dam mito nas aulas de História.

1º momento (1 aula) - Motivação


A motivação é muito importante para os alunos, pois, se-
gundo Cosson (2012, p. 77), “consiste em uma atividade de prepa-
ração e de introdução dos alunos no universo do livro a ser lido”.
Seria a porta de entrada para a obra. Dessa forma, é fundamental
uma boa motivação.
Para essa sequência, propomos que seja usada como moti-
vação a contação de mitos e/ou lendas locais. Convidar alguém da
comunidade para fazer essa apresentação, dessa forma, valoriza
também a oralidade e a cultura local, lembrando que os mitos sur-
giram da oralidade.

2º momento (1 aula) - Introdução


A introdução da obra consiste, ainda segundo Cosson
(2012, p. 80), numa “simples e breve apresentação do autor e da
obra”, em caso de texto canônico. Se possível, fazer breve apresen-
tação do autor – mostrando, inclusive, sua foto e seus livros, assi-
nalando que ele nasceu na região do Cariri e que conhece bem as
histórias deste lugar.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 98

3º momento (6 aulas) – Leitura


A etapa seguinte é a leitura da obra. Quando esta for muito
extensa, a leitura poderá ser feita por partes, na escola ou em casa,
caso em que se torna necessário estabelecer um prazo para con-
clusão.
Primeiro, o professor organiza a sala em círculo. Inicia o
momento com a leitura de um trecho em versos. Depois, começa a
leitura, na qual todos são convidados a ler um trecho na sequência
da obra. Quando necessário, será feita uma pausa, abrindo-se es-
paço para os comentários. Como a obra O mistério das treze portas
no castelo encantado da ponte fantástica é um pouco longa, será
dividida em partes, tendo intervalos de leitura.

4º momento (2 aulas) – Intervalo 1


O professor solicitará aos alunos entrevistas com os famili-
ares sobre os personagens e temas da obra e também sobre ou-
tros mitos e lendas da comunidade. Essa atividade deve ser apre-
sentada em sala de aula na data combinada previamente.

5º momento (1 aula) – Intervalo 2


A obra escolhida acompanha um CD de músicas, as quais
devem ser apresentadas no decorrer das leituras.

6º momento (2 aulas) – Interpretação


Por último, ocorrerá a interpretação que, conforme Cosson
(2012, p. 64), [...] “parte do entretecimento dos enunciados que
constituem as inferências para chegar à construção do sentido do
texto dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e comunida-
de”. Para tanto, deve-se propor a ilustração da obra, sendo uma
prática que atrai o interesse do público alvo. Dessa forma, será
externalizada a leitura.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 99

O professor poderá instigar a turma a uma breve pesquisa


sobre os gêneros “lenda” e “mito”, que servirá de apoio conceitual
para discussão da obra estudada. Nesse debate, podem ser levan-
tadas questões sobre os aspectos míticos, lendários e históricos de
O mistério das treze portas no castelo encantado da ponte fantásti-
ca. É importante que sejam criadas condições para que o aluno vá
além das reflexões sobre esses conceitos, abrindo-se espaço para
expressão de sua imaginação, pensamento crítico e apreciação
estética.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Propusemo-nos, neste trabalho, discutir de maneira refle-


xiva a importância da leitura de texto literário na educação básica
como forma de promover o letramento literário e proporcionar
aos estudantes/leitores experiências que envolvam sua imagina-
ção, pensamento crítico e apreciação estética. Para tanto, busca-
mos inspiração pedagógica no mito, mais especificamente no mito
literário e sua interseção com a lenda.
Nossa proposta de leitura recai sobre O Mistério das Treze
Portas no Castelo Encantado Da Ponte Fantástica (2011), de auto-
ria de José Flávio Vieira, com o firme propósito de que tal ativida-
de nos faça avançar no processo de construção do letramento lite-
rário em turmas do 6º ano do Ensino Fundamental. Objetivamos,
assim, conforme Aguiar (2013, p. 134), a “expansão do leque de
experiências do sujeito, que passa a interagir com novas ideias e
sentimentos, novas formas de conceber o mundo e as relações
humanas”.
Dessa forma, a nosso ver, um trabalho com os gêneros mito
e lenda, envolvendo rigor metodológico e criatividade, despertará
o gosto pela leitura, pois os alunos demonstram interesse por
formas narrativas que tematizam o sobrenatural (fantástico ou

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 100

maravilhoso) e implicam o estímulo da imaginação e do pensa-


mento crítico.
A obra escolhida possibilita a valorização da identidade e
da cultura, no seu aspecto regional ou universal. A sequência
apresentada é fácil de ser realizada e de grande aceitação por par-
te dos alunos, pois envolve música, ilustrações, mistério e conhe-
cimento de mundo. Assim, esperamos que esta proposta contri-
bua com o despertar do gosto pela leitura e seja mais um passo na
conquista do letramento literário em nossas escolas.

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Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 101

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Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 102

O NARCISISMO NA MÚSICA POPULAR


BRASILEIRA: RECORRÊNCIAS E
REINVENÇÃO DA AUTOESTIMA
Antonio Romero Siqueira Dodou
Maria da Conceição Siebra
Raimunda Calisto de Brito

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como intuito examinar a inserção de


mitos clássicos em composições de cantores brasileiros, a partir
da análise do gênero música. Almeja, ainda, servir como instru-
mento de apoio ao desenvolvimento de práticas interventivas aos
que lidam com esse gênero no cotidiano escolar. No que tange à
forma como os mitos são tratados teoricamente, cumpre ressaltar
que os entendimentos são diversos: vão desde pesquisadores da
religião como Eliade (2006), a antropólogos como em Durand
(1997) e teólogos como Tolovi (2017), por exemplo.
No que concerne à seleção do tema, ela deu-se em função
de sua importância e dinamicidade, uma vez que os mitos perma-
necem entre nós, atrelados à realidade, reinseridos nos mais di-
versos gêneros, inclusive na música, proporcionando novas leitu-
ras e interpretações, o que nos leva a enxergá-los como criações

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 103

que não se estagnaram no tempo, nem se vincularam apenas ao


contexto em que foram produzidos, mas que, com as devidas
adaptações, permanecem atuais.
Este trabalho, em termos metodológicos, caracteriza-se
como de natureza bibliográfica, tendo em vista que nos debruça-
remos sobre alguns importantes pesquisadores e teóricos como
forma de fundamentar o material interventivo proposto. Assim,
abordaremos o conceito de mito, sua incidência na literatura e,
particularmente, na música popular brasileira. A seguir, discuti-
remos a influência do Mito de Narciso sobre as atuais gerações e
sua repercussão nos comportamentos sociais afirmadores da be-
leza e da autoestima. Entre esses padrões está o gosto por canções
cujas letras reafirmam a necessidade de recorrer a elementos mí-
ticos, tornando-os ainda mais vivos em nossa realidade. Por fim,
apresentaremos uma breve proposta de intervenção didática ela-
borada a partir da análise de um corpus delimitado de músicas
nacionais. Externamos, de antemão, nosso anseio de que este tra-
balho possa motivar professores de literatura a adaptarem as su-
gestões aqui apresentadas na sua prática de ensino.

2 CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS ACERCA DO MITO

Tarefa difícil é a de definir mito. As dificuldades certamente


se dão em virtude de sua complexidade e capacidade de dialogar
com a realidade, o que lhe confere certa dinamicidade. O mito não
está preso apenas ao contexto em que foi produzido. Ele se perpe-
tua no tempo e surge, reinventado, nas mais diversas produções
artísticas, na filosofia e na mitologia – sendo esta uma das ciências
modernas que estudam o mito. Esse perfil dinâmico e a capacida-
de de um mito fazer-se atual representam obstáculos consistentes
à sua definição como criação estática, imutável e acabada.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 104

Nesse sentido, as definições em torno do termo vão desde


as clássicas às mais modernas. Cumpre esclarecer, a esse respeito,
que o reconhecimento e aceitação dos mitos como narrativas que
dialogam com a realidade são entendimentos mais recentes. Con-
tudo, no que atina ao conceito clássico de mito, é relevante menci-
onar que houve, sim, dado momento da história em que a defini-
ção do termo estava vinculada ao que ele representava no contex-
to das sociedades arcaicas onde ele certamente primeiro surgiu.
Inicialmente, como destaca Eliade (2006), um mito narra a
criação de algo, como se deu sua produção e passou a existir. Essa
compreensão contempla o mito em sua perspectiva primordial,
configurando o que os teóricos denominam de Teoria Etiológica,
que mais tarde será contraposta pela Teoria Funcionalista, que
encontra em Bronislaw Malinowski um dos seus mais ilustres
formuladores. Para esta última concepção, segundo Ruthven
(2010, p. 29), “os mitos não explicam origens, mas preservam pre-
cedentes que justificam o status quo: o mito é uma ‘garantia prag-
mática de fé primitiva e de sabedoria moral’ [...]”.
Se analisada literalmente, a definição de Eliade (2006) re-
conheceria poucas mitologias no mundo moderno. Embora o con-
ceito por ele apresentado seja relevante para a compreensão do
mito cosmogônico e do mito de origem, novas concepções do ter-
mo surgiram com o passar do tempo e devem ser consideradas.
Embora todo mito seja uma narrativa, nem toda narrativa, arcaica
ou moderna, é um mito. Por um lado, arriscamos afirmar que al-
gumas narrativas – como as literárias, as musicais ou as cinemato-
gráficas – embora não sejam mitos, agregam imagens, formas e
conteúdos míticos. Por outro, há narrativas que não nasceram mí-
ticas, mas se tornaram míticas, pois, com o passar do tempo, as-
sumiram um lugar na tradição, tornaram-se uma crença histórica
ou quase histórica e agregaram alguns valores básicos da socieda-
de. É essa a percepção de Watt (1997, p. 16).

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 105

Distinguindo mito de narrativa, Tolovi (2017, p.105) cola-


bora com o debate nos seguintes termos:

[...] a vida do mito corresponde à latência dos desejos e necessida-


des da coletividade. Portanto, mito não é o narrado, mas, especi-
almente, o vivido. A narrativa é indispensável ao mito, pois, ela é
um instrumento de construção do mesmo. Mas ela não é “o mito”,
pois este se constitui a partir de um conjunto de elementos fun-
dantes.

“Elementos fundantes” ou “valores básicos da sociedade”


parecem nos dizer que, mesmo que consideremos o mito como
uma narrativa, não se trata de uma narrativa qualquer.
Para melhor compreendermos as novas significações atri-
buídas à palavra mito, é necessário reconhecer o homem como um
sujeito em construção que, ao mesmo tempo, está sendo e busca
ser. Diante de uma situação de caos, ele necessita estabelecer um
ordenamento. Atrelado a essa construção está o mito, que embora
se adapte às mais variadas necessidades coletivas, consegue man-
ter sua estrutura.
Considerando que o homem é um ser em construção, Tolo-
vi (2017, p. 93) argumenta que o homem

Precisa construir uma ordem no “caos”, transformando a natureza


e partilhando símbolos e signos (e assim produz cultura); precisa
construir uma ordem de sentido, partilhada intersubjetivamente e
coletivamente (e assim produz sociedade); por fim, precisa cons-
truir mediações que facilitem a relação dialética entre a objetivi-
dade do mundo e um mundo subjetivo.

No tocante ao mito, o referido autor ainda acrescenta:

Neste contexto definido, tomaremos o mito na perspectiva de um


instrumento de mediação entre a objetividade e a subjetividade

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 106

humana, possibilitando a explicação e justificação de uma “reali-


dade” mediante uma narrativa. (TOLOVI, 2017, p. 93)

A perspectiva pela qual Tolovi (2017) analisa o mito nos


faz enxergar e constatar a evolução conceitual do termo. Nesse
sentido, o autor já não o enxerga apenas como a narração de algo
que passou a ser, mas acrescenta a ele funções primordiais como,
por exemplo, a capacidade de mediação.
Aspecto relevante acerca dos mitos é a desconstrução da
ideia de que são mentiras. Durante muito tempo, o mito foi rotu-
lado com essa característica, possivelmente por conta dos elemen-
tos imaginários, heroicos e simbólicos que o constituem. O con-
fronto do pensamento mítico com o pensamento filosófico (ainda
na Grécia antiga), com a concepção monoteísta do cristianismo e
com o racionalismo iluminista e positivista da modernidade euro-
peia, agregou-lhe a pecha de pensamento absurdo, ilógico e es-
candaloso. Paradoxalmente, foram os estudos da “mitologia com-
parada”, da etnografia e da antropologia, entre outros, a partir de
meados do século XIX, que devolveram, aos poucos, a dignidade ao
mito. Tratava-se de um novo saber, interessado em falar dos mitos
“considerados em si mesmos” (DETIENNE, 1998, p. 15-47).
Corroborando esse novo rumo assumido pelos estudos de
mitologia, importante considerar as palavras de Morim (1986),
para quem o mito não é uma inverdade, tendo em vista que é real
para quem vive, possibilitando ao homem situar-se no mundo de
modo espontâneo.
Outra característica essencial dos mitos, que não pode ser
desconsiderada, é sua relação com a linguagem. Para Torrano
(1991), a linguagem é a força-de-nomear. Assim, as relações hu-
manas que podem resultar na criação de inúmeros fenômenos são
intermediadas por ela.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 107

Também merece menção a perspectiva de Cassirer (1992,


p.102), que, explorando a relação entre mito e linguagem, reco-
nhece que “[...] diante do incognoscível há uma nomeação, criamos
um nome, pronunciamos uma palavra, nasce um mito: ‘numa fan-
tasia mítica’, como ‘patrimônio da linguagem’”.
Dessa relação mito x linguagem resulta, certamente, a inci-
dência daquele nos textos dos mais diversos gêneros literários.
Prova dessa influência é o mito literário, que ocorre quando um
autor, ao criar as narrativas, promove modificações que acrescen-
tam significado ao mito.
Gêneros textuais como crônicas, poesias, romances, contos
e dramas já dialogaram com mitos como o de Prometeu, de Eros,
de Dionísio, de Narciso e outros mais para atingir seu propósito
comunicativo.
Com a música, prática cultural e humana e gênero aborda-
do neste trabalho, não é diferente. A linguagem, quando se trata
de música com letra, se utiliza dos mais variados recursos (ambi-
guidades, metáforas, elipses, etc.) para sensibilizar, fazer rir, pen-
sar, chorar, educar, entreter, entre outras funções. E o mito pode
imiscuir-se também no arranjo verbal de uma canção. Em inúme-
ras composições é comum se recorrer, direta ou indiretamente,
explícita ou implicitamente, a narrativas de natureza mitológica.
Por fim, fica evidente a evolução do conceito de mito, que
sofreu modificações, adaptou-se à realidade coletiva, mas manteve
sua estrutura. Os mitos, modernos ou antigos, desaparecem, mas
também renascem. E sempre dão respostas para aqueles que os
cultivam como medida de seus comportamentos e relações soci-
ais. Exemplo disso é o mito de Narciso, cuja vinculação com a rea-
lidade contemporânea é intensa. É de sua incidência em gêneros
como a música que passaremos a tratar.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 108

3 RECORRÊNCIA DO NARCISISMO NA LITERATURA E NA SOCI-


EDADE CONTEMPORÂNEA

Em importante verbete sobre Narciso, Brunel (1997) revi-


sita várias abordagens desse mito em obras consagradas, como as
Metamorfoses, de Ovídio, Narciso ou a ilha de Vênus, de Malfilâtre,
O tratado de Narciso, de Gide, Narciso fala, de Valéry, entre outras,
mostrando-nos como o mito, desde a antiguidade, vai se modifi-
cando e se transformando – sem deixar de ser o mesmo – no de-
correr das épocas. Narciso é aquele que foi punido pelos deuses
por recusar a lei comum de amar alguém; é aquele que ama sem
esperanças; representa os perigos que vive aquele que se apaixo-
na por si mesmo; é aquele que deixa de apreciar os esplendores da
natureza para contemplar exclusivamente sua própria pessoa; ele
representa, por fim, “a frágil relação que provisoriamente une a
consciência ao corpo, o Ego à sua aparência” (BRUNEL, 1997, p.
747-750).
Como vimos, o mito de Narciso, personagem mitológico
que representa o amor próprio e a vaidade, nos remete ao contex-
to da Grécia antiga, civilização que ganhou notoriedade também
pelas narrativas mitológicas inerentes a deuses, musas, heróis,
ninfas, entre outros seres. A abordagem dessa temática nas dis-
cussões cotidianas que se estabelecem no ambiente escolar mere-
ce atenção no que concerne a sua recorrência em diversos gêneros
modernos (crônicas, contos, poesias, romances, dramas, etc.).
O advento das tecnologias digitais, o avanço tecnológico
que se instalou em um mundo cada vez mais globalizado, ajudou a
reforçar comportamentos voltados à valorização da beleza, da
satisfação social e da busca pela autoestima.
Cotidianamente, as redes sociais são a prova clara disso. A
todo momento, pessoas se utilizam das ferramentas disponíveis –
seja no Facebook, WhatsApp, Instagram, Twiter, etc. –, para postar

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 109

fotos que revelam como estão, em que companhia se encontram,


para onde vão, como estão vestidos, além de outras posturas que
acharem necessárias.
Nestes momentos de exposição social, a maioria procura
externar o melhor aspecto possível da fisionomia. Nesse sentido,
há os que abrem um sorriso, aqueles que põem a melhor roupa, os
que exibem um novo penteado e os que tentam mostrar que estão
bem, ainda que isso não reflita a realidade. Diante das câmaras
fotográficas, o indivíduo contemporâneo é um Narciso mirando-se
no lago em que se reflete sua própria imagem.
O que são essas ações e comportamentos senão claros si-
nais do narcisismo na atualidade? Os padrões de beleza impostos
pela mídia e outros meios às grandes massas são facilmente por
elas absorvidos. Logo, frequentar as academias, manter o corpo
ideal, adotar uma alimentação balanceada, fazer uso de aparelhos
ortodônticos, entre outras práticas, visam, muitas vezes, não ape-
nas a saúde e o bem-estar, mas indiciam formas de busca do ideal,
do belo, do perfeito.
Se Narciso estonteava-se com a beleza da própria imagem
refletida no lago, há muitos “narcisos” contemporâneos repetindo
essa atitude. O mais interessante, no entanto, é que a incidência
desse mito não se dá apenas nas ações do dia a dia voltadas à sa-
tisfação da imagem pessoal perfeita. Nesse sentido, o narcisismo
repercute também em outras áreas e segmentos sociais.
Na Literatura, a recorrência de mitos literários nos faz per-
ceber quão vivos alguns desses mitos permanecem no contexto
atual. É importante ressaltar que, na mitologia, a narrativa prota-
gonizada pelo jovem Narciso se dá num ambiente mágico não his-
tórico, habitado por deuses, heróis e ninfas (como Eco); na Litera-
tura e na música contemporâneas, embora o tema se reporte ao
comportamento dos seres reais, constrói-se como ficção, numa
perspectiva artística. Evidentemente que, quem tem repertório –

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 110

quem conhece o mito grego, logo percebe as relações semânticas


que se estabelecem entre essa narrativa e a canção “Sampa”, de
Caetano Veloso, por exemplo. Embora alguns autores tenham
consciência metalinguística de seu trabalho, nem sempre é possí-
vel verificar isso. Em outras palavras, uma canção pode conter o
tema do narcisismo sem que seu autor conheça o mito de Narciso.
Assim como a esmagadora maioria dos indivíduos narcisistas se
exibem diante dos espelhos para se fotografarem e, no entanto,
jamais leram o mito desse personagem grego.
Em algumas canções populares brasileiras, é possível iden-
tificar, direta ou indiretamente, a reconstrução atualizada do mito
de Narciso. Desse modo, o reforço da vaidade, do amor extremo e
exagerado por si próprio e a valorização do eu como senhor abso-
luto são características possíveis de ser detectadas, configurando
o que a atual geração denomina de “está se achando”. A referida
expressão se encaixa perfeitamente com as manifestações narci-
sistas de indivíduos que se enxergam como “os tais”.
A proposta de intervenção que se segue toma como refe-
rência sugestões de Cosson (2006), que vão desde a motivação até
a culminância, mas sem reproduzi-las integralmente nem de for-
ma esquemática. Eis as etapas:

4 PROPOSTA INTERVENTIVA

Parte I
Ler e discutir com os alunos a letra da canção abaixo, bem como as
observações sobre a mesma.

Algumas canções brasileiras, conforme já abordado, reto-


mam o mito de Narciso em suas letras. Tomemos como exemplo a
letra da canção “Eu me Amo”, de autoria de Roger Moreira, grava-
da pela banda Ultraje a Rigor (1985):

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 111

Há tanto tempo eu vinha me procurando


Quanto tempo faz, já nem lembro mais
Sempre correndo atrás de mim feito um louco
Tentando sair desse meu sufoco
Eu era tudo que eu podia querer
Era tão simples e eu custei pra aprender
Daqui pra frente nova vida eu terei
Sempre a meu lado bem feliz eu serei

Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim

Como foi bom eu ter aparecido


Nessa minha vida já um tanto sofrida
Já não sabia mais o que fazer
Pra eu gostar de mim, me aceitar assim
Eu que queria tanto ter alguém
Agora eu sei, sem mim eu não sou ninguém
Longe de mim nada mais faz sentido
Pra toda vida eu quero estar comigo

Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim

Foi tão difícil pra eu me encontrar


É muito fácil um grande amor acabar, mas
Eu vou lutar por esse amor até o fim
Não vou mais deixar eu fugir de mim

Agora eu tenho uma razão pra viver


Agora eu posso até gostar de você
Completamente eu vou poder me entregar
É bem melhor você sabendo se amar

Como se pode observar, alguns trechos da canção demons-


tram o amor exacerbado que alguém tem por si mesmo. É certo
que, antes de amarmos ou valorizarmos outro, devemos amar
primeiramente a nós mesmos, contudo, na canção fica evidente a
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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 112

obstinação de um indivíduo por si próprio. Assim, tudo o que diz


respeito a ele (sua procura, seu gostar, sua luta, seu encontro) são
suficientes para que se sinta amado.
No mito, Narciso enxerga sua beleza como autossuficiente;
ele não precisa de mais nada. Seu amor pela própria imagem e por
si mesmo bastam. A ninfa Eco é o “outro”, que é desprezado por
Narciso. Na canção, há elementos que a aproximam, tematicamen-
te, desse mito grego. Mas, ao aproximar textos tão distantes no
tempo e no espaço, temos que estar igualmente atentos às suas
diferenças, sejam formais, sejam ideológicas.

Parte II

• Motivação: ler com os alunos o mito de Narciso, enfatizan-


do a valorização extrema dos padrões de beleza ali presen-
tes. A partir das considerações sobre a letra da canção “Eu
me Amo”, recomenda-se a escuta da música pelos alunos
em sala de aula e, se possível, a exibição do vídeo da canção
no YouTube ou em outra plataforma, reiterando o diálogo
entre o texto clássico e a canção contemporânea do rock
nacional.

