Territórios Extrativo Mineral Na Bahia
Territórios Extrativo Mineral Na Bahia
Territórios Extrativo Mineral Na Bahia
SALVADOR, 2019
Lucas Zenha Antonino
Doutorando
SALVADOR
2019
TERMO DE APROVAÇÃO
Data da defesa:
Banca Examinadora:
_____________________________________________________
Profa. Dra. Guiomar Inez Germani – PPGG / UFBA
Orientadora
_____________________________________________________
Profa. Dra. Gilca Garcia de Oliveira – PPGE / UFBA
_____________________________________________________
Prof. Dr. Arno Brichta UFBA – Geologia / UFBA
_____________________________________________________
Prof. Dr. Shanti Nitya Marengo – NEIM / UFRB
_____________________________________________________
Prof. Dr. Tádzio Peters Coelho – UFMA / PPGCS
_____________________________________________________
Magno Luiz da Costa Oliveira – Educador Popular / MAM / CPT
Salvador (Ba)
2018
Outras luminosidades na morfologia das amputações territoriais.
[...]
Registrar, ressaltar os conflitos,
Desafiar a ganância usurpadora
Dos chamados “bens da Terra”
E a arrogância gerada e
regada pela “busca de riquezas”.
Lutar contra a ignorância coletivizada,
Que imobiliza, silencia, e escraviza a população,
Mais organização, mais informação!
REAGIR!!!
[...]
A Flora Pidner, por todo amor e companheirismo nessa trajetória de grafar nossas vidas por Minas Gerais,
Bahia e Alagoas. Obrigado pelos incentivos e múltiplos cuidados com este texto durante as leituras e
revisões que foram essenciais para a conclusão dessa Tese.
Agradeço e terei eterna saudade das duas avós Zezé e Dudu. Viraram estrelas durante a produção desta
pesquisa e seguem iluminando todos nós. Aos demais familiares das famílias Zenha e Antonino o meu
agradecimento. Em especial, tia Heloisa Zenha que sempre me incentivou a conhecer a Bahia desde
pequeno. Quando conheci Salvador, logo arrumei as malas e mudei.
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia na UFBA e a bolsa concedida pela Capes, que me deram
as condições institucionais necessárias para que a pesquisa pudesse ser realizada. Aos Professores de toda a
minha trajetória de vida escolar e acadêmica, em especial aos que estiveram presentes nessa caminhada do
Doutorado, com os quais cresci e aprendi bastante. Em especial, a Professora e Orientadora deste trabalho,
Guiomar Germani que abriu as portas do GeografAR/UFBA e acolheu minha “força de trabalho” perante
tantas injustiças nesse país. A primeira reunião que participei (2013) não foi possível ir embora devido a
quantidade de pessoas presentes, assim, marcou o início dessa travessia. Esse grupo de pesquisa foi de
fundamental importância para minha consolidação crítica de mundo e concepções de natureza e sociedade.
Agradeço a também Coordenadora Gilca Garcia e as companheiras de luta como Edite Diniz, Laura
Chamo, Hingryd Freitas, Paula Adelaide, Aline Nascimento, Aline Lima, Taíse Alves, Kássia Rios,
Gabriele Oliveira, Janeide Bispo, Marize Damiana, Leila Silva. Aos companheiros Denílson Alcântara
e Márcio Montenegro da residência agrária, Tiago Rodrigues, Cloves Araújo, Maicon de Andrade,
Adriano Lima, Bruno Lara, Sander Prates, Avelar Júnior, Marcelo Mota, entre outros. Cada um tem
uma importância grande nessa passagem enriquecedora pela Bahia e nessa elaboração de pesquisa.
À toda a banca avaliadora da Tese pelo aceite do convite e por todas as contribuições que me ajudaram a
crescer nesta caminhada.
Aos amigos que ainda encontro por Belo Horizonte, quando posso matar a saudade do meu primeiro lugar.
Aos amigos de Salvador que me apresentaram uma baianidade rica e diversa. Agradeço também aos novos
amigos que estão se fortalecendo pelas terras alagoanas de Dandara e Zumbi dos Palmares.
Agradeço aos companheiros da CPT, trabalho árduo na busca por um mundo melhor: Rubem Siqueira,
Rose Conceição, Maria Aparecida, Célio de Castro, Marina Rocha, Domingos Rocha, Beni Carvalho,
Gilmar Santos. Toda a luta de vocês estão plantadas em vários corações e terras desse país.
Ao MAM Nacional: Charles Trocate, Tádzio Coelho e Carolina Gomide, ao professor Dr. Bruno
Milanez, entre outros; a seção Bahia pelos diálogos realizados e debates propostos: Magno Luiz, Camila
Mudrek e Pablo Montalvão.
A professora Mariana Raggi pelas contribuições durante esse meu percurso na Geografia. Agradeço a
Claudia D’Arede e Zoraide Vilas Boas pelos diálogos sobre o urânio e o amianto, na Bahia. A Maiana
Moraes e Reginaldo Cochareto por todo carinho e acomodações de Piatã. Agradeço a todos os
entrevistados nesta pesquisa, incluindo de forma especial os que estiveram presentes nas atividades em
Nordestina.
O papel fundamental da Universidade de servir à sociedade, de portas abertas com o povo e para o povo, é
uma “mina” que o GeografAR/UFBA já garimpa há anos!
RESUMO
ABSTRACT
The territories conflicts caused by mineral activity are present in all regions of Bahia state.
Mineral extractive territories have proceeded with “spoliation” actions originating
“amputations” over the land-shelters territories of rural population, traditional communities
and peripheral urban neighborhood. Bahia is still constituted for the high concentration of
lands and low social indexes. The mineral sector with actions of public powers from different
scopes violate human rights, do not practice the activities transparently and without a true
dialogue with the population, contributing for the continuation of drama and Brazilian
“bleeding of territory”. Thus, there are also several labor and occupational health cases that
reach mine workers, the beneficiations and their families. When analyzing the dynamics and
the consolidation processes of mineral extractive territories in Latin America, Brazil and
Bahia comprehended part of the structure of this predatory and violent mineral model. The
operationalization of territory category, highlighting its priority uses, serves methodologically
to analyze different conceptions that appear about nature and society. The present research
included conceptual studies and examined a theoretical method connected to the empiric
practical. This analysis searched from concrete to the plan of ideas and, again, returned to
concrete plan, as dialectical method proposes. Therefore, with researches and extension works
developed in the field of GeografAR/UFBA, several territories conflicts that involve mining
at Bahia were observed. Fifteen from registered cases were studied comprehensively and
followed this methodological proposal: the extractive mineral territories from the past, from
the present time and those which are in the prospecting and research phase. In this context, the
conflicts in Bahia were understood under its diversity of land-shelters territories. Among
concrete examples, a more specific territorial dispute happens in the city of Nordestina, where
twelve Quilombola communities live and resist the implantation and extraction of kimberlitic
diamonds. Issues related to land, water and air directly conflict with traditional ways of life
and the relationship with the nature of these centenarian populations, historically related to
violent colonial processes of invasion of indigenous lands and, also the slavery of African
people. They still await territorial demarcations because it is a point of law. All dynamics of
the perverse and contradictory globalization, here focused on the explorations and exports of
mineral commodities, leads to this territorial conjuncture of "War to peoples" in land-shelters
territories.
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13
1.1 A TESE E OS OBJETIVOS DE PESQUISA ................................................................. 22
1.2 METODOLOGIA ........................................................................................................... 25
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 33
1. INTRODUÇÃO
uma livre circulação cultural. O progresso técnico permite que a globalização seja efetivada,
mas não a serviço da humanidade e sim do capitalismo e dos seus processos de ampliação e
de aprofundamento, inclusive das desigualdades (SANTOS, 2004).
É notória a importância da mineração para a sociedade na contemporaneidade e,
também, historicamente. Incontáveis registros demonstram a utilização de minérios para
satisfazerem necessidades sociais diversas ao longo dos séculos e as invenções e produções de
objetos técnicos sempre estiveram atreladas a essa atividade extrativa. Dentre os diversos
objetos construídos, destacam-se os bélicos que necessitam demasiadamente da mineração
como uma fonte primária essencial para a sua constituição, bem como seu uso estratégico na
busca por mais recursos minerais e por seu domínio, assim, por mais poder territorial. A
atividade extrativa mineral global tem, portanto, uma importância político-territorial.
Além dessa utilização relacionada à conquista e à subjugação de pessoas e da
natureza, os minerais estão presentes nos diversos aparelhos tecnológicos de que dispomos na
contemporaneidade. A própria Ciência Geográfica se instrumentalizou e se instrumentaliza de
objetos técnicos e de ferramentas estratégicas utilizadas para a produção de conhecimento,
para o uso do território e para a dominação do espaço. Milton Santos (2005, p.87) descortina
esse processo e demonstra criticamente o quanto a sociedade já avançou tecnologicamente
sem, contudo, deixar de concentrar poder e riqueza e, “[...] pela primeira vez na história, é
possível saber em extensão e em profundidade o que se passa na superfície da Terra. [...] O
fato é que apenas algumas poucas potências, alguns poucos grupos têm o conhecimento do
filme do mundo”.
Seletividades espaciais e técnicas ocorrem em todos os setores da economia e na
atividade extrativista mineral não é diferente. Uma pequena ou quase irrisória parcela da
população acessa e/ou compreende os conhecimentos geológicos já bem avançados dentro
dessa importante ciência, assim como é difícil o domínio sobre os aparelhos tecnológicos e
softwares que demandam o setor mineral. Uma parcela menor ainda de pessoas possui capital
financeiro para empreender no ramo da mineração. O conhecimento do “filme do mundo” em
termos de prospecção geológica apurada na busca por minerais preciosos, estratégicos ou com
teores elevados, é algo distante da população em geral, principalmente das populações do
campo e das comunidades tradicionais.
O setor mineral continua como um dos grandes eixos concentradores de riqueza
na atualidade e realiza-se na transformação da natureza – um bem natural, coletivo e finito –
em recurso mineral comercial para fins privados. Nesse amplo processo econômico-capitalista
15
1
A Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) foi criada em 1972 e regulamentada em 1973, tem
economia mista e é vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico – SDE – do Governo do Estado da
Bahia. Tem por objeto social a pesquisa, a prospecção e qualquer forma de aproveitamento econômico de
minérios. Disponível em: http://www.cbpm.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=27 . Acessado
em 18/12/15.
2
Segundo o dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano (2000), conflito é definido como contradição,
oposições ou luta de princípios, propostas ou atitudes. Kant chamou de antinomias de “conflito de teses”. Hegel,
por meio da dialética, critica a eliminação da contradição nessa conceituação de Kant, dizendo que nunca será
uma antinomia. A referência base do conceito de “conflito”, usada nesta tese, será a da corrente teórica que
compreende o conflito como um componente constitutivo das interações sociais, considerando-as nunca em
equilíbrio harmônico. Foi debatida por Karl Marx, John Stuart Mill e Simmel.
16
populações do campo e comunidades tradicionais que utilizam as terras como fonte de recurso
e sobrevivência, sobretudo com as atividades agropecuárias, a preservação da biodiversidade
e a manutenção de seus saberes e tradições, portanto, a reprodução da vida nesse território. Na
outra extremidade está a busca pelos minerais do subsolo, por parte dos grupos empresariais
privados que se apropriam deles para exportá-los como commodities, sempre em parceria e
com apoios governamentais das várias escalas3.
Os processos de formação dos minerais envolvem complexas questões químicas,
físicas e biológicas, todas envolvendo a escala temporal de milhões de anos quando da sua
consolidação em alguma localização geográfica específica, não seguindo nenhuma lógica das
fronteiras e dos limites territoriais entre os Estados-Nações. Já na fase utilitária do mineral,
historicamente, ele pode ser de caráter social, simbólico, econômico, político e,
estrategicamente, tem uma distribuição espacial após a extração de forma seletiva e
controlada. À medida que avançam as técnicas e as tecnologias, os arranjos da economia
minerária tendem a mudar. Um mineral que antes não era considerado viável economicamente
pode passar a ser, isso por meio do barateamento da tecnologia ou da criação de uma nova
técnica, o que levaria a constante transformação da relação sociedade-natureza nesse contexto.
Existem situações em que rejeitos ou pilhas de estéreis passam por novos processamentos de
refino para extraírem minerais que, anteriormente, não eram possíveis ou, até mesmo,
desconhecidos ou inviáveis economicamente.
O processo de extração e de transformação da natureza em recursos – aqui
referindo-se, no caso latino-americano, ao extrativismo mineral intensivo e voltado quase que
exclusivamente para exportação – é realizado com violações de direitos e, por isso, enquadra-
se na concepção de “acumulação por espoliação”, como denomina o geógrafo David Harvey
(2004, 2005). O autor enxerga esse processo como uma renovação da “acumulação primitiva
do capital”, um novo fôlego e novas estratégias contemporâneas para a sua reprodução
ampliada. A acumulação primitiva teria aberto os caminhos para os territórios de acumulação,
já o termo sugerido por Harvey (2004, 2005) cumpre a função de esclarecer as expropriações
de territórios na contemporaneidade, que vivenciam ações depredatórias. Importante destacar
que a acumulação primitiva não pode ser considerada ultrapassada, pois pertence aos
elementos constituintes do próprio capitalismo. O avanço dos atuais territórios extrativo-
3
Commodity é um termo de língua inglesa (plural commodities), que significa mercadoria. É utilizado nas
transações comerciais de produtos de base em estado bruto, não perecíveis, nas bolsas internacionais de
mercadorias. Produtos “in natura”, matéria-prima (BRASIL, 2013).
17
mineral sobre a natureza, reduzida a recurso, subordinada a uma lógica imediatista, rentista e
patrimonialista, é uma forma poderosa de acumulação por espoliação, que subjuga as
populações rurais e os grupos tradicionais em seus território terra-abrigo. Algumas decisões
para a exploração da lavra expulsam as populações de determinado território até mesmo antes
da extração. As diversas amputações territoriais (GUDYNAS, 2009, 2015) geradas
inviabilizam a produção agropecuária, os extrativismos vegetais e a pesca para subsistência.
Em síntese, espoliar significa privar alguém ou algum grupo de algo por meios ilícitos,
ilegítimos ou violentos e, assim, o modelo de extração mineral brasileiro tem sido uma
maneira pujante de espoliação territorial.
Eduardo Gudynas (2009, 2015) acrescenta que esse modelo é uma forma de
neoextrativismo, a ponto de, na maioria dos casos, serem irreversíveis para a natureza e para
a sociedade. O autor também propõe o conceito de amputação territorial e busca superar a
noção de degradação ou de danos ambientais, que sugerem uma a possibilidade de
reconstituição ou de reversão das transformações ambientais ocorridas nos territórios. Além
disso, faz um exercício escalar e temporal e defende que essas amputações ganham uma
abrangência espaçotemporal ampla, por não se reduzirem somente ao território-mina e ao
tempo específico de sua ocorrência extrativa. Além disso, as transformações espaciais,
comumente chamadas pelas mineradoras e pelos órgãos públicos como “degradações
ambientais” ou “impactos ambientais”, ocorrem com ações territorializantes que atingem
severamente o cotidiano dos grupos sociais locais, que são os sujeitos centrais desta pesquisa,
tais como os grupos quilombolas, as comunidades de fundos de pasto, os indígenas, os
pescadores, os assentados e também os agricultores familiares.
Bruno Milanez e Julianna Malerba (2016) reforçam que esses intitulados impactos
sociais e ambientais da mineração não ocorrem de formas pontuais, mas acabam sendo
extensos, uma vez que se desdobram pelos corredores logísticos de escoamento e de
exportação, bem como pelas redes das bacias hidrográficas. Sendo assim, é importante
ressaltar, mais uma vez, que não se restringem apenas aos problemas sociais e ambientais
situados na mina. Independentemente da escolha por métodos mais apropriados de gestão
ambiental, as modificações ambientais e ecológicas são tão complexas que devem ser
enfrentadas como mudanças irreversíveis e permanentes, sendo toda as condições originais
amputadas4.
4O Decreto Federal 97.632/89 define o conceito de degradação ambiental como sendo “processos resultantes de
danos ao meio ambiente, pelos quais se perdem ou se reduzem algumas de suas propriedades, tais como a
18
qualidade produtiva dos recursos naturais” (BRASIL, 1989). A resolução 001/86 – CONAMA define impacto
ambiental como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada
por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente,
afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as
condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais” (Brasil, CONAMA,
1986). Segundo o Dicionário Crítico da Mineração (2018) impacto Ambiental é conjunto de ações provocadas
por um empreendimento sobre a sociedade e o meio ambiente, em grande parte descrito no Estudo de Impacto
Ambiental prévio às licenças ambientais e que buscam ser mitigados ou compensados por meio de Programas de
Gestão Ambiental. Entre os principais impactos da mineração destacam-se: alteração da paisagem, as emissões
atmosféricas, a poluição de recursos hídricos, os conflitos e distúrbios com comunidades e a precarização do
trabalho. A mineração altera a paisagem, mudando a percepção e o valor social, a geomorfologia, o microclima,
a fauna, a flora e a dinâmica hidrológica. A participação da mineração nas emissões de CO 2 no Brasil alcança o
patamar de 7% (MCTI, 2014 apud Milanez, 2016). A mineração provoca ainda efeitos de poluição local, muito
sentida em cidades mineradoras ou ao longo das redes de transporte. Os impactos sobre os recursos hídricos são
causados pelo elevado consumo de água da mineração, particularmente no beneficiamento e transporte por
mineroduto; a supressão de nascentes para instalação das estruturas para extração; o rebaixamento do lençol
freático; o comprometimento da recarga dos aquíferos; e a poluição e contaminação dos corpos d’água por
agentes químicos ou por grande volume de sedimentos. Os conflitos e distúrbios sociais são gerados tanto com e
sobre comunidades locais, como com os próprios trabalhadores, em decorrência de deslocamentos compulsórios
nos locais das instalações; perda de qualidade de vida das pessoas tanto em áreas rurais como urbanas; alteração
das condições sociais pretéritas; condições de trabalho precário, degradante e com altos índices de acidentes e
mortes.
19
que a devida reforma agrária e a titulação de terras tradicionais nunca foram prioridades
governamentais. Isso se reverbera ainda hoje com a existência de uma bancada ruralista no
Congresso Nacional, que usa esse lugar de poder para atuar em defesa de pautas
conservadoras em prol do latifúndio; da monocultura; do abuso de agrotóxico; de práticas de
grilagens, sejam elas antigas ou contemporâneas (informatizadas); de uso de capangas na
pistolagem e até o uso de práticas análogas à escravidão. Com toda essa força de base
político-empresarial, uma reforma agrária que beneficie as populações pobres e
majoritariamente negra do campo, além de garantir as demarcações de terras indígenas, é algo
ainda muito distante da realidade territorial do País. O uso do território pelo setor extrativista
mineral brasileiro, nas últimas décadas, configura-se como mais uma face complexa a ser
enfrentada no já histórico conflito agrário nacional (CPT, 2013).
A regularização do acesso e do uso dos recursos minerais é referendada
legalmente para as empresas mineradoras atuarem apoderando-se dos bens naturais, dos
patrimónios geológicos e culturais existentes. O discurso oficial do Estado brasileiro nas suas
diferentes escalas de atuação revela-se plenamente favorável à atividade mineral. Os três
poderes, cada um à sua maneira, participam dos processos de espoliação do território e de sua
decorrente amputação. Os instrumentos desse Estado capitalista foram construídos
estrategicamente para tais ações serem possíveis e viáveis, o que facilita a engrenagem de
instalação e de execução dos projetos minerais. Os próprios manuais ambientais do Estado
brasileiro declaram que a atividade extrativa mineral é potencialmente poluidora e altamente
impactante e há dezenas ou centenas de condicionantes a serem cumpridas. Importante
ressaltar que várias dessas condicionantes impostas a grandes empreendimentos, não
costumam ser cumpridas e as obras são realizadas normalmente e, muitas vezes, sem as
devidas autuações. As empresas, com a conivência dos três poderes, desenvolveram
mecanismos, vários por pressões do próprio setor mineral-industrial global, que favorecem o
território extrativo-mineral de uma maneira tal que o processo se torna lícito e formal e
transforma a natureza em capital privado para as mineradoras, proveitos para os países
compradores e rejeitos para a escala local e regional. Muitos desses procedimentos de
dominação envolvem a força bruta, atrocidades legitimadas pelo monopólio da violência do
aparelho estatal, como lembra Carlos Brandão (2010).
No intuito de convencimento da população e de construção de uma roupagem de
responsabilidade social e de patriotismo, as grandes empresas – em especial as de mineração –
utilizam palavras e expressões-jargões como “progresso”, “modernidade”,
20
5
Existem carências sobre dados a respeito da quantidade do consumo da água, assim como de sua origem e de
sua qualidade nas atividades mineradoras do Brasil. Alguns dados são imprecisos e não transparentes.
Entretanto, há um consenso de que um grande consumo de água é imprescindível para a realização da atividade
mineradora. Acrescenta-se o uso intensivo também de energia elétrica, algumas provenientes de hidrelétricas
próprias.
21
modus operandi do setor mineral, que se sobrepõem aos territórios terra-abrigo, lugar de
morada, de identificação, de pertencimento e de reprodução da vida das populações do campo
e dos grupos tradicionais.
1.2 METODOLOGIA
e indissociáveis, portanto, uma análise territorial é, por princípio, uma análise espacial e,
dialeticamente, toda análise espacial é uma análise dos arranjos territoriais. As conjunturas
territoriais conflituosas da Bahia são as expressões, momento a momento, das violações de
direitos presentes nos cotidianos dos territórios que recebem as imposições verticais da lógica
mineral global vigente, amparada pela força da máquina do Estado Nacional. Todas essas
conjunturas conflituosas estão arraigadas em uma estrutura produzida para tal ação, a de um
Estado capitalista que privilegia uma pequena parcela da sociedade, que mantém e apropria-se
da desigual distribuição de terras. Assim, foi necessária a transição operacional do território
ao espaço e do espaço ao território, constantemente.
O recorte espacial desta Tese é o estado da Bahia, uma das unidades federativas
do Brasil, localizada na região nordeste do País, de acordo com as macrorregiões do IBGE.
Um dos pontos de partida é o conhecimento da estrutura agrária e das conjunturas territoriais
existentes na Bahia, um dos estados brasileiros que mais comporta diferentes e numerosos
grupos sociais tradicionais assentados em diversos territórios-abrigo já estabelecidos há
décadas ou séculos. Segundo o banco de dados do grupo GeografAR/UFBA (2010), somando
todos as “Formas de Acesso à Terra na Bahia”, identificadas nas luta pela/na terra, há
aproximadamente 3.000 comunidades ou grupos populacionais do campo, identificadas tais
como: comunidades quilombolas e de fundo e fecho de pasto, etnias indígenas, populações
ribeirinhas e associações de pescadores e projetos de assentamentos rurais. Todos eles ainda
em situações vulneráveis e indefinidas sobre a manutenção e a definição de suas terras e de
seus limites territoriais de direito. Registram-se, também, as complexas dinâmicas e lutas dos
acampamentos que ainda reivindicam o acesso a uma território terra-abrigo para a
sobrevivência nesse país de latifundiários (FIGURA 1).
Outro ponto fundamental foi a construção das análises das conjunturas territoriais
conflituosas registradas no estado da Bahia no contexto da atividade mineral, cujas dimensões
envolveram variadas ordens e magnitudes. Por meio de trabalhos de acompanhamento e de extensão
realizados pelo GeografAR, em setembro de 2013, durante o II Encontro de Atingidos pela Mineração
na Bahia, foram identificados 27 municípios que estavam vivenciando tais conflitos, sendo que 24
estão localizados no semiárido baiano6. A posterior continuidade desse levantamento dos conflitos
envolvendo a mineração na Bahia mostrou que esses números eram ainda mais amplos.
6
Atividade organizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Organização com mais de 40 anos de atuação e
vinculada a Igreja Católica que acompanha e dá suporte aos grupos sociais na escala local de diversos estados
brasileiros e também vivencia as contradições e os conflitos cotidianos no campo.
27
7 Entre os diversos trabalhos desenvolvidos na Bahia que, de certa forma, evidenciam algum conflito territorial,
pode se destacar os municípios e os respectivos minerais extraídos: Caetité – Urânio e Ferro; Jacobina – Ouro;
Santo Amaro – Chumbo; Campo Formoso – Calcário e Ferrocromo; Maracás – Vanádio; Vitória da Conquista –
Bentonita; Andorinha – Ferrocromo e Ouro; Pindobaçu – Esmeralda; Jaguarari – Cobre; Simões Filho –
Manganês; Brumado – Magnesita. Estes levantamentos foram encontrados em dissertações de mestrado,
trabalhos acadêmicos e reportagens de jornais. Diversos outros trabalhos fizeram parte dessa base de dados.
8
O DNPM tem por finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração mineral e do aproveitamento
dos recursos minerais e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como
assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma
do que dispõem o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a
legislação que os complementa. Disponível em: http://www.anm.gov.br/acesso-a-
informacao/institucional/dnpm/documentos/carta-de-servicos-do-dnpm
IBRAM - INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO: Fundado em 10/12/1976, é uma entidade nacional
representativa das empresas e instituições que atuam na Indústria da Mineração. É uma associação privada, sem
fins lucrativos e com alta capacidade de articulação, que tem por objetivos: Reunir, representar, promover e
divulgar a Indústria Mineral Brasileira, defendendo seus interesses e contribuindo para a sua competitividade;
colaborar com os governos, inclusive, promovendo estudos técnicos; promover o desenvolvimento sustentável e
o uso das melhores práticas de segurança e saúde ocupacional na Indústria da Mineração; estimular os estudos, a
pesquisa, o desenvolvimento, a inovação e o uso das melhores tecnologias disponíveis. Reúne 1.781
Companhias mineradoras responsáveis por mais de 85% da Produção Mineral Brasileira. Compromisso
Institucional: contribuir para o desenvolvimento sustentável da Indústria Mineral Brasileira, gerando riquezas e
benefícios sociais enquanto preserva o meio ambiente. (grifo nosso). FONTE: IBRAM - Produção Mineral
Brasileira X Produção Mundial 1930-2012 (Brasília-DF, 04 de Abril de 2013). Autoria do Diretor Presidente,
José Fernando Coura; Análise com produtos minerais mais significativos na produção mineral brasileira: minério
de ferro, nióbio, bauxita, ouro, zinco, cobre, níquel, potássio, fosfato, estanho, cromita, grafita, manganês,
amianto, caulim e carvão mineral.
30
1.3 JUSTIFICATIVA
9
Em Mariana, a mineradora responsável é controlada pela Joint Venture Samarco (Vale + BHP).
34
pesquisas e concessões de lavra para exploração estão a todo vapor10. Este avanço já
constatado é resultado parcial de planejamentos desenvolvidos pelo Governo Federal com o
Plano Nacional de Mineração (PNM – 2030) que é, segundo o próprio relatório, uma
ferramenta para nortear as políticas de médio e longo prazo que possam contribuir para que o
setor mineral seja um alicerce para o desenvolvimento do País nos próximos vinte anos. Essas
estratégicas preveem triplicar a produção minerária no Brasil.
Outro fator que mostra a tendência a ampliação da extração mineral na Bahia é o
que aponta o documento de potencialidades para mineração no semiárido, elaborado pelo
DNPM (BRASIL, 2009). A fala do diretor-presidente da CBPM, quando afirmou que a
“fertilidade” do semiárido baiano está em seu subsolo (FERNANDA, 2011), também é um
indicativo da postura do governo da Bahia quanto à exploração de minérios nesta região,
colocando-a como uma centralidade econômica em detrimento de olhares socioculturais para
esse espaço. Perpetuam-se, na contemporaneidade, imagens deturpadas a respeito do
semiárido brasileiro como a de um grande vazio demográfico e que nessa região nada do que
se investir, além da mineração, irá prosperar. Essa situação ocorre em inúmeros outros países
da América Latina, em que regiões de baixo desenvolvimento econômico e com formação
territorial de populações tradicionais são renegadas, inferiorizadas e ficam à mercê de grupos
econômicos externos.
A Bahia é o estado que mais possui municípios no semiárido brasileiro, por sua
extensão territorial e localização, contando com 265, que representam 64% do total dos 417
municípios baianos. Dentro das fronteiras do estado, esta região compreende quase 70% da
extensão territorial e com uma população de mais de seis milhões de habitantes, 49% da
população total baiana (BRASIL, 2009). Esses municípios convivem com a estiagem natural,
mas o que os coloca entre os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) nacional,
segundo dados do IBGE (2010), é a falta de infraestrutura básica, a baixa geração de renda, as
poucas opções educacionais, o incremento da criminalidade, em um contexto de conflitos
10
Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) é uma das principais fontes de
arrecadação na mineração brasileira, também conhecida como “royalties da mineração”. É a arrecadação
compensatória por exploração dos recursos minerais. Como os recursos minerais presentes no solo e subsolo
pertencem à União, a CFEM é uma forma de compensação pela exploração destes recursos. A base do cálculo da
CFEM era o faturamento líquido, isto é, a CFEM era calculada após o desconto dos tributos incidentes sobre
comercialização, das despesas de transporte e dos seguros. Após o lançamento da Medida Provisória nº
789/2017, convertida na Lei nº 13.540, de 2017, a base do cálculo passa a incidir sobre a receita bruta da venda,
deduzidos os tributos incidentes sobre sua comercialização, pagos ou compensados, de acordo com os respec-
tivos regimes tributários (Dicionário crítico de mineração, 2018).
35
11
Embora se reconheça as fragilidades e possibilidades de deturpação da realidade usando o IDH-M, como por
exemplo em casos em que a variável de renda per capita eleva todo o índice, a presente Tese se baseou, em
parte, na análise do IDH-M dos municípios que vivenciam conflitos minerais na Bahia. Essa possibilidade de
deturpação ocorre devido a algum grande empreendimento no município elevar a variável e acabar não
reportando a realidade vivenciada, uma vez que os recursos financeiros que circulam na localidade não são
distribuídos de uma forma equânime, ou seja, ocorre a manutenção da desigualdade.
12
O termo “indústria da seca” foi cunhado em 1959 por Antônio Callado, jornalista que denunciou o uso de
verba pública para projetos que não resolviam a falta de acesso à água no semiárido, apesar de assim
prometerem. Até a contemporaneidade esse termo é utilizado para chamar atenção dessa prática que ainda
vigora. Um dos exemplos foi a obra de “Transposição do Rio São Francisco”, projeto e desenvolvimento muito
contestado, com série de divergências, denúncias de corrupção e conflitos gerados pelo porte do
empreendimento. Por outro lado, o “Programa 1 Milhão de Cisternas” (Água Para Todos), com construções de
cisternas de produção e consumo obteve maiores viabilidades, uma vez que também tem como enfoque o
convívio com o seminário e não o inatingível combate à seca.
36
(BA), que também está em fase de construção, apesar de inúmeros conflitos também
registrados13. Tal projeto atravessaria nove municípios mineiros e doze municípios baianos.
Pareceres contrários a instalações de minerodutos entre o estado de Minas Gerais, Espírito
Santo e Rio Janeiro foram desenvolvidos pela pesquisadora Andréa Zhouri (UFMG), além de
diversos outros estudos sobre essa temática demonstrarem que esses empreendimentos
“rasgam” os territórios para propiciar a logísticas e a redução de custos das mineradoras, além
de serem extremamente prejudiciais à natureza e às populações atingidas (GESTA, 2014;
SPERLING, 2016). Uma reportagem especial do “Jornal O Tempo” (2014) também
identificou os enormes enfrentamentos na implantação de um mineroduto que liga Minas
Gerais ao Rio de Janeiro, com 525 quilômetros de um rastro de insatisfação, violações de
direitos e amputações territoriais14.
Os conflitos de mineração envolvem, portanto, o subsolo na busca dos minerais,
os níveis freáticos e os aquíferos, a utilização dos rios e das bacias hidrográficas como um
todo, a superfície com a supressão da flora e do solo e o isolamento da fauna. Há, portanto, a
sobreposição de interesses econômicos em relação aos usos e ocupações humanas no território
como “terra abrigo”. Além disso, a construção de pilhas de estéril ou barragens de rejeitos
podem comprometer as populações do entorno destas atividades, por contaminações e por
exposições de resíduos e de poeiras no ar em todo o processo de extração, de beneficiamento
e de transporte destas cargas, além da excessiva poluição sonora ao redor de minas a céu
aberto e suas constantes detonações de explosivos e máquinas pesadas em funcionamento15. A
abrangência das questões conflituosas de atividades extrativistas minerais não pode ser
mensurada apenas no seu entorno imediato. Todo um complexo logístico envolto para a
concretização da comercialização do material extraído deve ser considerado. O local de
pesquisa e, posteriormente, o da extração, o do beneficiamento, o da destinação do rejeito, o
da captação de água e de energia, os sistemas de transportes rodoferroviários e os
13
Projeto Vale do Rio Pardo, Grão Mogol – MG. A Sul Americana de Metais (empresa do Grupo Votorantim)
pretende extrair minério de ferro onde será instalada uma usina de beneficiamento para concentração e
enriquecimento do teor de ferro.
14
Disponível em: http://www.otempo.com.br/cmlink/hotsites/especial-mineroduto/ acessado em 16/09/2016.
15
Estéril: é o nome dado ao material (solo e rochas) que é descartado diretamente da operação de lavra, sem
passar pelas usinas de beneficiamento. Eles são removidos da superfície da mina ou do subsolo e empilhados em
platôs. Eles se diferem dos rejeitos, uma vez que não têm nenhum vínculo com as plantas de beneficiamento e
possuem baixo teor de umidade. Em alguns planos de fechamento de mina, o estéril é utilizado para cobrir as
cavas exauridas. Pilha de Estéril (proc. prod.): Nome dado ao depósito de estéril, formado a partir da deposição
deste material. Pilhas menores têm a aparência de pequenos morros; pilhas maiores, por questão de estabilidade,
são formadas a partir de platôs, adquirindo o formato final de uma montanha cortada em degraus (Dicionário
crítico de mineração, 2018).
37
escoamentos via portos ou minerodutos; todos esses passos pertencem a essa engrenagem do
território mineral. Os conflitos são multidimensionais e avançam, sobretudo, fundamentados
nos usos intensivos de recursos e nas apropriações dos territórios terra-abrigo.
Como já mencionado, na Bahia, há uma grande diversidade de formas de acesso à
terra identificadas na luta por parte das populações do campo: etnias indígenas, remanescentes
quilombolas, comunidades de fundo e fecho de pastos, pescadores e assentamentos de
reforma agrária. O uso da terra não é homogêneo. A maioria dos municípios baianos ainda
convive com a injusta e a histórica concentração de terras brasileira, revelada pelo índice de
Gini e visibilizados por diversos trabalhos do GeografAR na atuação sob o tripé ensino-
pesquisa-extensão. Assim disposto, esses conflitos territoriais provenientes da mineração,
necessitam de maior visibilidade social e maior compreensão crítica, sobretudo da academia.
A Geografia tem muito a contribuir neste debate sobre as terras e territórios e sobre a questão
agrária, as disputas territoriais e as atividades verticalizadas da indústria extrativista mineral.
Segundo a CPT (2009), diversas atividades econômicas de grande porte vêm
sendo desenvolvidas sem uma devida participação da sociedade no estado da Bahia e no
Brasil, sendo que as tomadas de decisões estão nas mãos da iniciativa privada que defende
apenas seus objetivos imediatos. Os interesses da mineração estão escorados pelo capital
financeiro nacional e internacional, legitimados pela política pública de diferentes esferas, que
“[...] determina o quanto, com que intensidade, por quem e para quem os recursos naturais
devem ser extraídos e levados de um lugar para o outro” (PORTO-GONÇALVES, 2012,
p.291), separando, geralmente, quem produz de quem consome. Assim, o produto principal é
lavrado, selecionado e direcionado para outro local. Essa subordinação a hierarquia de ordens
escalares globais compromete a sociedade brasileira, afinal, “a ordem da vizinhança se
redefine pela ordem global” (DAMIANI, 2001, p. 169). Segundo o Movimento pela
Soberania Popular na Mineração:
Em vários casos, o mineral acaba por não retornar ao seu lugar de origem como
produto beneficiado. No caso do Brasil, grande parte do minério lavrado é enviado como
commodity para exportação ou para indústrias que possuem atividades dentro do território
38
nacional, mas que possuem capitais internacionais. Os minérios são apropriados como
matérias primas para produção de bens de produção ou de bens de consumo, em uma
comercialização que priva grande parte da sociedade de ter acesso a essas tecnologias.
Uma outra justificativa sobre a relevância desta pesquisa diz respeito aos debates
e à construção de um novo marco regulatório do setor mineral, pauta que tramitou no
Congresso brasileiro nos últimos anos e que trouxe mudanças para o setor. Importante
lembrar que, mais uma vez, ocorreram atropelamentos nos debates e que a sociede em geral e
as populações que vivenciam os conflitos relacionados à mineração em particular, não tiveram
voz e visibilidade. Segundo a CPT (2009), existem demandas dos movimentos populares e
dos grupos sociais em conflitos que não estão inseridas na nova proposta e diz respeito ao
diálogo entre governo, empresas e grupos sociais que, na maioria das vezes, não se realiza.
Várias declarações governamentais indicaram o caminho de potencialização dessa
atividade como meta. Um exemplo foi o depoimento do ex-ministro de Minas e Energia do
Governo Federal, Edison Lobão, defendendo em audiência pública a necessidade de
atualização do marco mineral16. Lembrou que o setor era inteiramente regulado pelo decreto-
lei de 1967, e que assim não era possível o Brasil dispor de instrumentos para o adequado
aproveitamento do potencial minerário existente. Ou seja, a fala do então Ministro, um
político notoriamente relacionado ao setor mineral, demonstou que era preciso atualizar a
legislação para se explorar mais minérios.
A nova proposta de lei foi encaminhada pelo Governo Federal ao Congresso
Nacional no projeto de lei nº5807/2013, associado ao projeto de lei nº37/201117. As principais
alterações são sobre o regime de exploração; à taxação sobre a atividade mineradora (CFEM e
novas taxas); aos prazos para pesquisa e lavra; à gestão administrativa e a criação da ANM;
além da revogação do Decreto-Lei nº227/67, ainda com vigência parcial.
Segundo informações da nova proposta legislativa, existem mecanismos de
salvamento de mineradoras em dificuldades financeiras, como se pode notar no art.8º, § 3º do
Projeto de Lei n.º 5807/2013. Essa medida está associada à preocupação do Ministério das
Minas e Energia em garantir o pleno aproveitamento do setor e reduzir a sua suposta
16
Realizada em 17/03/2010, na Câmara dos Deputados (Brasília-DF), Comissão de Minas e Energia. Disponível
em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/145932-LOBAO-DIZ-QUE-NOVO-
CODIGO-DE-MINERACAO-VAI-CONTER-A-ESPECULACAO.html / Acessado em: 21/09/2014.
17
O ex-relator do Projeto do Novo Marco Regulatório da Mineração, Deputado Federal Leonardo Quintão
(PMDB-MG) tem sua base eleitoral inicial o município de Ipatinga (MG), localizado na região conhecida pelo
nome de Vale do Aço. Sua última campanha eleitoral foi financiada quase que exclusivamente por empresas do
setor minerário (TSE, 2014).
39
ociosidade. O novo código minerário proposto não aborda nenhum assunto relacionado ao
meio ambiente, o que para Edison Lobão não era visto como um problema, uma vez que a
atividade já está contemplada na legislação ambiental em vigor; embora ele também
reconheça que em outros setores como, por exemplo, no petrolífero, a legislação ambiental
seja mais rígida. O novo marco insere-se em uma proposta geral de flexibilização do setor e
também da questão ambiental, com claros objetivos de avançarem rapidamente, gerando
maiores lucros em prazos cada vez menores.
Outro posicionamento foi realizado por Sabrina Castro e Bruno Milanez (2015)
em uma pesquisa com objetivo de avaliar as convergências e as divergências relativas a
diferentes aspectos do Novo Código da Mineração. Foram consultados diferentes grupos de
interesse como empresas, agências federais e estaduais, acadêmicos, sindicatos, ONGs e
movimentos sociais. Resultados apontam um alto grau de concordância na necessidade de
mudança do antigo Código, ressaltando, também, que a intensificação da mineração não é
uma estratégia de desenvolvimento social. Além de que, alguns grupos em debate, “apesar de
identificarem a mineração como uma atividade de interesse nacional, discordam que tal
interesse deve estar acima dos interesses das comunidades diretamente impactadas pelas
atividades de extração mineral” (CASTRO; MILANEZ, 2016, p.17). A discussão na parte
socioambiental teve grande convergência quanto à necessidade de maiores controles do
Estado nas taxas e nos ritmos de exploração mineral, levando em conta as expectativas das
populações locais, bem como a renda gerada pela extração e sua aplicabilidade no dia a dia.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB, 2015, p.8) também
compartilhou desta mesma opinião, defendendo que a mineração “deve ser realizada na
medida essencial”, reservando os direitos sociais, ambientais, políticos e culturais das
populações rurais e das comunidades tradicionais onde os empreendimentos são instalados.
Em um contexto brasileiro em que a população se concentra cada vez mais nas
cidades, essa temática dos conflitos minerários acaba ficando distante e invisibilizado, com
algumas exceções, quando abrangem bairros urbanos periféricos. Por exemplo, quem se
considera em conflito com a atividade mineral? Quantas gerações familiares de Santo Amaro
da Purificação (Bahia) ainda estarão sob efeitos da contaminação de chumbo? E, após os
desastres/crimes em Mariana (MG) e em Brumadinho, é possível questionar se existe
“impacto ambiental” apenas local na mineração, como apontava o estudo ambiental da
empresa? Portanto, os assuntos levantados neste texto justificam a relevância e a urgência de
debater essa temática por um viés crítico. Esta produção acadêmica, teórica e empírica,
40
permitiu um maior conhecimento dos conflitos territoriais minerais na Bahia e pode servir
para toda a sociedade que desejar aprofundar sobre o setor extrativo mineral nesse estado e a
atuação dos poderes públicos brasileiros.
A Tese está estruturada em cinco capítulos, incluindo esta “Introdução” com os
objetivos propostos, a metodologia implantada e as justificativas da presente pesquisa
cientifica em Geografia. O Capítulo Dois debate “Sobre Natureza e Território”, fazendo um
resgate histórico-geográfico e epistemológico desta importante categoria da Ciência
Geográfica, o território, as visões de mundo e de natureza presentes na sociedade. São,
também, evidenciados os diversos tipos dos territórios terra-abrigo presentes na Bahia e suas
correlações com a questão agrária. Na sequência, o Capítulo Três dá enfoque ao “Território
Extrativo-Mineral na Globalização”, ao sistema de informação geográficas da mineração, às
contínuas relações de dependência da exploração e exportação de commodities na América
Latina e aos diversos conflitos territoriais gerados na escala regional deste continente. O
Capítulo Quatro trata do envolvimento e de todo alicerce oferecido pelo poder público
brasileiro para viabilizar o setor extrativo-mineral. Estado, empresas e universidades estão
amparados por questões jurídicas territoriais na escala nacional, cuja estrutura de poder é
reforçada e acaba gerando mais conflitos, como os diversos exemplos demonstrados na escala
nacional. Por fim, no Capítulo Cinco, evidencia as espoliações causadas pelo setor mineral
que foram registradas no passado, no presente e nas pesquisas e prospecções minerais para a
formação dos futuros territórios, iluminando estudos de casos representativos em 15
municípios desse estado.
