Adoecimentos Psíquicos e Estratégia de Cura 1 Edição Luis Claudio 18330
Adoecimentos Psíquicos e Estratégia de Cura 1 Edição Luis Claudio 18330
Adoecimentos Psíquicos e Estratégia de Cura 1 Edição Luis Claudio 18330
Introdução 9
Luís Claudio Figueiredo e Nelson Ernesto Coelho Junior
A matriz freudo-kleiniana 41
Luís Claudio Figueiredo
ANEXOS 251
O pensamento de Laplanche diante das matrizes
freudo-kleiniana e ferencziana 253
Paulo de Carvalho Ribeiro
Percurso
Vamos tomar como ponto de ancoragem de nossa concepção
da matriz freudo-kleiniana o que foi exposto por Freud em seu
grande e decisivo texto de 1926, "Inibição, sintoma e angústià'
(Freud, 1926/2014). Veremos, em seguida, a apropriação kleiniana
da matriz proposta por Freud e sua fecundidade, isto é, as contri
buições particulares de Melanie Klein para o desenvolvimento das
concepções centrais da matriz freudo-kleiniana. Novos aportes se
rão encontrados em psicanalistas freudo-kleinianos posteriores a
Klein, como Herbert Rosenfeld e Wilfred Bion, entre outros. Mas,
antes de lá chegar, precisaremos considerar a contribuição dos
freudianos que davam uma continuidade direta ao pensamento do
mestre, capitaneados por sua filha Anna e pelos líderes da chama
da ego psychology.
Com base nesses textos, não apenas reconstituiremos essa
matriz, mas, em grande medida, já começaremos a explicitar os
principais modelos de adoecimento psíquico dela derivados, bem
como a estratégia clínica nela fundada.
12 INTRODUÇÃO
Vale dizer que a parte "colocada fora de si" e que ali se mantém
insensível é o que resulta de uma clivagem passiva e apassivante.
Dizer que ela "adota a insensibilidade como defesa" poderia su
gerir ainda certa inesgotabilidade dos recursos ativos de defesa;
ora, esta é, justamente, uma suposição que o próprio Green atribui
a Freud para diferenciá-lo de Ferenczi. A insensibilidade é o que
acontece em seguida ao choque na parte traumatizada e cindida,
justamente quando e porque os recursos psíquicos se esgotaram.
Trata-se, na verdade, tanto de psicopatologias ruidosas, mas
que atestam ausência ou insuficiência de estruturas e funções
egoicas (áreas mortas ou adormecidas do eu, áreas cindidas e se
pultadas), como nos borderline, quanto das psicopatologias do
silêncio e do vazio, como as psicoses brancas que Green estudou
em colaboração com J.-L. Donnet. Casos assim, como também os
dos pacientes psicossomáticos e suas "depressões inexpressivas" e
"depressões essenciais", exigem que as duas matrizes se articulem
e que se encontre, dentro da matriz fundante - a matriz freudo
-kleiniana -, um lugar legítimo para a negatividade absoluta da
morte psíquica.
É curioso, dada a sua aguda percepção da necessidade das duas
matrizes, que o autor francês não possa rever sua "contestação" à
clínica da linhagem ferencziana. Embora reconhecendo a presença
da morte e da "morte em suspensão" em alguns psiquismos, parece
não perceber que as estratégias daí decorrentes precisam sempre
convergir para uma clínica da reanimação psíquica, algo que passa
pela escuta do inaudível, pelo brincar e pelo jogar. Quanto a isso,
autores como Ogden, Anne Alvarez e Roussillon parecem ter ido
mais longe.
24 INTRODUÇÃO
Referências
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balho original publicado em 1932).
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LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO E NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR 25
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A matriz freudo-kleiniana
Luís Claudio Figueiredo
Uma introdução
Comentário final
Recapitulação
7 A nota de rodapé colocada nesse ponto do texto de 1937 sugere que o que
realmente é repudiado é a passivação diante de um agente ativo, e não a pass i
vidade e m si, já que esta poderia estar associada - masoquistamente - a uma
experiência de prazer ativo. Ou seja, na submissão passiva poderia haver pra
zer, mas, na passivação, apenas morte.
68 A MATRIZ FREUDO- KLEINIANA
8 Embora Klein não trabalhe com a distinção freudiana entre angústia sinal e
angústia automática. Como está focalizando as angústias primitivas, contudo,
serão sempre angústias automáticas as que ela observa e nomeia. Por outro
lado, como já vimos na apresentação de Freud, também as angústias automá
ticas exercem uma função sinalizadora, acionando mecanismos de defesa. Isso
parece ficar muito claro no caso Dick, em que não se via o afeto da angústia
desenvolvido, consciente ou observável, mas se viam seus efeitos em termos de
defesas radicais de ruptura do contato afetivo com os objetos.
