Anibal Mattos Fomentador Das Artes Plast

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emporalidades REVISTA DE HISTÓRIA

Aníbal Mattos: fomentador das artes plásticas na Belo Horizonte


do início do século XX
Cláudia Ayer
Bacharel em Ciências Sociais/UFMG e pesquisadora do NECC/UFMG
[email protected]

Danielle Uchoa
Bacharel em Ciências Sociais/UFMG e pesquisadora do NECC/UFMG
[email protected]

Inês Quiroga
Bacharel em Ciências Sociais/UFMG e pesquisadora do NECC/UFMG
[email protected]

João Ivo Duarte Guimarães


Mestrando em Sociologia/UFMG e pesquisador do NECC/UFMG
[email protected]

Raquel Rodrigues
Bacharel em Ciências Sociais/UFMG, pesquisadora do NECC/UFMG
[email protected]

Sarah de Barros Viana Hissa


Mestranda em Antropologia/UFMG
[email protected]

Resumo: O mundo das artes plásticas na Belo Horizonte do início do século XX é usualmente caracterizado como essencialmente
precário, tradicional e acadêmico. Esse artigo investiga esse momento e ambiente, focalizando a figura essencial de Aníbal Mattos e
buscando averiguar a validade dessa caracterização recorrente. A atuação do fluminense Aníbal Mattos no fomento artístico e
articulação do meio em Belo Horizonte foi decisiva, de modo que a ênfase do artigo envolve algo de sua abrangente trajetória pes-
soal e institucional nos meios intelectual e artístico da época. Mattos aparece como uma figura dinâmica e fundamental na integração
dos artistas e interessados, por meio da promoção de exposições e instituições de ensino, ainda que efêmeras. A caracterização de
Mattos como articulador de tal relevância lança dúvidas sobre certas determinações correntes acerca da atuação do artista frente a
tentativas modernistas, assim como a tradicional dualidade entre academicismo e modernismo.

Palavras-chave: Aníbal Mattos, artes plásticas, Belo Horizonte.

Abstract: The world of plastic arts in Belo Horizonte in the early 20th century is typically characterised as inherently precarious, tra-
ditional and academic. This article investigates this period and environment, using as a focal point the essential figure of Aníbal Mattos,
and questions the validity of this recurrent characterization. The authors assert that Mattos’ role in the incentivation and articulation
of the artistic environment in Belo Horizonte was decisive, so much so that the emphases of this article also incorporates some obser-
vations of his personal and institutional trajectory in the intellectual and artistic environment of the time. Within this article it is argued
that Mattos should be seen as a dynamic individual, fundamental to the integration of artists and other interested parties, by promot-
ing exhibitions and education institutions, even if only short lived. This characterization of Mattos as an articulator of such relevance
raises doubts concerning certain common assumptions about the artist’s actions towards the modernist movement, as well as the
popularly perceived duality between academicism and modernism.

Key words: Aníbal Mattos, plastic arts, Belo Horizonte.

Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 2, Agosto/Dezembro de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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Introdução Dias, uma vez que as manifestações do movimento