• Proposição: propor aos alunos pesquisar as letras de ou-


tras duas canções nacionais: “Esse Cara sou Eu”, do cantor
Roberto Carlos, e “Rossi ‘The King’”, do cantor Reginaldo
Rossi. Sugerir ainda que escutem os áudios ou assistam aos
vídeos em que há a exibição de ambas as músicas.

• Discussão: de posse das letras das três canções, desenvol-


ver atividade intertextual, instigando-os a detectar pontos
semelhantes entre elas e, principalmente, requisitar que
elenquem elementos que remetam ao mito de Narciso.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 113

• Propor aos alunos uma tentativa de retextualização simples


da letra da canção, trocando o “eu” pelo “tu” onde for pos-
sível. Essa tarefa poderá levar os alunos a perceberem que
a estrutura da letra da canção é a mesma das canções tra-
dicionais.

• A atividade de troca dos pronomes da canção não deve ter


um teor meramente gramatical, mas de construção poética
de sentidos. Permutar os pronomes pode ser uma forma de
permutar a perspectiva, ou seja, confrontar duas formas de
amar que não precisam, necessariamente, se opor: o amor
próprio e o amor pelo outro.

• Debate: promover um debate com a turma, propiciando um


ambiente em que os alunos se sintam à vontade para expor
seus depoimentos pessoais sobre padrões de beleza, enfo-
cando aspectos como: de que modo se portam nas redes
sociais, se alguma vez já se viram difundindo o mito de
Narciso sem saber que o faziam, se conhecem outras pes-
soas que vivem de exibir os padrões de beleza e discutir a
diferença entre cuidar da saúde e do bem-estar e valorizar
extremamente os aspectos estéticos.

• Nesse debate, pode-se instigar os alunos a discutirem a ati-


tude da ninfa Eco e a atitude da mulher contemporânea, a
partir de questões como: há um gênero que pode tomar a
iniciativa e outro não? Amar em vão como o fez a bela Eco
ainda é uma questão atual?

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 114

• Culminância: solicitar que os alunos optem entre produzir


uma resenha crítica ou um relatório de tudo o que foi tra-
balhado sobre o mito de Narciso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo ora desenvolvido permitiu compreender a dinâ-


mica dos mitos, que se ressignificam e se atualizam conforme o
passar do tempo. Entre os inúmeros temas abordados nos estudos
míticos está o narcisismo, o qual, muito embora pareça tratar-se
de comportamento estático e imutável, pertencente apenas a um
momento específico da mitologia, ultrapassou seu tempo, fazen-
do-se bem presente nos dias atuais.
Nesse sentido, o narcisismo tem se apresentado como uma
tendência humana, sendo notória sua incidência na sociedade con-
temporânea. O presente trabalho proporcionou conhecer a mani-
festação desse comportamento no seio social, visto que são per-
ceptíveis, por exemplo, as constantes exibições em redes sociais,
quando muitos exacerbam o amor à própria imagem em detri-
mento de outras características, ainda que não saibam tratar-se de
uma postura narcisista.
Em contrapartida, essa tendência não se limita apenas à
exposição estética no mundo virtual. Conforme ficou demonstrado
neste trabalho, o narcisismo repercutiu em outros campos como a
música, objeto do estudo aqui apresentado, realçando caracterís-
ticas como o culto exagerado à própria aparência.
Portanto, a abordagem do elemento mítico narcisismo,
elencado anteriormente, propiciou enxergar quão atual é a temá-
tica do Mito de Narciso, enraizado em várias áreas da vida huma-
na, entre elas a música, através da qual tem propagado cada vez
mais a ideia de apreço extremo à imagem.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 115

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Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 116

O REAL E O SOBRENATURAL NAS


LENDAS SOBRE BOTIJA: UMA
PROPOSTA DIDÁTICA PARA ALUNOS
DO 9º ANO
Damiana Galdino dos Santos
Maria Carmelita Miguel Brasil

1 INTRODUÇÃO

Em nosso país, no início de século passado, as lendas eram


uma tradição ainda muito presente em rodas de conversas no
cotidiano da zona rural, sobretudo do sertão nordestino. Na
transmissão de geração a geração, havia uma sincronia entre o
sobrenatural e a realidade, nessas contações de histórias
populares. A propagação dessas narrativas contribuiu para a
construção de um acervo à parte, o que contribuiu com o registro
escrito da literatura popular de origem oral.
O conhecimento da variedade desse gênero e o papel que
ele desempenha na construção de elos entre as gerações demar-
cam o objetivo primário deste trabalho, qual seja: ampliar, no con-
texto escolar, o espaço de pesquisa das histórias de tradição oral
do gênero textual lendas, mais precisamente aquelas que ficaram
conhecidas como “conto sobre botija”. O primeiro passo, a nosso

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 117

ver, é a divulgação dessas narrativas em sala de aula. O conheci-


mento das lendas antigas e das mais recentes pode ser o passo
seguinte na motivação à pesquisa sobre o gênero, que pode ser
norteada pela seguinte questão: o que há de real e sobrenatural
em tais narrativas?
Este artigo apresenta, primeiramente, uma discussão
fundamentada na pesquisa bibliográfica, com abordagem
qualitativa, sobre a lenda de tradição oral. Em seguida, através de
uma sequência didática, apresentamos um passo a passo de
introdução desse gênero em sala de aula, com apoio em
abordagem teórica específica e atividades práticas que incentivem
e orientem os alunos não só a conhecerem lendas em versão
escrita, mas a pesquisarem em suas localidades lendas e histórias
reais sobre o tema “botija”, que circulam entre os moradores do
seu convívio social.
Esta abordagem objetiva revitalizar o trabalho com esse
gênero, promovendo um encontro entre gerações, intercambiado
pela literatura que tem origem na tradição oral. Ademais, visa es-
timular o gosto pela leitura de histórias sobrenaturais, além de
oportunizar o confronto desses eventos com os fatos reais. São es-
sas as razões que nos levam a propor a inserção desse gênero tex-
tual em projetos literários desenvolvidos no chão da escola.

2 CONCEPÇÕES SOBRE O GÊNERO TEXTUAL LENDA

Entre os gêneros que se originam na tradição oral, as len-


das se destacam na literatura como um dos mais ricos acervos de
histórias pitorescas que trazem traços marcantes da cultura de
determinado povo em diferentes gerações. Mas eram, também,
meios de entretenimento das populações rurais em épocas anteri-
ores à chegada da energia elétrica.
Etimologicamente, “a palavra lenda provém do baixo latim

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 118

legenda, que significa ‘o que deve ser lido’” (BAYARD, p. 05). Para
Cascudo (2000, p. 328), a lenda é um “episódio heroico ou
sentimental com o elemento maravilhoso ou sobre-humano,
transmitido e conservado na tradição oral popular, localizável no
espaço e no tempo”. Isso significa dizer que as lendas, assim como
os demais gêneros da literatura oral, registram, de maneira
extraordinária, com marcas de tempo e de espaço, fatos triviais ou
históricos de um marcado contexto social.
Já Moisés (2010, p. 305) designa lenda nos seguintes
termos:

[...] toda narrativa em que um fato histórico se amplifica e se trans-


forma sob o efeito da imaginação popular. Não raro, a veracidade
se perde no decorrer do tempo, de molde a subsistir apenas a ver-
são folclórica dos acontecimentos. A lenda distingue-se do mito na
medida em que este não deriva de acontecimentos e faz apelo ao
sobrenatural.

Se é verdade que o mito não deriva de acontecimentos, o


mesmo não se pode dizer com relação ao apelo ao sobrenatural. A
lenda também o faz, na medida em que embaralha fato histórico e
imaginação popular.
As lendas se mantêm sólidas e perseverantes porque so-
frem leves alterações no seu processo de circulação e assimilação.
Por meio desses processos “transmitem e ensinam novas formas
sociais de comportamento, veiculando informações que são
transmitidas de geração a geração, ou seja, as lendas preservam e
comunicam tradições” (GOMES et al., 2010, p.120). Todavia, elas
não se limitam à transmissão de saberes entre gerações, mas tam-
bém entre povos de diferentes origens. Um exemplo disso é a len-
da do lobisomem, encontrada na cultura de povos antigos e mo-
dernos, na forma oral e na forma escrita. De origem local ou espa-
lhando-se pelo mundo,

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 119

[...] as lendas contribuem para a formação cultural de um povo, na


medida em que edificam a maneira de viver das pessoas, seja na sua
moral ou na sua forma de agir através dos hábitos, costumes e até
mesmo pela linguagem própria de cada região (GOMES; SILVA;
COSTA, 2012, p. 549).

Atentando para as semelhanças entre as lendas e os


contos populares, Cascudo (200, p. 328) afirma que eles
apresentam comumente quatro características: “antigui-dade,
persistência, anonimato, oralidade”. Assim como os contos
populares, as lendas se apresentam como partícipes da literatura
popular de tradição oral; participam do imaginário de diferentes
civilizações, produzidas e transmitidas por autores anônimos, ao
longo da história da humanidade; e ainda persistem atualmente,
embora não mais com tanta veemência quanto nos séculos
passados. Conforme assinalado acima, por sofrer poucas
alterações em sua trajetória, mantêm suas características básicas,
fundindo acontecimentos históricos ou do cotidiano, o
sobrenatural e a imaginação popular. Machado (1994, p. 97)
afirma que elas

[...] nos fornecem um caminho simples para os fatos culturais de


uma civilização. Com isso passamos a conhecer os mecanismos da
variação cultural e, principalmente o modo de pensar de cada po-
vo, num dado momento de seu desenvolvimento histórico.

Essa viagem no tempo, no espaço e na história dos povos,


registrada nas lendas na modalidade escrita, assume um caráter
pedagógico, haja vista que, ao conhecer essas histórias, abre-se a
possibilidade de um aprendizado através da transmissão de
valores, costumes e crenças por parte dos leitores.
Uma das modalidades de lenda ou legenda é aquela estu-
dada por Jolles (1976). O exemplo de que mais se ocupa esse pes-
Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 120

quisador é o de São Jorge, soldado que teria vivido no Império


Romano, na época das perseguições aos cristãos comandadas pelo
imperador Diocleciano. O fato desse soldado cristão ter existido
ou não é irrelevante, pois o dado histórico que serve de base para
a lenda é a atitude de desobediência às ordens do imperador, por
parte de qualquer soldado devotado a Cristo, o que, certamente,
não foi incomum. Sobre o fato real, dá-se, com o passar dos anos e
até dos séculos, a intervenção do imaginário e da linguagem:

A tudo isso, repetimos, chamaremos Legenda. Trata-se de um fe-


nômeno delinguagem e de literatura. Sob o impulso de uma dispo-
sição mental, a língua denomina, produz, cria e significa uma figura
derivada da vida real e que intervém, a cada instante, nessa vida
real (JOLLES, 1976, p. 50).

A lenda se forma com o passar do tempo, mas também se


altera com o passar do tempo. Na antiguidade romana, Jorge é o
soldado cristão que, ao se recusar a sacrificar cristãos, entregou-se
ao sacrifício em nome de sua fé. Ele teria ouvido uma voz, vinda do
alto, que lhe teria dito para não ter medo, ao mesmo tempo em que
uma aparição celeste, vestida de branco, teria lhe estendido a mão
(op. cit. p. 44). Séculos depois, na alta Idade Média, São Jorge agre-
ga novas características, conforme os novos desafios feitos aos
cristãos: transformam-se, lentamente, sua fisionomia, sua missão e
seu caráter. Agora, em vez de se sacrificar, ele é o paladino que ata-
ca os inimigos da fé, que mata dragões e liberta a Virgem (op. cit. p.
49). O caso de São Jorge é o exemplo da lenda ou legenda que nar-
ra a história de um santo. Nele, como vimos, amalgamam-se o real
e o sobrenatural. Algo semelhante ocorre em outras modalidades
de lenda.
Interessa-nos, neste trabalho, não a história de um santo,
mas uma narrativa que teria por base um fato real – o tesouro en-
terrado em vaso, garrafa ou em saco de tecido por seu proprietá-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 121

rio, livrando-o da ação de salteadores. Tratava-se de uma prática


comum nos séculos passados, realizada por pessoas de grande po-
der aquisitivo. Eis o ponto de partida de um relato a que se agrega
o elemento sobrenatural. Esse gênero de narrativa e sua temáti-
ca, que discutiremos a seguir, pode gerar calorosos debates em
sala de aula.

3 AS LENDAS SOBRE BOTIJAS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA


O ENSINO-APRENDIZAGEM

As lendas ganharam existência e se perpetuaram na voz de


exímios contadores de história, responsáveis por propagar essa
literatura de origem oral. A antiguidade e a persistência do gênero
já seriam justificativas razoáveis para seu acolhimento na escola,
caso não fosse ele indicado em documentos legais que regem a
educação brasileira.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997)
elencam as lendas populares como um dos gêneros discursivos
adequados para o trabalho com a linguagem oral e escrita. De fato,
tanto no contexto da leitura quanto da escrita, elas podem abrir
caminhos para a prática com a linguagem formal e a informal.
Certamente, o contato com esse gênero literário estimula a
imaginação, a criatividade, o uso da língua materna em variadas
situações de comunicação e o conhecimento ou reconhecimento
de saberes e temas locais ou universais. A Base Nacional Comum
Curricular (2019, p. 96) também faz referência ao trabalho com
gêneros que contenham características seme-lhantes às
apresentadas pelas lendas. A habilidade (EF01LP42) do citado
documento preconiza o seguinte: “reconhecer que os textos
literários fazem parte do mundo do imaginário e reconhecer
tambéma sua dimensão lúdica e de encantamento” (BRASIL, 2019,
p. 96).
Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 122

Ao adquirir essa habilidade, o aluno desenvolve a capa-


cidade de ler, compreender e interpretar textos da literatura oral
e escrita, mantendo, por meio de análise comparativa, relação
entre eles, com o mundo e com os conhecimentos das tradições da
comunidade a que pertence, construindo, desse modo, uma
aprendizagem bem mais significativa.
As recomendações oficiais nos remetem ao que já afirma-
mos acima: conforme Jolles (1976), no que diz respeito à lenda,
trata-se de um fenômeno de linguagem, de literatura, impulsiona-
do por uma disposição mental. Essa forma, uma das que o citado
pesquisador chama de “forma simples”, pode vir a ser um atrativo
para o aluno leitor. Esse poderá ler com prazer textos dessa natu-
reza e ir além, interessando-se por conhecer mais sobre esse gê-
nero e seus temas.
É possível, portanto, que mesmo interagindo com o mun-
do através das redes sociais, tendo contato com o distante, o aluno
passe a perceber o que é próximo, o que pertence à cultura local, e
que lhe chega por via oral ou escrita. Nunca é demais lembrar que
muitas lendas, locais ou universais, já se encontram disponíveis na
internet em empresas de serviços online como o Google e em pla-
taformas como o YouTube.
As lendas sobre botijas, narradas nas rodas de conversa,
alimentam a imaginação que envolve o mistério e o sobrenatural, a
curiosidade por histórias “antigas” e a fantasia por tesouros enter-
rados. Despertado o interesse do aluno pelo gênero e sua temáti-
ca, os próximos passos poderão ser a realização de pesquisas na
internet, a consulta a idosos da comunidade e o fomento à discus-
são sobre as relações entre o real e o sobrenatural.
Cientes das possibilidades que o estudo das lendas sobre
botija pode proporcionar ao ensino e à aprendizagem, este artigo
apresenta, a título de sugestão, uma sequência didática para o
trabalho com a leitura e a escrita em sala de aula espelhada,

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 123

sobremaneira em orientações e sugestões apresentadas por Elisa


Meirelles (2020):

3.1 Proposta da sequência didática

Título
As lendas sobre Botija: acontecimentos naturais ou sobre-
naturais?

Turma: 9º ano

Relevância para a aprendizagem


O objetivo dessa sequência é identificar e conhecer as
lendas sobre botija, averiguandoa mimese do real e as construções
sobrenaturais nessas narrativas que fazem parte da cultura
popular ou de determinada comunidade.

Diálogo com a BNCC


Esta sequência corrobora com as seguintes Competências
Específicas da BNCC:

EF67LP28: Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionan-


do procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes
objetivos e levando em conta características dos gêneros e supor-
tes –, romances infanto- juvenis, contos populares, contos de ter-
ror, lendas brasileiras, indígenas e africanas, narrativas de aventu-
ras, narrativas de enigma, mitos, crônicas, autobiografias, histórias
em quadrinhos, mangás, poemas de forma livre e fixa (como sone-
tos e cordéis), vídeo-poemas, poemas visuais, dentre outros, ex-
pressando avaliação sobre o texto lido e estabelecendo preferên-
cias por gêneros, temas, autores (BRASIL, 2019, p.166).

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 124

EF69LP44: Inferir a presença de valores sociais, culturais e huma-


nos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reco-
nhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares
sobre as identidades, sociedades e culturas e considerando a auto-
ria e o contexto social e histórico de sua produção (BRASIL, 2019,
p.155).

Objetivos de Aprendizagem:
• Discutir e analisar com os alunos algumas concepções
de lenda esboçadas por pesquisadores do gênero.
• Averiguar a relação entre fatos reais ou sobrenaturais na
construção das lendas.
• Incentivar o gosto pela leitura através do gênero lenda.
• Estimular a linguagem oral e a escrita para recontar len-
das.

Desenvolvimento

Atividade 1
Duração: 02 aulas de 50 minutos cada.

Inicie a aula fazendo um levantamento prévio dos


conhecimentos dos alunos com questionamentos a respeito do
gênero abordado: “lenda”.

Discussão:
• Como se originam as lendas?
• Vocês conhecem ou já ouviram falar em alguma lenda?
• Se já ouviram, quem a contou e em que contexto?
• Que outros gêneros textuais parecidos com as lendas vo-
cês gostam de ler?

Com base nas arguições dos alunos, complemente as

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 125

informações apresentadas, faça esclarecimentos, suscite novos


questionamentos e teça comentários gerais sobre o gênero.
Com recurso de slides, apresente e comente com os alunos a
definição de lenda e as suasprincipais características. Nesse aparte,
alimente um debate sobre o que é real, imaginário ou
sobrenatural no conteúdo das lendas.
Aproveite o momento para incitar a criticidade dos alunos,
exibindo um vídeo sobre a caça às botijas, que foi ao ar pela
Record TV, no programa Domingo Espetacular (2020).1 Peça que,
em grupos, façam anotações com os posicionamentos dos
participantes sobre o que consideram real ou sobrenatural acerca
das histórias exibidas na reportagem.
Depois da exibição do vídeo, escolha um representante de
cada grupo para apresentar o ponto de vista da equipe. Continue a
aula perguntando se os alunos já ouviram alguém falar de botija;
se a resposta for afirmativa, indague se há semelhanças com as
histórias relatadas na reportagem.
Respaldado nas informações do vídeo e nas discussões,
solicite que os alunos, em grupo ou individualmente, façam uma
consulta popular na sua comunidade sobre histórias reais de caça
ao tesouro realizadas por moradores locais ou seus antecessores.

Atividade 2
Duração: 1 aula de 50 minutos.

No início da aula, reveja os principais pontos abordados na


atividade anterior e, organizando a sala em forma de círculo, peça
que os alunos apresentem os resultados da consulta popular. A
partir dos relatos, levante a discussão sobre o que os alunos
1
O professor pode utilizar o link
<https://www.youtube.com/watch?v=f4rOPJHl8zg&ab_channel=DomingoEspetacu
lar> ou baixar o vídeo paraexibição em sala de aula.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 126

consideram real ou sobrenatural nos relatos apresen-tados. Sugira


que justifiquem suas ponderações.
Logo após, esclareça que essas histórias vividas e
transmitidas de geração a geração serviram de inspiração para a
produção de obras literárias escritas. Como exemplo, mostre o
livro Botija: Em busca de um tesouro, de autoria de Antônio F.
Soaress (2021), e instigue os alunos a levantarem hipóteses a
respeito do livro. Cumprida essa tarefa, leia a resenha a seguirpara
a turma, com vistas a despertar o interesse dos alunos para a
leitura integral da obra.

Resenha

“Quem não deseja encontrar um tesouro, quem sabe até um


encantado? E não precisa nem ao menos ser material. Mas afinal,
quais são mesmo os tesouros pelos quais buscamos? Quais são os
tesouros pelos quais vale a pena lutar? Pança e Ramiro adentram
um cerrado mítico e místico, repleto de fantasia e mistérios para
obterem essas respostas. Em sua jornada para as regiões do
interior piauiense, enfrentam desafios alucinantes e passam por
experiências assustadoras de tirar o fôlego; encontrando em seu
caminho pessoas, casas, batalhas e até uma cidade inteira mal-
assombrada. Tudo para descobrir que suas maiores jornadas,
aventuras e o duelos com os piores demônios acontecem dentro
de si mesmos.
A narrativa envolvente de Antonio Soares arrebata o leitor,
junto com os personagens, para o meio de um ambiente sombrio e
misteriosamente arrepiante, uma jornada na qual confrontamos
os nossos piores medos e enfrentamos nossos demônios, sejam
eles quais forem: Nesta obra, escrita em linguagem simples e bem-
humorada, Antonio Soares, com um olhar sensível, aproveita para
apresentar ao leitor valores que são a base do nosso equilíbrio

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 127

mentale espiritual, e reflexões sobre os nossos hábitos nocivos que


muitas vezes podem causar a nossa ruína ou a dos outros ao nosso
redor. Quanto ao tom da narrativa, o autor varia sua escrita ora
com tons pitorescos ora psicodélicos, ora cômicos ora sombrios. Na
fala de um dos personagens da estória, o Homem do Burro: “Nem
tudo aquilo que parece ser é”, o autor já nos sugere o caráter
simbólico de sua obra.
A história começa com a chegada de Ramiro à cidade de
Mangueiral. Logo, de uma forma inusitada, ele esbarra em Pança,
que viria a ser seu grande aliado de jornada. E ao se depararem
com uma suposta alma que lhes fala de um tesouro encantado,
uma botija sob as raízes de uma árvore, numa tapera aban-
donada, os dois resolvem se aventurar pelo desconhecido, com
perigos que suas mentes sequer poderiam conceber, e tudo isso
em forma de lendas e mitos populares.
Disponível em: https://www.amazon.com.br/Botija-Em-busca-um-Tesouro-
ebook/dp/B07FPWT6LZ. Acesso em 09, set. 2020.

Depois da leitura, solicite aos alunos que respondam no


caderno os questionamentos feitos no primeiro parágrafo da
resenha. Em seguida, peça para que eles leiam a referida obra
Botija: Em busca de um tesouro (2021), de autoria de Antônio. F.
Soaress.
O professor pode sugerir ainda que os alunos pesquisem
romances, mas também cordéis e textos não literários que tratem
de diversas lendas, inclusive da lenda da botija.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 128

Atividade 3
Duração: 2 aulas de 50 minutos cada.

