Teoria Digital - Barreto e Perissinotto
Teoria Digital - Barreto e Perissinotto
Teoria Digital - Barreto e Perissinotto
DIGITAL
DEZ ANOS DO
file – FESTIVAL
INTERNACIONAL
DE LINGUAGEM
ELETRÔNICA
FILE TEORIA DIGITAL
TEORIA
DIGITAL
Ricardo
Barreto e
Paula
Perissinotto
TEORIA DIGITAL
digital
cultura
rede
mundo
potencial
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Algo radical, para alguns ainda imperceptível, começa a surgir na cultura mun-
dial deixando atônitos até os mais sábios. Tratam-se de mudanças profundas
que vêm ocorrendo no seio das sociedades pós-modernas, ocasionando trans-
formações onde as consequências são imprevisíveis e incomensuráveis.
Vivessem no limiar de catástrofes cujas mudanças de paradigmas escapam
quanto a sua definição; instituições até então sólidas pelo peso da tradição his-
tórica poderão desaparecer pelo sopro das intempéries culturais. Em todas as
disciplinas, das matemáticas às artes, da biologia à economia, notam-se modi-
ficações de sentimento profundo quanto às convicções até então adquiridas,
ocasionando uma crise generalizada na cultura contemporânea. Permanece-se
ainda sob o prisma histórico da cultura da transcendência, porém seu predomí-
nio se mostra ameaçado. Das ideias platônicas, passando pela metafísica aris-
totélica, passando pelo leviatã hobbeseano, até os ideais teleológicos da mo-
dernidade, a cultura da transcendência havia imposto a univalência e a
supercodificação às suas instituições e aos fluxos culturais que nela emergiram,
produzindo assim o estriamento de todos os seus aspectos culturais. Comparti-
lhou com todas as formas de soberania constituindo e consolidando seu poder
através de suas instituições culturais: academias, museus, universidades. A cul-
tura da transcendência era uma cultura para "poucos" em detrimento dos "mui-
tos". Na sua versão moderna, entretanto, agora sob o interesse do capital, ela
inventou uma simulação cultural, um engodo perverso que se chamou cultura da
transcendência para as massas. Esta pseudocultura, através dos meios de co-
municação de massa, sustentava a maioria dos comportamentos e princípios da
cultura da transcendência dos "poucos", não havendo nenhuma modificação
quanto aos procedimentos supercodificantes impostos aos "muitos" agora ato-
mizados "culturalmente" e tragicamente desconectados entre si, ligados apenas
ao media analógico de informação unilateral, na produção homogenizante de
suas subjetividades. Tudo ocorria sustentado pelo desenvolvimento tecnológico
que parecia corroborar com a despotencialização dos "muitos", contudo a acele-
ração tecnológica levou a uma dobragem catastrófica inesperada que rompeu
com o sistema de linearidade na qual se fundamentava a cultura da transcen-
dência. Sistemas não-lineares começaram a emergir por todos os lados. Mate-
máticas fractais, sistemas de complexidade dinâmica, física do caos, micronar-
rativas e agonística das linguagens anunciavam o fim do mundo linear
provocando uma crise paradigmática no interior da cultura da transcendência.
Esta crise chamou-se pós-modernidade, provavelmente o último movimento da
cultura da transcendência. Apesar de sua polivalência, ela era impotente para
romper com as axiomáticas transcendentes limitando-se a degladiar com a mo-
CULTURA DA IMANÊNCIA
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dernidade agonizante. Ela foi um grito de desespero, todavia um grito morto. A 19
multiplicação dos sistemas não-lineares havia provocado um outro fenômeno
paralelo à pós-modernização: um conjunto de procedimentos chamados de digi-
talização. Com ela a cultura da imanência pode proliferar no cenário mundial. Na
história da cultura ocidental, diversas foram as tentativas de suplantação da
cultura da transcendência em prol da cultura da imanência. Do Deus como mundo
dos estóicos e do espinosismo ao espírito dionisíaco dos nietzscheanos, a ten-
dência cultural da imanência havia ficado marginal e relegada às margens da
história, mas com o advento das redes virtuais a tendência à imanência pode
pela primeira vez constituir um mundo para a sua ação. As produções culturais
on-line são as primeiras feitas num mundo virtual independente e paralelo ao
mundo físico-cultural, fora de suas leis e fora de seus códigos, mas fora também
da cultura das artes transcendentes tal como a entendemos. As redes virtuais
constituem um plano de imanência. Elas são transcendentais. Tanto as produ-
ções digitais como a cultura digital fazem parte do plano de imanência cuja pro-
liferação as precipitam numa potencialização sem precedentes. Há um processo
constante de heterogenização que se dá principalmente por replicações livres e
por procedimentos de alteridade através de devires descodificados. Disto ad-
vém o principal acontecimento da cultura da imanência que é o anarqui-cultura-
lismo, ele é o jogo livre entre todas as performances que ocorrem no mundo da
imanência, libertando-se das instituições transcendentes baseadas na autori-
dade e na unicidade provocando por todos os lados um descontrole que não se
pode capturar. Deste modo, só podemos falar de "arte digital" no sentido meta-
fórico, pois no anarqui-culturalismo a "arte digital" significa todas as demais
disciplinas potencialmente intercruzadas num processo de transcodificação. O
anarqui-culturalismo ocorre quando a autoridade cultural não pode mais exer-
cer nenhum poder sobre as manifestações culturais ou sobre os seus produto-
res; quando os seus produtos não são mais comercializados; quando o valor do
produto cultural não repousa sobre a sacralização ou sobre a propriedade, mas
na sua capacidade de potencializar os agentes que com ele se conectam; quando
o produtor cultural liberta-se de seu ego, liberta-se de seu nome, liberta-se da
pretensão inócua de entrar para a história e, então, ao se desterritorializar pode
participar de um plano mais complexo, onde o sentido construído pelo autor é
substituído pelas estratégias de múltiplos sentidos em co-autoria com seus in-
teragentes; quando o produto cultural deixa de ser linear e analógico e passa a
ser um sistema ubíquo de complexidade interativa enfatizando seus aspectos
imersivos e bioculturais, tornando-se portanto, máquina de transformação cul-
tural; quando não há mais o mundo próprio das artes, das ciências ou de qualquer
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outra disciplina, mas o jogo livre entre seus códigos, o jogo livre das diagonais
que atravessam todos os planos, todas as disciplinas e que entrelaçam as mul-
tiplicidades heterogêneas num jogo livre das conexões. A cultura da imanência
procede por replicação. Este é um acontecimento que aproxima o mundo virtual
das redes ao mundo da vida, tanto um quanto o outro são digitais. Os clones; a
auto-poesis; os vírus, são comuns a ambos os mundos. A replicação é o seu
modo de produção e de invenção. A noção de que toda a vida evolui pela sobre-
vivência diferencial de entidades replicadoras passa a ser comum à cultura digi-
tal. Não são as espécies, os gêneros ou as disciplinas que importam, mas os
genes digitais pelas quais eles se replicam. Aqueles surgem dos códigos; a er-
rância e a recombinação, pelas mudanças topológicas possibilitando a emergên-
cia de novos devires bioculturais, produzindo o fluxo inconstante da bio-digital-
esfera. A vida na cultura não é mais uma metáfora, ela é no sentido literal. No
mundo da biocultura imanente digital a fixidez e a constante são apenas transi-
tórias. Não há constantes, mas variáveis de variáveis. Sua natureza tem o poder
de esticar, deletar, cortar, torcer, recortar, estraçalhar, explodir, multiplicar, con-
taminar. Os instrumentais digitais foram elaborados para potencializar as capa-
cidades transformadoras. A contemplação transcendente, seja do belo, seja do
sublime, cede lugar à interação imanente participativa e transformadora. Toda
produção cultural está ali para ser destruída, sua duração depende apenas de
sua replicação, pois ela poderá ser alterada, dilacerada e esquartejada e quando
isto acontece surgem novas produções digitais que por sua vez se conectam a
outras, mas quando falamos de produções digitais falamos de redes. Cada pro-
dução digital, pela suas interconecções imanentes, se envolve numa rede, então
pode-se considerar também que cada interagente possui uma rede de imanên-
cia. Redes digitais conectando-se com redes sinápticas. Imanência de ambas as
redes. A cultura da imanência ultrapassa a relação sujeito-objeto. A rede é
transcendental, porém sem sujeito. O objeto não é mais a coisa, mas apenas
fluxos, performances. Não se trata portanto de fruição de uma obra de arte por
parte do sujeito. O que é importante é que a performance esteja passando pelas
redes não-lineares e que vá das redes digitais às redes sinápticas e vice-versa.
Foi uma nova mentalidade não-linear que havia inspirado aos construtores e
engenheiros digitais a construírem a interface entre ambas as redes a qual cha-
maram de hipertexto digital. Ele passou a ser a condição sine qua non sem a qual
não haveria comunicabilidade não-linear. O hipertexto digital, no entanto, não é
uma estrutura, esta é uma visão linguística transcendente e linear sobre a seu
respeito. Ele é uma máquina, uma máquina digital de performance não-linear
baseada na interface do mouse. Ele não tem nada a ver com texto, mas sim com
CULTURA DA IMANÊNCIA
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inconsciente digital é importante, pois produz uma opacidade e um alisamento
digital na rede que impossibilita o controle pelos aparelhos de estado. As polí- 23
cias digitais só podem atingir a superfície da rede; por outro lado o inconsciente
das redes digitais passa a ser vital no relacionamento com os agentes da cultu-
ra digital, pois novos mecanismos podem ser estabelecidos para o afloramento
dos materiais inacessíveis, estabelecendo uma força transformativa de comba-
te, não nos esqueçamos que os cripto-anarquismos deram condições para que
as mensagens enviadas pela rede mantivessem sua privacidade.
Outra força que corrobora com isto é a força do gratuito, que vem deses-
tabilizando o capital digital com consequências imprevisíveis para o mercado
mundial. Para cada produto digital a ser comercializado, surge um fac-símile, às
vezes melhor, porém gratuito. Não se tratam aqui de produtos piratas, mas ao
contrário, de produtos elaborados por programadores ou agentes culturais que
não querem vender ou distribuir seus produtos com alguma forma de pagamen-
to, existem também programas que, além de nada custarem, têm seus arquivos
abertos possibilitando assim que todos possam contribuir para o seu desen-
volvimento, testemunhando a força da criatividade coletiva. Tudo isto revela a
natureza anarqui-cultural das redes digitais. Outras formas estão sendo adota-
das principalmente nas áreas da educação. Educação gratuita digital e mundial,
educação a distância que se funda no autodidatismo e na auto-iniciativa de
seus interagentes, desmobilizando ensinos acadêmicos baseados na discipli-
na e no controle e geralmente suportados pelo estado e pela igreja. Assim, o
anarqui-culturalismo pode vir a fazer frente, não só à sociedade de controle,
como também à sociedade do espetáculo. A cultura da imanência e da partici-
pação imersiva constituem a possibilidade de uma agonística com respeito aos
mass medias analógicos que bestializam milhares de pessoas na introjeção de
"memes" e de programas sígnicos com a finalidade perversa de comercialização
de seus produtos. Lembremos que as redes virtuais podem absorver tudo. Não
há um controle do que possa ocorrer, apesar das tentativas de controlá-la, mas
sempre haverão meios e estratégias de escapar deste controle imposto pela
cultura da transcendência, os hackers multiplicam-se à medida que são con-
trolados. A natureza das redes é de imanência anárquica. Ela não pertence a
nenhuma nação e a nenhum estado político. Ela é pura potencialidade. Os sis-
temas jurídicos não têm competência sobre ela, pois ela escapa do domínio dos
estados, contudo ela pode absorver modos que lhe são estranhos sem alterar
ou colocar em crise a sua natureza, podendo, desta forma ser tratada de manei-
ra analógica (linear), neste caso há um achatamento de seu potencial, pois os
tratamentos são lineares e sobrecodificados pelos seus autores ou produtores,
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Sobre os Autores
Paula Perissinotto é artista e produtora cultural. Mestre em Poéticas Visuais pela ECA USP (2001).
atua principalmente nos seguintes temas: cultura digital, interatividade, arte eletrônica e novas
mídias. Co-Fundadora e co-organizadora do FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
Ricardo Barreto é artista e filósofo. Atuante no universo cultural trabalha com performances,
instalações e vídeos e se dedica ao mundo digital desde a década de 1990. Co-fundador e co-
organizador do FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
digital
processo
performance
humano
sujeito
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nem sequer perceba que o robô existe" (F. Harrois-Monin, em “L’Homme dans la 1. Stelarc.
peau du robot”). A interface direta e o enfoque invasor abrem horizontes que se Von Psycho- zu 32
Cyberstrategien: 33
aproximam da fronteira entre o imaginável e o possível. Prothetik, Robotik
Declarações um tanto apologéticas de que o corpo se tornou obsoleto trans- und Tele-Existenz,
formaram-se em frases cotidianas, que passam a ser aceitas e assimiladas sem in Kunstforum
International,
grande reflexão sobre o alcance de tal afirmação. Artistas como Orlan ou Stelarc Tomo. 132 Nov./Jan.
demonstram, através de suas ações, a dessacralização do corpo e sua transfor- 1996, p.74.
mação em objeto de intervenção. Segundo palavras de Stelarc, "a pele foi, como
superfície, o início do mundo e simultaneamente o limite do indivíduo. Expandi-
da e penetrada por máquinas, a pele não é mais a superfície plana ou uma parede
intermediária, já não denota encerramento. Atualmente o que tem sentido já não
é a liberdade de ideias, mas a liberdade de formas: a liberdade de modificar e
mudar o corpo. As pessoas montadas por fragmentos – comenta Stelarc – são
experiências pós-evolutivas".1
As atitudes adotadas por Stelarc e outros artistas ou teóricos sobre a im-
plantação ou o transplante da técnica para o interior do corpo, assim como so-
bre a possibilidade de manipular o processo vital, não são somente fruto de
uma visão eufórica, ou meros reflexos dos mundos da ficção-científica. Antes de
mais nada, essas atitudes apontam para a necessidade de refletir sobre as mu-
danças produzidas por determinados usos das tecnologias e suas consequentes
ideologias, como a necessidade de controle e domínio, a colonização do corpo
(que é a terceira etapa, depois da colonização do espaço e o domínio da relação
espaço-temporal).
É claro que os sistemas de inteligência e vida artificiais, assim como as co-
nexões em rede, podem nos permitir desfrutar de meios extraordinários de ma-
nipulação, transformação, conhecimento e ação. O otimismo de muitos pesqui-
sadores, no entanto, parece ofuscar a visão para a questão essencial: o aumento
do potencial humano através das máquinas conduz diretamente a um aumento
da dependência humana das máquinas, um aumento do poder e do controle que
poderão ter essas máquinas ou quem as dominar. É claro que só uma minoria
terá acesso a esses tipos de tecnologias – da mesma maneira que hoje só uma
minoria tem acesso ao telefone –, consequentemente, de que futuro para a hu-
manidade estaremos falando?
O famoso efeito da globalização econômica já demonstra ostensivamente
os objetivos do domínio absoluto do mercado mundial por supercorporações,
em detrimento das economias locais, ignoradas e exploradas como mera fonte
de matérias-primas e mão-de-obra barata. A convergência da ciência, da políti-
ca, da economia e da tecnologia que experimentamos atualmente pode gerar a
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"Esse sujeito cognitivo não é evidentemente o criador do mundo cognitivo, já 2. Schmidt, Siegfried
que o criador é o cérebro real. O sujeito é sobretudo uma espécie de 'objeto' da (ed.). Der Diskurs 34
des Radikalen
percepção, que experimenta e vive a percepção. O cérebro real não está pre- Konstruktivismus. 35
sente no mundo cognitivo, da mesma maneira que não está a própria realidade Frankfurt a.M.,
nem o organismo real." 2 Isso significa que não se pode falar em uma realidade Surhkamp, 1987, p.16.
extracorporal nem em uma percepção extracerebral. O "espírito" fica reduzido ao 3. Flusser, Vilém.
funcionamento do wetware (o aparelho biológico), ao funcionamento das cerca Vom Subjekt
de mil bilhões de conexões interneuronais existentes no cérebro. zum Projekt.
Menschwerdung.
Düsseldorf, Bollmann
Verlag, 1994, pp.
III. Sujeito-projeto 101-103.
4. Ibidem.
A ideia a que me referi no início deste texto sobre o "corpo em processo de for-
mação", assim como a citada proposta de uma transformação tecno-estética do
ser humano sugerida pelo artista Stelarc, encontram na teoria do filósofo Vilém
Flusser seu curso mais interessante. Segundo a tese de Flusser, o processo
de construção progressiva do corpo por meio das novas próteses tecnológicas
produz um distanciamento indisfarçável da concepção do corpo dado: "O corpo
dado é resultado de um jogo de dados cego que durou milhões de anos, e, exa-
minado de perto, esse resultado não vem a ser convincente. Talvez existam mé-
todos melhores de formação do corpo que o cego acaso? (...) Essa questão é o
tema principal da atual revolução cultural".3 Um dos aspectos mais inovadores
da teoria de Flusser é a conexão que estabelece entre essa ideia de construção
do corpo e a noção de processo estético. O propósito do engendramento do cor-
po seria oferecer ao sistema nervoso um envoltório estruturalmente simples,
mas funcional. "Para isso, os critérios estéticos devem ser mais importantes
que os metabólicos, já que em um desenho do corpo desse tipo a forma não
deve seguir a função."4
Ora, esse tipo de corpo alternativo, desenhado esteticamente, deve ser con-
figurado com tal complexidade que lhe permita expor-se à entropia, isto é, ao
processo de morte. Provavelmente o problema da imortalidade se transferiu do
âmbito do mítico para o do técnico. No entanto, a questão fundamental não con-
cerne o corpo imortal, mas o inesquecível. Por conseguinte, a pergunta sobre a
mortalidade ou imortalidade deve ser colocada, segundo Flusser, no contexto da
memória, e isto vai muito além do corpo, irrompendo no âmbito da criação. Em
resumo, Flusser defende a transformação do sujeito em projeto; em um projeto
de fundamentos estéticos, mais que puramente práticos. O primordial não se
encontra, portanto, no corpo como tal (na matéria), mas no processo de criação:
no sujeito-projeto.
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A orientação físico-corporal
das performances e ações
das décadas de 60 e 70
salientava frequentemente
a função do corpo como
elemento de coesão em uma
cadeia de relações: arte
e vida, vida e sociedade,
sociedade e meio.
O SUJEITO-PROJETO: METAFORMANCE E ENDOESTÉTICA
IV. Metaformance
Em 1994, quando propus agrupar as diversas manifestações performáticas que 5. Giannetti, Claudia.
utilizam as novas tecnologias audiovisuais e sistemas interativos ou telemá- Estética Digital –
36
Sintopia da arte, a
ticos sob o termo de Metaformance, indiquei a tendência geral da media art a ciência e a tecnologia. 37
potencializar o desenvolvimento da interface entre a obra e o espectador/usu- Belo Horizonte, C/
ário. Por um lado, o processo de interação entre máquina e performer, ou da Arte, 2006.
aplicação das novas tecnologias, passa a ser um elemento inerente à obra. Por
outro, o próprio emprego da técnica permite ao artista/performer prescindir de
sua presença física no espaço da ação, muitas vezes substituída pela da imagem
eletrônica. Mas também possibilita convidar o espectador a assumir seu lugar
na consumação da (inter)ação. O resultado é uma espécie de hibridação entre
a instalação ou environment plurimídia e a performance, baseada no princípio
reativo: a existência da obra depende do cumprimento da ação, e ambas estão
subordinadas à atuação do observador. O espectador como observador externo
é assim não só transformado em performer como também em participante inter-
no, mediante sua inserção no contexto potencial da obra.
Essa tendência não só se confirma, como ganha progressivamente peso e
significado. A Metaformance não aponta exclusivamente, portanto, para a versão
expandida da performance (expanded performance). Sua principal característica
é sua capacidade de gerar um novo tipo de evento, no qual os conceitos da obra,
performer, público, meio e procedimento estão em maior ou menor medida cir-
cunscritos à relação entre ser humano e máquina (digital, telemática, etc.). Por
conseguinte, o dispositivo da interface torna-se cada vez mais preponderante.5
A orientação físico-corporal das performances e ações das décadas de 60
e 70 salientava frequentemente a função do corpo como elemento de coesão
em uma cadeia de relações: arte e vida, vida e sociedade, sociedade e meio. Os
artistas investigavam sobretudo as possibilidades do corpo como recipiente da
identidade ou individualidade, como via de representação do discurso, como
matéria ou objeto, como mediador no cruzamento de disciplinas, como desti-
natário e testemunha das estratégias do sistema; em suma, como elemento de
identificação do sujeito em e com seu contexto.
A Metaformance não reduz a importância da referência ao corpo, da mesma
maneira que não suspende a investigação sobre a relação entre arte e vida. No
entanto, muda profundamente não só a maneira de abordar ambas as questões,
como sobretudo os próprios conteúdos das colocações artísticas. Em estreita
sintonia com as transformações ocorridas nos mais diversos âmbitos, resultan-
tes da revolução digital e biotecnológica, o artista assume a difícil tarefa de ge-
rar as novas ferramentas conceituais a partir das novas ferramentas materiais.
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6. Ibidem, pp.175-195. Diante de certos discursos escatológicos e especulativos sobre a chamada "des-
materialização" do corpo, defendo a tese de que não se trata de um "desapare-
cimento" do corpo/sujeito, tragado pelos meios eletrônicos e telemáticos, mas
sobretudo do eclipse de determinados conceitos históricos de realidade, verdade
e sujeito (corpo), responsáveis pela visão idealista que ainda se volta, embora de
longe, para o horizonte cartesiano. Do ponto de vista da arte, a reestruturação e a
recolocação dessas três concepções básicas – sujeito (corpo), realidade e verda-
de – são as premissas para uma abordagem da teoria da Endoestética.
IV. Endoestética
Sobre a Autora
Claudia Giannetti é pesquisadora de arte e mídia contemporânea, atua como curadora de exposições,
teórica e escritora.
Informações Adicionais
Parte deste texto foi publicada em: “Metaformance – El sujeto-proyecto”, in: Luces, cámara, acción
(...) ¡Corten! Videoacción: el cuerpo y sus fronteras. Valencia, IVAM Centre Julio Gonzalez, 1997. Sua
revisão e ampliação foram feitas especialmente para esta edição.
digital
acesso
reprodução
físico
objeto
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Prefácio
de objeto físico exatamente porque lhe falta a característica singular de forma 1. Abbing, Hans. Why
que define as diferenças entre pinturas, desenhos, livros, sons ou qualquer ou- are Artists Poor?
The Exceptional 42
tro objeto ou fenômeno físico. Diferentemente dos objetos físicos, os digitais Economy of the
são todos basicamente iguais, qualquer que seja sua forma aparente depois de Arts, (Amsterdam; 43
interpretados por uma máquina. Amsterdam
University Press,
2004) p. 307.
I. Fisicalidade e conhecimento
2. Benjamin, Walter. A autenticidade de uma coisa é a essência de tudo o que é transmissível desde
“The Work of Art in seu início, de sua duração substancial até seu testemunho da história que ex-
the Age of Mechanical
Reproduction,” in perimentou.2
Illuminations, trans. Como implica a proposição de Abbing, a ideia de "autenticidade" de Benjamin
Harry Zohn, (New só se torna um valor significativo quando há reproduções de uma obra de arte,
York: Schocken Books,
1969), p. 221. semelhantes na aparência, mas não idênticas à sua fonte. Portanto, quanto
mais divulgada uma obra de arte através da reprodução, pode-se supor que sua
"aura" logicamente também aumentaria. O que Abbing sugere é que a "aura" não
é o que Benjamin propôs, e sim uma função do próprio processo reprodutivo.
Essa mudança de concepção da "aura" de Benjamin sugere que os objetos de
arte têm um caráter duplo. Sua "aura" é ao mesmo tempo os vestígios físicos da
história particular que o objeto experimentou e a relação desse objeto com a
tradição que o produziu. São dois valores distintos: um reside no objeto físico,
o outro no conhecimento (e experiência anterior) do espectador sobre a relação
do objeto com outros objetos semelhantes. Se o primeiro valor é um "testemu-
nho histórico", o segundo pode ser chamado de "relação simbólica". Embora a
relação com a tradição seja um valor independente, separado das proprieda-
des físicas que formam o "testemunho histórico", não pode ser reduzida a um
conjunto de características fisicamente presentes. Separar esses dois valores
resulta num novo conceito de "aura", independente das proposições iniciais de
Benjamin, que é especificamente aplicável à tecnologia digital: a ideia de "aura"
resulta da função que a obra exerce sociologicamente para seu público (como
ele emprega a obra em sua sociedade). Esse conceito, relacionado ao acesso do
público àquela obra de arte, torna os conflitos sobre "propriedade intelectual"
uma consequência inevitável da emergência da tecnologia digital.
Mecânica ou manualmente, os objetos (re)produzidos sempre têm um limite
implícito de disponibilidade (portanto, sua acessibilidade); os objetos digitais
não têm um limite desse tipo – em princípio, um número infinito de qualquer
obra digital pode ser produzido sem alteração ou perda, ou mesmo desvio entre
qualquer das obras. Essa distinção entre todos os objetos físicos e os objetos
digitais revela uma semelhança fundamental entre a obra de arte original e suas
reproduções mecânicas; essa semelhança configura as antigas relações entre
cópia e original: ela revela sobretudo a diferença básica entre o digital e o fí-
sico. Toda reprodução digital é idêntica a todas as outras; os objetos digitais
são armazenados como uma forma de informação, e não limitados como são,
inerentemente, os objetos físicos; portanto, o estado digital pode ser entendido
como uma forma de linguagem instrumental – instruções para executar a "recu-
peração" de uma determinada obra (de arte) digital.
A AURA DO DIGITAL
Entre os objetos físicos, cada objeto é na verdade único, mesmo quando é um 3. Abraham, Ralph,
exemplo idêntico de um determinado tipo: enquanto duas folhas de papel em Peter Broadwell e Ami
Radunskaya. Mimi and
branco podem ser aparentemente idênticas em todos os aspectos, cada folha the Illuminati; Notes, 44
é um exemplo único, fisicamente independente de todos os outros. As repro- http://pages.pomona. 45
duções digitais são todas iguais, e não exemplos únicos de um determinado edu/~aer04747/mimi/
miminotes.html.
tipo (como folhas de papel em branco); cada uma é uma execução idêntica de
instruções uniformes e constantes, uma "cópia". A teoria da informação descre-
ve obras desse tipo como exibindo entropia informacional-teórica zero: como
a execução dos dados instrumentais dos objetos digitais (o arquivo eletrônico
armazenado num computador) é um processo totalmente previsível no âmbito
de um dado sistema digital, não há necessidade de informação para produzir
uma obra digital a partir de um objeto digital (arquivo eletrônico).3 A reprodução
digital é, portanto, fundamentalmente diferente de qualquer tipo de reprodução
anterior, e os objetos digitais submetidos a esse tipo de reprodução podem ser
considerados uma nova classe de objetos.
As obras (de arte) digitais retêm sua forma inicial ao longo do tempo, sem
degradação, porque não há um objeto físico sujeito à decomposição do tempo.
Elas podem ser editadas, compiladas, combinadas e distribuídas sem qualquer
modificação em qualquer reprodução subsequente; as "cópias" podem ser re-
produzidas infinitamente, sem ser submetidas à perda inerente à mídia física.
Uma "cópia" é não apenas equivalente em conteúdo, como é idêntica à sua fonte.
O conceito de "original" digital desaparece porque todas as versões são "origi-
nais" idênticos, ou são todas "cópias" idênticas.
A linguagem contemporânea carece dos termos necessários para descrever a
relação entre instâncias diferentes de um objeto digital idêntico: "cópia" supõe o
modo tradicional de originais e réplicas; "clone" introduz uma analogia biológica
que não obstante sugere uma fonte original anterior que (pelo menos) poten-
cialmente existe como origem. Como os dados que constituem a obra digital em
si permanecem constantes, os objetos digitais são indistinguíveis; a distinção
entre duas interações quaisquer de uma obra digital singular não é uma questão
de conteúdo ou forma, porque a informação digitalizada permanece constante; é
uma questão de localização e apresentação física – onde uma versão específica
se situa na mídia física que carrega sua impressão e/ou a exibe de uma forma
legível pelos humanos.
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putador Atari 2600 existe um grande, embora limitado, número de Atari Home
Entertainment Systems em funcionamento, e quando o último sistema quebrar
de modo irreparável o acesso às versões originais dos arquivos nos cartuchos
48
ROM por seu sistema de hardware original se perderá. Essa perda constitui o
49
testemunho histórico dessa tecnologia e das obras digitais acessíveis a ela. No
entanto, o testemunho histórico desses sistemas é totalmente separado dos
arquivos contidos nesses ROMs, e a sobrevivência dos dados neles contidos é
de natureza diferente da sobrevivência do próprio sistema físico original. (Essa
leitura é resultado de sistemas mais novos que emulam o funcionamento de sis-
temas digitais antigos.)
A capacidade de separar o arquivo digital do hardware dramatiza a aura dos
objetos digitais: a obra digital como imortal, passageira, adaptável a qualquer
nova tecnologia de apresentação que surja. Ela também conecta a aura dos obje-
tos digitais à aura da informação, já que a informação é uma função de interpre-
tação e teoricamente também pode ser transferida de um sistema de reprodução
para outro, assim como línguas antigas e "mortas", como o grego antigo ou os
hieróglifos egípcios, podem ser traduzidos em línguas contemporâneas como o
inglês. Teoricamente, o conteúdo da língua antiga permanece constante; com os
objetos digitais esse aspecto teórico da linguagem e do significado humanos
torna-se fato, por causa da distinção entre a linguagem de código binário da
máquina que é prescritiva, e a linguagem humana que é descritiva e denotativa.
Como a linguagem binária da máquina é um conjunto de comandos, a transfe-
rência e conservação da informação contida naquela linguagem não se sujeita
ao "deslocamento" semiótico do significado que afeta toda linguagem humana.
Assim, o conteúdo de sistemas digitais "mortos" pode ser recuperado, garantin-
do a imortalidade de qualquer objeto digital.
No entanto, a imortalidade dos arquivos digitais também leva a um acúmulo
de obras cujo gerenciamento e acessibilidade inevitavelmente começarão a se
tornar um problema, além da simples questão da capacidade de acessar arqui-
vos antiquados construídos e utilizados com hardware que se tornou obsoleto
e insubstituível.
Quando a imortalidade das obras digitais é entendida no sentido de que es-
sas obras se acumularão e serão imanentemente presentes no futuro indefinido,
surge um problema malthusiano. Conforme os materiais se acumulam em forma
digital eles se tornam cada vez mais difíceis de organizar, acessar e usar. A "aura
da informação" implica que esse contínuo acúmulo de informação é um valor
positivo em si, separando a informação da capacidade de usá-la ou determi-
nar seu valor. A "aura da informação" ganha seu aparente valor das sociedades
FILE TEORIA DIGITAL
Todas as reproduções mecânicas são objetos em si; como tal, carregam seu pró-
prio "testemunho histórico" e estão sujeitas aos efeitos do tempo e da decom-
posição como qualquer outro objeto. Isto vale para a reprodução mecânica em
todos os níveis de sua existência; o negativo fotográfico está sujeito à decom-
posição e perda, assim como a placa metálica usada na imprensa gradualmente
se desgasta com o uso para fazer reproduções. A reprodução mecânica pode
portanto ser considerada como tendo o mesmo potencial de autenticidade (via
testemunho histórico) que qualquer outra obra de arte física.
Em contraste com a reprodução mecânica, a reprodução digital é um objeto
polivalente. A reprodução física do objeto digital, como por exemplo numa tela
de computador, não submete aquele arquivo ao desgaste que os objetos físicos
sofrem; tampouco a cópia, envio ou armazenamento desses objetos digitais ne-
cessariamente os danificam. A transferência digital de arquivos produz cópias
idênticas e perfeitas, não submetidas ao testemunho histórico dos objetos físi-
cos. De fato, o objeto digital – a informação contida no/como arquivo digital é
independente de testemunho histórico. No entanto, o meio que armazena o ar-
quivo digital está sujeito ao "testemunho histórico". Esse recipiente é diferente
de seu conteúdo, e deve ser entendido como separado dele.
Os tipos de "testemunho histórico" que impactam os arquivos digitais po-
dem, portanto, ser divididos em três tipos: (1) os que impactam o recipiente, seja
o disco, CD, ROM ou outro meio de armazenamento; (2) os que afetam o arquivo
digital em si, diferentemente do meio de armazenamento; e (3) a acessibilidade
do arquivo que usa tecnologia contemporânea (a questão da obsolescência do
software, hardware e dos arquivos produzidos com tecnologia mais antiga). Um
A AURA DO DIGITAL
CD quebrado pode tornar inacessíveis os dados que ele contém, mas não destrói 4. O conceito de
realmente os dados. Um arquivo de computador danificado ou corrompido é con- “direito de ler”
origina com Richard
seqüência de erros feitos pelo sistema ao armazenar ou exibir o arquivo, e não Stallman, da Free
50
são exemplos de testemunho histórico, mas são mais semelhantes a erros de Software Foundation.
impressão ou outros feitos com o maquinário de reprodução mecânica. 51
sua forma digital nativa. Assim, a "autenticidade" da obra digital está em ser 5. Petric, Vlada.
independente dos efeitos causados pela passagem do tempo, seu uso (obras Constructivism in
Films: The Man with
digitais não se "desgastam" como os objetos físicos), ou por sua replicação e a Movie Camera,
distribuição em forma digital: diferentemente dos objetos físicos, as obras digi- (Cambridge: 54
tais não existem com restrição física às obras em si, somente na capacidade de Cambridge University
55
Press, 1987); veja
armazená-las (e transmiti-las), assim como a capacidade limitada de armazenar também: Vertov,
arquivos em um disco rígido. Dziga. Kino-Eye:
A ausência de limite físico significa, em princípio, que as obras digitais po- The Writings of
Dziga Vertov, ed.
dem ser consideradas imortais – fazendo da extensão da propriedade estatu- Annette Michselson,
tária (direitos autorais, patentes, etc.) um corolário necessário e inevitável ao trans. Kevin O’Brien,
conflito sobre propriedade intelectual: a manutenção da propriedade como tal (Berkeley: University
of California Press,
exige que ela dure tanto quanto a obra em questão. Do contrário, seria reconhe- 1984).
cer a contingência desse direito de leitura à economia de produção e consumo
baseada em objetos, que antecede a emergência da obra digital.