modernista na literatura paulista e na mineira são
O mundo das artes plásticas na Belo Horizonte
do início do século XX é usualmente carac-
terizado como essencialmente precário, tradicional
praticamente contemporâneas, “pode-se pergun-
tar por que motivos não ocorreram em Minas
e acadêmico. Esse artigo investiga esse momento e expressões artísticas no campo plástico e musical,
ambiente, focalizando a figura central de Aníbal ao contrário do que acontece no ambiente
Mattos e buscando averiguar a validade dessa paulista”2. Para responder essa questão, Dias aven-
caracterização corrente. Grande parte dos histo- ta a hipótese de que em São Paulo as artes plásticas
riadores que se debruçaram sobre o estudo das contavam com um grau maior de institucionaliza-
artes plásticas em Minas Gerais foca suas análises ção, “o que facilitaria a simples mudança de
nos eventos que ocorrem a partir de 1940. A par- rumo”3. Por outro lado, Belo Horizonte quase não
tir dessa data é possível observar os indícios mais possuía instituições artísticas, tais como museus,
evidentes da emergência de uma estética de galerias, escolas de arte, etc. Além disso, o autor
caráter moderno nas artes plásticas. Segundo Ivone menciona o maior cosmopolitismo no campo
Luzia Vieira, “o nível de grandeza da modernidade intelectual paulistano e a presença, mais significati-
do período de Kubitscheck na Prefeitura de Belo va do que em Belo Horizonte, de imigrantes
Horizonte, no período de 1940 a 1945, reduziu a estrangeiros: o que teria contribuído para a intensi-
historicidade dos acontecimentos modernistas que ficação do contato com as vanguardas estéticas da
o antecederam”1. Dessa forma, em nossa pesquisa Europa.
diagnosticamos a existência de uma lacuna nos Segundo a historiadora Cristina Ávila Santos,
estudos acerca das manifestações artístico-culturais em Modernismo em Minas – literatura e artes plásti-
das décadas anteriores. Propomos-nos, então, a cas: um paradoxo, uma questão em aberto, enquanto
revelar o cenário das artes nas décadas de 20 e 30, os literatos mineiros engajam-se na revolução
em Belo Horizonte. Ao adentrar esse período, nos modernista (por exemplo, o grupo de escritores
deparamos com a figura de Aníbal Mattos. liderados por Carlos Drummond de Andrade, que
A atuação do fluminense Aníbal Mattos em Belo criou A Revista em 1925), “as artes plásticas encon-
Horizonte, no fomento artístico e articulação do tram-se totalmente estagnadas, perfeitamente aco-
meio artístico, foi decisiva, de modo que enfati- modadas ainda à atmosfera acadêmica, com seus
zaremos aspectos de sua abrangente trajetória pes- artistas sequer ultrapassando a ‘revolução impres-
soal e institucional no meio intelectual e artístico da sionista’”4. Segundo a autora, a despeito da “aura
época. Mattos aparece como uma figura dinâmica e de modernidade” presente na implantação da
fundamental na integração dos artistas e interessa- capital, Belo Horizonte era ainda uma cidade bem
dos, por meio da promoção de exposições e insti- provinciana nas décadas de 20 e 30. O tradiciona-
tuições de ensino, ainda que efêmeras. A carac- lismo de suas elites dirigentes encontrava-se
terização de Mattos como articulador de tal espalhado pela produção intelectual do período.
relevância lança dúvidas sobre certas determi- Não obstante esse tradicionalismo, “será nesse
nações correntes acerca da atuação do artista meio retrógrado que vão surgir os modernistas da
frente a tentativas modernistas, assim como a tradi- literatura”, e, se os literatos mineiros, mesmo inte-
cional dualidade entre academicismo e grados a esse contexto, conseguiram se aperfeiçoar
modernismo. e abraçar um novo panorama estético-ideológico,
Iniciaremos a discussão com uma breve revisão “seria lógico que haveria possibilidade do surgi-
bibliográfica de estudos que trataram da arte em mento de artistas plásticos que fossem também
Minas Gerais, ressaltando que alguns desses tra-
balhos pouco mencionam a importância de Aníbal componentes dessa ‘nova arte’”5.
Mattos como promotor cultural. Posteriormente, Bem, contrariando essa “lógica”, as artes plásti-
apresentaremos o cenário cultural do período cas daquele período mantiveram-se distantes do 1
VIEIRA, Ivone Luzia. Vanguarda mod-
ernista nas artes plásticas: Zina Aita e
apontando as principais iniciativas, desde a modernismo, apegadas a uma arte naturalista, de Pedro Nava nas Minas Gerais da déca-
da de 20. São Paulo: 1994, p.5.
construção da capital mineira até a chegada e atu- documentação da realidade, salvo, ressalta Cristina
ação de Aníbal Mattos. Por fim, realizaremos uma Ávila Santos, a exposição modernista de Zina Aita, 2
DIAS, Fernando Correia. Gênese e
Expressão Grupal do Modernismo em
reflexão sobre a pessoa de Mattos e as várias ativi- em 1920. A artista é considerada por Santos a pre- Minas. In: ÁVILA, Affonso (org.). O
Modernismo. São Paulo: Ed.
dades desenvolvidas por ele. cursora do modernismo plástico em Minas Gerais. Perspectiva, 1975, p.177.
Além da exposição de Zina Aita, a autora menciona 3
DIAS, Fernando Correia. Gênese e
também a atuação de Pedro Nava nas artes plásti- Expressão Grupal do Modernismo em
Uma breve revisão da literatura Minas, p.117.
cas. Atuação, no entanto, que se restringe a ilus-
A literatura dedicada à produção artística
trações esparsas em livros e alguns trabalhos inseri- 4
SANTOS, Cristina A. Modernismo em
mineira contempla, sobretudo, a emergência do Minas – literatura e artes plásticas: um
dos na revista Verde, de Cataguases. Durante a paradoxo, uma questão em aberto.
modernismo nas artes plásticas, enfocando o seu Análise & Conjuntura, Belo Horizonte
década de 30, a situação permanece a mesma: no (1), janeiro/abril 1986, p.174.
atraso em relação ao movimento modernista
que tange às artes plásticas, a hegemonia acadêmi-
literário. Fernando Correia Dias parece ter sido o 5
SANTOS, Cristina A. Modernismo em
ca persiste inconteste. O quadro só começou a Minas – literatura e artes plásticas: um
primeiro a constatar essa defasagem. Segundo paradoxo, uma questão em aberto,
mudar na década de 40, quando Kubitscheck, à p.190.

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frente da Prefeitura, reuniu artistas do quilate de momentos: o contido, o revelado e o explosivo. Na


Niemeyer, Portinari e Guignard para aqui década de 20, prevalece um período de contenção
trabalharem. das realidades vanguardistas do modernismo,
A autora avança duas hipóteses para explicar a sendo a exposição de Zina Aita, ocorrida em 1920,
defasagem das artes plásticas belo-horizontinas representante deste momento. Na década de 30,
naquele período. Uma explicação possível consis- com a Exposição do Bar Brasil, em 1936, acontece
tiria na inexistência de outros pintores, ou pintoras, a revelação do modernismo, quando o movimento
à exceção dos já citados Zina Aita e Pedro Nava. toma consciência de si mesmo. Finalmente, na
Outra possibilidade levantada por Santos é o estu- década de 40, a Exposição de Arte Moderna de
do da personalidade e da influência de Aníbal 1944 marca a “explosão da arte modernista para
Mattos em Minas. fora da moldura tradicional”9. Segundo Vieira,
O pintor fluminense Aníbal Mattos, desde a sua desde os anos 20 havia vanguardas modernistas
chegada à capital mineira em 1917, mobilizou todas exercendo pressão pela abertura de espaço no
as manifestações artísticas da cidade. Em 1917, campo das artes plásticas em Belo Horizonte. No
Mattos criou a Sociedade Mineira de Belas Artes. entanto, preocupado com o avanço dos movimen-
Essa instituição patrocinou durante quinze anos tos modernistas da Europa, notadamente o futuris-
consecutivos quinze exposições gerais de belas mo, o governo aciona medidas controladoras dos
artes. Nesse mesmo ano, ele fundou a Escola de meios de produção da cultura artística da cidade.
Belas Artes (antiga Fundação Universitária Mineira de Recuperando o argumento do mecenato estatal, a
Arte-FUMA), instituição que passou a receber sub- autora atribui ao Estado a responsabilidade por ini-
venção federal a partir de 1934. Curiosamente, ciativas visando bloquear o avanço do modernismo.
dado o suposto academicismo de Aníbal Mattos, a Nesse sentido, o senador Crispim Jacques Bias
exposição de Zina Aita foi patrocinada pela Fortes, convidou, em 1917, o pintor fluminense
Sociedade Mineira de Belas Artes, sob a direção de Aníbal Mattos, formado pela Escola Nacional de
Mattos (que foi também o curador da exposição, Belas Artes, “para criar instituições de belas artes na
além de divulgar nos dois grandes jornais da época cidade em conjunção com os valores do sis-
as qualidades artísticas da jovem pintora). Se a sua tema”10. Aceitando o convite, Aníbal Mattos
atuação dinamizou o “frágil ambiente artístico” da mudou-se para Belo Horizonte em 1917 e passou a
época, reteve, por outro lado, “o processo natural coordenar ações vinculadas às artes, produzindo e
de evolução que deveria se dar através do contato promovendo, portanto, uma arte “em consonância
com as novidades de fora e o aperfeiçoamento da com o gosto da burguesia dominante” 11.
formação acadêmica mineira”6. Segundo Santos, Vale a pena mencionar também o estudo de 6
SANTOS, Cristina A. Modernismo em
Minas – literatura e artes plásticas: um
Aníbal Mattos teria impedido o surgimento de Fernando Pedro da Silva sobre as artes em Belo paradoxo, uma questão em aberto,
manifestações estéticas diversas daquelas que sua Horizonte nos anos 20 e 30. Opondo-se à linha p.192.