Inicie a aula levantando questões sobre o conteúdo abor-


dado no livro. Sugira que os alunos compartilhem as vivências e
as impressões construídas durante a leitura da obra. Após a
partilha das vivências, inicie uma série de perguntas norteadoras
para que os alunos identifiquem as características implícitas e
explícitas do texto e confirmem ou não suas hipóteses.

Discussão

• De que trata o texto?


• Que relação se pode estabelecer entre o título e o enredo
da obra?
• Que estratégias linguísticas o narrador usa para prender a
atenção do leitor?
• Se o tema da obra já aparece no seu título, como age cada
personagem com relação à aventura de descobrir botijas?
• Qual o público-alvo desse texto? Você acha que ele inte-
ressa apenas aos jovens?
• Que tipo de sensação a leitura da obra provoca no leitor:
medo, mistério, aventura? Ou outro?

Em seguida, promova uma discussão, orientando os alunos


a fazerem uma análise comparativa entre a resenha e a obra lida e
a se posicionarem dizendo até que ponto a avaliação sobre o livro,
apresentada na resenha, contribuiu para e com a leitura de Botija:
Em busca de um tesouro.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 129

Por fim, lance o seguinte questionamento: com base nos es-


tudos realizados, o que pode ser considerado real ou sobrenatural
nas histórias sobre o tema “botija”? Oriente os membros de cada
grupo a entrarem em consenso para construir um texto que res-
ponda, apresentando justificativas, a essa interrogação. Conclua o
trabalho pedindo que socializem as suas produções. Compare a
perspectiva de cada grupo, atentando para o fato de que várias
formas de interpretação de um mesmo texto são possíveis, desde
que baseadas em elementos do próprio texto.
Como atividade extraclasse, proponha aos grupos a esco-
lha de uma das histórias sobre botija para escrever um texto tea-
tral curto, que deverá ser encenado nas dependências da escola.

Atividade 4
Duração: 02 aulas de 50 minutos cada.

Depois de ler e sugerir alterações nos textos teatrais


escritos, apresente aos alunos estratégias de organização dos
ensaios e das encenações.
Conclua as atividades dessa proposta organizando e
realizando com a turma, nas dependências da sala de aula, a
encenação dos textos teatrais produzidos. Institua uma mesa
julgadora para avaliar as apresentações. A encenação campeã
fará uma apresentação no pátio da escola para as demais turmas,
marcando assim a culminância da sequência didática. Ela pode
ser desenvolvida durante as comemorações alusivas ao folclore
brasileiro comumente trabalhado nas escolas.

Averiguação do Objeto de Aprendizagem

Para efeito de avaliação da aprendizagem, considere a


autoavaliação que cada aluno fará do seu desempenho, as

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 130

arguições individuais, as produções coletivas e a participação nas


atividades extraclasses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura popular brasileira tem um rico acervo de obras


de tradição oral que não raro motivam o aparecimento de obras
na modalidade escrita. Fazem parte desse tesouro literário as
produções do gênero textual lenda. O estudo desse gênero
promove um intercâmbioentre gerações através da transmissão de
conhecimentos sobre a cultura, as crenças e os valores de
determinadas comunidades ou civilizações por meio da
escutatória ou da leitura gráfica.
Na modalidade oral ou escrita, as lendas, mesmo que não
tenham surgido com finalidade pedagógica, podem ser examina-
das em sala de aula, desde que seu caráter imaginativo e estético
não seja relegado a um segundo plano. Feita essa ressalva, acor-
damos que essas histórias podem e devem ser lidas, criticamente,
como veículos de valores, de crenças, costumes e de outros ele-
mentos que compõem o imaginário do passado e, mesmo, do pre-
sente.
O ato de ler já é, por si só, o passo inicial para uma educa-
ção literária efetiva. A forma do gênero e seu potencial temático
podem ser atrativos para os alunos e uma boa alternativa para o
professor que objetiva formar leitores. A lenda, como uma “forma
simples”, no dizer de Jolles (1976), tende a despertar a curiosida-
de, a fantasia e a imaginação e resulta de uma disposição mental.
Podemos dizer, de outro modo, que revela o imaginário, a mentali-
dade e valores universais ou locais.
Essas arguições avivam a proposta de introdução, com
mais efetividade, de lendas populares nas atividades de ensino da
língua materna. Pode-se, a partir do estudo da lenda oral ou escri-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 131

ta, levar o aluno à descoberta de obras da literatura e de outras


artes que se apropriaram dessa forma de narrativa e lhe conferi-
ram novo tratamento estético, como é o caso de contos, romances,
vídeos, filmes de ficção, novelas de tv, etc.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/19624/15-planos-de-aula-
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caça às botijas. 2020. (11m49s). Disponível em:
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Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 132

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Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 133

INDIVIDUALISMO, VIRTUDE E SUA


CORRUPÇÃO EM JASÃO E NARCISO:
UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
PARA O 6° ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Francisco Antonio Pereira de Araújo

1 INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva apresentar uma proposta de interven-


ção para a turma do 6° ano do Ensino Fundamental, envolvendo
uma discussão sobre o individualismo nos mitos de Jasão e Narci-
so, com apoio teórico em autores como Bertman (2011), Brandão
(1987) e Grimal (2013). Para a produção da intervenção pedagó-
gica, fundamentamo-nos na sequência básica de Cosson (2018).
Inicialmente vamos abordar o que são os mitos para tentar
entender a sua natureza. Depois, como os mitos gregos retrataram
o valor da individualidade e de que forma essa virtude pode ser
corrompida. Assim, a mitologia grega é algo fascinante com seus
relatos de deuses e aventuras de heróis que nos cativam a atenção
e nos inspiram a imaginação. De modo mais preciso, Grimal (2013,

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 134

p. 7) nos demarca os limites temporais do auge da mitologia gre-


ga:

[...] conjunto de relatos fantásticos e lendas cujos textos e monu-


mentos representativos nos mostram que estavam em voga nos
países de língua grega entre os séculos IX ou VIII antes de nossa
era, época a que se reportam os poemas homéricos, e o fim do pa-
ganismo, três ou quatro séculos depois de Jesus Cristo.

Para o autor, a definição apresentada acima é mais descri-


tiva do que exaustiva, pois a matéria é complexa, possuindo carac-
terísticas diversificadas, posto ter exercido um papel fundamental
na espiritualidade do mundo grego. E não apenas entre os gregos,
pois não existiu povo que não tenha, em sua história, desenvolvido
mitos e lendas. Alguns criaram mitos cujo domínio é religioso.
Como exemplo, Grimal (2013) cita os poemas épico-religiosos in-
dianos. Entre outros povos, o elemento predominante foi o épico.
Esse seria o caso dos mitos dos povos celtas. Todavia, existiram
povos entre os quais o mito perdeu seu caráter sobrenatural para
ganhar ares de história. Esse parece ter sido o caso dos romanos.
Grimal (2013) entende que todas essas naturezas ou domí-
nios do mito estiveram presentes entre os gregos. Talvez, por isso,
a mitologia tenha sido tão rica e profícua na Grécia Antiga. Além
disso, a palavra mito era aplicada a qualquer história contada,
“tanto ao tema de uma tragédia ou intriga de uma comédia quanto
ao tema de uma fábula de Esopo” (GRIMAL, 2013, p. 8). Generali-
zado assim, o mito não se sujeitava a uma lógica aristotélica. Logo,
é provável que encontremos incoerências lógicas em alguns mitos,
principalmente naqueles que tratam da origem do mundo e dos
deuses.
Isso ocorre porque, no pensamento grego, o mito opõe-se
ao logos. Este é a razão, a lógica matemática perfeita. Aquele é a
fantasia, a imaginação e o fantástico. Ambos são opostos, mas não

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 135

são inconciliáveis. São, antes, duas metades opostas que se com-


plementam.

O logos, sendo um raciocínio, pretende convencer; ele provoca em


quem ouve a necessidade de fazer um julgamento. O logos é ver-
dadeiro se for correto e conforme à “lógica”; é falso se dissimular
algum embuste secreto (um “sofisma”). Mas o “mito” não tem ou-
tro fim senão ele mesmo. Quer se acredite nele ou não, ao seu bel-
prazer, por um ato de fé, quer seja considerado “belo” ou verossí-
mil, ou simplesmente porque se deseja acreditar nele” (GRIMAL,
2013, p. 8, grifos do autor).

Desse modo, acreditamos que o mito não quer retratar a


realidade tal como ela é. Todavia, a partir da criação de uma ima-
gem ou símbolo, o mito deseja nos apresentar uma verdade que
muitas vezes nos é despercebida. O mito, então, é “uma forma de
revelação que ajuda a conceber o mistério do mundo, mas que não
devia ser tomado ao pé da letra” (GRIMAL, 2013, p. 10). Para o
autor, o mito seria um ponto de equilíbrio entre a razão e a fé, pois
“até os filósofos, quando o raciocínio chega ao limite, recorrem a
ele como um modo de conhecimento suscetível de alcançar o in-
conhecível” (GRIMAL, 2013, p. 11).
Portanto, o mito não é uma construção sistemática, mas al-
go que foi se desenvolvendo ao logo do tempo conforme o povo
que o contava e recontava. Nele, o erudito e o popular se mistu-
ram, dando vida ao relato.
Todavia, afluem tentativas de defini-lo. Uma possível classi-
ficação dos mitos nos é apresentada por Grimal (2013). Os mitos,
relacionados à origem do mundo e dos deuses, comporiam a mito-
logia em sentido estrito. Seriam os mitos cosmogônicos e teogôni-
cos. Esses teriam um significado mais religioso. Em sentido amplo,
os mitos incluem os ciclos divinos e heroicos.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 136

Esses ciclos constituem séries de episódios ou histórias cuja uni-


dade é fornecida pela identidade do personagem que corresponde
ao herói. Diferente dos “mitos”, esses relatos não possuem ne-
nhum significado cósmico. Quando Hércules sustenta o céu sobre
os ombros, está provando apenas sua força física [...] Pouco impor-
ta que o herói desses relatos seja um deus (Hermes, Afrodite, o
próprio Zeus) ou um mortal semidivinizado (GRIMAL, 2013, p. 20,
grifos do autor).

Assim, ainda que o relato apresente a ação dos deuses, es-


ses ciclos heroicos não possuem uma temática religiosa ou teoló-
gica. Sua temática é folclórica, de peculiaridade fracionária, pois os
episódios são histórias independentes, que formam um todo em
sua evolução de um modo não inteiramente ordenado.
Há ainda um terceiro tipo de relato mítico que seria uma
espécie de novela:

Como o precedente, situa-se em locais determinados; assim como


ele, não tem valor cósmico ou simbólico, mas, enquanto o ciclo é
concentrado em torno de uma só figura, a unidade da “novela” é
puramente literária e se define por uma intriga. Assim, a guerra de
Troia não é nem um ciclo de Helena em um ciclo de Aquiles, tam-
pouco dos Priâmidas. Ela é a história de uma longa aventura, com
episódios complexos e personagens diversos (GRIMAL, 2013, p.
21, grifo do autor).

Apesar de apresentar essa classificação dos mitos, o autor


compreende que nenhuma classificação seja totalmente exata.
Isso porque as fronteiras entre os mitos podem ser ultrapassadas
facilmente. Assim, “o mito cosmogônico pode se degradar em ci-
clos ou em novelas; a lenda etiológica integra-se em um ou outro
caso com extrema facilidade” (GRIMAL, 2013, p. 23).

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 137

2 O MITO COMO CENA DO INDIVIDUALISMO

Conforme Bertman (2011), uma das virtudes valorizadas


pelos gregos era o individualismo, sendo a mitologia um modo de
expressar esses valores em seus relatos. Observamos que, segun-
do o senso comum, hoje a palavra individualismo é carregada de
um sentido negativo.
Entretanto, vejamos qual era a compreensão dos gregos
acerca dessa palavra. Bertman (2011, p. 155) define individualis-
mo como “ter orgulho de nossa singularidade como seres huma-
nos e de nossa capacidade pessoal para realizar grandes coisas. Se
não cuidarmos de nossa realização como indivíduos, o sentido
pleno da palavra liberdade nunca será compreendido”.
Segundo o autor, o que proporcionou, entre os gregos, o
nascimento da democracia foi a valorização do indivíduo. Enquan-
to as sociedades do Egito e Mesopotâmia valorizavam a submis-
são, a obediência e a humildade, os gregos valorizaram o orgulho e
a realização pessoal. Em outras palavras, as sociedades anteriores
davam primazia à coletividade, e não ao indivíduo.
Consequentemente, entre elas, originaram-se governos
centralizados e autoritários. Contudo, como os gregos primavam
pelo valor do indivíduo, tiveram a condição necessária para o sur-
gimento da democracia entre eles. Portanto, a democracia “está
baseada na fé, na responsabilidade individual e na confiança no
julgamento individual. O julgamento por júri formado pelos cida-
dãos é outra invenção grega fundamentada na mesma premissa”
(BERTMAN, 2011, p. 156).
Com efeito, a proteção que o Estado deve dar ao indivíduo,
independente de quem seja, independente de sua crença, etnia,
sexo ou cor, é a única maneira de realmente garantir o tratamento
igual de todos perante a lei. Quando isso não é observado, a demo-
cracia corrompe-se em pura demagogia. Entretanto, os gregos

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 138

entendiam que a valorização da individualidade era conciliável


com o bem coletivo.

Dar primazia ao indivíduo, porém, não significava desdenhar o Es-


tado. Os gregos antigos levavam a cidadania a sério porque tinham
consideração pelo conceito de comunidade, reverenciavam suas
leis como um filho respeita os pais e viam a comunidade como a
responsável por criar e educar a pessoa. Quem deixasse de fazê-lo
era um idiotés, “pessoa preocupada apenas com seus próprios as-
suntos”, palavra que deu origem ao termo idiota. (BERTMAN,
2011, p. 156).

A própria comunidade ou cidade era chamada de polis, pa-


lavra da qual se originou política. O cidadão era aquele que parti-
cipava das decisões, da vida da polis ou cidade, ou seja, era aquele
que fazia política no melhor sentido da palavra. Era aquele que
não se preocupava apenas consigo mesmo, mas que se envolvia
nas questões da polis para o bem de todos.
Assim, os gregos valorizam as liberdades individuais, mas
tratava-se de uma liberdade que, por vezes, significava o próprio
sacrifício do herói para um bem maior: o bem da comunidade. Tal
sacrifício é bem retratado nos relatos dos feitos dos heróis. Entre-
tanto, como o herói é concebido nos relatos míticos? O herói é vis-
to como alguém que busca a excelência.

O conceito grego de indivíduo não era estático, e sim dinâmico. O


humanismo podia ser realidade, mas implicava a busca da exce-
lência como sua justificativa e o individualismo como seu exem-
plo. Portanto, um herói era uma obra em andamento, continua-
mente empenhado em alguma coisa, buscando, encontrando e não
desistindo. (BERTMAN, 2011, p. 156-157).

Isso significa que os heróis eram seres com defeitos, que ti-
nham falhas e que estavam em desenvolvimento como todos os
homens. Sem esse caráter de verossimilhança do herói, dificilmen-
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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 139

te o mito teria êxito entre seus ouvintes. Além disso, os heróis são
a representação por excelência do valor da individualidade. Con-
tudo, o herói nunca vence sozinho, pois ele sempre tem a ajuda
dos deuses ou de um humano; em especial, de uma mulher. O que
demostra que os gregos entendiam que nenhum valor deve ser
levado ao extremo, mas que tudo deve possuir equilíbrio.
Segundo Bertman (2011, p. 157), se “o individualismo de-
sempenhava um papel tão importante na vida da Grécia Antiga,
nada mais natural que ocupasse também um lugar de destaque em
sua mitologia. E de fato ocupava”. Assim, a virtude do individua-
lismo é retratada na vida dos heróis, como também os mitos signi-
ficam que o exagero dessa virtude corrompe o herói, transfor-
mando-o em um ser egocêntrico, e o individualismo, em egoísmo
puro. Para verificarmos isso, vejamos os mitos de Jasão e de Nar-
ciso.

3 JASÃO: INDIVIDUALISMO QUE SE TRANSFORMA EM EGOÍS-


MO

O mito de Jasão conta que um tio seu, desejoso de poder,


queria vê-lo morto e o mandou buscar um Velocino de Ouro, ou
seja, um couro de carneiro que seria de ouro. Jasão teria que viajar
até o fim do mundo para encontrar esse artefato mágico, eviden-
temente passando por muitas aventuras. O Velocino de Ouro esta-
va na Cólquida. Para chegar lá, era necessário atravessar o Mar
Negro. Jasão, então, mandou construir um navio especial, que ele
chamou Argos, conseguindo montar uma tripulação de heróis tais
como Hércules, Orfeu e Peleu, nomeados de argonautas.
A viagem foi repleta de aventuras, como se era de esperar.
Mas Aetes, o rei da Cólquida, não gostou da chegada daqueles es-
trangeiros. Contudo, Jasão ganhou uma aliada, a filha do rei, Me-
deia, que se apaixonou por ele. Para conceder o Velocino de Ouro

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 140

a Jasão, o rei propôs um desafio: Jasão teria de unir uma parelha


de bois que soltavam fogo pelas narinas, depois arar a terra com
eles e semear as presas de um dragão.
Jasão, com a ajuda da feiticeira Medeia, que lhe dera uma
pomada mágica para proteger a pele contra queimaduras, realizou
com êxito os desafios. Entretanto, o rei não cumpriu sua palavra.
Assim, Medeia resolve ajudar novamente Jasão a conquistar o Ve-
locino de Ouro, o qual era guardado por um dragão. A princesa,
com seus feitiços, fez o dragão dormir. Ao fugirem, o rei persegue
os argonautas. Medeia, que havia levado seu irmão na fuga, corta-
o em vários pedaços e vai lançando-os ao mar. O rei fica ocupado
juntado os pedaços do corpo do filho e, assim, a embarcação con-
segue fugir.
Na sequência, Jasão, que já possuía o Velocino de Ouro, en-
tendeu que não precisava mais de Medeia. Em suas viagens, pen-
sando no seu crescimento pessoal, casou com uma princesa de um
reino em que havia se hospedado. Medeia, então, envia um pre-
sente para a noiva: um vestido envenenado. A noiva morre. Para
vingar-se ainda mais de Jasão, ela mata os próprios filhos que com
ele tivera.
Esse mito, embora retrate o individualismo como um bem,
como uma virtude, demonstra que a própria virtude tem os seus
limites. Primeiro, porque Jasão sozinho nunca teria conseguido o
Velocino de Ouro. Até mesmo o herói, para cumprir com sua mis-
são, precisa dos outros. Sem os argonautas e, principalmente, sem
Medeia, ele jamais teria alcançado êxito. Nas palavras de Bertman
(2011, p. 161), “a história nos mostra como o individualismo pode
ser um instrumento de derrota pessoal quando vira egoísmo puro.
Ao desconsiderar os sacrifícios que Medeia fizera por ele e trocá-
la por uma nova mulher visando ao benefício de sua carreira, ele
decretou seu próprio fim”.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 141

Ainda conforme Bertman (2011, p. 161), esse mito nos en-


sina que “a virtude levada a extremos egoístas se transforma em
defeito grave”. Em outras palavras, de que adianta terminarmos
nossa história com o Velocino de Ouro, com troféus, com sucesso,
e estarmos sozinhos, já que abandonamos quem estava do nosso
lado? Como diz Bertman (2011, p. 162), “não basta só o troféu
como companhia”.
Outro mito que vem nos ensinar como a virtude da indivi-
dualidade pode ser corrompida, quando em excesso, é o mito de
Narciso.

4 O MITO DE NARCISO: EGOCENTRISMO E TRAGÉDIA

Primeiro vejamos a etimologia da palavra Narciso. Segundo


Brandão (1987, p. 173):

NARCISO, em grego Νάρκισσος (Nárkissos). Comecemos pela eti-


mologia. Nárkissos, o nosso Narciso, não é palavra grega. Talvez se
trate de um empréstimo mediterrâneo, quem sabe da ilha de Cre-
ta. De qualquer forma, do ponto de vista etimológico, temos em
Νάρκισσος (Nárkissos) o elemento nάρκη (nárke), que, em grego,
significa “entorpecimento, torpor”, cuja base deve ser o indo-
europeu (s)nerg, “encarquilhar, estiolar, morrer”.

Como fica evidente acima, a palavra Narciso não possui um


bom significado, estando relacionada a entorpecimento. Ela rela-
ciona-se ao nome de uma flor (narciso), tida como uma substância
psicotrópica ou entorpecente.

[...] nárke será a base etimológica de nossa palavra narcótico e to-


da uma vasta família com o elemento narc-. Sob este enfoque, co-
mo demonstrou Murray Stein, várias associações se poderiam fa-
zer com a flor narciso: ela é “bonita e inútil”; fenece, após uma vi-
da muito breve; é “estéril”; tem um “perfume soporífero” e é ve-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 142

nenosa, tal qual o jovem Narciso, que, carente de virtudes mascu-


linas, é estéril, inútil e venenoso (BRANDÃO, 1987, p. 173).

No relato do mito, Narciso é um jovem extremamente belo,


desejado por muitas mulheres e ninfas. No entanto, ele despreza-
va o amor de todas e recusava suas investidas. Certo dia, uma nin-
fa chamada Eco se apaixonou por ele. Esta fora castigada por Hera
a apenas repetir as palavras que ouvia. Isso ocorreu devido à ninfa
ter protegido Zeus em suas aventuras amorosas.
Quando a ninfa viu Narciso, ficou perdida por ele, porém
não conseguia se comunicar. Narciso, ao sentir que alguém o per-
seguia no campo, gritou:

— Há mais alguém aqui?


— Aqui – respondeu Eco.
— Então, venha para perto de mim – disse ele.
— De mim – respondeu ela.
Quando ele se aproximou, a ninfa saiu de trás de uma árvore e
correu para abraçá-lo, mas Narciso recuou e mandou-a ir embora.
— Embora – repetiu Eco, virando-se, o rosto triste.
Conta a lenda que ela sofreu por causa de Narciso durante tanto
tempo que definhou e seu corpo desapareceu, restando apenas o
eco de sua voz (BERTMAN, 2011, p. 162).

