Universidade de São Paulo Campus Da Capital Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

CAMPUS DA CAPITAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM ENSINO DE CIÊNCIAS

Rafael Matias de Moura

ENTRE A FORMATAÇÃO DOCENTE E A FORMAÇÃO DE SI – percepções de


egressos sobre a licenciatura em Ciências Biológicas em uma universidade do Nordeste
brasileiro

São Paulo
2022
Rafael Matias de Moura

ENTRE A FORMATAÇÃO DOCENTE E A FORMAÇÃO DE SI – percepções de


egressos sobre a licenciatura em Ciências Biológicas em uma universidade do Nordeste
brasileiro

Versão Corrigida
A versão original encontra-se disponível tanto na Biblioteca da Unidade que aloja o
Programa quanto na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP (BDTD).

Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação


Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de
São Paulo para a obtenção do título de doutor em Ensino
de Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Tadeu Motokane
Coorientadora: Profa. Dra. Maria Marly de Oliveira

São Paulo
2022
FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação
do Instituto de Física da Universidade de São Paulo

Moura, Rafael Matias de

Entre a formatação docente e a formação de Si – percepções de egressos sobre a


licenciatura em ciências biológicas em uma universidade do Nordeste brasileiro. São Paulo,
2021.

Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo. Faculdade de Educação, Instituto


de Física, Instituto de Química e Instituto de Biociências.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Tadeu Motokane


Área de Concentração: Ensino de Biologia

Unitermos: 1. Biologia – Estudo e ensino; 2. Formação de professores; 3.


Métodos de estudo; 4. Empoderamento.

USP/IF/SBI-057/2021
Rafael Matias de Moura

ENTRE A FORMATAÇÃO DOCENTE E A FORMAÇÃO DE SI - percepções de


egressos sobre a licenciatura em Ciências Biológicas em uma universidade do
Nordeste brasileiro

O presente trabalho em nível de DOUTORADO foi avaliado e aprovado por banca


examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Marcelo Tadeu Motokane


Universidade de São Paulo - PIEC

Prof. Dr. Marcelo Pereira


Universidade de São Paulo – FFLCRP

Profa. Dra. Sofia Valeriano Ratz


Universidade de São Paulo - FFLCRP

Prof. Dr. Caio de Castro Freire


Universidade de São Paulo - FFLCRP

Prof. Dr. Ciro de Oliveira Bezerra


Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Este trabalho é dedicado aos meus alunos de todos esses anos de
luta e à minha amada e imprescindível família.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, suas divindades celestiais e forças da natureza, que permeiam a


natureza de Luz entre os caminhos da Escuridão.
A minha amada mãe, Rosemere Matias, por ser a minha grande inspiração de pessoa
como professora e de pessoa vencedora na vida. Seus cuidados e carinhos foram a luz do fim
do túnel nos momentos difíceis desta pesquisa e iluminaram os dias de alegria dessa trajetória
formativa.
A minha amada irmã, Raquel Matias, que foi uma parceira das batalhas travadas na
minha readaptação em São Paulo, oferecendo abraços durante o rigoroso inverno paulistano e
compartilhando os sorrisos que só a primavera proporciona.
Ao querido Marcelo Motokane que, mais que um orientador acadêmico, tornou-se um
amigo, um colega de profissão, um exemplo de sabedoria, compreensão e iluminação e um
grande parceiro nos altos e baixos do desenvolvimento deste trabalho.
A querida Maria Marly de Oliveira, que além de me envolver na metodologia interativa
como uma possibilidade de ser um melhor professor-pesquisador, também me presenteou com
a coorientação deste trabalho, com sua amizade pessoal e seu exemplo de pessoa maravilhosa
e brilhante professora-pesquisadora.
A querida professora Maria Elena Infante-Malachias, por todo o seu empenho de educar
omeu olhar pesquisador para compreender a Formação de Si e enlaçar as possibilidades de
empoderamento com a autonomia intelectual.
Ao querido professor Ciro Bezerra, por sua amizade intelectual e apoio incansável pelas
trilhas e batalhas na aventura eterna da Formação de Si.
Aos queridos membros da minha banca de qualificação e defesa, por aceitarem o convite
de participar da banca examinadora, colaborando de forma decisiva com o sucesso da pesquisa.
Ao apoio logístico da Universidade Estadual da Paraíba, proporcionando liberação para
o cumprimento de créditos e uma dedicação exclusiva ao trabalho desta pesquisa.
Aos amigos da Universidade Estadual de Alagoas que proporcionaram um espaço
dialético para o desenvolvimento do trabalho de campo e o tempo essencial para cursar os
créditos em São Paulo enquanto me inseria no universo pesquisado.
A todos os professores-biólogos que se envolveram em algum momento dessa pesquisa,
que compartilharam suas histórias de vida, anseios e projetos de vida. Acima de tudo, que
confiaram na pesquisa e nas potencialidades de um trabalho investigado dedicado à
compreensão das trajetórias formativas.
Aos meus alunos desses vinte anos dedicados ao ensino de Biologia, por me ajudarem a
crescer como profissional e ser humano em cada degrau da escalada.
A todos os amigos que fiz durante a minha dedicação ao ensino de Biologia construiu
nesses anos de trajetória formativa, com a certeza de que cada um contribuiu de alguma maneira
com meu crescimento como pessoa e como professor, pesquisador e intelectual.
Nobre professor, nós somos livres estudando!
É lendo e escrevendo, sentindo o prazer de sermos livres...
No estudo, nossos sonhos e imaginações criam asas e viajam nesse universo tocado
pelo infinito de nossos sentidos e nossas latentes potências humanas.
Ouvimos a orquestra do universo, a sinfonia de seus sons.
Vemos a pintura das cores e contemplamos os seus ritmos e tons.
Podemos nos exercitar espiritualmente.
Agir sobre nós com alegria e paz interior,
conquistarmos nele a tranquilidade da alma
que os estoicos, epicuristas, cínicos e socráticos tanto enfatizaram e insistiram
em dizer em seus escritos filosóficos,
porque tiveram a coragem de viver livres,
sem peias,
organizando modos e formas de saberviver e fazerviver a vida.

(BEZERRA, 2019c)
RESUMO

Este trabalho discute as percepções e tensões de egressos de uma licenciatura em Biologia numa
universidade pública do Nordeste brasileiro. A ênfase da tese encontra-se nas experiências
desenvolvidas na trajetória formativa, com destaque às atividades de pesquisa e ensino.
Outrossim, investigou-se as referidas atividades durante a formação inicial e como elas
contribuem no processo de conquista da autonomia intelectual, emancipação humana e
empoderamento. Ao mesmo tempo, o objetivo geral ocupa-se de tentar responder a esta grande
questão da pesquisa. Já os específicos, são os seguintes: estudar os limites das racionalidades
técnica e prática no contexto da formatação docente; identificar os movimentos de subjetivação
ocorridos a partir das ações de empoderamento durante a formação inicial; e, por fim, analisar
as experiências em pesquisa e ensino durante o processo de formação à luz da teorização acerca
da Formação de Si. Para tanto, constituiu-se um arcabouço teórico a partir dos objetivos
elencados no formato de um estado da questão e seguiu-se o trabalho metodológico nos aportes
da Metodologia Interativa. A metodologia revelou-se empoderadora no que concerne à
participação dos pesquisados na primeira etapa de análise do agregado de entrevistas e sínteses
parciais feitas pelo pesquisador. Também possibilitou a produção de dados relevantes que foram
analisados em dois momentos: numa primeira etapa, por meio da elaboração da síntese
interativa; logo após, pela análise hermenêutica-dialética-interativa. Os principais resultados
dizem respeito à predominância da racionalidade técnica no contexto formativo, com a
supervalorização do apego ao conhecimento biológico. A perspectiva de formação centrada nas
escolas também foi percebida. Por outro lado, a única ação de empoderamento em que os
pesquisados sentiram-se engajados foi algum tipo de fortalecimento pessoal e coletivo
percebido nas relações interpessoais entre colegas de turmas e os professores formadores do
curso. A formatação docente também foi confirmada nas motivações e aspirações dos
pesquisados, em que a maioria diz respeito à conquista de um lugar ao sol dado pela conquista
de um emprego público de professor, seja na rede básica de ensino ou na própria universidade
em que estudaram. A principal contribuição desta pesquisa diz respeito à importância de se falar
em uma mudança de perspectiva na formação inicial do professor de Biologia como uma
possibilidade contra-hegemônica aos ditames neoliberais: por um lado, possibilitando o
descentramento da subjetivação como também das ações formativas voltadas às racionalidades
técnica e prática para que haja espaço de luta e resistência; por outro, materializando a
importância de se pensar e lutar por uma formação que contemple um mix de racionalidades
que se ocupem de uma formação sob a perspectiva ética-estética-política-humana. Dessa forma,
enxerga-se um horizonte de trabalho que objetiva formar professores enquanto intelectuais
transformadores, críticos, autônomos e contra-hegemônicos, ao contrário de meros
transmissores de conteúdo escolar e reprodutores de esquemas de currículo prescrito pelos
ditames do neoliberalismo educacional.

Palavras-chave: Formatação docente. Formação de si. Metodologia Interativa.


ABSTRACT

This thesis discusses the perceptions and tensions of graduates of a formation in Biology at a
public university in northeastern Brazil. The thesis´ emphasis is on the experiences developed
in the formative trajectory, with emphasis on research and teaching activities. Furthermore,
these activities were investigated during initial formation and how They contribute to the
processo of acheving intelectual autonomy, human emancipation and empowerment. At same
time, the general objective is concerned with trying to answer this great research question. The
specific ones are as follows: study the limits of technical and practical rationalities in the
contexto of teacher formation; identify the subjectivation movements that occured from the
empowerment actions during initial formation; and, finally, to analyze the experiences in
reserarch and teaching during the formation process in light of theorization about Formation of
Self. For that, a theoretical framework was constituted from the objectives listed in the formato
f a state of the matter and followed by the methodological work in the contributions of the
Interactive Methodology. The methodology proved to be empoweringwith regard to the
participation of those surveyed in the first stage of analysis of the aggregate of interviews and
partial synthesis made by the researcher. It also enabled the production of relevant data that
were analyzed in two stages: in a first stage, through the elaboration of the interactive synteshis;
soon after, by the hermeneutic-dialetic-interactive analysis. The perspective of training centered
on schools was also perceived. On the other hand, the only empowering action in which the
respondentes felt engaged was some kind of personal and collective strengthening perceived in
the interpersonal relationships between classmates and the teacher-trainers of the course. The
teaching format was also confirmed in the motivations and aspirations of the respondentes, in
which the majority concerns the achievement of a place in the sun given by the achievement of
a public job as a teacher, either in the basic education or in the university where they studied.
The main contribution of this research concerns the importance of talking about a change of
perspective in the initial training of biology teachers as a conter-hegemonic possibility of
neoliberal dictates: on the one hand, enabling the decentering of subjectivation as well as
formative actions aimed at technical and practical rationalities so that there is space for struggle
and resistance; on the other hand, materializing the importance of thinking and fighting for an
education that contemplates a mix of rationalities that deal with an ethical-aesthetic-political-
human perspective. In this way, we see a work horizon that aims to train teachers as
transformative, critical, autonomous and counter-hegemonic intellectuals, as opposed to mere
transmitters of school content and reproducers of curriculum schemes prescribed by the dictates
of educational neoliberalism.

Keywords: Teacher’s formatting. Formation of Self. Interactive Methodology.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Esquema do CHD para quatro entrevistados ………………………………... 105


Figura 2 – Esquema ampliado do CHD ………………………………………………. 108
Figura 3 – Dendrograma dos agrupamentos na Classificação Hierárquica Descendente ……. 129
Figura 4 – Comparação entre palavras distribuídas num plano fatorial e suas variáveis……... 131
Figura 5 – Árvore de Similitude do agregado das entrevistas ..……………………….. 132
Figura 6 – Nuvem de palavras ………………………………………………………… 136
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Proposta de síntese de limites e possibilidades no pensamento dos


epistemólogos da prática ……………………………………………………………….. 39
Quadro 2 – Esquema dos pressupostos teóricos da MI ……………………………….... 97
Quadro 3 – Etapas da MI ……………………………………………………………...... 101
Quadro 4 – Pressupostos da MI à luz da Análise Textual Discursiva ………………...... 115
Quadro 5 – Nível das determinações fundamentais …………………………………..... 119
Quadro 6 – Nível de encontro com os fatos empíricos ………………………………..... 120
Quadro 7 – Síntese colaborativa distribuída na classificação dada pelo Iramuteq............ 138
Quadro 8 – Principais comentários dos pesquisados sobre o conteúdo da SI ………….. 141
Quadro 9 – Matriz Geral das Categorias para a AHDI ………………………………..... 145
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Descritores do Ranking Folha para o curso de Ciências Biológicas na UNEAL …...... 102
Tabela 2 – Frequência simples das formas nominais …………………………………....... 124
Tabela 3 – Palavras de destaque complementar na análise de similitude.……………........ 132
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHDI – Análise hermenêutica-dialética-interativa


ATD – Análise Textual Discursiva
BNC-FP – Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação
BásicaCHD – Círculo Hermenêutico-Dialético
CPP – Contextualização Participativa do Pesquisador
Enade – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
FSi – Formação de Si
Iramuteq – Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de
Questionnaires
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MI – Metodologia Interativa
MLI – Método da Leitura Imanente
Pibic – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
Pibid – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PPC – Projeto Pedagógico do Curso
RP – Residência Pedagógica
SI – Síntese Interativa
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
Uneal – Universidade Estadual de Alagoas
Fapeal – Fundo de Amparo à Pesquisa no Estado de Alagoas
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
1. Contextualizando a Formatação Docente ....................................................... 9
1.1. Primeiras palavras ............................................................................................... 9
1.2. Características da Formação e da Formatação Docente ...................................... 13
1.3. A operacionalização acadêmica .......................................................................... 16
1.4. O Profissional Reflexivo à brasileira …………………………………….......... 40
2. Subjetivação e Formatação docente ................................................................ 47
2.1. Palavras introdutórias – por entre as tensões formativas .................................... 47
2.2. Alfabetização Acadêmica – Os Professores como intelectuais .......................... 47
2.3. Subjetivação Docente – Que tipo de profissional pretendemos forma(ta)r? ...... 53
2.4. A formação do professor-biólogo e seus condicionantes identitários…............. 58
2.5. Entre a subjetivação docente e o empoderamento por uma formação humana... 60
2.6. Formação Complexo-Dialógica para a criação de valores ................................. 66
3. A racionalidade crítica e dialética imanente à Formação de Si .................... 72
3.1. Bases teórico-metodológicas da Formação de Si ............................................... 72
3.2. Algumas críticas e reflexões sobre o escopo da Formação de Si ....................... 78
3.3. Se a forma(ta)ção é para todos, a quem se destina a Formação de Si? ............... 83
4. Por uma Metodologia Empoderadora ............................................................ 92
4.1. Por que escolhemos a Metodologia Interativa? .................................................. 92
4.2. Contextualização teórica da MI .......................................................................... 94
4.3. Delineamento do plano de pesquisa ................................................................... 99
4.4. Campo e Sujeitos da Pesquisa ............................................................................ 101
4.5. Operacionalização do Círculo Hermenêutico-Dialético ..................................... 105
4.6. O trabalho a partir do software de pesquisa qualitativa Iramuteq ...................... 107
4.7. Sobre o Iramuteq ................................................................................................ 109
4.8. Sobre a Síntese Interativa ................................................................................... 112
4.9. Segunda Fase da MI – AHDI ............................................................................. 116
5. Rumo à Síntese Interativa ................................................................................ 122
5.1. Pelos caminhos do Iramuteq ............................................................................... 122
5.2. A construção da realidade pesquisada por meio da SI ....................................... 137
5.3. Retomando o CHD ............................................................................................. 142
6. AHDI – A análise propriamente dita .............................................................. 144
6.1. Estruturando uma Matriz Geral das Categorias .................................................. 144
6.2. Categoria Teórica A – Empoderamento e Relação com o Saber ....................... 146
6.3. Categoria Teórica B – Subjetivação e Formatação Docente............................... 158
6.4. Categoria Teórica C – Formação de Si versus Formação Acadêmica ................ 167
CONSIDERAÇÕES ......................................................................................... 181
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 189
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................. 204
1

INTRODUÇÃO

Se buscar a iluminação fora de si,


Mesmo que execute dez mil práticas e dez mil boas ações,
Tudo será em vão.
(NICHIREN DAISHONIN)

A problemática da formação inicial de professores de Biologia é uma permanente


questão da pesquisa na área de ensino de Biologia. Preocupações com um ensino de
qualidade e questões sociais voltadas à cidadania também são preocupações, pelo menos,
dos últimos trinta anos da pesquisa em ensino de Biologia. Contudo, grandes mudanças
alteraram o cenário político e educacional brasileiro nestes últimos cinco anos, mudando
não apenas a estrutura da escolarização básica e da formação de professores, como
também a incorporação de novas diretrizes para a formação docente e a implementação
definitiva da lógica das competências e habilidades por todos os caminhos da educação.
Nesse contexto, sob o propósito de uma busca por melhor qualidade na formação
de professores, também surgiram os programas institucionais de capacitação para a
docência, como é o caso do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(Pibid) e a Residência Pedagógica (RP) e das Bases Nacionais Curriculares de Formação
Inicial dos Professores de Educação Básica (BNC-FP). Emerge um cenário formativo em
que a formação inicial passa a ser um período de preparação aligeirada e superficial para
o trabalho docente. Por isso, dizemos no capítulo 1, que estamos diante de uma
formatação docente.
Assim, questões foram sendo gestadas e interesses de pesquisa se consolidaram e
foram incrementados por nossa experiência em componentes pedagógicas das
licenciaturas em Ciências Biológicas e em Ciências da Natureza, com destaque à minha
vivência de mais de uma década na condução de componentes das áreas de Metodologia
do Ensino de Ciências e do acompanhamento e supervisão dos Estágios. A partir do
exposto, escolhi como campo de pesquisa, a licenciatura em Ciências Biológicas do
Campus II da Universidade Estadual de Alagoas, onde estamos em exercício contínuo
desde 2015. Dessa forma, temos o universo de pesquisa que é mais do que um espaço de
coleta de dados. Também encontramos pesquisados que são mais do que simples
entrevistados ou sujeitos de pesquisa. As pessoas que se engajaram nesta pesquisa
manifestaram um interesse genuíno em contar suas histórias e encontraram um espaço de
liberdade para a exposição de suas percepções sobre a formação realizada.
2

Realizamos uma imersão profunda em nossa própria prática, visitando os


interesses e as aspirações de nossos próprios ex-alunos que escrutinaram toda a formação,
apontando limites e potencialidades, as quais nos colocamos na condição de responsáveis.
A imersão empírica, neste caso, se sucede a partir de um aprofundamento teórico que
incorporamos nos últimos cinco anos, principalmente com as nossas preocupações com a
dimensão subjetiva da formação do professor. Por outro lado, emerge de uma razão prática,
a partir das atividades de ensino, pesquisa e extensão por meio do acompanhamento da
trajetória formativa dos professores-biólogos formados no Sertão alagoano nestes últimos
anos.
Por conseguinte, nossas inquietações foram gestadas e ingressamos no doutorado.
A partir de uma reflexão mais aprofundada em torno da formatação docente que se realiza
em uma universidade operacional, formulamos nossa pergunta de pesquisa, qual seja:
quais as percepções dos egressos em Biologia quanto às atividades desenvolvidas nesta
trajetória formativa, e se elas contribuem para o empoderamento, autonomia intelectual
e emancipação humana?
Quanto aos nossos objetivos, construímos o seguinte objetivo geral: investigar se
o processo de formação em Ciências Biológicas contribui para o empoderamento, para o
desenvolvimento da autonomia intelectual e com a emancipação humana. Paratanto,
destacamos os seguintes objetivos específicos:
• Estudar os limites das racionalidades técnica e prática no contexto da formatação
docente;
• Identificar os movimentos de subjetivação a partir das ações de empoderamento
durante a formação inicial;
• Analisar as experiências relacionadas à pesquisa e ao ensino durante o processo
de formação à luz da Formação de Si.
A justificativa desta pesquisa confunde com nossa própria experiência na
formação pesquisada, a partir de uma tentativa de superar a leitura crítica e negativa das
racionalidades vigentes e propor algo novo: um mix de racionalidades que buscam algo
mais do que a formatação operacional do bom professor que desempenha as competências
e habilidades para o século XXI.
Nossa principal lente teórica consistiu no contraponto entre a formatação docente
e a Formação de Si (FSi), tendo como fio condutor as perspectivas de subjetivação
docente. Em poucas palavras, a FSi envolve um cuidado ético com o trabalho pedagógico
de estudo em pesquisa (BEZERRA, 2019c) e um conjunto de práticas de si que se
3

remetem à (re)constituição do habitus professoral-pesquisador-reflexivo na condição de


professores enquanto intelectuais transformadores, críticos, autônomos e contra-
hegemônicos (GIROUX, 1997; 2018).
Em perspectiva, questionamos os meios e as práticas com que esses sujeitos em
formação permanente fogem do assujeitamento do sistema e constroem um caminho de
FSi que se volta às práticas sociais, tendo como pano de fundo a identidade anfíbia da
profissão, entre ser professor e biólogo. De uma forma geral, a pesquisa demonstrou
aspectos subjetivos importantes, como a identificação das relações humanas como
condicionantes das principais experiências do curso e a aspiração profissional em ser
professor a partir de um emprego estável, tanto na educação básica como na universidade.
Dessa maneira, caracterizamos a subjetivação docente em movimentos da subjetividade,
desde a opção de curso até as perspectivas profissionais e as práticas de si encontradas
na formação, consolidando dispositivos estratégicos de poder-saber(FOUCAULT,
2017c), que induzem e produzem sujeitos, com ideias, ações e discursos próprios da
formação.
De antemão, é importante identificar os dois sentidos do sujeito em Foucault:
“submetido, ‘sujeito’ pelo controle e dependência do outro; ligado, ‘sujeito’ à própria
identidade pelas práticas e pelo conhecimento de si” (CASTRO, 2016, p. 324). No sentido
em que defenderemos a FSi, a segunda opção nos revela caminhos mais promissores,
porém, em alguns momentos, destacaremos o sujeito submetido e assujeitado ao revelar
as práticas de desempoderamento, omissão política dos estudantes e os problemas de
gestão operacional da licenciatura pesquisada.
Por outro lado, é importante destacar, desde a introdução deste trabalho, que não
encontramos práticas de si no escopo de uma estratégia formativa. Surgiram desejos de
compreender mais sobre as “escritas de si” (DIAS, 2012; 2019) ou exercitar o potencial
empoderador da Metodologia Interativa, entretanto, sem experiências concretas relatadas.
Destacamos a importância deste dado pois não acreditamos que ele invalida nossas
questões e objetivos de pesquisa, apenas torna a luta ainda mais urgente por uma formação
ética-estética-política-humana.
O grande destaque diz respeito aos aspectos subjetivos que envolvem as relações
com familiares, colegas e professores aliados a um projeto de vida que se esboça na
formação inicial com motivações socioeconômicas. Em outras palavras, o entendimento
dos pesquisados que o lado humano da formação é contemplado pelas relações humanas
entre companheiros de ofício e a motivação exercida por familiares e professores-
4

formadores, desde a educação básica. Assim, ser professor é um objetivo secundário


diante da busca de uma melhor posição no mundo do trabalho, como também a aquisição
de um patrimônio cultural pertinente ao desenvolvimento da autonomia intelectual.
Nos entremeios desta problematização, os conceitos de empoderamento,
autonomia intelectual e emancipação humana surgem como fios condutores de nossos
anseios por uma formação mais humana, contrapondo-se à formatação docente nos
moldes neoliberais da atualidade. Destarte, evidencia-se a ausência de possibilidades de
empoderamento em uma formação marcada por um misto de racionalidades, entre a
técnica- instrumental que supervaloriza o conhecimento biológico e a prática, que
sobrepuja o valor da formação centrada nas escolas. Também enxergamos um olhar
distante emrelação às questões sociais regionais e uma ausência quase total de ações
extensionistas.
No contexto da FSi existem exigências que não são arrazoadas na formatação
docente. Por exemplo, a FSi enxerga como ponto de partida os desejos e aspirações que
movem os sujeitos e constituem sua relação com o saber e o aprender. Isso é muito
distante do movimento de aprender a desempenhar competências e habilidades na escola
básica, por mais que não estejamos desmerecendo essa importante função do professor.
A FSi também enxerga a trajetória dos sujeitos e seus movimentos de subjetivação, e não
apenas a soma de componentes curriculares e publicações obtidas em certo espaço de
tempo. Por fim, a FSi enxerga as possibilidades de autoconhecimento e reflexão como
condições essenciais para o exercício do empoderamento. Ao contrário disso, a
formatação docente entende que o desenvolvimento pessoal deve ser um projeto de
empresariado de si mesmo, em que o sujeito se desenvolve para exercer melhor seu
papel profissional na sociedade.
Entretanto, se o professor não se apodera de si, enquanto sujeito de sua história,
ele não terá condições de formar ninguém. Sendo um mero ator pedagógico ou agente
executor de habilidades e competências, não podemos enxergar o verdadeiro
protagonismo a que se refere as orientações e diretrizes curriculares recentes (BRASIL,
2019)1. Em última instância, esta pesquisa se interessa pela apropriação cultural e intelectual do
sujeito que será professor de Biologia em escolas do Nordeste brasileiro, notempo histórico após
a sua licenciatura.
Nesse ínterim, a subjetivação constitui-se em movimentos que dão conta de sua inserção
no mundo profissional, mas também equaciona seus desejos em conquistar uma

1
Estamos nos referindo aos documentos normativos da recente reforma do ensino médio e das diretrizes
curriculares da formação inicial e continuada de professores publicadas nestes últimos três anos.
5

vida melhor por meio da continuidade dos estudos em nível da pós-graduação. É nesse
entendimento que os pesquisados definiram “seu lugar ao sol”. De uma forma geral, as
práticas “que estabelecem ligações entre poder, conhecimento e consciência podem ser
as que incluem as relações dentro do aparato pedagógico, e as outras, não tão visíveis,
que ocorrem nas relações sociais vividas pelos estudantes” (CUNHA; LEITE, 2009, p.
77).
Destarte, nossos objetivos e questão de pesquisa surgiram por duas vias: primeiro,
considerando a formação como um processo permanente de reforma do sujeito
cognoscente por meio de suas experiências de vida (VOSS, 2005; 2009; 2013) e o quanto
essas experiências empoderam estes professores-biólogos em relação aos seus propósitos
de vida e às conquistas do binômio empoderamento-emancipação.
Com relação aos pesquisados, foram voluntários egressos das últimas turmas
formadas no campus em que se realizou a pesquisa. Alguns estão às portas do mestrado
tanto na Biologia Aplicada como na área de Ensino de Ciências. Outros estão motivados
por um projeto de vida que se resume à conquista de um lugar no magistério via concurso
público como maneira de viver seu “lugar ao sol”. Os critérios de inclusão e exclusão
estão explicados no capítulo 4, em que nos ocupamos no desenho metodológico desta
pesquisa.
Os três primeiros capítulos constituem a base teórica. No capítulo 1, partimos de
intenção de superar a ideia de um estado de arte com o levantamento de um conjunto de
teses e dissertações para construir um estado da questão (NÓBREGA-THERRIEN;
THERRIEN, 2004) sobre a nossa tensão formativa. Destacar os aspectos de uma
formação mais humana partiu do pressuposto de criticar as bases do modelo formativo
atual e propor nossa leitura criativa, positiva e transformadora.
Esses aspectos da formação entrelaçam a subjetividade no capítulo 2, nos
entremeios de uma formação eminentemente propedêutica, movendo a curiosidade em
questionar valores, crenças e motivações de uma possibilidade de formação alternativa,
numa perspectiva ética-estética-política-humana. Lançamos o olhar diante de
perspectivas teóricas que entendem a subjetivação que convidam o sujeito em formação
às práticas de si e à criação de valores. Dessa forma, buscamos pensar como sujeitos
(re)formam-se por meio das práticas de si durante a graduação e compreender a natureza
dos discursos e regimes de verdade que impactam num tipo de formação para a vida que
é muito mais do que uma capacitação para o mundo do trabalho. Nossas lentes teóricas
buscam mais que formar os profissionais competentes, mas também os sujeitos de
6

transformação da sociedade: os intelectuais transformadores, críticos, autônomos e


contra-hegemônicos de Giroux (1983; 1997; 2000; 2003; 2013; 2018).
No capítulo 3, dedicamos todo o espaço que consideramos necessário para discutir
a FSi nos pressupostos do trabalho pedagógico de estudo em pesquisa (BEZERRA,
2019b; 2019c). Para além da pesquisa elitizada oferecida apenas para os estudantes de
tempo integral, a FSi enxerga um tipo de pesquisa pela apropriação de conhecimento
poderoso (YOUNG, 2007; 2011) atinente à formação como eixo central do
desenvolvimento da autonomia intelectual num projeto formativo emancipatório. Por
outro lado, este tipo de trabalho também é algo intrinsecamente diferente do trabalho
docente de aprendizado da docência por meio da prática isenta de reflexão e crítica. Este
capítulo dá conta do debate e realiza algumas pontes do referencial original da FSi com a
teoria da Relação com o Saber (Charlot, 2000; 2013), com a Perspectiva Complexo-
Dialógica situada na interface entre o pensamento de Morin (2011; 2013; 2015), o
pensamento de Freire (1967; 1987; 1992; 1996) e com a Pedagogia da Criação de Valores
(MAKIGUCHI, 2002) como possibilidades de dar maior clareza operacional e visibilidade
aos seus pressupostos teóricos.
No capítulo 4, dedicamo-nos ao delineamento da pesquisa a partir dos
pressupostos da Metodologia Interativa (MI). Defendemos a MI como uma possibilidade
empoderadora de aproveitar as contribuições dos pesquisados com o respeito máximo às
suas percepções e com a minimização maior possível da influência da subjetividade do
pesquisador (OLIVEIRA, 2001; 2003; 2010, 2021).
A realização de entrevistas dentro do círculo hermenêutico-dialético (CHD)tornou
possível a compreensão em profundidade dos aspectos relacionados aos objetivos da
pesquisa. Também iluminou uma diversidade de percepções para além do que se
pretendia investigar inicialmente, por meio da captação de novos emergentes (MORAES;
GALIAZZI, 2016) no agregado das entrevistas.
Por outro lado, possibilitou a imersão do pesquisador no campo de forma
intencional e planejada, como também permitiu a contextualização participativa do
pesquisador (MINAYO, 2008; SILVEIRA, 2017) no momento de construção da síntese
das entrevistas e na validação das categorias teóricas e empíricas. Por fim, os dados das
entrevistas culminaram na síntese interativa, construída colaborativamente pelo grupo de
trabalho. Logo após, encaminhamo-nos à análise hermenêutica-dialética-interativa
(AHDI) ou análise propriamente dita.
7

A MI foi uma escolha metodológica bem-sucedida por estar fundamentada nos


pressupostos epistemológicos da hermenêutica, da dialética, da complexidade e da
dialogicidade. Por isso, para além de uma ferramenta de pesquisa qualitativa, seus pilares
agregaram valor ao que defendemos na FSi e se constitui uma metodologia empoderadora
no que diz respeito ao trabalho empírico desenvolvido nesta tese doutoral.
Dessa forma, os capítulos 5 e 6 dão conta do nosso trabalho de análise. Em
seguida, tecemos nossas considerações e recomendações. Não optamos pelo termo
“conclusões” por dois motivos: primeiro, nossa questão de pesquisa não foi respondida
em sua amplitude e clareza, por isso, este é um trabalho que possuirá continuidade, tanto
em nosso exercício profissional na universidade como na elaboração de uma linha de
pesquisa no que concerne à FSi; em segundo lugar, ainda temos muitas respostas a
desbravar como, por exemplo, da análise do projeto de curso, de ampliar as questões de
pesquisa diretamente com os licenciandos em formação e lançar bases de uma
experiência-piloto com a FSi voltada aos licenciandos em Biologia. Portanto, encerramos
indicando nossas “recomendações e considerações”, indicando os limites encontrados e
as possibilidades de trabalho no presente e no futuro.
Apresentando um panorama geral dos dados obtidos, também nos dedicamos a
ressaltar a relevância social da pesquisa e dos novos horizontes de trabalho que foram
descobertos nos entremeios do trabalho, principalmente nas relações entre os
pressupostos da FSi e os processos de subjetivação e empoderamento. Finalizamos esta
tese delineando as possibilidades imediatas de futuro da pesquisa e a devolutiva dos dados
aos pesquisados e à comunidade acadêmica, principalmente na forma de publicações e
apresentações em eventos que evidenciem a relevância metodológica e a pertinência
teórica desde trabalho.
Por fim, acreditamos ter respondido parcialmente nossa questão e objetivos da
pesquisa, porém, descobrimos mais lacunas e possibilidades de trabalho futuro do que
respostas concretas e concisas sobre o que foi investigado. Este tipo de achado parece
frustrar um pesquisador que estivesse à busca de uma proposta de trabalho conclusiva.
No nosso caso, ficamos felizes com a possibilidade de enxergar com amplitude os
horizontes formativos para que possamos delinear melhor nossas linhas de pesquisa
envolvendo a Formação de Si e a Metodologia Interativa. Dessa forma, acreditamos que
nossas considerações e recomendações terão muito mais a contribuir com a pesquisa na
área, sempre na busca de uma educação voltada à perspectiva ética-estética-política-
humana.
8

Por isso, sem desejar concluir nossa introdução, encerramos nossas palavras
iniciais com as deduções brilhantes de Platão, citadas por Bezerra (2019a) em sua
epígrafe:
É vulgar, servil e inteiramente indigno chamar de educação uma formação que
visa somente à aquisição de dinheiro, do vigor físico ou mesmo alguma
habilidade mental destituída de sabedoria e justiça [...] aqueles que são
corretamente educados se tornam, via de regra, bons, e em caso algum a
educação deve ser depreciada, pois ela é o primeiro dos maiores bens que
proporcionamos aos melhores homens [...] (PLATÃO, As Leis apud
BEZERRA, 2019a).
9

CAPÍTULO 1 –
CONTEXTUALIZANDO A FORMATAÇÃO DOCENTE

Não diga que se, se sou professor de biologia, não posso me alongar
em considerações outras, que devo apenas ensinar biologia, como se
o fenômeno vital pudesse ser compreendido fora da trama histórico-
social, cultural e política. Como se a vida, a pura vida, pudesse ser
vivida de maneira igual em todas as dimensões [...] se sou professor
de biologia, obviamente, devo ensinar biologia, mas, ao fazê-lo, não
posso secioná-lo daquela trama.
(FREIRE, 1992, p.79).

1.1. Primeiras Palavras

Pensar uma formação de professores é muito mais do que reunir um grupo de


professores e ocupá-los da redação de um projeto pedagógico de curso (PPC). Também
não requer apenas uma recontextualização das competências e habilidades ditadas pelos
órgãos legislativos no âmbito da sala de aula, livros didáticos e práticas de laboratório.
Acreditamos que uma formação simplista e fragmentada pode ser entendida como
formatação docente: o tipo de formação que vem sendo oferecida para os atores sociais
que ingressam nas licenciaturas acorrenta “docentes e discentes às formas de
estranhamento e coisificação do trabalho pedagógico, mediante determinados processos
curriculares, formativos e avaliativos” (BEZERRA, 2019b, p. 64). Em contraponto,
defendemos a possibilidade de uma formação mais humana e preocupada com a criação
de valores, “cujos padrões e objetivos a serem alcançados sejam determinados em
conformidade com metas de visão crítica e de ampliação das capacidades humanas e
possibilidades sociais” (GIROUX; SIMON, 2013, p. 113).
Nossa principal tese de trabalho diz respeito ao entendimento de que uma
Formação de Si (FSi), referenciada na formação humana, empodera os sujeitos tanto para
atuação profissional quanto para o exercício da emancipação advinda do processo de
desenvolvimento de sua autonomia intelectual e da criação de valores. A FSi empodera
no sentido que fortalece o governo e o cuidado de si, compreendendo que a formação
docente é um vai-e-vem entre a desconstrução e a reestruturação permanente da
subjetividade.
Por outro lado, referendamos a tese que afirma: a formatação docente
desempodera, no sentido que se fortalece do governo dos outros, principalmente das
tendências neoliberais da educação marcadas notoriamente pelo neotecnicismo da lógica
10

de formar por competências e habilidades e da reforma empresarial da educação em


andamento. Dessa forma, criticar as racionalidades formativas se tornou um imperativo
de pesquisa, mas de um lugar político em que o pesquisador faz suas leituras a partir de
lentes teóricas que valorizam as percepções e experiências dos sujeitos em formação.
Portanto, na perspectiva de realizar uma leitura crítica da realidade investigada,
construiremos um estado da questão da formação de professores de Biologia à luz de um
olhar crítico sobre duas racionalidades formativas. No contexto da formatação docente,
por um lado, encontramos a racionalidade técnica e instrumental, que supervaloriza o
conhecimento biológico e suas práticas em detrimento dos saberes pedagógicos; de outro,
percebemos a insurgência de uma epistemologia da prática que valoriza os saberes da
prática em relação aos demais, caracterizando uma primazia da formação centrada nas
escolas imbuída de um esvaziamento teórico e reflexivo do trabalho docente.
Em tempo, tensionamos os meios e as práticas com que os sujeitos em formação
podem (ou entender que devem) fugir do assujeitamento operacionalizado pelo sistema
de ensino, pelo projeto de curso e as políticas de poder da universidade. A essa dura face
do mundo acadêmico, acatamos o entendimento de Chauí (2000; 2003) de que estamos
diante de uma universidade operacional: a serviço da gestão empresarial e interesses de
mercado. Assim, a FSi também se constituirá em uma racionalidade contra-hegemônica
voltada à formação de intelectuais transformadores, contra-hegemônicos, autônomos e
críticos, nas acepções de Giroux (1983; 1997; 2000; 2011).
Nos entremeios de uma racionalidade contra-hegemônica encontramos uma
perspectiva de práxis que envolve o empoderamento ao refletir as tensões e concepções
da formação docente. Em outras palavras, por contra-hegemônico considera-se a práxis
que envolve o empoderamento, ao refletir as tensões e concepções de sua formação. Logo,
o intelectual crítico-reflexivo, transformador, analisa criticamente seu trabalho e
ressignifica a teoria. Em outra via, o intelectual contra-hegemônico mantém uma postura
de posicionamento crítico-reflexivo contra os discursos e práticas neoliberais da educação
aligeirada, mercantilizada e meritocrática, promovendo a formação de sujeitos que
cuidam de si e dos outros mediatizados pelos movimentos de emancipação-
empoderamento.
Por outro lado, defenderemos a perspectiva de que um intelectual crítico-reflexivo
transformador supera o ideal do professor reflexivo arrazoado pela epistemologia da
prática. O professor transformador considera a prática e as condições de trabalho como objeto
de análise, buscando a compreensão teórica dos elementos que influenciam e condicionam
suas ações. Assim, demanda tempo de formação a apropriação de teorias pelos professores
11

em formação num diálogo permanente com as práticas e com as outras teorias vinculadas,
percebidas nos caminhos de apropriação de conhecimentos. Por fim, advogaremos em favor
de que os professores em formação exercitem um trabalho pedagógico para além do
trabalho docente no chão da escola. Ou seja, “os professores constroem conhecimento a
partir da análise crítica do trabalho e da ressignificação das teorias”. (CURADO SILVA,
2019, p. 111)
Em outras palavras, é uma formação que ocorre por meio de todo o movimento de
“dessubjetivar-subjetivar” (Eckert-Hoff, 2008; Dias, 2012; 2019) das práticas formativas
em comunhão com a teoria imanente ao seu currículo. Dessa forma, para além de uma
subjetivação docente pelos caminhos foucaultianos do “Cuidado de Si” (FOUCAULT,
2017a), compreendemos a importância das práticas de si que envolvem um currículo
mobilizado pela reflexão e pelo exercício de “escrever através do currículo” e “reconhecer
que o ensino não pode se basear apenas na transmissão docente” (CARLINO, 2017, p.
177).
Para realizar o trabalho de discutir com lentes teóricas apropriadas que permitam
iluminar a questão da formação inicial em Biologia bem como subsidiar as análises do
trabalho empírico, decidimos ir além de um estado da arte que se ocupa com o caráter
descritivo da produção acadêmica e científica acerca do tema, dado certo espaço de tempo.
Destarte, nossas lentes teóricas se constituirão por um levantamento bibliográfico nas
possibilidades de um estado da questão (NÓBREGA-THERRIEN; THERRIEN, 2004, p.
11): uma fundamentação teórica que “tem a finalidade de deixar clara a contribuição
pretendida pela pesquisa ao tema investigado e ao estudo como um todo”.
Ao invés de realizar um trabalho descritivo das teses, dissertações e artigos que
problematizam a formação de professores de Biologia, optamos por constituir um
arcabouço que promove o balanço de debate entre estudos, posições e tensões dos últimos
trinta anos da história da formação de professores no Brasil, com ênfase ao período pós-
LDBEN 9394/96. Acreditamos que a nossa atual LDBEN é um marco histórico em três
vias: primeiro, é um ponto de partida da preocupação com a universalização da
escolarização básica, atando definitivamente o objetivo da educação aos propósitos
neoliberais; segundo, também principia e motiva os documentos curriculares de formação
em todos os níveis e modalidades da escolarização na perspectiva neoliberal de formação
para o mundo do trabalho; por fim, constitui um marco das reflexões mais densas sobre a
relação entre a formação de professores e um projeto de sociedade dominada pelo
neotecnicismo (FREITAS, 2011).
12

Nossa escrita busca demonstrar os caminhos, os debates e as considerações dos


estudiosos da área como também estabelecer um diálogo crítico e interpretativo do
pesquisador, mobilizando a construção de categorias teóricas e empíricas para analisar e
refletir os dados obtidos. Em perspectiva, nossa preocupação central encontra um
momentâneo ponto de chegada com o advento das atuais diretrizes curriculares para a
formação de professores: a BNC-Formação (BRASIL, 2019).
Nos entremeios dos marcos temporais localizados, indicamos nossa vivência de
professor universitário no mundo do ensino de Biologia e nossas pesquisas de mestrado
e doutorado que circulam em torno de uma grande questão: quais as percepções dos
licencia(n)dos em Ciências Biológicas acerca de uma formação supostamente pautada
pelas estratégias pragmáticas, fragmentadas e instrumentais da racionalidade técnica?
Ao longo do recorte temporal acima descrito, entre nossa formação inicial e a
conclusão do doutorado, enxergamos cada vez menos a possibilidade de se pensar uma
formação docente voltada aos aspectos éticos, estéticos, políticos e humanísticos em
razão dos ditames neoliberais e corporativistas da educação atual, com ênfase no Ensino
Superior. Em linhas gerais, quase sempre nos deparamos com:
a) um número extenso de habilidades e competências concernentes ao trabalho
docente e à formação universitária;
b) uma forma de pensar o currículo sempre a partir de conteúdos e objetivos
mínimos, consecutivamente pensados fora do chão da escola para que os professores
sejam apenas seus executores (GIROUX, 1997);
c) orientações e diretrizes de formação inicial e continuada atreladas aos
propósitos de uma concepção de educação que objetiva essencialmente instrumentalizar
a cidadania a serviço do capitalismo neoliberal, sob a alcunha de formar para a vida, para
a cidadania e para o mercado de trabalho.
Portanto, percebemos diuturnamente que todo o processo de formação escolar, do
Ensino Fundamental à pós-graduação, esteja se rendendo a uma perspectiva de
formatação: dado um padrão de profissional em um projeto de sociedade, enquadram-se
as pessoas e os projetos de formação aos interesses das elites dominantes. Então, a
educação escolar e universitária atual testemunha uma reprodução de capital social e
cultural elitista para além das piores análises descritas por Bourdieu (BOURDIEU;
PASSERON, 2014).
Em síntese, acreditamos que um mix de racionalidades pode ser um caminho para
a formação de professores na condição de intelectuais autônomos e transformadores,desde
que os valores em tela não sejam formatadores do sujeito em formação. Ou seja, que a
13

formação possa ser mais voltada à criação de valores humanos ao invés de produzir
técnicos executores de habilidades e competências definidas por documentos normativos
elaborados em gabinetes técnicos, sob a influência dos reformadores empresariais da
educação.
1.2. Características da Formação e da Formatação Docente

Considerando o panorama de crises e a incerteza da sociedade atual, achamos


razoável afirmar que as propostas formativas deveriam agregar, junto aos conhecimentos
básicos da formação, o conhecimento “dos valores ligados à natureza e à espécie humana”
(MAKIGUCHI, 2002, p. 218). Dito de outra forma, Morin (2013) convoca à substituição
do paradigma que impõe o conhecimento por disjunção e redução por uma reintrodução
do que se pode conhecer por meio da conjunção e distinção.
O ponto comum entre os autores diz respeito à necessidade de se opor à reforma
empresarial da educação, pois, a educação precisa ser reformada em seu objetivo central
e propósitos. Ou seja, os caminhos da nova educação verdadeiramente eficaz,
comungando as ideias de Makiguchi e Morin, passam por: a) uma reforma dos conteúdos
de ensino e suas práticas; b) pleno entendimento de que “o objetivo da educação deve
coincidir com a finalidade maior da vida dos educandos” (MAKIGUCHI, 2002, p. 36); e
c) a introdução da reflexividade na formação tanto do professor quanto do aluno
“constituem um caminho para a reforma social que buscaria uma escola verdadeiramente
democrática, reduzindo desigualdades e promovendo a solidariedade entre as pessoas”
(MORIN, 2013, p. 203).
Tal hipótese ratifica a possibilidade de se entender a formação como processo de
conquista da autonomia intelectual (BEZERRA, 2019c), pois se permite “pensar o estudo
como ato político que emancipa atores pedagógicos da consciência ingênua e das lógicas
de pensar fundadas no senso comum” (BEZERRA, 2019b, p. 279). Em outras palavras, a
formação não possuiria ênfase no ensino, “mas no trabalho de guiar cuidadosamente o
processo de aprendizado do próprio educando” (IKEDA, 2010, p. 24). Quando o estudante
passa a se ocupar mais efetivamente com seus estudos e pesquisas em detrimento da retenção de
saberes transmitidos por meio da pedagogia bancária (FREIRE, 1987), passa-se a compreender a
formação como um processo que ocorre ao longo da vida. Nesse contexto, deixa de ser uma
aquisição de diplomas e receitas de como agir no mercado de trabalho, assim, forma-se mais que
um profissional-estudante, mas sim um estudioso2 (BEZERRA, 2019b).

2
Os motivos pelos quais são negadas aos estudantes as possibilidades do estudo como modo de vida fogem
ao espaço deste estado da questão.
14

Dessa forma, o estudioso é uma possibilidade social em que se forma um sujeito


crítico e ativo de sua autonomia intelectual, pois ele abandona a forma de um ator social
que desenvolve competências e habilidades dissonantes aos seus interesses de vida. Nesse
tipo de formação, o sujeito em formação vive uma espécie de ascese espiritual (HADOT,
2017), pois a sua autonomia intelectual passa a ser um objetivo de vida, num trabalho de
si, por si e para si que se constitui em uma relação com o saber que “só tem sentido e
valor por referência às relações que supõe e produz com o mundo, consigo, com os
outros”. (CHARLOT, 2000, p. 34)
Outro ganho deste tipo de formação por ascese é a possibilidade de superar o
contexto da reprodução social que sentencia os estudantes das classes menos favorecidas
a um ensino de segunda categoria. Quando o foco da formação transfigura-se do ensino
para o estudo, os impactos dos interesses das elites dominantes são minimizados, pois o
sujeito em formação passará a participar ativamente na concepção e execução do seu
currículo formativo, a partir da apropriação dos conhecimentos que considera pertinentes
à sua vida pessoal e profissional. Por esse caminho, podemos compreender a formação
como uma perspectiva de autoformação intelectual, cujo ponto de partida dá-se pelo
desenvolvimento da autonomia e cuja chegada localiza-se na emancipação evidenciada
pelas ações de seu empoderamento. Também podemos perceber que a autoformação
convida-nos a um tipo de aprendizagem que se constrói com ritmo próprio e que envolve
a atribuição de sentidos, significados e percepções ao trabalho de formação humana.
Entretanto, a acepção de autoformação nos documentos normativos da educação
brasileira atual diz respeito a um outro tipo de desenvolvimento pessoal: a aquisição de
conhecimentos e competências para um exercício laboral mais qualificado para um ator
social que é responsável pelo seu desenvolvimento pessoal e profissional, um empresário
de si mesmo. É importante frisar que todos ensejamos ser bons profissionais, porém,
formatar a pessoa aos ditames neoliberais e às competências para um mundo do trabalho
que empresariou e precarizou a educação, é subverter qualquer perspectiva de formação
humana.
Por outro lado, encontramos nas experiências de coaching, mentoria e formação
por meio de tecnologias digitais, a retomada pela busca de receitas de sucesso, tais como:
como ser um bom professor em 12 passos; 25 atitudes para se tornar um excelente
professor; aprenda a ter uma carreira de sucesso sendo professor; o manual do bom
professor universitário etc. etc. Novamente confirmando nosso apreço pelos profissionais
capacitados, entendemos que este tipo de formação é superficial e desempodera,
permitindo apenas a possibilidade de formatar agentes executores de propostas ensinadas
15

dos gabinetes técnicos e plataformas virtuais cada vez mais ricas de reprodutores acríticos
e ideologicamente fieis ao neoliberalismo.
Percebemos assim que a reprodução social é retomada no contexto de
neotecnicismo (FREITAS, 2011; ALVES, 2011), em que o contexto da autoformação
intelectual reafirma a meritocracia, o autoritarismo e a ausência de pensamento próprio.
A sociedade atual apregoa a valorização de um profissional cada vez mais técnico,
formatado, mais comprometido com o cumprimento de metas quantitativas do que com o
exercício da reflexão sobre sua prática e de qualquer outra possibilidade intelectual.
Em outras palavras: as elites empresariais no comando político incutem nas
classes populares a perspectiva de que a meritocracia promoverá a ascensão social, assim,
todos devem se submeter às normas de uma economia que transformou tudo em mercado,
inclusive a educação. Por isso, a educação pública que se entende como “eficaz e de boa
qualidade” é fortemente atrelada ao mundo do trabalho. Nesse ínterim, emergem políticas
públicas de larga escala que valorizam o tipo de formação cada vez mais pautada por
critérios e conteúdos mínimos, enxergando a formação básica e superior como um meio
de capacitação preparatória para se desempenhar as competências e habilidades desejadas
num mercado de trabalho cada vez mais instável e competitivo.
Giroux (2003, p. 55-56) descreve o tamanho do problema da reforma empresarial
da educação e suas tendências de formatação docente, pois
(...) a ascensão de uma de uma cultura empresarial reafirma a primazia da
privatização e do individualismo, há um crescente apelo para que aspessoas se
rendam ou limitem suas capacidades de participarem de umapolítica engajada,
em troca de uma noção de identidade baseada no mercado, a qual sugere que
renunciemos a nossos papéis como sujeitossociais, em favor do papel limitado
de sujeitos consumidores. De maneira semelhante, à medida que a cultura
empresarial se estende de forma mais profunda nas instituições básicas da
sociedade civil epolítica, ocorre um enfraquecimento simultâneo das esferas
públicas que ainda não foram mercantilizadas – aquelas instituições engajadas
em que o diálogo, a educação e a aprendizagem – abordam a relação entre o
self e a vida pública, por um lado, e, por outro, a responsabilidade social. Sem
essas esferas públicas críticas, o poder empresarial fica descontrolado e a
política se torna insensível, cínica e opressiva.
Giroux (1997; 2003) demonstra os impactos da rede política de
desempoderamento e neotecnicismo no contexto da reforma empresarial da educação.
Desde a conferência de Jontiem, em 1990, que as orientações neoliberais buscam
universalizar a educação pelo motivo central de adequar a escolarização ao mercado de
trabalho.
Na formação de professores, os documentos normativos produzidos após a
LDBEN materializam a possibilidade de aglutinar, por meio da valorização de
competências e habilidades, elementos tanto de uma racionalidade técnica que valoriza a
16

formação de especialistas como de uma formação prática, centrada nas escolas. Este tipo
de proposta ensaia um esboço de sociedade que subentende que o trabalho é a única
finalidade da formação humana e, portanto, atividade digna de mérito relacionado à
ascensão social.
Assim, as questões subjetivas devem estar presentes sempre na periferia do escopo
central da educação, que é preparar para o trabalho. Uma periferia perigosa e marginal a
ser esquecida na metrópole do capitalismo globalizado.
Dessa forma, passamos ao entendimento de que a formação de professores de
Biologia inter-relaciona duas racionalidades: a técnica e a prática. De um lado, temos a
clássica formação que prioriza os conteúdos de Biologia em detrimento do conhecimento
pedagógico. Por outro, encontramos uma racionalidade emergente após a atual LDBEN,
em consonância com as tendências mundiais, de centrar a formação de professores nas
escolas de educação básica (NÓVOA, 1995a; 1995b). No contexto indicado, a formação
de intelectuais críticos e transformadores fica relegada a um plano secundário e
negligenciável.
Ensaiamos afirmar que as licenciaturas em Ciências Biológicas atuais entremeiam
elementos da racionalidade técnica e da epistemologia da prática: consideram que se
aprende a dar aulas por meio da inserção prática nas escolas, mas não apresentam os
elementos de uma reflexão teórica sobre a mesma prática, apesar de defenderem o jargão
do professor-pesquisador-reflexivo. Ocuparemo-nos dessa discussão de forma mais
específica na seção seguinte.
Para concluir este tópico, passamos a criticar a formação que reproduz tanto o
modelo da racionalidade técnica como a epistemologia da prática, que formata os atores
sociais envolvidos aos ideais de mercado, ou seja, a formatação docente.

1.3. A operacionalização acadêmica

De uma forma mais ampla, os últimos 50 anos de produção acadêmica no âmbito


de formação de professores vem testemunhando a substituição de uma racionalidade
técnica e instrumental por uma versão mais prática, largamente entendida por
epistemologia da prática. No entanto, percebemos que ambas as racionalidades possuem
um ponto comum que limita a possibilidade de uma formação ética-estética-política-
humana: entende a educação enquanto uma instância empresarial de formação de mão-
de-obra para o mercado de trabalho, em detrimento das possibilidades de uma formação
mais humana e valorativa. Assim, o objetivo educacional constitui-se em profissionalizar
17

os atores pedagógicos para a execução de competências e habilidades que sirvam aos


interesses capitalistas do lucro e da eficácia produtiva.
Grosso modo, o que diferencia as duas racionalidades citadas não é o objetivo
educacional, mas sim a ênfase em certo tipo de conhecimento e um perfil formativo. Ou
seja, a racionalidade técnica caracteriza-se por uma formação com predomínio do
conhecimento especializado em suas práticas laboratoriais. Na epistemologia da prática,
encontramos a ênfase em uma formação cada vez mais centrada nas escolas, onde se
percebe que os atores pedagógicos possuem cada vez menos poder de reflexão e voz
acerca de suas experiências.
Entretanto, ambas as racionalidades não incorporam a dimensão da
intelectualidade para os sujeitos em formação. Em outras palavras, constituem um mix de
possibilidades que promovem o aperfeiçoamento técnico para docência distante de uma
racionalidade crítica, que busca a formação humana, a transformação social e a luta dos
educadores por um mundo melhor nas vias do empoderamento individual, político e
coletivo.
Dessa maneira, nos idos da década de 1990, após cerca de 20 anos da pesquisa em
formação de professores de Biologia no Brasil criticando o modelo 3 + 13, inauguram-se
uma série de reformas educacionais no mundo inteiro, a partir do compromisso mundial
com a educação para todos e com o objetivo de garantir uma vida digna, cidadã e mais
justa por meio da erradicação do analfabetismo e da universalização da escolarização
fundamental.
Nesse contexto de massificação do ensino, surgiu a universidade operacional
(CHAUÍ, 2000; 2003), que assume processos de gestão empresarial com a aplicação de
normas e padrões de gestão, como também a pulverização da formação intelectual pela
apropriação de conhecimentos.
Segundo Chauí (2000; 2003), na universidade operacional, a docência se resume:
• À transmissão de conhecimentos consignados em rápidos manuais defácil
leitura com duplicatas em todas as formas de mídia digital;
• Habilitação rápida para um mercado de trabalho cada vez mais instável e que
trata as pessoas como mercadorias descartáveis;
• Uma corrente de transmissão para a produção de pesquisadores em áreascada
vez mais fragmentadas e especializadas.

3
“3 + 1” é um típico formato inicial das licenciaturas em Ciências no Brasil, com 3 anos de preparação
específica e 1 ano de formação pedagógica. Destacamos, porém, que ainda encontramos este tipo de
formação em diversas universidades no formato presencial e à distância.
18

As escolas também se aproveitaram desse modelo. Imbuída da missão de estender


a educação básica para todos, assume a gestão empresarial em seus índices de
produtividade do professor medido pela aprovação dos alunos, pela flexibilidade, pelas
microorganizações de poder e, por fim, pela pulverização da ideia de formação.
Neste campo, chegamos a um estado da questão propriamente dito. Nossa ênfase
será concentrada em autores que defendem a epistemologia da prática, tais como Tardif,
Perrenoud, Nóvoa, Zeichner, Schön, Imbérnon, Zabalza4 e um coletivo de autores
brasileiros que empunham a bandeira da epistemologia da prática, mas sem perder de vista
nossa crítica aos ranços que a racionalidade técnica ainda mantém em nossa educação.
Assim, se a racionalidade técnica menospreza a subjetividade, a racionalidade
prática pretende alicerçar a docência por meio da supervalorização do saber utilitário, de
viés pragmático (TARDIF, 2002a; 2002b), desconsiderando a perspectiva crítico-
emancipadora. Afinal de contas,
Pela natureza do seu trabalho, considera-se que o professor necessita vivenciar
uma formação de natureza científica, artística, ética e técnica,de elevado nível,
que impõe, portanto, duas atividades: de prática e teoria. O intuito é construir
o sentido da práxis como açãotransformadora, sustentada pelo conhecimento
da realidade e reflexão,fortalecendo o sentido histórico da ação educativa a
favor da emancipação (CURADO SILVA, 2019, p. 8)
Acreditamos também na possibilidade de uma intencionalidade formativa que
buscar emancipar os cidadãos com uma “compreensão sistêmica, que sejam capazes de
comunicar e interagir, e que desenvolvam a capacidade de autoconhecimento e
autoestima” (ALARCÃO, 2010, p. 28). Portanto, precisamos entender os professores e
os estudantes como intelectuais transformadores de sua realidade social por meio de sua
formação, visto que são autores do conhecimento de si, com os outros e com o mundo.
Dessa forma, o propósito da formação estaria mais próximo desta relação com o saber
(CHARLOT, 2013) que nos aproxima da criação de valores para uma vida plena, saudável
e feliz ao invés de conceber técnicos em competências e habilidades para o mercado do
século XXI. Novamente, nosso protesto a este tipo de formação faz-nos valer da categoria
teórica sob a alcunha de formatação docente para designar a lógica neoliberal das
habilidades e competências e do empresariado de si mesmo que vêm tomando conta dos
caminhos formativos hodiernos.