suposta ortodoxia aceitava. A Escola de Belas Artes interpretativa mostrada até agora, Silva denuncia a 7
SANTOS, Cristina A. Modernismo em
Minas – literatura e artes plásticas: um
fundada em 1917 por Aníbal Mattos representaria a resistência por parte dos estudiosos em adentrar paradoxo, uma questão em aberto,
importação dos padrões neoclássicos para a capital mais a fundo as manifestações artísticas que não p.194.

mineira. pertencem aos cânones modernistas. Essa má von- 8


SANTOS, Cristina A. Modernismo em
Minas – literatura e artes plásticas: um
Para explicar como foi possível Aníbal Mattos tade dos pesquisadores incide nos conceitos utiliza- paradoxo, uma questão em aberto,
ocupar uma posição dominante durante mais de dos em seus trabalhos, “muito mais rotuladores do p.167.

duas décadas, Santos defende a hipótese da processo que explicativos do mesmo”12. Aníbal 9
VIEIRA, Ivone Luzia. Vanguarda mod-
ernista nas artes plásticas: Zina Aita e
existência de um mecenato estatal, que durante a Mattos, de acordo com Silva, teria sido vítima dessa Pedro Nava nas Minas Gerais da déca-
da de 20, p.7.
República Velha atuou como protetor das artes. resistência dos pesquisadores, “sendo meramente
Agindo como mecenas das artes e das letras locais, rotulado por estes como o responsável pelo atraso Bias Fortes fora presidente do Estado
10

de Minas Gerais durante o Governo


a elite dirigente perremista instalada no governo do das artes na Cidade”13. Segundo Silva, Aníbal Provisório instalado após a
Proclamação da República. Ele presidiu
Estado de Minas Gerais conseguiu controlar as Mattos, desde a sua chegada à capital em 1917, o Estado de 1890 a 1898. Isto explica
manifestações artísticas e literárias locais – não se atuou como dinamizador do mercado das artes na por que, em seu texto, Ivone Luzia
Vieira trata-o por presidente do
importando com as concepções formais, estéticas, cidade, principalmente através da Sociedade Mineira Estado. À época da transferência de
Aníbal Mattos para Belo Horizonte, o
mas sim com a “sua absorção e controle de algum de Belas Artes, instituição encarregada pela pro- governador em exercício era Delfim
modo, tornando a cultura uma consciente ou moção da vida artística naquele período. Moreira Costa Ribeiro, 1914-1918.

inconsciente ‘aderência’ ao sistema”7. Dessa Infelizmente, o estudo de Silva não fornece muitos VIEIRA, Ivone Luzia. Emergência do
11

Modernismo. In: ANDRÉS RIBEIRO,


forma, tanto Aníbal Mattos, paladino do academi- subsídios para as teses que ele propõe, per- Marília e SILVA, Fernando Pedro. Um
cismo nas artes plásticas, quanto “o grupo manecendo como uma proposta de pesquisa a ser Século de História das Artes Plásticas em
Belo Horizonte. Belo Horizonte:
modernista mineiro” estariam “sofrendo a influên- aprofundada por novos estudos. Fundação João Pinheiro, C/Arte, 1997,
p.127.
cia do Estado e agindo como intelectuais orgânicos Neste breve passeio pela literatura podemos
da classe dominante”8. perceber, apesar dos autores não enfatizarem a figu- VIEIRA, Ivone Luzia. Emergência do
12

Modernismo, p.129.
Ivone Luzia Vieira, em Vanguarda modernista nas ra de Aníbal Mattos, a centralidade do mesmo no
13
SILVA, Fernando Pedro. Aspectos das
artes plásticas: Zina Aita e Pedro Nava nas Minas campo artístico mineiro nas décadas de 1920 e artes em Belo Horizonte nos 20 e 30.
Gerais da década de 20, sustenta que a história da 1930. De fato, todos os acontecimentos ligados à Revista do Departamento de História.
FAFICH/UFMG. v. 08, p. 47-57,
arte moderna em Belo Horizonte divide-se em três história da arte em Belo Horizonte estiveram marca- Janeiro de 1989, p.49.