Contudo, Narciso havia sido amaldiçoado por uma de suas


pretendentes. Esta desejou que ele se apaixonasse por alguém
tanto quanto as pessoas se apaixonavam por ele. De fato, a maldi-
ção se cumpriu quando Narciso viu seu próprio reflexo nas águas
de um lago. Ao falar com seu reflexo, pensando ser outro rapaz,
parecia que este lhe respondia, mas não saia o som de sua voz.
Narciso toca, então, nas águas e o reflexo some, mas logo reapare-
ce. Ele permaneceu ali deitado junto ao lago, incapaz de satisfazer
sua paixão, sem se alimentar até a morte.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 143

O mito de Narciso demostra como o exagero do amor-


próprio ou do individualismo pode se transformar em egocen-
trismo. Nas palavras de Bertman (2011, p. 162), “o individualismo
que faz a pessoa se voltar para si mesma, isolando-se, pode ser
fatal, como demonstra o mito de Narciso”. Esse mito parece ilus-
trar o engano da autossuficiência. Narciso, inconsciente, basta-se a
si mesmo. Por conseguinte, ele se isola completamente de todos.
A vida em sociedade, a vida na polis implica necessariamen-
te uma interdependência entre todos. Cada um faz a sua parte;
somente chega-se a um todo em harmonia. Quando um membro
da sociedade não cumpre com sua responsabilidade, os problemas
aparecem e outros arcarão com os custos. Para se relacionar com
os outros, é fundamental encontrar o equilíbrio entre indepen-
dência e dependência, entre individualidade e coletividade, pois
cada indivíduo é parte de um todo.
Narciso não encontra essa harmonia e se entrega ao vício
de si mesmo. Ele representa “um idiotés, ‘pessoa preocupada ape-
nas com seus próprios assuntos’, palavra que deu origem ao termo
idiota” (BERTMAN, 2011, p. 156). Indica a pessoa que não tem
consciência do valor da comunidade, da polis e, assim, não se en-
volve na vida comunitária, ou seja, vive de modo apolítico e se
torna um completo inútil. Como destaca Brandão (1987, p. 173),
“o jovem Narciso, que, carente de virtudes masculinas, é estéril,
inútil e venenoso”.
Ainda conforme Brandão (1987), para compreendermos o
mito, é necessário entender que Eco representa o oposto de Narci-
so. Logo, estamos diante de dois extremos. Os gregos entediam
sabiamente que os extremos são sempre perigosos. Enquanto
Narciso enreda-se em uma autoidolatria, Eco incorre na idolatria
do outro. Narciso só pensa em si, Eco só pensa no outro. Em am-
bos, a paixão fora de controle conduz a uma autodestruição.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 144

Consoante o psiquiatra e analista junguiano, Dr. Carlos


Byington, citado por Brandão (1987, p. 178), “Narciso e Eco estão
em relação dialética de opostos complementares, não só de mas-
culino e feminino, mas sobretudo de sujeito e objeto, de algo que
permanece em si mesmo e de algo que permanece no outro”. Ain-
da segundo o autor:

Narciso e Eco são dois caminhos provenientes de uma raiz co-


mum, do sofrimento cultural, e que buscam, através de suas peri-
pécias, se encontrar e se resolver. Acontece que, como se encon-
tram e não se resolvem, e mais ainda, se separam, nos fica desse
encontro-desencontro a marca de uma discórdia e de uma tragé-
dia, que muito nos elucida sobre a realidade do homem e da mu-
lher, a realidade da relação conjugal e, mais que tudo, a realidade
do desenvolvimento psicológico da personalidade individual e da
cultura (BYINGTON apud BRANDÃO, 1987, p. 179).

Assim, Narciso e Eco são dois opostos complementares, o


positivo e o negativo, o homem e a mulher, a personalidade indi-
vidual e a coletiva. Entre esses, há uma relação de interdependên-
cia que consiste no ponto de equilíbrio. Quando Narciso foca ape-
nas em sua individualidade e Eco foca apenas na coletividade, es-
quecendo-se de si mesma, temos um desequilíbrio que conduz a
um fim trágico para ambos.
Esse mito de Narciso permanece incrivelmente atual em
nossa sociedade. Para confirmar isso, basta acessar as redes soci-
ais. Iremos nos deparar com uma grande quantidade de jovens
postando fotos e mais fotos, vídeos e mais vídeos de si mesmos.
Parece que vivemos em uma sociedade incentivadora do narci-
sismo. Naturalmente todos querem parecer bonitos, ricos e sau-
dáveis nas páginas da internet. Como professor, seria interessante
refletir sobre esse mito e sua relevância para nosso aluno na sala
de aula. A ideia é instigar a reflexão do aluno sobre as atitudes
narcisistas da sociedade e sobre a sua própria atitude.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 145

5 PROPOSTA DE ATIVIDADE SOBRE OS MITOS DE NARCISO E


JASÃO

5.1 Momento motivacional

Observe a tirinha:

Figura 1: Narciso Moderno

FONTE: GAZETA DO POVO. Disponível em:


https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/vestibular-da-ufpr-benett-
comenta-a-propria-tirinha-que-caiu-na-prova-7szjkafu9ajm6mft6hk2cbn56/.
Acesso em: 17 de nov. de 2020.

1. A tirinha de Benett faz referência a um mito grego. Você sabe


qual é esse mito? Se sim, qual?
R:
2. Qual é a crítica feita na tirinha? Qual comportamento é critica-
do?
R:
3. Você pensa que as pessoas perdem muito tempo com a tecnolo-
gia ao invés de se relacionarem pessoalmente?
R:

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 146

4. Em sua opinião, o problema retratado na tira está na tecnologia


ou no homem?
R:

Leia a charge abaixo:

Figura 2: Narcisismo Coletivo

FONTE: ARTE E MANHAS DA LÍNGUA. Disponível em:


https://arteemanhasdalingua.blogspot.com/2020/02/atividade-sobre-o-texto-
o-mito-de.html. Acesso em: 17 de nov. de 2020.

5. O que essa charge tem em comum com a tira anterior? Qual o


assunto abordado em ambos os textos?
R:
6. Em que aspecto os textos se diferenciam? Qual deles destaca
mais o aspecto coletivo?
R:

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 147

5.2 Momento da leitura

Quadro 1: O Mito de Narciso

A lenda conta que Narciso nasceu na região grega da Beócia.


Quando ele nasceu, o adivinho Tirésias contou para sua mãe que Narciso
seria muito belo e despertaria o amor de muitas donzelas na região.
O adivinho disse que ele poderia viver durante muitos anos, des-
de que ele nunca admirasse a sua própria beleza. Se ele conhecesse a si
próprio, uma maldição seria lançada sobre ele e lhe causaria a morte.
Dessa forma, o mito de Narciso explica que por ele ser muito bo-
nito atraia a atenção de todas as ninfas e donzelas da região. Entretanto,
Narciso preferia viver só, visto que não havia encontrado ninguém que
julgasse merecer o seu amor.
A ninfa Eco, por exemplo, foi uma das mulheres que se apaixo-
nou por ele. Porém, como ela teve o seu amor desprezado, lançou a mal-
dição prevista por Tirésias sobre ele.
A maldição pedia que Narciso amasse com a mesma intensidade
a pessoa amada, mas que ele não pudesse tê-la em seus braços. E assim
aconteceu, pois a deusa da punição, Nêmesis, escutou e atendeu ao pe-
dido da ninfa Eco.
Na região que Narciso vivia com a sua família existia uma fonte
de águas cristalinas, à qual ninguém havia se aproximado antes. Quando
se inclinou para beber água, Narciso viu refletida a sua própria imagem
e se encantou com o que viu.
Completamente fascinado, Narciso passou a admirar aquela
imagem. Durante muito tempo, permaneceu ali observando os lindos
olhos, cabelos, lábios e tudo mais que havia em si. Ele se apaixonou pela
imagem refletida, que até então não sabia ser ele mesmo.
Fonte: GUIA DE ESTUDO. Disponível em: https://www.guiaestudo.com.br/o-
mito-de-narciso. Acesso em: 17 de nov. de 2020.

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5.3 Momento da interpretação

Figura 3: Narciso de Caravaggio, 1594-1596

Fonte: WIKIPEDIA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Narciso.


Acesso em: 17 nov. 2020

1. Você já conhecia o mito de Narciso? Quais outros mitos gregos


você conhece?
R:
2. Por que será que Narciso nunca se apaixonou por ninguém?
R:
3. Você pensa que Narciso era vaidoso ou egoísta? Ou ambas as
coisas?
R:
4. O amor a si mesmo é uma virtude. Mas, será que essa virtude
pode se transformar em um vício?
R:

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 149

5. Em que a Ninfa Eco se opõe a Narciso?


R:
6. O que você pensa sobre o comportamento narcisista? Você en-
tende que os jovens hoje apresentam muito esse comportamento
ou não?
R:

5.4 Segundo momento de leitura

Quadro 2: O Mito de Jasão

Filho de Esão com Alcímede ou Polímede, já que há versões di-


versas sobre quem seria de fato sua mãe, Jasão era proveniente da Tes-
sália, uma região localizada na parte central da Grécia banhada pelo mar
a Leste. De acordo com a tradição, Jasão teria sido criado pelo centauro
Quíron, um homem cuja metade de baixo de seu corpo era de cavalo.
Quíron era diferente dos tradicionais centauros com fama de bebedores
e indisciplinados, ele era inteligente, civilizado e bondoso, famoso e re-
conhecido por sua inteligência superior a dos seus pares, especialmente
no que se referia ao trato com a medicina.
Jasão era membro de uma linhagem nobre. Seu avô, Creteu, era
fundador do trono de Lolcos, uma cidade da mitologia grega localizada
também na Tessália. O trono foi passado para o tio de Jasão, Pélias, que
temia a profecia de ser morto por seu sobrinho. Para fugir de seu supos-
to destino, Pélias enviou Jasão para uma missão quase impossível, que
era trazer o Velocino de Ouro, a lã de ouro do carneiro alado Crisómalo,
de Cólquida, região localizada no sul do Cáucaso, muito distante. Essa
era a condição estipulada por Pélias para que seu sobrinho restituísse o
trono. Jasão foi então para Argo, uma cidade na Península do Pelopone-
so, para construir sua nau. Lá, ele reúne uma tripulação de heróis para
acompanhá-lo que ficaria conhecida como argonautas.
Jasão e os argonautas enfrentaram vários desafios até, finalmen-
te, chegarem à Cólquida. Para piorar, o soberano do local, o Rei Eetes,

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 150

exigiu que Jasão cumprisse várias tarefas para que tivesse o direito de
obter o Velocino de Ouro. Entre as tarefas exigidas estavam arar um
campo com touros que cuspiam fogo, semear os dentes de um dragão,
lutar com o exército que brotaria desses dentes semeados e passar pelo
dragão que fazia a guarda do Velocino. Para surpresa do rei, Jasão reali-
zou completamente todas as tarefas e, enfim, obteve o que fora buscar.
No entanto, o herói grego se enamorou pela filha do rei, Medeia, e fugiu
com ela buscando o caminho de casa.
No meio do trajeto, Jasão teve de enfrentar mais uma série de
desafios por conta disso. E, ao voltar para Lolco, Medeia planeja a morte
de Pélias para fazer cumprir a profecia. Pélias ficou surpreso com a volta
de Jasão, pois achava que sua tarefa era impossível de ser realizada. Ao
fim, foi morto e seu trono passou para seu filho Acasto, que foi morto
pelas próprias filhas, também enganadas por Medeia. Só então Jasão
sucedeu como soberano no trono de Lolco.
Passado algum tempo, Jasão se retirou para Corinto e, após dez
anos de casamento com Medeia, o herói grego a abandonou para se ca-
sar com a filha do rei de Corinto, Gláucia. Medeia, que já havia demons-
trado sua capacidade de arquitetar a morte de seus rivais, vingou-se de
Jasão matando Gláucia e os próprios filhos que tivera com o grego de
Tessália. Ela fugiu em seguida para Atenas, onde se casou com o rei Egeu
e teve um filho, Medo. Mãe e filho retornaram para Cólquida e descobri-
ram que Eetes havia sido deposto por seu filho Perses. Mais uma vez,
Medeia, agora junto com seu filho, planeja outra morte e entrega o reino
a Medo.
Enquanto isso, Jasão vivia em descrédito e tristeza quando, mui-
tos anos depois, foi morto por um pedaço de madeira.
Fonte: JUNIOR. Disponível em: https://www.infoescola.com/mitologia-
grega/jasao/. Acesso em: 18 nov. 2020.

5.5 Segundo momento de interpretação

1. Qual foi o grande feito de Jasão?


R:

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 151

2. Sem a ajuda de Medeia, Jasão teria conseguido o Velocino de


Ouro?
R:

3. Em sua percepção, quais seriam as maiores virtudes do herói


Jasão?
R:

4) Mesmo os heróis, possuem fraquezas e defeitos. Qual atitude de


Jasão revela um defeito do seu caráter?
R:

5) Jasão é um herói por sua coragem, criatividade e capacidade de


liderar. Em meio ao sucesso, o herói se esquece daqueles que o
ajudaram. Assim, seria o egoísmo o defeito que se revela em Jas-
ão?
R:

6) O que você pensa sobre a ação vingativa de Medeia?


R:
7) Qual foi o fim de Jasão: feliz ou infeliz? O mito o surpreendeu
com o seu final?
R:
8) Qual dos dois mitos você achou mais interessante? Por quê?
R:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse trabalho, procuramos demonstrar que os


gregos valorizaram o orgulho e o individualismo como virtudes.
Essa concepção foi registrada em vários de seus relatos mitológi-
cos. Nesse sentido, os heróis são uma expressão do valor pessoal

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 152

do indivíduo. Contudo, os gregos também consideravam uma vir-


tude a moderação e, assim, condenavam os excessos ou os extre-
mos.
De forma harmoniosa, os gregos valorizavam a vida em
comunidade, sendo frequente o sacrifício do herói pelo bem co-
mum. Entretanto, os mitos de Jasão e Narciso mostram como a
virtude pode ser corrompida quando levada ao extremo. O primei-
ro, sendo um herói, depois de grandes proezas tem um fim triste,
já que incorreu em egoísmo. O segundo não é um herói e nem ao
menos é um vilão. Em qualquer dos dois casos, lhe faltam virtudes.
Narciso parece representar o egocentrismo e a vaidade elevados
ao nível mais alto.
Nas palavras de Bertman (2011, p. 163), “até o autoconhe-
cimento pode ser fatal se levado ao extremo, uma advertência pa-
ra que tenhamos cuidado com o narcisismo que espreita no lago
profundo da nossa mente”.
Por fim, entendemos que trabalhar os mitos em sala de aula
contribui para melhorar a capacidade criativa, analítica, reflexiva
e crítica do aluno. Isso porque os mitos fazem com que o aluno se
envolva com a história, cultivando o prazer de ler e de aprender. A
leitura dos mitos torna a sala de aula um lugar em que se aprende
com prazer. Conhecer, portanto, transforma-se em uma descober-
ta fascinante tal qual o feito dos grandes heróis dos mitos. Além
disso, a leitura dos mitos gregos proporciona uma aprendizagem
para a vida com seus ensinamentos implícitos nas narrativas.
Entendemos, por fim, que a leitura e toda discussão que ela
pode promover são estímulos para uma reflexão mais profunda.
Por meio dessas reflexões, o aluno desenvolve sua capacidade de
ler, conhecer, interpretar e a formular sua própria opinião acerca
dos textos, dos temas e de questões da própria vida.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 153

REFERÊNCIAS

BERTMAN, Stephen. Os oito pilares da sabedoria grega. Rio de Janeiro: Sex-


tante, 2011.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Vol. II. Petrópolis, RJ: Vozes,
1987.

COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Con-
texto, 2018.

GRIMAL, Pierre. Mitologia Grega. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013.

JUNIOR, Antonio Gasparetto. Jasão. Infoescola. Disponível em:


https://www.infoescola.com/mitologia-grega/jasao/. Acesso em: 18 nov. 2020.

O MITO DE NARCISO. Um conto da mitologia grega. Guia Estudo. 2020. Dis-


ponível em: <https://www.guiaestudo.com.br/o-mito-de-narciso>. Acesso em:
17 de nov. de 2020.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 154

MITO E BELEZA: UMA PROPOSTA DE


APLICAÇÃO DIDÁTICA PARA O 6º ANO
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Francisco José Holanda
Sara Juliene Jacinto Trajano
Elri Bandeira de Sousa

1 INTRODUÇÃO

Discutiremos, neste trabalho, como o mito de Narciso ainda


comunica algo que se relaciona com os padrões de beleza na soci-
edade contemporânea. A partir dessa discussão, apresentaremos,
com base na BNCC (2017), em Helena (2004), Chaves (2009) e
Cosson (2016), uma proposta metodológica para o trabalho com o
mito para uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental II.
Antes, porém, de apresentarmos nossa proposta de inter-
venção com o mito em sala de aula, preferimos discutir um pouco
conceito e origem desse gênero. Voltemos, então, a um tempo lon-
gínquo e às raízes da humanidade, pois, se por um lado, é difícil
datar o surgimento do mito, por outro é curioso verificar que é
disso mesmo que, não raro, ele trata: o surgimento do universo,
dos homens e das coisas em geral. Os rituais não apenas comemo-
ram os eventos primordiais, mas repete-os. Neles, os personagens

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 155

míticos tornam-se presentes, como se fossem contemporâneos


dos que deles participam. Para Eliade (1963, p. 24), “... os mitos
revelam que o Mundo, o homem e a vida têm uma origem e uma
história sobrenatural, e que essa história é significativa, preciosa e
exemplar”. Por isso, se repete nos rituais, e estes se realizam peri-
odicamente para que os valores transmitidos pela narrativa pri-
mordial não caiam no esquecimento.
De forma breve, ainda conforme Eliade (2013, p. 21-22),
podemos afirmar que o mito é a História dos atos dos Entes So-
brenaturais, História verdadeira (por que referida a realidades),
sagrada (por que conta como algo veio a existir, graças às ações
realizadas por esses mesmos Entes) e uma forma de conhecimen-
to não abstrato, mas “vivido” ritualmente ou narrado cerimonial-
mente.
Como relata o que ocorreu no mundo real, o que passou a
existir por intervenção dos deuses, “o mito se torna o modelo
exemplar de todas as atividades humanas significativas” (ELIADE,
2013, p. 12), ou seja, assume um caráter constitutivo. Dessa ma-
neira, suas origens e funções desafiam os pesquisadores. Por isso
mesmo, antropólogos, etnólogos e psicanalistas convergem, mas
também divergem em suas pesquisas. Não cabe, no espaço deste
trabalho nem em seus objetivos, discutir as inúmeras tendências
em que se filiam os pesquisadores. Citemos, brevemente, algumas
delas, ressaltando-se que não constituem, em princípio, crítica
mítica ou a correlação entre mito e literatura.
Defendendo o ponto de vista funcionalista, Bronislaw Mali-
nowski opõe-se à teoria etiológica do mito. Para ele, mais do que
narrar as origens, o mito tem a função de preservar a justificar o
status quo. Mielietinski (1987, p. 40) anota que Malinowski “suge-
re que o mito não é apenas uma história narrada ou uma narrativa
de significação alegórica, simbólica, etc.; o mito é vivenciado pelos
aborígenes como uma espécie de ‘escritura sagrada’ verbal, de

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 156

realidade que influencia o destino do mundo e dos homens”. Fun-


cionava, portanto, como forma de conhecimento e como regras
práticas que orientavam o agir do homem em sociedade.
Entre as interpretações psicológicas, Freud, segundo Ru-
thven (2010, p. 31), assegurava que grande parte da concepção
mitológica do mundo era psicologia projetada no mundo externo,
ou seja, os mitos tinham sua origem em processos inconscientes.
Já Jung, sem negar a existência do inconsciente pessoal, afirmava
que há uma instância mais profunda, o inconsciente coletivo, par-
tilhado por todos nós. Para Jung, os conteúdos do inconsciente
coletivo são os arquétipos. Estes produzem as imagens arquetípi-
cas, que aparecem nos sonhos, nos mitos e nas artes em geral. Es-
sas imagens são universais e, segundo Jung, “existem desde os
tempos remotos” (RUTHVEN, 2010, p. 33). Como se vê, na pers-
pectiva psicanalítica, o objeto de pesquisa é interno ao homem,
está em sua mente inconsciente.
Já Claude Lévi-Strauss, que realizou trabalho de campo jun-
to a povos indígenas da América do Sul, rejeitou as premissas fun-
cionalistas de Malinowski (KUTHVEN, 2010, p. 29-30). Sem ser
propriamente o criador do estruturalismo, esse antropólogo em-
pregou seus métodos no estudo das relações de parentesco, do
totemismo e do mito.
Conforme síntese teórica feita por Rocha (1989, p. 76-92),
Lévi-Strauss divide o mito em estruturas mínimas, os mitemas,
assim como se divide a linguagem em fonemas, palavras e frases, e
a música em notas e frases melódicas. A leitura do mito pode ser
feita como a da música na partitura, de forma sincrônica e diacrô-
nica, tratando-o como uma totalidade, sem se perder de vista as
relações internas entre suas partes. Cabe acrescentar que o méto-
do de Lévi-Strauss explica o mito comparando-o a outros mitos
(no eixo horizontal) e relacionando-o à estrutura e ao pensamento
da sociedade a que pertence o mito analisado. Esse método foi

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 157

exposto na análise do mito de Édipo pelo antropólogo francês e


serviu de modelo para outros pesquisadores.
Interessam-nos, portanto, as várias funções do mito: como
narrativa explicativa das origens, como função organizativa ou
mantenedora do status quo, como expressão da psicologia indivi-
dual ou coletiva e, particularmente, como matéria que se estetiza
na literatura.
Até onde se sabe, todas as culturas se constituíram através
das tradições mitológicas cultuadas por seus povos. Conforme
Rocha (1989, p. 02), “o mito faz parte daquele conjunto de fenô-
menos cujo sentido é difuso, pouco nítido, múltiplo. Serve para
significar muitas coisas, representar várias ideias, ser usado em
diversos contextos.”. O mito também é “uma forma de as socieda-
des espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos,
dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de
se refletir sobre a existência, o cosmos, as situações de ‘estar no
mundo’ ou as relações sociais” (ROCHA, 1989, p. 4).
À luz de tal afirmativa, é perceptível que um dos aspectos
mais relevantes do texto mitológico é o que envolve questões exis-
tenciais, em que o indivíduo analisa sua função junto à sociedade
da qual participa, por meio da expressão daquilo que o inquieta,
com base no paralelo que é traçado entre a realidade textual e a
do leitor.
Nas sociedades arcaicas, ao que tudo indica, as noções de
individualidade e subjetividade ainda não estão plenamente de-
senvolvidas, como nas sociedades modernas. Eram sociedades
ágrafas, nas quais ainda não se observam os fenômenos da escrita,
do texto e do leitor. A “leitura” era de caráter mais coletivo e se
fazia pela transmissão oral. Os mitos e outras formas de narrativa
eram preservados pela memória: eram relatados ou cantados em
situações ritualísticas.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 158

Com o surgimento da palavra escrita e, posteriormente,


com o surgimento da filosofia e das ciências, a crença na mitologia
foi perdendo espaço para essas novas formas de conhecimento.
Porém, no decorrer dos séculos, a literatura, utilizando-se do po-
der fabular dos mitos, continua alimentando não só o imaginário,
mas perpetuando e atualizando alguns desses mitos pelo viés da
ficção. Como exemplo, citemos o conjunto de mitos da tradição
greco-latina, o qual, segundo adverte Leminski (1998, p. 60) “[...]
impregnou de tal forma a vida do ocidente que nem notamos
quando recorremos a ele”. Nesse sentido, é perceptível a influên-
cia da mitologia na sociedade, inclusive na literatura. Um exemplo
é o Parnasianismo que, no avançar da Revolução Industrial, na
segunda metade do século XIX, proclama um retorno aos preceitos
clássicos e impregna seus poemas de fortes referências a deuses e
heróis da mitologia greco-romana.
Um mito grego bastante conhecido e estudado é o que rela-
ta a história do jovem Narciso. Embora chamada também de len-
da, essa narrativa suscita discussões sobre temas como o amor
não correspondido, o egocentrismo e a beleza. Não raro se afirma
que o narcisismo está profundamente enraizado em nossos hábi-
tos e em nossa psicologia.
À luz de Dufrenne (1998), não há um molde do ideal de be-
leza fixo na sociedade, ao passo em que o deleite do indivíduo é o
que determina se algo é belo ou não. Tal concepção é, também,
defendida por Kant (1995), ao afirmar que a beleza é uma refe-
renciação marcada pela subjetividade e pelas vivências do indiví-
duo nas mais variadas culturas.