4
As devidas referências de cada autor serão indicadas no decorrer da discussão.
19

Também criticamos os currículos engessados por componentes fragmentados,


pois nossa linha de raciocínio subentende a possibilidade de “que as universidades
possibilitassem a cada aluno estudar o que quisesse, quando quisesse e onde quisesse”
(IKEDA, 2010, p. 83). Dessa maneira, podemos pensar em uma educação humanística
para a vida inteira, e não apenas para desempenhar funções no mercado de trabalho. Em
outras palavras, educar para a vida é um processo mais relacionado à criação de valores
e não somente a se formatar para o trabalho ou para exibir destrezas e habilidades, pois
nossa vida diária está repleta de oportunidades para desenvolvermos a nós
mesmos e também aos que estão ao nosso redor. Cada interação quetemos com
as outras pessoas, seja por meio do diálogo ou na participação em algo, é uma
oportunidade extraordinária para criarmosvalor. Aprendemos com as pessoas e
é por essa razão que o humanismo dos professores representa a essência da
experiência educacional (op. cit., p. 93).
Em linhas gerais, não acreditamos que as formações mercantis, sob o formato
apresentado, tenham qualquer intenção de educar para a criação de valores na perspectiva
humanística da Formação de Si na mediação com os outros e com o mundo. À custa de
formar mais pessoas em cada vez menos tempo, a universalização da escolarização
encaminha cada vez mais pessoas a um destino curto e fatal no mercado de trabalho: a
produção de mão de obra barata e descartável, ou seja, a mercadoria humana.
Dessa maneira, Tardif e Lessard (2009, p. 45) afirmam que “o docente se
assemelha mais a um ator social do que a um agente da organização” escolar. Sendo uma
referência na área, os epistemólogos da prática citados não acreditam nos docentes
enquanto sujeitos intelectuais transformadores, pois todos somos atores sociais no palco
de capitalismo selvagem.
Concordamos com o fato de que a atividade docente é uma construção social
complexa e multifacetada, ou seja: na dimensão subjetiva da formação, o ensinar-
aprender envolve relações com o saber que mobilizam os sujeitos em ações de
empoderamento. Assim, um tipo de formação que enxerga apenas agentes, atores sociais
e indivíduos em formação é, a priori, desempoderadora.
O primeiro movimento da perspectiva de formar professores nos moldes internacionais é
justamente a superação da racionalidade técnica e instrumental por algo mais dinâmico e
interativo, que dê conta dos saberes que se constroem para além do mundo dos
conhecimentos especializados. Em outras palavras, é preciso superar os limites da
racionalidade técnica e transcender as concepções sobre ser-professor a partir de visões
normativas e moralistas. Realmente, “ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres
20

humanos, para seres humanos” (op. cit., p. 31). Porém, ao mesmo tempo em que
defendemos a interatividade em todos os aspectos teórico-metodológicos possíveis, a
formação precisa se voltar essencialmente à emancipação de sujeitos enquanto
intelectuais críticos e reflexivos, e não apenas de atores sociais na condição de
profissionais interativos e dóceis aos interesses do capital.
Sobrepor os aspectos práticos em relação às dimensões mais profundas da
subjetivação docente tende a mascarar o aspecto formativo de um “trabalho de si, em si, por
si e para si” (Hadot,2014). Enxergamos o perigo de reduzir esta relação da subjetividade
com a formação técnica, voltada ao desenvolvimento de competências, habilidades e
destrezas profissionais de alta especialização. Por outro lado, acreditamos em duas
alternativas mediadoras desta relação com o saber alternativo e contra-hegemônico:
a) O conhecimento poderoso (Young, 2007; 2011) enquanto mediador de
racionalidades formativas. Ou seja, a formação passa a ser concebida a partir dos
conhecimentos considerados essenciais pela comunidade científica mas sem
perder o seu poder de aplicação e reflexão em questões práticas da vida pessoal e
profissional;
b) A Formação de Si (BEZERRA, 2019b; MOURA, 2021) como a possibilidade de
uma formação ética-estética-política-humana. Por uma associação simbiótica com
o conhecimento poderoso, defenderemos a possibilidade de construir os alicerces
de uma formação mais humana, voltada à criação de valores e à conquista de
autonomia intelectual a partir dos interesses formativos.
Retomando o estado da questão, nossa crítica central aos epistemólogos da prática
diz respeito ao objetivo da reflexão que indicam nas ações formativas e experiências,
chamadas de reflexão-na-ação (Schön, 1997). A partir dos conceitos de Schön, os
epistemólogos da prática defendem que se deve refletir na ação docente e estabelece
consideráveis e relevantes relações com a teoria do habitus de Bourdieu, por exemplo,
como é feito por Perrenoud (2001). Entretanto, não indica que elementos teóricos devem
ser acionados no processo e tampouco descreve como o trabalho humano docente forja
um habitus e um éthos de professor enquanto sujeito intelectual-pesquisador-reflexivo.
Tanto Perrenoud quanto Schön exploram as relações entre a reflexão na ação e o
trabalho sobre o habitus docente, comparando o ofício de professor à formação laborativa
de um artesão, artista ou esportista. Contudo, esquece de discriminar que todos os tipos
de habitus e éthos profissional possuem seus caminhos de construção por uma aquisição
de capital cultural e social peculiar a cada profissão. Na formatação docente, sua ênfase
21

comum está localizada na realidade objetiva, ou seja, nos esquemas de ação incorporados
interiormente que se tornam ação identificada por seu agente, sem o imprescindível
diálogo com a sua subjetividade.
Uma outra questão que nos preocupa é aproximar a ideia de autoformação
intelectual a uma busca permanente de aperfeiçoamento (SCHÖN, 1997, p. 159),
corroborando nossas reflexões acerca da formatação docente. Estamos percebendo cada
vez mais o aumento de slogans como o número de 10 passos para ser um bom professor,
manual do professor reflexivo, como atingir uma educação de qualidade, como ser um
educador de sucesso etc. etc. Nesse contexto, são competências essenciais à formação:
afirmar a própria identidade, conceber e realizar projetos com êxito, aumentar a
capacidade de enfrentar a complexidade do mundo e de superar obstáculos” (op. cit., p.
159). Aqui, encontramos uma síntese do Santo Graal dos epistemólogos da prática.
Algumas variações de pensamento serão apresentadas ao longo do texto, principalmente
aquelas que colaboram com uma possibilidade formativa sustentada no conhecimento
poderoso e na Formação de Si.
Percebemos também a imbricação entre se formatar na perspectiva de capacitação
e do aperfeiçoamento com a concepção de empoderamento light5 (CORNWALL, 2018):
que o ator social se torne empoderado de forma a contribuir positivamente para o
crescimento da sociedade em que vive. Em outras palavras, estamos nos referindo ao
crescimento pessoal pela meritocracia e pela pedagogia da prosperidade, em três
perspectivas: primeiro, encarando as instituições educativas como garantidoras do êxito
na vida social; segundo, entendendo as pessoas como recursos a serem cada vez mais
explorados; e, por fim, compreendendo a noção individualizada de empoderamento por
meio de uma maior participação econômica no capitalismo tardio e da formação voltada
para o mercado de trabalho.
Assim, quando os epistemólogos da prática referem-se a atores sociais em busca
de aperfeiçoamento e protagonismo social, pode parecer uma forma de conceber a
formação sob um matiz empoderador, porém, é importante enfatizar que estamos diante
de empoderamento light, enquanto fortalecimento da noção de pessoas enquanto
mercadorias para o fortalecimento liberal.

5
Empoderamento light (Cornwall, 2018) é uma tendência atual de se incorporar minorias aos mercados de
trabalho sustentados por normas injustas e práticas discriminatórias. Seu objetivo essencial é investir nas
pessoas por meio do empreendedorismo a partir de uma associação direta entre projetos de emancipação de
minorias e o capitalismo neoliberal, pela instrumentalização para o desenvolvimento econômico.
22

Por isso, encontramos cada vez mais a utilização de termos do empoderamento


light como, por exemplo, o entendimento da formação de professores na perspectiva de
coaching (SCHÖN, 1997; 2000; PERRENOUD, 2001; 2002): a formatação docente
enquanto treinamento de habilidades e competências sob a tutela de um coach mentor e
supervisor dentro de instituições que não possuem qualquer influência das desigualdades
socioeducacionais. Ou seja, por meio da master class6, as dimensões interpessoal e da
prática são mais valorizadas em relação às possibilidades de empoderamento exercidas
pela emancipação através da conquista de autonomia intelectual, nos contextos pessoal,
organizacional e político (BAQUERO, 2012).
As palavras de Schön (2000, p. 227) descrevem com precisão a ênfase dada à
prática na formação por mentoria:
Um ensino prático reflexivo deve estabelecer suas próprias tradições, não
apenas aquelas associadas a formatos, meios, ferramentas, materiais e tipos de
projetos, mas também aquelas que incorporam expectativas para as interações
entre instrutor e estudante. Suas tradições devem incluir sua linguagem
característica, seu repertório de precedentes e exemplos e seu sistema
apreciativo distintivo.
Sem esquecer ou desmerecer a relevância histórica e contribuição teórica dos
epistemólogos da prática a partir do emergente design para o ensino e a aprendizagem,
destacamos:primeiro, a importância de uma nova epistemologia ter abraçado a causa de
superação do modelo formativo de um professor técnico, apenas engajado com os
conteúdos e as técnicas de ensino; segundo, a contribuição para a área da educação
superior e percebemos a mudança do foco da aprendizagem para a interação professor-
estudante, desprezando a pedagogia bancária (FREIRE, 1987) e valorizando perspectivas
que se assentam no engajamento e na interatividade.
Em uma leitura mais ampla, inferimos que nos encontramos diante de uma
epistemologia que sobrepuja o poder da prática e das relações interpessoais e interativas
em relação à importância do sujeito cognoscente. Assim, tanto a racionalidade técnica
quanto prática despreza as jornadas de conquista da autonomia intelectual e do
empoderamento do sujeito em formação que se exerce nas suas práticas sociais. Também
exclui a possibilidade de discutir que tipo de conhecimento poderoso é essencial à

6
Master class é um modelo formativo cada vez mais utilizado no mundo corporativo, que vem sendo cada
vez mais apropriado na formação de professores. Caracteriza-se pela presença online ou presencial de um
mentor, ou seja, uma personalidade notória e especialista nos temas que se deseja aprender. Assim, a
formação de professores por meio da master class dá-se por meio da interação entre os formandos e os
especialistas na área, que tanto podem ser os professores que acompanham os estudantes nas escolas quanto
os professores universitários e/ou grandes expoentes do mundo da educação.
23

formação, sempre enfatizando que o saber experiencial é aquele que mais confere
identidade profissional ao docente.
Tardif (2002a) também consolida suas teses na interatividade e dispensará ainda
mais o sujeito pedagógico e o desenvolvimento da autonomia intelectual na formação
profissional. Para o autor, a subjetivação docente (se) “remete ao fato de que os indivíduos
dão sentido à sua vida profissional e se entregam a ela como atores cujas ações e projetos
contribuem para definir e construir sua carreira” (op. cit., p. 80).
Tardif (2000; 2002a; 2002b) também consolida suas teses na interatividade e
dispensará ainda mais o sujeito pedagógico e o desenvolvimento da autonomia intelectual
na formação profissional. Para o autor, a subjetivação docente (se) “remete ao fato de que
os indivíduos dão sentido à sua vida profissional e se entregam a ela como atores cujas
ações e projetos contribuem para definir e construir sua carreira” (op. cit., p. 80).
Apesar das nossas críticas mordazes aos epistemólogos da prática, é preciso
destacar as suas contribuições no âmbito da educação brasileira nestes primeiros vinte
anos do século XXI. Por exemplo, o pensamento de Schön coopera na busca de uma
formação que valoriza a reflexão na ação docente, em todos os momentos da prática
pedagógica.
Perrenoud (2001; 2002) contribuiu com a noção de competência que extrapola a
transmissão de conteúdos e encara a capacidade de resolver problemas das pessoas
consigo e com o mundo ao seu redor. Também destacamos sua relevante contribuição na
busca de estratégias metodológicas para o desenvolvimento de habilidades e
competências, principalmente no que tange ao uso de tecnologias educativase por meio da
interatividade enquanto mola propulsora do interesse dos estudantes na aprendizagem em
sala de aula.
Tardif, por sua vez, apresenta sua contribuição amplamente relevante no que
concerne aos seguintes pontos: primeiro, auxiliou os países em desenvolvimento, como
Brasil, ao conferir um status profissional à docência; segundo, contribuiu na revelação
das dimensões sociológicas do trabalho docente e dos seus saberes profissionais; por fim,
enfatizando um saber experiencial que agrega todas as características possíveis para a sua
visão de docência: “prático, interativo, mobilizado, modelado, sincrético, plural,
heterogêneo, complexo, não-analítico, aberto, poroso, permeável, social e construído pelo
ator em interação com diversas formas sociais de conhecimentos, competências, atores
etc.” (2002a, p. 109-110).
Concordamos plenamente que a dimensão interativa da prática constitui um
avanço diante da racionalidade técnica, porém, é perceptível que os epistemólogos da
24

prática possuem um slogan comum: o bom professor é aquele que é um bom gestor de
pessoas e procedimentos interativos de aula. Assim, apesar da epistemologia da prática
afirmar “ter pouca coisa a ver com os modelos dominantes de conhecimento inspirados
na técnica, na ciência positiva e nas formas dominantes de trabalho material” (op. cit., p.
111), sua dimensão essencialmente interativa parece valorizar o que existe de mais
conservador em nossa sociedade contemporânea. Ou seja, quando afirma também que
ensinar é “desencadear um programa de interações com um grupo de alunos” (Idem, p.
118) em busca da concretização de um objetivo educacional, sua perspectiva de
aprendizagem legitima a desigualdade social e não enxerga a subjetivação que envolve
uma formação na conquista da autonomia intelectual.
Portanto, por mais que se considere um modelo que menospreze a técnica,
defende-se uma concepção de educação que referenda aqueles que possuem capital
cultural e social mais elevados diante de um modelo de sociedade estruturados nos
interesses e saberes das elites dominantes. Assim, estamos diante de uma racionalidade
que avança sobre a lógica técnica e instrumental, porém, não entende a formação em sua
condição ética-estética-política-humana e superestima o valor da prática e da interação na
perspectiva de treinamento e aperfeiçoamento.
E mais, quando se entende o professor como um “trabalhador interativo”,
despreza-se a natureza de atividade humana sensível do professor quando afirma que “a
tarefa do professor consiste, grosso modo, em transformar a matéria que ensina para que
os alunos possam compreendê-la e assimilá-la”. (Idem, p. 120) Dessa forma, permitimo-
nos inferir que a epistemologia da prática é uma proposta de desempoderamento do
sujeito pedagógico por sua afirmação de um mero ator social dentro de um processo de
capacitação e formatação docente aos ideais e valores do capitalismo neoliberal.
Tardif e os epistemólogos da prática entendem o ser-professor na condição
desumana de um mero executor de atividades padronizadas para o desenvolvimento de
habilidades nos estudantes. E o que é ainda pior: tais competências e habilidades são
definidas pela intencionalidade de um sistema educacional gerido por políticos-
empresários (Bezerra, 2019c) que se interessam apenas na formação de mão-de-obra “útil”
e qualificada aos interesses do mercado de trabalho do capitalismo. Dito de outra maneira,
toda forma de padronização é dominação. (Assim) A semiformação é a
manifestação de uma consciência alienada. Desse modo, a massificação da
formação se torna uma semiformação/pseudoformação, por estar voltada
apenas para o espírito de autoconservação do indivíduo, isto é,para atender às
necessidades de sobrevivência frente aos objetivos imediatos de qualificação e
às exigências do mercado. (BEZERRA, 2019a, p. 309)
25

García (1997) referenda o raciocínio dos epistemólogos da prática anteriormente


mencionados como também defende a sua dimensão interativa e burocrática, avançando
na importância da colaboração como aspecto interativo da formação. Assim, junto aos
demais autores neoliberais, redimensionam o próprio conceito de cooperação e
associação coletiva, valorizando que a formação deve constituir o desenvolvimento de
programas de apoio a professores principiantes junto aos seus “mentores”7. Temos assim
o contexto da formação centrada nas escolas por meio de um quadro de cooperação com
professores supervisores que desenvolvem protocolos de análise de jogos e simulações
nas quais “os professores em formação têm a oportunidade de analisar situações ocorridas
na sala de aula nas quais são chamados a tomar decisões interativas8” (op. cit., p. 70).
Dessa forma, enxergamos que a cooperação referenda a transmissão de saberes e uma
hierarquização entre companheiros de ofício por meio de um empoderamento
comunitário, porém, valorizando os especialistas mentores, como detentores de
conhecimento especializado a ser transmitido e absorvido pelos iniciantes.
O desenvolvimento de competências e habilidades no contexto da interatividade
ganha um contorno mais preciso, em um retorno a Schön (1997, p. 89), com seu practicum
reflexivo. Nele, “os alunos praticam na presença de um tutor que os envolve num diálogo
de palavras e desempenhos”. Em síntese, sua negação ao processo de empoderamento de
caráter emancipatório possibilita entender a subjetivação docente por meio de três
dimensões da prática:
1. A compreensão das matérias9 pelo aluno;
2. A interação interpessoal entre o professor e o aluno10;
3. A dimensão burocrática da prática.
Nas palavras de Schön:
Primeiro, ensinam-se os princípios científicos relevantes, depois a aplicação
desses princípios e, por último, tem-se um practicum cujo objetivo é aplicar à
prática cotidiana os princípios da ciência aplicada. Mas, de fato, se o practicum
quiser ter alguma utilidade, envolverá sempre outros conhecimentos diferentes
do saber-escolar (op. cit., p. 91)

7
Grifo do autor no texto original.
8
Grifo nosso.
9
Entendidas comumente como disciplinas acadêmicas ou componentes curriculares.
10
Que subentende o professor enquanto especialista em relações humanas.
26

Os epistemólogos da prática parecem superestimar a importância do trabalho


interativo diante dos demais componentes formativos, principalmente daqueles que se
ocupam dos movimentos da subjetividade dos sujeitos em formação. São princípios tais
que a epistemologia da prática critica-os veementemente, validando os “conhecimentos
diferentes do saber-escolar”, que provavelmente são os saberes cotidianos adquiridos pela
experiência e interação, já pontuados anteriormente em Tardif.
Portanto, uma argumentação razoável pode girar em torno da busca de uma
possibilidade alternativa que agregue elementos racionais que valorizem:
a) O conhecimento poderoso (Young, 2007; 2011) como elemento-chave da
construção da autonomia intelectual, a partir de um mix entre as racionalidades
técnica, prática e crítica. Assim, haveria um enfrentamento crítico do currículo
dos cursos pensado a partir das demandas do mundo do trabalho. Teríamos a
vida universitária como promotora de transformações subjetivas nos sujeitos
em formação, mas sem desprezar o domínio tecnocientífico pertinente a um
objetivo educacional que vislumbre uma formação multidimensional.
b) A busca de uma formação ética-estética-política-humana na condição de
uma Formação de Si consigo mesmo, com os outros e com o mundo enquanto
“princípio diretivo no curso da vida e como impulsionadora das práticas de
vivência e convivência em meio às diversidades que marcam a
contemporaneidade” (CONCEIÇÃO et. al, 2019, p. 59). Dessa forma,
deixamos de entender que a interatividade é um elemento da aprendizagem
que deve sobrepujar a atividade intelectual, o prazer envolvido no processo e
os sentidos que se constroem na relação com o saber pelas trilhas do
empoderamento enquanto condição de emancipação humana.
Retomando a crítica aos epistemólogos da prática, o paradigma da racionalidade
prática incorpora a reflexão distante de uma perspectiva teórica, mas sim a partir da ideia
do desenvolvimento profissional de professores (IMBERNÓN, 2010), com os seguintes
valores formativos: aperfeiçoamento, formação em serviço, formação permanente e
práticas de ensino.
Os slogans parecem delinear claramente o tipo de profissional que se quer formar,
ou melhor, formatar: assim sendo, o desenvolvimento profissional de professores é um
sinônimo de formatação docente para a execução de competências e habilidades
específicas e que realizam a reflexão para resolver problemas típicos do chão da escola
de forma a melhorar o desempenho de todos os envolvidos na prática pedagógica.
27

O terceiro epistemólogo da prática que convidamos a referendar a formatação


docente e o desempoderamento reflexivo é Nóvoa (1995b; 1997). Trata-se de um autor
de ampla aceitação na comunidade acadêmica de língua portuguesa e que se posiciona
com propriedade diante das clivagens tradicionais da formação de professores. Também
se contrapõe à formação por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas) e
retoma reiteradamente a importância de se “investir na pessoa e de conferir um estatuto
de saber à experiência” (1997, p. 25).
Considerando a pedagogia baseada na experiência interativa e dialógica bem
como assumindo a defesa pela integração entre saberes da prática, de uma teoria
especializada e da militância pedagógica, sua práxis reflexiva é um tanto suavizada por
defender uma integração entre o pedagógico e o científico. O autor claramente se
posiciona no mix de racionalidades que defendemos durante o texto, na condição de
proposta ecológica de mudança interativa. Alude também à “globalidade do sujeito”
(1997, p. 26) mas possui um tom de ativismo político, pois muitos de seus termos
dimensionam uma formação repleta de palavras bonitas, que não parecem estar bem
explicadas em suas obras e acompanhadas de uma proposta de ação pedagógica. Além
disso, não enxergamos um claro comprometimento com ações de empoderamento em
seu âmbito individual, coletivo e político. Mesmo enquanto crítico da racionalidade
instrumental, não apresenta um compromisso teórico com a emancipação, à exceção de
citação de termos comprometidos com o empoderamento queo próprio Nóvoa trata com
certo desdém por considerá-los óbvios em demasia (NÓVOA,1995a; 1995b; 1997).
Apesar de nossas divergências, assumimos que se trata de um autor de cativante
escrita e excelente retórica, sendo uns dos palestrantes mais requisitados na formação de
professores brasileiros desses últimos vinte anos. Seus brilhantes jogos de linguagem
convidam a um ativismo político, mas sem agenda definida de lutas e resistências. Como
exemplo da retórica do autor, citamos, em suas palavras:
A formação não se faz antes da mudança, mas durante, produz-se nesse esforço
de inovação e de procura dos melhores percursos para a transformação da
escola. É nesta perspectiva ecológica de mudança interativa dos professores e
dos contextos que dá um novo sentido às práticas de formação de professores
centrada nas escolas. (NÓVOA, 1997, p. 25)
Observamos claramente que o autor defende o slogan da “formação centrada nas
escolas”, de natureza prática e sempre apropriando de termos e slogans de forte impacto,
tais como práxis reflexiva, mudança e transformação da escola. De forma geral, somos
concordantes de que há um consenso na formação de professores para que os licenciandos
passem mais tempo nas escolas para uma formação de melhor qualidade, do ponto de
vista da eficácia do trabalho escolar e da superação dos desafios das salas de aula.
28

No entanto, seu ativismo permite subentender que se aprende a dar aulas apenas
trabalhando e interagindo nas escolas. Pois, não podemos retroagir a um ponto em que a
docência se torne essencialmente um binômio constituído por know-how e savoir-faire11.
Dito de outra forma, podemos admitir um certo consenso acerca da universidade
na condição de melhor local de formação e apropriação do conhecimento ligado ao
exercício profissional. Porém, centrar a formação no treinamento realizado nas escolas é
uma forma de minimizar a importância da práxis educativa, valorizando um pragmatismo
utilitário que desqualifica uma sólida formação teórica e cultural, afirmando que se pode
aprender tudo pela interação da prática.
Nesse ínterim, os programas institucionais de Iniciação à Docência e à Residência
Pedagógica contribuíram positivamente ao possibilitar: primeiro, uma maior inserção dos
licenciandos na escola-campo na busca de formar profissionais mais engajados com os
problemas das escolas; segundo, no que diz respeito ao fornecimento de mão de obra
barata e qualificada para aumentar a produtividade e eficácia do ensino escolar.
Entretanto, sob o estigma da epistemologia da prática, a apropriação de saberes docentes
parece ser um amálgama entre o desempenho de habilidades e uma ação interativa de
ordem prática (que reside na base dos esquemas inconscientes do habitus).

De outro modo, o desenvolvimento do habitus pesquisador-professoral passa por


mudanças inconscientes e certas tomadas de consciência, aglutinando as acepções de
Nóvoa (1997; 2017) com os entendimentos de Perrenoud (2001; 2002) sobre a prática
reflexiva. De outro modo, o desenvolvimento do habitus pesquisador-professoral passa
por mudanças inconscientes e certas tomadas de consciência, aglutinando as acepções de
Nóvoa (1995a; 1997; 2017) com os entendimentos de Perrenoud (2001; 2002) sobre a
prática reflexiva. Por mais que ambos pareçam defender que o habitus pesquisador-
professoral é uma construção da práxis reflexiva humana, Perrenoud (2001a) avança
propondo que o habitus pesquisador-professoral transforma-se por duas estratégias
possíveis:

11
No contexto de crítica desta tese, decidimos não sinonimizar os termos. De forma geral, entendemos
know-how enquanto saber prático, próprio das habilidades adquiridas pela experiência. No mesmo sentido,
savoir-faire diz respeito à forma mais antiga e à francesa de se referir à habilidade na condução de tarefas
com uma conotação que seja uma mescla de perícia profissional e elegância pessoal. Assim, tanto saber
como e saber fazer remetem-se à perspectiva de um profissional que atende às novas demandas do mercado
de trabalho, enquanto trabalhador eficaz por meio do exercício de habilidades valorizadas no mercado e
conquistadas pela experiência e das capacidades pessoais desenvolvidas na formação profissional.
29

1. Transformar as conduções de sua prática para induzir uma evolução de seus


habitus.
2. Favorecer a tomada de consciência de seu funcionamento e a passagem de
certas ações sob o controle de conhecimentos procedimentais12 e da razão.
Por mais que o autor reconheça brilhantemente o esquema de como os
“conhecimentos-em-ação” conservam-se ou transformam-se em habitus por esquemas
13
mais ou menos conscientes , destaca sumariamente dez mecanismos suscetíveis de
favorecer a tomada de consciência e a transformação do habitus (2001a, p. 174)
professoral, a saber: 1) A prática reflexiva; 2) A mudança nas representações e nas
práticas; 3) A observação mútua; 4) A metacomunicação com os alunos; 5) A escrita
clínica; 6) A videoformação; 7) A entrevista de explicitação; 8) A história de vida; 9) A
simulação e o desempenho de papéis; 10) A experimentação e a experiência.
Percebemos que os dez pontos descritos pelo autor remetem-se ao aprender por meio da
experiência, através de um pragmatismo isento de teorização. Por mais que sua reflexividade
subentenda perceber e compreender a própria maneira de pensar e agir de um sujeito, interessa-
nos questionar: por que este practicum engloba uma metacomunicação ao invés de uma
metanálise? Por que tanta ênfase experiencial em detrimento de uma teorização associada ao
exercício prático? E mais, por que motivo defende uma escrita clínica “próxima do diário de classe
ou do diário pessoal, em que o leitor é apenas imaginário” (op. cit., p. 178) ao invés de um diálogo
crítico com os autores da área, das escritas de si e de uma observação etnográfica de si junto aos
companheirosde ofício?
Parece-nos que uma perspectiva de prática reflexiva nos pressupostos de Perrenoud
(2001; 2002) indica um intencional compromisso com o desempoderamento, pois, que
emancipação existe na metacomunicação, ao investigar o professor “em suas mímicas, como
manifesta sua irritação, sua insegurança, seu mau humor, o que o torna injusto, brusco ou
distante” (op. cit., p. 177)? Dialogando criticamente com a referida citação, percebemos duas
questões importantes: de um lado, instiga-nos sobre o tipo de professor descrito neste esquema;
ou seja, que ele não seja capaz de qualidades de metacomunicação e análise de sua prática que
possam ser teorizadas a partir de suas experiências; por outro lado, inquieta-nos a visão de
professor enquanto um profissional intrinsecamente falho, dado a desvios, desordens, imprevistos
e conflitos, pois, a ênfase nas limitações não parece constituir uma metanálise filosófica do ser-
professor.

12
O autor ainda sinaliza enfaticamente que os saberes procedimentais se constituem saberes sobre os
procedimentos, e não como savoir-faire.
13
Menos conscientes refere-se à dimensão além do inconsciente freudiano, valorizando processos mentais
como “intuição, faro, feeling, senso crítico, insight” (2001a, p. 165).
30

As estratégias dos epistemólogos da prática revelam certa intencionalidade de


mostrar à comunidade acadêmica e à sociedade em geral que o professor é: um
profissional essencialmente falho e limitado, muito distante de um sujeito empoderado e
autônomo, quase sempre enfastiado, nervoso e desencantado com a profissão.
Revelar o professor dentro desse jogo perpétuo de prós e contras valorizando a
awareness14 (op. cit., p. 184) de um trabalho interativo e eminentemente prático, desse
modo, é uma forma de ratificar o valor da competência profissional de que ensinar não é
uma atividade inteiramente racional e reflexiva, sobrepujando a importância da prática
diante da teoria e da própria técnica.
Continuando com os exemplos, suas explicações do habitus docente contêm mais
demonstrações superficiais dos conceitos do que uma teorização arraigada em base
sociológica. Também não explica como é possível conciliar tesões como a relação com
os saberes da docência e do que se pode entende como liberdade epistêmica. Em suas
palavras, afirma que “uma relação crítica e pragmática com o saber é uma condição
necessária para a ‘liberdade epistêmica’ do profissional” (2001, p. 191). Neste autor, os
conceitos são apresentados e pouco desenvolvidos, marcando definitivamente a
desimportância da teorização até em suas palavras. Outras discussões do autor sobre a
relação do saber são tão superficiais quanto esta. Optamos pela citação acima relacionada
no intuito de demonstrar o quanto a discussão teórica do autor é nebulosa, repleta de
termos para os quais não há desenvolvimento de uma teorização sobre eles (como é o caso
da liberdade epistêmica) e que sua concepção de relação com o saber e o aprender não
parece se preocupar com os elementos fundantes da autonomia intelectual, do prazer em
aprender e dos sentidos relacionados à formação.
Assim, após a citação acima descrita, no mesmo parágrafo, encerra a discussão,
após ter conversado superficialmente durante o tópico com Bouveresse e Bourdieu
(Idem), além de ter feito uma analogia breve da docência com a profissão do engenheiro.
Assenta suas discussões em uma ampla gama de autores, numa aventura de bricolagem
teórica, sempre enfatizando a importância da formação por competências e a valorização
da prática. Se concordarmos com esse sentido final da constituição do habitus docente e da
aceitação das suas concepções genéricas da relação com o saber, advogaremos em função do
desempoderamento docente como estratégia essencial dentro da aquisição acrítica e desprovida
de teorias no contexto das habilidades a serem desenvolvidas pelo profissional reflexivo.

14
Grifo no texto original de Perrenoud (2001a, p. 184). A tradução mais próxima do termo diz respeito à
consciência de si que o profissional adquire no exercício de reflexão e metacomunicação de sua prática.
31

Para os autores citados em nossa crítica, a leitura pessimista do sujeito-professor


compreende o habitus de uma pessoa propensa mais a erros e inconsistências, como
também incapaz de teorizar com densidade acerca de sua prática. Assim, o grande
problema aqui situado é que se percebe “que a melhor formação do habitus consiste em
uma inflexão no sentido de uma capacidade de autorregulação através da tomada de
consciência, da análise, do questionamento, em suma, do exercício da lucidez e da
coragem” (op. cit., p. 184).
Por mais que os autores citados neste capítulo defendam o slogan do
neotecnicismo e da meritocracia neoliberal, nossas dúvidas em questão são óbvias:
primeiro, por que os momentos de brilhantismo em acertos práticos e reflexões
pertinentes não se encaixam no esquema meritocrático que propõe o ideal de que um bom
profissional deve ser obrigatoriamente competente, excelente e eficaz? Segundo, que
autorregulação permitiria alguma forma de empoderamento além de sumárias
competências e habilidades de metacomunicação e escrita clínica? E mais, como a tomada
de consciência ocorre sem entender os professores enquanto sujeitos de sua formação e
de sua história de emancipação e autonomia intelectual?
Aproveitando o contexto do desempoderamento em potencial, continuamos a
desenvolver nosso diálogo crítico com os epistemólogos da profissão docente. Por
conseguinte, trazemos à discussão Tardif e Gauthier (1996): autores preocupados em
afirmar que suas pesquisas podem estar comprometidas pelas representações do professor
na sociedade, seus saberes e experiência. A contribuição destes autores diz respeito à
“consciência de que a atividade docente no contexto escolar não tem nada de simples e
natural, mas de uma construção social que comporta múltiplas facetas e cuja descrição
metodológica implica necessariamente em escolhas epistemológicas” (TARDIF;
GAUTHIER, 2009, p. 41).
Concordamos plenamente que os autores que estão sendo discutidos através deste
estado da questão contribuíram com a formação de professores no que concerne ao
entendimento do professor enquanto profissional, pois, no paradigma formativo anterior
(racionalidade técnica), ser docente era algo mais próximo de exercer uma
“semiprofissão” (PERRENOUD, 2001; 2002). Em outras palavras, ser-professor era um
“bico” ou um complemento de renda mais segura e estável para pessoas que tinham outras
profissões e que precisavam apenas ir a escolas e dar aulas, sem tomada de consciência
ou reflexão acerca do que estava acontecendo. No entendimento de professor enquanto
profissional, caracterizam o ser-professor enquanto “um profissional dotado de razão e
32

confrontado com restrições contingentes” (PERRENOUD, 2001, p. 200); assim, “o


professor não é um erudito”. (op. cit., p. 201)
Entretanto, existe muita coisa entre a profissionalização docente e a negação de
sua intelectualidade e erudição. Por mais que a nossa discussão não tenha a pretensão de
julgar jurisprudência dos termos veiculados ou etimologias, tampouco de atribuir uma
avaliação sobre suas bricolagens teóricas, parece-nos que o raciocínio dos autores citados
advoga coletiva e radicalmente contra a hipótese de Giroux (1997), que entende os
professores como “intelectuais transformadores, críticos, reflexivos15 e contra-
hegemônicos.
Dessa forma, partiremos do questionamento de McLaren (1988) no prefácio de
“Os professores como Intelectuais” de Giroux16 (1988) e remetemo-nos a uma crítica a
todos os epistemólogos da prática discutidos até aqui: “Como os educadores podem
empoderar os estudantes a imaginarem um futuro no qual a esperança se torne uma
prática na qual a liberdade possa ser sonhada, lutada e eventualmente conquistada17?”

Portanto, os epistemólogos da prática não parecem demonstrar interesse sobre as


questões fundamentais da emancipação humana, tais como a liberdade, a autonomia e o
empoderamento. Negam também a condição do ser-professor enquanto intelectual ou da
possibilidade de transformar as escolas em instituições da luta democrática e da
transformação social. Como se a instituição educacional fosse apenas um lugar geográfico
onde se ministram aulas e se formam professores e alunos. Precisamos, pois, enfatizar o
papel político e mediador da intelectualidade docente forjando seu habitus. Para adensar
o debate, compartilhamos nossa concordância plena com o pensamento de Giroux (1997,
p. 188):
Isto (considerar os professores como intelectuais) significa fornecer aos
estudantes os instrumentos críticos que precisarão para compreender e
desmantelar a racionalização crônica das práticas sociais prejudiciais, e ao
mesmo tempo, apropriar-se do conhecimento e das habilidades que precisam
para repensar o projeto de emancipação humana. Em segundo lugar, os
intelectuais transformadores devem engajar-se efetivamente em projetos que
os estimulem a abordar seu próprio papel crítico na produção e legitimação das
relações sociais.

15
Decidimos trocar o termo “adaptados” citado pela versão da publicação em língua portuguesa da obra de
Giroux que tomamos por referência. Percebemos que adaptação, por tradução na nossa língua, pode ganhar
alguns contornos no sentido de ajuste ou adequação, não sendo a acepção original do autor quando se faz
uma avaliação mais ampliada de sua obra, seja em português ou em inglês.
16
Versão original do livro, em língua inglesa. A versão em português desta obra ganha sua primeira
publicação em 1997, sob o título: “Os Professores como Intelectuais – Rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem”. Porto Alegre: Artmed, 1997.
17
Acreditamos ter respondido a este questionamento nos capítulos 2 e 3, quando discutimos de forma mais
precisa os contornos e nuances da Formação de Si, e com a análise dos nossos dados, nos capítulos 5 e 6.
33

Giroux (1997; 2003) exige envolvimento, transformação e empoderamento em


sua pedagogia de natureza radical e crítica de maneira inconciliável com os epistemólogos
da prática. Também nos ajuda a explicar como a reforma empresarial da educação alterou
seus objetivos e finalidades (GIROUX, 2003). Aqui não faremos um debate sobre quem
está certo ou errado, porém, interessa-nos o quanto essas diferentes formas de
compreender a docência empodera ou desempodera os sujeitos pedagógicos.
Sendo assim, aproveito o clima do debate sobre autonomia, emancipação e
empoderamento para trazer um autor contemporâneo que defende uma proposta
alternativa de professor reflexivo: Kenneth Zeichner (1995; 2005; 2008; 2010). Em seu
practicum reflexivo, avançou bastante em relação aos seus companheiros da
epistemologia da prática na discussão mais consistente e relevante, levando em conta as
questões socioculturais e histórias de vida relacionadas à prática e sua reflexão-na-ação.
Avança por delinear uma proposta mais específica para a prática realizadas nas escolas,
defendendo a criação de escolas clínicas e/ou escolas de desenvolvimento profissional.
Também se mostra crítico ao reconhecer “as limitações de algumas versões do
practicum18 orientado para a prática reflexiva” (1995, p. 127). Por fim, considerando a
importância de incorporar um corpus sólido de teorias de ensino e aprendizagem à
reflexão sobre a prática.
Zeichner (2010) compartilha uma visão crítica que se aproxima em diversos
pontos com o raciocínio de autores da racionalidade crítica e do empoderamento como,
por exemplo, Giroux (1997; 2003). Sua arena de lutas e resistências é erguida no sentido
de convocar os professores em formação para o confronto ativo “das realidades políticas
do nosso estatuto marginal no âmbito mais vasto da educação terciária e a criticar a
intervenção centralizadora do Estado na formação de professores” (GIROUX, 1997, p.
135).
Outro avanço obtido em Zeichner constitui sua defesa à luta por justiça social a
partir do exercício docente, em uma linha de pensamento que não sobrepuja a prática em
relação à teoria. Assim, adota uma posição menos incisiva diante dos clássicos
epistemólogos da prática diante do poder da interação e da reflexão voltada à ação
pedagógica.
Defenderá uma formação baseada na supervisão em parceria realizada por escolas
clínicas, de forma semelhante ao que acontece atualmente nos Programas Institucionais
de Residência Pedagógica e no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

18
Destaque do autor em seu original (ZEICHNER, 1995, p. 117).
34

Pibid). Em seu entendimento, considera que os conhecimentos experienciais dos


estudantes que frequentam a formação de professores necessitam de uma experiência
exterior ao campo universitário para a mudança conceitual de seus saberes prévios. Dito
de outra forma: precisam realizar parte da formação nas escolas para uma revisão dos
saberes aprendidos na universidade, buscando reelaborar concepções mais apropriadas
diante da formação artesanal e da aprendizagem da docência pela imitação de modelos
(PIMENTA; LIMA, 2012).
O pensamento de Zeichner corrobora a linha de raciocínio de outro clássico que
constrói uma sólida base teórica sobre a prática educativa: Antoni Zabala. Em suas
palavras,
a melhoria da prática não será possível sem o conhecimento e o uso de alguns
marcos teóricos que nos permitam levar a cabo uma verdadeira reflexão sobre
a prática (...) segundo um pensamento estratégico que faça com que nossa
intervenção pedagógica seja coerente com nossas intenções e nosso saber
profissional (ZABALA, 1998, p. 51)
Entretanto, é necessário destacar que a proposta de Zabala tem contornos
pedagógicos bem mais específicos, ou seja, é focada essencialmente nos conteúdos
procedimentais de sala de aula. Dessa forma, Zabala expõe uma proposta de
epistemologia da prática educativa que, mesmo valorizando a teoria nos entremeios da
práxis formativa, ou seja, sobrepujando o elemento saberfazer19 na prática educativa.

Seguindo a discussão, destacamos um autor que segue uma linha de raciocínio


convergente e será bastante apropriado pelos pesquisadores brasileiros: Sacristán (2000;
2008) bem como Sacristán e Gómez (1998). Em contexto, enfatizamos a importância do
conteúdo na prática reflexiva como teorização fundamental para enxergar a “atitude de
submissão diante de uma cultura imposta desde fora”. (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p.
121)
20
Em síntese, demonstram compreender a educação como uma atividade
portadora de métodos e processos específicos, isto é,
como o conteúdo de um projeto de socialização e formação: o que se transmite,
o que se pretende e que efeitos obtêm; e como os agentes e os elementos que
determinam a atividade e o conteúdo: forças sociais, instituição escolar,
ambientes e clima pedagógico, professores/as, materiais, entre outros”. (op.
cit., p. 120)

19
Neste sentido, a expressão concorda com as acepções de Zabala e Perrenoud, nas quais saberfazer é mais
que um savoir-faire e know-how, pois envolve competências e habilidades de natureza conceitual,
procedimental e atitudinal.
35

Apesar de uma relação importante entre os agentes da formação, sua atividade e


os conteúdos envolvidos, podemos elucubrar que os autores poderiam ter se preocupado
mais com a atividade intelectual na apropriação de conhecimentos, considerando os
aspectos intelectuais e transformadores da sociedade. Mas precisamos enfatizar que seria
mais uma elucubração, pois nenhum dos termos citados são presentes e desenvolvidos no
referido autor.
Percebe-se também uma tentativa de superar as limitações do practicum reflexivo
schoniano dada a importância da teoria organizada em conteúdos e das forças sociais que
orientam o trabalho interativo. Em outras palavras, defenderá a autonomia do professor e
a importância da sólida formação teórica, “visto que o professor é mediador entre o aluno
e a cultura (...) formado também com um certo domínio nos conhecimentos básicos”
(SACRISTÁN, 2000, p. 177)
Por outro lado, apesar da ênfase na teoria, o que continua nos preocupando em
nossas licenciaturas pode ser confirmado pelo depoimento de uma estudante de
licenciatura descrito por Bezerra (2019c, p. 159):
A universidade nos leva realmente a compreender os conteúdos socializados
nos diversos cursos ofertados? Infelizmente, cheguei à conclusão que a
universidade não instiga os alunos a estudarem, promove apenas a aprovação
das disciplinas, onde a maioria esmagadora dos docentes não tem qualquer
compromisso com a efetivaaprendizagem21.
Visto que não é escopo deste trabalho discutir sobre os limites e possibilidades do
ensino universitário, deixaremos no ar a discussão. Porém, existe algo que nos preocupa
para além das teorizações e práticas do profissional reflexivo: professores e estudantes
estão comprometidos com o saber e a apropriação de conhecimentos ou apenas querem
atingir resultados de notas e aprovação? Eles entendem os perigos e limitações deste tipo
de profissionalização docente? Dessa forma, à luz dos epistemólogos da prática, o próprio
conceito de “formação” (García, 1999) precisa ser discutido e apropriado pela sociedade.
De uma forma geral, é importante que entendamos a diferença essencial entre
Zeichner e Sacristán: está relacionada ao tipo de conhecimento teórico que se torna mais
essencial à formação. Para Zeichner, é preciso validar o conhecimento teórico ligado às
situações didáticas e interações entre os atores pedagógicos.

20
Grifos dos autores na obra original. Numa interpretação geral das obras referenciadas, percebemos um
interesse no entendimento de atividade que se aproxima ao conceito de Lukács de uma “atividade humana
sensível”, no sentido que atua sobre o mundo a partir de um trabalho humano.
21
Depoimento de estudante que vivenciou a Formação de Si pelo Método da Leitura Imanente por meio do
grupo de pesquisa do professor Bezerra.
36

Para Sacristán, é essencial que o professor domine o conhecimento escolar


referenciado como base do currículo formativo. Em um país motivado pela criação de
bases curriculares nacionais coumns para as instâncias educativas e com uma tendência de
importar intelectuais para a formulação de políticas públicas, é fácil perceber o quanto
a leitura de Sacristán é suave e apetecível ao público brasileiro.
Zabalza (2004) é outro autor espanhol bastante apropriado pelos pesquisadores
brasileiros que passaram a defender o jargão do professor-pesquisador e do
acompanhamento da prática pedagógica por supervisões em parceria. Ou seja, o autor
dispensa a importância da sólida formação teórica para defender um instrumental para
que “os sujeitos se tornem cada vez mais conscientes dos seus atos” (2004, p. 27) pela
reflexão aliada à escrita sistemática: os diários de aula.
Consideramos bastante relevante todo seu trabalho com os diários de aula, pois
promovem autoria dos sujeitos em formação e uma perspectiva etnográfica de
compreensão da prática. Entretanto, a despreocupação com a teoria nas atividades
concernentes aos diários faz-nos entender que se trata de um procedimento mais de
natureza técnico-psicológica (como uma espécie de catarse) do que um diálogo crítico
aliado a um registro etnográfico e a uma interpretação reflexiva diante da realidade em
jogo.
Por mais que os diários de aula tenham aportes numa reflexão que se torna
instrumento de análise da prática docente, Zabalza realiza um trabalho consistente na
descrição e exemplificação dos diários, no intuito de delinear exaustivamente a natureza
e a caracterização dos diários de aula, por meio de modelos e exemplos. Assim,
independentemente do conhecimento teórico sobre os registros realizados, “o diário se
torna um material extremamente valioso de autoconhecimento” (op. cit., p. 142)
Dois outros autores tentarão superar os limites schonianos em uma perspectiva de
formar no contexto da autonomia do professorado e de sua formação profissional: José
Contreras e Francisco Imbernón.

Imbernón (2010) defende o jargão de Formação Permanente do Professorado,


como uma tentativa válida de superar a dicotomia clássica entre formação inicial e
continuada e entender a jornada docente como um estilo de vida investigativo. Em suas
palavras (2010, p. 65):
É preciso estabelecer um preparo que proporcione um conhecimento válido e
gere uma atitude interativa e dialética que leve a valorizar a necessidade de
uma atualização permanente em função das mudanças que se produzem; a criar
estratégias e métodos de intervenção, cooperação, análise, reflexão; a construir
um estilo vigoroso e investigativo.
37

Sua preocupação com a interação e as questões sociais representam um avanço de


perspectiva, em relação aos demais epistemólogos da prática. Avança em relação aos
outros companheiros em discussão ao remeter-se a algumas questões sociais que se
relacionam à sua ideia de formação permanente do professorado, como já foi explicado
acima. Também destacamos sua preocupação em perceber “a formação como estímulo
crítico ante práticas profissionais como a hierarquia, o sexismo, a proletarização, o
individualismo, o pouco prestígio etc., e práticas sociais como a exclusão e a intolerância”
(Idem, p. 50). Porém, os temas elencados ficam apenas como menções na obra registrada,
sem uma discussão teórica densa sobre a implicação deles nos campos da prática, da
inovação docente e da justiça social.
Outra ideia interessante defendida pelo autor (Imbernón, 2009) trata-se da
importância da criação de comunidades formativas. Ou seja,
Os atuais contextos sociais, familiares e econômicos nos mostram claramente
que sem a ajuda da comunidade que envolve a instituição educativa é difícil
ensinar as diversas cidadanias necessárias no futuro: democrática, social,
paritária, intercultural e ambiental que permite umavida e um mundo melhor
(op. cit., p. 79-80).
Porém, a formação de uma comunidade subentende que “é somente praticando a
reflexão, a escolha e as responsabilidades pelos resultados que as pessoas podem aprender
a refletir, a escolher e a assumir responsabilidades” (KILPATRICK, 2011, p. 117). Dessa
maneira, o trinômio formação-reflexão-comunidade passa a ser um elemento
imprescindível a todos os epistemólogos da prática, principalmente pelos autores que
defendem a importância da reflexão a ser realizada em comunidades formadas por
companheiros de ofício (FEITOSA; LEITE, 2012; FEITOSA, 2014).
Na mesma linha de raciocínio, Contreras volta sua leitura a uma práxis em sua
“profissionalidade”, por meio de uma imbricação entre atitude do professor, prática
profissional, conhecimento e habilidades. Em suma, Contreras (2012) defende que a
profissionalidade envolve o conteúdo mais a reflexão sobre a prática profissional.
Também enxerga a face crítica da profissionalidade ao preocupar-se com a teoria da
proletarização profissional ao discutir a autonomia do professor22. Assim, sua principal
contribuição com a área diz respeito ao significado da autonomia para os professores,
incluindo seus diversos sentidos, implicações e questões políticas.

____________________________
22
Contreras (2012) possui um capítulo de livro inteiro discutindo com densidade os problemas relacionados
à autonomia dos professores (ou sua falta). Sua preocupação é essencialmente centrada nas mudanças e
exigências da docência no mundo contemporâneo, devastado pelo neoliberalismo.
38

Neste autor, enxergamos certa convergência em relação a algumas preocupações


de Giroux: a preocupação com as questões sociais e políticas que permeiam o contexto
da proletarização do trabalho docente. Por exemplo, nas linhas que se seguem, Contreras
expressa sua preocupação com a proletarização em relação à “autonomia dos docentes”:
Se o profissionalismo, por exemplo, é uma forma adequada de pensar na
autonomia dos professores ou se, pelo contrário, pode ser simplesmente uma
estratégia alternativa à proletarização, para o controle dos professores, é algo
que deve ser analisado, tanto nos processos sociais e políticos a que dá lugar
como na retórica na qual se sustenta (2012, p. 52).
Explicando de outra forma, a profissionalidade envolve a autonomia dos
professores, agregando o desempenho do trabalho de ensinar juntamente aos “valores e
pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nesta profissão”. (Idem, p. 82) Neste
caso, temos uma superação do contexto de empoderamento light neoliberal 23 com a
tentativa de aproximação de um empowerment girouxiano, de maior carga política.
Entretanto, posiciona-se de uma forma bem mais autônoma em relação ao
desempoderamento defendido pelos clássicos epistemólogos da prática. E por fim, faz-
nos sentir uma calorosa identificação com o que expõe acerca da autonomia dos
professores, pois,
se quisermos entender as características e qualidade do ofício de ensinar temos
de discutir de tudo o que diz sobre ele ou o que dele se espera. Mas também o
que é e o que não deveria ser. O que se propõe, mas quese torna, ao menos
discutível (op. cit., p. 32).
Outra questão que envolve a perspectiva de empoderamento light diz respeito ao
entendimento reducionista de que apenas a partir de situações práticas pode-se
conquistar autonomia. Advogamos sempre a favor da importância de uma sólida
teorização e da participação crítica entre os companheiros de ofício. Nas palavras de
Feitosa e Bodião (2015, p. 193),
É preciso ter uma sólida base teórica, a qual poderá subsidiar a solução dos
obstáculos que ocorrem no cotidiano escolar e essas elaborações precisam
ser efetivadas coletivamente, o mais próximo possível – geográfica e
temporalmente – do dia a dia das escolas. É da visão reduzida, segundo a qual
basta refletir na prática, que se faz a crítica aoconceito de “professor reflexivo”.

23
O empoderamento light neoliberal destina-se a empoderar minorias (principalmente mulheres) para que
se tornem forças produtivas do ponto de vista econômico. Por exemplo, as mulheres costumeiramente
trabalham mais por menor remuneração em relação aos homens, ainda tendo que dar conta de tarefas
domésticas nas horas vagas. E mais: sua renda tende a se destinar ao conforto e benefício da família e
demonstra maior tendência em gastos com sabedoria e previdência.
39

Para concluir a discussão internacional e encaminhar nosso estado da questão para


uma discussão à brasileira, deduzimos que os epistemólogos da prática possuem grandes
ideias comuns de interesse da formação mercantil. Por este motivo, foram amplamente
importados e incorporados à formação de professores nestes últimos 30 anos (após a
Conferência de Jontiem) pelo mundo inteiro. Numa tentativa de síntese, apresentamos o
quadro abaixo, com destaque para as principais contribuições e limitações24:
Quadro 1
Proposta de síntese de limites e possibilidades no pensamento dos epistemólogos da prática.

Autores Contribuições e Possibilidades Críticas e Limitações


Tardif Apresentar os diversos saberes que A ênfase na interatividade e na experiência
conferem status de profissionalização da distancia o profissional à luz de uma
docência; teorização das reflexões.
Valorizar os saberes experienciais.
Schön Desenvolver a prática reflexiva em três A dimensão reflexiva integra rotinas,
eixos: conhecimento na ação, reflexão na culturas e modos de ser que se ocupa mais
ação e a reflexão sobre a ação. de uma formação artesanal ao invés de
entender os professores como intelectuais.
Perrenoud Descrever as competências e habilidades A lógica das competências possui diversos
essenciais para ensinar e aprender; problemas. Por exemplo, destacamos que
Reconhecer que os professores precisam este tipo de formação objetiva preparar
adquirir competências e habilidades para trabalhadores para o mercado neoliberal.
o trabalho docente.
Nóvoa Qualificar a formação docente por meio Sua contribuição para a identidade
do desenvolvimento de identidade profissional esbarra em um processo de
profissional; autoconhecimento e autorreflexão sem
Defender a formação centrada nas análises teóricas subjacentes.
escolas.
Zeichner Supera a dicotomia entre ser professor- Sua concepção de professor enquanto
pesquisador; prático reflexivo continua menorizando a
Aposta na formação clínica através das importância da teoria que ilumina a
escolas. reflexão.
Imbernón Conceber a formação permanente do Discorre sobre os desafios da sociedade
professorado. contemporânea sem grande profundidade.
Sacristán Avança na teorização ao investigar o Enxerga um contexto social a ser levado em
trabalho docente tanto pela reflexão pela consideração em todo o processo formativo,
prática quanto pela discussão de suas entretanto, pouco se aprofunda
tendências teóricas. em dar respostas convincentes à superação
do dilema teoria-prática.
Contreras Problematizar a autonomia dos Não explica com grande clareza como a
professores no contexto do capitalismo autonomia dos professores se rende a um
neoliberal. projeto maior de formação e emancipação
humana.
Fonte: O autor.

24
É importante destacar que a intenção da tabela é revisar as concepções mais relevantes dos autores para
encaminhar a discussão do cenário brasileiro. Principalmente, no que diz respeito ao se constituir o estado
da questão: nossa ideia é realizar o levantamento teórico situando-nos criticamente e reflexivamente diante
dos autores enfrentados. Assim, a tabela não tem valor propedêutico, mas sim de constituir um balanço
do debate a partir dos limites e contribuições localizados no contexto da nossa pesquisa.
40

A partir da síntese exposta acima, passamos a nos ocupar do contexto das


racionalidades formativas no contexto da educação brasileira.

1.4. O Profissional Reflexivo à Brasileira

No contexto brasileiro, falta a reflexão teorizada e sobra a busca de uma falsa


universalização da educação junto ao apego à dimensão técnica para nós, educadores que
possuem sede e fome eternas de emancipação e autonomia intelectual para os professores
em formação. Diversos autores brasileiros também realizaram releituras sobre a prática
reflexiva. A superação do modelo do professor enquanto especialista técnico foi um
slogan estampado na educação brasileira após a redemocratização e reorganização da
legislação educacional sob os preceitos da Educação para Todos, conforme defendido
após a Conferência de Jontiem25, em 1990, na Tailândia. Por outro lado, uma nova
Constituição Brasileira foi promulgada em 1988 e motivadora de uma nova Lei de
Diretrizesda Educação em 1996. Estes documentos normativos mobilizaram a sociedade
brasileira contemporânea a maiores preocupações acerca dos parâmetros e bases mínimas
para uma educação voltada à cidadania e ao desempenho produtivo escolar e universitário
para o mercado de trabalho capitalista neoliberal. No referido contexto, ficou fácil deduzir
para onde se focariam as lentes de bases curriculares e diretrizes educacionais para todos
os níveis e modalidades de ensino: ao saberfazer26.
Em um país movido por uma ampla reorganização social após mais de vinte anos
de ditadura empresarial-militar, foi fácil e necessário adotar a cartilha neoliberal de novas
abordagens e concepções de aprendizagem em troca de recursos mundiais essenciais ao
desenvolvimento. Entre tantos destinos, os recursos financiaram uma educação centrada
na garantia de que todas as pessoas pudessem desfrutar de mínima formação necessária
para uma vida digna.

25
A Conferência de Jontiem marca, de forma mundial, o movimento de reforma empresarial da educação
nos moldes neoliberais que, entre vários aspectos, defende a universalização da educação básica e a
profissionalização da docência.
26
Constitui um dos pilares da Educação, a partir do relatório de Delors, em 1999: Segundo os quatro pilares
(aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; aprender a ser), a educação contemplaria uma
formação humana voltada para a vida cidadã em sociedade, não apenas como formação para o mercado de
trabalho. Deixaremos os méritos e deméritos desta discussão no campo das elucubrações possíveis diante
da realidade educacional brasileira.
41

No plano decenal 1993-2003 e suas consequentes reformas da legislação


educacional pela LDBEN 9394/96 (BRASIL, 1996) e os consequentes Parâmetros e
Diretrizes Curriculares Nacionais, passaram a investir no esforço de massificar a
escolarização, supostamente defendendo o slogan mundial da Educação para Todos.
Assim, a partir da simbiose entre formação para a vida cidadã e para o mercado de
trabalho, foram alimentadas as orientações internacionais tais como os Quatro Pilares da
Educação para o Século XXI, promovidos pela Unesco (DELORS et al., 1998).
Em nosso entendimento, estamos nos referindo a um mergulho sem volta da
educação nos ditames do neoliberalismo. Em tempo, muitos autores foram adequando
suas propostas e ideias ao cenário mundial e oferecendo sua preciosa consultoria aos
países em desenvolvimento, sob o financiamento do Banco Mundial. Notamos isso
claramente na maioria dos epistemólogos da prática apresentados no item anterior. Muitos
deles estiveram aqui no Brasil entre os anos 1990 e 2010 para prestação de seus serviços
à educação brasileira, principalmente no que tange à formação de professores.
Por exemplo, a presença de Tardif nos anos do governo de Fernando Henrique
Cardoso foi decisiva na elaboração de diretrizes para a formação de professores baseada
na importância dos saberes profissionais experienciais, em detrimento da teorização
específica. Perrenoud também contribuiu neste mesmo período com a lógica das
competências e habilidades orientando o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
(BRASIL, 1998)
Mas sempre encontraremos espaços de luta e resistência a este tipo de formação mercantil.
Sacristán (2000, p. 60), por exemplo, afirma que se deveria trabalhar a educação no estilo de uma
formação humana, aos moldes da paideia grega ou das melhores concepções iluministas, ou seja,
“como construção do ser humano pela obtenção da verdade, pelo exercício da racionalidade, pela
autonomia e liberdade das pessoas, pela justiça e pela solidariedade, pelo bem e pelo gozo da
beleza” (op. cit., p. 60).
Entretanto, concordamos que
As pesquisas e reflexões das abordagens que criticamos giram em torno de
categorias como: pesquisa e prática pedagógica; professor reflexivo;pedagogia
das competências; articulação entre teoria e prática de ensino; formação inicial
e continuada; profissão docente; profissionalismo da educação, entre outras.
Pois são categorias que conformam um complexo categorial particular,
formulado por intelectuais vinculados às classes dominantes. Os teóricos que
as propõem estão comprometidos com as epistemologias das práticas
profissionais, que legitimam as políticas neoliberais em educação.Políticas que
desvalorizam, precarizam e mercantilizam a educação, desde a década de
sessenta do século XX. Enquadramento teórico, filosófico e pedagógico que
vem se aprofundando no século XXI. E pelo que se afigura não há quaisquer
indícios de mudança destas tendências no horizonte (BEZERRA, 2019c, p. 60).
42

Da mesma forma, o desenvolvimento do habitus docente passou a ganhar o rótulo


de formação permanente de um professor supostamente pesquisador-reflexivo,
principalmente na década dos anos 2000, para assimilar as tendências educacionais de
reforma das licenciaturas brasileiras. Os rótulos denotavam o escopo de possibilidade
uma formação com mais eficácia e qualidade técnica para se proporcionar educação para
todos de maneira associada à melhoria da performance dos estudantes e professores nas
avaliações internacionais. Nesse contexto, foi fácil aceitar a cartilha das competências e
habilidades para que os professores desenvolvessem o script do professor reflexivo que
atenderia os anseios mundiais da educação para todos e a melhoria de índices
educacionais, principalmente nos países em desenvolvimento.
Na interface entre as propostas educacionais surgidas a partir da Educação para
Todos na Conferência de Jontiem, destacamos a mobilização de intelectuais das grandes
universidades brasileiras para que adaptassem seu trabalho acadêmico em possíveis
releituras das perspectivas neoliberais dos epistemólogos da prática em linhas de
raciocínio mais adaptadas ao contexto sociopolítico brasileiro. Em geral, constituiu-se um
arcabouço teórico que não renegou a universalização da educação básica, ampliação da
oferta de Ensino S uperior e as metas internacionais. Também se comprometeu com
a insurgência do neotecnicismo e da aposta da reflexão prática como meio de resolver
os desafios de sala de aula a partir da formação centrada nas escolas. Por fim, assimilou
alógica das competências e habilidades para o século XXI como a espinha dorsal das bases
e diretrizes curriculares nacionais que seriam construídas (e reconstruídas várias vezes) à
margem da intencionalidade de conferir um status de profissionalização para o professor.
Nos caminhos de implementação desta proposta de educação neoliberal para todos
avalizada pela oscilação entre governos de centro-direita e centro-esquerda no Brasil,
inicia-se uma onda de insistente e consistente investimento federal na ampliação da oferta
de vagas pelas universidades como também a preocupação com o piso salarial dos
professores. Vendida pela mídia como um marco da autonomia e da profissionalização
docente, a lei do piso salarial também foi formalizada com a garantia de destinação de um
terço cronológico do tempo de trabalho para os encargos docentes relacionados às
atividades burocráticas de planejamento, avaliação e reflexão docente.
Com isso, o movimento de convidar grandes especialistas educacionais
(geralmente da Europa) para grandes capacitações do coletivo de professores passou a dar
lugar a uma formação permanente realizada nas escolas pelos próprios atores
pedagógicos. Foi assim que a preocupação com a prática travestiu-se de uma nova
43

dimensão da burocratização escolar: a reflexão realizada nas aulas departamentais,


cumpridas religiosamente e burocraticamente.
Dessa maneira, grandes autores e pensadores brasileiros foram construindo
grandes carreiras como escritores e professores universitários com suas releituras de
adequação dos autores internacionais à realidade brasileira. No Brasil, onde contamos
com a facilidade de acesso ao pensamento freiriano, ainda foram permitidas leituras mais
humanísticas e socialmente comprometidas deste fenômeno social da profissionalização
docente. Por exemplo, a professora Selma Garrido Pimenta como expoente deste cenário.
A autora construiu uma sólida base epistemológica para a prática docente, com ênfase nas
áreas de Didática e Estágio Supervisionado. Aqui, por se tratar de um estado da questão,
destacamos sua contribuição para iluminar um grande desafio da formação docente: o
papel do Estágio na Formação de Professores, como também a identidade profissional e
os saberes da docência (PIMENTA, 2009).
A partir de uma sólida base teórica da Didática como práxis educativa, passa a
defender uma concepção dialética de Educação na qual o conceito de práxis passa a ser o
eixo aglutinador entre as propostas e concepções de estágio, da relação entre
metodologias de ensino e estágio e a integração entre “pesquisa e ensino que, como práxis
educacional, têm como direção de sentido o interminável projeto histórico de
humanização dos homens” (op. cit., p. 104). Ao longo desta obra, a autora mostra
claramente a sua filiação a uma interface entre as ideias freireanas, marxianas e
gramscianas.
Também indicamos as obras de referência da autora sobre o professor reflexivo
no Brasil em parceria com o professor Evandro Ghedin (PIMENTA; GHEDIN, 2008) e
os frutos de sua parceria de longa data com a professora Socorro Lucena Lima, no qual
as autoras desenham um panorama prático-teórico da concepção de estágio enquanto
práxis transformadora no clássico “Estágio e Docência” (PIMENTA; LIMA, 2012).

