Compartilhar Uma Familia de Faz de Conta - Apaixonada Pelo CEO

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Uma Família de Faz de Conta @ 2021. Todos os direitos reservados.

Obra protegida pela Lei 9.610 de 1998 (Lei de Direitos Autorais). É proibida a reprodução gratuita

ou comercial dessa obra sem a autorização da autora. É proibida a reprodução parcial da obra,
mesmo que de forma gratuita, sem os devidos créditos. Uma Família de Faz de Conta é uma obra de

ficção, qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.

Plágio é CRIME.
Um chefe, uma secretária... e um bebê?

Marina Rodrigues é assistente de Henrique Martins, o CEO da M&M Construtora. Sério e

obcecado pelo trabalho, ele a contratou sem saber que ela era mãe da pequena Bia. Quando um
incidente na creche obriga Marina a levar a filha para o trabalho, em vez da demissão, ela ganha um

“babá”.

Quando o pai biológico da menina volta à cena e a ex-noiva do executivo tenta reconquistá-lo,
ambos concordam em um plano para ajudar a superar os problemas: um relacionamento de mentira.

Mas o que pode acontecer quando um casal de conveniência começa a se parecer mais e mais com

uma família de verdade?


Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Epílogo
Sabe quando a sua vida é uma sucessão de dias, todos iguais, super cansativos e que parecem um
ciclo sem fim? Esse era meu sentimento ao acordar. Tinha a impressão que estava sempre correndo.
Indo de um lado a outro, levando Bia para a creche, trabalhar, voltando para o nosso pequeno
apartamento e começando tudo de novo desde o início. Quando conseguia descansar, era para abrir
os olhos novamente na manhã seguinte e começar tudo de novo.

Sempre fui uma pessoa organizada. Gostava de coisas milimetricamente alinhadas e em seus
lugares. Preto no branco, fácil de entender. Pena que a vida tenha tantas linhas cinzas, que se
misturam até nos deixar louca. Então controlava o que era possível: acordar às seis da manhã, estar

no chuveiro até as seis e quarenta, entrar no metrô às sete e onze, sentar a minha mesa exatamente às
sete e cinquenta e três. Amava odiar a minha rotina pensando que talvez, em algum outro lugar, eu
pudesse começá-la duas... não, três horas mais tarde, tomar um café com calma e não precisar torcer
para alguém me ceder o lugar no transporte público porque carregava comigo uma menininha de
quase dez quilos.

Olhei para o relógio do celular, confirmando que perdi alguns minutos divagando sobre minha
vida. Já tinha algumas mensagens do trabalho, mas só iria checá-las no metrô. Meus olhos caíram
sobre o berço ao lado da cama para encontrar meu anjinho, de olhos castanhos e cabelos claros como
os meus, encarando-me sorridente. Levantei-me com um sorriso, ouvindo seus barulhinhos suaves.
Sempre fomos apenas nós duas desde o dia que Bia nasceu, e agradecia a Deus que ela era um bebê
calmo. Ela costumava dormir praticamente a noite toda, o que evitava que eu fosse um zumbi

irreconhecível pelas manhãs.

Ser mãe solo aconteceu em minha vida de forma inesperada, mas não trocaria nossa rotina por

nada. Beatriz aconteceu a partir de um relacionamento fracassado desde o primeiro dia, um ioiô que
durou dois anos até terminar de vez antes dela nascer. Descobri que estava grávida semanas depois
do nosso rompimento e ao procurar Gustavo para contar a respeito, ele achou que era um jeito de
fazê-lo voltar. Quando garanti que estava contando apenas porque ele merecia saber e que preferia

que continuássemos separados, ele não só avisou que não tinha interesse, como se ofereceu para me
ajudar a pagar um aborto.

Naquele dia, sentei durante horas seguidas no sofá deste mesmo apartamento que morava, olhando
para o nada e pensando em como a minha vida mudaria nos meses seguintes. Ao final, decidi que
faria aquilo sozinha, independente da opinião do meu ex-namorado: tinha um emprego estável, plano
de saúde da empresa, 28 anos e algum dinheiro guardado.

Para meu azar, as coisas mudaram rapidamente depois do nascimento da Bia, mas ao menos
consegui manter o teto sobre nossas cabeças mesmo nos piores momentos.

— Bom dia, minha querida – desejei ao estender as mãos no berço e carregá-la comigo, dando
beijinhos suaves em sua cabeça. Amava seu cheirinho de bebê e a suavidade de sua pele enquanto
dava gritinhos baixos apenas por me ver.

Indo para a cozinha, coloquei nosso plano em marcha: dar de mamar ao mesmo tempo que tomava
um café rápido, ir de um lado para o outro da casa enquanto arrumava nossas coisas para o dia,
preparar Beatriz para a creche e finalmente tomar um banho rápido e me arrumar para o trabalho.
Coreografado depois de muitas manhãs, era capaz de fazê-las sem pensar, uma tarefa após a outra.
Era a vida ordenada que buscava, com uma rotina que evitava surpresas e me fazia ser boa no meu
trabalho – e que me permitia ser uma boa mãe com tão pouco tempo e tantas responsabilidades.
Vestida com meu melhor conjunto de calça e camisa social, entrei na estação do Catete e esperei o

metrô das sete e onze em direção a Ipanema, onde ficava a Martins & Machado Construtora – a

M&M, como o chocolate –, empresa em que trabalhava. Era uma viagem curta, pois os dois bairros
ficavam na Zona Sul do Rio, mas, ainda assim, complicada. Beatriz vinha em um canguru à minha

frente, sua mochilinha em minhas costas e minha bolsa pendurada no ombro. Era um exercício de
equilíbrio enquanto tentava checar as mensagens do meu chefe e os e-mails do dia anterior. Henrique
Martins começa a trabalhar cedo e para muito tarde, deixando-me com muitas tarefas antes mesmo
dele chegar à empresa.

Na esquina do meu trabalho, ficava a creche de Beatriz, mais cara do que qualquer lugar perto do
meu apartamento, porém a poucos minutos de distância de mim. Como não tinha família na cidade,
era essencial estar perto caso algo acontecesse. Tinha sorte de a Construtora ter um bom auxílio-
creche, o que me permitia mantê-la ali sem comprometer a minha renda.

Exatamente na hora de todo o dia, às sete e cinquenta e três, estava dentro do escritório, sem Bia e
pronta para começar meu dia. Poucas pessoas sabiam que eu tinha uma filha. Não que a escondesse
ou algo assim, mas era apenas como parte de uma política de trabalho que excluía mães e nos
deixava sem meios de manter nossos filhos. Quando decidi ter Beatriz, minha vida era tranquila e

trabalhava há mais de quatro anos na mesma empresa. Tudo fluiu conforme eu planejei até a licença-
maternidade: todos os gastos controlados, as coisas necessárias, o parto, as roupinhas, nossa
alimentação e as idas ao médico. No momento que pisei no meu trabalho, tudo ruiu ao meu redor.
Foram algumas semanas de tarefas sem sentido e distância da minha equipe até a decisão final.

Fui demitida porque, durante minha ausência, “muitas coisas mudaram e já não servia mais para a
equipe” – principalmente depois que tranquei a faculdade perto do parto, faltando um ano para me
formar em engenharia. Tinha subido rápido na empresa, transformando-me em coordenadora de
pessoal, apesar de não poder exercer uma série de atividades por não ter um registro no Conselho.
Na minha volta, fui substituída com a desculpa do ensino superior, quando isso nunca foi um
problema em todos os anos de empresa.

Me desesperei e cheguei a cogitar voltar para Nova Friburgo, região serrana e a algumas horas da

capital, para morar com meu pai, mesmo ele não aceitando bem minha gravidez. Nós nunca tivemos
uma boa relação, que foi piorando depois da morte da minha mãe, há dez anos. Continuei em sua casa

até suas exigências ficarem cada vez maiores, querendo controlar cada aspecto da minha vida, e
decidi vir para o Rio começar a minha faculdade. No momento que liguei e ele soube de Beatriz, me
disse todo tipo de coisa e não falou mais comigo. Isso já fazia mais de um ano.

Comecei a mandar currículos, pedi indicações, peguei cada projeto de administração freelancer

que fui capaz, mas nada acontecia. Durante dois meses, fui a diversas entrevistas e sempre escutava
em retorno que precisavam de alguém que não tivesse a sua atenção voltada para um filho pequeno.
Ouvi todo tipo de pergunta que não tinha envolvimento com minhas experiências de trabalho: de
“onde está o pai?” a quantas vezes por mês sairia cedo para levá-la ao médico. Fui diminuindo
minhas expectativas, sabendo que, sem um registro de engenharia, não poderia voltar a meu cargo
anterior. Foi dessa forma que me candidatei a cada vaga de secretária e assistente que achei na
internet. Cada negativa me deixava mais desesperada, porque o dinheiro guardado durante anos e o
FGTS eram drenados por coisas necessárias, como consultas médicas, fraldas ou alguém para ficar

com Bia durante essas poucas horas – cortesia do porteiro, que indicou uma pessoa do prédio que
poderia “quebrar alguns galhos”, mas não ficar com a minha filha em tempo integral.

No início do terceiro mês de busca de trabalho, parei de falar a respeito de Bia. Mudava o
assunto quando perguntavam sobre família ou apenas respondia que minha mãe já tinha morrido, mas
meu pai morava em Nova Friburgo. Por fim, depois de duas semanas, fui chamada para uma segunda
entrevista na M&M Construtora, para uma vaga de assistente na diretoria. Depois de conversar com
Henrique, meu chefe atual, fui contratada. No instante que a funcionária do RH viu os documentos de
Beatriz, arregalou o olho e fez um comentário sobre não se lembrar de eu ter uma filha tão pequena.
Apenas sorri e disse que falei a respeito e talvez ela só tivesse uma memória ruim. Foi um desprazer
imediato, e depois disso foram semanas de atrito até a pessoa finalmente deixar de implicar com
qualquer coisa que eu pedisse.

Com Beatriz bem estalada na creche perto do trabalho, destaquei-me no que fazia melhor: ser
organizada. Para a reunião que aconteceria na hora seguinte, preparei cada lugar, alinhando a

proposta, blocos e canetas milimetricamente à frente de cada cadeira. Era a cereja do bolo de um
projeto que começou semanas antes, comigo e Henrique levantando todo tipo de informação para
criar a proposta para os investidores. Eu me esforçava ainda mais com Henrique como meu chefe. O
que o homem tinha de lindo, tinha de exigente.

Aos 31 anos, Henrique Martins era o CEO, responsável pela gestão e direção administrativa da
empresa, enquanto Pedro Machado era o diretor de operações. Eles eram das duas famílias que
fundaram o negócio nos anos 1970 e a geração atual a cuidar da Construtora, depois da
aposentadoria dos pais de ambos. Os sócios aumentaram os tentáculos da M&M e a tornaram a
empresa responsável por grandes obras residenciais e de negócios do estado. Na primeira vez que vi
Henrique, senti minha respiração falhar, minhas pernas ficarem bambas e o coração palpitar pelo
impacto de ver um homem tão bonito pessoalmente e tão de perto. Ele era quase um Rodrigo Hilbert
de terno, com menos sorrisos e mais músculos. Pessoas assim não existiam na vida real.

Henrique era alto, com os cabelos loiros escuros como areia e os olhos verdes como esmeraldas.
Tinha um porte atlético, como se malhasse todos os dias, um olhar hipnótico, capaz de fazer qualquer
um se dobrar às vontades dele, e era incapaz de dar um sorriso maior do que um leve levantar de
canto de boca, como se estivesse dividido entre achar algo engraçado ou ser irônico. Receber uma
encarada do homem por mais de dois segundos ainda me deixava nervosa depois de tantos meses.

Ele era obcecado por trabalho, querendo saber cada pequeno detalhe que acontecia na empresa e
sem nenhum interesse pela fofoca do dia a dia. Henrique Martins não falava sobre nada além do que
estivesse estritamente envolvido com o trabalho ou com algum projeto que estava sendo
desenvolvido. As más línguas da empresa diziam que o que ele tinha de sério dentro da M&M
Construtora, também tinha de mulherengo fora dela, mas nunca vi meu chefe em ação – e esperava
não ver. Se o homem me afetava me pedindo tabelas, imagine tentando flertar... Bem... Obviamente

que ele não flertaria comigo. Henrique Martins era rico de nascença, com um círculo de pessoas
lindas, bem-vestidas e com muito mais cultura do que eu. Uma mãe de expressão cansada e roupas de

liquidação nunca estaria na competição.

Minha função na M&M envolvia uma tonelada de trabalho, para alinhar as tarefas diárias e os
planos para o futuro – com áreas diversas como engenharia, arquitetura, financeiro e marketing –,
para poder responder às perguntas de Henrique ou saber quem poderia respondê-las com facilidade.

Às vezes, meu chefe me levava a reuniões externas com investidores, parceiros ou prestadores de
serviço e até em visitas técnicas a obras. Eram vários minutos dentro de seu carro, ouvindo-o ser
educado com perguntas de trabalho ou apenas sendo silencioso. Eu só o via sorrir quando passava
alguma ligação de sua família, sua voz derramando um pouco de sentimentos além do empresário
sisudo.

Eu era seu braço direito, ou a pessoa que fazia o trabalho sujo: ia atrás da informação como um
sinal de que meu chefe estava atento e que as pessoas deveriam resolver o que quer que fosse antes
que ele precisasse entrar no circuito – o que muitas vezes envolvia Henrique e o outro sócio, Pedro

Machado, cobrando muito mais coisas além daquela pequena informação. Ninguém queria ficar sobre
o escrutínio de ambos, então repassavam as coisas para mim e seguiam o fluxo da empresa.

Não é que Henrique Martins não delegasse tarefas, ele fazia isso o tempo todo, centrando-se nas
discussões mais importantes da empresa e deixando cada um agir conforme suas responsabilidades, o
problema é que ele não brincava com os negócios. Qualquer assistente dele trabalhava muitas horas e
precisava aguentar a pressão do dia a dia. Antes da minha contratação, outras seis assistentes
passaram pelo cargo, mas nenhuma durou mais do que três meses, o período de experiência, pedindo
demissão pelo “excesso de demandas”.

Eu já tinha passado de seis meses e sentia que não havia motivos para abandonar o barco.
Adorava minhas tarefas e, por mais que fosse a secretária em vez de engenheira, como uma vez
sonhei ser, fazia meu trabalho administrativo com excelência. Antes de ter que sair da faculdade por

causa da gravidez, meu sonho era trabalhar em obras de grande porte e cheguei a estar em uma
construção, onde passava horas engolida em roupas de segurança e em um capacete grande demais

para minha cabeça, acompanhando os engenheiros no processo de projetar, gerenciar, supervisionar e


executar obras e construções. Essa, inclusive, foi a qualidade que Henrique mais elogiou em minha
entrevista: tinha experiência em administração dos meus tempos em Nova Friburgo e na empresa de
arquitetura.

Todos os comentários que ouvia nos corredores envolviam o quão amedrontador Henrique era e
como ele parecia um leão nos negócios, pulando no pescoço de quem tivesse à frente, a fim de
conseguir um contrato. Nada era pessoal, eu sabia. E o fato de meu chefe mal falar comigo, apenas
exigindo coisas ao longo do dia e se trancando em sua sala para trabalhar, fazer telefonemas e
reuniões, era parte do que fazia as engrenagens daquela empresa funcionar. Como uma máquina que
não gastava palavras desnecessárias se a conversa não tivesse um objetivo, Henrique Martins era
amigável, porém distante, como se tentasse se distanciar de relações pessoais no trabalho. Ele era
comprometido com a M&M e qualquer erro de execução nas construções poderia causar a morte de
pessoas.

Enquanto riam, brincavam ou passavam horas demais no cafezinho falando mal do chefe, Henrique
estava ali, sempre ocupado e exigente, como se nunca desligasse. Como secretária e representante
direta dele, os outros funcionários tendiam a ser somente negócios e nenhuma diversão no trabalho
comigo. Em seis meses de empresa, não tinha com quem conversar e almoçava sozinha ou na
companhia de Bia, quando tinha tempo de pegá-la na creche.

— Parece que está tudo pronto para a reunião – Henrique falou atrás de mim, observando a mesa
organizada. Não o ouvi chegar, perdida em meus pensamentos ao mesmo momento que ajeitava o
material e os prospectos para o próximo lançamento. Era um dos dias mais importantes do
cronograma, uma reunião que se iniciaria cedo para apresentar o empreendimento que estava em
construção.

— Como planejamos. Quer mais alguma coisa? Ainda temos tempo – perguntei, olhando para meu
relógio. 27 minutos, para ser mais exata.

— Vá se preparar. Está tudo ótimo... Excelente, como sempre – ele cumprimentou sóbrio, o canto
de sua boca curvando em aprovação. – Estarei na minha sala. Me avise quando as pessoas
começarem a chegar.

Henrique se despediu com um aceno de cabeça, olhando alguma coisa em seu celular. Observei o

homem se afastar durante alguns segundos, apreciando suas costas em um terno bem cortado através
da porta de vidro da sala de reunião. Apesar de distante, Henrique Martins era bom de se olhar, e
com minha vida atribulada, sabia que talvez a única vida afetiva que teria seria roubar olhadelas do
meu chefe gato.

Deus... Marina, seja profissional, pensei enquanto sorria para mim mesma, sentindo minhas
bochechas queimarem por meus sentimentos. Henrique podia ser uma máquina de trabalho, mas eu
ainda conseguia aproveitar uma boa visão quando tinha uma. Essa era a outra coisa sobre Henrique
Martins: a forma como sua presença deixava minhas pernas bambas. Eu era extremamente

profissional e organizada, uma funcionária exemplar, mas isso não me impedia de notar que o CEO
da minha empresa era gostoso.
— Senhores, se puderem checar a página quarenta e sete do prospecto... – Henrique parou de
falar, olhando para a mesa quando um bzzzzzz ecoou pela sala.

Seu olhar passeou entre os presentes ao mesmo tempo que, em pânico, eu apagava a tela do meu
celular pela segunda vez em menos de dez minutos. Recebi uma olhadela de reprimenda do chefe
enquanto observava o número desconhecido, debatendo comigo mesma se deveria ou não sair da
reunião para atender ao telefonema. A reunião com os investidores era importante, o início de um dos
maiores projetos que a empresa já se envolveu, e era necessário ouvir, anotar e acompanhar todas as
discussões ali dentro. Na mesa, diversos executivos de outras empresas e investidores independentes

ouviam Henrique fazer a apresentação, enquanto eu digitava furiosamente no notebook cada pequeno
fato da minha posição, sentada em uma das pontas da mesa.

Bzzzzzz...

Olhei novamente para a tela, pronta para desligar o aparelho, quando Henrique se abaixou a meu
lado, sussurrando:

— É uma emergência de trabalho?

— Não sei. É um número desconhecido – respondi no mesmo tom de voz.

— Vá atender e volte aqui. Seu celular não para de tocar e hoje é importante demais para ficar
parando a apresentação cada vez que ele faz a mesa vibrar – Henrique ordenou de um jeito que não

permitia argumentos, seu olhar sério sobre mim, fazendo-me sentir um frio na barriga como em todas

as vezes. Balancei a cabeça afirmativamente e levantei-me, vendo a chamada morrer na tela. Nove
ligações não atendidas.

Detestava ser o centro das atenções, e depois da terceira chamada, era mais do que claro que
alguém queria entrar em contato comigo. Com meu celular no silencioso, ele só fazia esse tipo de
vibração quando alguém tentava ligar vezes seguidas. Estava aflita por ser algo envolvendo Bia.
Desde que minha filha nasceu, vivia eternamente preocupada, principalmente com ela longe de mim.

Como eu tinha o número da creche e de vários funcionários que trabalhavam ali, tentava afastar a
ideia de alguma emergência, pensando que era apenas um telemarketing insistente que deveria ser
bloqueado.

Assim que voltei à minha mesa e rolei as últimas ligações para retornar a pessoa insistente, o
aparelho vibrou mais uma vez em minhas mãos.

— Alô?

— Que bom que consegui falar com a senhora! – a voz feminina do outro lado me cumprimentou
um pouco acelerada demais. – É a Fabiana da creche, tivemos um acidente...

— Acidente? – perguntei com a respiração acelerada pensando que deveria ter atendido na
primeira tentativa. — A Beatriz está bem?

— Está tudo bem com sua filha, senhora. Pode ficar calma. Tivemos uma inundação. Um cano
estourou no banheiro e a pressão da água danificou o teto e as nossas salas. Não é seguro e
estamos pedindo para os pais virem buscar seus filhos. Tive que ligar do meu celular porque não
consigo chegar ao nosso escritório pelo estado dos corredores. Foi um vazamento e tanto.

— Claro... Claro... Estou indo para aí agora. Acha que até amanhã estará resolvido? – indaguei e
olhei para Henrique através das portas de vidro da sala de reunião. Ele falava para a pequena
plateia, gesticulando em direção à tela da apresentação que trabalhamos durante semanas. O que eu

ia fazer com a Bia? Trazê-la para o escritório era o único jeito. Como meu chefe encararia a

presença da minha filha? Principalmente em um dia com tantas pessoas de fora.

— Para ser sincera, acho pouco provável. – A mulher suspirou derrotada do outro lado. – Sei

que vocês dependem da gente, mas acho que pelo menos umas duas semanas serão necessárias
para refazer o encanamento, as paredes...

— Tudo bem – sussurrei, sabendo que não estava “tudo bem”.

Estava confusa sobre o que faria a respeito de Bia durante todos esses dias. Adeus vida

organizada, rotina bem ajeitada e trabalho pronto como um relógio. A realidade estourava na minha
cara em forma do meu bebê me levando para uma emergência. Será que as vizinhas poderiam olhá-
la por todos esses dias? Peguei minha bolsa, colocando-a no meu ombro enquanto fazia gestos para
Henrique em direção ao elevador, que retornava o olhar em confusão. Enviei uma mensagem
explicando que era mesmo uma emergência e precisava sair. Esperava que Henrique entendesse
melhor do que meu emprego anterior e não precisasse voltar a enviar currículos.

— A senhora ainda está aí? – a voz perguntou no instante que eu esperava o elevador chegar.
Tinha esquecido da cuidadora da creche ainda na ligação.

— Me desculpe... Estava perdida nos meus pensamentos sobre o que fazer com a Bia. Vocês já
pensaram em um plano B? Algum outro lugar para os próximos dias?

— Estamos pensando, mas com certeza não será resolvido para amanhã. Nossa primeira ação é
ligar para os pais, depois pensar no que fazer. Queremos o melhor para os filhos de vocês, e serão
necessárias algumas obras para a creche voltar a abrir.

— Duas semanas, você disse? – voltei a falar em voz desanimada.

— Sei que é complicado, principalmente da forma que aconteceu. Espero que a senhora
consiga um lugar para a sua filhinha pelas próximas semanas. Vamos fazer de tudo, mas você
entende, não é?

— Estou a caminho – informei e me despedi, o elevador abrindo no meu andar. Precisava de um

plano para as próximas semanas e não tinha com quem contar.

A vida de uma mãe solo sem uma rede de apoio era muito difícil e ficava impressionada pela

quantidade de mulheres que conseguiram criar seus filhos com muito menos do que eu. Quando vim
para o Rio, morei por semanas no sofá da minha prima de segundo grau até passar a dividir um
apartamento com desconhecidos. Foi pela mesma prima que conheci Gustavo, o pai de Bia. Tinha
uma vaga na faculdade – o que desagradou meu pai, que achava que eu passaria o resto dos meus

dias em nossa cidade – e a experiência por ter demorado cinco anos para correr atrás dos meus
sonhos.

Aos 23 anos, minha cabeça era muito diferente dos meus colegas de classe, por isso não fiz
amigos e passei o tempo que estive na universidade como uma aluna invisível. Havia bons locais no
interior, mas sabia que, apesar de ter empresas grandes em Nova Friburgo, se quisesse ter mais
opções, deveria estar na capital. Rapidamente consegui um emprego em uma empresa de arquitetura,
primeiro como estagiária e depois como funcionária.

Enquanto o elevador descia, pensei que, depois desse dia, a empresa toda saberia sobre Beatriz.

Sua pequena cabeça loira e seu sorriso desdentado fariam sua estreia na M&M Construtora.

***

A cuidadora que conversou comigo ao telefone não exagerou quando falou do estrago na creche.
Havia água por todo o lado, enquanto algumas pessoas lidavam com os bebês e crianças pequenas na
parte da frente do local. Assim que cheguei, me entregaram Bia e sua bolsa e recebi todo tipo de
explicação sobre o incidente com os canos. De acordo com eles, seria difícil voltar em apenas duas
semanas, mas era o prazo que os responsáveis do local estavam dando para os pais. Era necessária

uma obra, vistoria e toda uma burocracia que não conseguia imaginar até a creche voltar a seu

horário normal.

Não conhecia mais ninguém, minha prima não morava mais no Rio de Janeiro e seria impossível

confiar em uma babá sem a adaptação necessária – isso se conseguisse achar alguém para o dia
seguinte. Que situação difícil. Minha filha teria que ir trabalhar comigo, necessitaria trabalhar de
casa ou até mesmo tirar férias que nem mesmo tinha direito ainda.

Coloquei Beatriz no canguru e voltei para a M&M, cruzando com outras funcionárias que tinham

seus filhos na mesma creche pelo caminho. Algumas também estavam levando os bebês de volta para
o escritório, mas outras esperavam na calçada, como se alguém viesse buscá-los. Cada pessoa que
passava por mim sorria para Bia, porque ela era um bebê que chamava atenção, com seu sorriso e
seus barulhinhos curiosos, aberta a qualquer um que fizesse brincadeiras com ela. Definitivamente a
personalidade da minha filha era muito mais chamativa do que a minha, e agora, com um neném
pendurado em mim, chamava toda a atenção que evitei em todos os meses da empresa.

As portas do elevador se abriram no andar da diretoria. Henrique estava a poucos metros de mim.
Ele caminhou em minha direção com o olhar confuso, indo de Bia para mim e se demorando em seus

cabelos loiros ralinhos e olhos escuros. Ela usava um conjunto lilás com um lacinho, que eu não
resisti e comprei, por mais que achasse enfeitado demais para uma criança de um ano.

—Por que você tem um bebê no colo? – ele perguntou em um tom de voz que nunca ouvi até então,
como se não entendesse o que estava vendo e eu tivesse três cabeças ou algo assim.

— Seu Henrique, essa é minha filha, Beatriz. Aconteceu um problema com a creche e tive que
buscá-la. O que precisar posso resolver assim que acomodá-la. Sei que não é o ideal, mas não tenho
onde deixá-la... – respondi, tentava parecer o mais profissional possível com o bebê de um ano preso
à minha cintura.

— Não sabia que era casada. Não lembro de falar disso na entrevista.
— Não sou... Tenho uma filha, mas sou solteira. Sou mãe solo – afirmei, e por alguns segundos

pareceu que Henrique ia falar mais alguma coisa, sua boca abrindo e fechando como um peixe antes

dele continuar, como se engrenagens rodassem em sua cabeça e ele tentasse colocar mais uma peça
em um quebra-cabeças difícil.

— Ahhh... Ok... A reunião era importante, então gostaria de repassar algumas coisas com você.
Temos algumas horas até o almoço – ele disse ao olhar para o relógio e apontando para sua sala.
Henrique ainda parecia perdido com a visão de um bebê no escritório, algo que obviamente não se
encaixava ali. – Todos já foram e Pedro está com eles. Acho que vai almoçar com alguns deles.

— Mil desculpas, seu Henrique. Sei que contava comigo, mas era uma emergência mesmo. É só
arranjar um lugar para ela e podemos continuar. Peço desculpas por ter saído desse jeito.

— Traga-a para meu escritório, que tal? Deixe-a no seu colo ou no sofá.

— Muito bem... – respondi sem jeito, deixando as bolsas na minha mesa e o seguindo com o
notebook na outra mão.

Arrumei Bia no sofá, fazendo um forte com algumas almofadas, enquanto Henrique fechava a porta
e deixava para trás os olhares curiosos. Os primeiros minutos foram confusos até entrarmos no nosso
fluxo normal de trabalho, sendo atrapalhados raramente por um barulho ou outro de Beatriz, que

estava sentada e balançando o mordedor. Durante a hora seguinte, as coisas funcionaram, até minha
filha acertar o brinquedo em seu olho e começar a chorar.

Coloquei-a em meu colo, tentando fazê-la se acalmar ao mesmo tempo que Henrique me mostrava
a apresentação que deveríamos enviar para os investidores. Nossas vozes não eram páreas para os
pulmões de Beatriz, que mesmo sem chorar em todo o seu potencial, ainda fazia muito barulho.
Queria sair da sala, acalmá-la com o balanço do meu colo e rezar para ela parar de chorar.

— Se me der um momento... – disse sem graça, apontando para o lado de fora.

— Me dê ela aqui – Henrique pediu, levantando-se da mesa ao observar o rostinho vermelho da


minha filha. Ele suspirou resignado e, por alguns segundos, parecia mais no comando do que eu. Eu

andava desesperadamente de um lado para outro da sala, nervosa pela falta de controle da situação.

— Eu vou fazê-la parar de chorar, eu juro! Acho que ela está estranhando ou...

— Marina, me dê a criança! – ele pediu de novo, com um tom que parecia uma ordem, estendendo

a mão para mim. Eu a apertei mais contra mim de forma protetora, temendo por seu pedido. Uma
coisa era ele ser meu chefe, outra era querer brigar com minha filha.

— O que você vai fazer... Não pode!

— Ahh! – ele resmungou, caminhando até mim e tirando Bia dos meus braços, aninhando-a nos

dele. Foi como se um interruptor tivesse desligado, deixando a sala em silêncio pela primeira vez em
minutos, o choro ficando baixo até sumir.

— Como você fez isso? – perguntei assombrada.

— Algum encanto natural com crianças. – Ele deu um sorriso tímido, o primeiro direcionado a
mim que vi em todos os meses que trabalhava com ele. – Meus sobrinhos funcionavam do mesmo
jeito. Por algum motivo, param de chorar quando pego eles no colo.

— Você é um encantador de crianças – respondi, fascinada com a situação ao mesmo tempo que
balançava a cabeça, tentando controlar minhas palavras. – Quer dizer... Me desculpe.

Observei Beatriz aninhada em Henrique, com rosto satisfeito. Suas bochechas ainda estavam
rosadas e ela suspirava um pouco sentida, mas parecia muito feliz deitada com a cabeça no peito do
meu chefe contra o terno azul marinho macio. Não julgava e sentia até mesmo certa inveja.

— Acho que é o tamanho, ou o terno, ou o cheiro... – E, com isso, outro riso tímido saiu da boca
de Henrique, que encarava Beatriz de forma terna. – Ela é muito bonita. E parece você.

— Loira e desdentada? – questionei com humor.

— Pequena, loirinha, de olhos escuros e com essa expressão tranquila mesmo ao chorar como
uma turbina de avião.
— Não sinto falta quando ela chora desse jeito. Se é tão fácil assim, vou mantê-lo em minha casa

– falei e imediatamente depois coloquei a mão sobre minha boca, percebendo o absurdo das minhas

palavras.

— Está tudo bem... E está tudo bem trazê-la mais vezes. Ela não me incomoda, e eu gosto de

crianças.

— Você gosta? – indaguei com uma expressão confusa, que não passou despercebida por meu
chefe.

— Sim... Parece que não? – ele perguntou em resposta, levantando a sobrancelha. Acho que

conversei com o meu chefe mais vezes no dia de hoje do que em todos os outros dias na empresa.

— Não diria que você gosta de crianças. Não parece o tipo.

— E tem um tipo? – ele questionou, fazendo um carinho suave nas costas de Bia, que soltou um
suspiro baixo. Aparentemente Beatriz sabia escolher suas batalhas e a dela seria chorar até conseguir
estar agarrada ao peito musculoso do meu chefe. – Tenho três sobrinhos mais novos, todos filhos da
mesma irmã. Eles não moram mais no Rio. Quando estavam aqui, ficavam comigo o tempo todo.

— Acho que descobri um talento secreto seu com crianças – disse dando de ombros –, vou tentar
resolver a questão da Beatriz pelos próximos dias. Não estava nos meus planos trazê-la para a

empresa.

— Conseguiu resolver a questão da creche?

— Não. Tiveram uma inundação e vão entrar em obras. Só Deus sabe quando voltarão a funcionar.
Algumas outras funcionárias estão com as crianças pelo prédio hoje, não viu?

— Não. Nesse andar, apenas a Bia... E é sério sobre trazê-la, podemos dar um jeito, se quiser –
ele falou simplesmente. – A menos que o pai ou algum parente possa ficar com ela. Sei como essas
coisas devem ser complicadas.

— Somos só nós duas. O pai da Bia não quis... não quer participar – contei chutando-me
mentalmente por falar da minha vida com meu chefe. Por quê?

— Como não está interessado? Ele tem obrigações com vocês duas, não pode fazer isso! – ele

replicou indignado, fazendo um carinho na cabeça de Bia, como se aquilo fosse inconcebível.

Existia algo mais sexy do que um homem de quase um metro e noventa sendo delicado com um

bebê? Se eu tinha uma queda pequena por meu chefe antes, quando ele falava menos de uma frase
completa por dia, agora que percebi seu lado terno com crianças, as coisas ficariam muito difíceis
para meus ovários. O crush em Henrique Martins acabava de subir uns cinco degraus.

— Ele nem mesmo quis registrá-la. Muitas crianças brasileiras são criadas sem pai, e a Beatriz é

só mais uma da estatística.

— Se me permite comentar a vida pessoal da senhorita, ele é um idiota – Henrique falou, e não
consegui segurar a risada enquanto ele permanecia com seu olhar zangado. – Quem não gostaria de
uma coisinha dessas?

— Ela é fofa, mas está começando a andar, chora, faz barulhos. Vai incomodar se eu a trouxer aqui
todos os dias.

— E eu preciso do seu trabalho. Crianças não são um incômodo, Marina. As pessoas esperam que
elas ajam como miniadultos, mas elas não são.

— UAU – deixei escapar novamente e ele sorriu. Acho que descongelei um pouco do gelo ao
redor do coração do meu chefe com um sorriso desdentado de um ano e um mês.

— Muito bem, agora voltando ao trabalho...

— Com ela no seu colo? – perguntei surpreendida.

— Acho que funciona melhor assim. Preciso de você no computador e de suas mãos desocupadas.
Parece que a senhorita Beatriz vai nos deixar trabalhar assim.

— É uma desculpa para ter um bebê em seu colo, não é?

— Falei que gosto de crianças. – Ele riu com um sorriso tímido ao mesmo tempo que a ajeitava ao
se sentar na cadeira do escritório. – Agora, sobre esse material...
Abri meus olhos e olhei para a mulher morena deitada na minha cama e enruguei a testa ao
perceber que não sabia o nome dela. Era Patrícia? Pamela? Um nome com P que eu era incapaz de
lembrar. Escondi um bocejo e me sentei na cama, pegando a cueca da noite anterior no chão e a
vestindo antes de me levantar e encarar a mulher. Detestava essa parte. Quer dizer... Basicamente
toda a coisa menos o sexo. Estava ficando velho e cansado. Já não me sentia satisfeito por trazer
alguém para meu apartamento e depois ficar sem jeito com a manhã seguinte. Já tinha passado dos 30,
mas me sentia um moleque viciado em sexo sem pensar muito nas consequências.

O movimento da mulher em minha cama me fez soltar um suspiro de alívio. Com ela acordada as

coisas eram bem mais fáceis. Minha cama era malditamente confortável, era o motivo por tê-la
escolhido, e parecia uma canção de ninar para as mulheres que eu trazia por apenas uma noite. Com o
dia amanhecendo, precisava correr para academia para conseguir chegar na Construtora antes das
nove. As coisas eram mais rápidas quando elas acordavam sozinhas e iam embora sem uma
discussão. Não que eu fosse um idiota mal-educado que mandava alguém que me deu prazer porta
afora sem nem mesmo oferecer um café da manhã. Só não queria parar minha vida porque uma delas
teve a noite da sua vida – comigo ou com o meu colchão.

Pedro, meu sócio, gostava de brincar sobre como eu fazia as coisas de forma intensa: trabalhava
muitas horas, cuidava do meu corpo sem falhar e gostava de transar. Nós saímos para comemorar a
apresentação para os investidores depois do expediente em um barzinho, relaxando pela primeira vez
em muitas horas. Nunca consegui ser tão simpático como Pedro, que poderia arrancar a cabeça de

alguém sorrindo. Meu método era trabalhar como um condenado para ter resultados e gastar toda a

energia e estresse acumulado em outras coisas, como a academia ou mulheres.