74 A MATRIZ FREUDO- KLEINIANA
10 Aqui reside, como se verá a seguir, uma interessante diferença entre Melanie
Klein e autores freudianos, que não insistem na natureza neurótica desses pro
cessos. Não obstante, há uma concordância básica quanto à dimensão ativa
dessas angústias e dessas defesas ao longo do desenvolvimento psíquico.
LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO 79
1 1 Esta passagem no texto kleiniano pode surpreender quem não acredita que
essa autora valorizasse a mãe real ou não reconhecesse que, no começo da
vida, "uma relação satisfatória com a mãe" seja possível e necessária. Diz ela:
"Esse é o alicerce para a vivência mais completa de ser compreendido e está
essencialmente vinculado ao estágio pré-verbal" (Klein, 1963/1975b, p. 342).
Não obstante, mesmo com um bom começo, as coisas se complicam inevita
velmente devido à dinâmica pulsional intrínseca ao psiquismo, e aí angústias
irrompem.
LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO 81
A questão da neutralização
Mas nem só de defesas excessivamente ativadas se originam
os adoecimentos, e não só de autorregulações adaptativas se faz
a saúde. De fato, ao texto de Anna Freud cabe acrescentar uma
questão trazida por Hartmann, que é a da neutralização das for
ças libidinais e principalmente agressivas, tema trabalhado por ele
em diversos artigos da década de 1950 (Hartmann, 195011964a,
1952/19646, 1953/1964c,1955/1964d).
A menção à neutralização no texto da analista holandesa é bas
tante pequena e lateral; são duas alusões, e em uma delas a neu
tralização vem associada à sublimação, como acontece nos textos
de Hartmann. Ambos os mecanismos poupam algumas demandas
pulsionais do bloqueio (being warded off) pela repressão, embora
elas fiquem de certa forma "contornadas" para não criar muita ten
são. Ou seja, esforços pulsionais (strivings) neutralizados ou subli
mados não geram ameaças ao ego e não produzem angústias.
LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO 91
14 Com isso, ficamos ainda mais próximos da ideia bioniana acerca da função da
rêverie materna na constituição de um ego capaz de simbolizar e pensar.
94 A MATRIZ FREUDO- KLEINIANA
Concluindo
Referências
Brusset, B. (2013). Au-delà de la nevrose: vers une troisieme topique.
Paris: Dunod.
Eissler, K. (1953). Toe effect of the structure of the ego on psycho
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112 A MATRIZ FREUDO- KLEINIANA
Uma versão anterior deste texto foi publicada em: Coelho Junior, N. E. (2017).
Um capítulo húngaro da história da psicanálise: as contribuições de Ferenczi,
Spitz e Balint para o estudo das formas passivas de adoecimento psíquico. R e
vista Brasileira de Psicanálise, 51(3), 213-226.
118 A MATRIZ FERENCZIANA
Referências
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ris: PUF.
NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR 181
Introdução1
A partir do que vimos nas apresentações das duas matrizes do
adoecimento psíquico, correlacionadas às duas grandes estratégias
da clínica psicanalítica, neste momento exploraremos o território
da chamada "psicanálise contemporânea''. A esta expressão um
tanto vaga e inespecífica tentaremos dar um sentido mais claro e
explícito: falaremos em psicanálise transmatricial.
Em outro momento (Figueiredo, 2009), havíamos proposto a
tese de que a psicanálise atual, em suas melhores e mais fecundas
florações, atravessava paradigmas: por exemplo, reúnem-se pulsão
e objeto, dimensões intrapsíquicas e intersubjetivas, a operação das
fantasias e os efeitos do traumático, as experiências de desamparo
e dependência e a problemática do desejo, conflitos e déficit; todos
estes polos comparecem de forma articulada na psicanálise que se
Lendo Hinshelwood
Em texto de 2015, R. Hinshelwood aponta as proximidades e
as diferenças entre os conceitos de holding (Winnicott) e containing
(Bion). Segundo ele, temos, de um lado, um bebê indiferenciado e
indefeso (Winnicott), carente de sustentação, e, de outro, um bebê
já diferenciado, já agitado/acossado por pulsões e fantasias angus
tiantes, e já dotado de poucas e limitadas defesas; este bebê nasce
precisando do objeto para se aliviar de angústias/pavores que ele
já consegue projetar sobre e para dentro do objeto primário - por
via da identificação projetiva, usada como um mecanismo primiti
vo de comunicação e defesa, cujo êxito depende das atividades do
objeto. As falhas ambientais, segundo Winnicott, produzem sofri
mentos passivos, enquanto as falhas do objeto, em termos de uma
incapacidade para a continência e a rêverie, em termos bionianos,
geram a ativação de angústias e defesas primitivas e radicais.