Dessa maneira, as autoras fazem a releitura do pensamento de Sacristán, Contreras,


Freire, Bourdieu e outros expoentes da pedagogia e sociologia recentes, encarando o
diálogo do conhecimento pessoal do professor de uma forma em que “teoria e prática
tornam-se indissociáveis no plano da subjetividade do professor” (op. cit., p. 49). As
autoras passam a entender o habitus bourdiesiano (Bourdieu, 1998) enquanto um
mediador das disposições formativas dentro do raciocínio da reprodução social
autoproduzida pela cultura escolar (BOURDIEU; PASSERON, 2014).
44

Por outro lado, parecem convidar os professores e estudantes a uma bricolagem


entre os autores que defendem a relação entre habitus, cultura e inovação docente
(FARIAS, 2002; SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998) com o pensamento girouxiano de
transformação social de uma escola que legitima a reprodução social das vozes
dominantes27. Para tanto, o habitus que envolve o estágio e suas práticas relacionadas é
atrelado à perspectiva de mediação que, apesar de defesa da práxis, sobrepuja o valor da
prática em detrimento da teoria no contexto de formação baseada na interatividade.
Perguntamos qual o espaço neste tipo de formação para “as vozes, experiências e histórias
pelas quais os estudantes dão sentido ao mundo” (GIROUX; SIMON, 2013, p. 109). Pois,
Trata-se de um apelo para que se reconheça que, nas escolas, os significados
são produzidos pela construção de formas de poder, experiências e identidades
que precisam ser analisadas em seu sentido político-cultural mais amplo. (op.
cit., p. 109)
Assim, encontramos uma epistemologia da prática no Brasil claramente ocupada
de constituir o habitus professoral-pesquisador no docente, como elemento central da
práxis formativa, com as preocupações subjetivas marginalizadas. Na mesma linha de
raciocínio, Ghedin e colaboradores (2015) demonstram contornos ainda mais claros de
uma releitura do practicum reflexivo numa perspectiva da práxis transformadora que
confere o status de formação aprofundando “a compreensão do conceito de professor-
pesquisador em seu aspecto epistemológico” (GHEDIN et al., 2015, p. 73).

Há um grande volume de teses e dissertações bem como livros e artigos


acadêmicos que também pesquisam os desdobramentos e consequências da
profissionalização reflexiva na educação brasileira. Destacamos o trabalho de Arce
(2001), com um título esclarecedor: “Compre o kit neoliberal para a educação infantil e
ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo”. O trabalho de Baptista
(2003) discute com pertinência a importância da reflexão na formação inicial de
professores de Ciências Biológicas. Feitosa e Leite (2012) defendem a formação de
professores de Ciências baseada na reflexividade mediada pela associação de
companheiros de ofício. Feitosa e Bodião (2015) desenvolvem uma análise crítica do
professor reflexivo com ênfase na área de Ciências da Natureza. Consideramos os
trabalhos relacionados apenas como exemplos pontuais, dada a vastidão da produção
acadêmica da área nos últimos vinte anos no Brasil.

27
Uma diferença essencial entre o pensamento da reprodução social de Bourdieu (BOURDIEU;
PASSERON, 2014) e cultural escolar legitimadora das vozes dominantes de Giroux (1997) e a tentativa
deste autor de focar seu pensamento no processo de empoderamento pela formação de intelectuais críticos
e transformadores da realidade social (GIROUX, 1997).
45

Nós também publicamos um artigo (MOURA, 2013) sobre “O professor reflexivo


no ensino de Ciências” em um livro organizado pela professora Maria Marly de Oliveira
(2013) sobre a Sequência Didática Interativa no Processo de Formação de Professores.
Todos nós partimos de um denominador comum: defender a importância do contexto
escolar na formação e a competência dos professores, enfatizando práticas e
conhecimentos necessários à prática docente, como uma ilusão de superar a atual política
das competências e habilidades para a docência. Destarte, em todas as áreas e instâncias
educativas, “o mais importante é refletir a realidade e, com base nos conhecimentos já
elaborados, leva os nossos educandos a produzir novos conhecimentos” (OLIVEIRA,
2013, p. 53). E mais, também nos preocupamos sobre “o tipo de papel que o Ensino
Superior desempenhará na educação e na mobilização dos estudantes, como uma questão
essencial para determinar se é possível determinar um novo ideal revolucionário cujo
objetivo seja a democracia e seu futuro”28 (GIROUX, 2018, p. 10).
De uma forma geral, preocupa-nos as propostas formativas que valorizam a
prática reflexiva em relação à teorização constituída pelo conhecimento poderoso
concernente à formação e aos problemas normativos e sociais da universidade
operacional. Por outro lado, amalgamar os saberes docentes com a ideia de
desenvolvimento profissional permite evidenciar um dispositivo que despreza a
subjetividade e a importância sociocultural e política de qualquer natureza de formação é
uma forma deatentar contra a democracia e a justiça social. Se a universidade é parte da
solução, também é parte do problema da relação entre educação e neoliberalismo.
Precisamos encontrar um caminho da práxis que entenda a vida cotidiana como
base para o conhecimento curricular (Giroux; Simon, 2013) que vislumbre um aspecto
político atrelado aos valores e direitos conquistados pela luta de transformação social.
Uma situação que a política de direita que atualmente conduz o Brasil parece desejar
suprimir cada vez mais, constituindo um cenário que desenha uma democracia cada vez
mais identificada apenas com a capacidade de votar nas eleições e com o desempenho de
competências e habilidades especializadas no mundo do trabalho.
Em síntese, a epistemologia da prática na educação brasileira parte da
convergência entre princípios de uma práxis transformadora e de aspectos formativos
neoliberais. Por fim, precisamos que os atores pedagógicos empoderem-se e assumam sua
condição de sujeito tanto na discussão de propostas construídas colaborativamente, de
forma participativa e democrática.

28
Original em língua espanhola. Tradução livre.
46

Também é preciso ouvir os estudantes da formação inicial e os professores-


formadores de forma ampla e abrangente sobre seus anseios e sobre as formas de se
constituir uma formação cada vez mais humana e menos identificada com a produção de
técnicos especialistas e da preparação para o trabalho. Enxergar a subjetividade dos
sujeitos em formação é outra dimensão formativa que está sendo gradativamente
extirpada das bases curriculares nacionais pelos grupos de direita conservadora que
defendem a precarização do trabalho docente e a redução de todas as esferas da formação
humana.
Na tentativa de compreender as motivações e aspirações dos sujeitos em formação
é que desejamos entender os propósitos subjetivos da formação, e não por meio dos
ditames neoliberais do mercado de trabalho. Por isso, defenderemos o empoderamento na
formação com uma forma de resistir e constitui nosso campo de luta pela concretização
da relação entre educação, autonomia e emancipação humana.
É com essa lente que faremos a análise dos dados obtidos à luz desta categoria
teórica. Na tentativa de expor os limites e nos defender do desalento, procurando sempre
explicitar as contradições sociais em que todos vivemos (GIROUX; SIMON, 2013, p.
136), desejamos expor os limites e apontar desafios, potencialidades e possibilidades de
pensar a formação de uma maneira mais humana e socialmente comprometida, aqui
entendida sob a alcunha da Formação de Si.

Para tanto, encaminhamos este texto à discussão da segunda categoria teórica,


envolvendo os limites e potencialidades da formatação docente nos movimentos da
subjetivação na formação docente, de modo a compreender melhor as tensões nos
entremeios da Formatação Docente e a Formação de Si. Nela, pretendemos desenvolver
melhor o neologismo “formatação docente”, aprofundando a tensão do debate entre as
racionalidades formativas, de forma que possamos delinear o horizonte para apresentar
alguns aspectos da nossa proposta de formação, mais inventiva e mais humana: a
Formação de Si.
47

CAPÍTULO 2 –
SUBJETIVAÇÃO E FORMATAÇÃO DOCENTE

Todas as coisas de que falo são de carne,


Como o verão e o salário.
(GULLAR; 2011)

2.1. Palavras introdutórias – por entre as tensões formativas

Este capítulo pretende continuar a crítica em relação à formação de professores


entre a subjetivação que envolve a formatação docente em Biologia e os nossos
referenciais da Formação de Si enquanto perspectiva de empoderamento. Neste capítulo,
discutiremos dois aspectos diretamente relacionados à nossa questão de pesquisa: a) a
categoria alfabetização acadêmica baseada na ótica girouxiana dos professores como
intelectuais; b) os movimentos da subjetividade no contexto da formação. Também
lançaremos bases teóricas que se coadunam com nossos objetivos de pesquisa e nortearão
o trabalho empírico, tais como o Pensamento Complexo de Morin e a Dialogicidade
Freireana, enquanto elementos de uma formação empoderadora.

2.2. Alfabetização Acadêmica - Os professores como intelectuais

Diante do que foi discutido no capítulo anterior, foi defendido que formar os
professores tanto pela condição de técnicos especialistas como pela prática reflexiva
esvaziada de teoria, são caminhos para a formatação docente. Por mais que consideremos
o conhecimento biológico e sua importância enquanto conhecimento poderoso (YOUNG,
2007; 2011), essencial e pertinente à formação, o enraizamento teórico e o excesso de
atividades de ensino em uma licenciatura baseada na racionalidade técnica, permitem uma
formatação muito limitada. Ou seja, a formatação docente é o que existe de mais distante
na atualidade do que entendemos uma formação ética-estética-política-humana, baseada
em autonomia intelectual, empoderamento e emancipação humana.
No contraponto, por mais que consideremos um avanço na profissionalização o
entendimento da formatação permanente baseada na prática reflexiva, a prática esvaziada
de teoria também condiciona os professores e sua formatação ao atendimento de
burocracias escolares que são peculiares ao neotecnicismo (ALVES, 2011). Este tipo de
48

ideal formativo vem sendo defendido pela lógica das competências e habilidades há mais
de 20 anos, ou seja, vem se espalhando como um vírus social dos últimos tempos. Isso
foi apresentado no capítulo 1. Esse movimento pode ser caracterizado por um
redimensionamento de um mix de racionalidades, entre a técnica e a prática, referendada
por:
a) preocupações com as habilidades e competências essenciais para a educação
voltada à inserção no mercado de trabalho;
b) desejo de estabelecer currículos mínimos para a educação básica e projetos de
autoformação baseados em desenvolvimento pessoal e habilidades para o trabalho; e
c) necessidade de uma formação inicial e continuada de professores atrelada aos
propósitos “a” e “b” por meio dos elementos da prática e de uma base comum curricular
nacional para a docência.
Todavia, defendemos que uma formação docente socialmente relevante e sólida
teoricamente encontra-se baseada no conhecimento poderoso aliado à busca de uma
formação de si “que envolve o letramento e a produção de sentidos pelos seres humanos”
(BEZERRA, 2019c, p. 181). Partindo dessa perspectiva, podemos pensar que existe um
certo conjunto de conhecimentos, saberes e práticas essenciais à formação, sem perder de
vista a importância dos movimentos da subjetividade. Ou seja, defendemos ser factível
uma formação ética-estética-política-humana baseada em conhecimentos importantes à
formação que também valorize a subjetivação do sujeito pedagógico em questão sem
necessariamente ser refém dos ditames neoliberais da educação atual.
Dito de outra forma, os conceitos-chave e temas essenciais a formação, vindos dos
especialistas produtores de conhecimento nas universidades e demais centros produtores
de conhecimento especializado podem ser iluminados por olhares que enxergam a
subjetividade sem, necessariamente, constituir formações dicotômicas. Dessa forma, os
sujeitos em formação ingressam na comunidade de especialistas enquanto autônomos e
empoderados intelectualmente, o que pode ser entendido por alfabetização acadêmica
(CARLINO, 2017). A alfabetização acadêmica pretende superar os limites técnicos da
formatação e denotar qualidades imanentes do conhecimento especializado em
associação às trilhas de autonomia, empoderamento e emancipação humana.
Então, a formação docente pode ser mais que a formatação sob a égide
neotecnicista que invade as escolas e as universidades operacionais da
contemporaneidade. Sem perder o apego aos saberes essenciais à formação profissional,
um avanço notório à profissionalização docente, a apropriação e a socialização dos
49

saberes docentes podem ser vistas como formação humana dentro de uma proposta
curricular que seja teórica e pragmática. Nesse contexto, a solidez teórica caminha de
mãos dadas com a prática reflexiva e com a participação política dos sujeitos em formação
no exercício de seu empoderamento.
Se, por um lado, a formação humana não precisa abrir mão do conhecimento
poderoso constituinte do patrimônio cultural envolvido, não pretendemos supervalorizar
qualquer viés pragmático ou compartilhar de algumas visões reducionistas dos
epistemólogos da prática. Ou seja, não pretendemos desdizer tudo que foi escrito no
capítulo anterior. Continuamos acreditando que os teóricos neoliberais do profissional
reflexivo praticamente esquecem da importância política e da subjetividade como viés
formativo, visto que estão comprometidos com a formação para o mercado de trabalho e
de uma prática esvaziada de teorização.
Porém, se buscamos superar os limites das racionalidades formativas e defender
uma formação em que os sujeitos atinjam o máximo de seus potenciais, precisamos pensar
sobre que tipo de conhecimento precisa constituir um currículo, mas também com as
preocupações do escopo educacional, ou seja, acerca de “para quê?” e “para quem?”
ensejamos a nossa proposta formativa. Isto é, por meio do currículo é possível demonstrar
na teoria e na prática nosso compromisso com a elevação de autonomia intelectual dos
sujeitos em formação. Nesse processo, a subjetivação, através do moto contínuo
dessubjetivar-subjetivar, transforma os atores pedagógicos interativos e práticos em
sujeitos pedagógicos: intelectuais crítico-reflexivos a partir da leitura imanente e criativa
de sua prática à luz de estudos sistemáticos e regulares da teoria subjacente.
No redimensionamento do practicum reflexivo que se coaduna com a
alfabetização acadêmica no sentido da formação de intelectuais, podemos destacar, a
princípio, a contribuição de Giroux (1997; 2003; 2013; 2018): pois, formar intelectuais
transformadores, críticos, autônomos intelectualmente e contra-hegemônicos é uma
prerrogativa social para que se formem sujeitos empoderados no exercício de sua
autonomia intelectual. É nessa perspectiva que defendemos a categoria da alfabetização
acadêmica. Apesar do que já discutimos acerca do projeto neoliberal das sociedades
empresariais contemporâneas, sugerimos que a reflexividade possa ser algo mais do que um
conjunto de receitas padronizadas: ser intelectual, estudioso e reflexivo pode sertambém uma
“maneira de viver” (HADOT, 2014; 2016). Um modo de vida intelectual no qual desprezamos o
entendimento de formação reflexiva enquanto um somatório de habilidades e competências a
serem desenvolvidas mecanicamente no chão da escola e nas universidades operacionais.
50

Dessa forma, podemos propor que a formação humana é a transformação de atores


sociais em sujeitos pedagógicos: empoderados e engajados no exercício da escrita de si,
da autoestima, da responsabilidade por sua autonomia intelectual e da participação
política enquanto objetivos da formação acadêmica.
Assim, no entendimento da formação ética-estética-política-humana enquanto
mola propulsora da alfabetização acadêmica, temos um ponto de partida e de chegada que
concebe os professores enquanto intelectuais reflexivos, transformadores e críticos, em
três acepções que são fundantes:
a) perceber que os exercícios reflexivos são próprios da natureza humana e
constituem uma maneira de viver diante da sociedade contemporânea;
b) identificar diversos níveis de compreensão e significação de teoria e prática na
constituição epistemológica de uma práxis (verdadeiramente) transformadora; e
c) analisar a realidade de uma forma que as externalidades do mundo sejam
interpretadas com as lentes das teorias instrumentalizadas por tudo que sentimos,
pensamos e realizamos concretamente.
Nessa perspectiva, podemos olhar para a Formação de Si como uma possibilidade
ética-estética-política-humana em uma práxis holística, complexa e dialógica, na
tentativa de superar a guerra proposta pela dialética de “um contra outro”: técnicos versus
reflexivos, prática versus teórica, oprimidos versus opressores e empoderados versus
desempoderados. Entendendo o practicum reflexivo como uma maneira de viver, será
possível enxergarmos possibilidades mais humanas de formação, em que possamos ser
pragmáticos sem perder o chão da base teórica e, ao mesmo tempo, percebemo-nos
sujeitos instrumentalizadores da formação para um mundo melhor.
Portanto, a partir de nossa crítica em nível de estado da questão acerca da
formação reflexiva de professores realizada no capítulo anterior, enxergamos algumas
bases teóricas para a formação de professores em busca de novos objetivos e respostas
educacionais que enxergam melhor a subjetividade envolvida na formação:
a) Formação de Si pelo Método da Leitura Imanente (BEZERRA, 2019b; 2019c):
O método da leitura imanente constitui uma “sequência didático-pedagógica que
contribui, efetivamente, para o estudo e a pesquisa” (BEZERRA, 2019c, p. 58).
Para o autor, o cerne da Formação de Si realiza-se “na produção, socialização e
apropriação de conhecimentos por sujeitos29 pedagógicos”. (idem, p. 58)
Dedicaremos o próximo capítulo inteiro à Formação de Si (FSi).
51

Neste momento, é oportuno salientar que a entendemos não apenas como uma
alternativa contra- hegemônica à formação por meio de competências e habilidades, mas
também como uma proposta sólida de formação baseada em valores e no conhecimento
poderoso.
Concordamos com Young (2013, p. 232) sobre a relação entre a universalização
da educação e a desconfiança crescente no seu potencial emancipador. Nas palavras do
autor, “o próprio currículo precisa partir do aluno não como um aprendiz, mas sim do direito
ou do acesso do aluno ao conhecimento.” (op. cit., p. 233); isso vale tanto para o
conhecimento geral-específico como para o cotidiano escolar.
b) Alfabetização Acadêmica (CARLINO, 2017): Na visão da autora, é um termo de ampla
aceitação no contexto anglo-saxão que “assinala o conjunto de noções necessárias para
participar da cultura discursiva das disciplinas” da universidade (CARLINO, 2017, p. 17).
Também pontua as práticas e linguagens próprias do âmbito acadêmico superior e
“designa também o processo pelo qual se chega a pertencer a uma comunidade científica
e/ou profissional, precisamente em virtude de haver se apropriado de suas formas de
raciocínio instituídas através de certas convenções de discurso”. (op. cit., p. 17-18) Em
contexto, enxergamos as possibilidades de articular as perspectivas da alfabetização
acadêmica com uma base de conhecimento poderoso youngiano, densamente teórico mas
estreitamente vinculado à vida cotidiana dos sujeitos em formação.
c) Leitura de si e do mundo por meio da Dialogicidade (FREIRE, 1987): a formação
dialógica pressupõe a conscientização e o diálogo, diante do contato permanente com as
obras freireanas Educação como Prática da Liberdade (FREIRE, 1967), Conscientização
(FREIRE, 1979), Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1987), Pedagogia da Esperança
(FREIRE, 1992) e Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996). No contexto de uma
formação humana, percebemos que o diálogo constitui o encontro dos homens
mediatizados pelo mundo, para além de uma relação eu-tu. (FREIRE, 1987, p. 91) Pois,
o diálogo é o melhor caminho para redescobrir nossa humanidade e nossos valores
universais por meio de uma educação que, mais do que ensino e instrução, é sempre
aprendizado.

29
Oportunamente, o autor faz uma descrição precisa do entendimento de sujeito, enquanto uma categoria
fundamental para se pensar a formação de si. Sujeitos são aqueles que governam e trabalham a natureza
para conservar sua existência, uma definição ancorada em Lukács. Sendo assim, “decidem sobre as normas
de associação, distribuição de poder e status de autoridade” (BEZERRA, 2019c, p. 58), determinando as
formas, condições e possibilidades de apropriação de recursos. Por isso, “sujeito” se diferencia em essência
de outras categorias próximas, como agente, ator social ou personagem social e pessoa. Dito de outra forma:
só podemos pensar em autonomia intelectual e emancipação social no contexto do sujeito como balizadores
de uma formação humana empoderadora.
52

Na interface entre as categorias, a alfabetização acadêmica compartilha o


entendimento freireano de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Assim,
para além da preocupação com o conhecimento poderoso constituidor do currículo,
enxergamos a importância de possibilitar espaço e voz para as experiências e histórias
que os estudantes trazem para a formação, ao invés de reduzir a aprendizagem à dinâmica
da pedagogia bancária da transmissão e da imposição. Assim,
Queremos argumentar a favor de uma pedagogia crítica que leve em conta
como as transações simbólicas e materiais do cotidiano fornecema base para se
repensar a forma como as pessoas dão sentido e substância ética às suas
experiências e vozes. Não se trata de um apelo a uma ideologia unificadora que
sirva de instrumento para a formulaçãode uma pedagogia crítica; trata-se, sim,
de um apelo a uma política da diferença e do fortalecimento do poder, que sirva
de base para odesenvolvimento de uma pedagogia crítica através das vozes e
para as vozes daqueles que quase sempre são silenciados (GIROUX; SIMON,
2013, p. 109-110).
d) Pensamento Complexo-Dialógico: A complexidade de Morin permite o
entendimento do “que é tecido junto”, na essência do termo complexus. Por outro
lado, pretende entender que:
I) a realidade como um “todo” não se constitui apenas como uma soma de partes;
II) é preciso compreender a multidimensionalidade dos fenômenos (educativos);e
III) que o todo é constituído pelas interações e retroações entre suas partes, pois a
etimologia de complexo remete-se ao que é essencialmente tecido junto (MORIN,
2011; 2013; 2015).
Dessa maneira, as práticas educativas e/ou formativas serão melhor
compreendidas e vivenciadas a partir da tomada de consciência de que o ser humano é
múltiplo, multifacetado, individual, social, histórico, biológico, psicológico, afetivo,
poético, intelectual, subjetivo, singular e plural, cultural, enfim, complexo (MORIN,
2011; 2013). Ainda podemos construir uma ponte entre o pensamento de Morin e Freire
na superação da tensão dialética por meio da dialogicidade, na unidade complexo-
dialógica. Pois, realizar uma formação humana envolve uma perspectiva essencialmente
complexo-dialógica. Isto é, contempla as possibilidades de aprender, cooperar e unir por
meio do diálogo. A dialogicidade tem a força de criar novos valores, contra-hegemônicos
em relação à reforma mercantil da educação e sua pedagogia bancária.
Diante desta primeira base teórica apresentada, serão incorporados outros
referenciais para que, no capítulo 3, a proposta de uma Formação de Si de perspectiva
ética-estética-política-humana ganhe contornos e traçados vivos.
53

2.3. Subjetivação Docente – Que tipo de profissional pretendemos forma(ta)r?

No âmbito da formação inicial em Ciências Biológicas, muito se fala da trama


imperiosa dos currículos que, no contexto da racionalidade técnica, seccionam a formação
entre: por um lado, formar um biólogo à luz do conhecimento que se pensa no mundo do
bacharelado; por outro, formar um professor para dar conta de outras demandas
socioculturais e econômicas. E mais: no âmbito das licenciaturas, em que a maioria ocorre
no período noturno, as possibilidades de pesquisa e extensão quase sempre acontecem no
período diurno, alijando aqueles estudantes que precisam trabalhar. Nesse ínterim, a
formação é mais do tipo:
i) Muitas aulas teóricas e práticas centradas no conhecimento biológico,
marcando um ensino fragmentado e segmentado no curto tempo que a
maioria dos estudantes precisam se formar;
ii) Muitas horas de práticas nas escolas, quase sempre com pouca supervisão
e reflexão, fornecendo às escolas públicas uma mão de obra quase gratuita
e qualificada, sem aporte teórico e, tampouco, municiada por uma reflexão
sustentada na perspectiva de práxis;
iii) Algumas horas do que pode ser feito para além das aulas e da formação
centrada nas escolas, principalmente para quem trabalha. Para quem
possui tempo disponível, abrem-se as portas do mundo da pesquisa, das
ações extensionistas e demais possibilidades do trabalho acadêmico.
De uma forma geral, podemos entender que a racionalidade técnica, no âmbito das
Ciências Biológicas consolida-se para além da identidade anfíbia e a “consolidação de
campos heterogêneos de saber” (BASTOS, 2013, p. 28)
Em pesquisa anterior (MOURA, 2011), conseguimos perceber que a licenciatura
em Ciências Biológicas pesquisada era bastante marcada por um discurso de
racionalidade técnica e instrumental. Ou seja, de uma formação de professor que se
aproxima do bacharelado, mas com dois limites: primeiro, a formação pedagógica é
(quase) sempre vista enquanto complementação e nunca o centro da formação; e segundo,
o conhecimento biológico também não era tratado em seu caráter poderoso, com a devida
profundidade de aproximar os estudantes do discurso dos produtores de conhecimentos
especializados na universidade, aos moldes de alfabetização acadêmica.
Por outro lado, ao adensar nossa pesquisa de doutorado aos alicerces do que já
havíamos descoberto durante o mestrado, começamos a compreender o universo da pesquisa
54

em sua multidimensionalidade. Isto é, entendíamos cada vez mais onde (in) existia o
(des)empoderamento que mobilizou nossos interesses e questões.
E mais, ao longo do tempo, íamos percebendo que
O currículo se compõe, além de disciplinas, de ações em programas como o
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), em projetos
de extensão, em instâncias estudantis, em grupos de estudo, nas vivências,
entre tantas outras possibilidades; assim, seria interessante ver nessa
diversidade não necessariamente um problema, mas, pelo contrário, parte da
solução para a formação de professores (MOHR; WIELEWICKI, 2017, p. 11).

Entretanto, percebemos que os trabalhadores-estudantes e os estudantes-


trabalhadores (MASSI, 2017) são diuturnamente excluídos das possibilidades de
envolvimento com os saberes para além da sala de aula, principalmente no que concerne
à pesquisa. A classificação de Massi30 divide os estudantes de licenciatura em três grandes
grupos:
a) Estudante em tempo integral: é sustentado pela família e cuida apenas de seus
estudos universitários, sem precisar ocupar-se com questões financeiras. Dessa
forma, as bolsas por ventura recebidas constituem ajuda de custo ou incentivo à
busca de melhores condições para seus estudos;
b) Estudante-trabalhador: é aquele mantido pelos pais em termos de habitação e
alimentação, mas trabalha para custear outras despesas pessoais. Este custeio
também pode ser mantido por meio de bolsas oferecidas pela universidade e
estágios remunerados (vide nota de rodapé).
c) Trabalhador-estudante: trabalha para se manter e ainda detém responsabilidades
sobre o orçamento doméstico, ou seja, trabalha para si e para sua família
geralmente em horário integral.

Surge um contexto em que os estudantes precisam trabalhar durante a formação,


tornando-se corpos dóceis aos interesses formativos do capital em preparar mão de obra
para o mundo do trabalho. Dito de outra forma, emerge um perfil de estudante que deseja
apenas seu diploma e aprender a dar aulas para conquistar um lugar no funcionalismo
público. Temos assim o resumo do que entendem atualmente por formação profissional
da docência. Numa opção ainda mais tenebrosa desse contexto, os estudantes passam a se evadir
logo após os primeiros períodos ou apresentam contatos frequentes com a reprovação e o baixo
rendimento acadêmico, restringindo mais ainda os horizontes profissionais ao término do curso.

Necessitamos fazer alguns pequenos ajustes nas categorias “b” e “c”, de forma que a classificação de
30

Massi (2017) se aproximasse do nosso público pesquisado.


55

Mesmo assim, denotamos também a existência de estudantes que se utilizam das


bolsas oferecidas pela universidade como meio de subsistência, pelo menos em relação
às suas despesas pessoais para a própria manutenção de atividades do curso. Surge assim
o grupo de estudantes que se inicia na selvageria capitalista desde os primeiros períodos
à procura de bolsas de permanência estudantil, de iniciação à docência, de iniciação à
pesquisa etc. Para eles, a bolsa não é sustento familiar, mas uma forma de se manter com
a mínima dignidade possível na universidade.
Por mais que nem tudo seja balizado pelas desigualdades sociais,
quando um aluno fracassa, não é diretamente por causa da sua condição social,
embora essa também possa influir na avaliação do professor; é, antes de tudo,
porque não estudou o suficiente. Por que o aluno não estudou o suficiente?
Essa questão remete ao sentido que o aluno atribui ao estudo31. Para esse
sentido, é preciso levar em conta a posição social e o sexo do aluno, que
interferem bastante na sua relação com o saber e com a escola (CHARLOT,
2013, p. 144)
Com mais de uma década trabalhando na formação de professores de Biologia,
percebemos uma correlação imanente entre o horário do curso, o perfil trabalhador dos
estudantes e sua condição social. Em outras palavras, antes de aprender, pesquisar e
crescer como pessoas, nossos estudantes de licenciatura em Biologia estão em busca de
um lugar melhor no mercado de trabalho, um lugar ao sol.

Nesse contexto, além de enxergarmos a interface entre a relação com o saber e


com o aprender face ao habitus32 bourdiesiano, também encontramos suporte e
justificativa para nossa pesquisa sobre a formação de professores, ou seja, considerando
a força e a “estrutura dos capitais investidos na atividade” (op. cit., p. 136). Assim,
compreender como se desenvolve o habitus docente na formação de professores de
Biologia tornou-se uma questão periférica de suma importância nesta pesquisa. Em nossa
compreensão33, a licenciatura parece forjar um habitus e um éthos específico durante a
formatação docente34, para além de entendermos apenas como se age e como se pensa
a formação, socialmente falando.
Partimos do pressuposto que, para criticar uma prática, é preciso compreendê-la.
Assim, para compreender uma atividade ou prática, faz-se necessário saber:

31
Grifo nosso.
32
Habitus constitui o conjunto das disposições psíquicas, duráveis e transponíveis, que foram estruturadas
e possuem princípios de sua representação e funcionamento no sujeito (BOURDIEU, 1996; SETTON,
2002; NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004; MATON, 2018).
33
Até o momento, trata-se de uma concepção fundada na teoria, q u e tensionaremos no nível de
encontro com os fatos empíricos.
34
Explicamos a formatação docente no capítulo anterior.
56

a) seu habitus: quais suas percepções, ideias, expectativas, gostos e demais disposições
psíquicas; b) conhecer as condições com que o habitus foi construído; e c) a posição
social: que é o princípio de correlação e inteligibilidade da prática ou atividade
(CHARLOT, 2013). Em contexto, “o habitus é estruturado pelas condições materiais da
existência e também gera práticas, crenças, percepções, sentimentos etc., de acordo com
sua própria estrutura”. (MATON, 2018, p. 76)
Assim, pontuamos que existe uma relação direta entre as motivações e aspirações
da docência e a constituição do habitus docente, visto que são instâncias produtoras de
subjetividade, tanto na forma de valores culturais como de referências identitárias
(SETTON, 2002).
Para nós, a formação de professores em Ciências Biológicas envolve escolhas,
tomadas de decisão e disposições percebidas desde a opção do curso até os destinos de
carreira e projetos de vida. O olhar desta pesquisa para a subjetivação docente diz respeito
aos limites e possibilidades que os sujeitos em formação dispõem em todas as suas
atividades formativas. E mais: acreditamos que o habitus docente é forjado também no
trabalho pedagógico de estudo e pesquisa com mais força do que nas atividades de ensino,
que constitui o grande carro-chefe das licenciaturas.
Em outras palavras, passamos a nos perguntar: em uma licenciatura fortemente
marcada pela racionalidade técnica e suas atividades de ensino, que tipo de pesquisa pode
contribuir para uma formação mais humana em Ciências Biológicas? Seria este tipo de
pesquisa elitizada e voltada para os estudantes em tempo integral35 ?

Íamos nos perguntando quais seriam as condições para a realização de uma


pesquisa acadêmica a ser feita por todos, e não apenas por alguns estudantes em tempo
integral escolhidos em grupos de pesquisa com sofisticada elitização. Por outro lado,
questionamo-nos de que forma o habitus docente pode ir além da formação de um
professor executor de receitas de sucesso em sala de aula e da autoformação pelo
empresariado de si mesmo, sob os ditames do capitalismo neoliberal.
Ainda existe uma última preocupação com o habitus, envolvendo os estudantes
que participam dos programas institucionais voltados à iniciação docente 36: por que os
estudantes não se envolvem em trabalhos pedagógicos de pesquisa e estudo na
aprendizagem da docência? Ou seja, como a iniciação à docência enquanto uma preparação
para o trabalho sem reflexividade e sistematização pode empoderar o professor-biólogo?

35
Apenas uma pessoa entre as seis entrevistadas, Amora, apresentou familiaridade com a pesquisa
acadêmica e a produção no mundo da Biologia. Nome fictício.
57

Sob o paradigma que prioriza as atividades de ensino, a pesquisa e os aspectos que


se remetem a uma formação de si podem parecer ingênuos, pois o que conta na
universidade operacional é participar de grupos de pesquisa e publicar freneticamente
sobre recortes de conhecimento cada vez mais definidos. A pesquisa atrelada aos
programas de iniciação à docência e estágios parecem ser medidos com a mesma régua,
em um horizonte limitado, pois as limitações denotam um contexto “como uma
representação teatral cujo texto foi escrito exatamente por alguém que não participa da
cena” (TARDIF; LESSARD, 2009, p. 252).
No contraponto, defendemos os aspectos subjetivos da formação, pois
afirmamos que deve existir um elemento importante, que não está nos
currículos escolares, mas no fazer de cada professor, que leve em consideração
seu referencial teórico e cultural, suas crenças, enfim, suasubjetividade, e que
certamente será o diferencial de sua atuação profissional (PATRÍCIO, 2005, p.
129).
Sem querer nos enredarmos excessivamente nas críticas, pretendemos destacar os
conflitos de uma subjetividade que parece se mascarar em questões de currículo, uma vez
que “toda proposta de organização curricular é uma construção social histórica, situada,
contextualizada, dependente de inúmeros sistemas condicionantes e de interesses
conflitantes” (FEITOSA, 2014, p. 90). Desse modo, compreender a trama socio-histórico-
cultural da formação de professores é um tema de permanente debate que caminha com
as preocupações sobre ensino-pesquisa-extensão universitárias.

Nas palavras de Giroux e McLaren (2013, p. 145), “a educação do professor


continua a diminuir a importância da luta pelo fortalecimento do poder docente; além
disso, geralmente tem servido para reproduzir ideias tecnocráticas e corporativistas das
sociedades dominantes”. Continuando a discussão do capítulo 1, entre as dificuldades
formativas da racionalidade técnica e a epistemologia da prática, “é importante não
apenas encarar os professores como intelectuais, mas também contextualizar em termos
políticos e normativos as funções sociais concretas desempenhadas pelos mesmos”
(GIROUX, 1997, p. 162).
Desse modo, faltaria algum elemento na subjetivação docente se esquecêssemos
a problematização que nasce do social, do habitus e da formação entre companheiros de
ofício. Os problemas da formação voltam-se aos problemas da sociedade e os atores
sociais em formação são algozes e vítimas neste processo.

36
Estamos nos referindo ao programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência e ao programa de
Residência Pedagógica (MEC/Capes).
58

Em tempo, também acreditamos em uma formação docente que se dedique a


trabalhar sobre as práticas sociais de forma problematizadora e dialógica, em duas vias:
a primeira, tendo os referenciais freirianos no horizonte de possibilidades; e segunda,
contrapondo a pedagogia bancária focada no ensino de conteúdo específico, típica da
racionalidade técnica bacharelesca. Recuperar o protagonismo social do docente por meio
de ações realizadas por uma formação contra-hegemônica é um caminho possível para
formar professores empoderados diante de sua realidade.
Sobremaneira, chamaremos de Formação de Si (FSi) a trajetória formativa em que
o sujeito organiza suas práticas individuais e coletivas para o bem de si e da sociedade,
nas acepções de Bezerra (2019b; 2019c), Freire (1967; 1987; 2013) e Morin (2011; 2013;
2020). Isto posto, continuaremos o diálogo entre as questões específicas relacionadas à
formação do professor de Biologia e o arcabouço teórico que subsidiará o trabalho
empírico. Nosso debate iluminará a construção de categorias teóricas e empíricas para a
análise dos dados obtidos, sustentando a metodologia e criando pontes entre a discussão
teórica e a contextualização dos dados na pesquisa.

2.4. A formação do professor-biólogo e seus condicionantes identitários

O professor-biólogo37 constitui-se mediante várias opções que se principiam na


opção de curso e se estende aos projetos de vida e carreira após a conclusão do curso e,
por conseguinte, condicionam a trajetória formativa. Destarte, cabe aos licenciandos em
formação pesarem suas expectativas profissionais e campos de atuação (CERQUEIRA E
CARDOSO, 2010), em que “a construção de identidades é um processo perpassado por
resistências e oposições” (BERNSTEIN, 2003, p. 75). Por outro lado, esta pesquisa
carrega a hipótese de que a licenciatura em questão não proporciona espaços, práticas e
um currículo voltado à formação humana e tampouco ao engajamento intelectual por
meio da reflexividade e da apropriação de conhecimento poderoso.

37
Além de ser um termo polissêmico, existem várias formas de sua expressão. Podemos encontrar as
principais variações em biólogo-professor e biólogo-educador. A inversão do termo deu-se por dois
motivos: primeiro, por nossa própria predileção e escolha; e segundo, foi solicitado aos participantes da
pesquisa que se posicionasse diante desta questão, de forma que pudéssemos, a partir do jogo de palavras,
compreender que aspecto da formação os sujeitos da pesquisa dão mais carga valorativa.
38
Muitos cursos de licenciatura ainda possuem esse formato, classicamente convencionado como 3 + 1:
perfazendo 3 anos de preparação específica seguida de 1 ano de capacitação pedagógica. Em nosso
entendimento, este tipo de curso enquadra-se na categoria de formatação docente.
59

Também postulamos haver conflitos identitários na operacionalização do curso,


que geralmente se encontra seccionado: nos primeiros períodos, tem-se a ênfase no
conhecimento biológico; já os períodos finais destinam-se à preparação pedagógica, ou
seja, uma espécie de capacitação para a docência38 em 3 ou 4 períodos. Assim, analisar
uma licenciatura com as lentes de uma formação ética-estética-política-humana implica,
em um primeiro momento, caracterizar os atores sociais envolvidos e, em segundo
momento, evidenciar os mecanismos em que são assujeitados pelo poder disciplinar,
através dos currículos, projetos e outras dimensões formativas. E, em última instância,
como esse jogo de saber-poder atua na (des)humanização do processo formativo e
possibilita práticas de si, como a autoria, a escrita de si, a produção colaborativa e o
exercício reflexivo por meio da metanálise. Pois, “se o educando deve ter preservada (na
verdade, reforçada) sua condição de sujeito, então não precisa de muito esforço mental
para concluir que essa relação política só pode ser dialógica, logo, uma relação
democrática (PARO, 2018, p. 50).

E mais: precisamos estender nossos interesses de pesquisa a partir da trajetória


formativa que os sujeitos em formação constroem, criando um contexto em que os
licencia(n)dos passam de totalmente assujeitados para o papel de protagonistas neste jogo
de verdade e relações de poder. Em outras palavras, participar das decisões de sua vida e
da comunidade acadêmica não é apenas um convite, mas uma necessidade social, um
exercício de empoderamento enquanto forma de fazer prevalecer o governo de si sobre o
governo dos outros que, a saber, é constituído pelos ditames do capitalismo neoliberal.
Nesse imperativo, faz parte do governo de si um entendimento do objetivo da educação
como processo de humanização voltado à transformação social. Ou seja, uma
licenciatura que se envolva intimamente com a ideia de formação humana deve
possibilitar o entendimento da condição de sujeito empoderado e transformação da sua
realidade sociocultural. Então, parafraseado as palavras de Ikeda (2010):
• O objetivo da educação é a felicidade do estudante para a vida inteira;

• O respeito profundo aos estudantes é uma forma de aprendizado colaborativo;


• Os estudantes precisam tornar-se cidadãos do mundo39;
• Os professores humanistas 40 são a chave (no sentido em que uma pessoahumanista
pode orientar e cultivar outra) para a transformação da sociedade.

39
Aqui, temos uma congruência entre os educadores budistas (Ikeda e Makiguchi) e o referencial da
complexidade de Morin.
40
Interface entre o pensamento dos educadores japoneses descritos nesta tese e o pensamento humanístico
e dialógico de Paulo Freire.
60

A preocupação em formar professores que potencializem as práticas de si caminha


junto à nossa prerrogativa de combater a ideia de um professor profissional, que se vende
enquanto mercadoria sob a falsa alegação da formação pela prática e para o mercado de
trabalho. Entretanto, não podemos nos esquecer das interações sociais que ocorrem no
processo formativo, visto que a formação de si ocorre mediada pela relação com os outros
e com o mundo. Os colegas de turma e os incentivos dos professores, por exemplo, são
elementos fundantes de uma base interpessoal de uma formação em qualquer instância e
objetivo educacional. Todas essas relações fazem parte do contexto das condições
socioculturais dos estudantes durante a formação. Entretanto, tais relações não constituem
“alguma coisa que o próprio sujeito invente. São esquemas que ele encontra em sua cultura
e que lhe são propostos, sugeridos, impostos por sua cultura, sua sociedade e seu grupo
social” (FOUCAULT, 2017c, p. 276).
Dessa maneira, acreditamos que as relações entre as pessoas são relevantes ao se
pensar uma formação mais humana e colaborativa. A possibilidade de uma formação de
si no âmbito de uma licenciatura dedica-se, em nível macro, à transformação social e, em
nível micro, ao desenvolvimento intelectual da pessoa na perspectiva humanista e,
consequentemente, empoderadora. Tal perspectiva preocupa-se com a linguagem da
subjetivação do professor-biólogo para além das linguagens da prática pedagógica e do
conhecimento biológico. Pois, “intimamente relacionada com o poder, a linguagem
funciona para posicionar e constituir a maneira pela qual os professores e estudantes
definem, medeiam e compreendem sua relação uns com os outros e com a sociedade mais
ampla” (GIROUX, 1997, p. 205). Em outras palavras, a formação faz “emergir um sujeito
que se insere no mundo porque o descobre em seu universo interior e nas ricas
possibilidades da experiência comunitária (VOSS, 2013, p. 89).
E assim, enfrentando esse debate sobre as percepções e relações constituídas
durante a formação inicial que nossa discussão se enreda em processos de subjetivação
que se coadunam com a autonomia intelectual, empoderamento e emancipação humana,
que serão as bases filosóficas da Formação de Si a ser abordada no capítulo 3.

2.5. Entre a subjetivação docente e o empoderamento por uma formação humana

Se tentássemos resumir tudo o que foi dito neste capítulo, teríamos um texto mais
ou menos assim: uma licenciatura voltada às práticas de si enseja a formação de um
sujeito crítico, reflexivo, transformador e contra-hegemônico, por meio da expressão
sociocultural das conquistas obtidas durante a licenciatura.
61

É nesse sentido que continuamos a necessidade de demonstrar o potencial ético e


colaborativo da licenciatura, cujo entendimento teórico alinha-se com os autores que vêm
sendo discutidos. Nesse ínterim, o predomínio do ensino na formação também dificulta a
participação política dos licenciandos na gestão do curso e de suas carreiras, de forma que
aceitam a formatação curricular que é proposta quase sempre de instâncias burocráticas.
Gera-se um contexto de omissão estudantil que (des)empodera os estudantes na busca de
seus direitos e expressão de suas vozes.
O termo empoderamento, de reconhecimento recente na dicionarização em Língua
Portuguesa, surge a partir da raiz empowerment, em língua inglesa, num sentido imanente
de dar poder ou tomar o poder para si. Surge na literatura estadunidense na segunda
metade do século XX com raízes no individualismo, por noções individualistas de
progresso e transformação pessoal.
Baquero (2012) apresenta o desenvolvimento histórico do termo, afirmando que
uma de suas raízes utilizam o empowerment como sinônimo de emancipação social,
principalmente na luta de minorias sociais. Por outro lado, principalmente a partir de
1990, recebe um crescente influxo de ideias sobre autoajuda e cidadania.
Para nós, compartilhamos a acepção de Pereira (2006, p. 1):
Empoderamento significa, em geral, a ação desenvolvida pelos indivíduos
quando participam dos espaços privilegiados de decisões, de consciência dos
direitos sociais. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual
de conhecimento e superação de uma situação particular (realidade) em que se
encontra, até atingir a compreensão deteias complexas de relações sociais que
informam contextos econômicos e políticos mais abrangentes. O
empoderamento possibilitatanto a aquisição da emancipação individual quanto
à consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e
dominação política.
No Brasil, o termo aparece em alguns escritos dos últimos anos de vida do nosso
patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, em dois contextos: primeiro, pela
aproximação com Henry A. Giroux (GIROUX, 1990; FREIRE; MACEDO, 1990); e
segundo, na obra “Medo e Ousadia”, publicada originalmente em 198641 (FREIRE;
SHOR, 2013; SHOR et al., 2016).
De uma forma geral, empowerment é um termo do vocabulário específico da pedagogia
libertadora, juntamente com palavras ou termos-chave que surgem diuturnamente nas obras
freirianas, tais como autonomia, diálogo, conscientização, consciência crítica e temas geradores
(FREIRE; SHOR, 2013, p. 120). Em outras palavras, na acepção freiriana, empowerment tem
muito a ver com o desenvolvimento crítico dos educandos e com a transformação radical da
sociedade. Os autores abordama preocupação com o uso do conceito e a relação do empowerment
com a pedagogia situada e o método dialógico de ensino. (ROSO; ROMANINI, 2014).
62

Por isso, defendemos que a formação ética-estética-política-humana pode


harmonizar-se com alguns aspectos pedagógicos atribuídos ao empowerment, de forma
que as transformações pessoais sejam parte de um projeto de transformação social
(FREIRE, 1992). Entretanto, o autor que mais nos conforta em discorrer sobre o
empowerment41 como elemento de um projeto formativo é Henry A. Giroux (1990; 1997).
Em suas palavras,
Os seres humanos (como são os professores e os alunos), dentro de
determinadas formações sociais e culturais, são o ponto de vista para analisar
não apenas de que modo constroem ativamente suas experiências pessoais
dentro das relações de poder vigentes, mas também de que modo a construção
social dessas experiências lhes proporcionam a oportunidade de dar sentido e
expressão a suas necessidades e vozes, como parte de um projeto de
empowerment individual e social. (GIROUX, 1990, p. 7)
A prática de subjetivação mais dominante nas licenciaturas costuma ser o
exercício de um currículo baseado no ensino, fragmentado e segregado. Nele, predomina
a formação para o trabalho, sendo os atores sociais em formação bastante assujeitados a
políticas educacionais que geram o estranhamento das atividades escolares (BEZERRA,
2019b, p. 178). Este misto de despolitização, estranhamento e alienação é bastante
comum nas formações atuais, em que
A máxima capitalista é que se deve estudar exclusivamente para trabalhar. E é
por isso que se tem a política de estágio supervisionado e curricular no Brasil,
braço do capital nas universidades e Institutos Federais de Educação. Devemos
nos converter em profissionais qualificados ou especialistas, para podermos
nos inserir no reino do capital: no mercado de trabalho. Neste reino, o ser
humano tem plena liberdade para circular como mercadoria, para
comercializar sua força de trabalho e vendê-la ao capitalista que melhor lhe
remunerar (BEZERRA, 2019b, p. 133-134).
Destarte, a formação está distante de ser um processo politicamente ingênuo e
estático. Pode ser caracterizada também por um jogo de relações de poder que envolve
forças dominantes e dominadas. Nesse contexto, enquanto jogo relacional de poder:
O poder existe e é exercido tanto por parte do educador quanto do educando, e
se dá tanto como “capacidade de agir sobre as coisas” quanto como
“capacidade de determinar o comportamento dos outros”. Da parte do
educando, a capacidade de agir sobre as coisas refere-se à sua ação intencional
no processo de apreender a realidade, fazendo-se sujeito do aprendizado e
incorporando elementos culturais que o engrandecem e o fortalecem,
expandindo seu vigor, sua capacidade de poder-fazer, tornando-se, pois,
“poderoso”, à medida que adquire cada vez mais capacidade de agir e fazer-se
sujeito (PARO, 2010, p. 46-47).

41
Na obra original: “Devido à riqueza da palavra empowerment, que significa a) dar poder a, b) ativar a
potencialidade criativa, c) desenvolver a potencialidade criativa do sujeito, dinamizar a potencialidade do
sujeito, mante[re]mos a palavra no original e em grifo. (FREIRE; SHOR, 2013, p. 26, formato Epub).
63

Temos assim relações de poder que se expandem para além do conhecimento


envolvido, demonstrando a interface entre saber e poder. Sobre esta relação podemos
dizer que, nas palavras de Foucault:
Há uma perpétua articulação do poder com o saber e do saber com o poder.
Não podemos nos contentar em dizer que o poder tem necessidade de tal ou tal
descoberta, desta ou daquela forma de saber, mas que exercer o poder cria
objetos de saber, os faz emergir, acumula informações e as utiliza. (...) O
exercício do poder cria perpetuamente saber e, inversamente, o saber acarreta
efeitos de poder (FOUCAULT,2006, p. 80).
Apesar de nossa concordância com o pensamento de Foucault dos tempos
genealógicos42, estamos mais interessados na próxima fase do autor, entendido por
“último Foucault”. (CANDIOTTO, 2008). A fase indica a transcendência dos jogos de
poder por meio relacional para uma busca da subjetivação como técnica de si ou cuidados
de si (FOUCAULT, 2017a), que denota um pensamento voltado ao sujeito que pode fazer
algo em sua existência para além das relações de sujeição a outrem.
Diante da trajetória da análise foucaultiana, a experiência de subjetivação torna-
se um meio de apropriação e reapropriação do sujeito consigo e com os outros. A proposta
de uma formação ética-estética-política-humana visa à reflexão sobre a existência de uma
forma particular, como também se expõe ao outro “para poder afirmar-se sujeito de si, de
sua vida e de sua própria existência”. (SOUZA; FURLAN, 2018, p. 332). Assim, o sujeito
precisa encarar sua verdade diante da “estética da existência para ter a dignidade ética de
enunciá-la” (op. cit., p. 332). Ou seja,
A possibilidade de uma formação mais humana depara-se com a ética das
virtudese com a estética da existência (BEZERRA, 2019c). Ou seja, O estudo
e a pesquisa, como modo de vida e cuidado de si, mobilizam e despertam, com
suas dinâmicas de exteriorizar-se no mundo, objetiva e subjetivamente, uma
ética e uma estética. Mas uma ética e uma estética diferentes da “ética
protestante e do espírito [estético] capitalista”. Trata-se da ética das virtudes e
da estética da existência; deafirmar, agora, hoje, na contemporaneidade, a ética
das virtudes e a estética da existência, ao fazermos de nossas vidas obras de
arte com nossas mãos, pelo estudo e pesquisa, contra um universo de
ocupaçõesque mais não fazem do que banalizar a vida. (BEZERRA, 2019c, p.
21)
Outra perspectiva da subjetivação que pode ser relacionada a um modelo de formação
ética-estética-política-humana parte da noção que o sujeito se emancipa por meio da experiência
de assunção (FREIRE, 1996); assim, desenvolve suas práticas de si e promove sua condição de
sujeito. Em outras palavras, remete-nos à ideia de uma educação para além da domesticação e da
alienação, em busca da educação para o homem-sujeito com vistas à prática da liberdade
(FREIRE, 1967, p. 43).

42
Período em que o autor se dedica à construção de uma genealogia do poder, com obras de destaque tais
como “Vigiar e Punir” e “Microfísica do Poder”.
64

Dessa maneira, “é como sujeito que o homem se distancia do restante da natureza


(...) Isso significa que ele é o único que se desprende de sua condição meramente natural,
pronunciando-se diante do real e criando valores” (PARO, 2010, p. 24).
Do ponto de vista do empoderamento, Lisboa (2008, p. 3) defende três níveis de
manifestação:

a) individual ou pessoal – principia na autonomia43 e consciência sobre a


autorrealização, desenvolvimento pessoal, autoestima e confiança a partir do
conhecimento de si;
b) social (ou coletivo) – diz respeito às possibilidades de acesso a instituições e
serviços bem como a capacidade de influência a nível público (ou coletivo); e
c) político – envolve a tomada de decisões e a transformação de contextos sociais
pelo coletivo.
É importante enfatizar que nossa visão de empoderamento em níveis também
percebe uma relação direta com a Pedagogia da Libertação freireana como possibilidade
de emancipação humana, confluindo as ideias de Freire e Giroux (RIBEIRO; ZANARDI,
2015, p. 244). Pois, outras correntes também relacionam o empoderamento em uma
perspectiva apenas individualista, como forma de autoemancipação e progresso (ROSO;
ROMANINI, 2014), no contexto do empresariado de si mesmo.
Zanardi (2013) defende o pensamento freireano de emancipação como um
sinônimo de empoderamento, argumentando: a) é no mundo vivido que o currículo
encontra seu sentido e possibilita o empoderamento dos sujeitos cognoscentes; b) o
conhecimento contextualizado possibilita a tomada de posse do real, do vivido; e c)
“empoderar-se é tomar posse do real, tomar posse de suas vidas e consciências num
processo de libertação que se desenvolve numa relação dialética homem-mundo” (op. cit.,
p. 13).
No contraponto, destacamos um conceito que vem emergindo com bastante força é o
empoderamento light (Cornwall, 2018). Para a autora, o conceito envolve a sensação de
desenvolvimento em harmonia e conformidade dócil, no qual as pessoas empoderadas contribuem
com seu desenvolvimento para o crescimento econômico e social nas esferas familiares e
coletivas. Desse modo, não permite a inversão das relações de poder, a resistência e outras formas
de agenciar-se contra o status quo e suas racionalidades dominantes. Portanto, uma pessoa
empoderada encaixa-se em uma ordem social, enfraquecendo “as ações coletivas de auto-
organização política como alternativa contra-hegemônica” (op. cit., p. 22).

43
No caso de uma formação humana e empoderamento, estamos nos remetendo à autonomia intelectual
com vistas à transformação social.
65

Em perspectiva, a visão freiriana contrapõe-se ao empoderamento light também


no sentido de assunção (FREIRE, 1996). Acreditamos que a assunção do sujeito é uma
possibilidade de empoderamento nos três níveis acima citados, pois, “é como sujeito que
o homem se distancia do restante da natureza (...) Isso significa que ele é o único que se
desprende de sua condição meramente natural, pronunciando-se diante do real e criando
valores” (PARO, 2010, p. 24). As questões que envolvem a formação docente por meio
de ações de empoderamento do sujeito em sua trajetória formativa, evidencia-se a partir
da vida social, pois, “o poder não se dá nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação”
(FOUCAULT, 2017c, p. 175).
Assim, nos caminhos da assunção do sujeito e sua emancipação por meio das
práticas de si empoderadoras temos uma possibilidade de formação voltada à criação de
valores, que contempla os níveis social e político do empoderamento. Em outras palavras,
os interesses pessoais e sociais dos sujeitos dialogam com a dimensão ética-estética-
política-humana da existência. É neste sentido que a formação humana promove ações
de empoderamento como exercício da emancipação, desenvolvimento pessoal e
autonomia intelectual. Pois, “o empowerment pessoal, ou seja, a construção do poder pelo
cidadão, não se resume meramente à obtenção de mais poder e mais direitos, mas se
traduz na capacidade real para exercer esse poder na construção de uma cidadania
participativa” (ALARCÃO, 2010, p. 20).
O movimento epistêmico da condição de agente ou ator social para sujeito em
formação é corroborada epistemologicamente na pedagogia radical de Giroux, que
aproxima nossas preocupações com as questões de saberes-poderes que envolvem a
formação. Assim, na busca de uma formação de professores como intelectuais críticos,
reflexivos e empoderados,
O conhecimento deve ser ligado à questão do poder, o que sugere que
educadores e outros devem levantar questões acerca de suas pretensões de
verdade, bem como acerca dos interesses a que este conhecimento serve. O
conhecimento, neste caso, não se torna valioso por ser legitimado por
especialistas em currículos. Seu valor está ligado ao poder que possui como
modo de análise crítica e de transformação social. O conhecimento torna-se
importante na medida em que ajuda osseres humanos a compreenderem não
apenas as suposições embutidas em sua forma e conteúdo, mas também os
processos através dos quais ele é produzido, apropriado e transformado, dentro
de ambientes sociais e históricos específicos (GIROUX, 1997, p. 39).
A partir da assunção do sujeito de forma individual, social e política, acreditamos
que existe a possibilidade de uma formação voltada à criação de valores humanos.
Sobremaneira, que possam contribuir não somente para um mundo melhor como também
para a própria sobre vivência humana, a partir das pessoas empoderadas e conscientes de
66

seu valor individual e social nos caminhos da libertação e transformação da sociedade.


Em uma perspectiva de educação que, “desvestida da roupagem alienada e alienante, seja
uma força de mudança e libertação” (FREIRE, 1967, p. 36).