2 ABORDAGENS PEDAGÓGICAS SOBRE MITO E LEITURA

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é, atualmente, o


documento-base norteador da Educação no Brasil. Organizada de

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 159

acordo com a legislação e os documentos que orientam o Ensino


Fundamental e Médio, ela apresenta diretrizes atualizadas para o
trabalho em sala de aula nas mais diversas áreas do ensino, indi-
cando competências gerais e específicas a serem alcançadas em
cada etapa da Educação Básica.
Ao tratar de gêneros textuais para o trabalho com Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental II, a BNCC apresenta alguns
textos que podem funcionar como meios profícuos para se alcan-
çar as competências leitoras indicadas. Dentre esses gêneros, está
o mito, que é apresentado pelo documento da seguinte forma:

Os mitos são outro elemento estruturante das tradições religiosas.


Eles representam a tentativa de explicar como e por que a vida, a
natureza e o cosmos foram criados. Apresentam histórias dos
deuses ou heróis divinos, relatando, por meio de uma linguagem
rica em simbolismo, acontecimentos nos quais as divindades agem
ou se manifestam (BRASIL, 2017, p. 439).

Como sabemos, há várias linhas científicas de abordagens


do mito e elas nem sempre concordam em suas definições sobre
esse fenômeno. A concepção acima apresentada é apenas uma
delas, certamente a mais conhecida. Nada impede, porém, que a
utilizemos em nossa proposta de atividades para a sala de aula.
Em todo caso, o caráter imagético, simbólico e a estrutura narrati-
va do mito são, por si só, motivos suficientes para a escolha desse
gênero, especialmente suas afinidades com a literatura pedagógi-
ca. Embora, nas sociedades arcaicas, o mito tenha circulado por
via oral, chega aos nossos dias pela via escrita. É esse gênero tex-
tual que tomamos, aqui, como objeto de interesse.
Conforme as competências específicas da área de Lingua-
gens e Códigos definidos pela BNCC, o texto mitológico é apresen-
tado como uma forma de que o aluno pode se apropriar, conquis-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 160

tando autonomia como leitor e produtor de sentidos para o texto


lido. O objetivo é que ele possa

(EF67LP28) Ler, de forma autônoma, e compreender – selecio-


nando procedimentos e estratégias de leitura adequados a dife-
rentes objetivos e levando em conta características dos gêneros e
suportes –, romances infantojuvenis, contos populares, contos de
terror, lendas brasileiras, indígenas e africanas, narrativas de
aventuras, narrativas de enigma, mitos, crônicas, autobiografias,
histórias em quadrinhos, mangás, poemas de forma livre e fixa
(como sonetos e cordéis), vídeo-poemas, poemas visuais, dentre
outros, expressando avaliação sobre o texto lido e estabelecendo
preferências por gêneros, temas, autores (BRASIL, 2017, p.169).

Tendo em vista essas orientações e objetivos, entendemos


ser o mito um dos gêneros viáveis no trabalho com a leitura, po-
dendo ser objeto de atenção seu caráter narrativo, alegórico, ima-
gético, capaz de atrair o estudante e levá-lo a traçar paralelos en-
tre o mundo fabular e a realidade e a exercitar a atividade meta-
linguística, particularmente a comparação entre obras literárias.
Conforme afirma a BNCC (2017, p. 399):

O exercício da interpretação – de um texto, de um objeto, de uma


obra literária, artística ou de um mito – é fundamental na forma-
ção do pensamento crítico. Exige observação e conhecimento da
estrutura do objeto e das suas relações com modelos e formas
(semelhantes ou diferentes) inseridas no tempo e no espaço.

Nesse sentido, entendemos que um dos focos de trabalho


com o Ensino Fundamental é o desenvolvimento de competências
leitoras, no intuito de formar sujeitos leitores autônomos, intera-
tivos, críticos e sensíveis à fruição estética. Tais habilidades estão
contempladas, conforme vimos, nos documentos oficiais. Elas são
necessárias para o cidadão comum, de quem depende o bem-estar
da sociedade, o êxito da democracia e o futuro de uma profícua

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 161

vida em sociedade, tendo em vista que o ato de ler é social e, por-


tanto, não pode estar desvinculado do convívio em sociedade. A
escola é o espaço por excelência em que tal prática deve ser moti-
vada, a fim de se expandir para os campos de atuação social dos
indivíduos leitores.
Pensando nisso, ainda há muito o que fazer em termos de
leitura atraente na escola. Hoje, persiste uma prática escolar que
visa apenas a dicção ou fluência na decodificação, sem a preocu-
pação com o prazer da leitura, reduzindo esta última a um teste
semelhante aos trava-línguas, isto é, uma maneira de verificar se o
aluno “sabe ler” de forma rápida e “correta”. Isso implica, ainda,
outra problemática: conforme Helena (2004), a própria interpre-
tação é comprometida, uma vez que a ênfase do professor não-
leitor é identificar o sentido literal, ou seja, as informações explíci-
tas, muitas vezes sem considerar o caráter literário que um texto
pode assumir de acordo com sua organização interna e a forma
como o leitor dele se apropria.
No panorama educacional atual, percebem-se carências no
trato com a leitura, tendo em vista o processo ainda lento de mu-
danças nas aulas de Língua Portuguesa, realizado por parte de
profissionais que atentam para as novas abordagens da linguagem
e da literatura em sala de aula. Refletindo sobre esse problema,
Silva atesta que

No Brasil, ainda estamos engatinhando no que se refere ao traba-


lho sistemático, pela escola, com as chamadas “técnicas de leitu-
ra”. As lacunas no ensino sistemático da leitura geram uma série
de consequências altamente negativas para a formação dos leito-
res, que vão desde a frustração pelo trabalho com quaisquer tipos
de textos até a falta de competência para o enfrentamento de de-
terminadas leituras exigidas pela sociedade (2008, p. 29, Grifo do
autor).

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 162

Por esse motivo, faz-se necessário que se proceda a uma re-


formulação das estratégias escolares no trato com a leitura, tendo
em vista os impasses enfrentados pelos profissionais que, de fato,
preocupam-se com a evolução dos seus alunos. Não se pode mais
conceber o ato de ler como um mero processo de decodificação
em sala de aula, desvinculando o texto de suas contribuições cog-
nitivas e de sua função social.

3. NARCISO: O MITO DA BELEZA E DO EGOCENTRISMO

Algumas narrativas são apresentadas ora como mito ora


como lenda. Depende do pesquisador. Grimal (2000, p. XXXVI-
XXXVII), ao comentar que mito, em sentido estrito, é uma história
da origem do mundo anterior à ordem atual, deduz que determi-
nadas narrativas não seriam mito.
O Estreito de Gibraltar é um canal que liga o Mar Mediter-
râneo ao Oceano Atlântico e se situa entre o extremo sul da Espa-
nha e o Marrocos. Recebeu, na Antiguidade, o nome de “Coluna de
Hércules” em razão de um dos doze trabalhos realizados por esse
herói. A história de Hércules não seria um mito, assim como a de
Narciso, mas uma “lenda etiológica”, uma vez que nenhuma das
duas situa-se “na fronteira das Essências”, nem se refere a “uma lei
orgânica da natureza das coisas”. Em nenhuma dessas duas lendas
o problema da “ordem total do mundo” está em questão, embora o
mundo em que eles “viveram” ainda estivesse povoado de deuses,
e eles próprios fossem semideuses ou heróis.
Tanto o dicionário organizado por Brunel (1997, p. 747)
como o de Grimal (2000, p. 322) dão Narciso como filho do deus
fluvial Cefiso e da ninfa Liríope. É curioso constatar, no entanto,
que “lendas”, como a de Narciso, não deixam de contar com seus
verbetes em dicionários de mitologia como os dois acima citados,
onde são tratados ora por mito, ora por lenda. Já o Dicionário de

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 163

símbolos, de Chevalier e Gheerbrant (1998, p. 630), comenta uma


das intepretações do “mito” de Narciso com as seguintes palavras:

essa flor evoca também – mas num nível inferior de simbolização


– a queda de Narciso nas águas em que se mira com prazer: disso
advém que se faça da flor, nas interpretações moralizantes, o em-
blema da vaidade, do egocentrismo, do amor e da satisfação con-
sigo próprio.

Esse comentário, se, por um lado, associa a narrativa à


simples etiologia de um tipo de flor, por outro aponta para traços
não propriamente positivos, mas fundamentais, do espírito huma-
no. A história de Narciso parece habitar os limites imprecisos en-
tre o mito e a lenda.
Modernamente, o conceito de mito se alarga e permite a in-
clusão de narrativas sem teor etiológico. Watt (1997, p. 16), em
obra que trata dos mitos do individualismo moderno, define o gê-
nero como “uma história tradicional largamente conhecida no
âmbito da cultura, que é creditada como uma crença histórica ou
quase histórica, e que encarna ou simboliza alguns dos valores
básicos de uma sociedade”. Fausto, Dom Quixote, Dom Juan e Ro-
binson Crusoe não são entes dos tempos primordiais. Narciso
também não, embora esse último pareça situar-se num tempo im-
preciso, não histórico. Todos eles, porém, carregam em sua fabu-
lação algo que parece fundamental e, talvez por isso, perdurem na
tradição literatura oral ou escrita.
Segundo Brunel (1997, p. 747-750), o mito de Narciso apa-
rece pela primeira vez nas Metamorfoses de Ovídio, mas sua ori-
gem permanece desconhecida. Séculos afora, ele ressurge, com
mudanças ou atualizações, em diversas obras literárias. Citemos
apenas algumas: na Idade Média, aparecem o Lai de Narcissus (c.
1160-1165), curto romance versificado inspirado em Ovídio, e o
Roman de la Rose (1225-1230), escrito por Guillaume de Lorris. O

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 164

Ovídio moralizado (começo do século XVI) é igualmente inspirado


no poeta latino. No século XVIII, o poema Narcisse ou l’ile de Vénus,
de Malfilâtre, “canta os perigos que corre aquele que se apaixona
por si mesmo”. Em pleno simbolismo, no final do século XIX, o mi-
to volta a ter importância e se atualiza na primeira obra de Gide,
Le Traité du Narcisse (1891-1892). Por fim, citemos o poema em
prosa L’Ange (1945), do poeta Paul Valéry. Segundo Brunel (1997,
p. 750), “para Valéry, o mito de Narciso nunca deixou de represen-
tar a frágil relação que provisoriamente une a consciência ao cor-
po, o Ego à sua aparência”.
A versão do mito com que trabalhamos aqui é a que consta
no livro As 100 Melhores Histórias da Mitologia: deuses, heróis,
monstros e guerras da tradição greco-romana, de A. S. Franchini e
Carmen Seganfredo (2007, p. 111-114).
Esse texto narra a história de um jovem grego muito bonito
que nasceu no território de Téspias, situado na Beócia. Era filho do
deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope. Quando Narciso nasceu, seus
pais consultaram um oráculo, que previu que o jovem teria vida
longa se jamais enxergasse a si próprio. Outras versões afirmam
que o adivinho Tirésias teria dito: “sim, se ele jamais se conhecer”.
Narciso, segundo a versão de Franchini e Seganfredo, era vaidoso,
pretensioso e arrogante: nenhuma mulher parecia estar à altura
de sua vaidade. A ninfa Eco apaixonou-se por ele e, por não ser
correspondida, definhou até morrer. Certo dia, ao chegar próximo
a uma lagoa, Narciso viu sua imagem, encantou-se por ela e o feiti-
ço se concretizou. O jovem caiu à beira do lago, morreu e se trans-
formou em uma flor, o narciso.
Essa narrativa, ao ser replicada ao longo da história, rece-
beu a contribuição dos estudos de Freud (2010), como introdução
ao narcisismo, e de outros pesquisadores, que interpretaram o
personagem como protótipo do ser egocêntrico, voltado para si
próprio. O Narcisismo, como uma das interpretações do mito de

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 165

Narciso, ganhou espaço e enfatiza o problema da supervalorização


do eu, da vaidade, da esnobação, do egocentrismo. Esse compor-
tamento, muito comum nos dias de hoje, entre homens e mulhe-
res, jovens ou idosos, famosos ou anônimos, confunde-se com ex-
pressões como futilidade, metrassexualidade, etc., a partir de Wolf
(1992).
Nessa linha de raciocínio, entendemos que os cuidados com
a beleza estão diretamente relacionados, na sociedade contempo-
rânea, em perspectivas culturais normatizadoras, que buscam o
estabelecimento de um padrão a ser seguido pelas pessoas, a par-
tir de ideais voltados ao corpo. A esse padrão, que induz o ser hu-
mano a se adequar a formas de vida pré-determinadas, está dire-
cionado um conjunto de valores, crenças e concepções distintas.
Com base nisso, Foucault (2002, p. 25) afirma: “[...] o corpo é in-
vestido por relações de poder e de dominação”. Dessa maneira, o
corpo está envolto em poderes sociais capazes de estabelecerem a
ele limites e obrigatoriedades, observando-se uma espécie de de-
terminismo social que consiste na imposição de padrões de bele-
za.
Em uma perspectiva atualizada do mito, a busca excessiva
pela beleza, implicando a admiração por corpos tidos como belos,
faz com que os indivíduos acabem por desconhecerem limites,
chegando a utilizar, como ressalta Silva (2001), aparatos tecnoló-
gicos e científicos disponibilizados pelo mercado como meios de
cuidar da beleza. Logo, o significado que transmite o personagem
Narciso não está preso à época em que o mito apareceu; ao con-
trário, atravessa gerações que, constantemente, prezam por ideais
de beleza que satisfaçam os gostos das diferentes sociedades no
decorrer da história.
Outra perspectiva é a de Naomi Wolf (1992), em sua obra O
Mito da Beleza, em que a escritora associa esse mito, especialmen-
te entre as mulheres, a uma espécie de controle social exercido

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 166

pelos homens e por instituições masculinas. A autora observa que


as mulheres se tornaram reféns de padrões estéticos que manipu-
lam o comportamento feminino, que as aprisionam e as oprimem.
Segundo Wolf (1992, p. 13) “a ‘beleza’ não é universal, nem imutá-
vel, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza
feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica”. Desse mo-
do, as mulheres se tornam reféns das aprovações externas, per-
dem sua própria identidade ao seguirem um padrão de beleza,
muitas vezes inatingível, inadequado a seu biotipo. Tornam-se
cada vez mais rígidas consigo próprias, apesar de todas as outras
conquistas pessoais, materiais e profissionais que tenham adqui-
rido.
Ainda para Wolf (1992, p. 17), o mito da beleza, de maneira
geral, manipula tanto o comportamento feminino que “as mulhe-
res mais velhas temem as jovens, as jovens temem as velhas, e o
mito da beleza mutila o curso da vida de todas”. Assim, o padrão
de beleza perseguido pelas mulheres tem muito mais a ver com o
poder que os homens exercem sobre elas. Segundo a mesma auto-
ra, o ato de incorporação da beleza é obrigatório para o público
feminino, mas não para o masculino, pois, ao atribuir às mulheres
um padrão físico que atua de forma vertical, a depender da cultura
a que pertençam, as mulheres sentem a necessidade de competi-
rem de maneira antinatural por oportunidades das quais os ho-
mens se apropriaram (WOLF, 1992).
Considerando a simbologia do mito em análise, a temática
da obsessão pela imagem e pela admiração parece estar pautada
no desejo egocêntrico do personagem em ser centralizador da sua
própria aparência perante as pessoas. Chaves (2009) considera os
dois extremos em torno desse mito, que também são adotados
socialmente: não buscar o ideal de belo imposto por uma deter-
minada cultura e supervalorizar o ego, de modo que o belo se tor-
na uma meta de vida, em vez de um dos aspectos dela. Por ques-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 167

tões de integração social, a busca pelo belo é necessária, no entan-


to não deve provocar desequilíbrios, para que o excesso não pre-
judique a formação individual e coletiva.
Sendo assim, as escolas, por serem instituições formadoras
de opinião e motivadoras do senso crítico, devem estimular seus
alunos, sobretudo das turmas com pré-adolescentes, que figuram
como alvo da ação midiática, a exercitarem uma leitura questio-
nadora dos padrões de beleza veiculados. É preciso lembrar que
essas discussões devem partir do texto literário, do mito em sala
de aula. Caso contrário, a aula de Literatura pode tornar-se aula de
psicologia ou de moral. O texto literário não pode virar pretexto
nem para o estudo de gramática nem para o estudo de conteúdos
de outras disciplinas. Não podemos nos afastar muito do que
consta do texto de A. S. Franchini e Carmen Seganfredo (2007),
pois ele é o objeto de estudo escolhido. O que podemos fazer é
colocá-lo em diálogo com o que afirmam especialistas de outras
áreas, mas sempre a partir do que está no texto ou em outras ver-
sões do mito.

4 UMA SUGESTÃO METODOLÓGICA PARA O TRABALHO COM


O MITO

Apresentaremos, a seguir, uma proposta de atividades para


uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental II, com base na se-
quência básica para o letramento literário sugerida por Cosson
(2016, p. 51-73). Para o autor, tal procedimento se constitui de
quatro etapas: motivação, introdução, leitura e interpretação.
As atividades ensejam o trabalho com uma narrativa mítica
no ambiente da sala de aula e buscam ativar seus significados e
envolver os alunos na leitura crítica e compartilhada. O texto esco-
lhido da obra de Franchini e Carmen Seganfredo é “Eco e Narciso”
(2007, p. 111-114). Conforme revelam os próprios autores na

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 168

“Apresentação” da obra, os relatos são recontados com o auxílio


da ficção. Assim, buscaram construir um estilo para cada um des-
ses relatos, rechearam-nos de detalhes circunstanciais, de diálo-
gos, “movimentação e fantasia”, e os transformaram em contos
baseados, em sua maioria, em relatos que a tradição consagrou.
Num artigo acadêmico, como este, não há condições objeti-
vas para o desenvolvimento e detalhamento de uma sequência
didática. O que apresentamos, a seguir, é apenas uma espécie de
minuta, na forma de sugestão, a ser desenvolvida, livremente, pelo
professor, para aplicação em sala de aula.

1. A Motivação se dará da seguinte forma: o profes-


sor/mediador proporá aos alunos que, como atividade ini-
cial, pesquisem na internet ou em material impresso, como
revistas e jornais, exemplos de propagandas infantis, em
que seja divulgado um produto ou serviço destinado a esse
público. Assim, será criada uma ambientação para a aula,
por meio do material coletado na motivação, relacionada
com o assunto e com o gênero textual em debate.
Na sequência, o mediador irá propor que cada aluno fale
sobre o anúncio que pesquisou, destacando qual o produ-
to/serviço divulgado e de que maneira ele é apresentado;
alguns detalhes que podem ser observados pelos alunos
são as expressões faciais dos atores dos anúncios, suas ca-
racterísticas físicas, a ambientação, além de outros deta-
lhes que podem indicar o poder aquisitivo dos destinatá-
rios do comercial.
2. Como Introdução, após essas reflexões, o professor deverá
observar as falas dos discentes e conduzi-los para a temáti-
ca central da aula, que são os ideais de beleza e vaidade na
sociedade atual. Esses temas podem levar a discussão na
direção das questões envolvidas no conto “Eco e Narciso”,

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 169

previamente selecionado pelo professor como principal ob-


jeto de estudo na Sequência Didática.
Para este intento, pode-se dividir a turma em dois grupos,
fornecendo a eles papéis e canetinhas, e solicitar às equipes
que escrevam histórias com pessoas belas, vaidosas e/ou
arrogantes (grupo 1) e com indivíduos tidos como feios ou
humildes (grupo 2), por meio de um sorteio, sem que um
grupo saiba o tema que o outro recebeu. Ao concluírem a
atividade, o professor irá recolher os textos e fixá-los em
um lugar visível da sala. A seguir, interpelará os alunos de
maneira aleatória, para que eles informem a temática
abordada em cada um dos textos. Para cada uma das etapas
apresentadas até agora (motivação e introdução), sugeri-
mos não mais que duas aulas, mas essa decisão fica a crité-
rio do professor.
3. Para a etapa de Leitura, a turma pode ser disposta em cír-
culo, sendo que cada aluno receberá uma cópia impressa
do conto “Eco e Narciso”, disponível em endereço eletrôni-
co informado pelo professor. A leitura, mediada pelo pro-
fessor, acontecerá de forma compartilhada, em que cada in-
tegrante lerá uma parte do texto, podendo haver pequenas
pausas para esclarecimentos sobre vocabulário ou sobre
algum elemento da narrativa.
4. Como etapa de Interpretação, o professor pode motivar os
alunos a refletirem sobre a forma como as temáticas da be-
leza, da arrogância, da vaidade e do egocentrismo caracte-
rizam as ações de Narciso, personagem do conto lido, além
do desfecho da narrativa. Os alunos poderão interagir, dis-
cutindo questões apresentadas pelo mediador como: as re-
lações entre mito e realidade ou entre literatura de ficção e
realidade, já que o conto lido é um mito reescrito com tra-
ços estilísticos da literatura de ficção; as relações entre os

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 170

deuses e os heróis, na mitologia, os erros e os acertos que


agradam ou desagradam aos deuses. Algumas perguntas a
serem feitas, podem ser: 1 - O que levou Eco e Narciso a te-
rem um destino tão triste? 2 – Que relação há entre o des-
fecho da história e as previsões feitas pelo oráculo logo
após o nascimento de Narciso? 3 – Como podemos enten-
der a repetição das palavras de Narciso na fala de Eco, lem-
brando-nos de que Narciso não estava aberto a “ouvir” a
voz de quem o amava, mas somente a própria voz?