Implícita no "direito a ler" está a ideologia de "vanguarda" que torna as tec-
nologias digitais obsoletas. Com essa mudança tecnológica de atual para antigo
há uma restrição aos avanços particulares da tecnologia – o que foi chamado
de obra voltada para corte/fusão/remix/colagem/montagem/banco de dados –
baseada numa remontagem de materiais existentes em formas "novas". Que
essa forma estética tenha recorrido em abordagem e forma quase idênticas
a cada nova tecnologia (o fato de Dziga Vertov ter experimentado gravações
em cera para fazer remixes nos anos 19205) sugere que essas abordagens são
banais, e não diruptivas (exceto na linguagem econômica atualmente ligada a
"propriedade intelectual" e direitos autorais). Mais que uma "exploração" da
nova tecnologia, essas obras sugerem uma negação freudiana dos choques
potenciais que essa tecnologia implica através da repetição. Os perigos psico-
lógicos que obras sinistras podem representar são evitados antecipadamente
por meio da rubrica de obsolescência e das repetições inerentes à remixagem
de materiais existentes.
A "aura" de uma obra de arte pode ser considerada como o efeito interpretati-
vo terciário resultante de um terceiro ato interpretativo que usa a experiência
anterior para criar uma consciência daquele objeto, superando tanto sua forma
física quanto sua relação com a tradição. Esta diferença permite a existência
da "aura" (contrariando Benjamin) em obras mecanicamente reproduzidas – e
portanto também permite a "aura" em obras (de arte) digitais. A consciência
desse tipo torna-se possível por meio da reprodução, embora exista em graus
menores nas sociedades tradicionais, em que a consciência das obras de arte
é "reproduzida" como artefato linguístico, mais que visual. Essa consciência é
imbuída de valores especiais (como observou Benjamin). As obras mais antigas
podem ser entendidas como sujeitas à reprodução verbal (não-visual), e a cons-
A AURA DO DIGITAL
ciência que isso produz gera uma "aura" que é consistente com aquela gerada 6. Smith, Patrick.
por reprodução digital /mecânica. Andy Warhol’s Art and
Films, (Ann Arbor: UMI
Portanto a reprodução – mecânica ou digital – é a fonte e o veículo para a Research Press, 1986)
"aura" de uma obra. O encontro de um espectador com uma obra "famosa" como pp. 195-202. 56
objeto é claramente diferente de seu encontro com uma obra desconhecida, 57
porque é a ampla disseminação daquela obra através de reprodução que cria
a experiência particular: o turismo cultural baseia-se nessa ideia de encontros
com originais, cuja aura é uma função do fato de serem amplamente reproduzi-
dos. Quanto mais uma obra é disseminada, maior sua "aura". A persona de Andy
Warhol e sua construção de superstars que são "famosos por ser famosos",6 de-
monstra a natureza efêmera, contingente desse conceito de "aura", sua natureza
socialmente construída e sua dependência da reprodução para existir.
A imortalidade semiótica/instrumental consagrada como a aura do digital
reifica uma ideologia em que a obra de "gênio" (literalmente) "vive para sem-
pre" nos esquemas simultâneos da DRM e da reprodução digital. A propriedade
das ideias é acoplada à forma material específica que essas ideias assumem na
tecnologia digital. Essa imortalidade semiótica torna-se imortalidade instru-
mental no reino do código digital executado de modo autônomo por máquinas:
é a "aura do digital".
A aura do digital indica o digital como o local de uma reificação específica
que dramatiza um conflito subjacente entre produção e consumo no próprio ca-
pitalismo – isto é, entre o acúmulo de capital e seu gasto. Ao permitir a fantasia
do acúmulo sem consumo, a tecnologia digital torna-se uma força ideológica
que reifica o conflito entre os limites impostos ao valor do capital via gastos
e inflação, e a demanda implícita na ideologia capitalista da escalada de valor.
A reciprocidade entre produção e consumo é necessária para que o acúmulo de
riqueza (capital) seja algo mais que uma patologia econômica. A lacuna que a
riqueza acumulada apresenta é uma em que a inflação parece ser a correção ne-
cessária – desvalorizar o capital acumulado para manter a circulação necessária
para manter a dialética da produção e consumo: quando o capital se acumula,
seu valor diminui. A aura do digital perturba essa dialética ao reificar somente
um lado da construção – a ilusão de produção de capital sem o consumo neces-
sário. A aura do digital é, portanto, um sintoma da estrutura de uma ideologia
capitalista patológica que se realiza como fantasia da tecnologia digital, sem
levar em conta a natureza ilusória dessa transferência, ou a realidade dos gas-
tos exigidos na criação do próprio digital.
A tecnologia digital, seu desenvolvimento, utilização, produção e acesso exi-
gem um grande gasto de capital, tanto para criar como para manter. A aura do
FILE TEORIA DIGITAL
7. Betancourt, digital separa os resultados de sua base tecnológica – a ilusão do valor criado
Michael. “Labor/ sem gastos: uma forma patológica de ideologia capitalista que exige a imple-
Commodity/
Automation” in mentação de controles da tecnologia digital (DRM), enquanto aspira ao estado
CTheory, e133 - de informação e assume a "aura da informação", é coincidente com a aura do
9/15/2004. digital. Embora as origens da "aura da informação" residam nos parâmetros
técnicos do digital, seu papel na ideologia-fantasia capitalista de acúmulo de
riqueza torna seu conceito do digital não apenas fundamentalmente falho, mas
também uma formulação que sustenta o desprivilegiamento da agência humana
anteriormente discutido em # Labor/ Commodity/ Automation como o desen-
volvimento lógico de uma ideologia anterior de realização autônoma que serviu
para justificar a ordem social do século XIX.7 Ao naturalizar a concentração de
capital, a aura da informação transforma a tecnologia digital em um recurso
mágico que pode ser usado sem consumo ou diminuição.
A consequência inicial desse recurso mágico surgiu como a "bolha das ponto-
com" no final do século XX, quando a internet emergiu como meio popular comer-
cialmente explorável. O colapso desse período foi inevitável, pois sua economia
dependia da exploração da produção sem fantasia de consumo. A mudança de
ênfase para várias formas de "DRM" começou ainda antes de esses controles
serem implementados pela própria tecnologia, na forma de patentes tecnoló-
gicas, registros baseados em direitos autorais e "assinaturas" de software, etc.
Essa fase inicial levou diretamente ao DRM tecnológico. Ele afirma essas liga-
ções entre a aura do digital e a aura da informação necessárias para justificar a
imposição capitalista de controles (DRM) sobre a propriedade intelectual. Ou a
aura do digital ameaça o status quo porque a ilusão de lucro sem gastos sugere
a possibilidade de que o digital possa realizar uma situação em que o próprio
capitalismo deixa de existir.
Portanto, a aura do digital é como Jano, sugerindo uma produção mágica sem
consumo, reificando essa ideologia capitalista fundamental ao mesmo tempo
em que implica uma supressão do próprio capitalismo. No entanto, todas essas
sugestões procedem de uma falsa consciência baseada na recusa a reconhecer
os gastos reais necessários para a criação, produção, manutenção e acesso às
tecnologias digitais e aos materiais disponibilizados por essas tecnologias, que
tornam possíveis essas fantasias. Nesse sentido, a "aura do digital" pode ser
identificada com uma miopia patológica: está implícita na fantasia anticapita-
lista de um "fim da escassez" que aboliria o capitalismo, e na ideologia capita-
lista reificada na ilusão de produção sem consumo. Cada uma dessas crenças é,
portanto, uma falsa consciência: um produto de cada uma negando a fisicalidade
real, e portanto os gastos e custos da tecnologia digital.
A AURA DO DIGITAL
Sobre o Autor
Michael Betancourt é artista multidisciplinar, curador e teórico de vanguarda. Ele faz filmes,
instalações localizadas e formas de arte não-tradicionais (e exibe suas obras em lugares incomuns
ou públicos) desde 1992. Também ensina teoria da mídia no Savannah College of Art & Design.
58
Tradutor do texto Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
59
Texto publicado pelo File em 2007.
A perenidade da
inconstância:
o desafio de
preservar o
imaterial
Paula
Perissinotto
teoria
digital
obra
suporte
museu
história
FILE TEORIA DIGITAL
prosseguir com suas averiguações? Como acessar o conteúdo dos tais objetos,
chamados em tempos remotos de disquetes, jazz, cd-roms, mdvs, dvds e etc?
Os museus e as instituições fazem todos os esforços necessários para man-
ter as referências artísticas e históricas desde os primórdios da historia da hu-
manidade, mas parece que as condições para a preservação fidedigna das mani- 62
festações estéticas digitais não são ainda ideais. A luz, os códigos e a mutação 63
constante da tecnologia dificultam os seus registros. Alguns museus estão se
organizando para discutir métodos de preservar a arte digital. Um projeto mais
recente, Arquivando a Vanguarda, procura estabelecer algumas diretrizes para
museus, galerias e artistas que desejam preservar os seus trabalhos digitais.
Várias instituições americanas estão envolvidas em tal projeto: os arquivos da
Berkeley Art Museum e a Pacific Film, associados com a Universidade da Califórnia
em Berkeley, o Museu Guggenheim, o Walker Center, em Mineápolis, o Rhizome.
org, o arquivo de Franklin Furnace e o arquivo do Festival de Performance e Arte
de Cleveland. Essa parece ser a primeira rede de organizações norte-americanas
dedicadas a lidar com a preservação da mídia variável. A fragilidade física das
fitas de vídeos e dos filmes se transforma agora em transmissões de dados, em
experiências interativas produzidas para a Internet. A expansão da mídia digital
e seu ambiente mutante, que se transforma com rapidez, nos põe em contato com
a problemática de como seria possível manter a intenção fundamental e preser-
var a integridade de uma manifestação estética produzida para tal ambiente.
O projeto Arquivando a Vanguarda propõe algumas regras e técnicas para pre-
servar a arte digital. Mark Tribe, um dos integrantes do projeto, esboça quatro es-
tratégias diferentes que são discutidas no projeto: a documentação, a emulação,
a migração e a recriação. A documentação, uma estratégia de preservação usada
com outros tipos de arte, registraria o trabalho em instantâneo e suas descrições.
A emulação faria uso de um computador novo com o software de um computador
antigo, permitindo, dessa forma, mostrar uma produção artística digital feita no
passado. A migração substituiria o código de um trabalho antigo feito para um
computador ultrapassado por um código novo fazendo com que esse trabalho
possa ser rodado em uma máquina mais recente. Em casos em que não for pos-
sível usar os recursos de emulação e migração, e dispondo apenas dos registros
instantâneos do trabalho e da sua documentação, seria feita então uma recriação
da obra, sendo essa, a última estratégia, arriscada no sentido de não garantir em
seu resultado final a fidelidade à obra original. A ideia de recriação, migração ou
emulação de um trabalho de arte é completamente inédita, considerada quase
antiética para práticas de documentação tradicional. Por exemplo, profissionais
de preservação de obras de arte jamais tentariam recriar sequer uma parte de
FILE TEORIA DIGITAL
digital: a transformação e
a superação das fórmulas
e das regras ditadas pela
ética da tradição.
FILE TEORIA DIGITAL
avatares, HTML, Flash, chat, desktop, telerobotica, netart, web câmera, netcasts,
network, Java applets, websites, software art e etc. Uma vez familiarizados com
tais termos, poderemos então começar a discussão sobre: cópias, duplicações,
emulados, re-interpretação, emulação performativa, migração, reprodutibilida-
de, Novas Mídias, etc. É claro que os mais preparados sempre estarão à frente
nesta corrida, e quem estiver inerte e indiferente jamais fará parte do jogo.
O FILE - Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, uma organização
cultural não governamental, sem fins lucrativos e de iniciativa brasileira, há
cinco anos vem incluindo o Brasil nessa maratona internacional. Além de promo-
ver e incentivar as manifestações estéticas, culturais e científicas produzidas
para cultura digital, o FILE constituiu, durante esses anos, o único acervo da
América Latina com aproximadamente 800 obras digitais nacionais e internacio-
nais referentes a 40 países. É um arquivo praticamente inédito em conteúdo e
quantidade. Hoje, existem pouquíssimas instituições no mundo com algo similar.
Durante esses cinco anos de existência, desde o ano 2000, o FILE recebeu uma
média de 250 trabalhos por ano produzidos em diferentes suportes, linguagens,
softwares e formatos, caracterizando um acervo com propostas estéticas inter-
disciplinares que envolvem varias áreas das artes. Trata-se, sem dúvida, de uma
referência histórica.
Através da documentação, O FILE já vem organizando a catalogação, o arqui-
vamento com registros e cuidados de armazenamento desse arquivo. Desde o ano
de 2003, vem sendo constituído um banco de dados digital em que todas as infor-
mações sobre os cinco anos de existência do FILE podem ser acessadas rapida-
mente através de palavras chaves tais como: nome do artista, país de origem, tipo
de trabalho, plataforma, além da busca por categorias: e-video, web design, vida
artificial, simulação e modelagem, Java, VRML, webart, netart, animação interati-
va, hipertexto, web filmes interativos, panorama e outras. O objetivo desse banco
de dados é sistematizar as informações dos trabalhos, assim como informações
dos artistas e produtores dos trabalhos que participaram e que venham a partici-
par do FILE. A proposta é de um criar um sistema que funcione tanto offline como
online. O conteúdo desse conjunto de informações é formado através dos formu-
lários de cadastro para cada uma das áreas referentes às propostas do evento:
Festival, Games, Symposium e Hipersônica; incluindo informações e dados tais
como: referências pessoais sobre os artistas, dados do projeto (especificações
técnicas, categorias, suporte e etc), descrição teórica dos projetos em português
e em inglês, imagens, biografia do autor e considerações feitas pelos próprios
artistas. Por meio desse arquivo digital é possível fazer buscas especificas sobre
todo seu conteúdo.
A perenidade da inconstância: o desafio de preservar o imaterial
Como o crescimento desse acervo tem sido de uma constância anual, o FILE acre-
dita que um espaço físico compatível para armazenar esse acervo rígido começa
a se fazer necessário. Um espaço para armazená-lo não apenas com o intuito de
conservá-lo, mas principalmente para desponibilizá-lo ao público interessado.
Esse acervo é muito mais do que uma mera documentação. Ele é um patrimônio 66
cultural que representa o pioneirismo das manifestações estéticas da cultura di- 67
gital em âmbito nacional e internacional no início do século XXI.
O FILE online [http://www.file.org.br] é um grande arquivo eletrônico com vín-
culos entre centenas das produções estéticas digitais e pode ser também, através
de seu arquivo rígido, uma fonte de pesquisa potencial para fazer do Brasil um
participante ativo na pesquisa sobre a preservação dessa tal “vanguarda”. Uma
iniciativa que, com apoio e parcerias corretas, poderá não apenas inserir o Bra-
sil no contexto da discussão internacional sobre preservação digital, mas quiçá
também lhe oferecer a oportunidade de ocupar um lugar de destaque nesse tema.
Estamos falando de um conteúdo único que abrange várias linguagens e lógicas
variadas. Uma fonte de pesquisa repleta de informações que pode preencher as
questões técnicas em pauta na discussão sobre a preservação digital: emulação,
migração e a recriação de conteúdo digital. Nesse sentido, as parcerias com uni-
versidades, instituições culturais, instituições governamentais, empresas pri-
vadas, nacionais ou internacionais, mostram-se absolutamente indispensáveis
para abraçar o desafio de preservar a cultura digital.
Não podemos ainda garantir fórmulas e nem mesmo apontar com certeza
uma solução. A problemática foi lançada. Compreendemos e buscamos solucio-
nar um dos grandes problemas que a cultura digital enfrentará num futuro muito
próximo: a questão de sua preservação. O FILE e suas futuras parcerias farão o
possível para que o conteúdo dessa cultura de nossa época possa ser de alguma
forma acessado por aquele estudante que, em 2063, estará fazendo sua pesquisa.
A nossa maior preocupação, neste momento, é buscar meios técnicos para evitar
que gerações futuras sejam impossibilitadas de interpretar parte da história da
arte do século XXI, pois, como já constatamos anteriormente, as referências de
um mundo passado torna mais rica a nossa imaginação.
Sobre a Autora
Paula Perissinotto é artista e produtora cultural. Mestre em Poéticas Visuais pela ECA USP (2001).
atua principalmente nos seguintes temas: cultura digital, interatividade, arte eletrônica e novas
mídias. Co-Fundadora e co-organizadora do FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
Referências
Richard Rinehart: The Straw that Broke the Institute of Museum and Library Services.
Museum's back? Collecting and Preserving Status of Technology and Digitization In the
Digital Media Art Works for the Next Century Nation's Museums and Libraries 2002 Report.
http://switch.sjsu.edu/web/v6n1/articlea.htm. Online: Institute of Museum and Library
Services, 2002.
Abby Smith, Preservation in the Future Tense http://www.imls.gov/Reports/TechReports/
http://www.clir.org/pubs/reports/rothenberg/ intro02.htm.
introduction.html. Last viewed: January 17, 2003.
Issue no. 3 (July 2002-October 2002)compiled Berkeley Art Museum e a Pacific Film
by Michael Day (UKOLN, University of Bath) http://www.bampfa.berkeley.edu.
and Gerard Clifton (National Library of
Australia)11-Nov-2002 Museu Guggenheim
http://www.dpconline.org/graphics/whatsnew/ http://www.guggenheim.org.
issue3.html#1.
Walker Center
PANIC Preservation & Archival New Media & http://www.walkerart.org.
Interactive Collections
http://metadata.net/newmedia/index.html. Rhizome.org
http://www.rhizome.org.
Structured Glossary of Technical Terms
http://www.clir.org/pubs/reports/lynn/ Franklin Furnace
intro.html. http://www.franklinfurnace.org,
68
69
CuraNDO
(n)a Web
Steve Dietz
teoria
digital
curadoria
web
projeto
online
FILE TEORIA DIGITAL
1. David Bearman, Use Os museus consideravam a si próprios como instituições para colecionar e pre-
of Advanced Digital servar objetos de todo o mundo, lugares para o estudo científico de suas cole-
Technology in Public
Places, Archives and ções, e só em último lugar como locais para exibir o exótico ao público. Alguns
Museum Informatics. referiram-se a esse período de exibição como a filosofia de empilhar coisas.
(6:3 Fall 1992). Ao longo dos anos os museus mudaram muito. Hoje, enquanto os museus são
2. Embora haja muita diversificados, assim como seus objetivos, pode-se dizer com segurança que
discussão sobre o eles estão basicamente no setor de disseminação de informação, mais que de
papel dos museus artefatos. A vantagem de pensar em termos de informação é que ela valida a
e dos curadores na
cultura em geral, coleção de intangíveis, como histórias orais, e réplicas, assim como artefatos
este trabalho não verdadeiros; ela coloca os museus em uma posição chave na era da informação;
aborda diretamente e torna mais fácil integrar as funções tradicionais de coleção, preservação, pes-
essas problemáticas,
supondo que quisa e exposição com as novas palavras chaves, “educação” e “comunicação”.
independentemente – David Bearman1
de sua opinião sobre
elas a Internet vai
afetar e intersectar Escrevendo em 1992 sobre a tecnologia nos museus, Bearman resume claramen-
com elas. te uma mudança profunda dos museus na percepção de sua missão, que somente
se acelerou desde então com a explosão da Internet e da WWW.
Essa mudança enfatizou inevitavelmente o papel central do curador no mu-
seu. Não que ele já não estivesse sob fogo em muitas frentes, desde questões
de autoridade onisciente em uma era pós-moderna de múltiplos significados a
acusações de vigilância parcimoniosa, aos desafios de comunicar ideias difíceis
e pesquisas complexas para um “público geral” (que geralmente significa mui-
tos públicos diferentes com necessidades específicas e pontos de vista muitas
vezes rígidos). Independentemente de como se defina o papel curatorial, porém,
a Internet em particular e a cultura da interface em geral apresentam oportuni-
dades interessantes e talvez profundas, que também poderiam ser percebidas
como pressões competitivas na arena cultural.2
Minha experiência hoje em dia (em oposição ao ano passado) de trabalhar com
museus e novas mídias é que enquanto a maioria dos funcionários não entende
como a Internet funciona – o que parece perfeitamente razoável –, cada vez mais
eles compreendem como ela pode funcionar para eles. Geralmente isto é mais um
caminho para a educação e a comunicação. Nesse sentido, não há nada especial-
mente revolucionário sobre a Web. É um pouco como o marketing direto, só que
mais divertido. É como um aprendizado à distância, só que através de um com-
putador em vez de uma câmera. É como publicar uma brochura ou um catálogo,
só que você ainda pode fazer modificações depois que está “impresso”. O eco de
McLuhan aqui – tendemos a compreender a nova mídia, inicialmente, em termos
de nosso entendimento da velha mídia – é familiar e totalmente apropriado.
CURANDO (N)A WEB
Estou interessado em pelo menos considerar se e como a cultura digital pode 3. Steven Johnson,
afetar a cultura dos museus de maneiras inesperadas – e talvez “irracionais”. Interface Culture:
How New Technology
Steven Johnson escreve quase no final de Interface Culture: Transforms the
Way We Create and
A mudança mais profunda provocada pela revolução digital não envolverá coi- Communicate. (Nova
York, 1997), 213.
sas vistosas ou novos truques de programação... A mudança mais profunda es- 72
tará em nossas expectativas genéricas sobre a própria interface. Passaremos a 4. A coleção de 73
pensar no novo desenho de interface como uma forma de arte – talvez a forma Artesanato Americano
da Casa Branca
de arte do próximo século. E com essa mudança mais ampla virão centenas de estreou na Web em
efeitos naturais, efeitos que se transferem para uma ampla seção da vida coti- 25 de abril de 1994.
diana, alterando nossos apetites para contar histórias, nosso senso de espaço Note o fundo cinza
do Netscape e a
físico, nosso gosto musical, o design de nossas cidades.3 necessidade de baixar
arquivos de vídeo
Sou cético de que a interface se tornará a nova forma de arte durante um século, de vários MB nesta
exposição, criada
mas acho plausível que nossa compreensão da interface se expandirá drasti- antes que houvesse
camente e terá um impacto direto sobre a expressão criativa, e é por isso que tag <bgcolor>,
neste trabalho examino basicamente, embora não exclusivamente, exemplos da tabelas, ou mesmo
um tag <center>
intersecção entre museus e a Web nas artes. Acredito que os artistas contempo- em uso geral ou
râneos e os “interfacers” (Johnson) têm muito a nos ensinar sobre as possibili- a possibilidade
dades relevantes de uma nova mídia em uma sociedade cambiante. de streaming
video. Um aspecto
importante na época
foi a capacidade
2. Os museus reagem à Web de acrescentar
comentários a um
Visitas virtuais e exposições ampliadas em museus livro de comentários,
embora essa
Saltando rapidamente a era de “estilo folheto” de seus sites na Web, os museus função tenha
sido desabilitada
perceberam a possibilidade de colocar suas exposições online, muitas vezes por questões de
ampliando os esforços com informações mais completas e que não poderiam segurança.
estar disponíveis na exposição.
Por exemplo, a primeira exposição online do Smithsonian foi “A coleção de
artesanato americano da Casa Branca”, apresentada e produzida pelo Museu
Nacional de Arte Americana. Essa exposição incluía extensos clipes de vídeo e
áudio do curador falando sobre as peças escolhidas e manipulando-as de ma-
neiras que não seriam possíveis durante a exposição. Além disso, cada artista
foi solicitado a responder a uma série de perguntas sobre seu trabalho, o que
não fazia parte da exposição em si.4
Outro exemplo mais atual da visita online básica a uma exposição de museu é
a bela implementação do Museu de Arte de San Jose de Correntes alternadas.
FILE TEORIA DIGITAL
5. QTVR significa Esse site deixa claro como a crescente sofisticação da linguagem HTML permite
Quicktime um controle muito maior do design e layout das páginas da Web. Note que as
Virtual Reality,
uma tecnologia versões online tanto da Coleção de artesanato americano da Casa Branca quanto
proprietária mas de Correntes alternadas são citadas como “tours” (excursões), uma importante
amplamente usada da diferença semântica que tenta esclarecer a noção de que as apresentações onli-
Apple Corporation.
A homepage da QTVR ne não pretendem substituir as exposições.
fica em http://www.
apple.com/quicktime/
qtvr/. RealSpace é
outra tecnologia Você está lá: a interface imersiva
proprietária da
Live Picture Corp. Outra abordagem além da “ampliação” da exposição que os museus tentaram
Mais informações
em http://www. na Web é uma interface mais imersiva, “você está lá”, usando QTVR (por exem-
livepicture.com/ plo, Andersen Window Gallery no Walker Art Center), RealSpace (por exemplo,
download/clients/ Thomas Moran na National Gallery of Art, ou VRML (por exemplo, The Virtual
lpviewer.html.
VRML significa Endeavour no The Natural History Museum). É interessante notar que há certa
Virtual Reality evidência preliminar no experimento da Virtual Endeavour (Iniciativa virtual) de
Modeling Language que os jovens visitantes preferem a maior interatividade e controle da navega-
e é atualmente o
único padrão aberto ção permitida por uma interface imersiva.5) Se isso for verdade, pode se tornar
dos três, embora um motivo importante para que os museus experimentem interfaces inovadoras.
seja necessário um Atualmente, essas iniciativas são muitas vezes consideradas simples “adornos”,
plug-in especial de
navegador para vê-lo. que no máximo complicam, em vez de aumentar a comunicação.
A página do consórcio The Virtual Endeavour na verdade tinha um componente de VR em rede. Ou-
VRML está em http:// tras instituições, como a Ars Electronica em Linz e a ZKM em Karlsruhe, buscam
www.vrml.org. Ver
James Johnson, The ambientes totalmente imersivos que também possam ser postos em rede, como
Virtual Endeavour é demonstrado pelo programa NICE no Laboratório de Visualização Eletrônica da
Experiment: A Universidade de Illinois.6
Networked VR
Application,
Proceedings ICHIM 97,
(set. 97), pp. 68-74 A exposição estendida
para uma descrição
do projeto.
Em sua apresentação Finalmente, em termos de visitas online a exposições de museus, além de am-
oral na Conferência pliar a exposição e apresentar uma interface imersiva, também há a opção de
ICHIM, Johnson
mencionou os estender a exposição. Como as melhores publicações de exposições, estender
estusos de público uma exposição online significa mais que simplesmente re-representá-la, mas
preliminares, também reformatá-la para a melhor experiência possível no meio – diante de
que serão
publicados em 1998. uma tela de computador, transmitida pela Internet.
Um exemplo de exposição estendida é Diana Thater: Orchids in the Land of
Technology (Diana Thater: Orquídeas na terra da tecnologia). A versão online
CURANDO (N)A WEB
foi “anunciada” por uma série automatizada de páginas, retomando uma das 6. A Ars Electronica
obras em vídeo de Thater, que parecia um “túnel” na entrada da homepage do opera um CAVE -- um
cubo de 2,5 metros
Centro Walker.7 com uma experiência
Ao clicar sobre ela, o espectador se via diante de uma citação em movimento de VR imersiva em
de Walter Benjamin, que também era baseada em um “rótulo de parede” exposto 3D projetada em 3
paredes e no chão,
em um monitor de TV no início do site-exposição. O espectador pode então “pas- baseado no CAVE em 74
sear” por galerias de QTVR, onde muitos objetos apresentados são “quentes”. EVL. ZKM (Zentrum 75
Enquanto as percorre, é possível escutar trechos de áudio de um diálogo com a fur Kunst und
Medientechnologie)
artista no dia da inauguração. Mas é aqui que o designer, Louis Mazza, estende recentemente
a experiência, ao remixar o áudio de uma maneira que chama a atenção para adquiriu um
o mix, assim como a “mixagem” feita por Thater dos canais rgb do projetor de simulador de voo para
projetos artísticos,
vídeo chama a atenção para os suportes tecnológicos e construídos da experi- e o Laboratório
ência narrativa, normalmente transparente. É uma linha tênue entre apresentar de Visualização
o trabalho em uma exposição e estendê-lo de modo apropriado – tanto para a Eletrônica tem
desenvolvido
obra quanto para o meio. aplicações imersivas
em VR em seu CAVE
há vários anos.
Ars Electronica,
Exposições criadas para ser online http://www.aec.
at/center/centere.
Cada vez mais, as exposições são criadas para ser pelo menos parcialmente on- html. ZKM, http://
www.zkm.de. NICE
line. Isto é, desde a concepção inicial de uma exposição se planeja um compo- Project (Narrative-
nente online integrado. Basicamente, estes envolvem exposições baseadas em based Immersive
sites, mas isso também está mudando, como veremos. Constructionist/
Collaborative
Alguns exemplos são: Arts As Signal: Inside the Loop, Bodies Incorporated, Environments),
Mixing Messages: Graphic Design in Contemporary Culture e Techno Seduction. http://www.ice.eecs.
Uma das exposições online mais radicais é Revealing Things (Revelando Coi- uic.edu/~nice/NICE/
aboutnice.html.
sas), no Smithsonian, curada por Judy Gradwahl. Baseada em “objetos cotidia-
nos” do acervo do Museu Nacional de História Natural, não há instalação física 7. O túnel não está
ligada a essa iniciativa, à qual Gradwahl dedicou mais de dois anos. Não está mais no Walker Web
site, mas pode ser
claro se a longo prazo exposições totalmente virtuais de objetos físicos se tor- acessado em http://
narão uma prática comum – alguns diriam que o objeto autêntico é praticamen- www.walkerart.org/
te a única coisa que separa os museus de todas as outras práticas curatoriais thater/cyan.html.
online –, mas de qualquer modo é um parâmetro importante. O site também usa
uma interface inovadora baseada em Plumb Design’s Thinkmap.
FILE TEORIA DIGITAL
Não importa de que maneira você a divida, é claro, colocar online uma ver-
são de uma exposição não é a mesma coisa que fazer curadoria na Web. Nesse
aspecto os museus até hoje foram mais circunspectos, mas várias direções
frutíferas foram experimentadas. Atualmente, a comunidade de museus está
aplicando um grande esforço para simplesmente digitalizar seus acervos e tor-
ná-los cada vez mais acessíveis online. Digitalizar os bens não é diferente da
função histórica do museu de preservar os artefatos. Conforme esse processo
se tornar cada vez mais eficaz, porém, haverá uma crescente necessidade de
encontrar maneiras de “filtrar” as enormes quantidades de informação dispo-
níveis. A ênfase mudará de simplesmente “criar” conteúdo para apresentar um
contexto para ele; um ponto de vista sobre ele – assim como um dos papéis
do curador é identificar, contextualizar e apresentar um ponto de vista sobre
obras de arte. Enquanto muitos websites de museus têm listas de links, poucos
tendem a “curar” esses links, ou oferecer motivos para visitá-los além de um
genérico “sites a verificar”.
O site do Whitney Web, por exemplo, diz: “A partir daqui, oferecemos um
link para outros sites de museus, onde está ocorrendo a mais interessante
oferta de conteúdo de museus online. A inclusão nesta lista não constitui um
endosso do Whitney Museum, nem essa lista é de modo algum abrangente”. E
embora isso possa ser mais explícito que a maioria, não é raro. O Musée d’Art
Contemporain de Montreal tem uma das listas mais abrangentes e organizadas
de arte contemporânea na Web, mas eles tampouco oferecem muita contextua-
lização para os links. O Cincinnati Contemporary Arts Center declara: “estamos
interessados em explorar a Web como ‘novo meio’ para artistas e pretendemos
desenvolver esta página de Exposições Virtuais com esse fim. Enquanto isso,
aqui estão links para vários sites que usam o ciberespaço como espaço para a
arte”. E eles dão informação contextual sobre os links. De modo interessante,
um museu de ciência, o Exploratorium, tem uma listagem semanal de “dez sites
bacanas”, muitos dos quais são de arte. O site de fotografia do Museu Nacional
de Arte Americana, Helios, também resenha recursos de fotografia na Web a
cada duas semanas, em “Transmissions”.
O paralelo mais próximo de uma lista “curada” de links da Web talvez seja a
bibliografia anotada. No entanto, quando saímos do acervo do museu (na Web),
mesmo de maneira bibliográfica, as comportas conceituais se abrem para a
CURANDO (N)A WEB
curadoria na Web propriamente dita. É claro, exposições externas ao acervo não 8. O artigo Memex de
são novidade, mas ainda não são amplamente praticadas na Internet. Há, porém, Vannevar Bush e links
relacionados podem
alguns exemplos intrigantes. ser encontrados em:
O Instituto de Arte Contemporânea em Londres tem o que chama de “Cura- http://www.isg.sfu.
tours”, que “explora ideias e temas em sites da Web. Cada Curatour explora um ca/~duchier/misc/
vbush/. A homepage
tema diferente e é curado por um especialista do campo”. Até hoje são apenas de Ted Nelson fica em 76
dois curadores e eles estão há quase um ano, por isso não está claro se o ICA http://www.sfc.keio.
ac.jp/~ted/index.html. 77
pretende continuar o programa. Colour-Color, do artista Jake Tilson, “enfoca o
uso da cor na Internet, de questões simbólicas e teóricas aos efeitos que ela
cria”. O outro “curatour”, Collapse, é na verdade menos um tour na Web do que a
ideia de usar uma interface diferente – neste caso VRML – para explorar o site
do ICA de um ponto de vista diferente, por assim dizer.
O Museu Guggenheim tem um programa semelhante, que chama de “Cybe-
rAtlas”, um esforço dedicado a mapear esta terra incógnita do ciberespaço. O
objetivo de CyberAtlas é encomendar e colecionar uma série de mapas do ci-
berespaço, com um enfoque particular para sites relacionados à arte visual e à
cultura. Diferentemente do típico mapa de navegação, os mapas de CyberAtlas
podem levá-lo aonde você quiser, assim como lhe dizer como chegar lá: clicando
em um site em qualquer dos mapas o transportará imediatamente para a página
correspondente na Internet.
Seus primeiros dois projetos são Electric Sky, de Jon Ippolito – “Estrelas bri-
lhantes no firmamento da arte online e as redes que as sustentam” – e Intelligent
Life, de Laura Trippi – “Um mapa temático que traça conexões entre recentes
avanços científicos e arte, teoria e cultura popular”. São obras maravilhosas,
imperdíveis, que apontam uma direção importante em curadoria (na) Web.
Como uma variante do webmapa, o Walker Art Center encomendou um “hi-
perensaio” baseado na vida e obra de Joseph Beuys. O pretexto foi uma exposi-
ção de sua obra, mas o objetivo era escrever um texto informativo que pudesse
não apenas ser lido de maneira não linear, mas que também seria criado para
aproveitar os vastos recursos da Internet, ligando-o a eles sempre que fosse
adequado. Se a WWW é um protótipo do Memex de Bush ou do Xanadu de Nelson,
então deveríamos criar programação que aproveite essa “biblioteca universal”.8
O Walker pretende encomendar pelo menos três hiperensaios por ano sobre te-
mas amplos relacionados à programação on-site.
FILE TEORIA DIGITAL
Curando web-arte
Anotar links, mapear territórios, navegar uma rota, todas são funções de tipo
curatorial que atuam sobre objetos digitais e/ou em um domínio digital. Talvez a
mais clara expressão desse tipo de iniciativa é curar arte específica para a Web.