2.6. Formação Complexo-Dialógica para a criação de valores

A perspectiva de uma formação humana baseada em uma racionalidade alternativa


passa a conter um questionamento essencial: como se relacionam as práticas de si às
formas de resistência e libertação que se encontram dentro de um processo formativo
permeado por estratégias de poder?
Tal questão se remete a uma percepção de que
os estudantes devem alcançar as habilidades que não somente os ajudem a
entender porque resistem, mas também lhes permitam reconhecer o que esta
sociedade tem feito deles e como, em parte, deve ser analisada e reconstruída
de tal modo que possa gerar as condições para a reflexão crítica e para a ação,
ao invés da passividade e indignação (GIROUX, 1986, p. 86).
Defendemos, por um lado, que este tipo de pedagogia radical deve ser um
importante aspecto de uma formação humana, para que se possam compreender as formas
de assujeitamento, bem como o compromisso ético-estético-político-humano com a
existência por meio das técnicas de si. Por outro lado, dialoga com os ideais freireanos da
assunção e da emancipação dos educandos, a partir das experiências da vida real dos
educandos e de um objetivo da educação que se volta à formação intelectual e à criação
de valores.
Assim, no exercício do empoderamento, o sujeito em formação parte dos limites
e potencialidades impostos pela sociedade em que vive. Assim, necessita mais que uma
educação veiculadora de conhecimentos básicos sobre o mundo e o ofício que pretende
exercer, ou seja, sua formação demanda conectar os conhecimentos às suas possibilidades
de mundo e projetos de vida. A formação de professores pode ser protagonista deste tipo
de transformação educativa, pois,
O professor precisa ter muita sensibilidade: conhecimento do ambiente natural
e social específico em que se ensina e dedicação à tarefa de apresentar ao
educando aquilo que pode lhe trazer felicidade, pela maior compreensão dos
valores nessas circunstâncias da vida real, obtida pela integração com a
natureza e com a sociedade (MAKIGUCHI; 2002, p.124).
Entendemos que a conexão entre aspectos cognitivos e valorativos é de extrema
importância para a formação humana, como um caminho da subjetivação rumo ao
empoderamento. Desse modo, “é importante não apenas encarar os professores como
intelectuais, mas também contextualizar em termos políticos e normativos as funções
67

sociais concretas desempenhadas pelos mesmos” (GIROUX, 1997, p. 162). Nesse ponto,
é inevitável a reflexão sobre a formação com a finalidade de desenvolver autonomia
intelectual em seus cidadãos críticos e transformadores, pois, “para que uma formação
educacional ultrapasse as questões utilitárias da vida, é preciso aprender a olhar o mundo
do local onde se vive, ao obter os benefícios sociais e éticos de uma vida construída
comunitariamente” (VOSS, 2013, p. 51).
Acreditamos ser um desafio emergente, porém imprescindível, formar nossos
professores-biólogos com as perspectivas de formação humana, na condição de
intelectuais empoderados. Ou seja, enquanto sujeitos em formação crítica e reflexiva,
cuidando de si e dos outros, engajados e mobilizados com a sociedade e com a natureza,
pois, “o que realmente importa, em última instância, é o grau de responsabilidade que
cada indivíduo assume no trabalho para o bem comum e a melhoria da sociedade”
(MAKIGUCHI, 2002, p. 112-114).
Em outras palavras, qualquer formação humana deve estar pautada pelo trabalho
de si consigo, com os outros e com o mundo. Nas palavras de Foucault (2017b), este tipo
de trabalho envolve a possibilidade do cuidado de si à moda greco-romana que se encontra
relacionada a uma estética da existência. Bezerra (2019c) ainda complementa ao
caracterizar a formação humana enquanto uma ética das virtudes e uma estética da
existência. Nesse sentido, as práticas de si surgem nas mesmas dimensões do
empoderamento: individual, social e político. Pois, “o autoconhecimento resulta da
reflexão do que é um benefício para si e um bem para todos” (MAKIGUCHI, 2002, p.
74). Daí surgem as formas coletivas de empoderamento e exercício da autonomia e da
emancipação por meio das práticas educativas.
A formação educacional assim entendida como uma formação humana por meio
das práticas de si, envolve o exercício de suas técnicas de si, ou seja, envolve a criação
de valores aprioristicamente humanos: a criação de valores a serem exercidos nas práticas
sociais. Em contexto, a percepção da subjetivação docente voltada ao empoderamento
apropria-se de outro termo freireano: a autorreflexão como parte do processo de
formação em que nos questionamos e refletimos sobre as questões que povoam nossos
pensamentos, sentimentos e ações.
Retomando a perspectiva de alfabetização acadêmica que iniciamos neste
capítulo, acreditamos que a mesma só faz sentido (do ponto de vista freireano) se
encaminhada a uma proposta de autorreflexão, “que contribui para uma política de
educação crítica, visando atender ao interesse da autonomia e emancipação de cada
sujeito” (FORTUNA, 2015, p. 67).
68

Dito de outra forma, encontramos na autorreflexão a intencionalidade que valida


a importância da alfabetização acadêmica dos sujeitos em formação, como uma prática
de si que se remete à tomada de consciência e à sua inserção na história, não apenas dos
componentes curriculares, mas também do patrimônio sociocultural do conhecimento
humano. Nesse contexto, existe a possibilidade de que as pessoas deixem de ser
espectadoras e passam a ser figurantes, atores e, principalmente, protagonistas (FREIRE,
1967).
Por isso, retomamos a tese de que o trabalho pedagógico em estudo e pesquisa
empodera o sujeito em formação no sentido que o torna “capaz de enfrentar circunstâncias
repetidas, valer-se de perspectivas anteriormente compreendidas e recorrer a linhas de
pensamento que tenham história de sucesso” (MAKIGUCHI, 2002, p. 107). A partir das
experiências que vivencia com suas pesquisas, o sujeito em formação “recebe o poder de
criar valores. A educação tem a tarefa de orientar o educando para esse fim” (op. cit., p.
107).
Entretanto, enxergamos nosso horizonte de potencialidades para além dos
trabalhos de pesquisa, pois os movimentos da subjetividade promovem um dessubjetivar-
subjetivar do sujeito que se estende desde a opção de curso ao seu maior projeto de vida.
Suas relações pessoais, motivações e preferências tornam-se um condicionante subjetivo
de extrema importância como categoria teórica e empírica deste trabalho. De uma forma
geral, nossas categorias teóricas foram sendo construídas no movimento do pesquisador
num permanente abraço com a revisão de literatura e o contato constante com o universo
pesquisado. Desse modo, o fio condutor de nossas teses e argumentos sobre a formação
humana culminam com o objetivo da educação de Makiguchi, a saber:
O objetivo da educação não é a transferência de conhecimento, mas a
orientação do processo de aprendizagem, deixando a responsabilidade do
estudo nas mãos do educando; não é um comércio fragmentado de
informações, mas o fornecimento de chaves que permitirão às pessoas
destrancar o cofre de conhecimentos por conta própria; não consiste em furtar a
propriedade intelectual acumulada por outros indivíduos atravésde um esforço
adicional próprio, mas em orientar as pessoas para descobertas e invenções”
(MAKIGUCHI, 2002, p. 188).
Em outras palavras, nosso olhar crítico-reflexivo para a licenciatura pesquisada pretende
entender mais do que as pesquisas que culminaram em publicações e os conteúdos transmitidos
pela pedagogia bancária. Buscar mover-se entre as subjetividades para entender as experiências
dos licenciandos na condição humana44 de sujeitos em formação de si, de forma que o sujeito em
formação pode se constituir por diversas práticas de si e libertar-se do governo dos outros,
governando a si mesmo e aos destinos de sua formação.
69

Transpondo-se para o contexto desta pesquisa, as práticas de si exercem uma


governamentalidade que rompe com a ditadura do capital, do governo dos outros que
projetam os interesses formativos apenas pela lógica de mercado. No governo de si,
aglutinam-se a expectativas de assunção, emancipação e empoderamento, em vistas de
uma educação baseada na criação de valores humanos. Assim, constitui-se uma ponte
entre a estética da existência foucaultiana, a emancipação freiriana e a educação para a
vida criativa makiguchiana.
Entretanto, é de interesse desta discussão salientar que construímos a referida
ponte na tentativa de transcender os horizontes da crítica. Pois, entender a subjetivação e
a governamentalidade apenas sob a ótica de condicionamentos externos que limitam e
aprisionam os sujeitos constitui uma visão restrita e um entendimento limitado que não se
coaduna com o empoderamento. Por isso, enfatizamos diuturnamente nossa tentativa de
pensar a subjetivação docente envolvendo a formação com a vida cotidiana do sujeito em
formação, incluindo seus sonhos, desejos e valores, como forma de uma contribuição
assertiva com a formação de professores de Biologia, apesar de nossas críticas e ressalvas.
Entretanto, não podemos nos omitir em delinear o horizonte permeado de
neotecnicismo e racionalidade técnica positivista que paira sobre a formação de
professores. No âmbito do governo dos outros protagonizado pelos “homens de tempos
sombrios”, parafraseando Arendt (2014), as políticas participativas da formação são
orientadas por setores de mercado e convidam as pessoas apenas para serem agentes de
sua implementação, resultados e metas.
O que se vê geralmente são propostas de cursos de formação de professores cada
vez mais desvinculados de sua realidade local, inchados por excesso de conteúdos
específicos e espaços reduzidos para a reflexão. Os problemas poderiam se estender ao
longo de todo este trabalho. Porém, precisamos destacar apenas mais duas questões para
justificar que a formação carece de uma nova perspectiva, mais alternativa e responsiva:

a) os estudantes parecem sair cada vez menos preparados para enfrentar as


situações de sala de aula; e
b) as licenciaturas parecem ainda não conceber o que constitui uma prática
pedagógica que não seja puro praticismo.

44
Uma evocação ao termo de condição humana por meio do labor de Hanna Arendt (ARENDT, 2007).
Decidimos alocar a questão em uma nota de rodapé, para não incorrer em uma digressão diante do tema da
formação em questão.
70

Assim, além de um saber limitado e fragmentado, a formação estreita apresenta


limitações porque “as estruturas de poder podem negar aos indivíduos as oportunidades
de auto-expressão e comportamento criativo” (MAKIGUCHI, 2002, p. 32). Nesse
sentido, acreditamos que a formação contra-hegemônica possa abraçar o complexus, no
sentido daquilo que é tecido junto, junto com o dialógico, promovendo uma formação em
queos sujeitos cuidam de si e dos outros mediatizados pelo conhecimento poderoso e pelo
empoderamento.
Acreditamos assim que o dialogus também precisa fazer parte da nossa resistência
que estende as mãos à ação e à reflexão, às convergências, contradições, possibilidades e
limitações. Assim, tudo se entrecruza, pelo complexus e pelo dialogus, constituindo uma
formação pela resistência às racionalidades dominantes, em uma alternativa que pretende:
a) Entender que a realidade formativa é algo maior que a soma das partes de um
currículo formativo em seus caminhos de ensinar às pessoas o conhecimento
estranhado e distante da sua realidade;
b) Enxergar a multidimensionalidade dos fenômenos educativos, por meio de “um
pensamento capaz de enfrentar o desafio da complexidade do real, isto é, de
compreender as ligações, interações e implicações mútuas” (MORIN, 2013, p.
185);
c) Que o todo formativo é constituído pelas interações e retroações entre suas partes,
pois,
Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando
elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o
econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e
há um tecido interdependente, interativo e inter- retroativo entre o objetivo de
conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes
entre si. Por isso, a complexidade éa união entre a unidade e a multiplicidade
(MORIN, 2011, p. 36).
Precisamos assim defender um último elemento da subjetivação docente antes de
encaminhar nossa tese aos aspectos específicos da Formação de Si, o que faremos no
capítulo 3, logo adiante. Este elemento trata-se de um ponto do pensamento emancipatório
e problematizador freireano com a complexidade moriniana: a dialogicidade. Uma
formação contra-hegemônica baseada na dialogicidade envolve mais do que os processos
de ensinar e aprender: enseja apreender, cooperar e unir por meio do diálogo.
Em outras palavras, a educação para ser autônoma e emancipatória deve ser
crítica, política, epistemológica e com ampla visão do ser humano como um todo. Assim,
“o professor em processo de formação inicial precisa ter uma visão ampla e profunda
71

sobre a complexa realidade em que insere a sua prática educativa, bem como refletir sobre
o sentido ético e político da mesma” (SILVA; INFANTE-MALACHIAS, 2013, p. 225).
Diante de tudo que foi exposto neste capítulo, acreditamos ter delineado a
importância da subjetivação, de seus movimentos e sua intersubjetividade na formação
de professores. Também acreditamos ter iluminado os caminhos para a discussão do
próximo capítulo sobre a Formação de Professores à luz de uma proposta alternativa, a
Formação de Si, de forma que os valores humanos e elementos teóricos aqui discutidos
trilhem pelas veredas do empoderamento, da autonomia intelectual, da criação de valores
e da emancipação humana.
72

CAPÍTULO 3 - A RACIONALIDADE CRÍTICA E DIALÉTICA


IMANENTE À FORMAÇÃO DE SI

Talvez o mundo não seja pequeno


Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno...

(BUARQUE; GIL, 1978)

3.1. Bases teórico-metodológicas da Formação de Si

Foi ao som de “Cálice” que nos encontramos com a Formação de Si. O trabalho
empírico que estávamos conduzindo após a fundamentação teórica dos capítulos 1 e 2
estava nos levando aos resultados que já tínhamos levantado teoricamente: uma
licenciatura fundada na racionalidade técnica permeada por elementos da epistemologia
da prática, tais como a lógica das competências e a ênfase na formação centrada nas
escolas. Ao mesmo tempo, entre as idas e vindas das leituras do agregado de entrevistas45,
emergiam percepções de sujeitos que se mostraram, mais que tudo, cansados por terem
vivido uma formação de muita teoria e pouca prática do conhecimento biológico, como
também de uma prática esvaziada de teoria e orientação no chão da escola.
Chamamos este tipo de formação paradoxal desde o capítulo 1 sob o rótulo de
formatação docente. À medida em que aumentava a tensão entre os limites da formatação
e se delineavam os horizontes de uma formação ética-estética-política-humana, os
egressos da licenciatura que foram ouvidos por nossas entrevistas contavam histórias que:
por um lado, enchiam nossos olhos de lágrimas diante de tantas dificuldades e
precariedades enfrentadas (algo bastante típico da formação de professores de uma
universidade estadual de pequeno porte localizada no Nordeste brasileiro); por outro,
mostravam uma felicidade estranha por terem aprendido receitas de experimentos e
metodologias ativas para aplicar em suas salas de aula (atuais e futuras), nas quais o
diálogo e a formação humana eram eventos festivos, de tão raros. Contavam bastante
também sobre a celebração da amizade entre companheiros de ofício em formação, dando

45
As releituras fazem parte do desenho metodológico escolhido para a pesquisa. Explicaremos melhor este
trabalho metodológico nos capítulos seguintes.
73

uma efetiva importância às relações interpessoais que foram constituídas durante o curso,
como também ao registro de eventos que se aproximam da mentoria e coaching realizados
pelos professores-formadores.
Sem incorrer na digressão de antecipar resultados da pesquisa, percebíamos de
uma forma geral que os aspectos humanos da formação parecem cada vez mais
esquecidos ou negligenciados. Sob a atual lógica das competências e habilidades, atingir
metas e objetivos tornou-se um sinônimo de formar para a cidadania e principal escopo
do desenvolvimento intelectual dos estudantes, sempre com vistas à participação
produtiva no mercado de trabalho capitalista.
Sob os pressupostos de buscar uma formação ética-estética-política-humana, a
partir de agora denominada “Formação de Si” (FSi), decidimos defender uma proposta
teórico-metodológica, alicerçando nossa proposta de trabalho a partir do método da leitura
imanente (BEZERRA, 2019a; 2019b; 2019c). Em perspectiva, lançamos mão de uma
base teórico-pedagógica que agrega potencial e valor aos referenciais que constituímos
até o momento: referimo-nos à teoria da Relação com o Saber, associada aos paradigmas
morinianos da Transdisciplinaridade e Complexidade (MORIN, 2011; 2013; 2015) e aos
princípios da Dialogicidade Freireana (FREIRE, 1967; 1987; 1989).
A partir de uma lógica contra-hegemônica, defendemos uma FSi que proporcione
condições para que os sujeitos possam ser eles mesmos, autores de suas histórias e que
elaborarem questões de pesquisa por meio dos diferentes campos de conhecimento,
abordagens e métodos; portanto, empoderados da apropriação da cultura envolvida na sua
formação por meio dos seus estudos realizados. Nesse tipo de formação, enxergamos
protagonismo e empoderamento, pois
deixamos a condição de ator, que nos obriga a agir burocraticamente sob
prescrição, para agirmos no mundo sob o juízo ético, estético e político da
nossa existência, assim, agimos em pesquisa e ganhamos consciência nas
ações da responsabilidade de sermos formadores de nós mesmos (BEZERRA,
2019b, p. 127).
Acreditamos assim que também estamos elucidando as lentes teóricas em que
analisaremos o trabalho empírico que será realizado nos capítulos vindouros. Nossa
intenção central é propor a perpsectiva de uma racionalidade alternativa que, por seu
caráter contra-hegemônico, rompe tanto com os aspectos neopositivistas e elitistas da
racionalidade técnica e instrumental como também da racionalidade prática, que prioriza
a prática em detrimento da teoria. Dessa forma, a FSi constitui algo mais que a nossa
teorização acerca de uma formação por uma racionalidade crítica e dialética, mas
também demonstra a nossa tentativa de professor-pesquisador-intelectual em valorizar a
74

condição de sujeito em uma formação cuja subjetividade docente estrutura-se por meio
de ações de empoderamento e desenvolvimento da autonomia intelectual.
A partir do exposto, nossa hipótese de trabalho, de agora em diante, passa a se
organizar em torno do estudo, ou seja: dimensionar a FSi enquanto trabalho pedagógico
empoderador que envolve a pesquisa por meio da leitura-escrita dos conhecimentos
como um modo específico de aquisição. Dito de outra forma, a FSi é baseada no trabalho
pedagógico em que se aprende pelo estudo e estuda-se escrevendo (BEZERRA, 2019b).
Partimos assim das seguintes categorias teóricas:
1) O método da leitura imanente (MLI) é “trabalho pedagógico de estudo e
pesquisa” (BEZERRA, 2019a, 2019b; 2019c) e recebeu uma
recontextualização a partir dos pressupostos pedagógicos de Makiguchi,
passando a deixar claro que “o objetivo da educação deve coincidir com a
finalidade maior da vida dos educandos” (MAKIGUCHI, 2002, p. 36). Assim,
a leitura imanente passa a ser uma possibilidade de empoderamento de si
consigo mesmo, com os outros e com o mundo.
2) A partir da necessidade de contrapor a lógica das competências e “formar um
sujeito engajado no mundo” (VOSS, 2013, p. 129) que não se limita à atuação
no mercado de trabalho, consolidamos uma segunda categoria:
autorrealização. A priori, a FSi entende que “é preciso o reconhecimento de
que a principal força motriz da educação é o interesse do aluno, o qual pode
ser canalizado, redirecionado e focalizado, mas nunca ignorado ou reprimido”
(NORTON, 2002, p. 225). Logo, a FSi abarca uma categoria que compreende
a autorreflexão e a autorrealização enquanto ponto de partida e de chegada de
uma trilha em que o autoconhecimento é um modo de vida e constitui um
exercício fundamental de empoderamento. Ou seja, desenvolvemos uma
mobilização para o saber, tomada de atitudes mais conscientes, aumento de
autoconfiança e autoestima bem como agregar propósitos de vida que alinhem
a vida pessoal com a profissional.
Por meio do empoderamento conquistado pelo binômio autoconhecimento-
autorrealização em busca da autonomia intelectual emancipadora, “a educação deve se
concentrar no fornecimento de orientação para os processos de aquisição de
conhecimento e criação de valores” (MAKIGUCHI, 2002, p. 171). Assim, a FSi advoga
em favor da máxima pedagógica: “diante da constatação de que o educando só aprende
se quiser, é preciso fazer o ensino intrinsecamente desejável” (PARO, 2010, p. 31).
75

O trinômio autorreflexão-autorrealização-autoconhecimento é também uma busca


de aproximaros processos de apropriação de conhecimentos com o estudo das realidades
vividas pelos formandos, a partir de temas e problemas de seu interesse. Dessa maneira,
o sujeito em formação
vai-se tornando mais humano (histórico) à medida que desenvolve suas
potencialidades, que à sua natureza vai se acrescentando cultura, pela
apropriação de conhecimentos, informações, valores, crenças, habilidades
artísticas etc. É pela apropriação dos elementos culturais, que passam a
constituir sua personalidade vida, que o homem se faz humano-histórico (op.
cit., p. 25).
3) A FSi enquanto processo triplo de humanização-subjetivação-socialização
aproxima-nos dos pressupostos da Teoria da Relação com o Saber
(CHARLOT, 2000; 2013; 2019), principalmente no que concerne à
aprendizagem por meio da mobilização pessoal, atividade intelectual e
construção de sentido. Em outras palavras, diante da relação com o saber “só
aprende quem tem uma atividade intelectual, mas, para ter uma atividade
intelectual, o aprendiz tem de encontrar um sentido para isso” (CHARLOT,
2013, p. 59). Ou seja, “só se pode falar de atividade quando o motivo e o
objetivo [do estudo] coincidem: estuda-se para apropriar-se de um
conhecimento” (op. cit., p. 154).
4) A formação colaborativa por meio de grupos de trabalho à luz dos referenciais
do Pensamento Complexo de Morin (2011; 2013; 2015) e da Dialogicidade
(FREIRE, 1967; 1987), já elencados anteriormente no final do capítulo 2.
Morin (2011, 2013) convoca, por exemplo, a substituição da racionalidade do
conhecimento fragmentado, segmentado e reducionista por um paradigma
emergente, que pretende (re)conhecer o mundo pela conjunção e distinção de
saberes e experiências. Acreditamos que a FSi carrega a possibilidade de
contemplar tanto o conhecimento científico especializado como o
conhecimento transdisciplinar que se move pelas fronteiras do currículo e
adentra nos contextos de realidade dos estudantes. Por outro lado, a
Dialogicidade parte dos referenciais morinianos que buscam superar a tensão
dialética por meio do encontro mobilizado pelo diálogo. Em perspectiva,
encontra seu porto seguro para alicerçar a FSi a partir dos textos freirianos
“Educação como prática da liberdade”, “Pedagogia do Oprimido”,
“Pedagogia da Esperança” e “Pedagogia da Autonomia” (FREIRE, 1967;
1987; 1992; 1996), como já fora citado anteriormente.
76

Para o contexto de uma formação colaborativa, Freire entende que se deve


“trabalhar a unidade entre meu discurso, minha ação e a utopia que me move. É neste
sentido que devo aproveitar toda oportunidade para testemunhar o meu compromisso com
um mundo melhor mais justo, menos feio, mais substancialmente democrático”
(FREIRE, 2016, posição46 427).
5) Práticas de Si47 (Foucault, 2017b; Hadot, 2016; Ortega, 1999) constituem
uma categoria que envolve a formação do sujeito a partir de um trabalho do
pensamento voltado à autoconstituição autônoma de si consigo mesmo e na
relação com os outros e com o mundo. Na FSi, as Escritas de Si (DIAS, 2019;
KASTRUP, 2007) assumem o papel de “discutir a escrita não apenas como
uma produção de textos, mas como prática de si, ou melhor, como prática de
produção de si48, na medida em que ela envolve uma relação consigo mesmo
e uma atenção a si (KASTRUP; GURGEL, 2019, p. 61). Dessa maneira,
possibilitam um
entrecruzamento de vozes – as da teoria, da formação mais recente e asde um
saber constituído ao longo da prática – na constituição do discurso desses
sujeitos, o que, numa relação de poder-saber, acaba por construir uma
identidade de professor (ECKERT-HOFF, 2008, p. 96);
6) A categoria “Professores como intelectuais” (GIROUX, 1983; 1992; 1997) entende
a FSi enquanto formação de “homens e mulheres livres, com uma dedicação especial
aos valores do intelecto e ao fomento da capacidade críticados jovens” (GIROUX,
1997, p. 161). Nesse contexto, a FSi tem como objetivo essencial a formação de
intelectuais transformadores, críticos e autônomos.49. Desse modo, a FSi busca

fornecer aos estudantes os instrumentos críticos que precisarão compreender e


desmantelar a racionalização crônica das práticas sociais prejudiciais, e ao
mesmo tempo, apropriar-se do conhecimento e das habilidades que precisam
para repensar o projeto de emancipação humana. Em segundo lugar, os
intelectuais transformadores devem engajar-se ativamente em projetos que os
estimulem a abordar seu próprio papel crítico na produção e legitimação das
relações sociais (GIROUX, 1997, p. 188).

46
Posição é a nossa forma de indicar a localização do trecho citado em um e-book sob formato Kindle.
47
Em linhas gerais, Foucault entende que a autoconstituição do sujeito envolve a experiência com o outro,
na constituição intersubjetiva do cuidado de si. Hadot (2014; 2016) amplia esta visão demonstrando que as
práticas de si adquirem a terminologia de “ascese” ou “exercícios espirituais”, na forma de um trabalho de
si consigo mesmo e com os outros. No pensamento original de Foucault, estudam-se as cadernetas de notas
pessoais e a correspondência entre filósofos. Para Hadot, a ascese é uma forma de vida, incluindo hábitos
físicos, intelectuais, políticos e religiosos. Em cadernos, cartas ou exercícios espirituais, como a meditação,
o sujeito está se constituindo diante do processo de narrar a si mesmo, (re)construindo sua subjetividade à
medida em que escreve sobre si.
48
Grifo nosso.
49
Adaptação entre as acepções do autor na versão original (GIROUX, 1988) e a tradução em Português
(GIROUX, 1997).
77

Com os alicerces teóricos acima elencados, acreditamos que a FSi proporciona


empoderamento por meio da interface entre as correntes teóricas acima descritas e os
aspectos metodológicos especificamente voltados à autonomia intelectual do sujeito-
escritor. Temos assim uma proposta teórico-metodológica baseada na mobilização do
capital científico, social e cultural do sujeito em formação. Portanto, as disposições
envolvidas por meio do estudo estruturam um habitus e orientam um éthos, por meio da
expressão intelectual dos resultados de um trabalho de si consigo mesmo, com os outros
e com o mundo.
Tal postulado implica em estabelecer seu contraponto a partir de uma constatação
do tipo de formatação docente que ocorre nas universidades operacionais a partir do
conceito de profissionalização, indicada por Bezerra e colaboradores (2020, p. 260-261):
para o capital, a única formação razoável é a formação profissional ou
alfabetização funcional: formação voltada exclusivamente para as pessoas
ocuparem uma função administrativa, também chamada de ocupação
profissional e, assim, serem administradas. Assim, é através da
profissionalização que se monetariza e se mercantiliza a produção, socialização
e apropriação de conhecimentos na modernidade escolar e universitária. A
formação profissional transforma mulheres e homens em mercadorias vivas,
coisa que se compra e vende no mercado de trabalho, por dinheiro ou
equivalente geral.
Em termos metodológicos, a FSi principia o desenvolvimento da autonomia
intelectual, confirmando o método da leitura imanente a partir das concepções de Bezerra
(2019b; 2019c). Segundo o referido autor (2019b, p. 348-349), a base da FSi é a
compreensão do estudo enquanto atividade humana sensível, a partir de suas
características imanentes:
a) Uma atividade racional que pode ser orientada e planejada;
b) Depende de orientação e/ou treinamento prévio como exercício regular e
sistemático;
c) Envolve investimento de tempo e recursos materiais e humanos para a formação
“de leitores competentes [e] engajados na busca de melhores condições de vida”
(op. cit., p. 340).

Por isso, consideramos salutar acrescentar a criatividade50 como elemento


formativo, na perspectiva da formação para a criação de valores no paradigma
makiguchiano, pois entendemos que o empoderamento enquanto um processo de
subjetivação envolve tanto razão quanto emoção, disciplina e mobilização, sistematização
e estudo, apropriação e criação. Assim,
78

trazer o paradigma makiguchiano como uma proposta pragmática para


enfrentar os problemas atuais é reconhecer que suas raízes não são de ordem
teórica, nem de metodologias de ensino. Elas dizem respeito a uma forma de
viver e estar no mundo e de compreender a vida, onde ela acontece: [...] é
conhecimento que se processa na dinâmica do sujeito que se reconhece e
conhece o mundo (VOSS, 2013, p. 129-130).
Isto posto, nossa contribuição à proposta metodológica originalmente mobilizada
por Bezerra (2019c, p. 64) envolve agregar uma dimensão criativa e valorativa (FREIRE,
2019; VOSS, 2013; MAKIGUCHI, 2002) ao trabalho pedagógico desenvolvido na
formação, com suas lentes ontológicas, epistemológicas e axiológicas.
Em tempo, a dimensão cognitiva e valorativa do estudo também envolve os
elementos centrais da relação epistemológica e ontológica com o saber e o aprender: a
mobilização para o estudo ocorre a partir de uma atividade intelectual com sentido51
(CHARLOT, 2000; 2013; 2020).

3.2. – Algumas críticas e reflexões sobre o escopo da Formação de Si

Essencialmente, nossa disposição em agregar a criatividade e a relação com o saber


à leitura imanente diz respeito à nossa discordância com Bezerra ao indicar que a FSi
caracteriza-se como um “trabalho de si, para si e por si” (BEZERRA, 2019c, p. 140). Fica
registrado que o autor acena para a importância do princípio educativo da amizade no
trabalho pedagógico (BEZERRA, 2019b; 2019c) e do cuidado de si com os outros no
mundo (BEZERRA, 2019b). Porém, o autor defende que o estudo é um trabalho de si,
para si e por si, o que pode aparentar uma defesa ao empresariado de si mesmo, por meio
do autoconhecimento e pelo autodesenvolvimento pessoal aos moldes neoliberais. Em
suas palavras:
pretende-se demonstrar como é possível desenvolver a autonomia intelectual
dos estudantes, por eles mesmos, desde que se engajem em atividades
intelectuais, relacionadas a pesquisa, atividades laborais que estão imbricadas
ao cuidado de si, ao governo de si, e a estética da existência; além de redefinir
prioridades de ação que impactam modose trajetórias de vida, que envolve a
vida cotidiana dos professores e estudantes (BEZERRA, 2019 c, p. 79).

50
Estamos nos referindo ao exercício de incorporar à FSi, no bojo do método da leitura imanente, os
elementos da pedagogia de criação de valores de Makiguchi (2002).
51
Os itens destacados constituem elementos centrais da teoria de Charlot, aqui mencionado sumariamente,
visto que já apresentamos qual é o nosso interesse na referida teoria. Para saber mais, recomendamos as
obras de referência de Charlot (2000; 2013; 2020).
79

Em perspectiva, nossa crítica também se apresenta na interpretação foucaultiana52


do Cuidado de Si e suas técnicas. Logo, enxergamos as práticas de si relacionadas a uma
relação com os outros e com o mundo. Acreditamos que o trabalho de si, individual,
denota apenas a seguinte questão: “Não se deve ser dono de si para dominar os outros,
mas para ser um ser racional. Neste domínio de si, o indivíduo 53 está unido a outros
indivíduos que são igualmente donos de si”. (ORTEGA, 1999, p. 131)
No sentido descrito, há indícios foucaultianos de que o cuidado do si ocorre
mediante cuidado com os outros e de uma vida coletiva na polis. No contexto da FSi, a
atividade que o sujeito em formação realiza nos seus estudos sistemáticos e criativos
consigo mesmo implica diretamente na relação com os outros e o mundo. Desse modo,
estendemos nossa crítica ao defender que a formação colaborativa é mais factível que o
princípio de amizade defendido por Bezerra (2019b; 2019c), à luz da filosofia platônica
e estoica. Então, pensamos ser arrazoado propor a FSi de uma maneira mais criativa e que
valorize a intersubjetividade.
Em defesa da versão original da FSi em tela, destacamos a importante
preocupação do autor em caracterizar o trabalho pedagógico em estudo e pesquisa como
um trabalho humano, ou seja, uma atividade humana sensível (BEZERRA, 2019c, p. 52):
Escrever é trabalho. E a escrita mobiliza os componentes dialéticos do trabalho
humano: teleologia, nexos causais e elaboração dos meios. Mas em uma
situação singular, literária, o resultado deste trabalho é o texto. [...] O estudo é
uma forma de trabalhar o humano, de forma ética e estética. O estudo é uma
espécie de trabalho comprometido com a ética das virtudes e a estética da
existência.
Portanto, na condição de atividade humana sensível, percebemos que o estudo é o
motor que permite as práticas de empoderamento na FSi: partimos do pressuposto que o
escritor-autor em formação é o sujeito intelectual que estuda de forma metódica, crítica,
regular, colaborativa e criativa em sua expressão do cuidado de si. Em outras palavras, a
FSi é empoderamento que emerge no contexto de uma subjetivação mediada entre o si
mesmo e a relação saber-poder entre os outros e com o mundo. Ao mesmo tempo, é
também uma prática de si caracterizada por uma metodologia de estudo com
procedimentos e características específicas: realizamos pesquisa como história-trajetória

52
Popularmente chamado de Último Foucault, o autor preocupou-se nos últimos anos de sua vida com o
modo de vida greco-romana, de forma a compreender a estética da existência e o cuidado de si, entre outros
conceitos. Explicando melhor, “Foucault descreve quatro técnicas de si: cartas, exame de consciência,
interpretação de sonhos e ascese, divididas, por sua vez, em exercícios de pensamento (melete) e exercícios
na realidade (gymnasia)”. (ORTEGA, 1999, p. 69)
53
Foge-nos ao espaço da tese discutir a etimologia adequada entre indíviduo, agente, ator social ou sujeito.
Fazê-lo poderia nos sujeitar a uma digressão desnecessária para este momento da discussão da FSi, todavia,
destacamos nossa unívoca preferência pelo termo “sujeito”.
80

teórico-metodológico para se “formar pessoas livres e intelectualmente autônomas,


dotadas de maturidade intelectual” (BEZERRA, 2019b, p. 333).
Neste ponto da discussão, para além do referencial makiguchiano da criação de
valores, consideramos importante o aprofundamento da atividade intelectual de estudar,
ou seja, de sua relação com o Saber. Por exemplo,
O essencial é que o aluno se aproprie de conhecimentos que tenham sentido
para ele e que, ao responderem a questões ou resolverem problemas,
esclareçam o [seu] mundo. [...] ... o problema é quando a lógica do saber some
da escola; ora, cada vez mais alunos nunca encontraram na escola o saber como
sentido e o aprender como prazer (CHARLOT, 2013, p. 180-181).
Destarte, a formação é um encontro da atividade intelectual do educando e de um
patrimônio cultural a ser-lhe transmitido. Portanto, existem variações do contexto ideal
de aprendizagem que determinam contextos problemáticos, que podem orientar a
experiência de fracasso da aprendizagem e, consequentemente, da formação, ou seja:
a) “Quando há patrimônio sem atividade, a situação de ensino fica chata e, muitas
vezes o processo fracassa.
b) “Quando há atividade sem patrimônio, a situação pode ser agradável, por causa
do prazer gerado pela própria atividade, pode até treinar capacidades, mas ela não
inscreve a pessoa em uma história, aquela da sua sociedade, da sua cultura, da
espécie humana e, sendo assim, ela não a educa.
c) “Não há educação quando a criança deve memorizar saberes que não têm sentido
para ela.
d) “Tampouco há educação quando o nível qualitativo da atividade não muda entre
o início e o fim, sendo a qualidade definida por normas específicas a cada tipo de
atividade” (CHARLOT, 2013, p. 205)
Resumindo, no contexto de uma FSi, “não há educação se o educando não
mobiliza a si mesmo, não faz uso de si mesmo como recurso, isto é, não entra em atividade
[intelectual] (op. cit., p. 229). Sobremaneira, enfatizando a importância de que seu
trabalho de estudo, enquanto atividade humana sensível, seja portadora de sentido, o seu
trabalhador ascende da condição de estudante para estudioso (BEZERRA, 2019b).

Consequentemente, enxergamos a hipótese relacional de Bezerra (2019b, p. 317):


“não existe pesquisa sem estudo” que possa resultar em autonomia intelectual dos
estudiosos. Os caminhos do empoderamento e subjetivação docente não envolvem apenas
os aspectos cognitivos e sociais da formação humana: aspectos culturais, emocionais e os
valores que o sujeito desenvolve na (re)constituição do seu habitus por meio da educação
ratificam a importância da dimensão criativa, ou seja, da criação de valores. No escopo
81

da FSi, aspectos cognitivos e valorativos se entrelaçam como uma base imanente da


formação humana mediatizada pela relação com o saber e com o prazer de estudar e
aprender (dentro e fora das organizações de ensino).
Assim, do ponto de vista pedagógico, podemos enumerar as seguintes conquistas
de autonomia e empoderamento intelectual imbricadas aos processos de aprendizagem
relacionados aos caminhos da FSi, de maneira específica:
1) A compreensão das “palavras-mundo” junto à capacidade de escrever a “sua
palavra” (FREIRE, 1989) e expressando-se criativamente em diversos tipos de
linguagem, de forma individual e no contexto de um grupo de trabalho
(FREIRE54, 2019).
Apesar da nossa ênfase na criatividade em diversos tipos de linguagem,
registramos a ênfase no registro escrito, visto que
O aprendizado do registro é o mais poderoso instrumento na construção da
consciência pedagógica e política do educador, pois quando registramos,
tentamos guardar, prender fragmentos do tempo vivido que nos é significativo,
para mantê-lo vivo (Idem, p. 56).
2) O trabalho pedagógico da FSi, de forma imanente e criativa, contempla práticas
de si que consolidam um tipo de educação que engloba o cuidado consigo mesmo
e com os outros por meio do exercício de uma virtude ética55 como prática da
liberdade, ou seja, “de um exercício de si sobre si mesmo através do qual se
procura se elaborar, se transformar e atingir um certo modo de ser”.
(FOUCAULT, 2017b, p. 265) O tipo de elaboração pretendida materializa-se na
formação de intelectuais transformadores, críticos, autônomos e criativos. Temos,
portanto, um arcabouço teórico que caracteriza um trabalho pedagógico, e mais: nesta
discussão, a FSi agrega autores e suas tematizações a partir do seguinte fio condutor: o
empoderamento voltado às práticas socioacadêmicas por meio do trabalho pedagógico
de estudo em pesquisa56. Com isso, podemos adensar o debate com as seguintes
considerações:
a) É impossível ser resignado diante de um sistema de ensino para todos em que se valoriza
o capital cultural das elites dominantes, referendando a meritocracia e as facilidades de
acesso aos recursos e benesses neoliberais;

54
Neste caso, Freire (2019) refere-se à Madalena Freire, filha do nosso patrono da educação brasileira.
55
Nesse contexto, agregamos tanto a ética das virtudes como elemento das práticas de si que proporcionam
a governamentalidade de si e dos outros como também a importância ética de se pensar o empoderamento
em suas dimensões individual, coletiva e política.
56
Comungamos com os referenciais da FSi apresentados pelo professor Bezerra (2019a, 2019b, 2019c) que
entende o estudo como um trabalho pedagógico de pesquisa, aceitando as acepções marxiana e lukacsiana
do trabalho humano enquanto atividade humana sensível. Podemos encontrar outras considerações sobre a
natureza do trabalho pedagógico nas obras do professor Victor Henrique Paro (2010; 2018).
82

Enquanto educadores e advogados da FSi em um contexto educacional


neotecnicista e excessivamente pragmático, estaremos sempre propondo alternativas 57
“visando a transformação das relações pedagógicas, de modo que possibilitem melhores
e igualitárias condições de aprendizagem para os estudantes” (PRAXEDES, 2015, p. 61).
b) Para situar-nos além da crítica à tensão permanente entre as racionalidades
concorrentes à formação de profissionais do século XXI, é importante destacar
que a apropriação de conhecimentos é imanente à identificação profissional. Pois,
O que as pessoas são é aquilo que elas personificam e encarnam nos seus
possíveis modos e trajetórias de vida, nas condições de ser e existir instituídas
ou instituintes. As pessoas são os sentidos de si ou identidades, naquilo que
são reconhecidas e identificadas pelos outros,em suas ações. Assim, as pessoas
se constituem como sujeitos e personagens, nos espaços e processos de
socialização (BEZERRA, 2019c, p. 153).
c) Por mais que o valor relacionado à educação seja variável e condicionado a um
arbitrário sociocultural reproduzido pelas classes dominantes por meio da escola
[também], este dilema sociológico não invalida o objetivo da educação:
apropriar-se sistematicamente de patrimônio cultural organizado em uma base
socialmente constituída.

Assim, a FSi tem como objetivo de estudo a produção, a socialização e a


apropriação de cultura na forma de conhecimento. Ou melhor, nas palavras de Makiguchi
(2002, p. 150): “Se o objetivo da formação do professor não é fornecer umconhecimento
maciço, e sim levar o professorando a pensar por si mesmo, então, evidentemente, a
melhor maneira de alcançar este objetivo é suscitar seu interesse, como a principal força
motriz para seu aperfeiçoamento pessoal”.

Dito de outra forma, a FSi é uma formação humana que mobiliza o sujeito ao
empoderamento em suas atividades que produzem sentido58 através das formas concretas
de trabalho humano59, em níveis:

57
O próprio Bourdieu pensou em uma Pedagogia Racional em que a compreensão dos mecanismos de
reprodução sociocultural e da violência simbólica permite-nos pensar nas estratégias de superação das
limitações sociais (BOURDIEU; PASSERON, 2014; NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2004). Um segundo autor
que compartilha esta linha de pensamento é Giroux (1983), concebendo uma Pedagogia Radical como
tentativa de construir contornos mais específicos à tentativa de superar a dominação da elite cultural e
econômica sobre os menos favorecidos socialmente.
58
Compartilhamos a concepção de sentido (saber e aprender) em comunhão com Charlot: o sentido de
aprender e compreender, quer na escola, quer fora dele [...] é uma questão de mobilização, pois, “ninguém
aprende sem desenvolver uma atividade intelectual, [...] e assim, só se engaja em uma atividade [intelectual]
quem lhe confere um sentido (CHARLOT, 2013, p. 145-156).
59
Concordamos com a tese marxista e lukacsiana de que o trabalho humano é uma atividade humana sensível,
também defendida pelo professor Bezerra (2019a). Porém, para não incorrer em uma digressão sociológica
mais profunda, que fujam ao escopo desta tese, não desenvolveremos tal discussão sociopolítica.
83

individual – realizado nas práticas de leitura e escrita sobre os temas expressos nos
conhecimentos a partir de suas categorias, conceitos e ideias; coletivo ou organizacional
– é a socialização do conhecimento apropriado a partirdos movimentos de discussões e
debates que se realizam colaborativamente; e, por fim, político: mobiliza as experiências
locais dos educandos como elemento-chave de apropriação do conhecimento socialmente
legitimado, despertando uma relação de confiança no saber e possibilitando a
transformação social. Sendo assim, o trabalho pedagógico de pesquisa envolve o
empoderamento em seus três níveis: individual, coletivo e político (BAQUERO, 2012).
Assim, atrelado ao empoderamento, estudar não se constitui um trabalho comum,
pois envolve pesquisa individual, trabalho colaborativo e engajamento político. Desse
modo, como nós, professores-formadores, poderemos sair à luta pela FSi diante de um
cenário em que a escolarização para todos pulveriza conhecimentos e opera sob a lógica
das competências e habilidades para o mercado de trabalho?

3.3 – Se a escolarização é para todos, a quem se destina a Formação de Si?

Todos nós vivemos a maior parte de nossas vidas nas organizações responsáveis
pela produção, socialização e apropriação de conhecimentos, as organizações de ensino.
Participamos do gênero humano envolvendo-nos com atividades nas quais
(re)construímos a cultura humana. Por mais que não se tenha uma plena consciência disso,
sempre estamos nesse movimento de transformação diante do patrimônio cultural que nos
é de direito, logo nos constituímos enquanto atores ou sujeitos pedagógicos, apropriando-
nos de e (re)produzindo a cultura. A pesquisa imanente ao ato de estudar é um exemplo
dessa atividade, uma forma de trabalho intelectual sobre a cultura ou uma atividade
humana sensível (BEZERRA, 2019a).
Entretanto, para se analisar a questão “é preciso interessar-se pelo sentido da
atividade [intelectual] e pela sua eficácia” (CHARLOT, 2013, p. 144): precisamos
também indicar duas questões textualmente mais simplistas, porém, essenciais para esta
discussão: primeiramente, “por que e para que um aluno estuda?” (Idem, p. 144); e outra:
“a atividade de pesquisa é mais significativa para a apropriação e a socialização dos
conhecimentos do que o ensino?” (BEZERRA, 2019b, p. 309).
É quase um consenso afirmar que existe na Internet uma ritualização de estudo,
principalmente para concursos e vestibulares, com vídeos, aplicativos, tutoriais e manuais
para se estudar mais e melhor. A mesma prerrogativa vale para escrever. Dito de outra
84

forma, os manuais de escrita para exames e para a academia estão presentes de maneira
significativa sob a forma de manuais de fácil leitura (CHAUÍ, 2001) e acesso pela web.
Em todos os locais de aprendizagem de leitura e escrita pode-se validar a seguinte tese: é
possível conquistar o letramento pelos caminhos de ler escrevendo, preferencialmente,
estudando por longas horas o patrimônio cultural caracterizado pelo conhecimento
poderoso atinente à sua formação.
Porém, se apenas o número de horas ou o conteúdo estudado com disciplina
teórica e listas de exercícios garantissem o sucesso escolar, seria improvável admitir o
fracasso dos chamados “concurseiros”. Questões sempre interferem no contexto do
estudo, tais como a apropriação do território onde se estuda e as tensões de uma escola
meritocrática que defende a pedagogia do dom e ainda subentende o sucesso escolar como
“produto de uma inteligência ou talento naturais” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p.
92).
Mesmo assim tornamo-nos estudiosos em um longo processo de escolarização em
que contextos e semelhanças mobilizam atividades e sentidos diferentes, com resultados
diversos. A tríade saber-poder-sujeito caracteriza-se por uma permanente busca de
expressão das formas de ser no mundo, que se organizam por meio de categorias que
passamos a estruturar conforme ampliamos nossas fronteiras de apropriação de
conhecimentos.
De forma intimamente relacionada com as questões do capítulo anterior, a
subjetivação torna-se elemento central na validação das respostas dos sujeitos quanto aos
seus desejos, virtudes e asceses. Em paralelo, destacamos as contribuições de Hadot
(2012; 2016; 2017; 2019) no que diz respeito ao entendimento de trabalho de si como um
exercício espiritual, uma ascese que envolve desejos, virtudes e o “sentimento de presença
no mundo” (HADOT, 2016, p. 104).
Agregar o raciocínio hadotiano da filosofia como “maneira de viver” (HADOT, 2017)
ajuda-nos a transpor a camada teórica desta discussão aparentemente filosófica e promove
um elemento pragmático: antes de saber como estudar, entendemos que a ascese do
autoconhecimento-autorrealização constitui o elemento central dos motivos e sentidospelos
quais estudamos. Sobremaneira, o oráculo délfico “Conhece-te a ti mesmo” ganha uma
dimensão de prazer e terror, na qual se permite enxergar os “componentes de nossa relação
com o mundo” (HADOT, 2016, p. 215). Nessa dimensão, encontramos mais elementos da
intersubjetividade, tais como estremecimento, estupefação e intensificação da consciência.
Assim, a vida filosófica institui uma reflexão cotidiana: considerando nosso potencial humano
para sermos estudiosos, por que as pessoas estudam muito pouco,em geral?
85

Antes de buscarmos outras problematizações sociológicas no cenário que estamos


delineando, é preciso considerar que as pessoas não sejam íntimas com o estudo por não
estarem felizes com os seus resultados. Ou talvez não consigam impetrar sentido à sua
atividade intelectual. Estão na escola para ganhar notas e passar de ano quando crianças
e adolescentes para que, na condição de adultos, possam ter um emprego para ganhar
dinheiro em retribuição do seu trabalho.
Permitindo-nos uma breve digressão em retornar ao primeiro capítulo, uma das
consequências da lógica da formação por competências e habilidades é a negação do
tempo para estudar e a minimização dos exercícios crítico-reflexivos, alijando a dimensão
humana dela em favor do treinamento para o mercado de trabalho. Também promove a
relação custo-benefício ou estímulo-recompensa na atividade intelectual, tornando-a cada
vez mais banalizada. Em outras palavras, a formação mercantil neoliberal enseja a
formação de mercadorias que produzem e consomem outras mercadorias no mundo do
trabalho (BEZERRA, 2019a). Esta coisificação e reificação dohumano está diretamente
ligada também à redução da relação com o saber e o aprender aos resultados que possam
ser medidos quantitativamente, isto é, aos valores que possuem materialidade no mundo
dos estudantes, como as notas para a aprovação escolar e a remuneração do mercado
de trabalho. Esta postura relega o prazer e o sentido daapropriação dos conhecimentos
a um plano marginal da formação. É assim que se instalou uma crise educacional que
entende apenas a face mercantil da educação enquantopossibilidade de acolher e iniciar
os jovens no mundo por sua condição humana (ARENDT, 2007).
Nesse esquema, a formação acadêmica é uma espécie de preparação para o
trabalho que “atribui um sentido cultural à educação e mascara ideologicamente seu
significado político, e sobretudo seu significado de classe” (CHARLOT, 2014, posição
906). Desidentificar assim as questões sociopolíticas contribuiu não apenas para a
negação da dimensão humana da formação, mas favoreceu a mistificação pedagógica
(CHARLOT, 2014) relacionada à (des)valorização social das pessoas que optam pelo
estudo como maneira de viver.
Em tal contexto, estudar demanda um investimento social que requer a
mobilização de uma grande quantidade de recursos materiais e humanos, em que o retorno
obtido pelos diplomas e cargos da sociedade é demorado e incerto. Sociologicamente
falando, chama-nos à atenção que os estudantes que entendem sua formação “como parte
de um esforço mais amplo com vistas a criar condições favoráveis à elevação na escala
social” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p. 76).
86

Uma formação humana pode assim perder espaço nos interesses das pessoaspor
dois motivos: primeiro, as famílias geralmente buscam no estudo um caminho de
ascensão social, logo, as preocupações éticas, estéticas, políticas e humanas são relegadas
a um plano secundário; segundo, constituem pessoas que vivemum rigorismo ascético de
forma a investir mais na formação dos filhos, e possibilitar o retorno socioeconômico do
que fora investido.
Haveria ainda um terceiro motivo, no que diz respeito à boa vontade cultural (op.
cit., p. 79) das classes trabalhadoras em adquirir o patrimônio cultural das classes
dominantes, com uma forma laboriosa e dedicada de conviver com as elites. Assim,
tomam-se para si a ideia de que o “conhecimento dos poderosos” (GALIAN, 2014) é o
melhor para si, pois sua ascensão pretendida busca a transição para as elites. Por fim,
podemos inferir que, apesar da escolarização ser para todos, há um grupo de pessoas que
mais atribui valor à educação escolar, quase sempre com vistas ao crescimento econômico
a partir do mercadode trabalho.
Dessa maneira, os estudantes das classes trabalhadoras que conquistam o sucesso
na escola passam a constituir uma exceção digna de evidência social, em que se valoriza
o mérito individual diante da Educação para Todos, conforme já discutimos no capítulo
1. A meritocracia da formação por competências e habilidades despreza as limitações
socioeconômicas dos estudantes afirmando que é possível para todos conquistar o sucesso
profissional através da escolarização. É assim que a formação humana perde espaço para
a formação neoliberal, em que se pretende garantir o sucesso na formação para vida e
para o mercado de trabalho defendendo uma falsa igualdade de oportunidades na escola
e no mercado. Por outro lado, mesmo diante das constatações de que a educação deve ser
universalizada, as agências internacionais nunca terão condições financeiras de prover
recursos para que os mais pobres possuam uma educação de qualidade por meio de
recursos do Estado. Nas palavras de Charlot (2013, p. 53),
O Banco Mundial tem uma doutrina oficial: Pensa que a qualidade da educação
é para lutar contra a pobreza, mas que não tem e nunca terá dinheiro público
suficiente para desenvolver uma educação de qualidade. Daí o Banco Mundial
concluir que é preciso dinheiro privado. Considera que os quatro ou cinco anos
de educação primária cabem ao Estado, mas que a educação secundária ou
superior deve ser paga pelos pais. Acha também que nos países pobres, em
particular os da África, é preciso diminuir o salário dos professores, para
reduzir a diferença entre o que eles ganham e a renda dos camponeses...
Endossando o raciocínio de Charlot, Bezerra (2019c, p. 27-50) luta radicalmente contra a
educação neoliberal, defendendo que a escolarização e a formação superior tencionam atender
apenas aos interesses do capital, por meio da qualificação profissional e a formação voltada à
produtividade para o trabalho assalariado. Assim,
87

o tempo socialmente destinado à formação é ambivalente, ou seja, é ao mesmo


tempo que ocorre a formação de si e o treinamento ou qualificação profissional.
São formações que ocorrem, concorrem, e disputam entre si a ocupação das
pessoas pelo único tempo disponível que tem para elas se dedicarem ou não
ao estudo [...] assim valorizam a racionalidade instrumental acrítica, a
ignorância de si, a negação da escrita de si e a reafirmação reiterada do
desconhecimento de si (op. cit., p. 50)
E aos que buscam empoderar-se por meio do trabalho de estudo em pesquisa,
encaramos uma espécie de condenação social ao estudioso: é alguém que trabalha demais
estudando e não vive a vida. Todavia, de acordo com o entendimento de empoderamento
enquanto processo que se expressa na vida individual, coletiva e política, portanto, é de
se esperar que o estudioso em sua condição de sujeito-escritor posicione-se social e
culturalmente em um grupo que possa ter sua voz própria e expressão social.
Diante disso, chegamos a um enigma: como uma civilização letrada e
meritocrática não valoriza com rigor o estudo, diante de tanta valorização da tecnologia
e de uma grande proposta de escolarização para todos? Dessa maneira, defendemos que
o empoderamento por meio do estudo consolida um modo de existir, uma subjetivação,
uma maneira de viver.
A tese que defendemos vai na contramão disso. Desse modo, antes de perguntar
“quantas horas você estuda diariamente?” (BEZERRA et al., 2020), perguntaremos: O
que e como você estuda? Acreditamos que o estudante que pode responder ao
questionamento poderá integrar atividade intelectual e sentido de forma a constituir uma
relação particularmente sua com o saber e com o aprender, para além da busca por notas
ou da capacitação60 para o trabalho.
Portanto, a partir do casamento entre mobilização para o saber e o sentido da
atividade intelectual podemos vislumbrar um sujeito em formação para ações de
empoderamento de contornos mais definidos e visíveis. Um sujeito pedagógico que ganha
protagonismo em suas atividades mesmo em uma sociedade meritocrática que prioriza o
ensino e renega o trabalho pedagógico de estudo em pesquisa. Em outras palavras, no
mundo escolar da pedagogia bancária e de uma falsa meritocracia, eis uma construção
perversa subentendida: a proposta de garantir educação para todos está intimamente
associada à estruturação de um sistema de ensino destinado a produzir indivíduos dóceis
e produtivos para o mercado de trabalho. Para isso, apenas é preciso ensinar e treinar um
conjunto básico de habilidades, competências e saberes que serão úteis e aperfeiçoados
com a prática profissional.

60
Chamamos este tipo de capacitação no capítulo 1 de Formatação Docente.
88

Na formatação docente é reforçado o abismo entre teoria e prática, a técnica


sobrepuja o saber e consolida-se a racionalidade técnica e instrumental. No contraponto,
a racionalidade reflexiva parece não enxergar a importância de uma sólida base teórica
constituída pelo conhecimento poderoso. Assim, a práxis humana passa a residir num
limbo entre a falácia e a utopia. Então, antes de defender “como estudar”, é salutar
compreender que uma FSi é categoria fundadora de uma razão de ser que se compromete
com o empoderamento como possibilidade de emancipação humana por meio da
autonomia intelectual. Nesse contexto, podemos conceber um verdadeiro design reflexivo
de formação dos intelectuais, críticos, autônomos e contra-hegemônicos de Giroux
(1997).
Para além da discussão dos problemas da formação de profissionais de Ensino
Superior nas universidades e institutos operacionais, nossa preocupação teórico-
metodológica diz respeito ao enfrentamento das condições objetivas que condicionam o
habitus estudantil por três motivos: primeiro, pela carência de estudos consistentes no
campo de metodologia de estudo61; segundo, pela preocupação social de que as escolas
meritocráticas possivelmente continuarão por muito tempo ainda valorizando o ensino em
detrimento do estudo; e, por fim, preocupamo-nos com a proposta de um conjunto de
procedimentos que proporcione a leitura e análise imanente do que se estuda sem incorrer
nas armadilhas da técnica ou da prática.
E mais, também nos preocupa contemplar e explorar o sentido pedagógico do
estudo. Para tanto, propõe-se a FSi sob a égide do Método da Leitura Imanente que se
entende como um objetivo da educação no que se relaciona ao estudo. Em outras palavras,
defendemos que o trabalho pedagógico em estudo e pesquisa é uma atividade intrínseca
aos processos de ensino e aprendizagem aos quais nos envolvemos no trabalho
pedagógico de formação humana. A FSi então contempla todas as formas de produção
escrita que possibilitem ao estudioso tornar-se um sujeito pedagógico, um autor de
saberes validados pelas escritas e demais práticas de si.
Na FSi, o principal elemento da formação é a autonomia intelectual. Ou seja,
caracteriza-se pela busca de:
• Empoderar os sujeitos pedagógicos enquanto escritores, principalmente do gênero
literário compreendido por trabalho acadêmico;

61
No levantamento bibliográfico, constatamos que a maioria das publicações constituem trabalhos quereúnem
manuais com dicas e técnicas para a produção de textos e estudos sistemáticos.
89

• Desenvolver a autonomia intelectual expressa pela capacidade de ler e falar sobre


conhecimentos sistematizados por meio da escrita, da reflexão e do exercício
artístico da criatividade;
• Forjar a memória intelectual a partir da seleção de valores para uma vida criativa
e de atividades sistemáticas de apropriação de conhecimentos, a partir do registro
do trabalho pedagógico de estudo em pesquisa, no contexto da intersubjetividade;

• Promover a elaboração de textos acadêmicos, tais como artigos, papers, planos de


aula, revisões de literatura e diários de metaescrita.
Em linhas gerais, a FSi está comprometida com os pressupostos de uma sólida
formação teórica e humanística, isto é, na interface entre a Pedagogia de Criação de
Valores e as bases do Método da Leitura Imanente. Dessa forma, não estamos nos
remetendo a mais um manual de metodologia do estudo, como tantos que circulam pelo
mundo acadêmico e pela mídia. Sobremaneira, a FSi inspirada no MLI desenvolve-se a
partir de estudos sistemáticos e regulares, referenciados por intensa leitura-escrita, a partir
da sequência pedagógica que se denomina trabalho pedagógico de pesquisa em estudo.
Portanto, destinaremos este espaço final do capítulo para discutir a categoria
estudo no contexto da FSi, como o pressuposto que defendemos em relação ao trabalho
pedagógico de pesquisa e em contraposição ao trabalho docente típico da formação do
professorado.
A partir do que já foi exposto, estudo é uma atividade humana sensível que
objetiva a apropriação de conhecimentos produzidos sociogeograficamente (BEZERRA,
2019c), em diferentes escalas, na busca de uma autonomia intelectual que se expressa em
ações de empoderamento. Logo, o estudo produz e reproduz os conhecimentos erigidos
pelo genêro humano, o que envolve um patrimônio cultural e uma atividade intelectual,
essencialmente. Ambos,
que são expressões e exteriorizações das diferentes formas de agir no mundo,
no universo e no humano, formas que se acoplam ao agir. O estudo é uma
forma de trabalhar o humano, e de forma ética e estética. O estudo é uma
espécie de trabalho comprometido com a ética das virtudes e a estética da
existência (BEZERRA, 2019c, p. 53).
A questão de “como fazer esta apropriação” impõe, teleológica e
imperativamente, um conjunto de meios, ou seja, condições e possibilidades de trazer o
exercício de pensamento a uma ação concreta. Isto é, exige pensamentos metódicos e
sistemáticos que possam ser materializados, praticados de forma regular e socializados
em diversas linguagens possíveis.
90

Porém, nossa principal dificuldade diz respeito ao campo de trabalho e pesquisa


na área, que se torna, ao mesmo tempo, nossa arena de lutas e resistências. Em outras
palavras, há uma extensa bibliografia sobre Didática e Metodologias de Ensino, todavia,
não ocorre o mesmo com a categoria estudo (BEZERRA, 2019b). Até existe um campo
consolidado da formação universitária que se entende por Escrita Acadêmica, que diz
respeito ao “como escrever”, mas pouco discute sobre “como estudar”.