41
18
Everardo Backheuser (1879–1951), engenheiro, professor de Mineralogia, jornalista e Deputado estadual (RJ)
19
Haesbaert (2004) faz uma ressalva e destaca que a contribuição de Ratzel foi uma rica perspectiva teórica para
o século XIX, e que não se pode reduzir, em absoluto, sua proposição aos rótulos organicista e determinista que
muitos lhe impuseram. Suas reflexões trouxeram ao debate geográfico os temas políticos e econômicos,
colocando o homem no centro das análises e fazendo correlações entre homem-natureza.
45
20
Discurso proferido dentro da Associação Hebraica, no Rio de Janeiro, em abril de 2017.
21 Jean Gottmanm (1915 – 1994), judeu, de origem ucraniana e que se mudou para a Rússia e depois para os
EUA por causa de perseguições político-religiosas.
46
22
Giuseppe Dematteis, italiano (1935), professor de Geografia Urbana e Regional na Politécnica de Turim.
23
Claude Raffestin, geógrafo suíço (1936), professor de Geografia Humana na Universidade de Genebra.
47
Geografia como ciência das paisagens ou das diferenciações espaciais e diferencia espaço de
território. Segundo ele, o espaço vem antes e é a prisão original; o território vem depois e é a
prisão que os homens constroem para si. A apropriação do espaço (concreto ou abstrato) é o
processo de territorialização, assim o autor complementa:
[...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por
consequência, revela relações marcadas pelo poder. [...] o território se apoia no
espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção,
por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder [...]
(RAFFESTIN, 1993[1980], p.144).
Para Raffestin, a Geografia Política Clássica sempre foi uma verdadeira Geografia
do Estado, sendo necessário ultrapassar essa ideia. Ele propôs “uma problemática relacional,
na qual o poder é a chave – em toda relação circula o poder que não é nem possuído nem
adquirido, mas simplesmente exercido” (RAFFESTIN, 1993, p. 7).
Marco Aurélio Saquet (2011) destaca a centralidade do conceito “território” a
partir dos anos 1960-7024. A “redescoberta” do termo teria sido na luta dos trabalhadores no
chamado triângulo industrial de Turim (fábrica-cidade). Território não mais como um
elemento natural ou artificial, mas como produto de relações sociais organizadas, política e
espacialmente. Destaca a predominância do materialismo histórico e dialético no uso da
categoria, que envolve conflitos, movimento histórico e relacional, com
transformações/mudanças e continuidades, interações, saltos e superações. Existe assim uma
superação das abordagens positivista, pragmática, quantitativa e descritiva. A necessidade de
apreensão da relação tempo-espaço-território, influência de Massimo Quaini (2003), é
igualmente ressaltada por Saquet (2011).
Marcelo Lopes de Souza (1995) comenta que o conceito de território é cheio de
adornos e reforça que é preciso despi-lo desse manto do Estado como gestor por excelência25.
Ele concorda que a Geografia já esteve muito ligada e comprometida com os discursos
legitimadores do Estado – como o do 3º Reich na Alemanha Nazista. Dessa forma, o autor
indica que não se deve reduzir o termo ao Estado e nem a uma única escala – desde uma rua
24
Marco Aurélio Saquet, geógrafo brasileiro e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
25
Marcelo Lopes de Souza, geógrafo brasileiro e professor do Departamento de Geografia da UFRJ. Outros
exemplos práticos que Souza (1995) discute são os territórios da prostituição em sua diversidade; o caráter
cíclico (diurno, noturno); os territórios flutuantes ou móveis, sendo a identidade territorial mais funcional que
afetiva, mas podendo gerar tensões e conflitos. Outro exemplo são os territórios do tráfico de drogas, conhecidos
como territórios enclaves (favelas) separados pelo “asfalto”, com porções de territórios amigos ou inimigos, não
existindo uma contiguidade, mas sim redes superpostas, disputando a mesma área de influência, ou mercado
consumidor.
48
até a escala global. Ele compreende o território como campo de força, teia ou rede de relações
sociais que definem um limite e uma alteridade: nós (insiders) e os outros ou “os de fora”
(outsiders). Nesse sentido, “são no fundo antes relações sociais projetadas no espaço que
espaços concretos” (SOUZA, 1995, p.87), podendo ter escalas temporais de anos, meses,
semanas ou dias, ao contrário de uma escala de séculos. Ele também admite a possibilidade de
existir um território mar (líquido), relacionando a crítica ao solo (Boden) ratzeliano26.
As abordagens de Milton Santos em o “Retorno do Território” (1994) e
“Território e Sociedade – Entrevista com Milton Santos” (SEABRA, et all, 2000), que o
geógrafo baiano e um dos poucos negros nesta seara teórica da academia, critica o legado
moderno dos “conceitos puros” que fez do território um conceito a-histórico, ignorando seu
caráter híbrido e historicamente mutável. Para ele o “uso” é o definidor por excelência do
território. A sociedade vai exercer um diálogo permanente com o território usado, seja natural
ou artificial. É tanto uma herança social quanto um movimento atual que se combinam.
Silveira (2011) complementa que o fundamental no território usado é seu movimento
permanente, tendo caráter histórico e respondendo às situações de ocupação e do trabalho de
um determinado povo. Resumidamente, “o território usado é o chão mais a identidade”
(SANTOS, 2007, p. 14). Para Milton Santos ele não é um conceito em si, pois só se torna um
conceito utilizável para a análise social quando é considerado “[...] a partir do seu uso, do
momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam”
(SANTOS, 2004, p. 22). Santos (2007) ainda complementa que o território usado é visto
como uma totalidade, campo privilegiado para a análise, pois de um lado, mostra a estrutura
global da sociedade e, de outro, a sua própria complexidade. Completa que o território é feito
de formas, mas o “território usado” é composto por objetos e ações.
Maria Adélia Souza (2017) enfatiza que o território usado apresenta duas
características no mundo do presente, constituídas por pelo menos dois pares dialéticos:
densidade e rarefação; fluidez e viscosidade. Já o espaço apresenta, também, outras duas
características dialéticas: rapidez e lentidão, luminosidade e opacidade. A autora adverte que
rapidez e fluidez, envolvidas nestes processos no uso do território, são aspectos intrínsecos da
“sangria do território”.
26
Importante destacar dois trabalhos desenvolvidos por pesquisadoras do GeografAR, em que a existência desse
território mar, dentro da Baía de Todos os Santos, é a base da experiência espacial de comunidades pesqueiras na
Bahia (ALVES, 2015; RIOS, 2012).
49
27
Rogério Haesbaert, geógrafo brasileiro e Professor Titular do Departamento de Geografia da UFF.
50
dominados valorizando-o mais como garantia de sua sobrevivência cotidiana. Uma ressalva:
para os hegemonizados o território pode adquirir tamanha força que combina com
intensidades iguais de funcionalidade (“recurso”) e de identidade (“símbolo”). Embora se
atente ao alerta de Haesbaert (2004b) e concorde-se que o território é recurso em ambas as
situações, destaca-se que é preciso ter devida atenção para não igualar essas concepções de
território, já que como abrigo, voltado para a subsistência, normalmente, o uso é local e não
devastador, e na outra modalidade, o uso é voltado para a exportação no mercado global,
como commodity, com grande potencial de espoliação territorial, ações predatórias que
prejudicam a população local e a natureza.
Sobre a predominância atual de estudos com a categoria território na Geografia,
Moreira (2016) sugere que a categoria espaço é a melhor opção quando se quer ter uma
compreensão do todo, da totalidade em movimento. Por sua vez, a categoria território deve ser
operacionalizada quando se necessita apreender um recorte desse todo, que está conectado a
ele, subordinado a ele, mas também que o configura, em um processo dialético. Espaço e
território são dialeticamente espelho e antítese, tal como a estrutura e a conjuntura. Sendo a
conjuntura um corte temporal da estrutura para a compressão geográfica da história
(MOREIRA, 2016). Entende-se por estrutura o conjunto dos fundamentos centrais de um ente
total, como uma sociedade, uma formação espacial ou uma temporalidade da história; por
conjuntura, compreende-se como a manifestação momento a momento do modo existencial da
estrutura. Todo conhecimento de conjuntura pode não depender, em princípio, do
conhecimento da estrutura, porém todo conhecimento de estrutura depende necessariamente
do conhecimento da conjuntura (MOREIRA, 2016).
Território, portanto, é uma categoria geográfica para se compreender parte de uma
totalidade mais abrangente, adequada para ser utilizada frente às dinâmicas conflituosas na
relação entre implantação de atividade minerária e as populações em geral. Território é um
conceito híbrido e historicamente mutável, de um espaço onde se projetou um trabalho, ou
seja, o uso desse o fez território e essa produção envolve campos de poder. É preciso
compreender, de forma dialética, as conjunturas dos territórios para, assim, apreender a
estrutura do espaço.
Território-conjuntura é uma manifestação do andamento da estrutura, com pautas
plurais e uma urgente necessidade de transformação frente ao drama territorial da nação.
Deve-se desvinculá-lo de um fenômeno puramente físico e do manto do território pertencente
ao Estado, do limite político administrativo, indo muito além desse território zonal ou de uma
51
superfície delimitada. Podem existir fluxos e redes de maior ou menor intensidade e, assim,
abrir-se e expandir-se externamente, servindo de recursos. Mas, também, existem os de
caráter simbólico e com um projeto identitário próprio, servindo de abrigo e com certos
isolamentos. Quando há intensa conexão, o território-rede sempre irá interagir entre o
local/regional/global, que se complementam, porém é necessário observar as lógicas de
comando destas escalas que podem hierarquizar-se, no contexto do capitalismo. Ações
transescalares, não podendo reduzir-se apenas a uma escala de tempo, pois podem coexistir
todas as possibilidades temporais.
Território não é só terra, solo, subsolo ou aéreo, território também é líquido, é
mar, é rio, é baía, é flutuante, podendo ser móvel, embora exista em sua materialidade, uma
concretude, com seus limites e fronteiras impostas, mesmo sendo esses territórios também
virtuais e simbólicos. Territórios possuem identidades funcionais, alguns são mais
funcionalidade do que chão, identidade e afetividades. Podem não ser contíguos, formando
mosaicos desvinculados, alguns com disputas por áreas de influências ao redor. É herança
social e movimento atual, em conjunto e inseparável. Na interdependência dos territórios-
Estado, a globalização amplia sua importância e domínio. São necessárias perspectivas
integradoras entre as vertentes jurídico-política, cultural e econômica para a compreensão da
dimensão social dessa totalidade, aliando, nesta relação, tempo-espaço-território e a
multiescalaridade envolvida. Esse é o grande desafio da complexidade dessa palavra-
conceito-categoria Território.
modo (território extrativo-mineral), o que coloca em disputa diferentes grupos sociais, já que
os territórios terra-abrigo estavam estabelecidos anteriormente; envolvendo relações de classe,
de poder e de direitos, somando-se a isso, também, a dimensão de cunho multiescalar.
O território abrange duas faces contundentes que, dialeticamente, contradizem-se
e complementam-se, tornando-o, portanto, fonte de conflitos: o “território recurso” e o
“território abrigo”. Para as grandes empresas da mineração, o que importa é estabelecer um
território que lhe forneça os recursos minerais para o uso interno ou para a exportação,
objetivando e maximizando os lucros; e para as populações do campo e as comunidades
tradicionais, territorializar-se é retirar da natureza a reprodução para a sobrevivência, em um
processo que engloba identidade, pertencimento e simbolismo. Essa é uma diferença vital que
tem um cunho filosófico encaminhada pela questão “o que é a natureza?”; sendo importante
ressaltar que no espaço geográfico “[...] a natureza não é mera base ou parte integrante. É uma
condição concreta de sua produção social. E isso porque a natureza é uma condição concreta
da existência social dos homens” (MOREIRA, 2013, p. 65)
Se a natureza é hegemonicamente concebida como fonte de recursos a serem
explorados para a ampliação e o aprofundamento do capitalismo – como um dos pilares da
sua verticalização nos lugares e da sua realização em escala global – os territórios construídos
e usados para tal fim só podem ter uma configuração utilitarista. Portanto, a ideia de
“território recurso” assim o é porque seu alicerce conceitual é a natureza reduzida a recurso,
apartada da sociedade. Uma concepção que desumaniza a natureza e a conforma no modo de
produção capitalista. “A natureza torna-se em uma grande máquina, uma engrenagem de
movimentos “precisos e perfeitos”, que o homem pode controlar, transformar em artefatos
técnicos e explorar para fins econômicos” (MOREIRA, 2011, p.60). Esta concepção
mecanicista é fundamental para a territorialização que produz o território extrativo-mineral.
Essa noção dominante e contundente de natureza corrói e até aniquila outras
visões de natureza, bases para o estabelecimento de outros usos e outros vínculos territoriais
na escala dos lugares. Por isso, nesta pesquisa, o “território abrigo” é pensado como território
terra-abrigo, já que a terra – tudo que ela contém – é comumente um fundamento da
reprodução da vida das populações do campo e das comunidades tradicionais. Território-terra
para indicar materialidade, base física para abrigar; mas também um território cuja natureza é
carregada de perspectivas simbólicas e significados outros que se afastam do utilitarismo,
sendo a produção da vida material “[...] uma atividade natural, na qual a natureza supre o
53
sujeito, objeto e instrumento do trabalho” (SMITH, 1988, p.77), pois os seres humanos são a
natureza e nela estão.
A relação social faz da natureza um termo mutante, complexo e contraditório.
Lúcia Cony Cidade (2001) – com base nas ideias de Thomas Khun (1970) e David Harvey
(1973) –, com sua leitura histórica sobre visões de mundo e visões de natureza, reforça a ideia
de que a cada transformação das correntes científicas ou a cada mudança de paradigma, as
próprias concepções dos pesquisadores são transformadas e, também, as visões de mundo e de
natureza da própria sociedade. Todos esses processos caminham juntos, em consonância. Nos
últimos dois séculos foi testemunhada uma reestruturação do espaço geográfico mais
dramática do que qualquer outra ocorrida anteriormente e, vigorosamente, o meio natural foi
dando espaço ao meio técnico e ao meio técnico-científico e informacional (SANTOS, 2004).
O acelerado ritmo do capitalismo monopolista impôs um modelo de acumulação a
praticamente todo o globo terrestre. Na contemporaneidade, a ciência, mais especificamente a
Geologia, propõe a ideia de que vivemos em uma nova Era – a Era do Antropoceno –, cujas
ações humanas transformaram e continuam a transformar drasticamente as paisagens da
Terra. Tornamo-nos uma “força geológica” capaz de “moldar” o planeta28. Assim, também as
concepções de natureza foram “moldadas” e hegemonicamente foram estabelecendo os
“territórios recursos” a partir de uma territorialidade utilitarista e, mais especificamente, o
aqui trabalhado território extrativo-mineral, em que a natureza é conceituada como
inorgânica, tornando-se uma coisa física e a esfera humana é simplesmente abandonada.
Essa concepção de natureza é também sedimentada, epistemologicamente, pela
própria ciência geográfica, que enxerga a natureza ao ver o relevo, as rochas, os climas, a
vegetação, os rios, ou seja, de forma fragmentada; e que a conhece medindo as proporções
matemáticas e descrevendo os movimentos mecânicos das relações de seus corpos. A
Geologia é o “substrato do substrato” e o relevo é a forma que as camadas rochosas e o solo
assumem no visual da paisagem. A Geografia, acompanha, portanto, o conceito de natureza
dominante na ciência moderna, em que o Planeta Terra é concebido como uma grande
máquina, a soma de partes autônomas, reunidas pela lei da gravidade, a lei da unidade do
planeta, extensiva à unidade do universo (MOREIRA, 2011). Moreira (2011, p.60) acrescenta
28
Não existe um consenso científico sobre a data do início dessa nova era. De qualquer forma, os pesquisadores
concluem que estamos em uma nova era geológica. Disponível por Antonio Luiz M. C. Costa e publicado em
09/09/2016 https://www.cartacapital.com.br/revista/917/antropoceno-nos-humanos-criamos-uma-nova-epoca-
geologica; publicado originalmente na edição 917 de Carta Capital, com o título "O meteoro somos nós",
acessado em 23/04/2018.
54
que “desde o seu nascimento, a ciência moderna está comprometida com o projeto histórico
de construção técnica do capitalismo” e que a Física cumpre esse papel, o que explica a
natureza adquirir um sentido físico para lhe ser atribuído um significado utilitarista. Assim, “a
produção da natureza não somente oferece um fundamento filosófico para se discutir o
desenvolvimento desigual do capitalismo, mas é um resultado muito real do desenvolvimento
desse modo de produção” (SMITH, 1988, p.20).
A geografia da mineração envolve uma multiplicidade de questões que estão
muito além dos mapeamentos geológicos e das prospecções minerais em andamento. A
localização dos processos minerários, em seus diferentes estágios de efetivação, é tarefa
inicial importante e esclarecedora. No entanto, apenas identificar a localização geográfica das
jazidas é correr o risco de fragmentar o espaço e fazer uma análise territorial puramente como
um “objeto de pesquisa” localizado e sem conexões externas, como proposto no método
positivista. Portanto, essa análise não abrangeria as correlações que o envolvem e o integram,
incluindo-o na totalidade espacial em movimento. Os territórios extrativo-mineral
estabelecem-se em meio a fluxos e redes, assim como também são propulsores de uma
pluralidade de conexões em escalas de variadas ordens. Pretende-se debater nesta Tese o que
se compreende a respeito desses territórios extrativo-mineral que avançam cada vez mais
rápido no espaço brasileiro e baiano, consolidando os territórios extrativos globais e
atropelando os territórios terra-abrigo anteriormente estabelecidos.
Outras características geográficas devem ser pensadas nas mais diversas escalas.
Primeiramente, os recursos minerais não são renováveis no Planeta Terra, mas registra-se
concessões extrativas que costumam ir até a exaustão. Essa é uma das temáticas presentes nos
debates ambientais que ganham relevo academicamente e socialmente desde a década de
1970. Essa preocupação ambiental, que muitas vezes hoje se prefere chamar de
socioambiental, nasce exatamente devido ao consumo desenfreado contextualizado em um
modo de produção que necessita de uma reprodução ampliada para se perpetuar e que avança
sobre a natureza-recurso. O consumo é a parte vital do retorno do dinheiro gasto na produção
e “[...] o dinheiro passa a equivalente geral da medida de todas as coisas” (MOREIRA, 2011,
p.88). Quanto mais consumo, mais dinheiro circulando e mais produção; e quanto mais
produção, maior o avanço sobre a natureza. Essa é uma contradição latente, pois escancara o
limite da apropriação produtiva da natureza (PORTO-GONÇALVES, 2012). Então, as críticas
ambientais nascem e se ampliam no questionamento à concepção utilitarista de natureza, que
a subjuga e que fundamenta o território extrativo-mineral, que proporciona a retirada de
55
com a natureza é reduzido ao recurso que ela pode fornecer para criar riqueza, vista como
tudo aquilo que apresenta valor para fins de mercado, construída pela racionalidade da perda
mínima e do retorno máximo (MOREIRA, 2011). Alguns investimentos em mineração são,
na verdade, de altíssimos riscos financeiros, não possuem estabilidade, embora existam
grupos financeiros e empresas exclusivamente nesse quesito.
Esse fator também envolve os incentivos que os governos podem oferecer para as
mineradoras, como benefícios fiscais e logísticos, gerando especulações que podem ou não se
concretizar. Assim, os territórios extrativos se estabelecem a partir de preceitos econômicos,
no contexto capitalista do mercado internacional, mas também das condições locais
fornecidas e, até mesmo, de questões sociais e técnicas momentâneas. Um território extrativo-
mineral pode abruptamente encerrar suas atividades, a depender dos fatores externos envoltos,
como por exemplo a queda do preço da tonelada da commodity.
Territórios extrativo-mineral também podem ser caracterizados como de uma
distribuição geográfica “irregular” ou, até mesmo, como de natureza fluida. Não se trata de
uma fluidez como a da água, mas sim de uma fluidez que lhe é peculiar, devido à formação
geológica ser complexa e não ter um padrão físico específico, ou seja, um conjunto de
minerais, ou uma jazida, não possuem um tamanho e uma forma pré-definidos, podendo ser
caracterizados como disformes. Cada território extrativo-mineral terá uma gênese geológica
diferente, porém é resguardada alguma semelhança nos casos de minerais idênticos, que
podem, também, possuir teores minerais distintos. Assim, esses territórios extrativo-mineral
vão se espraiar para onde os veios, bolsões e/ou depósitos minerais estão29. Não seguem
nenhuma fronteira política territorial ou, até mesmo, a dos territórios terra-abrigo das
comunidades tradicionais ou as terras dos povos do campo, que também possuem gêneses
plurais e que vão se estabelecer nessa superfície, em um recorte do espaço geográfico, que é
qualificado como território e como abrigo. Ressalta-se que, dentro da ciência geológica,
diversas explicações científicas sobre a formação desses minerais revelam a existência de
certos padrões, porém a ênfase dada nesse aspecto da natureza fluida é para contrapor os
limites e as fronteiras político-administrativos impostas pelo Estado-nação e deixar claro,
portanto, a complexidade política da formação desses territórios.
29
Veio ou Filão são denominações geológicas de um tipo de depósito mineral tabuliforme, de origem
hidrotermal, que preenche as fendas de uma rocha denominada encaixante. O veio é em geral formado
por minerais diferentes daqueles que estão presente na rocha encaixante. Fonte: Glossário do Serviço Geológico
do Paraná: Disponível http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/glossario/conteudo.php?conteudo=V acessado
em: 04/08/2017.
57
Para exemplificar uma questão relacionada ao teor dos minerais e à sua primeira
cadeia de transformação, enquanto na China são necessárias 278 toneladas de minério de ferro
para a produção de 100 toneladas de ferro gusa, em Taiwan para a mesma quantidade de ferro
gusa necessita-se somente 142 toneladas. No Brasil, na região de Carajás, aproximadamente
160 toneladas de minério seriam necessárias para as 100 toneladas de gusa. Uma das
explicações para essa diferença reside não apenas nos diferentes níveis de tecnologia entre os
países e as empresas, mas na qualidade do minério de ferro utilizado na alimentação do
processo em termos de teor de Ferro contido. Mediante essa relação, segundo Boeira (1999), é
fácil perceber porque a demanda por minério de ferro se relaciona diretamente à produção de
ferro gusa.
No Brasil, é acrescentado o agravo da quantidade exorbitante de gasto com carvão
vegetal na alimentação dos altos fornos das guseiras, já amplamente denunciados que
utilizam, também, madeiras nativas provenientes de derrubas de matas, uma vez que os preços
são mais atrativos e a energia é um dos maiores custos para as empresas em todo o montante,
representando em torno de 70% do custo de produção de ferro-gusa. Um levantamento da
Embrapa Amazônia Oriental (2014) afirma que, para cada 1 tonelada de ferro-gusa, são
necessários 875 kg de carvão vegetal. Para obter essa quantidade de carvão, calcula-se que,
em média, são necessárias 3,6 toneladas de madeira. Além das relações trabalhistas nesses
ambientes de carvoarias, onde a presença de trabalhos análogos à escravidão são práticas
recorrentes, esses desmatamentos avançam sobre terras indígenas reconhecidas e
demarcadas30.
Ao mesmo tempo e dialeticamente, há também uma “rigidez locacional”, como
apontam as pesquisas geológicas e especialistas do setor, já que o mineral se encontra fixado
em um determinado lugar e é essa localização que as pesquisas e prospecções querem
determinar e explorar. Isso se encaixa no que Silveira (2011) assinala sobre algumas empresas
não serem nada flexíveis geograficamente, sendo profundamente dependentes das condições
gerais de uso da parcela de um dado território em que se instalam.
É certo que a face do território extrativo-mineral como recurso-empreendimento
tem sua realização definida pela rigidez locacional geológica, mas, não menos importante, a
face como terra-abrigo também se estabelece a partir de uma rigidez locacional, mesmo que
30
Investigação do Ibama descobre madeira nativa da Amazônia em pátio da Vale
Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/investigacao-do-ibama-descobre-madeira-nativa-da-amazonia-
em-patio-da-vale-22655095#ixzz5FUAmBWKx
58
31
Gudynas (2015) contesta a expressão “indústrias extrativas” e defende não ser adequado, uma vez que nessas
atividades não ocorrem processos industriais que utilizam matérias primas e bens intermediários para gerar
mercadorias complexas, mas reduz-se a um setor primário que, em alguns casos, o que chamam de
beneficiamento é para adequação para a venda no mercado externo. Destaca que não se pode comparar a
exportação de minério de ferro ou grãos de soja com os reais processos industriais, como, por exemplo, ocorrem
com automóveis ou eletrodomésticos. Existe uma insistência em se referir ao extrativismo como uma indústria,
já que invoca os sonhos e as imagens de desenvolvimento baseado em grandes fábricas com milhares de
trabalhadores, embora essas não sejam as condições que estão postas nas realidades de onde se implantam os
territórios extrativo-mineral.
62
32 Van Gennep (2011) em “Ritos de passagem”, que identificou três estágios, tais como: a separação, a
marginalização e a agregação. O processo de liminaridade de um migrante se inicia na separação do seu lócus
indentitário, seu lugar geográfico, cujo momento é o de abandono das relações cotidianas, o afastamento de seu
lugar de convívio, posteriormente fica a margem, momento em que o indivíduo vive sem regras, um ser em
mobilidade cujas identidades serão vistas de modo negativo por outras culturas e, finalmente, a agregação é o
momento em que o indivíduo volta ao convívio, mas com um grande aprendizado que a vida lhe propôs na fase
liminar, seja esse convívio em um território diferente ao do convívio anterior.
33
“In situ” é uma expressão latina que significa no lugar.
63
É isso que ocorre com as empresas mineradoras, com suas amplas ações de
marketing, que elaboram seus discursos ideológicos que acabam convencendo e cooptando
populações para a efetivação da atividade minerária, construindo a psicoesfera. Psicoesfera é
o “[...] reino das ideias, crenças, paixões e lugar da produção de sentido” e, assim, essa esfera
ratifica, acompanha e até mesmo antecede a expansão da técnica, “[...] fornecendo regras à
racionalidade ou estimulando o imaginário” (SANTOS, 2002, p.256). Em outras palavras, a
psicoesfera constrói mediações simbólicas fundamentadas no espaço que podem induzir os
sujeitos à alienação, pois “a psicoesfera [...] é a esfera na qual se produz exatamente o oposto
da consciência” (SANTOS, 2007, p.100). Entretanto, a psicoesfera está dialeticamente ligada
à tecnosfera, pois “a ideologia produz símbolos, criados para fazer parte da vida real e que
frequentemente tomam a forma de objetos” (SANTOS, 2004, p.126).
No caso da mineração, a tecnoesfera envolve as configurações territoriais e todo o
processo técnico para sua efetivação. As configurações territoriais são o conjunto dos sistemas
naturais, herdados por uma determinada sociedade, e dos sistemas de engenharia, isto é,
objetos técnicos e culturais historicamente estabelecidos. Sua atualidade, isto é, sua
significação real, advém das ações realizadas sobre elas (SANTOS; SILVEIRA, 2005, p.
248).
64
34
Os “homens lentos”, na expressão cunhada por Milton Santos (2002, 2004), representam os diversos sujeitos
que não alcançam a alta velocidade empreendida pelos agentes hegemônicos, que sofrem e que podem prosperar
65
apesar dessa condição de desigualdade. A maior parte dos sujeitos do mundo, nas periferias de todos os tipos,
são ‘homens lentos” (SANTOS, 2002). “Há uma velocidade impressa ao mundo que não é comum a todos”
(SANTOS, 2007a, p.171). Mais do que isso, “[...] a velocidade é usada por pouca gente” (SANTOS, 2007a,
p.171), devido às seletividades espaciais definidas verticalmente pelos homens rápidos.
66
35
Exemplos como o seringueiro Chico Mendes, assassinado por defender seu território, e também das catadoras
de coco babaçu no Pará, Maranhão ou mesmo na Bahia.
68
36
Em depoimento realizado durante a Caravana do Semiárido Baiano, no ano de 2016, para esta pesquisa.
37
“Ciclo de Governos Progressistas”, iniciados em 1998 com a eleição de Hugo Chávez na Venezuela, seguido
da eleição de Lula no Brasil em 2002, de Kirchner em 2003 na Argentina, Tavaré Vazquez no Uruguai em 2004,
de Evo Morales na Bolívia em 2005, Rafael Correa em 2006 no Equador, Ullanta Omala no Peru também em
2006 e Fernando Lugo em 2008 no Paraguai. Transcorridas duas décadas registra-se um cenário diferente no
continente com a derrocada de vários desses governos tidos como progressistas. Argentina com o Governo de
Maurício Macri (2015), Paraguai com um processo complexo e denunciado como golpe de Estado relâmpago
(2012), o Brasil com a queda da Presidente Dilma Rusself em 2015, mediante um processo de impeachment
também polêmico, configurando um Golpe de Estado que envolveu a Câmara Federal, o Judiciário, setores da
mídia hegemônica e parte da sociedade civil. Já em 2018, no Brasil, por meio das urnas, é eleito um candidato de
um partido reconhecido como de extrema direita, composto por líderes evangélicos e alto comando militar com
promessas e segmentações diferentes dos governos anteriores. Soma-se a esses casos o exemplo em Honduras
(2009) e, mais recentemente, e ainda em curso, os ataques ao governo de Maduro, na Venezuela.
69
pode ser entendido como uma estratégia neoliberal análoga àquelas observadas anteriormente,
mas tampouco pode ser concebido como uma alternativa esperançosa de verdadeira
transformação social com melhoria na qualidade de vida e na autonomia dos cidadãos. Bruno
Milanez (2014) e Juliana Malerba (2012), entre outros autores, denominam esse conjunto de
ações políticas de “paradoxo latino-americano”, em que governos potencializaram atividades
concentradoras de renda e geradoras de desigualdades sociais e destruições ambientais, em
que Estados arrecadam mais recursos financeiros e, assim, “compensam” as populações
atingidas e creditam recursos nos programas sociais de transferência de renda e no incentivo
ao consumo.
Esse modelo neoextrativista começou a mostrar suas rachaduras na abrupta queda
dos preços das commodities, quando países completamente dependentes dos preços
internacionais começaram a ver suas economias ruírem. Esse período (2008/ 2011) após o
chamado boom das commodities é o que, segundo Raul Zibechi (2016), serve para melhor
analisar as limitações dessa fase. A forma de acumulação que o capital demanda atualmente,
vem precedida e acompanhada, estruturalmente, pela guerra contra os povos. Zibechi (2016b)
afirma que guerra e acumulação são sinônimos e subordinam o Estado-nação. O autor
complementa que essa cultura extrativista predatória nada mais é do que o resultado da
mutação criada pelo próprio neoliberalismo, suportado pelo capital financeiro vigente.
Essa é a atual lógica e o modelo de mineração em andamento no Brasil e em
muitos países latinos americanos. Uma pujante e desenfreada busca pelas riquezas minerais,
com o extermínio das populações e devastações da natureza, ou seja, a espoliação de
territórios. Territórios extrativo-mineral que se fundamentam na territorialização pelo recurso-
empreendimento e atropelam os territórios terra-abrigo. Isso não deve ser considerado como
um erro, uma anomalia, fora do padrão ou desvio no sistema social, pelo contrário, é o próprio
núcleo dessa confrontação de força e modus operandi. Desta forma, corrobora-se com a
corrente teórica que compreende o “conflito” como componente constitutivo das interações
sociais nunca em equilíbrio. As instituições estatais brasileiras “modernas” foram formatadas
para atuarem nessa guerra, legitimando os grupos hegemônicos e suas ações aterrorizadoras.
70
38
GeografAR – A Geografia dos Assentamento na Área Rural - Grupo de pesquisa, constituído desde 1996, e
vinculado ao Instituto de Geociências/Mestrado e Doutorado em Geografia da UFBA. Apoiado pelo CNPq, o
grupo conta com participações de professores e alunos da graduação e da pós-graduação de diferentes áreas do
conhecimento. Coordenação Guiomar Germani e Gilca Oliveira. https://geografar.ufba.br/
71
39
Incluindo os projetos de Crédito Fundiário e do Cédula da Terra, ambos financiados pelo Banco Mundial e já
criticados por serem vias da reforma agrária de mercado, beneficiando a lógica mercadológica das terras e não
alterando as estruturas agrárias brasileiras.
73
forma como as suas propriedades rurais estão organizadas, ou seja, o número, o tamanho e a
distribuição socioespacial. Verificando estudos sobre os estabelecimentos rurais segundo área
declarada, empregos gerados, receitas provenientes da produção animal, vegetal ou
extrativista temos a comprovação de uma relação inversamente proporcional entre tamanho
dos estabelecimentos rurais e indicadores relativos à eficiência econômica, relacionado ao
cumprimento da função social da terra (PAULINO, 2015)40. Pequenas propriedades
empregam sempre mais trabalhadores, apesar de estarem assentados em territórios terra-
abrigo muitas vezes caracterizados como minifúndios, também possuem valor de produção
muito maior e mesmo assim recebem créditos agrícolas muito menores, ao passo que nas
grandes propriedades acontece justamente o oposto. A possibilidade de vender a força de
trabalho é, também, inversamente proporcional ao aporte técnico, isso ocorrendo quer na
agricultura, quer no setor mineral extrativista.
Sobre a análise do Índice de Gini, Paulino (2012; 2015) salienta que esse deve ser
balizado mais por aquilo que esconde do que por aquilo que evidencia e que essa questão
deve ser avaliada com base na implantação dos dois Programas Nacionais de Reforma Agrária
(1986 / 2003) 41. No perpassar dos programas, o que se teve de resultado neste último, é que
não se privilegiou a desapropriação constitucional das terras, e sim a lógica mercadológica de
compras e estoque para fins de reforma agrária. A autora reforça a crítica de que essa batalha
de retomadas de terra públicas envolve questões jurídicas que podem se arrastar por anos e
que não existe nenhuma disposição política em desmontar os esquemas de grilagens e de
usurpações privadas de bens públicos que deveriam ser destinados a grupos sociais que, de
fato, laboram a/na terra. Fragilidades, falta de transparências nos dados cadastrais de imóveis
do INCRA, além de informações declaratórias abrangem ocultamentos estratégicos para
viabilizar a permanência da atual estrutura. Percebe-se um aprofundamento das contradições
também por atuação do Estado em duas frentes: legitimação de práticas criminosas como
apropriações de patrimônio público e fomento do mercado e da especulação das terras. “O
40
A estrutura da propriedade da terra pode ser dimensionada por duas bases de dados: do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) – através dos Censos Agropecuários – e do Instituto de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) – através das Estatísticas Cadastrais, que é declaratória. Apesar destas instituições usarem
bases conceituais distintas - estabelecimento pelo IBGE e imóvel rural, pelo INCRA, mas que tendem a ser os
mesmos (ou apresentar o mesmo comportamento), uma vez que a maior parte dos que exploram os
estabelecimentos são seus pretensos proprietário (PAULINO, 2015).
41
Índice de Gini é um indicador utilizado para verificar a distribuição de um bem, no caso, a terra. Esse índice é
uma unidade variável adimensional, apresentando valores compreendidos entre 0 e 1. Quanto mais o resultado
aproxima-se de zero, menor o grau de concentração e quanto mais se aproxima de 1, maior o grau de
concentração
74
42
Os três estados eram então comandados (em 2016) por Governadores do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB), cuja pauta neoliberal com cartilhas do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional são,
vias de regra, os manuais políticos de desenvolvimento deste grupo político.
43
Tiago Rodrigues Santos é professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano e membro do
GeografAR/UFBA. Fonte: http://www.mst.org.br/2016/11/04/artigo-lutar-no-brasil-crime-e-castigo.html
acessado em 15/11/2016.
75
Há, no Brasil, 130 mil grandes propriedades rurais, que concentram 47,23% de toda
área cadastrada no INCRA. Já os 3,75 milhões de pequenas propriedades equivalem,
somados, a 10,2% da área total registrada. Junte-se a isso, segundo dados do Atlas
da Terra Brasil (CNPq/USP) de 2015, a existência de 175,9 milhões de hectares
improdutivos no Brasil, e teremos uma das situações agrárias mais destoantes e
extravagantes do mundo. Uma realidade fundiária extremamente concentrada e onde
predomina os grandes imóveis rurais improdutivos e, portanto, que não cumprem
sua função social (BRITO; FREIRE, 2016, n.p)44.
44
Fonte: http://www.mst.org.br/2016/11/01/o-mst-nao-e-organizacao-criminosa.html acessado em 15/11/2016.
76
45
Tabela fruto de uma síntese de oito tabelas elaboradas pelo grupo de pesquisa GEOGRAFAR disponível em
https://geografar.ufba.br/formas-acesso-terra acessado em 16/11/2016. Para maiores informações das formas de
acesso à terra na Bahia recomendamos publicações: fundo de pasto (ALCANTARA, Denílson, 2011);
pescadores (ALVES, Taíse, 2015) e (RIOS, Kassia 2012); quilombos (AMORIM; Germani, Guiomar 2005);
(SANTOS, Janeide, 2008); (DINIZ, Edite 2007); (SANTOS, Tiago Rodrigues; GERMANI, Guiomar, 2011);
assentamentos (SANTOS, Flávio, 2005); (FREITAS, Hingryd, 2009); (SANTOS, Tiago, 2010); (MOREIRA,
Paula 2015); indígenas (SANTOS JUNIOR, Avelar, 2016);
79
indígena e do próprio território, muitos no Nordeste com uma ocupação intensiva do solo,
com a presença da pecuária e dos monocultivos do arroz e algodão (SANTOS JÚNIOR,
2016). Em outras palavras, muitos territórios indígenas da atualidade não são o que já foram
no passado, devido aos processos histórico-geográficos vivenciados por esses povos e, por
isso, outros parâmetros também tem que ser considerados quando da demarcação.
Os territórios quilombolas possuem uma dimensão relacionada ao parentesco, à
memória sobre a escravidão e aos conhecimentos baseados na oralidade, nas relações
estabelecidas com o entorno e ao uso comum da terra em uma certa referência espaço-
temporal. O reconhecimento oficial e jurídico das comunidades remanescentes de quilombos
também é recente e vinculado à Constituição de 1988. Muitas comunidades passam a se
reconhecerem como quilombos para reivindicar suas terras e direitos. A dimensão territorial
aponta para os elementos da cultura, da memória e da história do grupo, questões que podem
ser explicitadas quando a terra “torna-se” território, sobretudo, por serem de “descendência
quilombola”.
Em toda análise sobre as formações e as configurações de territórios quilombolas,
Tiago Santos (2017) reforça que deve ser considerado o contexto regional e histórico, a
origem dos grupos, sua relação com opressão sofrida historicamente, a existência de conflitos
fundiários e a situação jurídica das terras onde formaram seus territórios. Portanto, o debate
sobre o território quilombola deve ter como ponto de partida os critérios de auto atribuição do
grupo, destacando também que nem sempre as comunidades buscam seus direitos sob a
categoria “quilombola”. Entretanto, os direitos conquistados acabam por impelir que o
engajamento nesses processos de luta e de agenciamento político passe pelo auto
reconhecimento em torno dessa categoria, o que encaminha as populações para se
apropriarem do conteúdo da classificação para reivindicar seus direitos elementares
(SANTOS, T. 2017). Jose Arruti (2006) alerta para a necessidade de entender que as coisas,
os fenômenos e os grupos são anteriores às classificações estatais que lhes conferem direito. O
autor ainda estabelece os principais paradigmas para a constituição dos territórios quilombolas
que estão centrados nos quesitos relacionados como “remanescentes”, “terras de uso comum”
e “etnicidade construída”.
Outras comunidades tradicionais, as que se identificam como de fundo e fecho de
pasto expressam seus modos de vida tradicionais e são organizadas em assentamentos rurais
que se encontram espacializadas no Nordeste, no Norte, no Noroeste e, finalmente, no Oeste
da Bahia, segundo Denílson Alcântara (2011). A origem dessas comunidades remete ao
81
tempo que fazem, sem essa intencionalidade, a defesa e soberania do território nacional, uma
vez que utilizam seus saberes agroecológicos e, ao mesmo tempo, tendem a preservar mais a
natureza, que não é concebida como recurso-lucro. Os autores inspiram-se numa busca de um
projeto futuro melhor para a sociedade:
46
Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço é uma agência do Governo Federal dos Estados Unidos
responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial.
85
uma infinita interatividade, o que era impossível com os mapas e atlas impressos
anteriormente47.
Com essa ferramenta, uma grande quantidade de dados foi disposta gratuitamente
e fomentada a sua utilização por pessoas comuns, empresas, governos e entidades das mais
diversas. Um observador que está à frente desse aplicativo tem à sua disposição
“extraordinários dez pentabytes de informação geográfica potencial distribuída por toda a
superfície do globo. [...] com capacidade para armazenar 500 bilhões de página de texto
impresso” (BRUTTON, 2014)48. Números impensáveis para a manipulação e a utilização da
maioria dos usuários desse aplicativo, que acabam usando, na maioria das vezes, apenas o
básico. Mesmo após o advento comercial desses aplicativos, a habilidade de produzir mapas
permaneceu majoritariamente nas mãos de especialistas. Até uma criança pode ter acesso e
fazer um mapa, não há dúvidas que houve a facilitação ao acesso a essa tecnologia, mas, ao
mesmo tempo, ainda existem restrições, patentes caríssimas e questões geoestratégicas
envolvidas. Voltando à produção e ao uso das informações cartográficas, Renata Marquez
(2009, p.41) destaca que:
47
Mark Aubin, engenheiro de software da Google, declarou que o Google Earth foi inspirado no filme “Powers
of Ten”de Charles (1907-1978) e Ray Eames (1912–1988), designers nascidos nos Estados Unidos, depois de
assisti-lo numa reunião da companhia. Necessário destacar que muitos profissionais que trabalham com a
cartografia não consideram o aplicativo dentro da conceituação tradicional de mapa.
48
Um byte é uma unidade de dados que representa um único valor de oito bits de dados de memória de um
computador. Um bit pode ser usado para armazenar um único caractere alfabético ou numérico. Um disco rígido
padrão de oitenta gigabytes contém aproximadamente 80 bilhões de bytes, um pentabyte representa 1 milhão de
gigabytes.
86
visão horizontal, na perspectiva do nível da rua e sendo possível percorrer um trajeto virtual49.
Em qualquer grande metrópole desigual é possível verificar localidades mapeadas por essa
ferramenta e partes “apagadas”. Becos, ladeiras, vielas, trechos de favelas, uma infinidade de
espaços marginalizados que não são inseridos propositalmente ou devido a dificuldades de
acesso – em termos de espaço para o Google transitar ou ainda por questões políticas
referentes a territorialidades urbanas –, o que, de certa forma, também demonstra desinteresse
da empresa em representar esses lugares nos softwares. A maioria dos espaços no campo são
ainda mais negligenciados e ficam praticamente fora do mapeamento por meio desse advento
tecnológico.
No Brasil, vem sendo elaborados mapeamentos e grandes projetos voltados a
questão territorial, a partir do final da II Guerra Mundial, quando a necessidade de se
conhecer o vasto território, principalmente regiões Norte e Centro-Oeste, impulsionaram
pesquisas e o uso de tecnologias mais avançadas. Dois terços do país já haviam sido
fotografados e buscavam ampliar esse mosaico. Nos anos de 1960 estava concluída a Carta do
Brasil ao Milionésimo, derivação da Carta Internacional do Mundo ao Milionésimo (de 1909),
que é uma série cartográfica com objetivos de sistematização de folhas na escala 1:1.000.000
e com grandes utilidades em diversos setores. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a Diretoria do Serviço Geográfico do Exército, a Diretoria de Hidrografia e
Navegação, ligada ao Ministério da Marinha, o Instituto de Cartografia Aeronáutica, órgão do
Comando da Aeronáutica, são alguns exemplos de instituições que desenvolveram parte desse
avanço técnico cartográfico aplicado ao mapeamento do território brasileiro. Destaque para a
grande participação de órgãos oficiais de defesa nesse empreendimento de conhecer e
dominar o território nacional.