Enquanto a tecnologia, incluindo a Web, tem aberto caminho para dentro da ga-
leria nos últimos 30 anos ou mais, parece haver pouco consenso na comunidade
dos museus sobre a definição ou mesmo o valor da arte específica para a Web.
Muitos artistas incorporaram a Internet como um aspecto de suas instala-
ções físicas em museus: Bowling Alley, de Shu Lea Cheang, originalmente apre-
sentado no Walker Art Center, a recente instalação e projeto Exploding Cell, de
Peter Halley, no Museu de Arte Moderna, para citar apenas dois, mas a adoção
pelos museus da arte específica para a Web foi mais cautelosa até hoje.
Dois dos primeiros pioneiros, é interessante notar, são museus de univer-
sidades com uma forte conexão com a fotografia e a programação dirigida por
artistas. O Museu da Fotografia da Califórnia na UC Riverside tem apresentado
projetos de artistas específicos para a Web, assim como incentivado há vários
anos exposições de instalações com importantes componentes da Web. Eles até
adquiriram uma cópia do software Adobe Photoshop para sua coleção perma-
nente, por causa de sua importância para a futura história das imagens. @art,
que tem como cofundador o fotógrafo Joseph Squier, é uma galeria de arte ele-
trônica afiliada à escola de arte e design da Universidade de Illinois em Urbana-
Champaign. Os projetos da @art’s incluem obras de Peter Campus, Carol Flax,
Barbara DeGenevieve e outros.
Uma das iniciativas mais inovadoras e substanciais de um museu para
apoiar a arte específica para a Web é a série de mais de meia dúzia de projetos
do Dia Center que ocorre desde 1994. Aqui está uma descrição de seus esforços:
os projetos de artistas do Dia para a Web começaram no final de 1994, quando
Michael Govan tornou-se diretor do Dia. Seu apoio entusiástico à Web tinha dois
objetivos: tornar a informação sobre o Dia e seus programas acessíveis a um
público maior; e, mais importante, encomendar obras de arte feitas especifi-
camente para a Web. Desde sua concepção, o Dia se definiu como um veículo
para a realização de projetos de artistas extraordinários, que de outro modo
poderiam não ter o apoio de instituições mais convencionais. Com esse fim, ele
sempre tentou facilitar experiências diretas e não mediadas entre o público e a
obra de arte. A Web forneceu uma oportunidade para levar a arte diretamente ao
público, ao se encomendar projetos significativos de artistas interessados em
explorar os potenciais estéticos e conceituais desse novo meio.
A curadora do Dia, Lynne Cooke, seleciona os artistas com quem o centro
pretende trabalhar em consulta com Sara Tucker, diretora de mídia digital. Com
CURANDO (N)A WEB
base em nossa extensa e constante pesquisa na prática de arte contemporânea, 9. E-mail de Sara
acompanhamos o trabalho de muitos artistas, tanto nos EUA como no exterior, Tucker e Lynne Cooke
para Steve Dietz,
que vão de jovens e desconhecidos até aclamados e estabelecidos. Escolhemos 16/03/1998.
artistas principalmente das belas artes, mas também de disciplinas adjacentes,
incluindo dança e arquitetura, com base em nossa convicção de que eles vão
abordar o meio de maneira original, e até heterodoxa. Os artistas trazem para
78
a Web os conjuntos de questões e temas que eles abordam em seu trabalho em
79
outras mídias, formulando projetos que expandem suas próprias ideias enquan-
to abordam o contexto e as características da Web.
Não há regras ou diretrizes formais para esses projetos – o processo de pro-
dução geralmente varia muito de um projeto para outro. Sara Tucker trabalha
estreitamente com o artista para realizar o projeto em termos ideais. As deci-
sões sobre largura de banda ou browser para o qual criar são deixados a cargo
do artista, depois de eles terem compreendido as várias opções. Embora tenha
havido algumas exceções, a maioria dos artistas não tinha técnicas de progra-
mação: o processo do trabalho envolve primeiro explorar potenciais e limites,
depois o artista trabalha com Tucker para desenhar e programar os projetos.
A multimídia e a eletrônica não são novos para as artes visuais. O Dia, por
exemplo, patrocinou as instalações multimídia de artistas como La Monte Young
e Robert Whitman no início da década de 1970. A mídia digital, porém, tornou-
-se cada vez mais importante nas artes visuais conforme os avanços nas tec-
nologias de computação e comunicações permitiram que os artistas manipulem
com facilidade imagens, texto e som, e imaginem distribuir seu trabalho para
o enorme público sugerido pelo crescimento exponencial da Internet. Já que o
desenvolvimento histórico de qualquer nova mídia, como cinema ou fotografia,
foi liderado por artistas, é nossa esperança que o Dia, ao implementar projetos
de artistas no reino da mídia digital, possa estender os limites desse meio e
desafiar as suposições dominantes que o governam.
O objetivo geral deste programa de projetos de artistas para a Web é enco-
mendar uma série de projetos variados, desafiadores e intrigantes.9
O The Walker Art Center, com o relançamento de seu site na Web em julho de
1997, criou uma “Galeria 9” virtual, em que instituiu uma série de projetos de
artistas para a Web, sendo o primeiro Ding an Sich (The Canon Series), de Piotr
Szyhalski. No próximo ano, o Walker vai se concentrar em encomendar proje-
tos de artistas emergentes para esse meio emergente, com planos imediatos
de obras de Lisa Jevbrat para “Stillmanizar” o site do Walker; Paul Vanouse, com
uma apresentação de seu Consensual Fantasy Engine e uma “colaboração adver-
sária” de Janet Cohen, Keith Frank e Jon Ippolito.
FILE TEORIA DIGITAL
Colecionando web-arte
10. Susan Kuchinskas, O Museu de Arte Moderna de San Francisco fez um dos maiores sucessos de mí-
Museums Add dia até hoje em termos de museus e da Web ao “adquirir” partes de três websi-
Web Sites to
Collections, Hotwired, tes: adaweb, Atlas e Funnel. Apesar de o curador de arquitetura e design, Aaron
12/02/1997, http:// Betsky, ter pedido a esses sites que fizessem uma doação para o acervo, e ele
www.wired.com/ “está tratando as peças como faria com desenho gráfico, mais que obras de be-
news/news/culture/
story/2009.html. las artes”,10 a decisão curatorial consciente de colecionar “isto e não aquilo” -
especialmente quando “isto” é um site da Web – é um exemplo significativo.
11. Matthew O Museu Whitney de Arte Americana adquiriu A Primeira Sentença Colabora-
Mirapaul, Leading
Art Site Suspended, tiva do Mundo, de Douglas Davis, como parte da doação do legado do coleciona-
The New York dor Eugene Schwartz, e tem planos de hospedá-la em seu servidor, embora ainda
Times Cybertimes esteja hospedada no departamento da universidade onde começou.
3/03/1998, http://
search.nytimes.com/ O Walker Art Center também tem um acordo em princípio para adquirir todo
books/search/bin/ o site adaweb, que seus proprietários corporativos não desejam mais apoiar
fastweb?getdoc+ como uma iniciativa em curso.11 Adaweb continuaria sendo servido pelo site do
cyber-lib+cyber-
lib+20071+0+ Walker, mas novos projetos não seriam acrescentados a ele. O Walker planeja a
wAAA+adaweb. aquisição do adaweb como um primeiro passo significativo em um compromisso
constante para criar uma coleção digital de arte específica para a Web.
3. Concorrência cultural
Web está uma ordem de magnitude mais rico um ano depois, mas ainda não es- 12. Ralf Neufang,
tou convencido de que os melhores sites de museus estejam sendo produzidos American Library
Association, http://
por museus reais com acervos de obras de arte. www.lib.cwu.
edu/~samato/IRA/
reviews/issues/dec94/
louvre.html. Para mais
Museus virtuais sobre o “duelo dos
Louvres”, ver http:// 80
Assim como na “vida real” o Louvre é um dos mais renomados museus do mundo, www.strcom.com/ 81
webzeumz/luves1.htm.
o Le WebLouvre é um dos sites mais conhecidos, visitados e linkados com maior
frequência no ciberespaço. Mas Le WebLouvre é um museu virtual. Ele não tem
acervo e não é oficialmente relacionado ao Louvre (hoje é formalmente chamado
de Le WebMuseum depois de uma “conversa” com os advogados do Louvre).
Parte do servidor da ENST (Ecole Nationale Superieure des Telecommunica-
tions, Paris) na WWW, Le WebLouvre – sem relação oficial com o famoso museu
de arte – foi criado por Nicolas Pioch, um estudante de 23 anos e instrutor de
informática na ENST. O projeto é continuamente desenvolvido e ampliado com a
ajuda de contribuintes externos porque “há necessidade de mais coisas artísti-
cas na Internet”, como explica Pioch.12
Há outros exemplos de museus virtuais que “emprestam” os acervos de ou-
tros museus ou são modelados como museus, mas estou mais interessado no
incrivelmente amplo leque de “instituições” que fazem muitas das coisas que os
museus deveriam fazer mais, sem necessidade de se definir como museus. De
que adianta, afinal, se a coleção é virtual (isto é, inexistente) ou digital, e nesse
caso infinitamente e exatamente replicável e a questão da propriedade não é tão
central quanto outras questões, como ponto de vista, contexto, inovação, apoio
à prática artística e muito mais?
Galerias de zines
modems dial-up e browsers mais antigos –, a LEA Gallery foi desenhada para 13. Patrick Maun,
aproveitar alguns dos avanços tecnológicos mais recentes. Conforme a galeria e-mail para
Steve Dietz.
evoluir e se adaptar, o mesmo ocorrerá com a tecnologia que ela utiliza, e, ao
se manter aberta à exploração tecnológica, cria a possibilidade de projetos que
pesquisam e usam animação, som, VRML e Java.
O futuro da galeria inclui a apresentação de novas obras que exploram os
limites da arte, ciência e tecnologia, obras tópicas que lidam com temas explo- 82
rados nas edições mensais do Almanac, homenagens artísticas a pioneiros da 83
mídia, e obras que esclarecem teorias contemporâneas nas artes e ciências. –
Patrick Maun, curador, LEA Gallery.13
Um dos sites mais conhecidos de novas mídias nem sequer tinha uma casa per-
manente até o ano passado. No entanto, o “Festival de Arte, Tecnologia e Socie-
dade” Ars Electronica tem uma força significativa há quase 20 anos, e nos últi-
mos teve uma ampla presença na Web. De modo semelhante, a conferência anual
da International Society for Electronic Arts – ISEA (Sociedade Internacional para
Artes Eletrônicas) tem um website com um conjunto seleto de links para obras de
arte. A venerável conferência SIGGRAPH possui uma galeria de arte online. Até a
mais recente Documenta curou um site à parte de suas instalações físicas. E este
ano a conferência Museums and the Web tem uma exposição online de net-arte.
Alguns dos esforços mais importantes em termos de identificar e contextu-
alizar net-arte estão sendo feitos em uma base anual em festivais e conferên-
cias ao redor do mundo. E enquanto uma conexão CU-SeeMe ou um clique em
http pode não ser a mesma coisa que tomar um espresso em um café de Paris,
é realmente uma festa em rede que permite a alguns as mesmas vantagens de
branding dos museus com sites.
FILE TEORIA DIGITAL
Desenhando arte
14. Gabrielle No reino digital, parece que não basta para os estúdios de design terem algu-
Shannon, editora- mas contas de prestígio, como sites de museus na Web. Muitas das principais
-chefe, Urban
Desires, http://www. agências criam seus próprios sites de “arte” – iniciativas semiautônomas que
desires.com/3.6/note/ são consideradas ao mesmo tempo um canal para criatividade e uma pesquisa
index.html. de design de vanguarda.
Por exemplo, a Agency.com tem Urban Desires, uma iniciativa em formato de
fanzine que está em processo de mudança, mas cujos objetivos talvez tenham
ainda mais a ver com criar conteúdo cultural: “... vamos criar um local para a
distribuição de novas mídias da nova escola: peças altamente visuais, narrati-
vas não tão lineares, explorações interativas, filmes curtos de animação, jogos,
experimentos, piadas de mídia... e quem sabe o que mais”.14 A Razorfish tem
duas iniciativas: The Blue Dot, “curado” por Craig M. Kanarick, que assume como
desafio “provar que a Web pode ser bela”, e rsub, cujo objetivo é “criar uma rede
online de conteúdo original exatamente quando todos os outros desistiram”.
Além da (con)fusão de casas de design criando conteúdo/arte originais, a
interface em si, como foi discutido, é uma forma de arte importante (p.ex., o
SFMoMA, que coleciona design de websites ). Uma interface particularmente inte-
ressante, Thinkmap/Visual Thesaurus da Plumb Design, foi na verdade uma filial
do rsub da Razorfish, e é a principal interface para a exposição do Smithsonian
já mencionada, Revealing Things.
Galerias de e-comércio
Bibliotecas e arquivos
há uma sobreposição. A curto prazo, os esforços do bibliotecários para identi- 15. Hope N. Tillman,
ficar fontes de informação de qualidade devem dirigi-los para os recursos dos Evaluating Quality on
the Net, http://web0.
museus, se fizermos nosso trabalho direito.15 A longo prazo, porém, as decisões tiac.net/users/hope/
sobre que “coisas” arquivar – incluindo, por exemplo, sites de web-arte – é equi- findqual.html.
valente a uma decisão curatorial. Exceto que não apenas os curadores podem
16. Michael
não estar tomando essas decisões, como elas podem ser tomadas diretamente Lesk, “How Much
por nenhum ser humano. Information Is There 84
Em seu fascinante trabalho para a conferência Time & Bits, Michael Lesk der- in the World?”, Time &
Bits: Managing Digital 85
ruba a ideia de que será fisicamente impossível armazenar a soma do conheci- Continuity, http://
mento humano, mas sugere um problema ainda maior – como avaliá-lo. www.ahip.getty.edu/
timeandbits/ksg.html.
Net-arte
Não apenas muitos artistas estão se envolvendo na Web com trabalho inovador,
como alguns também estão problematizando o papel potencial dos museus e
outros espaços institucionais/coleções em relação à Web de maneiras desafia-
doras. A questão óbvia que vem à mente é a estrutura de “muitos para muitos”
da Internet, e o que foi chamado de “desintermediação”. Em outras palavras,
através da Internet um artista em quase qualquer lugar do mundo pode alcançar
alguém em quase qualquer lugar do mundo que tenha uma conexão com a Inter-
net, sem ter de passar por um “intermediário”, como uma galeria ou um museu.
Uma das iniciativas mais conhecidas nesse sentido – e mais misteriosa, de
muitas maneiras – é uma confederação frouxa de artistas, que às vezes admitem
a rubrica de “net-arte” e se congregaram em vários pontos ao redor da lista de
discussão nettime e do website irational.org, assim como vários outros. Basta
dizer que vale a pena passar muito tempo lendo e clicando no arquivo de nettime
e irational.org, mas que os artistas e teóricos associados à net-arte problemati-
zam timidamente questões de curadoria e institucionalização ao mesmo tempo
que praticam formas delas.
integrante de seu meio”. E Group Material descreve seu processo desta maneira: 18. Daniel O. Georges,
“Mail Art from 1984”,
Nosso método de trabalho pode ser descrito como dolorosamente democrático, In The Flow:
Alternate Authoring
porque grande parte de nosso processo depende da resenha, seleção e justa- Strategies, Franklin
posição crítica de inúmeros objetos culturais, optar por um processo coletivo é Furnace, 1994. http://
extremamente difícil e demorado. No entanto, o aprendizado e as ideias com- www.franklinfurnace.
org/flow.
partilhados produzem resultados que são muitas vezes inacessíveis aos que
trabalham sozinhos.18
Arte colaborativa
19. Victor Cassidy, A instalação de Antonio Muntadas, File Room, não foi criada como um projeto
Trouble In Chicago e exclusivo para a Web, como A Primeira Sentença Colaborativa do Mundo, de Dou-
Two Chicago Galleries
and Why They Closed, glas Davis, mas foi especificamente estendida à Web para convocar a colabora-
Artnet Magazine ção de pessoas de todo o mundo.
http://www.artnet.com
Infelizmente, a
primeira versão para The File Room ... documenta diversos casos individuais de censura ao redor do
a Web de File Room mundo e ao longo da história com um arquivo de computador interativo e fácil
está offline com de usar. ... The File Room não atua como uma enciclopédia eletrônica, mas como
o fim da Randolph
Street Gallery uma ferramenta para troca de informação e um catalisador para o diálogo. Tex-
em Chicago, que tos e imagens desapareceram, foram retirados de vista ou proibidos desde o
coproduziu o projeto, início da história. Este projeto pretende tornar visíveis em todo o mundo alguns
mas existe uma
interface anterior desses incidentes e atos, como uma fonte de documentação para novos inciden-
em http://simr02. tes que podem ser apresentados pelos usuários online.
si.ehu.es/FileRoom/
documents/TofCont.
html. Uma “página de File Room não apenas permite que os usuários acrescentem suas próprias his-
informações” também tórias aos arquivos, como também usa as capacidades pesquisáveis, de acesso
está disponível aleatório, da mídia digital para ajudar a tornar o que era invisível mais facil-
na página da NII
Awards 1995. mente visível. Entretanto, como uma irônica e trágica nota de rodapé, o fecha-
mento da Randolph Street Gallery, que coproduziu o projeto, File Room não está
mais disponível online em sua mais recente incarnação.19
e então ouvem um segredo, ao qual dão uma nota na escala de 1 a 10. Com o
tempo, os segredos que recebem mais notas são classificados por algoritmos
quanto à adequação para “reprodução”. Afinal, os segredos de notas mais altas
se fundem para criar um “novo” segredo. Curando como seleção darwiniana? Os
participantes podem escolher/curar seus preferidos, sim, mas os resultados de
suas opções não são conhecidos - de maneira semelhante a não saber como
ficarão afinal as pinturas de Komar & Melamid.
20. Mark Taylor, realmente depois que você esteve lá algumas vezes e começa a ficar à vontade
Hiding, (The com as coisas. Para um visitante novato, pode ser um pouco desorientador, mas
University of Chicago
Press, 199), pp. está claro que há algo ali. Murphy, um cofundador do artnetweb (e nem sempre
262-263. está claro onde um termina e o outro começa), escreve sobre seu projeto:
Ao contrário de Hsin Hsin, que anuncia “mais de mil obras de arte digital” como
um comunicado de imprensa da Corbis, a obra de arte é um pouco mais difícil
de encontrar no Project Tumbleweed – ou melhor, o projeto é a obra de arte em
grande medida. Existe um colapso do continente e do conteúdo. Tudo é superfí-
cie, não importa a profundidade a que você vá. Como escreve Mark Taylor sobre
outro arquiteto, Bernard Tschumi, em seu brilhante novo livro, Hiding [Oculto]:
Quando a realidade é filtrada, o real torna-se virtual e o virtual torna-se real.
Em seu trabalho atual – especialmente no Centro Estudantil da Universidade
Columbia – Tschumi estende os processos de mediatizar e virtualizar a realidade
transformando corpos em imagens. O espaço intermediário onde os eventos de
mídia sedobram no edifício de tal maneira que telas filtram outras telas. Te-
las infinitas tornam o real imaginário e as imagens, reais... As telas não são
simplesmente fachadas externas, mas se sobrepõem de tal modo que o edifí-
cio torna-se uma montagem complexa de superfícies em camadas. Enquanto os
corpos se movem através de peles profundas, o material torna-se imaterial e
o imaterial se materializa. Ao longo do limite interminável da interface, nada
está oculto.20
CURANDO (N)A WEB
21. Ver a excelente Este é um projeto significativo do qual os museus deveriam roubar o máximo
entrevista de que puderem.
Josephine Bosma com
Heath Bunting (http:// Para uma iteração do “museu virtual” de aparência mais tradicional mas to-
www.factory.org/ talmente envolvente, provocadora de pensamentos, ver ZoneZero: From Analog
nettime/archive/0680. to Digital Photography. Pedro Meyer, o criador de ZoneZero, porém, defende a
html) para mais
sobre a Internet tese provocante de que a melhor maneira de pensar em ZoneZero e outros si-
como contexto para tes semelhantes não é como uma versão virtual de um meio analógico que nós
produzir trabalhos. já pensamos que conhecemos e compreendemos, mas como uma forma de arte
Outro exemplo de
como a tecnologia e completamente nova. Ver em particular seu editorial, “Questões sobre o que
a rede aumentaram o constitui a arte na Web”.
processo curatorial
de maneira simples
e divertida é o
projeto de Barbara 5. Net.curador?
London Stir-Fry. Guia ao lado
Todos tivemos de
escrever relatórios
sobre nossas viagens Em educação, tornou-se lugar-comum descrever o papel mutante do professor
-- pessoas que como passando do de “sábio no tablado” para o de “guia ao lado”. A tecnologia
encontramos, arte
que vimos -- para não causa isso, mas pode endossá-lo. Com o enfoque dos museus para alcançar
nossos colegas. o público, pode ser que o papel do curador esteja sofrendo uma transformação
London, em uma semelhante. E na medida em que os processos corporativos são desejáveis, a
colaboração com a
adaweb, postou suas Internet é um grande facilitador.
notas, fotos e sons Acho que a primeira vez que realmente despertei para essa possibilidade foi
na Web diariamente, tropeçando pela listserv da exposição PORT: Navigating Digital Culture. Basica-
permitindo que
qualquer pessoa mente, foi um processo curatorial aberto do qual qualquer um podia participar,
acompanhasse seu podia propor projetos, podia apenas escutar. Seria ingênuo pensar que todas
trajeto enquanto as decisões foram tomadas naquela listserv, mas ela basicamente criou um
“descobria” 35
artistas de mídia contexto para si mesma, tanto para testar nossas ideias como para identificar
em uma terra de 1,2 oportunidades. 21
bilhão de pessoas.
Stir-Fry, http://www.
adaweb.com/context/
stir-fry. Autocuradoria
galerias que tenham a palavra “mulheres” na descrição do site. Voilà. Um tour 22. Embora seja
instantâneo da Web. É claro, existem vários fatores que afetam quão bem o verdade que Bran
Ferren, um imagineer
território é coberto, por assim dizer. Com que frequência o banco de dados é da Disney, tenha uma
atualizado? Qual a consistência dos critérios aplicados? Qual a profundidade tese convincente
da informação catalogada? Quão bem a Web contextual é captada? Quão maluco para a narrativa à la
Disney, mesmo no
é o algoritmo? Pode não ser o assunto mais excitante do mundo, mas bancos de ambiente de museu.
dados como os usados nos sites da National Gallery of Art do San Francisco Mu- Ver The Future Of
seum of Fine Arts permitem uma interrogação muito sofisticada dos recursos Museums - Asking
92
The Right Questions
dos museus. Não há motivo – na verdade, qualquer probabilidade – de que essa http://www.si.edu/ 93
catalogação ocorra em toda a Web, em todos os domínios de conhecimento, organiza/offices/
em todos os tipos de artefatos. Com o acesso à informação do tipo Xanadu, o musstud/proceed8.
htm.
valor do papel curatorial não estará tanto no que se sabe como em quão bem as
histórias podem ser contadas. 23. ILEX: The
A narrativa não precisa se assemelhar a Disney e Hollywood.22 Existe um pro- Intelligent Labelling
Explorer. http://www.
grama experimental de “curador virtual” chamado “The Intelligent Labelling cogsci.ed.ac.uk/~alik/
Explorer” [O Explorador de Rótulos Inteligentes], ou ILEX. ilex.html.
6. Hibridismo e fusão
Sobre o Autor 94
Steve Dietz é Diretor de Iniciativas em Novas Mídias, Walker Art Center.
95
Tradutor do texto Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Informações Adicionais
Apresentado pela primeira vez em abril de 1998 em Museums and the Web (http://www.archimuse.
com/mw98/index.html). Licenciado pela Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.5.
Links
The Natural History Museum (Londres), Curatours, Institute for Contemporary Art
Virtual Endeavour (Londres)
http://www.nhm.ac.uk/VRendeavour. http://www.illumin.co.uk/ica/CURATOUR/
index.html.
Diana Thater: Orchids in the Land of
Technology CyberAtlas, Guggenheim Museum
http://www.walkerart.org/thater. http://cyberatlas.guggenheim.org/intro/
“Tunnel” de Thater ca-f.html.
http://www.walkerart.org/thater/cyan.html.
Beuys/Logos: A Hyperessay, Walker Art Center
Art As Signal http://www.walkerart.org/beuys/
http://gertrude.art.uiuc.edu/@art/leonardo/ beuysframe.html.
leonardo.html.
Shu Lea Cheang, Bowling Alley
Bodies Incorporated http://www.fa.indiana.edu/~bowling/
http://arts.ucsb.edu/bodiesinc.
CURANDO (N)A WEB
irational.org Thinkmap
http://www.irational.org. http://www.thinkmap.com.
<nettime>
http://www.factory.org/nettime.
Rhizome
http://www.rhizome.org/fresh.
Desktop IS
http://www.easylife.org/desktop.
98
99
Fechando
a questão
dos bits:
Arte digital e
Propriedade
Intelectual
Richard
Rinehart
teoria
digital
criação
autoria
direitos
trabalho
FILE TEORIA DIGITAL
1. Leis de Direitos Este artigo sobre arte digital e propriedade intelectual foi patrocinado e publi-
Autorais do Canadá cado pelo Canadian Heritage Information Network (CHIN), um setor de operações
http://laws.justice.
gc.ca/en/C-42/ do Department of Canadian Heritage. [...]
Apresentação de
Emenda à Lei de [...] O Direito autoral não é a única forma de propriedade intelectual que deve
Direitos Autorais pelo
Governo do Canadá ser relevante para as artes digitais. A tecnologia frequentemente fica sob a
http://laws.justice. sombra das leis de patente e as organizações culturais sempre negociam com as
gc.ca/en/C-42. leis de mercado. Será importante para a comunidade de patrimônio cultural que
2. Lei de Direitos monitore os desenvolvimentos nestes campos, tanto quanto nos campos legais
Autorais dos que precisam ser relacionados com a arte digital, assim como as leis de privaci-
Estados Unidos dade e outras específicas que cobrem o terreno das artes. No entanto, na arena
http://www.copyright.
gov/title17. da propriedade intelectual, as produções e obras de arte normalmente entram
na lei de direito autoral e na maioria dos casos, estudos e entrevistas citados
neste artigo enfatizam o direito autoral. Então, no intuito de focar e prover uma
profundidade nesta discussão, este artigo irá concentrar-se nas leis de direito
autoral do Canadá1 e dos Estados Unidos2 relacionados à arte digital. [...]
Talvez a mais importante causa dos atritos na interface entre arte digital e
propriedade intelectual aconteça na natureza do meio em si. Mídia digital é por
definição mídia computacional, que não é apenas o resultado final do processo
computacional, mas também pode ser composta por processos computacionais
contínuos. Geralmente essa natureza computacional introduz algum nível de
fluidez e mudança dentro da obra de arte digital em questão. Além disso, as
mídias digitais não ficam devendo à ideia de separação do conteúdo da infra-
estrutura, que é exigida pela teoria da “máquina universal” (uma máquina cuja
infra-estrutura pode ser reprogramada para trabalhar com ela mesma e produ-
zir quase uma infinita quantidade de conteúdos; um computador).
Devido à natureza fluída e variável da mídia digital, muitas obras de arte
digitais são reconfiguradas cada vez que são exibidas. Indo além neste sentido,
elas são reconfiguradas cada vez que são experimentadas e reconfiguradas di-
ferentemente por cada pessoa que as experimenta. Quando distribuídas através
da Internet, elas podem ser experimentadas de inúmeras formas por uma vasta
gama de computadores domésticos com combinações únicas de velocidades de
rede, tamanhos e configurações de monitores e capacidade de cartões de mídia.
Elas podem ser reconfiguradas instantaneamente, pois são o resultado da inte-
Fechando a questão dos bits: Arte digital e Propriedade Intelectual
ratividade do usuário com o processo computacional ao vivo, que nunca produz 3. Landslide
exatamente o mesmo resultado duas vezes. Variabilidade é uma propriedade http://www.
shirleyshor.net/
inerente da mídia digital e uma de suas principais qualidades, para que os artis- landslide/
tas a utilizem. É claro que, com o tempo, obras de arte em qualquer mídia sofrem landslid.htm.
com a deterioração natural por causas tais como luminosidade e química, mas a
4. Koons
arte digital muda com mais frequência, numa velocidade mais rápida, proposi- versus Rogers
talmente e em trajetórias tão imediatamente observáveis que têm implicações http://www.law.
diretas na propriedade intelectual. harvard.edu/faculty/
martin/art_law/
Um dos primeiros conceitos legais desafiados pela variabilidade da mídia image_rights.htm. 102
é o do formato definitivo. Nenhuma lei de direitos autorais concede direitos 103
ao criador de uma ideia abstrata, mas exige um formato definitivo de expres- 5. New York Times Co.,
versus Tasini
são para proteção. Setores comerciais que lidam regularmente com conteúdos http://straylight.law.
efêmeros, tais como transmissões ao vivo, protegem a si mesmos fazendo uma cornell.edu/supct/
gravação desta transmissão, fixando assim este conteúdo efêmero numa forma html/00-201.ZS.html.
válida para sua proteção. É claro que este conceito tem implicações para artistas
que incluem transmissões comerciais ao vivo nas suas instalações. No entanto,
implicações mais pertinentes e talvez mais complexas surjam em torno da arte
digital. Quando a arte digital produz infinitos resultados variáveis o tempo todo,
qual é o formato definitivo do trabalho? Por exemplo, o UC Berkeley Art Museum
and Pacific Film Archive adquiriu uma obra digital, Landslide, da artista Shirley
Shor.3 Para produzir Landslide, Shor desenvolveu um software próprio que pro-
jeta um padrão de luz infinitamente variável, criando topografias numa caixa
de areia instalada na galeria. A projeção não é armazenada ou gravada. Neste
caso, o próprio programa pode ter seus direitos autorais assegurados, mas a
projeção, que tantos consideram o coração da obra, não.
Enquanto a portabilidade do conteúdo e a variabilidade da forma são dá-
divas da mídia digital, cortes jurídicas nos EUA continuam em conflito sobre a
forma de como encaminhar estas questões. Um caso nos Estados Unidos ilustra
bem este ponto; o agora famoso caso envolvendo direitos autorais artísticos,
onde o artista Jeff Koons foi processado pelo fotógrafo Art Rogers. Rogers
acusou Koons de violar seus direitos autorais - ao criar uma escultura de uma
coluna de bichos de pelúcia no colo de um casal, baseado numa fotografia de
Rogers contendo a mesma imagem.4 Uma das defesas de Koons foi argumen-
tar que sendo o original uma fotografia e o trabalho dele uma escultura, não
houve plágio, mas sim uma nova obra. O júri decidiu contra Koons, declarando
que tomar conteúdos através de mídias diferentes era irrelevante; Koons in-
fringira na imagem original de Rogers. No entanto, o caso Tasini versus The New
York Times, parece lançar uma luz diferente ao assunto.5 O New York Times havia
FILE TEORIA DIGITAL
6. Bridgeman Art obtido permissões de direitos autorais de escritores free lancers das matérias
Library, Ltd. versus que foram primeiramente publicadas no jornal e depois no web site do NYT. Os
Corel Corp.
http://www.law. escritores contestaram que a editora havia pago apenas pelos direitos de publi-
cornell.edu/ cação destes artigos nos jornais e não tinha a permissão adicional necessária
copyright/cases/36_ para publicar os artigos online. Neste caso, o formato importou e os direitos ob-
FSupp2d_191.htm.
tidos em uma mídia não foram automaticamente validados em outros meios. Até
7. Projeto Lost Love mais complicado foi o caso Biblioteca de Arte de Bridgeman versus Corel Corp.,
http://lostlove. caso que divide os conceitos sobre esta questão em duas esferas equivalentes.6
robot138.com/
index2.html. A Biblioteca de Arte de Bridgeman havia produzido reproduções de pinturas de
artistas de coleções de vários museus. A Corel Corp. então produziu um CD-ROM
utilizando muitas daquelas imagens, sem a permissão da Bridgeman. As pin-
turas não tinham direitos autorais; elas eram de domínio público. No entanto,
a Bridgeman reivindicou que as fotografias das pinturas tinham seus próprios
direitos autorais, como trabalhos distintos. A corte decidiu que essa não era
a questão; que uma simples reprodução de outro trabalho não constituía um
trabalho distinto. Curiosamente, a decisão valia apenas para trabalhos bidimen-
sionais que haviam sido “simplesmente copiados” sem qualquer criação original
por parte do fotógrafo. Porém, fotos de esculturas tridimensionais devem ser
consideradas trabalhos distintos, com seus próprios direitos autorais, porque
traduzir imagens de três dimensões para duas requer originalidade por parte do
fotógrafo em relação à angulação, luminosidade, etc. Por alguma razão, Koons
não foi capaz de usar este argumento na direção oposta. Portanto, o formato
tem relevância ou não? Partindo destes três casos separadamente é muito difí-
cil para os profissionais de conservação de patrimônios culturais triangularem
práticas com diretrizes claras. Além do mais, elas traduzem os próprios conflitos
das cortes judiciais nesta questão.
A natureza variável das mídias digitais acende ideias já familiares ao mundo
da arte: autenticidade, apropriação, versões, reproduções e trabalhos derivados
de outros. Abaixo, há três dos muitos exemplos possíveis de como a arte digital
leva estas ideias para seus limites e levanta questões imediatas sobre proprie-
dade intelectual.
O primeiro, Lost Love, do artista Chris Basset é um web site onde os visitan-
tes são convidados a contribuir com suas histórias pessoais de amores perdi-
dos e a ler histórias de outros numa central de armazenamento de dados.7 Não
existe nenhuma autorização ou contrato no site atualmente. Lost Love é uma
obra típica de Internet Interativa e levanta a questão de que vários participan-
tes anônimos de todo o mundo detêm o direito autoral neste trabalho. Se cada
um detém os direitos autorais das suas próprias palavras, então será necessá-
Fechando a questão dos bits: Arte digital e Propriedade Intelectual
rio obter suas permissões cada vez que o trabalho for exibido? O que acontece 8. Carnivore
quando o trabalho entra para uma coleção? Qual é a extensão da contribuição http://www.rhizome.
org/carnivore.
dos envolvidos? Eles deveriam ganhar crédito como co-criadores da obra? Na-
turalmente, trabalhos que lidam com noções de autoria descentralizada lidam 9. Shredder
também com a propriedade intelectual. http://www.
potatoland.org/
O segundo exemplo, um projeto de Software Arte Carnivore, criado pelo co- shredder.
letivo artístico Radical Software Group, é um software de código aberto do tipo
“kit de ferramentas”.8 O Radical Software Group programou uma parte do código 10. Eyes of Laura
http://www.
do software que monitora o tráfego em redes de computadores e converte es- potatoland.org/ 104
tes dados de saída para o uso em interfaces de softwares secundários. Outros shredder.