Em nossa aproximação com Hadot (2016), compreendemos que o estudo é um


tipo de ascese, uma prática sistemática do amor à sabedoria ao estilo greco-romano. É um
exercício de luta e resistência, contra os ditames técnicos e práticos das racionalidades
formativas contemporâneas.
Contudo, a FSi por meio da leitura imanente constitui uma resistência ao próprio
método socrático, amplamente conhecido e difundido. Ou seja, Sócrates, por exemplo,
interroga para instruir (RANCIÈRE, 2002, p. 41). O aprendente torna-se estudioso a partir
do trabalho com um mestre preceptor. Consideramos de suma importância ter mestres
(orientadores, professores, preceptores) e socializar saberes, porém, o paradigma inverte-
se por uma questão pragmática. Isto é, o “conhece-te a ti mesmo” socrático confirma que
o mestre deve conduzir o discípulo em suas mãos e, por meio do diálogo aporético, fazer
com que o mesmo encontre o que está nele próprio, como um “sábio professor que,
conhecendo as respostas, orienta os alunos e discretamente guia suas respostas” (op. cit.,
p. 40). Porém, a base imanente que orienta a FSi aproxima-se com o princípio educativo
de Jacotot (Idem), a saber: “pode-se aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o
resto” (VOJNIAK, 2015, p. 172); e, assim, o sujeito se empodera no processo de conquista
da autonomia intelectual.
Porém, imaginamos que a base de nossa categoria estudo é o trinômio leitura-
escrita-diálogo, na formação omnilateral e reflexiva do estudioso. Assim nos afastamos
da mentoria e do autodidatismo tão difundidos na atual pedagogia da prosperidade
capitalista. Em contraponto, acreditamos que a aprendizagem maiêutica de Sócrates seja
um caminho válido para ensinar-aprender, mas não o único. Neste trabalho, porém,
consideramos os caminhos e as possibilidades que sejam parte de um arcabouço
metodológico de empoderamento e emancipação humana.
A concretude e a materialidade do trabalho pedagógico, no entanto, demonstram que
um método sistemático que se dedica à apropriação de conhecimentos contém, em si, o
potencial de se expressar em diferentes linguagens e socializar-se com os outros e com o mundo.
91

Por isso, defendemos uma formação omnilateral e reflexiva do estudioso com vistas à
emancipação humana. Por mais que à primeira vista pensemos em método em uma lógica
positivista-cartesiana, a essência da FSi é algo do tipo: cuide de seus estudos e seja dono
de sua vida.
Dessa maneira, concluída a caracterização da FSi, sentimos a necessidade de
apresentar nossas escolhas metodológicas e dialogá-las com os pressupostos do
empoderamento e da emancipação humana que discutimos nestes três capítulos dedicados
à teorização.
92

CAPÍTULO 4 –
POR UMA METODOLOGIA EMPODERADORA

O objetivo da educação deve coincidir com


a finalidade maior da vida dos educandos.
(MAKIGUCHI, 2002)

4.1. Por que escolhemos a Metodologia Interativa?


A primeira intenção de realizar uma pesquisa sobre a formação de professores de
Biologia envolvendo as percepções acerca de sua formação, surgiu em três perspectivas:
primeiro, das lacunas obtidas em nossa pesquisa de mestrado (MOURA, 2011), conforme
já foi discutido na Introdução; segundo, emergiu de nosso próprio exercício docente na
área de ensino de Biologia aos longos dos últimos dez anos e, por fim, diante das tensões
que nos provocamos diante da elaboração do nosso projeto de pesquisa e do relatório de
qualificação de doutorado.
Sempre foi nossa maior preocupação buscar percorrer uma trilha metodológica
que pudesse dar voz aos sujeitos da pesquisa e possibilitar a participação colaborativa dos
mesmos junto ao pesquisador. No entanto, nosso ponto de partida foi a seguinte questão:
Quais as percepções dos sujeitos em formação inicial em Ciências Biológicas quanto às
pesquisas realizadas nesta trajetória, e se elas contribuem para o empoderamento na
ação docente?
A partir da seguinte questão, elaboramos nosso objetivo geral, a saber: Investigar
se o processo de formação docente contribui para o desenvolvimento da autonomia
intelectual e empoderamento. Deste objetivo geral, seguiram-se os específicos:
• Estudar os limites das racionalidades técnica e prática no contexto da formatação
docente;
• Identificar os movimentos de subjetivação a partir das ações de empoderamento
durante a formação inicial;
• Analisar se as experiências relacionadas à pesquisa e ao ensino durante a
formação à luz dos elementos da Formação de Si.

Para atender aos objetivos acima, fomos aprendendo a estabelecer métodos que
fossem sistemáticos, sensíveis e interpretativos para que pudéssemos aprender os
caminhos de contexto para responder nossas questões e objetivos. Assim,
93

quando falamos em aprender, entendemos buscar informações, rever a própria


experiência, adquirir habilidades, adaptar-se às mudanças, descobrir significado nos
seres, nos fatos, nos fenômenos e nos acontecimentos, modificar suas atitudes e
comportamentos (MASETTO, 2003, p. 36)
Então, na acepção teórico-metodológica que buscam respostas aos nossos
objetivos, lançamos mão da Metodologia Interativa (OLIVEIRA, 2001; 2010; 2021) para
estabelecer métodos de coleta de dados e uma análise consistente diante das
possibilidades obtidas. E mais, que possibilitassem compreender as experiências
formativas à medida em que pudessem responder aos nossos anseios sobre a importância
do trabalho pedagógico em estudo e pesquisa na formação do professor de Biologia
enquanto sujeito intelectual, crítico, reflexivo e transformador. Mas, afinal, por que a
Metodologia Interativa (MI)?
Uma primeira defesa pela escolha metodológica é a opção por diversificar um
conjunto de técnica e procedimentos que envolvem os participantes da pesquisa nas
seguintes perspectivas:
a) Possibilidade de contar suas histórias, de forma ampla e abrangente: a MI parte da
interação dos participantes com o pesquisador em várias etapas do processo. Destacamos
o Círculo hermenêutico-dialético62 (CHD), que se constitui em um meio de coletar dados
à medida que se faz a pré-análise colaborativa. No círculo,as pessoas que se envolvem na
pesquisa permitem-se falar livremente sobre os temas em questão de forma ampla e
abrangendo seus contextos específicos, geralmente na forma de experiências vividas no
contexto de realidade pesquisado.
b) Participar da pré-análise junto ao pesquisador: Na MI, o pesquisador organiza sínteses
das respostas dos sujeitos da pesquisa que percorrem o círculo em buscadas contradições
e contribuições de outros participantes. A priori, podemos entender que a MI é uma
metodologia que pretende minimizar ao máximo os impactos da subjetividade do
pesquisador e valoriza o pensamento complexo e dialógico de todos os sujeitos
envolvidos.
c) Interagir com os demais sujeitos da pesquisa de forma colaborativa: A MI preconiza a
interação e a inter-relação dos participantes junto com a pesquisa e seu pesquisador
principal. Isso demonstra a familiaridade com que se envolvem eproduzem em grupo,
proporcionando empoderamento e, “no cumprimento de desenvolvimento das tarefas
deixam de ser um amontoado de indivíduos para cadaum assumir-se como participante63
de um grupo com um objetivo mútuo”.(FREIRE, 2019, p. 97)

62
O CHD será explicando logo adiante no decorrer do capítulo 5.
94

d) Por se tratar de uma investigação para compreender e distinguir elementos da


realidade de um dado momento histórico, “portanto, ao contextualizar o
fenômeno em estudo, o observador se dá conta de que está participando no
processo, ou seja, existe uma intersubjetividade” (OLIVEIRA, 2010, p. 126).
Outra questão importante é relacionada aos limites e às possibilidades do que
emerge durante a coleta e a análise dos dados. Dada a intersubjetividade e a liberdade dos
participantes na interação, percebemos fatos e contextos que não estavam previstos no
planejamento inicial do trabalho empírico. Assim, a MI pode dar conta de nossas questões
de pesquisa como também captar novos emergentes (MORAES; GALIAZZI, 2016),
principalmente relacionados às experiências: de ensino, relações interpessoais, tensões
específicas da formação pesquisada, atividades extracurriculares etc.
Por fim, a última questão pela qual seguiremos pelas trilhas da MI durante as
páginas que se seguem dá-se pela convergência entre os pressupostos teóricos de nossa
fundamentação estarem em sintonia com as bases teórico-metodológicas da MI. Fundada
inicialmente na Hermenêutica e na Dialética, a sua dinâmica entre a construção teórica e
a realidade empírica confirma que “é a realidade que nos fala, e não o que achamos ou
pensamos a respeito dela; portanto, são os atores sociais através de suas falas que nos
fazem compreender a realidade” (OLIVEIRA, 2010, p. 131).

4.2. Contextualização Teórica da MI

A pesquisa vem se tornando um caminho de apropriação de conhecimentos cada


vez mais sólido no mundo da Educação Superior. Para além de coletar e analisar
informações e histórias, o trabalho de pesquisa vem se constituindo uma real
possibilidade de (re)construções teóricas dos pesquisadores junto ao trabalho com os
sujeitos de suas pesquisas. Múltiplos olhares em diversos recortes teórico-metodológicos
caracterizam um grande avanço da pesquisa em Educação nos últimos anos.
Nesse contexto, emergiram metodologias que investem alto na tentativa de
eliminar ao máximo da subjetividade sem perder as possibilidades de dar voz e poder aos
sujeitos da pesquisa qualitativa. Em contexto, remetemo-nos a metodologias que buscam
compreender a realidade de forma abrangente e manter a visão sistêmica das questões e objetivos
da pesquisa em relação às percepções dos seus participantes. As primeiras características da MI
discutidas na Introdução deste capítulo já apontam sua afinidade com as qualidades acima
descritas.

63
Grifo nosso.
95

Em outra via, tornou-se crescente a preocupação de superar o contexto positivista


que entendia a metodologia em pesquisa apenas como aplicação técnica de um método
rígido e replicável. É fato que nos encontramos em um mundo recentemente dominado
pelos modos de ensino e pesquisa voltados à técnica e/ou à prática, de forma reducionista,
pragmática e instrumental. Por isso, pensar em novas formas de ensinar, pesquisar e viver
torna-se um imperativo ético e uma forma de resistência aos ditames neoliberais. Assim,
emergiram metodologias de pesquisa social que se sustentam em aportes teóricos densos,
mas com a valorização de uma rigorosidade ética que também enxergue as relações de
similaridade, correspondência e causalidade na coleta e análise dos dados obtidos.
Sobremaneira, a MI atualmente se consolida em referenciais como a
hermenêutica, a dialética, a complexidade e a dialogicidade, passando a habitar o mundo
das análises dos pesquisadores, principalmente na área de Educação. Na intenção de
constituir uma proposta teórico-metodológica que contemplasse as falas dos sujeitos e
possibilitasse uma análise consistente dos dados em categorias consistentes e válidas,
Oliveira (2001; 2021) criou, no âmbito de sua tese de Doutorado em Educação, a
Metodologia Interativa (MI) como proposta metodológica, embasada nos aportes teóricos
da Hermenêutica, da Complexidade e da Dialogicidade (OLIVEIRA, 2010; 2021). Ao
longo dos últimos vinte anos, a autora vem sistematizando e consolidando sua proposta
com apoio de parceiros institucionais, colegas pesquisadores e orientandos de
universidades brasileiras, estendendo laços de pesquisa mundo afora.
Na realização de sua pesquisa de doutorado finalizada em 1999 junto à
Universidade de Sherbroke, no Canadá, investigou potenciais do associativismo e do
cooperativismo em uma parceria educacional Brasil-Canadá. Os primeiros braços de sua
pesquisa assim se estenderam pelo período desta parceria, a saber, entre 1996 e 2004.
Durante este período, a autora consolidou sua proposta metodológica no mundo
acadêmico a partir da realização de um grande número de produções acadêmicas, num
exercício crescente de interesse pela metodologia que prevalece até os dias atuais.
De início, os pressupostos da MI foram edificados a partir dos seguintes
referenciais iniciais: a) nos pressupostos teóricos do método pluralista construtivista
(GUBA; LINCOLN, 2011) que sustentam o Círculo Hermenêutico-Dialético (CHD); b) no
método de análise de conteúdo (BARDIN, 2011) para a categorização e sistematização dos dados;
e c) no método hermenêutico-dialético (MINAYO, 2008) para a análise dos dados (ALVES;
AQUINO; CARNEIRO-LEÃO, 2020). Por exemplo, em sua defesa de doutorado (1999), o
aspecto mais enfatizado pelos avaliadores foi a originalidade e dialogicidade da trilha
metodológica construída (OLIVEIRA, 2021).
96

Naquele momento, a comunidade acadêmica sinalizava a relevância de um projeto


de trabalho e de vida que habitaria as produções e os sentimentos de Marly até hoje,
juntamente com seus parceiros e orientandos. Foi assim lançada a base teórico-
metodológica da Metodologia Interativa.
Para encerrar este bloco introdutório, esta autora após seus refinamentos teórico-
metodológicos dos seus últimos vinte anos de produção acadêmica, define a MI enquanto
processo hermenêutico, complexo, dialético e dialógico que facilita entender e
interpretar a fala e depoimentos dos atores sociais em seu contexto, na perspectiva de
uma visão sistêmica da temática em estudo (OLIVEIRA, 2010; 2014; 2021). Em
contexto, a MI tem sua apresentação teórica a partir das seguintes bases64:
a) Hermenêutica-Dialética: Na Hermenêutica, reconhecemos a compreensão do
sentido e seus significados a partir da comunicação entre autores, ou seja, “a
hermenêutica dos fenômenos humanos requer uma compreensão e uma
interpretação” (OLIVEIRA, 2010, p. 122). Em simbiose com a dialética, “o
sentido que a hermenêutica busca é validado no diálogo com outras possíveis
interpretações” (HERMANN, 2002, p. 74).

Assim, no universo essencialmente hermenêutico, na ótica de Gadamer, constam


ingredientes como “o modo como experimentamos uns aos outros, como experienciamos,
as tradições históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e de nosso mundo”
(BATISTA, 2012, p. 101). Em associação, “uma das características essenciais da dialética
é o espírito crítico e autocrítico. Assim, como examinam constantemente o mundo em
que atuam, os dialéticos devem estar sempre dispostos a rever as interpretações em que
se baseiam para atuar” (KONDER, 2017, p. 53). Logo, “a hermenêutica, quando vista
como um ‘ser no mundo’, é a principal forma de entendimento. Nós não somos ávidos
por objetos, mas sim seres ‘hermenêuticos’ dentro da tradição”. (LAWN, 2007, p. 63)
a) Complexidade-Dialógica: A complexidade denota a capacidade de apreender, reunir,
contextualizar e agregar, ao mesmo tempo em que reconhece o singular, o individual e o
concreto. Na inter-relação das partes com o todo, o específico não se perde, mas também
existe algo no todo que supera a soma das partes.
A perspectiva dialógica supera a dialética, pois, na articulação de ideias aparentemente
opostas, conhecimentos e saberes religam-se, ou seja, tornam-se complexus. Assim, as partes
tecidas em conjunto, formam um todo que é distinto da simples somatória das partes.

64
Para melhor compreensão, dividimos as quatro bases em dois grupos para apresentar com mais clareza a
evolução histórica da MI.
97

Ou seja, “os esforços educacionais de ir ao encontro da singularidade do outro


requer ultrapassar uma visão metafísica apropriadora. Na experiência dialógica alojam-
se as expectativas de uma abertura ética para criarmos um mundo comum” (HERMANN,
2002, p. 477).
Dessa maneira, os pares individual-coletivo, ação-reflexão e pesquisar-
revolucionar passam a ter sentido em conjunto, no contexto em que a MI permite o
empoderamento dos sujeitos da pesquisa, como veremos adiante. Num exemplo mais
claro, um outro par complexus da MI diz respeito à própria forma de análise da MI: a
análise hermenêutico-dialética-interativa (AHDI). No par de análise, agregam-se por
complementaridade, complexidade e dialogicidade: a) o campo das determinações
fundamentais, caracterizado pela fundamentação teórica e o contexto socio-histórico da
pesquisa; e b) o encontro com os fatos empíricos, que consiste na coleta de dados sobre o
fenômeno em questão. Percebemos assim que a MI não secciona e divide o trabalho
empírico versus a construção teórica, pois eles dialogam entre si, complementam-se e
interagem durante a trajetória pesquisada.
Entretanto, a perspectiva dialógica da autora é dada essencialmente pela
epistemologia freireana, ou seja, o diálogo é um ato de amor, humildade, fé nos homens,
esperança e criticidade (FREIRE, 1987).
Por sua natureza de proposta dinâmica, a MI vem recebendo incrementos teóricos
e práticos tanto por sua autora como também por um grande número de pesquisadores
que a utilizam em seus trabalhos de pós-graduação e em diversas publicações acadêmicas.
Por exemplo, o autor desta tese vem utilizando a MI em suas pesquisas de mestrado e
doutorado, com a participação da sua autora enquanto coorientadora desta tesee de outros
trabalhos do mesmo. Também utilizamos a MI como suporte para publicação e orientação
de alguns artigos acadêmicos durante nosso exercício da docência universitária, com
ênfase nas questões relacionadas às percepções de licenciandos a cerca da formação de
professores de Biologia.
Para nortear a discussão, gostaríamos de apresentar uma tabela exposta pela autora
da MI (OLIVEIRA, 2021), sumarizando os aportes teóricos:

Quadro 2
Esquema dos pressupostos teóricos da Metodologia Interativa
Domínio Teórico Aplicação na Metodologia Interativa
Hermenêutica Interpretação da realidade em seu contexto
histórico (Gadamer, 2007).
98

Dialética Em simbiose com a hermenêutica, propõe um


movimento interativo para se chegar ao resultado
dos conflitos entre as convergências e
contradições.
Dialogicidade Propõe a superação das convergências e
contradições por meio do diálogo ao invés do
conflito, como também a partir da Ação-Reflexão
dialógica (FREIRE, 1987)
Complexidade Tudo se entrecruza, tudo se entrelaça; assim, o
Complexus trata-se daquilo que foi tecido junto
(MORIN, 2011; 2013; 2020). Em parceria com
dialogicidade, temos uma perspectiva interativa ou
complexo-dialógica.
Fonte: Adaptado a partir de OLIVEIRA, 2010; 2013; 2021.

Dessa maneira, a primeira grande incorporação teórica da autora foi a


Complexidade de Morin e a Dialogicidade sob a perspectiva freireana. De um lado, a
complexidade de Morin permite o entendimento do “que é tecido junto”, na essência do
termo complexus. Por outro, indicamos que existe uma ponte entre o pensamento de
Morin e Freire na superação da tensão dialética por meio da dialogicidade. Pois, realizar
uma pesquisa nos pressupostos da MI envolve uma perspectiva essencialmente de
dialógica: apreender, cooperar e unir por meio do diálogo. A dialogicidade tem a força
de criar novos valores, contra-hegemônicos em relação à reforma mercantil da educação
e sua pedagogia bancária. Assim, baseada essencialmente no convívio da autora enquanto
aluna de mestrado do próprio Paulo Freire (OLIVEIRA, 2021) e do contato permanente
com as obras freirianas “Educação como Prática da Liberdade”, “Pedagogia do
Oprimido”, “Pedagogia da Esperança” e Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1967; 1987;
1992; 1996), nos meandros da MI, percebemos que o diálogo constitui o encontro dos
homens mediatizados pelo mundo, para além de uma relação eu-tu (FREIRE, 1987, p.
91). Pois, o diálogo é o melhor caminho para redescobrir nossa humanidade e nossos
valores universais através da educação que, mais do que ensino e instrução, é sempre
aprendizado.
O segundo momento de incorporação constituiu uma revisão teórico-
metodológica: foi pensar uma versão da MI que se adequasse ao contexto da sala de aula.Nasceu
daí a Sequência Didática Interativa, possibilitando à MI tornar-se uma metodologia de
pesquisa e ensino, para subsidiar professores-reflexivos em sua prática pedagógica (MOURA,
2013) e como uma metodologia ativa nos processos de ensino e aprendizagem em todos os níveis
99

e modalidades da educação (OLIVEIRA, 2013; 2020). Assumindo, por fim, nossa


condição de pesquisadores sobre a MI e trabalhando diuturnamente em seus pressupostos
teórico-metodológicos, entendemos que existe uma demanda permanente por inovações
e aperfeiçoamento no que diz respeito à revisão eincorporação de novos subsídios aos
pilares já consolidados. Para tanto, discutiremos a seguir a operacionalização de nossa
pesquisa e as contribuições da MI no que tange à coleta e análise de dados de forma
empoderadora.

4.3. Delineamento do plano de pesquisa

De uma forma geral, entendemos a construção desta tese em uma permanente


tensão dialética entre os construtos teóricos e a realidade pesquisada. Por outro lado,
entendemos também a articulação teoria-prática na perspectiva de empoderamento.
Assim, não podemos desvincular a construção metodológica em tela dos aspectos teóricos
que vêm se enredando desde a Introdução.
A pesquisa empírica, seus pressupostos teórico-metodológicos e a base teórica
fazem parte de uma mesma rede interconexa na busca de realizar um trabalho de pesquisa
sólido e consistente a partir de um conhecimento válido no âmbito da formação de
professores de Biologia. Pois, “o fato de uma pesquisa se propor à compreensão de uma
realidade específica não a exime de contribuir para a produção do conhecimento”
(GEWANDSZNAJDER; ALVES-MAZOTTI, 2001, p. 151).
A princípio, entendemos esta pesquisa de natureza descritiva e exploratória em
sua abordagem qualitativa, visto que desejamos (re)conhecer e caracterizar os fenômenos
relacionados à nossa questão de pesquisa (RICHARDSON et al., 2008, p. 66) sob a forma
de objetivos. Logo, seu planejamento é organizado a partir da definição de etapas
interligadas.
Inicialmente, projetamos uma pesquisa exploratória que foi se constituindo a partir
de nossa experiência docente corroborando a intenção de me inserir enquanto sujeito da
minha própria pesquisa. Concomitantemente, surgem o levantamento estruturado que
forneceram os dados analisados e os parâmetros teóricos da pesquisa empírica.
Uma pesquisa qualitativa “dirige-se à análise de casos concretos em suas peculiaridades
locais e temporais, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais”
(FLICK, 2009, p. 37). Porém, na busca de uma melhor sistematização de dados, sempre que
possível, optaremos sempre por triangular estratégias de coleta e análise de dados qualitativos.
Este será um escopo da pesquisa enquanto sua abordagem.
100

Em uma pesquisa qualitativa com intencionalidade de triangular dados em sua


coleta e análise, concordamos com Bauer et al. (2002) ao afirmarem que
uma cobertura adequada dos acontecimentos sociais exige muitos métodos e
dados: um pluralismo metodológico se origina como uma necessidade
metodológica. A investigação empírica assim exige: a) a observação
sistemática dos acontecimentos; inferir os sentidos desses acontecimentos das
(auto-) observações dos autores e dos espectadores exige b) técnicas de
entrevista; e a interpretação dos vestígios materiais que foram deixados pelos
autores e espectadores exige c) uma análise empírica. (p. 18)
Desde já confirmamos que o carro-chefe da MI, o círculo hermenêutico-dialético,
consistiu na vivência colaborativa de entrevistas semiestruturadas de acordo com os
elementos acima mencionados. A propósito, torna-se pertinente relembrar que
a entrevista diferencia-se do questionário por estabelecer uma relação direta
entre pesquisador (a) e entrevistador (a) e pela utilização do registro das
respostas em gravadores ou anotações manuais. Numa entrevista, é possível
aplicar um questionário ou simplesmente utilizar um roteiro que exijam
respostas livres. Em ambos os casos, o(a)entrevistador(a) deve ater-se ao que
está escrito, evitando questionamentos fora do que se pretende pesquisar
(OLIVEIRA, 2003,p. 55).
O roteiro das entrevistas foi elaborado de forma que pudesse compreender as
questões e objetivos da pesquisa, como também oportunizasse o surgimento de categorias
e percepções emergentes. A rede de captura dos dados deu-se a partir dos princípios
norteadores: a) qual o papel da pesquisa na formação do professor-biólogo? b) as
experiências da formação se remetem à formatação docente ou à FSi? c) de que forma(s)
o curso pensa suas práticas de pesquisa integrando-as às atividades de ensino e extensão?
Percebemos que a amplitude de questões e a diversidade de possibilidades situa
nossa pesquisa para além de um estudo de caso, pois as respostas obtidas podem ser
replicáveis em outros contextos; assim, os dados obtidos não possuem caráter único. E
mais, acreditamos na relevância e observância das questões levantadas em diversas
perspectivas da formação de professores para além da licenciatura pesquisada, como um
meio viável para compreender e analisar percepções, sujeitos, condições e permanência
de interconexões.
Para atender à proposta investigativa, lançamos mão da Metodologia Interativa
(MI) na condição que, em sua estruturação teórica e prática, baseada na hermenêutica-
dialética-interativa (OLIVEIRA, 2020) apropriação de dados e suas análises. Destacamos
que se trata de uma metodologia que compreende a interpretação hermenêutica, mas
convive com a tensão dialética e dialógica que pretende unir ao invés de segregar. Por fim,
tem o fiocondutor na dialogicidade que permite a livre expressão e comunhão dos sujeitos
envolvidos no trabalho de pesquisa.
101

Por conseguinte, sobre a escolha do campo de pesquisa, Gewandsznajder e Alves-


Mazotti (2001, p. 162) afirmam que “o pesquisador os escolhe em função das questões
de interesse do estudo e também das condições de acesso e permanência no campo e
disponibilidade dos sujeitos”.
Para atender a proposta investigativa, utilizamos a MI na condição que, em sua
estruturação teórica e prática, baseia-se na hermenêutica, na dialética e complexidade-
dialogicidade, permitindo a organização de um trabalho dinâmico e consistente, de acordo
com as percepções teóricas já construídas. Por se tratar de um processo dialético,
complexo, dialógico e sistêmico, a MI se aplica a qualquer área de conhecimento e
qualquer tipo de pesquisa qualitativa. É notável a relevância da MI, pois ela “permite a
participação efetiva de todos os atores sociais envolvidos na pesquisa” (OLIVEIRA,
2001, p. 67).
O quadro a seguir apresenta as etapas da MI:
Quadro 3
Etapas da Metodologia Interativa
Primeira fase Construção dos instrumentos de pesquisa
Entrevistas Aplicação dos instrumentos de pesquisa/ coleta de dados
CHD Transcrição das entrevistas
Síntese Identificação de elementos essenciais para a construção da síntese – sínteses parciais
Síntese das informações após cada entrevista com adições/comentários/sugestões
Condensação da síntese e reunião de todas as transcrições – síntese final
Segunda fase Identificação das categorias empíricas a partir da síntese e das transcrições
Análise Condensação de dados em unidades de análise para cada categoria empírica
hermenêutico- Análise das categorias em relação ao quadro teórico e a partir das unidades de análise
dialética-interativa Apresentação de resultados e discussão
(AHDI) Triangulação de dados
Triangulação de
dados
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos trabalhos de Oliveira (2001; 2010; 2021) e Silveira (2017).
A MI define-se basicamente por uma metodologia que valoriza a interação entre
os sujeitos, a contextualização participativa do pesquisador e a utilização de estratégias
mistas de análise. A metodologia apresentou-se relevante em relação aos propósitos da
pesquisa e aos atores sociais pesquisados, com destaque para o campo de pesquisa e a
utilização de uma amostra de licenciandos bem específica.

4.4. Campo e Sujeitos da pesquisa

A pesquisa foi realizada em uma universidade pública, localizada no estado de


Alagoas, no Campus II de sua universidade estadual (Uneal), localizado no município de
Santana do Ipanema, no semiárido nordestino.
102

Santana do Ipanema conta com cerca de 50.000 habitantes, sendo um polo


comercial para a mesorregião norte do sertão alagoano, como sua principal cidade. Por
outro lado, a oferta regional de licenciaturas é pequena, sendo as ofertas de Ciências
Biológicas e Pedagogia da Universidade Estadual de Alagoas as únicas opções de
universidade pública e gratuita para a formação de professores.
O Campus II da UNEAL foi criado em 1994, com a autorização de funcionamento
de seus primeiros cursos em 1995, a saber, Pedagogia e Zootecnia. O curso de Ciências
Biológicas obteve autorização para as atividades em 2005, apesar de ter uma história na
referida instituição que remonta à década de 1970. Nas palavras do seu projeto do curso,
“desde então, vem formando professores para atender a Cidade e as Regiões vizinhas e
profissionais espalhados nas mais diversas regiões do Brasil” (UNEAL, 2017, p. 16)

A universidade encontra-se na 191ª posição no ranking da Folha de São Paulo de


universidades brasileiras, publicado em 2018. O curso de Biologia na UNEAL está em
117º lugar geral entre as universidades divulgadas no ranking Folha65, que analisa e
categoriza as universidades pela qualificação em pesquisa, ensino, mercado,
internacionalização e inovação. O posicionamento entre os descritores é o seguinte:
Tabela 1
Descritores do ranking Folha para o curso de Ciências Biológicas na UNEAL.
Indicador Posição no ranking
Avaliação do mercado 67º
Qualidade do ensino 301-350º
Doutorado e Mestrado 301º
ENADE 251º
Professores com dedicação exclusiva ou integral 201º
Avaliação dos docentes Não consta
Fonte: Dados do Ranking Folha disponíveis conforme o link acessado.
Com relação à escolha do campo, Gewandsznajder e Alves-Mazotti confirmam que se
trata de “proposital, isto é, o pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do estudo
e também das condições de acesso e permanência no campo e a disponibilidade dos sujeitos”
(2001, p. 162).
Assim, o primeiro critério de inclusão-exclusão foi a disponibilidade de tempo para
responder à entrevista e participar da sequência de atividades da MI. Um segundo critério diz
respeito ao fato de ser egresso dos últimos cinco anos da Instituição66.

65
Ranking universitário Folha, em 2018. Disponível em https://ruf.folha.uol.com.br/2018/perfil/
universidade-estadual-de-alagoas-uneal-5242.shtml. Acesso em 17/11/2019.
66
O limite temporal de cinco anos foi estabelecido por se tratar da quantidade de tempo em que somos
docentes do referido Campus e puderam ser estabelecidas questões com maior pertinência à formação e ao
que dispõe o PPC.
103

No campus pesquisado, as aulas ocorrem no regime vespertino-noturno, cuja


variação pode existir em razão das demandas institucionais e ajustes de horários de
professores que residem nos estados vizinhos. Essa organização prejudica bastante os
trabalhadores-estudantes e também restringiu nosso universo de pesquisa, pois a maioria
dos estudantes (egressos ou não) costumam trabalhar durante o dia, principalmente em
empregos públicos e no comércio local.
Por isso, apesar da limitação, decidimos incluir no grupo de selecionados às
entrevistas uma porcentagem significativa de trabalhadores-estudantes ou estudantes-
trabalhadores, de forma a compreender melhor a dinâmica de funcionamento do curso e
sua adequação aos projetos de vida dos sujeitos em formação.
A pesquisa foi realizada com seis professores-biólogos das três últimas turmas de
egressos, contemplando os critérios acima mencionados, respeitando a média de
participantes da Metodologia Interativa, ou seja, entre 4 e 8 participantes (OLIVEIRA,
2010). Ou seja, são dois professores-biólogos de cada turma entre 2017 e 2019, de forma
que a distância temporal fosse a menor possível e que todos estivessem enquadrados num
mesmo projeto pedagógico de curso. Destacamos os seguintes critérios complementares
de inclusão/exclusão:
a) Egressos que desenvolveram atividades nos programas institucionais de iniciação
à docência; e/ou
b) Egressos que participaram dos programas institucionais de iniciação à pesquisa;
e/ou
c) Egressos que já cumpriram todas as etapas de conclusão do curso, inclusive o
trabalho de conclusão de curso e a prova do ENADE67;
d) Egressos que se consideravam trabalhadores-estudantes ou estudantes-
trabalhadores.
De uma forma geral, caracterizamos abaixo os seis pesquisados que, além de
opção voluntária, foram selecionados a partir de um certo perfil:
1) Belchior68 : Egresso da turma de 2017, Belchior é professor substituto de diversas
matérias no município onde mora. Está concluindo uma especialização em
Metodologia do Ensino de Ciências e seu maior desejo é um emprego concursado
de professor em sua área.

67
A saber: Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, aplicado pelo Ministério da Educação com
destino a mensurar indicadores de avaliação nacional para os cursos de ensino superior.
68
Todos os nomes são fictícios, no desejo de preservar o anonimato os sujeitos da pesquisa. A
caracterização mencionada foi feita a partir dos dados obtidos em triangulação com a proposta
metodológica e os interesses da pesquisa.
104

2) Heitor: Egresso da turma de 2018, Heitor trabalha em uma escola de ensino


fundamental em seu município, mas no serviço administrativo, no cargo de
vigilante. Também está concluindo a especialização em Metodologia do Ensino
de Ciências e tem como principal meta profissional conquistar uma vaga de
professor concursado em seu município.
3) Igor: Egresso da turma de 2018, Igor participa desde o primeiro período do grupo
de pesquisa em Genética Humana, área em que deseja ingressar na pós-graduação
stricto sensu. No momento, é professor de Ciências em uma escola da rede
particular no município em que reside.
4) Amora: Egressa da turma de 2019, Amora participa desde o primeiro período do
grupo de pesquisa em Parasitologia, área em que desejar cursar pós-graduação.
No momento, está desempregada e deseja ser professora universitária após a
conclusão do doutorado.

5) Victor: Egresso da turma de 2017, Victor é mestrando atualmente em um


programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências. Seu maior desejo é ser
professor universitário no campus em que cursou sua graduação e garantir seu
“lugar ao sol”.
6) Aurora: Egressa da turma de 2019, Aurora já teve alguns contatos com o ensino
e com a pesquisa, porém, no momento, está trabalhando em outra área
(Assistência Social). Possui interesse em cursar pós-graduação, mas ainda possui
muitos interesses que se confundem. Até o momento, apesar das atividades
profissionais com questões sociais, não deseja ser professora de Ciências e
Biologia.
Em linhas gerais, as questões construídas para as entrevistas giraram em torno das
percepções e vivências durante a licenciatura, com ênfase nas pesquisas que realizaram e
seus princípios, identificação profissional e elementos da subjetivação docente. O
delineamento do roteiro foi elaborado em congruência com a fundamentação teórica
discutida nos primeiros capítulos, mesmo considerando que
A educação do professor constitui um conjunto de práticas institucionais que
raramente resulta na radicalização dos professores. Os programas de formação
dificilmente estimular os licenciandos a levar a sério o papel do intelectual que
trabalha em benefício de uma visão emancipatória (GIROUX; MCLAREN,
2013, p. 146).
Dada a caracterização do campo e dos sujeitos da pesquisa, características
sociogeográficas da região e aspectos socioterritoriais do curso, decidimos optar pela MI
105

na sua possibilidade de desenvolver instrumentos e técnicas de pesquisa e análise que permitissem


uma resposta elaborada à questão inicial da pesquisa e seus objetivos.

4.5. Operacionalização do Círculo Hermenêutico-Dialético

Após a confecção do roteiro das entrevistas, inserimo-nos no campo de pesquisa


selecionando e convidando os sujeitos que se envolveriam na primeira etapa da MI: a
aplicação do Círculo Hermenêutico-Dialético, a partir desde momento denominado CHD.
Em linhas gerais, o CHD permite uma pré-análise das entrevistas no decorrer do trabalho
empírico e proporciona uma culminância, tornando os sujeitos da pesquisa mais do que
participantes, mas também autores de análises junto ao pesquisador. Por este motivo,
entendemos que a MI é uma metodologia empoderadora.
O CHD é uma técnica em que o pesquisador, mesmo realizando entrevistas
individuais, possibilita que haja troca de conteúdos entre os entrevistados quando elabora
uma síntese das respostas e valida seu conteúdo no percurso do CHD. Ao final, os
participantes elaboram colaborativamente a versão final da síntese, na forma de expressão
do contexto de realidade para dado momento histórico (SILVA et al., 2010). Assim, o
CHD é uma técnica de entrevistas que permite a interação dos sujeitos da pesquisa entre
si e com o pesquisador por meio da construção colaborativa de uma representação da
realidade investigada. Em outras palavras,
A aplicação da técnica do CHD muito nos ajuda no aprofundamento das
reflexões coletivas para a melhor percepção da realidade estudada. A maior
contribuição dada pelo emprego dessa técnica diz respeito à pré-análise por
cada entrevistado(a) e por cada grupo entrevistado. Este procedimento, além
de minimizar a subjetividade do pesquisador, facilita a elaboração da síntese
final (OLIVEIRA, 2010, p. 133).
Para melhor visualização, apresentamos a figura que ilustra um CHD realizado
com quatro entrevistados e um pesquisador.
Figura 1
Esquema do CHD para quatro entrevistados
Na figura, o primeiro círculo (verde) representa o grupo de 4 participantes (P1-P4).
A síntese de cada entrevista gera uma síntese parcial, representada entre C1 e C4,
feita pelo pesquisador em colaboração com os sujeitos da pesquisa. Após as
entrevistas e suas sínteses parciais transitarem por todo o CHD, no vai- e-vem
dialético entre convergências e controvérsias, o pesquisador reúne subsídios e
sistematiza a síntese final a ser apresentada para o grupo em um grande encontro
(presencial ou virtual). Assim, a síntese interativa (descrita como REALIDADE)
é a versão final do texto escrito colaborativamente a partir das sínteses parciais,
a partir da pré-análise de temas e evocações predominantes obtidas pelo
pesquisador nas trilhas da interatividade com os sujeitos da pesquisa.

Fonte: Google Imagens. Legendas baseadas em Oliveira (2010; 2014; 2021) e Silveira (2017).
106

Por exemplo, em um CHD composto por quatro entrevistados69 (P1, P1, P3 e P4)
são realizadas quatro entrevistas, geralmente, sob o formato semiestruturado em que os
temas da conversa são definidos por um roteiro elaborado pelo pesquisador. Entretanto,
cabe ao pesquisador conduzir a conversa de forma que o entrevistado transcorra
livremente sobre os pontos do roteiro e garantir que todos os temas sejam contemplados.
Assim, a transcrição da entrevista de P1 é feita pelo pesquisador logo após o trabalho
empírico. Logo após a transcrição, o pesquisador escreverá a primeira versão de sua
síntese parcial, por meio de tópicos, considerando o que foi dito pelo entrevistado e suas
observações pessoais tomadas no diário de bordo da pesquisa.
O trabalho seguirá com a entrevista realizada com P2, a partir da mesma dinâmica
realizada anteriormente. Após a entrevista, o pesquisador mostrará sua síntese parcial dos
tópicos elencados a partir do que foi dito pelo entrevistado anterior. Nesse momento, P2
terá a oportunidade de posicionar-se, tecendo suas contribuições e indicando
contradições. O pesquisador retorna ao trabalho de transcrição e a síntese parcial do
segundo entrevistado é fornecida após a entrevista com P3, que também fará suas
contribuições e reflexões. O trabalho transcorrerá com a mesma dinâmica até o
entrevistado P4.
Uma observação importante para a compreensão da metodologia diz respeito ao
fechamento do círculo. Conforme explicamos, no vai-e-vem das entrevistas e sínteses
parciais, nota-se que apenas o entrevistado P1 não teve a oportunidade de ler uma síntese
parcial e indicar suas contribuições, contradições e reflexões. Porém, isso não acontece.
Pois, o mecanismo de fechamento do CHD em dois momentos: No primeiro, o CHD é
encerrado com o retorno ao primeiro entrevistado, que poderá contribuir diante da síntese
parcial da última entrevista, permitindo assim uma participação de todos os sujeitos de
pesquisa no trabalho de pré-análise do pesquisador; no segundo momento, o pesquisador
proporciona um encontro entre todos os entrevistados para que possam dar as suas
contribuições e construir colaborativamente a síntese interativa – versão final da síntese
percolada no CHD. Quanto ao número de participantes, Oliveira (2001; 2010) recomenda uma
quantidade entre quatro e oito participantes, de modo que “o investigador elabora uma síntese
com os elementos participantes do círculo, e os convida para um momento de apreciação,
negociação e inserção de novos elementos à realidade escrita por eles” (SILVEIRA, 2017, p. 93).

69
Legendas escritas pelo pesquisador em orientação virtual com a autora e a partir de seus trabalhos, tais
como Oliveira (2010; 2021).
107

Assim, o CHD fecha-se após todos os participantes contribuírem individualmente


sobre uma síntese parcial realizada pelo pesquisador. Este, no final das transcrições e
sínteses parciais, esboça uma pré-análise a partir do trabalho de organização de síntese
final provisória que será apresentada ao grupo. De forma colaborativa, o grupo será
reunido e organizará a versão final da síntese – a síntese interativa (SI) – na forma de
um texto produzido colaborativamente pelos sujeitos da pesquisa, em comunhão com o
trabalho realizado pelo pesquisador. Oliveira (2010; 2013) explica que, na MI, cada
construção de realidade é dada na forma de síntese que é construída progressiva e
colaborativamente, a partir do agregado das entrevistas e das contribuições de cada
participante que, em tempo, torna-se coautor da pesquisa.
As idas e vindas das entrevistas foram operacionalizadas por meio de um grupo
de WhatsApp, cujo qual orientava os trabalhos realizados individualmente bem como
possibilitava as interações iniciais entre os participantes e organizou o encontro de
produção da versão final do texto. Para tanto, o encontro final recebeu o incremento de
um segundo aparato tecnológico: a pré-análise dos dados obtidos por meio do software
de pesquisa qualitativa Iramuteq.

4.6. O trabalho a partir do software de pesquisa qualitativa Iramuteq

Revisitando o CHD, o terceiro círculo da figura apresentada no tópico anterior é


chamada REALIDADE, representando um produto final após o encontro de todas as
pessoas pesquisadas de forma colaborativa e empoderadora, proporcionando autoria aos
sujeitos da pesquisa a partir dos subsídios fornecidos pelo pesquisador. No trabalho
realizado nesta pesquisa, o grupo de trabalho formado através do WhatsApp possibilitou
uma permanente roda de conversa, como também possibilitou a interação entre
pesquisador e entrevistados, de maneira individual, para a discussão de tensões e
contribuições a partir das sínteses prévias. O grupo de trabalho também proporcionou
adaptações e ajustes, proporcionado uma hermenêutica-dialética de pesquisa em busca de
“compreender a essência dos fenômenos, elementos e relações entre eles”
(RICHARDSON et al., 2008, p. 54)
Portanto, as entrevistas são essenciais no contexto da MI, visto que subsidiam
desde a pré-análise do pesquisador até a construção de categorias teóricas e empíricas na
análise mais aprofundada. Por outro lado, vivenciar o CHD permite um real protagonismo
e envolvimento na dinâmica de (re)construção da realidade pesquisada.
108

Ou seja, quando o pesquisador transcreve a primeira entrevista e faz a sua síntese


prévia, que será apresentada ao entrevistado seguinte, existe o exercício hermenêutico-
dialético-complexo-dialógico da pré-análise, conforme indicamos acima. Porém, quando
o CHD se encerra, percebemos que o ciclo poderia ser encerrado pelos próprios
participantes, desde que subsidiados pelas pré-análises do pesquisador com as devidas
tensões e contribuições.
Por mais que uma síntese possa aparentar reducionismo de ideias e concepções,
constatamos sua relevância no que concerne à identificação de pontos e lugares comuns
da formação, numa tentativa de vislumbrar a intersubjetividade no trabalho colaborativo.
Nesse ínterim, a ideia de uma síntese colaborativa supera a ideia de consenso, fundada na
avaliação de quarta geração (GUBA; LINCOLN, 2011). O texto construído institui uma
avaliação fundamentada na negociação (Idem), atendendo aos pressupostos
paradigmáticos da hermenêutica-dialética, bem como da complexidade e da
dialogicidade.
No caso desta pesquisa, decidimos complementar a pré-análise com a utilização
do software de pesquisa qualitativa Iramuteq, constituindo a nossa forma de contribuir
com a MI. A figura abaixo pretende explicar o CHD com mais detalhes e sua importância
na MI, como também a importância da instrumentalização da síntese final pelo Iramuteq:
Figura 2
Esquema ampliado do CHD

Fonte: Google Imagens. Legendas adaptadas a partir de Oliveira (2010; 2014; 2021) pelo autor.
No CHD, consideramos a importância da interatividade, pois, além das sínteses
parciais, o fechamento do círculo dá-se quando o ciclo de entrevistas se encerra, mas
também possui sua culminância com a reunião dos participantes. Essa reunião é de
extrema importância para que o grupo, no exercício do seu empoderamento, conduza as
pré-análises do pesquisador a uma versão final da SI.
109

Em outras palavras, o CHD fecha-se após uma dupla rodada de contribuições dos
seus participantes: primeiro, de forma individual, diante de uma síntese prévia elaborada
pelo pesquisador; depois, em um encontro no qual o grupo debate sobre o agregado de
pré-análises apresentadas pelo pesquisador e constroem, colaborativamente, o texto
final70.
No sentido de promover uma maior interação entre os participantes e a autoria
colaborativa, seu trabalho de redação final foi realizado por meio de uma oficina entre os
mesmos, que produziram um texto em tópicos, a partir dos modelos apresentados pelo
pesquisador durante o CHD. Surgiram assim duas grandes contribuições dessa pesquisa
com a elaboração da SI de forma mais participativa e colaborativa:
1) As pessoas foram motivadas a escrever um texto com a identificação do grupo.
Para tanto, desejaram escrever na primeira pessoa do plural, sugestão que foi
acatada pelo pesquisador;
2) As pré-análises do pesquisador foram apresentadas no início da oficina,porém,
com um diferencial: o pesquisador instrumentalizou a escrita colaborativa
apresentando as análises realizadas com o Iramuteq. Os dados do software
constituíram uma forma de complementar e didatizar a apresentação e
mediação do pesquisador.
Um terceiro destaque pode ser inferido com relação ao encontro final: é um
momento que já se constitui em devolutiva, mesmo que de forma prévia, dos dados da
pesquisa aos seus colaboradores. Assim, o encontro final também permitiu a apresentação
de outras perspectivas da realidade pesquisada e dados objetivos a partir das entrevistas
iniciais e das sínteses previamente elaboradas pelo pesquisador.
Desse modo, acreditamos que o Iramuteq contribuiu para respeitar ao máximo a
participação e protagonismo dos entrevistados, como também diminuiu os impactos da
subjetividade do pesquisador perante os dados da pesquisa.

4.7. Sobre o Iramuteq

O aplicativo que escolhemos para subsidiar nossa pré-análise junto ao grupo de


trabalho foi o Iramuteq (Interface de R pour les Analyses Multidimensionalles de Texts
et de Questionnaires). O software é caracterizado por Camargo e Justo (2013, p. 513):

70
Na maioria dos casos, o pesquisador elabora o texto final e apenas apresenta aos participantes para suas
contribuições e colaborações. Na nossa pesquisa, dadas as propícias condições de campo, decidimos ousar
na implementação do Iramuteq e investir na autoria colaborativa do grupo.
110

Trata-se de um programa informático gratuito, que se ancora no software R


e permite diferentes formas de análises estatísticas sobre corpus textuais e
sobre tabelas de indivíduos por palavras. (...) O IRAMUTEQ possibilita os
seguintes tipos de análises: estatísticas textuais clássicas; pesquisa de
especificidades de grupos; classificação hierárquica descendente; análises de
similitude e nuvem de palavras. Pelo seu rigor estatístico, pelas diferentes
possibilidades de análise, interface simples e compreensível, e, sobretudo, por
seu acesso gratuito, o IRAMUTEQ pode trazer muitas contribuições aos
estudos em ciências humanas e sociais, que têm o conteúdo simbólico
proveniente dos materiais textuais como uma fonte importante de dados da
pesquisa.
No primeiro momento, para que o software reconhecesse o material de análise, o
corpus71 textual passou por uma preparação prévia, a saber: adequação do texto e sua
formatação em padrões específicos (CAMARGO; JUSTO, 2013; SALVIATI, 2017). O
texto do agregado foi padronizado em um único arquivo no formato de bloco de notas
(.txt de codificação UTF-8 – all linguages).
A priori, o Iramuteq conseguiu definir bolos temáticos por agrupamentos
semelhantes. De maneira geral, o Iramuteq instrumentaliza o pesquisador em
organizações de análise de conteúdo, fornecendo análises do “tipo Lexográfica,
Especificidades, Análise Fatorial por Correspondência (AFC), Método da Classificação
Hierárquica Descendente (CHD), Análise de Similitude e Nuvem de Palavras” (KLAMT;
SANTOS, 2021, p. 1). O programa fornece a análise de estatísticas textuais com
resultados, tais como a identificação de frequência de palavras, pesquisa de vocabulário
no corpus textual e a lematização, que consiste na sistematização dada a partir das raízes
gramaticais das palavras analisadas. Também gera a Análise Fatorial por
Correspondência, utilizando-se as frequências e valores de qui-quadrado das palavras do
corpus, de maneira ordenada (por ordem decrescente).
O corpus também é visto à luz do Método da Classificação Hierárquica
Descendente, por atender ao critério monotemático, que seja: todas as entrevistas
buscaram percepções acerca das experiências vivenciadas em uma formação inicial em
Ciências Biológicas, modalidade licenciatura. Há um segundo critério da classificação
que não pode ser atendido: um grande número de textos. É um pressuposto para a MI
realizar o CHD com um número entre quatro e oito entrevistados, de forma a garantir a
legitimidade do círculo. Todavia, construímos roteiros para entrevistas extensas (com

71
O corpus textual é constituído pelo agregado da transcrição das entrevistas, somando-se as sínteses
parciais do pesquisador, as colaborações específicas dos participantes no percurso do CHD e as notas do
diário de bordo ou campo do pesquisador.
111

mais de uma hora de conversa), permitindo que o aplicativo tivesse uma relevância de
dados de 78,9%72.
É importante salientar que, em nossa metodologia, utilizamos o Iramuteq como
uma ferramenta instrumentalizadora à síntese em que culminância o CHD. Por isso
mesmo, apresentaremos neste item a variedade de recursos analíticos do Iramuteq, porém,
no caso desta pesquisa, faremos alguns recortes de utilização bem específicos. Por
exemplo:
a) As classificações obtidas foram essenciais para uma caracterização da SI por
meio de blocos temáticos, e não instrumentalizadora de uma análise de
conteúdo (como é de costume);
b) Os blocos temáticos dividiram e organizaram as percepções em relação ao que
fora questionado nas entrevistas, como também em sintonia com os objetivos
e a grande questão do pesquisador;
c) Apresentar as palavras mais citadas e suas devidas localizações em cada
entrevistado permitiu uma maior apropriação do texto pelo grupo, além de
enxergar algumas contribuições e contradições relevantes.
As classes são obtidas por meio da semelhança léxica, em que os segmentos de
textos (ST) de maior semelhança são agrupados em uma mesma classe. (CAMARGO,
2005) Dessa maneira, cada classe é representada por uma cor específica e por diversos
formatos visuais e estatísticas simples, com destaque para o dendrograma, que é a figura
em que apresenta uma classificação colorida, onde as palavras estão dispostas de acordo
com a frequência, de maior a menor tamanho em relação à frequência obtida.
Existe um segundo recurso que será relevante para nosso trabalho de pré-análise
e elaboração da SI: a Nuvem de Palavras. De um formato visual bastante chamativo e
comum aos softwares de análises qualitativa, a nuvem representada as palavras de maior
incidência em maior tamanho e posição centralizada. Em outras palavras, em uma nuvem,
o tamanho da palavra e sua centralidade na imagem indica sua frequência e estabelece
relações de força na classificação.
No caso do Iramuteq, existe uma observação importante a ser feita: podemos
utilizar filtros de seleção para escolher as classes gramaticais de maior força. No caso,
podemos optar por uma maior valoração em substantivos e verbos. Além de ser um
recurso visualmente interessante, denotamos a importância da nuvem de palavras que

72
Números acima de 70% são considerados viáveis para a consolidação das análises.
112

apresenta um retrato panorâmico das evocações para a apresentação dos dados para o
grupo e subsidiar a redação da SI na forma de uma síntese na parceria entre o pesquisador
e os entrevistados, ou seja, um texto construído colaborativamente. Portanto, olhando a
nuvem como um todo, percebemos que a maior preocupação nas evocações gira em torno
da palavra central na nuvem.
Desse modo, acreditamos ter contribuído com a MI no sentido de respeito máximo
à produção colaborativa dos sujeitos envolvidos mediante orientação do pesquisador e
fidelização às falas originais.

4.8. Sobre a Síntese Interativa

Além de promover o engajamento dos participantes envolvidos, acreditamos que


o Iramuteq contribuiu de forma significativa na construção da SI, conforme será discutido
no capítulo 5. As interferências da subjetividade foram minimizadas e a contextualização
participativa do pesquisador foi exercida. Também consideramos relevante que “a
interpretação da realidade é feita de forma interativa, pois, durante a coleta de dados,
existe uma pré-análise feita diretamente pelos atores sociais e, em um segundo momento,
entre esses atores e o pesquisador” (OLIVEIRA, 2010, p. 130).
No caso em questão, percebemos que os dados obtidos do software facilitaram a
mediação entre as pré-análises do pesquisador, ao conjunto de dados e análises
apresentado pelo pesquisador no encontro final e a redação colaborativa da SI. Dessa forma,
o encontro final veio a ser iniciado com uma exposição dialogada do pesquisador,
apresentando ao grupo suas pré-análises:
a) O conjunto das sínteses parciais, com destaque às notas de contribuições obtidas
durante o CHD, especificados em slides no formato de apresentação;
b) Também por slides, os dados da classificação hierárquica descendente e os dados
mais flagrantes da análise fatorial por correspondência73;
c) A nuvem de palavras, com seus respectivos destaques;
d) Um esboço da síntese final, escrita em tópicos sucintos, para exemplificar o trabalho
de reelaboração dos sujeitos com a intenção de sintetizar e apresentar a tematização
para ser discutida em grupo.

73
Por meio de um grupo de WhatsApp, o pesquisador apresentou o Iramuteq aos participantes, enviando
um conjunto de tutoriais disponíveis na internet e explanações a partir do seu manual (SALVIATI, 2017).
113

Acerca do referido encontro, destacamos que “todos os participantes puderam se


concordando ou não com a síntese dos dados, e ainda deram novas informações que não
foram verbalizadas no momento das entrevistas” (OLIVEIRA, 2010, p. 24). Portanto, a
oficina de elaboração da SI também é uma trajetória, que se inicia com a apresentação
do pesquisador e culmina com a redação da versão final da mesma.
Por nossa condição de mediadores do grupo, postulamos que o Iramuteq possa
confirmar os seguintes argumentos:
a) Consistência dos dados apresentados: defendemos que as análises do software podem
proporcionar análises mais robustas e consolidar a primeira fase da MI de forma mais
precisa e participativa;
b) Fidelização do corpus ao agregado das entrevistas: Uma sugestão metodológica
adicionada foi a orientação no sentido de que destacassem, no texto da SI, as palavras
diretamente extraídas no corpus. Por convenção, foi adotado o padrão negrito.
Com a referida orientação metodológica, percebemos que a síntese transcende a
ideia de resumo de dados, o que constituiria um reducionismo de percepções, e passa a se
constituir no conjunto de metatextos. Dessa maneira, consideramos que um metatexto
pode ser entendido como um “conjunto de argumentos descritivo-interpretativos capaz
de expressar a compreensão atingida pelo pesquisador em relação ao fenômeno
pesquisado, sempre a partir do corpus de análise” (MORAES, 2003, 201-202).
Nesse sentido, apesar de ser uma síntese, a SI não possui o formato de um resumo
consensual sobre os temas. Ao contrário, caracteriza-se pela dialógica que pretende
integrar as percepções dos envolvidos na pesquisa e proporcionar-lhes a experiência de
autonomia intelectual e empoderamento, por meio de “um texto que se escreve com
regime de verdade e ordenamento do discurso, relacionado aos conhecimentos adquiridos
e aos recursos literários assimilados” (BEZERRA, 2019c, p. 51).
Podemos assim inferir que a SI, em sua versão final, constitui-se como um texto
elaborado colaborativamente acerca da realidade pesquisada na forma de um conjunto
de metatextos, pois contempla as três fases de uma análise textual discursiva (ATD), a
saber: desconstrução, comunicação e emergência (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.
63). Logo, a SI
Pode ser descrita como um processo emergente de compreensão, que se inicia
com um movimento de desconstrução em que os textos do corpus são
fragmentados e desorganizados, seguindo-se um processo intuitivo auto-
organizado de reconstrução, com a emergência de novas compreensões que,
então, necessitam ser comunicadas e validadas cada vez mais com maior
clareza na forma de produções escritas”. (Idem, p. 63)
114

De uma forma mais específica, estabelecemos a relação dos metatextos com a SI


definindo a seguinte trajetória, em etapas74:
a) Desconstrução: Movimento de fragmentar as informações do corpus por meio da
transcrição das entrevistas e da produção de sínteses parciais pelo pesquisador;
b) Comunicação: Ao comunicar as sínteses parciais aos entrevistados no decorrer do CHD,
o foco do pesquisador é a captação de novos emergentes. Os emergentes surgem a partir
das contribuições e contradições de cada participante junto aos insights que surgem no
esforço de compreender e interpretar o contexto pesquisado;
c) Emergência: As pré-análises do pesquisador serão sistematizadas pelo grupo, o que
possibilita empoderamento por meio das compreensões dos sujeitos da pesquisa acerca
da realidade investigada. Assim, sob a orientação do pesquisador, “o terceiro movimento
do ciclo consiste na construção dos metatextos com base nos produtos de análise. (Idem,
p. 67)
Dito de outra forma, a SI é o resultado de um ciclo de três etapas vivenciando por
meio do CHD, que se inicia com a desconstrução e unitarização das informações obtidas
na coleta e, a partir de uma comunicação complexo-dialógica, permite a emergência de
compreensões, impregnações e sentidos por meio da interatividade atingida na elaboração
dos metatextos. A partir do exposto, podemos inferir que a SI “é a construção mais
fundamentada e esclarecida que é possível desenvolver naquele contexto, naquele
momento e com aqueles respondentes” (GUBA; LINCOLN, 2011, p. 200). Entendemos
assim a SI enquanto um conjunto de metatextos produzidos colaborativamente pelos
sujeitos da pesquisa sob a orientação e supervisão do pesquisador.
Por outro lado, os temas obtidos pelo Iramuteq também contribuem para auxiliar
o pesquisador no sentido semântico, organizando o texto por meio de unidades de
comunicação, “explorando seus sentidos e significados” (MORAES; GALIAZZI, 2016,
p. 82). A tematização permitiu uma pré-análise que promoveu engajamento dos sujeitos
da pesquisa, mas também “constituindo um esforço de interpretação do pesquisador em
relação aos significantes do corpus” (op. cit., p. 75).
Em razão de todos os motivos acima descritos e elencados, na interface entre a MI
e a ATD, a elaboração da SI por tema e tópicos na forma de metatextos enquadra os
sujeitos da pesquisa para além da condição de participantes, mas também de
pesquisadores coautores de um produto construído em grupo. E mais: asseveramos a

74
Esquema baseado na Análise Textual Discursiva de Moraes e Galiazzi (2016).
115

condição de conjuntos de metatextos à SI por entender que as evocações originais das


entrevistas não possuem qualidade intrínseca de síntese por auto-organização apenas pelo
trabalho participante realizado pelo pesquisador. Em tempo, é importante destacar que a
elaboração de sínteses parciais pelo pesquisador a serem apresentadas aos entrevistados
por meio do CHD já ensaia um potencial metanalítico, constituindo-se uma pré-análise
dos dados obtidos, ou seja, a primeira fase de análise no âmbito da MI, visto que “é
importante ir além, atingir uma compreensão aprofundada do conteúdo das mensagens
através da inferência e interpretação (MORAES, 1999, p. 10). Destarte,
os textos, não carregam um significado a ser apenas identificado; são
significantes exigindo que o leitor ou pesquisador construa significados com
base em suas teorias e pontos de vista. Isso exige que o pesquisador em seu
trabalho se assuma como autor75 das interpretações que constróidos textos que
analisa. (MORAES, 2003, p. 194)
Acreditamos assim que a SI atende aos requisitos de um corpo de metatextos à
medida em que o texto colaborativo é escrito por meio de descrições e interpretações do
pesquisador, em um primeiro momento, culminando com a síntese autoral dos sujeitos da
pesquisa. Em perspectiva, o pesquisador lança todo o corpus à luz da sua teorização
construída no arcabouço da pesquisa. Sobremaneira, o surgimento de teorizações e
categorias emergentes tornou-se factível diante da realidade investigada, a partir das
análises e reflexões no processo reiterativo da escrita (MORAES, 1999; MORAES;
GALIAZZI, 2016).
Assim, no vai-e-vem dialético (Oliveira, 2010; 2014; 2021) inerente ao CHD, “o
metatexto resultante desse processo representa um esforço em explicitar a compreensão
que se apresenta como produto de uma nova combinação dos elementos construídos ao
longo dos passos anteriores” (MORAES, 2003, p. 191). Em síntese, os metatextos
elaborados colaborativamente, ao adquirirem um corpo de síntese (SI), passam a
constituir a culminância do primeiro momento da MI. A título de recapitulação,
(re)apresentamos seus aportes teóricos na tabela abaixo:
Quadro 4
Pressupostos da MI à luz da ATD
Domínios Teóricos da MI Relação intrínseca com os metatextos da SI

Hermenêutica Os significados são subjetivos e construídos pela compreensão e interpretação


de todos os participantes, inclusive do pesquisador.