Para a atividade final, o professor dividirá a turma em pe-


quenas equipes, de até 5 alunos, em que cada grupo receberá uma
imagem de publicidade infantil, disponível na internet, na qual a
criança divulga um produto/serviço para o público em geral. Co-
mo indicação de imagens, sugerimos propagandas de roupas, pro-
dutos de beleza, calçados e acessórios, por estarem atrelados aos
padrões do belo na sociedade. Em seguida, essas equipes serão
orientadas a, com base na imagem recebida, produzirem um pe-
queno vídeo, por meio da rede social Tik Tok, em que o conteúdo
gravado/dublado pelo grupo tenha relação com a essência do que
é abordado na imagem recebida, de forma a promover uma refle-
xão voltada aos riscos de se seguir um ideal de beleza padronizado
por determinada marca ou produto, sem levar em consideração a
realidade e as condições pessoais do indivíduo. Os materiais audi-
ovisuais produzidos pela turma poderão ser disponibilizados no
site da escola (se houver) ou então numa página de rede social
específica, a fim de haver divulgação na comunidade escolar.
Como o próprio Cosson (p. 72) admite, “a sequência não é
algo intocável”. Ela pode ter uma continuidade. Novas atividades
podem ser propostas, objetivando ampliar o contato com o texto
literário, com gêneros limítrofes como o mito e a lenda, etc. O pro-
fessor pode ir adiante, com as seguintes atividades:

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 171

• Propor aos alunos a leitura de narrativas que aparecem nos


livros e na internet sob a denominação de mito e de lenda,
para realizarem um debate sobre os sentidos, as semelhan-
ças e as diferenças entre esses dois gêneros. A finalidade do
debate é menos a apropriação de conceitos rígidos que o
debate em si. É preciso abrir mais espaço para a voz dos
alunos em sala de aula e para a leitura do texto literário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das discussões apresentadas, entendemos que a


mitologia pode ser veículo de um arsenal de símbolos de diversas
culturas, que se renovam ou se atualizam a cada nova reescrita. O
mito, enquanto texto narrativo dotado de pluralidade de sentidos,
inclui o sagrado, a origem do universo, dos deuses e dos homens,
além de valores básicos capazes de oferecer respostas para a psi-
cologia humana e para a preservação e renovação das sociedades.
O mito de Narciso, reescrito no conto “Eco e Narciso”, de
Franchini e Seganfredo, é um exemplo de narrativa que envolve
essas questões, ao discutir o egocentrismo e a temática da valori-
zação excessiva da beleza. Se é verdade que existem temas univer-
sais, que são recorrentes em todas as sociedades e épocas, o mito
parece ser um dos gêneros literários empenhados na reflexão so-
bre esses temas.
Sendo o tema da beleza ou de sua excessiva valorização
bastante atual, ao que tudo indica, a nossa época tende a manter
os mitos mais vivos do que nunca, não como narrativa que respal-
da e dá sentido a rituais arcaicos, mas como modo de atualizar, de
forma simbólica, tais questões. Certamente, as mídias e as tecno-
logias são espaços onde o narcisismo e o egocentrismo têm boa
acolhida.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 172

O principal objetivo deste trabalho foi o de apresentar uma


proposta de intervenção didática com o mito em sala de aula. No
nosso entender, o letramento literário só pode ser alcançado com
a prática constante da leitura crítica, reflexiva e estética. A turma
indicada foi o 6° ano do Ensino Fundamental II. Esta é a série que
dá início ao ciclo final dessa modalidade de ensino.
É papel da escola proporcionar ao aluno o conhecimento da
tradição literária, assim como a apropriação de novos gêneros,
veiculados não apenas pelos livros, mas por diversas mídias, con-
tribuindo, assim, na sua formação como cidadão capaz de fazer
escolhas autônomas frente à pluralidade de valores que circulam
contemporaneamente.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 173

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 174

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 175

A NARRATIVA MÍTICA NO
ENSINO FUNDAMENTAL II:
UMA PROPOSTA DIDÁTICA PARA O
DESENVOLVIMENTO DA ORALIDADE
Josicleide Odete dos Santos
Maria das Dôres Pereira Ramos
Maria do Socorro de Almeida Barbosa Xavier

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa reflete sobre a ênfase dada à narrativa


mítica no contexto escolar a partir dos materiais didáticos no En-
sino Fundamental, dentre eles, o livro didático de Língua Portu-
guesa. Tal escolha foi feita tendo em vista ser esse um dos materi-
ais de apoio que, na maioria das vezes, é o principal responsável
pelas práticas pedagógicas com o texto na escola e, em muitos ca-
sos, o único material de que alunos e professores dispõem.
Com base em estudos que nos orientam para a compreen-
são do mito, sua relevância social e seu uso no contexto escolar,
esta pesquisa tem como objetivo investigar como a narrativa míti-
ca pode contribuir para a promoção da oralidade e para a forma-
ção do ser humano. Dessa forma, destacamos que o tratamento

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 176

que o livro didático confere ao texto mítico é de fundamental im-


portância para a formação do leitor proficiente e para o desenvol-
vimento da oralidade.
Diante do exposto, a presente pesquisa partiu das seguintes
inquietações: de que maneira as narrativas míticas contribuem
para a formação de leitores críticos e reflexivos? Como o livro di-
dático de língua portuguesa trabalha com essas narrativas? As
atividades propostas nesses manuais sugerem a leitura do texto
mítico como um dos textos fundamentais na formação do leitor
crítico? Essas atividades são relevantes para o desenvolvimento
das práticas de oralidade? Como esboço de resposta a esses ques-
tionamentos, sugerimos uma atividade de intervenção fundamen-
tada no formato de sequência didática para o trabalho do mito no
Ensino Fundamental.
Este estudo está organizado em quatro tópicos: o primeiro
apresenta algumas considerações acerca do mito com base em
autores que se debruçam sobre essa temática; o segundo trata da
presença do mito no livro didático de língua portuguesa do ensino
fundamental II, buscando analisar como essa ferramenta percebe
o trabalho com o mito na sala de aula; o terceiro, por sua vez,
aborda a relevância do ensino de texto com foco nas práticas orais
em contexto escolar para o desenvolvimento das competências
linguísticas dos alunos, visando contribuir com a formação de ci-
dadãos críticos e capazes de conviver socialmente. No quarto e
último tópico, é apresentada uma sequência didática como forma
de contribuir com o ensino de Língua Portuguesa no contexto es-
colar, de modo a servir de complemento ao livro didático.
Como aporte teórico dessa pesquisa, foram consultados os
documentos oficiais PCN (BRASIL, 1998) e BNCC (BRASIL, 2017),
bem como os estudos teóricos de Marcuschi (2012), Schneuwly e
Dolz (2011), Eliade (2000) e Sousa (2019), dentre outros que mui-
to contribuíram com as temáticas em discussão.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 177

2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MITO

Para uma melhor compreensão do conceito do mito, é es-


sencial que se retorne ao princípio da criação, visto que, antes do
surgimento da ciência, eram os mitos que esclareciam, explicavam
e davam sentido aos fatos. O historiador e pesquisador das religi-
ões, Mircea Eliade, em Mito e realidade (2000, p. 11), traça a se-
guinte definição:

O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento


ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”.
Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos En-
tes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma reali-
dade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma es-
pécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É
sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que
modo algo foi produzido e começou a ser.

O autor supracitado aborda o mito como fenômeno religio-


so, e, por considerá-lo uma história sagrada, é também verdadeiro,
já que se relaciona com a realidade, explicando sua origem. Dessa
forma, os mitos revelam modelos reais, através da ação do divino
ou de forças sobrenaturais. Seguindo essa mesma linha de pensa-
mento, Leal (1985, p. 23) declara o mito como

uma narrativa sagrada que tem como personagens seres sobrena-


turais, e que procura dar ao homem respostas vitais para a sua
existência e ao mesmo tempo tem a capacidade de sacralizar o es-
paço do real por ser ele próprio uma forma de irrupção do sagra-
do no profano.

Nessa perspectiva, podemos dizer que o mito fala sobre a


essência do mundo e sobre a alma do ser humano. Ele serve para
nos conectar com o universo, com Deus e com o nosso íntimo. A

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 178

esse respeito, Busatto (2012) nos lembra do caráter dinâmico do


mito, de como ele se transforma no tempo para se adequar ao es-
pírito de uma época, sempre mantendo os elementos que fazem
dele uma fonte de autoconhecimento. Nesse sentido, quando es-
tamos abertos a mudanças, o mito tem a capacidade de mobilizar,
de sensibilizar o nosso ser.
Sobre essa força que o mito tem de atuar em nós, Matos e
Sorsy (2009) fazem uma alusão do mito às liturgias religiosas e
dizem que, de certa maneira, ainda hoje, elas cumprem essa fun-
ção. Segundo as autoras, em eventos religiosos como missas e cul-
tos, por exemplo, o desejo do fiel é aproximar-se de outra dimen-
são da realidade, a dimensão sagrada. É nessa dimensão que ele
revigora a sua força, a sua fé e revê suas ações no tempo profano.
Nesse contexto, as pesquisadoras relatam, ainda, uma ex-
periência de infância e citam a Semana Santa como um grande
acontecimento. Naquela época, não havia quem não se emocionas-
se com a encenação da Paixão de Cristo, pois todos que vivencia-
vam aquela tradição se sentiam tocados depois de assistir ao so-
frimento de Cristo e, assim, refletiam sobre o pecado, o perdão,
seus arrependimentos e promessas. Sobre esse relato, as autoras
reconhecem que ele “não representa um milionésimo do que a
ritualização dos mitos, nas festas, terá representado para o ho-
mem na sociedade arcaica, mas é possível que ele ilustre, ainda
que precariamente, a relação com as duas dimensões do tempo – a
sagrada e a profana” (MATOS; SORSY, 2009, p. 71).
Simonsen (1987, p. 6) reafirma essa ideia ao dizer que “o
mito está ligado a um ritual, tem seu conteúdo cosmogônico ou
religioso. Simboliza as crenças de uma comunidade, e os aconte-
cimentos fabulosos que ele narra são tidos como verídicos”. Por
esse viés, os mitos contam uma verdade por meio de uma lingua-
gem metafórica, e, para o homem religioso, esta era uma verdade
absoluta. Desta maneira explica-se a razão pela qual as festas sa-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 179

gradas e os rituais de iniciação aos mistérios da vida serviam para


orientar os seus atos.
Em suma, conforme Stocker (2014, p. 55), “a função do mi-
to é a de fixar os modelos exemplares de todas as ações humanas
significativas. Os mitos são ricos pelo seu conteúdo, que oferece
um sentido, cria e anuncia alguma coisa”. De acordo com a autora,
o mito busca, portanto, explicar as origens do mundo e do homem
por meio de deuses, semideuses e heróis, bem como os fenômenos
naturais e os acontecimentos primordiais da vida.

3 O MITO NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA DO


ENSINO FUNDAMENTAL II

No Brasil, o ensino de português como língua materna vem


atravessando, ao longo das últimas décadas, significativas mudan-
ças e transformações, principalmente no que tange à seleção e à
aquisição de materiais didáticos, a partir dos quais já se pode per-
ceber uma melhoria de qualidade. Destarte, observa-se uma aber-
tura para o trabalho com a linguagem numa nova perspectiva, a da
interação social, que envolve o uso da língua e a reflexão sobre a
língua, através do trabalho com o texto e a leitura no contexto es-
colar.
Nessa perspectiva, o livro didático constitui um instrumen-
to de fundamental importância na organização da dinâmica do
trabalho na escola, como material de apoio ao professor e ao alu-
no, no fazer pedagógico da sala de aula. Ele vem assumindo, desde
a sua implantação, várias e importantes funções, dentre elas a de
determinar os conteúdos, objetivos e metodologias para os currí-
culos e programas a serem trabalhados durante todo o ano letivo
no fazer pedagógico das instituições, uma vez que,

O livro didático brasileiro se converteu numa das poucas formas


de documentação e consultas empregadas por professores e alu-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 180

nos. Tornou-se, sobretudo, um dos principais fatores que influen-


ciam o trabalho pedagógico, determinando sua finalidade, defi-
nindo o currículo, cristalizando abordagens metodológicas e qua-
dros conceituais, organizando, enfim, o cotidiano da sala de aula.
(ROJO, 2003, p.28).

Nesse sentido, convém ressaltar a importância do livro di-


dático no contexto de ensino-aprendizagem do educando no ensi-
no fundamental, uma vez que, em muitos casos, esse é o único ma-
terial de leitura e apoio às atividades pedagógicas de que alunos e
professores dispõem. Assim, é necessário compreender a função e
a finalidade desse instrumento, que já foi por muito tempo deten-
tor de um ensino pautado em nomenclaturas gramaticais, adepto
de uma metodologia tradicional e promotor da cultura escrita, o
qual, após vários contextos de melhorias e adaptações, apresenta-
se na atualidade com uma nova roupagem frente às grandes mu-
danças e avanços da comunicação contemporânea.
Desta forma, é possível perceber que, desde as décadas de
oitenta e noventa do século passado, vem ocorrendo uma grande
preocupação na construção das diretrizes curriculares, em especi-
al, na área da linguagem, e em redimensionar as práticas educati-
vas a partir da melhoria da qualidade do material didático utiliza-
do nas escolas públicas. Nesse contexto, a criação do PNLD (Pro-
grama Nacional do Livro Didático) pelo MEC (Ministério da Edu-
cação e Cultura) objetiva institucionalizar políticas de avaliação,
aquisição e distribuição do livro didático como instrumento inte-
grante do processo ensino-aprendizagem dos educandos das esco-
las públicas.
Porém, embora a escola já tenha apresentado grandes
avanços quanto à melhoria da aprendizagem dos educandos, a
partir dos materiais didáticos de leitura e compreensão, é possível
perceber que ela ainda não conseguiu acompanhar de forma con-
substancial essas mudanças e propor soluções viáveis para pro-

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 181

mover a formação de leitores críticos e reflexivos, a partir das prá-


ticas sociais de interação com a linguagem, na perspectiva do tex-
to literário na sala de aula, com vistas a despertar o interesse e o
prazer pela interação texto-leitor, abrindo, assim, novos horizon-
tes para que o trabalho com leitura possa transformar e ser trans-
formado em espaço de significação e produção de conhecimentos,
“capaz de alterar a bagagem intelectual do aluno” e ainda servir
“como possibilidade de alimentação da imaginação”, segundo pro-
põe Elias (2011, p. 199).
É importante ressaltar que as atividades de leitura formu-
ladas pelos livros didáticos ainda são falhas e pouco despertam o
interesse do aluno, tendo em vista a lacuna quanto ao trabalho
com os gêneros literários em geral. Além do mais, carecem de es-
tratégias que possibilitem ao aluno perceber-se no texto como
elemento próprio da história e do contexto de produção dos textos
propostos para o trabalho com a leitura literária, em especial, nos
textos clássicos de narrativas mitológicas. Para Colomer (2002, p.
93):

A leitura literária deve receber um tratamento especifico na escola


porque, diferentemente das demais leituras, destina-se a apreciar
o ato de expressão do autor, a desenvolver o imaginário pessoal a
partir dessa apreciação e a permitir o reencontro da pessoa consi-
go mesma em sua interpretação.

Contudo, embora os livros didáticos cada vez mais bus-


quem se adaptar às novas exigências sociais, na tentativa de poder
contribuir para a formação e construção de leitores críticos e re-
flexivos, a partir do trabalho com os diversos gêneros textuais que
circulam socialmente, é preciso compreender, em contrapartida,
que ainda não conseguiram dar uma atenção especial e propor um
trabalho voltado para o encantamento através das narrativas mi-
tológicas. Fato ainda mais grave, vale ressaltar, principalmente

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 182

porque são gêneros que despertam no educando o interesse e a


participação na contação de histórias, os quais podem servir como
instrumentos para incentivar o gosto e o prazer pela leitura, orali-
dade e escrita. Nessa perspectiva, “eis o nosso grande desafio: unir
prazer estético e inteligência crítica em face da apreciação do tex-
to literário”, observa Sousa (2019, p. 152).
Compreende-se, nesse ínterim, a necessidade de refletir
sobre o texto literário na perspectiva do livro didático, no contex-
to escolar, como instrumento de contribuição para a ressignifica-
ção do trabalho com a leitura, tendo em vista a diversidade de
usos que se pode fazer desses gêneros textuais/discursivos. A
exemplo, pode-se levar em consideração o momento de interação
com o texto, assim como elementos extratextuais, tais como: pra-
zer pela leitura, objetivos de leitura, motivação e vivências produ-
tor/leitor, conjunto de habilidades que precisam ser desenvolvi-
das pelos educandos durante o trabalho com a leitura, necessárias
para a formação do leitor crítico-reflexivo.
Portanto, a leitura deve ser tomada como algo da ordem da
subjetividade do educando, na qual estão implícitos desejos, ne-
cessidades e histórias de vida. O ato de ler não deve ser uma ação
mecânica, imposta, mas uma atividade criativa, que possa promo-
ver a interação entre os sujeitos com base em estratégias e objeti-
vos bem definidos, os quais incidem no gosto e no prazer diante
do texto. Cabe ao professor, pois, planejar as atividades com vistas
aos objetivos de leitura e às práticas de oralidade e escrita, levan-
do em consideração as características da turma, a partir da esco-
lha dos materiais didáticos utilizados com mais frequência, obser-
vando também a relação entre conteúdos, objetivos e metodologi-
as, como forma de contribuir para a formação do leitor crítico e
reflexivo, portanto, proficiente nas leituras que realiza.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 183

4 A ORALIDADE NA SALA DE AULA

A linguagem oral configura-se como uma atividade arrai-


gada no nosso cotidiano. A fala faz parte das práticas diárias de
interação entre os indivíduos e constitui as mais diversas ativida-
des sociais de linguagem. Saber se expressar oralmente possibilita
a sobrevivência em sociedade. Diante da relevância social da co-
municação oral, destacamos a necessidade do desenvolvimento
dessa competência na escola visto que, nos mais variados contex-
tos sociais, os alunos são expostos a diversas situações de comuni-
cação em que necessitam se posicionar crítica e criativamente.
Assim, o bom domínio das habilidades orais é relevante para a
integração social de nossos alunos, pois esta prática facilita-lhes o
exercício da cidadania.
Todavia, trazer a oralidade como prática de linguagem a
ser desenvolvida na escola não é uma proposta recente. Os Parâ-
metros Curriculares Nacionais (PCN), documento norteador do
processo de ensino-aprendizagem, chamam-nos a atenção para a
necessidade do exercício da oralidade em sala de aula ao assegu-
rar que é papel da escola “ensinar o aluno a utilizar a linguagem
oral no planejamento e realização de apresentações públicas”, e,
ainda, que cabe ao professor “propor situações didáticas nas quais
essas situações façam sentido de fato, pois é descabido treinar um
nível mais formal de fala, tomado como mais apropriado para to-
das as situações” (BRASIL, 1998, p. 25).
Recentemente, com a implementação da Base Nacional
Curricular Comum (BNCC), que reafirma a necessidade do desen-
volvimento das práticas de linguagem na escola (leitura, oralida-
de, escrita), situadas em contexto significativo para a vida do es-
tudante, faz-se necessária sua implantação efetiva no currículo,
visando o letramento não apenas nas aulas de língua materna,
mas em todas as áreas do conhecimento (BRASIL, 2017).

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 184

É relevante, portanto, que a escola assuma a incumbência


de desenvolver, no aluno, as habilidades de fluência comunicativa
em situações que exigem a interação por meio da linguagem oral.
Conquanto, observamos que o trato com a oralidade na escola re-
quer mais reflexões e que, a esse respeito, nos últimos anos, mui-
tos estudos estão sendo realizados e todos apontam para a melho-
ria das práticas didáticas. Nesse rol, Marcuschi (2012, p. 39) nos
esclarece que a oralidade é “uma prática social que se apresenta
sob as mais variadas formas e gêneros que vão desde o mais for-
mal ao mais informal e nos mais variados contextos de uso”.
Schneuwly e Dolz (2011, p. 127), por seu turno, conside-
ram a oralidade como “aquilo que é dito em voz alta”. Para esses
autores, o desenvolvimento das habilidades orais constitui um dos
grandes objetivos do ensino fundamental. É nessa perspectiva que
objetivamos, através da sugestão de atividades de letramento,
contribuir como professor no que concerne ao aprimoramento
dessas habilidades orais dos alunos. De acordo com os PCN (BRA-
SIL, 1998, p. 67):

Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso


a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exi-
jam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo
em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no
exercício da cidadania.

Diante disso, propomo-nos, também, a provocar aos pro-


fessores de Língua Portuguesa, em especial os que lecionam nos
anos finais do Fundamental II, uma reflexão acerca das práticas de
leitura em sala de aula, tendo o mito como uma ferramenta essen-
cial para favorecer a oralidade. Como justificativa, acreditamos
que o processo de fala e de escuta tem a capacidade de fortalecer a
relação entre aluno e professor, despertando, assim, interesse,
curiosidade e imaginação. E é com esse intuito que sugerimos uma

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 185

proposta de intervenção contendo atividades que visem ao letra-


mento literário, a fim de contribuir para a formação docente no
que respeita ao aprimoramento dessas habilidades orais de seus
alunos.

5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA COM O ESTUDO DO MITO

Esta é uma sequência didática composta por 7 aulas de 50


minutos (cada), direcionada ao 6º ano do Ensino Fundamental II.
Embasados na sequência básica proposta por Cosson (2018), pre-
tendemos, com esta formulação, sugerir atividades didáticas que
auxiliem o professor de Língua Portuguesa no que concerne a um
trabalho com a oralidade através do gênero mito, visto que a mai-
oria dos livros didáticos pouco dão ênfase às narrativas míticas.
Sob tal ótica, recordamos Schneuwly e Dolz (2011), os quais afir-
mam ser um dos grandes objetivos do ensino fundamental o de-
senvolvimento das habilidades orais. De posse dessa afirmação,
destacamos, então, ser relevante o desenvolvimento dessas com-
petências na escola, visto que o domínio das práticas de oralidade
é essencial para a integração social de nossos alunos.

5.1 Objetivos:

• Valorizar a narrativa mítica;


• Construir o conceito de mito;
• Reconhecer a estrutura e a funcionalidade do gênero mito;
• Recriar um mito por meio da retextualização oral.

Ano: 6º ano do Ensino Fundamental


Tempo previsto: 7 aulas de 50 min.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 186

5.2 Motivação – (1 aula – 50 min.)

Organize as cadeiras em círculo e convide os alunos para


ouvirem a música “Sonho de Ícaro”, interpretada pelo cantor Bya-
fra1. Após ouvirem a música, proponha uma roda de conversa e
faça questionamentos do tipo:

• Você já conhecia essa música?