105
artistas são incentivados a fazer download do software e usá-lo para criar suas
próprias interfaces. Os resultados destes outros trabalhos podem parecer muito
diferentes um do outro, mesmo que eles tenham sido baseados na mesma “en-
genharia” de software. Trabalhos modulares e colaborativos não são incomuns
na arte digital e eles questionam diretamente conceitos tradicionais defendidos
pelo mundo das artes e pelo consenso legal sobre originalidade e individualida-
de. Eles confundem intencionalmente noções estritas e rígidas sobre trabalhos
derivados de outros e sobre versões de trabalhos, os quais têm suas ramifica-
ções legais esperadas.
Por último, Shredder é uma obra digital do artista Mark Napier. Shredder con-
vida os visitantes a digitar o endereço de qualquer web site em sua interface.9
Shredder então copia este web site, virando-o às avessas; mudando o tamanho
e cor das fontes, os textos e as imagens, revelando até mesmo o código HTML
que normalmente estão salvos, ocultos nos bastidores da maioria dos sites. O
resultado geralmente se parece um pouco com o web site original passado por
uma retalhadora. Shredder é um fórum para a variabilidade. Ele está sempre
mudando não apenas porque a cada web site ele toma uma forma diferente, mas
também por fazer isso em tempo real, repercutindo mudanças em sites de qual-
quer um, quantas vezes sejam necessárias. Também não são tão incomuns obras
de arte digitais que se apropriam do conteúdo de outras fontes, assincronica-
mente (offline) ou em tempo real, levantando questões sobre apropriação de
conteúdo e trabalhos derivados de outros.
Como mencionado anteriormente, a arte digital pode incorporar muitas for-
mas de mídia dentro de um trabalho. Cada forma incluída no trabalho (imagens,
músicas, objetos físicos, games, códigos) deve carregar seu próprio rol de direi-
tos autorais, mediações e práticas. Eyes of Laura, de Janet Cardiff, ilustra a na-
tureza composta de alguns trabalhos de arte digital.10 Bruce Greenville, Curador
Sênior na Vancouver Art Gallery descreveu Eyes of Laura como um trabalho que
FILE TEORIA DIGITAL
torais não podem. Depois, o mundo das artes precisa compatibilizar a inerente 11. Variable Media
natureza variável da mídia digital com seus próprios modelos consagrados para Initiative
http://www.
a aquisição e preservação das obras de arte. Os museus agem especialmente variablemedia.net.
como guarda costas das obras de arte, protelando os efeitos do tempo e as mu-
danças, no intuito de preservar a integridade e a precisão da evidência histórica. 12. Projeto Archiving
the Avant Garde
Ainda que esta estratégia tenha funcionado bem até então no que diz respeito à http://www.bampfa.
arte digital, os museus precisam considerar a mudança como parte da solução, berkeley.edu/ciao/
e não parte do problema (para informações detalhadas nesta área consultem avant_garde.html.
os projetos Variable Media11 e o Archiving Avant Garde).12 Não será por acaso
106
que a coisa mais antiga que os museus preservem do passado seja sua própria
107
maneira de conduzir os negócios [...].
Sobre o Autor
Richard Rinehart é diretor de Mídia Digital e Curador Adjunto na UC Berkeley Art Museum/Pacific
Film Archive. Leciona teoria e prática de arte digital na UC Berkeley no departamento Novas
Mídias e Práticas Artísticas. Também atua no San Francisco Art Institute, na UC Santa Cruz, na
San Francisco State University, na Sonoma State University e na JFK University. Richard compõe
o Comitê Executivo do UC Berkeley Center for New Media e faz parte do corpo de diretores do New
Langton Arts em São Francisco.
digital
análise
tempo
dados
técnica
File teoria digital
110
111
Figura 2. o primeiro diagrama que enquadra uma leve curva em um scatterplot (mapa com linhas de
fuga): posições x tempo para g; Virginis (john herschel, inglaterra, 1832).
FILE TEORIA DIGITAL
Computer graphics
1. http://www.math. A explosão de novas ideias e métodos nas disciplinas culturais nos anos 1960
yorku.ca/SCS/Gallery/ não pareceu ter afetado, na prática, a apresentação dos processos culturais.
milestone/sec5.html.
Livros, museus dedicados à arte, design, mídia, entre outras áreas culturais,
* Nota do tradutor continuam a organizar os seus temas em um pequeno número de categorias dis-
O uso da palavra tintas: períodos, escolas artísticas, ismos, movimentos culturais. Os capítulos
“discreta” que
adjetiva termos de um livro ou as salas da maioria dos museus atuam como divisores materiais
como “categoria”, entre essas categorias. Dessa forma, uma evolução contínua de um “organismo”
“escala”, “unidade” cultural é colocado à força em caixas artificiais.
é referente à “mídia
discreta”, que são Na realidade, enquanto que em um âmbito tecnológico a mudança do analógi-
mídias estáticas co para o digital ainda é um fato recente, nós já temos “sido digitais” (digitais) em
como textos, imagens nível teórico por um longo período. Ou seja, desde a emergência das instituições
e gráficos em relação
às mídias contínuas, modernas de armazenamento cultural e da produção do conhecimento cultural
dependentes do no século XIX (ou seja, museus e disciplinas na área das humanidades alocadas
tempo como filmes, em universidades) nós temos utilizado categorias distintas para exemplificar a
sons e animações.
continuidade da cultura no sentido de teorizá-la, preservá-la e exibi-la.
Podemos perguntar: se estamos atualmente fascinados com as ideias de
fluxo, evolução, complexidade, heterogeneidade e hibridização cultural, por-
que nossas representações e apresentações dos dados culturais não refletem
essas ideias?
O uso de um pequeno número de categorias distintas para descrever conte-
údos caminhou passo-a-passo com a recusa das humanidades modernas e das
instituições culturais em utilizar representações gráficas para reproduzir esse
conteúdo. Muitos conhecem o famoso diagrama da evolução da arte moderna
criado por Barr (o fundador e primeiro diretor do MOMA em Nova Iorque), rea-
lizado em 1935. Mesmo que esse diagrama ainda utilize categorias discretas*
como seus fundamentos, ele é uma evolução frente às padronizadas linhas do
tempo da arte e dos pisos planos dos museus de arte, já que ele representa um
processo cultural como um gráfico em 2D. Infelizmente, esse é o único diagrama
mais conhecido da história da arte produzido em todo o século XX.
Cabe realçar que, desde as primeiras décadas do século XIX, as publicações
científicas começaram a utilizar técnicas gráficas em larga escala que permitiam
representar fenômenos como variações constantes. De acordo com a história vi-
sual online da visualização dos dados de Michael Friendly, durante aquele perío-
do “todas as formas de exposição dos dados foram inventadas: barras, gráficos,
histogramas, gráficos em linha e traços de séries temporais, traços de contorno
e assim por diante.”1
Embora uma história sistemática da exibição dos dados visuais ainda está
por ser pesquisada e escrita, livros populares de Edward Tufte ilustram como os
teoria doS nurBS
Figura 3. plano típico de uma planta de museu (Spencer museum of art). 112
113
Figura 4. diagrama da evolução da arte moderna criado para o moma por alfred h. Barr em 1935
para a exposição cubismo e arte abstrata.
File teoria digital
Figura 5. linha do tempo típica da história da arte (tate modern, londres). Fonte: Flickr, por ruth l,
de 8 de abril de 2007.
teoria doS nurBS
2. edward tufte,
The Visual Display
of Quantitative
Information, segunda
edição. graphics
press, 2001.
3. http://design.
osu.edu/carlson/
history/lesson4.html.
Sobre a publicação
original, veja Steven
a. coons, Surfaces
114
Figura 6. Superfície 3d nurBS. for Computer-Aided
Design of Space 115
Forms, mit/lcS/tr-41,
june 1967.
4. http://www. Coons, entre outros, já nos anos 1960. Essa nova técnica para representar for-
designboom.com/ mas espaciais forçou um distanciamento da geometria retangular modernista
contemporary/
nonstandard.html. no campo do pensamento arquitetônico na direção de privilegiar formas suaves
e complexas criadas a partir de curvas contínuas (ou seja, dos NURBS). Como
resultado, no final do século XX a estética dos “blobs” começou a dominar o pen-
samento de vários estudantes de arquitetura, jovens arquitetos e até mesmo de
reconhecidas “estrelas” da arquitetura. Visual e espacialmente, curvas suaves e
superfícies com formas livres emergiram como a nova linguagem de expressão
para o mundo globalizado e ligado em rede, onde a única constante é a mudança
rápida. A estética modernista da simplicidade e discrição foi substituída pela
nova estética da continuidade e complexidade. (Outro termo útil cunhado para
essa nova arquitetura, com foco na pesquisa de novas possibilidades de formas
espaciais possibilitadas pela computação e nas novas técnicas de construção
necessárias para construí-las é a chamada “arquitetura não padrão” – non-
standard architecture. No inverno de 2004, o Centro Georges Pompidou organi-
zou uma mostra sobre arquitetura não padrão4, que foi seguida pela Conferên-
ciaPrática do Não Padrão – Non-standard Practice no MIT.)
Esta mudança na imaginação da forma espacial ocorreu em paralelo com
a adoção de um novo vocabulário intelectual. O discurso arquitetônico se tor-
nou dominado por conceitos e termos que igualam (ou diretamente advém de)
elementos do design e das operações oferecidas pelos softwares – splines e
NURBS, morphing, modelagem e simulação baseadas fisicamente, design para-
métrico, sistemas de partículas, simulação de fenômenos naturais, AL e assim
por diante. Vejam alguns exemplos:
“O campus está organizado e é navegado à base de desvios direcionais e da
distribuição das densidades no lugar de pontos chaves. Isso é o indicativo do
caráter do Centro como um todo: poroso, imersivo, uma área espacial.” Descri-
ção de Zaha Hadid (Londres) do design de um Centro de Arte Contemporânea em
Roma (atualmente em construção).
“Cenários de hibridização, enxerto, clonagem e morphing colocam em evi-
dência uma perpétua transformação da arquitetura que se esforça para quebrar
com as antinomias do objeto/sujeito ou do objeto/território.” Frédéric Migayrou
sobre R&Sie (François Roche e Stéphanie Lavaux, Paris).
“O pensamento da lógica difusa (fuzzy) é um outro passo para ajudar o
pensamento humano a reconhecer nosso ambiente menos como um mundo de
fronteiras fragmentadas e de desconexões e mais como um campo repleto de
agentes com fronteiras indefinidas. EMERGED investiga o potencial da lógica
difusa como uma técnica organizacional libertária para o desenvolvimento de
teoria doS nurBS
116
117
Figura 8. um centro para artes performáticas para um centro cultural na ilha Saadiyat, abu dhabi
por Zaha hadid (londres).
Estas foram algumas ideias que nos levaram a criar, em 2007, o Software Studies
Initiative (softwarestudies.com ou softwarestudies.com.br) – um laboratório
para análise e visualização de padrões culturais, localizado na Universidade da
Califórnia, San Diego (UCSD) e no Instituto da Califórnia para a Telecomunicação
e Tecnologia da Informação (Calit2).
Aproveitando a reconhecida credibilidade da UCSD e do Calit2 no campo das
artes digitais e da ciência, temos desenvolvido técnicas para a representação
gráfica e visualização interativa de artefatos e dinâmicas culturais. Nossa inspi-
ração vem de vários campos, todos baseados na computação gráfica para visua-
lizar dados – visualização científica, visualização da informação e “visualização
artística” (veja infoaesthetics.com). Também pegamos emprestadas algumas 118
ideias das interfaces padrões utilizadas na edição de mídia, nos softwares de 119
composição e animação (Final Cut, After Effects, Maya, Blender etc.) que empre-
gam curvas para modificar as mudanças em vários parâmetros da animação ao
longo do tempo.
Cultura em dados
Uma curva 2D define um conjunto de pontos que nela se situam. Cada ponto, a 5. Eu não estou
cada momento, é definido por dois números – coordenadas X e Y. Se os pontos falando de técnicas
estatísticas de
são densos o suficiente, eles visualmente formariam sozinhos uma curva. Se análise de cluster,
não, podemos utilizar um software para alinhar uma curva através desses pon- mas simplesmente de
tos. É claro que nós nem sempre temos que desenhar uma curva através desses pontos representados
graficamente em duas
pontos (por exemplo: se os pontos formam um conjunto qualquer ou formam dimensões e exame
qualquer outro padrão geométrico, isso já é significativo em si mesmo”5. visual do resultado
Em cada caso, precisamos de um conjunto de coordenadas X e Y. Para fazer gráfico.
isso, temos de mapear um processo cultural em um conjunto de números onde 6. Tal método é
um número é o tempo (eixo X) e o outro número é alguma qualidade do processo um exemplo de
naquele período (eixo Y). técnica muito mais 120
geral chamada
Em resumo, temos de transformar cultura em dados. “escalamento” : “Em 121
Apesar da definição de cultura incluir crenças, ideologias, modismos e outra ciências sociais,
propriedades não físicas em um âmbito prático, nossas instituições culturais e escalamento é o
processo de medir ou
a indústria cultural lidam com uma manifestação particular da cultura: os ob- ordenar entidades
jetos. Isso é o que está guardado na Biblioteca do Congresso Americano ou no respeitando atributos
Metropolitan Museum, criados por designers industriais, postados por usuários quantitativos ou
traços. http://
no Flickr e vendidos na Amazon. Altere tempo ou distância, e os objetos culturais en.wikipedia.org/
manifestam mudanças em suas sensibilidades culturais, imaginação ou um esti- wiki/Scale_(social_
lo. Então, mesmo que mais tarde nós tenhamos de assumir o desafio de afirmar sciences.
que a cultura pode ser equiparada aos objetos culturais, se pudermos começar
pelo uso de um conjunto desses objetos para representar as mudanças graduais
na sensibilidade cultural ou na imaginação, isso já seria um começo.
Utilizar números no eixo X (por exemplo, tempo) é fácil. Normalmente objetos
culturais tem alguns metadados discretos ligados a eles – a data ou lugar de cria-
ção, o tamanho (de uma obra de arte), a duração (de um filme) e assim por diante.
Então, se temos a data em que o objeto cultural foi criado, podemos inserir esses
números como metadados no eixo X. Por exemplo: se estamos interessados em
representar o desenvolvimento da pintura no século XX, podemos mapear o ano
em que cada pintura foi feita. Mas o que usaremos no eixo Y? Em outras palavras,
como podemos comparar as pinturas umas com as outras qualitativamente?
Podemos manualmente anotar os conteúdos das pinturas (mas não os detalhes
da sua estrutura visual). Alternativamente, podemos pedir para experts (ou um
outro grupo de pessoas) para localizar as pinturas em alguma escala discre-
ta (valor histórico, preferência estética etc.), mas esse tipo de julgamento só
pode funcionar com um pequeno número de categorias.6 Mais importante, esses
métodos não geram escalas muito bem – eles custariam muito se quisésse-
mos descrever centenas de milhares ou milhões de objetos. Similarmente, as
FILE TEORIA DIGITAL
7. “BlogPulse Reaches pessoas têm dificuldades para ordenar um grande número de objetos que são
100 Million Mark” muito similares entre si. Portanto, precisamos de alguns métodos automáticos
http://blog.blogpulse.
com/archives/ que podem ser processados em computadores para descrever qualidades de um
000796.html. grande número de objetos culturais qualitativamente.
No caso de textos, isso se torna relativamente fácil. Desde que os textos já
8. http://
en.wikipedia.org/ consistam de unidades discretas (por exemplo, palavras), eles naturalmente se
wiki/Statistically_ conduzirão pelo processamento computacional. Podemos utilizar software para
Improbable_Phrases. contar as ocorrências de uma palavra em particular e de combinações de pala-
9. Franco Moretti. vras; podemos comparar os números de substantivos versus verbos; podemos
Graphs, Maps, Trees: calcular o tamanho das sentenças e os parágrafos e assim por diante.
Abstract Models for Porque os computadores são muito bons em contar, assim como em pro-
a Literary History.
Verso: 2007. cessar operações matemáticas complexas a partir de números (o resultado da
contagem), a digitalização do conteúdo dos textos, tais como os livros, e o cres-
cimento de websites e blogs rapidamente levou ao surgimento de novas indús-
trias e de novos paradigmas epistemológicos que exploram o processamento
computacional dos textos. O Google e outras ferramentas de busca analisam
bilhões de páginas web e os links entre elas para permitir ao usuário buscar na
web páginas que contenham frases particulares ou somente palavras. Nielsen
BlogPulse analisou mais de 100 milhões de blogs para detectar tendências no
que as pessoas estão dizendo sobre algumas marcas em particular, produtos ou
em tópicos específicos em que os seus clientes estão interessados.7 A Amazon.
com analisa os conteúdos dos livros que ela vende para calcular “frases esta-
tisticamente improváveis” usadas para identificar partes únicas dos livros.8 No
campo das humanidades digitais, pesquisadores já vêm há muito tempo desen-
volvendo estudos estatísticos de textos literários. Alguns deles, mais notada-
mente Franco Moretti, têm produzido visualizações dos dados em formas de
curvas mostrando tendências históricas.9
Mas e as mídias analógicas, como as imagens e os vídeos? Fotos ou vídeos
não têm definidos claramente as suas unidades discretas que seriam equiva-
lentes às palavras. Além disso, a mídia visual não tem um vocabulário padrão
ou uma gramática – o sentido de qualquer elemento de uma imagem somente é
definido no contexto particular de todos os outros elementos que estão nessas
imagens. Isto torna o problema da análise visual automática da imagem muito
mais desafiadora, mas não impossível. O segredo é focar na forma visual (o que
é fácil para o computador analisar) e não na semântica (o que é muito difícil).
Desde meados dos anos 1950, os cientistas da computação têm desenvolvi-
do técnicas para automaticamente descrever propriedades visuais das imagens.
Podemos analisar distribuições de tons cinza, cores, orientação e curvatura das
TEORIA DOS NURBS
HistóriadaArte.viz
Para o nosso primeiro estudo com o objetivo de testar essa abordagem, escolhe-
mos um pequeno conjunto de dados de 35 imagens canônicas da história da arte
que cobrem o período desde Coubert (1849) até Malevich (1914). Escolhemos
imagens que são representações típicas de uma apresentação da história da arte
moderna em um livro sobre história da arte ou em uma palestra: do Realismo do
século XIX e as pinturas de salão até o Impressionismo, Pós-impressionismo,
Fauvismo e a Abstração Geométrica dos anos 1910. A ideia não era encontrar
um novo padrão num conjunto de dados como esse, mas ao invés disso, era ob-
servar se o método da Analítica Cultural poderia modificar nosso entendimento
compartilhado do desenvolvimento da arte moderna em uma curva baseada em
algumas qualidades objetivas dessas imagens.
Figura 10. Eixo X: datas das pinturas (em anos). Eixo Y: valor do ângulo reverso
de cada pintura. (Ângulo é uma medida dos valores da escala de cinza de uma
imagem. Uma imagem que tem em sua maioria tons de luzes terá uma escala de
ângulos negativa; uma imagem que tem em sua maior parte tons escuros, terá
uma escala de ângulo positiva. Em nosso gráfico nós revertemos os valores do
ângulo para tornar o gráfico compreensível).
File teoria digital
Figura 9.
Figura 10.
TEORIA DOS NURBS
Figura 11. Mesmos dados, como no gráfico anterior: cada imagem é substituída
por um ponto único.
1.5
0.5
-0.5
-1
-1.5
1840 1860 1880 1900 1920
Figura 11.
300
250 Malevitch_1914
Abstracionismo Mondrian_1913
Jawlesnky_1917
200
Mondrian_1912
Amiet_1898
Pós-Impressionismo Matisse_1904 Kandinsky_1912
Kupka_1912
Mondrian_1908
Malevitch_1911
Mondrian_1911
150 Manet_1866
Pissaro_1873
Seurat_1889 Cezanne_1900
Pissaro_1897 Cezanne_1905
Kupka_1910
Jawlesnky_1912
van_Gogh_1890
100 Degas_1874
Seurat_1886
Gauguin_1892
Gauguin_1894
Bastien-Lepage_1877 Kandinsky_1908
Repin_1883
Manet_1882
50 Regnault_1868
Courbet_1854
Courbet_1849
0
1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930
Figura 12.
TEORIA DOS NURBS
300
250 Malevitch_1914
Mondrian_1913
Jawlesnky_1917
200
Mondrian_1912
Amiet_1898
Matisse_1904 Kandinsky_1912
Kupka_1912
Mondrian_1908
Malevitch_1911
Mondrian_1911
150 Manet_1866
Pissaro_1873
Seurat_1889 Cezanne_1900
Pissaro_1897 Cezanne_1905
Kupka_1910
Matisse_1910
Regnault_1870 Repin_1881
van_Gogh_1888 Jawlesnky_1912
van_Gogh_1890
100 Degas_1874
Seurat_1886
Gauguin_1892
Gauguin_1894
Bastien-Lepage_1877 Kandinsky_1908
Repin_1883
Manet_1882
50 Regnault_1868
Courbet_1854
Courbet_1849 126
0 127
1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930
Figura 13.
300
225
150
75
0
1840 1860 1880 1900 1920
Figura 14.
FILE TEORIA DIGITAL
2.5
1.5
0.5
-0.5
-1
-1.5
1850 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920
Figura 15.
600
450
300
150
0
1840 1860 1880 1900 1920
Figura 16.
TEORIA DOS NURBS
Figura 16. Imagens podem ser analisadas em centenas de dimensões visuais 10. Agradeço
diferentes. Gráfico: o número de contornos em cada pintura como uma função de especialmente a
Yuri Tsivian pela
tempo (Procedimento: automaticamente contar o número de contornos em cada generosidade de
imagem, não considerando contornos muito pequenos). prover o acesso ao
banco de dados do
Cinemetrics.
HistóriadoFilme.viz
Figura 17. Duração média das tomadas nos filmes lançados entre 1900-2008.
Eixo X: datas dos filmes (em anos). Eixo Y: média dos planos (em segundos). Cada
filme é representado por um pequeno círculo. A linha de tendência através dos
dados mostra que entre 1902 e 2008, a média no tamanho de cada plano em todo
conjunto de dados diminuiu de 14 para 10 segundos – algo esperado desde o
surgimento da MTV nos anos 1980.
Figura 18. Duração média das tomadas nos filmes lançados entre 1900 - 1920.
Durante o período em que o cinema mudou de uma forma de linguagem anterior
que simulava o teatro para uma linguagem “clássica” baseada em cortes entre
as mudanças de ponto de vista, a evolução da média dos planos se tornou muito
mais rápida. Entre 1902 e 1920, a média do tamanho do plano diminuiu aproxi-
madamente 4 vezes.
FILE TEORIA DIGITAL
60
50
40
30
20
duração média das tomadas
10
9
8
7
6
5
4
1
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
Figura 17.
60
duração média das tomadas
50
40
30
20
10
1900 1902 1904 1906 1908 1910 1912 1914 1916 1918 1920
Figura 18.
TEORIA DOS NURBS
Figura 19. Duração média das tomadas dos filmes lançados (EUA, França, Rús-
sia) entre 1900-2008. Aqui comparamos as tendências no tamanho dos planos
dos filmes em três países: Estados Unidos, França e Rússia. O gráfico revela um
número de padrões interessantes. No começo do Século XX, os filmes franceses
são mais lentos que os americanos. Os dois se alcançam nos anos 1920 e 1930,
mas após isso os filmes franceses voltam a ser lentos. E mesmo depois de 1990,
quando ambas curvas começam a diminuir, o espaço entre eles se mantém o mes-
mo. (Isso pode parcialmente explicar porque filmes franceses não tem sido bem
sucedidos no mercado de cinema nas décadas recentes). Em contraste à linha de
tendência para os EUA e França, a linha para o cinema Russo tem muito mais cur-
vas dramáticas – um reflexo das mudanças radicais na sociedade russa no século
XX. O mergulho nos anos 1920 representa o corte rápido da escola de montagem 130
russa (filmes os quais dominaram a seleção do cinemetrics.lv de cinema russo 131
para aquele período), que tinha como objetivo estabelecer uma nova linguagem
do filme, apropriada à nova sociedade socialista. Após 1933 quando Stalin aper-
tou o controle sobre a cultura e estabeleceu a doutrina do Realismo Social, os
filmes começaram a ficar lentos. Nos anos 1980, a sua média de planos era de 25
segundos versus 15 segundos para os filmes franceses e 10 para os filmes ame-
ricanos. Mas após a dissolução da União Soviética e a Rússia começar a adotar
o capitalismo, a média dos cortes dos filmes, correspondentemente, começa a
aumentar muito rapidamente.
Os detalhes particulares das linhas de tendências neste gráfico não refle-
tem, é óbvio, uma “figura completa”. A base de dados do Cinemetrics contém
números desiguais de filmes de três países (479 americanos, 138 franceses e
48 russos/soviéticos), os filmes não são distribuídos no tempo e, talvez, mais
importante, a seleção dos filmes é excessivamente tendenciosa, feita através da
importância histórica dos diretores e do “cinema de arte” (por exemplo: existem
4 entradas para Eisenstein e 53 entradas para D.W. Griffith). Se formos adicio-
nar mais dados aos gráficos, as curvas podem surgir de alguma forma diferen-
tes. Contudo, dentro de um subconjunto “canônico” particular de todo o cinema
contido nos dados do cinemetrics, o gráfico mostra a tendência real que, como
vimos, corresponde à condições culturais e sociais mais extensas nas quais a
cultura é realizada.
FILE TEORIA DIGITAL
60
duração média das tomadas
50
40
30
20
10
0
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
EUA França Rússia/ União Soviética Todos
Figura 19.
Conclusão
Até agora, muitos dos processos de visualização cultural usaram mídia discreta 11. http://www.
(por exemplo: textos) ou metadados sobre a mídia. History Flow usa histórias leebyron.com/what/
lastfm.
das páginas editadas da Wikipedia; Listening History de Lee Byron11 usa dados
sobre o uso do last.fm; e The Ebb and Flow of Movies12 usa dados de recibos de 12. http://www.
bilheteria de cinema. Em contraste, nosso método considera os padrões de visu- nytimes.com/
interactive/2008/02
alização como manifestados em estruturas de mudanças de imagens, de filmes, /23/movies/2008
de vídeos e outros tipos de mídia visual. Atualmente, nós estamos expandindo 0223_REVENUE_
nosso trabalho para processar conjuntos de dados ainda mais extensos – por GRAPHIC.html.
digital
transformação
virtual
contemporâneo
conexão
FILE TEORIA DIGITAL
Sobre o Autor
Ricardo Barreto é artista e filósofo. Atuante no universo cultural trabalha com performances,
instalações e vídeos e se dedica ao mundo digital desde a década de 90. Co-fundador e
co-organizador do FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
digital
ecologia
vírus
máquina
vida
FILE TEORIA DIGITAL
1. Humberto R. Os organismos são adaptados a seus ambientes, e parece adequado dizer que
Maturana e Francisco sua organização representa o ‘ambiente’ em que eles vivem ....1
J. Varela. Autopoiesis
and Cognition. The – Humberto Maturana
Realization of the
Living, Dordrecht e
Londres: D. Reidel,
1980, p.6. Prólogo: A biologia da cultura digital
2. Katie Hafner & John Nas últimas décadas, criaturas biológicas como vírus, vermes, bugs e bactérias
Markoff. Cyberpunk:
Outlaws and Hackers parecem ter migrado de seus hábitats naturais para ecologias de silicone e ele-
on the Computer tricidade. A mídia também se apressou a empregar essas figuras de vida e mons-
Frontier. Londres: truosidade para representar miniprogramas, transformando-as em Godzillas e
Fourth Estate,
1991, p.254. outros monstros míticos digitais. A ansiedade que esses programas produzem
deve-se em grande parte a sua suposta condição de programas quase-vivos,
3. Douglas Rushkoff. como exemplificado nesta citação sobre o verme da Internet de 1988:
Media Virus!, Nova
York: Ballantine
Books, 1996, p.247. O programa batia insistentemente às portas eletrônicas de Berkeley. Pior,
quando Lapsley tentou controlar as tentativas de invasão, descobriu que se
4. Sobre capitalismo e
vírus de computador, tornavam mais rápidas do que ele era capaz de matá-las. E, nessa altura, as
ver Jussi Parikka. máquinas atacadas de Berkeley estavam desacelerando conforme o invasor
Digital Monsters, demoníaco devorava cada vez mais tempo de processamento dos computado-
Binary Aliens -
Computer Viruses, res. Eles estavam sendo aniquilados. Os computadores começaram a parar ou
Capitalism and the a ficar catatônicos. Simplesmente ficavam estagnados, sem aceitar comandos.
Flow of Information. E apesar de as estações de trabalho estarem programadas para recomeçar a
Fibreculture,
nº 4, Contagion funcionar automaticamente depois de uma pane, assim que elas reiniciavam
and Diseases of eram novamente invadidas. A universidade estava sendo atacada por um vírus
Information, editado de computador.2
por Andrew Goffey,
http://journal.
fibreculture.org/ Essas articulações da vida em computadores não se restringiram a esses pro-
issue4/issue4-- gramas específicos, mas tornaram-se uma maneira geral de compreender a
parikka.html.
natureza da Internet desde os anos 90. Sua complexa composição foi descrita
5. Deborah Lupton. em termos de “raízes” e “estruturas ramificadas” de “crescimento” e “evolução”.
Panic Computing: The Como notou Douglas Rushkoff em meados dos anos 90, “as imagens biológicas
Viral Metaphor and
Computer Technology. são muitas vezes mais apropriadas para descrever a maneira como a cibercultu-
Cultural Studies, ra se modifica. Em termos da maneira como todo o sistema se propaga e evolui,
vol. 8 (3), outubro pense no ciberespaço como uma placa de Petri social, na Net como o meio de
de 1994, p. 566.
ágar e nas comunidades virtuais, em toda a sua diversidade, como as colônias
de microorganismos que crescem nas placas de Petri”.3
A Máquina Viral Universal – Bits, parasitas e ecologia da mídia na cultura de redes
Neste artigo, examino os vermes e vírus de computador como parte da genealo- 6. Scientists: Virus
gia da mídia em rede, das redes de discurso da mídia contemporânea. Enquanto May Give Link to Life.
SunHerald, 12 de
debates populares e profissionais sobre esses miniprogramas com frequência maio de 2004, http://
os vêem somente como código nocivo, os vermes e vírus podem igualmente ser www.sunherald.com/
abordados como reveladores dos próprios fundamentos de seu ambiente. Essa mld/sunherald/news/
nation/8649890.htm.
perspectiva ecológica da mídia se baseia em noções de auto-referencialidade e
autopoiésis, que problematizam as descrições geralmente apressadas dos vírus 7. Ver Bruno Latour.
como softwares nocivos, produtos de jovens vândalos. Em outras palavras, os We Have Never Been
Modern. Nova York e
vermes e vírus não são a antítese da cultura digital contemporânea, mas reve- Londres: Harvester
lam traços essenciais da lógica tecno-cultural que caracteriza a cultura da mídia Wheatsheaf, 1993.
computadorizada das últimas décadas.
8. Além das
Dou ênfase especial às funções das últimas décadas de cultura digital como perspectivas
redes, automação, auto-reprodução e cópia e comunicação. Esses termos foram articuladas, p.ex.,
por Friedrich Kittler e 144
incorporados, tanto ao vocabulário da cultura de mídia quanto ao trabalho prá-
Paul Virilio, ver, p.ex., 145
tico de engenharia realizado por cientistas da computação e outros profissio- Stephen Pfohl. The
nais que implementam os princípios da informática ao redor do mundo. Como Cybernetic Delirium
discuti a conexão entre os vírus de computador e o capitalismo da informação of Norbert Wiener.
CTheory 30/01/1997,
em outros lugares4, o presente texto se concentra mais na genealogia sócio- http://www.ctheory.
tecnológica do fenômeno, assim complementando o trabalho já realizado. net/text--file.
Em 1994, Deborah Lupton sugeriu que os vírus de computador poderiam ser asp?pick=86. Ver
também Paul E.
entendidos como metonímias “do potencial parasítico da tecnologia de compu- Edwards. The Closed
tadores de invadir e assumir o controle a partir de dentro”5, assim expressando World. Computers
a recepção ambivalente – oscilando entre preocupação e entusiasmo – que o and the Politics of
Discourse in Cold War
computador teve nas últimas décadas. De maneira semelhante, pergunto se os America. Cambridge
vírus são uma metonímia, ou um indício, da infra-estrutura subjacente, material e Londres: The MIT
e simbólica, em que repousa a cultura digital contemporânea. Enquanto alguns Press, 1996.
biólogos afirmam que “em qualquer lugar onde há vida esperamos encontrar 9. Ver Pierre Sonigo
vírus”6, parece-me que talvez isso possa se estender ao mundo da cultura digital. e Isabelle Stengers.
Mapear os territórios “históricos” habitados pelos vermes e vírus de computa- L’Évolution. Les Ulis:
EDP Sciences, 2003,
dor produz uma cartografia desses trechos de código efetivos que não os reduz 149. A abordagem
à classe generalizada de software nocivo, mas reconhece a centralidade muitas mídia-ecológica
vezes negligenciada que esses tipos de programas têm na ecologia de redes da é geralmente
ligada a obras de
cultura digital. Esses trechos de código viral nos mostram que a sociedade digi- Marshall McLuhan,
tal é habitada por todos os tipos de quase-objetos e atores não-humanos, para Neil Postman e da
adotar a terminologia de Latour7. Nesse sentido, os projetos de vida artificial chamada Escola de
Toronto. Sobre uma
e as metamorfoses biológicas da cultura digital nas últimas décadas oferecem avaliação crítica
chaves essenciais para se destrinchar a lógica dos softwares que produzem a
base ontológica da maior parte das transações econômicas, sociais e culturais
das redes globais modernas.
FILE TEORIA DIGITAL
de alguns temas de A situação cultural contemporânea é muitas vezes descrita como uma junção
ecologia da mídia, essencial de guerra e mídia – e a logística da cibernética de comando, controle,
ver Ursula K. Heise.
Unnatural Ecologies: comunicações e inteligência, C3I –, ampliada das redes estritamente militares
The Metaphor of para incluir a mídia de entretenimento8. Sugiro, no entanto, que “vida” e ideias
the Environment como “ecologias” e “territórios” também podem atuar como valiosos pontos de
in Media Theory.
Configurations, Vol. referência teóricos para se compreender os paradigmas da cultura digital. A ci-
10, nº 1, Inverno bernética, assim como outras origens científicas das redes digitais modernas,
2002, pp. 149-168. enfoca a vida e a junção do biológico com o tecnológico, tema que ganhou ter-
Ver também o
recente livro de reno especialmente nas últimas décadas juntamente com uma quantidade cres-
Matthew Fuller Media cente de softwares semi-autônomos. Em vez de simples projeto e controle de
Ecologies: Materialist cima para baixo, temos cada vez mais processos artificiais, porém semelhantes
Energies in Art
and Technoculture. à vida, de auto-organização, processamento distribuído e intermediação – te-
Cambridge, MA: mas que, embora sejam importantes símbolos culturais, também são processos
MIT Press, 2005. reais subjacentes à ecologia da mídia da digitalidade.