Na década de 1970, o avanço dessas pesquisas continuou e o Projeto RADAM –
Radar da Amazônia – foi implantado, primeiramente, pensado para essa região e depois
ampliado para todo território brasileiro. Elaborado pelo Ministério de Minas e Energia, com
parcerias entre a NASA e a antiga Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE) e
outros ministérios, foi iniciado no Brasil um programa para a implementação de pesquisas no
campo da aplicação do sensoriamento remoto para levantamentos de recursos naturais. Coleta
de dados sobre recursos minerais, solos, vegetação, uso da terra e cartografia da Amazônia
49
Diversas controvérsias e processos judiciais estão em andamento sobre a falta de privacidade que a essa
geotecnologia proporcionou, uma vez que expõe pessoas, residências e transportes particulares na rede mundial
de computadores.
87
50
Informações essenciais para a Carta Geológica do Brasil ao Milionésimo com informações como: A -
Litoestratigrafia (áreas com descrição e idade das rochas); B - Total dos Recursos Minerais (indícios,
ocorrências, depósitos, minas e garimpos); C - Recursos Minerais Selecionados (em especial, minas e jazidas); D
- Geocronologia (novas datações de rochas realizadas); E - Geoquímica (estações de amostragem de sedimentos
de corrente para análise multielementar); F - Paleontologia (sítios contendo fósseis); G - Principais Projetos
Utilizados; H - Campos de Óleo e Gás; I - Kimberlitos e Rochas Afins (rochas potenciais para diamantes); J -
Elementos Estruturais (falhas, fraturas e outros); K – Diques. Disponível em:
http://www.cprm.gov.br/publique/Geologia/Geologia-Basica/Carta-Geologica-do-Brasil-ao-Milionesimo-
298.html
88
informações falsas que não demonstravam a realidade do tráfego aéreo. No ano de 2004,
registrou-se uma grave tragédia do choque do avião comercial da empresa Gol e um jato
Legacy, de origem estadunidense, o que demonstrou falhas primordiais no sistema.
Mesmo com um amplo aparato tecnológico para acompanhamento do uso do
território e das transformações da tecnoesfera, para fiscalização e aplicação das leis, percebe-
se que ainda há, não raro, uma série de atividades ilegais na Amazônia como o garimpo ilegal,
as queimadas, as derrubadas de floresta e a venda da madeira ilegal, o avanço do gado e da
soja, a biopirataria e o tráfico de drogas e armas. A quem serviu ou serve todo esse aparato
tecnológico de vigilância e monitoramento?
No ramo da mineração, há um Sistema de Informação Geográfica (SIG) aplicada
ao mapeamento gerencial dos territórios extrativo-mineral brasileiros. O SIGMINE tem como
objetivo, segundo informações do próprio órgão responsável, ser um sistema de referência na
busca de informações atualizadas relativas às áreas dos processos minerários cadastrados na
ANM, associadas a outras informações geográficas de interesse ao setor produzidas por
órgãos públicos, proporcionando uma consulta aos dados e análises relacionais de caráter
espacial51. Com informações georreferenciadas e apresentadas por mapas digitais no formato
vetorial e dados raster, cada tema é disposto como uma camada que, ao se associar uma à(s)
outra(s), permite realizar diferentes tipos de consultas e análises, com a possibilidade de fazer
pesquisas e de inserir informações espaciais de interesse do usuário52. Todas as informações
no SIGMINE são oficiais e atualizadas conforme a periodicidade disponibilizada53.
O sistema possui uma interface bastante interativa e de fácil manuseio para
letrados digitais e para quem tem acesso a um computador e a uma rede de internet (FIGURA
6). Apenas uma barra de ferramentas reúne todos os comandos em forma de botões com
funções únicas, contendo em cada ícone a demonstração do nome e de sua função. A tela de
trabalho inicial é o mapa do Brasil, perspectiva vertical, onde são demonstradas as fronteiras
de todos os estados da federação e do distrito federal, bem como as faixas do território-mar da
costa brasileira: no canto superior direito é possível alternar para a visualização do mapa
51
Desenvolvido pela Coordenação de Geoprocessamento da ANM (CGEO/CGTIG).
52
O Sistema usa o Datum SIRGAS 2000.
53
Informações disponíveis em: http://sigmine.dnpm.gov.br/webmap/ acessado em 09/12/2017. O SIGMINE
possui um caráter meramente informativo, portanto, não dispensa o uso dos instrumentos oficiais pertinentes
para produção de efeitos legais. As informações são disponibilizadas na forma em que são inseridas na base de
dados pelos servidores da ANM. Pelo fato da base da ANM ser dinâmica, os dados dos processos minerários são
atualizados diariamente às 24h, apresentando em sua visualização a defasagem de um dia.
89
geopolítico ou imagem de satélite ou, ainda, inserir as rodovias federais e estaduais, o que
amplia a análise informacional inicial.
no extremo norte da Bahia, Curaçá (FIGURA 7), cujos polígonos minerais em andamento
representam, aproximadamente, 85% da extensão territorial municipal, sendo a sua ampla
maioria com autorizações de pesquisas em andamento
de dados sobre sua própria população e suas formas de vida na mesma proporção. Portanto, a
produção de informações e de conhecimentos é desigual, revelando o que está na pauta de
interesse do Estados e das empresas.
Outras opções disponíveis no sistema são a geração de planilhas para cada
município, contendo o número de cada processo, o tipo de requerimento, a fase atual do
empreendimento; dados como CPF/CNPJ e o nome do titular do processo minerário; tipo de
substância mineral que pesquisa ou se já realiza a extração; o tipo de uso que será feito
daquele mineral; se a situação está ativa ou inativa; multas aplicadas; além de outros dados
que cada processo específico contém. É possível fazer downloads, dos dados da ANM e
depois transpô-los para o próprio Google Earth, cuja interações com o sistema se multiplicam
na casa dos milhares.
O Estado provê todo esse sistema de informações sobre a mineração e acaba por
impulsionar e garantir a legitimidade de tal atividade. É um verdadeiro sistema de informação
geográfico disponibilizado, a serviço do setor mineral global, uma “base cartográfica”, cuja
densidade de técnicas, informações, normas e possibilidade de interação e comunicação são
enormes. Toda essa tecnologia computacional e geoespacial está disponível para um fim
exclusivo, o da extração de minérios e a seguida transformação em commodities para
circulação no mercado global. Grande parte da tecnologia deste sistema de informação é
proveniente de países hegemônicos mundiais, muitos deles compradores dos mesmos recursos
minerais extraídos em território brasileiro.
Em conjunto, nos territórios extrativo-mineral, há uma densidade de elementos
naturais – rochas, minerais, solo, água, florestas e animais – e uma quantidade de próteses
artificiais acrescentadas à natureza, associados aos comandos de entidades públicas e
empresas privadas dotados de força. Temos, pois, os sistemas de objetos e os sistemas de
ações interagindo indissociavelmente, e em diferentes escalas, tendo “espaços que comandam
e espaços que obedecem, mas o comando e a obediência resultam de um conjunto de
condições, e não de umas delas isoladamente” (SANTOS; SILVEIRA, 2012, p.265).
Os territórios extrativo-mineral consolidados, assim, podem ser considerados
como os “espaços da rapidez”, respondendo a uma necessidade de circulação mais longínqua,
espaço ordenadores da produção, do movimento e do pensamento hegemônico do território
em relação ao todo circundante. Por isso, entra em completa ruptura com as relações dos
territórios-abrigo, cujas lógicas produtivas são lentas e acabam sendo dominadas, sendo
possível caracterizá-las como “espaços do obedecer” (SANTOS E SILVEIRA, 2012), mas,
92
54
Exceções existem na esfera de organizações não governamentais e acadêmicas. Exemplos podem ser vistos no
site do Instituto Sócio Ambiental, com um mapeamento digital de terras indígenas, sendo possível sua associação
a dados de mineração, fornecidos pelo próprio ANM: disponível em https://terrasindigenas.org.br/; O Banco de
Dados do Projeto GeografAR/UFBA também disponibiliza alguns mapeamentos, ainda não no formato
interativo e online, mas que identificam terras quilombolas (georrefenciadas) e as de fundo e fecho de pasto em
andamento no estado da Bahia.
93
escolhem os territórios onde se instalarão e definem todas as suas condições de uso. Mészáros
(2003, p.16) também qualifica a globalização como “irreversivelmente perversa” e
“estruturalmente incompatível com a universalidade no mundo social sem igualdade
substantiva”. O autor aponta que a lógica do modo de produção é a de dominação do mais
fraco – pensada aqui como o mais vulnerável –, a de competição e da subjugação excessiva,
sendo “composto pela incontrolabilidade do capital”. Ianni (1995, p. 163) sublinha que “a
globalização abala mais ou menos profundamente os parâmetros históricos e geográficos, ou
as categorias de tempo e espaço, que se haviam elaborado com base no Estado-nação, nas
configurações e movimentos da sociedade nacional”.
Grande parte de autores franceses que analisam os processos capitalistas,
incluindo François Chesnais (1996), preferem utilizar o termo “mundialização” ao invés de
“globalização”. Para esse autor, a mundialização refere-se à uma etapa específica da
internacionalização do capital, em que várias regiões do mundo são abocanhadas pelo modo
de produção e transformadas territorialmente em mercados consumidores e produtores, o que
ratifica a lógica do capital de caráter excludente e destrutivo. Sugerem que o debate orientado
pelo viés da globalização simplificaria as questões com a máxima de que os fluxos de capitais
se desapegaram das fronteiras dos Estados, não permitindo mais localizar suas origens – o que
é apontado por Milton Santos (2004) como fábula. Assim, surge a categoria mundialização
(CHESNAIS, 1996) e ressurge a do imperialismo (HARVEY, 2014), enfatizando a dimensão
de que o capital não circula pelo globo sem atrito. Não obstante, é da sua própria lógica a
criação de desenvolvimentos geográficos desiguais (SMITH, 1988).
Chesnais (1996) critica a tendência do capitalismo quanto a sua homogeneização e
a diluição das burguesias internas frente a burguesia global. Opõe-se à essa noção e aponta
que os Estados são um forte agente no processo de mundialização e afirma que o próprio
termo globalização foi cunhado pelos intelectuais do imperialismo dos Estados Unidos como
uma poderosa ferramenta ideológica própria do processo de hegemonização. Porto-Gonçalves
(2012), ironicamente, cita que os EUA não disseminaram o termo “americanização” para não
ficarem muito explícitos seus objetivos, assim, a palavra “globalização” soou como um bom
termo para dar o aspecto ideológico de “união” mundial. Embora não exista um consenso
sobre qual melhor termo para se usar ou sobre qual definição seguir, Milton Santos e outros
pesquisadores brasileiros optaram por utilizar o termo globalização, porém com uma
perspectiva crítica, diferente da estadunidense. Como o próprio documentário de Silvio
100
Tendler (2006) enuncia sobre as ideias da globalização de Milton Santos, trata-se do “mundo
global visto do lado de cá”, visto do Sul, da periferia do mundo.
Há uma certa concordância entre os pesquisadores, sobretudo na Geografia, em
afirmar que vivemos um período em que se realizam, efetivamente, redes espaciais que
permitem a configuração de uma escala global, sendo “a interdependência universal dos
lugares [...] a nova realidade do território” (SANTOS, 2005, p.137). Tais redes são
hierárquicas, seletivas, desiguais e, olhares críticos acerca da globalização indicam que essa
escala se impõe sobre as outras economicamente, tendo uma força hegemônica política. Ao
mesmo tempo e dialeticamente, as verticalidades globais só se efetivam quando realizam suas
normas nas escalas locais, que as aceitam e as reproduzem, mas também, as negam e propõem
estratégias de resistência. Não há encobrimento hegemônico total. As estratégias de
resistências são possíveis graças às horizontalidades locais construídas, também, pelos
diversos povos do campo e das periferias urbanas, embora os enfrentamentos sejam duros
devido ao bruto oponente que chega e desorganiza toda a lógica pré-existente.
Os territórios extrativo-mineral se consolidam e se multiplicam devido a essa
correlação entre o capital financeiro de diversas partes hegemônicas do planeta, com
imponência global, ávidos por recursos naturais e por uma força de trabalho barata,
legislações e políticas públicas permissíveis que atropelam toda a dinâmica territorial anterior.
Na ampla maioria desses enfrentamentos estão as populações pobres, negras e analfabetas do
campo brasileiro. É o processo que materializa a compra da natureza.
Os termos verticalidade e horizontalidade são utilizados por Milton Santos (2004;
2005) que elabora uma leitura do processo de globalização, suas estratégias e seletividades
espaciais, para que se realize hegemonicamente e, ao mesmo tempo, para compreender como
esses processos que são comandados pelos “de cima” e atingem os “de baixo”, que não são
uma simples variável passiva, mas que, muitas vezes, não conseguem resistir ou até mesmo
optam por receber as verticalidades, frente às pressões, à necessidade de sobrevivência ou,
ainda, cooptados pelas ideologias alienantes. Esse processo perpassa, obviamente, pela
atividade extrativista mineral que participa dos ciclos produtivos do modo de produção
capitalista como recurso primário e, portanto, são bases dos objetos técnicos fornecidos na
esfera do consumo e aos quais incorporamos em nossas práticas espaciais cotidianas. O
produto resultante do processo de extração mineral entra no comércio internacional como
commodities, como já mencionado.
101
Chama-se esse modelo de Estado mínimo, mas essa não é uma função coadjuvante, pois trata-
se de um Estado que toma decisões e que intervém no que interessa à globalização, que define
um esvaziamento político social e uma vertente econômica soberana para o Estado. Dito de
outra forma, a ausência do Estado nos setores sociais é uma tomada de posição política que,
portanto, direciona sua presença para os setores financeiros e empresariais. As grandes
empresas escolhem os territórios que lhes interessam. Todo esse movimento da globalização
amplia a importância do território, pois há lugares mais apropriados para aumentar o lucro dos
que comandam verticalmente o território e deixam o Estado em posição de ratificação do
capital global.
Harvey (2005, p.76) destrincha o Estado neoliberal, suas histórias e implicações.
Para o autor, o “Estado neoliberal deve buscar persistentemente reorganizações internas e
novos arranjos institucionais que melhore sua posição competitiva como entidade diante de
outros Estados no mercado global”. O autor destaca a quem esse modelo de Estado favorece:
aos direitos e às liberdades individuais; à propriedade privada; ao regime de direito e às
instituições de mercado de livre funcionamento e do livre comércio. Para que isso se realize, o
Estado usa o monopólio dos meios de violência e justiça para preservar, a todo custo, essas
supostas liberdades. As empresas privadas e iniciativas empreendedoras são as chaves desta
engrenagem que visam contínuos aumentos da produtividade e prometem proporcionar
padrões de vida mais elevados a todos. Nesse contexto, as privatizações são abordadas como
práticas necessárias para essa elevação do padrão de vida para a população. Promessas não
cumpridas, mas presentes nos discursos que também sustentam a falácia da eliminação da
pobreza por meio dos livres mercados.
Paulo Freire (1997) alega que o discurso ideológico da globalização busca
dissimular que ela vem fortalecendo a riqueza de poucos e verticalizando a pobreza e a
miséria de milhões. “O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo
de eficácia de sua malvadez intrínseca." (FREIRE, 1997, p. 248/9). Ariovaldo Umbelino
(2015, p. 230) acrescenta que o neoliberalismo “[...] defende a livre circulação de capitais
internacionais, abertura das economias nacionais para a entrada de multinacionais, a
implantação de ações que impeçam o protecionismo econômico”. Donald Trump, o atual
presidente dos Estados Unidos, anunciou, em fevereiro de 2018, a elevação da taxação de
importação do aço em 25%, uma medida para proteger os produtores de aço de seu País que
manifestam estar com prejuízos e baixa competitividade no mercado global. Uma medida
104
protecionista, mais uma vez, proveniente do “país do livre mercado”, que acabou
desagradando os exportadores de aço de vários países, incluindo os industriais do Brasil.
O modelo predatório da mineração, vigente na América Latina e nos outros
territórios que recebem as imposições da verticalidade – principalmente os continentes
asiático e africano –, são demonstrados de forma acrítica nos vários gráficos e dados de uma
análise quantitativa e comparativa do período 1930-2012, realizada e publicada pelo Instituto
Brasileiro de Mineração (IBRAM, 2013). O relatório demonstra o crescimento vertiginoso nas
extrações minerais mais representativas no mundo e, especialmente, no Brasil55. Os ritmos de
aumento de extrações de alguns minerais, caso do ferro, são alucinantes e chegou a dobrar a
produção mundial e brasileira em menos de 10 anos de intervalo (entre 2000 e 2010). Esse
processo de ampliação da extração demonstra a demanda capitalista, o crescimento urbano,
industrial e bélico, envoltos em um consumismo de supérfluos que, certamente, ampliam os
conflitos sociais e as destruições ambientais de magnitudes distintas. Nada disso é abordado
no relatório que, de forma simplória, enaltece esse crescimento. O início do século XXI
passou a ser conhecido como o período do “boom das commodities”, o que impactou
diretamente a América Latina.
Após 2012, há um declínio nos preços das commodities praticados mundialmente
e que, historicamente, faz parte do ciclo dos produtos primários, em especial os da mineração.
Grande parte deste declínio ocorre devido ao recuo nas compras chinesas, sendo estes os
maiores compradores de commodities provenientes do território brasileiro e um dos maiores
compradores dos países latino-americanos. Uma avaliação mais superficial poderia concluir
que as extrações minerais diminuiriam devido a esse recuo dos preços. Entretanto, um dos
resultados e saídas é justamente o oposto, a intensificação do ritmo das explorações, visando-
se cumprir metas financeiras pré-estabelecidas anteriormente e pactuadas com as redes de
acionistas. Isso acaba por acelerar a produção, intensificar acidentes e conflitos, reduzindo,
por fim, o tempo estimado de explotação de um determinado território-jazida. Para o IBRAM,
esse crescimento é visto apenas com bons olhos capitalistas, uma vez que lhe trouxeram os
devidos benefícios financeiros estipulados pelo mercado internacional na escala global.
Extrações minerais desenfreadas ocasionam inúmero conflitos nos territórios terra-abrigo,
55
IBRAM - Produção Mineral Brasileira X Produção Mundial 1930-2012 (Brasília-DF, 04 de abril de 2013).
Autoria do Diretor Presidente, José Fernando Coura; Análise com produtos minerais mais significativos na
produção mineral brasileira: minério de ferro, nióbio, bauxita, ouro, zinco, cobre, níquel, potássio, fosfato,
estanho, cromita, grafita, manganês, amianto, caulim e carvão mineral.
105
necessitando de um olhar crítico para descortinar esses gráficos e dados demonstrados por
uma entidade que representa todos os interesses do setor mineral.
Desta forma, a CPT (2015;2018) produz um outro olhar e registra um aumento no
número de conflitos que envolvem disputas por terra e por água no estado da Bahia nesse
mesmo período. Nesse contexto, está a ampliação da atividade mineradora que, na Bahia
supera as médias nacionais – o que indica que a Bahia é uma das fronteiras de expansão
territorial da atividade minerária e de outros grandes projetos de infraestrutura. A mineração
tem sido uma atividade desorganizadora da agricultura familiar e das práticas espaciais das
comunidades tradicionais. O setor mineral é estruturado por uma perversidade relacionada a
um desenfreado comportamento competitivo, caraterísticas de ações hegemônicas, que
acabam por impulsionar as mazelas sociais, alterando costumes, cotidianos e expulsando
população do campo e, portanto, interferindo e desestruturando os territórios terra-abrigo.
De todas as violências que são abordadas e noticiadas, Santos (2004, p.55)
denuncia que a menos enfocada seja a “[...] violência estrutural, que está na base da produção
das outras e constitui a violência central original”. O autor define que essa violência estrutural
resulta da presença e das manifestações conjuntas, nesse período globalitário, do dinheiro em
estado puro, da competitividade em estado puro e da potência em estado puro. Passamos de
manifestações de forma isolada para um sistema de perversidade, onde a legitimação do
dinheiro, da competitividade e do poder se consagram. Esse seria o momento definido de o
fim da ética e da Política, pois, a condução do processo socioespacial passa a ser atribuído às
grandes empresas, aliada ao discurso monopolizador da opinião das mídias hegemônicas,
substituindo o debate civilizatório pelo discurso único do mercado. O dinheiro é a nova noção
de riqueza e de prosperidade, torna-se onipresente. O consumo torna-se denominador comum
para todos os indivíduos, para uns a acumulação, para a maioria o endividamento. Um círculo
virtuoso se consolida, no qual o medo e o desamparo se alimentam mutuamente e a busca
incessante do dinheiro é causa e consequência do desamparo e do medo (SANTOS, 2004,
p.56).
De vários ângulos podemos observar a perversidade sistêmica (SANTOS, 2004)
existente no mundo. O problema da fome, da falta de moradia e das casas precárias dos sem
teto, da falta de terra para agricultores, da falta de água potável e saneamento básico, o
crescente e constante número de refugiados desterritorializados por guerras e perseguições
diversas, a naturalização da falta de emprego e geração e renda, as altas taxas de
analfabetismo e as mortes de crianças prematuras, além de outras infinitas questões que
106
internacional” (MARINI, 2005, p.133) e sua recente expansão ao nível global no último
século. Para Galeano (2008), em “As veias abertas da América Latina”, desde a chegada dos
europeus ao continente, tudo aqui se transformou em capital europeu, depois passou para os
estadunidenses e, mais recentemente, se transformou em capital globalizado, sendo complexa
a sua identificação, mas é muito claro os territórios onde se concentra. Milton Santos
completa que:
início dos anos 2000, metade dos grandes projetos de investimento em mineração no mundo
estavam presentes no continente, com destaque para Chile, Argentina, Peru e México. Todo
esse aparato específico para a mineração vem acompanhado de uma infraestrutura logística,
uma vez que se destinam à exportação.
Essas construções de infraestruturas envolvem setor de transportes e
comunicação, a concessão de energia e água barata e contribuições para a isenção de
impostos. Estes apoios econômicos, chamados de subsídios, são na sua maioria perversos e
estão em andamento por toda a América Latina. Neste contexto, é importante ressaltar dois
grandes projetos que foram e estão sendo desenvolvidos. No âmbito continental, houve a
iniciativa para a construção da Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA),
como um corredor logístico centroamericano, com objetivos de aprofundar a integração das
economias desses países56. Aliado a esse sistema, no Brasil houve o Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), que gerou ações em diversas regiões com objetivos de “desenvolver”
o País57. Ambos os programas servem, prioritariamente, para fomentar as empresas, maioria
multinacionais, a se instalarem nestas localidades. Grandes projetos extrativistas predatórios
estão nessas rotas que tiveram o suporte financeiro e logístico financiados pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social
(BNDES) no Brasil. Portanto, ambos os programas tiveram verbas públicas sendo
direcionadas, em primeiro lugar, para o capital empresarial. No Brasil, mais de 70% da
carteira de investimentos do BNDES está destinada ao setor extrativo e de energia. Grande
parte dos recursos disponibilizados pelo próprio Estado são utilizados para sustentar esse
mercado extrativista depredador. Aliadas a essa carteira de empréstimos governamentais há as
isenções, verdadeiras benesses, como as da Lei Kandir que isentam o tributo do ICMS dos
produtos e serviços destinados à exportação58.
56 IIRSA – Programa iniciado nos anos 2000 e em conjunto com governos dos 12 países da América do Sul. Os
principais objetivos centraram na modernização da infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações,
mediante ações conjuntas para a “conexão física” desses países. Foi planejado alguns anos posteriores à negação
da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e alvo de amplas críticas.
57
PAC - Programa do Governo Federal brasileiro que envolveu nas suas duas fases, entre 2007 e
2015, planejamentos e execuções de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país.
Com uma carteira de cerca de 37 mil empreendimentos e volume de investimentos expressivo, o programa
também foi e é alvo de muitas críticas devido à grandiosidade de algumas obras, como a usina hidrelétrica de
Belo Monte (PA), e pelos conflitos socioambientais gerados nos territórios terra-abrigo de diversos segmentos
populares. O PAC é a IIRSA na escala nacional.
58
Lei Kandir, lei complementar brasileira nº 87 que entrou em vigor em 13 de setembro de 1996. Proposta pelo
deputado federal Antônio Kandir (PSDB), a Lei regulamentou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS). Uma das principais consequências foi uma diminuição da indústria brasileira em detrimento de
setores exportadores de produtos primários. Ou seja, houve uma ênfase do papel exercido, historicamente, pelo
111
(COELHO, 2015)60. Gunder Frank (1978) usa o conceito de desenvolvimento frustrado para
focar o desaproveitamento ou o desperdício da chance histórica de melhorar as situações
sociais e os males que o subdesenvolvimento trouxe para as populações locais e seus
territórios-abrigo.
Historicamente, investimentos minerários de grande porte têm como base a uso da
força de trabalho para além das condições mínimas de sua reposição física e mental, ou seja,
há uma superexploração. Isso só é possível devido à abundância da oferta da força de trabalho
e do seu baixo custo. O uso de terceirização e até mesmo de quarteirização, bem como os
baixos custos de vida de regiões mais afastadas dos grandes centros, mesmo que apresente
aumento repentino com a chegada destes investimentos é mais um fator que incentiva os
baixos salários. Todo esse processo ainda explora drasticamente a natureza sem se preocupar
com a capacidade de renovação e com a manutenção de seus sistemas ecológicos (COELHO,
2015).
Quanto às estruturas do subdesenvolvimento, Gunder Frank (1978) afirma que a
mineração tende a deixá-las intocadas e, muitas vezes, chega a aprofundar essas contradições.
Tádzio Coelho explica:
60
IBASE - é uma organização de cidadania ativa, sem fins lucrativos. Efetiva a partir de 1981, foi fundada após
anistia política por Hebert de Souza, o Betinho, e seus companheiros de exílio Carlos Afonso e Marcos Arruda.
61
É importante ressaltar que a noção de “enclave” utilizada por Coelho (2015) e aplicada ao contexto de
exploração mineral não se confunde com a noção dada ao mesmo termo por Vânia Bambirra (2012), que o
utiliza em um contexto de industrialização na América Latina, comparando as seletividades territoriais das
empresas multinacionais.
113
uma instalação territorial de uma economia exportadora que cria nenhum ou pouco vínculo
com os outros setores da economia local. Estruturas artificiais, objetos técnicos construídos de
forma vertical são criados de forma alheia e qualitativamente descolados da realidade espacial
local. Algumas vezes, estruturas locais são aproveitadas com intuitos de reduzir custos de
operações. Porém, o que dá o caráter de enclave territorial é o fato de não gerar benefícios
para a estrutura social local, além de deteriorar as relações sociais dos territórios-abrigo que já
existiam na localidade.
A territorialidade implica a capacidade desses agentes de produzirem e/ou
organizarem sistematicamente territórios, segundo um projeto orientado por um agente
hegemônico, como caracterizou Gramsci (2000). “Essas forças externas têm sua própria
lógica, que é interna às instituições e às empresas interessadas, mas externa em relação aos
países a que pertencem. As instituições e empresas que impõem inovações técnicas ou
organizacionais têm um objetivo comum – a acumulação de capital” (SANTOS, 2005, p.46).
Lembrando que mesmo sendo enclaves, eles estão conectados a uma rede econômica em
escala global, pois “a interdependência universal dos lugares é a nova realidade do território”
(SANTOS, 2005, p.137).
Toda essa situação foi comprovadamente testemunhada pelas populações locais e
pesquisadores que atuam no estado do Pará e do Maranhão, atuais fronteiras de expansão do
capitalismo dependente, subdesenvolvido e periférico brasileiro. As bases territoriais destes
estados foram hegemonizadas para servir aos projetos do setor mineral, madeireiro,
siderúrgico, energético e agropecuário, todos com fortes ligações com o mercado externo. As
riquezas retiradas não servem para beneficiar a população amazônica, mas sim para ampliar o
capital externo. Os rastros de destruição geram mazelas sociais e as
segregações/fragmentações espaciais estão presentes e latentes.
Sobre o fato de sermos conhecidos como países subdesenvolvidos, ficam
questionamentos a serem feitos: será essa uma etapa a ser transposta no trilhar do
desenvolvimento rumo ao almejado país avançado? Os países desenvolvidos já foram em
algum momento subdesenvolvido como tais? Theotônio dos Santos (2011) rejeita essa ideia e
não considera que os países desenvolvidos tenham passado por processos de
subdesenvolvimento e, em épocas anteriores, as concepções de desenvolvimento eram
diferentes das da atualidade. Mészáros (2003) enfatiza e coloca que as contradições a serem
enfrentadas, na atualidade, ainda permanecem no embate entre o desenvolvimento e o
subdesenvolvimento.
114
62
Um exemplo internacional sobre o nível de comprometimento de movimentos sindicais aliados as empresas
mineradoras é o fatídico episódio do Massacre de Marikana ocorrido em agosto de 2012, na África do Sul.
Durante manifestações de mineiros contra os baixos salários, a polícia matou pelo menos 34, feriu mais de 70 e
deteve cerca de 250 manifestantes. Considerado um dos episódios mais violentos, desde o fim do apartheid, a
aliança de um dos ex líderes do maior movimento sindical, aliado ao partido de Mandela, com as empresas é
bem destacado neste caso. A exigência de participação de negros nas direções das empresas, após apartheid,
permitiu que uma pequena elite negra se formasse, no entanto, as condições em que a maioria da população
negra trabalhadora vivencia continua bem precária. Cyril Ramaphosa, ex-dirigente máximo do NUM (National
Union of Mineworkers), se tornou um milionário e acionista minoritário da própria empresa Lonmin que estava
envolvida nesta greve. Relações do ex dirigente sindical com representantes do alto escalão da polícia, da
empresa e do governo Sul Africano são bastantes claras no episódio do massacre. Até hoje ninguém foi
responsabilizado pelo ocorrido.
117
Mineral (ZONTA, 201663). Contratos temporários, de no máximo um ou dois anos, são muito
comuns. Conhecidos por trabalhadores de empreitadas, muitos acabam vivenciando situações
de anos sem poderem gozar dos direitos de férias, muitas vezes acabam sendo recontratados
por outras empresas terceirizadas da própria empresa matriz. Histórias de morte, depressão,
alcoolismo, doenças, assédio moral, entre outras, é parte da realidade encontrada nos
principais centros mineradores do país: Minas Gerais, Pará, Goiás, São Paulo e Bahia. Entre
os terceirizados, estão casos denunciados ao Ministério Público do Trabalho de pessoas que
desempenhavam atividades-fim e deveriam ser contratados diretamente, quando não
submetidos a jornadas exaustivas ou em condições análogas à escravidão.
A dependência da América Latina perpetua e o continente foi um dos grandes
destinos de investimentos minerais na última década, o que ocorreu devido à alta nos preços
das commodities minerais, já no século XXI, e disponibilidade de capital e retornos
financeiros rápidos e volumosos que prometiam. O Brasil ocupa o primeiro lugar nos
indicadores de extrativismo na América Latina e, além disso, o único que, simultaneamente,
lidera a extração nas minas e nas monoculturas (GUDYNAS, 2013).
Theotônio dos Santos faleceu no ano de 2018 sem poder ver a Teoria da
Dependência como uma peça de museu, ela está mais concreta e viva no Brasil atual, com
retrocessos na última década e com o reforço e a continuação da dependência internacional. A
ilusão de que o extrativismo mineral é um mal necessário para combater a pobreza e
desenvolver o país não é aqui compartida, os fatos e a realidade confirmam que o fatalismo de
considerar indispensável esse extrativismo para melhorar o país não passa de um mito.
63
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2016/07/04/suor-de-ferro-a-realidade-dos-trabalhadores-da-
mineracao-no-brasil/ acessado em 08/07/2016. (ZONTA, 2016)
118
escoados para fora, os prejuízos ficam encrustados nos territórios extrativo-mineral arrasados
pelo saque dos bens naturais. Um dos primeiros e drásticos conflitos minerais ocorridos na
América Latina aconteceu nas serras e nos túneis de Potosí (1545), quando os colonizadores
espanhóis a transformaram em território extrativo-mineral. Esse fato foi um dos marcos que
evidenciou ao mundo colonizador as abundâncias minerais da América Latina e, a partir de
então, rapidamente despertou o interesse nos ibéricos na busca por novas fontes de riqueza.
“Em Potosí a prata levantou templos e palácios, mosteiros e cassinos, foi motivo de tragédia e
de festa, derramou sangue e vinho, incendiou a cobiça e gerou desperdício e aventura”
(GALEANO, 2008, p. 38,).
Por toda a América espanhola e também no Brasil, indígenas foram envolvidos
nos processos da extração mineral, seja como mão de obra escravizada nos garimpos ou até
mesmo como guias nas matas e montanhas em busca de alguns rios e possíveis lugares onde
encontrar minerais. O genocídio indígena esteve presente no avanço e busca por esses
“recursos preciosos”, embora o conhecimento mais aperfeiçoado sobre as formas das
extrações minerais seja proveniente de outro continente. Assim, destaca-se alguns diálogos
com a professora Tatiana Dias Gomes (2017), que contribuiu sobre uma análise da formação
territorial do continente americano, e o caso específico brasileiro, durante a colonização
europeia, sobretudo a partir da atividade relacionada à mineração 64. Gomes afirma que o
histórico mineral na América Latina é de um verdadeiro epistemicídio. Destaca, por exemplo,
que “foi a população negra que trouxe toda a técnica de mineração para este continente, não
iremos mudar o modelo mineral sem acabar com o racismo” (GOMES, 2017, n.p), já que esse
fato é invisibilizado. Ao se observar e refletir sobre as referências produzidas a respeito da
história da mineração e dos constantes silenciamentos com relação a esse assunto, a
pesquisadora destaca a importância de pensarmos como foi e é o tratamento, sobretudo na
experiência social brasileira. Diversos cartazes e cartilhas são produzidos para contar a
história da mineração, assim, Gomes observa que estes fazem referências à República Tcheca,
ao Oriente médio, à Califórnia, à Austrália, ao mundo inteiro praticamente, mas não fazem ao
berço fundador da extração mineral, que é o continente africano. Esse é um tratamento
recorrente da temática, um apagamento de onde vem o conhecimento ancestral, a tecnologia
bastante sofisticada desenvolvida para a atividade mineral. Portanto, para se discutir a
atividade mineral é necessário refletir e abordar essas Questões. Esses saberes do continente
64
Tatiana Dias Gomes é docente do curso de Direito da UFBA, membro da AATR e colaboradora da CPT.
119
africano vão sendo sistematicamente ocultados, em comparação com outras regiões, mesmo
tendo forte correlação com a história da América. Gomes (2017) destaca sobre as campanhas
contra o racismo nas redes sociais e concluí que vidas negras realmente não importam para a
sociedade dominante, assim, seus conhecimentos também não possuem importância, inclusive
dentro da própria academia universitária.
No Brasil Colonial, a atividade mineral inicia-se a partir do conhecimento
tecnológico dos escravizados de Benin e Togo, trazidos em razão do processo do comércio
escravocrata. A presença negra significativa na atividade mineral é destacada em “África
Negra: história e civilizações” (M'BOKOLO, 2009), que demonstra como o conhecimento
ancestral da metalurgia, sobretudo do ferro e do cobre, foram importantes para o resgate da
história negra africana e serviu para o desenvolvimento das civilizações, sejam elas com suas
benesses ou todos os prejuízos desse processo extrativo. “Se o homem começou a explorar
minério no mundo é porque ancestrais africanos desenvolveram as tecnologias necessárias
para tal fato, conhecimento que vem de longe e que tradicionalmente apagamos, as vezes um
esquecer consciente, de que a origem na verdade, a produção do conhecimento do saber sobre
isso vem de lá” (GOMES, 2017, n.p).
Os escravizados que introduziram a forma de minerar por toda a América. No
Brasil, não haveria esse conhecimento, pois, os portugueses não dominavam essa tecnologia.
Frequentemente se escuta que os africanos trazidos para a América não tinham conhecimento
nem produziam nenhuma tecnologia, eram povos tidos como incivilizados e primitivos.
Importante salientar que, muito embora os escravizados e escravizadas detivessem o
conhecimento técnico mineral, eles não se apropriaram das riquezas extraídas. Essa
apropriação ficou amplamente para os colonizadores brancos, o que é explícito na história de
todo o continente americano.
Em Minas Gerais, diversos casos históricos do período colonial sobre conflitos
sociais e questões ambientais já foram registrados em Diamantina, Ouro Preto, Mariana,
Congonhas, São João del-Rei, Sabará, Santa Bárbara. No território colonial pertencente a
Portugal, situado a leste da linha de Tordesilhas, a busca por prata e outros metais se
acentuou, adentrou-se ao continente, desbravou-se matas, abriu-se estradas nos territórios
então indígenas, o que impulsionou os primeiros conflitos territoriais e genocídios referentes à
mineração. Não obstante, é importante lembrar que as expedições das Bandeiras contavam
com, além de soldados, padres e outras pessoas, também com auxílios dos próprios índios
aprisionados que serviam de guias, uma vez que conheciam o território e suas formas de
120
sobrevivência, mas eram considerados hostis para os europeus65. Essa interiorização levou às
descobertas de ouro em Minas Gerais (em 1698), que ocasionou uma elevação dos preços de
escravos e o abandono de práticas agrícolas (VASCONCELOS, 1997).
Na Bahia, registram-se as primeiras extrações em Andaraí, Mucugê, Rio de
Contas e Lençóis, somando outras tantas pequenas localidades onde foram realizados os
saques minerais. Todas essas localidades foram construídas e territorializadas por portugueses
no início da ocupação do território brasileiro, aliada a um processo ocupação no sentido da
interiorização do continente, somada a uma ação predatória e a cobiça desenfreada por metais
preciosos. Se o Brasil nasce da espoliação territorial, do genocídio e de estupros das
indígenas, ele se consolida com a escravidão de três séculos sobre a diáspora negra africana,
forçada a atravessar o Oceano e ser vendido e tratado como objeto ou coisa, que chegava a
valer menos que um cavalo em leilões de Diamantina (MG)66. A atividade mineral já nasce no
seio da formação desse território colônia-extrativa, contudo, se consolida mediante muito
conflito social e brutalidade.
Dando um salto na história, o que permite comprovar que a brutalidade continua e
se expande, e agora partindo para o período mais atual, observa-se que na consolidação do
neoliberalismo – na década de 1990 –, a América do Sul avançou com as políticas neoliberais
e começou a receber enormes fluxos de capitais estrangeiros, perpetuando as condições de
dependência do continente a serviço das demandas do capitalismo internacional e no
componente da divisão mundial do trabalho67. Já nos anos 2000, as lutas contra a hegemonia
neoliberal se contrapuseram a um contexto do capitalismo que coloca, ainda mais em
evidência, a busca por riquezas naturais. Mesmo nos ciclos de ampla maioria de governos
progressistas que se elegeram neste período mais recente, não houve o enfrentamento da
65
Entradas e bandeiras foram os nomes dados às expedições pelo interior do continente pelos
colonizadores portugueses. Eram consideradas empresas militares. As primeiras foram financiadas por
particulares, já as segundas foram realizações da Coroa Portuguesa. Eram viagens que duravam meses e até anos,
contavam com centenas e até milhares de pessoas, a maioria sendo de indígenas escravizados. As Bandeiras
levavam, à frente do grupo e estendida, uma bandeira com o brasão do respectivo conquistador/invasor. A
violência empregada nas conquistas e as lendas das Bandeiras paulistas fizeram fama. Nomes de responsáveis
por estes genocídios étnicos perpetuam estampados nas ruas e nas praças da capital paulista ainda hoje.
66
Município que tem hoje um conjunto paisagístico reconhecido e declarado como patrimônio histórico da
Humanidade, pela Unesco.
67
Antes se registravam um predomínio de conflitos mais com os trabalhadores, agora ganha-se destaque também
os conflitos com as populações que vivem ao redor do território extrativo-mineral. Ocupações das mineradoras
eram mais rarefeitas e os conflitos territoriais adquiriam outra dimensão diferente da atualidade.
121
2016). Descobertas recentes de reservas de gás no país, no ano de 2017, chamou novamente a
atenção de grandes empresas e de governantes que querem acelerar essa exploração.
Semelhante ao Brasil, nos discursos de autoridades da Colômbia sobre o uso desse
combustível, como sendo econômico e amigável ao meio ambiente, são proferidos à revelia.
O Governo do presidente Álvaro Uribe (2002 – 2010) aumentou de maneira considerável os
níveis de investimentos e de lucros dos capitais estrangeiros, afirma Catalina Toro Pérez,
diretora do Departamento de Ciência Política da Universidade Nacional de Colômbia. A
pesquisadora reafirma que o extrativismo se refere a uma escala gigantesca de extração de
materiais que devora populações camponesas, indígenas, afrodescendentes, outros setores
populares e o ecossistema. Essa atividade é absolutamente destruidora e isto não tem
justificativa plausível, devido a população latina e colombiana não ser a que usa os recursos
que são destinados, quase que na sua totalidade, para o consumo externo (IELA, 2015).
Morales (2015) destaca que “[...] as consequências sociais são cada vez mais
evidentes, com tensões e conflitos na maior parte das áreas afetadas e prospectadas para a
exploração, especialmente as de céu aberto e as de grande escala” (MORALES, 2014, p.44)68.
Por pertencer a uma linha dos Geólogos Ambientalistas, o pesquisador tem argumentos para
desconstruir a psicoesfera criada com a participação de geólogos que trabalham para
mineradoras, pois seus colegas de profissão não o podem enganar ou esconder quaisquer
informações técnicas.
Sem a necessidade de ser exaustivo, aponta-se apenas alguns conflitos
colombianos devido a formação dos territórios extrativo-mineral em andamento, mas há
registros em quase todo o território do país, com certa exceção em algumas partes da região
do extremo sul, pertencentes a floresta Amazônica. Desta forma, volta-se o olhar para os
conflitos de outro país do continente.
Paola Bolados García (2015), pesquisadora do Instituto de Historia y Ciencias
Sociales de la Universidad de Valparaíso, Chile, também contribuiu bastante para o
levantamento e a compreensão sobre a situação do continente. A região de destaque na
produção de minerais é o norte chileno, que produz, aproximadamente, 50% do cobre no país,
próximo a uma tríplice fronteira Chile, Bolívia e Argentina. Essa região é marcada,
historicamente, pela guerra entre Chile e Bolívia, no século XIX, envolvendo questões de
68
“[...] las consecuencias sociales son cada vez más evidentes, con tensiones y conflictos en la mayor parte de
zonas afectadas o prospectadas para la explotación, especialmente las de cielo abierto y a gran escala”
[tradução nossa].
125
disputas territoriais devido à extração de salitre, outros minerais estratégicos, além da saída
para o mar69.
A pesquisadora ressaltou os paralelos entre a situação chilena, sobre a extração de
cobre, e a extração do ferro no Brasil. Ambos os projetos nacionais, em larga escala de
extração e voltados quase que exclusivamente para exportação, foram iniciados e
aprofundados em períodos ditatoriais e com severas consequências para populações do
campo. Segundo Garcia (2015), a privatização das mineradoras de cobre foi usada como
discurso de estabilização da economia. A criação do mercado das águas, destinado a
mineração no Atacama, foi exposto pela pesquisadora no trabalho “Cartografías del
extractivismo minero en el desierto de Atacama-norte de Chile” (2016). O país concentra
40% das reservas de cobre do mundo - além de ser um dos principais produtores de lítio, iodo
e rênio (ZHOURI, BOLADOS, CASTRO, 2016).