Foi um dia de altos e baixos até mesmo para a minha muito organizada secretária. Terminei com
um bebê em minha sala ao mesmo tempo que fechava o material para enviar aos investidores pós-
reunião, enquanto meu sócio almoçava em um restaurante cinco estrelas para impressionar os
empresários. Sorri ao pensar em Beatriz e em seu riso desdentado... Gostava de crianças, era um tio

excelente, só não tinha saco para lidar com todo o resto que vinha com a parte de “constituir”
família.

— Ei... bom dia! – Pilar/Pérola/Paulina me saudou com a voz rouca, movendo-se na cama, seus
peitos apareceram descaradamente através das pontas do lençol. Fiquei tentado por alguns minutos,
mas não o suficiente para perder a hora.

— Vou preparar um café, porque tenho um dia agitado, ok? Se quiser, pode me acompanhar.

Estiquei-me sentindo a tensão nas costas. Costumava buscar companhia para tirar essa pressão
dos meus músculos e a dor por trás dos meus olhos, mas aparentemente Penélope/Patrizia/Piedade

não me ajudaria no processo. Era a primeira vez em semanas que levava alguém para o meu
apartamento, a fim de tentar matar um pouco da energia acumulada que circulava dentro de mim
depois da apresentação. Era isso, correr dez quilômetros ou bater algumas punhetas solitárias. Tinha
a fama de canalha, mas estava sempre cansado do trabalho e com preguiça de sair para arranjar
alguém a menos que sentisse esse “incômodo” dentro de mim.

— Já me dispensando? – ela perguntou.

— Um dia trabalhoso, como eu falei – respondi, dando de ombros. – Se precisar ir a um lugar


aqui por perto, posso te dar uma carona.
— Bom... Uma noite, como você mesmo me prometeu – ela concluiu, levantando-se da cama e

catando suas coisas pelo chão. Pelo menos Paloma/Priscila/Pietra não dizia isso em um tom

ofensivo, como já ouvi muitas vezes.

— Eu não menti – repliquei e dei um sorriso canalha que sabia ser capaz de derreter calcinhas.

Mantinha esse meu lado escondido no trabalho, atrás da barreira séria do Senhor Henrique Martins,
mas como minha mãe me dizia, desde a maternidade era capaz de arrancar alguns suspiros femininos.

— Vou usar seu banheiro e estou partindo. Você tem meu telefone, se quiser repetir a dose.

— Tenho?

— Tenho certeza de que anotou ontem à noite, mas se quiser, posso te ligar... – ela disse e inclinou
a cabeça para o lado, tentando fazer uma expressão entre sexy e confusa.

— Tudo bem. Você deve estar certa, Pa... – fiz uma pausa dramática, esperando a mulher me
interromper. Cometi o erro de tentar chamá-la pelo nome. Realmente estava ficando sem jeito com
esse rito matinal. Não queria ser ofensivo, mas não lembrava o nome da maioria das mulheres com
quem eu transava.

— Paula, mas vamos fingir que você sabia disso – ela comentou e sumiu no meu banheiro depois
de piscar para mim.

Vinte minutos depois, Paula se despediu de mim enquanto eu tomava meu café sentado na cozinha
e verificava os e-mails do trabalho. Acompanhei a mulher até a porta como um bom cavalheiro e
continuei minha rotina. Permanecia inquieto, então terminei correndo na academia. Talvez precisasse
repensar se valia a pena mesmo dormir com desconhecidas ou só passar a correr malditos vinte
quilômetros em vez de dez.

***
— A noite não rendeu? Soube que chegou cedo essa manhã – Pedro perguntou, surgindo na minha

sala e fechando a porta atrás dele. Meu sócio sabia que as pessoas ouviam essas frases soltas e

faziam todo tipo de conjectura, mas ele parecia não se importar. Ele se escondia atrás da fachada
brincalhona e deixava para mim o fardo de ser o CEO exigente de quem todos tinham medo.

— Quando eu deixei de não estar aqui para trabalhar, Pedro?

— Bem... A mulher era gostosa. Ou eu podia estar bêbado... Mas você sabe escolher bem.
Bastante bem, diria – Pedro brincou, sentando-se à minha frente. – Quando foi a última vez que tirou
um dia livre? Nós acabamos um projeto grande. Você merece uma folga.

— Sim, mas eu tenho compromissos. E você sabe muito bem que é apenas o começo. Se tudo der
certo, serão pelo menos dois anos olhando para as mesmas pessoas até a obra acabar.

— Você precisa relaxar, Henrique.

— E você também, Pedro. Suas horas na Construtora são muito próximas das minhas, eu diria.

— Pelo menos sair cedo, não é? São quase seis da tarde. Pare de ser um vampiro e vá ver o sol.
Caminhar um pouco na praia.

— Está vendo alguns vídeos positivos, Pedro? Lendo mensagem de autoajuda? Estamos até o
pescoço com os contratos e tenho uma reunião com o pessoal do marketing. Vou pedir para a minha

secretária fechar sua agenda e então fazermos uma reunião sobre o orçamento. É impossível fazer
isso agora.

— Muito bem... Sem a gostosa para você.

— E para você. Ontem saiu sozinho, não é?

— Não é uma novidade, sempre saio sozinho.

— Pedro, se não fosse um maldito de um bom empresário, indicaria o sacerdócio – eu brinquei,


vendo Pedro fazer uma careta. — Como foi ontem?

— Vão nos deixar no escuro por alguns dias, mas acho que será um sucesso. Estavam surpresos
com o plano de obra e todos os materiais. Muitos elogios para sua apresentação, amigo.
Principalmente pelos cálculos de valorização.

— Como sempre. Se conseguirmos fechar esse projeto e o de São Paulo, vamos bater o
faturamento previsto do planejamento estratégico em dois anos, em vez de cinco.

— Nós somos bons no que fazemos – Pedro respondeu com um sorriso. – Falando da sua
secretária para marcar a reunião... Por que diabos ela está com um bebê na empresa?

— Filha dela. Aparentemente teve um problema com a creche e algumas funcionárias trouxeram
os filhos para cá ontem. Como não tinha com quem deixar, trouxe a menina novamente hoje.

— Não é um ambiente para crianças. Nem mesmo sei se existe alguma regra trabalhista que
estamos quebrando com esse bebê aqui.

— Olha... Preciso da Marina para fechar as propostas e todo o trabalho para essa nova
construção. Ela foi a responsável pelo primeiro esboço da proposta e conhece esse material como
um mapa. Se vamos prometer coisas aos investidores, parte é graças a ela. Se o preço de um bom
trabalho é ter um bebê por aqui durante alguns dias... – expliquei, dando de ombros. Realmente não
me importava com a presença da Bia.

— Você é o responsável. Talvez possa colocá-la na sua sala, para não ficar à vista de todo mundo

– Pedro brincou, mas pensei que não era uma ideia ruim. Com Beatriz na minha sala, evitávamos as
fofocas e ela estaria sendo cuidada.

— Vou cuidar disso, pode deixar.

— É engraçado esse seu fraco por crianças. Desde Maitê, se não me engano...

— Só porque não fico dizendo por aí que não quero ter filhos e que detesto crianças, como você,
não significa que quero me mudar para uma fazenda e engravidar alguém sete vezes – retruquei
irritado, voltando meus olhos para o computador. Detestava quando citavam Maitê.

— Muito bem – Pedro respondeu, levantando-se. – Vou deixar você continuar o que está fazendo.
Parece que citar sua ex-noiva não foi um bom movimento.

Observei Pedro deixar a sala, percebendo que ele era mais uma das pessoas que achava que eu

não tinha um relacionamento graças ao rompimento com Maitê. Na verdade, meu noivado me fez ver
que eu não era feito para todo o drama envolvendo relações. Na verdade, nenhum drama, até mesmo

da manhã do dia seguinte. Se não gostasse tanto de sexo, talvez até mesmo evitaria esse tipo de
confronto.

Nós ficamos noivos, marcamos o casamento e de repente Maitê disse que gostaria de seguir a vida
sem mim. Nós tínhamos um bom namoro e, apesar de brigarmos muito – principalmente com o ciúme

dela sobre qualquer mulher que falasse comigo –, era fácil de levar. Quando ela foi embora, levou o
pedaço inocente da minha alma, a vontade de casar, de ter filhos e um apartamento grande o
suficiente para que um cachorro peludo corresse pelos corredores.

Eu sofri, bebi e transei um monte no primeiro ano depois da nossa separação, e aí decidi que não
queria mais nada disso para mim. Sem dramas, apenas meu trabalho e a realização de fazer a
empresa ir para frente depois de tantos anos de tentativa. Não estar preso a nada ou a ninguém e levar
a minha vida do jeito que quisesse, o alívio de ter alguém quando e se desejasse. Estar de saco cheio
dos encontros casuais era uma outra parte da minha vida.

Coloquei minha mão na cabeça, sentindo a dor ficar mais forte ao apertar meus olhos. Coloquei
meus dedos sobre a vista, tentando relaxar por alguns segundos e afastar a tensão e o cansaço.

— Está tudo bem? – Marina deu uma batida leve na porta aberta. – Estava me preparando para ir
embora.

— Nada demais, estou apenas estressado. Vamos submeter o orçamento ao comitê, todos esses
documentos estão me deixando maluco. Tinha deixado eles um pouco de lado pela apresentação.

— É? – Ela me encarou confusa. – Sabe que você nunca falou a respeito dessas coisas? Acho que
durante esses meses só me pediu coisas e me agradeceu por elas.
— Talvez tenha me pegado em um momento vulnerável. – Sorri levemente. – Fui tão

monossilábico assim?

— Não... Quer dizer... – ela respondeu atrapalhada, olhando para os lados, como se não quisesse
olhar para mim.

— Marina, pode falar. Nós ultrapassamos algumas barreiras nos últimos dias. Qual é o problema?

— Você é um chefe totalmente negócios e zero conversa. Falar que os documentos te deixam louco
é uma novidade.

— Só quero que as coisas sejam feitas, e as outras assistentes que tive... – comecei, parando em

seguida. – Mas você tem sido incrível nos últimos meses. Meu respeito cresceu ainda mais por saber
que você faz isso tudo, chega tão cedo, sai tão tarde, e tudo isso com a sua filha.

— Ela virou meu motor, seu Henrique.

— Me chama de Henrique, me sinto com sessenta anos quando usa esse “seu” na frente do meu
nome.

— Tem gente que gosta, né? “Seu”, “Doutor”, “Professor”.

— Apenas Henrique para mim, pode ser? Vou deixar uns documentos para você organizar. Alguns

arquivos têm pareceres repetidos e...

— Já está feito. Enviei o arquivo para você, terminei mais cedo. Achei que iria precisar.

— Você é um anjo! – disse sabendo que Marina era uma das melhores assistentes com quem
trabalhei em todos esses anos. – Agora vai, senão vou te prender mais tempo aqui.

— Que horas você sai daqui? – ela perguntou, curiosa. – Sempre fica.

— Depende muito do que tenho que fazer. Estamos negociando o contrato de São Paulo e gosto do
silêncio, são as minhas horas mais produtivas. Nenhum telefone, zero e-mails para responder,
ninguém querendo fazer reuniões de última hora.
— Isso é saudável?

— Olha... Tenho responsabilidades. Meu pai conseguiu se aposentar e passar alguns anos

viajando por aí com minha mãe antes de falecer.

— É isso que você busca? Alguns anos? – ela questionou séria.

— Senhorita Marina Rodrigues, por que tão filosófica?

— Nada... É que parece uma vida com muito trabalho e pouca diversão.

— Acredita em mim quando digo que me divirto muito – anunciei com um olhar zombador,

pensando na fama de mulherengo que construí em algumas rodas.

— Ok... – ela disse com uma expressão engraçada, tentando fugir da clara insinuação das minhas
palavras. – Boa noite, Henrique. Não fique até tão tarde.

— E a Bia?

— Perto da minha mesa. Estava me organizando para sair e consigo vê-la daqui.

— Você não consegue deixar de ser uma mãe preocupada, não é? Querendo saber até que horas
fico aqui. Isso te preocupava antes?

— Está no meu sangue. É claro que preocupava, porém achava que você brigaria comigo, mas

agora já sei uma arma secreta para amansá-lo: bebês.

— Boa noite, Marina – respondi com um sorriso leve enquanto a observava sorrir leve até sumir
da minha vista. Marina tinha razão, eu tentava ser sério no trabalho, mais seco, mas a conversa do dia
anterior abriu uma porta que talvez nunca mais se fechasse.

Eu gostava da minha secretária. Ela era fácil de conversar, boa, eficiente e também ótima de se
ver com seus cabelos claros, olhos escuros e o corpo curvilíneo dentro das roupas de trabalho. Não
era um pecado olhá-la, era? Porque eu tinha um segredo: talvez olhasse demais para a senhorita
Marina Rodrigues, a ponto de imaginar como ela seria se não usasse aquelas roupas sérias.
Mantive a distância pela forma que ela me fazia sentir. Normalmente era muito sério, mas nem por

isso evitava meus assistentes. Só que havia algo nela que me deixava curioso, grudando meus olhos

em cada lugar que ela fosse. Relações amorosas no trabalho eram uma má ideia, um problema a ser
evitado. Criei essa rotina, a distância que pareceu funcionar por meses, principalmente porque eu

gostava apenas de uma noite e por Marina ser essencial no trabalho.

Até Bia.

Aquele pinguinho de gente entrou no escritório, roubando meus pensamentos preconcebidos de


Marina. Por alguns minutos, achei que estava cobiçando uma mulher casada, e isso teve um sabor

amargo em minha boca. Foi o suficiente para fazê-la falar comigo, saber de sua vida, do pai da sua
filha... Aqui estávamos Marina e eu conversando sobre meus problemas na empresa. Nós só
poderíamos ser colegas de trabalho, amigos e nada mais, se assim evoluísse. Mas amantes, nunca.
Mesmo com minha atração crescente pela minha funcionária. A vida de Marina já era complicada
demais sem mim.

A curiosidade deveria parar uma hora, certo? Eu quis Marina para mim desde a primeira
entrevista, mas sabia que não poderia tê-la. Olhar não era proibido e se tornou um esporte meu
observá-la quando ela não estava vendo. Era isso... Suspirei relutante. Deveria ir embora e correr

mais alguns quilômetros. Talvez levar alguém para casa, usar minhas mãos e imaginar que eram
Marina. Por mais quanto tempo ficaria obcecado?
Seis meses depois

— Onde está a Bia? – meu chefe perguntou assim que entrei em seu escritório.

Desde que começamos um projeto em São Paulo, ele vinha chegando cada vez mais cedo e
viajava algumas vezes durante o mês. Nossa carga de trabalho dobrou, mas não me incomodava.
Depois de quase um mês fazendo malabarismos com Bia para deixá-la alguns dias com uma
cuidadora do meu prédio e outras a trazendo para o trabalho, a creche finalmente voltou à ativa. Nos
dias que ficávamos até mais tarde, eu a buscava e ela passava horas no tapete de atividades de seu

tio favorito.

Henrique me surpreendeu com a atenção dada à minha filha, cuidando dela quando estava no
escritório a ponto de se tornar o tio “ique”. Em poucos meses, ele criou uma revolução no escritório
ao aumentar ainda mais o auxílio-creche e estar negociando com o Conselho a criação de uma área
para as mães da Construtora, onde pudessem tirar leite ou amamentar em um local próprio, em vez de
nos banheiros da empresa.

Nas manhãs tranquilas e sem reunião, trazia Bia algumas horas e morria de rir com meu chefe
derretido por uma criança de um ano e meio. Ele passava vários minutos em conversas inelegíveis
com ela, apontando e dando coisas, ele também tinha pendurado alguns rabiscos da minha filha pela

sala junto a outros de Marcos, Ricardo e André, seus sobrinhos. Era um amor.

— Bem, bem... Acalme-se. É que determinada senhorita não quis colo dessa vez – confessei,
abrindo a porta para mostrar Bia caminhando até ele. Ela estava ficando cada vez maior, seu sorriso

desdentado correndo para Henrique enquanto ria para ele.

— Olá, Bia! – ele disse, pegando-a no colo e a ajeitando para continuar a trabalhar como se não
tivesse um bebê entre ele e o teclado.

— Você vai mesmo deixá-la aí? – perguntei rindo.

— Já te falei um milhão de vezes que ela não me incomoda.

— Nem quando puxa seu cabelo, ou sua orelha, ou sua gravata?

— Ela é muito educada, não faz isso com o tio favorito dela. – Ele riu. – Quero repassar alguns
itens do próximo contrato. Pode pegar as coisas?

— Você e sua assistente são muito exigentes – brinquei e sorri quando Beatriz respondeu com uma
sequência de “dadadada” indecifráveis até mesmo para mim.

Muitas coisas mudaram nos meses seguintes ao incidente na creche, a começar por minha amizade

improvável com Henrique Martins. Primeiro, ele abandonou a pose séria no trabalho quando estamos
apenas nós dois. Em vez de seus sóbrios “bom dia”, Henrique passou a conversar sobre coisas bobas
entre nossas muitas horas no escritório. Foi assim que descobri sobre sua mãe e irmãs, sua formação
em engenharia – e obviamente conversei sobre a minha –, ou como terminamos tomando alguns
chopes algumas vezes depois do trabalho. Era estranho ter virado “amiga” do chefe, mas ao mesmo
tempo ele era uma pessoa muito melhor do que eu imaginava.

Às vezes meu coração ainda parava por alguns segundos por um sorriso seu, ou sentia minhas
mãos trêmulas ou minhas pernas como gelatina quando ele estava extremamente bonito de terno, mas
era algo com o qual precisava aprender a conviver. Henrique era bonito demais para seu próprio
bem, e como aprendi nesses momentos informais, ele sabia disso. Henrique se aproveitava da minha

timidez para fazer piadas, e mais de uma vez o vi em ação com alguma mulher. Sabia que nossa

amizade era um ponto fora da curva e ele nunca se interessaria em alguém como eu, por isso ficava
mais tranquila e solta ao seu lado. Feliz por ter alguém próximo para conversar depois de tanto

tempo sem amigos mais chegados.

Na sala de reunião, ele era o de sempre. Da porta para fora de seu escritório, toda a suavidade de
Henrique era transformada em acidez. Era estranho saber que o homem sério e exigente com olhar
afiado de alguma forma me colocou para dentro de sua intimidade, mostrando uma pessoa que ele

revelava para poucos.

— Marina, antes de ir. Você acha que consegue alguém para ficar com a Bia por algumas horas
depois de amanhã? – ele perguntou.

— Por quê? Algo do trabalho? Com a proximidade do Natal, está complicado...

— Não – ele interrompeu. – Minha irmã, Laura, está de volta ao Brasil e quer me arrastar para
uma boate. Eu lá tenho idade para ir em boates?

— É complicado, principalmente durante a madrugada.

— Por algumas horas? Nós encontramos e meia-noite te levo em casa.

— Acho que isso funcionaria. Por que você precisa de mim lá?

— Laura é obcecada em me arranjar uma namorada. Posso apostar que convidou todas as amigas
solteiras do Rio de Janeiro.

— Mentira? – Encarei meu chefe rindo. – Você está com medo da sua irmã caçula e de algumas
amigas dela? Você precisa de uma segurança?

— Na verdade, pensei que se aparecesse com alguma mulher, elas achariam que estamos
namorando ou algo assim.

— Henrique Martins namorando. Sei – respondi de braços cruzados.


— As coisas podem mudar, ué. – Ele deu de ombros. – Mas nem precisa falar nada. Acho que só a

indicação de que eu estou com alguém lá já vai fazer as amigas da minha irmã atacarem o Pedro em

vez disso.

— Você quer me levar para uma night com o meu outro chefe! – exclamei chocada.

— Não será a noite toda, vai... O suficiente para elas acreditarem. Depois te deixo em casa.
Encare isso como um ensaio. Você deveria voltar a ter encontros – ele disse, levantando Beatriz de
seu colo enquanto brincava com ela. – Transar faz bem, sabe?

— Seria uma festa para o RH se vissem você falando comigo desse jeito – retruquei, ajeitando-me

na pose de braços cruzados, levantando a sobrancelha como um desafio.

— Ah, Marina! Estamos entre amigos aqui, vai! Há quantos meses ninguém brinca no seu
parquinho?

— Henrique... Pelo amor de Deus! – respondi, ficando vermelha.

— Se é por falta de babá, podemos resolver. Você é bonita, inteligente, não tem porque passar
mais um final de semana sozinha. Posso ficar com a Bia... Mas, primeiro, precisamos resolver isso
com a minha irmã. Posso até mesmo pagar com esse favor, que acha?

— Sou uma mãe ocupada, Henrique. Não sou uma pessoa divertida! – me defendi. – E eu estou

sempre sozinha. Aniversários da Bia, Natal...

— Você vai passar o Natal sozinha? – ele perguntou, virand0-se para mim sério. – Mas é uma data
importante. Nem no feriado você vai ver seu pai?

— É complicado – resmunguei. — E já passei várias datas assim antes. Não estou entendendo
porque está tão incomodado com isso.

— Porque agora você me tem, e eu tenho uma família que amaria passar o Natal com você! – ele
retrucou irritado.

— Eu tenho você? – questionei com uma risada. – Não deixe ninguém ouvir, porque não quero
terminar na boca do povo do trabalho. A pobre secretária que se apaixona pelo chefe.

— Se algum cara desses aplicativos de encontro viesse te buscar algum dia, ninguém falaria isso!

— Só tem tarado e gente doida nesse tipo de aplicativo! Vai me dizer que você encontrou
mulheres normais por lá?

— Não consegui comprovar se eram normais ou não – ele explicou com um sorriso safado. – Mas
entendo que com a Bia você precisa de ainda mais cuidado com quem coloca em casa. O Pedro
talvez?

— O que tem ele?

— Para sair com você, ué. – Ele deu de ombros. — Eu confio nele e ele é bonito.

— AHHH! – resmunguei mais alto do que deveria, fazendo Henrique rir da minha cara. — Seu
Pedro também é meu chefe, para de ser louco! Por que você está nessa coisa de me arranjar
encontros? Está desocupado? Você quer fingir que eu namoro você e depois me arranjar outra
pessoa?

— Você bem sabe que temos trabalho de sobra. E ele vai saber que é fingimento. Eu não tenho
relacionamentos.

— Então o quê? Você acordou essa manhã com vontade de ser um daqueles realities de
casamento? Quem diria que em seis meses você seria essa pessoa, Henrique.

— Você é uma pessoa ótima, não sei por que ainda não tem um anel nesse dedo – ele respondeu de
forma simples, sem um pingo de humor.

— Henrique Martins, você é uma tia velha. Você quer me casar, é louco por criança e está
tentando arranjar um encontro para o seu amigo.

— Está falando como minha irmã mais nova, Marina – ele brincou, o afeto na voz apenas por citar
Laura. – Mas é sério. Não entendo.

— E você também é isso tudo e está aí levantando a bandeira da solteirice. Por que para mim
deveria ser diferente?

— Porque eu estou transando, e você não – ele concluiu rapidamente.

— Ok. Chega de falar da minha vida. Vou terminar de avaliar a tabela de dados que enviaram esta
manhã, já que você não quer avaliar o contrato e está perdendo minutos preciosos tentando me

arranjar encontros.

— É brincadeira. – Ele suspirou com mais um de seus sorrisos luminosos. – Mas sobre o Natal, é
sério. Passa lá em casa. Minha mãe ia adorar. A Laura estará por lá e será divertido.

— Não sei, Henrique... É demais até para uma pessoa que estava tendo a vida sexual analisada há

cinco minutos.

— Me faça feliz, vai!

— Muito bem. Depois me passa os detalhes. E nem uma palavra no escritório. Já é demais lidar
com o pessoal comentando o quão “próximo” você é de mim.

— Fora desse escritório eu sou um cara sério, não é? Dou confiança apenas para alguns poucos
escolhidos.

— É engraçado como você se escondeu durante vários meses, Henrique Martins. Você não dava

um sorriso, não falava nada que pudesse ir além do pessoal e está aí quase perguntando que tamanho
de calcinha eu uso.

— P, eu diria – ele respondeu rindo. – Mas sim. Isso aqui é minha vida e prefiro evitar qualquer
coisa que possa colocá-la em risco. Você é uma parceira de trabalho e tanto.

— Aconteceu alguma coisa? É isso?

— Nada demais, nenhum processo de assédio. Só os clássicos decotes baixos demais, alguma
insinuação aqui e outra ali. Pedro e eu cortamos todas sem dó, mas demoro a confiar nas pessoas,
principalmente em uma posição tão próxima. Você brigava menos comigo quando eu só falava meia
dúzias de palavras.
— Isso é ruim?

— Longe disso, gosto de suas opiniões. Enriqueceram nosso trabalho. Acho que, se puder, deveria

voltar para a faculdade. Seria uma engenheira incrível, se é o que ainda deseja.

— Com a Bia e tudo o mais... — lamentei.

— Se quiser, podemos resolver isso. Organizar seus horários.

— Não é só isso. Era pesado. Precisava de muitas horas estudando. Sempre tive muita dificuldade
nas disciplinas muito avançadas. Tenho pesadelos com cálculo até hoje.

— Posso te ajudar. Era bom nisso... Ainda sou, na verdade. Sempre fui um pouco nerd com essas
matérias.

— E sempre teve essa aparência? – perguntei confusa.

— Acho que sim. Sempre gostei de malhar, fazer esportes.

— Você pegava mulher com esse papo de dar aula, não?

— Também. Mas aí surgiu uma namorada — ele parou, pigarreando como se não quisesse falar
sobre aquilo. — Mas enquanto durou, confesso que funcionou. Todo mundo precisava de uma
mãozinha em física, matemática e em outros lugares.

— Meus Deus, Henrique Martins! – exclamei novamente, ciente do quão escandalizada ele
gostava de me deixar.

— Se estiver interessada, Marina. Sou um ótimo professor disso e de outras coisas.

— É oficial. Vou analisar as tabelas até você parar de fazer piadas de duplo sentido – eu afirmei,
parando na porta antes de falar. – Me manda as informações sobre o evento da sua irmã. Vou ser se
consigo alguém para olhar Beatriz.

— Ok! E ah... chama o Antônio. Preciso começar a nova campanha de marketing, mas não tenho
ideia de como fechamos o plano com a agência.
— Já fiz isso. Tem um relatório na pasta da área e já conversei com o Antônio para criar um

documento antes de uma reunião, economiza tempo.

— Você é um anjo e tem a Construtora em suas mãos. Não sei o que fazia antes de vir trabalhar
comigo.

— Eles têm medo de você, Henrique – respondi com um sorriso suave – e vão continuar me
deixando resolver as coisas para não precisar falar com você.

— Por mim, tudo ótimo. Economiza meu tempo, as coisas saem do jeito que deve ser. Não é uma
reclamação, você deveria receber um aumento.

— Pense com carinho nisso, chefinho – brinquei em tom de ameaça antes de deixar a sala –, senão
conto para eles que o segredo para derreter você é deixar um bebê no seu colo.

***

Debati comigo mesma se deveria ou não sair com Henrique e a irmã – e outras pessoas
desconhecidas convidadas. Minha relação com meu chefe era nova e até então apenas nós dois a

compartilhávamos: conversas mais pessoais, um barzinho no final do expediente, alguns almoços


compartilhados e mensagens engraçadas no WhatsApp. Não conseguia acreditar como me apeguei a
Henrique nos últimos meses, considerando-o um amigo divertido (e que, bem, era gostoso de olhar).

Eu sabia das fofocas. As coisas começaram com Henrique e sua mania de ter Beatriz em seu
escritório e aumentaram ainda mais quando começamos a compartilhar horas fora do escritório.
Minha “sorte” era que, da mesma forma que os rumores diziam que ele estava tendo um caso com a
secretária, muitos diziam ser uma besteira depois da lista de conquistas que Henrique Martins
desfilava fora da Construtora. As segundas-feiras eram momentos de ouro para o pessoal do
cafezinho, que compartilhava em que bar ou foto do Instagram meu chefe tinha sido flagrado e com
quem. Por mais que Henrique quisesse manter sua fachada de seriedade, era uma batalha perdida

com os fofoqueiros da empresa.

Colocaria ainda mais lenha na fogueira, mas ao mesmo tempo: qual foi a última vez que saí?
Gustavo não gostava de bares, restaurantes ou boates. No momento que terminamos, percebi como

ele era um mão de vaca: nosso programas muitas vezes eram pedir delivery por minha conta e ver
algo no sofá da sala. Podia contar nos dedos as vezes que saímos durante os dois anos de
relacionamento.

Minha vizinha, Marilia, podia ficar com Bia. Ela cuidava de idosos alguns dias por semana e

fazia outros serviços pontuais para outras famílias, nenhuma delas com bebês pequenos. Mas ela
parecia gostar da minha filha, e durante o processo de entrevistas, Marilia e Beatriz se entenderam
bem. Logo que ela confirmou que não tinha planos para a sexta-feira à noite, fiquei exultante e até
mesmo animada por colocar maquiagem e um vestido bonito para sair, mesmo que por poucas horas.

Estava me analisando receosa na frente do espelho, vendo o vestido preto justo em minhas curvas
quando o porteiro interfonou avisando da chegada de Henrique. Por que ele subiu? Olhei mais
algumas vezes para o espelho, torcendo para não ter exagerado com o batom vermelho no instante
que a campainha tocou. Não tinha tempo para me arrepender.

— Meu Deus, Marina... Não sabia que tinha isso tudo embaixo das roupas sociais – Henrique
anunciou, encarando-me de cima a baixo, ainda parado na minha porta. Ele tinha um olhar sedutor, e
senti minha pele se arrepiar com a apreciação masculina. Nunca tinha visto Henrique daquele jeito.
Ele também estava bonito, calça jeans escura, camiseta preta e o cabelo penteado para trás com um
pouco de gel. O homem sabia que era bonito e fazia questão de se destacar.

— Para com isso, vai me deixar com vergonha – reclamei. – Está bom mesmo? Não usava esse
tipo de roupa desde antes da Bia e estou achando meio apertado, como se tudo tivesse crescido.

— Não reclamaria pelo tamanho das suas meninas ou da sua bunda, se é essa a pergunta – ele
disse apontando para meus peitos, fechando a porta atrás dele.
— Henrique! Pelo amor de Deus!

— Mari, não é pecado ser gostosa. E você está bem bonita.

— Ótimo, vai ajudar com toda essa história da sua irmã – respondi, demorando alguns segundos
sobre seu rosto. Essa história de levar isso para fora do trabalho está sendo mais complicado do

que parecia. Henrique tinha um olhar sacana enquanto deslizava o olhar pela minha roupa que me
deixava vermelha e não sabia se ele estava fazendo de propósito ou não. Ele adorava me deixar com
vergonha.

— Ela e suas amigas não são meu programa favorito para uma sexta à noite.

— Você não deveria ter subido. Podia te encontrar lá embaixo. Para estacionar deve ter sido um
inferno.

— Foi tranquilo. E poderia ver sua casa e a Bia.

— Ela já está na vizinha. Queria um tempo para me arrumar direito sem me preocupar com ela
correndo pela casa.

— Muito bem. Vamos?

— Vou só pegar minha bolsa e a gente já parte.

— Fico aqui no seu sofá – ele anunciou, sentando-se ao mesmo tempo que olhava ao redor. – O
apartamento é confortável.

— É uma casa pequena, mas serve para nós duas – disse do quarto, minha voz ecoando pelas
paredes. — Quando ela crescer, talvez precise de um quarto só dela, mas por enquanto funcionamos
bem assim. A proprietária não aumentou o aluguel e consigo pagar tudo com tranquilidade.

— É aconchegante.

— Não tanto quanto seu apartamento deve ser.

— É diferente. E para seu governo, já morei em lugares desse tamanho ou menores – ele
respondeu quando voltei a sala.

— No intercâmbio? – perguntei rindo e julgando o pobre menino rico que foi passar perrengue no

exterior.

— Também. – Ele riu, sem graça. – Pareço um riquinho querendo brincar de ser pobre ao falar

que morou em apartamentos pequenos.

— Exatamente – confirmei com um sorriso julgador nos lábios.

— Durante a faculdade, eu morei com algumas pessoas, tinha um quarto pequeno. Nossa higiene
não era das melhores. Mas era divertido. Em alguns aspectos, sinto saudades.

— É engraçado quando a gente olha para trás, né? Como a vida era mais fácil.

— Ah, não! Vamos antes que você comece com seu papo de mãe. – Ele riu, colocando a mão na
minha cintura e me empurrando para a porta, a bolsa pendurada no meu ombro. Seu contato queimou,
me deixando séria de repente. Começava a achar que essa saída foi uma péssima ideia.

— Muito bem... Vamos lá para eu ter minhas horinhas de diversão antes de voltar para a minha
filha.

— Você vai gostar, eu aposto!

Nós chegamos ao local vinte minutos depois. Era uma espécie de bar com pista de dança, a
música estava alta enquanto pessoas se dividiam nas mesas do local, conversando ao mesmo tempo
que garçons circulavam entre os convidados. Nem mesmo quando era solteira e sem filhos ia em
lugares como esse. Era muito mais chegada à vida boêmia da Lapa, um samba e algumas bebidas
baratas. Henrique continuou com sua mão na minha cintura, me dando arrepios conforme
caminhávamos entre as pessoas. Um perfeito cavalheiro...

Ele parou em uma das mesas, onde uma mulher de cabelos loiros como o dele abriu os olhos em
espanto ao me ver ao lado de Henrique, então falou algo no ouvido dele. Observei a mesa e apenas
mulheres estavam sentadas ao lado da garota. Todas elas me observavam como se eu fosse alguma
bactéria prestes a ser analisada em um microscópio.

— Oi! Eu sou a Laura. Meu irmão não disse que viria acompanhado – ela gritou sobre o som do

local, esticando a mão para me cumprimentar. Laura tinha um sorriso aberto e parecia com o irmão,
com os cabelos e olhos claros e alta como uma modelo.

— Desculpa por isso... Henrique me chamou.

— Que isso! – ela respondeu com um movimento exagerado. – Fico feliz. Quer algo? Tem uns
drinques ótimos aqui.

— A Marina não bebe drinques – Henrique disse rápido, encarei-o surpresa. Não era uma pessoa

de destilados e gostava de beber cerveja. Como amamentava pouco Beatriz e ela já comia bem, era
tranquilo fazer substituições caso quisesse beber.

— Ah – a irmã de Henrique falou, olhando para o irmão como se ele fosse algo curioso. Era
oficial, estávamos sendo observados como dois animais em um zoológico.

— Posso tomar uma cerveja. Você vai querer algo, Henrique? – indaguei sabendo que ele estava
dirigindo e não tomaria nada alcoólico.

— Vamos pedir um refrigerante e sua cerveja e depois podemos ir para pista, o que acha? – ele
sugeriu, entrelaçando nossos dedos e indo em direção ao bar de mãos dadas, deixando os olhares

curiosos para trás enquanto apontava para a irmã, tentando chamar a atenção de Laura com o som
alto.

— Nossa, como nos olhavam! – murmurei para ele, olhando discretamente para a mesa assim que
demos alguns passos para frente.

— Estão curiosas sobre você e a gente. Faz muitos anos que não saio com ninguém, né? – ele
explicou ao fazer o pedido no bar e se voltando para mim. – Quer dançar?

— Você dança, Henrique? – perguntei curiosa ao mesmo tempo que ele me dava a garrafa de long
neck.
— É claro! – Ele me puxou para a pista. – Mas é uma coisa reservada apenas para poucas

pessoas.

Henrique me rodopiou pela pista até me trazer para mais perto. A canção tinha um ritmo gostoso
que nos fazia pular e dançar juntos, muito perto um do outro. Ele me puxou ainda mais para perto,

nossos corpos colados enquanto continuava a me mexer sentindo a música me tomar. Fiquei de costas
para ele, minha bunda colada em sua virilha e quase me esfregando em Henrique, quando sua mão
caiu em minha cintura como se tentasse controlar nossa proximidade. Pelo menos um de nós tinha
alguma noção. O que eu estava fazendo?

Girei para ele novamente, tão perto que podia sentir sua respiração. A long neck esquecida em
minha mão, as outras pessoas sumidas ao nosso redor quando o olhar feroz de Henrique me atingiu, e
eu sabia que ele estava afetado pela nossa proximidade. Eu tinha passado do ponto de achar o nosso
flerte bobo agradável, e agora queria sua mão sobre meu corpo, quente, suado, intenso. Tudo muito
rápido, apenas aqueles poucos segundos na pista de dança. Seu olhar caiu em minha boca. Sabia qual
era o próximo passo. Estava à mercê dele e era a coisa mais estúpida que poderia deixar acontecer.