Dialética As percepções e compreensões estão sempre em movimento – crítico,


transformador e reflexivo.

75
Grifo nosso.
116

Complexidade A compreensão totalizante na forma de síntese final tem constitui uma unidade
em que o todo que supera a soma das partes isoladas.

Dialogicidade A produção textual colaborativa supera a dialética no momento em que é


crítica e reconstrutiva, mas agrega concordâncias e contradições por meio do
diálogo permanente entre os sujeitos e da participação ativa do grupo.

Visão Sistêmica Os metatextos emergem pela auto-organização das compreensões e


percepções à luz do referencial teórico e analítico do pesquisador e da
autonomia intelectual desenvolvida pelo grupo.

Fonte: Adaptado a partir das convergências entre Oliveira (2021) e Moraes e Galiazzi (2016).
Destacamos que aliar a MI aos pressupostos da ATD consolidou expectativas
positivas, consolidadas a partir das contribuições do Iramuteq. Ou seja, o software
demonstrou precisão e confiabilidade na análise textual como também produziu dados
atrativos que, na forma de metatextos, promoveram o protagonismo do grupo de trabalho
na versão final da SI, em sua primeira fase. Podemos sintetizar as etapas da primeira fase
da MI nos seguintes tópicos (OLIVEIRA, 2010):
• Construção dos instrumentos de pesquisa;
• Aplicação dos instrumentos de pesquisa ou coleta de dados;
• Transcrição das entrevistas;
• Identificação dos elementos essenciais para a construção da síntese;
• Síntese parcial das informações após cada entrevista com
adições/comentários/sugestões;
• Condensação da síntese;
• Encontro final com os entrevistados.
Acreditamos que a aplicação de softwares de pesquisa qualitativa constitui um
campo promissor na primeira fase de trabalho nos moldes da MI, que principia com as
transcrições das entrevistas e possui culminância com a materialização da versão final da
SI. Por fim, a utilização de evocações diretas do corpus textual na SI junto às pré-análises
também amenizou a tensão permanente da pesquisa qualitativa: entre a minimização da
subjetividade do pesquisador e sua contextualização participativa. Nos entremeios desse
processo, mantivemo-nos na tensão entre o empoderamento e a autonomia intelectual dos
participantes da pesquisa, como também na busca permanente de caminhos que atendam
de forma específica a teorização e nossas questões de pesquisa, além de capturar a maior
quantidade possível de emergentes por meio do CHD.

4.9. Segunda Fase da MI – AHDI


117

O agregado de entrevistas, sínteses parciais e SI remetem o pesquisador à segunda


fase da MI, que principia na análise hermenêutico-dialética e culmina com a complexo-
dialógica. Oliveira (2021) prefere unir todos os termos e propor a Análise hermenêutico-
dialética-interativa (AHDI). Como pressuposto teórico, a AHDI baseia-se na premissa de
que
A técnica da análise hermenêutica-dialética preserva, da hermenêutica, a
possibilidade de interpretação dos sentidos que os sujeitos elaboram em seus
discursos, e se combina à compreensão de tais sentidos face às contradições
que lhes constituem, e ao seu contexto social e histórico, por meio da lógica
dialética (CARDOSO et al., 2013, p. 7).
Nesse ponto, surge a necessidade da utilização de diversas fontes de dados e
ferramentas de análise, pois o movimento produtivo e criativo corresponde a um processo
de auto-organização composto de dois movimentos:
O primeiro deles é a desconstrução, de desmontagem dos sentidos e
conhecimentos existentes, de aproximação ao caos. O segundo é de
reconstrução, de organização das unidades de sentido produzidas pela
desconstrução, com emergência de categorias e textos expressando novos
entendimentos construídos no processo (GALIAZZI; MORAES,2006, p. 126).
Revisitando o item anterior, a AHDI possui os seguintes passos: Primeiro, as
entrevistas são aplicadas e transcritas de forma exaustiva e as sínteses iniciais são
realizadas. O processo de compreensão envolve a produção do texto colaborativo
chamado SI, no qual a dialética estabelece a relação entre convergência, divergência e
complementaridade entre os dados. Assim, a análise encaminha-se ao processo de
categorização em unidades de sentido ou de análise e recebe um tratamento mais
especializado e aprofundado por parte do pesquisador (OLIVEIRA, 2010; SILVEIRA,
2017).
Na realização das entrevistas, cada entrevistado(a) recebeu orientação e
explicação sobre os objetivos de trabalho, sobre a garantia de sigilo da sua identidade
através de um discurso breve e informal, como forma de deixar o entrevistado mais à
vontade para a sua realização. As entrevistas foram gravadas e transcritas mediante
consentimento por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE
(Apêndice A).
Cada entrevista durou entre 40 minutos e pouco mais de uma hora de conversa.
As transcrições foram feitas pelo próprio pesquisador, de forma a garantir a
intersubjetividade necessária à elaboração das sínteses parciais.

Dentre os seus professores-biólogos entrevistados, não tivemos a preocupação de


manter uma proporcionalidade de gênero, apenas o aspecto de participação voluntária e
o atendimento aos critérios de inclusão/exclusão. Convém ressaltar que, apesar de termos
118

respeitados os limites mínimos e máximos para o exercício do CHD, “não é a quantidade


de pessoas que irão prestar as informações que tem importância, mas, sim, os significados
que os sujeitos têm, em razão do que se procura para a pesquisa” (ROSA; ARNOLDI,
2008, p. 53).
Também concordamos com Franco (2008) em relação ao conteúdo do roteiro das
entrevistas. Ou seja, as entrevistas ao serem realizadas para a captação de mensagens
sobre um determinado tema, devem:
a) Conter as questões que se referem ao tema escolhido;
b) As respostas dadas às questões devem ser obtidas mediante a utilização de
técnicas semelhantes em situações, igualmente, semelhantes; e, devem, também,
c) Ser realizadas por indivíduos similares.
O roteiro da entrevista foi dividido em três grandes blocos temáticos, que se
relacionam diretamente às categorias teóricas apresentadas no capítulo 1, com ênfase na
formação inicial em Biologia. Na condição de um roteiro semiestruturado, cada bloco foi
dividido em três tópicos ou temáticas em que o entrevistado seria convidado livremente
a falar sobre o tema, ficando à vontade para ir falando e o pesquisador conduzindo suas
falas de acordo com o cumprimento dos tópicos, para que as entrevistas se aproximasse
ao máximo de um diálogo.
Os blocos temáticos do roteiro e seus tópicos foram os seguintes:
I) Aproximações e motivações em relação à formação inicial:
a) Influência específica de familiares, professores e demais atores sociais
na escolha do curso;
b) Relações com o trabalho durante a formação inicial;
c) A importância das relações interpessoais constituídas com colegas e
professores;
II) Atividades de ensino, pesquisa e extensão durante o curso:
a) Experiências relevantes de ensino;
b) Atividades de pesquisa – eventos, publicações e demais produções
acadêmicas;
c) Ações extensionistas;
III) Perspectivas profissionais e planos para a formação permanente:
a) Tensões do final do curso e início de carreira;
b) Inserção no mercado de trabalho e pós-graduação;
c) Visões de futuro profissional e projetos de vida.
119

Para uma explicação mais detalhada do trabalho de campo, é importante revisitar


algumas características da MI, tais como: i) interação entre os participantes entre si e com
o pesquisador; ii) natureza descritiva e exploratória; e iii) seu caráter hermenêutico-
dialético de compreensão e interpretação da realidade.
Com isso, a partir dos pressupostos acima mencionados, as conversas sobre os
tópicos relacionados geraram gravações que foram transcritas pelo próprio pesquisador e,
gradativamente, o CHD foi sendo cumprido por meio da interatividade e das sínteses
parciais. Feito o percurso do CHD e elaboração da SI, inicia-se a segunda fase da MI: a
sistematização dos dados em categorias.
Do ponto de vista da sistematização dos dados, a SI subsidia a organização e
apresentação de uma matriz geral de categorias. Na matriz, encontramos o nível das
determinações fundamentais (MINAYO, 2008; OLIVEIRA, 2010), pois
vislumbramos: Primeiro, as categorias teóricas que foram construídas a priori, a partir
das determinações teóricas da pesquisa; segundo, as categorias teóricas determinam
categorias empíricas, que se constituem na aproximação com o corpus por meio do
instrumento de coleta de dados; e, por fim, as unidades de análise ou sentido, que são as
respostas dos participantes às questões feitas no trabalho de campo. O quadro abaixo
descreve as etapas deste nível:
Quadro 5
Nível das determinações fundamentais
Fases Ações
Organização Estruturação do roteiro de entrevistas
Sistematização Realização do trabalho de campo por meio do
CHD
Realização das descrições, transcrições e sínteses
Categorização Sistematização do agregado das entrevistas e
sínteses em categorias teóricas, empíricas e
unidades de análise.
Fonte: Adaptado a partir de Oliveira (2010).
Assim, é nesse primeiro momento que o pesquisador exerce “o momento de
análise da história dos sujeitos, dos documentos e/ou fatos, num movimento em que o
pesquisador se torna presente por meio das falas dos pesquisados” (SILVEIRA. 2017, p.
106). Em outras palavras, é a partir das determinações fundamentais que a classificação
e ordenação dos dados fazem emergir as unidades de análise, que são mais do que
respostas dos pesquisados, são também mensagens que devem ser interpretadas e
compreendidas pelo exercício hermenêutico, dialético, complexo e dialógico. Assim, a
sistematização das categorias pode ser entendida com a AHDI propriamente dita, visto
que as unidadesde análise sob a forma de respostas serão analisadas à luz da
120

fundamentação teórica por meio de categorias teóricas e empíricas. A interpretação das


unidades de análise ou de sentido em relação às categorias estabelecidas é o momento em
que os dados coletados e os referenciais teóricos da pesquisa fundem-se em um todo
complexo-dialógico, junto às questões de pesquisa, referenciais adotados e o trabalho de
campo realizado.
Realizar a análise em etapas permite maior poder de síntese e a contextualização
participativa do pesquisador (CPP). Assim, a segunda e terceira etapas aglutinam-se no
nível de encontro com os fatos empíricos (MINAYO, 2008; OLIVEIRA, 2001; 2010). Na
CPP, o pesquisador tem a oportunidade de se posicionar diante das categorias analisadas
e, por meio da intersubjetividade, pode demonstrar como compreendeu de forma
hermenêutica-dialética-complexa-dialógica a versão da realidade pesquisada, ou seja, a
sua história-trajetória.
A CPP emerge ao considerar a intersubjetividade e a dinâmica das relações entre
os atores sociais investigados junto ao pesquisador, unidos pela dialética e pela
dialogicidade, permitindo uma análise que se realiza de forma contínua e complexa.
Assim, a realidade pesquisada pode ser estudada e reconstruída de forma sucessiva e
infindável, a partir de uma sucessão de fatos que se entrelaçam. Também envolve o
trabalho do pesquisador que relaciona a leitura exaustiva da fundamentação e dos dados
obtidos no estabelecimento de relações com os objetivos da pesquisa, situando suas
considerações por meio da dialogicidade e da complexidade. Essa etapa atende aos
pressupostos da AHDI constituindo sua segunda etapa: o nível de encontro com os fatos
empíricos. O quadro abaixo descreve suas etapas ou fases:
Quadro 6
Nível de encontro com os fatos empíricos
Fase Ações
Classificação Leitura exaustiva e repetida do corpus
Categorização Construção das categorias de análise
Contextualização participativa do pesquisador
AHDI propriamente dita Apropriação das unidades de sentido ou análise
Análise hermenêutica-dialética-complexa-dialógica

Fonte: Elaborado pelo autor a partir da interface entre Minayo (2008), Oliveira (2010) e Silveira (2017) .

Entendendo a análise com um movimento cíclico, concordamos com Moraes e


Galiazzi (2016, p. 118; 121) com o entendimento de que
O desafio da análise e da escrita é atingir uma clareza cada vez maior dos textos
produzidos, o que demanda submeter as produções a sucessivas leituras,
críticas e reescritas. Em cada nova versão dos textos se atinge uma maior
qualidade e clareza, conseguindo-se expressar os resultados da pesquisa de
forma mais válida (op. cit., p. 200).
121

De uma forma geral, a MI permitiu a compreensão e a dialogicidade entre a


questão de pesquisa e o nível de encontro com os fatos empíricos, diante da possibilidade
de “fazer contínuas revisões e adequações sempre à luz da teoria subjacente à temática
em estudo” (OLIVEIRA, 2010, p. 146).
A partir do exposto, o trabalho de análise será desenvolvido no capítulo seguinte,
em suas recomendações, limites tensionados e possibilidades da pesquisa, convidando-
nos aos caminhos de um panorama mais específico da realidade investigada.
122

CAPÍTULO 5 - RUMO À SÍNTESE INTERATIVA


O poder emerge onde quer que
as pessoas se unam e ajam em conjunto (ARENDT, 2007).

5.1. Pelos caminhos do IRAMUTEQ


Este capítulo destina-se à apresentação dos dados e análises a partir dos
pressupostos da MI discutidos no capítulo anterior. Como já foi considerado
anteriormente, o recorte da pesquisa propõe-se a investigar, sob uma multiplicidade de
ângulos, os aspectos formativos relacionados à formação inicial em Ciências Biológicas
por meio do arcabouço teórico da formação inicial de professores de Biologia e os seus
caminhos de subjetivação docente.
Este capítulo organiza-se da seguinte forma: Primeiro, apresentamos os caminhos
de produção da síntese interativa por meio do CHD; em seguida, encaminharemos os
principais aspectos analisados para a análise hermenêutica-dialética-interativa (AHDI),
que será desenvolvida no capítulo 6. As etapas de análise acima descritas foram assim
organizadas de forma que se permitiu a triangulação dos dados em diversas óticas,
permitindo que o corpus fosse explorado em profundidade e que a compreensão da
realidade fosse a maior possível.
A partir da construção da síntese interativa (SI), apresentaremos os dados das
entrevistas em suas respectivas unidades e categorização. Neste capítulo, também
apresentaremos os dados das análises realizadas pelo IRAMUTEQ sobre o corpus textual,
que subsidiaram a elaboração da versão final da SI. O IRAMUTEQ garantiu a
organização do corpus e a síntese de forma coerente com as categorias teóricas e o roteiro
das entrevistas.
Na condição de síntese e construção de realidade, a SI é um todo maior que a soma
das partes formadas pelas percepções dos sujeitos pesquisados. Dessa forma, tencionamos
atender os pressupostos da complexidade inerentes à MI. Escrita sob a forma de tópicos
e com destaque às palavras utilizadas diretamente do corpus, a SI possui a pretensão de
ser mais dinâmica e específica na hora de apresentar as contribuições dos participantes
do CHD e mobilizar a escrita deste relatório de tese, facilitando o diálogo, a revisão e as
contribuições de todos os envolvidos.
Assim, a construção da realidade pesquisada é o conjunto das principais percepções dos
atores sociais pesquisador acerca das questões da pesquisa. Uma construção dinâmica que
facilita o diálogo, a revisão e as contribuições dos sujeitos pesquisados.
123

Por mais que possa parecer uma construção reducionista, por buscar um certo
consenso, o principal objetivo da SI é construir um entendimento global da realidade
pesquisada, de forma complexo-dialógica, de forma que se caracterize certa realidade
histórica para um determinado número de pessoas envolvidas com a pesquisa. Nesse
sentido, a SI possui uma perspectiva de intervenção na realidade e colaboração, na qual
um sujeito pode intervir na fala do outros e, no encontro de ideias, fazer surgir a
colaboração e os novos emergentes, por meio de um texto que é plural, mas não despreza
o brilho das percepções individuais. Logo, entendemos a SI numa perspectiva
intervencionista, que se encontra na margem oposta do reducionismo e da segregação de
conhecimentos, atendendo aos pressupostos da hermenêutica, da dialética, da
complexidade e da dialogicidade.
Entretanto, o processo de síntese, por meio de sua própria dialética, é um processo
que, além de provocar unificações, gera conflitos. Esta é uma tensão dinâmica e
construtiva de duas formas: o primeiro ponto diz respeito às questões que se destacam no
corpus textual e à utilização na SI das evocações dos próprios pesquisados; e, em segundo
lugar, sempre existe uma tensão entre a posição do pesquisado individualmente e sua
participação em um grupo de trabalho.
Por outro lado, acreditamos que a referida tensão é criativa, assim, defendemos
que a MI possui um aporte teórico-metodológico de enriquecimento didático do grupo de
trabalho, pois proporciona crescimentos individuais e coletivos durante sua trajetória.
Retomando as questões do capítulo anterior, as evocações predominantes e
algumas estatísticas textuais foram obtidas através do IRAMUTEQ. Destacaremos uma
análise sobre as palavras mais frequentes do corpus, o dendrograma e a nuvem de
palavras.
No aplicativo, as palavras são organizadas e aproximadas por lematização76. O
corpus é transformado em segmentos de textos77 (com tamanho aproximado de três linhas
ou quarenta palavras): as frequências são identificadas e geram um dicionário de forma
que proporciona a categorização que será apresentada adiante.
A indicação de palavras mais citadas e da organização de um dicionário com classes
gramaticais e suas frequências nos textos tornou-se um instrumental importante para a construção
e reconstrução do texto-síntese das entrevistas. Por outro lado, também permitiu uma visão geral

76
Lematização é uma técnica geralmente utilizada por softwares buscadores de palavras a partir de seus
radicais, ignorando tempo verbal, gênero, plural etc.
77
Um segmento de texto (ST) possui o tamanho aproximado de três linhas ou quarenta palavras do corpus
textual.
124

do corpus e a escolha de palavras extraídas diretamente do corpus textual, subsidiando a


contextualização participativa do pesquisador.
Assim, o corpus geral foi constituído por seis textos, separados em 331 segmentos
de texto (ST), com o aproveitamento de 264 ST (79,76%)78. Emergiram 11925
ocorrências79, sendo 2041 palavras distintas e 1136 com uma única ocorrência. A média
de ocorrências por texto foi de 1987,50.
As formas nominais de maior frequência foram: professor (140), aula (61), gente
(61), curso (55), aluno (54) e pessoa (53). Relacionar as palavras mais citadas nas
entrevistas ajuda-nos a compreender as falas e percepções dos atores sociais envolvidos
bem como subsidiou o processo de elaboração da síntese por meio da utilização das
palavras mais citadas no corpus e das análises feitas pelo software. Segue-se a
demonstração da frequência80 absoluta das formas e a concordância entre as falas e as
formas nominais:
Tabela 2
Frequência simples das formais nominais mais evocadas pelos entrevistados.
Forma Belchior Heitor Igor Amora Victor Aurora
nominal
Professor 24 24 24 27 31 10
Aula 11 8 13 14 12 3
Gente 6 8 9 19 16 3
Curso 7 1 5 13 24 5
Aluno 11 11 11 11 7 3
Pessoa 6 7 8 15 12 5
81
Trabalhar 3 0 5 6 16 5

a Professor: Percebe-se a pluralidade de concepções e entendimentos acerca da


profissão. Também há indícios sobre práticas exemplares e da importância da
prática de sala de aula. Chamou a atenção, particularmente, a fala do Victor ao
se identificar como “professor de Biologia” e os projetos de carreira de Amora
e Aurora. Seguem as falas:

78
Em linhas gerais, o aproveitamento do texto pelo software deve ser superior a 70%.
79
Ocorrências são palavras, formas ou vocábulos.
80
Frequência simples.
81
Foi escolhida uma forma verbal diante da importância do trabalho no contexto das falas dos atores
sociais.
125

Hoje, eu substituo professores na escola lá do povoado onde estudei. Falando


nisso, também uso muitos dos exemplos deles, pois a maioria foram meus
professores antes da faculdade. (Belchior)

No programa que foi desenvolvido, de certa forma, ele nos deixou um bom
conhecimento, mas também deixou várias lacunas, por exemplo, há esse
distanciamento do específico para o pedagógico e os professores usam muito
data show. Eu acho que o bom professor é aquele que envolve, que faz coisas
diferentes dos demais... Porque o aluno percebe a diferença do professor que
tem uma boa metodologia, tira as dúvidas e conversa, mas também ensina e
não fica apenas no âmbito da sala de aula... (Igor)

Quando você lê e debate nas aulas da faculdade é uma coisa, quando chega na
prática, é totalmente diferente, eu sei que ainda não sou um bom professor,
ainda me falta experiência de sala de aula. (Heitor)

Eu não quero ser professora do Estado ou do Município, mas, no futuro, eu


me vejo como professora universitária e pesquisadora... não tem como deixar
de lado a parte de ser professor. (Amora)

Eu posso me considerar professor-biólogo, mas com certo receio. Eu me


entendo como professor de biologia, sem hífen, sem medo [...] se o professor-
biólogo for o sujeito que fomenta nos estudantes o desejo de estudar biologia,
eu fico com esse termo, mas é uma escolha complexa... eu prefiro me dizer
professor de biologia. (Victor)

Mesmo sendo educadora social e tendo trabalhado no PIBID, eu não me vejo


sendo uma professora de carreira, daquelas que usam jaleco e tudo mais, eu
não vejo o resto da minha vida assim ou fazendo somente isso... (Aurora)
b Aula: Além de questões relacionadas ao preparo de aulas para as atividades
de docência, há aspectos que tensionam o trabalho de sala de aula.
O problema é que hoje eu tenho muitas horas de aula. Tem muita coisa que
precisa ser guardada, discutida, sistematizada e publicada que está passando
batido... Antes eu fazia mais estudar, hoje é trabalhar. (Victor)

Quando você tá na escola pensa que a licenciatura é só formação para dar


aula... e tem muita coisa além disso! Agora, o que eu acho pior, é que o
professor, às vezes, rebaixa tanto a profissão na sala de aula que a gente fica
fugindo da licenciatura. (Amora)

Eu acho que o tradicional não dá mais conta de toda essa complexidade porque
a criança está ali em busca de muitas coisas que nem sempre é o conteúdo da
aula, sem falar na falha da base familiar... (Aurora)

c Gente: As citações relacionam mais os saberes como práticas de si consigo


mesmos, com os outros e com o mundo que eles foram sistematizando na
aprendizagem da profissão. Nesse caso, “gente” não se trata apenas de um
maneirismo, revela bastante da subjetivação relacionada à formação docente
126

e ao discurso pedagógico na formação em Ciências Biológicas: as evocações


demandam um olhar para si que se volta para questões que os pesquisados
entendem como habilidades que os professores de Biologia devem
desenvolver.
A gente tem que ouvir e conversar sem desviar muito do assunto, mas sabendo
que dar aula de biologia tem essa função social. (Amora)

A gente tem que respeitar e se adequar, principalmente no ensino fundamental,


mas não tenho dúvida que é desde o ensino fundamental que o estudante deve
se integrar como parte do meio, e a biologia possibilita isso... (Victor)
d Curso: Constituem evocações que englobam a organização e o funcionamento
do curso. Essas falas nortearam bastante a categoria empírica em que tratamos
dasatividades de ensino, pesquisa e extensão vivenciadas na formação, como
também do entendimento de algumas questões da identificação profissional.
Eu acho sou um biólogo-professor, com certeza, a biologia é a base da
formação, tem isso que você passa metade do curso praticamente só ouvindo
biologia... aí vem as disciplinas pedagógicas e o discurso muda... não deveria
colocar as disciplinas pedagógicas só no final do curso, quando o estudante já
está saturado, doido para terminar o curso e sair da universidade. (Belchior)

Acho que organizam o curso dessa forma para segurar a onda da evasão, que
mesmo assim é alta, aí contam o curso como a coisa mais maravilhosa do
mundo, aí não tem transparência com os alunos nem contam das diversas
possibilidades de carreira que podemos seguir, sem falar que temos apenas
umas disciplinas pedagógicas no começo que são meio “nada a ver”... Sem
falar que algumas delas não tem professor ou são ministradas em curso de
férias, eu mesma conheço muita gente que foi pagar Didática no Campus III...
deveria ser uma disciplina tão importante, não sei porque falta professor
justamente nessa área... (Aurora)

O problema já começa no início do curso... tem aquela disciplina de introdução


que é dada pela coordenadora. Lá, a coordenação tenta mostrar o curso e os
grupos de pesquisa e não lembro ter falado nada de ensino. (Heitor)

Essa divisão do curso tem uma questão política, mas acho que deveria ter uma
disciplina em que se pudesse investigar a origem social e as motivações dos
alunos... Também seria legal que eles pudessem contar suas trajetórias e
projetos de vida, mas isso teria que ser logo no início do curso.82 (Victor)

Tem muitos problemas... os laboratórios ainda não são equipados como


deveria, as aulas práticas quase não existem e falta professores com horários
mais flexíveis, pois o curso se apresenta como noturno, mas tem mais
disciplinas à tarde... (Igor)

82
Esse trecho foi relacionado repetidamente dada a sua importância em cada contexto utilizado.
127

e Aluno: São falas que demonstram a preocupação nas atividades já


desenvolvidas com alunos na educação básica como também algumas
concepções relacionadas ao “ser aluno” e ao papel do professor na atualidade.
Eu valorizo o que os alunos já sabem, mas já li algo sobre conhecimentos
prévios dos alunos e achei meio difícil, deveria ter uma discussão disso aqui
na universidade... poderia ser palestra, minicurso etc. (Belchior)

Eu acho que o bom professor lá a liberdade par o aluno falar o que pensa,
quando ele se expressa, ele aprende mais... Acho que o papel do professor não
é apenas seguir o roteiro dos conteúdos da disciplina, por mais que transmitir
os assuntos de biologia seja muito importante. (Amora)

Teve um aluno meu que disse que queria fazer biologia e eu achei isso muito
gratificante, não só porque foi na minha aula, mas porque eu sei que esse aluno
vai entrar gostando das coisas da universidade porque falei disso nas minhas
aulas... (Igor)

A maioria dos professores e alunos parecem que só estão ali para cumprir
horário... acho que a ideia de ter amor ao que se faz é parte da ideia de valorizar
aquilo que ensina e ser um bom professor. (Igor)
f Pessoa: São formas que relacionam essencialmente a valorização da pessoa
do aluno, da mesma forma que aconteceu com “gente”. Complementando as
falas citadas acima, também destacamos a relação de motivação dos
professores e outros aspectos interpessoais da trajetória formativa e indicam
componentes morais voltados a um objetivo geral da educação.
Eu gosto também de estar na escola pública porque estendo a minha vida com
o social... eu penso que meu olhar é diferenciado quando vejo as coisas das
escolas e penso nos problemas sociais que as pessoas possuem... (Aurora)

Penso que tendo um bom professor é mais fácil ser um bom aluno, já que nem
todo mundo vai ser cientista político nem jogador, mas todos devem ser boas
pessoas. (Igor)

Eu não desisti do curso pela força das pessoas que queriam o meu bem, a
primeira metade do curso foi ruim, tinha muita Biologia e eu trabalhava
demais. Tinha dia que eu saía daqui e voltava para fazer a limpeza da loja ou
algum trabalho que ficou pendente, fiquei muito até a madrugada, era muito
puxado. (...) Foi muito importante o contato pessoal com dois professores que
me ajudaram nas disciplinas e dando força nos momentos fora de sala, foi aí
que comecei a entender que trabalhar com as pessoas é olhar nos olhos e tentar
decifrar o que ela traz para a aula... aí me pergunto se é próximo do que eu
tenho, do que passei na vida, eu gosto de enxergar as trajetórias sem perguntar,
e dar o meu melhor para tornar as pessoas melhores. (Victor)

Eu quase desisti do curso, se não fosse a ajuda dos colegas... As pessoas aqui
se ajudam bastante. Eu precisei vender brigadeiro para me manter aqui antes
de conseguir a bolsa do PIBID e eles me ajudaram. A Amora, por exemplo, é
uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci, não tem tempo ruim para
128

ela. Se você precisar de um computador emprestado, tirar uma dúvida, ela


sempre está ali, sempre ajuda todo mundo... (Heitor)
g Trabalhar: Destacam-se evocações que se remetem à condição de
trabalhadores-estudantes. Também se relaciona às experiências formativas
condicionadas por esses limites e às experiências de ensino e pesquisa que
foram desenvolvidas na formação, principalmente o estágio remunerado.
Criticam novamente a elitização dos grupos de pesquisa.
Eu trabalhei no projeto “Mais Educação”, mas se tivesse participado de algum
grupo de pesquisa em educação teria sido bem melhor, mas eu era muito tímido
e na universidade os grupos são para poucos. (Belchior)

Geralmente, lá na pesquisa, só tem vaga pra nerd ou pros queridinhos dos


professores, eu mesmo ficava na minha, mas a outra questão importante é:
preciso trabalhar e ganhar meu dinheiro, isso sempre do a coisa mais
importante do momento. (Victor)

Aqui na universidade, por exemplo, eu vejo que muitos alunos acabam


desistindo do curso para trabalhar no comércio ou não se motivam a entrar
nos programas de pesquisa porque exigem muito tempo disponível. (Aurora)

Eu não achava que ia ser professor tão cedo, mas aí surgiu a oportunidade e eu
precisava trabalhar... (Igor)
Além de destacar as palavras mais presentes no corpus textual por meio da
lematização, uma contribuição fundamental do Iramuteq é a organização dos segmentos
de texto em classes, por meio da Classificação Hierárquica Descendente. Essa
organização em classes é dada pela relação entre os vocábulos e os temas semelhantes,
dispostos em um esquema hierárquico de classes. Tal classificação permite que o
pesquisador, ao analisar cada agrupamento de dados, possa categorizar as classes por
temáticas afins, a partir da compreensão teórica aliada ao conteúdo que emerge de
palavras e frases em cada grupo. Essa classificação foi de extrema pertinência para a
organização de unidades de análise ou sentido para a segunda fase da análise que será
discutida no próximo capítulo.
O conteúdo analisado foi categorizado em cinco classes: Classe 1, com 56 ST
(21,21%); Classe 2, com 65 ST (24,62%); Classe 3, com 50 ST (18,94%); Classe 4, com58
ST (21,97%); e Classe 5, com 35 ST (13,26%). Denota-se uma predominância das falas em
relação às atividades realizadas durante o curso, com ênfase na pesquisa e as perspectivas de
carreira no mundo acadêmico (classe 2). Logo em seguida, destacam-se as práticas de si durante
a formação (classe 1), com destaque às ações na escola e às relações interpessoais com os colegas
de turma.
Vale ressaltar que as cinco classes se encontram em duas grandes ramificações (ver figura
3), com as seguintes proporções estatísticas:
129

Figura 3
Dendrograma dos agrupamentos na classificação hierárquica descendente.

Fonte: Dados da pesquisa (2021).


O dendrograma demonstra a divisão das cinco classes em dois grandes grupos: o
primeiro, reúne as classes 1, 3 e 5, que enfatiza os aspectos subjetivos da formação; o
segundo, que agrega as classes 2 e 4 que ressaltam os aspectos socioculturais que
envolvem as ações de empoderamento na formação, desde a opção de curso.
A Classe 1 compreende 21,21% do corpus analisado (frequência = 56 ST). Essa
classe é composta por palavras como aula, escola, turma, sala e aluno. Predominaram
evocações dos atores sociais que se relacionam às atividades formativas realizadas na
escola, com destaque para o PIBID. Também transmite a ideia das relações interpessoais
positivas entre os colegas de turma e o interesse de valorizar o aluno em situações de
aprendizagem.
A Classe 2 envolve 24,62% do corpus, perfazendo 65 ST. Destacam-se expressões
tais como curso, pesquisa, genética, doutorado e mestrado. As evocações estão
relacionadas à participação em grupos de pesquisa e ao interesse de continuar na pesquisa
por meio da pós-graduação, evidenciadas nas falas de Amora, Igor e Victor,
essencialmente.

A Classe 3 perfaz 18,94% do total analisado, com a frequência de 50 ST.


Predominaram evocações diversas, que envolveram falar83, conhecimento, gente, seguir
e lacuna. Envolve aspectos gerais das atividades desenvolvidas durante o curso, com ênfase
às experiências relacionadas ao conhecimento veiculado nas disciplinas do currículo formativo.
130

A Classe 4 constitui 21,94% do corpus textual, com 58 ST. Nela, percebe-se as


evocações que se relacionam às experiências com o ensino médio, relação84, escolha,
concurso e bacharelado85. Relacionam as principais influências na escolha do curso como
também as percepções acerca das aspirações e motivações socioculturais para a opção
pela licenciatura em Ciências Biológicas.
Por fim, a Classe 5 possui a menor frequência relativa, com 13,26% do corpus,
perfazendo 35 ST. Apresenta evocações de natureza diversa voltadas às práticas de si que
envolvem a prática docente, representada pelas palavras que se destacam: olhar, vida,
conhecer e precisar.
Continuando a análise com o Iramuteq86 , a partir da análise fatorial por
correspondência, avaliamos a associação entre texto e palavras, a partir da incidência de
palavras e classes dispostas em um plano cartesiano (figura 5). Entende-se que as palavras
de todas as classes se apresentam num segmento centralizado com a expansão às
periferias, com destaque para “gosto”, “trabalho”, “gente”, “problema” e “sentir” que
permeiam dois quadrantes do plano.
No eixo X, percebe-se a variação de três agentes relacionados à formação: I)
Preocupação com as questões sociais (Aurora, Amora e Victor); II) Envolvimento com
programas institucionais (Aurora, Amora e Victor); III) Práticas docentes relacionadas
à formação do professor (Belchior, Igor e Victor).

Já no eixo Y, temos: I) Experiência docente no ensino fundamental (maior para


Igor e Victor, menor para Heitor e Aurora); II) A importância da relação com a turma
(destaque em Belchior e Igor); III) Preocupação com as questões sociais 87 (Amora,
Victor e Aurora).

83
Houve um destaque nas falas de Belchior, que relatou a superação da dificuldade de falar em público
durante a formação.
84
São evocadas relações: entre ciência e tecnologia, entre professores e licenciandos bem como as relações
de poder envolvendo a gestão do curso.
85
Demonstram interesse pelo bacharelado em Ciências Biológicas, porém, por se tratar de curso de regime
diurno, alegam a impossibilidade de realizar uma formação neste formato.
86
Neste trabalho, decidimos não utilizar os dados fornecidos pelo teste de Quiquadrado e das análises
fatoriais por distribuição e por correspondência, por considerar que o excesso de dados estatísticos fugiria
da intenção de utilizar as análises do software como subsídio à elaboração colaborativa da síntese interativa.
131

Figura 4
Comparação entre as palavras distribuídas no plano fatorial e suas variáveis88.

Fonte: Dados da pesquisa (2021).


A figura representa uma diferenciação de experiências vivenciadas durante o
curso em relação à pesquisa. Amora, que participa de grupo de pesquisa, e Aurora, que
tem interesse na pesquisa em Biologia aplicada (apesar de ainda não estar envolvida com
a pesquisa), destacam-se por discursos mais distintos voltados ao interesse em relação às
contribuições da pesquisa na formação. Já os homens89, que possuem mais preocupação
com a carreira, dedicaram-se às preocupações do exercício docente e à organização
estrutural do curso.

Nesse contexto, contrapondo extremos entre experiências de subjetivação durante


a formação e as percepções sobre a mesma, depreende-se que os atores sociais com maior
experiência docente e na pesquisa possuem um entendimento mais amplo da formação
como algo permanente e diretamente ligado ao seu projeto de vida. E isso não é apenas
uma elucubração. Eles também apresentam uma visão do futuro e uma análise crítica dos
fatores sociais que envolvem a formação. Percebeu-se também que os atores sociais tendem
a valorizar aspectos de natureza pessoal, como a relação com a turma de graduação, ouvir e
conversar com os alunos (nas escolas que trabalham) e os limites impostos pela condição de terem
sido trabalhadores-estudantes durante a graduação.

87
Nessa variável, percebe-se o destaque entre a preocupação com questões sociopolíticas em Aurora. Já
nas falas de Victor, percebe-se um envolvimento maior com as questões de natureza pessoal.
88
Para esta pesquisa, por questões operacionais, foram elencadas apenas as variáveis relacionadas aos
sujeitos da pesquisa.
89
A escrita do parágrafo não teve qualquer intenção de dividir os atores sociais por sexo, a redação foi
dada apenas pela similaridade dos discursos.
132

Outra análise importante dada pelo Iramuteq é a Análise de Similitude. Logo


abaixo, a figura apresenta um grafo90, estrutura que liga as palavras e o corpus textual,
confirmando as palavras centrais já destacadas anteriormente. Essa análise é de suma
importância para confirmar a estrutura do texto da síntese e os temas de relativa
importância.

Figura 5
Árvore de similitude do agregado das entrevistas.

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

A figura mantém confirmadas as sete formas de maior força no corpus já citadas


anteriormente (professor, aula, gente, curso, aluno, pessoa e trabalhar). Entretanto, há duas
palavras de destaque que decidimos tratar isoladamente: “escola” e “pesquisa” quese enredam em
“professor” com sua variante imediata “pesquisar91”, pois, entendemos que se remetem
diretamente à questão motivadora desta pesquisa.
A tabela 3 demonstra o destaque complementar seguindo-se os excertos de falas dos
sujeitos da pesquisa.
Tabela 3
Palavras de destaque complementar na análise de similitude.
Forma Belchior Heitor Igor Amora Victor Aurora
Escola 5 8 10 6 9 2
Pesquisa 2 0 4 16 11 6
Pesquisar 3 2 2 4 1 0
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

90
Os grafos são estruturas matemáticas que envolvem as relações de similitude entre os objetos de um
determinado conjunto.
91
Foram abordadas separadamente por motivo de estarem dispostas em posições distintas na árvore.
133

Eu acho tenso é que a gente estuda muita coisa que não vai ensinar na escola e
também não estuda aquilo que está lá no livro didático. Eu vejo o pessoal
reclamando disso nos grupos quando estão fazendo a Residência Pedagógica.
(Igor)

Tem esse abismo entre teoria e realidade... um dia você trabalha as questões
históricas e filosóficas do ensino e, no dia seguinte, chega na escola e tem um
monte de aluno com sérios problemas familiares e atécom fome... Isso é uma
triste realidade e a universidade ainda não dá muita conta disso, como questões
de pesquisa. O que vemos é uma pena coletiva e uma tendência de culpa o
governo ou o gestor mais próximo...(Victor)

Sou eu quem recebo as pessoas que chegam na escola e a clientela toda... eu


também moro perto e conheço todo mundo, isso faz com quetodos gostem de
mim e que eu goste de lá... (Heitor)

Acho legal fazer uma abordagem prévia para ver o que o aluno sabe e dosar a
parte expositiva com algum jogo ou dinâmica, também acho legal quando os
alunos também pesquisam em casa e debatem na sala...eu vi muito disso no
estágio. Também pesquiso sempre alguma reportagem atual do assunto da aula
na internet ou nas redes sociais (Igor)

Uma vez, no início do curso, eu fui sentar na biblioteca para ler um livroe uma
colega chegou para mim e disse: “E aí, vamos ou bora?” Eu respondi que estava
ali pesquisando... aí ela disse que eu não tava pesquisando e que deveria
procurar o curso de pedagogia, que ali não era para mim, ainda disse que sabia
que eu gostava de artes e sugeriu que eu procurasse um curso nessa área, por
que era mais fácil. Nessa hora, eu fiquei brabo e disse poucas e boas para
ela. Depois nosentendemos, e hoje somos até amigos. (Belchior)

Questões como depressão, alcoolismo e violência doméstica fazem parte do


cotidiano da escola. Queria pesquisar mais sobre isso. É algo sério mesmo. Na
escola que eu leciono, foram organizar uma feira de ciências esse ano, aí foram
pedir para eu trabalhar a questão da pesquisa, dos experimentos científicos e
da investigação científica. Parece que só a ciência do laboratório é interesse,
concorda? (Victor)

O que contou como muito positivo na minha formação foi, em primeiro lugar, o
grupo de pesquisa... [...]
Eles mostram muito a pesquisa no início do curso e isso ajuda muito, né? O
calouro já vai entrar gostando de Biologia e vai gostar ainda mais... É
verdade que eu falei que o curso não volta para ser professor, mas isso também
não vai do aluno? (Amora)

Dessa forma, é notável uma preocupação com a questão social e do vínculo com
a comunidade local. Também se denota a distância entre saberes universitários e escolares
bem como a falta da discussão de questões sistematizadas sobre o que realmente acontece
em sala de aula durante a formação universitária. Por fim, a fala de Heitor mostra a
importância de estar vinculado física e afetivamente à escola em que trabalha, sendo um
aspecto motivador para se gostar do que faz que não depende da formação diretamente.
134

Considerando as vinte menções sobre pesquisa92 nas falas de Amora, demonstra-


se o quanto a pesquisa foi um agente empoderador na formação de sua identidade
profissional. Na fala de Victor, percebe-se também uma relevância, porém, mais ligada
aos saberes e fazeres do seu exercício docente bem como um elo articulador de suas
preocupações com questões sociais.
A análise de similitude também permite a identificação de temáticas afins às
questões centrais e o estabelecimento de relações. Seguem alguns exemplos:
• Próximo a professor, encontram-se um agregado de expressões que emergem
percepções e evocações dos atores sociais em suas proposições, porém, a maioria
delas está relacionada às questões que envolve as formas de “ensinar” e/ou
“passar” o “conteúdo” da “ciência” na “forma” de “conhecimento” sobre o
“mundo”;
• Nas proximidades de aula, percebem-se elementos típicos de sua natureza, tais
como a própria sala de aula e a necessidade de experiências diversificadas.
Também se destaca “faculdade” como referência e comparação ao centro de
ensino e às aulas experienciadas durante a graduação;
• No entorno de gente, localizam-se formas que evocam sentimentos como o
“gosto” por “estudar” e pelas práticas de “laboratório”. Essa forma revela as
necessidades mais íntimas da subjetivação no que concerne às atividades práticas
e o maior fomento à pesquisa;

Nos arredores de curso, observam-se os destaques relacionados com o “sentir”


como também a “disciplina” (com ênfase na Biologia aplicada) como eixo central
da formação. Percebe-se a carência das práticas de si que possam investigar esses
sentimentos relacionados à formação, gostos específicos e demais questões da
subjetividade, que foram indicadas na classe 593, principalmente.
• Em volta de aluno, destacam-se a importância da “turma”. Denota-se também a
concepção de centrar o aluno no processo de “aprender”, que se liga em outra via
de possibilidade ao desejo de “querer” e “conseguir” um lugar ao sol, por meio
do emprego concurso e do ingresso na pós-graduação, principalmente no
“mestrado”.

92
Estamos somando as falas sobre pesquisa e pesquisar por se tratarem de temas afins e possuírem o
mesmo radical.
93
Uma segunda questão bastante evidente, é a vontade de desistir que foi citada pela maioria dos
entrevistados. Contudo, ela foi evidenciada em uma outra árvore de similitude, construída com todas as
palavras de força do corpus, com alta poluição visual. Para minimizar esse efeito, a árvore de similitude
apresentada neste relatório trabalha apenas com palavras de força com frequência simples acima de 10
citações no corpus textual.
135

• Na fronteira de pessoa encontra-se o entendimento de “vida” como “conhecer” o


mundo, demonstrando o argumento defendido anteriormente que a subjetivação
da formação docente é dada pelas experiências que os licenciandos vivenciam
individualmente consigo mesmos e com seus pares. Destaca-se a influência de
professores, familiares e outros atores sociais envolvidos na formação, conforme
foi indicado em “pai”, citado essencialmente nas falas de Victor.
• Por fim, envolve-se em trabalhar a “questão” marcante de “começar” as
atividades de “ensino” por meio do “PIBID”. Também se relatou as atividades
nos grupos de pesquisa, com destaque à “parasitologia”, a questão de trabalhar
no “comércio” e a necessidade de trabalhar para “comprar” a “bolacha94”.
Com relação à escola, indica-se a importância do “tempo” (cronológico) que se
destina às atividades realizadas na mesma durante a formação. Evidenciam que essas
atividades, realizadas durante o “dia”, prejudicam a rotina de quem trabalha.
De acordo com o que citei anteriormente, separei pesquisa e pesquisar por estarem
em posições diametralmente deslocadas na árvore de similitude. Em pesquisa, observa-
se diretamente a contribuição dos grupos de pesquisa, conforme indica as falas de Amora.
Em pesquisar, percebe-se mais uma atividade ligada à própria complementação dos
estudos da universidade ou às atividades relacionadas ao preparo de aula, corroborando
as falas de Igor e Heitor.

Nesse sentido, pode-se inferir que, de maneira geral, os discursos dos atores
sociais, além de dialogarem com a literatura que foi apresentada no referencial teórico,
demonstra alguns aspectos relevantes da subjetivação na licenciatura por meio de práticas
de si e ações de empoderamento, principalmente no que se refere à pesquisa e à escola.
Também se revelam aspectos fundamentais relacionados à caracterização do perfil dos
licenciandos: a maioria são trabalhadores-estudantes e o trabalho é um elemento central
para o projeto de vida dos mesmos.
A última análise do Iramuteq é a Nuvem de Palavras. A análise por meio da nuvemé a que
possui maior interesse no aspecto visual, pois as palavras são organizadas em nuvem com
tamanhos diferentes, em que as palavras maiores são as que detêm maior importância no corpus95.
Ou seja, “a fim de agrupar as palavras e as organizar graficamente em função da sua relevância,
sendo as maiores as que possuem maior frequência, considerando-se apenas a que tinham
frequência mínima 10” (MELO et al.,2020, p. 484).

94
Em conformidade com a nota anterior, essas questões também foram evidenciadas na primeira árvore
de similitude, com todas as palavras do corpus. Decidimos fazer uma “limpeza” para as palavras com mais
de10 citações no intuito de evitar a poluição visual e permitir a leitura dos dados obtidos.
136

Figura 6
Nuvem de Palavras.

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

A nuvem torna-se importante para confirmar as análises anteriores, mas nãopossui


análises estatísticas ou classificação, como foi apresentado anteriormente. A nuvem
confirma as palavras de força que já foram delineadas no texto deste relatório emostra
também palavras que não foram analisadas, como “biologia”, “ensino” e “pensar”. Por
outro lado, agregando as palavras da nuvem, algumas elucubrações são possíveis: I)
A “aula” é a atividade que o “aluno” mais “gosta” em qualquer “formação”que envolve o “ensino”
de “biologia”; II) “Trabalhar” durante o “curso” é uma “questão”importante; III) É preciso “ouvir”
o “aluno”, valorizar sua “pessoa” e fazê-lo “gostar” de“biologia”; IV) A “pesquisa” envolve
“laboratório”, a “ideia” de “grupo” mas é “coisa”para poucos; e V) O “PIBID” é o momento da
“formação” em que se inicia no “mundo” do “ensino”, sendo o “estágio” uma experiência
apresentado como um momento típico da formação.

95
A indicação é feita por meio de frequência simples.
137

5.2. A construção da realidade pesquisada por meio da SI

As palavras da nuvem, por exemplo, foram fundamentais na elaboração da síntese,


pois orientaram o grupo na escolha de palavras para a elaboração do texto da SI. Destarte,
todas as etapas das análises realizadas pelo Iramuteq foram essenciais, principalmente
para elaborar o texto colaborativo da síntese na maior consonância possível com as
palavras originais do corpus. Principalmente para a organização das ideias centrais.
Durante esta pré-análise destacamos as evocações diretas do corpus entre aspas. No caso
da SI, a indicação de palavras diretamente do corpus extraídas pelas análises do Iramuteq
foram destacadas em negrito no corpus da síntese, que foi construída com o pesquisador
juntamente com os participantes da pesquisa.
A síntese foi organizada em tópicos organizados a partir das classes obtidas pela
análise, contemplando as temáticas diretamente relacionadas às falas dos atores sociais
entrevistados como também as suas contribuições no percurso do CHD. O formato de
quadro foi escolhido para facilitar as interlocuções nos diversos momentos com os
entrevistados.
O formato de quadro também facilitou os ajustes finais. No referido encontro final,
ainda foram apresentadas as análises iniciais feitas com o software e realizados os devidos
esclarecimentos sobre o processo de elaboração da síntese passo-a-passo.
Na condição de texto colaborativo, também foi acordado que seria utilizada a
primeira pessoa do plural. Os pressupostos da MI indicam que, independentemente do
tempo verbal, a síntese é uma construção de realidade coletiva acerca do universo de
pesquisa sob investigação. O tempo verbal foi escolhido pelo grupo como sugestão do
pesquisador, por uma questão de estilo e por se tratar de um texto produzido
colaborativamente.
A disposição foi realizada pelas classes relacionadas pelo software de análise,
conforme anteriormente citado. Entre parêntesis, destaco alguma informação
complementar com a indicação de uma legenda sobre o tema central do que seráabordado,
também referente às cinco classes relacionadas. As formas ativas e suplementares
relacionadas pelo software constituíram um dicionário pertinente para a construção do
texto em diversas etapas. Algumas formas citadas uma única vez (hápax) também foram
utilizadas, porém em quantidade bastante reduzida. A motivação central foi utilizar o
maior número possível de formas extraídas integralmente do corpus sem prejuízo de
coesão e coerência ao texto da síntese.
138

Segue o texto da síntese:


Quadro 7
Síntese colaborativa distribuída na classificação dada pelo Iramuteq.
Tematização Texto colaborativo da SI
1 (Atividades Dos projetos voltados para a licenciatura, temos o PIBID e a Residência Pedagógica
nas escolas) que são mais populares e abrangentes. Todavia, além do tempo que passamos nas
escolas vivenciando a prática, não participamos de pesquisas nem realizamos
publicações na área de ensino de Biologia.
As experiências que passamos na escola não são sistematizadas. Nenhum professor
que nos acompanha nas escolas tem experiência com a pesquisa em ensino.
Já ministramos aulas nas escolas do município ou do estado, porém, temos pouca
motivação para sermos professores e não nos sentimos preparados para enfrentar a
realidade das salas de aula, principalmente nos desafios das relações entre professor
e aluno.
2 (Curso e Sentimos a universidade distante das questões sociais, principalmente da
Pesquisa) comunidade e dos problemas ligados à nossa realidade.
Com relação às pesquisas realizadas, fizemos atividades que se relacionam a pequenos
grupos, principalmente em Genética e Parasitologia.
Não possuímos grupo de pesquisa em ensino, pois só temos um professor na área. Ele
ainda está fazendo doutorado e está meio afastado.
Esses grupos de pesquisa da Biologia são elitizados e não parecem ter interesse de se
entenderem com a área de ensino. Aqui, só entendemos como pesquisa o que se faz
em laboratório ou que se relaciona à ciência diretamente.
E mais, para se participar de um grupo de pesquisa, é preciso se envolver e morar
na universidade.
Mas nós precisamos trabalhar. Quem pode participar de algum projeto e recebe
bolsa, é mais um complemento de renda, como é o caso do PIBID.
Para conseguir melhorar de vida, queremos seguir na carreira para o mestrado.
Depois, se possível, queremos fazer doutorado.
3 (Valorização O que temos de melhor são nossos professores, que além de boas aulas, falam para a
da docência) gente ir mais longe por meio de incentivos, inspiração e paixão pelo ensino,
principalmente. Essas questões pessoais são momentos importantes das aulas.
Eles possuem grande bagagem de conhecimento e de vida, o que é muito importante,
porém, valorizam nitidamente o ensino em relação à pesquisa e à extensão. Eles
explicam bem, mas ensinam muitos conteúdos que dificilmente vamos ensinar nas
escolas.
Existem muitas lacunas políticas que se relacionam ao horário das aulas, as opções
do currículo e culminam com a falta de transparência da gestão para a comunidade
acadêmica. Isso é visível desde o início do curso, quando tudo é apresentado apenas
com slides. Nunca nos apresentaram o projeto pedagógico do curso, o papel do
professor e propostas de atividades extensionistas. Também não nos convidam para as
reuniões.
139

Ainda sobre as aulas e demais atividades do curso, desde o início, as disciplinas


específicas são apresentadas de um modo que nos apaixona, concentrando a parte de
ensino no último ano, ou inserida no currículo como se fosse um complemento, uma
parte anexa, para quem realmente quer ser professor.
Não somos bem informados sobre as áreas de atuação tanto para ser professor quanto
para ser biólogo. Por isso, causa-nos resistência essa coisa de sermos entendidos como
professores-biólogos.
Pensamos em desistir mais de uma vez, reprovamos ou passamos pela experiência da
avaliação final em alguma disciplina, pois o curso parece um bacharelado e cobra
muito conhecimento nas disciplinas da Biologia pura. No último ano, a coisa que mais
queremos na vida é conseguir terminar o curso e sair da universidade.

4 (Aspirações) Escolhemos a licenciatura, porém, estamos mais interessados pelo mundo da Biologia
do que pela opção de sermos professores. Não entendemos bem essa ideia de sermos
professores-biólogos. A formação interessa-nos por ser a única opção de licenciatura
na região que possui diversas possibilidades de atuação além da escola. Não pudemos
pensar na possibilidade de outro curso por questões financeiras e sociais.
Estamos aqui também pela influência de nossos professores de Biologia, mas não
influências únicas. Também gostávamos de outras disciplinas no Ensino Médio, mas
de Biologia era um pouco mais. Outras pessoas também nos influenciaram, como os
colegas de turmas anteriores que já conhecíamos antes de entrar aqui e até de nossos
familiares. Somos estudantes de classe média ou média baixa, precisamos trabalhar
para o nosso sustento e enfrentamos dificuldades constantes.
Viemos da escola pública para a universidade pública, dessa maneira, somos
influenciados também por nossos familiares e, principalmente, por nossa realidade
social.
Viemos aqui para procurando um lugar melhor na sociedade.
Nós também somos omissos, não nos envolvemos nas questões políticas, não
conseguimos nos organizar para construir o nosso espaço acadêmico ou fazer
funcionar a casa do estudante.
A universidade deveria ser o espaço para nos inspirar, entender e sentir nosso sonho
como uma realidade possível. Não percebemos que nossos sonhos são valorizados.
Para o futuro, desejamos conseguir um emprego concursado. Porém, nossa
preocupação real é nos formarmos e encontrar um lugar melhor no mercado de
trabalho. Depois do doutorado, talvez ensinar na universidade. Se possível, aqui
mesmo.
140

5 O ponto que mais se destaca na experiência de estudante são as relações pessoais.


(Motivações) Principalmente, olhamos para as relações que construímos com nossos colegas e
professores...
Assim, nosso querer é nos tornarmos melhores pesquisadores, bons professores e
tornar a vida melhor. E conhecer cada vez mais as coisas do mundo, para que que
consigamos crescer socialmente e que façamos do gosto pela biologia um elemento
importante para a vida das pessoas.

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Dessa forma, a síntese do CHD apresenta um pouco de tudo que foi falado e
analisado em cada categoria. A correlação direta com as classes facilitou a sua
organização para o corpo deste relatório. As conclusões estão pautadas nos fundamentos
extraídos nas unidades de análise, da fundamentação teórica e do vai-e-vem das
entrevistas dentro do CHD, como também as diversas contribuições no encontro final e
das análises realizadas. Palavras centrais da investigação revelam-se em vários trechos,
permeando diversas classes, tais como trabalhar, escola, curso e pesquisa.
As palavras destacadas emergiram diretamente das análises feitas pelo Iramuteq
como também se originam matriz geral das categorias. Outras delas foram a partir da
concordância com as palavras centrais, também dadas pela classificação realizada pelo
software.
Todos os aspectos organizacionais foram explicados no preâmbulo do encontro
coletivo para a apresentação da síntese e discussão de colaborações que encerraram o
texto coletivo. O encontro final foi realizado por meio de uma reunião coletiva, de forma
similar a um grupo focal. As colaborações, contribuições e comentários foram gravadas
e transcritas.
Por mais que as indicações fornecidas pelo Iramuteq possam ter contido
tendências para a elaboração do texto colaborativo, nunca esgotamos as possibilidades de
ouvir as individualidades dos sujeitos pesquisados em todos os momentos do trabalho de
campo. Os comentários mais direcionados ao texto em si foram classificados e
organizados em uma tabela, que consta no anexo deste trabalho, logo após a apresentação
do corpus colorido das falas dos atores sociais entrevistados. Abaixo, citarei apenas
alguns deles, para que se elucide o processo de colaboração e construção coletiva:
141

Quadro 8
Principais comentários dos pesquisados sobre o conteúdo da SI.
Tópicos Comentários
Somos estudantes de classe média Sou pobre e a única pessoa da minha casa a entrar no ensino superior.
ou média baixa, precisamos (Amora)
trabalhar para o nosso sustento e Eu preciso trabalhar e ainda tenho que me virar para cursar as disciplinas
para nossas famílias e enfrentamos fora do horário e do período em que estou matriculado
dificuldades socioeconômicas Tenho que trabalhar e conciliar as aulas, visto que o curso foi ofertado
constantemente. para o período noturno, e que pela falta de professores, acaba tendo mais
aulas pela tarde. (Victor)
Os professores não se sensibilizam com o fato de que precisamos
trabalhar ou fingem não entender a nossa realidade. Eles não enxergam
a realidade que viemos também. Estamos na busca de conhecimento e
na realização do sonho do ensino superior, infelizmente, precisamos
trabalhar para viver. Isso não é colocado na mesa. (Igor)
Todo dia é uma luta, só tenho tempo de fazer as coisas de casa e daqui
na madrugada, ou quando temos folga de horário das disciplinas à noite.
(Aurora)
Nunca nos apresentaram o projeto Nunca nos apresentaram o projeto do curso, acho que é por questão
pedagógico do curso... política. Não querem abrir a caixa preta e admitir que as disciplinas
pedagógicas são totalmente ou, na melhor das hipóteses, parcialmente
negligenciadas, pois muitas nem possuem o professor para ministrá-las.
Nesse curso, a intenção do projeto é fazer com que o professor morra
antes de nascer... (Victor)
Pensamos em desistir do curso pelo A desistência do curso é algo que nos persegue, principalmente quando
menos uma vez... precisamos desafiar as disciplinas que são ofertadas no período
vespertino. (Aurora)
Já pensei em desistir por conta das disciplinas. (Belchior)
Já pensei em desistir muitas vezes. Tem aula que acontece aqui que a
pessoa sai com vontade de nunca mais voltar. Aí depois, essa mesma
pessoa, faz uma prova com coisas que ela nunca ensinou... Bingo, um
monte de gente vai para a final e até reprova! (Victor)
Para participar de um grupo de O grupo de Parasitologia Humana é só para uma elite de queridinhos do
pesquisa é necessário ter dedicação professor e que também são nerds e podem morar aqui na universidade.
exclusiva. Esses grupos são Infelizmente, nem sou filhinho de papai, nem gosto de bajulação, nem
elitizados e não parecem ter sou fã do jeito arrogante dele [professor]. (Heitor)
interesse de se entenderem com a Já tentei me envolver nos projetos, mas fica difícil também para quem
área de ensino. mora em outro município. (Belchior)
Não participo de grupo de pesquisa porque ele toma todo o tempo do
aluno. (Aurora)
Não fazemos maiores pesquisas e Em relação aos projetos como o PIBID e Residência, não fazemos
não realizamos publicações na área maiores pesquisas na área, ficamos apenas nas vivências de sala de aula.
de ensino de Biologia (Aurora)
Não nos sentimos preparados para Tenho medo de travar... (Belchior)
enfrentar sozinhos a realidade das Falta maior preparação aqui na universidade. (Heitor)
escolas Não estamos preparados para a sala de aula, pois a maioria não nos
mostra a melhor maneira de ensinar os conteúdos da disciplina que
ministram. (Amora)
Não somos bem informados sobre as Tenho muita dificuldade de saber detalhadamente as áreas em que posso
áreas de atuação tanto para ser atuar como biólogo. Ficaria muito feliz se alguém nos informasse, pois
professor quanto para ser biólogo... durante a faculdade nos apaixonamos por algumas disciplinas, mas não
temos conhecimento para atuação. (Heitor)
Fonte: Dados da pesquisa (2021).
142

Nos pontos acima elencados, é possível diagnosticar os problemas centrais do


curso pesquisado. Contudo, mais do que uma diagnose, é perceptível que a superação
desses limites é viável, apesar da falta de interesse da gestão e das tensões
organizacionais. Em uma formação docente, seu objetivo essencial é “propiciar condições
para que os educandos se façam sujeitos. Por isso, além de familiaridade com a
metodologia adequada e conhecimento técnico sobre educação, ele precisa estar
comprometido com o trabalho que realiza” (PARO, 2010, p. 32). Continuando a
perspectiva exploratória, retornaremos ao CHD para retomar alguns pontos essenciais.