Outro pesquisador chileno é Hugo Romero (2015), que salientou a grande tradição
mineira de seu país70. Destacou, também, a região do Atacama, um dos desertos mais áridos
do mundo e que vivencia situações semelhantes ao semiárido nordestino em que há retórica
de autoridades governamentais que exploram a ideia dessas regiões como lugares inóspitos,
como se não vivessem comunidades tradicionais, ressaltando as velhas falácias de que são
vazios populacionais a serem preenchidos, aproveitados e explorados. Romero (2015) faz
questão de desmentir essa noção e alega que faz parte do jogo político para influenciar
opiniões e deixar que projetos sigam seus trâmites sem serem questionados. O pesquisador
demonstra em suas pesquisas as variadas unidades paisagísticas presentes no deserto do
Atacama, a rica biodiversidade encontrada e os diversos moradores presentes. Por disputas
territoriais, o povo Aymara acabou sendo dividido pelas fronteiras que abarcam também
países vizinhos como a Bolívia e o Peru, situação semelhante dos Mapuches entre Chile e
Argentina. Uma das principais contaminações provenientes da mineração, nesta região,
ocorrem no ar, mas existem problemas diversos que chegam a influenciar o tamanho das
frutas, das folhas das hortas e outros alimentos. A contaminação das águas é outro tema
agravante, que logo contamina a terra e o solo.
69
Embora se destaca nesta pesquisa os conflitos mais atuais, cabe lembrar um dramático conflito na história do
Chile e da mineração que foi a de Santa Maria de Iquique em 1907, envolvendo os salitreiros (mineiros que
trabalhavam do Salitre) e suas famílias, resultando em mais de 2.000 mortes. Mais sobre a Cronologia das
agressões chilenas em: CHÁVEZ, Luis Fernando Alcázar; 250 Agresiones de Chile a Bolivia por la cuestión
marítima, 2017.
70
Hugo Romero, da Facultad de Ciencias Sociales e Historia, pertencente a Universidad Diego Portales – Chile.
126
71 Após o fato, acompanhado dia a dia por dezenas de emissoras de televisões mundiais, com produção
espetaculares e sensacionalistas, os trabalhadores passaram por uma rotina de “glamour” que se iniciou no
Palácio de la Moneda – sede do Governo Chileno – com diversas entrevistas, homenagens e tributos do canal
CNN aos “heróis”, com direito a um baile de gala em Los Angeles (EUA), assinaturas de acordos controversos
com o maior escritório de advocacia do Chile à respeito de direitos de imagens, prêmios de jornal britânico de
“equipe do ano”, viagem a Grécia, além de desfiles em carro aberto no parque de diversões de Walt Disney, em
Orlando (EUA). Até um estúdio cinematográfico de Holywood aproveitou do fato para lucrar, o enredo já estava
127
pronto. Romero comenta o quanto é contraditório toda essa encenação, uma vez que todas filmagens foram
realizadas na Colômbia e contou com participações de atores como Antônio Bandeiras e Rodrigo Santoro, um
verdadeiro espetáculo com a vida de trabalhadores mineiros que acabou não revertendo em questões financeiras
devidas aos acometidos a esse acidente trabalhista.
128
Argentina. Esse último é citado por Gabriela Scotto (2014) e ilustra um exemplo de projeto
que tinha aprovação popular local, esperançosa por empregos, mas que com o passar dos
tempos – seis anos – as mobilizações contrárias já eram visíveis e latentes. Conflitos
socioambientais, cujas ações trazendo amputações territoriais mediante utilização de
substâncias tóxicas, varrendo os territórios agrários com sucessivas rupturas de mineroduto,
contaminação do ar, desflorestamento, destruição de cemitérios indígenas, aliados a
passividade e conivência das autoridades perante as denúncias realizadas é o diagnóstico da
ação da mineradora em Catamarca. Todos esses fatores fazem surgir reivindicações nas
participações dos lucros da empresa, uma vez que é visível o contraste entre a retirada de
valiosos recursos naturais e a pobreza e destruição deixada nos territórios-extrativos.
Demonstram claramente a incompatibilidade da atividade de extração mineral e as práticas de
agricultura e de turismo, conflito que envolve uma multiescalaridade.
As pesquisadoras argentinas destacaram outro conflito e resistência na Patagônia
que ganhou grande repercussão, iniciado no ano de 2003, onde a empresa canadense
Meridiam Gold desejava explorar ouro. Assembleias regionais e nacionais, com caráter
heterogêneo e multiclassitas foram convocadas. Apesar de amplos setores governamentais
estarem a favor do projeto e com fartos recursos à disposição para publicidade, um plebiscito
foi posto em votação e a população da cidade de Esquel, província de Chubut, com cerca de
30 mil habitantes, respondeu “não” a exploração com 81% nas urnas. Ao se perguntarem
sobre o “modelo de desenvolvimento” oferecido pelas empresas, eles questionaram
“desenvolvimento para quem?” Assim, surgiu a necessidade de aprofundamento do debate
sobre o direito ao território e essa campanha popular de sucesso contra os gigantes da
mineração serviu para potencializar outras lutas semelhantes na própria Argentina e em outros
países, levando a mensagem de que é possível resistir. Outros territórios que iniciaram a
exploração logo depois desse caso foram os dos departamentos de La Rioja, Mendoza e
Córdoba.
Registros e pesquisas na Argentina demonstram que nos territórios-extrativos as
economias locais pouco se diversificam, não respondendo aos planejamentos antes
anunciados. A luta pelo direito aos territórios terra-abrigo das populações tradicionais e o
respeito aos modos de vida estão sempre presentes, como por exemplo no comunicado
Mapuche que denuncia a situação da população indígena que:
130
Segue sendo uma imensa maioria sem-terra e rejeita a alternativa que oferecem para
serem mão de obra barata e explorada pela oligarquia crioula e os empresários das
multinacionais. Aponta como pano de fundo "o modelo extrativista" que na região
tem como principais atividades a grande mineração, o petróleo e as grandes
estâncias. Lembra que para os povos nativos o território é de vital importância e eles
chamam outras comunidades para retomar terras que estão nas mãos de grandes
empresários72.
72
Disponível em: http://www.mapuexpress.org/?p=1656 . Mapuches vuelven a recuperar territorio en manos de
Benetton; Por: Darío Aranda / Página/12; “sigue siendo una inmensa mayoría sin tierra y rechaza la
alternativa que le ofrecen de ser “mano de obra barata y explotada por la oligarquía criolla y el empresariado
transnacional. Puntualiza como fondo “el modelo extractivista” que en la zona tiene como principales
actividades la megaminería, el petróleo y las grandes estancias. Recuerda que para los pueblos originarios es
de vital importancia el territorio y hacen un llamamiento a otras comunidades a recuperar nuevas parcelas que
están en manos de grandes empresários. [tradução nossa].
73
Marco Antonio Gandarillas Gonzales pertencente ao Centro de Documentación e Información Bolívia
(CEDIB). Essa é uma instituição sem fins lucrativos e que, desde 1970, investiga questões sociais e apresenta
relatos e mapeamentos de alguns dos horrores vivenciados por indígenas em seu país.
131
natureza, para os povos da floresta e dos Andes são verificadas em quase toda a extensão do
país (GONZALES, 2015).
A Bolívia passou por profundas instabilidades políticas e a uma debilidade
econômica permanente. Registram-se dezenas de golpes de estado, rebeliões militares e
assaltos de toda ordem ao poder constituído. A longevidade no poder de Evo Morales é
inédita. O país, historicamente, é dependente da exportação de bens primários, como petróleo,
gás e estanho, cuja renda foi sempre apropriada por uma pequena elite branca. Essa excessiva
dependência da exportação de bens minerais mantém a Bolívia em uma condição de
subalternidade na economia mundial e de grandes fragilidades diante de oscilações no
mercado mundial de commodities. Analistas e instituições financeiras ainda pressionam a
Bolívia para desenvolver um conhecimento mais apurado, um know how (no jargão do
setor), para explorar industrialmente suas imensas reservas de lítio, as maiores do mundo
deste elemento químico que é destacado como um mineral-chave do século XXI.
Todo o ouro extraído da Bolívia corresponde a, aproximadamente, 1% da
produção mundial e é realizada na Amazônia Legal pertencente ao país. Não se pode pensar
que são feitas em pequena escala, pois a grande quantidade de barcos usados na extração de
ouro nos rios amazônicos, com baixíssimo custo de exploração, no montante somado é
gigantesca e devastadora. Em uma matemática rápida, o pesquisador Gonzales (2015), calcula
que uma balsa-extrativa produza cerca de 1 quilograma de ouro por mês, multiplica por 800
balsas em atividade, ao longo de 8 meses de produção por ano chega-se a uma quantia de 6,4
toneladas – fora toda extração ilegal que também é grande e não é registrada. O estanho
também é um mineral estratégico extraído na Bolívia, onde é retirado por mais de 120 anos e
emprega cerca de 5 mil trabalhadores. Essa atividade deixou algumas províncias bastante
contaminadas. O Lago Poopó foi praticamente exaurido pelas atividades extrativistas que
usaram também como uma barragem de rejeito. Essa fonte de sobrevivência no altiplano
boliviano foi amputada e hoje se observa processos ampliando de desertificações.
Gonzales (2015, p.32) critica “la exacerbación del extractivismo” como um
modelo incompatível com o exercício dos direitos humanos e a democracia. Dados oficiais do
governo mostram o incremento enorme de volumes de exportação de minerais nos períodos
da gestão do atual governo, acrescentando o crescimento da fronteira petrolífera e dos
hidrocarbonetos que multiplicaram quase que por 10 a extensão territorial nas últimas
décadas. Parques nacionais como os de Madidi, Aguaragüe, Tariquía, Iñao, Pilón Lajas y
Manuripi tiveram alterações nas legislações e foram convertidos em zonas de atividade
132
extrativista mineral, conforme mostra o estudo bem detalhado com mapeamentos e dados de
Georgina Jiménez (CEDIB, 2015, p.19).
Outro país americano, cujo histórico é também de fortes culturas forjadas na
extração mineral é o Peru. País com farto histórico de guerras, ditaduras, golpes de Estado e
governos ultraliberais que atacaram as populações camponesas durante a década de 1990 até
os anos 2000. A população é bastante heterogênea, porém com forte presença indígena. Maíra
Sertã Mansur (2014) destaca que é notória a priorização de grandes investimentos minerários,
ao mesmo tempo que são reconhecidas as resistências populares a esses empreendimentos. No
distrito de Tamborgrande, região de Piura, um caso ficou conhecido devido à resistência a
empresa canadense Manhattan Minerals. A força popular resultou no cancelamento do projeto
mineral via referendo. Algumas considerações foram tiradas, uma delas é a comprovação da
impossibilidade de convivência entre a atividade mineral (território extrativo) e o
desenvolvimento da agricultura, nesse caso a fruticultura (território terra-abrigo). Lição de
suma importância, visto que estamos abordando um país com as menores áreas cultiváveis per
capita do mundo.
Esse caso de sucesso na resistência não é regra, mas sim exceção e os conflitos se
alastram pelo país. Na região de Cajamarca, Peru, está a maior mina de ouro da América
Latina. O país é o maior fornecedor mundial de prata e ainda possui grandes explorações de
zinco e de cobre. O setor extrativista responde por 65,7% das exportações peruanas,
claramente dependente dessa transação internacional para a sobrevivência no jogo comercial
global. Índices de pobreza ainda são altíssimos, com 15% da população sem acesso a água
potável, quase 30% sem nenhum tipo de acesso a saneamento básico e com investimentos em
saúde e educação que não chegaram 3% do PIB (2009), segundo dados do Observatório de
Conflictos Mineros em el Peru74.
O aumento vertiginoso das concessões minerais nas últimas décadas, aliado ao
crescente montante de investimentos externos diretos (IED) no Peru, um dos maiores do
continente, potencializou conflitos por quase toda a extensão territorial. Destacam-se,
também, retrocessos no marco regulatório do setor, flexibilizações ambientais e políticas de
incentivos neoliberais, como a venda de terras para estrangeiros e estabilidade tributária e
jurídica beneficiando as empresas. O Peru é um efervescente caldeirão de conflitos e
insurgências, muitas delas drasticamente tolhidas pela força bruta do Estado, com denúncias
74
Ver em: http://conflictosmineros.org.pe/
133
75
“los territorios más presionados por la minería ilegal y recibe todos los impactos que esta actividad genera:
deforestación, violencia extrema, tráfico permanente de productos ilícitos, trata de personas y explotación
sexual, trabajo infantil, etc” (OCM, 2017, p.51). [tradução nossa].
134
Toda a técnica e a tecnologia que avança no tempo auxilia vários setores, provém
benefícios à saúde e ao cotidiano de trabalhos pesados que exigem força braçal descomunal.
Porém sempre vem acompanhada de situações perigosas que podem potencializar outras
calamidades, antes não imaginadas. Toda técnica é fruto de um desenvolvimento da própria
sociedade, portanto falível. A própria condecorada invenção da dinamite – Alfred Nobel – foi
fundamental para o setor mineral, porém veio acompanhada por diversas explosões
inesperadas, doenças e mortes no uso cotidiano extrativista. Doenças relacionadas a poeira
originada das perfuratrizes após trabalhadores a terem contraídas são registradas aos milhares.
Ao mesmo tempo que as melhorias tecnológicas em minas subterrâneas resultaram em novas
prospecções e criaram sensações de segurança, centenas de mortes e amputações corporais
foram causados por acidentes nas gaiolas de transporte, nos desabamentos, nas explosões e no
uso das máquinas pesadas. As minas profundas consistem em ambientes de trabalho brutal e
desumano, onde o trabalho em altas temperaturas é degradante e afogamentos devido a
inundações se tornaram frequentes nas minas do Oeste americano (EUA), por exemplo.
Outros fatores relacionados a mudança brusca de temperatura, quando os mineiros ascendiam
para temperaturas abaixo de zero na superfície, também faziam parte da rotina de diversos
trabalhadores expostos a essas calamidades (BOEIRA, 1999). Situação paradoxal, um avanço
tecnológico promove benefícios até certos pontos, porém carregam situações não imaginadas,
ou até mesmo camufladas de melhorias para os trabalhadores, que servirão como força de
trabalho do capital mineral na divisão internacional do trabalho.
Desde a escala nacional, passando pela esfera estadual e chegando aos órgãos
municipais que atuam com o setor da mineração muitas articulações estão em jogo nessa rede
demasiadamente complexa. É sabido que, historicamente, a mineração conviveu com
diferentes circunstâncias da economia e de condições institucionais, tanto públicas quanto
privadas. Assim, primeiramente, corrobora-se com um diagnóstico do setor mineral com o
intuito de evidenciar parte da rede já consolidada entre Estado e empresas para a formação
dos territórios extrativo-mineral.
Dados do próprio Estado (DNPM, 2016) no âmbito nacional registram um número
aproximado de nove mil empresas mineradoras com 9.415 minas em regime de concessão de
lavra. A produção mineral brasileira engloba cerca de 70 substâncias. A ampla concentração
dessas empresas está localizada na região sudeste do país, porém com atuações em todo
território brasileiro e no exterior. Acrescenta-se a esse escopo nacional, as quase duas mil
lavras garimpeiras e os 13 mil licenciamentos extrativos para areia, cascalho e argila. Além de
830 complexos de águas minerais. Os dados referentes à extração ilegal e o comércio
informal, notoriamente existentes, acrescentariam um peso maior a esses números.
O setor extrativo corresponde a 4,2% do PIB brasileiro (US$32 bilhões em 2017),
dado que o IBRAM faz questão de inchar com os valores do setor de transformação (12,3%),
produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana (2,0%) e a
construção civil, o que elevam bastante os números, porém de forma acrítica e superlativa. O
IBRAM também defende o saldo da balança comercial brasileira e sua positividade que
representa 30% do total, mostrando o peso do setor mineral nos números, porém sem
evidenciar os inúmeros auxílios financeiros governamentais e isenções fiscais, como a Lei
Kandir, entre outros.
O ramo mineral é formado, predominantemente, por micro e pequenas empresas
(5.415) e esse é o dado que o IBRAM (2013;2016;2018) enaltece em todo relatório anual.
Embora as mineradoras gigantes do ramo (154) e as médias (1.037) não sejam a maioria das
empresas em atuação no país, elas produzem quase sete vezes a totalidade das microempresas
(t/ano). Informações que são demonstradas em gráficos com claros objetivos de omissão e
137
com mensagens que buscam passar a falsa ideia de que no setor mineral não existe uma
concentração econômica empresarial, os conhecidos oligopólios76.
Já no âmbito regional do Nordeste, cerca de 1.600 empresas de mineração
estavam em funcionamento entre 2013-2015 (IBRAM, 2015)). A Bahia registrou 245
empresas em atuação, nas quais apenas 15 grupos controlavam cerca de 85% da produção
mineral baiana comercializada (PMBC). Por volta de 40 substâncias são exploradas na Bahia
em mais de 170 municípios. Quase um terço dos municípios baianos possuem territórios
extrativo-mineral em plena atividade. Por volta de 4% do PIB baiano está relacionado a
mineração (FIGURA 10)77.
Vários territórios extrativo-mineral já encerraram suas atividades. Porém diversos
problemas relacionados à saúde dos trabalhadores, inclusive dos que atuaram nos
“beneficiamentos” e nos transportes de minérios, além dos moradores ao redor da mina, são
acometidos a questões ambientais seríssimas parcialmente ou nunca solucionadas. Inúmeros
outros territórios-minerais estão em pleno funcionamento e milhares de outros tendem a se
desenvolver em um futuro breve, junto com novos conflitos territoriais provenientes dessa
atividade extrativa.
Sendo assim, estas preliminares nos mostram o envolvimento entre o Estado, em
parcerias com as pesquisas de universidades públicas, e as empresas privadas de mineração
que atuam sobre o território brasileiro, sejam elas nacionais ou de capital externo. As
fronteiras entre esses diferentes entes representativos da sociedade são tênues. Misturam-se
questões públicas com privadas, interesses coletivos contrapondo com interesses particulares,
priorizam-se lucros ao invés de bens coletivos, extrativismo predatório no lugar da
conservação ambiental, conhecimento científico-tecnológico aprofundado, que serão
disseminados apenas para especialistas, e, posteriormente, direcionados para exportação e não
para o bem da sociedade brasileira, muito menos para os habitantes que vivem ao redor da
mina. Esse arcabouço estrutural da mineração foi construído pelo poder público brasileiro e
pelo capital internacional, e é alvo de reflexões nesta Tese, iniciando-se pelo debate
necessário sobre a formação deste Estado nacional.
76
Disponível em: http://portaldamineracao.com.br/wp-content/uploads/2018/02/economia-mineral-brasil-
mar2018-2.pdf?x73853 acessado em 11/06/2017.
77
Destacamos que todos esses números oscilam a cada ano. Em 2016, registraram-se mais de 300 empresas em
168 municípios baianos e 46 substâncias exploradas. O valor do PIB alterna devido a diversos fatores internos e
externos ao território extrativo-mineral, o que revela certa inconsistência e fragilidade desses empreendimentos.
138
Indústrias
Única mina de Programa Nuclear Brasileiro; Nucleares
Caetité
Urânio urânio em produção Geração do combustível para Brasileiras -
e Lagoa Real
na América Latina as usinas Angra I e II Monopólio
da União
3,17% da reserva
Bentonita; mundial; Bahia 2ª
Industrial; Construção Civil; Vitória da Cia Bras. de
Areia e maior produtor no
cosméticos; cerâmica Conquista Bentonita
Argila Brasil / teor de boa
qualidade
Fonte: Levantamento GeografAR, 2018.
processos de colonizações promovidos pelas potências europeias. Por isso, o Estado é tema de
interesse de muitas disciplinas científicas. Na teoria crítica, Engels ([1878] 2015) afirmou que
essa figura do Estado nem sempre existiu. Houve sociedades que não tinham a menor noção
de Estado nem de poder governamental. A inexistência de um aparato de controle e de um
poder que fosse exercido de fora da sociedade, que todos estariam submetidos, era a realidade.
Todos eram responsáveis pela coletividade. Na verdade, como descreve Zilas Nogueira
(2017), essa ausência do Estado foi a forma que se desenrolou a maior parte da história das
sociedades, cuja invenção, na verdade, é bem recente.
Aristóteles (384–322 a.C), filósofo grego, desenvolve um pensamento que o
homem, na sua essência, é um animal político. A formação do Estado seria a consequência
necessária da natureza social humana e este ente representativo seria a manifestação de uma
comunidade em que os interesses gerais seriam considerados e priorizados por todos. O
objetivo do Estado, a priori e em um plano ideal, seria o do bem comum.
Nicolau Maquiavel (1469–1527), em outro contexto e em outra época, supera toda
a ideia tradicional aristotélica. Buscou perceber a realidade efetivamente praticada e como o
poder estatal era exercido. Ele parte, de modo eminente, da realidade concreta. A burguesia de
sua época se comprometia a construir um novo mundo, no qual a lógica mercantil fosse
baseada no comércio e o lucro estivesse livre das barreiras impostas pela sociedade feudal.
Era a implosão do modelo dos interesses da comunidade, a vantagem pessoal era o objetivo a
ser perseguido. Individualismo e ganância estavam aflorando, este é o momento da transição
do feudalismo para o capitalismo, modelo que vai predominar daí em diante. Maquiavel nega
a possibilidade de conciliação de interesses entre diferentes classes sociais, não existindo uma
harmonia perante a sociedade. O Estado seria o poder soberano capaz de garantir a ordem e a
estabilidade. Neste momento, as virtudes políticas e não as morais, seriam o meio para se
conquistar o Estado e se manter vitorioso no poder.
Caminhando bem distante de Aristóteles, Thomas Hobbes (1588–1679) aponta
que os seres humanos são, essencialmente, solitários e que a sociedade é uma invenção que
vai no oposto das pessoas. Homens seriam iguais e livres para fazerem o que desejassem, isso
despertaria conflitos de interesses contrários e um constante estado de competição e
desconfiança. Assim, para a manutenção do respeito ao pacto social, é necessário instituir um
poder que regule as relações entre os homens e que esteja acima de todos. Este poder é o do
Estado, possuindo o monopólio do uso da violência, frente a uma sociedade naturalmente
egoísta e individualista.
140
O Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. [...]
É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a confissão
de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu
em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que
essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entre
devorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade
de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de
atenuar o conflito nos limites da "ordem". Essa força, que sai da sociedade, ficando,
porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado (LENIN, apud
ENGELS, 1983, p.13).
Cem anos posterior a essa denúncia ainda acompanhamos no Brasil, nas últimas
duas décadas, um aumento exponencial do número de encarceramentos de jovens, pobres,
negros e sem escolaridade. Os autos de resistência cresceram assustadoramente, uma prática
intrínseca ao genocídio da população negra brasileira pela força coercitiva do Estado79.
Conflitos e assassinatos no campo brasileiro com práticas de pistolagens, torturas e ameaças,
várias relacionadas a grupos militares, voltaram ao cenário nacional com mais frequência e
brutalidade (CPT, 2017). Conflitos envolvendo injustiças socioambientais também estão
dentro desse escopo violento do aparelho coercitivo estatal.
As complexificações da sociedade e suas diferenciações de funções, à medida que
se tornam mais fortes e populosos, acabam por justificar esse armamento e constante
monitoramento com ações coercitivas. Isso ratifica a estratificação da sociedade em classes e
a sua dificuldade de conciliação, caracterizando a cisão entre sociedade e Estado. Engels
(1884) desenvolve a noção dessa "força" que se chama Estado, força proveniente da
sociedade, mas que é superior a toda ela. Mediante isso, para se perpetuarem no poder como
classes dominantes e separadas da sociedade, o Estado cria impostos de variadas formas, uma
complexa burocratização e a concepção de uma dívida pública, que se tornaram práticas
comuns ao longo dos anos. O sistema capitalista se transformou em um capitalismo
monopolizador de Estado, fortalecendo a subjugação dos trabalhadores pelo poder deste.
Portanto, a luta dos trabalhadores para se libertar é impossível sem que se lute, também,
contra o Estado capitalista.
O fato é que o Estado se transformou em diferentes vertentes, ora avançando para
um lado, ora tendendo a outro, porém sempre perpetuando as classes hegemônicas. Para
Smith (1988), a questão é que com o aparecimento de classes sociais, o acesso à natureza não
foi distribuído de forma equânime (qualitativo e quantitativamente) e, assim, o Estado
precisou dar as cartas do jogo também nesse quesito, mais uma vez reafirmando as pretensões
capitalistas sobre a natureza. O Estado sempre foi um instrumento de dominação, cumprindo
uma função social específica de garantir o domínio de uma classe sobre as outras. Ele é a
79
Auto de resistência ou resistência seguida de morte é quando um policial, a serviço do Estado, mata um suposto
suspeito alegando legítima defesa e/ou que houve resistência à prisão. A ocorrência é registrada como “auto de
resistência” e as testemunhas são os próprios policiais que participavam da ação. Os crimes quase nunca são
investigados, segundo o sociólogo Michel Misse, autor de “Autos de resistência: uma análise dos homicídios
cometidos por policiais no Rio de Janeiro (2001-2011)”, apontando que o Ministério Público Estadual propôs o
arquivamento 99,2% dos casos de auto de resistência neste período. Isso significa que a Justiça quase sempre
acredita na versão da polícia, mesmo quando claras evidências mostram o contrário, com execuções sumárias de
vítimas atingidas por trás e várias mortes a caminho do hospital.
142
expressão de uma força social “roubada” da sociedade para fins exclusivos próprios
(NOGUEIRA, 2017).
No setor da mineração, as empresas contam com um suporte muito grande do
poder público e com várias ramificações dentro da sociedade. Trata-se de um ramo específico
na cadeia produtiva do capitalismo, cuja extração dessa matéria prima é a base para a maioria
dos produtos que dispomos na atualidade. Os negócios da mineração envolvem muito
dinheiro, poder de decisões arriscadas, informações privilegiadas e áreas consideradas
estratégicas. Vários desses projetos são financiados pelo próprio Estado ou em parceria
público-privada, resultando em conflitos socioambientais deflagrados pelas atividades
extrativistas-minerais.
É importante frisar que, por mais que exista essa grande estrutura para a
realização da mineração, também existem inúmeras críticas provenientes do empresariado
quanto a inoperância do próprio Estado nas ações de promoção e avanço do ramo. Uma
contradição, pois gostariam que fosse ainda maior todo esse suporte estatal. Há discursos de
empresários liberais criticando a ação estatal, alegando que este não atende aos interesses das
empresas “geradoras de empregos e impostos”, aliados a um desenvolvimento de um sistema
capitalista brasileiro considerado tardio e inoperante frente a outros mercados internacionais.
Essa é a “queda de braço” do jogo político dentro do próprio Estado.
No Brasil, na escala Federal, diversos órgãos públicos estão envolvidos com o
processo de extração mineral. Uma estrutura extensa alicerçada por um meio-técnico-
científico-informacional avançado. Criada recentemente, a Agência Nacional da Mineração
substituiu o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) por meio de Medida
Provisória80. Mais uma vez, o arcabouço legal da mineração foi alterado em períodos de
exceção, como no último Código Mineral da época da ditadura. Altera-se uma legislação, de
fundamental relevância para a sociedade, via medida provisória, sem crivo e lastro
democrático para regulamentar, ressaltou Tatiana Dias Gomes durante exposição sobre a
tragédia/crime de Mariana, em Salvador (2017).
80
Medida Provisória 791, convertida na Lei nº 13.575/2017, que criou a Agência Nacional de Mineração,
autarquia federal que hoje substitui o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), vinculado ao
Ministério de Minas e Energia. O então ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, afirmou que “um
órgão de Estado como a ANM, com uma atuação mais transparente e mais ágil, deve proporcionar um ambiente
regulatório com a previsibilidade necessária para atrair e dinamizar os investimentos que o setor de mineração
precisa. Esse foi o nosso objetivo ao propor sua criação e acreditamos que a nova Agência vai cumprir sua
missão”. Disponível em: http://www.mme.gov.br/web/guest/pagina-inicial/outras-noticas/-
/asset_publisher/32hLrOzMKwWb/content/presidente-sanciona-lei-que-cria-a-agencia-nacional-de-mineracao-
anm- acessado em 05/06/2017.
143
81 Com exceção do Acre e do Distrito Federal, as superintendências estão presentes em todos as capitais dos
outros estados brasileiros. Escritórios também em Crato (CE); Itaituba (PA); Governador Valadares (MG); Patos
de Minas (MG); Poços de Caldas (MG); Criciúma (SC); além de um Museu de Ciências da Terra Urca Rio de
Janeiro (RJ).
82 Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC); Ministério da Defesa (MD);
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC); Ministério da Fazenda;
Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério das
Relações Exteriores (MRE/Itamaraty); Ministério do Trabalho e Previdência Social;
83 Exemplificando apenas um caso ocorrido em 28 de janeiro de 2019, um esquema de corrupção foi
identificado dentro da Gerência Regional baiana da Agência Nacional de Mineração (ANM) com operação
deflagrada em Salvador e Lauro de Freitas, denominada “Terra de ninguém” Disponível em:
http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/2030523-operacao-de-combate-a-corrupcao-e-deflagrada-em-
salvador-e-lauro-de-freitas acessado em 20/02/2019.
144
84
Constituem finalidades específicas da CBPM: I- a prestação de serviços técnicos e administrativos ao Estado
da Bahia; II- a assistência técnica e administrativa a mineradores particulares; III- a execução de projetos
próprios de pesquisa mineral; IV- a lavra, o beneficiamento e a comercialização de bens minerais, bem como o
desempenho de outras atividades correlatas e/ou complementares, inclusive industriais, que se enquadrem nos
seus objetivos. Para melhor consecução dos seus objetivos, poderá a CBPM: I- requerer autorização para
pesquisa mineral; II- requerer concessão para lavra das jazidas que ofereçam melhores possibilidades
econômicas; III- negociar com terceiros direitos minerários de sua titularidade, sobretudo aqueles em fase de
concessão de lavra, uma vez configurada a exequibilidade do seu aproveitamento econômico e conveniência
financeira para a sociedade; IV- celebrar acordos e convênios de cooperação técnica ou financeira com entidades
públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras.
85
Disponível em: http://www.cbpm.ba.gov.br/ Institucional: Quem somos. Acessado em 13/07/2016.
145
86
Disponível em: http://www.cbpm.ba.gov.br/2016/07/3274/Chineses-visitam-CBPM-para-conhecer-atuacao-
da-empresa.html acessado em 16/07/2016.
146
mineração e suas barragens podem causar em uma região, em uma cidade e ao longo de sua
bacia hidrográfica, chegando até o Oceano Atlântico. Em 2019, assistimos a mais um capítulo
desses horrores de rompimento de barragens, agora em Brumadinho. Lembrando que a esfera
do poder público também tem responsabilidade na questão por afrouxamento de leis
ambientais, na falta de fiscalização preventiva ou mesmo nas cobranças judiciais após
ocorrências de possíveis problemas, assim como pela pouca transparência das informações e
das medidas que, no caso, deveriam estar sendo aplicadas após o desastre/crime.
A Barragem de Mariana e Brumadinho são exemplares casos de inoperância e
negligência estatal e empresarial, aliado a uma notória prática criminosa de empresas que
atuam no território brasileiro com a certeza da impunidade. Se estamos abordando grande
parte da inoperância e má gestão de governos federais e estaduais, o que se pode dizer sobre o
âmbito municipal? Prefeituras que sequer conseguem gerir seus problemas territoriais
anteriores à atuação de uma grande mineradora, ao receber grandes empreendimentos acabam
por aprofundar desigualdades sociais. Qual Secretaria Municipal de Meio Ambiente está
preparada adequadamente, com profissionais e estrutura técnica-informacional, para lidar com
as adversidades que a atividade extrativista carrega? Em regiões do sertão baiano, semiárido
brasileiro, onde índices sociais são baixíssimos e a concentração de terra elevada, essa
probabilidade é nula. Ou seja, o poder estatal da escala local é praticamente anulado, perde no
campo de forças entre outros órgãos públicos superiores, que ditam as regras sobre o que será
implantado. A chancela pública local é apenas performance, mera prática burocrática,
“instância de primeiro grau” concebida para a sociedade pleitear seus direitos, porém já
totalmente capitaneada pela hegemonia do empreendimento. Casos de exceção existem, mas
sofrem com uma bruta reação do poder público superior e dos empresários envolvidos.
Um vasto material é disponibilizado pelo IBRAM (2013) sobre suas ações e seus
interesses pelos quais são buscados frente aos órgãos públicos para que melhor atenda os
interesses de seus parceiros. Pelos números podemos notar claramente o que ocorre neste tipo
de mercado. Como já dito, os oligopólios são as marcas registradas do setor. Eles enaltecem
sua alta capacidade de articulação para buscar seus objetivos e garantir os interesses das
empresas mineradoras, gerando riquezas (para as empresas), desenvolvimento sustentável e
promovendo benefícios sociais, bem como, a preservação do meio ambiente. Estas duas
últimas questões eles raramente entram em detalhes e considera-se apenas mais um capítulo
do discurso publicitário sobre a venda da natureza como mais um ramo de negócios, com
148
87
O Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM – 2030) é uma ferramenta estratégica para nortear as políticas de
médio e longo prazo que possam contribuir para que o setor mineral seja um alicerce para o desenvolvimento
sustentável do País nos próximos 20 anos. A publicação do Plano representa uma etapa importante para a
formulação de políticas e planejamento do setor mineral. O PNM-2030 foi elaborado pela Secretaria de
Geologia, Mineração e Transformação Mineral (SGM), do Ministério de Minas e Energia (MME), por
orientação do ministro Edison Lobão, que naquela época criou um Grupo de Trabalho (GT) para discutir as
diretrizes que serviriam de base para a elaboração do plano.
http://www.mme.gov.br/web/guest/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/plano-nacional-de-
mineracao-2030/pnm-2030
88
Fonte: http://www.inda.org.br/exibeclip.php?perfil=5105 / Vale: quadro de funcionários deve crescer 12% em
2010; O Estado de S. Paulo/ 19/10/09. Acessado em 12/08/2016.
149
89
Principais bens minerais exportados na Bahia em 2015: Ouro; Níquel; outros metais preciosos; Vanádio,
Rochas Ornamentais e Magnesita. Sendo os principais países importadores desses produtos: Canadá, Emirados
Árabes Unidos, Hong Kong, Reino Unido, Suíça, China, Finlândia, Coréia do Sul, Índia, Japão, Países Baixos
(Holanda); Alemanha, Angola, Arábia Saudita, Argentina, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Índia,
Itália, Moçambique, Taiwan (CBPM, 2015).
90
O dinheiro chinês chega ao brasil. 12/01/2016. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/revista/879/o-
conto-chines-774.html acessado em 20/07/2016.
91
Rui volta da China com acordos para acelerar obras na Bahia. 14/03/2016. Disponível em:
http://www.secom.ba.gov.br/2016/03/131244/Rui-volta-da-China-com-acordos-para-acelerar-obras-na-
Bahia.html acessado em 20/07/2016.
151
92
Este caso será tradado mais detalhadamente no Capítulo 5.
93
Dentre as diversas unidades abertas, destacam-se alguns exemplos de novas unidades nas regiões norte e
nordeste de Minas Gerais, Sul, sudeste, oeste e recôncavo da Bahia, agreste e sertão de Alagoas e Pernambuco,
entre outros.
152
transformado em uma organização que anula seu caráter de instituição social que deveria
servir ao benefício da sociedade. Esse enquadramento da universidade, segundo Chauí (2014,
n.p.), “é fruto da hegemonia da prática contemporânea da administração [...]. Trata-se da ideia
de que é possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios
com que se administra uma montadora de automóveis ou uma rede de supermercados”. Seu
sucesso e eficácia foram medidos “pela gestão de recursos e estratégias de desempenho para a
obtenção de um objetivo particular e localizado, e cuja articulação com outras organizações se
dá por meio da competição” (CHAUÍ, 2014, n.p.).
A universidade percorreu uma história até chegar a ser uma organização
operacional que está dentro do aprofundamento do capitalismo e transforma a sociedade como
um todo, adentrando por seus interstícios. Chauí (1999) periodiza algumas fases pelas quais
passou a universidade e destaca que tivemos uma fase funcional, ou a universidade de
resultados, dedicada para a formação rápida de profissionais requisitados como força de
trabalho qualificado. Esse enquadramento está dentro da ideologia do produtivismo, com a
introdução de parcerias entre a universidade pública e as empresas privadas, que se
espraiaram espacialmente e que virou modelo a ser seguido.
Adaptando-se às exigências do mercado, cada vez mais informacional e
globalizado, a universidade modifica currículos, programas e atividades para garantir a
inserção profissional dos discentes no mercado, separando, cada vez mais, docência e
pesquisa. Em outro momento, mais contemporâneo, a universidade passou para um sistema
mais operacional, voltada para si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de
contratos. Sua definição é estruturada por normas e padrões alheios ao conhecimento e à
formação intelectual, pulverizada em micro-organizações que ocupam todo o tempo de seus
docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual, conforme
delineado por Chauí (1999).
Estamos perante uma contradição entre a universidade operacional, estruturada
pelo projeto político neoliberal hegemônico, e a universidade pública como direito do
cidadão, defendida pelo projeto político de quem concebe a universidade como um lugar do
conhecimento e da transformação social. Tal concepção ainda existe, resiste e coexiste com a
universidade operacional que se impõe hegemônica, mas é frequentemente esvaziada, sofre
com falta de recurso e é escamoteada. Milton Santos (2004) caracteriza não somente o
totalitarismo relacionado à esfera do trabalho, da política e das relações interpessoais, mas
percebeu essa invasão, de fato, dentro do próprio mundo das universidades, criando condições
153
desastres ambientais de grandes magnitudes94. Esses cursos tendem a perder cada vez mais
prestígio e relevância frente a outros cursos voltados para o desenvolvimento econômico e as
inovações tecnocientíficas, muitas vezes vinculados às grandes empresas. Podemos citar
alguns dos cursos como as Engenharias, a Geologia, a Geofísica, a Química, a Ciências da
Computação, a Farmácia, entre outros. Souza (2010, s.p) arremata:
94
Importante ressaltar que mesmo dentro desses cursos existem pesquisadores e linhas de pesquisa que vão na
contramão da crítica aqui estabelecida, em uma disputa no campo de ideias referentes às diferentes visões de
mundo.
No caso mais recente do rompimento da barragem de rejeitos da mineração da empresa Samarco em Mariana
(MG), em que a lama se espalhou pela bacia hidrográfica do Rio Doce até atingir o Oceano Atlântico, nota-se
um papel destacado para profissionais do ramo das engenharias e especialistas em barragens, não para
historiadores ou cientistas sociais.
155
laboratórios e compra de equipamentos diversos, custo com energia elétrica, água, telefone e
internet. Já o setor privado colhe os maiores benefícios desta parceria cada vez mais com
serviços e trabalhos privados de consultoria e projetos elaborados por encomenda de firmas
particulares ou órgãos estatais, que muitas vezes, também estão a serviço do mercado.
Que Ciência estamos produzindo? Conhecimento voltado para a produção de bens
materiais e para o lucro, prioritariamente, e muito menos para a preservação da natureza e
bem viver de seus próprios cidadãos? Estado, Universidades e Empresas multinacionais se
entrelaçam e se beneficiam mutuamente. Por isso, quando um pequeno esforço de uma real
democratização da universidade pública brasileira começa a surgir, logo surgem forças
contrarias como os ataques às cotas raciais, sociais, às bolsas de permanências, além de
moradias e outros auxílios diversos que permitem uma minoria jovem, negra e pobre a ter a
possibilidade de frequentar um curso superior gratuito e de qualidade nesse País. Em maio de
2019 assistiu-se a mais um drástico corte de 30% em todas as Universidades e Institutos e
Federais pelo país.
No exercício da profissão e na condição de membro da comunidade geológica, o
professor da UFBA Arno Brichta (2017) destaca importantes críticas que devem ser objetos
de reflexão dentro dos próprios cursos de geologia e áreas afins. O professor observa com
preocupação que uma significativa parcela de profissionais, embora com uma razoável boa
formação técnica, porém com uma visão crítica muito limitada da sua participação e
responsabilidades diante um território extrativo-mineral. “Tirar da Terra parte dos seus
componentes, revolvendo e rejeitando outros, remonta aos primórdios do processo
civilizatório e implica a desfiguração de feições originais, com consequentes mudanças
ambientais. Daí a responsabilidade também dos geólogos com o porvir” (BRICHTA, 2017, p.
70). Com base em Milton Santos, o professor também destaca sentir receio quanto a parte de
sua categoria profissional se inserir “perto/dentro” da perversidade dos processos globais.
Como não existem duas safras, o domínio dos minerais é questão estratégica para qualquer
nação. Compreende-se, assim que o domínio sobre esses bens enseja a cobiça e estimula os
métodos mais antiéticos de competitividade e ausência de compaixão. Existem ressalvas
dentro da Geologia como um todo, com destaques a extrema importância da hidrogeologia
que se dedica a encontrar água nas mais diversas formas e a geologia ambiental que também
se destaca com olhares de exceção dentro do ramo.
Se conhecimento aprofundado é poder, Agostinho Ramalho Marques Neto (2001,
p28) destaca que:
156
95
Importante destacar a luta e campanha de Getúlio Vargas com a descoberta de petróleo na Bahia com a famosa
frase “O petróleo é nosso”, que atingiu a escala nacional.
96
Esse período refere-se ao segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff (PT), reeleita em 2014 com 54
milhões de votos e derrubada com um golpe de Estado (legislativo-jurídico-midiático) na Câmara dos Deputados
(2015) e no Senado (2016). O principal motivo alegado foram as controversas “Pedaladas Fiscais”, cujo próprio
Senado comprovou, posteriormente, que Dilma não teria responsabilidade em tais atos. Após seu vice assumir,
Michel Temer (PMDB), as “pedaladas” foram permitidas em futuras execuções. Dezenas de governadores de
estados também realizaram manobras fiscais semelhantes e nunca foram alvos de nenhum pedido de
impeachment.
159
“cartas do jogo mineral”. Segundo a pesquisadora Clarissa Reis Oliveira (2014, p.24), “fica
evidente o compromisso desses parlamentares com as mineradoras, reforçado pela sua atitude
antidemocrática de levar à votação o novo código sem um amplo debate com os
trabalhadores, suas organizações sociais e com as comunidades dos territórios que são ou
serão atingidos pelos projetos de mineração”97.
O primeiro e mais duradouro marco legal foi o do Período Colonial, com duração
de mais de 300 anos, cuja regulamentação do solo e do subsolo pertenciam à Coroa
Portuguesa, a sua propriedade era do Estado-monarca. A teoria predominante era a de um
Estado Regalista, em que este não admite a responsabilização civil perante seus atos. Assim,
ficou mais conhecida como a teoria da irresponsabilidade patrimonial. A historiografia sobre
esse período é farta e revela que um verdadeiro saque mineral foi realizado nas entranhas das
montanhas, vales, fundos e beiras dos rios deste enorme território. Baseados em um sistema
escravagista, com altos lucros no comércio triangular entre Europa, África e América, a mão
de obra negra africana foi demasiadamente usada nessas descobertas e extrações de metais
preciosos, além de em outros ciclos econômicos.