Droga... cai em uma armadilha. Henrique era meu amigo, engraçado, bonito de se olhar e agora
alguém que me dava tesão apenas por estar perto.

— Preciso ir ao banheiro – sussurrei de qualquer jeito, afastando-me meio cambaleante pela


energia sexual entre nós dois. Seria uma noite longa.
Era possível ser muito amigo de alguém e estar permanentemente com tesão? Bem, eu tinha um
problema com a Marina, mas não faria nada a respeito. Ela era incrível, esforçada, uma mãe
maravilhosa, uma secretária ultra competente e muito gostosa. Essa última parte eu tentava fingir para
mim mesmo que não percebia, mas às vezes me pegava fantasiando sobre sua bunda redonda dentro
da calça social, o botão aberto de sua camisa, ou aqueles fios soltos do coque que caíam no final da
tarde quando ela começava a ficar cansada e sem tempo para voltar a ser impecável.

Gostava dessa Marina sem controle, que tremia e não sabia qual reação teria. Minha secretária
era obcecada por tabelas, cronogramas, formas de organizar até o mais incontrolável. As coisas

saíam sempre do jeito que ela queria sem um menor sinal de irritação. Marina era o ápice da graça,
em sua forma serena e amigável. É por isso que amava tirá-la do sério, deixá-la vermelha como um
pimentão, com vergonha das coisas mais idiotas que pudesse falar. Isso começou semanas depois que
nossa estranha amizade se iniciou e perpetuou-se a cada nova insinuação sexual que eu falava de
propósito. Se não podia fazer, pelo menos poderia ver seu rubor naqueles poucos segundos antes que
ela me mandasse parar.

As mulheres aumentaram, assim como as saídas. Ainda me sentia irritado com todo o processo de
mandá-las embora, mas era foder ou me tornar um maratonista. E transar com Marina só estragaria
nossa amizade, meu relacionamento com Bia e as coisas funcionando corretamente na M&M
Construtora depois de seis assistentes que não sabiam nada a respeito do negócio. Eu achava que a
amizade diminuiria o tesão, colocando Marina em uma pastinha de “amiga”, mas as coisas andavam

de mal a pior entre eu, ela e o desejo que sentia. Ela era fácil de conversar, uma pessoa por quem

tinha muita consideração, e faria questão de ajudar no que precisasse.

Foi por esse motivo que pensei nela quando Laura avisou que estaria de volta ao Brasil. Minha
irmã cinco anos mais nova, nosso bebê, finalmente voltou de seu doutorado e passaria algum tempo
na cidade. Era um mistério para mim o que ela faria depois com um diploma de microbiologia, mas
eram coisas que Laura precisava decidir sobre si mesma. O que sua volta traria na minha vida seria

sua insistência de que eu precisava de uma namorada.

Joana, minha irmã mais velha e com quinze anos de diferença, era filha da nossa mãe com outro
homem. Ela se tornou adulta muito antes de nós dois, enquanto Laura e eu éramos duas partes de um
todo. Eu amava meus três sobrinhos, cada mensagem boba que eles me mandavam e quando estavam
nos visitando, mas era uma relação diferente. Laura era a pestinha que sempre esteve ali, aprontando,
me fazendo passar vergonha e querendo se meter na minha vida. Durante todo o seu doutorado nos
Estados Unidos, ela me enviou perfis de amigas, fazia de tudo para que elas entrassem em contato
comigo com desculpas esfarrapas e chegou uma vez a marcar um encontro às escuras por mim e me

enganou para comparecer.

Ela organizou sua festa de “boas-vindas” ainda de Maryland, convidando amigos e enviando
convites antes mesmo de pisar no Brasil.

Como conhecia minha irmã, sabia o que isso significaria: cinco mulheres ou mais me encarando,
fazendo turnos para chamar minha atenção. Não que as amigas de Laura fossem tão desesperadas,
mas minha irmã parecia ter o talento de convencê-las de que eu era uma alma solitária em busca de
companhia para não morrer sozinho, rodeado por gatos.

Marina foi a resposta às minhas preces, e com alguma organização para ter alguém cuidando de
Bia, nós pudemos sair. Queria tirá-la do nosso elemento para ver se aquela fixação passava: se
estava obcecado por sua cruzada de pernas ou por seus peitos inclinados para mim quando ela me

mostrava algo no computador, talvez perto de outras mulheres tentadoras aquela sensação sumisse.

Estava atirando para todos os lados, e inclusive tentando convencê-la a arranjar algum encontro. Se
ela tivesse um namorado, talvez eu começasse a pensar dela de outro jeito, não?

Por mais que tivesse boas intenções, no momento que entrei no seu apartamento e vi seu corpo
enrolado em um vestido preto simples e sua boca pintada, pensei que era um idiota. Marina era uma
mulher bonita, muito bonita. Durante a semana, ela se arrumava de forma prática, mas nesta noite a
mulher estava excepcional, com um vestido que destacava suas curvas e o batom vermelho. Seus

cabelos claros caíam em camadas pelo ombro, tocando sua pele e movimentando os leves cachos
cada vez que ela mexia os braços. Agora eu tinha uma nova imagem mental de Marina, uma versão
mais gostosa e que colocaria mais gasolina na fogueira que ardia dentro de mim. Era oficial, eu tinha
uma ereção por minha secretária.

No momento que a vi, fiz uma piada, sentei em seu sofá, senti seu cheiro perfumado perto de mim
e estava com um pau duro que me incomodaria pelo resto da noite.

Porra... eu quase a beijei. Naqueles poucos segundos na pista de dança, ela se esfregando em
mim e bem próxima de descobrir meu pau apertado contra a calça jeans, Marina me encarou com os

olhos brilhantes e tudo sumiu a meu redor, seu toque acelerando minha respiração e me dando
choques elétricos como se precisasse estar mais próximo dela para conseguir continuar a respirar... E
então ela foi embora.

— Vocês deveriam assumir de vez – Pedro falou ao meu lado cerca de uma hora depois, enquanto
observava Marina à distância.

Após a cena na pista de dança, voltamos para mesa e Marina se enturmou com as amigas de Laura.
Quando chegamos, minha irmã brincou sobre a sua presença e apenas disse que ela era “uma amiga
muito especial de Henrique”. Era verdade, mas eu definitivamente não tinha amizades que faziam
minha ereção doer como Marina. Laura tomou para si o papel de cuidar da minha secretária e após
alguns minutos, elas e as outras mulheres estavam rindo e brincando na pista de dança. Eu parecia um

guarda-costas, em silêncio ao lado da mesa e tomando um refrigerante, isso até Pedro aparecer na

boate.

— Assumir? – perguntei confuso.

— Deve ter mais de seis meses que todo mundo só fala sobre vocês dois. Eu achava que era
brincadeira, porque você não tem relacionamento com ninguém... Mas vendo você olhá-la desse
jeito, tenho minhas dúvidas.

— Marina é minha amiga.

— Você não me come com os olhos. Sou menos seu amigo? – ele questionou com uma gargalhada.

— O Conselho ia adorar você levantando essas ideias. Um relacionamento com a minha


secretária? – argumentei como uma piada, recebendo um olhar idiota de Pedro.

— Isso é fácil de resolver, e você sabe... Quer dizer então que vocês não têm nada, nada mesmo?

— Não. Ela é minha amiga – respondi, fugindo do olhar como se estivesse envergonhado de falar
sobre Marina.

— Vocês dois enganam bem, se isso é para a Laura deixar de encher seu saco. Inclusive, seria

bom falar com sua não-namorada. Tem alguns caras rondando há algum tempo, você viu?

Pedro apontou para dois caras encarando Marina, então vi vermelho. Uma irritação, que não sabia
de onde saiu, me fez caminhar em linha reta o mais rápido que pude até elas, ouvindo uma gargalhada
do idiota do meu sócio. Isso parecia ciúmes, uma vozinha dentro de mim tentou me avisar. Afastando
o pensamento, parei na frente de Marina, que sorriu com um olhar um pouco alterado, como se
tivesse tomado algumas cervejas a mais enquanto estava com minha irmã.

— Já está na hora – improvisei quando ela me olhou confusa por estar parado no meio da pista de
dança, sem dançar, com ela à minha frente.

— Já? Mas acabou de dar onze horas – Marina disse olhando para o relógio.
— Liga se formos indo? Estou com um pouco de dor de cabeça... Acho melhor nos despedirmos.

— Claro, claro! – ela falou rápido. – Está doendo muito? Podemos deixar o carro aqui e pedir um

Uber, se não conseguir dirigir.

— Posso te levar. Estou cansado e com dor. Acho que estou ficando velho.

— Ah, Henrique. – Ela riu. – Sua irmã acreditou direitinho. Disse que nunca viu você olhar para
alguma mulher como olha para mim.

— Eu falei, você está gostosa. – Dei de ombros, vendo seu rubor subir por suas bochechas.

— Eu me diverti muito, obrigada.

— Agora que sei que tem uma mulher festeira aí dentro, vamos sair mais – prometi e ela me deu
um sorriso que balançou uma batida do meu coração. Inferno... O que está acontecendo? Por que ela
me deixava confuso desse jeito quando não tínhamos nada além de uma amizade?

Meia hora depois, insisti em subir novamente. Passamos pela casa da vizinha, pegamos uma Bia
adormecida. Ela fechou a porta me desejando boa noite, seus olhos suaves sorrindo enquanto eu
acenava de volta. Meu coração se apertou sabendo que Marina era alguém perigosa. Estar com ela
fora da nossa rotina parecia mexer com todo tipo de coisa dentro de mim, coisas sobre as quais eu
nunca poderia fazer nada a respeito. Eu não queria uma namorada, não queria uma família, mas o que

estava nascendo em meu coração me deixava tentado.

***

Depois da saída com Marina, Laura não me deixou em paz, falando para minha mãe que estava
igualmente empolgada em conhecer minha assistente. Eu comentava aleatoriamente sobre ela e Bia
para minha mãe nos últimos meses, mas com as insinuações da minha irmã, as coisas ficaram ainda
mais complicadas. Não queria contar a verdade e ao mesmo tempo sabia que minha mãe já estava
praticamente planejando meu casamento.

Nos dias seguintes, minha assistente não demostrou ter percebido que eu iria beijá-la na pista de

dança. Marina mandou uma mensagem agradecendo pela noite e reclamando da ressaca de apenas
duas cervejas. Depois, voltamos para o nosso esquema anterior de amigos próximos e o assunto foi

esquecido até o Natal chegar. Marina passaria o feriado com a minha família, a qual achava que era
ela minha namorada, e não a alertei sobre essa “pequena” confusão. Marina ia me matar quando
soubesse que a pequena mentirinha se tornou uma coisa maior.

Mais uma vez ela estava linda, com um vestido rodado e seu cabelo preso em um rabo de cavalo,

segurando Bia em seu braço direito. Beatriz usava um conjuntinho vermelho natalino e estava uma
graça. A menina não parava de puxar o cabelo da mãe, tentando colocá-lo na boca, enquanto Marina
sussurrava algo para ela que a fez sorrir. Meu coração se acelerou com a sua imagem e quis voltar
atrás, quando tentava manter carinho e camaradagem na equação, muito separado de desejo.

— Eu ia lá em cima – avisei assim que ela veio até o carro. – Mandei mensagem apenas para
avisar que estava chegando.

— É Natal, era mais fácil, aí eu desci – ela anunciou ao parar ao lado do meu carro e olhando
para dentro. — Você comprou uma cadeirinha para a Bia?

— Como eu ia buscar vocês duas e trazer, achei melhor – disse de ombros.

— Ique!

— Oi, Bia! – respondi dando a volta e a pegando no colo. Era uma menininha tão afetuosa, com
seus sorrisos desdentados que me davam vontade de sorrir de volta.

— Você até mesmo já a instalou! – Marina continuou surpreendida.

— No Youtube tem tutoriais. – Eu ri. – Isso é uma barganha.

— Pelo quê? — ela perguntou desconfiada.

— Minha irmã e minha mãe podem... Elas acham... Elas... – tentei começar sem achar as palavras
certas ao mesmo tempo que Marina fazia uma cara feia, cruzando os braços. – Elas acham que a gente
está namorando.

— Elas o quê!?

— Nunca disse para Laura que você era apenas minha amiga. Laura falou para minha mãe e ela

ficou muito animada, principalmente porque já tinha falado de você e Bia e bem... As coisas
aconteceram.

— Isso tem alguns dias! Por que não me avisou?

— Medo? – Tentei me explicar e dei um riso que sabia que Marina não era capaz de resistir. –

Nada muda, vai. Não precisa dizer e fazer nada. Elas não vão te fazer passar vergonha ou algo assim.
Acho que é o contrário, você vai conseguir histórias de vexames meus desde que usava fralda.

— Agora tudo faz sentido. – Marina suspirou. – Sua irmã tem conversado comigo no WhatsApp.
Ela é divertida e combinamos de sair. Que vergonha, Henrique! Ela quer conhecer melhor a
“cunhada”. Você precisa falar para elas. Não é legal ficar mentindo.

— Eu sei, mas agora não tem mais tempo, e minha vida tem sido tão tranquila sem Laura tentando
me arranjar namoradas.

— Você precisa contar! – ela exigiu.

— Prometo que vou. Depois do Ano Novo minha irmã vai começar a procurar por emprego, vai
me deixar em paz e vai melhorar. Juro que ninguém vai achar que você foi corna se eu sair por aí.

— Henrique Martins! – ela exclamou entre irritada e divertida com minha pequena mentira.

— Muito bem, Marina Rodrigues. Eu prometo que no ano que vem você deixa de ser minha
namorada. – Eu ri, abrindo a porta e começando a ajeitar Bia na cadeirinha enquanto ela me dava
beijos cheios de baba. Pelo menos alguém da família gostava de mim.
Entrei no carro de Henrique temendo por sua farsa. Quando concordei em aparecer no encontro
com sua irmã, não esperava que terminasse em um Natal em família com pessoas achando que meu
chefe era meu namorado. Como se fosse possível um homem parecido com o Rodrigo Hilbert não
estar com uma das beldades que ele costuma sair para ter um relacionamento comigo. Por favor...

Eu sabia que ele tinha dinheiro, que a família era dona da Construtora, mas mesmo assim não
estava preparada para o apartamento enorme de sua mãe. A uma esquina da praia, um prédio que
gritava dinheiro, com uma decoração refinada e muito distante do pequeno quarto e sala que alugava
com um elevador dos anos 1970. Senti minhas mãos suarem enquanto Henrique tocava a campainha.

— E se ela fizer alguma pergunta? – murmurei, os dois parados à porta ao mesmo tempo que Bia
brincava distraída com uma boneca de pano em suas mãos.

— Eu resolvo tudo. Não vou deixá-la fazer perguntas.

— Mas e se...

— Confia em mim, Mari! – ele sussurrou de volta, me dando um sorriso leve e pegando minhas
mãos, dando um aperto carinhoso.

A porta se abriu. Uma senhora de cabelos loiros muito claros nos encarou com um sorriso. Ela
tinha por volta de sessenta anos e usava um vestido largo de tecido leve, parecia aquelas mulheres
ricas de novelas das oito, com joias bonitas e uma maquiagem leve e impecável. Tinha chegado no

Leblon do Manoel Carlos.

— Olá, querida! É bom conhecer você e esse pinguinho de gente! Eu sou a Sheila – ela se
apresentou, me puxando para um beijo leve, fazendo um carinho na cabeça de Bia com delicadeza. –

Entrem, por favor. Venha.

A casa parecia um perfil de decoração do Instagram, a pasta de alguém do Pinterest que não tinha
um orçamento apertado. Um teto alto, grandes janelas que destacavam a vista da praia de Ipanema,
móveis caros e quadros nas paredes. Estava muito satisfeita com o meu vestido de loja de

departamento, mas agora, vendo a mãe de Henrique usar um brinco que custaria meu aluguel, meu
sorriso se congelou.

— Oi, mãe! – Henrique cumprimentou logo atrás de nós, abraçando-a ao mesmo tempo que nos
guiava para dentro, fechando a porta atrás de nós. – Como já tem um tempo que não vai à empresa,
acho que não conheceu a Marina.

— É um prazer, querida. Queria te conhecer, apesar de achar isso de você ser assistente dele um
pouco confuso. O Conselho sabe? Acho que...

— Não é o momento, mãe – Henrique reforçou, e a mãe dele nos olhou com olhos surpresos pela

reprimenda.

— Claro, claro! A Laura já chegou, estamos prontos para servir o jantar. A Bia consegue comer
alguns legumes, não é? Fiquei preocupada.

— Está tudo bem. Ela come. E também trouxe outras coisas. Vamos ficar bem – garanti em um
sorriso, olhando ao redor e percebendo que Henrique continuava com seus dedos entrelaçados aos
meus. Discretamente, troquei Beatriz de braço, cortando nossa conexão enquanto apertava a alça da
bolsa.

—Henrique falou de você e da sua filha nas últimas visitas. Uma pena ter que saber que vocês
namoram pela Laura – ela comentou, dando um olhar significativo para ele. — Era engraçado vê-lo

me mostrar fotos da sua filha. Ele sempre foi assim, o tio favorito dos meus netos.

— Eu sou o único – ele brincou.

— Não deixe Laura ouvir isso – ela brincou. – Mas falando sério. Ele tem muito jeito. Ele te

contou como conseguia acalmá-los só de pegar eles no colo?

— Ele faz o mesmo com a Bia. O Henrique tem um toque de ouro com bebês – expliquei sorrindo
para ambos. Era bom ver uma família que parecia não brigar o tempo todo, como meu pai fazia
comigo.

— Ela é linda, minha querida. Fico feliz em ter uma neta bebê novamente. Os filhos da Joana
estão grandes – Sheila explicou e olhei para Henrique meio desesperada por ela chamar a Bia de
neta.

— Mãe, não acho que...

— Eu sei que isso é novo. Laura explicou, já que você não conta – ela respondeu, interrompendo-
o. – Mas eu sou velha e amo bebês. Posso pegá-la?

— Claro – confirmei e estendi Bia, que abraçou a senhora e foi para seu colo, ainda distraída com
a boneca.

— Há quanto tempo estão juntos? Henrique fala de vocês duas há meses, Pedro já comentou. Isso
de trabalhar muito próximos pode gerar essas coisas.

— Pedro falou? – Henrique questionou, olhando para mim com uma sobrancelha levantada. Não
sabia que ele comentava sobre nós duas com a mãe, mas o rumor sobre o nosso “relacionamento”
parecia fora de controle, e não uma mentirinha feita para acalmar a vontade de ser cupido de Laura.

— Você acha que só porque não estou mais na empresa não sei das coisas? Marina e você são
amigos e uma dupla e tanto, gostaria de falar. Alberto ficou impressionado com a última apresentação
dos dois. Para quem não parava com uma secretária, até que Marina tem sido uma assistente há algum
tempo.

— Um ano – eu disse, pigarreando com a intenção de fazer Sheila mudar de assunto. – Henrique é

um ótimo colega de trabalho, me deu tantas chances de mostrar meu trabalho. Um chefe incrível.

— E um namorado também, não é? – ela indagou, minhas bochechas sendo tingidas de vermelho

de vergonha pela pergunta.

— Olá, cunhadinha! – Laura cumprimentou, surgindo no corredor e cortando o assunto. A garota


me abraçou forte, como se fôssemos íntimas. Era divertido conversar com ela por mensagem, apesar
de ainda estar em choque por ela achar que estava conversando com a namorada do irmão.

— Está ficando aqui? – Henrique questionou a irmã enquanto caminhava para o sofá, nos
arrastando para o lugar enquanto Sheila brincava com Bia em seu colo.

— Até arranjar um apartamento. Tenho uma entrevista na semana que vem. Não vai se livrar de
mim tão fácil.

— Eu gosto de você perto, pestinha – ele disse, afetuoso. – A casa está cheia, né? Ano passado
era só eu e minha mãe.

— E sua outra irmã? – perguntei curiosa.

— Deve ligar em algum momento. Está morando na Noruega com o marido há alguns anos e vem
pouco ao Brasil.

— Ah.

— E sua família? – Laura indagou.

— Meu pai está em Nova Friburgo, mas nós não somos muito próximos.

— Uma pena – Sheila murmurou.

— Eu sei – disse sem jeito, percebendo o olhar preocupado de Henrique sobre mim, que
aproveitou a deixa para falar sobre a empresa e tirar a atenção da minha família.
Nós passamos o resto da noite de forma agradável, conversando amigavelmente enquanto

comíamos uma ceia feita para muito mais do que quatro adultos e um bebê. Além da comida, havia

bebidas finas e pequenas coisas para beliscar, como nozes e bolinho de bacalhau. Toda vez que
Sheila ou Laura perguntavam algo sobre nosso relacionamento, Henrique ia ao meu resgate,

respondendo ou mudando de assunto. Ele apenas ria quando me via ajeitar pratos, copos, talheres e
guardanapos sobre a mesa ao mesmo tempo que falava com a mãe ou a irmã. Eu era transparente
sobre a minha necessidade de organização quando estava nervosa. Depois do jantar, nos sentamos no
sofá conversando e ele se grudou a mim, passando suas mãos em meu ombro e fazendo um carinho

leve em minha pele. O homem sabia atuar bem, até eu podia acreditar que ele estava interessado em
mim.

Nós ficamos até depois da meia-noite, quando Sheila anunciou que estava cansada, e começamos
a nos despedir. Foi uma noite estranhamente divertida, e melhor do que os outros feriados que passei
na cidade. Era bom não estar sozinha em mais um Natal. Henrique nos levou de volta e mais uma vez
decidiu me acompanhar. Não reclamei, porque já estava tarde e tinha um pouco de medo de estar
sozinha com Bia na rua de madrugada. Nós subimos meu elevador desejando “Feliz Natal” para o
porteiro da noite, os contrastes com a casa da mãe de Henrique se destacando em cada pequeno
pedaço descascado da tinta do meu corredor.

— Obrigada por me trazer para casa – agradeci, olhando para Henrique. Achava que ele sempre
me daria um frio na barriga. Ele era bonito, de um jeito tão masculino, com sua barba por fazer, o
sorriso canalha e o cabelo claro caindo sobre os olhos claros. Era cada vez mais difícil esconder a
atração que eu sentia. E fazia um bom par com Bia, que estava dormindo satisfeita em seu colo.

— Ficaria preocupado se você pegasse um Uber.

— Quer algo? Água, banheiro? – perguntei um pouco desesperada, como se ainda não estivesse
pronta para deixá-lo ir embora. – Vamos colocá-la no berço.

Henrique me seguiu pelo corredor do meu pequeno apartamento, suas mãos tão grandes segurando
minha filha e a depositando com delicadeza em seu berço. Ela deu um suspiro leve e se virou,

aninhando-se ao travesseiro. Tirei seus sapatinhos e o enfeite de cabelo, mas cuidaria do resto

quando ela acordasse, pois a roupinha não era incômoda. Beatriz estava linda em sua roupinha
natalina, e secretamente tirei tantas fotos antes de sairmos que a memória do meu telefone continha

apenas imagens da minha filha em diversas roupas fofas que não resistia e comprava. Ela suspirou
leve e Henrique me deu um olhar cúmplice.

— É engraçado observá-la – ele murmurou baixinho.

— Eu sei. É uma pequena seruhumaninha com as próprias vontades, mesmo tendo só um ano e

meio.

— Acho ela muito parecida com você – ele disse quando saímos do quarto com uma babá
eletrônica nas mãos. – Já te falei isso.

— Eu também. Da cor dos cabelos, dos olhos ao formato do nariz, da boca. É quase como uma
xerox. Não vejo nada do pai dela ali, mas talvez quando crescer...

— Doeria ver algo dele nela? – Henrique me perguntou sério.

— Ele é pai dela, o dono de metade dos genes. E eu a amo tanto, Henrique. É a melhor coisa que
eu fiz. O Gustavo pediu para tirar, ofereceu dinheiro, mas mesmo assim... Estava chegando perto dos

30, tinha um bom emprego. Talvez fosse minha única chance de ser mãe, e não me arrependo de nada,
apesar de viver cansada. É outro trabalho em tempo integral.

— Você vai ter outras chances, Marina. Claro que vai... Você é bonita e qualquer homem terá sorte
de sair com você.

— Com uma filha pequena e um chefe que me mantêm trabalhando muitas horas, duvido que
aconteça algum relacionamento a qualquer momento.

— Um chefe que te ocupa todas as horas, hein – ele brincou, seus olhos fixos em mim até se
transformarem em algo sério.
Henrique se inclinou para mim e tudo aconteceu como em câmara lenta, um silêncio pesado

enquanto retribuía seu olhar. Como na noite da festa de sua irmã, seus olhos encararam minha boca

por alguns segundos ao mesmo tempo que Henrique se inclinava para mim, perto... Cada vez mais
perto. Ele iria...?

— O que está fazendo? – questionei em um sussurro estrangulado, dando um passo para trás e
esticando minha mão para o peito dele, como que tentando contê-lo.

Meus dedos sentiam o calor de sua pele e me arrependi do movimento. Um beijo não era sábio,
isso não podia acontecer. Como se estivesse saindo de um sonho, Henrique balançou a cabeça,

afastou-se de mim e fez minha mão cair ao longo do meu corpo. O olhar intenso não existia mais e,
em seu lugar, um par de olhos verdes me observava amigável.

— Me desculpe. Não sei o que aconteceu. Talvez tenha sido toda a comida, as bebidas. É Natal
e...

— Você bebeu? – perguntei, percebendo as consequências daquela informação. Quando ele bebeu
que não vi? – Você trouxe minha filha no seu carro depois de beber?

— Não, Marina, não foi isso, eu não...

— Acho melhor você ir embora – respondi querendo encerrar a noite. O Henrique que conhecia

não seria tão irresponsável, mas não sabia o que ele fazia todo o tempo. Além disso, o quase beijo
queimava em minha consciência. Ele me encarou sério, como se esperasse que eu continuasse a falar,
mas me mantive em silêncio, um peso entre nós dois, quando ele confirmou levemente com a cabeça.

— Até logo, Marina. Feliz Natal – ele desejou, caminhando até a porta e a abrindo.

— Feliz Natal, Henrique – disse de volta em um fio de voz, ouvindo a porta bater atrás dele. Em
que loucura estávamos nos metendo?
Era a segunda vez em semanas que ficava tão hipnotizado por Marina que quase a beijava. A
música, as pessoas e as bebidas não deixaram que ela percebesse a primeira tentativa, mas dessa vez
não tive para onde correr. Dizer que foi a bebida quando estava dirigindo, que coisa idiota,
Henrique Martins! Voltei para minha casa ainda com o pensamento sobre a noite agradável com a
minha família e o momento que estraguei tudo.

Estava gostando demais da mentira, de tê-la abraçada comigo, de brincar com a pele suave do seu
braço enquanto ríamos de alguma história engraçada de Laura no doutorado. Não tinha esses
momentos na minha vida, não tive nem mesmo com Maitê, que detestava os almoços familiares que

minha mãe fazia questão que comparecêssemos. Era tranquilo e feliz, e talvez por isso não quisesse
falar a verdade. Assumir que aquela mulher incrível era apenas minha amiga, que continuava a ser
um canalha solitário e que talvez chegasse à velhice sozinho e correndo atrás de mulheres vinte anos
mais novas... Que Natal deprimente! Protestei batendo no volante quando entrei na garagem do meu
prédio. Não, ele não estava sendo ruim até eu decidir pensar com a minha cabeça de baixo em vez da
de cima e tentar beijar minha melhor amiga.

Bem, talvez Marina fosse minha amiga mais próxima, a pessoa com quem eu mais contava, a que
parecia me entender e eu nem mesmo contava coisas tão pessoais assim. Eu conhecia seus hábitos,
seus gostos, de odiar destilados a não comer azeitonas ou uvas passas. Sabia que era educada demais
para discutir comigo, tímida demais para responder às minhas provocações e mesmo assim, com seu
jeito calmo, passou a conseguir me dirigir para qualquer direção que ela quisesse. A equipe inteira

fazia o que ela queria, com sua voz mansa e jeito calmo. Ela era incrível em sua personalidade e

estava me deixando louco por isso.

Ela passou de ser a secretária gostosa, a que era boa de olhar, para alguém que eu ansiava estar
perto como um cachorro carente que caiu da mudança. Ela e seu pequeno pacotinho movimentaram o
meu mundo, e pela primeira vez na minha vida, tinha medo de me deixar levar. Não queria sentir, não
era um homem de família, alguém para se comprometer por uma vida toda. O problema é que cada

vez que eu via seus olhos castanhos tão sérios, a curva de seu pescoço em um coque, os fios loiros
soltos em sua testa depois de um dia de trabalho, eu enlouquecia. Mais e mais, caindo no feitiço de
Marina Rodrigues sem saber direito como cheguei ali.

Quando decidi nos manter apenas na amizade, achei que seria fácil, mas parecia um desafio mais
e mais complicado cada vez que a observava tão de perto, com o sorriso tão íntimo que passei a
desconfiar que era apenas meu. Ela quase não saía, não tinha amigos e vinha de uma cidade no
interior. Eu estava atarefado pelo trabalho, tão ocupado que já não tinha tempo para mais nada. Dois
solitários em uma amizade que foi crescendo até ter um significado especial. Não deixaria as coisas

ficarem do jeito que estavam. Eu conhecia Marina. Ela se afastaria e na próxima vez que nos
víssemos, trataria meu quase-beijo como um pecado e ficaria estranha por muitos dias. Precisava
fazer algo a respeito. Foi bom ter sido expulso da casa de Marina. Precisava entender meus
sentimentos antes de falar qualquer coisa com ela.

Na manhã seguinte, interrompi minha rotina de exercícios para visitá-la. Era Natal, mas passaria o
dia sozinho. Laura e minha mãe viajaram para a casa da minha tia e eu gastaria o dia em meu sofá
jogando videogame ou vendo algum filme velho. Eram raras as ocasiões que eu conseguia fazer isso
sem ser interrompido por alguém, então amava essas pequenas pausas no meu cotidiano.

Porém, depois do jeito que parti do apartamento de Marina, precisava de uma desculpa para
encontrá-la e ter uma conversa. Os dias de descanso eram raros, mas voltavam a acontecer, já Marina
poderia escapar de meu dedos apenas para fugir de uma conversa. Não... Não abriria meu coração e

confessaria que a desejava há tantos meses que já começava a me acostumar a estar meio duro a cada
novo encontro. Falaria sobre coisas que não contava para ninguém, mas que desejava que ela

soubesse. Falar de mim com eu nunca falo com ninguém, como nossa amizade merece.

Quando vi a caixa com o presente para Bia, achei a desculpa necessária para voltar ao
apartamento de Marina.

Com ânimo, coloquei o presente dela e de Marina debaixo do braço e dirigi até lá. O porteiro me

deixou subir direto, o que era um perigo, mas bom para surpreender minha secretária. No momento
que ela abriu a porta e me viu lá, abriu os olhos como pratos, assustada pela minha presença. Estava
linda, com o cabelo em um coque descontraído, um short de pijama e uma regata preta – claramente
sem sutiã. Amigos, Henrique... Para de cobiçar sua melhor amiga.

— O que está fazendo aqui? – ela perguntou sem cumprimentar, tentando ajeitar o cabelo enquanto
esperava minha resposta.

— Quero conversar sobre ontem. Aproveitei e trouxe um presente para Bia. Esqueci de dar ontem
– anunciei, mostrando o pacote debaixo do meu braço.

— Ela está tirando uma soneca, se quiser deixar, eu entrego. Se é só isso... – Marina comentou
aflita, fechando a porta na minha cara, o que impedi com o meu pé.

— Não faz isso, vai... Quero conversar – respondi e ela desistiu, me deixando entrar e fechando a
porta atrás de mim.

O apartamento estava um brinco, limpo do chão ao teto, tudo brilhante, como se Marina tivesse
passado a madrugada de Natal faxinando. Eu a tinha estressado com a cena da noite anterior a ponto
de ela gastar o feriado tentando organizar o apartamento em vez de pensar na nossa relação
“desorganizada”.
— É uma caixa grande... – ela apontou.

— É um castelo de blocos. Lembrei que gostava muitos dos meus quando era criança e achei que

a Bia ia gostar.

— Deve ter todo um projeto arquitetônico aí dentro – ela apontou quando coloquei o embrulho na

mesa do canto.

— Eu trabalho em uma Construtora. Estou acostumado a obras de grande porte.

— É quase uma prova para estagiária, né? Bia, a bebê estagiária. – Ela riu.

— Ela vai tanto à Construtora que qualquer dia vamos ser citados por ferir alguma lei trabalhista.
– Ri enquanto estendia para ela. – E esse é o seu presente.

— Você comprou algo para mim? Não comprei nada para você. Eu nem pensei... Eu...

— Ei, está tudo bem – repliquei ao mostrar a embalagem pequena, que Marina abriu com euforia.

— É lindo – ela elogiou ao olhar para o colar delicado em suas mãos, uma corrente fina dourada
com um pingente do mesmo material redondo na ponta.

— Sabe o que é um relicário?

— Não.

— Bem... – respondi, aproximando-me para pegar o colar da sua mão, abrindo o pingente e
mostrando uma foto pequena de Bia. – Sei que você fica ansiosa quando ela não está perto, e pensei
em um jeito de deixar algo dela sempre junto com você.

Marina me olhou assombrada, seu queixo tremendo ao ver a foto pequena dentro do colar antes de
me olhar novamente com seus grandes olhos castanhos e, sem avisar, pular sobre mim, dando um
abraço apertado.

— Henrique, isso é lindo! – ela sussurrou com a voz embargada.

— Ei, achei que você ia gostar. Queria dar algo que gostasse.
— Eu amei. Não sei como explicar o detalhe... O carinho... – ela falou, soltando-se e me olhando

profundamente. Lá vamos nós de novo. Antes que fosse envolvido de novo por meus sentimentos, dei

um passo para trás, me afastando dela, sentindo falta de seu calor.

— Peguei a foto no Instagram, funcionou direitinho.

— Estou apaixonada por isso. Coloca? – ela pediu, virando-se para mim e entregando o colar.
Fechei enquanto tentava manter a distância, dando um suspiro alto.

— Também queria falar sobre algumas coisas. Não tenho sido muito sincero com você, e é minha
amiga. Eu me importo com você e mesmo assim não revelei algo importante – anunciei, sentando-me

no sofá enquanto Marina me encarava de pé, no meio da sua sala. – Eu quase me casei.

— Como? – ela indagou chocada.

— Nós nos conhecemos na faculdade. Namorei com Maitê por dois anos, e quando estávamos
prestes a nos formar, a pedi em casamento. Eu era novo, vinte e três anos, e achava que estava no
topo do mundo.

— Noivo!

— Eu sei – respondi com um sorriso torto –, mas usava um anel de forma orgulhosa, gostava de
tê-la comigo. Eu a amava tanto e faria qualquer coisa por ela. Nós começamos a organizar o

casamento. Minha mãe e a dela queriam tudo o que um casamento de famílias ricas poderia ter:
casamento no Copacabana Palace, festa de noivado, vestido importado e todo tipo de detalhe que eu
não prestava atenção, mas era extremamente importante para as três.

— Nossa... Você realmente quase casou! – ela exclamou, então sentou-se ao meu lado. Qualquer
sentimento sobre a noite anterior estava esquecido com a minha confissão.

— Falei para você! – confessei, dando de ombros. – Então dois meses antes da cerimônia, a
Maitê me procurou dizendo que não queria mais casar, que desejava fazer uma especialização fora e
que não era o momento. Entendi que ela queria adiar a cerimônia e como eu falei, faria qualquer
coisa por ela, não me importava com a festa e tudo mais, contanto que estivéssemos juntos.

— E você não fazia parte do plano, não é? – Marina perguntou e balancei a cabeça com

suavidade.

— Maitê queria viajar, viver sozinha no exterior, conhecer outras pessoas. Éramos muito novos, e

ela percebeu que casamento era algo sério. Eram motivos muito válidos para se pensar a respeito.

— Mas que te magoaram do mesmo jeito.

— Sim. De repente, depois de quase três anos, era alguém descartável. Sei que talvez
terminaríamos nos divorciando. Éramos imaturos, sabe? Mas ainda assim, machucou muito. Quando

me imaginava aos trinta e um anos, sabia que teria pelo menos algum filho, uma família, e agora estou
aqui... na mesma.

— E foi assim que a fama de Henrique Martins cresceu?

— Nunca mais quis um relacionamento. Aquilo me marcou muito, e não sei se vou estar preparado
em algum momento. Gosto de ser sozinho, de ter meu espaço. Era muito drama, muitas brigas... Não
quero essa carga de novo.

— Você não tem mais vinte e três anos – ela brincou.