• Qual o assunto explorado na canção?
• Onde você acha que o compositor foi buscar inspiração pa-
ra compor esta música?
• A música tem como título “Sonho de Ícaro”. Você descobriu
que sonho é esse?
• E você, qual o seu maior sonho?

Professor, estas são apenas sugestões de perguntas. Caso


julgue necessário, acrescente ou reformule os questionamentos de
acordo com o envolvimento e participação da turma. O mais im-
portante é deixar o aluno se manifestar livremente para emitir
suas opiniões, ideias, entendimentos ou expor suas experiências.
Finalize a roda de conversa contando um pouco sobre o mito de
Ícaro.

5.3 Introdução – (2 aula – 50 min.)

Apresente um vídeo curto (a seu critério) sobre o gênero


discursivo mito. Discuta com os alunos o conteúdo do vídeo e, logo
em seguida, apresente o gênero textual mito, sua estrutura, prin-
cipais características e propósito comunicativo. Ao passo em que
for construindo o conceito do gênero, anote na lousa ou mostre

1
Seria interessante colocar o link para acessar a música. (Eu não achei).

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 187

através de slides ou cartazes tais definições para que os alunos


acompanhem a explicação. Distribua para a turma, nessa etapa,
títulos de mitos e alguns nomes de filmes que abordam alguns
deles e questione os alunos se eles conhecem ou já ouviram falar
nessas histórias. Permita que eles se exponham livremente sobre
o assunto. Se necessário, instigue-os com perguntas ou comentá-
rios acerca dos mitos selecionados.
Em seguida, divida a turma em dois grupos e entregue para
cada grupo um mito diferente. Logo após, proponha uma leitura
silenciosa dos mitos. Ao término da leitura, oriente-os a localiza-
rem nos textos as principais características do gênero, recordan-
do-os de que elas foram exploradas no momento anterior. Para
finalizar a aula, proponha uma leitura compartilhada dos mitos.

5.4 Leitura e compreensão textual – (2 aulas – 50 min.)

• Leitura exemplar feita pelo professor do mito proposto;


• Faça discussões acerca do mito (propor questionamentos
orais com questões de compreensão e interpretação textu-
al);
• Finalize a aula retomando a música “Sonho de Ícaro”, rela-
cionando-a com o mito grego afim.

5.5 Planejamento e atividade de produção oral (retextualiza-


ção) – 2 aula – 50 min.)

Divida a turma em pequenos grupos e entregue para cada


equipe o mito de Ícaro. Explique que agora eles serão os contado-
res de histórias e irão fazer a releitura do texto e, de forma criati-
va, planejar o reconto do mito para apresentar para a turma.
Para finalizar, socialize a atividade oralmente.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 188

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como professores de língua portuguesa, sentimos, muitas


vezes, a desmotivação dos nossos alunos pela leitura dos textos
propostos pelo livro didático, tendo em vista que as temáticas
abordadas pouco despertam o interesse por não refletirem efeti-
vamente a condição afetiva e sociocultural desses alunos. Além
disso, outro responsável por essa desmotivação é a ausência de
atividades que provoquem imaginação e reflexão significativas.
Formulada essa proposta de intervenção, reafirmamos
nossa convicção de que a narrativa mítica se apresenta como uma
possibilidade de auxílio às práticas orais no ambiente escolar,
além de impulso ao letramento literário. Ademais, pode provocar
discussões acerca de situações reais, do imaginário e de questões
humanas, visto que o mito – não só o de Ícaro – mexe com a ima-
ginação, com o senso crítico e com o domínio estético.
Acreditamos, portanto, no potencial formador do mito, a
partir do que ele sugere e pede em termos de decifração. Certa-
mente, não é outra a motivação dos alunos. É perceptível o seu
interesse por esse gênero literário. Não raro, isso fica demonstra-
do em leituras espontâneas de obras feitas para o público adoles-
cente, no interesse por filmes, desenhos e jogos que envolvem mi-
tos e heróis. Cabe ao professor e à escola fazerem sua parte.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa Ensino Fun-


damental. Brasília: Ministerio da Educaçao e Desporto, 1998.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educaçao Infantil e Ensino Fun-


damental. Brasília: MEC/Secretaria de Educaçao Basica, 2017.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 189

BUSATTO, Cléo. Contar e encantar: Pequenos segredos da narrativa. 8. ed.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

COLOMER, Teresa. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: Ar-


tmed, 2002.

COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 2. ed., 8ª reimpressão.


São Paulo: Contexto, 2018.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.

ELIAS, Vanda Maria. Ensino da Língua Portuguesa: oralidade, escrita e leitura.


São Paulo: Contexto, 2011.

LEAL, José Carlos. A natureza do conto popular. Rio de Janeiro: Conquista,


1985.

MATOS, Gislayne Avelar; SORSY, Inno. O ofício do contador de histórias: per-


guntas e respostas, exercícios práticos e um repertório para encantar. 3. ed. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Concepção de língua falada nos manuais de portu-


guês de 1º e 2º graus: uma visão crítica. In: Trabalhos em Linguística Aplica-
da, Campinas, SP, v. 30, 2012. Disponível em:
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. Acesso em: 3 de nov. de 2020.

ROJO, Roxane; BATISTA, Antônio Augusto Gomes (org.). Livro Didático de


Língua Portuguesa, Cultura da Escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras,
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SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim (Org.). Gêneros orais e escritos na


escola. Traduçao de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. 3. ed. Campinas, SP:
Mercado das Letras, 2011.

SIMONSEN, Michele. O conto popular. Tradução de Luís Claudio de Castro e


Costa. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1987.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 190

SOUSA, Elri Bandeira de. O Mito Literário na Sala de Aula. In: Revista Lingua-
gens & Letramentos, Cajazeiras, Paraíba, v. 4, nº 2, Jul-Dez, 2019.

STOCKER, Cláudia. O incentivo à leitura através da arte de contar e narrar


histórias. Curitiba: Appris, 2014.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 191

A NARRATIVA DE TRADIÇÃO ORAL NA


SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE
INTERVENÇÃO COM A “LENDA DO
PONTAL DA SANTA CRUZ”
Dalva Patricia de Alencar
Sonia Maria de Matos

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como propósito apresentar uma


sugestão de intervenção didático-pedagógica que consiste na in-
serção de lendas da tradição local no ensino de leitura e literatura,
buscando destacar as potencialidades que esse tipo de recurso
pode promover no processo de ensino-aprendizagem, bem como
no desenvolvimento do pensamento crítico e na apreciação estéti-
ca de alunos da segunda etapa do Ensino Fundamental. Para tanto,
tomamos como ponto de partida os diálogos teóricos que tratam
de questões relacionadas à literatura popular e regional, assim
como o trabalho com textos da tradição oral na sala de aula, em-
basando-nos em estudos já realizados pelos críticos literários Oli-
veira (1996), Guerreiro (2003), Luyten (1987), Lima (1985), Ter-
ra (1983) e Menezes (2003).

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 192

A tradição cultural de nosso país é rica e complexa, e deri-


va, em grande parte, das narrativas e costumes locais transmitidos
oralmente, de geração a geração. Infelizmente, essa cultura, tão
própria da nossa gente, vem sendo ignorada e substituída por ma-
nifestações culturais típicas de outros países, situação que acaba
contribuindo para que crianças e jovens desconheçam, pelo me-
nos em parte, importantes elementos da sua cultura e, consequen-
temente, percam o sentimento de valorização da sua própria regi-
ão ou localidade.
A escola, como espaço plural e multicultural, apresenta-se
como instituição desafiada a realizar ações que promovam um
contato mais efetivo do discente com a cultura de sua comunida-
de. Dessa forma, o estudante terá oportunidade de criar referên-
cias que enriqueçam seus conhecimentos de mundo e que o levem
a interagir de forma mais intensa ao se reconhecer como perten-
cente ao lugar que o cerca.
Nessa perspectiva, este artigo apresenta-se organizado em
duas partes: inicialmente discutiremos a base teórica que funda-
menta a nossa pesquisa, tendo como principais postulados os es-
tudos em torno da literatura oral, conforme mencionado anteri-
ormente. A segunda parte da pesquisa consiste em uma sugestão
didática de trabalho com lendas locais em sala de aula. A proposta
é que seja realizada uma sequência de atividades em torno da len-
da santanense “O Pontal da Santa Cruz”, narrativa amplamente
difundida entre moradores da cidade de Santana do Cariri – hoje
um importante ponto turístico cearense – e regiões circunvizi-
nhas.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 193

2 LITERATURA POPULAR: HISTÓRIAS DE ONTEM, HOJE E


SEMPRE

Não se pode falar de lendas sem antes elucidar a literatura


popular de tradição oral. A literatura, assim como outras artes, é
capaz de proporcionar a quem a usufrui um vínculo significativo
com a realidade. De acordo com Cosson (2018, p. 17):

Na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de


nós mesmos e da comunidade a que pertencemos. A literatura nos
diz quem somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo
por nós mesmos. E isso se dá porque a literatura é uma experiên-
cia a ser realizada. É mais que um conhecimento a ser reelabora-
do, ela é a incorporação do outro em mim sem renúncia da minha
própria identidade.

Esse encontro com o senso de nós próprios, do outro e da


comunidade à qual pertencemos, referido por Cosson (2018) na
citação supracitada, nos direciona o olhar para a literatura popu-
lar, posto que é nela, especialmente a literatura oral, que descorti-
namos as nossas tradições e a nossa história, enquanto comunida-
de. São as narrativas populares as grandes responsáveis pela pre-
servação e renovação da cultura do povo.
Ao conceituar Literatura Popular, Guerreiro (1986) parte
da análise etimológica do vocábulo Literatura e, em seguida, ques-
tiona a acepção primitiva do termo e o real sentido a ele atribuído.
Seguindo as análises desse pesquisador, o vocábulo Literatura
origina-se do termo littera, que exprime, dentre os seus diversos
significados originais, “mensagem de arte traduzida pela palavra
escrita” (GUERREIRO, 1986, p. 1).
Ainda consoante o autor, a designação Literatura Popular
associa-se a uma entidade social que, na maioria das vezes, usa a
oralidade para representar a sua arte verbal. Tomando essa visão

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 194

como base e associando a designação de Literatura à restrita re-


presentação da arte verbal do artista através de trabalhos escri-
tos, Guerreiro (1986) ressalta a fuga do sentido próprio do vocá-
bulo, uma vez que este exclui, definitivamente, de seu âmbito to-
das as composições orais.
Ainda conforme os postulados de Guerreiro (1986), a ex-
pressão Literatura Popular possui dois sentidos: o de produção
literária de eruditos destinada ao povo ou que, sem essa intenção,
o povo adota, e o de obras literárias de invenção popular. No pri-
meiro sentido, as obras literárias são produzidas pelos eruditos
que, por tratarem de temas de interesse puramente popular, pas-
sam a ser adotadas pelo povo.
No segundo, as obras literárias são produzidas pelo povo,
sendo que, de acordo com os estudos realizados pelo pesquisador
Luyten (1987, p. 9), dentre “as expressões de cunho popular, as
que mais interesse oferecem são as modalidades comunicativas”
cuja apresentação se dá por meio de dois aspectos fundamentais:
a prosa e a poesia. Para fins de condensação da pesquisa, optamos
por estudar apenas o aspecto da prosa, como veremos a seguir.
Conforme os postulados de Luyten (1987), a prosa popular
aborda fatos ocorridos ou não, os quais, geralmente, têm caráter
educativo e são utilizados para servir como exemplos para seus
leitores, envolvendo os contos e as lendas, de um lado, e o teatro
do outro. Ainda segundo Luyten (1987), o conto popular, nascido,
humildemente, entre o povo anônimo como um simples e despre-
tensioso relato de situações imaginárias, inicialmente destinado a
ocupar os momentos de lazer das pessoas, constitui atualmente
uma forma literária de autoria coletiva, reconhecida e estudada
por inúmeros pesquisadores.
Por meio de seus incansáveis estudos acerca desse assunto,
Lima (1985, p. 12), ao citar Cascudo (1946), postula “ser o conto
popular, dentre os materiais folclóricos, o mais expressivo e am-

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 195

plo e também o menos examinado, reunido e divulgado, consti-


tuindo-se um índice revelador de informação histórica, etnográfi-
ca, sociológica, jurídica e social (...)”.
As lendas, segundo Bayard (2005, p. 10), constituíam, inici-
almente, uma coletânea da vida dos santos e mártires e eram lidas
nos refeitórios dos conventos, não tardando o seu ingresso na vida
profana. Essas narrações populares, baseadas em fatos históricos
precisos e transformadas pela tradição popular, refletem os ansei-
os de um povo, cuja conduta testemunha a favor de uma ideia ou
ação, objetivando a persuasão do leitor e o seu direcionamento
para o mesmo caminho.
Bayard (2005) assevera que as lendas existem desde a
formação da sociedade, seus temas se desenvolvem com inquieta-
ções semelhantes em todas as culturas, contrariando, frequente-
mente, a verdade psicológica, devido à quantidade de ensinamen-
tos humanos nelas contidas. Ademais, as lendas, na sua narrativa
inventiva e fascinante, percorrem o imaginário popular, transmi-
tindo informações históricas e tradições seculares de forma, mui-
tas vezes, alterada e criativa. Sobre esse poder imaginativo, Rocco
(1996, p. 45) pontua que:

As grandes perguntas sobre questões ligadas à origem do univer-


so, ao aparecimento do homem, aos fenômenos da natureza, à
existência de outros planos espirituais, são indagações que conti-
nuam a ser feitas e refeitas pelo ser humano na busca contínua de
conhecimento do espaço em que vive e de si próprio.

Corroborando com a fala de Rocco (1996), de acordo com o


senso comum, as lendas se constituem como narrativas transmiti-
das, oralmente, pelo povo, com o intuito de justificar e explicar
acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais, misturando fatos
reais e imaginários, como veremos no estudo da lenda santanense
“O pontal da Santa Cruz”, que apresentaremos mais adiante.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 196

3 DESCORTINANDO AS NARRATIVAS ORAIS DO CARIRI: A


LENDA DO PONTAL DA SANTA CRUZ

O município de Santana do Cariri está localizado no sul do


Ceará, a aproximadamente 523 quilômetros da nossa capital, For-
taleza. Conhecida como a capital cearense da paleontologia e ro-
deada de pontos turísticos importantes para a região do Cariri,
como o Museu de Paleontologia e o Geossítio do Pontal de Santa
Cruz, Santana do Cariri, como tantas cidades interioranas, guarda
memórias multisseculares que permeiam o imaginário do seu po-
vo.
O Pontal da Santa Cruz, espaço mítico onde surgiu a lenda
supracitada, conhecido antigamente como Sítio Cancão, é uma
ramificação da Chapada do Araripe, situada no Município de San-
tana do Cariri a uma altitude aproximada a 700 metros do nível do
mar. Está localizado a 4 km da sede, sendo possível chegar até lá
pela estrada que dá acesso ao topo da Chapada do Araripe ou, ain-
da, para os mais aventureiros, pela trilha que leva até à capela e à
Grande Cruz.
Em entrevista concedida, o Sr. Raimundo Alves1 conta que
a povoação do Distrito de Pontal da Santa Cruz foi marcada pela
paz que inspirava o lugar, pela forte união existente entre os seus
moradores e pela fartura encontrada naquela esplêndida beleza
natural, tendo como primeiros moradores os patriarcas das famí-
lias “Feitosa” e “Henrique”.
O Sr. Raimundo Alves, ao ressaltar ter ouvido essa história,
várias vezes, por meio de sua mãe, que era nativa do lugar, conta
que em meados de 1900, quando lá residiam apenas poucas famí-

1
Sr. Raimundo Alves, descendente de nativos do Pontal da Santa Cruz e lá
residente desde criança, narra sua versão sobre a lenda em estudo, sendo
considerado o atual responsável pelo registro e divulgação da Cultura Popular
daquele Distrito.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 197

lias, começaram a aparecer “marmotas e assombrações de todo


jeito”, amedrontando bruscamente os seus moradores e visitantes.
Naquela época, vários foram os acontecimentos que levaram os
moradores do lugar a crerem na existência de uma força sobrena-
tural que insistia em persegui-los e amedrontá-los através de in-
cessantes amostras de assombrações.
Segundo o Sr. Raimundo Alves, o seu avô, o Sr. Laurindo Al-
ves, sentindo-se também amedrontado pelas assombrações cau-
sadas pelo demônio e em busca de uma forma para acabar com
aqueles preocupantes e inexplicáveis acontecimentos, resolveu
falar com o pároco responsável pelo distrito, o qual sugeriu a
construção e o fincamento de um cruzeiro justamente no “local
dos assombros”.
Em 1901, seguindo e confiando na sugestão do Padre, o Sr.
Laurindo Alves e o seu irmão, José Gonçalves, construíram uma
pequena cruz e seguiram em procissão com todos os moradores
do lugar, com destino ao local onde eram ouvidas e vistas as
“marmotas”, carregando o cruzeiro por eles construído. Ao subi-
rem a serra, os moradores aterraram o “grande buraco”, de onde
surgiam enormes “linguetas de fogo”, preparando o local para o
fincamento da cruz.
Segundo o Sr. Raimundo, ao fincarem o pequeno cruzeiro
no alto da serra, sumiram o demônio e todas as assombrações do
lugar, voltando a reinar a paz entre todas as famílias daquele sítio.
No ano de 1929, alguns moradores de Inhumas e do Sítio Canta
Galo, dentre os quais o Sr. Raimundo destaca “Pedro Alves”, o seu
pai “Zé Correia” e “Zé Linard”, resolveram colocar, no alto da ser-
ra, um cruzeiro maior e mais alto, com a finalidade de ser visto a
longa distância. Em comum acordo com os moradores do Pontal,
um cruzeiro maior foi construído pelo Sr. “Manoel Gomes”, em
Santana do Cariri, o qual é fincado no alto da serra e, em seu bra-
ço, fixada a cruz menor.

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 198

No ano de 1950, deu-se início à construção da capelinha do


alto da serra, que foi concluída somente “uns cinco anos depois”.
Segundo Sr. Raimundo, depois de construída e inaugurada a cape-
la, “na década de 60”, por fatalidade, “veio um raio que levou a
cruz pequena, laxando o braço da cruz maior”. A partir de então, a
comunidade se reuniu e consertou o braço da cruz maior, atingida
pelo raio, conservando-a no local de origem.
De acordo com os depoimentos do Sr. Raimundo Alves, “na
década de 80, na administração de Zé Maia, foi fincado ao lado do
outro, um cruzeiro maior”. Antes desse outro fincamento, várias
foram as discussões travadas pela comunidade em torno da con-
servação ou não do cruzeiro menor. “Uma parte da comunidade
queria arrancar o cruzeiro velho, mas a outra não. Nessa discórdia
toda, pode ser que tenha tido de novo o dedim do demônio”.
Foi quando veio outro raio que destruiu o cruzeiro velho.
Com isso, o “encarregado serrou e jogou fora o resto da cruz. Aí eu
fui, arranquei o toco que ficou, emendei com outro pedaço e fin-
quei a cruz no mesmo lugar. Hoje, chegando, lá você vê logo a cruz
nova, que é a cruz grande, e a cruz menor, que foi a que eu conser-
tei”.

4 LITERATURA VIVA NA SALA DE AULA: DESBRAVANDO A


LENDA SANTANENSE

A narrativa oral escolhida para a implementação das ativi-


dades foi a “Lenda do Pontal da Santa Cruz”, da localidade de San-
tana do Cariri, uma vez que propomos articular o estudo das nar-
rativas orais com alguns domínios relacionados à história local e à
sua consequente valorização. Além disso, trata-se de uma história
muito popular entre os habitantes da cidade, sendo recontada,
inclusive, em folhetos de cordel.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 199

Isso posto, o presente artigo apresenta uma proposta de in-


tervenção a ser desenvolvida com as turmas do Ensino Funda-
mental II, fundamentada no modelo de Cosson (2018) para se-
quências didáticas, visando a uma alternativa de trabalho com as
narrativas orais. Vale ressaltar que esta é apenas uma sugestão
didático-pedagógica, cabendo ao professor analisar a maturidade
literária de sua turma, bem como o tempo disposto para a realiza-
ções das atividades.
Antes de adentrarmos na proposta em si, faz-se necessário
apontar algumas considerações acerca da sequência didática. A
sequência básica do letramento literário proposta por Cosson
(2018) é organizada em quatro etapas distintas como apresenta-
remos adiante: a primeira etapa é intitulada de motivação e con-
siste num momento de preparação da turma para a leitura do tex-
to literário. Não devendo ultrapassar o tempo de uma aula, a mo-
tivação pode ser planejada de forma oral, por meio de uma ativi-
dade de leitura e/ou escrita.
O segundo momento é dedicado à introdução e, como o
próprio nome já nos adverte, é um momento de contato inicial
com a leitura que será desenvolvida no decorrer da sequência.
Neste momento, o professor poderá estabelecer o primeiro conta-
to do aluno com o autor em questão e com sua obra.
Em seguida, temos a etapa essencial da nossa sequência, a
leitura, que é justamente o momento de acompanhamento do pro-
fessor ao aluno, no defrontar-se com o texto. A leitura deve ser
organizada em espaços, intitulados intervalos, que proporcionem
à turma momentos de interação sobre a obra. Pode-se trazer tex-
tos que dialoguem com a obra em estudo, organizar rodas de con-
versa, acompanhar o entendimento da turma em relação à obra,
dentre outras atividades.
Para finalizar a sequência didática, temos o que chamamos
de interpretação. Esta quarta etapa destina-se à culminância da

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 200

atividade. É neste momento que o aluno terá a oportunidade de


construir os sentidos do texto e exteriorizar o que compreendeu.
Aqui, há a possibilidade de uso de diversas ferramentas, como
desenhos, retextualizações, pinturas, resenhas, expressão corpo-
ral, dentre outros.
Para a proposta em relação a “A lenda do Pontal de Santa
Cruz”, a sequência poderá ser estruturada no tempo de dois me-
ses, totalizando 8 horas/aula, e, como mencionado anteriormente,
não tem a intenção de ser uma atividade fechada, ao contrário, o
professor pode e deve ter total liberdade para adequá-la à reali-
dade de suas turmas e de seus alunos. É importante ressaltar tam-
bém a importância de que um projeto como este possa compor o
plano curricular da disciplina naquele ano letivo, visto que requer
um tempo de planejamento e que deve ser trabalhado de forma
interdisciplinar.