João Maurício Rugendas (1954, p.47) destaca que o “produto de todas as lavagens
de ouro” deveria ser entregue a fundição imperial, sua circulação no interior da província era
proibida. Na casa de fundição purificava-se o ouro por fusão, faziam as barras de diversos
tamanhos, submetiam-nas às necessárias experiências e eram devidamente marcadas. Depois
de todo esse processo separavam-se os impostos dessas lavagens, o conhecido quinto.
Posteriormente, era possível colocar o ouro no mercado ou exportá-lo, neste último caso era
preciso uma autorização especial da Coroa, embora a maioria da produção fosse destinada a
esse fim. Inúmeros e “magníficos” edifícios foram construídos em Lisboa apenas com
recursos do quinto explorado nas terras coloniais.
97
Entre os vários parlamentares que possuem atividades econômicas diretamente relacionadas ao setor da
mineração e participam, até 2018, da Frente Parlamentar da Mineração, bancada com aproximadamente 196
membros, podemos citar: Edison Lobão Filho (PMDB-MA); Romero Jucá (PMDB-RR); José Sarney (PMDB-
AP); Eduardo Cunha (PMDB-RJ); Leonardo Quintão (PMDB-MG); Arthur Maia (PMDB-BA), entre outros
nomes, que ou possuem empresas no setor da mineração, ou indicam os cargos de superintendência do DNPM
Brasil afora, ou estão em comissões específicas no Congresso e com as mãos na reformulação do Novo Código
Mineral. Outros partidos como o PT e o PSDB também estão dentro desta relação e foram os que mais
receberam recursos de campanha provenientes do setor mineral, em 2014. Para maiores detalhes ver:
OLIVEIRA, Clarissa Reis, “Quem é quem nas discussões do Novo Código da Mineração, 2014. Disponível
em: http://ibase.br/pt/wp-content/uploads/2015/09/quem-e-quem-comite-2014.pdf acessado em agosto de 2016.
160
98
Para mais informações ver: A falência das boas intenções: fraude, furto e assassinato na produção brasileira de
diamantes; Partnership Africa Canada, Edição fora de série #12, 2005.
161
99
O IRPAA - Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada é uma Organização Não Governamental
sediada em Juazeiro, na Bahia. A Convivência com o Semiárido é a sua maior e mais importante meta. Soluções
eficazes, que respeitam as características do povo e das terras desta região, são as alternativas que o instituto
oferece através de seus diversos projetos. Para o IRPAA, há quase 30 anos, viver no Semiárido é saber
reconhecer o seu valor. Disponível em: https://irpaa.org/
162
100
ITABIRA IRON ORE COMPANY - Companhia inglesa de minério de ferro autorizada a funcionar no Brasil
pelo Decreto nº 8.787, de 16 de junho de 1911. Foi dissolvida em consequência do Decreto-Lei nº 4.352, de 1º
de junho de 1942, que aprovou os Acordos de Washington, transferindo ao governo brasileiro a posse das minas
do município de Itabira do Mato Dentro, hoje Itabira (MG).
101
Localizado na região central do Estado de Minas Gerais, o Quadrilátero Ferrífero compreende uma área de
aproximadamente 7.200 km2, sendo considerado como uma das mais importantes regiões minerais do país.
163
economia mista e chamada apenas de Vale, foi criada com a finalidade expressa de extrair e
de exportar o minério itabirano para suprir a indústria da guerra, segundo José Miguel Wisnik
(2018), em sua recente obra que entrelaça Drummond e a mineração. No seu segundo governo
(1951-1954), Vargas também fundou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE), hoje acrescido da palavra Social, com a sigla BNDES, cujos investimentos são
fortes impulsionadores do setor extrativo mineral até hoje.
Várias controvérsias ainda existem em torno dos dois mandatos de Getúlio
Vargas, uma vez que dentro de seu próprio governo existiam posições político-ideológicas
díspares entre proteger ideias nacionalista ou expandir e seguir rumos do imperialismo
estadunidense. Durante a segunda Guerra Mundial, o ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra,
sucessor de Vargas na presidência, entre outras importantes figuras, queria apoiar o eixo
Roma-Berlim. Do lado oposto ficaram o próprio Vargas e o ministro das Relações Exteriores,
o chanceler Osvaldo Aranha, cuja decisão final ficou de combater ao nazi-fascismo na
Europa. Receberam forte apoio dos comunistas e assim foi criada a Força Expedicionária
Brasileira (FEB), cuja vitória trouxe mais popularidade ao presidente. Alternou entre
momentos que cedeu aos setores das Forças Armadas, porta-vozes dos interesses militares
estadunidenses, mas também enfrentou o imperialismo, criando uma lei de remessa de lucros
para obrigar as empresas estrangeiras a investir no País.
Críticas sobre o regime de acessão (1891-1934), segundo Daniel Sarmento (1976),
revelaram certa estagnação da indústria no País, comparativamente ao período imperial. Para
esse autor, “a razão do retrocesso constatado na mineração brasileira estava na vinculação do
solo à propriedade das jazidas nele encravadas, ficando ambas propriedades – a mineral e a
superficial – pertencendo ao proprietário do solo” (SARMENTO, 1976, p. 357). O autor ainda
complementa, reafirmando a crítica de que o proprietário do solo não explora o mineral, pois
não consegue fazê-lo, e acaba não permitindo que o um terceiro explore, atravancando o setor.
Sobre essa crítica, o que se pode dizer, minimamente, é que esta crise não teria
apenas um e exclusivo motivo, sendo que a minoria da população brasileira tinha seus títulos
de propriedades formalmente cadastrados. Muitos que possuíam vastas terras, certamente,
teriam recursos para empreitadas mineralógicas. Soma-se a esse fator períodos de crise
internacional e redução dos fluxos de capital externo, mesmo que ainda embrionário no País.
Desde o início da segunda fase republicana (1934) até os dias atuais, nenhuma
jazida ou mina pertenceu a um determinado proprietário superficial. O regime instituído foi o
“res nullius”, ou “coisa de ninguém”. Na verdade, essas riquezas passaram a pertencer ao
164
Estado, sendo possível explorá-las legalmente quem obtiver as Concessões Públicas ou as que
possuíam atividades em andamento a partir de uma data estipulada. A nova Constituição
(1934) distinguiu as propriedades do solo e do subsolo, sepultando o regime da acessão. O
Código de Minas de 1934 (art.4º) define que a Jazida é bem imóvel, tida como coisa distinta e
não integrante do solo ou subsolo em que está encravada. Legislação a parte, isso vai na
contramão da própria constituição dos elementos materiais solo e subsolo, uma vez que, do
ponto de vista pedológico, na formação da terra, um depende automaticamente do outro e
vice-versa, são inseparáveis. A jazida, ao ser explorada se torna um “território móvel”, pois
será retirada do seu lugar de constituição e, por meio de seus fluxos externos, será
transportada para outras terras e territórios.
Na nova modalidade foram inseridas restrições à participação de estrangeiros na
exploração mineral e foram ressalvadas ao proprietário a preferência na exploração ou
participação nos lucros. A Constituição de 1934 previa, no artigo 119, parágrafo 4º, que uma
lei iria regular a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d'água ou
outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou
militar do País. Nesse mesmo período também se registra a criação do Departamento
Nacional da Produção Mineral (DNPM), órgão responsável pela pesquisa e fomento do setor
mineral que irá ser transformado apenas em 2017.
Uma nova ordem constitucional, em 1940, decretou a cobrança de um imposto
único sobre os minerais e, em 1946, findada a Segunda Guerra Mundial, são revogadas as leis
ordinárias que continham restrições a participação do capital estrangeiro na exploração
mineral em território nacional. Ainda mantiveram a prioridade do proprietário das terras para
explorar os recursos minerais, mesmo solo e subsolo sendo considerados elementos
diferentes. Foi uma solução conciliatória, mas que deixou claro que na ausência desse
empreendimento, o dono da superfície não poderia reclamar qualquer compensação posterior
frente à atividade mineral. Esse direito prioritário foi extinto apenas com a Carta de 1967, mas
respaldado com valores a serem pagos caso existissem extração de terceiros. Repete-se a
afirmação de que o fato de uma minoria possuir títulos de propriedades das terras, os
privilegiados e resguardados por toda a legislação permaneceriam os mesmos.
Na década de 1960, ocorre a criação do Ministério de Minas e Energia e o DNPM
é incorporado a esta pasta. Em abril de 1964, em meio a algumas ações anteriores do
Presidente progressista, João Goulart, acontece mais um golpe de Estado militar, com amplo
apoio de parte da sociedade brasileira, incluindo a classe média, setores conservadores da
165
102
Lei Estadual de nº 3.093, de 18 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto de nº 23.354, de 09 de
fevereiro de 1973 e Lei nº 12.825, de 04 de julho de 2013, e complementada pela Lei Estadual de nº 3.282, de 1º
de julho de 1974.
167
descreve alguns exemplos no Brasil que demonstram que “tem sido recorrente a defesa,
dentro do próprio Estado, da prioridade da mineração frente a outras atividades, mesmo
aquelas que também devem ser exercidas, segundo a Constituição, em prol do interesse
nacional, como é o caso da reforma agrária”. O que definem os critérios de escolha do Estado
sobre qual setor irá ser beneficiado neste impasse de interesse nacional? A sobreposição dos
interesses do capital financeiro e agro-minero-industrial explicaria, em parte, essas escolhas
que priorizam as atividades extrativas sobre outros modos de produção social dos territórios
(MALERBA, 2014).
A Constituição Federal vigente, de 1988, veio novamente estabelecer no art. 176
que as jazidas e os demais recursos minerais constituem propriedade distinta do solo, para
efeito de exploração ou de aproveitamento e pertencem à União, a qual pode conceder, no
interesse nacional (§1, art 176), o direito de pesquisa e de explotação, garantido ao
concessionário a propriedade do produto da lavra e ao proprietário do solo a participação no
seu resultado. Extinguiu-se o IUM e instituiu-se o pagamento de uma Compensação
Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), surge a ideia do royalty para
mineração, estendendo uma participação financeira aos estados e municípios “produtores”.
Também foram estendidos a esses novos entes governamentais, de escalas inferiores, a
competência comum para registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios. Descentraliza-se em
parte o setor, porém com recursos e capacidade técnicas incompletas ou insuficientes para as
novas ações e finalidades propostas.
É neste momento constitucional que surgem os primeiros princípios de debates
ambientais mais aprofundados dentro da mineração. Transcorridos séculos de atividade
mineral, apenas em 1988 que se inicia algo concreto na legislação brasileira sobre o meio
ambiente nessa atividade extrativista. O setor já era reconhecido por atuar com ações
agressivas ao meio ambiente, com alto potencial poluidor, exigindo assim, algumas
responsabilidades ambientais mais sérias como os Estudos de Impacto Ambiental e o de
Recuperação ambiental (EIA/RIMA). Tudo isso veio a reboque de importantes eventos
internacionais sobre meio ambiente nas duas últimas décadas, lembrando que essa
preocupação ambiental é muito recente não somente na história brasileira, mas mundial. É,
também, a primeira vez em que se estabelecem prazos para a realização da pesquisa mineral e
para a própria lavra, embora essa última seja facilmente renovada ad aeternum.
168
103
Sete pontos para entender a MP dos royalties da mineração e o que está em jogo, 2017. Disponível em:
http://www.inesc.org.br/artigos/sete-pontos-para-entender-a-mp-789-e-o-que-esta-em-jogo
169
104
Quiz da mineração no brasil: 12 de jan de 2016: https://www.youtube.com/watch?v=9-7bolk9ecq
170
105
A CFEM é também conhecida como royalties, termo mais comumente presente nas mídias. Mais detalhes
sobre a CFEM, ver portal do DNPM: http://www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=60
171
mesmo rito de apenas reforçar os elementos autoritários e voltados para a expansão sem
controle da atividade mineradora no país.
Questões ambientais quanto ao fechamento das minas (decreto 9.406/2018) são
facilmente desmontadas por pesquisadores como Bruno Milanez (2018) e pelo Comité
Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração desde 2013, que já sugeriram
inclusive alocações financeiras das empresas para esse fim ou mesmo a contratação de
seguros nos casos de barragens. O que fora recentemente implantado na legislação é apenas
um falso aprimoramento do controle ambiental, ou mais uma face do verniz ambiental já
citado.
Sobre a nova repartição do recurso da CFEM, nenhuma grande modificação
quanto aos valores ainda irrisórios pagos pelas mineradoras. O Brasil continua a ser um dos
países que menos paga pela compensação mineral. Uma questão reformulada foi a
participação de municípios não produtores, mas que convivem com os dilemas no
beneficiamento, transporte e exportação da commodity, antes não atendidos com nenhum
recurso. Logo, o que se tem de modificação é uma maior repartição dos recursos, que já eram
escassos, para outros entes governamentais que antes não participavam dessa distribuição. Os
municípios que não recebiam já pleiteavam essa justa demanda, porém, provavelmente,
ocorrerá a pulverização de um recurso que já era baixo.
Outra questão muito polêmica e analisada por Milanez (2018) como um dos
maiores retrocessos, refere-se ao fato da recém transferência de “declaração de utilidade
pública” para a Agência Nacional de Mineração, o que antes cabia aos órgãos do poder
executivo (federal, estadual e municipal). O pesquisador faz a ressalva: por mais que entes
públicos, na maioria das vezes, optem por beneficiar as empresas e as atividades mineradoras,
ainda existem possibilidades de entidades e ou grupos de pessoas contrárias a essa declaração
poderem se manifestar. O que não passa a existir na nova proposta, podendo potencializar
novos conflitos territoriais decorrentes de novos processos de desapropriações, sem o mínimo
de diálogo. Anteriormente, os trâmites corriam como uma “queda de braço” já desigual.
Agora, o Decreto 9.406/2018, art. 41, normatizada e garante a hegemonia. Concorda-se com
essas críticas, uma vez que o Decreto diminui o escopo de participação popular, logo, menos
soberania para a sociedade brasileira.
Os valores de multas irrisórias devido a problemas causados ao meio ambiente e
às populações ao redor da atividade mineral; as brechas para retorno do debate sobre a
extração mineral na Reserva Nacional do Cobre e Associados (RENCA), localizada na
172
Amazônia; bem como a manutenção do PMDB ainda na chancela da indicação dos novos
diretores da Agência Nacional de Mineração são algumas das questões postas sem nenhum
diálogo com a sociedade (MILANEZ; COELHO; WANDERLEY, 2018).
Esse é o resumo do atual cenário do arcabouço jurídico legal do setor extrativista
mineral brasileiro no ano de 2018. A população e o real interesse nacional são deixados de
lado, sem amplo debate, sem respaldo civil, sem transparência ética e moral, beneficiando
empresas mineradoras nacionais e estrangeiras, bem como o capital financeiro internacional
que busca os fartos recursos minerais e a força de trabalho barata no País, deixando os
territórios terra-abrigo cada vez mais vulneráveis e em segundo plano. Isso vai na contramão
da soberania popular, debate urgente, porém ainda inexpressivo na sociedade brasileira.
106
Somente na Bahia totalizam-se, aproximadamente, 19.000 processos minerários (DNPM, 2018).
173
ecossistemas para a produção mercantil, numa equação determinante na escolha dos locais
onde se instalarão grandes projetos” (PACHECO, FAUSTINO, 2013, p. 94)107.
As populações tradicionais mais envolvidas nos conflitos territoriais brasileiros
são os povos indígenas, os agricultores familiares, os grupos quilombolas, bem como
pescadores artesanais e ribeirinhos. Fazendo uma correlação entre o número de conflitos por
populações e seu principal causador chegou-se a um total de 397 grupos sociais atingidos no
Brasil, sendo que pela mineração, pelo garimpo e pela siderurgia registra-se um total de 48
grupos, a saber: 14 povos indígenas, 8 grupos quilombolas; 9 grupos de pescadores artesanais
e 17 grupos de moradores de locais inóspitos. Estes representam 17% dos conflitos ambientais
brasileiros e estão no topo da lista entre as atividades geradoras de conflitos, ficando atrás
apenas das atividades ligadas ao agronegócio com plantio de monocultores, uma herança
histórica da colonização (PACHECO; FAUSTINO, 2013, p.94).
Na contemporaneidade, as empresas multinacionais, estrategicamente, realizam
uma grande diversificação nas suas atuações econômicas e atingem diferentes fatias de
mercado. As empresas que lidam com atividades minerárias ou o beneficiamento dos minérios
também seguem essa tendência, o que pode ser considerado um entrave nas possibilidades de
análise nas pesquisas, “na medida em que [...] diversificam seus interesses, suas ações se
espraiam por campos, às vezes, totalmente diferentes daqueles a que estava ligada a atividade
que as originou” (PACHECO, FAUSTINO, 2013, p. 95). Um dos exemplos no setor
minerário é o da Empresa Votorantin, na qual o Mapa revela 17 conflitos e em cada um deles
um diferente setor da empresa está envolvido, revelando uma múltipla “personalidade”
dedicada a diferentes setores econômicos: monocultura do eucalipto, mineração, siderurgia,
metalurgia, geração de energia, produção e distribuição de sucos e até banco (PACHECO,
FAUSTINO, 2013). A megaempresa é fruto da criação do engenheiro brasileiro José Ermírio
de Moraes, listado em vários rankings como um dos mais ricos do País. A empresa centenária
possui uma abrangência geográfica muito extensa dentro do Brasil, presente em quase todos
os estados, figurando ainda em outros 19 países em todos os continentes. Diversas denúncias
de conflitos ambientais estão listadas nas ações desta multinacional que segue incólume frente
a tanta violência praticada onde atua territorialmente.
Mediante os volumes de ferro extraídos no estado do Pará e de Minas Gerais,
esses dois estados da União são os líderes em número de conflitos, relacionados a mineração,
107
Os organizadores do Mapa de Injustiças Ambientais fazem uma correlação desses conflitos com a prática do
racismo ambiental no Brasil (PORTO, PACHECO, LEROY, 2013).
175
108
Ocorrências de rompimento registradas em Minas Gerais (MG): 1986 em Itabirito; 2001 em Nova Lima; 2006
e 2007 em Miraí; 2008 em Congonhas e Itabira; 2014 novamente em Itabirito; e 2015 em Mariana (SANTOS;
WANDERLEY, 2016, p.90). Brumadinho, em janeiro de 2019.
176
109
Um dique de partida é construído inicialmente e a barragem passa por alteamentos ao longo de sua vida útil,
podendo ser construídas com material compactado proveniente de áreas de empréstimo, ou com o próprio rejeito,
através de três métodos: Montante, Jusante ou Linha de Centro; O método de montante é um dos mais antigos,
simples e econômico na construção de barragens. A curto prazo apresenta um baixo controle construtivo,
tornando-se crítico principalmente em relação à segurança.
110
Grupo canadense com presença na América do Sul (Brasil e Chile), América do Norte (Estados Unidos e
Canadá), África (Gana e Mauritânia) e Eurásia (Rússia).
111
Disponível em: http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/noticias/paracatu-o-maior-envenenamento-em-
massa-do-brasil/
177
112
Atingidos pelo empreendimento Minas-Rio; Articulação da Bacia do Santo Antônio – Conceição do Mato
Dentro.
113
A referência é ao empresário Eike Batista, cuja herança do pai a frente da direção e com negócios na Vale do
Rio Doce o transformaram em um dos homens mais ricos do Brasil, hoje preso e respondendo a diversos
processos judiciais.
114
Ver em: http://reporterbrasil.org.br/2014/05/fiscalizacao-volta-a-flagrar-escravidao-em-megaobra-da-anglo-
american/
179
115
Reportagem (2017): À sombra do aço: primeiro vieram as usinas, depois as cidades. Disponível em:
http://violacoesnasiderurgia.pacs.org.br/a-sombra-do-aco-primeiro-vieram-as-usinas-depois-as-cidades/
181
registrada em seu gasómetro, com mais de 30 feridos e com um tremor de terra semelhante à
de um terremoto.
No Espírito Santo, a pesquisadora Cristiana Losekann, pertencente ao Núcleo de
Estudos Organon, da UFES, acompanha a lamentável situação do Rio Doce do lado capixaba
e a sua foz em Regência, que atingiu centenas de pescadores e comunidades ribeirinhas 116. O
governo estadual se vangloria de ser o maior polo brasileiro de escoamento de minério de
ferro em quantidade de exportação em pelotas, que é realizado via Porto de Tubarão. A
estrutura conta com uma usina de pelotização da Samarco e uma parte da produção de
celulose, pertencente a Arcelor Mital. No Estado registra-se, em média, um porto a cada 30
km de sua costa litorânea. Ferrovias e mineroduto estão ligados a esses grandes
empreendimentos que servem para escoamento do mineral extraído no Brasil. A pesquisadora
lembrou da “CPI do Pó Preto”, realizada em 2015, na qual aponta diversas questões bem
sérias relacionadas a saúde da população da grande Vitória, com mais de 23 recomendações
urgentes a serem verificadas e monitoradas mediante comprovações da catástrofe117.
No Pará, outro estado entre os líderes em extração mineral nacional, as questões
negativas relacionadas a mineração estão em várias partes. Em Parauapebas, considerado o
maior complexo minerário do mundo, e no trajeto da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que
chega até o litoral do Maranhão, os diversos conflitos tendem a ser direcionados aos grupos
de baixa renda e às minorias étnicas, conforme registros de campo do pesquisador Tádzio
Coelho e das lideranças do Movimento Nacional pela Soberania Popular na Mineração,
Charles Trocate e Márcio Zonta (2015). Embora se tenha registro de crescimento da
arrecadação financeira municipal (R$1,3 bilhão em 2014), os valores acrescidos não foram
suficientes ou mesmo destinados na aplicação de políticas públicas sociais mais básicas.
Destaca-se, por exemplo, que apenas 8% da população possui rede de esgotamento sanitário.
Uma relativa criação de empregos e a expansão do mercado de bens e de serviços locais são
visíveis, mas contrastados com o aumento da concentração de renda, gastos exorbitantes na
criação e na manutenção da infraestrutura local, baixos valores de CFEM, depressão do valor
dos imóveis adjacentes aos territórios extrativos e a perda da chance de investimentos que
incentivam outras atividades econômicas locais, uma vez que a população local aumentou
400% em dez anos (COELHO, 2015).
116
(GESTA, 2015) evento na UFMG.
117
CPI do Pó Preto Disponível em:
http://www.al.es.gov.br/appdata/anexos_internet/downloads/Relat%C3%B3rio%20Final%20da%20CPI%20do%
20P%C3%B3%20Preto%20-%20Ales%20-%20Outubro%20de%202015.pdf
182
118
Os países sacrificam seus trabalhadores em seu bem-estar para conquistar mercados de seus vizinhos
(SANDRONI, 2005, apud COELHO, 2013).
119
S11D é o novo projeto da Vale. SA, na Floresta Nacional de Carajás, cujos investimentos de U$$16 bilhões fará a
produção de minério de ferro ultrapassar o dobro da atual, com projeções estimadas em 230 milhões de toneladas métricas.
Além da nova área de mina, existe todo um complexo nesta cadeia que passa pela construção da Rodovia do município de
Canaã dos Carajás, construção do novo ramal ferroviário Sudeste do Pará, duplicação de parte da ferrovia já existente entre o
Pará e o Maranhão, construção de inúmeros viadutos e pontes, além da ampliação do Terminal Portuário de Ponta da Madeira
no maranhão. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os acidentes na ferrovia entre os anos
de 2006 e 2010 chegaram a 218 com 42 mortes e 19 lesões graves. Disponível em
http://www.vale.com/brasil/PT/initiatives/innovation/s11d/Paginas/default.aspx acessado em 18/12/2015.
183
pequeno porte potencial de impacto não necessitam de EIA/RIMA 120. Uma ferrovia deste
porte, atravessando dois estados, dezenas de municípios e centenas de povoados pode mesmo
ser caracterizada como pequeno porte? Associando o fator extremante relevante que o Brasil é
signatário da Convenção 169 da OIT, cuja aplicabilidade é imediata e cabe, em
empreendimentos desta natureza, uma consulta livre, prévia e informada junto às
comunidades que irão sofrer as consequências do empreendimento, o que não aconteceu
durante o processo da duplicação.
A referida ação civil pública obteve êxito por 40 dias com a suspensão das obras e
dos licenciamentos em andamento. Depois que a ação caiu, mediante uma suspensão liminar
que teve como estratégias jurídicas até o respaldo do empréstimo financeiro concedido pelo
BNDES, como suposta evidência do interesse público prejudicado com a paralisação das
obras, o empreendimento seguiu seu ritmo de duplicação normal. Ficou registrado para os
movimentos sociais diversos ganhos nesse embate, por mais que tenham sido derrotados e
interpelados pela ferrovia que seguiu sua duplicação. As comunidades conseguiram se
manifestar perante o Estado como declaradamente vítimas do modelo hegemônico desse
mesmo Estado, “o que provocou também as instituições do Direito a não absolutizar a lógica
imediatista da garantia de supostos “interesses públicos” de matriz econômica ou política”
(MONTEIRO; CHAMMAS, 2015, p.36).
Outros dois grandes projetos de bauxita estão também localizados no Pará. O da
empresa Mineração Rio do Norte (MRN), cujas atividades se situam no município de
Oriximiná, desde 1976 e o Projeto Juruti da ALCOA (Aluminum Company of America),
instalado por volta de 2008, no município de Juruti. Ambos empreendimentos minerários
estão localizados na região do Baixo Amazonas e são decorrentes de planejamentos público e
privado em períodos de conjunturas políticas e econômicas bem distintas (WANDERLEY,
2011).
O pesquisador e professor Luís Wanderley (2011) debruçou-se sobre a região e os
diversos movimentos quilombolas em Oriximiná, que vivenciam conflito deflagrado pelas
mineradoras e suas políticas territoriais para a região, principalmente, por perdas territoriais e
de acesso a recursos naturais. Os conflitos deflagrados envolvem uma série de situações que
extrapolam o embate apenas com as mineradoras. São diversas as instituições e sujeitos com
interesses e planejamentos distintos para o mesmo espaço geográfico. Uma conjuntura de
reordenamento espacial, campo de poder, conflito territorial e desequilíbrio ambiental,
120
Conforme CONAMA 349/2004.
184
composta por povos previamente estabelecidos que reivindicam, por meio de organizações da
sociedade civil, seus direitos territoriais-ambientais e étnicos. Em outra esfera, as grandes
corporações nacionais, transnacionais ou joint-venture que visam à reprodução do capital pela
extração mineral. Existem também os “proprietários” de terras ou grileiros, munidos de
documentações que “comprovam” a titularidade da terra e o direito a indenização ou
royalties. Além da atuação do Estado, com suas políticas territoriais repletas de ambiguidades
e de interesses políticos, econômicos e ideológicos, outras corporações capitalistas
intencionadas em faturar com o planejamento regional financiado pelo Estado, incluindo as
empresas de energia. Listam-se, por último, as Igrejas Católicas e Evangélicas; as ONGs e os
pesquisadores das Universidades, que subsidiam cientificamente os discursos e organizam
ações e projetos em ambos os lados do conflito.
As dimensões dos conflitos que envolvem o estado do Pará são diversas. As
calamidades dos garimpeiros foram eternizadas nas fotografias registradas por Sebastião
Salgado, em Serra Pelada, onde um contingente de quase 50 mil pessoas tornaram-se escravos
do sonho de enriquecimento rápido, mas na verdade são camponeses empobrecidos e que não
possuem terras para cultivar, num país onde há imensas propriedades fundiárias privadas
improdutivas (SALGADO, 2000). Charles Trocate (2015), liderança do MST no Pará, faz
uma indagação de como é possível explicar um estado tão rico em bens naturais ser tão pobre.
A mineração é uma dádiva ou riqueza? “A Vale é um Estado econômico. O PIB da Vale é
sete vezes o PIB do Pará, sequestrando prefeitos, vereadores, senadores, deputados. É o
Estado econômico sequestrando o Estado” (TROCATE, 2015 apud PIDNER, 2017, p.214).
Muitos dos trabalhadores que foram mortos ou estavam presentes no dia do Massacre de
Carajás eram provenientes do garimpo do ouro em Serra Pelada.
Em 2018, registrou-se um transbordamento devido ao rompimento de bacias de
deposição de resíduos sólidos do processo de beneficiamento de bauxita da empresa Hydro
ALUNORTE, localizada na Cidade de Barcarena, também no Pará. A lama invadiu as casas,
os igarapés e as roças de comunidades tradicionais que vivem ao redor. A Nota Técnica do
Instituto Evandro Chagas registrou alta alcalinidade desse efluente não tratado, com registros
muito acima do permitido pela resolução CONAMA 430, de 2011121. Além deste fato
bastante grave, foi observada uma tubulação clandestina de lançamento destes efluentes não
tratados, diretamente, para a natureza. A nota sugere a imediata disponibilidade de água
potável para todas as residências, uma vez que várias casas utilizavam água de poço, a
121
SAMAM-IEC 002/2018 - Ananindeua, Estado do Pará, 20/02/2018.
185
preparação de um plano de emergência para avaliações mais apuradas das condições das
águas superficiais e subterrâneas, além de planejamentos em conjunto com a órgãos públicos
locais.
Sobre o estado do Maranhão, a pesquisadora Edna Castro (UFPA) debate a ampla
gama de assuntos que envolvem a mineração e trazem diversos conflitos nos territórios
(GESTA, 2015). Destacam-se a dimensão da terra, a questão agrária e sua imensa
desigualdade com cultivos de monoculturas, desmatamentos, construções de hidrelétricas e
ferrovias. Todo esse contexto força os deslocamentos compulsórios de moradores, que são
submetidos a trabalhos análogos a escravidão, com violação de direitos perante as
comunidades tradicionais. Edna destaca que as Ciências Humanas recebem dura crítica e são
estigmatizadas de tendenciosas, pois sempre vão falar de conflitos, seja de que magnitude
forem. Porém apresenta uma defesa importante: a função da ciência é pesquisar sobre a
realidade, descrever e analisar o que está ocorrendo nesses territórios, esclarecendo as
disputas desiguais e as lutas por espaço-território.
A professora Andréa Zhouri (GESTA, 2015) seguiu essa mesma linha de
pensamento de Edna Castro, quando Procuradores do Ministério Público a convidaram a fazer
uma fala sobre os conflitos ambientais no estado de Minas Gerais. Informou que faria uma
fala radical e realista, não no sentido de extremista, mas de ir a raiz do problema. Para a
pesquisadora, o uso da violência é a forma viabilizadora dos grandes projetos, não é um efeito
de seus desdobramentos. Violência simbólica, física e psicológica estão presentes na maioria
dos casos no Brasil.
Segundo a professora Zhouri, o Núcleo de Conflitos Ambientais (NUCAM), fruto
da parceria do Ministério Público de Minas Gerais junto ao Banco Mundial, reconhece as
dimensões dos conflitos. No entanto, a lógica da negociação é uma “mesa” que não busca, de
fato, superar os conflitos ouvindo as vozes das populações atingidas. Na prática, o diálogo é
ilusório, pois “a mesa não é redonda, mas em forma de uma pirâmide, com suas devidas
hierarquias estabelecidas”. O principal objetivo desta “mesa” é chegar ao “SIM”, para as
empresas e seus empreendimentos, sendo, portanto, um lugar da mediação e posterior
aceitação, ou seja, onde se passa o verniz.
No estado do Amapá, município de Serra do Navio, onde uma exploração de
minério de torianita, cuja composição é radioativa, e, portanto, perigosa do ponto de vista
ambiental e de saúde é realizada, sem fiscalização, por particulares e contrabandistas, mesmo
186
essa atividade sendo de monopólio estatal, desde a criação das Indústrias Nucleares
Brasileiras (INB) (PACHECO, PORTO, ROCHA, 2013).
O professor e pesquisador Ricardo Júnior Gonçalves, da Universidade Federal de
Goiás, constatou que a mineração esteve presente na formação social e econômica em
distintos períodos da história do estado e perpetua-se na expansão geográfica do capitalismo
em seu território atualmente. Contribuiu com relatos de campo e pesquisas sobre os
municípios como Catalão e Ouvidor, onde “serra virou buraco e baixada virou morro”, na
qual as paisagens foram drasticamente modificadas pela ação extrativista-mineral. Goiás é
hoje um forte estado minerador brasileiro, mas sua inserção primária na divisão nacional e
internacional do trabalho na produção de commodities agrominerais tem causado a destruição
do Cerrado e dos territoriais dos povos do campo. O agronegócio é um dos carros chefes do
PIB estadual, mas a atividade extrativa-mineral gerou e ainda gera grandes empreendimentos
com efeitos espaciais de caráter deletério do ambiente e da força de trabalho, reforça o
pesquisador (GONÇALVES, 2016).
No Mato Grosso, um depósito de fósforo e ferro na cidade de Mirassol D’Oeste
foi anunciado na mídia local como uma espécie de “novo pré-sal”, promessas alardeadas, mas
que nunca se mostraram verdadeiras em estudos posteriores (PAULA, BECKER,
MARTINIANO, 2017). Mais de 330 famílias do Assentamento Roseli Nunes já vivenciam o
conflito com concessão de lavra desde território. Há quase 10 anos ocorrem as tramitações
para colocar o território extrativo em funcionamento, com previsão de ser iniciado até 2020.
O empreendimento envolve grandes grupos financeiros e o grande temor é a retirada dos
assentados do seu local de produção e vivência já estabelecida.
Direcionando-nos para a região Nordeste, o Cerrado e a Caatinga são domínios
morfoclimáticos que sofrem com a expansão das atividades agropecuárias modernizantes,
como a produção de energias (hidrelétricas, eólicas e pequenas centrais de energia), o
crescimento das várias monoculturas como as do eucalipto e da soja, projetos de irrigação
associados à polêmica transposição do Rio São Francisco, além de projetos de mineração e de
infraestrutura que interligam e acompanham esses grandes empreendimentos122. Já as partes
litorâneas desta região são envolvidas pelos projetos portuários, estaleiros, a carcinicultura,
além de projetos voltados para o setor do turismo de forma geral – condomínios, resorts, etc.
(PACHECO, PORTO, ROCHA, 2013). Portanto, os conflitos territoriais ligados à atividade
122
Essa é uma classificação geográfica para os domínios da natureza no Brasil, antes do avanço do
desmatamento, elaborado pelo geógrafo Aziz Ab´Saber (2003).
187
minerária não costumam estar isolados, já que estão englobados por um processo maior que é
capitalista-modernizador dos espaços.
Na Paraíba, a exploração mineral na microrregião do Litoral Sul está avançando
sobre uma região que contém 26 projetos de assentamentos que estão, praticamente,
sobrepostos por títulos minerários, “territórios abrigo” que assentam cerca de 1.872 famílias.
Alguns dos grandes empreendimentos minerários, localizados na região sitiada à Província
Geológica Fosfática Carbonática, onde encontra-se uma grande reserva de fosfato e calcário,
minerais estratégicos para a indústria de cimento e de fertilizantes, já vem ocasionando
conflitos territoriais no campo e uma iminência de desestruturação dos assentamentos
presentes (LOURENÇO, 2017). A diminuição do nível de água dos rios, o surgimento de
voçorocas decorrentes de intensos processos erosivos, a intensa poluição sonora devido ao uso
de explosivos para a extração do calcário prejudica o cultivo de lavouras dentro dos
assentamentos, e também estão abalando as estruturas das casas.
Apenas pontuando alguns outros conflitos temos: garimpo ilegal de diamantes na
Terra Indígena Raposa Serra do Sol; além de extração de ouro nas terras dos Yanomamis que
comprometem a sua soberania, ambos os casos em Roraima; outro garimpo irregular de ouro
é encontrado no Pará, na Terra do Meio, que envolvem diversas questões ambientais; em
Rondônia, há denúncias na implantação de um futuro território mineral na extração de cobre,
com perdas e comprometimento de sítios arqueológicos de valor histórico elevado; no
Amazonas, tem-se garimpos ilegais de ouro em terras indígenas dos Kaiapó e também no
Vale do Javari; no Maranhão, o ouro também ameaça a Terra Indígena Alto Tiriuçu; a
exploração de Níquel no Pará coloca as condições dos territórios das comunidades
tradicionais em alerta no sudeste do estado.
Esses são alguns dos cenários observados neste modo de operação das empresas
extrativa-mineral que atuam no Brasil, alicerçadas pelo poder público. Histórias diversas de
mortes, de invalidez, de depressão, de alcoolismo, de doenças, de assédio moral é parte da
realidade encontrada nos principais centros mineradores do país como Minas Gerais, Para,
Goiás, São Paulo e Bahia.
188
Uma geografia da mineração na Bahia, como aqui proposta, tem como ponto de
partida as primeiras incursões coloniais pelas serras de Jacobina (1570), entre várias outras
que se seguiram nessa tarefa de encontrar os metais preciosos. A resistência indígena foi
muito grande, mas é menos relatada historicamente. No entanto, a bravura dos índios Payayás
foi descrita como forte barreira para se adentrar ao sertão e várias expedições foram arrasadas
pelos nativos. As esperadas minas de prata, que na verdade eram de ouro, foram anunciadas
oficialmente na Bahia apenas em 1701, colocando Jacobina como uma das mais importantes
vilas mineiras do Brasil ao longo de todo século XVIII (CARVALHO, 2017). Minas Gerais,
alguns anos antes, já havia anunciado e começado sua exploração.
A Bahia, desde Salvador, passando por Cachoeira e seguindo o Rio Paraguaçu em
direção ao Rio São Francisco serviu de entrepostos e rotas para responsáveis pela entrada de
mercadorias para os sertões mineradores. O escoamento do minério também foi feito por
essas rotas, uma vez que a sede do governo-geral da Colônia localizava-se na Bahia. O
adensamento populacional era crescente a cada ano nos sertões baianos das minas, chegando a
ser objeto de preocupações da Coroa, que proibiu a vinda de mais portugueses para o Brasil
(SALES, 1955). Celso Furtado (2001) faz uma comparação populacional entre os períodos de
1600 até o final de 1700 e chega a números que vão de 30 mil para, aproximadamente, 300
mil pessoas neste intervalo. Este contingente permite se ter uma ideia das transformações
ocorridas nesse período da busca pelo ouro, além das primeiras amputações territoriais
ocorridas, uma vez que não existia qualquer preocupação ambiental na época e os massacres
aos indígenas e o trabalho escravo africano era a regra empregada oficialmente. Teodoro
Sampaio (1905) aborda sobre o início destas devastações realizadas por garimpeiros nas
descobertas minerais na Chapada Diamantina e ao longo do Rio São Francisco.
Com o ouro sendo explorado ao longo de 100 anos, seu declínio chegou devido há
vários fatores, entre eles a exploração na África do Sul, as técnicas rudimentares e a não
descoberta de novas aluviões auríferos. Assim, a descoberta de diamantes reavivou certas
regiões brasileiras. Os primeiros descobrimentos na Bahia datam do início da década de 1840
nas cabeceiras do Rio de Contas, na Chapada Diamantina, porém relatos de viajantes alemães
189
– Spix e Martius durante 1817 e 1818 – já descreviam sua natureza francamente diamantífera.
Todos esses fatores fizeram reascender a corrida por pedras preciosas. As primeiras minas
exploradas localizavam-se na porção ocidental e depois na porção oriental no Rio Mucugê,
formando as localidades de Xique-Xique, Andaraí, Lençóis, entre outras, até fechar o círculo
do Morro do Chapéu, na região que tomaria o nome de Chapada Diamantina. “Desentranhar
do subsolo os diamantes cobiçados” (SALES, 1955, p,4) era o objetivo de vida de milhares de
garimpeiros, ainda mais atrás desta pedra indomável e de dureza 10 na escala máxima de
Mohs e de alta combustibilidade. As situações dos garimpeiros eram, e isso perpetua-se em
grande parte na atualidade, de completa ausência de práticas de segurança do trabalho. Sales
(1955) relata que o garimpeiro, talvez, seja o mais desfavorecido de todos os trabalhadores
brasileiros. Seu estado de desproteção é tanto mais melancólico quanto a sua figura. Tem por
base de trabalho a caça do mineral que não é só o símbolo da prosperidade e do sonho, mas
também de tragédias na busca por um suposto enriquecimento fácil.
Os carbonados são variações do diamante e são conhecidos desde a década de
1840, quando começaram a ser lavrados nos depósitos aluvionares da Chapada Diamantina,
na Bahia (LEONARDOS, 1937, apud CHAVES; BRANDÃO, 2004). Nas décadas seguintes,
seu interesse econômico fez com que, por diversas vezes, sua produção significasse 60-70%
de toda a produção brasileira de diamantes. O carbonado foi o grande impulsionador das
lavras diamantinas por volta de 1860, quando as atenções do comércio mundial de pedras
preciosas convergiram em sua direção. Pela primeira vez no mundo foi explorada essa
variação, utilizada especificamente na área industrial e nas produções de armas bélicas em
massa para a Segunda Guerra Mundial, além da abertura e construção do Canal do Panamá.
Chegaram a cunhar o slogan “ganhará a guerra quem tiver mais diamantes” (SALES, 1955).
A “febre” de riqueza gerou uma série de disputas políticas na região. Migrações
em massa eram provenientes tanto do Planalto Central e Rio São Francisco, quanto do
Recôncavo Baiano em direção a Chapada Diamantina. Em períodos de decadência, os
acirramentos e as brigas entre famílias atingiram um nível de violência jamais observado na
região. Povoados foram incendiados, famílias assassinadas e destruídas e a economia
sertaneja foi estraçalhada (NOLASCO, 2002). Os aglomerados urbanos da época, criados
exclusivamente sobre a pujança econômica mineral, vieram abaixo após esse ciclo de
benesses. Hoje são registradas algumas rugosidades nessas paisagens urbanas, como
conceituou Milton Santos (2004). Toda pujança mineral não foi capaz de trazer condições
melhores para os moradores dos vilarejos, que sofreram com a decadência econômica
190
sobre as doenças ligadas ao trabalho, pois é um tabu muito forte, entrando em um campo de
vários conflitos (FIGURA 11)123. Segundo suas experiências no ramo, existe uma tendência
dos empregadores à negligência e há ações para esconder as doenças. Rego presenciou
diversas vezes trabalhadores sendo demitidos e não serem admitidos em outros locais por
causa de doenças. Existem diversos casos, mas são subnotificados. Um dos entraves é que o
problema de saúde pode demorar um longo tempo para aparecer. “Não é hoje que eu me
exponho ao ruído que amanhã eu tenha problema. A não ser que seja ruído de impacto,
rompimento do tímpano, o que caracteriza como acidente de trabalho. Mas ao longo do
tempo, dia a após dia, e às vezes é vista como surdez no envelhecimento e não devido a um
ruído constante. Não é muito fácil fazer esse diagnóstico”, completa o Marco Rego (2017).
Foto: ANTONINO, 2017 - Debate com Belmiro Santos, Claudia D’arede, Elizete Moura, Maria Vanilda da Silva
Nascimento e com o microfone, o professor Marco Antônio Rego (UFBA).
123
Exposição em Roda de debate realizada na UFBA durante exposição de Mariana com o professor e
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho/UFBA, Marco Antônio Rego.
Data 18/10/2017. Estavam presentes também Belmiro Silva dos Santos da Associação Baiana de Expostos ao
Amianto (ABEA) e Cláudia d'Arede – Professora e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde,
Ambiente e Trabalho/UFBA.
192
Destacando mais a mineração e a correlação a saúde, Marco Rego (2017) aponta que o maior
órgão do nosso corpo humano é a pele, embora o pulmão também seja extenso. Esse último é
um dos órgãos que mais sofre com doenças do trabalho. Asma, infecções respiratórias,
tuberculose podem ser doenças ligadas ao trabalho, mas acabam sendo negligenciadas.