— Acho que o Henrique de trinta e um é mais sábio.

— Foi isso, não é?

— O quê?

— O quase beijo. Você me levou para casa, quase como um encontro. É o jeito que age com outras
mulheres.

— Marina, você é minha amiga. Eu não ajo com você como com outras mulheres.

— Ainda assim... – ela continuou e fiz um movimento com as mãos, fazendo-a parar.

— Era Natal, estávamos sozinhos. Vamos fazer de conta que nada aconteceu, pode ser? Arranjei
qualquer desculpa, mas era isso. Não bebi uma gota de álcool, preciso que acredite em mim.

— Eu acredito – ela anunciou. – Ontem fiquei confusa porque o Henrique que conheço é tão sério,

rígido com regras. Foi um dia confuso.

— Você ainda me deve um presente, sabe? – brinquei, tentando deixar o ar mais leve.

— O que você gostaria, Henrique?

— Passa o Ano Novo comigo – pedi de forma improvisada. – Você vai passar o Ano Novo aqui e
eu tenho um bom apartamento, em frente à praia. Terá fogos...

— O Natal já foi suficiente, Henrique, pelo amor de Deus!

— Vamos para a praia, eu peço algum jantar para nós dois e depois a gente vai dormir. E você me
deve um presente! – reforcei e ela me deu um sorriso torto.

— Muito bem. A fofoca vai ficar ainda maior. Se sua mãe souber, vai ser capaz de encomendar um
vestido de casamento.

— Eu posso apostar que ela tem tudo organizado para me casar com a primeira louca que aceitar.

— Você acha isso engraçado?

— Não, mas por enquanto arranjei uma família de mentirinha para ela se divertir – respondi

brincando no mesmo momento que a babá eletrônica emitiu um barulho anunciando que Beatriz
também queria participar da conversa.
Estava muito mexida por Henrique Martins. A família de faz de conta que ele brincou a respeito
no Natal começou a criar histórias na minha cabeça. Já não conseguia olhar para ele sem sentir
minhas pernas bambas e meu coração acelerado, e qualquer conversa nossa já me deixava ansiosa
como se fosse o primeiro namorado da adolescência.

As coisas no trabalho eram mais tranquilas entre a semana de Natal e Ano Novo, com muitas
empresas entrando em recesso e as obras sendo paralisadas por vários dias. No ano anterior meu
chefe explicou que a M&M usava esse período para se organizar: entre o final de dezembro e o mês
de janeiro, as coisas aconteciam a passos de tartaruga. Com isso, ele e Pedro costumavam pautar

temas que foram postergados ao longo do ano – como mudanças de tecnologia, abertura de novas
vagas, fechamento do financeiro e análise de gastos. Ainda assim, não tínhamos a loucura de reuniões
em cima da hora, videoconferências resolvidas às pressas e incêndios precisando ser apagados com
urgência. Isso me dava tempo demais para pensar.

Através da porta de vidro da sala de reunião, via um Henrique sério gesticulando para a equipe de
marketing. Depois de todos esses meses de amizade, esquecia como ele parecia amedrontador no
trabalho. Era quase como um gato arisco que arranhava e mordia até ficar próximo de alguém. Não
estava na reunião porque precisava terminar um outro material com urgência e enviar para o
financeiro por causa do encerramento do ano fiscal. Do contrário, estaria ali a seu lado. Os
comentários do Conselho sobre a “dupla dinâmica” me alegravam e me irritavam ao mesmo tempo.

Henrique era fácil de trabalhar e gostava do que fazíamos na Construtora.

Brinquei com o relicário, deixando minha cabeça ir para longe com meus sentimentos confusos
por meu chefe. Um homem capaz de fazer um detalhe tão simples e cheio de significado como aquele

poderia ser um canalha? Um mulherengo com sentimentos e que teve um sonho destruído de constituir
família? Nós combinamos de passar o Ano Novo juntos, apenas eu, ele e Bia, em seu apartamento.
Como ele prometeu, Henrique encomendou uma refeição, me deixando sem um jeito de esquivar da
proposta. Tinha medo do que seria de nós dois e da nossa amizade depois de passar uma noite

sozinha com ele, porque, bem... Achava que aquele barco já tinha partido.

Depois do quase-beijo e da confusão de seu toque e de sua proximidade, Henrique passou a viver
em meus sonhos. Acordava sem ar, excitada, irritada por ele não estar ali comigo. Então passei a
fazer o que sabia fazer de melhor: evitá-lo com todo tipo de desculpas.

Na semana antes do Ano Novo, não quis sair fora do trabalho, não almocei com ele ou até mesmo
respondi suas mensagens com muita empolgação. Foi também a semana em que mais organizei pastas,
documentos e minha casa parecia limpa por uma empresa de faxina. Percebi que as coisas estavam
saindo um pouco do controle quando coloquei a rede da empresa separada por área, projeto e ordem

alfabética.

Henrique sabia que havia algo errado, mas estava em uma corrida para proteger meu coração.
Nunca me senti desse jeito com ninguém, nem mesmo com o pai da Bia, e estava a um passo de me
apaixonar pelo meu chefe e melhor amigo. Quando olhei para o relógio e vi que era hora de sair para
buscar minha filha na creche, suspirei aliviada por fugir mais uma vez. Eu teria que enfrentar
Henrique em algum momento, mas preferia ser uma covarde tentando colocar meus pensamentos em
ordem até a noite de Ano Novo.

— Já vai? – ele me perguntou da porta de vídeo ao mesmo tempo que organizava minhas coisas na
mesa.
— Buscar a Bia.

— Ok... – ele respondeu meio desanimado. – Você volta? O pessoal quer tomar um chope de

comemoração depois da reunião. Vai ser rápido.

— É dia 30 de dezembro, estou cansada. Vou passar – disse e Henrique suspirou, se aproximando

de mim para que ninguém ouvisse. Era uma besteira, pelo tanto de fofoca que já existia sobre nós
dois.

Ele iria para um barzinho com o pessoal. Não sei se teria estômago para vê-lo em ação,
procurando uma mulher para levar para casa enquanto finalmente tinha entendido o quão atraída eu

era por ele. Droga! Era mais do que atração, seu perfume me deixando ligada, seu toque arrepiando
minha pele e a tensão em meu estômago apenas por estar ao lado dele. O homem é seu amigo e nada
mais, Marina. Pare de inventar coisas, pensei comigo mesma.

— O que está acontecendo?

— Nada. É esse período do ano, sei lá – inventei com um dar de ombros, seguida por um olhar
julgador de Henrique. — Vou me atrasar se...

— Você ainda vai amanhã, não é? – ele questionou, interrompendo. – Algo está te incomodando,
Mari. Você vai ter que me falar o que é.

— Já disse que vou, é uma promessa! – respondi em um sussurro, um pouco irritada com ele,
mesmo sabendo que Henrique não era o culpado.

— Eu te busco?

— Vou pegar o metrô. As ruas vão estar fechadas, sabe como é.

— Não vou fazer a piada com te vejo no ano que vem, porque não vou – ele riu –, mas vai ser
complicado. Acabamos de bater o martelo na reunião. No dia dois, vou para São Paulo, devo ficar
alguns dias com os engenheiros de lá. Nós nos organizamos quando eu for, não quero te prender.

Balancei a cabeça em afirmação, sabendo que depois da virada de ano teria um descanso de
Henrique Martins. Talvez nos próximos 365 dias eu conseguisse voltar para nosso estado de amigos
e nada mais. Já não aguentava sonhar com ele e com o que ele fazia comigo. Minha vida sexual nunca

foi animada, nem mesmo quando namorava Gustavo. Esse era o problema: o Henrique dos meus
sonhos era uma pessoa inesquecível, e eu temia que o de carne osso fosse ainda melhor.

***

Dia 31 de dezembro, ruas cheias no Rio de Janeiro. Peguei o metrô e às oito da noite desci em

Ipanema com uma mochila e Beatriz no meu colo. Ela usava um conjunto dourado, enquanto escolhi
um vestido branco tradicional para mim – com uma calcinha amarela, porque nunca era demais pedir
dinheiro para o ano seguinte. As pessoas conversavam pela rua, todas indo em direção à praia, ao
mesmo tempo que eu seguia para o endereço de Henrique. Ele me mandou mais de uma mensagem
tentando me buscar em casa, mas era uma burrice. Nós nos estressaríamos e conseguiríamos passar a
virada do ano no trânsito. Não, muito obrigada. Quando cheguei no prédio, tão bonito quanto da mãe
dele, me apresentei para o porteiro, que interfonou, e subi rapidamente.

— Finalmente! – ele disse ao abrir a porta. O mais relaxado que já tinha visto Henrique foi no

Natal, com a calça jeans e a camiseta, mas a versão na minha frente de bermuda e camiseta branca
era igualmente tentadora. O cabelo estava despenteado e ele me deu um sorriso, esticando os braços
para Bia enquanto ela gritava por “Ique”.

— Foi rápido e você sabe. Não tem por que estar preocupado.

— As pessoas estão bêbadas e irresponsáveis. Tenho direito de estar preocupado.

— Ai, Henrique! – reclamei com um sorriso,, caminhando por seu apartamento e observando a
decoração simples, com fotos da família e de momentos dele espalhados por todo o lado.

— Eu coloquei a mesa, se quiser podemos comer agora. Pensei em descermos depois e ver a
virada da praia. Acha que a Bia aguenta?

— Ela dorme com barulho, então, se não ficar ruim, nós podemos ficar com ela no colo – sugeri

ao ver Henrique me mostrar a mesa arrumada do lado. Ele parecia nervoso. – É a primeira vez em
muito tempo que está recebendo alguém?

— É uma data importante, e não sabia direito o que fazer – ele reclamou. – Tudo bem até aqui?

— Você tem sido incrível, Henrique. Um amigo e tanto! Ia passar mais um feriado sozinha, né? –
confessei enquanto me sentava em seu sofá no mesmo momento que Henrique me oferecia uma
cerveja, ainda com Bia no colo. Confirmei, observando-o fazer cosquinhas na minha filha.

— Agora vai me explicar por que está estranha?

— As coisas ficaram um pouco estranhas no Natal – revelei. – Acho que é um pouco impossível
não ficar mexida com você, não é?

— Como assim?

— Você invadiu minha vida, se tornou um amigo tão próximo, um tio para a Bia e ainda tem a
mentira para sua família. Sua irmã não para de mandar mensagens e cada “cunhadinha” faz minha
pele arder de vergonha.

— Minha família te ama, Mari. Eu quero estar com você, senão não convidaria você ao meu
apartamento. Você também mexe comigo – Henrique falou com um sorriso tímido, quase
envergonhado, e me deu medo de perguntar de que forma. Ainda debatia se minha atração era coisa
da minha cabeça ou ele também se afetava com a minha proximidade.

— Prometo falar mais dos meus sentimentos – revelei. – Como uma resolução de Ano Novo.

— E o que mais? – Ele riu.

— Aos poucos você está me deixando mais confrontadora. Eu briguei com o telemarketing essa
semana. Nem deixei me fazer uma oferta – respondi com vergonha e Henrique gargalhou.

— Talvez você esteja me dando mais paciência. Pedro comentou que ando tentando negociar mais
em vez de só ameaçar os outros.

— A dupla e tanto... – eu disse. Henrique pegou um espumante, enchendo duas taças e me

estendendo como um brinde. Não era meu preferido, mas era uma tradição de Ano Novo.

— À dupla e tanto – ele saudou. — Nada do seu pai?

— Te falei... Ele não conversa comigo desde que a Bia nasceu – expliquei, bebericando o
espumante enquanto colocava Bia no chão, que começou a correr pelos móveis da sala.

— Ele não sabe o que está perdendo.

— Meu pai sempre foi um homem muito rígido, e ele não queria que eu estudasse, detestava que
eu tivesse que trabalhar para pagar nossas contas.

— Como assim não querer estudar? Que tipo de pai quer isso para uma filha?

— Passei quase cinco anos em um emprego administrativo, ganhando um salário baixo, porque
não tinha como pagar uma faculdade. Sabia que ele não podia porque o dinheiro estava curto, mas
fazia questão de dizer que não ajudaria nem se pudesse. Para ele, eu deveria estar casada e indo à
igreja. Mas não queria nem uma coisa nem outra.

— Vocês eram muito diferentes – ele concluiu.

— Era isso – suspirei. – Ele não aceitava que eu podia querer coisas diferentes e gostava de
criticar minhas escolhas. Percebi que ficaria presa para sempre ali se não fizesse algo. O resto é
história.

— Não tentou uma aproximação?

— Liguei, contei sobre a Bia. Mando mensagens falando sobre como está aqui. Mas parece que
ele não tem interesse, não me responde. Me falou coisas tão feias quando disse que estava grávida e
solteira. Eu o perdoo pela mentalidade, porque é minha vida, eu decido, mesmo com ele dando
opiniões. Acho que quando meu pai percebeu que eu não aceitaria seu modo de viver e correria atrás
dos meus sonhos, decidiu que não precisava mais manter nossa ligação.
— Deveria ser desgastante.

— Dividir uma casa com alguém tão diferente era sim. Sinto saudade de algumas coisas bobas,

como quando comíamos uma coisa especial no domingo, minha mãe nos fazendo colocar roupas
bonitas para sair. Mas é isso: são memórias. Não posso obrigá-lo a conviver comigo, e agora com a

Bia. Não quero que ela ouça nada que ouvi. Algumas famílias não são unidas como a sua.

— Você tem razão nisso, Mari. Não se pode forçar alguém, mesmo que você continue amando essa
pessoa – ele disse de um jeito enigmático. – Vou arrumar tudo e podemos comer.

Passamos as horas seguintes conversando e rindo, vendo um filme na televisão ao mesmo tempo

que comíamos a refeição gostosa que Henrique tinha encomendado. Ele estava em sua melhor versão
bom moço, sendo o amigo de muito tempo e evitando falar as besteiras que sempre me faziam corar.
Foi divertido e consegui afastar meus medos, percebi que talvez conseguisse guardar minha atração
por ele e manter nossa amizade. Faltando quinze minutos para meia-noite, descemos para a praia de
mãos dadas – por sugestão de Henrique, com medo da confusão na areia – e vimos os fogos de uma
posição privilegiada, o mar de Ipanema nos saudando à nossa frente.

Bia se manteve acordada, fascinada com o movimento e com a água do mar, rindo quando pulamos
as ondas com o céu se iluminando à nossa frente. Henrique tirava fotos nossas e apostava que, para

todos que vissem os cliques, achariam que éramos um casal. Foi mágico e perfeito, um momento que
nunca esqueceria da minha memória e, apesar do cansaço, não conseguiria dormir. Henrique tinha
oferecido o quarto de hóspedes, e por mais confusa que estivesse, era melhor do que voltar para casa
no meio da madrugada. Quando subimos no elevador, reparamos que Bia se esgotou, dormindo no
colo de Henrique um sono pesado. No outro dia, pagaria com juros por sua mudança de rotina, mas
para o Ano Novo tinha sido divertido.

Nós chegamos, então eu a coloquei no quarto de hóspedes, trocando sua fralda antes de voltar
para a sala e encontrar Henrique olhando pela janela com uma cerveja na mão, as luzes dos fogos
iluminando seu rosto.
— Foi uma boa virada, não? Foi divertido – ele perguntou.

— Claro! – respondi ao parar ao seu lado na janela. Ele me ofereceu sua garrafa, dei um gole nela

sem pensar na intimidade do gesto. – Um ano em grande estilo com essa vista. Obrigada!

— Ela ainda está dormindo? – Ele apontou para a babá eletrônica na minha mão, o leve ressoar

de Bia marcando o movimento de seu peito.

— Deve dormir toda a noite, estava esgotada... – repliquei e ficamos em silêncio depois disso,
dividindo a bebida. Era um silêncio confortável, de duas pessoas observando a vista, sem precisar
encher o momento com palavras.

Esse homem me ajudou mais no último ano do que várias pessoas que considerava meus amigos
íntimos. Ele era tão educado, amigo, leal e com um sorriso... Droga, eu podia sentir em minhas partes
baixas o rumo dos meus pensamentos.

— Você sabe que nós não precisamos fazer disso uma grande coisa, não é? – ele confessou, ainda
sem olhar para mim.

— Como assim? – perguntei confusa.

— Eu e você, Mari. Está ficando insustentável.

— Como? – gaguejei novamente, não entendendo onde ele queria chegar.

— Uma noite – ele suspirou e minhas pernas se tornaram gelatina quando o olhar amigável se
tornou predador, suas pupilas dilatadas quando seu olhar caiu sobre minha boca. – Uma noite para te
tirar do meu sistema e voltarmos à nossa amizade.

— Henrique... – suspirei. Queria lutar contra, mas não conseguia.

— Eu vou te beijar, Mari.

— Não se eu fizer isso primeiro – anunciei num surto de coragem. Tomando a iniciativa, puxei-o
para mim.
Queria culpar o clima, meus pensamentos, a bebida, mas sabia que era mais do que isso, como se

tivesse chegado ao meu limite. Estava completamente rendida, confusa com meus sentimentos e

pronta para agarrar uma chance antes de voltarmos a ser nós dois outra vez.

Deixei minhas mãos caírem em seu rosto, sua boca afundando na minha em um beijo intenso. Um

duelo de sentidos entre lábios, língua e gemidos, profundo como se reconhecêssemos um desejo
escondido um pelo outro há tantos e tantos meses. Henrique me puxou para seu corpo, colocando a
mão na minha bunda e me levantando até sua cintura.

Ele caminhou até o sofá, sentando-se sem nunca separar nossas bocas. Podia sentir sua ereção

dura contra mim, nossos movimentos frenéticos em uma confusão de gemidos. Tão rápido, tão forte...
Coloquei meus dedos nos botões de sua camisa, abrindo-os sem ver o que estava fazendo, movendo
meus quadris contra Henrique enquanto suas mãos apertavam minha bunda de forma possessiva. Sua
barba rala arranhava minha pele no mesmo momento que minhas mãos encontraram seus músculos,
que se contraíam com o meu toque. Nunca o sexo foi algo visceral para mim, apenas o instinto, como
se necessitasse de Henrique dentro de mim o mais rápido possível.

A boca de Henrique escorregou por meu pescoço, criando uma trilha úmida em meu ombro,
quando de repente me virou, sua mão subindo de forma desavergonhada para dentro do meu vestido

até chegar em minha calcinha. Seu polegar escorregou para dentro do tecido fino, acariciando meu
clitóris com movimentos lentos, que me faziam pular em seus braços. Eu me abria mais embaixo
dele, dando espaço para Henrique e seus dedos fazerem mágica em meu corpo.

— O que estamos fazendo? – sussurrei entre beijos enquanto me agarrava aos seus braços,
impulsionando meus quadris para ele.

— Não agora, Mari... Por favor – ele respondeu estrangulado.

— Eu não... – neguei, sendo interrompida por um movimento mais rápido de Henrique, que me fez
fechar os olhos e gemer.
— Claro que sim, conheço você – ele replicou e senti seu sorriso em minha pele. – Mas eu sou

bom nisso, e você vai adorar.

— Apenas uma noite? – sugeri, virando-me para encará-lo ainda com as luzes coloridas me
deixando ver seu contorno, repetindo suas palavras como uma pergunta.

— O quanto você quiser – ele disse, sua boca descendo pelo meu pescoço quando um dedo se
insinuou em minha entrada.

— Droga, Henrique. Você é tão gostoso... – confessei e ele deu uma risada leve, cheia de
segundas intenções. Ele me empurrou para frente, levantando-se comigo e me pegando no colo. O que

estava acontecendo? – O que foi?

— Nós vamos continuar isso no quarto. Não esqueça a babá eletrônica – Henrique falou,
apontando para o aparelho enquanto me esticava para pegá-lo.

Ele abriu uma das portas do corredor, colocando-me na cama e tirando sua camisa de botões e a
bermuda clara que usava, permanecendo apenas com a cueca boxer preta. Ele parecia um modelo de
anúncios, definido e bem-dotado dentro daquela peça de roupa.

— Quem diria que você gosta de olhar, Marina Rodrigues – ele provocou.

— Você é bom de olhar – confessei no mesmo instante que puxava o vestido branco de meu corpo,

encarando-o com expectativa com um conjunto simples de calcinha e sutiã amarelos. Era a primeira
vez desde o pai de Bia, com as mudanças da gravidez no meu corpo, desde o nascimento de minha
filha.

— Pare de pensar, Marina – ele sussurrou, cobrindo seu corpo com o meu enquanto seus lábios
voltavam a passear por meu corpo, venerando cada parte sensível e me fazendo gemer em resposta.

Henrique puxou meu sutiã, deixando meus seios expostos para ele. Ele lambeu e beijou os dois,
tomando tanto tempo que eu me arqueava em sua direção, me esfregando contra seu pau e sentindo um
nó se formar dentro de mim, crescendo com todas as sensações que ele me fazia sentir com seu
corpo. Quando uma de suas mãos apertou minha bunda, grudando-me contra o seu membro com ainda

mais força, explodi. Senti meu corpo atingindo o êxtase, tomando-me inteira, meus músculos

tremeram e um gemido escapou de minha boca. Estava sem fôlego.

As mãos de Henrique empurraram a calcinha para fora do meu corpo enquanto sua boca descia

por minha pele, dando um beijo desvergonhado em minha entrada. Abri os olhos, observando-o
arrancar sua cueca e passar a mão por sua ereção. Meu coração bateu forte ao ver seu membro duro e
inchado. Henrique era bem-dotado e sabia que me faria sentir por muitos dias os sinais dessa noite
de liberdade. Sem pensar, puxei-o para mim, enrolando meu quadril nele e sentindo seu pau em

minha entrada. Tão pouco... tão perto...

— Só um pouco, espera – ele murmurou em meu ouvido, esticando-se sobre a mesa de cabeceira.
Quando Henrique rasgou o pacote da camisinha com a boca e enrolou o preservativo em seu pau,
senti-me aliviada por que um de nós ainda ter cabeça para aquilo. Eu quase... Deus, Henrique
Martins.

Queria senti-lo dentro de mim, apenas o instinto e nada mais. Me perder pela primeira vez, como
nunca fiz com outra pessoa. Meus lábios beijaram seu peito musculoso, sentindo o sabor salgado de
seu suor. A respiração de Henrique disparou quando finalmente senti a pressão em minha boceta, seu

membro escorregando para onde eu desejava. Henrique gemia a cada investida, minha boca beijando
e lambendo cada curva de seu pescoço, minhas unhas arranhando suas costas cada vez que se
impulsionava dentro de mim.

Ele segurou minhas mãos acima da cabeça e saiu de mim, girando-me até ficar de quatro.
Henrique me cobriu, seu pau indo ainda mais fundo quando ele se mexeu rápido, martelando com
força entre nossos corpos. Senti outro orgasmo se formar, a vontade de me esfregar nele enquanto o
arrepio subia por minha espinha. Minha mão caiu sobre meu clitóris, acelerando junto a Henrique,
quando sua mão caiu sobre a minha, como se quisesse guiar meus movimentos.

— Mais... – implorei.
— Mais o quê? – Henrique perguntou com a voz uma oitava mais baixa e mais sensual.

— Mais rápido! Mais duro!

— Você é tão safada, Marina – ele falou, mordiscando o lóbulo da minha orelha e fazendo um
novo arrepio subir por meu corpo.

— Enfia com força, Henrique... Me faz gritar – disse e percebi o agarre de Henrique ainda mais
possessivo, socando com força em busca de satisfação. Perdi a consciência de meus movimentos,
deixando o instinto me levar. Queria gozar.

Eu caí, meu corpo se quebrando em mil pedaços enquanto um orgasmo forte me tomou inteira,

fazendo meu corpo se acender. Henrique soltou um gemido baixo e estrangulado, se esvaziando em
mim no mesmo momento que desabava sobre meu corpo satisfeito. Foi intenso, único. Ainda
respirava com dificuldade quando senti Henrique se levantar e sumir por alguns segundos antes de se
deitar sobre mim novamente, abraçando-me por trás. Era um silêncio perfeito, satisfeito e suado, em
que palavras não cabiam para o que criamos juntos. Henrique acariciava levemente meus cabelos
enquanto eu era tomada pela exaustão. Queria dormir entre seus braços, aninhada no peito que
sempre quis estar.
A babá eletrônica fez um barulho e corri para o quarto de hóspedes antes que Marina acordasse
com os gemidos baixos de Bia. Coloquei minha cueca e uma camiseta e fui até lá para encontrá-la
sentada, com o rosto amassado e esfregando os olhos.

— Bom dia, meu bem... – sussurrei, pegando-a no colo e a aninhando em mim ao mesmo tempo
que pegava suas coisas. Troquei sua fralda e parti para a cozinha, onde Marina deixou alguns
alimentos prontos e cortados na noite anterior.

Enquanto observava Beatriz comer um pedaço de laranja com algumas panquecas picotadas
sentada no meu sofá, pensei sobre a noite anterior. Bem... Isso não deveria ter acontecido, mas

aconteceu. Meu tesão por Marina chegou ao ápice e ela correspondeu com a mesma empolgação, o
que me deixava em uma sinuca de bico. Dois amigos, com alguma coragem alcoólica e muito desejo
envolvido, em uma noite que deveria ser única. Mas não queria que acabasse, percebi. Queria
desesperadamente voltar a ter Marina, me sentir queimar em seus braços. Droga de mulher que não
sai da minha cabeça...

— Ique! – Bia gritou do meu lado, enfiando um pedaço da panqueca na minha boca e me tirando
dos meus pensamentos. Sorri, querendo que minha vida fosse tão simples como a da pequenininha.

— Muito gostoso, Bia... Mas esse é seu café – respondi, ajeitando-a no meu sofá enquanto me
levantava para pegar um pouco de água, sem tirar os olhos dela.

Ela permaneceu feliz, sentadinha e sujando todo o sofá com sua laranja durante o resto da sua

refeição. Quando terminou, limpei seu rosto, peguei-a no colo e preparei um café. Era fácil lidar com
Bia, ela era uma criança tranquila. Meu problema atual era saber o que fazer com a sua mãe. E que

mãe gostosa...

— Bom dia. – Marina apareceu na cozinha com uma expressão de sono e os cabelos em um coque
descontraído. Vê-la daquele jeito, e sabendo que tinha saído da minha cama, me fazia sentir coisas.
Não havia o desconforto da “manhã seguinte”, a corrida para começar meu dia. Queria uma manhã

preguiçosa ao lado daquela mulher. Era assustador.

— Eu a ouvi acordar e fui ver como estava. Dei o café que você deixou e já troquei a fralda –
informei. – Acabei de fazer café para mim, quer?

— Ah, obrigada – ela disse tímida, tentando desviar os olhos de mim. – Você está de cueca.

— E você está usando uma camisa minha – conclui. – Está tudo bem, Mari.

— Sobre ontem – ela começou e a interrompi.

— Não precisa ser mais do que você quer que seja.

— Foi... é... inesperado – ela respondeu, fugindo do meu olhar e observando ao redor.
Conhecendo Marina, deveria estar analisando minhas prateleiras para pensar se ordem por cor ou
alfabética era melhor na arrumação.

— E bom – completei com sorriso safado, sabendo que a faria corar.

— Sim. Mas é como você disse, não deve ser mais do que queremos que seja, não é? Você é meu
amigo e meu chefe, não quero que uma coisa de uma noite interrompa nossa amizade – ela confessou,
seus olhos grandes e temerosos fazendo coisas esquisitas dentro de mim. – As coisas são melhores
quando são mais claras, preto no branco, sem ideias confusas no meio.

— Muito bem... – concordei, minha voz quebrando um pouco, porque não estava preparado para
encerrar aquilo por ali. Sabia que a mente cartesiana de Marina precisava de limites, organização.
Ela sabia como era a nossa amizade, mas algo a mais era um território inóspito que Marina se

negaria a pisar. – Mas se você quiser alívio com mais alguma coisa, estarei aqui.

— Henrique!

— Você foi perfeita ontem – confessei.

— Você também – ela disse tímida, os olhos no chão enquanto brincava com o relicário em seu
pescoço. – Mas isso complicaria tudo.

— Muito bem. Pegue a Bia. Vou terminar de fazer nosso café. Posso te levar em casa quando

quiser – anunciei, mudando de assunto por não entender bem meus sentimentos. Droga, o que deveria
fazer com Marina?

— Eu não quero que as coisas fiquem esquisitas entre a gente – ela disparou, fugindo dos meus
olhos. Quis abraçá-la. As coisas tinham mudado, mas não deixaria transparecer.

— Você é minha amiga, eu amo a Bia. Não vou culpar a bebida, porque estava com muito tesão
em você há algum tempo – confessei. – Mas você é importante para mim, e será o que decidir, ok?
Por mais que eu queira repetir, você é mais importante.

— Henrique... – ela disse como pedido de desculpas. Queria nos tirar daquela miséria, de seus

olhos chateados, como se não tivesse certeza sobre aquela conversa.

— Eu sabia que seu parquinho ainda funcionava – brinquei, tentando fugir e sentindo meu coração
se apertar por sua indecisão. – Agora realmente preciso resolver nossa manhã. Eu vou para São
Paulo cedo e preciso arrumar as coisas para estar no aeroporto amanhã.

***

A distância não fez grandes coisas para mim. Naquele dia, deixei Marina em seu apartamento e
continuei com a nossa estranha relação. Nós conversávamos o tempo todo no WhatsApp, mandava
coisas que achava interessante para ela e Marina me enchia de vídeos de Bia e de gatos. Eu era uma

pessoa de “cachorros”, mas achava gracioso como ela escondia uma parte divertida dentro de si por
ser tímida com estranhos. Ainda sentia seu gosto em minha boca e ficava duro cada vez que pensava

na noite de Ano Novo.

Foi uma semana inteira entrando e saindo de reuniões em São Paulo, fazendo visitas técnicas e
tendo encontros com investidores. Era uma daquelas vezes que tinha energia demais dentro de mim e
precisava extravasar, mas em vez de ir a algum barzinho da cidade para buscar alguma desconhecida,

era incapaz. Fechava os olhos e via Marina, sabia que seria incapaz de encontrar outra depois de tê-
la. Eu estava fodido. Meus sentimentos eram algo forte demais para ser uma atração. Queria falar
com ela todo o tempo, me divertia com ela e sua filha, era simples, fácil... O que eu desejava. Não
era “apenas uma noite” quando queria repeti-la diversas vezes, seu corpo quente se derretendo em
meus braços. Sentia saudades da sua voz, do seu jeito, da forma que vivia censurando meus
comentários constrangedores.

Depois de correr dez quilômetros na academia do hotel, joguei-me exausto na cama, sabendo que
estaria de volta ao Rio de Janeiro no dia seguinte. Uma semana para pensar sobre o que aconteceu na

noite de Ano Novo. Havia tantas coisas contra: o Conselho, ela ser minha secretária, nossa amizade,
Bia. Mas ao mesmo tempo, não conseguiria fingir que queria ser apenas amigo por muito mais tempo.
Henrique Martins estava se tornando uma cadelinha. Eu faria o que ela quisesse, contanto que
Marina me deixasse tê-la novamente.

Droga, tinha me apaixonado pela minha melhor amiga. Estava apaixonado por Marina e ela não
queria nada de mim. A conclusão corroeu meu peito enquanto percebia que não poderia fazer nada
pelos meus sentimentos. Nunca colocaria Marina na parede e a faria escolher. Ela era importante
demais para mim. Foi um inferno de noite, seguida de um voo matutino para voltar ao trabalho na
Construtora, pela primeira vez em muito tempo, não tinha minha cabeça voltada ao trabalho. Queria
chegar a M&M e vê-la.

Passava das dez quando desembarquei no Aeroporto Santos Dumont e peguei um Uber para o

trabalho. Assim que pisei na Construtora, vi Alberto Machado conversando com outras pessoas no
hall de entrada e senti um frio na espinha. O pai de Pedro foi amigo do meu pai, mas não gostava

como ele não conseguia aceitar que não tinha mais tanto poder na Construtora como antes. Alberto
adorava aparecer aleatoriamente, dando ordens e opiniões que não tinham a ver com o nosso
planejamento gerencial. Era sempre uma situação constrangedora reverter alguns de seus pedidos e
ter que explicar os motivos nas reuniões do Conselho, do qual ele fazia parte.

— Alberto? O que está fazendo por aqui, alguma reunião do Conselho que eu não tenha
conhecimento? – cumprimentei.

— Não. Vim mostrar o ambiente para a nova consultora. Sei que não falei a respeito disso antes,
mas você vai entender por quê.

— Consultoria? Não concordamos com nada disso. – Suspirei e olhei para o lado somente para
ter um choque. Caminhando em minha direção vinha Maitê Mendonça, minha ex-noiva. Ela parecia
mais madura e elegante, seus cabelos pretos presos em um coque enquanto sorria com
profissionalismo. Ela era a consultora?

— Sei que conhece Maitê. Ela veio recomendada de uma empresa do Reino Unido para um
trabalho de internacionalização da M&M.

Que diabos?

Encarei-a sério por muitos segundos, um silêncio constrangedor entre nós dois. Alberto tinha um
sorriso nos lábios, como vitorioso por me fazer ficar sem fala. Às vezes pensava que a questão não
era o melhor para a Construtora, e sim me desestabilizar. Ele nunca aceitou muito bem que eu era o
CEO e não Pedro.

— É bom revê-la – disse breve, balançando a cabeça.


— Será um trabalho e tanto. A empresa cresceu nos últimos anos – ela falou animada, sua voz

trazendo lembranças indesejadas. – Queria voltar ao país para ficar perto da minha família, talvez até

mesmo construir uma para mim.

— Muito bem. Vou marcar uma reunião oficial e preciso do cronograma de trabalho. Pedro está

ciente ou ele também foi pego de surpresa?

— Não seja assim, Henrique – Maitê murmurou conciliadora e soltei o ar, irritado com a ousadia
dos dois.

— Estou ocupado no momento. Me enviem por e-mail e podemos seguir daí – respondi dando as

costas para ambos, que me analisavam como se eu fosse o item difícil da equação. Que porra.

Segui em linha reta, entrando no elevador como um raio. Assim que saí no andar da diretoria com
minha mala nas mãos, vi Marina por minha visão periférica, levantando-se de seu lugar e me
encarando confusa quando cruzei o andar em direção à sala de Pedro. Saio por uma semana e o pai
dele se sente no direito de contratar uma consultoria feita por Maitê ainda por cima? Fiz um
movimento com as mãos para a secretária do meu sócio, entrando como um foguete sem ser
anunciado.

— Ei, bem-vindo de volta – ele cumprimentou, observando-me confuso pela entrada ríspida e

pelo barulho da porta batendo. Encostei minha mala na porta de qualquer jeito, cruzando os braços,
ainda me sentindo puto.

— Por que ela está aqui, Pedro?

— Quem?

— Meu ovo, lógico – respondi irritado. – Por que Maitê está prestando consultoria para a
Construtora? Por que decidir uma merda dessas às pressas? O Conselho foi notificado?

— Meu pai – ele suspirou percebendo que não tinha escapatória. Pedro se levantou e parou à
minha frente parecendo um pouco irritado. – Você vai ter que ser um homem adulto e lidar com a sua
ex durante algumas semanas na empresa.

— Por que não me contou? Eu estava a uma mensagem de distância. Você falou comigo a semana

toda e não teve a coragem de falar que seu pai contratou a Maitê?

— Acabei de ficar sabendo. – Ele soltou o ar desgostado. – Saíram da minha sala há dez minutos.

Ia te contar assim que chegasse.

— Seu pai precisa parar de se meter. Ele é do Conselho, mas já não manda mais na M&M, era
esse o acordo.

— Eu sei. – Ele bufou, irritado. – Ele também me irrita quando faz isso. Aparentemente ele e o pai

da Maitê jogaram golfe, e quando soube que sua ex-noiva tinha voltado para o Brasil, perguntou o
que ela estava fazendo. Você precisa dar o braço a torcer, o currículo dela é ótimo. Experiência com
empresas internacionais, gerenciamento e consultoria de Construtora de grande porte. Ela pode fazer
um trabalho excelente aqui.

— Não tenho ideia, porque acabei de entrar por aquela porta para encontrar uma contratação da
qual eu não fazia ideia, de uma pessoa que claramente está aqui pelo jeito que ela me afeta.

— Me desculpe, Henrique. Não tive como evitar. Ontem à noite aconteceu uma troca de e-mails e
o Conselho aceitou a contratação da consultoria. Olhe a proposta com calma e verá que faz sentido.

Só soube que era ela agora... Pensei que poderíamos tentar argumentar com você aqui, mas olhando
toda a documentação, pode nos ajudar. É uma porra de inconveniente uma consultoria que nem
estávamos sabendo chegar, mas parece algo bom.