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dos pela sua presença: a exposição modernista de cidade, assim se encontrava também o incipiente
Zina Aita em 1920 foi patrocinada pela Sociedade “cenário” cultural, que pelo menos nos seus
Mineira de Belas Artes, da qual ele foi o fundador e primeiros anos, se limitava às iniciativas privadas.
“presidente perpétuo”; em 1936, ocorre a Os principais eventos e instituições culturais não
Exposição de Arte Moderna do Bar Brasil, em opo- eram de tutela do Estado, mas sim, espaços quase
sição à hegemonia acadêmica de Aníbal Mattos; os domésticos resultantes dos interesses particulares.
Salões da Prefeitura, exposições anuais patrocinadas Alguns exemplos são a fundação de uma biblioteca
pela Prefeitura de Belo Horizonte nos últimos anos feita por determinados membros da comissão
da década de 30, concebidos como espaço de construtora em 27 de agosto de 1894, chamada
expressão dos artistas modernos, foram organizados Sociedade Literária Belo Horizonte, e o Museu Paula
por Mattos. Finalmente, após a chegada de Oliveira, denominado assim em homenagem ao Dr.
Guignard, em 1944, uma luta político-ideológica é Francisco de Paula Oliveira. Esse grupo desejava
travada no interior do campo artístico mineiro com isso distração e alguma atividade diante de
encontrando-se, de um lado, o método modernista suas permanências no arraial. A cidade, em seus
de Guignard, privilegiando a interpretação da reali- primeiros anos, era habitada por imigrantes
dade e, do outro, o academicismo de Mattos, “que estrangeiros e outros advindos de regiões mineiras
valorizava a pintura figurativa do real”14. Salvo o como Ouro Preto. Eram, em sua maioria, homens
estudo de Fernando Pedro da Silva, Aníbal Mattos é letrados que compunham o corpo do funcionalismo
considerado o representante do academicismo na público, e por isso tinham certas necessidades cul-
capital, responsável pelo bloqueio das manifestações turais. Caberia ao Estado, com o tempo, intervir
modernistas naquele período. A sua ação conserva- para fornecer nesta área – cultural, educacional,
dora é evocada para explicar a defasagem já mencio- artística e de lazer – opções para toda a população,
nada entre a literatura e as artes plásticas, sendo uti- se bem que muitos criticavam a atuação dele,
lizados, para explicar a conjuntura das artes plásticas trazendo à tona sua ineficiência e visão estreita,
em Minas Gerais, determinados traços da sua bio- principalmente a do Partido Republicano Mineiro.
grafia, em especial sua formação acadêmica. Tanto o Estado quanto a iniciativa privada firmavam
parcerias para promover estas programações cul-
Antes de Aníbal Mattos: turais e de lazer. A intenção era incentivar a
habitação em Belo Horizonte: “Era preciso criar
o cenário artístico em Belo Horizonte atrativos para atrair e fixar a população da nova
antes de 1917
capital”16. Mas se faz necessário lembrar também
Conhecida até o ano de 1890 como Curral Del
que “até a década de 20 o atendimento dessas
Rei, a capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, se
necessidades culturais por parte do Estado parecia
apresentava como um pacato lugar que tinha como
deixar muito a desejar: isso em parte se explica
ambiente de sociabilidade até então as proximi-
pela extensão dos trabalhos da comissão constru-
dades da igreja N. Sra da Boa Viagem. Em 17 de
tora, só concluídos em 1915, em parte devido à
dezembro de 1893, fora aprovada na ementa
crise econômica decorrente da Primeira Guerra
constitucional a mudança da capital de Minas, de
Ouro Preto para Belo Horizonte, sendo estabeleci- Mundial e do endividamento do Estado”17. SILVA, Fernando Pedro. Aspectos das
14

artes em Belo Horizonte nos 20 e 30,


do um prazo de quatro anos para a mudança defin- A imprensa local era bem escassa, mas contava p.49.

itiva. Era preciso, no entanto, construir o local que com cinco jornais até a inauguração da cidade, FÍGOLI, Leonardo H. G. A Paisagem
15

abrigasse a capital, pois Belo Horizonte nesse porém todos de curta duração. A primeira publi- como Dimensão Simbólica do Espaço:
o mito e a obra de arte. Revista
tempo se limitava a um pequeno povoado sem cação se chamava Revista Geral dos Trabalhos, que Sociedade e Cultura, v. 10, n.1. jan/jun
2007. Goiás: UFG, p.2006.
atrativos econômicos e nenhuma infra-estrutura. destinava a registrar e descrever os aspectos da
Com o tempo, esse aspecto foi se modificando, construção da capital, que já no segundo fascículo COELHO, Maria Beatriz; FÍGOLI,
16

Leonardo, H.G.;,V.; NORONHA, Ro-


embora muito lentamente. A vinda de imigrantes, a fora extinta. Já os assuntos sobre arte eram negli- naldo. O antigo e o moderno: o campo
artístico em Belo Horizonte no início do
abertura de alguns estabelecimentos comerciais e a genciados. Duas revistas, Vita e Vida de Minas, século XX. In: ENCONTRO ANUAL

construção de prédios (principalmente administra- ambas literárias, dariam uma atenção maior aos DA ANPOCS, 32, 2008, Caxambu.
Disponível em:
tivos) e casas foram uma constante ao longo do artistas e às suas produções. Apesar de marcarem <http://200.152.208.135/anpocs/trab/
a d m / i m p r e s s a o
tempo. O engenheiro responsável pelo planeja- época, não durariam muito. _gt.php?id_grupo=6&publico=S >.

mento da cidade, Aarão Reis, que ficou na chefia de Por uma iniciativa dos Srs. Aurélio Lobo, Acesso em: 15 dez.2008.