5.3. Retomando o CHD

Para exemplificar nossos argumentos e inferências sobre os dados, gostaríamos de


retomar alguns pontos da MI. Relembrando, as entrevistas foram feitas no CHD de E1 a
E6, tudo foi transcrito e analisado em conformidade com o que foi disposto no item
anterior. Surgiu uma ampla gama de possibilidades e contradições.
Ainda de acordo com o CHD, cada sujeito pesquisado recebeu uma síntese, que
começou a ser feita em entrevistado 1 (E1) e terminou em E1 no fechamento do ciclo.
Entretanto, uma questão preocupava: as percepções de Belchior quando ele recebeu uma
síntese com pontos acrescentados por 5 pessoas em relação ao que se entrevistou
originalmente. Era possível que houvesse muito ou pouco de suas percepções naquele
material.
Daí surgiu a ideia de se fazer a apresentação final para E1 acompanhada de uma
entrevista informal não-diretiva, por meio desta, além de fazer suas contribuições, pode
comentar livremente sua experiência com o CHD dada sua condição de primeiro
entrevistado. Logo após foi realizado o encontro para as contribuições finais em formato
virtual, pelo Google Meet. O roteiro inicial desta entrevista foi: a) contribuições de E1
para o CHD; b) reações diante da apresentação da síntese; e c) validação do CHD.
Contudo, foi uma conversa livre, focada nas experiências do CHD.
Alguns pontos desta entrevista merecem destaque. O primeiro é o seguinte trecho:
Primeiramente, eu achei que esse texto todo tinha sido escrito por mim,e para
mim. Mas fiquei confuso em ver tanta coisa do curso que eu não falei e que
gostaria de ter falado96. Acho que concentrei demais minha entrevista sobre as
minhas histórias pessoais. A primeira vontade foi pedir para fazer a entrevista
de novo... A única coisa que gostaria de alterar era a organização do texto, tudo
parecia meio junto e misturado.Também achei que a síntese seria um texto
menor, tipo de umas 20 linhas a uma página, no máximo.
143

As considerações acima relacionadas de Belchior foram essenciais para a


organização da síntese que foi apresentada ao grupo. A partir de suas falas, eu decidi
organizar o texto de acordo com as classes que o Iramuteq dispôs a partir do corpus
textual. A sistematização facilitou as colaborações no encontro final como também
permitiu que os comentários fossem organizados e inseridos no texto de acordo com a
pertinência do que vem sendo discutido em toda a análise dos dados. As sugestões
também orientaram a tentativa de se condensar ao máximo o texto da síntese, de forma
que ficasse os tópicos se consolidassem no menor tamanho possível. Isso facilitou bastante
o processo de intervenção e colaboração no último encontro, pois os entrevistados foram
relacionando os pontos que mais se identificavam e traçando seus acréscimos pessoais.
Assim, o grupo foi organizando as alterações e dando um acabamento final à síntese.
Retomando a conversa com Belchior, observamos a vontade de não se dar uma
visão sintética para temas de amplo espectro, como as motivações e aspirações
socioculturais. Ele comenta:
Lá no primeiro parágrafo, vejo que hoje eu não falaria mais o que falei,dando
esse valor maior a questões superficiais... deveria ter pensando um pouco
mais... Ah! eu queria mudar essa parte... acho que a formaçãoé muito mais do
que eu falei na entrevista inicial.
O último ponto que gostaria de abordar sobre esta entrevista é a sua opinião
validando o CHD:
Eu achei uma técnica muito boa! Se fosse pra ler só as entrevistas soltaseu acho
que não ia entender quase nada... Mas, estando assim, organizado, dá pra ver
que um foi falando e o senhor foi complementando com a fala dos outros,
ajustando... E a gente ainda vaise reunir para debater em grupo, né? Isso é legal!
Lendo essa síntese agente se vê e dá pra gente ver como tá o curso como um
todo... Pra mim, ficou bem claro que essa síntese era uma soma... mas o todo
parece ser mais que a soma das partes, né mesmo? Mas eu entendi que o senhor
ainda vai apresentar mais coisas legais para todos, né? Vou aguardar...
De um lado, ele confirma a importância do CHD e da análise realizada pelo
Iramuteq na busca de uma visão de realidade mais conjunta do curso. Por outro lado, ela
observa que a síntese foi trabalhada num sentido que obscureceu as questões individuais,
sem perder a mensagem geral do que foi discutido. Os participantes da pesquisa também se
sentiram gratificados por poderem, após a conclusão do curso, pensar e avaliar sobre temas muito
importantes para a formação deum bom professor de Biologia.
Acreditando termos percolado o CHD e forma exaustiva, encerramos a primeira fase
analítica, que vai das entrevistas à SI, com idas e vindas pelo CHD. Assim,encaminhamos nossas
análises à segunda fase da MI, para aprofundar o olhar sobre os novos emergentes captados até o
momento e conduzir o texto à análise hermenêutico- dialética-interativa (AHDI).

96
Grifo nosso.
144

CAPÍTULO 6
AHDI – A análise propriamente dita

O objetivo da educação é forjar pessoas de integridade que se


empenhem continuamente pelo bem insuperável – a paz -, que se
comprometam a proteger o caráter sagrado da vida e que sejam
capazes de criar valor mesmo sob as circunstâncias mais difíceis...
(IKEDA, 2010)

6.1. Estruturando uma Matriz Geral das Categorias


Revisitando as questões do capítulo anteriores sobre as considerações
metodológicas, as entrevistas foram transcritas e as construções da realidade (corpus
textual) somam-se em uma síntese final, construída pelos pesquisados em parceria com o
pesquisador. Esse material qualitativo agora será analisado à luz do referencial teórico a
partir de sua organização em categorias teóricas, empíricas e unidades de análise.
As categorias gerais ou teóricas são construídas a partir dos elementos da
fundamentação teórica. Assim, temos: A. Empoderamento, Relação com o saber e
Conhecimento Poderoso; B. Subjetivação e Formatação Docente; e C. Formação de Si
versus Formação Acadêmica. Estas serão divididas em subcategorias ou categorias
empíricas, indicadas através de números arábicos (OLIVEIRA, 2003). As unidades de
análise são as construções dos dados coletados das entrevistas, apresentadas nos tópicos
na matriz geral de categorias que se encontra abaixo.
Na análise individual, ou seja, a análise hermenêutica-dialética-interativa97 de
cada uma das entrevistas, as unidades de análise passarão a ser indicadas por meio de
tópicos como forma de facilitar o diálogo entre os dados da tabela e a análise. Sua
representação na MGC será feita por meio de algarismos romanos. Desse modo, “o
primeiro movimento numa produção escrita reconstrutiva é desconstrutivo, de
desmontagem de conhecimentos e discursos anteriormente organizados (MORAES;
GALIAZZI, 2016, p. 219).

97
Oliveira (2021) prefere a opção “interativa” ao invés de “complexo-dialógica” que, ao nosso entender,
constitui uma forma mais pertinente aos referenciais da MI. Por questões operacionais, no entanto,
utilizamos a sigla original da autora, sob a alcunha de AHDI, de forma a facilitar as análises, compreensões
e considerações.
145

Relembrando a apresentação dos sujeitos da pesquisa no capítulo 4, no momento


de ilustrar as falas, serão apresentados nomes fictícios a partir de uma opção prévia do
pesquisador98. A opção por codinomes deu-se pela motivação de utilizar as falas dos
pesquisados em vários momentos de análise, entre as sínteses parciais e a AHDI. Assim,
(re)apresentamos os sujeitos da pesquisa: Sujeito 1 – Belchior; Sujeito 2 – Heitor; Sujeito
3 – Igor; Sujeito 4 – Amora; Sujeito 5 – Victor; Sujeito 6 – Aurora.
Partindo da prerrogativa que se recomenda um CHD com o envolvimento de
quatro a oito pesquisados, sentimos a necessidade de nos localizarmos em uma média,
entre o mínimo e o máximo por convenção. Por outro lado, sentimos que os seis sujeitos
responderam com amplitude de percepções às questões do roteiro, sem a necessidade de
se estender o número de entrevistas.
O quadro abaixo apresenta a Matriz Geral das Categorias (MGC). A MGC é o
agrupamento de todas as categorias teóricas e empíricas, com suas unidades de análise
representadas em tópicos sintéticos (MOURA, 2011), que serão delineados na análise
aprofundada:
Quadro 9
Matriz Geral das Categorias para a AHDI.
A: Empoderamento e B: Subjetivação e C: Formação de Si versus
Relação com o Saber Formatação Docente Formação Acadêmica

1. Motivações e aspirações 1. Agentes relacionados à 1. Atividades de ensino,


socioculturais identidade profissional: pesquisa e extensão
vivenciadas no curso
I) Busca de melhoria I) Interesse pela
socioeconômica Biologia a partir da I) Desconhecimento
II) Influência de influência de acerca do currículo
diversos atores professores do ensino no PPC
sociais na escolha do médio II) Reprovação e ensino
curso II) Percepções sobre propedêutico
III) Dificuldades em serem “professores- III) Produção acadêmica
conciliar horários de biólogos” IV) Ações extensionistas
trabalho e estudo III) Perfil do egresso no na horta comunitária
PPC

2. Possibilidades de 2. Perspectivas profissionais e 2. Programas Institucionais


empoderamento- planos para a formação
I) Grupos de Pesquisa
desempoderamento permanente
II) PIBIC
I) Relações I) Emprego concursado III) PIBID
interpessoais II) Doutorado IV) Residência
II) Centro Acadêmico III) “Ser alguém” na vida Pedagógica
III) Omissão política
IV) Falta de

98
Cada pesquisado escolheu seu nome fictício a partir de uma lista prévia apresentada pelo pesquisador
antes da realização da entrevista por meio do CHD.
146

transparência e
gestão democrática

3. Práticas relacionadas à 3. Práticas relacionadas ao 3. Práticas relacionadas ao


docência em Biologia trabalho pedagógico ensino da graduação
I) Propostas de trabalho I) A escola como o I) Motivação pessoal
que articulem a campo de como componente da
Biologia com aprendizagem do ser aula
questões sociais professor de Biologia II) O que é importante
locais II) Falta de ser ensinado na
II) Cuidado com as acompanhamento e universidade
relações supervisão nos III) Ausência da prática
interpessoais com os estágios pedagógica nas
educandos III) Desejo por atividades disciplinas
III) Características de um reflexivas específicas
bom professor de metanalíticas sobre a IV) Cisão entre
Biologia prática docente componentes
IV) Conhecimento IV) Ausência da escrita curriculares
poderoso na de si como elemento
formação em formativo
Biologia.

Fonte: O autor.
A partir do exposto, segue-se a análises das categorias uma a uma, entretanto, as
unidades de análise serão ilustradas com trechos do corpus, no intuito de tornar a análise
mais consistente e relevante. Primeiramente, as categorias teóricas articulam os elementos
centrais da teorização desenvolvida no capítulo 1. Já as categorias empíricas situam-se na
mediação entre a teoria e os pesquisados por meio da elaboração de um roteiro
semiestruturado de entrevistas pelo pesquisador. Por fim, as unidades de análise, seja por
meio de tópicos ou de excertos das entrevistas, constituem as respostas dos pesquisados
frente às questões instigadas pelo pesquisador.
As categorias teóricas envolvem nossas críticas concernentes ao (des)
empoderamento, à Formatação docente e às práticas de si, contrapostas a uma lógica de
formação acadêmica. Assim, algumas categorias aproximam-se das outras com maior ou
menor força, porém, constituem três grandes campos da teorização desenvolvida no
capítulo 1. Após a análise pontual, traçaremos algumas considerações na forma de
(in)conclusões, em que pontuaremos nossos achados e estabeleceremos uma triangulação
entre a fundamentação, as questões de pesquisa e os resultados.

6.2. Categoria Teórica A – Empoderamento e Relação com o Saber


147

Nesta categoria, englobamos três grandes questões: as motivações e as aspirações


socioculturais da formação; as ações de empoderamento-desempoderamento em relação
com o saber acadêmico pertinente à formação; por fim, que tipo de conhecimento
entendem como poderoso no sentido de responder aos compromissos sociais do ensino
de Biologia com o empoderamento dos estudantes.
Destarte, a primeira categoria empírica “Motivações e aspirações socioculturais”
surgiu do conjunto das percepções que envolvem as escolhas de curso, os projetos
profissionais e o papel do conhecimento biológico na sociedade.
No afunilamento dos dados, surgiram as seguintes unidades de análise: primeiro,
a busca pela melhoria socioeconômica; em segundo lugar, a influência de diversos atores
sociais na escolha do curso; e, por fim, o papel do professor de Biologia na sociedade.
Observamos, de maneira geral, que a categoria empírica 1 envolve a dimensão
sociocultural, destacando atores e elementos formativos que nem sempre são levados em
questão na teorização acerca da formação de professores.
Em outras palavras, observamos a retomada de algumas questões que afloraram
em nossa pesquisa de mestrado (MOURA, 2011), em que observamos uma relação direta
entre o ingresso no ensino superior e a busca de melhoria socioeconômica em relação a
um posto mais bem remunerado no mercado de trabalho. Concordamos com Massi et al.
(2017) ao afirmarmos que as licenciaturas são cursos frequentados essencialmente pelas
classes populares, então, depositam na escolarização as suas principais expectativas de
melhoria de condição social. Dessa maneira, acreditamos que o escopo da formatação
docente se ajusta aos propósitos de vida dos licenciados, atendendo à preparação para o
mercado de trabalho.
Existe uma preocupação com a ascensão social que é parte da visão simplista de
que estudar é uma garantia unilateral de um futuro melhor em detrimento da autoformação
intelectual. O cerne desta categoria é a relação com o trabalho, enquanto motivação à
licenciatura. Os demais motivos sociais constituirão outra categoria, que será mais
aprofundada na unidade B2. De uma forma geral, aliam-se a motivação de conquistar um
trabalho de melhor status e remuneração com o desejo de abandonar os empregos
precários, seja no comércio ou na roça. Porém, não enxergam criticamente que este tipo
de forma(ta)ção é parte de um projeto que envolve o “desmanche da sociedade do
emprego ou salarial enquanto a nova base técnico-científica, incorporada ao processo
produtivo, permite o aumento da produtividade e da expansão econômica sem
incrementos proporcionais de emprego” (TEIXEIRA, 2009, p. 2).
148

A segunda unidade de análise diz respeito aos agentes que influenciam as escolhas
de curso, para além da dimensão econômica, relatada anteriormente. Abaixo, as falas dos
pesquisados ilustram o papel condicionante de atores sociais diferenciados na opção de
curso.
O meu sonho, desde os 10 anos, levava para a Biologia. Eu ganhei um livro
sobre “Animais do Brasil” da minha professora do terceiro ano. Esse foi o
primeiro passo para eu estar aqui conversando com o senhor... Eu terminei a
escola primária em 1988 e esse livro está comigo até hoje.(Heitor)

Teve uma influência forte da Maria, minha professora de Biologia no Ensino


Médio (Igor)

Teve alguma influência da família, pois eu sempre escutei meus pais antes das
grandes decisões da vida e conversei também com outras pessoas que já faziam
ou fizeram o curso... (Victor)

Já tinha alguns colegas que faziam Biologia por aqui e falavam muito bem, aí
decidi ficar aqui mesmo na cidade... (Amora)

Destaca-se também a influência de professores do ensino médio, ajudando-nos a


entender que a educação, para além dos processos de subjetivação e singularização, é uma
forma de socialização (CHARLOT, 2013) das pessoas entre si e com o mundo. Porém, o
destaque das questões socioculturais transcende a própria opção de curso, indicando
questões de status que se relacionam até às vestimentas específicas de laboratório, como
é o caso do jaleco. A fala de Victor ilustra bem a situação descrita:
Teve um tempo que a vontade era colocar o jaleco e ir para o laboratório... Se
pudesse, até andaria na rua de jaleco, para mostrar paratodo mundo que eu sou
biólogo. (Victor)
Por outro lado, Massi (2017, p. 323) indica o perfil de estudantes de uma
licenciatura em Química, que consideramos pertinente para a descrição dos nossos
pesquisados em questão: “são oriundos de famílias com baixo capital cultural e
econômico, o que implica a necessidade de se considerar esse ponto de partida ao formar
os professores nos cursos de licenciatura, buscando caminhos para ampliar seu repertório
cultural”.
As pesquisas de Massi têm muitos pontos de confluência com esta pesquisa99,
principalmente na origem dos licenciandos e na busca de ampliação do capital cultural e
econômico indicado pelos professores-biólogos entrevistados. Entretanto, é flagrante o

99
Foi descartado um levantamento socioeconômico pois a experiência diária do pesquisador por quase dez
anos no campo de pesquisa indicou a possibilidade de compreendermos o contexto socioeconômico dos
licenciandos a partir da interpretação das falas das entrevistas.
149

conflito de identidade entre o “ser professor” e o “ser biólogo” permeando os aspectos


subjetivos da formação.
As pessoas da minha turma sempre falavam nas áreas de perito, analista de
laboratório, trabalhar em jardim botânico ou zoológicos, mas ninguém falava
de ser professor, lá no início... Isso foi engraçado, porque pensando agora nas
pessoas da minha turma, quase todos se tornaram professores. (Belchior)
As unidades I e II demonstram a importância de diversos agentes que estão além
dos muros da universidade orientando os propósitos do licenciando na escolha do curso.
A aspiração social é condicionada pelos fatores socioeconômicos do público pesquisado,
pela condição socioeconômica e cultural das suas famílias e da cidade em que vivem,
como também de suas relações interpessoais com amigos que já fizeram o curso em
turmas anteriores e professores de Ensino Médio.
O terceiro elemento de ordem social já foi discutido nos dados apresentados pelo
Iramuteq. As dificuldades em conciliar horários é uma realidade típica dos trabalhadores-
estudantes. Na licenciatura pesquisada, a oferta é noturna, contudo, uma boa parcela dos
componentes curriculares é ofertada à tarde, principalmente em razão dos horários de
outros professores que moram em outro estado. Assim, a unidade III desenha este
panorama, com destaque às falas de Victor, que deixou um emprego de comerciário para
sobreviver com bolsas do PIBID de forma a manter-se para além da ajuda dos pais.
Lendo a categoria A1 em seus aspectos gerais, validamos a importância de
compreender as motivações e aspirações socioculturais. Para tanto, retomaremos a
questão na categoria B2, em que discutiremos as perspectivas profissionais para a
formação permanente.
Na busca de triangular as questões socioculturais com as possibilidades de
(des)empoderamento na forma(ta)ção docente100 (MOURA, 2021), a segunda categoria
empírica visa à pesquisa dos agentes envolvidos nas opções de curso, mas agora durante
a formação inicial. Essas escolhas decisivas, de forma individual e coletiva, como
possibilidades de (des)empoderamento no contexto da formação. Em linhas gerais, as
percepções emergentes falam sobre a limitação da organização política dos estudantes
com a valorização das relações interpessoais entre pequenos grupos e com a turma.
Assim, na categoria empírica “Possibilidades de Empoderamento”, surgiram as
seguintes unidades de análise: I) Relações Interpessoais; II) Centro Acadêmico; III)
Omissão Política; IV) Pesquisa.

100
Artigo publicado acerca da análise documental do PPC da licenciatura pesquisada.
150

Por mais que as unidades de análise sejam aparentemente desconexas,gostaríamos


de pontuar os critérios de diferenciação a partir das falas e o sentido de que o
empoderamento é convencionalmente entendido como um processo de conquista de
poder e, no caso de uma formação de professores, da autonomia intelectual. Em primeiro
lugar, a unidade I descreve a importância do poder do grupo, enquanto importância de os
estudantes estarem juntos e unidos, apoiando-se nos estudos e atividades. Entretanto, a
união é mais de natureza afetiva do que política. Além das relações de amizade entre os
professores-biólogos, Victor também indica a importância de seu empoderamento em
relação à docência mobilizado por contatos com os professores-formadores para além da
sala de aula. Em suas palavras:
Essa relação paralela com os docentes fez com que eu fosse um dos poucos
estudantes que fizeram TCC na área de ensino. Eu me achava muito aquém, aí,
essas conversas aqui e acolá culminaram no meu TCC: uma professora foi
orientadora e a outra estava na banca, junto com a professora que
supervisionou o meu PIBID. (Victor)

Agora, minha turma, ela foi muito importante. Teve uma época que eu quase
desisti do curso, não por desinteresse, mas por questão financeiramesmo. Tinha
que trabalhar e tal. A turma me ajudou muito. Comecei a vender doces aqui na
Faculdade. Eles compravam e me incentivavam. A gente se aproximou e se
apoiou... (Igor)
Em segundo lugar, por mais que os estudantes se entendam pela condição de
unidos em termos de formação de grupos na turma, diagnosticamos a falta de um espaço
físico e social para que os estudantes estejam mais juntos e, consequentemente,
politicamente unidos. A fala de Aurora ilustra bem a questão a ausência das ações
coletivas:
Os estudantes precisam se relacionar mais do ponto de vista social. [...] O
Campus precisa de um centro acadêmico e eu tentei implementar coma galera,
mas não deu certo. Foi frustrante. Isso é triste. [...] (Aurora)
A unidade III é um complemento da unidade anterior, em que se observa uma falta
de envolvimento político e até mesmo um certo incômodo pela falta de expressão política
do coletivo dos alunos. A fala de Aurora, que foi a única participante com real
engajamento político, é bastante elucidativa:
Os alunos não estão nem aí. Nem sei se é falta de interesse ou medo de
perseguição política, porque não temos uma universidade democrática e
transparente. O portal da transparência não é nada transparente, ninguém
convida aluno para reunião, e os alunos ficam passivos, quase que de forma
inocente. Se não houver esse diálogo dentro da universidade, os alunos vão
continuar achando que está tudo bem. Essa instituição foi a primeira faculdade
aqui na região e a gente tem que valorizar, correr atrás. Falta consciência
política no aluno daqui. É algo bem enraizado culturalmente. A gente tá muito
acostumada a seguir a manada, vai com um e com outro... (Aurora)
151

Por outro lado, como houve respostas que se remetiam a diferentes agentes que se
relacionam institucionalmente por diversas vias de comunicação, o único ponto
convergente que nos parece claro é a indicação de valor às experiências com os colegas
de curso. E mais, indicam a necessidade de possuírem um espaço físico para, além de
estarem juntos, terem uma organização política mais efetiva, pois “a necessidade
premente do grupo é a estruturação de uma rotina que localize mais e mais as perguntas:
‘onde estou?’, ‘com quem estou?’ e ‘quem cuida de mim?” (FREIRE, 2019, p. 125)
A unidade IV refere-se à pesquisa que, além de uma questão a ser retomada em
outras unidades, é um dos pontos de partida nesta pesquisa. Uma grande questão desta
tese versa sobre a pesquisa no contexto da formação inicial gira em torno de três
perguntas: como os trabalhadores-estudantes podem participar dos grupos de pesquisa se
a maioria só funciona durante o dia, enquanto eles trabalham? Por que tão poucos
estudantes podem se envolver nos grupos de pesquisa para além das limitações
socioeconômicas? Que tipo de estudo pode haver nas pesquisas de forma que sejam
mobilizadas questões de interesseindividual e coletivo dos participantes dos grupos de
pesquisa?
Responder a estas questões no momento seria precipitado, pois ainda temos um
longo caminho de análises inconclusivas a percorrer. Porém, algumas pistas foram dadas
pelos pesquisados na construção da SI, ou seja: a pesquisa é elitista e apenas para aqueles
que podem estudar durante o dia, com disponibilidade de horários. Todos os outros
estudantes são alijados do mundo da pesquisa, constituindo um grande grupo de
desempoderados por uma forma(ta)ção baseada no ensino por meio da pedagogia
bancária.
Por outro lado, não podemos deixar de destacar o caráter empoderador da pesquisa
para as seletas pessoas que participam dos referidos grupos. A fala de Amora demonstra
a importância de participar de um grupo de pesquisa e dos programas institucionais de
iniciação científica como elementos importantes para a dimensão de crescimento
individual no empoderamento durante a trajetória formativa:
Acho que os grupos de pesquisa e os programas que eu participei, Pibic e Pibid,
ajudam muito a você crescer aqui dentro. São programas importantes que
acabam envolvendo o indivíduo. (Amora)
Apesar de suas falas não se apresentarem suficientemente claras, a pesquisa foi
decisiva na trajetória acadêmica de Amora. Por mais que ela também destaque o Pibic eo
Pibid, em sua entrevista, foram contabilizadas 11 citações sobre o grupo de pesquisa em
Parasitologia que participa. Porém, apesar de decisivos na formação, os grupos de
pesquisa ainda são para poucos. E mais: as experiências pessoais passam por uma
152

organização estrutural que envolve uma orientação curricular que envolve o privilégio
das disciplinas específicas durante toda a formação como também um regime de verdade
de um discurso de organização de projetos institucionais e de grupos de pesquisa
orientado para poucos estudantes – aqueles que possam estudar e pesquisar durante
o dia (MOURA, 2021). A contribuição dos programas de pesquisa e iniciação à docência
seriam melhor vivenciados se fossem geridos em perspectiva democráritca e de acesso
mais facilitado à comunidade acadêmica a partir de diversos formatos de funcionamento.
A unidade IV envolve uma questão que se relaciona diretamente ao que foi
discutido no parágrafo anterior: a falta de transparência e gestão democrática. O grande
problema é uma questão decisória de poder. Os interesses dos professores são diferentes
dos interesses dos licenciandos. O projeto de valorização da pesquisa acadêmica é mais
atrelado à ascensão profissional da carreira dos professores universitários do que na
orientação do desenvolvimento de uma carreira acadêmica para os licenciandos. Nisto,
concordamos com Cunha e Leite (2009, p. 91), que indicam a pesquisa de forma
extremamente valorizada e como a “atividade preferencial do professor”. Pois, por meio
da pesquisa,
Ele se qualifica como profissional e é reconhecido na sua comunidade
científica. Os problemas de pesquisa quase sempre estão ligados aos ‘interesses
e desenvolvimento das ciências’ e, poucas vezes, estão vinculados a problemas
concretos da prática social, mesmo que a médio e/ou longo prazo este objetivo
se concretize. (Idem)
Por isso, decidimos tratar das vivências dos professores-biólogos nos programas
e apresentar suas percepções em uma categoria empírica organizada dentro da categoria
teórica C, que se ocupa das tensões específicas da formação inicial em Ciências
Biológicas. Ou seja,
é preciso compreender a matriz ideológica na qual o sujeito é produzido. Tal
vertente do pensamento científico está de acordo com o entendimento das
aprendizagens do estudante. Estas guardam a matriz das relações de classe, na
geração da voz, através da socialização da família, e são formalizadas, passam
a ter voz, pelas regras de reconhecimento, por exemplo, a universidade como
produtora de mercadoria e preparadoras de quadros para a gestão da sociedade
(CUNHA; LEITE, 2009, p. 76-77).
Todavia, nos quadros construídos pela formação analisada não se observou um
amadurecimento no entendimento de ações individuais para o empoderamento. Assim, os
licenciandos confirmam que a aprendizagem essencial é ser um aluno padrão, ou seja,
“aquele que segue as normas do seu curso” (op. cit., p. 77), com atividades padronizadas
de sentido da formação relacionadas ao “sair-se bem nas provas e terminar o curso em
tempo hábil”.
153

Tampouco se percebe o amadurecimento individual que um processo de


empoderamento proporciona, convidando o indivíduo à participação política de forma
individual e coletiva. Por mais que não defenda a ideia de empoderamento light,
a ausência de um projeto de autoconhecimento individual e falta de mobilização em ações
comunitárias para a participação social são lacunas consideráveis. Por outro lado, é
importante destacar que
grupo é o resultado da dialética entre a história do grupo (movimento
horizontal) e a história dos indivíduos com seus mundos internos, suas
projeções e transferências (movimento vertical), no suceder da história da
sociedade em que estão inseridos (FREIRE, 2019, p. 103).
Assim, a partir das percepções citadas, o que será a tônica das falas citadas por
toda a AHDI, os atores sociais da formação pesquisada entendem a importância de um
grupo empoderado, mas não praticam ações próprias de empoderamento, como parte do
processo de se tornarem professores-biólogos na perspectiva de sujeitos críticos e
reflexivos.
Por meio da mobilização de capacidades cognitivas e valorativas diversas, o
parâmetro das ações de empoderamento individual e coletivo é o desenvolvimento de
uma visão que mediatiza conhecimento e ação, fomentando alterações gradativas no
modo de agir e de pensar dos sujeitos em formação num certo contexto, promovendo
assim a transformação social a partir de uma trajetória formativa. Porém, não se entende
ou
não define os programas de formação de professores como parte de umacontra-
esfera pública ampliada, que poderia operar de algum modo coordenado para
educar intelectuais dispostos a desempenhar um papelcentral na grande luta
pela democracia e pela justiça social (GIROUX,MCLAREN, 2013, p. 148).
E mais, estas discussões sobre empoderamento também não fazem parte da
caracterização do perfil do egresso apresentado no projeto do curso e inexiste a proposta
de ações de empoderamento nas práticas pedagógicas das disciplinas 101 ; assim, “o
resultado da racionalidade positivista e sua concepção tecnocrática da ciência
representava uma ameaça à noção de subjetividade e ao pensamento crítico” (GIROUX,
1986, p. 31).
Em outras palavras, considerando a racionalidade técnica e as tendências
neoliberais em educação, concordamos com Chauí (2000; 2003) no seu entendimento de
universidade operacional: nela, os estudantes de graduação percebem a docência de
forma simplista, ou seja, uma mescla entre a transmissão de conhecimentos e o
adestramento político. Nesse tipo de formação simplista, a docência é entendida como
uma transmissão rápida de conhecimentos aliada a uma habilitação rápida para o mercado.
154

Por outro lado, percebemos o individualismo excessivo do empoderamento na linha


neoliberal como um obstáculo à formação de professores críticos, emancipadores, e
comprometidos com a transformação da sociedade. Desse modo, nossa
análise tomou como ponto de partida a convicção de que para seres humanos
autoconscientes agirem coletivamente contra os modos de racionalidade
tecnocrática que permeavam o mundo do trabalho e outras esferas
socioculturais, seu comportamento deveria ser precedido e mediado por um
modo de análise crítica (GIROUX, 1986, p.39).
No entanto, por hora, a ênfase é dada para que essa compreensão deva ser trabalhada
nos processos formativos voltados para o empoderamento, afinal, carregamos a hipótese de
que a formação é história-trajetória que prepara sujeitos para a participação em processos
decisórios na sociedade. Contudo, esta é uma proposta que implica em investimentos
permanentes na formação de professores (FERNANDES; MARQUES, 2009, p. 9),
principalmente de natureza política.
Diante de poucas possibilidades de empoderamento contrapõe-se por um conjunto de
percepções acerca da próxima categoria empírica, sobre as “práticas relacionadas à
docência em Biologia”. Revendo os resultados da pesquisa de Moura (2011), o
entendimento da função social da Biologia estava evidente e que seus aspectos devem se
estender à melhoria da vida humana, apesar de não relevar os aspectos atitudinais a serem
desenvolvidos num processo de formação docente. Nessa categoria, percebemos claramente
que a licenciatura pesquisada é mais uma força produtiva na lógica capitalista, ao invés de
se constituir um processo de formação intelectual.
Agora, perceberemos que as questões sociopolíticas serão relegadas a um segundo
plano da formação, porém, os licenciados oscilarão suas respostas entre a preocupação com
o social, com questões humanas e, na margem oposta, mantêm suas percepções de uma
universidade heterônoma. Ou seja, referendam a luta meritocrática típica do autoritarismo
da sociedade brasileira, o operacionalismo das ações de ensino-pesquisa- extensão
universitária e, por fim, confirmam a lógica das competências quando pensam nas
características de um bom professor de Biologia e o conhecimento poderoso na formação
em Biologia.
Para entender melhor a questão, a referida categoria agregou as percepçõesrelacionadas ao
perfil de um bom professor de Biologia e suas relações com a escola pública, onde todos os
entrevistados realizaram a sua educação básica102 .

101
O projeto político-pedagógico de curso contém no perfil do egresso o domínio de competências e
habilidades que não constam no programa de nenhum componente da trajetória formativa.
155

As suas unidades de análise foram as seguintes: I) Propostas de trabalho que


articulam a Biologia com as questões sociais locais; II) Cuidado com as relações
interpessoais com os educandos; III) Características de um bom professor de Biologia;
e IV) Conhecimento poderoso na formação em Biologia.
De maneira geral, as unidades de análise concordam com os dados obtidos por
Brando e Caldeira (2009) que identificam que o curso pouco contribui para a construção
de uma identificação dos alunos com a profissão de professor de Biologia. Nesse sentido,
“os professores das áreas de conhecimentos específicos dos cursos de licenciatura em
Ciências Naturais deveriam refletir sobre como a sua docência contribui ou não para a
formação identitária de professor em seus alunos (op. cit., p. 171).
Dito de outra forma, as preocupações com a prática pedagógica na escola
básica103, com os conhecimentos de natureza sociocientífica e o conhecimento poderoso
atinente à formação que se encontra fora dos manuais do conhecimento específico, estão
presentes nas falas dos entrevistados, mas sempre de forma superficial. Assim se entende,
por exemplo, que as relações interpessoais entre educador e educando são mais
importantes do que o conhecimento poderoso que os permite ler e compreender o mundo
a serviço de uma formação intelectual. Estas percepções são típicas de estudantes de uma
universidade operacional, em que as atividades de professores e graduandos estão cada
vez mais distantes do contexto da emancipação humana.

Evidencia-se a preocupação de se olhar para o ensino de uma forma menos


propedêutica e mais valorativa no lado social, porém, as questões e conhecimentos
sociocientíficos não aparecem nas falas, ficando todo o mundo social em uma necessidade
subentendida. Isso reflete a importância de se elencar temas sociais nas propostas de currículo,
porém, as falas abordam o social como algo genérico e não houve falas que se remetessem a
contextos específicos em que as questões sociais fossem evidenciadas. Apenas foi dito que:
Eu vejo que os alunos não enxergam a necessidade de retorno social de passar
tanto tempo aqui... (Aurora)

É perceptível uma preocupação com as pessoas que vivem o processo educativo, tanto
na escola como na universidade. O que parece confuso na análise desta categoria empírica é
a dificuldade de estruturação de ações individuais dentro de um projeto coletivo mais amplo,
de uma luta pela formação emancipatória, o que foi quase evidenciado na categoria empírica
anterior.

102
Dos entrevistados, apenas Igor cursou o Ensino Fundamental e o primeiro ano do Ensino Médio em
escola particular. Entretanto, suas falas decisivas sobre suas experiências escolares remetem-se à escola
pública, nos últimos anos do Ensino Médio.
156

As falas de Victor demonstram isso em diversos momentos de suas entrevistas,


porém, se percebe uma preocupação mais tímida e de natureza pessoal em abordar as
questões que se relacionam à vida dos alunos. Para ele, é mais essencial importar-se com
os educandos e saber ouvi-los, todavia, sem apresentar uma perspectiva de formação
humana, ao contrário, mais no intento de um desejo em ajudar as pessoas:
Eu já tenho alguma bagagem e agora é hora de ouvir para tentar ajudar...(Victor)
Nas falas citadas a seguir, fica mais evidente esta preocupação direta com a vida
das pessoas.
Eu gostaria de unificar as questões sociais com questões tratadas na Biologia,
por exemplo, como o senso comum de uma comunidade pode intervir na ciência
e vice-versa... Em outras palavras, como a ciência da universidade pode
contribuir para melhorar a vida das pessoas. (Aurora)

Como dá para perceber, eu gosto muito do social que se volta para a formação
de sujeitos mais autônomos e participantes. (Victor)

Por mais que Aurora evidencie uma importante questão sociocientífica de ordem
multicultural e Victor declare seu apreço à emancipação humana, as citações foram
pontuais e terminam nos excertos destacados. Isto é, quando foram solicitados a
complementar suas falas, eles desviaram-se do assunto ou se puseram reticências, uma
provável pista de que o domínio das questões sociais existe sub-repticiamente. Esses
depoimentos dos pesquisados mostram claramente as preocupações diante das decisões
pessoais ligadas à importância das questões sociais na formação dos educandos na
comunidade em que vivem, em conformidade com as proposições teóricas acerca da
formatação docente no contexto do desempoderamento e de uma subjetivação constituída
na lógica das competências e habilidades docentes.
Em outra questão, temos a importância dada com as questões pessoais dos alunos,
em questões como “saber ouvir” e “incentivos pessoais durante as aulas”. São percepções
que atendem aos aspectos que poderiam envolver uma pedagogia de criação de valores
se não estivessem mais comprometidas com a ideia do “empresariado de si mesmo”
(CHAUÍ, 2000), sob a lógica da formação por competências. Assim, novamente se
percebe uma ausência de sistematização das ações pessoais com os educandos e de uma
agenda comprometida com a luta pela emancipação humana por meio de uma formação
empoderadora.
Em outras palavras, parece que basta apenas saber ouvir e incentivar durante as
aulas, sem qualquer suporte teórico-metodológico. As falas de Heitor, Igor e Victor
demonstram essa preocupação em diferentes perspectivas.
157

Tenho muito contato com os alunos e gosto de conversar com eles... (Heitor)

Depois que eu conheci a Maria, ela mudou totalmente minha visão de mundo...
(Igor)

Eu não me acho um bom professor só porque ouço, enquanto professor,acho


que ouvir é uma obrigação. (Victor)

Dessa forma, as falas dos pesquisados confirmam o pressuposto pedagógico de


que as relações interpessoais são essenciais e uma característica essencial ao bom
professor, visto que a “resposta à afetividade deve estar no agente e no aprendiz. É preciso
sentir a afetividade como parte essencial da prática” (KILPATRICK, 2011, p. 92). Pois,
a experiência interpessoal constitui-se um elemento essencial no exercício docente,
articulando as pessoas, seus saberes, poderes e práticas. E mais, caso a formação “se
recuse a ser o lugar em que a vida real acontece, isso significaria um suicídio moral para
a nossa sociedade. O trabalho deve ser feito {...} e a experiência é a única forma de fazer
esse trabalho” (op. cit., p. 92).
Em outra via, a terceira unidade de análise demonstra a importância do ensino de
Biologia como possibilidade de transformação social, complementando a unidade de
análise anterior. O trecho destacado abaixo, a partir da entrevista de Victor, relaciona bem
essa questão:
Hoje você pega aviõezinhos com drogas e tantas outras questões que não estão
inseridas no currículo. Tem dia que eu chego em casa e a cabeça dói mais que
a coluna. Hoje dói mais do que quando eu era inexperiente, o que também não
foi há muito tempo. Mas é muita cargasocial. Hoje temos uma responsabilidade
a mais, eu me preocupo com a formação pessoal dos estudantes... (Victor)
Dessa forma, mesmo que sem grande profundidade, está presente o entendimento
de que o ensino de Biologia seja próximo à vida das pessoas e que proporcione poder de
ação na sociedade, diante dos problemas sociais que passaram a influenciar o cotidiano
das escolas. Esta última análise também direciona que o curso deve se voltar para maior
discussão dos aspectos cotidianos, principalmente relacionados aos desafios da rotina de
sala de aula, como foco de interesse dos professores-biólogos na realidade local.
Na próxima unidade de análise, aos serem questionados sobre o conhecimento poderoso
em Biologia, são inquiridos a falar sobre os conhecimentos essenciais a serem trabalhados na
educação básica. Novamente, surgiram conteúdos e temas pontuais,demonstrando que a agenda
de uma formação emancipatória ainda é uma arena de lutas e batalhas a serem travadas para além
das questões de currículo. Dessa maneira, relacionando nossas questões de pesquisa com os dados
obtidos, os pesquisados não parecem correlacionar que “ensino de qualidade é consequência de
estudos e pesquisas sistemáticos, regulares e consistentes; é consequência de uma sólida formação
teórica” (BEZERRA, 2019c, p. 220).
158

Os temas destacados foram: meio ambiente, evolução biológica e genética. Os


temas sociocientíficos não apareceram nas falas e, quando inquiridos acerca de que temas
estariam presentes na abordagem destes conhecimentos poderosos, as respostas foram
unânimes referendando o que está no livro didático ou na proposta curricular do
município. Destacamos um contraponto entre as percepções dos pesquisados e nosso
posicionamento teórico entre o conhecimento poderoso (YOUNG, 2011) e a nossa
“tentativa de se contrapor às políticas de formação que visam formar massivamente, sem
uma real compreensão do sentido e significado da formação humana” (BEZERRA,
2019a, p. 310).

6.3. Categoria Teórica B – Subjetivação e Formatação Docente

A categoria investiga como a formação docente volta-se às práticas de


constituição dos sujeitos. A subjetivação, nesse contexto, move uma pessoa a conhecer o
mundo em que vive e a si própria, aproximando a ideia de subjetivação às idas e vindas
do subjetivar-dessubjetivar. É por esse nó que a formação docente e os
movimentos da subjetivação se entrelaçam, no devir, nas formas de
(re)construção permanente dos sujeitos.
Neste trabalho, buscamos na medida do possível relacionar subjetivação e
empoderamento em um contexto em que consideramos de suma importância retornar aos
agentes que influenciam diretamente as escolhas profissionais desde a entrada na
universidade até as perspectivas de carreira futura. A partir das falas, percebemos as
seguintes dimensões: “sua história de vida e considerações acerca de sua identidade
docente” (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2016, p. 339)
Daí surgem os emergentes relacionados aos motivos que os levaram ao curso, mas
também fizeram seguir até o fim. Nesse ínterim, perceberam-se enquanto professores-
biólogos encarando movimentos da subjetividade diante da natureza anfíbia da formação.
Estes foram os aspectos centrais na construção dessa categoria.
Complementamos a discussão com uma unidade de análise que se refere ao
conhecimento pessoal sobre o projeto de curso. Pois, retomaremos a discussão anterior
sobre o tipo de formação que estamos estudando, principalmente no que concerne ao
perfil do egresso que o curso pretende formar.
Em suma, de acordo com nossa matriz geral das categorias, a discussão sobre
subjetivação foi realizada por meio de perguntas sobre motivos que condicionaram a
escolha, a permanência no curso e o entendimento acerca do perfil profissional
159

relacionados às experiências subjetivas que o curso proporciona. A categoria ganha força


tensionando essa formação identitária com os objetivos individuais por meio dos projetos de
vida e aos movimentos da subjetividade em relação ao trabalho pedagógico que possuem
por meio das percepções e experiências concretas.
Dessa forma, consideramos esses posicionamentos como uma questão essencial para
analisar o que estamos apresentando agora, pois, em nossa leitura, o trabalho pedagógico
não é atividade que se realiza nas escolas por meio de estágios, mas “são os conteúdos
acumulados em suas memórias intelectuais, acumulados no tempo dedicado à apropriação
de conhecimentos, em termos cronológicos” (BEZERRA, 2019a, p. 210).
Por outro lado, a categoria empírica chamada “Agentes relacionados à identidade
profissional” adensa as questões relacionadas à formatação docente realizada pela
universidade operacional (CHAUÍ, 2000; 2003). Com relação aos excertos obtidos na
pesquisa, as suas unidades de análise foram: I) Interesse pela Biologia a partir da influência
de professores do Ensino Médio; II) Percepções sobre serem “professores- biólogos”; e
III) Conhecimentos sobre o projeto pedagógico do curso.
Processando a análise, a figura do professor aparece com uma influência no processo
de subjetivação da identidade profissional de um professor-biólogo desde o ensino médio.
Porém, as falas de Victor, Igor e Aurora permitem inferir que a influência de subjetivação
é voltada mais a uma motivação pessoal para ser professor do que um interesse específico
na Biologia em suas especificidades.
Eu fiz Normal Médio, lá se prioriza as Didáticas, as linguagens de ensino e suas
práticas. Aí comecei a dar aula muito cedo, penso que isso ajudou a me
preocupar com a formação de professores... (Victor)

Eu estava lendo um texto que dizia que as crianças se inspiravam muito no


exemplo dos pais para escolher a carreira. No meu caso não, foi essaprofessora
de Biologia, a Maria. (Igor)

Eu tive excelentes professores de Português, Sociologia e Filosofia, esses


professores me incentivaram a escreveram e também estar questionando. Foi
aí que penso ter surgido o olhar diferenciado. (Aurora)
Existe um entendimento que a importância dos professores na escola básica é mais
pela formação exemplar com um caráter quase afetivo. Esse perfil parece se manter na
graduação. Assim,
tanto para esses sujeitos como para seus alunos, os professores são referência
e modelo a ser seguido. Portanto, o papel do professor, não só nos processos
de ensino e de aprendizagem, mas também nosdiferentes níveis de ensino,
especificamente no ensino superior nas situações de formação docente,
necessita ser revisitado como um elemento de análise e de redefinição
(PATRÍCIO, 2005, p. 54).
160

Nesse caminho, a formação do professor se dará pela observação e tentativa de


reprodução dessa prática modelar: como um aprendiz que aprende o saber acumulado
(PIMENTA; LIMA, 2012, p. 36). A prática artesanal ou modelar constitui o principal perfil
de identificação profissional dos licenciandos nas entrevistas, contudo, o grande problema
é que a aprendizagem dos modelos constitui-se em uma prática não dotada de reflexividade
e empoderamento.
No contexto modelar, o professor não valoriza a racionalidade reflexiva nos
movimentos de sua subjetividade, como um intelectual crítico e transformador, nas
acepções de Giroux (1997; 2000) e Freire (1967; 1979; 1987).
A segunda unidade de análise é de importância fundamental, pois se relaciona
diretamente à pergunta desta pesquisa. Em outras palavras, para entender se a pesquisa é
um agente empoderador na formação, é importante que se compreenda a natureza anfíbia da
formação de um professor-biólogo. Também é preciso investigar se entendem a formação
em Biologia de forma concomitante à forma(ta)ção docente ou se seccionam em duas etapas
distintas. Ao avaliar essas percepções, podemos entender mais sobre a formação da
identidade profissional desses atores sociais como também se a formação atende aos
interesses dos seus sujeitos como também de seu projeto pedagógico.
Assim, durante as entrevistas, foi solicitada uma opção identitária entre “professor-
biólogo” ou “biólogo-professor”, sem maiores explicações no que se relaciona ao projeto do
curso ou às diretrizes dos conselhos de Biologia sobre a identidade profissional. Dos
seis entrevistados, 4 optaram pela identificação como “professor- biólogo”, 2 optaram por
“biólogo-professor”. Contudo, destaco a percepção de Victor que identifica como “professor
de Biologia”, preferencialmente.
“Biólogo-professor”, com certeza. Biologia é a base da formação. Semfalar
que é muito difícil você se formar em Biologia... (Belchior)

Eu ainda não sou, mas quero ser “professor-biólogo” ... (Heitor)

Em Genética, quero ser “professor-biólogo”, eu acho que o peso social cai mais
na ideia de professor do que de biólogo, por mais que a maioria das disciplinas
sejam de Biologia mesmo. (Igor)

Eu me considero no time “professor-biólogo”. Quero ser professor, mas da


universidade, claro! (Amora)

Eu me entendo como um “professor-biólogo”, entre as duas opções, mas com


certo receio. Eu prefiro me dizer professor de Biologia, sem hífen e sem medo.
[...] Se o professor-biólogo for o sujeito que fomentanos estudantes o desejo de
estudar Biologia, eu fico com esse termo. Mas é uma escolha complexa. Eu
prefiro me dizer professor de Biologia. (Victor)
161

Mas quando questiono acerca do conhecimento do perfil do egresso em relação ao


projeto pedagógico do curso, as respostas são assertivas. Por isso, na terceira unidade de
análise, encontramos percepções que justificam as falas supracitadas e atestam o
desconhecimento do perfil do egresso, objetivos do curso e ementário das disciplinas,
diante da confirmação de não possuírem envolvimento com o conteúdo do projeto pedagógico
do curso.
Não conheço o projeto do curso nem os projetos de extensão da universidade.
(Aurora)

Contam o curso como a coisa mais maravilhosa do mundo, mas sem ver o
projeto, acho que aí não tem transparência com os alunos... (Amora)

Pensava que o curso tinha sido maravilhoso, agora que percebo muitas
lacunas... Também gostaria de conhecer o projeto do curso, para entender
melhor tudo isso. (Heitor)
Num balanço geral da categoria, nota-se um vasto leque de percepções. Destacam-se
a influência dos professores de Ciências/Biologia da educação básica como influência
marcante para se gostar de Biologia. Dialogando com Paro (2010), temos: “não basta
conhecer determinado conteúdo e ‘explicá-lo’ a seus alunos, é preciso saber como ensinar os
conteúdos da cultura de modo que se alcance a formação da personalidade do educando”
(p. 32). Também se denota uma opção identitária bastante insegura quando se identificam
como professores-biólogos. Temos aí um elemento-chave para questionar que tipo de
formação a instituição deseja proporcionar e o que os licenciados esperam e vivenciam do
curso.
Os professores do Ensino Médio parecem ser mais espelhos de professores
exemplares para os licenciandos do que uma influência modelar ou exemplar pelas aulas de
Biologia experienciadas em si. Dessa forma, no contexto da formatação docente, o papel do
professor enquanto mediador de conhecimento poderoso é secundário em relação ao
entendimento do professor como um formador de opinião e influenciador de opções de vida
de seus alunos. Essa influência social constitui-se um elemento da identidade para as
práticas docentes relacionadas pelos entrevistados. Assim, o que o faz gostar de Biologia e
o envolvimento com o social é uma questão essencial na construção e reconstrução de
identidade em qualquer etapa da formação docente. Assim, enredamos as duas primeiras
categorias empíricas em um eixo aglutinador: o gosto pela Biologia e as preocupações
sociais. Registramos as seguintes falas:
Eu gosto muito de estar na escola pública porque estendo a minha vida com o
social... eu penso que meu olhar é diferenciado, quando vejo as coisas das
escolas, eu penso nos problemas sociais que as pessoas possuem... (Aurora)

Gosto de enxergar as trajetórias sem perguntar ou julgar... e dar o meu melhor


para tornar as pessoas melhores. (Victor)
162

É importante ressaltar que existe um gosto pela Biologia que também se relaciona ao
gosto pelas coisas da escola, principalmente nas falas de Victor e Aurora. Na formatação
docente, as racionalidades oscilam. Assim, se por um lado, o ensino é propedêutico e
valoriza a Biologia aplicada, por outro, quase toda a formação docente é centrada na
experiência com as escolas.
Entretanto, consideramos que gosto pela disciplina essencial do curso é uma
possibilidade de preparar sobre a vida, para a vida e exercitando a vida, porém, o que
encontramos na formatação docente é outro tipo de ensino. É aquele que acontece “com a
desculpa de lhes ensinar a viver e de ensinar conhecimentos e informações úteis, assim lhes
proporcionamos um ensino chato e omitimos o mais importante, que é ensinar aos alunos a
se apropriarem da cultura inteira e se fazerem humanos-históricos” (PARO, 2010, p. 97).
Também concentram uma relação direta com as experiências escolares das pessoas
com que se relaciona durante a formação, sob o pressuposto do modelo de professor
exemplar (PIMENTA e LIMA, 2012). Assim, este fator é um condicionante não apenas do
gostar da Biologia, mas também da sua percepção de “professor-biólogo”e sua identificação
com o trabalho docente.
Na segunda categoria empírica, os devires da subjetivação encontram as
perspectivas profissionais, de vida e os planos para a formação permanente. De uma forma
geral, o gosto pela escola remete-se um anseio social em ser professor de Ciências/Biologia
que se une ao interesse em construir carreira na escola, por meio do ingresso no serviço
público por meio de concurso. Belchior e Heitor são categóricos ao dizerem que seu
objetivo é um emprego concursado, na condição de professores de Ciências104:
Eu quero deixar meu emprego para ser professor, mas cadê o concurso?(Heitor)

Eu quero um emprego meu, concursado, fichado, com tudo que tem direito.
Meu foco é emprego mesmo, meu emprego de professor de Ciências.
(Belchior)
O anseio social pela estabilidade que é buscada pela área de ensino é suavizado por
Victor quando sua fala confirma seu objetivo de terminar o doutorado e “buscar um lugar
ao sol”.
O futuro é me encontrar nessa questão de formar professores e me consolidar
como um professor-pesquisador. Claro que eu gostaria do meu lugar ao sol,
numa universidade, na área de ensino, mas tudo tem seu tempo. (Victor)

103
Eles também abordam um desejo de serem professores da comunidade em que vivem,
preferencialmente.
163

Nessa categoria, percebe-se a aglutinação entre as motivações socioculturais e


econômicas que motivam a escolha do curso e possivelmente originam as escolhas de
carreira após a graduação como também opções bastante individualistas. Pois,
É compreensível que nossos estudantes e a comunidade como um todo, ao se
depararem com um modelo de ensino que privilegia os resultados ou o produto,
acabem incorporando esses valores do individualismo e da competição da
ideologia neoliberal... (GHEDIN, et al., 2015, p. 85).
Complementando a anterior, a segunda unidade de análise reforça a ideia de
interesse pela docência, porém, com enfoque na docência universitária, como já foi indicado
por Igor, Amora e Victor, após a conclusão de um curso de doutorado105.
Minha preocupação é terminar o mestrado e entrar no doutorado.Depois vamos
atrás dos concursos nas universidades... (Victor)

Depois do final do curso, pensar no mestrado e doutorado é sair da zona de


conforto. Eu quero ser pesquisadora, já tenho essa ideia em mente, mas, por
outro lado, parece ser meio forçado, acho que deveriaa ser algo mais natural,
pois quero ser pesquisadora e professora, numa boa universidade... (Amora)

Fiz uma promessa para a minha professora, a Maria. Eu disse que ia ser melhor
que ela. Não como pessoa, mas que faria meu doutorado e seria professor de
Genética. (Igor)
Analisando essas falas pode-se inferir que o projeto profissional está bastante ligado
a um projeto de vida. Esse projeto, que é uma culminância das motivações e aspirações
socioculturais, constitui um aspecto importante na subjetivação docente. Por outro lado,
percebe-se a relevância social da profissão e o desejo por estar nela, contudo, segue-se um
senso comum de que “se é para ser docente, que seja na universidade” (Igor e Amora).

O interesse pelo curso de doutorado foi mais delineado em Victor, que já está
percorrendo as trilhas da pós-graduação, na área de ensino de Ciências. Para outros dois
sujeitos da pesquisa que falaram sobre a questão, Igor entende a pós-graduação como um
caminho natural para se tornar professor-pesquisador e Amora106 entende que o doutorado
é uma etapa essencial do caminho de pesquisa na sua área.
De uma forma geral, acreditamos que a segurança financeira é um projeto de vida
que permeia todas as unidades, porém, é mais entendida como uma saga homérica do que
uma consequência inerente ao exercício da profissão. Concordamos assim com Paro (2018)
no que tange aos projetos e qualidade de vida do professor, pois “seu salário precisa ser tão
justo e compensador, de tal modo que isso nem sequer seja motivo de preocupação,

104
Amora, Igor e Victor fazem menção específica sobre serem professores universitários, destacando a
possibilidade de retornarem ao Campus de formação inicial.
164

estando ele livre e tranquilo para realizar seu trabalho, voltando-se para os interesses que de
fato contribuem para a boa realização de seu produto”. (PARO, 2018 p.113)
A terceira unidade de análise agrega elementos das duas anteriores e retoma o
compromisso social do professor de Biologia sob a forma de “ser alguém na vida”.
Destacamos dois entendimentos de docência: um que está relacionado ao campo de trabalho
e outro que se relaciona à própria finalidade da docência. Para entender mais essa questão,
no roteiro de entrevista foi pedido que eles relacionassem exemplos e características de bons
professores de Biologia que já se consideram ou que desejam ser, com um recorte mais
voltado nas possíveis contribuições sociais no âmbito da escola pública.
Logo após, foi solicitado que os mesmos se avaliassem em que grau se entendem
enquanto bons professores neste momento da carreira e a conversa continuava para que eles
justificassem a escolha.
Dos seis entrevistados, apenas Heitor107 não possuía uma experiência atual com a
docência, mesmo trabalhando numa escola. Apesar disso, falou com bastante veemência do
seu amor pela profissão e dos seus interesses em estar com os alunos, ensinar e aprender
com eles. Aurora é educadora social atualmente, e seu compromisso social é mais destacado
do que a presença dos elementos de uma epistemologia da prática docente.Já a Amora possui
a situação oposta de Heitor, mesmo não tendo nenhuma relação trabalhista atual com uma
escola básica, suas atividades recentes do estágio e do programa de Residência Pedagógica
validam sua experiência docente, mesmo ainda em fase de consolidação da identidade
profissional.

Igor demonstrou claramente não se definir como um bom professor, por outro lado,
confirma seu desejo de ser melhor do que a Maria, sua professora de Biologia do Ensino
Médio, um típico exemplo de formação por imitação de modelos exemplares.
Victor e Igor são os únicos que possuem uma experiência contratual de professor de
Ciências no momento em que as entrevistas foram realizadas. Mostram amadurecimento de
ideias sobre a docência e uma imersão na experiência de estar na escola, e por mais que
saibam caracterizar um bom professor, possuem concepções diversas sobre uma avaliação
pessoal de suas práticas. Por outro lado, associam diretamente a ideia de ser um bom
professor com a condição ontológica de “ser alguém na vida”. Em suas palavras:

105
Para relembrar, Amora participa do grupo de pesquisa em Parasitologia e Igor faz parte do grupo de
pesquisa em Genética. Dos 6, apenas Victor tem uma vinculação com a pesquisa em ensino, estando, no
momento da pesquisa, iniciando sua experiência formativa na pós-graduação Stricto Sensu.
106
Heitor é vigilante em uma escola pública há mais de 10 anos.
165

Eu ainda não sou um bom professor. Ainda me falta mais experiência de sala
de aula. Quando você vai dar aula no sexto ou nono ano, tem hora que dá
vontade de sentar num canto e chorar, mas eu ainda chego lá... quero ser um
bom professor de Genética. (Igor)

Posso correr o risco de ser um pouco presunçoso, mas eu me considero sim um


bom professor. Isso não quer dizer que ainda posso ser melhor a cada dia. Mas
eu preciso me transformar num bom pesquisador 108, isso sim... (Victor)
A terceira categoria empírica contrapõe-se ao trabalho docente em relação à
epistemologia da prática, concluindo nossa crítica acerca da formatação docente. Em tempo,
criticamos tanto o que diz respeito à formação baseada na racionalidade técnica como na
prática, conforme desenvolvemos a fundamentação teórica dos capítulos 1 e 2. Tanto no que
concerne ao “ser professor” como também ao entendimento de que o trabalho docente é uma
profissão a ser aprendida no campo da prática, ou seja, nas escolas. Concordamos com
Bezerra (2019a; 2019b; 2019c) que o trabalho essencial de uma formação humana é a
apropriação de conhecimentos por meio do trabalho pedagógico de estudo em pesquisa,isto
é, no movimento da subjetivação realizado pelo formando em sua interação com o
conhecimento poderoso atinente à sua formação, tanto profissional quanto cultural.