— Continua sendo uma contratação que nenhum de nós dois autorizou. É ridículo que o CEO de
uma empresa não saiba sobre uma consultora sendo contratada.

— Vou conversar com ele – Pedro falou, fazendo um movimento com as mãos como se tentasse me
acalmar. – Mas vamos ficar com ela, ok? Não precisa ter mais contato que o necessário, mas acho
que será bom.
— Você vai lidar com tudo, ok? – Suspirei. – Não quero mais contato que o necessário.

— Já faz quase uma década, cara. Ela ainda te afeta desse jeito?

— Ela me lembra de coisas que gostaria de esquecer – confessei. – E essa é a última vez. Seu pai
precisa arranjar outro negócio para se meter.

— Concordo com você. Ele não aceita muito bem que só agora que ele saiu a empresa decolou e
fez contratos muito maiores do que na época que ele estava aqui.

— Talvez esse seja um sinal – respondi maldoso.

— Eu sei, mas ainda é meu pai – Pedro replicou sério. – Vou cuidar disso. Não se preocupe.
Em alguns aspectos, foi bom Henrique ter embarcado no dia seguinte a que fizemos amor... Fazer
amor. Foi algo mais intenso do que isso. Não me arrependia daquela noite, meu problema era querer
mais. Sentia-me como se Henrique tivesse aberto uma porta dos meus desejos e pela primeira vez em
minha vida me sentisse como uma mulher sensual, que se rendia aos prazeres do seu corpo e sabia
que encontraria um parceiro à altura em meu amigo.

Apesar disso, com os sentimentos confusos e os pensamentos disparados, continuei a fazer o que
sei fazer de melhor: fingir que estava tudo bem. Nossas conversas profissionais e pessoais eram as
mesmas, nossas brincadeiras por mensagens eram iguais a antes de vê-lo nu. Ao contrário de depois

Natal, não queria espaço. Era como se longe dele fosse capaz de manter uma fachada que não sabia
se conseguiria quando ele voltasse de São Paulo.

Eu o senti antes mesmo de vê-lo. Ainda na manhã de uma quinta-feira, Henrique saiu do elevador
em disparada para a sala de Pedro. Ele devia ter encontrado Alberto Machado na Construtora.
Henrique já me confessou algumas vezes sobre a necessidade do membro do Conselho se impor na
empresa, e temia que, com o estresse da viagem, Henrique perdesse a paciência. Alberto apareceu
outras duas vezes durante a semana, algo que raramente fazia, aparecendo em reuniões com outras
pessoas desconhecidas. Algo estava acontecendo, mas não saberia dizer o que era.
— Ei, tudo bem? – indaguei quando ele passou por mim dando um suspiro derrotado, então fez um

gesto para acompanhá-lo para dentro de sua sala. Henrique tinha um semblante irritado enquanto

segurava a mala com força, os nós dos dedos brancos.

— Algo aconteceu – Henrique anunciou ao fechar a porta atrás de nós dois e colocar sua mala em

um dos cantos da sala.

— Algo com a viagem?

— Não... Bem... Lembra a Maitê? Ela vai prestar uma consultoria para a Construtora. Acabei de
encontrá-la na entrada da empresa – ele explicou, sentando-se em sua cadeira com força e colocando

a mão na cabeça como se precisasse pensar a respeito. Ele fazia isso muitas vezes, despenteando o
cabelo no processo e perdendo seu ar impecável.

— Sua Maitê, aqui!? – perguntei, minha voz mais alta do que deveria. Acomodei-me à sua frente.

— Ela não é minha! E sim, é minha ex-noiva. Achava que ela morava fora há anos, mas
aparentemente está de volta. O Pedro me avisou que ela é atualmente uma das melhores do mercado e
era para deixar meus sentimentos fora disso.

— E como foi reencontrá-la? – questionei sem jeito, sentindo um turbilhão invadir minha cabeça.
Deus, nós transamos e agora a ex dele estava na empresa. E por mais que tenha sido coisa de uma

noite, meu coração estava apertado por apenas de olhá-lo em sua cadeira. Era ciúmes misturado com
preocupação pelos sentimentos de Henrique.

— Foi esquisito – ele explicou, balançando a cabeça. – Ela continua bonita e agora parece mais
madura. Falou inclusive que voltou para o Brasil para se assentar e ficar perto da família.

— E ter aquilo que ela não quis quando vocês romperam? – indaguei ácida. Ele me encarou com
os olhos surpreendidos, porque eu raramente era alguém venenosa. – Desculpa por me meter na sua
vida.

— Claro que não, você está certa! Você é minha amiga, Mari. Só não sei como eu me sinto sobre
isso. Enterrei qualquer memória da Maitê e agora ela vai estar aqui não sei quantas horas por dia...

Talvez querendo conversar.

— E se ela pedisse para voltar? – sussurrei a pergunta, temerosa por sua resposta.

— Somos praticamente desconhecidos. O homem que fui naquela época não existe mais – ele

suspirou. – Ela está atrasada se quer uma família agora. Merda... Se quer alguma coisa comigo.

— Sinto que tenha que passar por isso.

— E eu... Mas muita coisa aconteceu além disso. Pegue o computador, temos muito o que
conversar sobre as reuniões que fiz em São Paulo – Henrique pediu e entendi que ele não queria mais

falar sobre aquilo.

Meu coração se apertou pelas palavras dele, seu olhar confuso como se fosse invadido pelas
lembranças. Eu também tinha um passado e ainda encarava parte dele todos os dias através de Bia,
mas era diferente. Sentia ciúmes dos pensamentos dele sobre ela, do passado dele. Eu não podia...
Podia?

Parei em choque em minha mesa, olhando para ele através da fresta da porta, constatando algo que
estava me negando a reconhecer: estava me apaixonando por Henrique.

***

Logo antes do almoço, uma mensagem de um número desconhecido chegou. Desde a emergência
na creche, eu atendia todas as ligações, o que me fazia conversar com mais telemarketing do que
deveria. Dessa vez não era alguém querendo me vender algo, mas sim meu passado batendo à minha
porta. Era oficial, Henrique e eu tivemos nosso dia balançado por pessoas que deveriam ficar apenas
na memória. Que péssimo início de ano.
Oi, sou eu, o Gustavo. Precisamos conversar sobre o bebê. Pode me encontrar ainda hoje?

“O bebê”. Era tão simples e curto e parecia que ele nem mesmo sabia o nome de Beatriz.
Respondi rapidamente, ele se dispôs a me encontrar um par de horas depois no Starbucks perto do

meu trabalho para o que quer que ele quisesse conversar. Estava com medo do que meu ex-namorado
gostaria depois de tanto tempo. Não contei para Henrique sobre a mensagem, parte por covardia e
porque ele já parecia cansado pelos fatos da manhã. Ele costuma ser superprotetor e acho que vai
querer estar lá junto comigo para encontrar Gustavo depois de anos.

Às três da tarde, desci. Apostava na desculpa de que poderia ficar apenas quinze muitos,
esperando-o aparecer.

Atrasado como sempre, Gustavo Lobo entrou na cafeteria. Ele parecia melhor. Seu cabelo preto
estava penteado para trás e as roupas eram mais caras. Os últimos anos favoreceram a economia de
Gustavo, pelo visto. Ao contrário da minha, pensei, repassando todas as contas de Bia nos meses
anteriores.

— Não sabia que tinha mudado de empresa – ele disse assim que se aproximou. – Você conseguiu
um emprego com uma criança pequena? Isso é raro.

— Mudei, sim. Nós não falamos há meses, as coisas mudam. Por que pediu para me ver? –
perguntei.

— Direto ao ponto. Parece que algumas coisas mudam – ele comentou como uma crítica, tirando
minha paciência. — Quero conhecer nossa filha.

— Podemos resolver isso – expliquei cautelosa. – Algo mudou?

— Como assim?

— Você não quis vê-la quando nasceu e um ano e meio depois aparece.

— Não vai começar, Marina! – ele retrucou irritado. – Eu tenho esse direito!
— Eu sei. E eu tenho o direito de estar curiosa. É muito tempo para de repente aparecer.

— Você está me ameaçando, Marina? É isso? – ele respondeu de um jeito irritado e percebi que

depois de conviver com Henrique, já não conseguia sentir firmeza com seu tom agressivo. Meu chefe
era muito pior com muito menos esforço.

— Estou curiosa porque minha filha é um bebê, mas, daqui uns anos, você pode magoá-la se
aparecer e sumir de repente. As coisas precisam ficar claras desde o início – afirmei. Gustavo
pareceu murchar, como se entendesse que não conseguiria me amedrontar como costumava fazer
antes. Em nosso relacionamento inteiro, ele sempre me colocava para baixo criticando meu jeito,

minhas roupas, minhas escolhas. Definitivamente estava melhor sem ele.

— Muito bem, então vamos deixar as coisas claras – ele suspirou irritado. – Quero a guarda dela,
e duvido que um juiz em sã consciência vai deixar uma criança com uma mãe pobretona quando eu
posso dar uma estrutura muito melhor para ela.

— Do que você está falando? – indaguei confusa em um fio de voz.

— Que eu tenho dinheiro para contratar bons advogados, coisa que sei que você não tem – ele
respondeu com um sorriso satisfeito, como se tivesse me prendido em uma armadilha. Que idiota.
Aprumei meus ombros, tentando passar a maior confiança possível, como aprendi com Henrique,

olhando-o como se fosse um verme em um microscópio.

— Sabe o quê? – anunciei, minhas palavras firmes enquanto segurava a alça da minha bolsa com
força. – Pode entrar na justiça. É melhor resolver isso de forma legal do que ouvir essa conversa.
Temos muitas coisas para resolver, como a pensão de todos esses anos. Vou falar com um advogado e
retorno para o mesmo número que me deu. Boa tarde!

— Não! Espere! – Gustavo disse tentando puxar minha mão, mas fui mais rápida, dando passos
para longe.

— E o nome dela é Beatriz, acho que você não sabe – repliquei tentando controlar meu
nervosismo, caminhando com pisadas fortes sem olhar para trás, sentindo minha respiração se afogar.
Olhei novamente para a mesa de Marina. Ela me garantiu que precisava ir à rua resolver uma
questão rápida e regressaria em minutos, mas já fazia mais de meia hora e nada dela aparecer.
Quando ia ligar para seu telefone, as portas do elevador abriram e ela apareceu com o rosto inchado,
olhando para os lados, como se não quisesse chamar atenção. Eu vi vermelho em poucos segundos
sabendo que algo a fez chorar. Eu queria consertar que estava errado, o que quer que tivesse a ferido,
tirar aquele olhar machucado de seu rosto.

— Henrique – ela sussurrou, parando em minha frente.

— Está tudo bem? – perguntei baixinho, vendo uma lágrima escorrer solitária. Empurrei-a para

minha sala, fechando-a no mesmo momento que ela soltou um soluço baixo.

— O pai da Beatriz quer tirá-la de mim! – ela disse, sua voz quebrada, fazendo meu coração se
contorcer.

— É óbvio que ele não vai. Me explica isso melhor – pedi enquanto ela se sentava no sofá da
minha sala, as mãos no rosto abafando suas palavras. Dei um apertão suave em sua perna, sentando-
me ao seu lado, fazendo-a me encarar e entrelaçar nossos dedos. Queria matar o desgraçado por
fazê-la sofrer desse jeito.

— Depois desse tempo todo, ele me mandou uma mensagem pedindo para falar comigo. Ele pediu
para conhecê-la, Henrique. Não poderia evitar. Mas as coisas ficaram esquisitas... Ele falou que ia

pedir a guarda, e eu não posso perder minha filha, não posso!

— Já falei, você não vai! Até parece que esse idiota não conhece direito de família. Você é uma
das melhores mães que eu conheço, Marina. Ninguém vai te tirar da Bia.

— Ele disse que tinha dinheiro, que contrataria bons advogados.

— Se for por isso, vamos contratar advogados também – eu a interrompi. Homem idiota. –
Prometo que nada vai acontecer. Ele é de uma família tradicional? Ele tem dinheiro?

— Não! Não sei onde ele conseguiu esse dinheiro. Nós nos conhecemos através de uma prima de

segundo grau minha. Na época ela estava aqui no Rio também, ia a algumas festas e tentava me
arrastar para todos os lugares, porque quase não tinha amigos. Quer dizer, quase não tenho ainda, mas
não é essa a questão. A gente tinha um relacionamento mais ou menos, mas eu era sozinha e
trabalhava muito, então nunca terminava. Foram dois anos de muitas coisas. Ele me traiu, nós nos
separamos, ele pediu para voltar... Enfim – ela respondeu balançando as mãos e as deixando cair ao
lado do corpo. — E depois veio a Bia e ele sumiu de vez. A última coisa que eu sabia dele é que
morava na Tijuca, perto do metrô, em um apartamento pequeno, e trabalhava em um escritório de
contabilidade. A menos que tenha ganhado na Mega-Sena, acho improvável ter dinheiro do jeito que

está falando.

— Vou pedir para alguém verificar. É uma história muito esquisita. Aparecer depois de dois anos.
Deve ter algo por trás dessa história, não é possível. Sei que te falei para entrar na justiça contra o
desgraçado, mas tem pessoas que é melhor manter a distância. Se ele só quer conhecer a Bia, bem.
Mas não vou permitir que ele a tire de você.

— Ele usava roupas caras, parecia mais arrumado, sabe? Gustavo sabe que o dinheiro é uma
coisa importante. Eu nunca tive. Por mais que o salário seja bom, perto de outras pessoas, eu sou
pobre. Tento fazer meu melhor, mas não tenho dinheiro e...
— Você não é alguém simples que ele pode passar para trás, Mari. Você é inteligente,

trabalhadora e, além disso, minha namorada.

— Do que você está falando, Henrique? – ela me perguntou confusa.

— Sei que nossa farsa tinha validade e prometi acabar com ela assim que o ano virasse e minha

mãe voltasse de viagem, mas isso é urgente. Por enquanto acho melhor dizer que está comigo –
anunciei, a ideia se formando conforme as palavras saíam da minha boca. O que estava fazendo? A
vontade de protegê-la saía de meu peito e já estava pensando novamente naquela noite de Ano Novo,
quando tudo parece ter mudado para mim.

— Como assim?

— Comigo, como minha namorada. Se ele te chamar para um novo encontro, vou com você. Meu
nome assusta, Marina. Não uma mulher sem dinheiro criando uma filha em um pequeno apartamento.
Você é minha namorada e vou te ajudar.

— De mentira?

— Pelo tempo necessário.

— Como fizemos na festa da sua irmã?

— Já acham que você é mesmo minha namorada. – Dei de ombros. – Todo mundo da empresa fala
que a gente sai, que a Bia é minha filha, que nossa amizade é suspeita. Você nunca ouviu nada disso?

— Claro que já, mas é conversa do cafezinho. As pessoas costumam ser maldosas, mas duvido
que achem que é verdade.

— Pois vamos fazê-los acreditar. Se antes eram só rumores, agora será oficial. Vou conversar com
o Conselho e...

— Ei, calma, Henrique... O que está falando?

— Que preciso pedir autorização para namorar minha secretária – brinquei.


— Por que é tão bom comigo, Henrique?

— Eu gosto de você e talvez queira um repeteco da noite de Ano Novo – respondi com a

sobrancelha levantada, ouvindo-a suspirar. – Ei... É uma brincadeira. Você deixou bem claro que
éramos apenas amigos.

— Mas o que vai acontecer? Vamos falar apenas para o Gustavo? Tem certeza que isso pode
ajudar?

— Quero que ele saiba que não pode mexer com você! Vamos conversar com um advogado e
saber o que fazer. Ele não pode aparecer do nada e te ameaçar.

— Mas e a Maitê? Ela está de volta, e se quiser sair com ela? Henrique, não quero atrapalhar
você.

— Isso não é importante no momento.

— Mas... – ela protestou.

— Ele brincou com a pessoa errada, Mari. Ninguém ameaça você ou a Bia – respondi com a voz
irritada, sabendo que tinha vontade de bater em Gustavo até ele pedir desculpas por toda a dor que
estava causando.

Passei o resto da tarde em busca de informações. Marquei para nos encontrar com Lorena
Trajano, uma advogada de família reconhecida, e pedi informações sobre o pai de Beatriz. No final
do dia, quando Marina já havia ido embora, tinha solucionado o motivo de seu dinheiro: ele estava
noivo de Renata Santana, uma influenciadora famosa, com mais de 15 milhões de seguidores e
moradora de uma mansão na Barra, zona oeste do Rio de Janeiro. Gustavo estava por todos os lados
em suas redes sociais, e se alguém era capaz de pagar um advogado, com certeza não era o ex-
namorado de Marina, e sim a noiva.

— Oi. – Ouvi da porta a voz da minha ex-noiva. – Queria aproveitar que seu cão de guarda já saiu
para fazer um convite.
Observei Maitê por alguns segundos, irritado com a ousadia de vir até minha sala para chamar

Marina de “cão de guarda”. Ela estava com as mesmas roupas de manhã e parecia ter passado o dia

na empresa fazendo algo envolvendo sua consultoria.

— Minha assistente já saiu. Precisa de algo?

— Ora, Henrique... Por que tão formal? Nós quase nos casamos, sabe? – ela respondeu com um
riso afetado, que murchou ao ver que eu continuava sério. Deu alguns passos confiantes e se sentou
na cadeira à minha frente, continuando: – Pois bem, vim aqui para convidá-lo para jantar.

— Jantar? – repeti como um papagaio. Que diabos?

— As pessoas fazem isso, Henrique. Nós temos tanta conversa para tirar o atraso. Está tarde e
você continua aqui trabalhando, eu também. Queria falar como foi a Inglaterra, como foram todos
esses anos e...

— Maitê, não estou interessado – cortei-a, sentindo sua posição endurecer em minha cadeira,
zangada com a minha resposta.

— Ainda está irritado, Henrique? Por favor! Nós éramos duas crianças brincando de ter um
relacionamento. Agora, como adultos, achei que você veria que poderíamos ser muito mais.

— Continuo não interessado, Maitê. Acho que o nosso relacionamento ficou no passado, e não

quero dar margem para que minha namorada ache que quero traí-la. Estamos bem, não? – anunciei,
encerrando o assunto quando ela continuou parada me encarando.

— Namorada? Tia Sheila não falou que...

— Você encontrou minha mãe?

— Um pouco antes do Natal. Ela e minha mãe ainda são amigas, né? É novo?

— Sim. É um relacionamento recente, mas nós até mesmo passamos o Natal com ela. Algo mais?

— Sobre nosso jantar...


— Maitê! – Suspirei zangado, cortando-a enquanto desisti de mexer no computador, e a fitei,

esfregando a mão sobre os olhos à procura das palavras corretas.

— O Pedro me alertou que você seria desse jeito, mas achei que seria mais sério sobre o seu
negócio. Quando podemos nos encontrar para falar da Construtora? Esse jantar sempre foi sobre

negócios. É você que não consegue superar o passado – ela respondeu irritada, levantando-se e
cruzando os braços.

— Agora é sobre a Construtora, é? Nada de tempo perdido etc., etc.?

— Você e seu relacionamento frágil que entenderam outra coisa. Sempre foi trabalho.

— Claro que sim, Maitê – zombei irritado. – Me encontre para almoçar amanhã. E que tenha
algum propósito.

— Claro que vai, Henrique. Te vejo amanhã – ela respondeu, afastando-se da minha sala enquanto
a acompanhava caminhar até o elevador. Que diabos aconteceu nesse dia?
— Henrique, tudo bem? – Ouvi a voz suave de Marina do outro lado da ligação. Já passava das
dez, mas não conseguia conciliar o sono.

Depois de descobrir sobre Gustavo, repassei as informações para Marina por mensagem, que
ficou chocada com a mudança de vida do ex-namorado. Não era o suficiente. Queria ouvir a voz dela
e saber se Marina estava bem depois da ameaça do pai biológico de Beatriz.

— Depois que você saiu a Maitê apareceu – revelei, parado na janela de frente ao mar em que a
beijei no Ano Novo. Não sabia como agir com meus sentimentos. Com o aparecimento de Gustavo,
ela precisa de um amigo, e não de um amante. Mesmo assim, aqui estava eu, pensando em seu abraço,

seu corpo contra o meu. Já estava velho demais para me sentir apaixonado como um adolescente.
Como Marina me fazia sentir desde aquela noite.

— E você? – ela perguntou.

— Nada. Ela queria jantar, mas não posso abrir essa janela. Nem mesmo quero. Não temos
assunto nenhum e ela ainda aparece para falar dos velhos tempos – resmunguei, ouvindo um riso
suave de Marina do outro lado da linha pelo tom mal-humorado da minha voz.

— Se sentiu tentado? – ela perguntou suave. Poderia falar de outras coisas que me deixavam
muito mais tentado que minha ex-noiva. Todas envolvendo Marina.
— Não, longe disso. Teremos algumas semanas confusas pela frente.

— Eu sei... Depois que me falou sobre Gustavo, não sei o que pensar sobre a noiva e o pedido

de guarda. Obrigada por estar do meu lado.

— Me importo com você – sussurrei leve, ouvindo-a tossir do outro lado. – Está bem?

— Me sentindo um pouco mal, mas nada demais. Acho que é um resfriado. O ar-condicionado
do metrô é muito gelado.

— E você vive correndo por aí e ainda me acompanhando em reuniões fora, em visitas técnicas.

— Já te falei que eu gosto – ela protestou, tossindo novamente. – Preciso dormir e descansar. Já
marquei um médico amanhã perto do trabalho. Levo a Bia para a creche e depois volto para
buscá-la na hora do almoço.

— Posso fazer isso, se quiser. Ainda tenho a cadeirinha no meu banco de trás, se precisar levá-las
em casa.

— Vai te atrapalhar, Henrique!

— Eu adoro ficar com a Bia, já falei para você um milhão de vezes.

— Vamos trocando mensagem, pode ser?

— Aham – murmurei, ouvindo o silêncio do outro lado da linha. – Mari, você pensa na gente?

— Como... como assim?

— Eu sei que é minha amiga, que prometemos que seria apenas uma vez e que não é o melhor
momento. Mas que tal um encontro?

— Um encontro? – ela repetiu. – Tipo eu e você?

— Sei que acha que sou um canalha e tantas outras coisas, mas estou me expondo aqui. – Eu ri. –
Talvez não tanto, porque não teria coragem de falar isso diretamente para você, mas gostaria de
tentar.
— Eu penso – ela me respondeu. – Às vezes penso em tudo o que fizemos naquela noite e sei que

seria complicado de repetir.

— Foi bom para cacete, né?

— Um dia a Bia vai repetir todos esses palavrões e você vai ficar com vergonha – ela me

censurou.

— Não vai, ela me protege. Nós somos uma dupla e tanto.

— E se fosse algo casual? – ela me perguntou em um fio de voz. – Deixar acontecer, se


acontecer. Realmente não é o melhor momento.

— Querida, vai acontecer. Não percebe que esse trem já partiu? Eu sei que você se sente do
mesmo jeito que eu, ou não teria sido perfeito.

— Podemos conversar sobre isso depois? – ela implorou do outro lado da ligação, tossindo mais
um pouco. – Não sei se sou capaz de pensar em algo com o Gustavo tentando tirá-la de mim.

— Eu sei...

— Você queria algo?

— Como assim?

— Nós trocamos mensagens, mas raramente você me liga – ela alertou.

— Ouvir sua voz – confessei, aproveitando a distância entre nós dois, a noite parecendo perfeita
para revelar segredos. – Ela me acalma. Quando minha mente está confusa, seu jeito... ele me coloca
nos eixos.

— Você também – ela disse em um fio de voz. – Enquanto falava com Gustavo, só pensava na
forma que você me incentiva a agir. Mais corajosa, confrontadora.

— Parece que mudamos um ao outro, Mari – respondi, ouvindo o silêncio do outro lado da linha.
– Nos vemos amanhã. Espero que melhore.
— Te vejo amanhã – ela sussurrou, cortando logo em seguida. Meu coração deu um salto quando

ouvi a linha interrompida. Eu a queria do meu lado desesperadamente, mas sabia que cada um tinha

seu tempo. Marina precisava do meu apoio e eu estaria ao seu lado quando ela precisasse.

Na manhã seguinte, passei pela mesa vazia de Marina, sabia que ela tinha piorado. Ela me mandou

uma mensagem dizendo que começou a vomitar e ter febre e que tinha ido para a emergência logo
depois de deixar Bia na creche. Continuei trocando mensagens com ela, cada vez mais preocupado
com sua saúde, até que perto da hora do almoço fui buscar Beatriz. As educadoras da creche já me
conheciam, e há alguns meses Marina me autorizou a buscá-la depois de ficar presa em uma reunião

com uma equipe em um bairro longe de Ipanema. Quando voltei para a M&M Construtora com Bia no
colo, contorcendo-se para correr com suas perninhas pequenas, lembrei que tinha marcado um
almoço com Maitê. Que se dane, Beatriz não me atrapalhava e poderia fazer uma reunião de negócios
com um bebê no colo tranquilamente.

Assim que entrei no restaurante com Bia em um braço e sua mochila pendurada em meu ombro – e
graças a Deus Marina não era uma pessoa de comprar mochilas rosas e com enfeites, porque do
contrário seria toda uma cena: um homem de um metro e oitenta e quatro segurando uma bolsinha
sobre o terno –, procurei por Maitê. Ela estava sentada em uma mesa no fundo do local, seu cabelo

preto em um coque e um batom chamativo em sua boca, um jeito sofisticado que ela ganhou nos
últimos anos. Quando éramos noivos, ela não tinha esse ar de sucesso, de alguém saído de um
anúncio de mulheres executivas.

Assim que me aproximei, ela olhou para Bia aterrorizada ao mesmo tempo que o garçom me
perguntou se precisava de uma cadeirinha para ela. Disse que não com a cabeça, sentando-a em meu
colo e colocando sua mochila no encosto da cadeira. Era uma cena incomum para um restaurante
caro.

— Recebi sua mensagem com o endereço, tinha esquecido que marquei com você – desculpei-me,
balançando Bia ao mesmo tempo que olhava o cardápio.
— Por que você trouxe um bebê para o nosso almoço?

— Não é importante. Sobre o que gostaria de falar? A Bia não me atrapalha – respondi e levantei

o olhar para ela, que agia como se não soubesse o que falar com a minha declaração.

— Claro que atrapalha! Vai chorar, e gemer e fazer todas aquelas coisas que crianças fazem para

irritar.

— Ela está quietinha e você está se irritando, Maitê. Parece que quem está se comportando mal
não é a criança à mesa. Agora, o que você precisa sobre a construtora?

— Não acredito nessa sua escolha. Pensei que depois do que aconteceu tinha superado, mas

conseguiu arranjar uma namorada com filhos só para conseguir o que queria! – ela continuou,
ultrajada. – É filha da sua namorada, não é? É a única explicação para ficar andando com ela por aí.
Tia Sheila me contaria se você tivesse algum filho.

— Não sei do que está falando, Maitê.

— Você sempre quis ter filhos e agora está se divertindo com uma criança de outro homem. Ela
está usando você, não consegue ver?

— Maitê... – respondi com uma pausa, encarando-a sério. – Em que momento do plano estratégico
da Construtora isso se encaixa? Minha vida pessoal não está em discussão.

— Henrique... – ela respondeu, abrindo e fechando a boca como um peixe, confusa pelas minhas
palavras. Eu não cederia um milímetro. Não depois da nossa história.

— Vim aqui porque você tinha algo a falar sobre a empresa. Se você tiver algo a falar da M&M,
sou todo ouvidos, do contrário, me deixa ter um almoço em paz em vez de falar no meu ouvido, pode
ser?

— Inacreditável... – ela sussurrou irritada. – Olha no que você se transformou! Você não era
assim.

— Não estou sendo mal-educado, Maitê. Estou te informando que nossa conversa é e sempre será
de negócios. Você está tentando trazer um passado que não existe mais à tona, mesclar minha vida
pessoal em uma conversa que deveria ser inteiramente de trabalho. Não estou interessado. Não quero

passar mais tempo do que o necessário ao seu lado.

— Então eu afeto você – ela falou com um ar vitorioso.

— Claro que afeta, droga. Nós quase casamos e quase tive um filho com você, até que você fugiu
para a Inglaterra e apareceu aqui oito anos depois achando que iria recepcioná-la de braços abertos.
Eu tenho uma vida, um relacionamento, coisas que são importantes para mim e que não existiam
naquela época. É uma coisa imbecil tentar voltar no tempo. Você fez suas escolhas, não pode

respeitar as minhas em vez de forçar a sua presença?

— Antes você não falava desse jeito comigo – ela disse com uma voz baixa, parecendo chocada.

— Aprendi uma coisa ou duas da vida, Maitê. Agora, por favor... Se puder me deixar sozinho e
enviar tudo o que precisa por e-mail, terei o maior prazer em ajudar a fazer um trabalho excelente
para a Construtora. Mas qualquer ideia que você tinha na cabeça não existe mais. As pessoas que
éramos naquela época não existem mais. Pare de insistir.

Maitê se levantou, ainda me olhando em choque pelas minhas palavras, balançando a cabeça
enquanto parecia alisar todos os vincos de seu blazer, procurando as palavras certas.

— Você tem razão. Vou tentar fazer da minha visita o mais indolor possível. Vou deixar você
almoçar com a sua companhia – ela completou em um tom venenoso.

Apenas balancei a cabeça, observando-a sair do restaurante no mesmo momento que levantava a
mão para o garçom, chamando-o para pedir minha refeição. Quando, minutos depois, meu prato
chegou, dividi parte de um bife com purê com Beatriz, que me sorria desdentada.

— Você é uma companhia muito melhor para o almoço, Bia – sussurrei, dando um beijo em sua
cabeça.

— Ique! – Ela tentava chamar minha atenção mastigando um pouco de purê. Eu ri. Talvez Beatriz
fosse uma das melhores companhias de almoços que tive nos últimos meses sem ser a mãe dela.

Quando o garçom veio com a conta, sorriu para Beatriz e disse que eu tinha uma filha muito bonita

e muito parecida comigo. Os fios claros eram como os de Marina, mais loiros do que o meu, mas
ainda sim de tom muito próximo. O que talvez ele estivesse vendo era a cumplicidade. Eu amava

aquela menina, e Bia gostava de demostrar seu carinho com abraços e beijos babões. Meu coração
apertou ao observá-la em meu colo. Não tinha explicação para o sentimento de afeto e proteção que
sentia por ela, como uma filha de verdade. Em muitos aspectos, ela era muito mais minha do que o
pai biológico, e me sentia satisfeito por isso, mesmo não podendo externar essa sensação.

***

Depois do almoço, Marina avisou que estava saindo do médico, então dei carona para ambas. Ela
parecia pálida e com dor de cabeça. Depois de insistir para ela descansar um pouco, passei na
farmácia, comprei os remédios indicados e insisti para Marina me avisar caso ficasse pior, mas eu a
conhecia. Tentando não me incomodar, ela não avisaria nada.

Na manhã seguinte, ao ver a mesa de Marina vazia novamente, larguei tudo o que estava fazendo e

voltei para seu apartamento. Toquei a campainha e esperei enquanto ouvia barulhos do outro lado da
porta. Um minuto inteiro se passou e minha cabeça começou a elaborar planos de como entrar na
casa: arrombar a porta, chamar um chaveiro? Marina poderia estar desmaiada lá dentro e Bia
sozinha.

— O que está fazendo aqui? – ela indagou ao abrir a porta, uma camisa enorme sobre seu corpo, o
cabelo em um coque displicente e o rosto inchado. Ela fungava e tossia, sua voz seca enquanto me
encarava com os olhos semicerrados, como se a cabeça doesse apenas de falar.

— Você deveria estar de pé?


— Você tocou a campainha – ela acusou. – Entra, estou um caco, pior do que ontem. Que horas

são?

— Já passa das nove. Você não apareceu no trabalho e fiquei preocupado – revelei ao mesmo
tempo que fechava a porta atrás de mim. Ela caminhou para o pequeno sofá da sala e se sentou com

cuidado, como se sentisse fraca demais para fazer outra coisa.

— Esqueci de ligar. Estava tentando fazer um café da manhã para a Bia, mas minha cabeça dói
tanto... – Marina suspirou. – Preciso ligar para farmácia e pedir alguns remédios. O médico disse que
era um resfriado simples, mas me sinto uma merda.

— Vai deitar, Marina, eu fico com ela – anunciei, sentando ao seu lado. – Do que você precisa?

— Não, você não pode. Tinha a reunião com o pessoal do financeiro. Droga. Estraguei tudo – ela
gemeu.

— Para com isso! – falei, apertando seu joelho com carinho. Ela olhou para mim, seus olhos
abertos em par, como se não esperasse o toque íntimo. – Vai dormir, já disse. Você precisa tomar um
remédio e dormir, não para um segundo. Onde está a Bia?

— No berço, ela acordou, mas estava quietinha. Não confio em mim para dar de mama e nem
quero chegar muito perto. Se ela ficar doente...

— Eu sei. Vou passar o dia com ela, não se preocupe. Agora vamos para o quarto – anunciei e,
sem avisar, levantei-me e a peguei no colo, Marina resmungou uma reclamação enquanto caminhava
para a porta no final do corredor.

Quando cheguei ao cômodo, depositei-a na cama com um sorriso suave só para observar Marina
se desmanchar entre os lençóis, como se efetivamente precisasse daquele descanso. Quando ela
fechou os olhos, virei-me para o berço para encontrar Bia e seus olhos castanhos enormes me
encarando com um pijama de dinossauros. Merda... Eu tinha um fraco por aquele bebê. Não tinha
voltado a pensar em filhos até ter aquele pingo de gente nos meus braços, seu cheirinho e as
dobrinhas macias. Quem diria que o CEO sem sentimentos seria derrotado por um sorriso

desdentado?

Peguei-a com cuidado, ninando-a em meu colo com um murmúrio baixo. Bia me deu um sorriso
leve de volta, sua cabeça procurando meu rosto enquanto suas mãozinhas brincavam com minha

barba. Olhei para Marina, que permanecia de olhos fechados, e levei Beatriz para a sala. Como o
apartamento era pequeno, a cozinha era grudada ao cômodo, separada por uma bancada americana.

— Sou eu e você agora que sua mãe está doente, viu, querida? Está com fome? – perguntei e
recebi um “dadadada” como resposta, o que deveria indicar algo. Bia estava cada vez mais falante e

com uma linguagem própria, dizendo coisas como “apa” ou água, “te” ou chupeta, além do clássico
“mama”.

Coloquei-a no cercadinho da sala e lutei com a cozinha de Marina para esquentar a comida,
esperava que minha barulheira não incomodasse sua dor de cabeça. Meia hora depois, tudo parecia
melhor – a farmácia tinha entregado os remédios que faltavam, Bia comia no meu colo e eu estava
finalmente sentado no pequeno sofá, analisando meu redor enquanto esperava a pequena se alimentar.
Abri os olhos com calma, como se esperasse sentir dor como no dia de ontem. Minha cabeça
continuava pesada, mas me sentia com fome, o que já era um sinal melhor do que os últimos dias.
Meu Deus, Bia. Olhei para seu berço vazio e me desesperei. Henrique passou o dia inteiro comigo
ontem cuidando da minha filha, mas e depois? Estava sentindo tanta dor de cabeça que não lembrava
dele partir. Ele não precisava fazer o que fez, mas passou o dia ao meu lado, fazendo comida para
mim e Bia, ajudando com os cuidados dela e sendo o anjo da guarda que nunca esperei que fosse. O
homem até mesmo fez uma sopa para mim e ficou me observando comer para “garantir que eu não
pularia mais uma refeição”.

Naqueles minutos em que ele brincava de aviãozinho com Bia e ameaçava fazer o mesmo comigo
caso não comesse direito, percebi que estava rendida pelo homem. Me apaixonei por Henrique, seu
coração grande preso em uma casca séria. Sua intensidade, seu sorriso canalha e o jeito que me
tratava, como se fosse especial e a única pessoa no mundo. Sua voz naquela noite voltou para mim:
Mari, você pensa na gente? Eu pensava o tempo todo. Em como poderia ser diferente se eu
assumisse meus sentimentos, como era confuso amar meu melhor amigo quando tinha tanta coisa
acontecendo ao nosso redor.

Saí para a sala e meus olhos se suavizaram com a imagem: Henrique deitado no meu pequeno sofá
de dois lugares, suas pernas quase todas para fora da mobília e seu pescoço em uma posição
desconfortável, com Bia deitada em seu peito, os olhos fechados e satisfeita pelo colchão de
músculos em que estava deitada. Não julgava minha filha, porque eu também me sentia tentada por

aquele peitoral de fora. Ele se desfez da camisa em algum momento da noite e agora dormia
satisfeito, exibindo seu abdômen definido no meu pequeno apartamento. Droga de homem tentador.
Sentei na mesinha em frente ao sofá e peguei Bia com delicadeza, os olhos de Henrique se abriram

no exato momento que o corpo dela foi separado do dele.