A temporalidade dos conflitos levantados nos territórios minerais baianos serão,
principalmente, a mineração tida como moderna, com planejamentos e uma maior
mecanização industrial, que no Brasil se inicia no inicia a partir do século XX. Dados do
DNPM na Bahia indicam cadastramentos de pesquisas minerais desde 1935. A Bahia é um
estado com grande extensão territorial pertencente ao Cráton do São Francisco, região de
aproximadamente 4 bilhões de anos na escala do tempo geológico. É uma região recheada de
saberes geológicos marcados nas rochas durante o tempo, uma das explicações para tanta
“riqueza mineral” que é manifestada em seu território. Por outro lado, também, registrando
conflitos territoriais com a mineração em quase todas as regiões e nos municípios por onde já
foram realizadas esse tipo de atividade extrativista, seu beneficiamento ou por onde passou
sua infraestrutura logística.
A região central do estado, a Chapada Diamantina, região de rochas proterozóicas
que ficou conhecida também como a “Vila Rica da Bahia”, contou com extrações minerais
ainda no período colonial e hoje representa uma forte atuação no ramo, ainda com grande
potencial para futuras jazidas que estão em prospecção e em pesquisa. Esta região conta com
um papel importante no setor de turismo e de preservação ambiental mediante sua morfologia
residual esculpida ao longo de anos de intemperismo, associação a grandes cachoeiras e
grutas. Conta também com altos investimentos do setor mineral e é uma das mais cobiçadas
devido a sua diversificação mineral abundante e sua riqueza em pedras preciosas como ouro,
esmeraldas e outros minerais valiosos.
O centro-norte baiano, também muito requisitado com projetos de grande porte
tanto antigos como atuais, lidera as solicitações de pesquisas e representa uma diversidade
mineral de cobre, cromo, calcário, ouro, diamante, fosfato, entre outros. É uma região com
grande diversidade cultural dos povos e comunidades tradicionais como quilombolas e de
fundo de pasto.
No ponto cardeal oposto, a região centro-sul também possui outras diversificações
minerais e projetos de grande porte como os de níquel, magnesita, urânio e ferro. Todas as
regiões debatidas acima se encontram no semiárido baiano, o que acarreta uma preocupação a
193
124
Conforme já informado, o Geografar iniciou este registro no II Encontro dos Atingidos e Atingidas pela
Mineração, nos dias 24 e 25 de setembro de 2013, Salvador/Bahia. Após este evento, por meio de outras fontes,
foram atualizados os dados e acrescentados novos territórios extrativo-mineral e seus respectivos municípios.
194
Serra, com a exploração do Amianto (FIGURA 12). Casos clássicos já evidenciados na Bahia,
mas que permanecem sem alguma solução devida, carregando essa trágica faceta da operação
espoliatória do setor mineral.
Os conflitos do presente, onde os territórios extrativo-mineral fazem suas
extrações com as devidas Concessões de Lavra emitidas pelo Governo Federal atualmente,
registram diversas situações conflituosas em andamento. Existem mais de 465 territórios
extrativo-mineral em funcionamento na Bahia. Os destaques aqui delineados serão os
municípios de Caetité, Campo Formoso, Campo Alegre dos Lourdes, Jacobina, Jaguarari e
Nordestina, que registram projetos de médio e grande portes que envolvem conflitos
territoriais com diversas populações (FIGURA 13).
Os registros dos futuros territórios extrativos gestados para a extração mineral
também serão destacados. São territórios em maturação, porém já com presença de registros e
denúncias de situações conflituosas no território terra-abrigo. Mesmo antes de se iniciar uma
extração mineral concretamente, o setor chega modificando toda a lógica territorial dos
lugares onde se pretende explorar os minerais. Neste sentido, destacar-se-á a região Centro-
Norte do estado com os dois casos representativos de Curaçá e de Campo Formoso, este
último já com a atividade mineral existente, porém sendo o líder de solicitações de pesquisas
junto a ANM.
Caetité entrará novamente no debate com a futura mina de ferro da Bamim,
mesmo não estando em operação, já causando transtornos. Ainda se soma os casos da ferrovia
Oeste-Leste e um projeto de mineroduto proveniente de Minas Gerais que passa em município
em direção a Ilhéus e o porto Sul, outro grande empreendimento relacionado ao complexo
agrominero exportador. Rapidamente se destacará o caso de Camamu, Baixo Sul baiano e que
possuí casos com diversos povos do campo e as pesquisas minerais em andamento.
Além dos casos especificamente abordados nesta Tese, acrescentam-se os
municípios Andorinhas, Barra do Mendes, Barrocas, Brumado, Cansanção, Cordeiro, Gentil
do Ouro, Irecê, Juazeiro, Lapão, Licínio de Almeida, Maracás, Miguel Calmon, Monte Santo,
Oliveiras dos Brejinhos, Piripá, Rui Barbosa, Simões Filho, Xique-Xique, entre outros, que
compõem essa imensa lista da violência, com amputações e espoliações territoriais (FIGURA
14). Esse breve panorama demonstra o modus operandi dos territórios extrativo-mineral na
Bahia, sobrepondo os territórios-abrigo, lugar de morada e de sobrevivência da população do
campo, dos grupos tradicionais e de populações urbanas, sobretudo nas periferias da cidade.
Os territórios-extrativos contam com forte apoio estatal, suplantado por um modelo de
195
Fonte: GeografAR/2019.
197
Fonte: GeografAR/2019.
198
Fonte: GeografAR/2019.
199
125
Em minicurso sobre Recuperação de Áreas Degradadas (RAD), durante o I Evento de Mineração e Meio
Ambiente da Bahia, promovido pelo NEIM/UFRB, em 2018, o Professor Dr. Carlos Shaefer (UFV), utilizando-
se do desastre-crime de Mariana, apresentou soluções técnicas diversificadas que estão sendo implantadas no
território-lama. Com extremo tecnicismo, parece demonstrar que não importa o dano, a amputação ou toxidade
causada ou quem causou e o motivo. O interesse se mostra, apenas, em tentar fazer com que certa paisagem
revigore e volte a ter, pelo menos, um aspecto visível mais agradável, mesmo que recoberto apenas por “reatores
biológicos”, como braquiária ou mesmo as ditas “florestas” de eucaliptos. Palestrou sobre as RAD dizendo
200
utilizar um “novo paradigma”, cuja restauração do ecossistema deva ser integral, considerando solo, relevo e
sistemas hidrográficos. As populações que vivem ao redor ou que foram removidas, sequer foram citadas nesse
paradigma integral. Durante a exposição, o professor, ainda levantou uma polêmica que segue na mesma linha
das empresas mineradoras e discursos de técnicos do setor, que tratam a questão de forma simplista: “não pode
criticar a mineração se tem celular no bolso”, isso depois de ter defendido que a lama da Samarco (VALE+BHP)
“não tem nada, ela é um nada”, querendo se referir aos níveis de toxidade da mesma (UFBR, 2018, n.p; anotação
de caderneta). Essas declarações se encaixam na crença acrítica de que sempre terá uma solução técnica para
tudo, ignorando que este próprio sistema técnico foi inventado e carrega a sociedade que ele criou com suas
vastas contradições (PORTO-GONÇALVES, 2005).
126 Palestra realizada no Instituto de Geociência (UFBA) sobre “Fechamento de Mina: conceitos, aspectos legais
e Estudos de Casos”, proferida pelo engenheiro David Gallo, servidor do ANM e Doutorado em Geologia pela
mesma universidade. Foi anunciado pelos organizadores do evento, XIII Semana de Geologia da UFBA (2018),
como “o maior especialista” em fechamento de mina, hoje na Bahia, e começou sua abordagem usando o
repetitivo discurso de que “nossa vida depende da mineração e que existe uma complexidade para exploração”.
127
Adaptação de propaganda veiculada por uma emissora de comunicação televisava, na verdade uma concessão
pública brasileira, a Rede Globo de Comunicações, enaltecendo o setor agropecuário nacional do qual também
faz parte. Com músicas e imagens de impacto e sustentabilidade, ao final da produção anunciavam a derradeira e
alienante frase: “o agro é tech; o agro é pop; o agro é tudo”.
201
semelhante sobre aquele estado. Impressiona essa ausência mediante todo um sistema de SIG
e monitoramento já existente. Minas Gerais fez esse levantamento, apontando mais de 400
minas abandonadas ou fechadas de forma irregular (FEAM, 2016)128. Após o crime da
barragem de Mariana, fiscalizações do DNPM se voltaram para segurança de barragens, com
diversos servidores de outros estados realocados para Minas Gerais, temporariamente. A
capacidade de monitorar barragens já é complexa e, diante dos horrores que foram
presenciados durante o tsunami da lama da Samarco até o Oceano Atlântico, foi alegada
prioridade para o então DNPM. Mesmo diante destes discursos, em janeiro de 2019,
registrou-se mais um episódio de lama e centenas morte, agora no município de Brumadinho
e, novamente, uma barragem pertencente a mineradora Vale SA. Com essa complexidade
existente sobre as barragens de rejeitos, a capacidade de monitorar o também elevado número
de minas abandonas que estão catalogadas em Minas Gerais e no restante do País se torna
tarefa impraticável.
O estado da Bahia não tem sequer uma estimativa, não existe uma relação sobre a
situação dos territórios extrativo-mineral que encerraram suas atividades. A ANM não tem
corpo técnico suficiente para realizar essa fiscalização e falta estrutura também. Fazem
algumas fiscalizações apenas por amostragem ou quando existem denúncias sérias. O CREA
também tem sua parcela de responsabilidades nessa questão, porém alega não conseguir
acompanhar, informou o palestrante David Gallo. Evidências claras demonstram que o
SIGMINE serve apenas para abrir novas minas e controlar o domínio do território extrativo-
mineral, desde o início das pesquisas até nas concessões de lavra.
Depois de detectado o fim das reservas da mina, ou um grande problema de
ordem econômico-financeiro ou político, esse território tende a ficar praticamente invisível,
não interessando mais ao poder público, muito menos às empresas responsáveis. Muitas ainda
conseguem negociar com outras empresas esses territórios, ficando mais complexa a
identificação dos reais responsáveis pelo empreendimento. Não monitorar os territórios que já
encerraram suas atividades minerais só nos indicam a probabilidade de ser uma ação
intencional, gestada nesse modelo mineral existente no Brasil.
Outro aspecto importante neste debate são as ações espoliatórias que ficam
registradas para sempre nas vidas de milhares de famílias que vivenciam ainda esses conflitos
128
Levantamento divulgado em janeiro de 2016 pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM). Disponível
em: http://agenciaminas.mg.gov.br/noticia/cadastro-reune-informacoes-sobre-400-minas-abandonadas-e-
paralisadas-no-estado
202
para exposição humana ao minério, que é altamente utilizado em produtos como caixas
d'água, telhas onduladas, tubulações, discos de embreagens, mangueiras e papelões130.
Vários países já baniram a extração e a comercialização dessa substância que, não
à toa, ganhou o apelido de “pó da morte”. Tramitou durante anos no Supremo Tribunal
Federal (STF) uma ação para seu banimento, no ano de 2017 foi batido o martelo e decidido
sua proibição no País. A maior instância judicial brasileira já tinha considerado, antes da
decisão final, de forma muito convicta, que todo tipo de amianto, em função da lesividade ao
ser humano, não se compatibiliza com o que está garantido na Constituição, que é o direito à
saúde e à vida131.
Um lobby pesado é realizado pela indústria da crisotila, que tenta, de todas as
formas, garantir a ideia de uso seguro dessa extração e de seu beneficiamento. Uma indústria
que envolve bilhões de dólares, interesses comerciais internacionais entrelaçados e disputas
científicas, em que concorrentes tentam provar quais pesquisas possuem mais coerência.
Entretanto, os casos claros de mortes, de doenças e de sofrimentos não podem ser varridos
para “debaixo do tapete”, sob a venda de uma imagem de segurança e de uma suposta
desconexão dos problemas graves de saúde gerados com o processo. Essas manobras
desmancham-se, visto que o banimento deste mineral já ocorreu em mais de 70 países, o que
também deve ser considerado para o contexto no Brasil.
Uma ativista referência no assunto, no Brasil e internacionalmente, é a engenheira
civil Fernanda Giannasi132. Como defensora do banimento do amianto, já foi vítima de
calúnias, de processos na justiça e até de ameaças. Sofreu fortes pressões para ser retirada das
fiscalizações à época em que trabalhava como servidora pública. Em evento na OMS, em
2011, o consultor ambiental Barry Castleman (EUA), disse não conhecer país no mundo onde
uma servidora pública sofre esse tipo de pressão. É amplamente sabido que lutar por direitos
humanos, que inclui saúde e proteção da natureza e demarcações de território tradicionais é,
muitas vezes, uma atividade de risco no Brasil. Em entrevista para a revista Radis (2012),
130 Possuem posições semelhantes a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (IARC), a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Instituto Nacional de Saúde
e Pesquisa Médica, o INSERM, da França, além do Instituto Nacional de Saúde Ocupacional (NIOSH-EUA) e,
também, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Brasil.
131
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) seguiu o voto da ministra Rosa Weber, relatora
das ações diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 3406 e 3470 sobre o assunto. Apesar da decisão, após um ano
do julgamento histórico a sua sentença – o chamado “acordão” – ainda não foi publicado.
132
Fernanda Giannasi é auditora-fiscal do trabalho aposentada pelo Ministério do Trabalho e Fundadora
Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do
Amianto na América Latina.
204
Fernanda Giannasi declara: “Bom Jesus da Serra sofreu um dos crimes corporativos mais
predatórios do mundo, perpetrado pela indústria do amianto”133.
Outra pesquisadora da UFBA, Cláudia D’Arede (2009), pesquisou e escreveu
sobre os trabalhadores e sobre as viúvas do amianto do caso de Bom Jesus da Serra 134. Não
havia cuidados específicos para garantir a saúde dos trabalhadores, das crianças, dos
adolescentes e das mulheres que extraíam à mão o amianto das rochas descartadas pela usina.
Muitas das manifestações de doenças começaram a aparecer posteriormente aos trabalhadores
se aposentarem, visto que a latência da doença pode variar por décadas. A vila Bonfim do
Amianto fora criada como extensão da vila operária, para onde foram destinadas moradias
para antigos trabalhadores da mina, filhos e viúvas. Um nome de vila ironicamente
“sugestivo” para a ocasião que envolveu tamanha violência, contando com a falta de noção
sobre o material comercializado e suas consequências 135.
Pedras com a fibra do amianto foram vendidas à população que as utilizaram na
construção de casas, muros e calçadas. Estão presentes nas pavimentações de ruas e praças, e
até no muro das escolas. Toda uma população do município ficou e está sujeita à
contaminação pela fibra, sem que estejam devidamente informados sobre esse risco. É uma
espoliação ainda latente e, embora conhecida, permanece no silêncio do esquecimento,
mesmo sendo drástica com suas vítimas. Marcela Moniz (2010), pesquisadora da Fiocruz,
também alertou que a maioria da população, ao não perceber que está em contato direto com o
amianto em todos os lugares do município e não ter consciência do risco apresentado, o que
torna a situação mais grave. Alguns acreditam que o risco fica restrito às pessoas que residem
próximo à mina ou que trabalharam durante a extração (MONIZ, 2010).
133
http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/31341 (RADIS, 2012).
134
Cláudia D’Arede contribuiu com vários debates em eventos sobre a mineração na Bahia que envolveram suas
pesquisas em Bom Jesus da Serra e Caetité.
135
Um vídeo documentário produzido pelo GeografAR, em 2014, sobre uma situação do Quilombo de
Pescadores do Porto Dom João, em São Francisco do Conde, também foi verificado um fato semelhante. A
Prefeitura e um suposto proprietário de terras desejava desapropriar a comunidade que vive de pesca e marisco,
oferecendo-lhes moradias em um conjunto habitacional urbano, que foi nomeado com o próprio nome do
“algoz”. Algumas famílias fecharam acordos e se mudaram, outras resistiram e ainda permanecem no território
histórico e de direito, depois do processo correr no gabinete da Presidenta Dilma Rusself e receber o Termo de
autorização de uso sustentável (TAUS). Documentário disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LCi8fge_LBI
205
136
Associação criada após o primeiro seminário Amianto na Bahia, Saúde, Trabalho e Meio Ambiente. MPT –
MPE – UFBA - Fundacentro. Vários estudiosos estavam presentes, inclusive internacionais.
207
Vocês precisam saber, eu sei que não são todos que sabem e tem conhecimento, o
amianto não causa mal somente a quem trabalha na fábrica ou a quem trabalhou na
exploração da mina. No nosso caso temos aqui na região sudoeste da Bahia, em
Poções, hoje Bom Jesus da Serra, onde tem uma mina abandonada. Começou a ser
explorada em 1938 e terminou em 1967, mas deixou um passivo ambiental lá
desagradável. Muita gente morrendo, muitos já se foram. E em Poções nós temos
mais de 50 óbitos registrados de ex-trabalhadores e familiares. E a mina está lá
abandonada com rejeito, qualquer um de vocês que chegar no local hoje tem acesso
e encontra a mina a céu aberto. Fui convidado para dar uma pequena contribuição
daquilo que eu conheço e vivenciei. Hoje eu sinto falta ar, mal consigo tomar banho,
eu não posso correr, não posso pedalar bicicleta, subir escada, subo ladeira com
dificuldade. O mal que o amianto me causou, a herança que eu herdei da empresa
Eternit tem me causado mal. Então, eu peço a vocês que, quando tiver um
movimento social, seja qual for o mineral ou substância, os estudantes
principalmente que estão se preparando para medicina, engenharia, quando tomar
conhecimento de algum evento na cidade nativa ou em qualquer caminhada, que
sentem a favor dos trabalhadores, de todos vocês. Todos nós aqui somos expostos
direta e indiretamente ao amianto e outros minerais que causam mal à saúde dos
trabalhadores e do planeta (SANTOS B., 2017, n.p).
137
Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de segurança e medicina do trabalho. A FUNDACENTRO é uma
instituição pública criada em 1966, vinculada ao Ministério do Trabalho, e voltada para o estudo e pesquisa
das condições dos ambientes de trabalho.
208
Belmiro dos Santos também relatou que nos momentos de audiências públicas, a
empresa utiliza a estratégia de paralisar a produção e levar todos os trabalhadores que estão na
ativa para a audiência, sendo usados para contrapor a crítica. Ele analisa a questão e durante
sua fala ele demonstra dificuldades físicas, engasgando com a garganta bastante seca:
Eles estão certos? Eles precisam do trabalho para sobreviver junto a seus familiares
[...] mas nós nos tornamos antipáticos querendo fechar a empresa e causar
desemprego, não somos bem aceitos pelos políticos, vereadores e prefeito, porque
nós pregamos uma coisa e a empresa prega outra. E eles [novos trabalhadores] vão
deixar de acreditar no que a empresa poderosa fala [fez um sinal de dinheiro com a
mãos], ou nos pobres coitados lesionados que não tem condições nem de falar?
(SANTOS B., 2017, n.p).
Após levar seus funcionários para audiência, o entrevistado ainda relata que a
empresa visita cada um dos deputados da Assembleia Legislativa da Bahia, momento que são
convidados a visitar a fábrica e, posteriormente, muitas coisas são engavetadas. “Sabemos que
quem tem o lobby, quem tem dinheiro é muito mais forte (FIGURA 16). Queremos o fim do
amianto no Brasil, na Bahia, indenizações justas paras as famílias expostas ao amianto”
(SANTOS, 2017, n.p).
209
Sr. Belmiro, durante a exposição de Mariana na UFBA em 2017; abaixo na mesa sobre Saúde e Mineração. Ao
lado direito a pesquisadora Claudia D”arede. Fotos: ANTONINO, 2017.
138
O nome Boquira, para os nativos originais, os Tupinaés, um ramo dos tupinambás, significa broto ou fonte
pequena. A região está situada no semiárido, sob o domínio geológico do corredor de deformação do Paramirim
(ALKIMIM; BRITO-NEVES; ALVES, 1993) no qual, dentre outros litotipos, encontram-se rochas pertencentes
à Unidade Boquira, conhecida pelas mineralizações chumbo-zincíferas, conferindo um elevado background
natural na região para estes metais (DALTRO, 2017).
210
139
Bernardino Ramazzini, médico ocupacional que em 1700 escreveu o primeiro tratado sobre
enfermidades profissionais: De morbis artificum diatriba; “Doenças que atacam o trabalhador”. Entre seus
levantamentos, a contaminação do chumbo é citada e relacionada a algumas ocupações.
140 Explorado pela Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), ex-subsidiária da empresa Penarroya Oxide
S.A, do grupo Metaleurop, e atualmente parte do grupo Trevo. Entidades internacionais de promoção dos
direitos humanos, como a Plataforma DhESCA Brasil têm acompanhado o caso, em conjunto com universidades.
141
Totalizando um volume de aproximadamente 6.000.000 toneladas (DNPM, 2006; FILHO, 2018)
211
142
Orientação do professor Dr. José Ângelo Sebastião Araújo dos Anjos, da UFBA.
143
FPI - juntamente com órgãos ambientais e de fiscalização estaduais, federais e Ministério Público do Estado
da Bahia
144
Também provável carcinógeno humano por via oral (classificação B2 (EPA) e grupo 2B (IARC). Pode durar
até 27 anos nos ossos dos seres humanos. Isso é um indicador de intoxicação crônica.
212
substância também ficaram susceptíveis a essa intoxicação crônica. Ademar Spíndola (1975),
médico da própria Companhia Brasileira de Chumbo (COBRAC), apontou que os níveis dos
indicadores urinários dos trabalhadores da fábrica em Santo Amaro estavam
significativamente mais elevados145.
Em Boquira, foram 33 anos de operação desse “território recurso”,
aproximadamente 117 mil toneladas de minério de chumbo, zinco e prata foram extraídas e
depois foi completamente abandonado devido há vários fatores. Além de centenas de
funcionários desempregados e com problemas trabalhistas, maquinários foram deixados para
trás em situações completamente irregulares. As análises da poeira no interior das residências
da área urbana contendo elementos metálicos acima do permitido já foram detectados
(CUNHA et all, 2016, apud DALTRO, 2017). O município inteiro sofreu e sofre com os
horrores do modo de operação desta atividade extrativa mineral. Não bastasse mais
problemas, o lixão municipal está situado sobre parte da bacia de rejeito e se configura como
uma outra possível fonte de contaminação, estando muito próximo a residências sem
esgotamento sanitário e com a presença de atividades agropecuárias ao redor.
O pesquisador Rafael Daltro (2017) atribui algumas questões sobre os altos
índices de metais pesado diretamente correlacionados a uma explicação da questão natural do
ambiente de Boquira. Com alguns dados e resultados divulgados, procura demonstrar que a
contaminação não é tão grande assim. Usam o termo específico para se referir a essa questão,
que é “a assinatura geoquímica da bacia de rejeito”, contendo arsênio, cádmio, chumbo, ferro
e zinco. A pesquisa traz contribuições importantes e é possível extrair questões problemáticas
relevantes, embora certas metodologias laboratoriais acabam servindo mais para argumentos
em defesa da empresa do que algum material substanciado para a denúncia da espoliação
territorial, pois:
145
Tese apresentada a Faculdade de Medicina da UFBA, concorrendo ao cargo de professor assistente do
Departamento de Medicina Preventiva, sob o título Sangue e urina dos trabalhadores (1975).
213
com a ditadura militar, entre outros percalços ocorridos146. São escritos que estiveram
guardados e que revelam, por meio de uma obra ficcional (agora) os horrores que envolveram
a formação de um território extrativo-mineral na Bahia147.
Denúncias antigas, porém, ainda atuais, por mais estranho que possam parecer.
Ao fechar as instalações, em 1992, a empresa deixou uma herança que jamais alguém
desejaria, um dos piores passivos ambientais da história da mineração na Bahia e no Brasil.
Órgãos como os dois Ministérios Públicos, Estadual e Federal, somando-se os órgãos de
controle ambientais já tentaram, inutilmente, condenar os responsáveis pela recuperação das
questões ambientais e sociais ocasionadas, além de pagamentos de indenizações por outras
questões irrecuperáveis, o que acaba por reafirmar a amputação territorial. Sucessivas
alterações na razão social, aliadas a artifícios jurídicos burocráticos (recursos, apelações e
embargos de declaração), com toda essa seara procrastinatória, mesmo com uma sentença tida
como exemplar em 2014, porém já com recursos no Tribunal Regional da 1º Região
(Brasília), os culpados ainda estão aguardando julgamento (FILHO, 2018).
A empresa chegou a mandar em todos os aspectos do município. O medo foi
instaurado na cidade, onde a morte era esperada pelos populares que se envolviam em
desacordos com a mineradora, que se aliou a pistoleiros, elegia ou tirava prefeito e
vereadores, mandava na polícia e nos juízes (CONCEIÇÃO, 2017; FILHO, 2018). Quem não
fosse considerado “amigo”, corria risco.
Registram-se mortes também pelo contato com contaminações de águas ou até
pelo “fogo falhado”, situação quando a dinamite não explode no momento do acionamento,
mas quando o mineiro bate a picareta posteriormente e “joga tudo pelos ares”. Nenhuma
estatística jamais foi levantada sobre a quantidade de pessoas envolvidas nesses “acidentes de
trabalhos”. Denúncias de registros de atestados de óbito como causa “natural”, ou em
decorrência de cirurgia, de derrame, de infarto ou até cirrose são comuns. Esses são outros
horrores decorrentes de um território que começa com extração mineral, depois chegou a
146
O Sacerdote citado é o Padre Macário Maia de Freitas, que em 1954, recolheu algumas amostras de minério
no povoado de Boquira e conseguiu realizar análise químicas, comprovando o conteúdo do chumbo.
147 Paulo Marconi, outro jornalista, destaca que essa obra é resultado de uma saudável teimosia do autor, que
diante da decepção do Jornal do Brasil em não publicar nenhuma grande reportagem na Sucursal de Salvador
sobre Boquira, devido a interesses econômicos envolvidos e que falaram mais forte do que a função social de
informar. Uma violência foi acometida contra toda uma cidade, hoje com quase 20 mil habitantes (FILHO,
2018). A Companhia Brasileira de Chumbo e, posteriormente a Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda.,
subsidiária da Transnacional francesa Penâroya Oxide S.A., possui correlações patrimoniais da família
Rochshild.
215
tomar conta da vida – a extrair a vida junto com o minério – de uma cidade inteira com
extrema violência.
A situação de dependência que a população vivenciou durante os anos de atuação
dessa extração foi completamente forjada pela empresa, uma vez que impediam serviços
públicos federais de chegarem à cidade, diziam que não precisava mais de chuva, de
plantação, de criação de animais, de nada. A mina concentrava e mantinha todos esses
aspectos em suas mãos. “Eles dizem que mantém o povo, mas não mantém. Eles só tiram, e se
dão é para poder tirar mais” (FILHO, 2018, p.81).
Alcione Conceição (2017, p.103) destaca que existiam resistências também, pois,
“os trabalhadores de Boquira decretaram uma greve em plena ditadura militar, quando essas
mobilizações sofriam forte repressão”. Além disso, registrou diversas narrativas orais de
trabalhadores mineiros de Boquira, um importante trabalho para desvelar um pouco do
ambiente laboral das minas. A maioria sem instrução escolar mínima, fruto de processos
conflituosos de terra e retirantes, característico do êxodo rural da época, tiveram a primeira
oportunidade no mercado de trabalho minerador como carregador de subsolo; operador de
máquina; alinhador; escorador; perfurador de rocha; encarregado ou feitor; etc. Trabalhos
insalubres e excessivamente pesados eram os destinados a essa população analfabeta e
oriunda da zona rural.
A instalação desse território extrativo-mineral esteve permeada de conflitos,
contradições, disputas e dominação. Alcione (2017, p. 148) constatou que, por vezes, “a
empresa foi negligente no que diz respeito aos direitos dos agricultores expropriados, [...]
exercendo poder político, econômico e social, na medida em que garantia seus interesses por
meio da influência que exercia na administração do município, e na coerção a seus
trabalhadores”.
216
148
Shanti Nitya Marengo, Doutor em Geografia pela UFBA, professor da UFRB, Santo Amaro e pertencente ao
Núcleo Tecnológico de Estudos do Impactos da Mineração. Anotações da palestra proferida durante o I
Seminário Mineração e Meio Ambiente da Bahia, 11 a 14 de novembro de 2018, na Reitoria da UFRB.
149
Oscar Reis realizou sua Tese de Doutorado em Química (UFBA, 1975), entre o período de 1973 a 1974, sobre
as águas do Subaé, encontrando teores de chumbo até 60 vezes superior aos índices preconizados pela OMS. Seu
estudo foi de fundamental importância para os órgãos governamentais impedirem a ampliação solicitada pela
fábrica.
218
[...] tinha existência insular ou, poderíamos dizer, era um lugar de produção
pertencente ao grande capital internacional, parcialmente alienado do lugar Santo
Amaro no qual se encontrava. Parcialmente, dizemos, porque alguma
territorialização local sempre é necessária e, naquele período – técnico-científico –
essa necessidade de territorialização dos objetos (mesmo que hegemônicos) era
ainda maior do que hoje, fosse para o aproveitamento de uma mão-de-obra pouco
qualificada, fosse para o descarte do subproduto gerado pela produção industrial
(UNIVERSIDADE, 1969, apud MARENGO, 2015, p.181).
150
Exposição durante o I Seminário de Mineração e Meio Ambiente da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia, Centro de Ciências da Saúde, Santo Antônio de Jesus-Ba, 2018. Mesa1; Prof. Dr. Fábio Oliveira (UFRB).
219
151
Hans K. Dittmar, engenheiro químico que publicou um texto no Jornal “O Archote”, Santo Amaro, 16 de
dezembro de 1961.
152
O professor orientou diversas outras pesquisas no Departamento de Medicina Preventiva e no mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia.
220
população pelo chumbo. O minério foi usado pela Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda.
para produzir ligas de chumbo, no qual seu processamento industrial poluiu o a. Alimentos
também foram contaminados e ainda houve a equivocada escolha de usar o rejeito, com altos
teores de chumbo, na pavimentação das ruas de Santo Amaro, cujos materiais tóxicos foram
doados pela empresa para a Prefeitura. Nesse cenário, crianças brincavam com rejeito tóxico
como se estivessem manuseando uma terra no jardim.
O pesquisador Hélio Guedes de Carvalho Júnior (2018), analisou questões
relacionadas aos índices de poluição dos solos de Santo Amaro, chegando a resultados que
tanto a poluição quanto a distribuição do cobre (Cu), chumbo (Pb) e zinco (Zn), ocorrem em
maiores valores nos primeiros quatro quilômetros próximos da fábrica, diminuindo conforme
o aumento da distância, em formato radial. Assim, percebe-se o movimento do território-
chumbo extrapolando suas fronteiras iniciais e contaminando parte do Recôncavo Baiano e da
Baía de Todos os Santos. Um claro exemplo da violência dos territórios extrativo-mineral
como um dos maiores casos de contaminação urbana por metais tóxicos no mundo.
Várias outras pesquisas sobre essa contaminação já foram produzidas, seja no solo
ou em alimentos. Em um levantamento realizado em 2012, pelo Centro de Tecnologia
Mineral (CETEM), o conhecimento já adquirido tinha sido acumulado em teses (3),
dissertações (12), artigos científicos (26), resumo executivo (1), monografias (2), capítulos
de livro (2), resumos de congresso (11), relatórios (20), documentos eletrônicos (6), laudo (1),
protocolos (2), vídeos (8) e notícias (21) (EGLER; SOUZA, 2012).
O que não falta nesse caso de Santo Amaro são estudos científicos, com relatos
até de um cansaço por parte dos moradores em contribuir com tantas pesquisas, mas que
permanecem apenas no papel, longe da prática e da ação para uma real melhoria. É um
“sentimento de saturação dos santamarenses” por mais pesquisas, afirma Maiza Ferreira de
Andrade (2012), que também se debruçou sobre a disponibilidade de relatórios
de pesquisas nas bibliotecas da cidade de Santo Amaro, concluindo que é muito baixa ou
irrisória. Também junto aos professores das escolas visitadas pela jornalista foi relatada a
necessidade de material de consulta sobre o caso da contaminação e da insuficiência de
conhecimento sobre o assunto. “O conhecimento foi todo para fora”, afirmam algumas falas
de moradores, quando criticam o não retorno das pesquisas científicas que batem em suas
portas.
Alguns estudos são referentes a buscas por tecnologias mais adequadas para
remediar as áreas contaminadas. Pesquisas que são importantes, sem sombra de dúvida,
221
153
O IBAMA concedeu a Licença de Instalação (LI) 1057/2015 para a INB explorar nova jazida de urânio,
apesar da mineradora não ter apresentado o RIMA da primeira jazida a céu aberto (provavelmente esgotada) nem
ter feito o EIA da nova cava da mineração.
225
Iniciando o debate com base nos dados do Censo Agropecuário (2006), existem
4.672 estabelecimentos rurais em Caetité, nos quais 86% figuram abaixo do módulo fiscal de
65 ha. Portanto, são considerados minifúndios. Mesmo representando essa ampla maioria,
esses estabelecimentos ocupam uma área territorial de apenas 45% de toda extensão territorial
municipal, configurando uma concentração de terras considerada “forte”.
O empreendimento mineral de Caetité está diretamente relacionado com o
Programa Nuclear Brasileiro, iniciado oficialmente em 1965, através do acordo assinado pelo
Brasil com a empresa Westinghouse (EUA), para construir sua primeira usina atômica, em
Angra dos Reis. A Unidade de Concentrado de Urânio – URA/Caetité, é operada pela
Indústrias Nucleares do Brasil (INB), uma sociedade de economia mista, que atua com
produtos e serviços relacionados ao ciclo do combustível nuclear, controlada pela Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
De acordo com a lei nacional 4.118/1962, as atividades de mineração, produção e comércio de
materiais radioativos no País são de monopólio do Estado brasileiro.
Entretanto, após a extração das rochas, purificando e concentrando em forma de
licor amarelo, o yellow cake é transportado em caminhões até o porto de Salvador – 750 km –
de onde segue para beneficiamento feito na França e, posteriormente, retorna a Resende (RJ)
para uma outra parte do processo, sendo enviado, finalmente, para as usinas termonucleares
Angra 1 e Angra 2, no estado do Rio de Janeiro, próximo à divisa com o estado de São Paulo.
Esse é um resumo da trajetória desse mineral até ser utilizado para geração de energia, um
percurso que deixa severas amputações nos territórios de Caetité, expondo muitas famílias a
situações vulneráveis em termos de saúde, em residências até um raio de 20 km do entorno do
local, além de todo o seu uso ser polêmico e banido em alguns países. Em Caetité registram-
se dezenas de acidentes ocorridos dentro da Unidade de Concentrado de Urânio (URA), de
2000 a 2013 (FIGURA 20).
Abril/2002 Acidentes na área 170, a mais perigosa, etapa final do processo de beneficiamento do urânio
e na área 1401, além do isolamento de um poço artesiano por ter sido constatada
contaminação da água.
Janeiro a A bacia de retenção de materiais finos transborda sete vezes, liberando líquido com
Junho de 2004 concentrações de urânio-238, tório- 232 e rádio-226 ao meio ambiente.
227
Data Descrição
Julho/ 2004 Trabalhador é contaminado com yellow cake durante operação de desentupimento de
equipamentos da unidade de beneficiamento de urânio.
Novembro/04 Rompimento da manta de um dos tanques de armazenagem do licor de urânio.
Estoura mangueira com ácido sulfúrico concentrado, dois operários são atingidos um com
Janeiro/2006
grave quadro de queimaduras
Ruptura de uma manta de geotêxtil na bacia de licor de urânio, resultando paralisação das
1º semestre de
atividades de mineração e processo químico por cerca de 90 dias.
2006
Relatos de vazamentos nos tanques de lixiviação.
Junho de 2008
Vazamento de solvente carregado de urânio (cerca de 30 mil litros de licor de urânio) para o
reservatório de águas pluviais, que transbordou levando a contaminação para o meio
Outubro de 2009
ambiente.
Novembro de Vazamento de um tanque que estoca 100 mil litros de ácido sulfúrico e parte do produto
2009 transbordou para o reservatório de água pluvial.
Em 14 de novembro um forte estrondo (desabamento na galeria da mina subterrânea?) Foi
Novembro de ouvido a quilômetros de distância da mina, o que levou inclusive à evacuação dos
2009 empregados que trabalhavam no turno.
Rompimento de uma tubulação levou milhares de litros de licor de urânio para o solo, na
Maio 2010 área de extração e beneficiamento do minério.
154 Atividades realizadas em Salvador (BA), durante o Fórum Social Mundial (FSM), ocorrido de 13 a 17 de
março na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Título “Tenda do Bem Viver - Antinuclear”; Tema –
Território Desenvolvimento, Justiça Social e Ambiental; Nuclear não!
229
ainda se configurar como motivo de orgulho para o País, os pesquisadores presentes no FSM
2018, denunciaram que é necessário acabar com a produção e a geração de energia nuclear,
pois todo o processo é técnico e socialmente desastroso. O pretexto de se utilizar essas
tecnologias no setor de saúde figura em algumas falas, porém como uma “cortina de fumaça”
ou fachada, o foco central sempre envolveu as questões militares e a produção da bomba. Até
no Brasil, durante a instalação desse primeiro projeto – Angra I –, os interesses e desejos dos
militares era alcançar essa corrida da produção e do domínio da bomba nuclear, fato não
alcançado. A terceira usina nuclear brasileira está assinada nos protocolos para ser construída,
em meio a diversas denúncias sobre a construção ainda das duas primeiras, cuja crítica aponta
o uso de tecnologia ultrapassada, portanto com diversos problemas durante sua operação,
chegando a ser conhecida como a usina “vaga-lume”, com seus constantes desligamentos.
O território do urânio brasileiro envolve diversas escalas entre extração,
beneficiamento externo e interno e utilização nas usinas de energia, como já mencionado. Irá
somar a esse processo o futuro território de extração de urânio em Santa Quitéria, Ceará. Mais
um empreendimento mineral nuclear implantado no semiárido brasileiro, situação inicial que
já desenvolve conflitos territoriais e são acompanhados pelo MAM e pela professora Raquel
Rigotto, pertencente ao Núcleo Tramas, da Universidade Federal do Ceará (RIGOTTO;
AGUIAR; et al, 2014). Um consórcio firmado entre a estatal Indústrias Nucleares do
Brasil (INB) e a Galvani Indústria, Comércio e Serviços S.A (controlada pela mineradora
norueguesa Yara) foi firmado para o empreendimento. Logo nos primeiros dias de 2019, o
Governo Federal anunciou uma mudança e incentivo para o aumento de Parcerias-Público-
Privadas (PPP) no setor do urânio. Porém, após o rompimento da barragem em Brumadinho,
ventilaram-se notícias sobre uma possível negação da licença ambiental desse projeto de
Santa Quitéria.
A estatal que tenta se instalar também no território-urânio no Ceará é apenas a
continuação da empresa que funcionou em Poços de Caldas (MG), entre os anos de 1981 e
1995, extraindo também urânio (PORTO; FINAMORE; CHAREYRON, 2014) e deixando
um passivo ambiental sem precedentes. Uma enorme barragem de rejeito nuclear onde,
mesmo após 23 anos, não foi realizada o seu descomissionamento, sem falar no risco de
rompimento. Após os diversos conflitos e a exaustão, esse território migrou para o projeto
em Caetité (BA), onde a mineração de urânio ocorre desde o ano 2000 até a presente data.
A partir desse período, várias denúncias já foram realizadas desde a conclusão do
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da mineração de urânio em Caetité, em 1997. Zoraide
230
Vilas Boas, em debate no FSM 2018, abordou sobre a contaminação do lençol freático em
Caetité, e rememorou que esta questão o próprio EIA já apontava para grandes impactos
ambientais após a instalação do empreendimento: “O que se vê atualmente são
desdobramentos que já eram previstos, com pouquíssimas ações em prol da saúde dos
moradores ao redor da mina” (VILAS BOAS, 2018, n.p.) 155.
Vários poços tubulares estão condenados atualmente, contendo radiação nuclear
exaustiva, além da contaminação de plantações ao redor da mina e dos territórios dos
povoados situados nas proximidades da INB. Denúncias apontam que mais de quatorze
comunidades em Caetité e Lagoa Real, município vizinho, como o Quilombo de Antas Velhas
e a Comunidade de Araticum, estão altamente expostas a essa calamidade. Povoado de
Tamanduá, Mangabeira, Pega Bem e Gameleira também sentem as amputações ocorridas.
Vazamentos de licor de urânio, transbordamentos de rejeitos tóxicos contaminando o solo e os
lençóis freáticos, rompimento em uma das mantas da bacia de licor, vazamentos dos tanques
de lixiviação, contaminação em poços localizados a 20 km da área da mineração, rompimento
de tubulação, entre outros impactos foram denunciados e constam no “Relatório da Missão
Caetité: Violações de Direitos Humanos no Ciclo do Nuclear” (LISBOA; ZAGALLO,
2011)156. Para além desses fatores, somam-se a falta de informações anteriores a extração
sobre a incidência de doenças cancerígenas e os níveis de radiação natural anterior; a ausência
de uma política de comunicação com as populações do campo e os grupos tradicionais; o uso
de pesquisas científicas manipuladas ou tendenciosas alegando não poderem concluir sobre a
nocividade das atividades da empresa; além da ausência de unidades hospitalares
especializadas em oncologia em Caetité.
Doze recomendações foram feitas ao final do Relatório da Missão (2011), nas
quais se destacam: a necessária segurança da água fornecida para a população (consumo),
para dessedentação de animais e para a utilização na agricultura (produção); o monitoramento
da saúde dos trabalhadores da INB e da população vizinha; a proteção do meio ambiente
como um todo; a reparação por danos materiais e imateriais aos atingidos e mais transparência
155
Zoraide Vilas Boas pertence ao Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça, Cidadania, que atua em Caetité. O
EIA já apontava alteração da qualidade do ar (pelo desmonte de rochas na lavra do minério, gerando partículas e
gás radônio); processos erosivos e deposição de sedimentos (assoreamento de lagos e riachos); contaminação dos
mananciais subterrâneos, com alteração das suas propriedades; inviabilidade do uso da água do córrego do
Engenho (com a implantação da barragem de rejeitos); perda da cobertura vegetal e destruição de habitats
(desmatamento permanente e irreversível para a vida silvestre) e deposição de partículas radioativas sobre a
cobertura vegetal (contaminação).
156
Disponível em: https://br.boell.org/sites/default/files/downloads/499_Dhesca_Brasil_-_Missao_Caetite_-
_Meio_Ambiente_-_2011.pdf acessado em 02/04/2014.
231
referente ao acesso à justiça são imprescindíveis. Portanto, escala global, nacional e local se
conectam neste processo, embora as amputações territoriais e os problemas graves de saúde
estejam estabelecidos no território-lugar de onde foram extraídas a substância.
Renan Finamore da Silva (2015) produziu uma ampla pesquisa sobre o quadro
apresentado em Caetité e realizou uma reflexão crítica sobre a importância de estratégias
alternativas de produção de conhecimentos, valorizando e incorporando ao saber dos sujeitos
que vivenciam os conflitos, a fim de possibilitar uma melhor compreensão dos riscos
tecnológicos complexos e suas implicações em todo o território157. Verifica-se em Caetité um
cenário de desinformação e de incertezas quanto aos riscos e impactos potencialmente
atribuídos às atividades de mineração e ao beneficiamento de urânio, que atingem,
basicamente, trabalhadores da mina e as populações do campo e os grupos tradicionais
vizinhos. O autor completa que “qualquer discussão que envolva exposição a radiações
ionizantes e riscos à saúde possui uma margem considerável de incertezas relacionadas”
(SILVA, 2015, p.99). As exatidões científicas laboratoriais não conseguem abarcar todas as
dimensões, sendo que o principal fato a ser observado em Caetité é o que as pessoas dizem,
viram, sentem sobre si mesmas e sobre a natureza a que estão expostas.