Fuller discerne
três correntes de Os vírus e vermes se apresentam como o ápice dessas tendências culturais,
ecologia da mídia: enquanto também funcionam como novas “ferramentas de pensamento”9 para
1) a compreensão uma teoria da mídia que enfoca a complexidade e o conexionismo. As teorias da
organizacional
da ecologia complexidade encontraram seu nicho na filosofia e na teoria cultural enfatizan-
da informação do os sistemas abertos e a adaptabilidade. De maneira semelhante, teorias que
como locais de salientam a co-evolução de um organismo e seu ambiente também fornecem
trabalho, etc.; 2) as
ecologias de mídia importantes pontos de vista para se estudar a cultura digital, permitindo que o
ambientalistas de, pensamento supere as dicotomias objeto-sujeito e veja essa situação cultural
p.ex., McLuhan, Lewis da mídia como um feedback e auto-recriação contínuos. A engenhosa percepção
Mumford, Harold
Innis, Walter Ong e de vários projetos de cultura digital foi que sua compreensão de “vida” se ba-
Jacques Ellul, que seou na auto-reprodução e uma junção do exterior com o interior, um processo
tendem a enfatizar de dobramento. Este ensaio segue essa pista, e dobra esse tema com a teoria
a homeostase e
o equilíbrio; e 3) cultural que trata da cultura de redes digitais. Em suma, apesar de os termos
os relatos pós- acima citados “vida”, “ecologia”, etc. serem facilmente circuitos fechados auto-
estruturalistas da referentes, ou – como em outros casos – modelos formais, quero sugerir uma
ecologia da mídia de,
p.ex., N. Katherine ideia mais sutil. Ao discutir a “vida da cultura de redes”, ela não deve ser en-
Hayles e Friedrich tendida como uma forma, mas sobretudo como movimento e junção, de maneira
Kittler, que podem semelhante à leitura de Deleuze da afirmação de Spinoza:
ser vistos como
uma abertura da
ênfase demasiado O importante é entender a vida, cada individualidade viva, não como uma forma
humanística da ou um desenvolvimento da forma, mas como uma complexa relação entre velo-
segunda categoria.
Fuller acrescenta cidades diferenciais, entre desaceleração e aceleração de partículas.10
(pp. 3-5) a ênfase de
A Máquina Viral Universal – Bits, parasitas e ecologia da mídia na cultura de redes
A engenhosa percepção
de vários projetos de
cultura digital foi que sua
compreensão de “vida” se
baseou na auto-reprodução
e numa junção do exterior 146
147
Félix Guattari para Essa perspectiva ecológica não depende, portanto, de características formais da
a experimentação vida, mas é um rastreamento das linhagens do filo maquínico virtual da cultura
e testes como
parte chave de seu de redes digitais, e também um rastreamento dos caminhos dos organismos que
projeto, algo que se movem nesse plano: uma biofilosofia11 – ou genealogia da vida digital. Por-
também considero tanto, embora o enfoque aqui seja para as genealogias da cultura de redes, esse
uma orientação
muito valiosa, mapeamento é feito para fornecer uma re-fiação para futuros e vir-a-seres,
complementando como a parte final deste artigo irá ilustrar.
as perspectivas
de Kittler.
foi negligenciado, e não me refiro às objeções que sua pesquisa enfrentou nos Experiments. DOD/
anos 8016. Em vez de simplesmente fazer advertências sobre os vírus, o trabalho NBS 7th Conference
on Computer Security,
e a tese de doutorado de Cohen apresentaram as conexões essenciais entre os originalmente
vírus, as máquinas de Turing e os processos artificiais semelhantes à vida. Não publicado em IFIP-
podemos acabar com os vírus, pois a ontologia da cultura de redes é virótica. Os sec, 1984, Online:
http://www.all.
vírus, vermes e quaisquer outros programas semelhantes que usavam as ope- net/books/virus/
rações básicas dos computadores em comunicação, logicamente faziam parte index.html.
do campo da computação. A fronteira entre operações ilegais e legais em um
13. Thierry Breton
computador não poderia, portanto, ser resolvida tecnicamente – fato que levou & Denis Beneich.
a uma inundação de literatura sobre “como descobrir e livrar-se de vírus em seu Softwar. Paris: Robert
computador”. Laffont, 1985.
Para Cohen, um programa de vírus era capaz de infectar “outros progra- 14. Cohen, Computer
mas, modificando-os para incluir uma cópia de si mesmo, possivelmente Viruses – Theory and
aperfeiçoada”17. Isso permitia que o vírus se espalhasse por todo o sistema ou Experiments. 148
rede, tornando todos os programas suscetíveis a tornarem-se vírus. A relação 15. Rudy Rucker, R.U. 149
desses conjuntos de símbolos virais com as máquinas de Turing era essencial, Sirius & Queen Mu
semelhante à relação entre um organismo e seu ambiente. A máquina universal (eds.). Mondo 2000.
A User’s Guide to the
apresentada em 1936 por Alan Turing forneceu, desde então, o esquema básico New Edge. Londres:
de todos os computadores existentes, em sua definição formal de programabi- Thames & Hudson,
lidade. Qualquer coisa que possa ser expressa em algoritmos também pode ser 1993, p.276. O
relatório de 1984 do
processada por uma máquina de Turing. Assim, Cohen comenta, “a sequência de Pentágono Strategic
símbolos em fita que chamamos de ‘vírus’ é uma função da máquina em que eles Computing, destinado
serão interpretados”18, implicando logicamente a inerência dos vírus nos siste- a superar a “lacuna
de software” com
mas de comunicação baseados na máquina de Turing. Essa relação transforma o Japão, baseou-
todos os organismos em parasitas, no sentido de que adquirem sua existência se em ideias de
do entorno ao qual estão ligados funcional e organizacionalmente. máquinas predatórias
autônomas e visões
Embora Cohen estivesse preocupado com os problemas práticos da seguran- de campos de
ça de computadores19, seu trabalho também tem implicações ontológicas mais batalha de software
importantes. A segurança contra softwares nocivos (e o perigo de alguém usá- eletrônico dos
anos 90. Manuel
los para provocar uma guerra) era apenas um componente dos vírus de compu- DeLanda. War in the
tador, expresso na diferença entre o código de Age of Intelligent
Machines. Nova York:
Zone Books, 1991,
subroutine infect-executable:= pp.169-170.
{loop:file = get-random-executable-file;
if first-line-of-file = 01234567 then goto loop; 16. Ver Tony
Sampson. A Virus in
compress file; Info-Space. M/C: A
prepend compression-virus to file;} Journal of Media and
FILE TEORIA DIGITAL
vezes despertam a sensação perturbadora de vida artificial como se expressa, em um mundo que
por exemplo, em vários exemplos jornalísticos e fictícios que descrevem ata- se tornava cada vez
mais dependente do
ques de programas de software. Essa sensação perturbadora é uma expressão fluxo ininterrupto
da situação híbrida desses programas, que transgride os limites constituintes de informação
(no sentido da palavra usado por Latour) de Natureza, Tecnologia e Cultura. como produto final
do capitalismo. A
Enquanto os vírus e vermes passaram a ser, na consciência popular, indícios transitividade da
centrais dessa transgressão, projetos de vida artificial também enfrentaram o informação significa
mesmo problema. Como salientam há décadas as disciplinas transversais como que em qualquer
fluxo de informação
vida artificial, a vida não deve ser julgada como uma qualidade de determinada de A a B e de B a C
substância (a hegemonia de um entendimento da vida baseado no carbono), mas também significa
como um modelo de interconexão, emergência e comportamento dos componen- uma ligação direta
de A a C. Assim, isso
tes constituintes de qualquer sistema vivo. Chris Langton sugeriu no final dos descreve basicamente
anos 80, que a vida artificial não enfoca a vida como ela é, ou foi, mas a vida um sistema “aberto”
como poderia ser. Isso é adotado como a ideia chave para projetos que veem a de fluxos (onde
a “abertura” do 150
vida emergindo em várias plataformas sintéticas, sistemas de silício e basea- sistema, no entanto, 151
dos em computador e redes, por exemplo22. Em uma linha semelhante, Richard é subordinada à
Dawkins, ao viralizar a realidade cultural com sua teoria dos “memes” em 1976, lógica de pontos). O
modelo de partição
referiu-se às possibilidades de encontrar vida mesmo em “circuitos reverberan- foi conceitualizado
tes eletrônicos”23. como um limite
Consequentemente, uma questão mais interessante do que a de se pro- básico desse fluxo,
fechando um sistema
gramas de software isolados são vivos se encontra na questão de que tipo de em subconjuntos, e
novas abordagens o campo da vida artificial pode oferecer para a compreen- consequentemente
são da cultura digital. A vida artificial poderia pelo menos nos fornecer uma restringindo o livre
fluxo de informação.
abordagem para pensar os sistemas vivos não como entidades em si, mas Cohen cita o modelo
como sistemas e junções (acoplamentos) – aqui a ecologia Tierra-virtual de de segurança de Bell-
Thomas S. Ray, dos anos 90 nos oferece um bom exemplo24. Essa abordagem LaPadula (1973) e o
modelo de integridade
da vida artificial também poderia nos levar a pensar sobre a condição da mídia de Biba (1977) como
contemporânea como uma espécie de ecologia, de “vida” no sentido de que se políticas que “dividem
baseia em conexões, auto-reprodução e junção de elementos heterogêneos. os sistemas em
subconjuntos fechados
Isso também tem ecos na compreensão spinoziana da vida acima citada como em transitividade”.
afetividade: relações em velocidades variantes, desacelerações e acelerações Esses modelos,
entre partículas interconectadas. que lidavam com
controle de fluxos
O que Cohen demonstrou, e essa talvez seja sua contribuição mais duradoura, de informação foram
embora não pretendamos diminuir suas conquistas na ciência da computação, alguns dos primeiros
foi a percepção de que a cultura digital estava à beira de uma mudança de pa- paradigmas técnicos
da segurança de
radigma, da cultura de Máquinas de Computação Universais para a de Máquinas computadores. Ver
Virais Universais. Essa cultura não mais se limitaria às capacidades ruidosas Cohen, Computer
de pessoas criando algoritmos. Em vez disso, esses conceitos evolucionários
FILE TEORIA DIGITAL
Viruses p. 84. de computação ofereceram um modelo de cultura digital que dependia cada vez
“Claramente, mais das capacidades de atores auto-reprodutivos e semi-autônomos. Para ci-
se não houver
compartilhamento, tar as palavras tão menosprezadas de Cohen sobre “evolução viral como meio de
não pode haver computação”, que cristalizam a ecologia de mídia da cultura digital em rede:
disseminação de
informação através de
limites de sujeitos, e Depois de demonstrar que uma máquina arbitrária pode ser implantada com
os vírus não podem se um vírus (Teorema 6), agora escolheremos um tipo particular de máquina a ser
disseminar para fora implantada para obter um tipo de vírus com a propriedade de que os sucessivos
de um sujeito isolado.”
membros do conjunto viral gerado a partir de qualquer membro particular do
20. Cohen, Computer conjunto contenham subseqüências que são (na notação de Turing) as sucessi-
Viruses, pp.13-14. vas iterações da “Máquina de Computação Universal”. Os membros sucessivos
21. Mark A. Ludwig. são chamados de “evoluções” dos membros anteriores, e assim qualquer núme-
Computer Viruses, ro que possa ser “computado” por uma MT Máquina de Turing pode ser “evoluído”
Artificial Life and por um vírus. Portanto, concluímos que os “vírus” são um tipo de máquinas de
Evolution. Tucson,
Arizona: American computação pelo menos tão poderoso quanto as MTs, e que existe uma “Máquina
Eagle Publications, Viral Universal” capaz de evoluir qualquer número “computável.25
1993, p.22.
(abertos) baseados no constante ciclo de feedback entre um organismo e seu Cambridge e Londres:
ambiente. No entanto, como essas noções podem facilmente permanecer como The MIT Press, 1997.
metáforas imprecisas, elas devem ser abordadas mais minuciosamente para 23. Richard Dawkins.
ampliar suas implicações para a ecologia da mídia contemporânea. Aqui, abor- The Selfish Gene.
darei a questão referindo-me à maneira como Deleuze e Guattari esboçaram as Oxford: Oxford
University Press,
questões da máquina (separada das tecnologias em si) e da ontologia maquínica 1977, p. 206.
como interconectivas e interativas27. Isto é, as ecologias da mídia podem ser
entendidas como processos maquínicos baseados em certas linhagens tecno- 24. Página de Tierra na
web: http://www.his.
lógicas e sociais que adquiriram consistência. Assim, “maquínico” também se atr.jp/~ray/tierra/
refere a uma produção de consistências entre elementos heterogêneos. Nes-
sa ontologia do fluxo, as montagens tecnológicas são desacelerações parciais 25. Cohen, Computer
Viruses, pp.52-53.
de fluxos, gerando entidades funcionais mais distintas. Não há seres humanos
usando tecnologias, nem tecnologias determinando os humanos, mas um cons- 26. Belinda Barnet.
tante processo relacional de interação, de auto-organização, e, portanto, o en- Technical Machines
and Evolution. CTheory 152
foque se transfere para “subjetividades sem sujeito”28. Nesse sentido, a vida da 16/3/2004, http://www. 153
ecologia da mídia é definível como maquínica. ctheory.net/text--file.
A vida como conexionismo, não como um atributo de determinada substân- asp?pick=414. Barnet
revive em seu ensaio
cia, também está no centro da teoria viral: “Technical Machines
and Evolution” a
A essência de uma forma de vida não é simplesmente um ambiente que suporta questão da evolução
tecnológica da vida
a vida, nem simplesmente uma forma que, dado o ambiente certo, viverá. A es- com a ajuda de
sência de um sistema vivo está na junção da forma com o ambiente. O ambiente Bernard Stiegler,
é o contexto, e a forma é o conteúdo. Se os considerarmos juntos, consideramos Niles Eldredge, André
Leroi-Gourhan e Félix
a natureza da vida.29 Guattari, entre outros.
O projeto de Barnet é
Eu gostaria de enfatizar especialmente a junção entre uma entidade e seu am- argumentar por uma
visão dinâmica da
biente como a essência do que constitui “vida”. Isso tem uma implicação muito tecnologia. Em outras
importante. Como já notaram os cientistas que abordaram a ideia dos vírus de palavras, Barnet
computador como vida artificial, é difícil, ou talvez impossível, adotar total- parece comprometida
com encontrar
mente os vírus de computador sob o critério de vida (biológica). Se tomarmos alternativas para
uma entidade e uma lista das qualidades que ela deve demonstrar (reprodução, uma compreensão
emergência, metabolismo, tolerância a perturbações e evolução), então nada da tecnologia mais
tradicional dos
senão a vida tradicional poderá preencher os critérios de vida30. No entanto, estudos culturais, que
quero adotar as sugestões para se ver a vida e a vida artificial em termos de reduz sua dinâmica a
conexionismo maquínico como horizontes e ideias experimentais para pensar a intenções, projeções
e discursos de
ecologia da mídia contemporânea. origem humana.
Portanto, os vírus – e a vida inorgânica em geral – devem ser vistos como
processos, e não entidades estáveis. Os vírus, por definição, são máquinas de
FILE TEORIA DIGITAL
27. Gilles Deleuze junção, de parasitismo, de adaptação. Admissivelmente, eles podem não ser
e Félix Guattari. A “vida” como definida pelo uso cotidiano ou na compreensão biológica geral, no
Thousand Plateaus.
Capitalism and entanto são espectros da ecologia da mídia que nos convidam a aceitá-los como
Schizophrenia. algo pelo menos “semelhante à vida”. Considerar um vírus como uma máquina de
Minneapolis e infecção, “um programa que pode ‘infectar’ outros programas, modificando-os
Londres: University
of Minnesota Press, para incluir uma cópia possivelmente aperfeiçoada de si mesmo”31, significa
1987, p. 330. a impossibilidade de concentrar-se nos vírus em si e exige a adoção de uma
perspectiva cultural mais ampla desses processos de infecção. Como parte dos
28. Paul Bains.
“Subjectless circuitos lógicos das máquinas de Turing, a infecção viral faz parte da arqui-
subjectivities.” In: tetura dos computadores, que faz parte da esfera técnica e da genealogia de
A Shock to Thought. máquinas de mídia de técnica semelhante, que por sua vez se ligam a linhagens
Expression After
Deleuze and Guattari, de natureza biológica, econômica, política, social e assim por diante. Os vírus
editado por Brian não produzem simplesmente cópias de si mesmos, mas também se envolvem
Massumi. Londres e em um processo de autopoiésis: eles se reconstroem incessantemente, enquan-
Nova York: Routledge,
2002, pp. 101-116. to tentam reproduzir os próprios fundamentos que os tornam possíveis, isto é,
Andrew Murphie e eles desdobram as características da cultura de redes. Nisto, são uma espécie
John Potts. Culture de sujeitos maquínicos32. Essa atividade viral também pode ser entendida como
& Technology. Nova
York: Palgrave a recriação de toda a ecologia da mídia, a reprodução das características orga-
Macmillan, 2003, nizacionais de comunicação, interação, funcionamento em rede e cópia ou auto-
pp.30-35. Essa reprodução33. É nisto que pretendo seguir Maturana e Varela em sua ideia de
maneira de pensar as
ecologias de mídia que os sistemas vivos são parte integrante de seus entornos e funcionam para
também poderia sustentar as características e os padrões daquela ecologia. Eles ocupam um
ser chamada de certo nicho dentro da ecologia maior: “Crescer como membro de uma sociedade
eco-etologia, o que
salienta a natureza consiste em tornar-se estruturalmente unido a ela; estar estruturalmente unido
conectada do mundo, a uma sociedade consiste em possuir as estruturas que levam à confirmação
aplicável não comportamental da sociedade”34, escreve Maturana.
somente a fenômenos
biológicos mas As “infecções” ou junções já faziam parte da genealogia da cultura digital
também a ambientes antes dos anos 80, na forma dos autômatos de John von Neumann, que mui-
tecnológicos de tas vezes são considerados ancestrais dos vermes e vírus atuais. Von Neumann
mídia de conexão.
Nessa visão, o existir aprofundou-se na teoria dos autômatos, entendidos aqui como “qualquer siste-
de uma entidade é ma que processa informação como parte de um mecanismo auto-regulatório”35.
somente devido a Autômatos capazes de reprodução incluíam mecanismos de controle lógico
um mundo para o
qual a entidade é -- (modelados na teoria dos neurônios de McCulloch-Pitts), juntamente com os
afirmação de um certo canais necessários para a comunicação entre o autômato original e outro em
tema de imanência construção, assim como os “músculos” para permitir a criação. Esse modelo
que Isabelle Stengers
vê fluindo dos cinético de autômatos logo foi descartado, porém, pois mostrou-se de difícil
estóicos a Spinoza, realização: um autômato físico dependia de seu ambiente para o abastecimento
de recursos, e dar-lhe essa ecologia revelou-se trabalhoso demais. Portanto, a
A Máquina Viral Universal – Bits, parasitas e ecologia da mídia na cultura de redes
conselho de seu amigo Stanislav Ulam, Von Neumann dedicou-se a desenvolver Leibniz e Whitehead
autômatos celulares, modelos formais de sistemas reprodutivos com “regulari- e de Marx a Deleuze.
Sonigo e Stengers,
dades cristalinas”36. Um dos modelos de padrões formais auto-reprodutivos foi pp.134-144.
o organismo vivo muito primitivo bacteriófago37.
A natureza, na forma das características de organismos simples, tornou-se uma 29. Cohen, Computer
Viruses, p.222.
interface, como parte desses modelos formais de computação. Os autômatos ce-
lulares como tabelas de células bidimensionais, sendo cada célula um autômato 30. Ver Ludwig. Cf.
finito individual, com seu estado determinado pelos estados das células vizi- Eugene H. Spafford.
“Computer Viruses
nhas, deveriam ser entendidos como estruturas neurais. Quando acionados, os as Artificial Life.”
autômatos pareciam assumir uma vida própria, como foi demonstrado nos anos In: Artificial Life. An
70 por John Conway nos laboratórios do MIT, com sua versão sintomaticamente Overview, editado
por Christopher G.
chamada “Vida”. Eram essencialmente máquinas acopladas, porém unidas por Langton. Cambridge
suas características formais como parte de um hábitat bidimensional. Enquan- e London: The MIT
to uma única célula não poderia ser considerada viva em qualquer sentido da Press, 1997.
154
palavra, o sistema inteiro, que estava em constante interação, parecia conter 31. Cohen, Computer
poderes notáveis de cálculo e emergência. Viruses, 12. 155
levar a apresentar novas genealogias da computação para a situação da mídia 35. William Aspray.
contemporânea. Essas perspectivas deveriam, além disso, tornar mais comple- John von Neumann
xas nossas noções da história dos vírus e programas viróticos, assim como nos and the Origins of
Modern Computing.
levar a repensar algumas suposições básicas sobre a cultura contemporânea Cambridge, MA.:
da tecnologia, que é cada vez mais modelada e projetada como uma ecologia The MIT Press,
complexa, interconectada. 1990, p.189.
Mas, considerando a “natureza da cultura digital”, deveriam essas linhagens 36. Aspray,
ser vistas como metáforas que conduziram a pesquisa nos laboratórios de com- pp.202-203.
putação, ou seria a interconexão entre a vida (ou pelo menos a ciência da vida,
FILE TEORIA DIGITAL
37. Steve J. Heims. a biologia) e a tecnologia mais fundamental? Em vez de restringir o trabalho
John von Neumann and de projeto ao nível da metáfora e da linguagem, também poderíamos falar da
Norbert Wiener. From
Mathematics to the diagramática do projeto de computadores pilotando a pesquisa e a implemen-
Technologies of Life tação realizadas. As pesquisas de biologia e de computadores foram acopladas,
and Death. Cambridge, ambas mutuamente infectadas na segunda metade do século 20, de modo que
Massachusetts: The
MIT Press, 1980, o ser humano e a natureza em geral foram cada vez mais compreendidos como
pp. 204-205, 212. informática (especialmente com o avanço na pesquisa do DNA), e a informática
Adequadamente, as foi infiltrada por modelos adotados da pesquisa do cérebro e, mais tarde, da pes-
primeiras “bactérias”-
programas em quisa ecológica. Assim, como pensava o próprio Von Neumann, projetar computa-
computadores dores era uma questão de projetar órgãos e organismos40, isto é, máquinas que
mainframe foram poderiam funcionar semi-independentemente como seres naturais. A natureza
listadas como uma
das mais antigas tornou-se o ponto de referência imaginário definitivo da cultura digital, não tan-
formas de ameaças to um espelho, mas uma interface ativa entre o tecnológico e o biológico.
programadas. O que quero enfatizar, é que essa interface não é somente linguística, não
Embora não fossem
explicitamente devemos falar meramente da metáfora da cultura do computador (como faz com
nocivas, elas eram frequência a perspectiva dos estudos culturais), mas ver a biologia dos com-
projetadas para putadores também como organizacional, no sentido de que uma certa compre-
se reproduzir
exponencialmente, ensão dos organismos biológicos, padrões ecológicos e características da vida
sendo um obstáculo está entrelaçada como parte do projeto e da implementação da cultura digital41.
potencial para a Nesse sentido, a teoria cultural da cultura digital também deveria recorrer à
capacidade dos
processadores, biologia como ajuda, e fazer uma interface, por exemplo, com as noções de Ma-
a memória e o turana e Varela de máquinas vivas autopoiéticas em que o componente é estru-
espaço em disco turado como uma parte funcional do ambiente. Como nota Guattari em Chaosmo-
dos computadores.
Thomas R. Peltier. sis, essa ideia também poderia ser aplicada a uma análise das máquinas sociais
The Virus Threat. – e portanto à análise da máquina social da cultura de redes, ou a ecologia da
Computer Fraud & mídia das redes42. As partes alimentam a estrutura, enquanto elas mesmas são
Security Bulletin.
Junho de 1993, alimentadas pelo todo. Mas a diferença entre a mera repetição mecânica e os
pp. 13-19. sistemas vivos criativos que Guattari nota43 é importante – e a retomarei mais
tarde com uma discussão da virtualidade do sistema vivo.
38. Cf. Heims.
41. Sobre esse tópico, Repetindo, os vírus de computador são máquinas no sentido usado por Deleuze--
ver Nancy Forbes. -Guattari, na medida em que são fazedores de conexões, estendendo-se para
Imitation of Life: How
Biology is Inspiring fora e além de seus limites aparentes para encontrar junções funcionais. Em
Computation uma perspectiva restrita, isso significa que eles se acoplam aos arquivos que
infectam; ampliando nosso horizonte, porém, vemos que essas junções são ine-
A Máquina Viral Universal – Bits, parasitas e ecologia da mídia na cultura de redes
rentemente conexões no nível da máquina de Turing, isto é, a arquitetura do Cambridge MA: The MIT
computador em geral. Press, 2004. Cf. Tiziana
Terranova. Network
As ideias de acoplamento e pensamento biológico na computação ganharam Culture: Politics for
consistência especialmente nos anos 70, quando começaram a florescer vários the Information Age.
projetos de rede. A Arpanet (1969) foi a pioneira, é claro, mas várias outras se Londres: Pluto Press,
2004, 98-130.
seguiram. A comunicação em rede representou novos paradigmas para a pro-
gramação, assim como forneceu uma plataforma fértil para novas ideias de on- 42. Félix Guattari.
tologia digital. Os vírus e vermes eram um elemento funcional nessa nova ten- Chaosmosis: An Ethico-
Aesthetic Paradigm.
dência de computação. Consequentemente, o primeiro incidente registrado de Sydney: Power
vírus real parece ser o do vírus Creeper, que se disseminou pela rede Arpanet em Publications, 1995.
1970. O Creeper era um programa utilitário feito para testar as possibilidades
43. Félix Guattari.
da computação em rede. Inspirado no primeiro programa escrito pelo pioneiro The Three Ecologies.
das redes Bob Thomas, vários programadores fizeram programas semelhantes, Londres: The Athlone
de caráter viral44. Press, 2000, p. 61.
Os testes de vermes feitos no Centro de Pesquisa da Xerox em Palo Alto, no 44. Hafner e Markoff,
156
início dos anos 80, foram modelados em aspirações semelhantes. Como foi des- p.280. Allan Lundell. 157
crito pelos pesquisadores participantes John Shoch e Jon Hupp, os programas Virus! The Secret
World of Computer
de vermes basicamente significavam copiar partes do programa para máquinas Invaders That
desocupadas na rede. O problema, como foi demonstrado pelo Creeper, era con- Breed and Destroy.
trolar a disseminação. Mesmo o grupo de Palo Alto experimentou problemas de Chicago e Nova
York: Contemporary
controle semelhantes, quando um verme que foi deixado em atividade durante Books, 1989, p.21.
a noite “fugiu”: “O verme carregava rapidamente seu programa nesse novo seg- Segundo Lundell, o
mento; o programa começava a funcionar e logo entrava em pane, deixando o Creeper foi um vírus
que escapou, e um
verme incompleto – e ainda faminto, procurando novos segmentos”45. programa especial
No entanto, os cientistas de Palo Alto criaram esses programas – “vermes de Reaper foi criado para
laboratório”, de certo modo – tendo em mente objetivos úteis. O verme existen- limpar a rede dos
programas Creeper.
cial era um programa de teste básico, sem outro objetivo além de sobreviver e
proliferar. O verme Billboard foi criado para distribuir mensagens em uma rede. 45. John F. Shoch
Outros aplicativos incluíam o verme despertador, um utilitário de animação e Jon Hupp. A. The
‘worm’ programs
multimáquinas usando um comportamento semelhante ao de verme, e o ver- - early experience
me de diagnóstico46. O importante é que os programas básicos da rede Arpanet with a distributed
continham rotinas semelhantes a vermes, tornando ambígua a distinção entre computation.
Communications of
programas “normais” e rotinas parasitárias. the ACM, Vol.25, nº 3,
De maneira semelhante, a ideia de troca de pacotes que foi experimenta- março de 1982, p.175.
da pela Arpanet nos anos 70 apresentou a inteligência local às comunicações:
46. Shoch e Hupp,
em vez de ser controlada do alto, de uma posição hierárquica centralizada, a pp. 176-178.
comunicação em rede distribuiu o controle em pequenos pacotes que encontra-
vam seu próprio caminho do remetente ao destinatário. De certa maneira, esses
FILE TEORIA DIGITAL
pacotes incluíam a ideia de autonomia e inteligência local dos sistemas de baixo 47. Robert E. Kahn.
para cima, enquanto a rede em geral era formada em um sistema multiplex de Networks for Advanced
Computing. Scientific
distribuição47. Desde então, a arquitetura básica da Internet se baseou em dados American 10/1987.
que são inteligentes no sentido de que contêm suas próprias instruções para Sobre a história da
mover-se, usando a rede para realizar suas operações. Nesse sentido, podemos troca de pacotes,
ver Janet Abbate.
justificadamente afirmar que as origens de programas semelhantes a vermes – Inventing the Internet.
e parcialmente semelhantes a vírus – estão na esquemática da computação em Cambridge, MA e
rede em geral. A contínua ambivalência entre funcionalidades anômalas e nor- Londres, Inglaterra:
The MIT Press, 2000,
mais faz parte do problema dos vírus ainda hoje, pois o mesmo programa pode pp. 27-41. Matthew
ser definido como utilitário em um contexto e como um programa pernicioso em Fuller apresenta, no
outro, fato que não se modificou durante a história dos softwares de computa- entanto, uma tese
muito importante
dor modernos48. De modo semelhante, há anos muitos utilitários básicos são quando salienta a
semelhantes a vírus, apesar de muitas vezes esses programas precisarem do natureza hierárquica
consentimento do usuário para operar49. das técnicas de troca
de pacotes: mesmo
É claro que se pode alegar que esses programas foram apenas experimen- que ela conote 158
tos menores, e seu significado não deve ser superestimado. No entanto, eles auto-organização, 159
demonstram várias características de um novo paradigma da computação, ou é ao mesmo tempo
controlada por
da ciência em geral. Na ciência da computação, as ideias de programação dis- protocolos e outras
tribuída e, mais tarde, de programação em rede neural, por exemplo, estavam dimensões sócio-
ganhando terreno, tornando-se parte integrante da nova ordem (não-linear) técnicas. Fuller,
128-129. Ver também
da cultura digital. Isso deveu-se às crescentes complexidades das novas redes Galloway.
de computação e comunicação. Como desde os anos 1970 os computadores não
foram mais vistos como máquinas de calcular, e sim como “componentes de sis- 48. Cf. David Harley,
Robert Slade e Urs
temas complexos” em que os sistemas não são construídos de cima para baixo, Gattiker. Viruses
mas de “subsistemas” e “pacotes”, a ideia básica de um programador criando um Revealed: Understand
algoritmo para realizar uma tarefa e atingir um objetivo tornara-se antiquada. and Counter Malicious
Software. Nova York:
Projetar ambientes de programas distribuídos foi considerado uma solução50. Osborne/McGraw-
Um relato genealógico poderia afirmar que essa foi uma decorrência dos Hill, 2001, p.189. Em
problemas que os militares já haviam encontrado. Todo o campo da ciberné- Viruses Revealed!
eles enfatizam que
tica e da simbiose entre homem e máquina poderia ser considerado parte da embora o verme
complexificação das estruturas militares de comando e controle, para as quais Shoch-Hupp fosse um
os computadores forneceram a tão esperada prótese para suplementar o trei- verme reprodutor, não
tinha intenções de
namento normal de generais, almirantes e pessoal de campo51. Nesse sentido, romper a segurança,
essas ecologias de rede não são meramente sistemas complexos de natureza nem tentava se
auto-organizativa, mas também sistemas projetados que visam controlar a esconder. Ibid., p. 21.
Com frequência os
complexidade e os ciclos de feedback do sistema. Os vírus e vermes de com- pesquisadores
putador, assim como a cultura do computador em geral, são pelo menos par-
cialmente construídos intencionalmente, mas não podem ser reduzidos a meras
FILE TEORIA DIGITAL
antivírus salientam construções humanas. Em vez disso, as ecologias de rede são misturas de pro-
que mesmo os jeto de cima para baixo e auto-organização de baixo para cima; temos ao mesmo
vermes benéficos são
nocivos na medida tempo estruturas lineares e estáveis e estados de complexidade que evoluem
em que seqüestram de maneira dinâmica.
os recursos do
computador
(memória) das Assim, além dos objetivos militares, a vida (artificial) – ou mais precisamente
operações normais a ciência da vida, a biologia – é outro contexto histórico a ser levado em conta.
do sistema. Além da programação distribuída, as técnicas de programação em rede neural
49. Spafford. foram introduzidas na segunda metade da década de 1980. Embora essas ques-
Computer Viruses as tões já tivessem sido discutidas anos antes, o verdadeiro impulso veio com o
Artificial Life, p. 263. novo interesse por programas de computador com capacidade de aprendizado:
O texto de Spafford,
originalmente do
início dos anos 90, Se vários fatores diferentes colaboraram para essa explosão de interesse,
oferece em geral uma certamente a descoberta de algoritmos que permitem a uma rede neural com
útil discussão sobre a
vivacidade dos vírus camadas ocultas “aprender” a realizar determinada tarefa teve uma profunda
de computador. influência nos recentes desenvolvimentos das redes neurais. Essa influência é
tão grande que para muitos novatos no campo a expressão “redes neurais” é
50. Terry Winograd.
Beyond Programming associada a algum tipo de “aprendizado” ....52
Languages.