Para Winnicott, a experiência é a de uma não integração passi
va, enquanto, nos termos de Klein e Bion, teríamos um ego ativa
mente fragmentado por meio de cisões.
Na contratransferência, o analista é requisitado pela falsa ati
vidade e pela fundamental passividade de um paciente trauma
tizado, em termos winnicottianos; nos termos de Bion, o desafio
contratransferencial é o de lidar com estados de mente produzidos
ativamente no analista pelo paciente psicótico ultra-ativado em
suas angústias, defesas e ataques.
Enfim, o que Hinshelwood percebe muito bem nesse artigo
são as diferenças e oposições teóricas entre Bion e Winnicott, re
sultantes de pressuposições antagônicas de passividade e atividade
nos processos de constituição psíquica e de adoecimento. O que
LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO E NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR 193
Lendo Ogden
Em um texto publicado em 2004 sob o título "On holding and
containing, being and dreaming", Thomas Ogden igualmente se
dedica a discriminar entre nossos dois autores e, mais particular
mente, entre as operações de holding e containing.
Nesse contexto e com esse propósito, Ogden chama nossa
atenção, em primeiro lugar, para a dimensão ontológica do hol
ding: trata-se de dar sustentação ao ser e ao durar - uma questão
que tem a ver com a continuidade de ser e com a vida, o amadure
cimento e a internalização das condições de estar vivo.
Em contrapartida, Ogden assinala a dimensão processual,
implicada no containing, do trabalho de transformação da expe
riência emocional em sua permanente atividade.
Em seguida, aponta as diferenças e a suplementaridade entre as
operações de "sustentação da vidà' e de "transformações das ativi
dades psíquicas': a serviço de sua expansão.
Seu exame do holding tem como ponto de partida uma imagem
de base para a clínica da sustentação: trata-se do embalar firme e
suave, do dar colo e segurança - uma atividade contínua e discreta
da mãe que garante e dá suporte ao estar vivo do bebê, o qual pode
se entregar passivamente ao cuidado materno. A qualidade mais
primitiva de vitalidade é a experiência de estar vivo antes mes
mo de o bebê virar um sujeito (the earliest quality of aliveness: the
194 ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE CURA . . .
Comentário final
Conclusão
Lições do Prefácio
No prefácio do livro, encontramos a autora concedendo, em
sua trajetória clínica e teórica, um grande privilégio à clínica de pa
cientes muito difíceis e trabalhosos: crianças e adolescentes autis
tas, pacientes borderline, indivíduos em estado de privação crônica
("carentes", abandonados), sujeitos abusados (violentados). O pro
cesso terapêutico deve ser capaz de acompanhá-los do desespero
mais negro à experiência de existir e estar mais vivos.
Ficamos sabendo também das filiações de base desta analista
e dos limites que sua formação foi sendo obrigada a reconhecer
diante dos desafios dessa clínica complicada: trata-se da tradição
freudo-kleiniana-bioniana em que Anne Alvarez foi bem formada
e à qual é muito grata.
No entanto, algumas suplementações teóricas e técnicas vão se
mostrando necessárias quando dela é exigido ir além das angústias
e das defesas, de forma a alcançar os indivíduos indefesos, os apas
sivados, os que precisam ser acessados na condição de "amebas",
"vegetais", termos adotados pela analista inglesa para se referir aos
estados em que encontrava certos pacientes muito apassivados.
A complexidade da tarefa tem reflexos na lista de referências:
nela encontramos Freud, Klein, Bion, Meltzer, Tustin, mas também
Winnicott e Kohut, e ainda os pesquisadores das relações mais pri
mordiais do bebê com seus ambientes, como Trevarthen, Stern etc.
222 ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE CURA . . .
O caso Robbie
"A longa queda." O título do capítulo nos diz muito: trata-se
dos pacientes semimortos e de sua marcha para a morte: eles vão
do que pode ser chamado de "morte do sentido" às outras mortes,
a morte da esperança, a morte das defesas e das resistências. For
ma-se o personagem do que podemos nomear de "indefeso desis
tente': de que Robbie era um exemplar bem caracterizado.
Ficamos sabendo de sua história de vida, repleta de situações
adversas em suas relações com o ambiente primário de sustentação
LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO E NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR 223
5 Sobre Laplanche, ver anexo de Paulo Carvalho Ribeiro neste volume (p. 253-
-286).
226 ESTRATÉGIAS E TÁTICAS DE CURA . . .
Há, aqui, mais que uma nova resposta para as mesmas ques
tões: há um novo conjunto de pressupostos a partir do qual novas
questões se apresentam. É assim que Thomas Ogden realiza uma
interessante inversão no problema da comunicação e da relação
analíticas, sustentando a suplementaridade de diferentes posições
teórico-clínicas de outros autores psicanalíticos na construção de
um pensamento com noções originais. A proposição do terceiro
LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO E NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR 243
Referências
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61-74.