1894 a 1895, fizera juntamente com Américo de Coronel Daniel da Rocha e o Sr. Carlos Monte 17
S/AUTOR. BH 100 anos: Nossa
História. Jornal Estado de Minas. Belo
Macedo a planta da cidade, recebendo notáveis Verde foi montado em setembro de 1895 um Horizonte: 1996, p.21.

elogios pela imprensa nacional. Teatro Provisório localizado na Rua Sabará, que COELHO, Maria Beatriz; FÍGOLI,
18

Belo Horizonte foi escolhida como capital do segundo as palavras de Abílio Barreto era um Leonardo,H.G.;,V.; NORONHA, Ro-
naldo. O antigo e o moderno: o campo
Estado para abrigar também os propósitos “tosco barracão térreo, coberto de zinco, artístico em Belo Horizonte no início do

modernizantes de seus idealizadores em meio “aos desprovido do menor conforto e sem qualquer século XX. In: ENCONTRO ANUAL
DA ANPOCS, 32, 2008, Caxambu.
novos tempos advindos com a Proclamação da vestígio de bom gosto”18. Nesse local, algumas Disponível
<http://200.152.208.135/anpocs/trab/
em:

República”15. Como era necessário até mesmo companhias de teatro se apresentaram, como a a d m / i m p r e s s a o
_gt.php?id_grupo=6&publico=S >.
construir suas instituições e a vida social da nova companhia de Zarzuelas Felix Amurrio, a Acesso em: 15 dez.2008.

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companhia dramática e de operetas Cardoso da Horizonte, dentre outras.


Mota, o ilusionista Pismel, e a Companhia de Porém, um artigo crítico escrito por José
Operetas Machado (Careca). Esse local foi demolido Clemente publicado no jornal Estado de Minas
em 22 de Julho de 1897. A diversão dos belo-hori- aponta Belo Horizonte como um local que abriga-
zontinos na época se restringia a esses espetáculos va muitos artistas na pintura, na música, no canto.
no Teatro Provisório e de vez em quando algumas Mas segundo ele “[...] não havia o que apontar
touradas e cavalhadas, ou também alguns circos de como ‘Arte em Belo Horizonte’. Porque faltava
cavalinhos. Nesse tempo houve alguns concertos comunicação entre os artistas, para assegurar, con-
musicais e o aparecimento do primeiro fonógrafo. vincentemente, que ela era uma capital artísti-
O primeiro teatro que a capital teve depois de sua ca”24. Era necessário que os artistas realizassem
inauguração fora criado pelo Sr. Paulino da Fonseca seus estudos no exterior para receber seu devido
Saraiva, que adaptou uma casa na Avenida do reconhecimento. E a imprensa, como já referido
Comércio, chamando-a de Variedades, que funcio- neste artigo, descurava assuntos concernentes às
nou até 1900. Neste mesmo ano, Francisco artes. Esta situação só mudaria com a vinda de
Soucasseaux “transformou um barracão que havia Aníbal Mattos em 1917:
no quarteirão entre as ruas da Bahia, Goiás e
Avenida Afonso Pena, em confortável teatro a que Foi ele quem chamou esses valores dispersos,
o povo deu a denominação de teatro encolhidos. Promoveu deles a união, com aquele
Soucasseaux”19. Decorado pelo pintor Bertolino fogo idealístico que era a marca de Aníbal. Juntou
Machado e inaugurado pela companhia Soares de os pintores da capital e do Estado e fez aqui a 1º
Medeiros funcionou até 1905. Como descreve Exposição Mineira de Belas Artes e nunca mais
parou. [...]. Foi indiscutivelmente ele quem deu
Abílio Barreto, o teatro “ficava dentro de um
corpo, por essa conclamação de artistas, à pintu-
jardim fechado a arame farpado e aí havia um core- ra em Belo Horizonte. Acudiram os que estavam
to em que bandas de música efetuavam retre- desanimados e outros surgiram25.
tas”20.
Quando da interdição desse teatro, outro foi Aníbal já viera a Belo Horizonte em 1913 “em
criado improvisadamente. De nome Teatrinho Paris
busca de descanso e do clima ameno”26, mas
e localizado na Rua da Bahia, teve temporadas e um
somente em 1917 iria estabelecer residência fixa na
cinematógrafo. Em 1909, o Teatro Municipal foi
inaugurado pela companhia Nina Sanzi, ele funcio- cidade. Ano esse que também é apontado como
nou até 1942, promovendo peças teatrais, concer- impulsionador das artes plásticas: “Foi em 1917
tos, recitais, festivais e outros. O terreno foi vendi- que as artes plásticas ganharam impulso”27. Anos
do para a empresa Cine-teatro, sendo convertido mais tarde é a vez de Guignard fixar residência em
no cine-teatro Metrópole. Belo Horizonte, mas encontrou aqui um “interesse
Nas primeiras décadas da capital, o lazer era pela pintura já despertado (...) e realizou no ter-
constituído pelos cafés, clubes, teatros, cinemas e reno aplainado por Aníbal, a sua grande obra”28.
pelo footing. Ainda que pelos poucos encontrados José Clemente termina seu argumento afirmando
até então. “As atividades literárias, artísticas e ser, tanto Aníbal Mattos quanto Guignard, dois ban-
recreativas aconteciam em clubes sociais organiza- deirantes na pintura em Minas. 19
BARRETO, Abílio. Resumo Histórico
de Belo Horizonte (1701 – 1947). Belo
dos com essas finalidades”21. Era nesses clubes Horizonte: Imprensa Oficial, 1950,
p.121.
que circulava a ala intelectual da cidade. Esses Aníbal Mattos: breve biografia
20
BARRETO, Abílio. Resumo Histórico
lugares promoviam palestras literárias, encontros Aníbal Pinto de Mattos, nascido em Vassouras, de Belo Horizonte, p.232.
de arte e outras atividades relacionadas. Dentre Rio de Janeiro, a 26 de outubro 1889, teve sua for- 21
BARRETO, Abílio. Resumo Histórico
esses clubes o que se destacava era o Jardineiros do mação inicial em artes no Liceu de Artes e Ofícios do de Belo Horizonte, p.232.