Communications of Essas temáticas da ciência da computação correspondem à mudança geral de
the ACM, vol. 22, 7/
julho de 1979, pp. ênfase da compreensão da inteligência de cima para baixo para os sistemas
391-401. Jerome distribuídos de aprendizado e adaptação de baixo para cima, melhor ilustrados
A. Feldman. High pelos experimentos do verme Shoch-Hupp, e talvez até pelo vírus Creeper. O
Level Programming
for Distributed interesse por esses padrões evolucionários de aprendizado viral se manteve
Computing. até o início dos anos 1990, quando uma nova ênfase predominou. O início dos
Communications of anos 1990 também testemunhou os primeiros vírus polimórficos, que pareciam
the ACM, vol. 22, 6 /
Junho de 1979, pp. capazes de evoluir em reação a ações antivírus53. No entanto, como salientou,
353-368. por exemplo, Fred Cohen, esses programas vivos só eram vivos enquanto parte
de seu ambiente, em outras palavras, como ele havia argumentado dez anos
51. Ver Heims 1980,
313-314. antes, um sistema vivo é formado por componentes vivos capazes de se repro-
duzir, enquanto nem todos os componentes tinham de estar vivos e produzir
52. Jorge M. Barreto. descendentes54. Os vírus como programas adaptativos, auto-reprodutivos e
Neural network
learning: a new evolucionários eram portanto pelo menos parte de algo vivo, mesmo que não
programming fosse vida artificial no sentido mais forte da palavra55. Eles eram as novas
paradigm? “máquinas de Darwin”56 que formavam a ontologia de uma nova cultura digital,
Proceedings of the
1990 ACM SIGBDP também incorporando a utopia digital capitalista essencial de agentes inteli-
conference on Trends gentes, programas semi-autônomos que reduzem as pressões colocadas sobre
o indivíduo pelo crescente acréscimo de informação57. Os agentes inteligentes
A Máquina Viral Universal – Bits, parasitas e ecologia da mídia na cultura de redes
podem cuidar das tarefas comuns no seu computador ou realizar incumbências and directions in
como reservar ingressos, marcar encontros, encontrar informação adequada expert systems, Nova
York: ACM Press, p.434.
na rede e são, portanto, segundo J. Macgregor Wise, reveladores das mudanças
no entendimento de agência na era da cultura digital58, e poderíamos ainda 53. Mas, como
enfatizar que esses programas são na verdade a combinação de potenciais cha- indica Mark Ludwig
(47), esses vírus
ves na ontologia da cultura digital. Eles representam um novo tipo de atores e automutantes eram
funções que permeiam as redes tecnológicas. capazes apenas de
Uma maneira de apreender essa mudança seria falar em uma mudança de se camuflar, não
exatamente de mutar
paradigma kuhniana, em que a “vida” não se restringe mais a certos organismos ou evoluir.
baseados em carbono. Como afirmou Manuel DeLanda no início dos anos 1990
sobre as aplicações da vida artificial na ciência da computação: 54. Frederick B.
Cohen. It’s Alive! The
New Breed of Living
Os últimos 30 anos presenciaram uma mudança de paradigma semelhante na Computer Programs.
pesquisa científica. Em particular, uma devoção secular a “sistemas conserva- Nova York: John Wiley
& Sons, 1994, p.21.
dores” (sistemas físicos que, para todos os fins, são isolados de seus entor- 160
nos) está dando lugar à percepção de que a maioria dos sistemas na natureza 55. Cf. Ludwig. Ver
161
é sujeita a fluxos de matéria e energia que os percorrem constantemente. Essa também Spafford.
mudança de paradigma aparentemente simples, por sua vez, está nos permi- 56. Cf. Simon
tindo discernir fenômenos que algumas décadas atrás eram descartados como Penny. The Darwin
anomalias, quando eram percebidos59. Machine. Telepolis
09.07.1996, http://
www.heise.de/tp/r4/
Isso também ecoa a mudança de ênfase dos paradigmas da inteligência arti- artikel/6/6049/1.html.
ficial de cima para baixo na computação para a visão do conexionismo como
57. Ver Nicholas
o caminho frutífero a ser seguido na programação, acima mencionado. Com- Negroponte. Being
plexidade e conexionismo tornaram-se as palavras-chaves da cultura digital Digital. Londres:
desde os anos 1980. Os processos não-lineares de pensamento e computação Hodder & Stoughton,
1995, pp. 149-159.
expressaram as “novas ideias da natureza como um computador e do compu-
tador como parte da natureza”60, não redutível a partes analíticas, mas funcio- 58. Wise J. Macgregor.
nando como um todo emergente. Concretamente, isso significava diagramas Exploring Technology
and Social Space.
de ecologia digital que dependiam cada vez mais da computação viral e de Thousand Oaks: Sage,
programas semi-autônomos. Tony Sampson descreve essa nova visão da cul- 1997, pp.150-157.
tura digital das Máquinas Virais Universais:
59. Manuel DeLanda.
“Nonorganic Life.”
O ecossistema viral é uma alternativa à capacidade de Turing-Von Neumann. In: Incorporations,
Uma chave desse sistema é um vírus benévolo, que resume a ética da cultura editado por Jonathan
Crary e Sanford
aberta. Fazendo uma analogia biológica, a computação viral benévola se re- Kwinter. Nova York:
produz para atingir seus objetivos; o ambiente de computação evolui, em vez Zone Books, 1992,
de ser ‘projetado a cada passo do caminho’ ... O ecossistema viral demonstra
FILE TEORIA DIGITAL
p. 129. Em relação como a disseminação de vírus pode propositalmente evoluir através do espaço
a esse tema de vida computacional usando o poder de processamento compartilhado de todas as
inorgânica, ver as
análises de DeLanda máquinas hospedeiras. A informação entra na máquina hospedeira por meio
sobre mecanosfera de uma infecção e um programa tradutor alerta o usuário. O vírus benévolo
computacional em passa pela máquina hospedeira com qualquer modificação adicional feita pelo
War in the Age of
Intelligent Machines, usuário infectado.61
pp.120-178.
Portanto, não mais “Turings” e “Von Neumanns” ou quaisquer outros projetistas
60. Sherry Turkle.
Life On the Screen: como demiurgos do hardware e software de computador, exceto como precurso-
Identity in the res de uma cultura digital pós-humanística de organismos virais. De maneira
Age of Internet. interessante, essas representações do início dos anos 1990 de uma ecologia
Londres: Weidenfeld
& Nicolson, viral da cultura digital estão de acordo com diversas outras narrativas do pós-
1996, p. 136. humanismo e da cultura de mídia automatizada da vida artificial62. A Máquina
Viral Universal também parece cumprir as visões de Friedrich Kittler da subje-
61. Sampson, A Virus
in Info-Space. tividade maquínica na era das máquinas de Turing: para Kittler, os sujeitos-má-
quinas nasciam com a percepção de instruções de “jump” condicionais, também
62. Cf. O mapeamento conhecidas como pares Se/Então do código de programação63. Isso implica que
por N. Katherine
Hayles do discurso um programa pode mudar de maneira autônoma seu modo de operação durante
do pós-humano em o curso da ação. No esquema de Kittler, quando os computadores isolam sua
How We Became capacidade de ler/escrever da ação humana, impõe-se a entrada de um novo
Posthuman: Virtual
Bodies in Cybernetics, tipo de subjetividade no nível da sociedade. Nessa visão, a noção irônica de Fred
Literature and Cohen de que o primeiro incidente com vírus amplamente divulgado, o chamado
Informatics. Chicago verme Morris (1988), foi na verdade “o recorde mundial de computação em alta
IL: University of
Chicago Press, 1999. velocidade”64 mostra-se uma descrição hábil das potencialidades dos processos
computacionais semi-autônomos da cultura digital, que excluem o operador hu-
63. Friedrich Kittler. mano do circuito. Os vermes e vírus, então, também poderiam ser apreendidos
Gramophone,
Film, Typewriter. como algum tipo de atores pós-humanos.
Stanford CA: Stanford
University Press,
1999, p. 258.
Ecologia da mídia: vida e território
64. Steven Levy.
Artificial Life. A A cultura digital foi ocupada por uma nova geração de programas de computador
Report From the
Frontier Where vitais nos anos 1980 e 1990, apesar de esses programas serem meras atuali-
Computers Meet zações de tendências e aspirações da cultura do computador desde a Segunda
Biology. Nova York: Guerra Mundial. Ver esses programas e a cultura da rede digital como parte do
Vintage Books,
1993, p. 324. novo campo da vida artificial foi uma das principais tentativas de conceitualizá-
los e contextualizá-los. Além de ser exemplos interessantes das capacidades
das linguagens de programação e da arquitetura das redes digitais, os vírus e
A Máquina Viral Universal – Bits, parasitas e ecologia da mídia na cultura de redes
vermes de computador podem ser vistos como indícios ou sintomas de uma ten- 65. Gregory Bateson.
dência cultural maior que tem a ver com compreender a vida da mídia e a cultura Steps to an Ecology
of Mind. Nova York:
da mídia digital em rede através do conceito de ecologia da mídia. Especifica- Ballantine Books,
mente, a junção de natureza e biologia como parte da arquitetura digital foi uma 1972, p.483.
tendência central desde o trabalho pioneiro de Von Neumann, Wiener e outros.
66. Lynn Margulis é, é
Ela dá uma pista importante sobre as características genealógicas da situação claro, outra pioneira
da mídia moderna, enfatizando adaptabilidade, automação, complexidade e in- nesse tipo de corrente
teligência de baixo para cima, ou vida artificial. Os vírus e vermes funcionam de pensamento de
evolução simbiótica.
como expressões imanentes da cultura de redes.
Por outro lado, essa perspectiva conceitual da mídia como uma ecologia, como 67. Maturana e
vida, ou dinamismo tecnológico oferece uma maneira de compreender a comple- Varela, p. xvi.
xidade, o conexionismo e as flexibilidade que funcionam no cerne da situação 68. Maturana e Varela,
da mídia contemporânea. De certa maneira, isso também acentua a necessidade p. 9. Maturana e Varela
de basear as teorias da cultura digital na cibernética (Wiener, Von Neumann), e, definem as máquinas
autopoiéticas da
ainda mais urgentemente, na cibernética de segunda ordem (Maturana, Varela, seguinte maneira: 162
Luhmann, assim como Bateson), o que poderia dar uma compreensão ainda mais “Uma máquina
organizada (definida 163
sutil e complexa das tecnologias conexionistas da cultura contemporânea. Es-
como unidade) como
ses projetos e orientações tomaram como principal prioridade as junções dos uma rede de processos
sistemas e ambientes e a auto-organização da complexidade. Portanto, abordar de produção,
a questão da ecologia com Gregory Bateson significa apreender a ecologia como transformação e
destruição dos
“um estudo da interação e sobrevivência de ideias e programas (isto é, dife- componentes
renças, complexos de diferenças, etc.) nos circuitos” 65, implicando que se deve que produzem
dar importância fundamental à junção dos organismos com seu ambiente como os componentes
que (i) através de
unidade básica da evolução66. suas interações
As ecologias devem ser entendidas como sistemas ou processos auto-re- e transformações
ferentes, em que para compreender (ou observar) o funcionamento do sistema regeneram e realizam
a rede ou os processos
não podemos destacar elementos isolados de sua coerência sintética (e rotu- (relações) que os
lar alguns elementos como puramente anômalos, por exemplo). Em vez disso, produzem; e (ii) a
devemos enfocar a questão de Humberto Maturana: “Como acontece que o or- constituem como uma
unidade concreta no
ganismo tenha a estrutura que lhe permite operar adequadamente no meio em espaço em que eles
que ele existe?”67 Em outras palavras, a atenção deve estar em uma abordagem existem, ao especificar
de sistemas que permita pensar na cultura digital como uma série de acopla- o domínio topológico
de sua realização como
mentos em que os “organismos” ou “componentes” participam da autopoiésis tal rede.” (p.135)
do sistema geral, que, em nosso caso, é a cultura das redes digitais. O siste-
ma autopoiético é um sistema reprodutivo, que visa manter sua unidade em 69. Ver Guattari.
Chaosmosis,
forma organizacional: pp. 37, 91-93.
FILE TEORIA DIGITAL
70. Ver Brian Essa organização circular constitui um sistema homeostático cuja função é
Massumi. Parables produzir e manter essa mesma organização circular, determinando que os com-
for The Virtual:
Movement, Affect, ponentes que a especificam sejam aqueles cuja síntese ou manutenção ela ga-
Sensation. Durham rante. Além disso, essa organização circular define um sistema vivo como uma
e Londres: Duke unidade de interações e é essencial para sua manutenção como unidade; aquilo
University Press,
2002, p. 237. que não está nele é externo a ele ou não existe.68
71. Ver Elisabeth Dessa perspectiva, os vermes e vírus de computador não são tanto rupturas
Grosz. “Thinking
the New: Of Futures anômalas, aleatórias ou ocasionais em um sistema (fechado), que de outro
Yet Unthought.” modo funcionaria sem atrito, quanto são, muito ao contrário, parte da ecologia
In: Elisabeth Grosz a que estão acoplados. Sim, esses programas são muitas vezes fontes de ruído
(ed.): Becomings.
Explorations in Time, e distorção que podem funcionar contra os princípios da rede, mas mais funda-
Memory, and Futures. mentalmente eles repetem os fundamentos da ecologia de redes, na verdade
Ithaca e Londres: reproduzindo-a. Isto, é claro, refere-se ao fato de que os vírus e vermes não
Cornell University
Press, 1999, pp. precisam conter cargas nocivas para serem vírus e vermes. Portanto, também
15-28. Sobre filosofia deveríamos analisar essas entidades no nível abstrato (maquínico) de sua jun-
maquínico, ver ção ecológica ao filo maquínico da rede.
Manuel DeLanda. The
Machinic Phylum. Nesse sentido, a ecologia de redes deve ser vista como formada igualmente
V2, 1997, online em de partes reais e virtuais para lhe permitir certo dinamismo e causar um curto-
http://framework. -circuito nos enfoques geralmente demasiado conservadores sobre a home-
v2.nl/archive/
archive/node/text/ ostase encontrada em algumas correntes das teorias de sistemas. Enquanto
default.xslt/nodenr Maturana e Varela, por exemplo, tendem a enfatizar que o sistema circular da
-70071. Ver também homeostase é auto-envolvente, eu recorreria a uma visão mais guattariana, em
Fuller 17-20.
que sempre estão ocorrendo testes e experimentações dos limites da organiza-
72. Ver Michel ção, para se verificar as potenciais tendências virtuais de uma ecologia69. Nesse
Serres. The Parasite. sentido, as ecologias de mídia não são meros sistemas de repetição vazia, mas
Baltimore e
Londres: The Johns entidades vivas e afetantes, examinando e testando seus limites e fronteiras.
Hopkins University Os vírus e vermes são tendências nessa ecologia maquínica da cultura digi-
Press, 1982. tal das últimas décadas. Eles fazem parte do filo maquínico da cultura de redes,
73. Deleuze e que pode ser entendido como o nível de potenciais interações e conexões. É um
Guattari. A Thousand plano de virtualidade em que podem ocorrer atualizações específicas, ou indi-
Plateaus, pp. viduações. Portanto, sempre há uma perspectiva de evolução (não-linear) nessa
241-242. É claro
que há organismos compreensão da virtualidade. O virtual como um plano de potencialidade é algo
anômalos em que não existe realmente (embora seja real), pois está em constante processo
qualquer ambiente, de vir-a-ser. Assim como a natureza não pode ser apreendida como algo “dado”,
no sentido de que
podem ser nocivos à as ecologias de mídia devem ser vistas como planos de doação, como reservas
própria existência iterativas. Brian Massumi escreve sobre a natureza como virtualidade e como
um vir-a-ser, que “injeta potencial em contextos habituais”, onde “a natureza
A Máquina Viral Universal – Bits, parasitas e ecologia da mídia na cultura de redes
não é realmente o ‘dado’”, mas na verdade “a doadora – de potencial”70. Como do ambiente que os
Massumi prossegue, essa é a “natureza em naturação” de Spinoza, onde a natu- suporta - também
temos exemplos
reza não pode ser reduzida a uma substância real, um mero estado de ser ex- desses programas. Por
tensivo e exaustivo. Essa posição de criação ativa também pode salientar o fato exemplo, o vírus Leligh
de que as ecologias de mídia não podem ser consideradas estruturas estáticas, (1987) foi realmente
destrutivo demais no
hilomórficas, de tecnologias autônomas, mas sim processos ativos de criação, sentido de que também
ou como uma orientação útil, um horizonte, com o qual pensar a condição da impediu suas próprias
mídia e da cultura digitais. O futuro de um sistema mídia-ecológico é aberto, possibilidades de
se disseminar fora
possibilitando mudanças muito radicais. Portanto, os vírus de computador como dos computadores
instâncias de vida resistentes à entropia podem ser considerados parte dos da universidade em
processos autopoiéticos de um sistema, e também como potenciais vetores de que foi originalmente
encontrado. Mas ele
vir-a-ser, vir-a-seres de extremidade aberta para novas conceitualizações da representa apenas
cultura de redes71. uma atualização
Em suma, no plano da ecologia da mídia como um sistema auto-referente, dos vírus.
torna-se irrelevante rotular alguns elementos como “anômalos”, como não par- 74. Guattari.
164
ticipantes do sistema, pois cada elemento é dado pelo sistema virtual (que em Chaosmosis, p. 91.
si mesmo e em sua virtualidade não pode ser considerado um dado, uma ideia 165
75. Ibid., p. 92.
platônica pré-formada). Ao contrário, as “anomalias”, se definidas alternati- Guattari dá ênfase
vamente, são rastros particulares de certas linhagens, de potenciais daquele especial a máquinas
plano, não necessariamente rupturas de um sistema. Além disso, de acordo com estéticas nesse cultivo
da ecologia virtual.
a teoria da comunicação de Shannon e Weaver, admitindo que o ruído é ineren- Portanto sua análise
te a qualquer sistema de comunicação, pode-se dizer que todo sistema mídia- ecológica poderia ser
-ecológico tem seu ruído branco, essencial para qualquer sistema funcional. Às ligada a questões de
mídia tática e mídia-
vezes, é claro, o ruído pode se tornar grande demais e provocar uma mudança arte. Cf. Galloway,
para outra constelação72. No entanto, fundamentalmente, a natureza funciona p. 175-238.
por meio de parasitismo e contágio. A natureza é na verdade inatural em sua
76. Ver Guattari. Three
constante adoção maquínica. Ecologies. Ver também
Do ponto de vista de um plano de imanência, a natureza não se constitui ao Chaosmosis, pp. 39-40.
redor de uma ausência ou de um princípio transcendental de naturalidade, ao
77. Essas
contrário, ela opera constantemente como um processo de autocriação: “Essa é a considerações de
única maneira como a natureza opera – contra si mesma”73. Isso também está de planos sociais e
acordo com a compreensão da vida spinoziana acima citada, que a vê como uma mentais também
fizeram parte integral
influência: como movimentos, repousos e intensidades em um plano da natureza de atualizações
(seja mídia-ecológico ou outro). A natureza não é, portanto, apenas uma deter- referentes aos
minada substância ou uma forma, mas um potencial vir-a-ser, que se conecta ao caminhos adotados
na ecologia da mídia
projeto de ecologia virtual de Guattari, a ecosofia: “Além das relações de forças da máquina viral
realizadas, a ecologia virtual não tentará simplesmente preservar as espécies universal discutidos
ameaçadas da vida cultural, mas igualmente engendrar condições para a criação
FILE TEORIA DIGITAL
Sobre o Autor
Jussi Parikka é Diretor do instituto CoDE - the Cultures of the Digital Economy -na Universidade de
Anglia Ruskin, Cambridge. É professor de Teoria e História da Mídia e autor de Digital Contagions
(2007) e Insect Media (lançamento em 2010). Seus livros coeditados incluem The Spam Book (2009).
Atualmente trabalha sobre arqueologia da teoria da mídia em estudos de arte e mídia.
Informações Adicionais
Texto publicado pela primeira vez em CTheory 15/12/05. Reimpresso com permissão dos editores,
Arthur and Marilouise Kroker [email protected]
166
167
Libertando-se
da prisão
Theodor Holm
Nelson
teoria
digital
link
pessoa
hipertexto
visão
FILE TEORIA DIGITAL
A conhecida história sobre a Xerox PARC, de que eles tentaram tornar o compu-
tador compreensível para o homem comum, é uma enganação. Eles imitaram o
papel e as máquinas de escritório conhecidas porque era isso que os executivos
da Xerox conseguiam entender. A Xerox era uma companhia devoradora de pa-
pel, e todos os outros conceitos tinham de ser passados para o papel para se
tornar visíveis nesse paradigma.
Mas quem se importa com o que a Xerox fez com seu dinheiro? Aquilo era
coisa de laboratório. Foi Steve Jobs quem orientou o trabalho da PARC para o
mal. Ele pegou uma equipe da PARC e fez um trato com o demônio, e esse trato
foi chamado de Macintosh.
Ainda há milhões de pessoas que acreditam que o Macintosh representa a li-
bertação criativa. Por essa incrível conquista propagandística, podemos agrade-
cer à firma de publicidade Regis McKenna, que vendeu o Macintosh para o mundo
(a partir do famoso comercial de 1984) como algo que destruía a prisão do PC. Na
verdade o Macintosh era uma prisão redesenhada. E a arquitetura dessa prisão
foi fielmente copiada para o Windows da Microsoft em cada detalhe. 170
Imagine que lhe dessem a MTV e em troca tirassem seu direito de votar? Você 171
se importaria? Algumas pessoas sim. É como eu vejo o mundo dos computadores
hoje, a começar pelo Macintosh. O Macintosh nos deu fontes bonitas para brincar
e ferramentas de artes gráficas que antes eram inatingíveis, exceto nos ricos
domínios da publicidade e da produção de livros de luxo. Essas fontes e ferra-
mentas gráficas foram um grande presente.
Mas ninguém parece ter notado o que o Macintosh excluiu.
Ele excluiu o DIREITO DE PROGRAMAR.
Quando você comprava um Apple II, podia começar a programá-lo desde o
início. Tenho amigos que compraram o Apple II sem saber o que era programação
e tornaram-se programadores profissionais quase da noite para o dia. O sistema
era limpo, simples e permitia que você fizesse gráficos.
Mas o Macintosh (e agora o Windows PC) são outra história. E a história é sim-
ples: PROGRAMAÇÃO É SÓ PARA OS “DESENVOLVEDORES” OFICIAIS REGISTRADOS.
Os Desenvolvedores Oficiais Registrados, que fizeram acordos com a Apple e
depois com a Microsoft, são os únicos que podem fazer a mágica hoje. Isso não
é da natureza intrínseca dos computadores atuais. É da natureza intrínseca dos
Negócios atuais. Negocie com a Apple ou a Microsoft, pague-lhes em dinheiro ou
outros favores, e eles deixarão você saber o que precisa para criar “aplicativos”.
Esse chamado Aplicativo foi outro nível do pacto com o diabo.
Antigamente, você podia rodar qualquer programa com qualquer dado, e se
não gostasse dos resultados os jogava fora. Mas o Macintosh acabou com isso.
FILE TEORIA DIGITAL
Você não possuía mais seus dados. ELES possuíam seus dados. ELES escolhiam
as opções, já que você não podia programar. E você só podia fazer o que ELES
permitissem – os ungidos desenvolvedores oficiais.
Esse novo tipo de aplicativo foi uma prisão, ou talvez devamos dizer um cur-
ral. Primeiro você está em UM curral, um primeiro aplicativo, depois eles o levam
de ônibus para OUTRO curral, com outro conjunto de regras – um segundo apli-
cativo. Você pode transferir alguns dos seus dados entre esses aplicativos, mas
não serão a mesma coisa. O amplo controle dos eventos que os programadores
têm é negado aos usuários.
O mundo atual dos computadores, arbitrariamente construído, também se
baseia na simulação de papel, ou WYSIWYG [sigla inglesa para “O que você vê é o
que você recebe”]. É aí que estamos empacados no modelo atual, em que a maio-
ria dos softwares parece ser mapeada em papel. (WYSIWYG geralmente significa
que você receberá o que vê quando IMPRIMIR.) Em outras palavras, o papel é o
coração da maioria dos conceitos de software atuais.
Esse também foi um legado chave da Xerox PARC. Os caras da PARC ganharam
muitos pontos da direção da Xerox ao fazer o “documento eletrônico” IMITAR O
PAPEL – em vez de ampliá-lo para incluir e mostrar todas as conexões, possibi-
lidades, variações, parênteses, condicionantes que estão na mente do autor ou
do orador; em vez de apresentar todos os detalhes que o repórter enfrenta antes
de cozinhá-los.
Uma parte disso também foi a abordagem dos “tekkies” ao comportamento
do software. A simulação de papel funcionava bem com a abordagem tekkie. Mui-
tos tekkies têm uma abordagem retangular e fechada das coisas que para outros
pode parecer desajeitada, obtusa, anal.
A visão tekkie é geralmente a mentalidade do trabalhador braçal: primeiro
você faz este serviço, depois faz aquele serviço, tudo o que lhe mandarem; os
parâmetros são dados e não mudam; e quando você termina o trabalho que lhe
atribuíram, passa para o próximo trabalho da lista. Nenhuma dessas restrições
tem a ver com o tipo de criatividade que os escritores buscam. Mas a maioria dos
tekkies não entende de escrita, ou de palavras.
Os tekkies não sabem escolher a palavra certa, ou o nome certo. Eles pare-
cem pensar que qualquer nome serve; e aquilo que o usuário escolher o limitará
para sempre. Essa torna-se a Natureza dos Computadores. Supostamente.
Uma das consequências é o software para escritório – incrivelmente desa-
jeitado, com operações lentas e pedestres. Pense em quanto tempo demora para
abrir e dar nome a um arquivo e um novo diretório. Enquanto isso, o software de
videogame é ágil, rápido, vivo.
LIBERTANDO-SE DA PRISÃO
Por que isso acontece? Muito simples. Os caras que criam videogames gostam de
jogar videogames. Enquanto ninguém que cria software para escritório parece
se importar em usá-lo, quanto menos pretende usá-lo em grande velocidade.
Não estou falando das “interfaces”. Assim que você concorda em falar sobre
a “interface” de alguma coisa já aceitou sua estrutura conceitual. Estou falando
de algo mais profundo – novas estruturas conceituais que não são mapeadas em
papel, não são divididas em hierarquias.
O mesmo vale para as “metáforas”, no sentido de comparações com objetos
familiares como mesas de trabalho e cestos de lixo. Assim que você traça uma
comparação com algo conhecido, é atraído para essa comparação – e fica preso à
semelhança. Enquanto se você entrar no projeto de formas livres – virtualidades
livres, digamos –, não fica preso a essas comparações.
Houve alguns poucos ambientes que eram abstratos e completamente dife-
rentes de papel. O Canon Cat de Raskin, o HyperCard (em sua época). Meu espaço
abstrato preferido é o jogo Tempest, de Dave Theurer, que não parecia com nada
que você já viu.
172
Agora considere a World Wide Web. Apesar de alguns de nós estarmos falando
173
em hipertexto em escala planetária há anos, ela surgiu como um choque quase
generalizado. Poucos notaram que ela diluía e simplificava a ideia do hipertexto.
O hipertexto, como foi repentinamente adaptado para a internet por Ber-
ners-Lee e depois Andreessen, ainda é o modelo do papel! De suas longas folhas
retangulares, adequadamente chamadas de “páginas”, só se pode escapar por
links de mão única. Não pode haver anotações à margem. Não pode haver no-
tas (pelo menos não na estrutura profunda). A web é a mesma prisão de quatro
paredes do papel que o Mac e o Windows PC, com a menor concessão possível
à escrita não-sequencial (“escrita não-sequencial” foi minha definição original
de hipertexto em 1965) que um chauvinista da sequência-e-hierarquia poderia
ter feito. Enquanto o Projeto Xanadu, nosso plano original que foi derrotado
pela web, baseava-se amplamente em links de mão dupla, por meio dos quais
qualquer pessoa poderia anotar qualquer coisa. (E pelos quais os pensamentos
podiam se ramificar lateralmente sem bater nas paredes.)
Ainda mais estranho é o conceito de “browser” [folheador” em inglês]. Pense
nisso – uma visão serial de um universo paralelo! Tentar compreender a estrutura
em grande escala de páginas da web interligadas é como tentar olhar para o céu
à noite (pelo menos nos lugares onde as estrelas ainda são visíveis) através de
um canudo de refrigerante. Mas as pessoas estão habituadas a esse “browser”
sequencial; hoje ele parece natural; e hoje esse browser talvez seja mais padrão
do que as estruturas que ele vê e os protocolos cambiantes que as mostram.
FILE TEORIA DIGITAL
Sinto uma certa culpa em relação a isso. Acredito que foi em 1968 que apresentei
o projeto completo de Xanadu em duas mãos para um grupo de universidade, e
eles o rejeitaram como “delirante”; então eu o emburreci para links de mão única
e somente uma janela visível. Quando me perguntaram como o usuário navegaria,
sugeri uma pilha recorrível de endereços visitados. Acho que esse emburreci-
mento, através dos vários caminhos de projetos que se imitam, tornou-se o de-
sign geral de hoje, e realmente sinto muito por minha participação nele.
Chega! Está na hora de algo completamente diferente.
Acredito que podemos dobrar uma esquina para um mundo de computadores
com muito mais liberdade e produtividade, com novas estruturas de forma livre,
diferentes do papel. Espero que estas simplifiquem e acelerem muito o serviço
dos trabalhadores da prosa (os que usam texto sem fontes, como autores, advo-
gados, roteiristas de cinema, redatores de discursos, etc.).
Mas devemos derrubar os atuais sistemas de amarras, aos quais muitos
clientes e fabricantes estão ligados.
Devemos derrubar o modelo do papel, com sua prisão de quatro paredes e
buraco de fechadura – os links de mão única.
Finalmente, devemos derrubar a tirania do arquivo – no sentido de pedaços
fixos com nomes definitivos. Embora os arquivos estejam necessariamente em
algum nível, os usuários não precisam vê-los, e muito menos precisam dar a
seus projetos nomes e localizações imutáveis. A criatividade humana é fluida,
sobreposta, entremeada, e os projetos criativos muitas vezes ultrapassam suas
margens. (Vale a pena lembrar que King Kong começou como um documentário
sobre a caça de gorilas.)
É possível que toda a indústria dos computadores seja um bando de im-
peradores nus? A indústria de software tem um enorme investimento nessa
prisão atual. Assim como os “usuários experientes” das “ferramentas de pro-
dutividade” de hoje.
Mas os novos usuários de amanhã, não.
LIBERTANDO-SE DA PRISÃO
Sobre o Autor
Theodor Holm Nelson, PhD é designer fundador do Project Xanadu® (o projeto original do
hipertexto), desde 1960. Bolsista visitante, Oxford Internet Institute, Universidade de Oxford, UK.
Professor visitante, Universidade de Southampton, UK. Membro do conselho do McLuhan Program,
Universidade de Toronto, Canadá. Mais conhecido por cunhar os termos “hipertexto” e “hipermídia”
(publicados em 1965) e perseguir a visão mundial do hipertexto desde o início dos anos 1960.
174
175
Estudos do
sof tware
Noah Wardrip-
-Fruin
teoria
digital
estudo
design
base
lógica
FILE TEORIA DIGITAL
sibilidade para meu próximo livro, Expressive Processing, que eu vejo como um 1. Em 2003
exemplo de estudos do software. Matthew
Kirschenbaum
apresentou sua
própria expansão do
Processamento Expressivo termo de Manovich,
influenciada
pelo passado de
Sou atraído pelos estudos do software em parte porque eles reúnem correntes Kirschenbaum na
de trabalho em ciência da computação, humanidades, ciências sociais e artes. bibliografia (o estudo
dos livros como
Na ciência da computação há uma longa tradição de pessoas que veem seu tra- objetos físicos)
balho em software em termos de cultura – desde a “programação letrada” de e crítica textual
Don Knuth até as “práticas técnicas críticas” de Phil Agre. De maneira seme- (a reconstrução
e representação
lhante, em outros campos há aqueles que sentiram a necessidade de abordar de textos de
as especificidades do software em sua pesquisa e criação em áreas que vão de diversas versões
jogos de computador a software-arte ou organização de firmas multinacionais. e testemunhas).
Kirschenbaum
Meu próximo livro, Expressive Processing, se concentra em estudos do software afirmou que em um
para mídia digital. Eu uso o termo “processamento expressivo” para indicar duas campo de estudos
importantes questões críticas. do software - em
178
oposição ao campo
Primeiro, “processamento expressivo” abrange o fato de que os processos precoce e bastante 179
internos da mídia digital são artefatos projetados, como edifícios, sistemas de frouxo de "novas
transporte ou tocadores de música. Assim como outros mecanismos projetados, mídias" - "a utilização
de termos críticos
os processos podem ser vistos em termos de sua eficiência, sua estética, seus como 'virtualmente'
pontos fracos ou sua (in)adequação para determinados fins. Seu projeto pode deve ser equilibrada
ser típico ou incomum para sua era e contexto. As partes e sua disposição podem por um compromisso
com a meticulosa
expressar semelhança com, e pontos de divergência de, movimentos de design pesquisa documental
e escolas de pensamento. Eles podem ser progressivamente redesenhados, para recuperar
reobjetivados ou usados como base para novos sistemas – por seus criadores e estabilizar os
vestígios materiais".
originais ou outros –, enquanto mantêm vestígios e características de suas fi- O livro Mechanisms
nalidades anteriores. de Kirschenbaum fez
Segundo, ao contrário de muitos outros mecanismos projetados, os proces- valer essa afirmação
este ano, que também
sos da mídia digital operam sobre, e em termos de, elementos e estruturas de viu a publicação do
significado humano. Por exemplo, um sistema de processamento de linguagem primeiro volume
natural (para compreender e gerar linguagem humana) expressa uma filosofia editado sobre o
campo, Software
em miniatura da língua em seu universo de interpretação ou expressão. Quan- Studies: A Lexicon.
do esse sistema é incorporado a uma obra de mídia digital – como uma ficção
interativa –, suas estruturas e operações são invocadas sempre que a obra é ex-
perimentada. Essa invocação seleciona uma determinada constelação dentre o
universo de possibilidades do sistema. Em um sistema de geração de linguagem
natural, pode ser uma determinada frase a ser mostrada à platéia na saída do
FILE TEORIA DIGITAL
Sobre o Autor
Noah Wardrip-Fruin é Professor assistente do Estúdio de Inteligência Expressiva, Departamento de
Ciência da Computação, Universidade da Califórnia em Santa Cruz.
180
181
Estudos do
sof tware
Lev Manovich
teoria
digital
existência
internet
computação
software
FILE TEORIA DIGITAL
O software continua
invisível para a maioria
dos acadêmicos, artistas
e profissionais de cultura
interessados em TI e
suas consequências
culturais e sociais. 186
187
FILE TEORIA DIGITAL
tigos e conferências, mas até onde eu sei não houve um estudo extenso sobre
qualquer, desses assuntos. Muitas vezes livros de arquitetura, animação gráfica,
design gráfico e outros campos de design discutem rapidamente a importância
das ferramentas de software para permitir novas possibilidades e oportunida-
des, mas essas discussões geralmente não são levadas adiante.
Sobre o Autor
Lev Manovich é autor de Soft Cinema: Navigating the Database (The MIT Press, 2005), Black
Box - White Cube (Merve Verlag Berlin, 2005) e The Language of New Media (The MIT Press, 2001).
Manovich é professor no Departamento de Artes Visuais da Universidade da Califórnia em San
Diego, diretor da Software Studies Initiative no California Institute for Telecommunications and
Information Technology (Calit2) e pesquisador convidado no Goldsmith College (Londres) e no
College of Fine Arts, Universidade de Nova Gales do Sul (Sydney).
194
195
OS FINS
DOS MEIOS
CÍCERO INÁCIO
DA SILVA
teoria
digital
linguagem
meio
ambiente
informação
FILE TEORIA DIGITAL
Nesse sentido, convém adotar uma postura de observação atenta para os mo-
vimentos que analisam as formas e que se prendem aos detalhes dos sentidos,
dos querer-dizer que se fazem presentes nas afirmações mais rígidas dos vigi-
lantes (aproveitando a polissemia do termo) dos significados dos significantes.