No contraponto, não acreditamos que estamos nos investigando uma formação


docente voltada ao empoderamento por meio de ações que envolvem práticas de si voltadas
à criação de valores individuais e sociais. Nesse âmbito, nossa expectativa era perceber
quais valores os sujeitos enunciam em suas falas para que possamos, ao menos,delinear uma
arena de disputas e combate à licenciatura operacional em questão. A partir dessas
percepções, também tentamos inferir quais tipos de movimentos da subjetivação os sujeitos
da pesquisa desejariam ter experienciado durante a licenciatura. Por fim, buscamos também
mapear outras lacunas da formação e delinear um horizonte mais específico para a crítica
das racionalidades formativas108.
A primeira unidade de análise intitulada “A escola como campo de aprendizagemdo
ser professor de Biologia”, demonstra que o principal lócus de promoção dos valores
relacionados à docência é a escola-campo de pesquisa dos estágios e programas
institucionais. Houve menções sobre a importância do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência e da Residência Pedagógica, ambos referendando a formação baseada
na prática. Por outro lado, houve alguma menção de forma superficial sobre o papel da
formação nas escolas em relação ao Estágio. As falas de Victor abaixo ilustram essa
perspectiva:

107
As questões sobre ser pesquisador serão retomadas na próxima categoria teórica, em que será melhor
discutida a produção acadêmica e atividades de pesquisa dentro da formação.
166

O Pibid ajudou muito a complementar essa formação mais na escola, mas vejo
que cada um faz o seu caminho. Tem gente que ia lá e só enrolava. Acho que
ainda hoje é assim. Eu me dediquei mesmo... (Victor)
Minha história é muito particular. Antes do Pibid e até de trabalhar nocomércio,
eu substituía professores no Ensino Fundamental I quando tava lá no Médio,
ia lá para a escola do sítio e ganhava uma diária. Como o Magistério era à noite,
também ajudava meu pai na obra quando precisava, carregava tijolo, mexia
massa e por aí vai. Hoje, issotudo me faz dar valor ao que tenho e a querer
ainda mais. E a entenderas pessoas, olhar nos olhos e tentar decifrar o que ela
traz para a aula, eme pergunto se é próximo do que eu tenho, passei na vida...
Eu gosto de enxergar as trajetórias sem perguntar, e dar o meu melhor para tornar
pessoas melhores. Acho que eu sempre gostei de ensinar, isso também sempre
me ajudou a seguir em frente apesar das dificuldades. E foram muitas, mas
estamos aqui... (Victor)
Por outro lado, a falta de sistematização da experiência nas escolas também pode
ser percebida. A segunda fala de Victor mostra que a imersão na escola muitas vezes
acontece sem a supervisão docente, e sim uma prática de si como uma forma de
subemprego, mas que se torna uma experiência docente.
Tornar a formação centrada nas escolas como uma forma de proporcionar mão de
obra barata e qualificada é um dos engendramentos neoliberais da escola e universidade
operacionais. Na segunda unidade de análise, existe uma incisiva abordagem da carência
de acompanhamento das atividades nas escolas, o que descaracteriza a experiência de
subjetivação do Pibid em seu escopo de prática reflexiva. A fala de Amora é praticamente
uma denúncia:
Isso detona com a gente porque tem o programa de iniciação à docência, mas não
tem professor para acompanhar que direcione as atividades... Aí parece que é
só mais um programa para ter bolsa na universidade do que uma proposta
realmente comprometida com a formação. (Amora)
Na terceira unidade de análise, as falas reclamam a falta de atividades reflexivas
sobre a prática. Mencionaram a apresentação de trabalhos no Fórum de Licenciaturas da
Universidade e nada mais. A ausência de uma perspectiva reflexiva metanalítica foi
registrada também durante o exercício da MI, quando Belchior nos informou que gostaria
de ter tido mais experiências assim, participativas e reflexivas em sua formação. De uma
forma geral,
O falar de si, de sua história, permite diversas maneiras de experimentar a
identidade de professor, de mantê-la à distância, de simulá-la, de idolatrá-la,
de reconstruí-la, de reinventá-la. Isso não se dá por estabilidade, mas por meio
de movimentos, flexibilidades, em vista de um imaginário formado acerca do
‘ser professor’ (ECKERT-HOFF, 2008, p. 77).
Por outro lado, pontuamos as dificuldades do que se entende por prática reflexiva
enquanto trabalho colaborativo. Ou seja, esse movimento de construção de relações mais
democráticas e solidárias no interior das práticas escolares é complexo, pois se encontra
167

entre as tensões da competividade e a necessidade de um trabalho coletivo e cooperativo


(CURADO SILVA, 2019, p. 88).
Na quarta e última unidade de análise desta categoria empírica, destacamos a
ausência da escrita de si como movimento da subjetividade durante a formação. Sem
querer incorrer numa digressão, não houve uma pergunta ou tema de conversas nas
entrevistas sobre isso por três motivos: primeiro, a unidade de análise foi uma necessidade
do pesquisador ao se registrar a ausência da prática reflexiva oral e escrita tanto nos
programas institucionais como nos estágios; em segundo lugar, “a constituição do gesto
de escrever, da leitura e da releitura pode unificar fragmentos heterogêneos por meio da
subjetivação do exercício da escrita pessoal” (DIAS, 2019, p. 26); por fim, acreditamos
que as possibilidade de uma formação inventiva de professores (DIAS, 2012; 2019)
constitui uma contra-esfera formativa em relação à formatação docente, a partir de
Uma prática que se propõe a manter vivo um campo problemático, afirmando
para os que a praticam a importância de se deslocar e se transformar, não
seguindo as pegadas do mestre, mas procurando, em comum, desindividualizar
processos e propor práticas coletivas (DIAS, 2019, p. 27).
De uma forma mais ampla, percebe-se que a subjetivação docente é um
movimento de segunda grandeza no contexto da formação docente. E mais,
os jovens estudantes consideram a determinação da universidade pelo mercado
e as agruras da profissionalização e da competição como algo natural e como
se houvesse sido sempre assim, não lhes parecendo queas questões postas à
universidade ou postas por ela a sociedade e ao Estado pudessem ter sido
diversas das que hoje conhecem (CHAUÍ, 2003, p. 5-6).
Nesse entendimento, fica difícil perceber que os professores são sujeitos que se
empoderam e se emancipam durante a formação docente, aumentando seu campo
conceitual e o horizonte de significados. Dessa forma, podemos entender que as
contribuições da formação da Biologia não podem se restringir à sala de aula e que
dimensão coletiva e política da subjetividade é precária na experiência de licenciatura
pesquisada.

6.4. Categoria Teórica C – Formação de Si versus Formação Acadêmica

Para entender melhor como os aspectos da formação que estão sendo apresentados
foram efetivamente trabalhados durante o curso (ou não), construímos a terceira categoria
teórica. Pela expressão da categoria “Formação de Si versus Formação Acadêmica”,
pretende-se criar tensão e uma descrição com maior clareza dos agentes da subjetivação
e seus papéis nas práticas do curso que foram relatadas pelos atores sociais nesta
investigação.
168

Pretendemos analisar as contribuições efetivas que o curso proporcionou aos seus


professores-biólogos em suas especificidades. As categorias empíricas foram organizadas
da seguinte forma: primeiro, as experiências consideradas fundamentais para a formação;
segundo, o olhar é voltado para os programas institucionais e sua relação com a pesquisa
realizada na formação inicial; e terceiro, discutir mais especificamente as contradições e
contribuições das disciplinas pedagógicas como também as tensões relacionadas ao
ensino, conforme as indicações no discurso dos pesquisados. Pois,
o discurso é o caminho de uma contradição à outra: se dá lugar às que vemos,
é que obedece à que oculta. Analisar o discurso é fazer com que desapareçam e
reapareçam as contradições; é mostrar o jogo que nele elas desempenham; é
manifestar como ele pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhes uma
fugidia aparência (FOUCAULT, 2016, p. 186).
Sua primeira categoria empírica analisa as “Atividades de ensino, pesquisa e
extensão vivenciadas no curso” possuiu as seguintes unidades de análise: I)
Desconhecimento acerca do currículo no PPC; II) Reprovação e ensino propedêutico;
III) Produção acadêmica; IV) Ações extensionistas na horta comunitária.
A segunda unidade de análise diz respeito ao desconhecimento do currículo em
relação ao PPC, que endossa a cisão e a fragmentação curricular. Todos os seis
participantes mencionaram que não conheciam o PPC e os eixos de estruturação do
currículo. Apenas Aurora participava das reuniões de departamento por ter sido
representante de turma durante dois períodos (no final do curso). Mesmo assim,
desconheceu alguma reunião em que foi convidada para discutir elementos do PPC.
Assim, escrever em termo de análise sobre a formação de professores em relação
às suas políticas normativas e autocráticas não tem sido uma tarefa fácil. Estamos nos
referindo a uma universidade operacional e uma licenciatura que aposta forte na
formatação docente. Nesse contexto, o interesse maior é atender aos ditames neoliberais
do capital e produzir corpos dóceis, submissos e eficazes no exercício de uma profissão
cada vez mais técnica e menos reflexiva.
Na contramão da ideologia da formatação mercantil, defendemos a possibilidade
de uma racionalidade contra-hegemônica e baseada na apropriação de conhecimentos de
forma colaborativa e engajada sob a perspectiva ética-estética-política-humana. Assim, a
FSi torna-se uma tensão no contexto em que predomina a formatação docente: a
preparação de técnicos especialistas e executores de currículos cada vez mais enxutos e
vinculados ao mínimo necessário ao exercício profissional no mundo do trabalho,
conforme apresentamos nos capítulos 1, 2 e 3. Portanto, qual sejam as racionalidades do
PPC da licenciatura analisada, nossa constatação analítica é de que:
169

a) Os aspectos de uma formação humana são quase nulos ou negligenciados sob a


égide de formatar por competências e habilidades. Ou seja, atingir as metas e
objetivos educacionais do mercado capitalista é um sinônimo de formação cidadã
e de autoformação moral e intelectual. Assim, quanto menos os estudantes
conhecem o projeto político de sua formação, tanto melhor para a universidade
operacional;
b) A FSi constitui nosso campo de batalhas na busca de condições de permitir os
movimentos da subjetividade dos sujeitos em formação para além de uma
identidade profissional. Condições para que os sujeitos sejam eles mesmos,
autores de suas histórias e questões de pesquisa em diferentes campos de conhecimento,
abordagens e métodos; logo, empoderados na apropriação da cultura envolvida na sua
formação inicial por meio dos estudos realizados.
Advogamos em favor de um tipo de formação em que
deixamos a condição de ator que nos obriga a agir burocraticamente sob
prescrição, para agirmos no mundo sob o juízo ético, político e estético da
nossa existência; assim, agimos em pesquisa e ganhamos consciência nas ações
da responsabilidade de sermos formadores de nós mesmos (BEZERRA, 2019b,
p. 127).
Por outro lado, também defendemos a hipótese girouxiana de que “é necessário
desenvolver programas de formação que eduquem os professores como intelectuais
críticos, capazes de ratificar e praticar o discurso da liberdade e da democracia”
(GIROUX; MCLAREN, 2013, p 143).
Pois, confrontando todos os nossos dados emergentes das análises de uma
pesquisa que durou mais de três anos, percebemos que os egressos não aproveitaram ao
máximo a apropriação de seus estudos para um efetivo crescimento pessoal e acadêmico.
Acreditamos que a possibilidade de uma formação humana pode se constituir em uma
alternativa em resposta a este desafio, visto que
o trabalho deixa de ser uma atividade conscientemente orientada para uma
finalidade, para se posicionar ou se situar como um mix de racionalidades
múltiplas e, simultaneamente, funcionalidades diversas na unidade e processo
da autoconstrução humana (BEZERRA, 2019a, p. 241, grifos do autor).
Por fim, em todos os casos, foi demonstrado que os sujeitos da pesquisa
compreendem e vivem a cisão tanto entre os componentes curriculares como também a
fragmentação de ideias entre formação pessoal e um projeto de vida profissional, em que
este último é orientador de valores predominantes no exercício da docência. Porém, não
deixaremos jamais de defender a importância de uma formação mais humana e
colaborativa, sempre entendendo que
170

devo trabalhar a unidade entre meu discurso, minha ação e a utopia que me
move. É neste sentido que devo aproveitar toda oportunidade de testemunhar
meu compromisso com a realização de um mundo melhor, mais justo, menos
feio, mais substantivamente democrático (FREIRE, 2016, posição 427).
Por outro lado, a segunda unidade de análise diz respeito tanto à racionalidade
técnica como ao ensino tradicional, típicos da universidade operacional de Chauí (2000).
Dos seis entrevistados, apenas Amora não teve nenhuma experiência com reprovação
durante o curso. O discurso transparece em falas que detona uma formação baseada no
ensino, em aulas de formato tradicional que culminam em provas e reprovações. Victor e
Aurora mostraram-se até pensar em desistir do curso em algum momento, diante da
dificuldade em conciliar seus trabalhos junto às disciplinas que ocorrem no período
vespertino, passando pelas experiências da “prova final” e da “reprovação” em alguma
disciplina.
Temos mais disciplinas à tarde do que à noite, dependendo dos professores que
estão naquele período. Aí o curso fica quase queintegral. (Aurora)

Era difícil até porque havia algumas disciplinas à tarde e dava problema no
trabalho, mas eu segurava a onda. À noite também não era fácil, costumava
chegar após as 8 da noite, por causa das demandas do trabalho. Isso ocasionou
a perda de algumas disciplinas na primeira metade do curso, por reprovação e
desistência. Só ganhou outra direçãoa minha vida quando entrei no PIBID, por
volta do quarto período. Foium divisor de águas, porque larguei a empresa e
fiquei só com a bolsa do PIBID. (Victor)
Por outro lado, apesar de relatarem dificuldades com as disciplinas, os
pesquisados não parecem demonstrar a curiosidade epistemológica indicada por Freire
(1996, 2001), tão necessária num contexto de Formação de Si. Se a FSi exige reflexão
crítica, não se enxerga a forma com que as disciplinas de caráter conteudista despertam a
curiosidade, o aprender a aprender e o educar pela pesquisa por meio da autoria (DEMO,
2010; BEZERRA, 2019b). Por outro lado, entendemos que a FSi demanda que o professor
em formação, no âmbito das diversas práticas pedagógicas, alimente a necessidade de que
“individual ou grupalmente, tenha a possibilidade de produzir algo de forma reflexiva,
nunca perdendo de vista a análise de situações-problema reais e significativos, à luz da
teoria” (HENGEMÜHLE, 2008, p. 40).
Na terceira unidade de análise, destacamos a produção acadêmica, pelos seguintes
motivos: Primeiro, para triangular as questões do ensino tradicional anteriormente
indicadas; segundo, porque os pesquisados relataram baixa ou nenhuma produção
acadêmica; e, por fim, se considerarmos a pesquisa como um trabalho pedagógico
empoderador dentro da formação, a produção acadêmica é uma forma de diagnosticar sua
escala de amplitude, para além dos índices de produtividade exigidos no contexto da
171

universidade operacional (CHAUÍ, 2000). Ainda existe uma questão complementar que
indica a possibilidade de que o texto acadêmico é uma escrita de si importante na
formação, pois discute questões específicas que envolveu seu autor em uma realidade
específica.

Contudo, o diagnóstico registrou de que a pesquisa é quase nula tanto para as áreas
de ensino como as específicas. Apenas Amora relatou alguma experiência recente com a
produção e apresentação de trabalhos em congresso. Victor relata a realização do TCC na
área de ensino e está seguindo a pós-graduação na área, porém, também relatou somente
a participação em eventos regionais da área de ensino, o que ainda é contrastado com seu
desejo anteriormente indicado em ser um bom pesquisador.
Sou um dos poucos estudantes que fizeram TCC na área de ensino e decidiu
seguir na carreira acadêmica... (Victor)

Acho que os grupos de pesquisa e os programas que participei, PIBIC e PIBID,


ajudam muito a crescer na pesquisa. [...] Também estamos levando trabalhos
para fora e pessoas renomadas conversam com a gente nos congressos, acho
que isso é o melhor da Ciência para mim atualmente. (Amora)
A falta de produção acadêmica corrobora o ensino tradicional no contexto da
universidade operacional. Aqui aparece novamente o conflito das questões do
conhecimento biológico com questões pedagógicas, como o estágio e outros componentes
do currículo que o exercício docente desenvolve. Em primeiro lugar, o curso é organizado
para o ensino centrado em conteúdos e que a formação não envolve o conhecimento
biológico em nível escolar, assim, tanto os formandos aprendem o que não irão ensinar
na escola como também não aprendem o que é ensinado na escola. Agrega-se ao contexto
um somatório de omissão política e disposição curricular marcada pelo paradigma da
racionalidade técnica com falta de transparência na gestão e ausência da participação
coletiva. Assim, a análise do pesquisador concorda com as melhores palavras possíveis
de Freire que se remetem ao entendimento dos entrevistados, pois, apesar da omissão
política, o clima licencioso e repressor nunca se consolidou um intento buscado na
formação:
O grupo todo entendeu e eu percebi que [...] não pretendiam um clima
licencioso, mas recusavam radicalmente e o arbítrio, o outro autoritarismo.
Queriam relações democráticas, de respeito mútuo. Se recusavam a obediência
cega, imposta pelo poder sem limites do autoritarismo, rejeitavam a
irresponsabilidade do vale tudo do espontaneísmo (FREIRE, 2012, p. 159).
A questão da omissão política incomoda o pesquisador na sua prática de pesquisa como
na experiência docente no universo pesquisado, pois, a pesquisa confirmará a inexistência deste
ambiente democrático e propício ao livre exercício da liberdade por ações de empoderamento
individual e coletivo. Pois,
172

[...] o problema central do poder não é o da “servidão voluntária” (como


poderíamos desejar ser escravos?): no cerne da relação de poder, “induzindo-
a” constantemente, temos a reatividade do querer e a “intransitividade” da
liberdade. Mais que de um “antagonismo” essencial, seria melhor falar de uma
“agonística” [...] uma relação que é, ao mesmo tempo, de incitação recíproca e
de luta; trata-se menos de uma oposição termo a termo que os bloqueia um face
ao outro e, bem mais, de uma provocação permanente (FOUCAULT, 2003, p.
238).
E mais, no mundo da universidade operacional, “qualquer exercício de poder deve
ser analisado no seu caráter relacional de forças que incidem em pontos específicos e
diversificados do nosso cotidiano de maneira instável, mas que se cristalizam
temporariamente em instituições” (RIBAS, 2017, p. 177).
Na tentativa de enxergar melhores horizontes dentro da formação em questão,
surgiu a possibilidade de se compreender a pesquisa acadêmica a partir da formação
centrada nas escolas. Mais uma vez, o distanciamento entre o que acontece na
universidade e o que se vivencia na escola como também a manutenção da ausência de
produção acadêmica. No relato abaixo de Igor, aparecem pistas do abismo teórico-
metodológico que estamos discriminando:
O que eu acho mais tenso é que a gente estuda muita coisa que não vai ensinar
na escola e também não estuda aquilo que está lá no livro didático. (Igor)
Por mais que a fala de Igor seja uma denúncia, também conta um pouco da sua
inserção na docência, de forma abrupta e marcada pela falta de reflexividade, que se deu
por meio de um contrato temporário em uma escola particular da região. Esse tipo de
estágio durante a licenciatura é importante para a formação dentro da escola,
costumeiramente tornando-se uma forma de subemprego após a conclusão do curso. Este
tipo de formação pela prática, porém, imbuída da completa falta de supervisão, não
permite a superação de concepções ingênuas sobre o ensino e não conduz à reflexividade.
Diante dessa relação com o estágio remunerado que emergiu em três
entrevistados109 , surge agora uma nova possibilidade. A possibilidade de o estágio
curricular ser um campo de pesquisa e ação docente que é apenas mais um campo para se falar de
questões teóricas específicas ou tratar de conteúdos distantes residentes no mundo universitário.
Esse dilema cabe uma investigação mais aprofundada. Porém, a total ausência de exercício
de si além do praticismo, não corrobora a possibilidade aventada.

A hipótese desta pesquisa carregava a ideia de que haveria diversas formas de expressão
da pesquisa, principalmente da pesquisa em ensino, constituindo ações de empoderamento na
formação. Contudo, dada a realidade das experiências nas escolas e a realidade da produção
acadêmica, somadas a uma realidade curricular marcada pela racionalidade técnica, a referida
109
A saber: Belchior, Igor e Victor.
173

hipótese é minimizada. As unidades de análise não possuem consistência para sustentar a


hipótese, contudo, continuamos a defender a tese de que o trabalho pedagógico em
pesquisa é um agente empoderador: não como uma tendência homogeneizadora, mas
como uma prática de si que o sujeito em formação conduz por meio de suas buscas e
interesses pessoais, que se somam a uma disponibilidade de tempo e condições
socioeconômicas para a dedicação ao mundo da pesquisa.
Soma-se ao contexto ainda o que foi adicionado em unidades de análise anteriores
acerca da organização e administração do curso, pois, a falta de transparência e gestão
democrática permite a solidificação das perspectivas bacharelescas e tradicionais do
ensino, excluindo os licenciandos da participação sobre a elaboração e vivência do
currículo da formação.
Dessa forma, unem-se as forças dessas primeiras unidades de análise e confirma-
se a formação pautada na racionalidade técnica com características de bacharelado, pelo
menos no formato de ensino, em que o apelo aos aspectos conceituais do conhecimento
biológico alia-se a uma abordagem tradicional do currículo.
Por outro lado, a pesquisa nas escolas ainda é incipiente, ao contrário do
praticismo. Outra conclusão é que a dedicação à pesquisa é mais uma prática de si
motivada por uma busca pessoal, limitada por condicionantes socioculturais, do que um
imperativo do discurso pedagógico da formação.
Em pesquisas anteriores (MOURA, 2011; 2013), descobrimos que licenciandos
em Ciências Biológicas de uma licenciatura regular afirmam que as atividades realizadas
nas escolas por meio de estágios servem, principalmente, para diagnosticar acertos, erros
e problemas, refletindo a prática, como também estabelecer a relação teoria e prática entre
o que se vê nas escolas e o que se estuda na universidade. Nessa perspectiva, a formação
proporciona ações de empoderamento, mas que não se consolidam em produtos concretos de
pesquisa, com seus resultados e reflexões. Todavia, entre os pesquisados, não se percebeu essa
experiência mais ampla, de caráter crítico-reflexivo e transformador(GIROUX, 1997). As falas
dos entrevistados enfatizam apenas questões pontuais que foram vivenciadas nos grupos de
pesquisa e nos programas institucionais. Novamente, ainda aparece as questões interpessoais e
concepções ingênuas de ensino como orientadoras do trabalho acadêmico e escolar:

Não adianta uma pessoa dominar todo o conteúdo que vai transmitir. Ela tem
que saber conversar, explicar, entender o aluno e, ao mesmo tempo, controlar
a disciplina. Na universidade, só o professor de Estágio falou um pouco disso,
mas muito pouco. Ele deu até um exemplo, dizendo que a universidade prepara
a pessoa para nadar numa piscina e ir para a sala de aula é nadar no mar. Até
hoje esse exemplo não sai da minha cabeça... (Heitor)
174

Eu achei legal ter que preparar aulas. Eu fiquei com muito medo de ir para fora
demais da caixinha e a instituição não gostar. Hoje, você vai para a internet e
coloca “aulas práticas” e sai um monte de coisa. Aí eu investi muito nas aulas
práticas, com materiais de baixo custo, por que a escola que a gente fez o
Estágio estava com o laboratório parado há muito tempo. A gente foi lá, limpou
e fez algumas aulas. Foi interessante pesquisar sobre isso porque me deu
algumas noções. [...] Eu sentia que estava faltando a visualização de alguma
coisa, o que é muito importante. Tem que ver um vídeo e ver como funciona.
Quando eu passei slides ou documentário para os alunos, vi que eles se
interessavam mais. No laboratório, eu vi que eles ficavam curiosos e prestando
mais atenção... (Amora)
Por mais que as respostas não contenham grandes reflexões ou caracterize alguma
forma de empoderamento, mostram que foram categóricas sobre a sua importância de
realizar atividades nas escolas. Novamente, encontramos a tese de que o tempo dedicado
às escolas de educação básica durante a formação é um momento em que os atores sociais
se reconhecem como professores-biólogos, sujeitos de suas práticas, apesar das mesmas
carecerem de reflexividade e não frutificar produção acadêmica.
Na próxima categoria, finalizando o tripé ensino-pesquisa-extensão, evidenciou-
se a unidade de análise que descreve as atividades extensionistas. A única menção de
atividade descrita foi mencionada por Amora e Aurora: a horta comunitária mantida pelo
grupo de pesquisa em Etnobotânica. Mesmo assim, elas demonstraram não ter um
envolvimento com as práticas de implementação e manutenção da mesma. Aurora
descreve um pouco a história desse projeto:
Para fazer a horta que foi implementada aqui, fizeram uma pesquisa na
comunidade ao redor e se perguntou quais os chás que as pessoas maisusavam,
de forma medicinal. Esse estudo com a linha “etno” me interessa muito... eu
não me engajei de forma direta, pois não tinha tempo. Mas acompanhei as
conversas nos grupos de WhatsApp e com as pessoas que são do grupo. Esse
projeto não deu certo porque a professora se transferiu e não deram
continuidade, pelo menos, até o momento. Também soube que falou mais
recurso que interesse... eles só valorizam quando o recurso é para montar
laboratório convencional... (Aurora)
Considerei um aspecto relevante nenhum dos entrevistados ter participado das
ações do projeto acima relacionado, principalmente por ser o único do curso dentro do
Campus em que se realizou esta pesquisa. Isso é corroborado pela fala de Aurora que
caracteriza os grupos de pesquisa como espaços de convivência em que se demanda um tempo
que geralmente os trabalhadores-estudantes não possuem :
Esses grupos são elitizados, só servem para quem não precisa trabalhar.
(Aurora)
Essa questão de o curso demandar uma dedicação de tempo durante o dia é uma
preocupação recorrente dos alunos. A oferta do curso sempre é para o período noturno, porém,
em todos os períodos há disciplinas ofertadas à tarde.
175

As transcrições abaixo pontuam que essa organização do curso reflete no próprio


funcionamento do campus:
Aqui tudo só funciona durante o dia... você não vê um laboratório aberto à noite,
nem secretaria, nem nada.
E Aurora complementa:
Para quem trabalha durante o dia, tem se virar de todo jeito para cumprir as
disciplinas, aí não sobra tempo para grupo de pesquisa, mesmo que
funcionassem à noite também.
Essa é mais uma evidência que existe uma lacuna organizacional que, de um lado
exclui os trabalhadores-estudantes e estudantes-trabalhadores, e por outro, não se
preocupa em atender de forma democrática às próprias demandas dos estudantes, de ter
mais oportunidades dentro da instituição. A fala de Aurora reitera essa situação política
vulnerável em que os estudantes não são ouvidos nem se organizam politicamente. Em
outras palavras, não possuem voz ativa onde
O curso não proporciona momentos como esse, para a gente poder falar e saber
que nossas falas serão levadas a sério. A gente também que falar das nossas
questões pessoais para entender melhor a nossa formação. Uma outra coisa é
que os estudantes precisam se relacionar de um ponto de vista mais social, sem
ser apenas as festas e o WhatsApp. O campus precisa de um centro acadêmico
de Biologia, ou pelo menos um espaço para os estudantes... (Aurora)
Dessa maneira, percebe-se uma apatia política dada em parte pela falta de tempo
para participar das questões relacionadas à universidade e um conformismo pela falta de
resistência à elitização dos grupos e ausência da gestão democrática e dialógica.
Entretanto, ainda se percebe uma vontade de lutar e resistir a esse contexto, porém,
expresso de forma incipiente apenas nas falas de Amora e Aurora. É importante que os
atores sociais em formação compreendam que
a possibilidade de resistência significa que não há um poder absoluto e infalível
que deixaria imobilizados aqueles sobre os quais atua. Quando se diz que há
poder em todo lugar, significa que na sociedade existem múltiplas relações de
poder e não, exclusivamente, um poder irresistível e onipresente, subjugando as
mentes e corpos dos indivíduos (AYUB,2014, p. 41).
Considerando o problema político que elitiza a pesquisa como também possui um
direcionamento pouco democrático na estruturação do currículo e sua implementação,
decidi agrupar as unidades de análise envolvidas diretamente com a pesquisa em uma
nova categoria, relacionando-a diretamente aos programas institucionais. Sua
estruturação surgiu na tentativa de compreender melhor o papel da pesquisa dentro da
formação investigada e com o desejo de aprofundar a questão no que concerne aos
projetos institucionais de fomento à pesquisa por meio da iniciação científica e iniciação
à docência, principalmente.
176

Por motivos operacionais, as unidades de análise serão analisadas em um só corpo


textual, com a finalidade de segregar menos informações e realçar as atividades de caráter
empoderador nas pesquisas realizadas.
Entre os seis entrevistados, apenas Amora e Igor são filiados a um grupo de
pesquisa na Instituição. Amora participa do grupo sobre Parasitologia e se relaciona a
doenças negligenciadas localmente, tendo feito a iniciação científica 110 (Pibic) na área.
De acordo com suas percepções, a sua participação no grupo contribuiu para uma
preocupação social inerente às próprias questões de pesquisa no grupo.
Igor é voluntário em um grupo de pesquisa na área de Genética. Porém, quando
foi perguntado sobre as produções acadêmicas na área, o mesmo disse que estava apenas
estudando para o mestrado.
Aurora demonstrou interesse pela pesquisa, mas disse que não tinha tempo livre.
Não me iniciei na área da pesquisa porque falta tempo. (Aurora)
Em outra via, cinco entre os seis pesquisados participaram de algum programa
relacionado à iniciação à docência, sendo Pibid ou Residência Pedagógica. Apenas
Amora participou dos dois programas e ainda fez o Pibic, contudo, suas palavras são
enfáticas:
Eu não trabalho né, professor, então, posso me dedicar aqui.
Apenas Heitor não participou do Programa, pois indicou que
As pesquisas que fazem nas escolas e nos laboratórios não davam pra mim,
porque sou vigilante, trabalho 12 por 24, não tenho tempo de vir aqui durante
o dia. Já foi um sufoco cursar a disciplina. A especialização quero fazer
dessas que só tem aula no final de semana, émais tranquilo... (Heitor)
Uma questão que não posso deixar de abordar para a discussão dessa categoria é
novamente a estruturação do curso. A organização do curso é realmente disciplinar,
propedêutica, com pesquisas cuja inserção na comunidade local é superficial e sua
produção acadêmica insípida.
Contudo, há uma ressalva a ser feita apenas nos programas institucionais de
iniciação à docência, pois constituíram experiências essenciais para os professores-
biólogos que participaram, principalmente do Pibid. Sem falar na questão em que o Pibid
passou a se constituir uma espécie de estágio remunerado, por meio do pagamento de
bolsas. Para Victor, receber a bolsa e participar do Pibid foi a chance de sair da situação
de comerciário para se dedicar mais às atividades do curso.

110
Refere-se ao desenvolvimento de pesquisa fomentada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica fomentadas pela Universidade através de Fundo de Amparo à Pesquisa no Estado de Alagoas
(Fapeal).
177

Assim, Pibid e Residência Pedagógica são unidades de análise fundamentais para


este trabalho. Os programas de iniciação à docência parecem ter caráter empoderador na
formação, mesmo que nenhum dos atores sociais tenha relacionado alguma produção
acadêmica diretamente relacionada às atividades desenvolvidas nos programas.
A questão da produção acadêmica é preocupante, todavia, minimizada diante da
contribuição dos programas institucionais de iniciação à docência na formação dos
professores-biólogos investigados111. Essa é uma questão importante do ponto de vista da
subjetivação da formação docente, porém, não podemos relacionar o empoderamento
com atividades que se resumem apenas em estar na escola, auxiliando professores e
estudantes da educação básica nos processos de ensino e aprendizagem de Ciências e
Biologia.
A nossa preocupação de relacionar o empoderamento às práticas de subjetivação
é a possibilidade de tornar os professores-biólogos sujeitos ativos, críticos e reflexivos da
formação, o que não contempla atividades vazias de significado e ação reflexiva, que
defendam o objetivo de uma educação voltada à criação de valores e à transformação
social.
Por outro lado, posso estar sendo reducionista e acionando um julgamento
superficial da relevância dos programas apenas pela ausência de produção acadêmica.
Aprofundar a investigação sobre os limites e possibilidades destes programas de iniciação
à docência revela uma questão de pesquisa futura, como desdobramento desses dados
obtidos.

Encerrando a categoria empírica, pode-se destacar os seguintes pontos-síntese:


• Os grupos de pesquisa são escassos e elitizados, de acesso impossível aos
trabalhadores-estudantes;
• A iniciação científica é restrita aos grupos de pesquisa, de caráter também
elitizado e que envolvem alta disponibilidade de tempo;
• O Pibid é o programa mais relevante da instituição, em consonância com a
Residência Pedagógica. Ambos são responsáveis por grande parte da subjetivação
da prática docente, por meio da experiência nas escolas;
• Por mais que a experiência nos programas de iniciação à docência seja altamente
importante, falta maior inserção no campo da pesquisa em ensino de Ciências e
Biologia por meio de produções acadêmicas.

111
Vale relembrar que apenas Heitor não participou do Pibid de nenhuma forma.
178

A terceira e última categoria empírica tenta compreender melhor a relação entre


os professores-biólogos e o ensino das disciplinas específicas, tão relacionadas como
sendo o elemento central do curso. Em outras unidades de análise, foram percebidas as
influências exemplares dos professores-formadores além das contribuições propedêuticas
nas disciplinas que ministram. Em outra via, foi evidenciado também que os mesmos
professores-formadores não desenvolvem a transposição dos saberes biológicos para
alguma possibilidade de prática pedagógica, mantendo assim a cisão entre componentes
curriculares específicos e pedagógicos.
São muitos pontos de conflito que envolvem o currículo e os professores-
formadores do curso pesquisado. Tensionar os pontos de conflito e discuti-los
exaustivamente não permeia os objetivos deste trabalho, e sim compreender melhor os
agentes formativos que estão envolvidos no discurso da formação.
Dessa forma, pretendemos elencar unidades de análise que contenham elementos
para complementar essa discussão, envolvendo questões tais como a motivação pessoal
realizada nas aulas e considerações relacionadas aos saberes específicos veiculados nas
aulas das disciplinas específicas.
Assim, a próxima categoria empírica pretende investigar melhor a relação entre
professores e alunos com as lentes da proposta de formação voltada ao empoderamento,
nos limites e possibilidades da fundamentação teórica deste trabalho, com o entendimento
de que “a educação é uma ciência dedicada a extrair valores pessoais dos professores, os
quais, por sua vez, orientam seus alunos na criação de valores” (MAKIGUCHI, 2002, p.
109).

A primeira unidade de análise atende bem a essa perspectiva de valoração. A


“motivação pessoal” que os professores-biólogos estão registrando nas falas abaixo
demonstram, por mais que o curso possua um caráter eminentemente conteudista, uma
preocupação com questões que se relacionam às vidas dos licenciandos e das relações
interpessoais.
Não falo apenas de conteúdo... é de motivação mesmo! (Heitor)

Acho que deveria ter uma disciplina de fundamentos, no início do curso, que
investigasse a origem social e as motivações dos alunos. (Victor)

... Mantive contato com dois professores, isso também me ajudou muitotanto
nas disciplinas como nos momentos fora da sala... estavam ali presentes, dando
conselhos. (Victor)
179

O depoimento de Igor fala de forma mais completa, mostrando que os professores


trabalham na perspectiva de professores exemplares, em que a observação, imitação,
repetição e, às vezes, reelaboração dos modelos existentes na prática consagrados como
bons configuram “modos de aprender a profissão” (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 35).
Dessa forma, por mais que todos tenham se referido à ideia de terem bons
professores, as contribuições estão mais relacionadas aos incentivos pessoais e outras
questões de motivação. Percebemos o exemplo de Igor avaliando uma de suas
professoras:
Ela explica muito bem e se preocupa com aluno, não é do tipo carrasca... (Igor)

Já a próxima unidade de análise merece uma discussão atenta, no que diz respeito
à própria natureza da formação. Ao inferir que “Transmite-se na universidade um
conteúdo diferente do que é ensinado na escola”, as falas dos entrevistados retomam os
grandes problemas da formação docente em Biologia, alguns já discutidos: o primeiro, se
relaciona às dificuldades de se ensinar Química e Física como habilitações correlatas; e
segundo, mostra uma falta de preocupação de se produzir um conhecimento biológico
que possa ser ensinado nas escolas de educação básica.
Anteriormente, Igor pontuou a dificuldade de não aprendeu o que é ensinado na
escola como também não ter no currículo da universidade os conteúdos dos livros
didáticos das escolas. Victor admitiu ter sua questão de pesquisa do TCC motivada por
suas próprias dificuldades de ensinar Química e Física no nono ano do ensino
fundamental e atestou seu desconforto em ter que ensino algo que não aprendeu na
universidade e tampouco no Ensino Médio.
Continuando a discussão sobre o papel docente, os entrevistados continuaram
indicando a unidade de análise desta categoria, sobre o que deve ser aprendido na
universidade e ensinado nas escolas, denotaram a ausência da prática pedagógica nas
disciplinas específicas. As falas retornaram às preocupações sociais com os conteúdos de
Biologia, o que já foi indicado na terceira unidade de análise da categoria empírica A-3 e
A-4. Igor descreve de forma clara o que está sendo problematizado quando remete a ideia
do preparo de aulas:
Eu estou aprendendo a fazer aula a cada três dias, para ter tudo pronto bem
antes e não ficar desesperado, porque eu não tive preparo na faculdade... (Igor)
Como última questão a ser discutida, no final do roteiro de entrevista, foi pedido
que se acrescentasse algo que foi conversado durante a entrevista ou comentar alguma
lacuna que o entrevistado gostaria de ser perguntado sobre as experiências da formação.
180

Destacamos os acréscimos abaixo por chamarem muito à atenção sobre a


importância desta pesquisa:
Eu fiquei encucado ao pensar se a minha leitura da experiência de salade aula
é a mesma dos meus colegas e de outros professores. Por um lado, penso que
estamos todos no mesmo barco, com os mesmosdesafios, mas vou gostar de
ver a síntese final dessas entrevistas, como o senhor explicou lá no início...
(Igor)

Senti falta de discutir onde e como a pessoa começou a lecionar... (Victor)

Se eu tivesse que acrescentar algo, seria que todo aluno deveria fazer um
exercício desse tipo, uma retrospectiva da formação. Acho que no Estágio ou
na apresentação do TCC, sei lá. Mas eu achei muito legal! (Amora)

Nos três depoimentos encontrei adendos relevantes para concluir este momento
da AHDI e encaminhar esta tese às suas considerações finais. O primeiro depoimento
atesta o interesse pela avaliação do discurso coletivo e de fazer os contrapontos com suas
percepções. Já o segundo, mostra uma importante contribuição: investigar o início da
docência. Finalizando, a terceira fala é um retrato da importância das práticas de si dentro
da formação do professor.

Após finalizar a segunda etapa da AHDI, a categorização passará pelo momento


reconstrutivo, por meio das considerações e recomendações deste trabalho de tese, na
tentativa de triangular de forma pontual o trabalho desenvolvido durante a análise no
exercício da MI à luz da fundamentação teórica dos três primeiros capítulos.
181

CONSIDERAÇÕES
Não se esqueça de sua tarefa cotidiana,
Da ação que você deve realizar a serviço dos homens,
numa palavra: seu dever.
(HADOT, 2019, p. 171)
Os dados analisados, até o momento, na perspectiva de triangular as entrevistas
realizadas no CHD e a SI da Metodologia Interativa, revelaram alguns aspectos
importantes para as questões para a formação docente em Ciências Biológicas. Nossas
análises destacaram os aspectos de empoderamento e subjetivação como também
considerações específicas para a licenciatura analisada, porém, nossa maior percepção e
surpresa gira em torno da própria relação entre formação inicial, autonomia intelectual e
possibilidades de empoderamento: constatamos que se trata de uma relação que não é
dada, mas sim um campo de luta, uma arena de disputas e conflitos.
Esse trecho do trabalho carrega a intenção de se constituir em “recomendações e
considerações” por se referir mais diretamente ao ponto de chegada neste momento da
pesquisa, a conclusão de um curso de doutorado. De forma que ainda não enxergamos
uma resposta finalista para nossa grande questão de pesquisa, mas podemos indicar
limites e possibilidades, ao invés de “conclusões”. Foi com essa lente crítica que
conseguimos formular considerações mais provocativas do que respostas objetivas à
questão de pesquisa ou à ideia de uma proposta formativa clara e definida, pois, a esta
altura do campeonato, encontramo-nos com mais perguntas do que respostas.
O primeiro ponto se refere à contribuição social de uma licenciatura que forma
professores no sofrido e pobre interior alagoano. Destinado a trabalhadores-estudantes
em sua maioria, pessoas de classe média baixa, buscam oportunidades de uma vida
melhor seja pela ascensão acadêmica como socioeconômica. Diante da falta de opção por
outros cursos, influência de pessoas próximas e pressões por melhoria de vida, surge a
opção de curso pela licenciatura em Ciências Biológicas. Considerando uma motivação à
brasileira, surpreendeu-nos encontrar uma licenciatura tão estruturada nos ditames da
racionalidade técnica em uma universidade operacional.
Por mais que o projeto do curso pareça não convidar os professores-biólogos à
participação coletiva em suas deliberações, nossa preocupação de pesquisa buscava ter
encontrado um horizonte menos aterrador. Como sujeitos à margem da gestão colegiada
do curso, as falas dos professores-biólogos contam um pouco dos anseios por
empoderamento de sujeitos quase sempre desfavorecidos pela imensa carência econômica
182

e educacional presente no estado de Alagoas, atores e vítimas das dificuldades estruturais


e políticas de uma universidade estadual do interior do Nordeste brasileiro.
Apropriando-nos dos dados da SI, durante os quatro anos de curso, os egressos
pesquisados testemunharamo predomínio da racionalidade técnica e passaram a gostar de
Biologia, aumentando e obtendo muitos conhecimentos e habilidades para a qualificação
ao exercício docente naeducação básica, principalmente por meio do Pibid. Mesmo que
muitas concepções ainda careçam de um amadurecimento quanto às práticas de si
envolvendo a reflexividade, é notável um desejo de ser professor, preferencialmente na
universidade (operacional).
Retomando a segunda etapa da AHDI, a análise propriamente dita, na primeira
categoria teórica, as respostas apontaram que diversos agentes condicionam a escolha de
curso, as características de um professor de Biologia e suas as preocupações com o
conhecimento poderoso às questões de relacionamento humano em detrimento dos
conteúdos biológicos. Contudo, algumas concepções relacionadas ao que se quer de um
ensino de Biologia que se volte à constituição da bagagem subjetiva desses professores-
biólogos, ressaltam mais contribuições do que limitações para esta formação, mesmo
diante de tantas dificuldades diagnosticadas.
Olhando para a triangulação entre a fundamentação teórica, as entrevistas e a SI,
apareceram condicionantes sociais que afetaram as decisões profissionais e a construção
do perfil do professor- biólogo da referida licenciatura. Os dados revelaram, também, que
a opção pela Biologia nasce de desejos pessoais, mas também pela influência de
professores da educação básica,familiares e colegas ou a falta de opção de maior interesse
na realidade local.
Em um curso orientado por essas motivações, o conhecimento biológico foi
considerado pelos próprios professores-biólogos, junto às experiências de iniciação à
docência por meio dos programas institucionais, o grande ganho específico da experiência
formativa. Porém, o perfil do curso e dos professores-biólogos retratam uma formação
bastante arraigada nos ditames da racionalidade técnica, apesar dos avanços pessoais
registrados. Nesse ponto, recomendamos que o projeto do curso demande uma maior
robustez pedagógica e reorganização curricular, proporcionando espaços para o trabalho
pedagógico de estudo em pesquisas individuais e colaborativas.
A segunda categoria teórica demonstrou que os fundamentos do empoderamento
social e subjetivação da prática docente deveriam constituir um conjunto consistente e
articulado de conhecimentos, competências, habilidades, atitudes e valores.
183

Por outro lado, entre as pressões sociais e as aspirações de carreira e projetos de


vida, constituem o desejo de “ser alguém na vida” por meio da docência, principalmente
na universidade.
Na terceira coluna da MGC, o curso apresentou aspectos pontuais interessantes,
como a experiência do PIBID e algumas pesquisas pontuais, com destaque aos grupos
relacionados à Parasitologia, Genética e Etnobiologia. Os próprios professores-biólogos
apontaram em suas falas o quanto esses momentos de pesquisa foram importantes e a
necessidade de sua ampliação e valorização em um curso de formação de professores de
Biologia com uma possibilidade de encaminhar as vivências da formação às ações de
empoderamento e à FSi.
Ao estudarmos o PPC e constituir as triangulações com os dados obtidos, notamos
que o perfil do egresso indica uma maneira bastante peculiar de se pensar a licenciatura,
que se casa com os ditames neoliberais da formação exclusiva para o mercado de trabalho
e o total desconhecimento do PPC referendado pelos pesquisados. Nossas recomendações
deste relatório indicam a necessidade de constituir uma proposta que seja mais próxima à
realidade escolar, aos seus problemas concretos e ao compromisso com uma educação de
qualidade que empodera as pessoas para a melhoria de suas vidas no cenário alagoano.
Outra recomendação é encaminhar as práticas de si durante a formação em uma
perspectiva de reflexividade acerca do trabalho pedagógico, pois a inserção no mundo de
Biologia, além de muito conhecimento específico, deve proporcionar conhecimentos
apropriados em função da prática docente e uma ampliação de horizontes pedagógicos.
Pois, considerando nossas análises das entrevistas, a maioria pretende dar continuidade
nos estudos com um curso de pós-graduação e/ou ingressar na carreira do magistério via
concurso público. Dessa forma, confirmamos a necessidade de que políticas estruturantes
sejam implementadas de forma a aumentar o progresso formativo, através dos cursos de
pós-graduação lato e stricto sensu em diversas áreas dos componentes específicos e
pedagógicos.
Isto revela que o conhecimento biológico veiculado nas disciplinas específicas e
pesquisas realizadas, mesmo de forma pontual, junto às práticas da formação docente
realizadas principalmente nas escolas, melhoraram significativamente a vida dessas
pessoas, do ponto de vista acadêmico e social. Temos assim uma licenciatura que serviu
não apenas para compensar as lacunas formativas geradas por uma escola fragmentada e
elitista de décadas anteriores, como também enxergamos o desejo de uma FSi, mobilizada
pela formação cultural e científica sólida e de grande respaldo social e educativo.
184

Esta pesquisa também contribuiu para uma maior compreensão das questões deste
curso diante da necessidade da graduação e qualificação de professores. Todavia, apontou
os mesmos diagnósticos de outras pesquisas em cursos de ciências (MOURA, 2011;
2013; 2021): a universidade operacional proporciona cursos possuem um tom
bacharelesco, movido pela racionalidade técnica, em que os aspectos pedagógicos e a
função social do conhecimento relacionado à formação humana são relegados a um
segundo plano na formação, principalmente alocados em uma falsa segunda metade do
curso.
Como já foi discutido, esse tom bacharelesco é corroborado com a participação
nos elitizados grupos de pesquisa, voltados apenas aos licenciandos que não precisam
trabalhar. Porém, alguns trabalhadores-estudantes indicaram a possibilidade de que as
bolsas recebidas nos programas institucionais contribuíram para o abandono de seus
subempregos no comércio local, proporcionando uma maior dedicação às atividades do
curso.
Identificamos também muitas contradições, sendo que a mais central diz respeito
à organização das experiências de ensino-pesquisa-extensão no âmbito da racionalidade
técnica, aspecto que aflora das respostas dos sujeitos pesquisados nos dados coletados e
triangulados com a fundamentação teórica. As questões do roteiro de entrevista que
informam sobre a vida acadêmica revelam que a disciplinas de caráter científico estiveram
sempre em destaque, bem como nas informações sobre experiências relevantes do curso.
Entretanto, a motivação pessoal e as relações interpessoais entre professores e colegas de
turma também ganharam destaque, como grandes incentivos para superar os entraves
vividos na trajetória de formação inicial.
Conforme visto em alguns itens analisados, os professores-biólogos disseram ter
intenções de ensinar Biologia de forma que valorizem o compromisso com as questões
sociais e a formação de sujeitos críticos e reflexivos. Contudo, as falas não continham a
explicitação clara de como eles fariam (ou fazem) em suas ações na educação básica e
contaram que essas questões foram tratadas no curso de forma superficial.
Uma grande lacuna na grande questão de pesquisa permanece após a conclusão
deste relatório, cabendo perspectivas de continuidade dos estudos com esse tipo de
formação que enxerguem melhor as ações de empoderamento na formação de forma que
a relação entre educação e emancipação seja mais que uma luta, mas sim uma prática.
185

Todavia, por mais que tenha apresentado diversas evocações desses atores sociais
em formação e muitos dados específicos sobre as mesmas, é impossível quantificar o
crescimento destes sujeitos a partir dessa formação112.
Como possibilidade de continuidade dos estudos, parece-nos importante indicar
dois encaminhamentos fundamentais: o primeiro seria utilizar um questionário
semiestruturado que possa delinear o perfilsocioeconômico e cultural dos professores-
biólogos e utilizar-se uma análise mais sociológica. Por outro lado, vislumbramos a
possibilidade de acompanhar as práticas docentes nos programas institucionais por um
período mais longo, por meio da observação participante ou de uma pesquisa etnográfica.
As duas ações metodológicas acima descritas responderiam a uma tentativa de
recolher mais dados consistentes sobre a realidade destes sujeitos e realizar uma análise
bem mais profunda, para chegar até as raízes dos diversos problemas ligados a esta
realidade pesquisada e superar alguns conflitos e lacunas surgiram no decorrer do
trabalho.
Também recomendamos que sejam ouvidos outros sujeitos envolvidos na
formação, em possibilidades alternativas, como os professores-formadores,
coordenadores de curso e demais agentes que se envolvem na gestão do curso, para que
as posições possam ser dialeticamente analisadas.
Assim, entre as recomendações mais notórias, entendemos a importância de
construir um perfil socioeconômico e cultural do professor-biólogo nesta formação,
entendendo que ele é um sujeito que objetiva a melhoria de sua condição socioeconômica
e possui o desejo de ensinar e contribuir com a sociedade. Esse perfil constitui uma
possibilidade de não se tratar o licenciado como um sujeito que não possui saberes
pertinentes à profissão que já exerce ou que é um sujeito acomodado que objetiva ganhar
apenas mais dinheiro para suas necessidades pessoais e/ou uma carreira estável.
Outra recomendação importante seria realizar o “Acompanhamento de Prática
Pedagógica” (GOULART; PANIZ; FREITAS, 2008). Sistematizar as ações pedagógicas
junto às atividades acadêmicas e realizar uma integração com os programas institucionais
é uma possibilidade formativa viável como também empoderadora para os professores-
biólogos. Dentro deste viés metodológico, cogita-se o potencial de incentivar uma maior
produção acadêmica na área de ensino de Biologia, com a supervisão de professores da
área, de forma a contornar o contexto de baixa produção acadêmica.

112
Podemos até nos questionar se este tipo de licenciatura se constitui em uma formação. Para saber mais,
ver Chauí (2000; 2003).
186

Por outro lado, pensamos que o curso também precisa pensar em toda a população
carente da região por meio de ações extensionistas e de um diálogo mais consistente com
a sociedade local, em uma formação na qual os interesses dos licenciandos e a realidade
local (regional) sejam considerados como objeto permanente de estudos e reflexões.
Defendemos que esse potencial da FSi também se constitui numa perspectiva de pesquisa
futura.
Outro ponto a ser direcionado do que foi visto pelas percepções dos professores-
biólogos, foi a importância de se investir na pesquisa e que se proponha um curso que
proporcione instrumentação para que eles também se melhores pesquisadores na
realidade que já atuam. Essa recomendação vale tanto para Biologia aplicada como na
área de ensino, para que possam planejar experiências mais ricas e ter maior produção
acadêmica.
Também se deve frisar a necessidade de oportunização logística para a realização
as pesquisas com acompanhamento dos professores-formadores, para além do
Acompanhamento de Prática Pedagógica. Pois, as falas apontaram a falta de
acompanhamento principalmente nas atividades realizadas nas escolas por meio dos
programas institucionais de iniciação à docência e uma baixa quantidade de produção
acadêmica na área.
A partir desta consideração e da experiência pessoal enquanto professor-formador
do curso pesquisado, cabe-me denunciar que mesmo estas poucas experiências só foram
possíveis a partir de ações organizadas com recursos próprios, pois nem o seguro
obrigatório para os estagiários é pago pela instituição. Os convênios com os órgãos
públicos poderiam e devem gerar a disponibilização de recursos para as atividades do
curso e algumas demandas burocráticas precisam ser cumpridas pelos gestores,
principalmente nos programas de iniciação à docência e nos estágios.
Continuando a discussão sobre oportunidades dentro do curso, existe uma grande
lacuna da relação com o saber pedagógico que pode desmotivar os interesses relacionados
à docência. Considerando a cisão entre os componentes curriculares específicos e
pedagógicos, vislumbramos um cenário de privilégios e preconceitos sobre a Biologia
Aplicada. Visto que a maioria consegue ter experiência docente na formação, há uma rica
possibilidade de investigação sistemática das questões pedagógicas nas disciplinas do
curso, na forma que se valorize a realidade da sala de aula como ponto de partida para a
formulação e desenvolvimento das propostas das disciplinas pedagógicas. Uma segunda
questão diz respeito à urgência de mobilizar as disciplinas específicas que possuem carga
187

horária de prática pedagógica a sistematizarem propostas que envolvam os conteúdos da


Biologia aplicada no universo da escolarização básica.
Ainda sobre a pesquisa relacionada às atividades nas escolas, nossa recomendação
é que os professores-biólogos passem mais tempo em sala de aula, porém, investigando
a realidade escolar de diversas formas com a devida supervisão e acompanhamento
aliadas a um processo sistematizado de reflexão pessoal e coletiva. Alguns autores, como
Tardif e Lessard (2009), mostram que esta simples estratégia gera grandes possibilidades
de crescimento e construção de saberes profissionais. Além de mais tempo em sala de
aula, é preciso fornecer os subsídios necessários aos professores-formadores da área de
estágio e que os mesmos oportunizem as ações reflexivas na perspectiva de formação
ética-estética-política-humana.
Na identificação profissional, os licenciandos permitiram-se denominar
professores-biólogos (em sua maioria), apesar de algumas tensões registradas em suas
falas. Entretanto, investigar mais aspectos dessa identificação profissional é uma etapa de
continuidade desta pesquisa, sob outro formato metodológico de coleta de dados e uma
maior imersão teórica sobre o tema.
No aspecto teórico-metodológico, a MI foi de grande contribuição neste sentido e
proporcionou uma análise clara dos dados, permitindo uma triangulação eficiente,
apontada em diversos pontos do trabalho, principalmente neste item.
A utilização do Iramuteq para uma análise de dados mais específicos do agregado
das entrevistas e subsidiar a elaboração da síntese construída pelo CHD, permitiu que o
pesquisador e os atores sociais fossem envolvidos em um trabalho coletivo. Concluímos
que o CHD, apesar de reducionista a princípio, aponta dados consistentes quando se
pretende analisar uma realidade comum em um todo, bastante válido para o caso de
percepções de licenciados.
As entrevistas na forma do CHD foram válidas, mas uma inquietação surgiu
durante o desenvolvimento da MI: poderíamos ter explorado uma maior gama de sujeitos,
contextos e possibilidades ou ter feito entrevistas mais extensas, contemplando questões
como a relação com o saber e o Conhecimento Poderoso em Biologia com maiores
especificidades.
Esperamos também apresentar os dados desta pesquisa em outras publicações e
realizar uma devolutiva da pesquisa aos pesquisados, como também mostrar os resultados
aos nossos licenciandos atuais, professores-formadores, coordenadores e gestores do
curso, a partir dos grandes entraves apontados e a necessidade de romper as dicotomias
188

existentes. Voltar-se à produção de artigos e resumos dos dados relevantes já obtidos até
o momento é o próximo passo metodológico desta pesquisa, a ser efetivado em nossos
encargos docentes de trabalho na referida universidade.
Compartilhar nossas conclusões e discuti-la com os colegas de pesquisa no ensino
superior é um possível encaminhamento futuro, de forma que pensemos juntos como se
deve construir uma licenciatura que atenda melhor aos anseios didáticos necessários a um
ensino empoderador voltado ao compromisso social. Em tempo, discutir também como
os sujeitos em formação podem exercitar a Formação de Si de forma que cresçam também
como sujeitos intelectuais e contribuam positivamente para a educação básica dos
municípios do sertão alagoano. Licenciatura que, embora comprometida socialmente, não
perde a essência de uma Relação com o Saber alicerçada no apego excessivo aos
conhecimentos biológicos essenciais à formação de um bom professor de Biologia.
A relevância social desta pesquisa também mostra a necessidade de expansão da
universidade, para que mais opções de licenciatura sejam oferecidas nos campi do interior
do estado, proporcionando melhoria de vida para mais pessoas. E, visto o interesse pela
pós-graduação apontado nos questionários, pensar propostas de continuidade dos estudos,
com especialização de enfoque menos técnico e mais educacional-social e a promoção de
um mestrado no campus do sertão alagoano, também se torna uma recomendação
pertinente.
Por fim, por mais que a questão central da pesquisa ainda não se encontre
respondida, consideramos ter obtido dados relevantes acerca da realidade pesquisada.
Algumas respostas foram similares ao que já se evidenciou na literatura da formação de
professores de Biologia, ao longo dos anos. Entretanto, os novos emergentes captados,
essencialmente relacionados na síntese interativa e neste texto de recomendações,
acreditamos que nossas perguntas e objetivos foram atendidos parcialmente. Para tanto,
acreditamos que constituem uma linha de continuidade da pesquisa para nossa
consolidação enquanto professor-pesquisador na área de ensino de Biologia, pois
constituíram aspectos que validam o trabalho realizado pelo pesquisador em parceira com
os atores envolvidos em toda a trajetória desta pesquisa.
189

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APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PESQUISA: PERCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS


SOBRE EMPODERAMENTO, PESQUISA E DISCURSO PEDAGÓGICO1: uma
investigação à luz da metodologia interativa.
Você está sendo convidado (a) a participar do projeto de pesquisa acima citado. Sua
colaboração neste estudo será de muita importância para nós, mas se desistir a qualquer
momento, isso não causará nenhum prejuízo a você. Trata-se de uma pesquisa vinculada
ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de
São Paulo, conduzido por Rafael Matias de Moura sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo
Tadeu Motokane.
Eu, ( ), portador da Cédula de
identidade, RG , e inscrito no CPF nascido(a) em
/ / , abaixo assinado(a), concordo de livre e espontânea vontade em
participar como voluntário(a) da pesquisa: PERCEPÇÕES DE LICENCIANDOS EM
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS SOBRE EMPODERAMENTO, PESQUISA E DISCURSO
PEDAGÓGICO: uma investigação à luz da metodologia interativa.
Declaro que obtive todas as informações necessárias, bem como todos os eventuais
esclarecimentos quanto às dúvidas por mim apresentadas.
Estou ciente que:
I) Tenho a liberdade de desistir ou de interromper a colaboração neste estudo no momento em
que desejar, sem necessidade de qualquer explicação;
II) A desistência não causará nenhum prejuízo à minha saúde ou bem-estar físico.
III) Os resultados obtidos durante este ensaio serão mantidos em sigilo, mas concordo que sejam
divulgados em publicações científicas, desde que meus dados pessoais não sejam mencionados;
IV) Caso eu desejar, poderei pessoalmente tomar conhecimento dos resultados, ao final desta
pesquisa: ( ) Desejo conhecer os resultados desta pesquisa. ( ) Não desejo conhecer
os resultados desta pesquisa.
Colaborador
Nome / RG
Responsável pelo Projeto: RAFAEL MATIAS DE MOURA. Telefone/e-mail para
contato: (11)949548085/ [email protected]

Título original da pesquisa pré-qualificação, no momento em que ocorreu a coleta de dados.

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