— Está melhor? – ele perguntou com a voz rouca.

— Sim. Não tem mais uma escola de samba na minha cabeça. O nariz um pouco entupido, mas não

me sinto mais tão cansada – murmurei, aninhando Bia no meu colo enquanto levantava. – Muito
obrigada por isso. Demoraria muito mais a ficar melhor se tivesse que cuidar dela sem descansar.

— Ela acabou de comer – Henrique explicou, sentando-se no meu sofá sem jeito, como se
estivesse com os músculos doloridos.

— Pegou no sono? – indaguei com um sorriso.

— Seu sofá é uma droga, Marina. Pequeno e desconfortável. Cochilei durante a noite, mas
acordava o tempo todo. Quando terminei, acabei pegando no sono. Sei que não é o ideal com ela no
colo, mas...

— Tudo bem – interrompi tranquilizadora. – Você está fazendo o seu melhor. Nunca cuidou
sozinho de uma criança e sobreviveu às primeiras vinte e quatro horas.

— Eu baguncei toda a sua cozinha, Bia gorfou na minha camiseta e tive que ligar para a minha
mãe. Mas ela está trocada e alimentada – Henrique revelou, tímido. – Você deveria ter alguém,
Marina. Ela dá tanto trabalho...

— Tenho a creche, amigos... Estamos bem.

— Menos quando fica doente? – ele disse, colocando a mão em meu rosto com uma expressão
suave e preocupada. – Está bem mesmo?
Senti-me vulnerável e levantei. Caminhei até o quarto, tomando meu tempo para colocar Bia no

berço enquanto sentia a presença de Henrique atrás de mim, como se ainda quisesse uma resposta.

Quando não pude enrolar mais, encontrei seus olhos preocupados sobre mim.

— Estou bem, Henrique. Eu juro.

— Tomei um susto com o seu sumiço – ele revelou, chegando mais perto. – Quando você não
chegou no trabalho nem ligou avisando, fiquei com medo de que algo tivesse acontecido com você e
com a Bia.

— Desculpa não ter avisado. Estava me sentindo tão mal...

— Você pode me ligar por qualquer coisa, a qualquer momento. Entende? Vou vir correndo, não
importa o motivo – Henrique pediu, pegando meus dedos e entrelaçando nossas mãos em um
movimento tão íntimo que fiquei assustada. Eu o amava. Era uma revelação tão nova que era
assustador.

— Henrique, não acho que...

— Marina, para de pensar pelo menos por um minuto, ok? Me deixa cuidar de você. – Ele
suspirou tão perto que podia sentir sua respiração. Levantei meus olhos, que foram atraídos como
ímãs para a sua boca a poucos centímetros da minha. Minha respiração se acelerou, meu olhar se

perdeu nos contornos de Henrique e fiquei hipnotizada naqueles poucos segundos. Deveria me
afastar, mas era mais forte do que eu, sua mão ainda na minha, sua pele quente tão perto de mim.

— Henrique, nós não... – Ele abafou as palavras no momento que sua boca caiu sobre a minha,
grudando os lábios nos meus de forma gentil, como se quisesse minha autorização para ir além.

Quando me desmanchei em seus braços, atraindo-o mais para mim, Henrique aprofundou o beijo.
Respondi com o mesmo vigor, abrindo minha boca para ele em um duelo de línguas e sabores, um
devorando o outro como se apenas existíssemos nós dois no momento. Seus dedos quentes tocavam
minhas costas, podia sentir cada músculo duro de seu abdômen enquanto passeava minha mão pelo
corpo de Henrique.

Sabia que isso não poderia ir além e que era perigoso, mas era como se não pudesse parar, minha

pele se arrepiando pelo melhor beijo que recebi na vida, sua ereção dura se delineando em minha
cintura enquanto nossos corpos estavam tão próximos, como se não desse para saber onde um

começava e outro terminava. Então de repente me afastei, virando meu rosto para o lado e dando um
espirro alto, tapando meu rosto pela vergonha do que acaba de acontecer ali.

Eu tive a audácia de perguntar por algo casual quando sentia muito mais por esse homem do que
apenas uma atração passageira. Com seu apoio, sua amizade, meu ciúme de Maitê e outras mulheres.

Eu era uma confusão apaixonada por Henrique Martins.

— Marina, está tudo bem? – ele perguntou sem fôlego.

— Poderia ir embora? – pedi com a voz grossa pelo resfriado, sentindo mais um espirro coçar em
meu nariz.

— Mas... – Henrique me olhou confuso, seu peito subindo e descendo sem entender como eu
passei de querer beijá-lo para mandá-lo embora.

— Acho que está confundindo as coisas, Henrique. Obrigada por me ajudar, mas você tem outras
coisas, lembra? Não deveríamos estar nos beijando desse jeito. Uma vez foi o suficiente. Você é meu

amigo. Não posso te perder por uma bobeira.

— Você não vai me perder e esse beijo não foi uma bobeira – ele falou sério.

— Henrique, preciso descansar. Por favor – pedi de novo e ele balançou a cabeça
afirmativamente, dando alguns passos para trás enquanto eu evitava encará-lo, brincando nervosa
com meu relicário.

— Vou para casa tomar um banho e resolver algumas coisas no escritório. Passo aqui à tarde.

— Não precisa...

— Claro que precisa – ele me cortou. – Você não está bem, ainda precisa se recuperar. Me liga se
algo acontecer?

— Estou bem, juro!

— Não é isso que estou pedindo – Henrique completou.

— Muito bem. Eu prometo ligar se algo acontecer. Agora, pode ir?

— Isso não terminou, Marina – ele respondeu sério, um de seus olhares predadores me
observando de cima a baixo ao mesmo tempo que saía do meu apartamento pisando duro. Precisava
pensar, ficar sozinha e, ao mesmo tempo, já sentia saudades dele aqui comigo.
Marina demorou mais dois dias para se restabelecer e a obriguei a ficar em casa até se sentir
melhor. Ela me dizia que a profissional do RH não ia com a cara dela e que causaria problemas, mas
eu era o CEO, e para alguma coisa isso deveria servir. Ela voltou ao trabalho bem a tempo do
encontro com a doutora Lorena Trajano. Às duas da tarde de uma quinta-feira, a advogada se sentou
em meu escritório e ouviu Marina narrar sua história com Gustavo.

A mulher era negra, por volta dos quarenta e com cabelos presos em um coque profissional, tinha
uma expressão irritada a cada novo fato sobre o ex-namorado da minha secretária. Apesar de saber
sobre a história, não conhecia todos os detalhes, e me cortava o coração saber que Marina passou

por situações difíceis apenas pelo idiota se negar a registrar Beatriz. Depois de ela avisar sobre o
nascimento de Beatriz, Gustavo sumiu. Ele não atendia aos telefonemas e Marina desconfiava que
havia bloqueado seu número e também nas redes sociais. Como a lei só permite que mulheres
casadas apontem o nome do pai no registro e Marina — graças a Deus — não tinha vínculo algum
com Gustavo, era necessária a presença dele para registrá-la.

Após ser informada que precisaria entrar em um processo de investigação de paternidade e passar
por um puerpério sozinha, Marina desistiu de procurar o ex-namorado. Quando o cartório pediu os
dados do "possível pai", ela foi informada de que haveria uma averiguação com o juiz. Marina
assinou um termo de responsabilidade, e na certidão de Beatriz passou a constar apenas o nome dela.
Uma cruzada que nenhuma mulher, principalmente dias após parir, deveria viver.

— Enquanto ele não ajuizar uma ação, não tem como exigir nada. Ele não é um pai presente, você

tem mensagens comprovando sua boa-fé e mesmo assim ele sumiu por dois anos. Dificilmente um
juiz ficaria a favor em um caso assim – a advogada afirmou. – Meu conselho é começar os

procedimentos. Beatriz tem direitos, e se ele quiser mesmo uma relação com a sua filha, deverá ser
acordado conforme a lei. Nós fazemos isso pelo bem da criança. Ela é o foco principal nesses
processos, independente da pré-disposição dos pais.

— E como devo fazer isso? Foi tão desgastante quando ela nasceu.

— Veja o que ele quer resolver com você. Nesses casos é sempre melhor ter uma relação
amigável entre as partes. E entrem com o processo de reconhecimento. As pessoas evoluem, e
Beatriz merece ter um pai presente, se é o que ele está buscando.

— E se não for? – ela perguntou em um fio de voz. Apertei seu ombro, tentando levar conforto.

— Nós temos dispositivos para protegê-las. Você criou sua filha sozinha até aqui. Existem
responsabilidades, contas... Ele também precisa responder por isso.

Depois da reunião, Marina me olhou com olhos expectantes ao mesmo tempo que enviava uma
mensagem para Gustavo pedindo para encontrá-lo novamente no mesmo lugar, no Starbucks perto do

trabalho. Sentaríamos por alguns minutos, alinharíamos as coisas e o resto seria tratado por
advogados. Sentia ciúmes do pai da Beatriz, porque ele tinha um laço inquebrável com ela, mesmo
que a menina gostasse muito mais de mim do que dele. O homem era um idiota se não quis conhecê-la
em todos esses anos.

— E então? – perguntei.

— Ele vai me encontrar na hora do almoço – ela respondeu. – Preciso me preparar. Essa situação
me deixa nervosa. Ele quer que eu leve Beatriz.

— E como se sente com isso?


— Ela é pequena, não vai lembrar. Vou passar na creche e pegá-la. Serão poucos minutos, e

espero que ele a trate bem.

— Vou acompanhá-la. Estarei ali para te dar forças.

— Você vai? – ela perguntou chocada.

— Mas é claro que eu vou junto! Esse cara afetou muito você na última vez que se encontraram! E
além do mais, sou seu namorado, lembra? – Eu ri e Marina me encarou com um leve sorriso, seus
lábios ainda trêmulos de tensão.

Estiquei meus braços, puxando-a para mim, dando um abraço confortante, sentindo-a se aninhar

em meu ombro. Era uma droga estar apaixonado e não ser correspondido.

— Eu sei que ele é o pai dela, mas ele não era uma pessoa boa quando a gente namorou. Sempre
falando mal de mim, do meu peso, do meu jeito de vestir. Não quero isso para a Bia.

— Quebro a cara do desgraçado se ele fizer algo assim – sussurrei em seu ouvido, um misto de
brincadeira e irritação, fazendo Marina dar uma risada seca.

— As coisas não se resolvem assim. Isso de envolver justiça, direitos, pensão... Estava tudo bem
antes quando éramos só ela e eu.

— Beatriz tem o direito de saber quem é o pai dela, querida. Mas se ele desviar um milímetro do
que seja, eu conheço pessoas.

— Henrique... – ela engasgou em um riso cínico, afastando-se para me olhar nos olhos.

— Você sabe quantos metros cúbicos de terra nós movimentamos nas obras? É ideal para
esconder um corpo.

— Pelo amor de Deus, Henrique. Se as pessoas ouvirem – ela sussurrou ainda apertada contra
mim, olhando para a porta fechada do meu escritório. Apesar dos comentários, ninguém ouvia o que
passava aqui dentro.

— Se as pessoas ouvirem o que ele fez com você, capaz de até ajudarem! – respondi irritado,
afastando-me dela. – Nós precisamos preparar um material para uma reunião externa do Pedro. Sei
que sua cabeça está em outro lugar, mas devemos começar.

— Claro. – Ela suspirou, dando um passo para longe. Senti a perda de seu calor em mim. Meu
deus, estava virando um romântico. – Vou pegar as coisas para começarmos.

***

Uma da tarde e nada do idiota. Minha barriga roncava enquanto brincava com o copo de café em
minhas mãos, sentado em uma mesa lateral. Marina e eu estávamos há mais de meia hora esperando
Gustavo Lobo chegar. Até o encontro, minha assistente mudou todas as pastas de lugar e catalogou
nosso material de escritório por cor. Marina nervosa era quase como se uma Marie Kondo passasse
pelo escritório.

Nós saímos no horário marcado e pegamos Bia. A menina estava indócil, reclamando de ficar
sentada todos esses minutos e não tirava sua razão. Beatriz vestia um vestidinho de verão amarelo,
seus cabelos loiros espetados para cima. Depois de quinze minutos, Marina foi até o balcão e pediu
alguns pães de queijo e biscoitos, afirmando que o pai biológico de Bia não era uma pessoa

confiável com respeito a horários. Ele só estava me deixando cada vez mais irritado e nem mesmo
conhecia seu rosto.

— Finalmente – ela sussurrou, mostrando um homem de cabelos pretos entrando na cafeteria.


Empertiguei-me na cadeira, tentando fazer meu olhar mais sério e ameaçador conforme ele se
aproximava da mesa.

— Quem é ele? – Gustavo perguntou irritado sem nem mesmo nos cumprimentar ao se aproximar
da mesa.

— Esse é o Henrique, meu namorado – Marina anunciou e o homem me encarou por alguns
segundos, como se esperando que eu fosse levantar minha mão para cumprimentá-lo. Espere sentado,

idiota.

— Tem algum motivo especial para ele estar aqui? – ele questionou novamente, sentando-se à
nossa frente. Mantinha meu olhar colado a ele, sabendo o peso que aquilo causava. O homem engolia

em seco, tentando fingir que meu escrutínio não o incomodava.

— Me acompanhando. Eu sei que você não perguntou, mas essa no meu colo é a Beatriz – Marina
anunciou, olhando levemente para Beatriz e sua expressão zangada pelo calor e por estar ali por
muito tempo. Gustavo baixou os olhos, como que a analisando por cinco segundos antes de balançar

a cabaça afirmativamente.

— Serei rápido...

— Por favor. Estamos aqui há algum tempo e preciso voltar ao trabalho.

— Muito bem, a questão é a seguinte. Quero passar uma tarde com Beatriz. Minha noiva quer
conhecê-la e acho melhor que esses encontros rápidos. Ela é famosa e não pode ficar se mostrando
desse jeito.

— Como? – Marina perguntou confusa. Eu sabia o que estava se passando na cabeça dela.
Gustavo não aparecia por dois anos e de repente queria levar Bia para longe em uma tarde inteira.

— Você entendeu... – ele disse condescendente e me irritei, inclinando meu corpo em direção
dele, vi o homem começar a transpirar. Bom. Ele recuou alguns centímetros, grudando as costas na
cadeira antes de continuar: – Nós temos toda essa questão de você não ter deixado eu registrá-la,
Marina. É meu direito.

— Eu fiz o quê? Está louco, Gustavo. Eu avisei do nascimento e disse onde estaríamos. Você
nunca apareceu. Sabe a confusão que foi para registrar ela? Fui chamada para justificar porque o pai
da minha filha não constava na certidão e expliquei que você não me respondia e não sabia mais
onde você morava. Entende isso?
— É sua palavra contra a minha, e alienação parental está na moda.

Quê!? Esse idiota não estava falando isso, estava?

— Espera. Você vai tentar me culpar de alienação parental quando você que me ignorou? Isso é
desrespeitoso – Marina respondeu e eu peguei em sua mão, tentando fazê-la se acalmar ao mesmo

tempo que sentia minha respiração acelerar. Esse homem era um idiota.

— Vamos, Marina. – Levantei-me sem dizer palavra alguma. Se continuasse ali, iria socar a cara
dele. Como ela namorou um babaca desse por dois anos inteiros?

— Muita calma, vocês dois. Marina, segura seu pitbull, porque nós temos uma conversa séria

aqui. Imagina as consequências de um processo desse? – ele falou venenoso.

— Vou conversar com minha advogada e volto a falar com você. Essa conversa foi longe demais,
Gustavo. Deveríamos falar de guarda, não sobre ela passar uma tarde com você e sua noiva. Não
precisa disso e você sabe que tentei falar com você – Marina disse. – Achei que queria conhecê-la,
mas você nem sequer falou com ela.

— Ela é um bebê, Marina. Não seja idiota.

— Ok, é isso. Ou nós vamos agora ou vamos ter problema – sussurrei para Marina. Ela balançou
a cabeça, falando em uma voz alta o suficiente para Gustavo ouvir. O homem abriu os olhos como

pratos e teve a sabedoria de não falar mais nada.

Nós nos levantamos, deixando o homem lá sentado com sorriso satisfeito. Gustavo Lobo era um
problema, um homem que se achava esperto quando era um idiota. Ele achou que encontraria uma
Marina vulnerável, mas não podia esperar que me encontraria como adversário. Reviraria a vida
desse desgraçado atrás de qualquer informação que o colocasse a muitos quilômetros de distância de
Marina e Beatriz. Ele aprenderia que se não quisesse brincar, não deveria ter descido para o play.
— Como informei antes, ele não tem direito a nada – a doutora Lorena disse através da ligação,
Henrique e eu no viva-voz após o encontro com Gustavo. – Enquanto ele não ajuizar uma ação de
reconhecimento da paternidade, não pode exigir nada. É o mesmo que você deixar o atendente da
padaria passar uma tarde com a sua filha. Ele não registrou a Beatriz, Marina.

— Mas sobre a questão de alienação parental? Ele tem dinheiro e pode me acusar.

— Você disse que quando engravidou o chamou para conversar, tem mensagens de WhatsApp e
algumas respostas dele – a advogada interrompeu. — Vamos ver cada coisa a seu tempo. Com a
paternidade ajuizada, tudo pode ser resolvido no mesmo processo: o reconhecimento, o pedido de

convivência e a pensão. Os juízes preferem resolver tudo de uma vez.

— Ele disse que quer a guarda total, não a pensão.

— Acho pouco provável, Marina. Você é a mãe, ele não quis reconhecer a filha e você avisou a
ele da gravidez e quando Beatriz nasceu. Não deixe ele te assustar.

— Muito bem, obrigada!

— Não se acovarde, Marina. Vai dar tudo certo – ela respondeu e se despediu, Henrique ainda
olhando severo para mim, de pé em sua sala.

Nós almoçamos juntos apesar do meu nervosismo, levamos Beatriz para a creche e voltamos para
o escritório. Ao longo do caminho, decidi que deixaria Gustavo passar um dia com minha filha. Doía

meu coração, mas o medo de entrar em um imbróglio jurídico me assustava mais. Beatriz tinha o

direito de conviver com ele e meu ex precisava descobrir o pequeno potinho de alegria que era meu
bebê. Por motivos óbvios, Henrique detestou minha ideia e pediu para eu não respondê-lo até
conversar com a doutora Lorena. Ele fazia o melhor para não mostrar o quão irritado estava, apenas
me dando apoio. Mas eu o conhecia bem... Ele era incapaz de ficar sentado e parecia resmungar a
cada nova frase que saía da minha boca.

— Acha que estou sendo burra em concordar com isso? – perguntei para Henrique, que me deu um

sorriso leve, como se soubesse que precisava de apoio. Seu lado amoroso sempre balançava meu
coração apaixonado.

— Acho que você quer dar o direito ao pai da sua filha de ter uma relação com ela. Apesar dos
pesares, Gustavo é o pai biológico da Bia e eles têm direito a uma relação familiar. Tenho muito
menos paciência que você, querida. Tudo que eu queria era dar um soco na cara dele hoje.

— Vou parar de trazer meus problemas para a empresa, eu prometo. Não fizemos nada o dia todo.

— Besteira, e você sabe. Isso é importante. Nós temos que estar no centro às quatro horas para
uma reunião, mas a agenda está bem tranquila. Eu só... – Henrique parou, se interrompendo, e

colocou a mão na cabeça quando alguém bateu à porta, abrindo-a levemente.

— Tem um minuto? É importante. – Maitê apareceu, sempre elegante, enquanto carregava algumas
pastas.

— Claro, pode entrar – Henrique respondeu enquanto eu me levantei, encarando os dois. Eles
pareciam falar apenas de negócios, mas ainda assim sentia ciúmes de sua presença. Não tinha direito
algum.

— Está tudo bem? Está franzindo a testa – perguntei a ele antes de sair, Maitê encarando nossa
conversa ao mesmo tempo que se sentava à mesa.
— Uma dor de cabeça? Nada demais.

— Se quiser, tenho um remédio – ela disse ao tirar uma cartela de Novalgina de sua bolsa e

mostrá-la para Henrique.

— Esse não, Henrique é alérgico a dipirona – intervi, fazendo Maitê baixar a mão e me olhar sem

graça.

— Você é?

— Sempre fui. – Ele deu de ombros, direcionando um sorriso leve para mim.

— Não sabia disso.

— Talvez só tenha esquecido – ele minimizou ao sentar e olhar para os materiais na mão de
Maitê.

— Acho que tem algum Advil na minha mesa. Vou pegar. Se quiser algo a mais, é só pedir –
informei, deixando os dois sozinhos.

Depois de entregar o remédio, mandei uma mensagem para Gustavo, que retornou com o endereço
de uma mansão na Barra. Por curiosidade, joguei no Google Streetview só para ficar chocada com o
novo endereço do meu ex-namorado. Depois de meia hora vendo imagens das mansões do

condomínio, mais apreensiva eu ficava. No fundo, sabia que Henrique e a família tinham mais
dinheiro do que eles, mas as mansões de dois andares, muitos metros quadrados e piscinas
quilométricas chamavam a atenção. Depois de algumas mensagens para Gustavo, ficou combinado
que no sábado Beatriz passaria três horas com ele antes que eu fosse buscá-la. Depois disso, ele só
voltaria a vê-la com o processo iniciado. As intervenções, ameaças e encontros já tinham chegado ao
meu limite. Era melhor resolver as coisas do jeito certo, como a advogada tinha sugerido.

Continuei meus dias como se um cronômetro estivesse sobre a minha cabeça. Henrique tentava
fazer de tudo para me deixar relaxada: de almoços especiais a me convidar para malhar com ele, mas
meu coração se apertava ao pensar em Beatriz longe de mim mesmo que por poucas horas. Não
conseguiria fazer nada disso sem Henrique, que estava a meu lado me dando apoio, meus sentimentos

por ele cada dia mais ameaçando sair do peito.

Aproveitei esse tempo para saber quem era Renata Santana, observando a opulência que ela e
Gustavo viviam fuxicando suas redes sociais. Meu ex-namorado estava em fotos e vídeos, mostrando

roupas e objetos caros em diversos ângulos diferentes. Temia que essas ações pudessem influenciar a
Bia. Torcia para que aquilo fosse uma atuação e que Gustavo não expusesse Bia aos seguidores,
como pedi quando combinamos esse encontro. Poucas horas, contato direto e nenhuma imagem
divulgada sem a minha autorização. O Google não era gentil com a moça, e ela acumulava

“cancelamentos” desde frases sem noção até a forma que cuidava de seus cachorros.

No dia combinado, arrumei Beatriz com um vestido rosa e uma fita na cabeça. No fundo da minha
mente, sabia que queria minha filha impecável na esperança de ter alguma relação com o pai – ao
contrário de mim mesma, que não sabia como estava o meu pai há mais de dois anos. Talvez alguma
psicóloga pudesse explicar a necessidade de validação, mas Gustavo tinha uma possibilidade.

Faltava poucos minutos para sair quando a campainha tocou, o que significa que era Henrique ou
meu porteiro. Meu chefe ia e vinha do meu prédio como queria sem ser anunciado. A farsa do nosso
namoro envolvia tantas pessoas que já nem mesmo sabia quem sabia de verdade ou especulava,

como as pessoas da Construtora.

— O que está fazendo aqui? – perguntei, observando Henrique com uma calça jeans e uma
camiseta branca, tão despojado que fazia minhas pernas balançarem.

— Sei que não combinamos nada, mas não deixaria você ir até lá sozinha – ele disse. – Já está
tudo pronto?

— Sim. Ia pedir um Uber e ficar esperando por lá.

— Durante três horas? – ele perguntou em choque. – Ainda bem que você tem a mim.

— Pretende me levar ao cinema? – brinquei. – É o tempo de um filme.


— Você e eu sabemos que não vamos sair da frente daquele condomínio até essa tortura terminar.

Comprei algumas coisas para o tempo passar mais rápido. Alguns doces, uns biscoitos...

— O jeito certo de conquistar o coração de uma mulher.

— Se você continuar com isso, eu vou ter que beijar você – Henrique disse tão baixinho que um

arrepio surgiu em minha coluna, inclinando-se em minha direção e fazendo minhas bochechas ficarem
vermelhas. Ah, se fosse verdade...

— Henrique! — protestei.

— Você já entendeu que desejo você, Marina. Pare de brincar com meus sentimentos – ele falou

sério, mudando de tom rapidamente quando o deixei passar e ele viu Bia de pé, com seu vestido
rodado. – Agora, a senhorita está linda!

— Ique! – ela gritou, jogando-se nos braços dele com confiança. Era engraçado vê-los juntos,
como eles se entendessem. Henrique um dia seria um ótimo pai.

— Vai ficar tarde se não sairmos... – anunciei, Henrique me olhando um pouco irritado. – Não
deveria ter concordado. Meu coração está apertado por deixá-la com estranhos. Ela não conhece
eles.

— Nós vamos estar lá – ele prometeu, estendendo a mão e entrelaçando nossos dedos. Sentia sua

força ao mesmo tempo que ele sorria levemente. Eu já estava apaixonada e Henrique era um perfeito
cavalheiro. Esse relacionamento de mentirinha se tornava cada vez mais real em meus sentimentos.

***

Nós entramos no condomínio depois de um segurança checar nossos documentos e nossa


autorização. Enquanto isso, eu observava as grandes mansões a nosso redor. Quem precisava de uma
casa de mil metros quadrados? Deve ser um inferno para limpar. Gustavo nos esperava em frente ao
portão de uma delas, uma entrada branca e alta, com uma arquitetura um pouco futurista e muito
“revista de decoração”.

— Aqui está a bolsa dela. Deixei uma lista caso precise usar alguma coisa – Expliquei pela
décima vez. Já fazia mais de cinco minutos que tentava fazer Beatriz relaxar enquanto Gustavo

mantinha uma expressão irritada. Ela não queria ir com ele de jeito nenhum, e mais de uma vez
Henrique ameaçou sair do carro quando meu ex-namorado tentou tirá-la do meu colo.

— Entendi, entendi... – Gustavo sussurrou ao puxar Bia, que se agarrou à minha roupa. Isso era
tão difícil.

— Não puxe... Ela só está apreensiva – pedi.

— Não precisa alongar muito. Ela é uma criança, não tem querer – ele disse, abrindo os dedos
dela em minha blusa. Eu queria chorar, mas precisava ser forte para Bia perceber que estava tudo
bem.

— Me ligue por qualquer coisa, por favor – supliquei, colocando a chupeta na boca de Bia,
tentando fazê-la se acalmar. – Volto em três horas, mas se a qualquer momento necessitar de algo,
venho correndo. Qualquer coisa... Por favor.

— Muito bem – ele respondeu, jogou a bolsa no ombro de qualquer jeito antes de virar e fechar o

portão. Assim que a entrada bateu, ouvi seu choro alto, e foi como se eu tivesse sido atravessada por
uma barra de ferro. Comecei a tremer, travada no mesmo lugar, ouvindo o som se abafar conforme
eles se afastavam do portão. Vai ficar tudo bem, são poucas horas, vai ficar tudo bem. Tentei me
consolar mentalmente.

— Como você está? – Henrique perguntou, saindo do carro e caminhando para mim. Ele me olhou
profundamente por alguns segundos antes de me puxar para um abraço. Me deixei ir, querendo ser
consolada. Precisava resolver as coisas conforme a lei mandava, diminuiria a dor no meu peito.
Talvez nunca ficasse mais fácil, mas o medo poderia diminuir com o apoio da justiça.
— E se algo acontecer? E se ele não cuidar dela direito? – sussurrei enquanto Henrique dava um

beijo em minha testa. Eu apertava o relicário em meus dedos, pensando sobre as palavras dele. Um

jeito de deixar algo dela sempre junto com você.

— Não vamos sair daqui, meu amor – ele disse. – Se ficar parada na frente do condomínio acalma

seu coração, é o melhor que podemos fazer.

— Ela é tão pequena... E não conhece eles.

— Você é uma mãe excelente, Marina. Está fazendo isso porque quer tentar que Bia tenha contato
com o pai biológico. Amanhã mesmo podemos falar com a advogada e dar entrada no processo nos

nossos termos, se isso te acalma.

— É o melhor. Ele quase me expulsou de lá, todo apressado, e a Doutora Lorena nos disse que ele
não tinha direito a nada enquanto não entrasse com o processo.

— Ele te dá medo, Marina, eu entendo. Vou fazer o possível para proteger você e a Bia. Esse
idiota não vai conseguir a guarda. Gasto todo meu dinheiro para evitar isso.

— Não fala isso – respondi, aninhando-me em seus braços e me apertando mais a ele enquanto
tentava entender o buraco em meu peito pela distância de Bia.

— Vem... Vamos sair do condomínio antes que algum segurança apareça. Vamos ouvir algumas

músicas e já, já ela está aqui – ele disse ao me levar para o carro. Sentia Henrique tremendo, mas
parecia se fazer forte para não me ver desabar. Seria uma tarde longa antes de voltarmos para casa.

Henrique nos conduziu para fora e manobrou, estacionando do lado de fora. Ele ligou o Spotify ao
mesmo tempo que conversava comigo sobre nada, os minutos passando lentamente. Henrique queria
me distrair, dava para perceber, e meu coração se apertava por ele se importar tanto comigo a ponto
de querer estar ali naquele momento.

— Fui convidado para uma festa de um investidor – ele falou. – Black-tie e etc. Já levei você em
algum desses?
— Claro que não. Se tivesse, eu lembraria.

— Quer ir comigo?

— Não tenho nem roupa para isso – brinquei.

— Não seja por isso. Minha irmã tem várias, e você sempre pode comprar algo.

— Laura iria adorar. A gente ainda conversa pelo WhatsApp, sabe?

— Ela me falou. Ficou muito amiga da “cunhadinha” – Henrique brincou.

— Essas roupas são caras, Henrique. É melhor mesmo eu pegar emprestada.

— Pode comprar por minha conta, só para vê-la bonita – ele disse em um sorriso. – Mais bonita...

— Ai, Henrique, pelo amor de Deus! – Eu ri. – Vou ver se consigo emprestado com alguém.
Dizem que a comida dessas festas é ótima, com tudo do bom e do melhor.

— São sim. Uns camarões do tamanho da minha cabeça – ele disse.

— Pena que você é alérgico – disse com um dar de ombros.

— Já reparou o quanto a gente sabe um do outro?

— A gente é amigo, ué – despistei. – É normal depois de tantas horas juntos. Vou ver a questão do
vestido porque é uma coisa de trabalho, né?

— Ai, Mari – ele falou, olhando para mim confuso. – Quero você lá como mulher, como meu
encontro. Acho que preciso parar de ser tão sutil.

— Mas e a Maitê? Achei que a nossa farsa podia te ajudar com ela.

— Por que você cismou com essa ideia de que quero voltar para Maitê? Até onde eu posso contar,
você tem sido todo o motivo do meu amiguinho aqui levantar nos últimos meses – ele anunciou,
apontando para a virilha.

— Você virou o canalha mulherengo depois do seu relacionamento com ela. E não vem com esse
papo, porque você sai com outras mulheres que eu sei!
— Quando, Mari? Quando eu tive tempo. Só penso em você, mulher. Você me disse para não falar

disso por enquanto e estou te respeitando, mas que dificuldade! – ele resmungou e fiquei chocada

pela revelação.

— Mas você tem assuntos inacabados com Maitê, senão ela não te afetaria tanto.

— Ahhh! – Ele suspirou, irritado. – Não diria inacabados. Vamos dizer... Doloridos. Ela estava
grávida quando nós terminamos, que dizer não estava mais, é confuso.

— Como assim?

— Nós estávamos bem e os preparativos do casamento estavam de vento em poupa quando a

menstruação da Maitê atrasou. A gente ainda não morava junto, mas ela passava muito tempo no meu
apartamento. Eu fiquei encantado. Foi quando percebi que queria muito ser pai. Já ela... Bem, a
Maitê passou a me evitar.

— E o que aconteceu depois?

— Nós confirmamos a gravidez e ela ficou triste o tempo todo, dizendo que não era o que ela
queria, que não se via como mãe. Foi quando percebi que nunca falamos a respeito... Nunca
discutimos se teríamos filhos, quantos seriam, de que forma os educaríamos. Eu te falei, éramos
jovens e as coisas mais triviais não se passavam pela nossa cabeça.

— O bebê nasceu? – perguntei com medo da resposta. E se Henrique e ela tivessem um filho por
aí? Ele não seria capaz de não falar nunca da criança, seria? Ele amava tanto Beatriz.

— Não. Nós não contamos para ninguém, porque era tudo muito novo. Maitê ainda não estava
acostumada com a ideia. Ela teve uma cólica muito forte, e depois de algumas horas no hospital,
descobrimos que tinha perdido o bebê. Foi muito... muito chocante para mim.

— Sinto muito, Henrique.

— Algumas pessoas não dizem isso. Era quase como se não tivesse direito de sentir a morte do
meu filho – ele lamentou.
— Se você o amou desse jeito, tinha todo o direito, não importa quanto tempo fosse.

— Ela parecia tão aliviada... E nós nos afastamos. Foi uma coisa de semanas. E então ela veio

com a história da viagem para a Inglaterra e nós terminamos.

— É por isso que se apegou tanto à minha filha?

— Em parte sim... Ela é tão incrível, Marina. É como se o destino tivesse me tirado essas
pequenas coisas, não era para ser naquele momento. E sinto uma conexão especial com a Bia –
Henrique respondeu sério, entrelaçando nossa mão uma na outra. — Estou convidando você porque
quero estar com você.

— Mas... – eu falei, encarando-o por suas palavras. Meu olhar traidor caiu sobre sua boca, mais
uma vez sentindo a onda de tensão em meu corpo. Como eu era atraída por ele.

Bzzzz... Meu celular tirou meus olhos de Henrique, e ambos olhamos preocupados para o nome
“Gustavo” na tela. Fazia um pouco mais de meia hora. O que podia ter acontecido?

— Marina, ainda está por perto? – Gustavo perguntou sem nem mesmo cumprimentar. Beatriz
chorava sem parar do outro lado da linha, fazendo meu coração apertar. – Consegue vir aqui?

— Estou, claro que estou! – respondi agitada. – Gustavo, o que aconteceu?

— Sua filha vomitou tudo, não para de chorar, agora a Renata está trancada no quarto e me
deixou com o bebê! Quando ela disse que queria...

— Gustavo, o que aconteceu? – perguntei séria.

— A Renata tirou umas fotos com ela, deixou a menina brincando no chão e de repente ela
começou a chorar e não parou mais. Deve ter uns quinze minutos dessa tortura e, para piorar, a
Renata ficou irritada e...

— Sua noiva fez algo com a minha filha? Eu falei sem fotos! – indaguei irritada, Henrique se
encrespando ao meu lado e perguntando baixo o que estava acontecendo. Se ele resistiu a dar um
soco em Gustavo até então, hoje seria o dia.
— Não! Ela se trancou e me deixou aqui. Não quero isso... Droga! Tenta vir o mais rápido

possível. Estou tentando limpar ela, me limpar. Estou fedendo a vomito de bebê, Marina. Sabe o

quão difícil vai ser tirar essas manchas? Essas camisas custaram quase mil reais!

— Gustavo... Estou chegando aí a qualquer minuto, estava por perto. Fica de olho no interfone que

estou indo pegá-la. – Desliguei e encarei Henrique, que estava vermelho. Se ele falasse com
Gustavo, a coisa ficaria ainda pior.

— O que houve?

— Bia vomitou e ele pediu para pegá-la. Henrique, eu não...

— Vou matar esse desgraçado se ele fez alguma coisa com a Bia! – ele cuspiu.

— Você fica aqui, eu vou lá. As coisas ficariam ainda piores se você fosse lá dar uma surra no
meu ex.

— Ficariam satisfatórias, isso sim! – ele respondeu, virando o carro e apontando para o portão do
condomínio.

Dez minutos depois, Bia estava comigo novamente, seu vestido rosa com manchas, seu rostinho
vermelho e sua bolsa desarrumada, como se Gustavo tivesse mexido à procura de algo e desistido no
processo. Isso tudo foi de mal a pior. Toda a situação foi risível: Gustavo me entregando Bia com

cara de nervoso e a noiva atrás dele reclamando que Beatriz tinha vomitado em um vestido da Prada.
Pela primeira vez em anos, eu quis bater em alguém, como naquela mulher loira gritando que minha
filha era um “pequeno monstrinho”.