Outra questão que merece destaque é o potencial de contaminação de longo prazo
após o fechamento de minas de urânio. Grande parte da radioatividade, cerca de 85%,
permanece nos rejeitos gerados (LOTTERMOSER, 2010 apud SILVA, 2015). Um trabalho
de campo feito para a elaboração desta tese foi às redondezas da Mina em Caetité, em
conjunto com outros pesquisadores da UFBA, observando plantações de maracujá, colhendo
amostras de solos, da água, e de outros produtos alimentícios situados em terras bem
próximas as pilhas de estéril da usina. Alguns poucos quilômetros estão diversas residências
familiares que captam água de poços e de cisternas devido às poucas fases de chuva durante o
ano. Estariam os telhados e as cisternas também com potenciais radiações?
Com base na “percepção generalizada de elevação na incidência de casos de
câncer” (SILVA, 2015, p. 156), alguns resultados preliminares da pesquisa de epidemiologia
popular foram divulgados sobre a busca ativa de casos de câncer pelas organizações
comunitárias. Até 2014, 21 casos tinham sido confirmados, sendo 4 em tratamento e 17 com
óbito. Pessoas que residiam nas comunidades de Juazeiro (Caetité), Pau Ferro de Juazeiro
(Caetité), Maniaçu (Caetité), Riacho da Vaca (Caetité), Espigão (Lagoa Real), Barbeiro
157
Tese realizada sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Firpo de Souza Porto.
232
(Lagoa Real), Salinas (Lagoa Real), Rio Abaixo (Lagoa Real), Malhada (Caetité),
Cachoeirinha (Caetité), Fazenda Araçá (Caetité) e Gameleira (Caetité). Outros casos de
leucemia (8) e do aparelho digestivo (3). Os demais foram: bexiga, ovário, espinha e sarcoma,
face, pulmão, cérebro, tireoide. Chama atenção o fato de que a metade dos casos de leucemia
– 4 casos – ser registrado em pessoas com idade entre 1 a 17 anos (SILVA, 2015).
Estudos preliminares da Fiocruz ainda inserem outros 114 suspeitos com casos de
câncer no entorno da mina. Todos eles como também outros potencialmente associados às
diferentes rotas de exposição, conforme os riscos e os perigos de trabalhos relacionados com
mineração de urânio. Comunidades estão expostas onde há indício forte de que têm um
acréscimo associado ao efeito da radiação (Fiocruz/CRIIRAD, 2014)158.
Cláudia de Oliveira D´Arede (UFBA, 2017), durante o debate da Exposição sobre
o desastre de Mariana, contribui sobre conflitos com a mineração, sobre o urânio em Caetité.
A pesquisadora é responsável pela parte antropológica de um estudo mais abrangente na
região, realizando Doutorado sobre os riscos aos trabalhadores da INB159. Atentou para a
necessidade de outros dados complementares, ficando com a sensação de que, em Caetité,
toda a população fica exposta à radiação, sendo que uma das grandes questões dessa
mineradora é a falta de informação.
A INB deixa em aberto todas as informações que deveria dar, como obrigação e
transparência. Isso tem gerado um incômodo muito grande na população, andando
por lá a gente ouve muitas coisas em relação a saúde e na questão dos casos de
câncer, principalmente dos trabalhadores, e o que nós vemos é a falta de informação
a esses impactos na vida e saúde dessas pessoas. Quando uma família não tem água
e recebe a informação (resultado de pesquisa) de que a pouca quantidade de água
que tem está contaminada, a situação fica muito difícil. Inclusive nós, pesquisadores,
quando damos o laudo de que a água está com problemas, agora fizemos uma
análise de 19 mil reais. Chamamos de casos controle. Área de abrangência.
Encontramos 4 casos de contaminação acima do limite de tolerância dentro da área
de abrangência. Inclusive em casas de agricultores. E ai? O que a gente faz?
Avisamos ao MP e tem vários tipos de reação. A população precisa pressionar para
que eles tenham algum tipo de atitude. Damos o resultado e se, por acaso, o poço
tiver contaminado, a gente diz para as pessoas não beberem. A resolução se vai
beber a água ou não, não cabe a nós. Somos os pesquisadores que passamos os
resultados, mas isso deveria ser dado pela empresa. Então, como uma espécie de
assistente técnico acabamos por informar essas pessoas sobre o que vem
acontecendo e impactando na vida delas. Essa foi a orientação do MP que não
158
Este estudo da CRIIRAD, que tem qualificação técnica certificada pelo Ministério da Saúde e reconhecida
pela Autoridade de Segurança Nuclear da França, foi feito em conjunto com a Fiocruz que avaliou os Impactos à
Saúde da População na área da mina.
159
Projeto de Pesquisa “Riscos de contaminação ambiental e humana relacionados à exploração da Unidade de
Concentração de Urânio no Sudoeste da Bahia”. Convênio de Cooperação Técnica- PPGSAT/FMB/UFBA –
MPT – MPF. Movimento Paulo Jackson é também parceiro neste Projeto.
233
devesse beber nem dar aos animais. Só que falamos de uma região de semiárido,
isso é muito relativo dizer que não pode. A pessoa vai ficar com sede? Não vai.
Estamos nessa fase de investigação ainda, mas não é fácil. Sabe-se que existe
radicação natural. Sabemos que são 33 anomalias, que são as “jazidas” de urânio.
Precisamos provar o que é natural e o que é causada pela ação da empresa.
Tentamos mostrar o máximo possível dessa contaminação, às vezes nem tanto pela
saúde, mas pela vida dessas pessoas. E sobre o que elas trazem de informação para
gente. [...]. Hoje estamos contratando um laboratório internacional para podermos
analisar as amostras da água (radiação e metais pesados). E foi importante essa
parceria com laboratório francês, eles vêm fazendo esse monitoramento no mundo
inteiro, Ucrânia, Fukushima, África e etc. Essa parceria será possível chegar em
outros patamares. No Brasil, isso é complicado devido a todos os laboratórios aqui
não são independentes. São da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e
assim não temos liberdade (D´AREDE, UFBA, 2017, n.p.).
apontadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Existem outros casos que
envolveram perseguições e interesses internacionais também que estariam por trás desse
território-urânio, que registrou a prisão do Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva,
considerado por alguns pesquisadores, também por parte de oficiais da Marinha do Brasil,
como o pai do Programa Nuclear brasileiro, o que revela uma trama complexa ainda maior
nesse setor estratégico. Para alguns pesquisadores, mesmo alguns críticos a esse modelo
mineral, essa corrida nuclear estratégica é um jogo geopolítico importante e que é preciso ser
jogado, mesmo com os embutidos custos financeiros elevados e prejudiciais à população que
vivem os conflitos decorrentes da extração.
Em um debate sobre a política nuclear brasileira, durante a SBPC 2018,
depoimentos e exposições alternavam entre a defesa do território e a soberania nacional, com
a necessidade de controle do litoral, chamado de “Amazônia Azul”, com riquezas de petróleo
e gás; a construção do submarino nuclear em andamento; o vazamento de informações
sigilosas no Governo Dilma Rousseff, reveladas pelo Wikileaks; a fuga do ex-militar nazista
para os EUA, protegido pelo Presidente Kennedy durante a Guerra Fria por interesses
nucleares estadunidenses; os acordos nucleares mundiais e o desarmamento dos centros
emergentes; a falta de concursos públicos para o CNEM, onde várias pessoas estão se
aposentando e não existe quadro para a substituição imediata, aliado ao sucateamento de toda
a estrutura; além de práticas de lawfare, que tiveram conivência do Supremo Tribunal Federal
brasileiro, com a participação de um juiz de primeira instância, Sergio Moro, que virou
Ministro da Justiça no Governo eleito de 2018160.
Uma reflexão elaborada sobre esse debate, uma vez que se conhece sobre a atual
dinâmica dos territórios extrativo-mineral, é que jamais este País terá a clamada soberania
nacional enquanto a participação da população que sofre com os conflitos no local ainda nas
fases de pesquisa e extração mineral, forem colocadas na invisibilidade. Não adianta lutar por
um país soberano “para fora”, com força militar forte e tecnológica que defende as fronteiras
se a população “de dentro”, um brasileiro não é considerado. Desta forma não existe
soberania, muito menos popular e verdadeira.
Além de condenações já impostas à INB pela Justiça do Trabalho, em Guanambi
(BA), com valores por danos morais coletivos por volta de R$500 mil reais – movida pelo
160
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizado na UFAL, em Maceió, julho de 2018,
com participações do Almirante da Marinha do Brasil, Bento Costa Lima Leite de Albuquerque, o professor
Celso Melo (UFPE), o diplomata Samuel Pinheiro e o Coordenados da mesa Ênio Candoti, ligado a SBPC.
235
MPT que identificou variados tipos de práticas antissindicais e assédio moral na unidade em
Caetité –, existem também uma série de infrações cometidas pela INB que levou a seu
enquadramento na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/1998), em função dos
acidentes sucedidos e do descumprimento sistemático de condicionantes da Licença
Ambiental. A exemplo, registra-se a não comunicação ao IBAMA sobre o vazamento de
solvente orgânico em 28/10/2009, com multa em um milhão de reais (Auto de Infração nº
604919/D). Outro processo foi a não entrega de relatórios de atividades com os
procedimentos de controle ambiental de 2006 a 2009 (Auto de Infração nº605049/D) e por ter
lançado substância oleosa (solvente orgânico com urânio) no meio ambiente (Auto de
Infração 606147/D), casos também multados em mais um milhão de reais em 28/09/2010. O
IBAMA, os governos estaduais e municipais conhecem profundamente o que se passa nessa
triste e crítica realidade do território extrativo-mineral do presente, uma espoliação em busca
do urânio latente realizada em Caetité.
Partindo para um segundo exemplo, registra-se na região centro norte do estado
da Bahia, em Jaguarari, uma mina de Cobre, quase exaurida ao longo de mais de quatro
décadas de atividade mineral, em um município ainda marcado pela desigualdade
socioespacial. Jaguarari foi líder em arrecadação de Compensação Financeira pela
Exploração Mineral (CFEM) na Bahia, no ano de 2015. Trata-se de um município que existe
uma grande extração mineral cuja empresa responsável é a Caraíba Metais em duas minas –
Suçuarana, a céu aberto e a Unidade matriz/Pilar que é subterrânea – local também onde a
empresa realiza seu beneficiamento inicial do minério extraído. Este município do semiárido
baiano é considerado um município pobre e é totalmente dependente das atividades da
mineradora, um grande exemplo de mais de 40 anos de explotação, cujas receitas e lucros
oriundos desta atividade não trouxeram o tal desenvolvimento prometido e sonhado161.
Região localizada, predominantemente, no domínio morfoclimático da Caatinga, o mais
desvalorizado do país e suscetível a vários agravos, ainda se registra uma reduzida porção de
Cerrado e uma pequena faixa de Mata Atlântica.
Há indícios de que essas reservas de cobre estão em fase final de extração e um
dos planejamentos é o deslocamento e o avanço em direção ao vale do município vizinho de
Curaçá, aproveitando toda infraestrutura já existente em Jaguarari. O Brasil, com poucas
reservas minerais de cobre, é dependente da importação do minério proveniente do Chile, e já
161
Em 2002, 54,7% do produto municipal eram diretamente ligados à mineração. Em 2006, essa fatia já
correspondia a quase 70% do PIB. Isso se refere, basicamente, à Caraíba Mineração.
236
foi apontado nesta pesquisa os vários conflitos vivenciados no Norte do país. A mineração de
cobre no Brasil segue os mesmos padrões dos oligopólios mundiais, estando concentrada
praticamente em três empresas mineradoras: a supremacia da Vale, com cerca de 56,9% da
oferta, seguida pela Mineração Maracá S/A (28,5%) e a Mineração Caraíba (12,1%)
(FARIAS, 2009).
Os primeiros trabalhos que se tem notícia nessa região sobre a avaliação de
ocorrências de cobre, datam de 1874, na Fazenda Caraíba, pertencente ao Vale do Rio
Curaçá162. Outras questões geológicas mais apuradas foram levantadas depois, em 1944, pelo
Serviço Geológico do Brasil. Com atuações de empresas canadenses – Northfield Mining Inc.,
entre 1951 a 1953 – depois em parcerias com empresa paulista – Grupo Pignatari –
posteriormente com a Mitsubishi Soqui do Brasil, até 1973, sempre aliado a parcerias com o
DNPM e a CPRM. Em 1974, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico assume o
poder da empresa, criando a Caraíba Mineração S/A, que sofreu privatização em 1994. As
primeiras amputações do território de Jaguarari começaram em 1969, quando foram feitos os
primeiros 29 furos de sonda na área da Caraíba, num total de 5.980 metros (BELLO, 1986).
A população do campo em Jaguarari tem a vida econômica ligada à agropecuária
de subsistência, com forte presença da caprinocultura, como apontam as formas de acesso à
terra, com mais de vinte comunidades de Fundo de Pasto (FIGURA 21). Documentos e
pesquisas já apontaram questões socioambientais envolvendo um desastre com rejeitos de
cobre jorrados na Caatinga e outras denúncias realizadas ao Ministério Público Estadual sobre
violações de direitos humanos também já foram notificadas (CETEM, 2013). “Quando as
barragens transbordam, toda a borra de cobre escorre para os riachos Santa Fé e Sulapa, que
desaguam no Açude de Pinhões. No local existem vaqueiros, criação de caprinos, ovinos e
bovinos, além de pescadores e caçadores, que consomem a água que recebe os rejeitos de
cobre” (CETEM, 2013, p.3 apud LAURA, 2007).
162
Essa província mineral abrange uma área de aproximadamente 1700 km² e abarca os municípios de Jaguarari,
Juazeiro e Curaçá, contendo rochas de alto grau metamórfico, representados por gnaisses, granulitos e
migmatíticos, possuindo uma complexidade estrutural litológica acentuada. Reserva de grande importância, além
da jazida da Caraíba, vários outros depósitos ao redor, entre eles o do Surubim (BELLO, 1986). Já estavam
previstos o deslocamento para o atual município de Curaçá e Juazeiro segundo a Tese de Doutorado de Rosa
Maria da Silveira Bello (1986) defendida na USP, departamento de Geociência. A pesquisadora agradece
imensamente a empresa Caraíba S/A, que a auxiliou desde o início dos estudos com “total apoio de campo,
possibilitando acesso a informações, mapas e perfis, de fundamental importância e auxiliando com recursos
financeiros para a confecção de análises químicas e para o acabamento e impressão da tese (BELLO, 1986).
237
163
Auditoria da Atuação Sociocultural na Área de Influência da Mineração Caraíba S/A: DIAGNÓSTICO
SÓCIO-ECONÔMICO E CULTURAL, Carlos Caroso, PhD. Antropologia Coordenação e Responsabilidade
Técnica. Ano de desenvolvimento 2011 e 2012.
240
164 PRODAEP (Projeto de Diversificação Econômica do Distrito Pilar) - Fábrica de Sapatilhas; Fábrica de
Doces; Fábrica de Costura; Projeto Caprinos com uma raça que não se adaptava ao clima; Cooperativa de
Crédito; Formação de Lideranças Empreendedoras.
242
Elaboração: GeografAR/2019.
e explodir rochas para retirar o ouro envolto a outros materiais, acarretou em muitos
trabalhadores, principalmente nos ajudantes, nos operadores, nos montadores de trilhos, entre
outros, que atuavam nas galerias do subsolo, a contração da silicose, doença letal e sem cura.
Este debate é auxiliado pelo médico e professor da UFBA, Marco Antônio Rego
(2017), que também traz algumas contribuições para esse outro caso baiano, associando a
tuberculose à mineração. Afirma que todos os trabalhadores que o Centro de Estudos de
Saúde do Trabalhador (CESAT) atendeu na década de 1980-1990 tinham diagnóstico de
tuberculose. Apesar dos discursos oficiais mascararem a associação entre as doenças, o autor
afirma que a verdade é que se trata da silicose produzindo a tuberculose. Na época que
trabalhou na região, 11 óbitos foram registrados e existiam outros dois na fila, que ele acredita
que já tenham falecido. Demonstrou que se trata de uma morte trágica, uma espécie de
afogamento a seco, não adiantando colocar balão de oxigênio, pois o pulmão não expande e o
sujeito morre dessa forma. A constante inalação da poeira de sílica em função de operações na
mina, é a principal motivação dessa catástrofe.
Em outras atividades ocupacionais também há o processo de inalação da sílica,
como o jateamento de areia em máquinas pesadas em estaleiros, durante manutenção de casco
de navio. A grande maioria de trabalhadores não usa equipamentos de proteção adequada
frente à exposição a uma doença gravíssima. Durante a década de 1990 até o ano 2000, a
Agência Internacional para pesquisa do Câncer – hoje situada na França e braço da OMS –
incluiu essa substância na lista das substâncias carcinogênica, portanto, causadora de câncer
de pulmão. E assim, essa doença é progressiva e o trabalhador que a contrai, mesmo não
trabalhando mais na mineração, carrega a doença que continua destruindo a imunidade do
corpo por dentro. Se o trabalhador vem a falecer sem estar trabalhando com a mineração, o
diagnóstico acaba por não revelar essa relação com aquele trabalho pregresso, o que disfarça
os dados estatísticos sobre os impactos da mineração na saúde dos trabalhadores.
Sara Oliveira Farias (2008) trabalha mais questões sobre a sílica e as doenças
causadas pela atividade mineral, além das produções discursivas a partir das relações entre
empresas, trabalhadores, viúvas, sindicatos e advogados, na sua tese de Doutorado intitulada
“Enredo e tramas nas minas de Ouro em Jacobina”. Os principais resultados da pesquisa estão
ancorados tem trabalhos do CESAT e pesquisas in loco e fundamentados na concepção de
“microfísica do poder”, de Michel Foucault (2001). As relações sociais e os discursos
produzidos na localidade, revelam as relações de forças institucionais e históricas que
construíram uma hierarquia social e uma correlação de submissão, embora também se registre
246
as resistências existentes. Esse “calar” e essa aceitação estão implícitas nas relações de poder
construídas ao longo de tantas décadas de história mineral e silenciamentos da empresa e do
poder público. A autora, no entanto, quebra esse silenciamento e cumpre o compromisso que
os pesquisadores deveriam ter – e, no caso, ela é historiadora – de revelar o que não foi nem é
dito ou que fora e é anunciado de forma amenizada ou distorcida sobre esse tipo de extração
mineral, que causou e causa sérios conflitos no território extrativo-silicoso de Jacobina.
Instâncias do Judiciários impetraram cinco ações civis públicas contra a
mineradora que atua em Jacobina. Foram movidas pela Promotoria de Justiça Especializada
em Meio Ambiente de âmbito regional, com sede no próprio município. As ações foram
impetradas em 1990, 2011, 2015, 2016, 2017 e a Jacobina Mineração responde também a
ações no âmbito da Justiça do Trabalho, uma delas intentada pelo Ministério Público do
Trabalho (MPT). Denúncias de contaminação dos recursos hídricos da cidade com metais
pesados por causa das atividades desempenhadas estão relacionadas e georreferenciadas na
peça do inquérito contendo mais de 240 páginas165. O promotor Pablo Almeida, que conduz o
inquérito civil público instaurado em 2017, lamenta a lentidão do Poder Judiciário quanto a
uma das ações que há mais de vinte anos tramita, ainda na primeira instância, não se
compatibilizando com o princípio constitucional de duração razoável dos processos. Assim,
os crimes ambientais vão sendo engavetados e a empresa segue a todo vapor impunimente.
Existiam vários problemas ambientais anteriores a compra da empresa pela Yamana Gold, na
década de 1980, porém esse processo de compra a nova gestão toma para si a
responsabilidade sobre as questões ambientais pregressas, mesmo se tratando de ocorrências
que foram realizadas anteriores a essa legislação ambiental vigente. Falhas nas fiscalizações
do INEMA e do DNPM, inoperâncias e ações intempestivas realizadas pela empresa também
foram apontadas pelo referido promotor em uma entrevista realizada para um canal de
jornalismo166. Uma sucessão de erros que causam ainda mais espoliação e amputação no
território.
Segundo dados que constam dentro da ação civil pública, das 21 amostras de
águas coletadas, “14 revelaram desconformidades, sendo que na maior parte das vezes uma
165 Meio Ambiente; Ministério Público Estadual; Inquérito Civil n. 702.9.76928/2017. Promotoria de Justiça
Especializada em Meio Ambiente de âmbito regional com sede em Jacobina.
166 Entrevista realizada em 3 de setembro de 2018 para o Bocão News: Jacobina: população consumiu água
contaminada por mineradora, aponta MP-BA disponível em:
https://www.bocaonews.com.br/noticias/interior/meio-ambiente/215171,jacobina-populacao-consumiu-agua-
contaminada-por-mineradora-aponta-mp-ba.html
247
amostra apresentava mais de uma inconformidade”, ou seja, 66,66% das amostras de águas
revelaram contaminação, desconformidade com os padrões da resolução do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou elementos químicos em concentrações elevadas. A
mortandade de diversos animais na região do Itapicuru foi denunciada ao MP-BA, que
também identificou um vazamento em uma tubulação da empresa, mas que foi negado
posteriormente pela mesma. Tudo isso, como relata o promotor Pablo Almeida (BNEWS,
2018, n.p.), “não se trata de fato inédito, já que no último derramamento de cianeto
identificado pelos órgãos públicos, a empresa ocultou o acidente por alguns dias, colocando
todos em risco”. Órgãos públicos locais, como a EMBASA e a prefeitura já foram alertados,
mas a situação permanece, perpetuando a o grave problema, em que as barragens que
abastecem a sede de Jacobina, água fornecida pela Embasa, são enchidas com os rios que
passam dentro da planta industrial da mineradora.
Há uma grande barragem de rejeitos que, embora não seja mais operada, não
possui uma correta impermeabilização e localiza-se a poucos metros dos rios e da barragem
de água que abastece a cidade. Não foi realizado, ainda, o correto descomissionamento desta
barragem. Será que a empresa está esperando terminar toda a extração para providenciar o
serviço? Ou o destino dessa barragem será como a de tantas outras que ficam como estão
devido ao abandono dos territórios extrativo-mineral na história da Bahia?167
Uma audiência pública foi convocada pelo Ministério Público do Estado da Bahia
devido à ação civil pública de 2017. O evento ocorreu, no dia 19 de setembro de 2018 em
Jacobina e recebeu dezenas de instituições, inclusive a do Movimento pela Soberania Popular
da Mineração (MAM) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O objetivo foi a necessidade de
se debater sobre os conflitos deflagrados pela atividade de extração de ouro e, especialmente,
as consequências sociais e ambientais desse território extrativo. Nas exposições do INEMA e
da EMBASA, as falas foram em defesa da mineradora e da importância dela na localidade. Os
167
Procurada pelo BNews, a assessoria da Jacobina Mineração e Comércio reafirmou “que não houve
vazamentos de efluentes industriais em abril de 2017 e que a operação não impactou negativamente a qualidade
da água na região”. Sobre as ações civis, a mineradora afirma que “está convencida de que estudos técnicos e
imparciais vão concluir que a empresa vem adotando as melhores práticas ambientais, que têm sido
continuamente aperfeiçoadas, visando ao desenvolvimento da atividade de mineração de forma ambientalmente
sustentável”. Acrescenta também que “atua de acordo com suas licenças ambientais, estando, também, em
conformidade com certificações internacionais, como ISO 14001 (Sistemas de Gestão Ambiental) e Código
Internacional de Cianeto, que atestam a excelência em sua gestão socioambiental”. Por fim, salienta que
“continuará participando das discussões sobre o assunto e permanece sempre aberta ao diálogo construtivo com
os órgãos competentes e com a comunidade jacobinense”.
248
dados anunciados na exposição oral dizem que não existe contaminação nas águas e nos rios,
que os parâmetros estão adequados e que em nenhum momento essas instituições iriam servir
água contaminada para a população. Foi reforçada a seriedade da mineradora com a natureza
e as pessoas que moram ao redor, bem como com toda a população da cidade.
A empresa mineradora subdividiu seu tempo de fala na audiência. O primeiro a
falar foi o gerente da mina, que alega que trabalha há 10 anos na localidade e que não
conseguiria viver em Jacobina se empresa fosse embora. Destacou o número de empregos
gerados no município e o orgulho de poder contribuir com a sociedade com os vários
programas ambientais disponibilizados. O segundo a falar foi o advogado da empresa, que
logo iniciou sua abordagem dizendo que um grupo de entidades, pessoas e o próprio MP,
estariam tentando criminalizar a empresa com inverdades e análises erradas da situação.
Alegou que o MP quer convencer a comunidade de que a empresa é um problema e que deve
sair de Jacobina. Por último, falou o professor e Químico da UFBA, Luís Rogério de Andrade
Lima, da Escola Politécnica. Sua explanação começou com um discurso alegando ser filho de
Jacobina, em uma clara tentativa de sensibilizar os presentes demonstrando identidade com o
lugar. Falou que as análises laboratoriais da água revelaram a ausência de resíduos, e que os
mesmos não apresentam inconformidades, segundo o estudo do INEMA e da EMBASA.
Amenizou ao afirmar que qualquer empreendimento causa impacto e que a população deve
aprender a viver com isso. O professor informou, durante sua fala, que os impactos causados
pela mineradora não serão revertidos. É nessa questão que reforçamos o conceito de
amputação territorial. Outras falas foram proferidas durante a audiência e expressaram desde a
adoração à empresa até o “não aguento mais tanta desigualdade”.
INEMA e EMBASA estão na situação de investigados também. Os dois órgãos
defenderam a mineradora. O próprio inquérito tem alguns resultados do INEMA, o que entrou
em contradição com a explanação durante a audiência. A Jacobina Mineração usou algumas
artimanhas já conhecidas para “ganhar” a sociedade presente. Superlotou o auditório com seus
trabalhadores e esses ainda fizeram alguns depoimentos em defesa da empresa, o que não é
nenhuma surpresa. A pior situação é o não respeito as falas daqueles que faziam críticas
apontadas no inquérito e que vivenciam no dia a dia os problemas trazidos pela empresa.
Tratamentos de forma truculenta, vaias e interrupções foram presenciadas durante algumas
falas contestatórias. Mediante tamanha atrocidade e violência simbólica, o que esperar do
modo de operação desse território-ouro? Não bastasse todo o cenário já preparado, ainda
houve a fala de uma criança, menor de idade e filha de uma trabalhadora da empresa. Seu
249
pronunciamento foi realizado com lágrimas nos olhos em meio a falas em defesa da empresa
mineradora. Com uma aparência bastante “emocionada”, comoveu também os trabalhadores
que estavam em maioria no espaço, cumprindo o papel de sensibilizar em prol da mineradora.
Este é um breve panorama do território extrativo-ouro de Jacobina, que teve início
nos tempos coloniais, mas que ainda retira do subsolo esse mineral reluzente, valioso no
mercado mundial, com ações drásticas de espoliação da natureza e do ser humano.
Em Campo Alegre dos Lourdes, mais um município do semiárido e localizado no extremo
norte da Bahia, divisa com o Piauí e a 700 km de Salvador, há a intensificação da mineração
e, consequentemente, há a proliferação de conflitos com populações do campo, quilombolas e
comunidades de Fundo de Pasto. Algumas residências estão localizadas a menos de 300
metros da planta da empresa e denúncias já haviam sido realizadas pela CPT (2016). Dados
do Censo Agropecuário (2006) revelam que existem 3.760 estabelecimentos rurais, no quais
80,6% figuram abaixo do módulo fiscal de 65 hac., portanto, são considerados minifúndios.
Mesmo representando uma ampla maioria, esses estabelecimentos ocupam uma área territorial
de apenas 41,5% de toda extensão territorial municipal.
Durante a realização da Caravana Agroecológica do Semiárido Baiano, realizada
com dezenas de instituições e organizações sociais, dentro elas o GeografAR/UFBA, uma
parte da equipe se deslocou até as proximidades desse território extrativo-mineral e
presenciou uma situação drástica frente às explorações da empresa mineradora Galvani na
localidade168.
Segundo relatório da CPT (2016), Campo Alegre dos Lourdes conta com um dos
solos mais profundos e férteis do que o habitual no Semiárido, sendo as safras agrícolas
abundantes nas culturas alimentares tradicionais de sequeiro, principalmente mandioca para a
produção de farinha, feijão de corda, milho, melancia, abóbora, maxixe, entre outras. Além
das tradicionais caprino-ovinocultura e bovinocultura, com os animais criados soltos nas
caatingas e uma importante produção apícola. A maior parte das famílias do campo,
entretanto, vive em situação de vulnerabilidade econômica e de insegurança alimentar e
nutricional, uma vez que suas produções são destinadas para o autoconsumo, havendo
dificuldades para suprir outras necessidades básicas como saúde, vestuário, saneamento e
educação, além conviverem com secas prolongadas (FIGURA 24).
168
A equipe foi composta por Marina Rocha (CPT Juazeiro), Ruben Siqueira (CPT Nacional), André Monteiro
(FIOCRUZ), Luciana Khoury (MPE), Cleber Folgado (MPA) e Juliana Barros (UFRB).
250
169
Em dezembro de 2014, a Galvani formou uma joint venture com a empresa Yara, que passou a ter 60% das
participações nas extrações da mina de Campo Alegre dos Lourdes. Empresa da Noruega e com atividades no
Brasil desde 1977, a Yara anuncia oferecer “soluções para a agricultura sustentável e o meio ambiente”. Trata-se
de uma multinacional com presença em vários continentes e vendas para 150 países (YARA, 2017). Compõe,
junto com Bunge Co e Mosaic/Cargill, o oligopólio de três empresas internacionais que lideram o mercado
mundial de fosfatados e fertilizantes (MME, 2008). Somente a Galvani, em relatório de 2017, anunciou lucros na
ordem de R$ 720 milhões de reais.
252
minérios” (AATR, 2017, p. 34). Ações de famosos grileiros da região foram realizadas com
auxílios da própria polícia militar do Piauí. Uma intimação para um morador ir à delegacia foi
usada para, na sua ausência, arrancarem as cercas de suas terras. Parte do judiciário também
atuou, concedendo decisão liminar, sem ouvir os “réus” de Angicos dos Dias e proibindo a
utilização de terras onde várias famílias tinham nascido e se criado. Ameaças de morte,
perseguições e até pessoas armadas atirando próximo às casas das lideranças já foram
registradas. Inicialmente ameaçados, as populações que vivenciam os conflitos com esse
território extrativo-fosfato viraram ameaçadores e perturbadores da ordem perante a empresa
e os poderes públicos.
Denúncias diversas existem na localidade que sofre na mão desse poder desigual
de uma mineradora multinacional. Os casos vão desde a expropriação de territórios
tradicionais, acirramento da grilagem e destruição de sistemas alimentares; comprometimento
da qualidade ambiental e exposição da população a riscos de contaminação por rejeitos
tóxicos; comprometimento do acesso à água; falta de acesso à informação e à participação nas
decisões sobre o licenciamento; constrangimento à livre organização associativa e ao
exercício de direitos políticos/ liberdade de expressão e crítica, com retaliações diretas da
mineradora ameaçando de demissão os jovens cujos pais ainda frequentassem a Associação
da referida comunidade; até o desmatamento, comprometimento da biodiversidade e de
patrimônio cultural.
Todo esse cenário de terror é acompanhado pela CPT, cuja Caravana teve um
papel importante no registro e na continuação das denúncias que ainda estão em pleno vapor,
associado ao descaso de órgãos públicos. Mais um exemplo do território extrativo-mineral
que não respeita população nem a natureza – o território terra-abrigo –, e está interessado na
produção mineral para o lucro, associado ao setor do agronegócio, independente de qual seja
o mal causado a sociedade.
Por último, este texto ainda se referirá aos conflitos atuais em Campo Formoso,
vizinho a Jaguarari, no extremo norte do estado da Bahia e também situada no semiárido
brasileiro. O município já havia sido objeto de uma pesquisa e consultoria pelo autor dessa
Tese em um trabalho realizado para a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial
(SEPROMI), no ano de 2014. O estudo versou sobre um diagnóstico territorial sobre as 20
comunidades quilombolas de Lage dos Negros, certificadas pela Fundação Palmares e cuja
história remete ao século XVIII.
254
O município de Campo Formoso, para além de Lage dos Negros, possuí diversos
núcleos comunitários na zona rural e em situações de conflitos fundiários e de falta de acesso
à água. Além da atividade de mineração, já em exercício, e outros tantos projetos minerários
planejados, existem atividades de implantações de projetos de parques eólicos na região, cujas
correntes de ventos favoráveis já foram identificadas.
Informações da estrutura fundiária do município, dão conta de que 81,04% dos
estabelecimentos estão no grupo de área de até 50ha, e detém 15,92% da área. Nestes estão
incluídos os estabelecimentos do grupo de área até 5ha, que representam 40% e detém 1,56%
da área. Como o Módulo Fiscal do município que é de 65ha, é bem expressivo o número de
estabelecimentos que não detém a quantidade de terras recomendada como ideal para garantir
a reprodução de uma família. O histórico da concentração de terra no município é alto (Gini:
0,83) e com fortes indícios que se tratam de terras públicas devolutas. Alguns moradores
possuem recibos de compra e venda e outras poucas famílias receberam titulações de lotes
individuais fornecidos pela Coordenação de Desenvolvimento Agrário da Bahia (CDA).
Dados da razão entre a área de Reforma Agrária e área municipal total de Campo Formoso,
em 2009, mostraram que apenas 2,03% da área municipal tinha sido voltada para esse fim
(CPT 2012170). Tendo em vista que a maioria da população residente do município é
representativamente rural, essas informações fundiárias são ainda mais preocupantes
(FIGURA 25). Os Índices de Desenvolvimento Humano são baixíssimos e a situação de
precariedade e pobreza no campo são alarmantes.
Campo Formoso abriga muitas cavernas, entre elas a Toca da Barriguda, a Toca
do Calor de Cima, a Toca do Pitu, a Toca do Morrinho e a Toca da Boa Vista. Este conjunto
de cavernas é considerado o maior da América Latina, também tendo representatividade
mundial em termos de extensão e riquezas espeleológicas e paleontológicas. Mapeadas, as
galerias subterrâneas ultrapassam os 100 km. Anualmente acontecem expedições de
pesquisadores, de diversos países, que chegam à localidade em busca desse patrimônio
geológico. Acessam essa localidade pesquisadores que buscam o conhecimento e a
preservação da história e dos patrimónios naturais; pesquisadores que querem explorar esse
subsolo para fins econômicos distintos e; mais raro e, normalmente com recursos financeiros
escassos, pesquisadores que caminham em conjunto com as comunidades e povos tradicionais
que desejam e resistem para que a vida humana nessa superfície do “território abrigo” seja a
170
Área total = 680.600 ha / Área para reforma agrária = 13.810 ha / representando 2,03% (CPT, 2012, p.12).
255
Elaboração: GeografAR, 2016. *atentar para a possível duplicidade de comunidades quilombolas e de Fundo de Pasto,
uma vez que, algumas se autoidentificam das duas formas.
1880. Dessa época até o presente momento, inúmeras e complexas alterações nas legislações
foram realizadas, distritos foram criados e também sofreram emancipações. Em 2003 é criado
distrito de Lage dos Negros e anexado ao município de Campo Formoso. Em divisão
territorial datada de 2005, o município é constituído de dois distritos: Campo Formosos e Laje
dos Negros. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2007 e que permanece sem
alterações até hoje.
Campo Formoso é o 8º município em arrecadação da CFEM na Bahia. A extensão
territorial do município, com proporções gigantescas, é mais um fator agravante para análise
sobre conflitos desde questões fundiárias e agrárias até as atuações de empresas de mineração
que buscam a cromita, o ferro e o calcário na região. Lage dos Negros fica a mais de 100 km
de distância da sede municipal, sendo o acesso apenas feito por via vicinal, sem pavimentação
na sua integralidade. Em 2014, quase quatro horas de distância foram gastas em um
deslocamento desde a sede. Hoje, com parte asfaltada, o acesso e tempo gasto diminuíram um
pouco.
As primeiras descobertas e as extrações das minas de cromita registradas no Brasil
foram realizas em Campo Formoso – Mina de Cascabulhos, registrada em 1935; Pedrinhas e
Coitezeiro em 1936 e Campinhos, em 1937 –, todas ainda cadastrados no banco de dados do
AMN. A Companhia de Ferro Ligas da Bahia (Ferbasa) arrendou e depois comprou essas
minas que, entraram novamente em operação na década de 1960. Dessas atividades pioneiras
na extração do cromo e do ferro n Brasil, Campo Formoso conta, hoje, conta com 11 minas,
todas com lavra a céu aberto, desmonte mecânico e uso de explosivos, “localizadas ao lado
norte da Serra de Jacobina situadas nas comunidades de Catuaba, Cascabulhos, Camarinha,
Campinhos, Pedrinhas, Valérios, Coitezeiro, Limoeiro, Mato Limpo e Gameleira. Atualmente
os trabalhos estão concentrados na mina Coitezeiro, na região de Brejo Grande, em Campo
Formoso” (CPT, 2012, p.20). A FERBASA tem grande destaque no mercado nacional de
ferro e cromo, com participação acima de 90% nas ligas de cromo fornecidas para a siderurgia
de aços especiais. Segundo informações, 85% das reservas minerais brasileiras de cromo
estão situadas nestas minas de Campo Formoso.
Devido a essa questão, o Ferro explorado no município aumentou o ritmo de
extração em 136,41%, entre fevereiro de 2010 e fevereiro de 2011, segundo dados do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Já na extração do
Calcário, a atividade é direcionada para a produção de cimento e seus derivados, a empresa
responsável é Cimpor/InterCement (Grupo Camargo Corrêa), com atuação em nível global e
257
171
Carta da CPT, cuja construção o Grupo de Pesquisa GeografAR estava presente, nos dias 31 de maio e 01 de
junho de 2016 em Senhor do Bonfim (BA). Seminário sobre os Impactos socioambientais da mineração na
região centro norte da Bahia – Disponível em: http://cptba.org.br/cptba_v2/carta-do-seminario-das-comunidades-
atingidas-pela-mineracao-na-regiao-centro-norte-da-bahia/
258
172
Conhecida com o nome popular de “Esmeralda Bahia”, o objeto de disputa judicial pesa 360 quilos e tem seu
valor estimado em US$ 372 milhões. Fonte:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/09/100924_esmeralda_bahia_pu.shtml > acesso em 20/07/2015.
259
173
Na verdade, o referido “museu” trata-se mais de uma joalheria que expõe alguns poucos fatos históricos sobre
a produção de diamantes e demonstra a lapidação do diamante em até 200 lados. A denominação “museu” é
apenas um chamariz, uma tática para fisgar turistas desinformados ou curiosos, possíveis consumidores, já que a
loja do suposto museu é maior que a área de exposição.
174
Cecil John Rhodes foi um colonizador britânico que, ao chegar à África do Sul, em 1870, com 17 anos,
investiu as economias que trouxe da família em escavações de diamantes. Depois de comprar algumas minas e
conhecer os dois irmãos, fundaram a empresa que ainda hoje controla grande parte do mercado de diamantes,
mas na época era um monopólio. O nome de Rhodes se tornou um sinônimo de “ódio” na África do Sul, com
sua história com a perspectiva colonizadora, recheada de enaltecimento do imperialismo e de superioridade da
263
presente e futuro dos diamantes, houve a centralização da produção, assim como sua
distribuição, algo que jamais tinha sido feito na economia mundial das gemas. Vinculou o
volume de diamantes que liberaria ao mercado ao número de casamentos realizados nos EUA,
uma vez que os anéis de noivado representavam o grosso do mercado de gemas mundiais.
Então, compreende-se o slogan “melhor amigo das mulheres”.
Depois de explorações em territórios de Angola e de Moçambique, outros
produtores lançaram ao mercado mais pedras, o que ocasionou a derrubada do preço e desse
monopólio principal. Somente em 1930, a De Beers retoma grande parte do mercado e cria
uma Organização Central de Vendas. Após a Segunda Guerra Mundial, a Rússia causa um
novo desmonte nesse império devido à alta qualidade dos diamantes siberianos, considerados
octaedros perfeitos. O Canadá, já em 1970, também entra nesse ramo e disputa esse seleto
mercado.
Existem extrações de diamante até em ambiente marinhos, como na costa da
Namíbia, a uma profundidade de 150 metros, onde tubos dragam o cascalho do assoalho. Em
Botsuana, ricos depósitos de diamantes sustentam, aproximadamente, 70% do PIB do país
correspondendo a quatro bilhões de dólares. Atualmente, um verdadeiro oligopólio rege esse
mercado de alto luxo, no qual a De Beers compra quase toda a produção e a revende em dez
eventos realizados por ano em Londres, com a presença de uma elite de 125 joalheiros
convidados para os eventos. Atualmente, na escala global, a produção de diamante é
dominada por apenas dois grupos mineradores: a De Beers, da Anglo American (85%) e do
governo de Botsuana (15%) e Alrosa, grupo russo e maior produtor mundial, tendo ainda o
Estado como principal acionista175.
Partindo da escala global para a escala local que aportamos no município de
Nordestina, centro norte baiano. Destaca-se a implantação recente – 2015 – de uma mina de
diamantes, denominado Projeto Braúna, que recolocou o Brasil no cenário mundial deste
comércio, dessa vez uma extração realizada de forma industrial e bastante tecnológica. Na
Caatinga desse sertão baiano, debaixo das sombras das Braúnas, dos Angicos ou das
Umburanas, “lugar de quebrar licuri”, sobre os solos poucos profundos e um subsolo rochoso
176
A rocha do Kimberlito é, na verdade, o envoltório que traz o diamante, espécie de veículo que o conduz a
superfície da terra em algum processo eruptivos do passado. Esse tipo de extração industrial é realizado próxima
à superfície terrestre, devido à localização da “chaminé de kimberlito”.
177
Grupos e acionistas do negócio da Lipari Mineração: comandada pelo empresário e geólogo canadense
Kenneth W. Johnson. Os sócios da Lipari são um fundo de investimentos baseado em Hong Kong, na China, o
Favourite Company, e uma empresa familiar da Antuérpia, na Bélgica, a Aftergut & Zonen - ambos com
negócios com diamantes pelo mundo.
178
Território-máquina é inspirado a partir de Jose Miguel Wisnik (2018) e sua obra sobre Carlos Drummond de
Andrade, poeta mineiro que viu sua cidade natal – Itabira (MG) – ser “triturada em 133 vagões de mortes e
destruição”. A conceituação “máquina” é por ser um território cientificizado, instrumentalizado para a mineração
em seus processamentos industriais automatizados, monitorados intensamente e controlados, muitas vezes, por
empresas estrangeiras a milhares de quilômetros de distância.
265
180Empresa citou o número em reunião em Nordestina, no dia 08 de maio de 2018, durante a Reunião do
Conselho de Meio Ambiente. Relatos colhidos e transcritos por representantes do Movimento pela Soberania
Popular na Mineração (MAM) Nordestina / Bahia.
268
empreendimento, foi de quase 35% menor que a realidade, o que esperar dos anunciados
empregos indiretos não é animador. O que se percebe é a falta de precisão nos dados.