Rígidos, solipsistas e constrangedores, os conceitos fechados das teorias
da interpretação que se dizem verdadeiras formaram, durante muito tempo,
toda uma tradição de pensadores. A própria concepção teórica de existir uma
possibilidade de algo ser informado, ou mesmo comunicado, só foi possível
depois de uma série de rígidas normas que solidificaram toda uma tradição e
que deram garantias aos detendores do saber que sabe de se sobreporem, até
institucionalmente, aos parasitismos e desvios dos discursos e comunicações
estruturadas nas e pelas normas.
Partindo dessas conclusões, proponho uma outra condição para os resulta-
dos que essa cultura da desmaterialização, da desestabilização, da dissemina-
ção, trouxe às nossas mais arraigadas manifestações como sujeitos: a impossi-
bilidade de algo ser tomado como meio.
Quando surgiram as mais variadas formas de objetos que continham e que
apresentavam fenomenologicamente uma imagem e um som, fomos tomados por
uma ideia, colada na ordem anterior (a da escrita), de que aquilo que ouvíamos,
ou que olhávamos, nada mais era do que somente um “suporte” para toda uma
série de coisas que produziriam sentidos. E que estes sentidos seriam produzi-
dos no início de tudo, ou seja, na própria “mensagem” que seria transmitida.
A partir desse momento, a associação (para não dizer apropriação) com a ló-
gica da escrita é gritante e, por mais infeliz que seja, continua valendo até hoje.
Nesse processo, ficou soterrada toda uma análise do sujeito diante do dispo-
sitivo que emitia o som e a imagem. Esse momento que poderia ser lido como
uma mudança radical na cultura, introduzindo novos elementos dentro do espaço
do indivíduo e, modificando essa forma de ver o próprio espaço através de uma
maneira identificatória, foi subtraída pelos discursos que eram vigentes (volto a
insistir: a lógica da escrita) através principalmente de MacLuhan. Ao tentar pro-
por o signo como representante de si mesmo, remete mais uma vez à construção
da metáfora como síntese do sentido e, nesse intervalo, deixou a impressão de
que a identificação do sujeito não se dá por uma linguagem, e sim por uma re-
presentação que dela podemos ter. O equívoco consistiu em creditar seus signos
como objetos de sentido, e, assim sendo, não mais viu (no sentido perceptivo, não
visual) que toda a sua concepção escritural trouxe consigo a noção de presença a
si de uma mensagem, descolando o meio do que seria meramente a comunicação
como um efeito, e nada mais, de uma cultura centrada na palavra (logos).
OS FINS DOS MEIOS
muito cuidado com essa palavra) e a coloca diante de um impasse, talvez sem
resolução, a não ser abandonando-a conceitualmente a longo prazo e a locali-
zando (para não ir tão rápido e propor sua substituição e deslocamento pelo
significante linguagem) no interior do conceito de linguagem.
Pensar numa forma de cultura que se aproprie da ideia de que é indecidí-
vel a concepção de traço originário, é marcar um espaço de diferença radical,
que, antecipo aqui, pode ser pensada com a digitalização das linguagens. Tentar
construir uma cultura que se intitule, nesse sentido, digital, ressoa como con-
traditório, visto que o próprio conceito de cultura, em certo sentido, é ainda
preso aos traços supostamente físicos e legíveis de uma hipótese substancial-
mente vinculada à presença.
Portanto, as linguagens digitais operam outras vertentes e não se ligam,
tão diretamente, aos pressupostos conceituais anteriormente decodificados,
tais como cultura, interpretação, escrita e “deixar para esse novo conceito o ve-
lho nome de escrita é manter a estrutura de enxerto, a passagem e a aderência
indispensável a uma intervenção efetiva no campo histórico constituído. É dar
tudo o que se representa, nas operações de desconstrução, a oportunidade e a
força, o poder de comunicação (...) a escrita, se existe, talvez comunique, mas
não existe certamente.” (Derrida, 1991).
Sobre o Autor
Cícero Inácio da Silva é professor da Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do grupo de Software Studies no Brasil.
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203
PARTE 3
TEORIA
A expansão, a
resolução, a
definição e a
fidelidade do
cinema
DIGITAL
A Hiper-
-Cinematividade
Ricardo
Barreto
teoria
digital
cinema
expansão
linearidade
experimentação
FILE TEORIA DIGITAL
Se o cinema tradicional
é um rio de clichês sob
a atual hegemonia
hollywoodiana, então a
Hiper-Cinematividade é um
oceano a ser descoberto e
explorado.
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209
FILE TEORIA DIGITAL
Sobre o Autor
Ricardo Barreto é artista e filósofo. Atuante no universo cultural trabalha com performances,
instalações e vídeos e se dedica ao mundo digital desde a década de 90. Co-fundador e
co-organizador do FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
digital
interface
filme
efeito
tela
FILE TEORIA DIGITAL
Estou habituado a voar pelo mundo inteiro para obter as visões mais incríveis e
inspiradoras do futuro – ou pelo menos a parte do futuro que me interessa pro-
fissionalmente: a parte em que computadores, cultura visual e arte se cruzam.
Mas com a fundação do Instituto de Telecomunicações e Tecnologia da Informa-
ção da Califórnia (Calit2) em meu próprio campus – Universidade da Califórnia
em San Diego (UCSD) –, cada vez menos eu preciso viajar para outros lugares.
É claro que minha universidade – recentemente citada pela Newsweek como “o
campus de ciência mais quente dos EUA” –, além de ser, segundo o Instituto de
Informação Científica, considerada a terceira melhor do mundo “em termos de
seu impacto de citações em ciência e ciência social”, sempre teve muitas pales-
tras e demonstrações de vanguarda, quase todas as semanas. Mas com frequ-
ência elas foram sobre campos da ciência que não afetam diretamente meus
interesses profissionais. No entanto, como a agenda de pesquisa da Calit2 inclui
esforços significativos em computação da próxima geração, redes, tecnologias
de exibição, visualização, computação gráfica e visão computadorizada – assim
como artes de novas mídias –, a fundação da Calit2 me afetou diretamente.
Eu ainda viajo muito, dando a volta ao mundo pelo menos uma vez por ano,
de modo que posso ver com meus próprios olhos a marcha impiedosa da globa-
lização e as diversas novas formas culturais que ela provoca. Eu mergulho na
densa ecologia cultural e na energia criativa das cidades européias tradicionais,
e converso com novas gerações de artistas digitais em lugares como China e
Índia. Mas para compreender o futuro das tecnologias de imagens, visualiza-
ção e comunicação visual não preciso mais sair do meu próprio campus, pois os
componentes chaves desse futuro estão sendo imaginados e construídos aqui
mesmo em San Diego.
Calit2 é o maior instituto de pesquisa de TI nos EUA, abrigando em sua ocu-
pação plena cerca de 900 pesquisadores, estudantes de graduação, pós-douto-
randos e funcionários em seu novo prédio. Seus pesquisadores ganharam mui-
tos prêmios na maioria dos campos da ciência, mas o que é crucial – pelo menos
na minha opinião – para o sucesso e o impacto já visíveis do instituto, é a visão
ampla e de longo alcance de seu líder, Larry Smarr. Essa visão é bastante original
em uma comunidade científica. Larry realmente compreende a importância das
novas formas de comunicação visual para o avanço da ciência. Ele tem um his-
tórico de liderança, ou de intenso envolvimento, em diversos projetos pioneiros
no cruzamento de imagética, computação e redes de informática: trabalhou com
membros do Laboratório de Visualização Eletrônica da Universidade de Illinois
em Chicago, que projetou o CAVE (o sistema de exibição de realidade virtual mais
usado atualmente); financiou, no início da década de 1990, os estudantes que
EFEITOS DE ESCALA
Projeção 4K
movimento – mas em nosso caso era o movimento da informação por fibra óptica
através do oceano. Mas também tive a sensação de que estávamos revisitando
a apresentação dos Lumière feita 110 anos antes de uma maneira mais direta.
Pela primeira vez vimos imagens panorâmicas altamente detalhadas e nítidas –
até hoje só encontradas em fotografias estáticas – de repente ganharem vida.
Experimentamos o Moving Pictures v2.0.
Assistir ao filme curto de um diretor japonês que começa a explorar as pos-
sibilidades estéticas do vídeo digital 4K em relação à iluminação, composição
e narrativa, eu me perguntei se as imagens límpidas, superclaras e poéticas do
vídeo digital 4K podem se relacionar a qualquer tradição visual do passado. Sur-
preendentemente, se o vídeo normal achata o mundo, tornando-o prosaico e até
banal, o vídeo digital 4K cria o efeito contrário: até os objetos mais prosaicos
e entediantes, superfícies planas, adquirem uma qualidade preciosa quando a
luz captada e refletida por suas microtexturas se torna visível. O efeito é como
ver o mundo pela primeira vez, depois que ele foi lavado pela chuva. A compara-
ção que me vem à mente é com as pinturas holandesas do século XVII: retratos,
naturezas-mortas e interiores. Como analisou a historiadora da arte Svetlana
Alpers em seu influente livro The Art of Describing (A arte de descrever), em
comparação com os pintores renascentistas italianos que recriaram em seus
quadros a suave luz italiana que esconde os detalhes e atenua as formas, seus
colegas holandeses se deliciaram em apresentar todos os detalhes e reproduzir
cuidadosamente as diferentes superfícies, texturas e efeitos de luz. Nas mãos
certas, o vídeo digital 4K parece capaz de criar uma representação semelhante
do mundo. Ele alcança o efeito poético não por esconder os detalhes na sombra
ou na neblina, mas sim por mostrá-los todos – e deixar que nossos olhos se
deliciem ao comparar os diferentes padrões e texturas.
Temo que os mais de 400 cientistas que participaram da conferência iGrid
e os criadores do Grid fiquem descontentes comigo. Eles podem pensar: por
que ele fala tanto sobre a qualidade visual das imagens que viu, e não do que
são provavelmente os usos mais importantes da computação em Grid do pon-
to de vista do trabalho científico coitidiano – análise colaborativa de dados de
objetos muito grandes; controle interativo de simulações de supercomputado-
res remotos; visualização de grandes conjuntos de dados distribuídos; e assim
por diante.
No entanto, quando a infra-estrutura do Grid se tornar disponível para as
indústrias de arte e entretenimento, as novas qualidades visuais de imagens
supergrandes, juntamente com grandes telas do tamanho de paredes e a capa-
cidade de receber essas imagens instantaneamente de lugares distantes, terão
EFEITOS DE ESCALA
Sobre o Autor
Lev Manovich é autor de Soft Cinema: Navigating the Database (The MIT Press, 2005), Black Box
– White Cube (Merve Verlag Berlin, 2005) e The Language of New Media (The MIT Press, 2001).
Manovich é professor no Departamento de Artes Visuais da Universidade da Califórnia em San
Diego, diretor da Software Studies Initiative no California Institute for Telecommunications and
Information Technology (Calit2) e pesquisador convidado no Goldsmith College (Londres) e no
College of Fine Arts, Universidade de Nova Gales do Sul (Sydney).
220
221
Oito milhões
de pixels
em imagens
de quatro
quilates: 4K
Jane de Almeida
teoria
digital
percepção
movimento
imagem
definição
FILE TEORIA DIGITAL
Quando uma tecnologia nova é produzida, é preciso muito cuidado e carinho para
apresentá-la. No princípio do cinema, os irmãos Lumière acabaram por decretar
sua morte no próprio nascimento, afirmando que o cinema seria uma invenção
sem futuro. No entanto, as primeiras imagens foram cuidadosamente enqua-
dradas, usando telas do impressionismo como referência. Logo que pensou em
encenar esquetes, a família Lumière convocou seus empregados para se juntar
a eles e representar um Cézanne, Os Jogadores de Cartas (Les joueurs de carte)
documentado em movimento. A Chegada de um Trem à Gare (L’arrivée d’un train
en gare de La Ciotat) é famosa pela lenda de ter causado pânico nas pessoas, que
teriam se assustado com a real possibilidade da chegada de um trem. Mesmo
que não tenha acontecido dessa forma, a platéia realmente ficou deslumbrada e
os irmãos Lumière sabiam que teriam sucesso com o efeito de colocar a câmera
bem perto da plataforma, esperando a chegada do trem. Além de filmes caseiros
e comédias, exploraram vivamente figuras em movimento, como o muro caindo
e sendo “reconstruído” em efeito reverso – Démolition d’un Mur – ou A Fumaça
dos Ferreiros em Le Forgeron.
Cento e dez anos depois, a tecnologia digital sonha mais uma vez em subs-
tituir o cinema, agora com a potência de uma projeção com a resolução de mais
de 8 milhões de pixels por quadro. Recentemente, a resolução 4k foi estabele-
cida como a imagem padrão do cinema digital recomendada pela DCI (Digital
Cinema Initiatives), uma associação dos sete maiores estúdios de Hollywood. 4k
refere-se ao número de pixels horizontais, 4.096 (multiplicados por 2.160 pixels
verticais, gerando 8.847.360 pixels). Trata-se de uma imagem quatro vezes mais
definida que a HD e 24 vezes mais definida que a da televisão tradicional.
Mas que cenas, que enquadramentos, que tipo de imagem inaugura esse ci-
nema? A princípio, uma imagem incrivelmente nítida, com cores e detalhes ví-
vidos, brilhos intensos e impressionante transparência. Uma imagem em que
se veem detalhes do fundo com a nitidez de um plano próximo. Esse efeito de
trompe-l’oeil dos Lumière – ou de Masaccio na sua tela Santíssima Trindade em
Santa Maria Novella, que produzia um efeito de gruta com uma tela bidimensio-
nal em 1427 – também pode ser visto na produção holandesa da ópera Era La
Notte, transmitida ao vivo de Amsterdã para San Diego em 2007. Para ampliar
seu efeito de realidade, a ópera foi parcialmente filmada com uma fileira de ca-
deiras enquadrada na parte inferior da tela, aumentando a impressão de que a
ópera acontecia ali, a algumas fileiras de onde estamos sentados.
OITO MILHÕES DE PIXELS EM IMAGENS DE QUATRO QUILATES: 4K
imensidão colorida de Veronese. Seria uma expressão de uma paixão pelo te-
souro veneziano colocado em posição de merecer a fama de Monalisa? Ou, pelo
contrário, uma espécie de apelo hegeliano, tentando evidenciar que os esforços
dos recursos do gigantesco e do brilhante não valem o milagre da pequena e
pouco translúcida Monalisa? De acordo com o provérbio, nem tudo o que brilha é
ouro – o velho ditado sobre as aparências e as essências.
Contudo, o fato de provocar justamente esse contraste resulta em um efeito
de dobra, em uma ambiguidade da imagem. De um lado, a bela imagem que ape-
sar de sedutora e gigante é relativamente pouco conhecida, inclusive desprezada
como uma imagem “menor”. Do outro lado, a imagem pequena, quase monocolor,
que necessita de tempo e conhecimento para sua completa fruição, é uma das
imagens mais conhecidas do mundo, tratada como celebridade. Como negociar
mentalmente com as duas imagens, aceitando a magnitude de cada uma delas?
Brilhos e transparências
Podemos verificar as
texturas e minúcias dos
objetos, perceber os
contornos dos rostos na
multidão de veste branca.
226
227
FILE TEORIA DIGITAL
Primeiros filmes
pelo autor chamado em uma imitação infantil, ávida de realismo emocional, resultando em um efeito
de “demônio das demoníaco que persegue as imagens geradas pelos computadores: a compara-
comparações”. Rizal
descreve sua volta ção com a realidade.
para Manila depois Assim como a metáfora usada por Benedict Anderson, “o demônio das
de longo tempo na comparações” 2 – para falar de um contexto cultural em que as colônias estariam
Europa e observa que,
ao olhar os jardins de sempre fadadas a ser comparadas às metrópoles –, esta tentativa desesperada
sua terra natal, eles de reproduzir continuamente a realidade é também a queda sem anteparo para
são “maquinalmente” o kitsch. Muito já foi feito em termos de imaginação com o kitsch, que não é mais
obscurecidos, de
forma assombrosa um elemento ingênuo de categoria inferior. Porém, a perda da ingenuidade torna
e inescapável, pelas o produto ainda mais ideologicamente comprometido com a demanda imediata
imagens dos jardins de satisfação, sem reflexão sobre a imagem projetada e o meio que a projeta.
da Europa, não
permitindo nunca Quanto mais próxima do real, maior a queda na imagem facilmente forjada
mais a proximidade que ambiciona inutilmente ser a realidade. E, com uma definição como a do 4K,
de um olhar tornam-se imagens escorregadias que não cabem nos nossos olhos, vazam para
ingênuo. Tomado
pelo “demônio das a boca, para o nariz, se esparramam em nossas faces. Esse, aliás, tem sido um
comparações”, ponto escuso das altas e altíssimas definições: se o fundo é tão definido quanto
ele sempre verá a figura, o que se pode ver? Como trabalhar com o foco com uma projeção em
esses jardins de
perto e de longe que os elementos estão em sua maioria em foco? Que espécie de método se deve
simultaneamente, empregar para obter que tipo de imagem?
como em um Evidentemente, esse sentimento irônico tem a ver com a realidade ainda
telescópio invertido,
e esse espectro desconhecida da nova imagem. Trata-se de uma tentativa de lidar com a insta-
acompanhará todo bilidade da nova tecnologia. Por exemplo, se a imagem que construímos de nós
o movimento das se refere à experiência que temos da nossa realidade, que tipo de seres somos
colônias em relação
às metrópoles. nós na atualidade?
Em The Spectre Após a sessão de filmes, três agentes imobiliários foram à nossa casa foto-
of Comparisons: grafar o apartamento que alugamos para colocá-lo à venda – dois homens e uma
Nationalism,
Southeast Asia and mulher, loiros californianos, sapatos de verniz, com suas peles queimadas de um
the World. bronze brilhante. Sempre pensei nas lentes azuis dos filmes hollywoodianos dos
Londres/ Nova York, anos 80 como uma artificialidade, até conhecer o céu azul do pôr-do-sol de Los
Verso, 1998.
Angeles. Aquelas peles de plástico já estão preparadas para a projeção 4k. Assim
como os pisos de granito dos shopping centers, os lustres de cristal dos lobbies
dos hotéis, os prédios esculpidos em vidro das grandes cidades. Nossa imagem,
juntamente com o reflexo dela em nós, se prepara para ser triplicada. Também os
apelos baratos. Também mistério, imagens complexas e surpreendentes.
OITO MILHÕES DE PIXELS EM IMAGENS DE QUATRO QUILATES: 4K
Sobre a Autora
Jane de Almeida é pesquisadora de cinema e arte contemporânea, curadora de mostras de filmes
e arte visuais. Publicou Alexander Kluge: O Quinto Ato (Cosac & Naify, 2007), Grupo Dziga Vertov
(Witz /CCBB, 2005), entre outros. É Professora do programa de Mestrado e Doutorado EAHC
na Universidade Mackenzie. Foi Visiting Fellow da Harvard University (2005) e Professora do
departamento de Artes Visuais da Universidade da Califórnia de San Diego (2008).
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231
Why Fi?
Fidelidade
4K na cidade
escalonável
Sheldon Brown
teoria
digital
real
instalação
possibilidade
visual
FILE TEORIA DIGITAL
de jogos existentes. Foram feitos alguns jogos (como Unreal) que oferecem a
capacidade de substituir itens contidos no jogo por modificações criadas pelo
usuário (“mods”). Diversos jogos da corrente dominante foram feitos com essa
abordagem (por exemplo, Counterstrike, um mod feito pelo usuário derivado do
título comercial Half-Life), e diversos artistas também têm utilizado essa abor-
dagem. Outras reescrituras de textos de jogos adotam a abordagem oposta –
usar os itens dos jogos e passá-los para uma forma descontextualizada. Ambas
essas abordagens subvertem uma inter-relação entre o visual e o estrutural nos
jogos de computador. As estratégias de ou mapear um novo discurso na estrutu-
ra de um existente (como em mods) ou isolar componentes visuais oferecem uma
oportunidade de expor e trazer para o primeiro plano as estruturas e formas das
obras originais. No entanto, essas estratégias não oferecem uma consideração
da forma assumida em sua própria complexidade sintética.
The Scalable City se desenvolveu como um projeto com o objetivo geral e de
longo prazo de desenvolver um mundo online duradouro para multiusuários. No
início, foi concebido como um desenvolvimento que duraria vários anos. É mais
ou menos o mesmo tempo que um videogame completo leva para ser criado, e
pelos mesmos motivos: exige um período de trabalho administrado para se criar
programas com a complexidade de um videogame contemporâneo. Além disso,
o projeto The Scalable City teve muitos objetivos em seu desenvolvimento. Os
interesses atuais são os avanços tecnológicos provocados pelos interesses ar-
tísticos que motivaram o trabalho inicialmente. Isto coloca aspectos do projeto
no reino da pesquisa de ciência da computação, e na verdade o projeto obtém 236
a maior parte de seu apoio financeiro dessa atividade de pesquisa. O espaço 237
de tempo também significava que o projeto desenvolveria iterativamente suas
formas estética e conceitual, e o faria através da constante realização de formas
derivativas e incrementais de produção. Em cada etapa, a interação das percep-
ções dos usuários, as qualidades dos itens e as operações dos algoritmos foram
os pontos críticos do trabalho.
A produção material inicial do projeto foi uma série de impressões digitais.
Por meio dessas impressões, desenvolveu-se parte do vocabulário estético do
projeto, assim como se definiram papéis complexos para o espectador na obra,
pois as impressões conotam uma experiência interativa. Essa interatividade na
obra é obtida pela provocação do espectador para que mude suas estruturas
espaciais com referência à impressão. As impressões têm uma resistência com-
posicional deliberada ao plano pictórico perspectivista. Uma razão disso é que
essas impressões se originam de fotos de satélite. Essas imagens sem horizonte
e sem sujeito não são retratos nem paisagens na tradição pictórica ocidental.
FILE TEORIA DIGITAL
Não são janelas para um mundo, mas uma visão onisciente desestabilizada de
seu eixo. Esse movimento da imagem do solo sob nossos pés para o espaço
vertical da parede é uma reconstrução espacial vertiginosa para o espectador.
Esta é acompanhada de vários graus de abstração e exageros padronizados do
conteúdo da imagem. A imagem-fonte é transformada por técnicas algorítmicas
simples e aparentes, mas que rapidamente chamam a atenção para as estranhas
colisões culturais/naturais que ocorrem no original. A composição as desmoro-
na ao redor de um centro e as recorta na borda da moldura. Essa técnica envolve
o olhar, ocupando o campo visual central enquanto as bordas se afastam para
um infinito sugerido. A uma distância em que se pode abranger toda a imagem
há um nível de detalhe de repetição padronizada da comunidade. No entanto, a
comunidade é uma expressão de muitos níveis do sociocultural, e podemos ser
atraídos ainda mais para esses detalhes na imagem, onde o espectador pode
considerar a condição do indivíduo nessa organização especulativa. Esse gesto
move o espectador fisicamente para mais perto da impressão, imergindo sua vi-
são ainda mais no campo, enfatizando os gestos desestabilizadores que exigem
sua construção como um usuário mais sofisticado espacialmente. As impressões
exigem uma fidelidade em que o espectador possa ter essa multiplicidade de
relações espaciais. As impressões também sugerem uma multiplicidade de re-
sultados. Elas são apenas uma instância de um sistema algorítmico.
Esgotar as possibilidades desses primeiros algoritmos produz animações.
As impressões tornam-se momentos das animações que têm uma ressonância
particular. As animações iniciais não provocam as mesmas interações espaciais
das impressões; provocam uma percepção de tempo-movimento. As impressões
são no entanto muito mais interativas que as animações. As impressões per-
mitem que o espectador navegue a transformação da imagem através de seus
próprios movimentos corporais; as animações têm um jogo temporal deliberado,
com um script que desafia o tempo de mídia mais convencional. A mudança é
às vezes quase imperceptível e, em outras, aparentemente muito rápidas. As
imagens mudam de um grau de abstração que causaria inveja a Greenburg para
as imagens de satélite estranhamente familiares.
Depois dessas animações processuais, os algoritmos são colocados em ação
em um novo espaço simulado: o espaço do campo de jogo. No entanto, o processo
de desenvolvimento em si tem de acompanhar os interesses do trabalho, e o
meio cinemático torna-se mais viável para o desenvolvimento que o jogo intera-
tivo. São produzidos pequenos filmes que utilizam bancos de dados e algoritmos
comuns. Os filmes são renderizados offline, retirando as pressões do interativo.
A estrutura linear narra a inter-relação de dados e algoritmos, que tem simulta-
neidade no ambiente de jogo onde é desempacotado por diversas ações.
WHY FI? FIDELIDADE 4K NA CIDADE ESCALONÁVEL
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FILE TEORIA DIGITAL
Sobre o Autor
Sheldon Brown é Diretor do Centro de Pesquisa em Computação e Artes da UCSD, é professor de
artes visuais e fundador da área de artes em novas mídias no California Institute of Information
Technologies and Telecommunications.
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PARTE 4
TEORIA
“Mundo-de-
-brincadeira-
-mundo-de-não-
-brincadeira”:
O Jogar
DIGITAL
Brincando e
jogando:
Reflexões e
classificações1
Bo Kampmann
Walther
teoria
digital
jogo
sistema
significado
complexidade
FILE TEORIA DIGITAL
Introdução
1. Agradeço a Jason Este artigo pretende esclarecer as distinções entre brincar e jogar. Embora exis-
Rutter, Graeme ta a tendência a considerá-los tipos de lazer semelhantes, acredito que haja
Kirkpatrick e Lars
Qvortrup por importantes diferenças ontológicas e epistemológicas. O que é uma brincadei-
seus generosos ra? E o que é um jogo? São questões ontológicas porque lidam com estrutura
comentários sobre um e formalismos. Uma breve definição: brincadeiras são um território aberto em
esboço anterior
deste artigo. que o faz-de-conta e a construção de mundos são fatores cruciais. Jogos são
áreas confinadas que desafiam a interpretação e a otimização de regras e táti-
cas – para não falar em tempo e espaço. Além disso, há questões que enfocam
a dinâmica de brincar e jogar. Estas pertencem a uma agenda epistemológica.
Seguindo essa última linha, farei a distinção entre “modo de brincar” e “modo de
jogar”. O segredo é ver o jogo como algo que ocorre em um nível mais elevado,
estruturalmente assim como temporalmente. Tratando-se de brincar, a insta-
lação da forma da distinção mundo-de-brincadeira/mundo-de-não-brincadeira
deve, performaticamente, realimentar-se durante a brincadeira: continuamente
rearticulando essa distinção formal dentro do mundo-de-brincadeira, de modo
a sustentar a ordem interna do mundo-de-brincadeira. No entanto, no modo de
jogar, essa rearticulação é pressuposta como um encarceramento temporal e es-
pacial que impede que a estrutura de obediência às regras de um jogo se afaste
do alvo. Em outras palavras: jogos não devem ser brincadeiras; mas isso não im-
plica que eles não exijam brincar. Significa, na verdade, que no modo de brincar
a profunda fascinação está na oscilação entre brincar e não brincar, enquanto
o modo de jogar exige capacidades táticas do jogador para manter o equilíbrio
entre um espaço estruturado e um não-estruturado. No modo de brincar, não é
desejável recair na realidade (embora sempre exista esse risco). No modo de
jogar é geralmente uma questão de avançar para o próximo nível e não perder
a visão da estrutura.
Ao longo deste artigo, abordarei ambos os modos mencionados, e o farei
“testando” brincadeiras e jogos à luz de uma estrutura teórica de sistemas. A
relevância de se aplicar esse vocabulário – talvez nada eloquente – é o fato de
que tanto brincar quanto jogar enfrentam complexidade, constroem dinâmicas
estruturais e lidam com formas. Visto dessa maneira, podemos nos libertar
– e isso não tem significado negativo – de qualquer evidência etnográfica ou
etnometodológica. Isto não pretende determinar que toda brincadeira é igual,
seja a de uma criança pequena, de um escolar, de um jogador online ou de um
jogador profissional. Tampouco pretende ignorar as variações entre os chama-
dos “jogos de ganhar ou perder” em que todas as jogadas (em princípio) são
conhecidas pelos jogadores (ou pelo computador) e os “jogos de ‘n’ resultados”,
em que os movimentos e ações não podem ser (somente) decididas pelas re-
BRINCANDO E JOGANDO: REFLEXÕES E CLASSIFICAÇÕES
1. O que há em um jogo?
Man, Play, and Games (1958), do filósofo e cientista social francês Roger Callois,
concentra-se na tipologia dos “jeux”. Callois examina o brincar basicamente
através de suas origens sócio-históricas, e as combina com o sortimento de
classes de jogo e a maneira como eles promovem a dinâmica social. Brincar é
algo que alguém faz; mas também é o nome de uma coisa. Segundo ele, existem
jogos “agon”, que se baseiam em competição ou conflito, como os jogos de dis-
puta e de corrida; jogos “alea”, que se relacionam a sorte ou acaso (por exemplo,
roleta); de “mímica”, que têm a ver com simulação e faz-de-conta, por exemplo,
assumir um papel numa brincadeira infantil; e “ilinx”, que são jogos baseados
na vertigem, como as montanhas-russas. Callois também apresenta uma teoria
da complexidade estrutural dos jogos: “paidea” são jogos livremente (isto é, me-
nos) organizados, enquanto “ludus” significa jogos altamente organizados.
As manobras categóricas podem não ser tão simples, porém, porque elas
surgem diferentemente dependendo do ponto de observação. Quando jogamos o
jogo dinamarquês de matador na primeira pessoa Hitman: Codename 47 (2000),
pode-se dizer, segundo Callois, que precisamos em primeiro lugar “entrar no
personagem”, assumindo um papel preciso – o de um matador –, antes de poder-
mos iniciar a ação dentro do jogo. Claramente, nesta fase, estamos no domínio
do faz-de-conta e do fingimento. Portanto, um jogo exige um estado de espírito
de brincadeira que é algo diferente do jogo específico em questão. Quando es-
tamos “dentro” do jogo e comprometidos com suas regras, padrões de mundo e
assim por diante, Hitman obviamente se apresenta como um jogo baseado em
agon, que desafia as capacidades sensório-motoras e a agilidade de reações do
usuário. Assim, o “fingimento” é prontamente esquecido, embora ainda precon-
dicionado, quando começamos a assassinar mecanicamente. Não devemos dei-
xar de notar aqui o deslocamento temporal: existe o fingimento e depois existe
agon. Eu sou um personagem e jogo de acordo com as regras.
Chegando a essa dicotomia entre o que o jogo exige é o que o jogo contém,
podemos nos reconfortar com as teorias de Mihayl Csikszentmihalyi (1990) e
Gregory Bateson (1972). Enquanto o primeiro usa o termo “fluxo” para apreender
a sensação de oscilar entre o êxtase (que na verdade significa libertar-se) e a
orientação para metas no jogo e em outras atividades socioculturais mais ou
menos extremas, o último nos diz as seguintes coisas importantes: 1) brincar é
paradoxal porque está ao mesmo tempo dentro e fora de nosso espaço semân-
tico social “normal”. 2) brincar é uma metacomunicação que se refere exclusi-
vamente a si mesma, e não a qualquer origem ou receptor externo. O motivo
pelo qual a brincadeira ainda pode ser culturalmente valiosa é que atribui uma
certa função de significado a si mesma. Como tal, a brincadeira pode ser com-
BRINCANDO E JOGANDO: REFLEXÕES E CLASSIFICAÇÕES
Não-brincadeira
e brincadeira são
“realidades”, porque são
produtos de uma distinção,
uma diferença que faz a
diferença.
252
253
FILE TEORIA DIGITAL
2. Ver também Michel enquanto brinca, por isso essa manobra de implicar a negatividade do outro na
Foucault: “Of Other mesmice do sistema é simplesmente uma característica inata da brincadeira. A
Spaces”, in Diacritics,
nº 16, primavera de estrutura básica da brincadeira está em sua capacidade de criar recursos con-
1986. Aqui, Foucault tingentes baseados em distinções que são abertas ao significado. A estrutura
proclama que nossa básica de um jogo adota essa práxis de distinção, mas sua “lei” central é, além
era atual é obcecada
pelo espaço, e que a disso, sua capacidade única de reduzir a complexidade da brincadeira por meio
inquietação moderna de um conjunto de regras bem definidas e inegociáveis. Podem-se discutir táti-
deriva de um espaço cas no xadrez, mas não as regras.
que é facilmente
acessível e no qual
o tempo é nada mais
que a organização 2.1. Limites e restrições iniciais
de elementos
espaciais em grades,
ramificações e Segundo o matemático George Spencer-Brown e suas Laws of Form (1969), um
relações topológicas. universo passa a existir quando um espaço é separado, isto é, quando se faz
uma distinção (Spencer-Brown, 1969).2 O espaço delimitado por qualquer dis-
tinção, juntamente com todo o conteúdo do espaço, é chamado de “a forma da
distinção” (Spencer-Brown, 1969). Assim, uma forma é a distinção incluindo seus
lados marcado e não marcado.
Spencer-Brown afirma ainda que uma distinção é efetuada se e somente se
alguém traçar uma linha que inclua os dados díspares, de modo que um ponto
de um lado da linha não pode ser alcançado sem cruzar a fronteira. Spencer-
-Brown refere-se a isso como “operação de travessia”. Enquanto uma coisa está
dentro, outra coisa está fora. Mas essa “coisa” só pode ser levada em conta ou
pensada no próprio ato da observação, e não enquanto se está realmente fazen-
do (traçando) a distinção (Baecker, 1993). Portanto, é preciso haver uma ação
primordial em jogo, qual seja, a distinção entre operação e observação. No do-
mínio da brincadeira e do jogo, a importância está na possibilidade de verificar
a diferença entre o fato de que existem brincadeiras e jogos e o de que se pode
observar que alguém está brincando ou jogando.
Vamos examinar mais de perto os limites e as restrições interdependentes.
Começaremos examinando a questão lógico-formalista da brincadeira.
No início, fazemos uma distinção. Isso é feito para poder brincar. A certeza
ontológica de um mundo (ou subsistema) comum é suplementada pela informa-
ção obtida ao se traçar uma nova distinção. Assim, um mundo-de-brincadeira é
estabelecido. Sua característica básica é exatamente que ele não é o mundo em
si – o playground pode ter leis próprias – e ao mesmo tempo ele habita esse
mesmo mundo (que ele não é). Em vez de falar sobre “mundos”, e portanto em-
barcar em conceitos de verdade e semântica, seria mais correto e na linha de
BRINCANDO E JOGANDO: REFLEXÕES E CLASSIFICAÇÕES
complexidade complexidade
de 1a ordem de 2a ordem
1a transgressão 2a transgressão
brincadeira jogo
não-brincadeira
modo de jogo
modo de brincadeira
Figura 1.