Henrique saiu do carro depois de observar a discussão de longe por alguns minutos. Quando
Gustavo viu seu olhar irritado, bateu o portão, deixando a gente do lado de fora, talvez com medo da
reação de meu namorado de mentira. Henrique pegou Beatriz do meu colo, tentando acalmá-la como
costumava fazer, ao mesmo tempo que procurava por uma roupa limpa para Bia. Quando seu choro
finalmente parou, entrei no carro e fui para o banco de trás, tentando ajeitá-la na cadeirinha antes de
irmos embora. Ele voltou para o banco do motorista, olhando para mim pelo retrovisor, puto com a

situação. Queria estar tão longe quanto ele nesse momento.

— Ele é um bostinha de merda – Henrique falou ao me olhar através do espelho, quase como um
desabafo.

— A creche vai achar o máximo quando ela começar a repetir essas palavras. Minha filha vai ser
eleita a mais boca suja da sala. – Alertei-o com um olhar.

— Com o meu humor, sou incapaz de chamar esse idiota de “cabeça de mamão” ou qualquer coisa
assim. Como você foi dar para um cara desses, Marina? – ele perguntou com uma risada.

— Carência? Solidão? Aquela fase esquisita que toda mulher passa?

— Fico bem feliz que fui eu a dar a última volta no seu parquinho.

— Henrique! – respondi, ficando vermelha com a insinuação dele sobre a noite do Ano Novo.

— É verdade! Um idiota que fica nervoso com um vômito de criança. Eu sou muito melhor em
muitos aspectos – ele disse, pegando a minha bolsa e me estendendo mais lenço umedecido que eu
passava pelo pescoço de Bia.

— Isso não é uma competição de pau, Henrique Martins – respondi, tentando segurar o riso.

— Papapapa – Bia escolheu esse momento para se manifestar, sorrindo em minha direção.

— Pau é uma palavra muito melhor para ela falar na escola, mais fácil – ele brincou, sorrindo de
volta para minha filha.

— Olha o que você foi fazer! – resmunguei e dei um tapa leve e camarada nele, então ele sorriu,
um daqueles risos de derreter calcinhas. Suspirei, nossos olhos trancados um no outro. Pigarreei, não
conseguindo manter nossa troca de olhares. – Podemos ir. Temos uma mocinha limpa novamente.
Quando chegar em casa, dou um banho nela e isso vai ser só uma lembrança.

— Como esse idiota! – ele falou, esperando que eu colocasse o cinto em Bia para podermos dar a
partida.
— Você fica para jantar? – perguntei com esperanças.

— Vou pedir uma pizza, vamos ver um filme e esquecer essa merda de dia – Henrique afirmou. –

Mas aviso para você, vai ser de ação, porque minha vontade é quebrar a cabeça desse homem.

— De novo... Isso não é uma competição – frisei ao me ajeitar no banco de trás.

— Claro que não. É um fato que você e a Bia sempre vão me preferir – ele respondeu em um
sorriso, fazendo-me cair na gargalhada.
Como prometido, nós passamos o resto do dia nós três, assistindo televisão e comendo pizza. Era
tão doméstico. Quando coloquei Bia para dormir, Henrique continuou ali, conversando sobre sua
vida, suas coisas, a época de faculdade... Eu o ouvia com avidez, como se cada parte dele importasse
para mim. Poderia escutá-lo toda a noite, contanto que ele continuasse ali, sentado no meu sofá, me
olhando com seus olhos verdes profundos.

Quando bocejei uma terceira vez, Henrique sorriu, anunciando que era hora de partir. Ele se
levantou para se despedir, e quando o abracei, senti minha pele se arrepiar. Queria me aninhar
novamente em seus braços, saber onde realidade e ficção se encontravam. Nossos dias juntos

confundiam minha cabeça... Quer dizer, toda a nossa relação confundia minha mente. Eu me apaixonei
por Henrique sem saber se ele também me amava. Nós não tínhamos um relacionamento, e eu sabia
que ele me desejava, mas isso seria suficiente?

Eu me sentia poderosa por fazê-lo ter tesão apenas por me ver, Henrique se arrepiar tanto quanto
eu, mas meus sentimentos eram de uma base ainda mais forte. Desejo era pouco para o que ele me
fazia sentir. Nos últimos meses, Henrique tornou-se meu amigo, então tivemos uma noite e agora não
conseguia deixar de pensar nele como homem. Com a farsa do nosso relacionamento, as coisas iam
de mal a pior e não sabia como reagir perto dele. Era um amor como nunca senti antes, o primeiro e
mais forte, algo que me marcaria para sempre, independente de para onde estávamos indo.
Henrique me provocava até me fazer ficar com vergonha, ele sempre estava ali quando precisava

dele. O calor do seus braços, seu corpo nu contra o meu, sentindo todas as minhas terminações

nervosas se acenderem.

— Henrique... – sussurrei, meus olhos caindo sobre a boca dele enquanto seu olhar predador

reacendia em meio a uma piscina verde, observando-me. Ele escondia bem esse olhar, mas eu o
conhecia daquela noite.

Henrique colocou a mão em meu queixo, puxando-me para seus lábios. Foi rápido e intenso, eu
sentia sua boca faminta sobre a minha. Nossa respiração acelerou e notei o arrepio tão comum que

sentia ao lado dele, como uma forte conexão. Henrique Martins me atordoava e me dava medo.

Fechando os olhos, tentando afastar os sentimentos transbordando no meu peito, dei um passo para
longe. Precisava colocar distância entre nós dois nesse momento tão confuso. Henrique me encarava
confuso com minha reação, suas mãos caídas ao longo do corpo, como se não soubesse o que fazer
com elas.

— É melhor eu ir – ele murmurou ainda me observando de perto. Balancei a cabeça


afirmativamente, mesmo não querendo. O que eu estava fazendo?

Quando ele abriu a porta e sumiu da minha visão, quis ir atrás dele para... para... para quê? Eu não

sabia.

— Janta comigo? Eu e você. Nunca fizemos algo assim – ele perguntou, olhando para mim através
da porta aberta.

— E todas as vezes que comemos juntos depois do trabalho? E a pizza que dividimos hoje? Está
esquecendo das coisas, Henrique?

— Era outra coisa. Tinha sempre Bia de um lado, um chope de outro. Um barzinho... Quero te
levar a um lugar legal, vestir uma roupa bonita para você e me sentir... Entende?

— O que está sugerindo? – arfei com a pergunta.


— Um encontro, como deveríamos ter feito há meses.

— Não acho que...

— Marina – Henrique me interrompeu –, tenho roubado beijos seus tantas vezes. Todas as coisas
safadas que fizemos juntos. Me deixa te mimar um pouco, vai? Já te falei que esse barco já partiu.

— Mas e as outras? Você nunca deixou de sair com ninguém em todos esses meses. Não quero ser
mais uma marca na sua cama.

— Primeiro... Você já esteve lá – ele respondeu com um sorriso canalha. – E se você reparar,
querida, elas não existem desde determinada noite de Ano Novo, quando uma loira me levou para a

cama e fez algumas estripulias no meu colchão. Já te falei uma vez. Por que duvidar tanto dessa coisa
que estamos sentindo um pelo outro?

— Exatamente porque não deveríamos sentir. Você é meu amigo, e então esse namoro de mentira
confundiu tudo.

— Mari, seja verdadeira sobre nós dois – ele suspirou, meio derrotado. – Essa “coisa” já existia
antes mesmo da nossa farsa. Você sempre me deu tesão, meu amor. Calhou de sermos amigos
primeiros, mas não me arrependo de nenhum dos beijos que te dei.

UAU. Henrique tão próximo de mim, com esse olhar acesso sem me tocar, toda a nossa história.

Que se dane a cautela. Eu merecia ser feliz, não?

— E Bia? Quer levá-la? – perguntei, percebendo que concordei com o convite. Henrique me deu
um riso leve, sabendo disso também.

— Vou perguntar para a minha mãe se pode ficar com ela. Amanhã?

— Já? – questionei surpresa.

— Finalmente – ele sussurrou, dando-me um beijo leve na boca, de surpresa. – Com um atraso de
uns seis meses, eu diria.

Com suas últimas palavras, Henrique foi embora sem olhar para trás, deixando-me chocada com o
encontro do dia seguinte. Nós finalmente faríamos isso. De verdade.

***

Na noite seguinte, alisei nervosamente meu vestido. Era o mesmo da festa de recepção de Laura, o
mesmo que enlouqueceu Henrique, como ele mesmo me confessou depois. Estava sem jeito pela
saída, como se, apesar dele ser meu amigo há tanto tempo, estivéssemos dando um passo além no
nosso relacionamento. Eu tentei negar o máximo que consegui, postergar a conversa sobre nós dois e

nossos sentimentos, mas era chegada a hora. Gustavo não mandou mais mensagens depois do
encontro desastroso, nenhuma foto de Bia foi parar na internet, Maitê parecia uma lembrança.

Quando a campainha tocou, corri para a porta, ajeitando meu cabelo quando encontrei Henrique
de camisa social de botões e uma calça jeans escura. Droga, ele era sempre tão bonito.

— Pronta? – ele perguntou, dando um beijo suave em minha boca. Aparentemente era a nova
mania de Henrique.

— Só... só preciso pegar a Bia – gaguejei, olhando para trás e a vendo distraída sentada no sofá.

— Minha mãe ficou encantada com a ideia de passar algumas horas com ela – ele revelou com um
sorriso bobo. Estava nervosa como uma adolescente que sai pela primeira vez com o crush.

— É mesmo?

— Inclusive, me mandou uma mensagem dizendo que, como uma “senhora idosa”, ela quer dormir
cedo e que prefere que nós dois só busquemos a Bia amanhã de manhã.

— Ela não está...? – perguntei, pensando na insinuação.

— Ela está. – Ele riu, confirmando com a cabeça. – Minha mãe está em uma cruzada para manter a
nora.
— Mal sabe ela. – Eu ri e Henrique inclinou a cabeça com um olhar desconfiado. Ele prendeu

seus dedos nos meus, entrando no apartamento.

— Desiste, meu amor. Para de insistir nessa coisa de namoro de mentirinha – ele anunciou,
pegando Bia no colo sem me soltar.

— Mas você não é meu namorado.

— Ainda.

— Ainda? – repeti, surpresa com suas palavras.

— Vamos deixar uma coisa clara – Henrique respondeu, intenso. – Eu vou beijar você quando
essa noite acabar, talvez fazer algumas coisas safadas além disso. Nós vamos repetir algumas vezes.
Não me venha com essa coisa de uma noite de novo.

— Muito bem... – concordei com um sorriso, pegando a mochila de Bia e ajeitando minha bolsa
no ombro.

— Muito bem? – foi a vez dele repetir pela minha concordância rápida. Eu sorri misteriosa,
sabendo que essa noite mudaria tudo. Meu coração não parava de bater, tentando pular para fora do
meu peito. Minhas mãos suavam e eu parecia ansiosa. Era apenas o Henrique de sempre, mas também
não era. Era o homem por quem me apaixonei, me prometendo coisas safadas que durariam mais do

que uma noite. Era o começo de algo.

Depois de uma viagem curta para a casa de Sheila, que mais uma vez reforçou que podíamos nos
“divertir em paz”, porque ela permaneceria com Bia a noite toda, Henrique me levou a um
restaurante italiano. Por algumas horas, conversamos e rimos como qualquer casal em um primeiro
encontro, a voz grossa dele fazendo minha pele se arrepiar e a antecipação crescer em meu estômago.
Eu sabia como a noite terminaria e ao mesmo tempo queria prolongá-la para sempre. Depois de
muitas horas, Henrique me levou para minha casa novamente, subindo atrás de mim com sua mão
quente na base da minha coluna. Não era uma pergunta se ele ia entrar ou não, mas sim o que
faríamos.

— Fica... – pedi assim que abri a porta do apartamento.

— Eu te falei, Mari. “Não entrar” não era uma opção – ele respondeu com um riso canalha, seus
olhos esmeralda intensos e predadores. – Tenho você por essa noite, com o apoio da minha mãe e

tudo.

— E se eu tivesse segundas intenções, Henrique Martins? E se fosse por isso que não insisti em
buscar minha filha na sua mãe? – revelei, vendo o meio sorriso nos lábios de Henrique conforme ele
me encarava a alguns passos de distância.

— Estou feliz apenas com alguns amassos, meu amor.

— Mas eu não – anunciei. – Vem aqui, Henrique. Preciso de você.

Henrique cruzou nossa distância com os olhos presos em mim, atraindo-me para um beijo suave
enquanto batia a porta do apartamento com força. Grudei meu corpo no dele, dando mais acesso a
seus lábios, sentindo a língua dele brincar com a minha. Suas mãos caíram sobre o zíper do vestido,
descendo suavemente até abri-lo e deixar meus seios livres. Ele se soltou de mim, ajoelhando-se à
minha frente e puxando a peça de roupa. Henrique trilhava beijos ao longo do meu corpo, então
puxou o vestido e minha calcinha para longe de uma só vez, em um movimento rápido.

— Você é tão linda... – Ele suspirou, dando um beijo em minha entrada, sua língua provocando
meu clitóris ao mesmo tempo que suas mãos passeavam por meu corpo nu.

Puxando minha perna sobre seu ombro, Henrique se afundou em minha boceta, fazendo-me arquear
em sua direção, pedindo por mais. Ouvi sua risada leve quando sua língua brincou com o meu clitóris
e senti a tensão se formar dentro de mim, levando-me em direção a um orgasmo a cada novo impulso.
O homem era capaz de me levar ao êxtase em segundos. Quando seus dedos começaram a me
massagear, perdi-me, sentindo meu corpo vibrar. Com um último beijo na minha entrada, Henrique se
levantou, arrancando sua roupa antes de se sentar no meu sofá, nu, e me puxar para cima dele. Ele
tirou uma camisinha de sua calça, preparando-se antes de me fazer afundar sobre ele, pronta para

cavalgá-lo.

Olhei para a visão tentadora e me aproximei, colocando cada perna ao redor de seu quadril.
Rebolei sobre seu membro, tomada pelo instinto, fazendo Henrique se afundar completamente em

mim. Ele me fazia sentir poderosa com o controle que tinha sobre seu corpo.

Nossas bocas grudaram em um beijo profundo enquanto sentia seus dedos apertarem minha perna,
tentando me fazer acelerar ainda mais. Eu o apertava contra mim, suor e saliva misturados em
movimentos instintivos em busca de prazer. Ouvia a mobília se movimentar e meus gemidos altos,

mas pouco me importava. Era rápido e selvagem, sexy como apenas Henrique me fazia sentir,
enquanto pulava em seu colo, sentindo seu membro entrar e sair de meu corpo.

— Puta que pariu, você é tão gostosa... – Henrique gemeu no meu ouvido, apertando minha bunda
com força, abrindo-me mais sobre seu colo enquanto martelava seu pau com força. Um de seus dedos
avançou sobre meu traseiro sem fazer força para dentro, apenas girando e rondando meu buraco
enrugado sem fazer resistência. Estava enlouquecida e me dividia entre fazer força contra seu dedo,
rebolando pela doce invasão, e levá-lo bem fundo em meu corpo.

— Você me quer aqui também? – ele perguntou, afundando mais em minha bunda, fazendo um

suave movimento que estava me levando à loucura. Ele bombeava com força, fazendo o pequeno sofá
fazer barulho, sua língua me enlouquecendo.

— Henrique... – respondi sem fôlego, sem conseguir colocar as palavras em minha boca. O
sentimento era assustador e libertador na mesma medida. Me daria inteira para aquele homem.

— Você é minha, Marina, minha – ele sussurrou no pé do meu ouvido. – Sua boceta, sua bunda,
seu corpo. Faz comigo o que quiser, meu amor. Porque eu vou fazer com você... Eu vou...

As palavras sem fôlego, o movimento e as sensações foram até o limite. Gritei pela chegada do
êxtase, ordenhando Henrique até ouvi-lo gritar comigo. Podia senti-lo dentro de mim, tão forte, tão
intenso que segurei-o contra mim até vê-lo terminar, sua expressão feroz pelo orgasmo. Meu coração

batia acelerado como se houvesse corrido uma maratona, a respiração de Henrique subindo e

descendo descompassada em seu peito. Estava exausta.

Nós ficamos ali, silenciosos, até a respiração voltar, acariciando um ao outro em movimentos

leves, sem ousar dizer palavra alguma. Com as batidas do coração de Henrique, relaxei, minha
cabeça caindo sobre seu ombro e fechando os olhos com a confiança de poder ser vulnerável ao seu
lado.

Quando abri os olhos novamente, ele estava lá, me encarando com um ar sorridente enquanto

brincava com o meus cabelos. Seu abraço era como um casulo, eu me sentia protegida... amada.

— Eu acho... não, eu sei. Me apaixonei por você – Henrique deixou escapar, dando um beijo no
meu ombro.

— Às vezes, acho que por trás desse mulherengo tem um homem romântico, sabia? Você diz cada
coisa.

— Estou falando sério, Marina. Não tenho palavras para explicar como você mexe com a minha
cabeça. Primeiro como minha amiga, depois como essa mulher gostosa deitada na minha cama.
Neguei meus sentimentos até onde deu. O plano de um relacionamento falso deveria ser uma piada,

mas, em muitos aspectos, era o meu jeito de dizer o que eu queria sem assumir o que estava sentindo.

— Mas se nós dois...

— Não – ele me interrompeu. – Nós mentimos para Laura, depois para minha mãe. E então todo o
resto por causa do Gustavo e da Maitê. Você me conhece, poderia parar isso a qualquer momento. Só
não queria. Não estava preparado para abrir mão de você, de que todos soubessem que era minha, do
nosso tempo juntos e com a Bia. Só me enrolei em minhas próprias mentiras, criei essa família para
nós dois, e de repente... era verdade. Você é alguém que quero ao meu lado, eu quero tentar. É como
se você sempre estive ali. Amo ter você aqui, amo nossas conversas...
— Ama me deixar envergonhada – completei.

— Se eu não soubesse que você é mãe, acharia que é uma virgem envergonhada. Qualquer coisa

que eu falo te deixa vermelha.

— É que você fala muita sacanagem – me defendi. – Você tem uma boca suja, Henrique Martins.

Você era tão sério, e agora parece um sem-vergonha.

— Um sem-vergonha apaixonado – ele murmurou no meu ouvido, fazendo-me arrepiar enquanto


sua mão descia para minha entrada – que está louco para te comer de novo, entrar tão fundo com meu
pau em sua boceta que você não vai conseguir lembrar como era antes de eu estar lá. Você vai

aprender a falar algumas safadezas, Mari. Sou um professor dedicado.

— Henrique... – censurei, contorcendo-me contra ele, sentindo sua ereção pronta.

— Para quem sente tanta vergonha, você está muito molhada, meu amor.

— Você está me levando para o mau caminho – ofeguei.

— Dizem que lá é o melhor lugar – ele respondeu enquanto me dava um beijo de tirar o fôlego,
arrastando-me para meu quarto para um segunda rodada de prazer.
— Que loucura é essa de falar com o Conselho que quer namorar sua secretária? – Pedro entrou
como uma flecha no meu escritório logo depois do almoço. – Você perdeu a sua cabeça? Achei que
estavam tendo algo há meses, e de repente você quer brincar de ser clichê de CEO canalha.

As coisas mudaram rapidamente depois do domingo. A partir do momento que assumi para mim
mesmo que estava apaixonado por Marina e precisava tê-la ao meu lado, foi como se uma cortina se
levantasse de meus olhos e eu soubesse que ela era a mulher da minha vida. Enquanto o nosso
relacionamento era uma mentira, alimentei a fofoca do escritório, mantendo Alberto e os outros
sócios à distância. Mas agora eu sabia, mesmo sem ela me dizer as palavras, que também sentia o

mesmo. Não conseguia esperar mais.

Pela manhã, pegamos Beatriz enquanto minha mãe nos encarava com um sorriso no rosto. As
bochechas de Marina se tingiram de um vermelho profundo ao minha mãe falar como a noite foi
tranquila e que ela poderia voltar a repetir a dose mais vezes se a gente quisesse. Achava graça sua
timidez, porque Beatriz não foi concebida pela glória do Espírito Santo, não é? Não que quisesse
pensar nela com outro homem, principalmente aquele idiota do pai da Bia.

Rapidamente nos organizamos para o dia começar e viemos para a Construtora. Era engraçado
como as coisas mudavam rapidamente: menos de um ano atrás, eu estaria tentando fugir da mulher
com quem passei a noite ao mesmo tempo que estaria respondendo e-mails de trabalho. Mais e mais,
fui descobrindo que existia algo além para minha vida do que correr vários quilômetros e estar no

escritório por muitas horas. Tudo começava e terminava em Marina – apesar de dar uma bela curva
em Beatriz e seu sorriso desdentado. Era um futuro ao seu lado envolvendo o pacote completo: anel,
casamento, um cachorro e Bia correndo por todos os lados.

Ao contrário da primeira vez, Marina aceitou bem meu lado possessivo. Queria mostrar para o
mundo que ela era minha mulher, mas, para isso, era necessário que ela não ficasse mais um dia sob
minha supervisão. Sabia como as regras funcionavam, mas não queria fingir que nada acontecia entre

nós dois. Então, naquela mesma manhã, falei com Alberto e os outros membros do Conselho à espera
de uma solução para meu dilema: pretendia casar com minha secretária e não queria que isso se
tornasse um empecilho.

Quando estacionei na frente da empresa, ela me fez prometer que não falaria sobre nós dois. Os
comentários sobre nosso “relacionamento” já eram fortes o suficiente para eu falar por aí de meus
sentimentos. Como se eu fizesse isso. Eu era um homem diferente com Marina, mas jamais me
renderia à hora do cafezinho para falar sobre ela, por mais que a amasse e quisesse gritar aos quatros
ventos que finalmente era minha.

— Na verdade, é mais do que isso... – Encarei Pedro seriamente, abrindo meu coração e
respondendo sua pergunta sobre meu e-mail para o Conselho e meu pedido de uma reunião urgente. –
Se tudo der certo, acho que consigo colocar uma aliança no dedo da Marina, mas ela é muito
escorregadia.

— Você o quê? – Pedro me encarou confuso.

— Desisti de fingir que nada está acontecendo. Procurei seu pai e os outros sócios e avisei que
não tenho um relacionamento oficial com ela, mas que pretendo ter.

— Se você mantivesse o pau nas suas calças, não perderíamos a Marina – ele concluiu irritado,
jogando-se na cadeira à minha frente.
— O que você está falando? – Perder? Como assim?

— Meu pai propôs demiti-la.

— Essa não era ideia! – Suspirei irritado.

— Você é o chefe dela. Decidiram liberar relacionamentos, contanto que não seja entre o gestor
direto, ou seja, nada feito para vocês dois. Um de vocês terá que sair, e você é a merda do CEO.
Como não pensou nisso? – Pedro respondeu zangado.

— Mas este sempre foi o plano, nunca propor a demissão de Marina – resmunguei. – E, para isso,
preciso da sua ajuda.

— O que é?

— Quero sua assistente – pedi. – Vamos trocar. Você fica com Marina, e eu com a Camila.

— Não é possível, Henrique! – ele protestou.

— Há dois minutos estava elogiando a Marina. É a forma de mantê-la com a gente. Você é tão
apegado assim à sua assistente?

— Não é isso, você sabe.

— Não estou indo contra o Conselho, se é o que está pensando. Se eles deliberaram e concluíram

que relacionamentos podem acontecer, menos com gestores diretos, é a forma de todos sairmos
ganhando.

— Ah, Henrique, pelo amor de Deus. Você sai com a sua secretária e sou eu que tenho que
resolver? – Pedro respondeu irritado.

— Muito bem, eu me demito. – Soltei o ar, zangado com a reação do meu sócio. Não ia trocar
Marina pela empresa, por mais que tivesse trabalhado para a Construtora crescer como era
atualmente.

— Você não pode! – ele exclamou em choque.


— Essa empresa é nosso sonho, coloquei meu sangue nessa merda. E agora que preciso de uma

retribuição, não vai acontecer? Então, para mim, já chega – declarei, irritado. – Vou anunciar para o

Conselho e...

— Tudo bem – Pedro me interrompeu, soltando o ar como se estivesse conformado com o meu

pedido. – Merda, você a ama mesmo.

— Sim – confirmei simplesmente. – Devo uma para você.

— Já era hora de enfrentar o Conselho e... meu pai – Pedro concordou, dando de ombros. – Mas
sim, você me deve uma. Vou pensar no quê. Você sabe que eu não esqueço.

Balancei a cabeça e peguei o telefone, ligando para a linha direta na mesa de Marina.
Acompanhado pelos olhos atentos de Pedro, pedi para ela vir até minha sala.

— Sim? – ela indagou da porta, seu olhar expectante se dividindo entre Pedro e eu.

— A partir de amanhã, você será transferida para Diretoria de Operações. Vamos fazer as coisas
com calma, mas o objetivo é você trabalhar para o Pedro já nos próximos dias.

— Por quê? Aconteceu alguma coisa? – ela perguntou confusa. – Deixei algo passar?

— Não, querida, mas se eu quiser te beijar aqui no trabalho, só desse jeito será possível. – Eu ri

ao ver o choque de Mari ao olhar para Pedro, procurando pela reação chocada dele, que não veio.

— Mas nós... Eu... – ela gaguejou e imediatamente se virou para uma das instantes, pegando
aleatoriamente uma pasta, como se as estivesse organizando. Ela e sua mania quando estava nervosa
eram engraçadas de assistir.

— Bem-vinda ao barco, Marina – Pedro desejou. – E fico feliz por vocês dois. Já estava na hora
de assumirem as coisas.

— Mas nós não... Eu... – Marina continuou enquanto um Pedro às gargalhadas fechou a porta atrás
de si, deixando-nos sozinhos. – Do que ele está falando?

— O único jeito de você continuar na empresa e ser minha namorada é mudar de cargo.
Infelizmente só posso mandar em você no quarto, não aqui – respondi com um sorrisinho nos lábios.

— Ah, meu Deus! Você falou com o Conselho?

— Tive que enfrentar o Conselho por você.

— Que vergonha – ela murmurou, escondendo o rosto no meu peito. – Todos vão saber, e eu...

— Nós estamos há meses fingindo fora do trabalho e fugindo um do outro. Vai ficar tudo bem –
acalmei-a. – Agora vá se preparar. Será uma semana terrível. E pode não parecer, mas Pedro é um
chefe mais exigente. Ouvi dizer que ele já perdeu três assistentes que não aguentaram a agenda de
reuniões externas e obras.

— Mas eu amo fazer as visitas.

— E eu amo estar com você, trabalhando comigo lado a lado, mas é por um bom motivo – disse,
ainda covarde em falar as três palavras mágicas. As coisas com Marina levavam tempo, mas valia a
pena. E mesmo que ela não se declarasse, eu sabia. Nós íamos deixar de ser chefe e secretária para
ir além. Homem e mulher, apaixonados um pelo outro.

***

Duas semanas depois, nós éramos inseparáveis. Mais vezes do que poderia contar, eu dormia na
casa de Marina ou ela dormia na minha. Comprei uma cama baixa e coloquei no quarto de hospedes,
com a intenção de atraí-la para mais noites no meu apartamento do que no dela. Por mais que amasse
sua pequena casa no Catete, meu colchão era muito melhor, e eu era um homem grande. Com Beatriz
bem instalada e mais satisfeita em seu quarto em vez de apertada no berço adaptado, era mais
frequente tê-la em minha casa do que o inverso. Era tranquilo ter uma vida familiar, conosco fazendo
programas divertidos, como levar Bia ao zoológico ou apenas passando uma tarde calma. Eu nunca
pedi Marina em namoro oficialmente, mas ela nunca brigou por eu apresentá-la como “namorada”
para todas as pessoas que conhecia.

Em um dos almoços de domingo, Laura descobriu sobre o evento de investidores e decidiu

brincar de fada madrinha com Marina. A amizade das duas tinha crescido, e minha irmã estava
animada por “brincar de boneca” com minha namorada, produzindo-a sem me deixar vê-la até a hora

do evento.

Às oito horas da noite, na frente do salão onde o evento aconteceria e com minha mãe bancando a
babá em sua casa novamente, apaixonei-me novamente. Com um vestido longo de seda verde,
agarrado às suas curvas e caindo suavemente por sua pele, Marina era uma aparição, fazendo meu

coração e outras partes palpitarem.

Cruzei as pessoas em sua direção, pegando-a pela mão com um sorriso aberto e satisfeito ao vê-la
ficar vermelha de vergonha.

— Você está tão linda – sussurrei em seu ouvido, conduzindo-a para a pista de dança. Uma
orquestra tocava uma música lenta enquanto os garçons passavam ao redor servindo alguns canapés.

Puxei-a para meus braços, aninhando-a enquanto dançávamos suavemente entre alguns outros
casais. Sua cabeça encaixava em meu pescoço e permanecemos ali, silenciosos em nosso pequeno
mundinho, dando passos curtos. Era quase como uma desculpa para nos manter colados um ao outro,

o toque de suas mãos em meu pescoço ao mesmo tempo que acariciava levemente suas costas.
Marina levantou a cabeça, seus olhos escuros tão profundos me encarando. Era hipnótico, como se
tudo ao nosso redor tivesse sumido menos ela, seu toque, seu cabelo de cheiro floral, o calor de seus
dedos suaves.

— Não me olha assim – ela sussurrou, ruborizada. Ela era tão bonita quando fazia isso.

— Ou o quê?

— Pare de brincar comigo – Marina censurou, deitando novamente sua cabeça em meu peito.
Nada daquilo era brincadeira, ela não podia notar? — É como se você estivesse dentro da minha
cabeça.

— Você não sai da minha – eu confessei para ela, fazendo-a se calar. Nós giramos pelo salão mais

duas vezes antes da música se encerrar e eu precisar voltar a falar com as pessoas. Era um evento de
negócios, afinal.

Depois de uma hora de conversas enfadonhas de trabalho e alguns canapés em porções pequenas
demais para minha fome, estava decidido a ir embora. Marina tinha mais paciência do que eu,
conversando e apresentando pessoas com quem ela lidou ao longo do trabalho, acenando para Pedro
do outro lado do salão. A M&M foi convidada em peso para aquele evento, e me negava a

reconhecer o olhar torto de Alberto para nós dois a cada vez que passávamos por ele. Quando minha
paciência chegou ao limite, minha namorada disse que iria ao banheiro e depois poderíamos ir
embora. No momento que fiquei sozinho no salão, uma figura conhecida se aproximou.

— Posso falar com você? – Maitê perguntou enquanto eu observava Marina se afastar. Suspirei
com impaciência, porque sabia que a simples presença da minha ex-noiva poderia levantar sinais de
alerta em Marina. Ela poderia fingir que era alguém quieta, mas sabia que morria de ciúmes e ainda
estava insegura sobre nós dois.

— Sobre o que seria?

— Apenas me despedir. Estou voltando para São Paulo amanhã. Entreguei o projeto e o programa
de trabalho. Acho que ainda teremos uma reunião ou outra, mas posso voar para cá ou até mesmo
fazer online. Parabéns, Henrique. Sobreviveu – ela falou com um sorriso.

— Como assim?

— Sei que minha presença te irrita, e vou ter isso em mente se outro projeto aparecer. Depois da
nossa conversa no restaurante, você deixou as coisas claras e estava certo. Nosso tempo já passou,
eu que fiquei abalada ao te ver, perceber que você tinha seguido sem mim.

— Foram muitos anos, Maitê.


— Eu sei, também segui, mas tinha aquele instinto egoísta que sentia que você me esperaria para

sempre. Mas posso ver que não aconteceu – ela respondeu, inclinando a cabeça em direção ao local

onde Marina tinha acabado de desaparecer.

— Não... – murmurei balançando a cabeça afirmativamente. – Eu a amo.

— Eu sei. Você a olha desse jeito que... Quando estávamos juntos, tinha algo disso, mas não sei
dizer se parecia tão... Henrique Martins, você está completamente apaixonado por aquela garota –
Maitê respondeu com um sorriso simples, que dizia que ela estava feliz por mim.

— Estou – confessei, olhando para o chão, um pouco sem graça por perceber que o mundo podia

notar a imensidão dos meus sentimentos, enquanto Marina parecia ter tantas dúvidas.

— Desejo que seja feliz, ok? Case e faça muitos filhos, encha uma casa inteira – ela brincou, sua
voz morrendo na última frase – de verdade. Voltei sentindo saudade de algo que não existia mais. O
que você tem com ela é algo real.

— Adeus, Maitê – respondi com um sorriso, abraçando-a com afeto. Parte de mim sempre
gostaria dela e guardaria aqueles anos que passamos juntos. Eu era outra pessoa, mas não me
arrependia das escolhas que fiz anos antes.

Quando Maitê deu alguns passos para trás, vi Marina nos olhar com olhos arregalados e dar

passos cambaleantes. Eu sabia o que ela estava fazendo. Pensando demais, inventando desculpas.
Corri em sua direção bem a tempo de segurar seu braço antes de ela fazer uma fuga.

— Ei... Para onde vai? – perguntei suave, enquanto ela me olhava em pânico.

— Eu... É... Ah... – ela gaguejou. – Você ainda gosta dela?

— O quê? – Que tipo de pergunta era aquela?

— Não posso me dar ao luxo de brincar, Henrique. Tenho Bia e não posso... não quero... Sei que
falou que estava apaixonado, mas vocês se abraçaram e...

— Você está brincando comigo? – perguntei em um tom de voz seco, arrastando-a para fora do
salão para evitar fazer uma cena, parando no corredor vazio. Ela achava que estava confuso por
Maitê? Depois de tudo o que nós dois passamos? Depois das noites que estivemos juntos?

— Você a amava, Henrique! Quero que seja feliz! E ela está lá... querendo você – Marina disse,
esticando a mão para o salão como se fosse uma coisa óbvia.

— Marina, como tem coragem de falar isso depois de nós dois...

— Não se pode mandar no coração! Você sofreu demais por ela, mas também a amou tanto! Se
você tem a oportunidade de tê-la novamente, por que eu ficaria no meio?

— Ah... entendi – falei com um sorriso, percebendo a respiração agitada de Marina. – Você tem

tão bom coração que não liga em me compartilhar!

— NÃO, HENRIQUE! É sério. O que você quer? – Marina perguntou com uma ponta de irritação
na voz, deixando os braços caírem ao longo do corpo, como se estivesse conformada. Por que ela
não conseguia enxergar?

— Achei que você já sabia a resposta – falei mais suave, me aproximando dela como um
predador.

— Nós podemos voltar a ser amigos. Nunca afastaria a Bia de você, mesmo quando tiver seus
filhos e... – ela continuou rápida, sua voz mais aguda enquanto olhava cautelosa para minha

aproximação.

— Ei, calma – interrompi. – Você quer mesmo que eu volte para ela? Marina, por que é incapaz
de ver o que está na sua frente?

— O quê?

— Eu te amo – respondi simplesmente, puxando-a para perto e sentindo a respiração acelerada


dela em meu rosto. – Tudo que eu sempre quis está com você e a Bia. Não existe Maitê nessa
equação. Ela é o meu passado, você é meu futuro.

— Mas você ficou mexido com a volta dela!


— Não! Eu quis beijar você no Natal, te contei sobre minha ex e quando ela apareceu aqui, você

somou dois mais dois e achou que dava cinco.

— Droga, Henrique! – ela exclamou, dando um tapa no meu braço. – Você tem certeza?

— Sobre amar você? Toda certeza. Você roubou meus pensamentos há tantos meses, meu amor. Eu

disse que estava apaixonado. Será que não percebe?

— Se isso for... – Marina ameaçou, ficando calada de repente.

— Eu te falo isso há semanas, mas sabe quem não fala? Você! – retruquei exigente. – É por isso
que está tentando me passar para frente? É demais para você? Você precisa confiar em nós dois e

parar de achar que não quero estar com você porque porra... Eu quero demais.

— Merda! – ela sussurrou colocando a mão sobre a boca pelo xingamento e sorri com sua reação.
– Não, não é isso. Mas sabe como é difícil me abrir para alguém depois de tudo, depois de...

— Você me ama, sim ou não, Marina? Eu sei a resposta e quero que você também saiba, que diga
em voz alta – afirmei, sabendo que ela era tão transparente como vidro.

— Eu amo você – ela murmurou de volta. — Há tanto tempo... E como senti ciúmes dela.

Eu a abracei, tentando nos fundir em um só até fazê-la entender que me pertencia. Seu calor me

trazendo paz conforme ela parecia relaxar em meus braços. Estava hipnotizado pelo seu olhar, vendo
seus movimentos graciosos enquanto ela se esticava para grudar sua boca na minha. Devorei seus
lábios em poucos segundos, o arrepio de excitação já tão costumeiro cada vez que tocava nela.
Suspirei me separando de Marina, olhando-a nos olhos e vendo todo o meu futuro pela frente.