ideal, que segundo as palavras de Abílio Barreto Rio de Janeiro e posteriormente na Escola Nacional 22
S/AUTOR. BH 100 anos: Nossa
“constituíam o núcleo primeiro da nossa intelec- de Belas Artes (ENBA). Na ENBA, a formação de História, p.21.

tualidade”22. Era formado por doze literatos que Mattos deu-se sob a influência pedagógica deixada 23
BARRETO, Abílio. Resumo Histórico
de Belo Horizonte, p.274.
tinha por objetivo “cultivar e incentivar as letras, as por Grimm e a influência estilística do paisagismo
artes e a sociabilidade”23. Foi a partir das ativi- de Batista da Costa. Mattos esteve pela primeira 24
BARRETO, Abílio. Resumo Histórico
de Belo Horizonte, p.274.
dades que ocorriam nesses lugares que a literatura vez na capital mineira em 1913, onde expôs seus 25
CLEMENTE, José. Jornal Estado de
e as artes em Belo Horizonte surgiram. Além disso, trabalhos. Sua transferência definitiva para Belo Minas, Belo Horizonte, 13 nov. 197. In:
algumas associações culturais e sociedades Horizonte se deu somente em 1917, a convite do Coisas da capital já passada.
ANDRADE, Moacyr. Revista Arquivo
recreativas atuavam em Belo Horizonte difundindo então senador Bias Fortes, que o contratou como Público Mineiro, Belo Horizonte:
Imprensa Oficial de Minas Gerais,
e cooperando para a produção e divulgação, professor da Escola Normal Modelo, residindo na 1982, p.269-270.
mesmo que elementares, das artes. Para citar algu- Avenida Araguaia (atual Avenida Francisco Sales), n 26
CLEMENTE, José. Jornal Estado de
mas: Academia de ciências de Minas Gerais, 1446. Mattos foi casado com a artista Maria Esther Minas, p.271.

Sociedade brasileira de cultura inglesa, Sociedade de Mattos, com quem realizou várias exposições cole- 27
SANTOS, Cristina Ávila. Aníbal
Mattos e seu Tempo. Belo Horizonte:
cultura Franco-brasileira, Academia Belo Horizonte tivas e iniciativas de fomento às artes. Ed. Prefeitura Municipal de Belo
de letras, Academia mineira de letras, Instituto A atuação de Aníbal Mattos em Minas Gerais foi Horizonte, 1991, p.10.
28
S/AUTOR. BH 100 anos: Nossa
histórico e geográfico de Minas Gerais, Clube Belo ampla, abrangendo as áreas da arqueologia pré- História, p.29.

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emporalidades REVISTA DE HISTÓRIA