Do enorme montante que a empresa alega ter investido no projeto, sendo a
“primeira mina deste modelo em toda América Latina” (RIMA, 2013, p.6), pelo visto muito
pouco ou quase nada foi destinado a pesquisas sobre sua população do campo no município
(8.450 habitantes), majoritariamente superior à da cidade – parte urbana (3.921 habitantes). O
Relatório não cita nada referente a questão da terra, os minifúndios em que as famílias vivem
nesses territórios tradicionais quilombolas, embora reconheça a existência e informe que
passam por dificuldades sociais. Há também negligência sobre as questões ambientais e o
Engenheiro Antônio Leopoldo Freire (INEMA, 2018) afirma que cerca de 80% dos estudos
ambientais são notificados e estão abaixo da crítica181.
Nos “prognósticos de vantagens e desvantagens do empreendimento” (RIMA,
2013, p.51), tenta-se provar que alguns dos impactos negativos gerados pela empresa, na
verdade, seriam positivos para a população. É o caso, por exemplo sobre os recursos hídricos,
o relatório informa que “sem o empreendimento” o monitoramento da qualidade das águas
não existiria. E “com o empreendimento”, o monitoramento “se configura como um
instrumento de gestão para a saúde pública” e para a “recuperação e implantação de APPs e
reserva legal”. Passam uma ideia de que a ausência do poder público nesses setores será
suprida pela empresa que traz “benefícios” para a população. Desde 2013, início do RIMA,
até a presente data, existem famílias sem acesso a água em seus domicílios. Carências e
insuficiências hídricas tanto para consumo humano, animal ou produção alimentar, aliadas
tanto à falta de informação quanto à qualidade da água ainda é a realidade atual.
O “Projeto Braúna” foi inicialmente planejado a céu aberto, embora com
previsões para estender e partir para vias subterrâneas. A cava de Nordestina representa, na
verdade, um antigo vulcão de mais ou menos 640 milhões de anos na rocha do Kimberlito,
formada no manto da Terra. Quando ascende da parte interna da Terra, em direção a crosta
terrestre, traz junto diamantes em seu magma, oriundos de processos em altas temperaturas e
pressões absurdas. O projeto tem previsões de ultrapassar os 200 metros de profundidade e
mais de 300 metros de diâmetro, removendo as rochas do entorno do Kimberlito, gerando
uma enorme pilha de estéril. Posteriormente, ao processar o kimberlito, despejando os rejeitos
181
Informação obtida durante apresentação do engenheiro no seminário na UFRB, I Seminário de Mineração e
Meio Ambiente (2018, NEIM/UFRB).
269
junto a pilha de estéril, misturando as duas matérias. Os diamantes são selecionados nesse
processo de beneficiamento e exportados diretamente por via aérea, de helicóptero.
A parte não vendável da produção fica exposta ao redor do território, constituindo
uma nova configuração paisagística e formando também uma barreira física que protege e
esconde o empreendimento182. O RIMA (2013) da empresa informa que os processos de
beneficiamento para a separação dos materiais são mecânicos, portanto não utilizam de
produtos químicos nocivos no descarte do rejeito, apenas o ferro silício, importado da África
do Sul. Novamente o servidor David Galo (2018, n.p.), da ANM na Bahia, informou que
existe um projeto da empresa para vender parte do material estéril para a produção de brita,
mas deixou claro não se tratar de nada prioritário para empresa, uma vez que o valor do
material é muito baixo perto de suas transações de diamantes183.
Sobre as “áreas de influência do Empreendimento”, como qualquer outro projeto
extrativo-mineral, o RIMA (2013) considera a Área Diretamente Afetada (ADA) apenas os
limites internos da poligonal de concessão de lavra. Uma área total de 2km², ou 200
hectares184. Portanto, o território da mina recém implantado é maior que a maioria dos
estabelecimentos rurais de Nordestina. Cruzando o limite do território-mina para “fora”,
atravessando suas fronteiras 1 ou 2 metros, já não se pode considerar como área diretamente
afetada. Mesmo que as condições dessa parte do espaço contíguos tenham suas alterações
territoriais completamente drásticas, não receberá a mesma denominação. Uma rede de
abastecimento de água bombeia água do rio Itapicuru, localizado a alguns quilômetros ao sul
da mina, e também é considerada como parte da ADA. Se retiram água de um rio pertencente
a uma bacia hidrográfica importante na Bahia, esse corpo hídrico, na sua integralidade,
deveria ser pensando e debatido como diretamente afetado. No RIMA (2013) é declarado pela
Empresa:
182
Modificação da paisagem: este é provavelmente o impacto mais evidente e mais imediato quando da
instalação dos complexos mineradores, o impacto visual nos locais de lavra e disposição de rejeitos e estéril.
Devido à remoção de material e sua reposição, a topografia, a fauna e a flora dessas regiões são alteradas
definitivamente, o que afeta a ligação das populações ao território (Dicionário crítico de mineração, 2018).
183
Palestra realizado no Instituto de Geociência (UFBA, 2018), proferida por David Galo, servidor do ANM e
Doutorado em Geologia pela mesma universidade.
184
ADA - Corresponde à área que será ocupada pelo empreendimento em suas fases de implantação e operação.
A ADA dos meios físico e biótico está localizada dentro dos limites do município de Nordestina,
compreendendo uma área total de 2 km², contendo a pilha de estéril, a cava da mina, a planta de beneficiamento
do minério, as vias internas e as edificações da infraestrutura necessária (RIMA, 2013, p.20).
270
A empresa possuí seis poços artesianos dentro do seu território, assim, pode-se
pensar no quão nocivo isso pode acarretar para outros poços artesianos e outras fontes de água
do município, principalmente no entorno imediato, que é considerada Área de Influência
Direta (AID)185. Portanto, as populações do campo de Nordestina são consideradas como
possíveis de sofrerem influência diretamente. Os quilombos, que ficam em um entorno
próximo, algumas casas a menos de 2km da fronteira com a ADA, são englobados juntamente
como qualquer outro estabelecimento que fique, por exemplo, ao norte da sede municipal, por
volta de 10Km de distância. O RIMA (2013) ainda especifica as Áreas de Influência do Meio
Socioeconômico, apontando que Nordestina possui uma baixa densidade demográfica, mas
não mostra quão baixa ela representa. Segundo dados do Atlas de Desenvolvimento Humano
(PNUD, 2010), o município tem densidade de 26,25 hab/km², um pouco maior que a média
brasileira e baiana. A indicação da empresa segue a mesma linha de raciocínio já observado
em outras escalas nacionais ou até de outros países. Tentam usar um dado demográfico
quantitativo para apagar a importância das populações que vivem nesses espaços.
Compreendem como espaços vazios, onde é possível avançar e “levar o desenvolvimento”,
áreas que eles reconhecem apenas como de “indicadores econômicos e sociais
consideravelmente baixos” (RIMA, 2013, p. 34).
Contraditoriamente, o RIMA destaca nesse mesmo capítulo que a “instalação do
empreendimento não causa incômodos à população, mas traz certa preocupação pelos
problemas sociais que poderão surgir com a degradação do meio ambiente, proliferação de
DSTs, atração e aumento da população e consequente aumento da criminalidade” (2013, p.
34, grifo nosso). Esses problemas que poderão existir são, estranhamente, considerados como
um não incômodo para o município. Destacam ainda que as expectativas são, na verdade,
favoráveis, com a geração de emprego e a dinamização da economia sendo os maiores
destaques186.
Sítios arqueológicos são assuntos de segundo plano. A flora e a fauna possuem
destaques maiores no relatório do que as populações do campo, preceitos de um “ecologismo”
185
AID - Corresponde à região no entorno da ADA com possibilidade de ser afetada diretamente pelo
empreendimento. A AID dos meios físico e biótico abrange 9,8 km², no entorno da ADA. A AID do meio
socioeconômico foi considerada como a área total do município de Nordestina.
186
Reconhecem como “Áreas de Influência do Meio Socioeconômico” às relações sociais, econômicas,
históricas e culturais de uma determinada população, identificando suas potencialidades (RIMA, 2013).
271
sem a presença do ser humano. Os quilombos passam quase que na tangência do estudo, uma
vez que a Empresa não podia invisibilizar totalmente as 12 comunidades reconhecidas pela
Fundação Cultural Palmares. Porém, mesmo abordando suas existências, daí destaca-se a
importância de uma política afirmativa de auto reconhecimento dos quilombos, as abordagens
são simplórias, curtas e com absolutamente nenhum destaque no quesito sociocultural dos
quilombolas. Chegam a declarar que “não estão previstos impactos diretos nestes locais”
(FIGURA 29).
A conclusão do Rima (2013) é simplória. O relatório, elaborado por uma equipe
multidisciplinar, contando com mais de 20 profissionais, entre eles Engenheiros Químico,
Ambiental, Mecânico, de Minas, Geólogos, Biólogos, Geógrafos, Economista, Arqueólogo e
Pedagoga, tanto pertencente ao quadro da empresa mineradora quanto da empresa contratada
– Geoklock – destaca apenas que a importância do empreendimento é inquestionável para
uma “região que apresenta baixa aptidão para outras atividades econômicas. Não existe
atividade agrícola relevante, com potencial de desenvolvimento regional” (RIMA, 2013,
p.53). O determinismo na extração de diamantes para a empresa é tido como uma espécie de
redenção para a população, como se a única saída economicamente viável seja a extração
desse bem mineral no subsolo, dando uma impressão que o “território recurso” que será
“produzido” é quase um favor que a empresa está prestando para a população.
187
“O impacto sem brilho da lavra do diamante”. A produção do filme é da Comissão Pastoral da Terra -
regional Bahia e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nordestina – Bahia, 2016. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=mz-lcrvcnu0 acessado em 10/11/2016.
276
[...] eles puxavam água a noite toda e chega de manhãzinha três ou quatro caminhões
que eles tiravam por dia para molhar essa pista. Conforme foi sendo puxando, foi
secando o rio. E assim a gente foi, se mobilizou e acabou indo pra frente da
empresa. O acordo foi o seguinte: eles pararam de puxar a água, mas já estão
277
retornando aos poucos a mesma atividade, tiram um, dois caminhões, mas
geralmente é a noite.
[...] o trânsito, quando vamos para a cidade, encontra-se com muito carro, mudou
muito. Antes, era um lugar muito calmo, era difícil escutar zoada, ou alguma outra
coisa. Agora é toda hora essa zoada, buzina de noite, buzina toda hora, então... isso
prejudica muito nossa população, aqui era um lugar tranquilo antes dessa firma,
agora mudou totalmente. É um lugar que a gente gosta de viver tranquilo, mas agora
está impossível [...] (Relato de moradora de Nordestina, 2017, n.p.).
Os moradores perderam o sossego depois que a Lipari chegou aqui. Ninguém dorme
mais com os barulhos das máquinas e barulhos de carros grandes e pequenos. Um
tráfego enorme de carro passando em nossas estradas, onde temos crianças e animais
correndo risco de serem atropelados. (Relato de morador de Nordestina, 2017, n.p.).
mas que tem uma envergadura importante, pois revela como é a atuação da Mineradora
Lípari, como outros grandes empreendimentos do capital, que age sob a lógica do racismo e
da injustiça socioambiental, retirando as riquezas dos “territórios recursos”, que são
destinadas para os mercados internacionais, enquanto as populações locais são obrigadas a
conviver com as consequentes amputações territoriais e os resíduos gerados pela extração,
além de toda uma perturbação cotidiana no processo mineral. Como já abordado, é fácil
observar e concluir que as riquezas geradas pelas extrações e beneficiamentos dos diamantes
em Nordestina, não se estabelecem nesse município, não são usufruídas pela população
nordestinense, não retornam em questões primordiais, para a manutenção da vida dessas
culturas tradicionais centenárias.
A empresa já manifestou possuir todas as licenças, outorgas e documentos que
regularizam o trabalho de extração mineral, frente as legislações vigentes, o que se mostra é a
legalidade do processo extrativo. E, assim, mesmo com a historiografia dos conflitos que
envolvem mineração registrar, em muitos casos, denúncias graves e violações de direitos, o
que também acontece é a continuidade dos empreendimentos nos territórios minerais. A
Lipari propagandeia que desenvolve 23 projetos e programas básicos relacionados ao meio
ambiente, porém nenhum detalhe é dito ou demonstrado em seus sítios na internet ou visto na
localidade de forma perceptível.
Uma alternativa de geração de renda foi ofertada pela empresa em oficinas para a
confecção de tiaras. Moradores de comunidades no campo ironizaram essa proposta e relatam
que as empresas aproveitam esses eventos para realizar propagandas e para passarem uma boa
imagem de organização solidária, além de poderem adentrar no universo comunitário e fazer
alianças internas. No RIMA (2013) constam informações de implantação de “projetos sociais”
que eles apoiam como: uma Escola de Capoeira com doação de uniformes e instrumentos
musicais; o Projeto Baú da Leitura, com doação de livros; na Escola Municipal José Gomes
de Alencar também teve a doação de uniforme para os estudantes; e na Liga Desportiva
Nordestinense o patrocínio para a equipe de futebol do Município. Resumindo, tratam-se de
amplas doações de uniformes, cujas estampas vão com emblemas da empresa mineradora,
funcionando como instrumento de propaganda, além do baú de livros que ninguém soube
responder quem auxiliou na escolha desses livros e onde eles estão situados. Casos
semelhantes já foram relatados em outras regiões do Brasil em projetos da empresa Vale.
O território da mina está situado dentro de um território tradicional quilombola,
porém nenhum acordo foi feito junto às comunidades, que ainda não possuem o Relatório
280
Quando eu escuto a explosão eu assusto até hoje. A primeira casa a ser atingida é a
minha. É difícil, a gente se sente como se tivesse se deparado com um outro mundo.
Um mundo que a cada dia vai ficando escuro. Perdendo sensibilidade do ser
humano. Quando estava passando o vídeo ali, a Liparí acabou de me ligar. Aqui não
tem ninguém da Lipari não, ne? Perigoso. Minha filha acabou de mandar um áudio
que já está tudo lá em casa. Que vão colocar o aparelho, medidor de ar e de
vibração. E essa situação já nem sei... acompanharam 3 meses, colocando aparelho
para medir vibração. E quando trazem resultado, dizem que não tem nada a ver.
Significa o que? Que estou mentido? Eu já cansei... (SILVA, Vanilda, 2018, n.p).
Sentindo necessidade de falar, mas também com receio, ela finaliza sua fala com
lágrimas no rosto. Após a fala na mesa, mostra-me mensagens recebidas do WhatsApp
“institucional’ da empresa, em que perguntam nomes de familiares que queiram emprego,
pois estavam recebendo currículos neste momento. Intimidação e persuasão da empresa com a
281
moradora? Sabiam que ela estava convidada para um debate na UFBA naquele momento, ou
apenas coincidência?
188
Padre José Amaro era considerado o braço direito da missionária norte americana Dorothy Stang, assassinada em 2005, e
deu prosseguimento ao trabalho em favor dos camponeses depois da execução dela. O sacerdote foi preso após mandado
judicial expedido para investigação de crimes de extorsão, ameaça, assédio sexual e ocupação violenta de terras; prática
comum para tentar criminalizar os que lutam pelos direitos dos povos da terra. Ameaçado de morte várias vezes, José Amaro
foi libertado após três meses de prisão. “A prisão foi feita com o único objetivo de impedir a luta pela reforma agrária na
região”, afirma o advogado Marco Apolo Santana Leão, que atua na Sociedade Paraense de Defesa de Direito Humanos
(SDDH-PA) e na Comissão Pastoral da Terra (CPT). Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/06/28/stj-liberta-
padre-amaro-aliado-de-dorothy-stang-e-vitima-de-perseguicao-politica/ acessado em 13/08/2018.
282
parte das empresas, uma vez que leva o conhecimento dos devidos direitos e a verdade que
ocorre nessa trama territorial em busca do recurso-diamante.
Estes e outros conflitos envolvendo a exploração mineral trouxeram um aumento
da criminalidade, do tráfico e do uso de drogas na localidade, o que foi previsto no RIMA
(2013) da empresa. Além de enunciar o problema, não houve nenhuma outra medida da
empresa, mesmo junto ao governo estadual ou municipal para atenuar tal medida. Aliás, a
polícia militar da região, conhecida como Polícia da Catingueira, conta com uma reputação
nada amistosa com a população do campo. Parecem realizar ações de proteção direta ao
empreendimento mineral, como foi observado e questionado em uma “blitz” ao carro da CPT
em uma visita a campo no município. Monitoramentos da polícia em parceria com a empresa
podem ser estabelecidos, mas não podem se reduzir ao objetivo de proteger o patrimônio
mineral. O aumento do custo de vida na pacata cidade de Nordestina também é notório.
Sobre as altas taxas de analfabetismo das comunidades e todos os demais
problemas da sociedade civil de Nordestina, a empresa informou não possuir nenhuma
responsabilidade com os fatos, pois, nas palavras de seus representantes, em uma reunião no
município: “não é problema nosso”. É certo que o empreendimento não trouxe nem
desenvolveu essa situação social diagnosticada. Isso é fruto de dezenas de décadas de
ausência do poder público, aliado a práticas coronelistas e a falta de uma reforma agrária
popular, entre outros elementos histórico-geográficos importantes. Mas ao implantar seu
território extrativo-mineral, ela se torna responsável também pela constante melhoria na
localidade, uma vez que extrai riquezas do seu subsolo que não são renováveis.
Durante a reunião, a empresa realizou as seguintes perguntas para os presentes:
Qual é o problema em relação a Lipari? Esse problema é um incômodo ou oferece risco a
população? Existe alguma sugestão para solucionar os problemas? O conflito é o melhor
caminho? As perguntas colocadas de forma ingênua tendem a passar a ideia de que a empresa
está aberta a ouvir e não conhece os problemas causados. E a última pergunta tenta relativizar
os conflitos, colocando-os como um caminho ruim, como se a população os provocasse à toa.
O Presidente do Conselho também afirmou “que a empresa Lipari não irá sair do município
de Nordestina enquanto a mesma estiver se beneficiando”189.
189
Relatos de Representantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) em Nordestina /
Bahia, 08 de maio de 2018 durante Reunião do Conselho de Meio Ambiente, no qual a Empresa Lipari
Mineração Ltda também estava presente.
283
190
O título do filme é: “O que seria do mundo sem a mineração”, disponível em:
http://youtu.be/fZVUfwQZSXY.
191
Do valor total do royalty, 65% é propriedade do município produtor, 23% dos estados e Distrito Federal, 2%
do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e 10% do Ministério de Minas e Energia, que
são repassados para o DNPM – 0,2% disso são repassados para o IBAMA para proteção ambiental dos estados
produtores. A alíquota para fins de incidência da CFEM sobre o diamante é de 3% (três por cento), faixa que
engloba Bauxita, manganês, diamante, nióbio, potássio e sal-gema.
284
conhecidos como CFEM, são uma das alíquotas mais baixas entre vários países mineradores
do mundo.
Até a mina entrar em ação e conseguir produzir na sua escala programada de alto
rendimento não há retorno de CFEM como anunciado e esse processo não ocorre
rapidamente. Passados mais de três anos do empreendimento em funcionamento que os
valores financeiros da CFEM aumentaram, demonstrando uma produção mais robusta apenas
em 2018 (FIGURA 33). Se o território tiver apenas sete anos de empreendimento, como
anunciado no RIMA (2013), a metade desse planejamento já se esgotou. Nem a mineradora
nem o poder público discutiram junto à sociedade civil nenhuma outra proposta de matriz
econômica para Nordestina após o encerramento desse território extrativo-mineral.
aos conflitos territoriais envolvidos192. Recursos chineses também estão em negociação para a
consolidação deste complexo agro mineiro exportador. Em Caetité foram registradas seis
comunidades que já vivenciam conflitos por água e em Pindaí somam-se 10 comunidades,
segundo relatórios da CPT (2014). Esses conflitos registrados referem-se ao uso e à
apropriação particular da água pelas mineradoras, dificultando o acesso a esse bem por parte
das populações do campo e dos grupos tradicionais (FIGURA 34).
192
Empreendimento de propriedade da empresa Bahia Mineração Ltda. (Bamin), pertencente à Eurasian Natural
Resource Corporation, grupo do Cazaquistão e da Índia. Projeto avaliado no valor de quase 2 bilhões de dólares.
287
193
Carta da Assembleia Popular disponível em: http://mamnacional.org.br/2017/06/05/ba-carta-de-assembleia-
popular-aponta-proximos-passos-na-luta-pela-soberania-popular-na-mineracao/ acessado em 06/08/2017.
288
locais que estão cientes desses números e de entidades que acompanham as comunidades e os
povos tradicionais da região.
Assim como em Jaguarari, no município de Campo Formoso já ocorre atuação de
extrações minerais há anos, e produz fortes problemas territoriais e ambientais, sendo um
agravante a grande extensão dos municípios. Uma extensa área rural, com clima semiárido
sob a Caatinga, a ocorrência de registros minerais importantes para o mercado em um
território terra-abrigo onde vivem centenas de povos tradicionais pobres serão os principais
alvos dessa atividade econômica extrativista. Sander Prates (CPT, 2012, n.p.), na época
analista e assessor jurídico da CPT, relatou: “A mineração está se expandindo principalmente
para áreas dos territórios tradicionais e unidades de preservação integral. Ela avança
escolhendo onde quer avançar. [...] comunidades acabam pagando pelo desenvolvimento”194.
194
Fonte: mineração provoca sérios impactos no centro norte da Bahia – CPT, 2012 disponível em:
http://racismoambiental.net.br/2012/08/03/mineracao-provoca-serios-impactos-no-centro-norte-da-bahia/
acessado em 20/11/2016. Sander Prates é professor da UNEB Jacobina e pesquisador do GeografAR.
289
seus respectivos problemas. Os debates foram iniciados pela Igreja Católica e por entidades
de apoio local na formação do Fórum de Entidades de Curaçá (FIGURA 36).
Reuniões no Fórum de Entidades de Curaçá; placa de pesquisa mineral em “propriedade particular”; fluxo de
caminhões carregando mármore. Elaboração: GeografAR. Fotos: ANTONINO, 2016 e 2019
290
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tipo de técnica e/ou tecnologia distinta, as ações espoliatórias estiveram e estão presentes
violando os direitos dos “territórios terra-abrigo”, cujo usos dos territórios são heterogêneos
nas formas dos territórios como abrigo, morada e sustentáculo para a produção e a reprodução
da vida na busca de algo minimamente mais digno. Cada território terra-abrigo, a seu modo,
com sua velocidade, com sua maneira de vivenciar e de reproduzir suas vidas, dependendo e,
ao mesmo tempo, tendo vínculo com a mãe-natureza.
Sem a intenção de ser mais exaustivo e/ou repetitivo, porém se torna de suma
importância a necessidade de reportar que, também neste momento de escrita das
considerações finais, registrou-se a morte de dois trabalhadores de uma cooperativa
garimpeira de esmeraldas na Serra da Carnaíba, Pindobaçu (BA), em janeiro de 2019. Logo
em seguida, em fevereiro ocorreram mais duas mortes de trabalhadores, outros três ficaram
feridos, na mineradora de propriedade da multinacional Leagold, de origem canadense,
situada na divisa dos municípios de Barrocas e Teofilândia-Ba195. Vidas ceifadas
abruptamente e diretamente associadas a esse modelo mineral, onde o lucro prevalece sobre a
segurança dos próprios trabalhadores, da população dos municípios, das regiões do entorno e
ao longo da bacia hidrográfica, portanto sobre a natureza e a sociedade.
Esses tristes acontecimentos de corpos privados de vida em um ano incerto,
evidenciam, ainda mais, a relevância de se elaborar uma pesquisa sobre a temática e que se
posiciona em defesa dos territórios terra-abrigo, dos direitos humanos e da cidadania. Nas
páginas e nas práticas deste estudo, buscou-se dar voz aos subjugados e oprimidos pela
mineração e aos desiludidos por suas promessas, que tantas vezes silenciados não podem
senão ganhar fala em uma pesquisa acadêmica de cunho crítico. Eis esse um ato em busca de
dignidade, de liberdade e de uma democracia efetiva, uma intervenção na ordem do silêncio
em um mundo que os querem calados, anestesiados, suprimidos.
Um outro registro importante é o avanço de uma mineradora que busca extrair
ferro em Sento Sé, extremo norte na Bahia, às margens do Rio São Francisco. Conhecido e
divulgado como o distrito de depósitos de ferro de Sento Sé/Remanso, esse projeto já
estimado como “grandioso” prevê a realização de investimentos na casa dos 11 bilhões de
reais. Os conhecidos anúncios sobre a geração de empregos já circulam na localidade.
Informações entre cinco a dez mil postos de trabalho, bem como melhoria na infraestrutura
195
Fazenda Brasileiro Desenvolvimento Mineral (FBDM). Pertencente atualmente ao Grupo
Canadense Yamana.
293
local “correm” pela região, porém com dados ainda desencontrados e superlativos196.
Comunidades do campo e instituições começaram a se preocupar com a futura extração
mineral que irá alterar toda a dinâmica territorial. O esforço ainda mínimo e com pouca
adesão da população, que ainda convive com carências múltiplas e com a falta de informação
e conhecimento dos futuros projetos, acabando aceitando toda imposição vertical da
mineração. Todas essas cenas se repetem, voltam ao ponto da psicoesfera do cidadão
cooptado para sonhar com empregos e impostos revestidos pela mineração e o possível e
desejado desenvolvimento econômico municipal e regional.
Outro caso envolvendo assentamentos no sul da Bahia vem causando bastante
preocupação ao serem informados pelos técnicos de uma empresa mineradora que irão
explorar nas terras do Projeto de Assentamento Terra de Santa Cruz. Situado na divisa dos
municípios de Santa Luzia e Camacã, que ocupam um território terra-abrigo que a empresa
deseja para extrair conglomerados para revestimentos197. A ausência de diálogos e de
efetivação dos direitos do cidadão do campo, acessados por meio de política de Reforma
Agrária, quer dizer, através da luta nesse território usado para sua reprodução e de sua família,
o que deve ser considerado como de “interesse nacional”, não são sequer mencionados.
Em março de 2019, também na Bahia, foi interditada uma barragem de rejeito de
mineração no município de Maiquinique, sudoeste da Bahia, por risco de rompimento e
inundação198. No contexto brasileiro, em 2019, também se observou um planejamento de
uma mina de carvão na região metropolitana de Porto Alegre, projeto totalmente fora do
contexto local e nacional. Além de um outro caso drástico em Alagoas, estado que não tem a
mineração como base de sua economia, mas que atualmente vivencia situações de incertezas e
estresses no bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro, na capital Maceió, devido a rachaduras
nas casas, prédios, além de algumas ruas. Todo esse problema urbano está relacionado à
extração da salgema, realizado pela empresa Braskem no subsolo da capital, próximo a lagoa
Mundaú, cartão postal do estado e “território abrigo” de pescadores, marisqueiras e
ribeirinhos. Centenas de residências, estabelecimentos comerciais e prédios públicos estão
sendo esvaziados, porém sem qualquer resposta concreta do real problema e dos responsáveis
legais. Planejamentos futuros para as famílias e para as crianças, que estão sem escola há
196
Anglo-australiana Colomi Iron Mineração. Valores incluem a operação da mina e de melhorias na Ferrovia
Centro Atlântica (FCA) e no Porto Aratu-Candeias.
197
Por volta de 100 famílias do Movimento de Trabalhadores/as Assentados/as e Quilombolas (CETA).
198
Mineradora Grafite do Brasil é formada pelas empresas Samaca Ferros Ltda e Extrativa Metalquímica S/A.
294
meses, são tarefas que o Estado e a empresa responsável deveriam assumir, mas que estão
sendo realizadas pelos próprios moradores, desamparados.
Os casos de conflitos envolvendo a mineração não cessam. Se formos apenas
registrar a quantidade de conflitos, na velocidade que eles “aparecem”, se tornaria um
trabalho infindável, visto que a cada novo projeto mineral implantado, soerguem conflitos
específicos com as populações locais, a sociedade e a natureza. Os casos analisados nesta
Tese e os outros tantos que aqui não tiveram destaque são testemunhos que a estrutura desse
atual modelo de desenvolvimento global, pautado na extração mineral predatória, promove
“espoliação” e sérias amputações territoriais. Mineração causa colapso nas condições de vida
das populações dos territórios terra-abrigo. São oriundo de projetos financeiros e minerais que
não nasceram na localidade onde é extraída ou beneficiada, que não possuem identificação
nenhuma com os usos dos territórios para servir de abrigo e de sobrevivência, que não
respeitam a cultura local, que não seguem a lógica da solidariedade e do respeito mútuo com a
vizinhança, que não considera as condições da natureza e dos biomas, incluindo as questões
climáticas, que não leva em conta a velocidade de assimilação de informações técnicas
complexas pelos “homens lentos”. Portanto, tais projetos confirmam que os territórios
extrativo-mineral servirão, majoritariamente, para exportação de commodities e não para o
desenvolvimento local. Como debatido ao longo desta Tese, referenciado em diferentes
autores, esses projetos reforçam toda a condição de dependência mineral que o país, enquanto
território colonial e Estado-nação, sempre foi atrelado ao contínuo desenvolvimento do
subdesenvolvimento ou mesmo à lógica do desenvolvimento desigual e combinado, que
retorna os lucros para os países hegemônicos e deixa os rastros dos rejeitos, as máquinas e
equipamentos enferrujados, a espoliação da população e a eterna amputação dos territórios
terra-abrigo. As espoliações fazem parte das violações sistemáticas de direitos. Assim, os
conflitos gerados pelas mineradoras são os resultados das sangrias e amputações dos
territórios extrativo-mineral que se perpetuam.
Analisou-se, na presente Tese, parte da dinâmica de formação e consolidação dos
projetos minerais na Bahia. Comprovou-se, com dezenas de exemplos, a subjugação e a
violação dos direitos das populações do campo, comunidades tradicionais e populações
periféricas urbanas frente às espoliações territoriais ocasionadas nessa atividade extrativa-
mineral. Casos que vão desde a escala regional da América Latina, o contexto brasileiro,
nordestino e, especificamente, o baiano. Amputações territoriais de grandes proporções que
295
são originadas pelo modo de operação das empresas mineradoras, inúmeras multinacionais
ancoradas pelos poderes públicos.
O poder público é coautor desses embates que ocorrem no território-nação, seja
no fornecimento de infraestrutura de energia ou água, rodovias, ferroviais ou portos, nas
benesses das isenções fiscais, nos suportes financeiros para projetos estratégicos via BNDES,
nos questionados e duvidosos licenciamentos ambientais, na promoção de audiências públicas
ineficientes e com participação popular pífia ou até mesmo cooptada, aliados as negligências
e inoperâncias nas fiscalizações, anistias de valores de multas cobradas ou até postergações
por décadas na justiça.
Os agentes do capital entram e realizam seus empreendimentos à revelia de
qualquer população local. O Estado, suporte para o desenvolvimento capitalista, permite e
legitima as ações, seja em qualquer esfera ou escala de poder. Um legisla a favor de tais
empreendimentos, o outro auxilia na implantação e na execução dos projetos e por último são
respaldados por judiciários que permite tais ações ou aplicam multas que a maioria não será
paga. A farta ligação entre poder público e financiamentos de campanhas eleitorais pelas
mineradoras já foi demonstrada. Assim, tais alianças acabam gerando problemas na ordem do
cotidiano dos “territórios abrigo” como a falta de água para abastecimento humano, animal e
produtivo; o despojo territorial sem negociação; o movimento intensivo de caminhões nas
estradas vicinais; a poluição do ar e a poluição sonora intensiva, ocasionando problemas
respiratórios e outras questões de saúde e até mental; as explosões que causam rachaduras nas
casas e cisternas do entorno; o aumento da violência de variadas ordens com a chegada de
contingente populacional, principalmente homens; as especulações imobiliárias exorbitantes;
além de uma série de outros fatores intermináveis, visto que cada empreendimento carrega
consigo algum modo espoliatório específico.
A atuação do Estado tem sido, desde o início e majoritariamente, a de resguardar
os interesses vinculados à territorialização das empresas mineradoras na busca dos recursos-
empreendimentos, mesmo que isso tenha como “custo” a proliferação de conflitos e a
violência nos “territórios abrigo”, prejudicando diretamente os chamados bens da União (a
natureza) e do povo brasileiro. O Estado, portanto, é um agente-chave para a consolidação dos
processos de territorialização do capital mineral.
A operacionalização da categoria território serviu de forma contundente nessa
análise da pesquisa que envolve, a princípio, relações de poder extremamente desiguais. O
uso que se faz dos territórios não é igual para as populações do campo, comunidades
296
199
Trecho adaptado da publicação de autoria do presente autor desta Tese; Um modelo mineral Insustentável;
Seção “opinião” do Jornal A Tarde. 30 de janeiro de 2019. Salvador, Bahia (em anexo). Embora se enfatize “que
não aprendemos” com esses casos drásticos conflituosos do passado e do presente, enquanto sociedade que
almeja e luta por mudança, registra-se a plena consciência de dezenas de pesquisadores, representantes públicos
responsáveis, instituições sociais diversas ou até mesmo populações que ainda vivenciam os conflitos de que
esse não é o modelo ou a forma de atuação mais adequada de realizar a extração mineral no Brasil.
297
A guerra pela terra e a busca das riquezas do subsolo já são marcas da “geo-
graphia” brasileira e baiana, traduzido em uma disputa desigual que a correlação de força se
dá entre a “pedra contra o tanque”. Esse é o território extrativo-mineral na Bahia. O que está
posto em jogo é o lucro de quem não vive nos territórios terra-abrigo. A CFEM ou o imposto
pago (ICMS) para o estado mediante operação de extrativismo mineral não retornam para as
localidades. A taxas de CFEM são irrisórias perto de toda amputação sofrida e de toda a
riqueza espoliada. Mesmo que fossem mais satisfatórias financeiramente, as ações nos
territórios minerais são irrevogáveis, permaneceram para a eternidade, enquanto o recurso
mineral, finito e não renovável, se encerra em prazos curtos de décadas ou menos.
A Bahia não recebe nenhum “lucro da mineração”. O pouco ou quase nada
arrecadado não consegue reverter em reais ganhos e melhorias para a população baiana. Não
se demarcam terras no Brasil devido a garantia da perpetuação de várias práticas existentes
para a manutenção da desigualdade e da concentração do capital, entre elas o extrativismo
mineral. Associados ainda a ações contemporâneas de grilagem de terra, os grandes projetos
de infraestrutura como portos, rodovias, ferrovias e pontes. Esse território extrativo-mineral
depende exclusivamente da existência do território terra-abrigo, preservado e sem
regularização de suas terras ou demarcação garantidas, além de uma população que não
conhece seus reais direitos. Depende, igualmente, da existência de legislações e de governos
que permitem sua consolidação nesse modus operandi, pois é o que mais se obtêm lucro e
“facilidades”, articulados nas redes de empresas globais e governos, em uma era pujante de
ampla financeirização.
Vive-se, atualmente sobre a égide em que a demanda capitalista subordina todo o
resto da sociedade. Não se pensa uma economia na reutilização dos minérios ou dos rejeitos
gerados, pelo contrário, no Brasil e na América Latina houve uma grande intensificação da
mineração nos últimos vinte anos, tudo isso correlacionado a uma globalização perversa de
um sistema-mundo de usos e descartes de materiais provenientes de minerais. Uma sociedade
do consumo exacerbado, que jamais pensaria uma sociedade e sua economia valorizando os
minérios e os patrimônios geológicos preservados na natureza, cujas trajetórias de bilhões de
anos para ser formar e no qual são, também, responsáveis, pela biodiversidade do planeta,
pela questão climática e pela preservação de povos no campo e de comunidades tradicionais
mundo afora.
O fator do consumismo, atualmente um dos pilares do desenvolvimento
convencional e um dos principais fatores para explicar a alta demanda de produtos extrativos
298
minerais, aliado com obsolescências programadas, hoje com fortes influências da psicoesfera
sobre o consumidor e a alta demanda de produtos extrativos para a indústria bélica, acabam
por alimentar a competição e a desconfiança entre os países. Embora o lócus do consumo
nunca ter sido o território terra-abrigo, jamais existirá uma soberania popular, cuja
participação da população que vivencia os conflitos, ainda nas fases de pesquisa ou de
extração mineral, forem colocadas na invisibilidade. Não existe nenhuma eficiência em lutar
por um país soberano “para fora” se dentro não existe a soberania popular verdadeira.
O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) se reuniu em
meados de maio de 2018 e realizou seu I Encontro Nacional com a presença de 700 pessoas
provenientes de 16 estados do país, que se reuniram em Parauapebas, no sudeste do Pará,
além de contar também com representantes de movimentos da África do Sul, Colômbia,
Equador e Peru. Não é possível continuar o debate da mineração sem a devida participação
e envolvimento da sociedade. 200.
Todo o debate crítico e as articulações entre vários movimentos populares que
começam a ganhar forças nacionalmente estão sendo aprimoradas e amadurecidas nos
diversos “fronts” por onde os conflitos eclodem a cada dia e a cada território extrativo-
mineral implantado. Para a construção de um outro mundo e um outro território-nação,
onde seja possível a garantia da plenitude do cidadão, ainda é preciso caminhar e transpor
inúmeras barreiras. Uma nação cuja formação histórico-geográfica é repleta de sangrias
territoriais nos obriga a pensar e a reagir diferente como cidadão nascido em Minas Gerais,
como professor, pesquisador na Bahia, geógrafo crítico, latino-americano e ser do mundo.
Assim, mediante tão grande esforço empenhado na presente pesquisa que se
reafirma a Tese de que os procedimentos para a formação e a perpetuação dos territórios
extrativo-mineral no Brasil, ocorrem na articulação entre mineradoras e o poder público
brasileiro. Toda essa engrenagem prioriza, no suposto “interesse nacional” e “coletivo”, a
extração dos mais de 80 tipos de minérios, ocasionando distintas espoliações, amputando os
territórios terra-abrigo e subjugando as populações do campo e comunidades tradicionais.
Toda a sociedade brasileira vivencia as espoliações do setor mineral, não só a baiana ou as
populações do campo, independentemente se as pessoas participam diretamente, vejam,
sintam, se importem ou não com as violações que os territórios extrativo-mineral carregam.
200
Carta Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-mineracao-e-a-consciencia-de-um-povo/
299
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em 31/07/2017.
ANEXO
Sistema dominial. Assentava-se no princípio de que as minas não pertenciam nem ao Soberano
nem aos indivíduos, constituindo parte integrante do patrimônio do Estado. Ainda que a
exploração dependesse de concessão imperial, os objetivos tinham que estar alinhados com os
mais elevados interesses da Nação. Esse conceito era fortemente contestado por juristas que
argumentavam que a Constituição de 1824, promulgada logo após a Independência, garantia o
Brasil direito pleno de propriedade, que implicava no domínio total sobre todos os bens existentes no
solo e no subsolo. A corrente contrária sustentava que a Constituição não era clara a respeito do
Império alcance do direito de propriedade, se esse direito abrangia apenas a superfície ou também o
subsolo.
1823 1891 1876 – Fundação da unidade acadêmica Escola de Minas de Ouro Preto – Minas Gerais.
Fonte: (BARBOSA, 1994). Adaptado pelo autor: ANTONINO, 2018.
1941
Criada a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN.
1942
Criada a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD.
A nova ordem constitucional reabriu a mineração à participação do capital estrangeiro. A
tributação única foi estendida para todos os minerais do País pela Constituição de 1946.
Revogadas todas as leis ordinárias que estabeleciam restrições para a participação de
estrangeiros. Manteve o princípio da separação da propriedade do solo da do subsolo, mas
consagrou o direito de preferência em favor do dono da superfície para explorar os recursos
minerais. A solução era nitidamente conciliatória. Possuindo a preferência, o proprietário não
1946 podia reclamar qualquer compensação caso não desejasse exercitar esse seu direito. Nessa
hipótese, o Governo concedia a terceiros a exploração da jazida existente em suas terras. Esse
direito de preferência, no entanto, trouxe também sérios entraves à mineração brasileira, tendo
sido extinto com o advento da Carta de 1967.
Criado o Ministério das Minas e Energia e o DNPM foi incorporado à estrutura do novo
Ministério
1960
Aprovada a Lei nº 4.425 estabelecendo regime de tributação única para os minerais – Imposto
Único sobre mineral – IUM.
1964
Descoberto minério de ferro na Serra dos Carajás.
Extinguiu o direito de preferência do proprietário do solo e criou uma compensação, em favor
deste, equivalente a 10% do imposto incidente sobre a exploração mineral (o IUM - Imposto
Único sobre Minerais). A preferência foi substituída pela prioridade que passou a ser o critério
predominante para a concessão de direitos minerais. A prioridade é entendida como sendo a
318
precedência de registro da jazida no protocolo do órgão responsável pela emissão dos títulos
1967 minerários: o DNPM. É o lado “romântico” da mineração: a jazida pertence a quem primeiro a
registra. Um mês após a promulgação da Carta Política de 1967, foi editado o Código de
Mineração (Decreto-Lei n~ 227, de 28.02.67), que ainda se encontra em vigor.
O Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro, denominado de Código da Mineração, regula os
direitos sobre as massas individualizadas de substâncias minerais ou fósseis, encontradas na
superfície ou no interior da terra formando os recursos minerais do País; o regime de seu
aproveitamento; e a fiscalização pelo Governo Federal, da pesquisa, da lavra e de outros
aspectos da indústria mineral (Dá nova redação ao Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de
1940, Código de Minas). O monopólio sobre a pesquisa e a lavra de petróleo passa a ser
exigência constitucional.
O monopólio estatal para a pesquisa, lavra, refino e transporte de petróleo, estendendo esse
monopólio para os minérios nucleares.
1969
Criada a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM.
1970 Iniciada a implantação do Projeto RADAM, um dos mais importantes projetos de cartografia
geológica e de recursos naturais na região amazônica.
1990 Reforma administrativa extingue o Ministério das Minas e Energia e suas atividades são
incluídas no recém-criado Ministério da Infraestrutura. A Lei nº 8.001, de 13 de março, define
os percentuais da distribuição da compensação financeira de que trata a Lei nº 7.990, de 28 de
dezembro de 1989.
1994 A Lei nº 8.876, de 2 de maio, autoriza o Poder Executivo a instituir como Autarquia o DNPM.
O Decreto nº 1.324, de 2 de dezembro, institui como autarquia o DNPM e aprova sua estrutura
regimental. A CPRM é transformada em empresa pública, pela Lei nº 8.970, de 28 de
dezembro.
1996 Revisão do Código de Mineração em 1996 (Lei No 9.314/ 96) - TAH - Taxa Anual por
Hectare, instituída pela Lei nº 7.886, de 20 de novembro de 1989, posteriormente alterada pela
Lei nº 9.314, de 14 de novembro de 1996 e tem natureza jurídica de preço público.
Emenda constitucional suprime os impedimentos ao capital externo na pesquisa e lavra de
bens minerais. Emenda Constitucional permitiu a contratação de empresas públicas ou
1995 privadas na exploração, comércio e transporte de petróleo, gás natural e outros
hidrocarbonetos, o que abrandou o monopólio da União no setor.
A Lei nº 11.046, de 27 de dezembro, dispõe sobre a criação de Carreiras e do Plano Especial
de Cargos do DNPM. O Decreto nº 5.267, de 9 de novembro, cria a Secretaria de Geologia,
2004 Mineração e Transformação Mineral no MME.
2009 A Lei nº 12.002, de 29 de julho, dispõe sobre a criação de funções comissionadas e de cargos
em Comissão no DNPM.
320