— Soube que sentia algo por você quando nem correr vinte quilômetros dava jeito – confessei.

— O quê?

— O estresse me fazia querer extravasar. Às vezes com corrida, às vezes com punheta e outras
muitas com mulheres.

— E o que isso tem a ver? – ela perguntou confusa.


— Mesmo estressado com a viagem, os contratos, os investidores... Não queria uma desconhecida

em minha cama. Não quando tinha você ao meu lado. Meu desejo por você aumentava a cada dia.

— E nem as punhetas ou as corridas? – Marina indagou, enfiando o rosto em meu peito enquanto
suas bochechas se tingiam de rosa.

— Você é uma gracinha fingindo que não fica envergonhada por falar "punheta".

— É sério, Henrique!? – ela disse revoltada, em seu melhor tom de mãe.

— Seríssimo. Desde o Ano Novo, fui incapaz de dormir com outra pessoa e estava a um passo de
me tornar um maratonista quando você aceitou o encontro. Vamos para a minha casa. Minha mãe não

vai se incomodar em passar mais uma noite com Bia.

— Não queria abusar dela.

— Acredite em mim... Se isso significa me deixar a muitos passos dela arranjar uma nora de
papel passado e uma aliança no dedo, a Bia pode passar uma semana inteira com ela – respondi e
Marina riu, pegando minha mão e se deixando conduzir para fora do salão.

Parecia brincadeira, mas era verdade, eu conseguia ver um futuro conosco e mais algumas
pequenas cabeças loiras como a de minha namorada. Minha atração por Marina sempre esteve ali
desde o primeiro momento, mas o amor nasceu aos poucos, e quando percebi, já precisava dela como

ar para respirar. Mari me tinha na mão, a mulher da minha vida, o meu para sempre. Seria um homem
feliz a seu lado, dando meu apoio e meu amor... E também alguma safadeza.
Um peso saiu do meu peito no dia que Henrique confessou me amar. Foi como se as coisas se
alinhassem e finalmente se encaixassem em seu lugar, trazendo uma rotina de paz nas nossas vidas.
Eu era insegura e ciumenta, absorta pelos meus sentimentos .Depois da declaração na festa da
empresa de investimentos, fui tomada pela certeza. Ele me queria, me amava, cuidava de mim.
Henrique era meu príncipe de cavalo branco em uma versão um pouco irritada e que me fazia corar.

Nos dias após a nossa declaração, comecei a trabalhar para Pedro. Como Henrique me alertou, o
amigo tinha um volume ainda maior de trabalho do que a gestão, que exigia que eu saísse mais para
visitas técnicas e para acompanhar algumas equipes em reuniões e eventos externos. Estava cansada,

mas Henrique sempre me recepcionava com uma massagem – que sempre evoluía para outras coisas.
A casa dele tinha virado uma extensão do meu apartamento, cheio de brinquedos e itens necessários
para Beatriz. Henrique parecia não se importar, e até mesmo continuava a adicionar mais coisas.
“Misteriosamente” o quarto de hóspedes se tornava cada vez mais infantil, com direito a paredes
pintadas de rosa que “simplesmente apareceram” depois de algumas noites após móveis surgirem
além da cama.

Eram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que esqueci de um assunto que por semanas tirou
meu sono: Gustavo. Aconteceu em uma terça-feira já quase em março, no meio do meu expediente.
Quando o nome de Gustavo surgiu na tela, senti um arrepio em minha coluna. Tinha deixado o assunto
morrer, esperando que o pai biológico de Bia nos deixasse em paz depois do desastre do encontro. A
advogada continuava insistindo para que déssemos entrada no processo de reconhecimento de

paternidade, mas algo me dizia que era melhor esperar alguma reação de Gustavo. Ele parecia tão

pouco interessado na minha filha que talvez só sumisse por mais alguns anos.

— Marina, é o Gustavo – ele se identificou e fiquei quieta, esperando o que quer que ele
quisesse. Estava tão chateada com toda situação de Bia, não sabia como fazer um acordo que fosse
bom para minha filha. Ela ainda era um bebê, mas quando começasse a crescer entenderia o que
aconteceu. Quando o silêncio se intensificou, respondi, ainda em poucas palavras.

— Olá.

— Estou ligando para avisar que decidi não pedir a guarda da Beatriz. Depois do que
aconteceu naquele dia, a Renata acha que não consegue lidar com um bebê para sempre. Ela não
conseguiu limpar o vestido da Prada. Foi para o lixo, acredita? Nós vamos passar um tempo fora
do país, e não é o momento...

— Depois de tudo isso, Gustavo? Simples assim? – Interrompi.

— Achei que ficaria feliz! – ele se defendeu.

— Ainda posso pedir o reconhecimento de paternidade, sabe disso, não é? Fazendo tudo

direitinho, da certidão até a pensão.

— Está no seu direito, mas estamos bem, não é? Nunca tive muito interesse em ser pai, mas
Renata insistiu... — ele se interrompeu, como se estivesse revelando algo desnecessário. — E esse
seu namorado parece um bom pai. Qualquer dia ele topa adotar a Beatriz, e eu vou ser só uma
barreira no processo.

— Como assim, ela insistiu? – perguntei curiosa.

— Ela disse que algumas concorrentes tinham filhos, e os anunciantes pagavam bem – ele
confessou. – Quando vimos fotos suas nas suas redes sociais, ela pensou em tentar uma
aproximação. Sabe como é... Ter filho estraga o corpo e etc. E a Renata se enfiou em umas

polêmicas. Todo mundo ama bebês! Ia ajudar a esquecer.

— Isso é inacreditável – murmurei, chocada com os motivos por trás de Gustavo. Beatriz era uma
mercadoria?

— Ei, não tinha interesse, e graças a Deus a sua filha deu um susto na Renata tão grande que
ela nunca mais vai engravidar – ele retrucou, achando engraçado.

— Desejo sorte, Gustavo. Por favor, não faça isso de novo – eu o cortei, porque aquela conversa
já estava surreal demais. — É desgastante.

— Se for sincero com você, prefiro deixar essa coisa de bebê para trás. Sem ressentimentos,
mas você estava bem antes de eu aparecer, e agora ainda melhor. Nós pesquisamos esse seu
namorado e ele não é rico tipo a gente, é rico de família tradicional! Você tirou a sorte grande.
Não fui feito para isso, mas ele parece ser.

— Se precisar assinar alguma coisa, você faria? – perguntei ansiosa.

— Que tipo de coisa?

— Seu nome não está nos documentos, mas você tem direitos de pai. Se ela for adotada, talvez
precisemos de você...

— Com o maior prazer, Marina. Sei que fui um namorado bem ruim, mas não vou tirar o direito
da sua filha de ter um bom pai.

— Obrigada, Gustavo.

— Nós nos falamos se precisar, Marina. Talvez eu não esteja pelo país, mas sempre podemos
arranjar um jeito de fazer esse documento chegar – ele informou e desligou a ligação.

Fechei os olhos, sentindo o ar saindo do meu pulmão com potência pela primeira vez em semanas.
Gustavo tinha desistido e nossa vida poderia finalmente voltar ao normal. Quer dizer... Ao normal
com Henrique. Sorri pelo futuro que nos aguardava. Meu ex-namorado tinha razão, Henrique era um
bom pai e amava Beatriz. Nós estávamos apenas começando, mas podia vislumbrar um futuro.

— Pronta para o almoço? – Henrique apareceu ao lado da mesa, sorrindo para mim. Estava tão

distraída com a ligação que não o vi se aproximar.

— Claro. De repente, fiquei com uma fome... – disse com um sorriso. – Gustavo ligou. Disse que

está se mudando e não quer mais abrir um processo.

— Bem... – ele falou com um sorriso enigmático, encarei-o confusa. Henrique tinha algo a ver
com isso?

— O que você fez? – perguntei, desconfiada.

— Nada – ele respondeu com um sorriso de canto de boca.

— Henrique, o que fez? – questionei novamente com medo de a resposta envolver esconder
corpos nas obras da Construtora.

— Nada demais. Entrei em contato com algumas pessoas depois de descobrir sobre o noivado
dele com a influencer. Ela ganha rios de dinheiro e Gustavo é o contador. Foi só somar os pontos e
fazer uma denúncia na Receita Federal. A multa vai ser pesada e o processo pior ainda. Sonegação
de impostos e talvez lavagem de dinheiro é um crise grave.

— Então ele está fugindo? – Encarei-o chocada. – Meu Deus, Henrique!

— Eu falei que ele não ia brincar com você, meu amor. Buscaria embaixo de pedras até ter uma
vantagem com esse idiota, mas foi fácil demais. E o mais importante, deu resultado.

— Isso e o vômito da Bia – brinquei. – Eles ficaram assustados depois de meia hora com ela.

— Minha pequena colaboradora fez o plano do jeito certo. – Ele riu.

— Você não quer se convencer de que minha filha de um ano e meio vomitou no Gustavo e na
noiva de proposito, né? Ela é um anjinho.

— Nós tivemos muitas conversas. Nós dois somos uma dupla e tanto – ele continuou, fazendo-me
gargalhar.

Mais tarde, naquela mesma noite, estava fazendo um jantar na cozinha de Henrique quando o vi

brincando de blocos com Beatriz. Eles eram realmente uma dupla e tanto. Ele tinha paciência e
parecia se divertir com as coisas mais banais, ensinando-a e a guiando pelos lugares, orgulhoso de

tê-la no colo ou de mãos dadas. O homem nasceu para ser pai, e meu coração se apertava pela
perspectiva dele se tornar essa pessoa para Bia. Quer dizer, em muitos aspectos ele já era.

— Papa... – Eu ouvi baixinho, saindo da cozinha e me aproximando da sala para ouvi-la


novamente. – Papa?

— Ela disse pai? – perguntei da entrada do cômodo, olhando curiosa para Henrique. Ele parecia
congelado no sofá, ainda segurando uma Beatriz muito afetuosa pelas mãos enquanto ela dava beijos
molhados em sua bochecha.

— Aham... – ele respondeu com uma voz estranha, ainda encarando minha filha.

— Está tudo bem, Henrique?

— Aham... – ele pigarreou de novo e percebi que ele evitava olhar para mim. Dei a volta no sofá
para encontrá-lo com os olhos emocionados, vermelhos e cheios de lágrimas não derramadas.

— Ahhh – respondi com meu coração derretendo enquanto observava os dois.

— Ela falou “pai” – ele anunciou com a voz embargada, como se tivesse chocado e maravilhado
ao mesmo tempo.

— Ela está falando melhor.

— Eu sei... Mas eu era o “ique”, não o papai.

— Henrique – disse, sentando-me ao lado dela. – Em muitos aspectos você foi o pai dela desde o
primeiro dia. Mesmo depois que a gente começou a namorar. Você nunca tratou ela diferente.

— Eu sei, mas mesmo assim... – Ele suspirou, olhando para mim com olhos emocionados. – Eu
posso?
— O quê?

— Deixá-la me chamar de pai. Depois de toda a coisa do Gustavo e...

— Ahh, pelo amor de Deus – eu o interrompi. – É mais do que claro para mim que vocês dois se
escolheram. Você ama minha filha, Henrique Martins, e ela te ama.

— Não sei explicar, Mari. Desde o primeiro momento que vi esse sorriso desdentado. Bia roubou
um pedaço do meu coração e nunca mais vai devolver. Sempre senti como minha filha, mesmo
antes... Mesmo quando eu era o “ique”.

— Sei que é tudo muito novo para nós dois, mas você está na nossa vida há meses. Não magoe a

minha filha, Henrique. De resto – dei de ombros – continue fazendo o que está fazendo. Amando-a,
protegendo-a.

— Existe algo como almas gêmeas de pai e filha? – ele me perguntou, tímido. – Porque isso era
destino, Mari. Vocês chegaram para mudar minha vida.

— Para o bem ou para o mal? – brinquei.

— Para sempre – ele concluiu com uma risada, puxando nós duas para um abraço.
Dois anos depois

— Papai! – Beatriz gritou, correndo pela casa e tentando agarrar nosso cachorro. Depois que ela
aprendeu a falar palavras inteiras, nossa vida virou um grande monólogo de uma criança de quase
quatro anos que ainda mantinha uma risada infantil gostosa de ouvir.

— O que é, Bia? – Henrique perguntou.

— O Nero não quer deixar eu brincar com ele! – ela reclamou muito séria para Henrique, os
braços cruzados. Eu os observava com um riso nos lábios, brincando com o relicário que Henrique
me deu naquele primeiro Natal.

Beatriz era geniosa e mandona como o pai. Era engraçado como pouco a pouco ela adquiria
manias dele, a personalidade muito mais aberta, expansiva e “brigona”. Cada vez que eles faziam
algo parecido, lembrava da pergunta tímida de Henrique se existia algo como “almas gêmeas de pai e
filha”. Eles tinham nascido para se encontrar, e às vezes eu podia jurar que aquele cabelo loiro e
nariz arrebitado era muito mais dele do que meu.

— Já te falei mil vezes que você precisa ser delicada – ele explicou para ela com firmeza,
pegando-a no colo. – Ele é pequeno e você quer sempre montar ele, abraçar com força.

Se Beatriz era afetuosa com Henrique, depois que nós dois começamos a namorar, os dois viraram

carne e unha. Em todos os aspectos, Henrique era o pai de Bia. Na creche, na educação, nas broncas
e como o “papai querido”. O cachorro foi ideia de Henrique, eu fui um voto vencido, com duas

cabeças loiras expectantes sobre ter um bichinho para cuidar. Nero era uma coisa entre os dois, que
saíam animados para passear com o cão e compravam todo tipo de brinquedo para ele. Ele era um
cão vira-lata de uma feira de adoção perto do meu antigo apartamento – apesar de ser pequeno e
parecer muito com um Border Collie. Nós o vimos tão pequeno e magro dentro de um dos

cercadinhos e o adotamos. Ele foi direto para o apartamento de Henrique, onde tinha mais espaço.

Foi com essa conversa que Henrique me convenceu a me mudar. Ele tinha mais espaço e faltava
apenas Bia e eu para nossa família estar completa. Depois de todos os anos sozinha no Rio de
Janeiro no pequeno apartamento do Catete, era hora de ir para um novo lar. Henrique nunca me pediu
em casamento ou me deu anel, ele apenas riu em alguma manhã e perguntou: “Estou velho demais
para chamar alguém de namorada. Quando a gente vai casar?”. Quase cuspi o café no rosto dele pela
surpresa. Depois de cinco minutos, Henrique e sua eficiência já tinham a lista de documentos
necessários para a cerimônia.

Algumas semanas depois, nós demos entrada na papelada e fomos ao registro civil. Sheila ficou
desconsolada por não poder fazer um grande casamento, mas não precisava disso. Eu fiquei tão
nervosa que por semanas o apartamento parecia um showroom de venda de imóvel de tão organizado.
Na nossa sala ficava um porta-retrato do momento: nós três, com um sorriso leve, enquanto Pedro,
Sheila e Laura jogavam arroz de forma desajeitada. Era um dos meus bens mais preciosos. Fazia
mais de um ano do nosso casamento, e as memórias continuavam frescas em minha memória.
Convidei meu pai por mensagem. Pela primeira vez em anos, ele falou comigo, com um curto
parabéns e a resposta de que não poderia ir. Nós sempre seríamos muito diferentes um do outro e
torcia para que ele estivesse bem e feliz em Nova Friburgo, mesmo não me querendo por perto.
Joana, a irmã de Henrique, tentou voltar ao Brasil, mas não conseguiu a tempo do casamento. Ela

veio de visita alguns meses depois com André, Ricardo e Marcos, os sobrinhos “puxa-saco” de

Henrique, que se agarraram a ele como um animador de festa infantil. Com eles e Bia, meu marido
parecia um guia de excursão, sempre animado para brincar, como se ainda tive doze anos de idade.

Minha vida costumava ser a secessão de tarefas em dia cansativos, mas descobri um novo
significado com a família que construímos. Eu queria estar sempre no controle, organizar tudo e
todos, mas depois do nosso relacionamento de faz de conta e de Gustavo, aprendi a relaxar. Henrique
me ensinou a me aventurar, a ser mais ousada, a falar o que pensava. Eu até mesmo comecei a correr

em sua companhia agora que ele não precisava mais de muitos quilômetros para “relaxar”. Henrique
dizia que eu trouxe paz, significado. Era como se precisássemos encontrar um ao outro para ter um
balanço, para sentir felicidade.

Depois do casamento, Henrique me perguntou se poderia adotar oficialmente Beatriz. Ele assinou
uma papelada comigo, e agora queria com a minha filha, um acordo para a vida toda, como ele falava
sempre para mim. Foi mais fácil do que esperávamos. Como Gustavo nunca a registrou, só
precisamos entrar com o pedido de adoção unilateral. Doutora Lorena nos avisou que, em processos
como esse, era necessário a anuência do pai biológico apenas se ele estivesse no registro e se fosse

facilmente encontrado – e eu não tinha ideia por onde andava Gustavo Lobo depois do dia que ele me
contou que não pediria o reconhecimento de paternidade. Bia agora era Beatriz Rodrigues Martins,
com o nome de Henrique em sua certidão e o reconhecimento de que ambos se escolheram desde
aquele primeiro momento, quando ele a fez se acalmar no meio da Construtora.

Enquanto nós continuávamos os mesmos, a empresa passou por algumas modificações. Eu


continuava a trabalhar na Construtora e fui realocada para uma nova posição. Tinha deixado de
trabalhar para Pedro para assumir uma das coordenações técnicas. Voltei para a universidade para
terminar o curso de Engenharia, e em seis meses finalmente conseguiria meu diploma. Henrique dizia
que sentia falta de trabalhar ao meu lado, mas era melhor do que ele me tentando todos os dias para
transar no escritório.

Com o apoio de Pedro, houve uma conversa com Alberto, que decidiu deixar o Conselho para ser

um sócio silencioso. Ele abriu uma empresa nova meses depois, o que foi um alívio para Henrique,
já que sabia que com o homem ocupado com seu próprio negócio, a M&M não teria mais

interferências desnecessárias. Junto com as obras previstas e – quem diria – o projeto com
consultoria de Maitê, a empresa se internacionalizou, o que exigiu viagens de Pedro e Henrique para
fora. Sentia saudades, mas sabia que era um passo importante para ambos construírem um negócio
ainda mais sólido. Meu marido tentava trabalhar menos horas e passar mais tempo com a família,

mas muitas vezes ser CEO cobrava seu preço. Henrique tinha deixado de ser tão workaholic em
nome de passar horas com a família e ficava chateado quando não estava em casa para colocar
Beatriz para dormir.

Meu marido finalmente colocou Beatriz no chão, que saiu correndo e gritando novamente atrás de
Nero. Ele olhou para mim com uma expressão cômica, decidindo se a pequena explosão de
personalidade de Bia merecia atenção.

— Você sabe que a tendência é piorar, não é? – anunciei, aproximando-me dele e o abraçando
pela cintura. – Se ela é assim aos quatro anos, aos quinze teremos muitas portas batendo.

— Eu sei... Acho que podíamos colocar ela num quartinho aos doze e só deixar sair aos vinte.
Tiraria todo o estresse da adolescência – ele brincou.

— Era um bebê tão calminho... É a convivência. Só ficou assim, voluntariosa, quando


determinado CEO sério entrou na nossa vida.

— Acho que está lendo livros demais, Marina. CEO, secretárias, bebês.

— Posso te garantir que é uma história bem real, que incluía também uma família de mentirinha.

— Sabe que inventei esse faz de conta inteiro porque estava doido para transformar vocês duas
em minha família de verdade, não é? Desde o primeiro momento, sabia que ela era minha filha, podia
sentir dentro de mim essa conexão. Vocês sempre foram o pacote completo. Eu me sinto completo –

ele confessou com um sorriso suave nos lábios, puxando-me ainda mais para perto.

— Então não ligaria para uma nova adição na família Martins, não? – perguntei com um sorriso
carinhoso, vendo Henrique abrir os olhos com surpresa.

— Como assim? Mais um cachorro? Deus me livre essa síndrome de felícia da Bia.

— Nada disso – respondi com um beijo leve em seus lábios. — Você vai ganhar uma nova
pessoinha para mimar e transformar em uma criança exigente em aproximadamente sete meses.

— Você está...

— Confirmei a gravidez agora de manhã. Por isso saí tão cedo, para ir ao médico. Parabéns,
papai!

— Marina... Não tenho palavras... – ele respondeu, segurando meu rosto com as duas mãos e
dando um beijo profundo em meus lábios, fazendo-me sair do chão e minhas pernas ficarem bambas
como todas as vezes que ele se aproximava de mim.

— Claro que tem! Você foi feito para ser pai, Henrique Martins.

— E você para ser a mãe de todas essas crianças. Todas as sete! – ele riu, sua respiração roçando

meu rosto por sua proximidade com a minha boca.

— Sete! Você é louco! – Foi minha vez de olhá-lo confusa. Ele gargalhava, rodando comigo pela
sala.

— Por você, apenas por você! – ele falou, sua boca mais uma vez me dando um beijo profundo,
enquanto sentia meu interior expandir em um sentimento que irradiava pelos meus poros. Era
felicidade. Pura e simples.

FIM
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Nota da autora

A Marina foi demitida após voltar da licença maternidade, um fato corriqueiro e que acontece
com muitas mulheres. Além do fato de ser um ultraje com as mães que estão passando por um
processo de ajuste com um pequeno ser humano ultra dependente, gera medo em mulheres que, por
questões de carreira, adiam (ou até mesmo cancelam) o sonho de ser mãe.

A maioria das pessoas sabe que a gestante não pode ser desligada da empresa sem justa causa. A
estabilidade é garantida desde o início da gestação até cinco meses após o parto, sem prejuízo do
emprego e do salário, além de uma licença maternidade de quatro meses (extensíveis a seis). O que
descobri na pesquisa de “Uma Família de Faz de Conta” é que pela Lei n. 13.467/2017, a mulher
também tem direito a dois descansos de meia hora, que podem ser convertidos em um descanso de
uma hora até o sexto mês para amamentação.

Caso a empresa não respeite seus direitos, faça uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho
do seu estado. Sua identidade e das testemunhas serão resguardadas e um processo será aberto. Criar

crianças é um trabalho em tempo integral, e por isso todos os seus direitos devem ser resguardados.

Quer mais comédias de Karen Santos? Leia “Meu Melhor Inimigo”

Julie Morgan detesta Lucas Wilson, e o sentimento é mútuo. Eles eram amigos na infância,
mas a inimizade que nasceu na escola continua forte mesmo depois do ensino médio.

De inimigos a amantes? Dez anos depois, o irmão de Lucas pede a irmã de Julie em casamento, e
eles se reencontram, fazendo farpas voarem pela festa de noivado. Quando um mal entendido causa o
cancelamento da boda, os ex-amigos vão se juntar para garantir o “felizes para sempre” de seus
irmãos, e talvez se apaixonarem no meio do caminho.

— Por favor, não fica chateada, mas… vou me casar — diz minha irmã com uma voz muito baixa
para a ligação.

Meu cérebro demora alguns segundos para registrar o que ela acabou de dizer no telefonema.

Deixo o arranjo de flores na mesa, parando de equilibrar o smartphone nos ombros e segurando-o ao
meu ouvido com atenção.

Erin tem a mania de falar pelos cotovelos, então quase sempre faço alguma outra coisa ao mesmo
tempo. Alguns “aham”, “sim”, “é mesmo?”, e ficamos todos satisfeitos — mesmo que às vezes não
me lembre de metade do que minha irmã está dizendo. Ela é tímida como uma ostra com
desconhecidos, mas adora conversar com quem tem intimidade. O problema é que, por mais que ache
fofo ouvir sobre o septuagésimo quinto cão que ela resgatou, as histórias não são muito interessantes
depois de ouvi-las nove vezes.

— Você vai o quê?! — pergunto um pouco mais alto que deveria.


— É que Dylan me pediu, e estou tão animada e…

— Erin, foco! — interrompo-a. — Você não estava namorando, como pode estar noiva?

— Bem… Sobre isso — ela fala, e consigo ouvir seu tom incerto à distância. No que minha irmã
se meteu? — Estou com uma pessoa há algum tempo, mas concordamos que era melhor não contar

para você.

— Pelo amor de Deus, por quê? É um ex-namorado meu, é isso?

— Pior…

— É um primo de primeiro grau? Um animal? Uma planta? — Suspiro irritada enquanto coloco a
mão no rosto, tentando evitar o barulho de impaciência. — Erin, com quem diabos você vai casar?

— Dylan Wilson — admite em um fio de voz.

— Como o irmão mais velho de Lucas Wilson?

— Sim…

— ERIN, POR FAVOR! — falo alto e suspiro, controlando a voz e voltando a falar em um tom
mais baixo. — Como você reencontrou o irmão daquele idiota infernal?

— Lembra quando estava trabalhando no Starbucks? Dylan estava cuidando de uma obra no centro

de Montpelier e passava todo dia para o café. Uma coisa levou a outra, conversamos, ele me chamou
para sair. Juro que não sabia que ele era irmão do Lucas…

— Aquele babaca, filhote de lombriga, porteiro do inferno…

— Julie! Você precisa se comportar — minha irmã diz, interrompendo minha série de xingamentos
entredentes. Lucas Wilson me tira do sério.

— Eu vou… Mas, Erin? Se ele me provocar, vou responder.

— Na semana que vem, vou fazer uma festa de noivado. Vai ser algo pequeno para alguns amigos,
e ele vai estar aqui. Por favor, por favor mesmo, se comporte. Não quero que você cause uma cena.
— Avisaram o mesmo para aquele filhote de bode?

— Dylan vai falar com ele — Erin responde suspirando. — Julie, por que vocês se odeiam tanto?

Eram amigos. Não tem por que…

— Vou me comportar se ele se comportar. Eu prometo.

Quando Erin desliga, não consigo evitar que minha cabeça me leve para longe. Penso em como
cheguei a esse ódio mortal. Ela está certa, nós éramos amigos. Muito amigos.

Lucas e eu nos conhecemos com meses de idade, não me lembro ao certo. Ele sempre esteve nas
minhas lembranças: mamãe e a mãe dele precisaram voltar a trabalhar pouco depois que nós

nascemos; elas trabalhavam juntas no mercado local e eram muito amigas. Frequentamos a creche
juntos e, no primeiro dia de escola, éramos duas mochilas gigantes presas em casacos que nos
afundavam de mãos dadas — existe uma foto desse instante.

Minhas lembranças começam por volta dos quatro anos, quando estávamos juntos sempre, como
unha e carne. Lucas é seis meses mais velho que eu, leão com ascendente em escorpião, um exibido
vingativo. Uma das minhas primeiras crises de choro aconteceu quando ele parou de falar comigo
por meia hora dizendo que peguei um lápis de cor sem pedir. Deveria saber que ele era um escroto
naquela época. Enquanto isso, eu, uma pobre capricorniana de ascendente em áries — ok, ok, sei que

posso ser infernal por causa desse pequeno detalhe —, estava sempre ali, na minha, sendo uma amiga
fiel.

Assim que Erin nasceu, quando eu tinha seis anos, mamãe deixou de trabalhar. Dylan era mais
velho e fazia alguma coisa depois da aula, esporte acho. Lucas passou a ir para a escola e voltar para
minha casa pelo resto da tarde. A regra era simples: filmes da Disney que não fossem muito de
menininha e brincadeiras adequadas para nós dois. Sei que Lucas falava isso tranquilamente, mas
anos depois descobri que era porque o pai dele era um idiota machista que achava que bonecas e
Cinderela iriam transformar a sexualidade do filho dele.
Blocos de montar eram nossa brincadeira favorita e, pelo que soube, ele estudou engenharia na

universidade — ok, eu sabia tudo porque tinha curiosidade e adorava procurar por informações

sobre meu nêmesis. Ele se formou em engenharia em Cornell com uma bolsa esportiva e foi
escolhido no draft no terceiro ano do futebol universitário. Não sei como ele fez o milagre, mas saiu

com o diploma e a vaga na NLF. Lukifer era talentoso quando queria.

Na época da nossa infância, vimos Toy Story mais vezes do que poderia contar, e eu ia ao delírio
com as poucas vezes que o convenci a ver Mulan. Isso aconteceu dos nossos seis aos treze — no
final desse período, já liamos Harry Potter juntos e gostávamos de ver mais filmes de ação que

desenhos. Não sei o que minha mãe tinha na cabeça, mas no início da adolescência, meus ídolos eram
Stallone, Dolph Lundgren, Van Damme e etc. O Grande Dragão Branco era uma poesia em longa-
metragem.

Lucas estava lá no jardim de infância, na escola primária e no primeiro dia do Junior High,
sempre de mãos dadas, mostrando para todo mundo que eu era sua melhor amiga. Ele começou a
crescer descontroladamente e aos doze anos ele já era tão grande que o chamaram para alguns treinos
depois da aula. Nossas tardes de filme de ação foram acabando aos poucos, até serem apenas dias de
folga dos treinos de futebol americano de Luke. Comecei a ficar na escola para os clubes — nessa

época, era aficionada pelo grupo de debate; era muito boa discutindo com os outros. Esperava Lucas
e voltávamos juntos para casa, já que ele morava a um quarteirão de distância.

As coisas foram ficando estranhas nessa época. Eu o olhava e algo acontecia com meus
hormônios, minha mão suava, meu coração disparava. Comecei a ficar tímida ao redor dele. Quando
uma garota da minha turma perguntou se eu era a namorada dele, a ficha caiu na minha cabeça. Tinha
me apaixonado pelo meu melhor amigo.

Foram meses escondendo aquele segredo, escrevendo poesias e músicas para Lucas — Deus, eu
era brega —, e morrendo pela hora que ele me dava carona em sua bicicleta. Foi nessa ocasião que
comecei a desenhar o rosto de Luke em absolutamente todas as superfícies. Ajudou-me muito a
decidir o que queria fazer do futuro. Até hoje, uso Lucas como modelo dos meus desenhos
à mão livre. Ele é detestável, mas bonito como um inferno, agradável de desenhar.

— Jules, você já deu seu primeiro beijo? — Lucas me perguntou no momento que pegávamos sua
bicicleta em um desses dias. Fiquei vermelha como um tomate, morta de vergonha, enquanto ele tinha

um sorriso no rosto. — Espero que não. Sou seu amigo, você teria me contato, né?

— E você me contou? — respondi com uma pergunta e uma nota de ciúmes na voz. Era muito sem
jeito.

— Porque não aconteceu, ué — ele disse e deu de ombros. — Mas estive pensando. Quero beijar

você.

— Para de brincadeira! — falei e o empurrei, mas Lucas me puxou e me beijou.

Foi horroroso. Sem jeito, com muita baba, uma língua perdida. Mas meu coração se acelerou, eu
suei. Tentei ser menos desajeitada, e no fim nos separamos com olhar confuso.

— Tudo bem? — ele me perguntou, e fugi do seu olhar. Estava morta de vergonha do beijo. E se
alguém tivesse nos visto ali na escola?

— Podemos apenas ir?

— Monta aqui, vou te levar para casa — ele disse e piscou para mim.

Não falamos sobre o beijo, mas aos poucos eles voltaram a acontecer. Lucas me beijava
escondido aqui e ali, sempre de surpresa. Ele tinha se tornado um bom beijador depois de algumas
vezes. Algo também acontecia nas partes baixas dele e sempre terminávamos com Luke andando
engraçado.

Pensando hoje, foi algo bem inocente, que durou algumas semanas e que nunca foi um namoro
adolescente. Só duas pessoas descobrindo o corpo uma da outra, até que uma delas se cansou.
Apenas isso.

Quase um mês depois do nosso primeiro beijo, Lucas sumiu. Não tínhamos celulares na época,
então precisava esperar que ele aparecesse na escola, enquanto morria de preocupação. Mamãe dizia
que talvez ele e a família tivessem viajado, mas conhecia meu amigo. Ele não sumiria sem falar nada.

Uma semana depois, quando ele voltou, era outra pessoa. Anos depois, descobri que foi a época
que a mãe dele foi embora da cidade. Lucas me olhou com olhos adultos, secos e sem sentimento.

Disse que não poderíamos mais ser amigos porque ele cansou “das brincadeiras de criança”.

Foi isso. Treze anos de amizade jogadas no lixo.

Sentia falta dele como um inferno. Chorei e chorei, tentei conversar mil vezes. Mas Lucas não
queria conversar, e começou a ser desagradável em suas respostas. Juntei meus cacos e terminei o

Junior High deixando-o para trás. Se Lucas não queria nossa amizade, também não faria questão.

Quando entramos no High School, Lucas passou a ser um bully, muito por influência dos amigos
idiotas do futebol americano. Ele nunca dirigiu uma palavra ruim para mim, mas adorava
“pegadinhas”. Eu era um alvo fácil, mas também um adversário à altura — ascendente em áries, né?

Meu armário amanhecia com coisas dentro, de papel higiênico a bolinhas coloridas., mais vezes
do que podia contar. Espalhei que ele tinha gonorreia. Que tinha feito pornô. Que passou semanas das
férias de verão preso em um reformatório. Que vendeu o fígado no mercado negro para comprar uma
guitarra. Ele colou meus livros no teto. Contratou um par de calouros para cantar uma canção sobre

como eu era uma perdedora. Pediu uma salva de palmas no refeitório na época que finalmente
arranjei um namorado e deixei de ser uma “velha de oitenta anos com poeira entre as pernas” — o
pobre não durou mais um mês depois disso.

Com o tempo, nós transformamos as escalas de aulas em verdadeiros mapas de War: onde eu
estava, Lucas não pisava. Se calhava de estarmos os dois juntos em alguma aula ou atividade
extracurricular, ou um dos dois abandonava na semana seguinte, ou as pessoas ao nosso redor
sofriam. Isso aconteceu uma vez quando ele foi obrigado a fazer uma disciplina extraclasse para
ganhar créditos para a bolsa de estudos. História longa que na verdade é curta: ele foi parar no meu
clube de debate. Lucas não podia sair, então todo o resto fez isso. Não era minha culpa que nós dois
éramos muito bons em debater. Podíamos discutir por horas.

No último ano, ficamos um pouco extremos. Estava louca para me ver livre de Lukifer, mas ao

mesmo tempo parecia que queria deixar algo marcado na memória dele. Faltando duas semanas para
a formatura, roubei todas as roupas dele do armário de treino e da mochila enquanto tomava banho.

Quando ele saiu do chuveiro para pegar a toalha, não encontrou nada para se cobrir. Lucas Wilson
desfilou sua glória nua pela escola até Dylan trazer uma muda de roupas. Ele foi suspenso no
processo. Não pôde ir à formatura.

Lucas ficou tão puto que no dia seguinte fechou meu carro, batendo na porta do passageiro. O

problema? Tinha entrevista na University of Vermont e, sem carro, não conseguiria ir. Cheguei
atrasada, perdi o processo, mas entrei em uma lista de espera. Estava tão puta por ele colocar meu
futuro em risco e destruir meu carro que não tinha dinheiro para consertar. Chamaram-me para uma
segunda entrevista quando mandei uma foto do meu automóvel explicando que tinha “sofrido um
acidente de carro”.

No meio das férias de verão, me mudei para Burlington e comecei meu curso de História da Arte.
Estava pronta para deixar tudo para trás e nunca mais ouvir sobre Lucas “Lukifer” Wilson.

Agora, quase dez anos depois do nosso último ano na escola, minhas memórias voltam com tudo.

Construí uma vida em Burlington e montei um negócio — que não tem a ver com a minha formação,
já que artes não pagam as contas, como descobri após a formatura. A floricultura é um bom negócio
local, com público e que me permite ser criativa. Faço buquês, mas ganho mesmo com ornamentação
de festas, principalmente casamentos.

As coisas estão ruins nos últimos meses, porém ainda dá para aguentar financeiramente. Sinto que
posso ir à falência a qualquer momento, mas amo ver a felicidade das pessoas ao querer presentear
alguém, o brilho nos olhos, o romance. O dia dos namorados vem com grandes lucros e um mundo de
sentimentos. Gosto muito disso. Sou uma pessoa tranquila, trabalhadora, que ajuda na comunidade.

Meu único ponto fraco é aquele filhote de fungo de pé. Lucas Wilson me tira do sério. Algo
acontece só de olhar para a cara dele, que está em todo lugar porque é o “filho da cidade que chegou

à grande liga”. Quero socar cada poster de papelão que vejo na rua. Por que Erin foi se apaixonar

logo pelo irmão daquele idiota?

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