histórica, da antropologia, da história, da literatura, co, bem relacionado e aceito no meio, dotado de
do teatro, do cinema e do jornalismo, sendo que interesses amplos e poder social abrangente.
nas áreas onde não havia se graduado formalmente, No que se refere ao mundo das artes plásticas,
foi autodidata, o que demonstra sua flexibilidade de Aníbal Mattos atuou de duas maneiras analitica-
trânsito entre as áreas do conhecimento e a ampli- mente distintas no ambiente plástico: empreende-
tude de seu interesse e influência. Publicou livros dor e artista plástico. No ano de 1917, Mattos se
em história da arte, focalizando o patrimônio colo- envolve com dois projetos de relativa magnitude
nial barroco, e também em pré-história, especial- para o mundo das artes plásticas da época: a I
mente sobre o homem de Lagoa Santa. Escreveu Exposição Geral de Belas Artes (em que também
várias peças teatrais, sendo que uma delas, Canção expôs trabalhos próprios) e a primeira tentativa da
da Primavera, adaptada para o cinema. Além disso, década de constituir uma escola de belas artes na
Mattos ocupou diversos cargos administrativos: cidade. Seu dinamismo e interesse em criar instân-
primeiro vice-presidente da Academia de Sciencias cias de fomento às artes, dá início às atividades da
de Minas Geraes (quando da sua criação em 1936); Sociedade Mineira de Belas Artes (SMBA), em 1918,
a presidência (por mais de uma vez entre as junto a outros artistas e promotores de arte. Além
décadas de 30 e 40) e a tesouraria da Academia de Mattos, Osvaldo de Araújo, Celso Werneck,
Mineira de Letras, assim como diretoria da revista Honório Esteves, Eduardo Frieiro, Olindo Belém,
dessa instituição. Foi, ainda, designado represen- Amílcar Agretti e Maria Esther Mattos, entre
tante da Sociedade Mineira de Bellas Artes para o outros, participaram dessa iniciativa inovadora,
estado de Minas; foi patrono da cadeira 96 do sendo que participaram também da sua primeira
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, em diretoria pintores como Francisco Rocha e José
1929; tornou-se membro do Conselho Nacional de Jacinto das Neves. Sua atuação de incentivo e divul-
Belas Artes, desde 1933; foi sócio benemérito da gação das artes plásticas passa a ser intimamente
Sociedade Brasileira de Belas Artes do Rio de Janeiro, associada à atuação dessa associação, através da
em 1935; representou o Brasil no Congresso qual buscou patrocinar exposições individuais e
Internacional de Antropologia na Filadélfia, 1937; coletivas, palestras e cursos sobre arte, durante as
foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de décadas de 20 e 30 do século XX.
Minas Gerais, em 1937 e foi presidente do Rotary Em jornal da época, o objetivo da SMBA é
club de Belo Horizonte, em 1948. caracterizado como tendo “fim principal levar
Na Academia Mineira de Letras (AML), Aníbal adeante a idéia de nossas exposições anuais de arte,
Mattos tornou-se membro em 1923, ocupando a a propagação do enseno profissional artístico”29,
primeira sucessão da cadeira 37, cujo patrono é além de caracterizar a associação como de iniciati-
Manoel Basílio da Gama. Na seção de 15 de agosto va de Aníbal Mattos. A Sociedade Mineira de Belas
do referido ano, profere seu discurso de posse, No Artes participou da realização das Exposições
limiar da Academia Mineira de Letras, onde discute a Gerais de Belas Artes e, a partir de 1918, de
necessidade de engajamento da Academia em exposições individuais, como a exposição de Zina
problemas sociais relativos à educação, ressaltando Aita em 1920, o 1o Salão Feminino de Belas Artes,
em especial o problema do analfabetismo. Mattos em 1932, e a Primeira Exposição Coletiva de
foi eleito para a presidência da AML duas vezes, Artistas Mineiros, realizada em SP em 1933.
atuando entre os anos de 1931 a 1934, e de 1939 a Aníbal Mattos, antes da criação da SMBA, havia
1942. Além de participar da presidência da AML, inaugurado a Escola Prática de Belas Artes (sob sua
Mattos participou do corpo editorial da Revista da direção), em 07 de setembro de 1917, no Palacete
Academia Mineira de Letras durante vários anos da Celso Werneck. Após a criação da associação, quan-
década de 20. do essa primeira tentativa de instituir uma escola
Além disso, no campo educacional, lecionou na especializada já havia sido interrompida, a Sociedade
Escola Normal Modelo em 1917; lecionou desenho Mineira de Belas Artes patrocinou a Escola de Belas
e artes gráficas no Ginásio Mineiro de Belo Horizonte Artes, em 1928, onde Mattos lecionou gratuita-
em 1923; desenho figurado e caligrafia na Escola mente por quatro anos. Em 06 de janeiro de 1932,
Normal Modelo em 1925; gratuitamente na Escola a escola é recriada e passa a ter subsídio estadual,
de Belas Artes, criada em 1927; desenho, nova- sob o nome de Escola de Belas Artes de Minas Gerais,
mente, na Escola Normal em 1931 e, finalmente, funcionando no Salão Nobre do Teatro Municipal de
desenho artístico na Escola de Arquitetura da atual Belo Horizonte. Essa escola prosseguiu como
UFMG, de 1930 até 1957, quando, então, aposen- Fundação Mineira de Arte (FUMA).
ta-se. Como jornalista, Mattos e José Osvaldo de Mattos, durante as décadas de 10 a 30, foi um
Araújo criam a revista Novella Mineira, em 1922, e reconhecido fomentador das artes em Minas
Mattos, sob os pseudônimos Fly, Dr. Perlingotes e Gerais, mencionado com grande relevância nas
Braz Fogaça, escreveu para jornais como o Diário introspecções sobre o mundo das artes plásticas do
CLEMENTE, José. Jornal Estado de
29
de Minas. Essa intensa participação de Aníbal período. Eduardo Frieiro o descreve como “princi- Minas, p. 271.
Mattos no cenário intelectual mineiro aponta para pal propugnador”30 de toda iniciativa de caráter 30
S/AUTOR. Diário de Minas, 09 de
sua caracterização como um personagem dinâmi- artístico da época. Junho de 1918, p.1.

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Aníbal Mattos exibe influências romantistas e Dezembro de 1944:


impressionistas na sua arte plástica, tanto no traço A Sociedade Mineira de Belas Artes patrocinou,
e nas cores utilizadas, quanto nos temas abordados. com seus esforços, a 1ª exposição individual de arte
As pinturas de Mattos, no decorrer do seu longo moderna nesta capital e talvez no Brasil. (...) a da
período de produção, tematizam paisagens (como artista belorizontina Zina Aita, em uma das salas do
Crepúsculo, 1940, e Ipê amarelo, s/d), retratos conselho deliberativo. As colunas do Diário de
(como O jardineiro, 1915, e Figura de mulher, s/d) e Minas consagraram a jovem patrícia. A seção de
personagens religiosos (como Judas traidor, 1910, e arte do jornal era minha e foi com entusiasmo que
São João Batista, s/d). Entretanto, apesar da pintura incentivei seu esforço completamente novo no
de Mattos apresentar elementos impressionistas e ambiente pacado de Belo Horizonte de ontem.
temas acadêmicos, não necessariamente Mattos Estas informações, de que Aníbal Mattos pro-
tenha se posicionado contrariamente à transfor- moveu a exposição da jovem Zina Aita e ainda
mação estilística do modernismo. A atuação do pin- teceu elogios à mesma em sua coluna de crítica de
tor fluminense no meio artístico, como discutido arte, lançam uma nova luz sobre a figura desse
até o momento no presente texto, foi de agencia- relevante promotor cultural das artes mineiras. Os
mento de eventos e criação de instituições, fomen- memorialistas que resgatam a história das artes
tadoras também de eventos modernistas, de modo plásticas em Belo Horizonte nas primeiras décadas
que suas opções estilísticas, talvez conservadoras, do século XX não deixaram de exaltar a centrali-
não implicam uma rigidez em todas as ramificações dade da figura de Mattos, que realizou numerosos
da sua atuação. feitos no campo intelectual da cidade, como lem-
Cristina Ávila Santos em Modernismo em Minas brou Fernando Pedro da Silva. O pintor promoveu
– literatura e artes plásticas: um paradoxo, uma várias exposições de Belas Artes, incentivando a
questão em aberto aponta Aníbal Mattos como um atividade artística local, além de ter reservado
dos responsáveis pelo desenvolvimento tardio do espaço permanente em seus artigos no jornal Diário
modernismo em Minas Gerais. Segundo Santos, de Minas, para assuntos inscritos no campo das
Não vimos em suas exposições [de Aníbal artes plásticas. A imprensa escrita foi importante
Mattos] e no decorrer de sua função como presi- para a emergência da crítica de arte e também para
dente da Sociedade Mineira de Belas Artes nenhu- o aumento da repercussão dos eventos artísticos
ma manifestação ou alguma tentativa de renovar a que ocorriam em Belo Horizonte, na medida em
arte mineira. Ao contrário, a sua atitude é sempre que atraíam um numero cada vez maior de interes-
bastante conservadora, classificando o "impressio- sados sobre o assunto.
nismo" como o que há de mais novo em termos Em um artigo redigido por Carlos Drummond
estéticos e formais. em 1930, sob o pseudônimo de Antonio Crispim, o
A realização da exposição da pintora escritor alude à inexistência de animosidade entre
modernista Zina Aita, de curadoria do próprio Mattos e o grupo dos modernistas mineiros.
Mattos, através da Sociedade Mineira de Bellas Artes, Drummond recomenda em um trecho do artigo
e as críticas favoráveis a essa exposição no Diário intitulado Do artista desconhecido que se visite a
de Minas (tecidas por Mattos sob o pseudônimo de Sétima Exposição Geral de Belas Artes, de curado-
FLY) sugerem tentativas, por parte do pintor, de ria de Mattos:
instigar o interesse do público em geral para as pro-
duções artísticas. Esses episódios, por outro lado, Observemos ali o belo, tocante esforço mineiro
não demonstram uma vontade de Mattos de no sentido de realizar qualquer coisa que seja o
impedir a atuação dessa artista na capital mineira. reflexo de nossas preocupações artísticas em
A exposição de Zina Aita, realizada no Palácio do período de câmbio vil e de vida cara, que não são
Conselho Deliberativo em 1920, é identificada como propriamente matéria para alimentar os
um evento que revela os primeiros traços da sonhos.31
modernidade artística em Minas, sendo uma
experiência que antecedeu a própria Exposição de Considerações Finais
Arte Moderna de 1922. Em um momento adverso Vista a importância da figura de Aníbal Mattos
às manifestações artísticas revolucionárias, con- como intelectual e articulador dos vários campos
siderando o contexto provinciano e conservador de conhecimento e prática artística de Belo
de Belo Horizonte, a jovem pintora de 20 anos, de Horizonte, questiona-se a imagem negativa formu-
origem italiana e recém chegada de Florença, lada em torno desse personagem. Vale destacar o
encontrou em Aníbal Mattos o apoio necessário papel de promotor cultural exercido por Aníbal
para realizar sua exposição caracterizada por Mattos que, à frente de várias instituições, atuou,
muitos como “bizarra”. todo o tempo, em prol da articulação de pintores,
Mattos ainda redigiu crítica favorável a Aita no ilustradores, caricaturistas, cenografistas e, princi-
31
FRIEIRO, Eduardo. “As Artes em
jornal oficial do Partido Republicano Mineiro, o Diário palmente, em torno de um único ideal: o de Minas”. In: Minas Geraes em 1925. Belo
de Minas. Nas palavras do próprio Mattos em uma difundir na nova capital a compreensão e o respeito Horizonte, Imprensa Official: 1926,
p.531-562.
entrevista para o jornal Folha de Minas em 31 de às preocupações estéticas. Em torno da figura
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poliforme de Aníbal Mattos, várias ambigüidades e


polêmicas foram estabelecidas. Acusado de ser
uma barreira ao desenvolvimento do modernismo
em Minas Gerais, o pintor, por outro lado, pode
apenas ter interpretado que a natureza estética da
transgressão modernista seria mal recebida pelo
mercado da provinciana Belo Horizonte. Em
declaração do próprio pintor em entrevista à Folha
de Minas:

Antes da agitação do problema modernista, que


é afinal, uma forma violenta e precipitada da evo-
lução que quer antecipar uma estabilidade positi-
va normal, nós agasalhamos em nossas exposi-
ções temperamentos arrojados32.

No entanto, não deve existir dissenso quanto à


importância de Aníbal para o desenvolvimento da
cultura belo-horizontina. Caracterizado, pelo jor-
nalista do jornal Estado de Minas, José Clemente,
em 29 de Junho de 1969, como o semeador, o pin-
tor fluminense e sua relevância são sintetizados:

A arte em Belo Horizonte deve-lhe a pamposa


existência de hoje. Ele a tirou do caos. Deu
forma ao informe. Foi dela, incontestavelmente,
comprou a da mente o pioneiro. Foi ele quem
deu à capital personalidade da pintura. Antes
dele, Belo Horizonte tinha sim seus pintores. A
aglutinação, pela força de seu amor, abriu para a
capital o mundo novo para ela desconhecido.
(...) Em multiplicidade de rumos ninguém mais
doou o Espírito entre vós. Viveu muito e fez
muito. E porque viveu muito teve a recompensa
que nunca falta no mundo daqueles que vivem
muito: viu festejado e saboreados os frutos de
sua permanente semeadura pelos que se esque-
ceram ou ignoraram que foi ele o extraordinário
semeador. 33

MATTOS, Aníbal. Folha de Minas, 31


32

de dezembro de 1944.

33
CLEMENTE, José. Aníbal Mattos, o
Semeador. Jornal Estado de Minas, 29
Jun. 1969 (grifo nosso).

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