1º Momento (1 hora/aula)

Motivação

Para este momento, sugerimos a leitura da reportagem


“Pontal da Santa Cruz é opção de turismo científico”, veiculada
pelo jornal Diário do Nordeste, em 10 de julho de 2006 (PONTAL,
2006). O texto traz informações importantes acerca do Pontal,
além de explorar o misticismo por trás da lenda que povoa o ima-
ginário dos moradores daquela região. Nesse contexto, a escolha
da reportagem para a etapa da motivação dá-se, justamente, no
intuito de apresentar à turma a temática a ser trabalhada.
Além do texto jornalístico, o professor poderá se apropriar
do conhecimento prévio dos alunos em relação às lendas e ao lu-
gar em que vivem a fim de despertar-lhes a curiosidade para a
vivência das atividades. Seria interessante aprontar a sala com

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 201

imagens do local – Pontal de Santa Cruz – e com perguntas moti-


vadoras, que instiguem a turma a discutir acerca da lenda local,
tais como:
✓ Você já ouviu alguma história de assombração?
✓ Você já ouviu falar na lenda do Pontal de Santa Cruz?
✓ Essa lenda se assemelha a outras lendas que você já conhe-
ce?
Ao propor esses questionamentos, tem-se a intenção de inserir
o aluno no universo mítico, mostrando a literatura como meio de
propagação dessas histórias.

2º Momento (1 hora/aula)

Introdução

Nesta etapa, a sugestão de atividade prevê um momento de


apresentação da lenda propriamente dita. Aqui, é importante que
o aluno amplie seus conhecimentos acerca da definição de lenda,
para que seja capaz de reconhecer na narrativa oral característi-
cas que se aproximem da história que será lida.
Como uma continuação da motivação, o professor pode
trabalhar, a partir de perguntas motivadoras: se a turma sabe o
que é e como surgem as lendas, quais lendas os alunos conhecem,
além de apresentar o texto a ser trabalhado no momento seguinte.
Pode-se também buscar vídeos disponíveis no YouTube que tra-
tem de lendas brasileiras.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 202

3º Momento (2 horas/aula)

Leitura

Após a introdução, chegamos ao momento da leitura. Como


se trata de uma narrativa curta, ela pode ser realizada no próprio
ambiente escolar. Para isso, o ideal é que o professor organize um
espaço fora da sala de aula, na tentativa de deixar a turma mais à
vontade para a leitura. Uma proposta pertinente seria organizar
um cenário de assombração, pela relação com a temática da lenda.
Obviamente essa opção deve ser avaliada pelo professor, a partir
da maturidade da turma em relação a essas questões.
Antes da leitura, é importante que o professor verifique se
toda a turma está com o texto em mãos, sendo uma possibilidade a
impressão e distribuição das narrativas pela escola, como forma
de democratizar o acesso aos textos. Quanto ao momento de leitu-
ra, ele pode ser feito inicialmente pelo professor, que saberá dar
ao texto um “ar de suspense ou de mistério”, e, em seguida, pelos
alunos, para que se apropriem da narrativa, podendo ser feita de
forma silenciosa.

4º Momento (2 horas/aula)

Leitura (Intervalo)

A proposta dos intervalos de leitura, defendida por Cosson


(2018, p. 63), consiste em “uma focalização sobre o tema da leitu-
ra, permitindo que se teçam aproximações breves entre o que já
foi lido e o novo texto”. Nesse sentido, além do acompanhamento
natural da leitura, que deve ser observado de perto pelo professor,
propõe-se um momento que seja destinado às discussões em tor-
no do tema.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 203

Para este intervalo sugere-se a apresentação do cordel “A


Cruz do Século”, de autoria do poeta e cordelista santanense, Ge-
raldo Moreira de Lacerda, o Poeta Maranhão (1996), que, seguin-
do o mesmo panorama dos registros da memória dos nativos do
Distrito de Pontal da Santa Cruz, aborda essa narrativa oral, com
maestria e graça, incrementando algumas passagens humorísticas.
Os alunos poderão relacionar o cordel à narrativa oral, ob-
servando semelhanças e diferenças entre os dois gêneros, tanto no
que se refere à temática como em relação a sua estrutura e estéti-
ca. É um excelente momento para trabalhar com a turma as carac-
terísticas da Literatura Oral, na prosa e na poesia.

4º Momento (4h/a)

Interpretação

Após vivenciar as três etapas anteriores, chegamos ao final


da sequência básica com o momento intitulado interpretação. “A
interpretação é feita com o que somos no momento da leitura. Por
isso, por mais pessoal e íntimo que esse momento interno possa
parecer a cada leitor, ele continua sendo um ato social” (COSSON,
2018, p. 65). Nessa perspectiva, trouxemos como sugestão duas
atividades a serem desenvolvidas com a turma.
Para este momento sugere-se a preparação de uma aula de
campo na localidade do Pontal de Santa Cruz, região em que a len-
da foi disseminada, para que os alunos tenham a oportunidade de
(re)conhecer o espaço mítico do lugar. No Pontal, os estudantes
poderão visitar a gruta de onde saíam “os demônios” descritos na
lenda, além de poderem reler o cordel, através das placas dispos-
tas no restaurante do local, com trechos da narrativa contada pelo
Poeta Maranhão.
Ao retornarem do passeio, sugere-se que o professor pro-
ponha que, assim como o Poeta Maranhão recontou a lenda por

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 204

meio do seu cordel, a turma reproduza a história, através de ou-


tros gêneros textuais como quadrinhos, por exemplo. Recomenda-
se que a sala seja organizada em duplas, e os alunos tenham liber-
dade de criação para retextualizar a narrativa, a partir das suas
experiências durante toda a sequência didática.
Depois dos quadrinhos prontos e revisados, pode-se orga-
nizar uma exposição, para que a turma apresente suas impressões
acerca dos estudos em torno da literatura oral e da lenda, como
forma de reconhecer e de valorizar as histórias locais. Para este
momento, o apoio da sala de multimeios é imprescindível, visto
que ela pode atuar na organização do espaço e na divulgação da
exposição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizar um estudo sobre a literatura de um povo e sobre


os artistas de uma determinada região é possibilitar à sociedade o
resgate da cultura local, tantas vezes considerada secundária e
supérflua pela maioria das pessoas que dela partilham. Diante do
estudo realizado, tivemos a oportunidade ímpar de aprofundar os
conhecimentos em torno da variedade de riquezas constantes na
Literatura Popular, a partir da “Lenda do Pontal de Santa Cruz”,
possibilitando dar maior visibilidade à história do povo e divulgar
a cultura santanense.
Ademais, sendo a literatura uma fonte inesgotável de co-
nhecimento, entende-se o papel fundamental da escola na difusão,
no reconhecimento e na valorização das lendas locais, como meio
de promover entre os alunos de uma determinada comunidade a
sensação de pertencimento ao lugar. Criar referências e se identi-
ficar com sua própria história faz do aluno um ser mais completo e
mais consciente do seu dever no mundo.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 205

Acreditamos em uma literatura libertadora, livre de amar-


ras canônicas e rica em sua diversidade. E, além disso, entende-
mos a necessidade de defender o espaço da literatura nas aulas de
língua portuguesa, como forma de assegurar a formação dos leito-
res.

REFERÊNCIAS

BAYARD, Jean Pierre. História das Lendas. Tradução de Jeanne Marillier. [ver-
são para eBookLibris]. Ed. Ridendo Castigat Mores, 2005. Disponível em:
<http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/lendas.html>. Acesso em: 30 de jan. de
2021.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora Con-
texto, 2018.

GUERREIRO, Manuel Viegas. Literatura Popular: Em torno de um conceito.


Digitalizado e revisto por Domingos Morais. 1986. Disponível em:
<http://alfarrabio.di.uminho.pt/cancioneiro/etnografia/manuelViegasGuerreir
o-literaturapop.pdf>. Acesso em: 30 de jan. de 2021.

LACERDA, Geraldo Moreira de. Poeta Maranhão. A cruz do século. Academia de


Cordelistas do Crato, 12/1996.

LIMA, Francisco Assis de Sousa. Conto popular e comunidade narrativa. Rio


de janeiro: Funart/Instituto Nacional do Folclore, 1985.

LUYTEN, Joseph M. O que é literatura popular. São Paulo: Brasiliense, 1987.

PONTAL da Santa Cruz é opção de turismo científico. Diário do Nordeste, onli-


ne, 10 de Julho de 2006. Seção Região. Disponível em:
<https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/pontal-da-santa-cruz-
e-opcao-de-turismo-cientifico-1.486632>. Acessado em: 30 de jan. de 2021.

ROCCO, Maria Thereza Fraga. Viagens de Leitura. Brasília: Cadernos da TV


Escola, 1996.

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 206

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES

ALANNA RODRIGUES NERI CUNHA


Possui Graduação em Letras - Língua Portuguesa pela Universida-
de Regional do Cariri (2009), Especialização em Ensino de Língua
Portuguesa e Inglesa pela Universidade Candido Mendes (2018),
Mestrado em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG). É Professora do Ensino Fundamental e
Médio na EEFM Getúlio Vargas, em Farias Brito/Ceará.
E-mail: [email protected]

ANTONIO ROMERO SIQUEIRA DODOU


É graduado em Letras e Bacharel em Direito (URCA), especialista
em Literatura Brasileira e Direito Previdenciário e Trabalhista
(URCA), Mestre em Letras (UFCG), autor dos livros “De Tabuleiro
a Juazeiro: reflexões sobre Cícero o Padre, o Homem e o Líder”
(Produção independente) e coautor do livro “Antologia Poética:
escritores do cariri” (A Província). Publicou artigos em anais de
eventos de sua área. Foi professor temporário de Literatura brasi-
leira da Universidade Estadual Vale do Acaraú e, atualmente, é
professor efetivo da rede municipal de ensino de Juazeiro do Nor-
te e do estado do Ceará.
E-mail: [email protected]

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 207

BÁRBARA DANIANE MENDES MARQUES


Bárbara Daniane Mendes Marques é licenciada em Letras (UFCG),
Especialista em Língua, Linguística e Literatura (FIP) e Mestre em
Letras (UFCG). Professora da Educação Básica nos Anos Finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio no município de Nazarezinho
e no Estado da Paraíba. É autora de poemas, com participação na
Antologia “Inspirações poéticas” (Lura Editorial), é musicista e
artista plástica. Cadastrada na Plataforma Lattes do CNPq.
Email: [email protected]

DALVA PATRICIA DE ALENCAR

Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri (URCA)


e mestra em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG), além de especialista em Gestão e Docência do Ensino Su-
perior. Desde 2012 é professora efetiva do Estado do Ceará, lecio-
nando a disciplina de Língua Portuguesa e Literatura. Tem experi-
ência na área de Letras com ênfase em Texto e Literatura, atuando
nos seguintes temas: ensino de Literatura, Literatura e Gênero e
formação de professores. Atualmente participa do grupo de pes-
quisa GELICE (Grupo de Estudo em Literatura, Cultura e Ensino),
coordenado pela Prof. Dra. Daise Lilian Fonseca Dias (UFCG). Tem
interesse na pesquisa da Literatura feminina de autoria cearense.
E-mail: [email protected]

DAMIANA GALDINO DOS SANTOS


Damiana Galdino dos Santos é licenciada em Letras (F V J), Especi-
alista em Língua Portuguesa (FVS) e Mestre em Letras (UFCG).
Atua como professora de Língua Portuguesa na rede Municipal de
Ensino na cidade do Barro-CE, e também é formadora de Profes-
sores dos anos finais do Ensino Fundamental do Município.
E-mail:[email protected]

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 208

DANIEL SOARES DANTAS


É licenciado em Letras e em Pedagogia (UFCG e FASP); Doutoran-
do em Linguística (UFPB); Mestre em Letras (UFCG) e Especialista
em Linguagem e Ensino (FASP). Atua como professor de Língua
Portuguesa e de Língua Espanhola na Rede Estadual de Educação
da Paraíba. É formador de professores e criador de conteúdo digi-
tal educacional.
E-mail: [email protected]
Instagram: @danieldantas.com.br

ELRI BANDEIRA DE SOUSA


É licenciado em História e em Letras (UFPB) e Doutor em Litera-
tura Brasileira pelo PPGL (UFPB). Professor associado da Univer-
sidade Federal de Campina Grande, é vinculado ao Curso de Letras
e ao Mestrado Profissional em Letras, Campus de Cajazeiras/PB. É
autor dos livros Fogo Morto: uma tragédia em três atos (EDUFCG),
Engenhos e Personagens da Mega-Narrativa de Lins do Rego (Edi-
tora Bagagem), Artigos sobre mito, literatura e ensino (Editora
Ideia), Exercícios em Verso e Prosa (Editora Ideia) e coorganizador
dos livros Heróis e anti-heróis do sertão de Lins do Rego (Appris
Editora), Ensino de Literatura e outras artes: propostas para a sala
de aula e Para além dos centenários: história, memória e represen-
tações culturais em Pombal (PB). Publicou diversos artigos em re-
vistas, livros e anais de eventos de sua área de atuação e áreas
afins. Atualmente é membro do Conselho Editorial da Revista Lin-
guagens & Letramentos (Mestrado Profissional em Letras UFCG-
CFP). Como pesquisador, é líder do Grupo de Pesquisa Doxa, ca-
dastrado na Plataforma Lattes do CNPq.
Email: [email protected]

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 209

FRANCISCO ANTONIO PEREIRA DE ARAÚJO


Graduado em Letras Português/Literatura pela UECE. Possui es-
pecialização em Português e Literatura pela FAPAF. Bacharel em
teologia livre pela FATERGE. Mestre em Linguagens e Letramen-
tos pelo PROFLETRAS – UFCG, Campus de Cajazeiras - PB. Autor
do livro Resenhas de Teologia Reformada. Professor do Ensino
Fundamental e Médio em Acopiara – Ce.
E-mail: [email protected]

FRANCISCO JOSÉ HOLANDA


Possui graduação em Letras - Língua Portuguesa pela Universida-
de Federal do Ceará (2014) e Especialização em Gestão Escolar e
Práticas Pedagógicas e Linguística Aplicada na Educação. É Mestre
pelo programa ProfLetras da UFCG. Atualmente, é Doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (POSLA -
UECE). É professor do Governo do Estado do Ceará e da Rede Par-
ticular de Ensino. Tem experiência na área de Letras, com ênfase
em Língua Portuguesa.
E-mail: [email protected]

JOSICLEIDE ODETE DOS SANTOS


Josicleide Odete dos Santos é graduada em Letras pela Universi-
dade Regional do Cariri – URCA. Especialista em Língua Portugue-
sa e Literatura Brasileira e Africana (URCA). Mestra em Letras
pelo PROFLETRAS - UFCG. Professora da rede municipal de ensino
de Brejo Santo – CE.
E-mail: [email protected]

LUCIANA DA SILVA
Luciana da Silva é licenciada em Letras (UFPB) e em Pedagogia
(UFCG). Especialista em Psicopedagogia (FIP) e em Gestão Escolar

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 210

(UFPB). Mestra em Letras pelo PROFLETRAS (UFCG). Professora


do sistema municipal de ensino de Cajazeiras – PB.
E-mail: [email protected]

MARIA ALVANY BATISTA


É licenciada em Letras pela Universidade Regional do Cariri (UR-
CA) e Mestra em Letras pelo PROFLETRAS – Mestrado Profissional
em Letras pela UFGC – Campus de Cajazeiras – PB. É professora
efetiva da rede municipal e estadual na cidade de Nova Olinda –
CE: leciona na EEF Padre Cristiano Coelho e na EEMTI Padre Luís
Filgueiras. Desenvolve o projeto de leitura Poesia com Guloseimas
com estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental. Tem experiên-
cia na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa e Litera-
tura.
Email: [email protected]

MARIA APARECIDA DE SOUSA CARDOSO


É licenciada em Letras (UFCG), Especialista em Língua, Linguagem
e Ensino (ISEC) e Mestre em Letras (UFCG). Professora de Língua
Portuguesa e de Língua Inglesa da rede pública do Estado da
Paraíba. Tem experiência como formadora de professores nos
Cursos de Formação Continuada: Introdução à Educação Digital,
Ensinando e Apredendo com as TIC, Elaboração de Projetos
(EPROINFO) e Formação de Professores do Programa Qualiescola
(IQE). É coautora do livro Verso e Prosa: Poesia na Escola (2021),
pela Editora Palavra é Arte, 3ª edição. Tem poemas publicados nos
livros Poesia Livre (2020) antologia poética, já na 35ª edição, pela
Vivara Editora Nacional, e Inspirações Poéticas (antologia 2020),
pela Lura Editorial.
E-mail: [email protected]

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 211

MARIA CARMELITA MIGUEL BRASIL


É graduada em Língua Vernácula (1997) e em Pedagogia - Admi-
nistração Escolar (1993) pela UFPB/CFP/CAMPUS V Cajazeiras-
PB. Tem Especialização em Planejamento Educacional (2001) pela
UVA-CE, em Educação, Desenvolvimento e Políticas Educativas
(2007) pelo ISEC Cajazeiras/PB e em Gestão da Educação Pública
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2013). É Mestra em
Letras – Mestrado Profissional em Letras UFCG/CFP – Cajazeiras
PB (2021). É Professora Efetiva de Língua Portuguesa do Ensino
Fundamental II, na SME de Umari/CE onde já exerceu o cargo de
Coordenadora Pedagógica.
ID Lat-
tes: 2152374745014865 http://lattes.cnpq.br/2152374745014865
E-mail: [email protected]

MARIA CONCEIÇÃO SIEBRA FREITAS


É licenciada em Letras pela Universidade Regional do Cariri-
URCA, especialista em Literatura e Arte pela mesma URCA e pós-
graduada em gestão escolar pela UDESC. Tem formação em espa-
nhol pelo Programa de Idiomas promovido pela Pró-Reitoria de
Extensão – PROEX da Universidade Regional do Cariri. É professo-
ra efetiva da rede municipal de Caririaçu e da rede estadual do
Ceará. É mestra pelo Mestrado Profissional em Letras-
PROFLETRAS da UFCG – Cajazeiras/PB. Sua pesquisa traz impor-
tantes abordagens sobre a escrita nas séries finais do Ensino fun-
damental na perspectiva dos letramentos.
E-mail: [email protected]

MARIA DAS DÔRES PEREIRA RAMOS


Maria das Dôres Pereira Ramos é licenciada em Letras pela Uni-
versidade Regional do Cariri – URCA e em Letras-Espanhol pela
Universidade Federal do Ceará-UFC. Especialista em Literatura de

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O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 212

Expressão em Língua Portuguesa pela Faculdade João Calvino.


Mestra em Letras pelo PROFLETRAS - UFCG. Professora da rede
municipal e estadual do Ceará.
E-mail: [email protected]

MARIA DO SOCORRO DE ALMEIDA BARBOSA XAVIER


Maria do Socorro de Almeida Barbosa Xavier é licenciada em Le-
tras (UFPB); Mestre em Letras (UFCG); Especialista em Ensino de
Língua Portuguesa (URCA/CE) e Especialista em Gestão Escolar
(Faculdade João Calvino). Professora efetiva de Língua Portuguesa
na Rede Estadual (SEDUC/CE) e Municipal na cidade de Mauriti -
Ceará. Articuladora de Programas Educacionais da Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
E-mail: [email protected]
Instagram: socorroalmeida307

MARIA JOSÉ ABREU FERNANDES


Graduada em Letras pela UFCG – Cajazeiras/PB. Especialista em
Língua Portuguesa pelo ISEC-FASP – Cajazeiras e em Gestão Esco-
lar pela UFPB. Mestra pelo PROFLETRAS – UFCG. Há mais de vinte
anos, tem exercido a profissão em diversos campos educacionais e
modalidades de ensino. Atuou como professora no Ensino Fun-
damental I e II em escolas públicas e privadas, no Ensino Médio
Regular e Médio Normal em escola estadual, na educação de Jo-
vens e Adultos pela rede municipal e estadual, como professora
e/ou coordenadora pedagógica. Atuou como professora substituta
no Campus da UFCG – Cajazeiras. Exerceu as funções de gestora de
escola e de Formadora do EPROINFO – PB. Atualmente é vincula-
da às redes estadual e municipal de ensino em turmas do Ensino
Fundamental (Anos Finais) e Médio.
E-mail: [email protected]

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 213

MARIA REGILÂNIA DE OLIVEIRA GONÇALVES VARELA


Professora da rede estadual do Ceará; Licenciada em Pedagogia
pela Universidade Regional do Cariri – URCA e em Letras pela
Universidade Federal do Ceará – UFC, Especialista em Ensino da
Língua Portuguesa pela URCA, Mestranda em Letras pelo Mestra-
do Profissional em Letras – Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG – Campus Cajazeiras – PB).
E-mail: [email protected]

RAIMUNDA CALISTO DE BRITO


Licenciada em Pedagogia pela Universidade Regional do Cariri
(URCA – CE), com Habilitação em Língua Portuguesa pela Univer-
sidade Estadual Vale do Acaraú (UVA – CE); Especialista em Ensi-
no de Língua Portuguesa pela Universidade Regional do Cariri
(URCA – CE); Mestra em Letras pelo Mestrado Profissional em
Letras – Universidade Federal de Campina Grande (UFCG – Cam-
pus Cajazeiras – PB). Professora da rede pública de Ensino Fun-
damental em Juazeiro do Norte/CE.
E-mail: [email protected]

SARA JULIENE JACINTO TRAJANO


Possui Graduação em Letras - Língua Portuguesa e Inglesa pela
Universidade Estadual do Ceará (2003) e Especialização em Ensi-
no de Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Ceará
(2005). É Bacharela em Direito pela Universidade Regional do
Cariri (2014) e Mestra pelo Programa ProfLetras da UFCG (2021).
É professora do Estado do Ceará e da Rede Municipal de Ensino de
Icó. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Por-
tuguesa.
E-mail: [email protected]

Sumário
O MITO E OUTRAS HISTÓRIAS DE ENCANTAMENTO NA SALA DE AULA | 214

SONIA MARIA DE MATOS


Licenciada em Pedagogia (1992) e Letras (2003) e especialista em
Língua Portuguesa e Arte Educação (2006) pela Universidade Re-
gional do Cariri-URCA. Mestra em Letras (2021) pela Universidade
Federal de Campina Grande, Campus Cajazeiras-PB, atualmente é
professora da rede pública do Estado do Ceará e da rede pública
Municipal de Santana do Cariri, onde leciona as disciplinas de Lín-
gua Portuguesa e Redação.
E-mail: [email protected]

YEDA ANGELINA VIEIRA CANUTO


Yeda Angelina Vieira Canuto é licenciada em Letras (UFCG); Gra-
duanda em Direito (UFCG); Mestre em Letras (UFCG) e Especialis-
ta em Educação Infantil e Ensino Fundamental pela Faculdade
Kurios (FAK). Atua como professora de Língua Portuguesa na Re-
de Estadual de Educação da Paraíba.
E-mail: [email protected]

Sumário

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