LUÍS CLAUDIO FIGUEIREDO E NELSON ERNESTO COELHO JUNIOR 247
concluir que, nesse caso, ainda nos encontramos diante de uma in
cidência da alteridade muito mais normativa do que patogênica na
constituição e funcionamento do eu. Já na proposta de Lichtenstein
de associação entre sedução, pulsão de morte e compulsão à repe
tição, o poder patogênico da sedução originária, que vai além da
neurose e nos aproxima das patologias narcísicas, revela -se com
toda clareza, como mostrarei a seguir.
Assim como Laplanche, Lichtenstein não vê a pulsão como um
fenômeno endógeno, e sim como o resultado da relação da criança
com o adulto. De forma indireta, ou seja, ao associar compulsão à
repetição e sexualidade, ele antecipa, pelo menos em parte, a ideia
de pulsão sexual de morte, defendida por Laplanche desde a pu
blicação de Vida e morte em psicanálise (1970). Para Lichtenstein
(1961), a pulsão de morte expressa a infindável busca de confirma
ção de uma identidade sexual resultante da maneira específica pela
qual a criança foi estimulada e seduzida a partir da sexualidade
inconsciente do adulto. A compulsão à repetição aparece, assim,
como consequência de um princípio de identidade que desempe
nha, nos seres humanos, um papel semelhante aos instintos pré
formados dos animais.
De acordo com Lichtenstein (1961), a maneira específica pela
qual a criança é seduzida leva à formação de um tema de identi
dade em que se encontram alojadas as características individuais
da sexualidade de cada pessoa. Por não se tratar de um fator endó
geno, e sim de aportes provenientes do outro, esse tema de identi
dade é marcado pela instabilidade e pela permanente necessidade
de sustentação. A repetição do comportamento sexual que se es
tabelece a partir das marcas deixadas na criança pela ação da se
xualidade inconsciente do outro passa a ser a base do sentimento
de si mesmo e de sua permanência ao longo da vida. Entretanto, a
compulsão a repetir o mesmo padrão sexual mostra-se mais forte
282 O PENSAMENTO DE LAPLANCHE . . .
Referências
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284 O PENSAMENTO DE LAPLANCHE . . .
Os benefícios da depressão
Fédida se deteve, em seus últimos livros (faleceu em 2002), na
investigação da depressão. Em um deles, intitulado Dos benefícios
da depressão: elogio da psicoterapia (2002), enfatiza o valor dessa
patologia, no tocante a um ritmo vivenciado pelo paciente como
possibilidade de reconstrução de um equilíbrio. O tempo será
experimentado de forma a se aproximar do quase parado, até que
o paciente possa, dentro de uma regressão em análise, readquirir
o movimento.
Afirma que a cura do estado deprimido do paciente encon
tra-se na reaquisição de sua capacidade depressiva, ou seja, das
potencialidades da vida psíquica (subjetividade dos tempos, a in
terioridade, a regulação das excitações) (Fédida, 2002).
Ele nos fala sobre como o paciente pode experimentar final
mente outro ritmo, o da pausa, na depressão, sendo este seu be
nefício. O pior para um deprimido, nos dizia, é que se lhe aconse
lhem a reagir, levantar, ir à luta, enfrentar a vida. Em certos casos, o
paciente não suporta ter uma vida psíquica; para alguns, é "muito
difícil ser psiquicamente vivo''.
No Capítulo 5, "Mortos desapercebidos", sua hipótese clínica é
que, na maioria dos estados deprimidos (para não dizer em todos),
o trabalho analítico com o paciente faz descobrir que um forte
recalcamento refere-se a uma morte desapercebida. Continua: ''A
banalização comum de uma vivência de perda é aqui de primeirís
sima importância. Não perceber a morte significa negligenciar a
296 PIERRE FÉDIDA, UM AUTÊNTICO FERENCZIANO
Se, por vezes, a tarefa parece simples, por ser uma experiência
demasiadamente humana - a de ressonância íntima com o outro -,
o que entra em questão é "a percepção do analista de sua própria
membrana de ressonâncià'.
Para Fédida, é com esses pacientes que se amplia a "clinicida
de" do analista.
Conclusão
Para concluir, reproduzo aqui algumas palavras desse autor so
bre a defesa de minha tese de doutorado em 1998 na Universidade
Paris Diderot (Paris 7), sob sua orientação. Julguei apropriado seu
comentário por tudo que foi exposto até aqui e pela atualidade de
seu ponto de vista formulado há quase duas décadas.
Referências
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302 PIERRE FÉDIDA, UM AUTÊNTICO FERENCZIANO