254
Refiro-me a esse gesto inicial de distinção como a primeira transgressão da 255
brincadeira. Como ilustrado na figura acima, a brincadeira envolve uma com-
plexidade de segunda ordem. Não apenas existe uma complexidade do objeto
em questão, mas além disso devemos levar em conta a complexidade que está
inscrita na própria observação da brincadeira. Um observador complexo observa
a complexidade de suas observações. Essas observações, por sua vez, produzem
novas possibilidades de inscrever a forma da distinção dentro da própria forma.
Passemos agora ao jogo. Aqui, as distinções que orientam a forma de brin-
car não são suficientes. Além disso, observa-se – e reage-se a – os próprios
critérios de um determinado jogo. Pelo menos, é preciso ter consciência desses
critérios para avançar e, preferivelmente, vencer o jogo. Portanto, a organiza-
ção do jogar repousa em uma complexidade de terceira ordem que, em termos
lógico-formalistas, pode ser explicada da seguinte maneira:
FILE TEORIA DIGITAL
2) Em seguida ocorre uma segunda transgressão (ver novamente a Figura 1). Não
apenas a pessoa supera o outro da não-brincadeira para definir o espaço da
brincadeira, como ela também transcende o território aberto de modo a lhe
impor um rígido padrão de dinâmica. A flexibilidade da brincadeira deriva do
fato de que ela é aberta à constante fabricação de regras. A flexibilidade dos
jogos é exatamente que eles são autônomos em relação a regras; são abertos
a táticas. As regras são formas que dirigem uma certa irreversibilidade da es-
trutura: mova-se para a esquerda, em vez da direita, e você está morto! Chegue
à árvore cinco segundos depois e os monstros assumirão o poder (e também o
professor maligno)!
Existe, assim, uma ligação entre a lógica formal e a lógica temporal do brincar
e do jogar. A lógica formal concentra-se nas operações necessárias para obter
BRINCANDO E JOGANDO: REFLEXÕES E CLASSIFICAÇÕES
sistemas complexos em dois níveis, que por sua vez constituem as transgres-
sões que separam brincar de jogar. A lógica temporal nos diz que brincar prece-
de o jogar. Um mundo-de-brincadeira torna-se um ambiente de jogo; um recurso
aberto torna-se uma área curva.
3. Conclusão
desejo muitas vezes experimentado nos jogos é não perder a pista do jogo (e
presença), gameplays que deixam de proteger o “interior” de um jogo do “ex-
terior” da brincadeira podem simplesmente alienar o usuário. Não quero clicar
em uma tela em Blackout; quero sobretudo me comunicar com o jogo no jogo.
De modo semelhante, não quero nenhum telefone tocando aleatoriamente em
Deus Ex – apesar do efeito realista que isso traria à mente –, mas quero que
aquele telefone com aquela mensagem faça o truque para mim. Nesse sentido,
gameplay deveria servir para garantir a circularidade de diferentes ordens de
complexidade sem duvidar de seu próprio faz-de-conta. Jogar não deveria ser
perturbado por brincar. Em vez disso, deveríamos nos preocupar em encontrar a
maneira mais suficiente e interessante de avançar adequadamente. Concluindo,
e parafraseando EA Sports: Se está no jogo, está no jogo.
Sobre o Autor
Bo Kampmann Walther é Professor associado, Ph.D. no Center for Media Studies, Universidade do
Sul da Dinamarca, Dinamarca
260
261
Jogos e Vida:
a emergência
do lúdico na
cibercultura
Fabiano Alves
Onça
teoria
digital
indivíduo
interatividade
sociabilidade
capacidade
FILE TEORIA DIGITAL
1. Gibson, William. Uma boa medida do grau de importância sociológica de um fenômeno é observar
Neuromancer, ed. Ace o número de descrições formuladas pelos acadêmicos para tentar explicá-lo.
Books, 1984, pg. 51
Não por acaso, nesta última década, a presença cada vez mais palpável – embora
2. http://news.bbc. sempre intangível – de um espaço de interação mediado pelos computadores
co.uk/2/hi/science/ e pelas redes telemáticas, comumente denominado ciberespaço, provocou uma
nature/4475394.
stm (acessado em enxurrada de definições da academia.
25.06.2006). Entretanto, a primeira definição de ciberespaço (ou ao menos a mais cultu-
ada delas), provém não dos meios acadêmicos, mas sim da literatura. Em 1984,
numa época em que o uso do computador pessoal ainda engatinhava e a internet
era uma rede telemática restrita aos meios acadêmicos, William Gibson, autor
do clássico de ficção científica Neuromancer1 , descrevia este espaço criado pe-
las comunicações mediadas por computador como:
discussão e outros tipos de ferramentas relacionais, como o Orkut ou LinkedIn. 3. Lemos, André.
Estes indivíduos, ao exercerem determinados laços conviviais, eventualmente Cibercultura. Ed.
Sulina, 2002, pg. 110.
transformam-se em grupos organizados de interesse específico (Reinghold,
1984). Claro, a medida deste sentimento gregário, a qualidade desta relação, a
maneira pela qual cada indivíduo se projeta dentro destes universos culturais e,
num plano mais analítico, qual o significado disso para o estudo sociológico, é
algo que está longe de ter alcançado consenso.
Por exemplo, há autores, notadamente os que encampam as teorias desen-
volvidas por Maffesoli, que enxergam nesta apropriação dos meios digitais um
sinal da sociabilidade pós-moderna, fluida, nômade, efêmera, atrelada a uma
possibilidade orgiástica de viver o presente. Os relacionamentos ali desenvol-
vidos, longe de obedecerem à sobriedade do ethos puritano e racional, estru-
turado em torno de uma consciência monolítica, estariam muito mais focados
no compromisso emocional, no calor do estar-junto à toa, do compartilhar o
momento vivido coletivamente (Maffesoli, 1987). Em suma, esta apropriação do
potencial das novas máquinas seria utilizada para a celebração do presenteísmo
e da teatralidade da vida3.
Há outros, como Bauman (1995: 264), que na análise dos grupamentos con-
temporâneos é frequentemente utilizado para conceituar as atividades coleti-
vas que se desenvolvem na rede. Bauman prefere trabalhar com o conceito de
nuvens de comunidades, dada a velocidade com que se desfazem, antes mesmo
de conseguirem se reconhecer como tais, ou ainda comunidades estéticas, ter-
mo emprestado de Kant, que caracteriza grupamentos imaginados, mas nunca
efetivamente realizados. Por um lado, tais grupos trariam a sabidamente falsa
segurança de que os que dela participam estariam refugiados em um oásis de
tranquilidade, um chão firme comum. Ao mesmo tempo, se liquefariam na medi- 264
da em que os próprios indivíduos não estariam dispostos a pagar o preço que 265
uma verdadeira comunidade cobra – compromisso, obediência e restrição – de
onde deriva um sentimento final de ambiguidade (Bauman, 2004: 68).
Finalmente, há autores distópicos, como por exemplo Virilio (1999), que en-
xergam neste tipo de relacionamento tomado pela virtualidade não a criação de
uma nova esfera, mas sim uma “des-realização”, um exílio da realidade. Neste
aspecto, as experiências e interações dentro das paragens virtuais seriam nada
mais do que um mergulho frenético em um presente contínuo – estimulados pela
abolição das distâncias e das territorialidades – onde à consciência da “ação” se
contraporia a acefalia da “interação”.
FILE TEORIA DIGITAL
5. Lunenfeld, Peter. Para o interesse deste trabalho, dentre várias inferências possíveis, vale res-
The Digital Dialetic. saltar que estas três retóricas, a despeito das diferentes angulações, trabalham
New Essays on New
Media, MIT Press, todas com a questão da fantasia lúdica, da incorporação consciente de determi-
1999, pg. 6-23. in: nados papéis, do jogo cúmplice de máscaras, enfim, tanto naquilo que é fanta-
Santaella, Lucia. siado mais do que efetivamente vivido, como naquilo que é vivido de uma forma
Culturas e Artes do
pós-Humano, ed. fantasiosa. Naturalmente, não se trata – falando especificamente do meio digi-
Paulus, 2003, pg.20. tal – de assumir a realidade mundana como não-mediada, pura, “real”, ao passo
que o que é mediado pelas tecnologias transforma-se no “virtual”, na fantasia.
Percebendo nossa existência como permeada pelo simbólico, esta é uma discus-
são que já aí se esvanece (Castells 1996: 459). O que se quer ressaltar é que o
meio digital parece, por suas características inatas, ser um locus propício para a
irrupção deste tipo específico de manifestação de natureza lúdica, fantasiosa.
Efetivamente, mantendo a análise restrita ao plano da técnica, a tecnolo-
gia digital, como já antecipada por Turkle (1995), Lunenfeld (1998) e Manovich
(2002), praticamente impõe considerações deste gênero, já que estes meios são
compostos essencialmente por representações matemáticas, que trazem dentro
de si a capacidade cada vez maior de manipulação, e portanto, de representação.
Nas palavras de Lunenfeld4, isso teria feito da cibernética a alquimia do nosso
tempo e do computador o seu solvente universal, uma vez que a linguagem bi-
nária passou a transcodificar todas as mídias e suas expressões – imagem, som,
escrita, vídeo - para o seu próprio plano. É aquilo que Turkle classifica como
estética da simulação, onde as possibilidades de se imaginar e representar
qualquer coisa que seja torna-se apenas contingenciado pela capacidade de
processamento da plataforma. Como negar que isso abre as portas para que
o daydream, o sonhar acordado, tenha um campo de expressão mais amplo e
compartilhado?
Ampliando o raio de interpretação para além da questão técnica, é também
possível colocar que esta manifestação de ordem fantasiosa, e porque não dizer,
lúdica, também encontra inspiração na própria conformação das sociedades con-
temporâneas. Afinal, quem experimenta a vida neste tipo de cultura não é levado,
naturalmente, a participar de sistemas sociais altamente abstratos, desencaixa-
dos (Giddens, 1990), que requerem boa dose de confiança e imaginação?
Além disso, se durante a maior parte da era moderna era possível sustentar
uma biografia relativamente coesa, hoje, em sociedades altamente dinâmicas,
o exercício da identidade tornou-se um engajamento complexo, que exige des-
dobramentos em diversos papéis simultâneos, num jogo teatral que Goffman
(1959), muito originalmente, concebeu como o do eu projetando personagens
que interagem com os personagens dos outros. Ou que Hall (1992), escrevendo
três décadas depois, apontou de modo incisivo:
Jogos e Vida: a emergência do lúdico na cibercultura
Em toda a parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas 5. Hall, Stuart. A
que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus Identidade Cultural
na Pós-Modernidade.
recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produ- ed. DP&A, 2004, pg. 88.
to desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais
comuns num mundo globalizado.5 6. Santaella, Lucia.
Culturas e Artes do
pós-Humano, ed.
Enfim, como pontuou Bauman (2000: 98), ao discursar sobre a fragilidade da Paulus, 2003, pg.53.
identidade, é como se “a identidade vivida, experimentada, só pudesse se man-
7. Fergunson,
ter unida com o adesivo da fantasia”. Harvie. Glamour and
Este traço imaginativo, que requer do indivíduo uma boa dose de fantasia the end of Irony. The
para que ele permaneça dentro do jogo civilizacional, também se estende para Hedgegog Review,
1999, pg. 10-6 in:
seu relacionamento com as mídias, hoje cada vez mais pervasivas e onipresen- Bauman, Zygmunt.
tes. Para Santaella, por exemplo, este hibridismo, esta teia de complementari- Modernidade Líquida.
dades erguida pelas diferentes associações entre as mídias, mesmo antes da ed. Jorge Zahar, 2000,
pg. 102.
explosão digital, poderia ser entendida já como uma cultura das mídias6. De
fato, a esfera midiática parece ter criado uma sustentação própria, como se uma
massa comunicacional, composta pela superposição de imagens, sons e textos
revoluteasse constantemente sobre a existência cotidiana, impregnando-a com
sabores e cores estrangeiros - tornados, pela capacidade intrínseca do ser hu-
mano de projetar, imaginar e fantasiar, próximos.
Finalmente, neste contexto, é importante elencar ainda uma última condição,
que é a da relação das sociedades contemporâneas com o consumo. Afinal, se o
consumo é o motor do capitalismo, então a fantasia bem pode desempenhar o
papel de combustível. Se antes o que valorava um indivíduo era sua capacida-
de de produzir segundo uma ética do trabalho, hoje a medida de valor parece
se concentrar mais na capacidade de consumir de modo conspícuo, de escolher
266
livremente, a tal ponto que é a escolha, e não o objeto escolhido, o ponto funda-
267
mental (Bauman, 2000: 103). Dentro desta lógica, seria a capacidade de perten-
cer à parcela da sociedade que usufrui dos bens materiais gerados pelo capita-
lismo que se traduz como liberdade de ação. O papel da fantasia, dentro desta
condição, seria o de impulsionar, instigar e seduzir, afim de projetar a felicidade
e a auto-realização dos consumidores nos objetos de consumo. Assistir-se-ia,
dentro desta visão, à ascensão da “sociedade do glamour”, em que a aparência é
consagrada como a única realidade7.
Em suma, o objetivo de apresentar estes tópicos é o de demonstrar que as
sociedades que hoje vivenciam toda uma sorte de processos fantasiosos estão,
elas próprias, prenhes de fantasia na condução de sua existência. Não estaria
a tecnosfera espelhando, através das possibilidades técnicas, características
FILE TEORIA DIGITAL
8. Sutton-Smith, oriundas das sociedades que a criaram? Seria este jogo de aparências, este
Brian. The Ambiguity desenvolvimento de diferentes personas, uma atividade alienígena aos que se
of Play. ed. Harvard
University Press, entregam a este mesmo tipo de embate no plano mundano? Seria a convivência
1997, pg. 201. com o fantasioso uma tarefa desconhecida para quem transita por projeções e
sonhos dia após dia? Certamente que não. Dentro deste contexto, as possibili-
dades técnicas que sustentam a cibercultura talvez sejam catalisadoras deste
fenômeno, mais até do que suas originadoras.
digital
economia
videogame
estrutura
indústria
FILE TEORIA DIGITAL
Introdução
1. El Universal, 11 de Este artigo explora a indústria de videogames como parte do que se tornou co-
janeiro de 2001. nhecido como “indústrias culturais” (Hesmondhalgh 2002), usando a América
2. Depois de 20 anos Latina como estudo de caso. Sugerimos que a indústria de videogames possui
o país estabeleceu uma economia política que responde aos mesmos princípios e padrões de uma
seu primeiro marco
importante com o empresa convencional. Em nossa opinião, essa indústria tem valores tecnológi-
Atari (Sheff 1993). cos específicos definidos por “convergência e digitalização” (Baldwin et al. 1996)
e compartilhados por outras chamadas novas mídias. Sugerimos que eles são
de fato fatores chaves para explicar o desenvolvimento desse setor, mas, como
argumentamos, de modo algum representam uma alteração das relações entre
os agentes econômicos de produção, distribuição e consumo.
Ao contrário, assim como outras indústrias culturais, a indústria de video-
games tende a reproduzir a economia política do sistema de relações, tanto em
estrutura (nível econômico) quanto em superestrutura (nível ideológico), pelo
menos no caso da América Latina.
Houve muito otimismo nessa região em relação ao potencial das novas eco-
nomias. O anúncio feito pela Microsoft no início de 2001 de que o Xbox seria
fabricada no México1 talvez tenha sido um dos mais importantes indicadores
de que nos anos seguintes a indústria de jogos dos EUA tentaria criar um pólo
de desenvolvimento alternativo distante do Extremo Oriente. O “retorno do Ca-
pitão América” (Price 2001), frase que os analistas cunharam para descrever
o ressurgimento dos EUA no mercado global de videogames2, foi interpretado
de maneira otimista como uma importante oportunidade para a América Latina
desenvolver sua própria indústria de jogos ou, pelo menos, como uma oportu-
nidade para desenvolver produtos e serviços nativos de valor agregado nesse
setor pujante. No entanto, evidências sugerem em contrário, com companhias
como Microsoft e Nintendo – em joint-ventures com fabricantes locais de brin-
quedos e jogos – desenvolvendo um modelo de manufatura- marketing para
videogames na América Latina baseado em linhas de montagem locais, situadas
em áreas econômicas “especiais”, onde os principais componentes eram trazi-
dos de fora com muito pouco valor agregado pela comunidade industrial local.
Esse esquema foi amplamente descrito na América Latina como um modelo de
“maquiadoras” (“Maquilas” – Stoddard, 1987) e é considerado parte de uma es-
tratégia para aumentar a competitividade do mercado. O modelo da maquiadora
está em operação desde a década de 70 e aproveita o potencial do Tratado de
Livre Comércio da América do Norte (Nafta)3, que não apenas facilita o acesso à
mão de obra barata como também oferece facilidades de exportação com base
em uma substancial redução das tarifas para o mercado americano.
NOVAS INDÚSTRIAS CULTURAIS DA AMÉRICA LATINA AINDA JOGAM VELHOS JOGOS:
DA REPÚBLICA DE BANANAS A DONKEY KONG
Mais de três décadas atrás, Celso Furtado (1970) escreveu que a análise econô-
mica é meramente uma primeira abordagem do estudo dos processos históricos
complexos que se desenrolam na América Latina. Na verdade, seu postulado de
que o que acontece na região “é amplamente condicionado por variáveis exóge-
nas” continua válido.
FILE TEORIA DIGITAL
4. Outras empresas Tradicionalmente, a América Latina foi definida como o “quintal” dos EUA, e exis-
parecem muito te uma suposição corrente de que é um grupo de “Repúblicas de Bananas inca-
conscientes do
pontencial do mercado pazes de produzir qualquer coisa além de matérias-primas, bom rum e ditadores
latino-americano. A gordos”. Visões mais elaboradas parecem reconhecer os mercados de mídia e
América Online Latin telecomunicações da região como um jogo de xadrez kafkiano, em que a mão
Inc. (AOL) concluiu os
termos de um pacote invisível do mercado, juntamente com o braço tangível da política e as inten-
de financiamento de ções suspeitas de corporações internacionais, movimenta as peças em diversas
US$150 milhões com direções (Cole, 1996).
seus três principais
acionistas, pelo qual Em termos da indústria de videogames e novas mídias, a América Latina é
a companhia espera um mercado contraditório e mutável.
tornar-se o principal Nas últimas duas décadas a maioria dos países da região experimentou mu-
provedor de serviços
interativo na região. danças profundas e drásticas em sua estrutura política (Cordeiro, 1995) e pas-
A América Online saram de sociedades altamente politizadas com economias centralizadas, que
Inc., subsidiária da incluíam um papel forte do Estado e sistemas políticos caracterizados na maio-
gigante da mídia AOL
Time Warner Inc., ria por ditaduras militares, para democracias liberais representativas e formais
está comparando que estão cada vez mais desregulamentando suas economias e tentando obter
US$66,3 milhões de acesso ao mercado global. Todas essas mudanças correspondem a um processo
ações preferenciais
resgatáveis, enquanto de “desmobilização política” (Tironi e Sunkel, 2000).
o Grupo Cisneros da Uma das mudanças mais importantes aconteceu no setor de mídia e comu-
Venezuela (ODC) está nicações em meados dos anos 1990, quando a América Latina privatizou sua
comprando os outros
US$ 63,8 milhões indústria de telecomunicações e viu o retorno de importantes fluxos de inves-
(Reuters, 2001). O timentos para a região para essa área específica (Relatório Anual do Banco In-
principal objetivo é teramericano de Desenvolvimento, 2000). Quantidades significativas de capital
ser um agente chave
no desenvolvimento foram alocadas para os setores de telecomunicações, mídia e computação, espe-
da supervia da cialmente no Brasil, México, Costa Rica, Venezuela e Argentina. Para os setores
informação na América de telecomunicações e computadores, a América Latina é hoje uma das regiões
Latina nos próximos
anos. A região está de crescimento mais rápido no mundo, embora ainda seja um mercado marginal
se tornando um em comparação com os EUA, Europa e Ásia. Steve Ballmer, vice-presidente da
campo fértil para Microsoft, talvez o mais importante novo ator na indústria de videogames, afir-
desenvolvimentos
de alta tecnologia. mou que a América Latina foi a região de maior crescimento para sua empresa
Estima-se (IDC 2001) nos últimos três ou quatro anos, e espera que continue com um crescimento
que um em cada quatro “incrível”4 (Reuters, 2001). A companhia disse que teve um crescimento médio
latino-americanos
possuirá um telefone anual de 30% nos últimos três anos na região, enquanto seu crescimento global
celular em 2004, e foi de 5% a 10% ao ano.
os mesmos analistas Parece que as companhias americanas não estão necessariamente interes-
creem que isso levará
a um maior acesso sadas em desenvolver linhas de manufatura e infra-estruturas para satisfazer
móvel à internet o mercado local. Por isso, o investimento local em indústrias relacionadas à
(Schereeres, 2001). tecnologia da informação e comunicações (TIC) parece ser feito principalmente
para melhorar a competitividade das exportações5, já que as companhias de alta
NOVAS INDÚSTRIAS CULTURAIS DA AMÉRICA LATINA AINDA JOGAM VELHOS JOGOS:
DA REPÚBLICA DE BANANAS A DONKEY KONG
tecnologia americanas estão interessadas tanto no atual potencial do merca- 5. O que outros
do local6 quanto no futuro uso da América Latina como plataforma para expor- conglomerados
industriais fizeram
tar para os EUA e o Canadá. Essa visão é sustentada pelo próprio tamanho do nos anos 1960 e 1970
mercado, que não justifica a quantidade de investimento em telecomunicações no Sudeste Asiático
e tecnologias digitais nos últimos cinco anos. Por exemplo, somente 1,5% da (Myint, 1972).
população latino-americana está conectado à Internet em base diária, enquanto 6. Como exemplo,
o índice nos EUA é estimado em 37%. Em termos do mercado de videogames, a a pesquisa Video
América Latina representa um segmento marginal das vendas mundiais: somen- Games & Intelligent
Toys indica que
te 2% do consumo mundial de software e hardware (Figura 1). 48% dos visitantes
Outro elemento do mercado interno que projeta dúvidas sobre os investi- à Cartoon Network
mentos americanos se relaciona à penetração tecnológica. A América Latina (CN.com) na América
Latina baixaram um
compreendia apenas 3,2% dos 165 milhões de usuários mundiais da Internet videogame no último
em 1999 (Gómez 2000). Em outras palavras, a região não está exatamente na mês (contra 29% que
vanguarda no uso de TIC (Figura 2). surfaram por motivos
educacionais). Os
Além disso, um relatório da companhia de pesquisa de mercado e tecnologia brinquedos ficaram
Dataquest (Gartner Group 2001) mostra que a divisão digital na América Latina em 4º lugar numa
está aumentando e há muito poucas probabilidades de um crescimento expo- lista de 20 produtos
comprados online por
nencial de TIC na região no futuro próximo. visitantes da CN.com
Com base em um estudo de acesso a serviços telefônicos básicos e a serviços (a média de idade é
de banda larga na Internet, o relatório indica que 80% dos consumidores ameri- 9 anos).
canos têm conexões telefônicas, comparados com 24,5% dos chilenos. 7. Esse índice mede
Este é um número interessante se considerarmos o fato de que o Chile tem o a capacidade de 55
maior número de conexões telefônicas per capita na região. Depois vêm Argentina, países de participar
da revolução da
com 23,1%, Colômbia com 22,4% e Brasil com 20%, numa região com um número informática. Criado
médio de 17,3%. A pesquisa da Dataquest também indica que “a América Latina por uma joint-
fica muito atrás dos EUA em termos de uso de banda larga. adventure entre
World Times e IDC
Mais de 6 milhões de americanos têm acesso à Internet com banda larga, Information, o índice 276
enquanto somente 53 mil brasileiros, 38 mil argentinos, 22 mil chilenos e 20 mil oferece dados de
análises exigidos 277
mexicanos tiveram esse acesso em 2000”.
para mensurar o
Outra referência importante que corrobora essa visão é o Índice de Socieda- progresso em direção
de da Informação (ISI)7, que salienta uma lacuna abissal entre o ISI da América À sociedade digital,
Latina e o da maior parte dos países desenvolvidos (Figura 3). avaliando
oportunidades de
Não há um só país latino-americano que possa ser classificado como “skater” mercado e políticas
(nota no ISI acima de 3.500), um país em posição forte o suficiente para aproveitar de desenvolvimento.
plenamente a revolução da informática por causa de informações, computado-
res, Internet e infra-estruturas sociais avançadas. Além disso, o Brasil, México8,
Colômbia, Venezuela, Equador e Peru nem sequer se classificam como “striders”
(nota no ISI acima de 2.000), países que estão entrando decididamente na era da
informática, com a maior parte da infra-estrutura necessária implantada.
FILE TEORIA DIGITAL
África: 0%
Figura1. Mercado Mundial de Video-Games. Fonte: The NPD Group Worldwide-Toy Associations.
Tv à Cabo
Telefone Digital
PCs
Internet
Tv via Satélite
Concentrando-se no jogo
A esta altura parece claro que a percepção do mercado tem um papel chave na
motivação do investimento e desenvolvimento da indústria como um todo. Um
grupo de opinião composto de empresários, administradores e homens de ne-
gócios da indústria de videogames baseado em Caracas (Venezuela), mas com
experiência em outros países latino-americanos10, discutiu um conjunto de
FILE TEORIA DIGITAL
Suécia
EUA
Reino Unido
Argentina
Chile
Costa Rica
Panama
Venezuela
México
Equador
Brasil
Colômbia
Peru
11. Na verdade, Os participantes indicaram que apesar de a região ter importantes disparidades
o mercado de sociais de renda de um estrato social para o outro, “a [natureza dos] padrões de
videogames do
Brasil é maior que os consumo é muito semelhante ao mundo desenvolvido”.11
mercados da Espanha, Um segundo padrão percebido pelos participantes era que a América Latina
Portugal e tem conhecimento, tecnologia e capacidade industrial para desenvolver har-
Suécia juntos
(Euromonitor 200). dware. No entanto, esse não é necessariamente o caso em relação ao software.
De fato, como disse um participante do setor de software: “O desenvolvimento
de software e aplicativos para jogos de computador precisa de importantes
investimentos em desenvolvimento e pesquisa”. Esse mesmo participante
apontou que:
No início, no final dos anos 80, os videogames não eram sofisticados. O que
importava era ter um projeto criativo e algumas técnicas de programação. Um
jogo de pingue-pongue em preto-e-branco muito básico foi um sucesso. Isso
não acontece mais. Crianças e adultos querem qualidade, realidade e dimensio-
nalidade. E isso exige dinheiro e recursos.
Houve consenso no grupo sobre isso. O grupo também concordou que os empre-
sários locais na região teriam menor disposição a aventurar-se em software do
que em hardware. Como colocou um empresário:
No entanto, os membros do grupo concordaram que o desenvolvimento de sof- 12. Deve-se salientar
tware para videogames não é impossível e que poderia acontecer, apontando também que a
maioria dos países da
exemplos interessantes na área educacional.13 Mas todos os participantes dei- América Latina tem
xaram claro que nas atuais condições seria muito difícil para a América Latina Eximbanks e fundos
desenvolver uma indústria de software competitiva. de industrialização
criados em meados
Outro padrão observado pela maioria dos participantes é que, apesar da in- da década de 1970,
segurança jurídica, da instabilidade política e de um setor de serviços públicos que oferecem crédito
inadequado – as fraquezas mais importantes da região como pólo alternativo de com taxas menores
para esse tipo de
desenvolvimento para a indústria de videogames – uma cultura de exportação operação.
está sendo desenvolvida no continente. Todos os participantes reconheceram
que um esquema político e institucional mais estável precisa ser construído e 13. Na verdade
a Universidad
mencionaram que o processo de privatização e desregulamentação das teleco- de los Andes em
municações e serviços estava melhorando rapidamente a situação. Bogotá (Colômbia)
Esse não era o caso em relação a segurança jurídica para investimentos, já desenvolveu um
projeto chamado
que tribunais e sistemas jurídicos ainda são vistos como “incompetentes, alta- Ludomática, em que
mente politizados e suscetíveis a corrupção”. os pesquisadores
O grupo percebeu a “pirataria” – reprodução ilegal de produtos – como a desenvolveram
software de
maior ameaça para o futuro da indústria de videogames na América Latina. Essa vídegame para fins
percepção equivale aos dados estatísticos disponíveis. O Conselho Venezuelano educacionais em um
para Promoção de Investimento Privado (Conapri, 1999) estima que a indústria programa chamado
“A Cidade Fantástica”.
de software na América Latina é ameaçada por uma taxa média de pirataria de O software teve
68% (Figura 4). relativo sucesso
Concluindo, os participantes viam o acesso ao mercado americano como o e atualmente está
sendo considerado
elemento mais importante a abordar se a região quiser desenvolver seriamente por pelo menos
uma indústria de videogames para hardware e software. Esse foi um dos comen- uma companhia
tários mais recorrentes durante a sessão. multinacional.
Os participantes estavam conscientes de e preocupados com o impacto que
o acordo de livre comércio continental teve sobre o potencial da indústria. To- 282
dos os participantes percebiam que ele significaria não apenas um maior acesso 283
ao mercado de videogames dos EUA14, mas também representaria um ambiente
mais estável politicamente e seguro legalmente para investimentos.
Como disse um dos participantes do grupo de opinião, “não podemos falar sobre
uma indústria de videogames latino-americana propriamente, mas sobre uma
indústria básica que se situa entre a representação local da indústria global de
FILE TEORIA DIGITAL
10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Argentina: 73%
Brasil: 60%
Bolívia: 80%
Chile 68%
Colômbia: 59%
República
Dominicana: 79%
Equador: 66%
El Salvador: 80%
Guatemala: 81%
Honduras: 74%
México: 59%
Nicaragua: 80%
Panamá: 73%
Paraguai: 83%
Peru: 71%
Uruguai: 69%
Venezuela: 86%
3 Day Blinds Foster Grant Corporation Mitsubishi Electronics Corp. 14. Em acessórios de
20th Century Plastics General Electric Company Motorola videogame em 1998,
os EUA representaram
Acer Peripherals JVC Nissan US$960 milhões, o
Bali Company, Inc. GM Philips que é cinco vezes
Bayer Corp./Medsep Hasbro Pioneer Speakers o tamanho dos
mercados da
BMW Hewlett Packard Samsonite Corporation Europa Ocidental e
Canon Business Machines Hitachi Home Electronics Samsung Japão juntos
Casio Manufacturing Honda Sanyo North America (Euromonitor 2000).
Chrysler Honeywell, Inc. Sony Electronics
Daewoo Hughes Aircraft Tiffany
Eastman Kodak/Verbatim Hyundai Precision America Toshiba
Eberhard-Faber IBM VW
Eli Lilly Corporation Matsushita Xerox
Ericsson Mattel Zenith
Fisher Price Maxell Corporation
Ford Mercedes Benz
15. Mesmo a populares com o advento do Nafta. Também é interessante notar que várias cor-
posição assumida porações globais que têm maquiadoras na fronteira EUA-México estão direta e
recentemente pelo
Brasil, questionando indiretamente envolvidas na indústria de videogames (Tabela 1).
a viabilidade do Apesar de o esquema das maquiadoras ter sido fortemente criticado porque
Nafta, expandindo representa pouco mais que uma relocação do modelo de “exploração” usado no
o Mercosul e
distanciando-se de Extremo Oriente, parece um modelo mais provável para a indústria de videoga-
um esquema rígido de mes seguir na América Latina. A criação de uma zona de livre comércio do Alasca
conversibilidade da à Patagônia em 2005 – se permanecerem as variáveis políticas e econômicas
moeda, é considerada
até certo ponto – levará a uma proliferação de maquiadoras por todo o continente. Várias corpo-
convergente com a rações internacionais que manufaturam e vendem videogames estão seguindo o
criação da Área de modelo e montaram fábricas que produzem hardware que poderá ser usado para
Livre Comércio das
Américas (ALCA). Isto fabricar consoles (Alvarez e Rodriguez, 1998)15.
é ainda mais provável A Nintendo, por exemplo, tem investimentos diretos na América Latina. A
depois do colapso da empresa chegou ao Brasil em 1993 através da Playtronic Industrial Ltda. Entre
economia argentina
no ano passado. 1993 e 1996 a Playtronic lançou a Nintendo Entertainment System (NES – 8 bits),
o Game Boy portátil, o Super Nintendo Entertainment System (SNES – 16 bits)
e o Virtual Boy (portátil l – 32 bits). Em 1996 essa companhia se fundiu com
a Gradiente Entertainment Ltda, uma gigante eletrônica que está no mercado
desde os anos 60. Essa medida coincidiu com o lançamento do primeiro sistema
de videogame de 64 bits, Nintendo 64, que muitos analistas latinoamericanos
consideraram uma “revolução” na indústria.
Em julho de 1998 a companhia tinha vendido 1,5 milhão de unidades de har-
dware e apenas 1,4 milhão de unidades de software (Relatório Anual Nintendo-
Brazil, 2001), o que poderia ser interpretado como um sinal de que a indústria
estava concentrando seu esforço em hardware.
Com uma fábrica em Manaus e escritórios em São Paulo, a Gradiente opera
em todo o Brasil e está expandindo sua produção para atingir outros mercados
da região, mas se concentrando principalmente nos EUA. A companhia também
busca estratégias para aproveitar os acordos de integração econômica como
Nafta e Mercosul.
A Microsoft, com sua Xbox, hoje compete com a Sony e a Nintendo em um
mercado global de US$ 6,5 bilhões. A companhia pretende construir uma fábrica
de hardware no México e não descartou a possibilidade de licenciar a produção
para fábricas independentes no Brasil e na Costa Rica. De fato, a Microsoft quer
agitar o mercado da mesma maneira que a Sony fez (Charles, 2001).
A Sega, que está se retirando da fabricação de hardware e se concentrando
totalmente no software, tem escritórios em Porto Rico e no Brasil. Em Porto Rico
ela opera a Sega, pois as leis americanas a protegem, e de lá administra suas
NOVAS INDÚSTRIAS CULTURAIS DA AMÉRICA LATINA AINDA JOGAM VELHOS JOGOS:
DA REPÚBLICA DE BANANAS A DONKEY KONG
operações nos mercados da América Central e Caribe. No entanto, no Brasil essa 16. A indústria
mesma companhia tem uma associação com a Tec Toy, uma firma local que expe- de brinquedos e
jogos da América
rimentou um crescimento significativo nos últimos anos e em 1996 vendeu mais Latina não deve ser
de 2 milhões de videogames no Mercosul. A Tec Toy é uma companhia brasileira subestimada, com
fundada em 1987, que hoje ocupa o segundo lugar no mercado de brinquedos do vendas líquidas em
1998 de US$ 1,8
Brasil, segundo dados publicados pela Abrinq (Associação Brasileira de Fabri- bilhão (Euromonitor
cantes de Brinquedos). 2000), e talvez seja
Devido ao anúncio da Sega de que ia parar a produção de hardware, a com- uma das indústrias
manufatureiras
panhia está lançando uma nova estratégia de mercado e produção, e Arnold e mais desenvolvidas
Dazcal, os fundadores da companhia, não descartaram expandir seus produtos no continente
para acessórios genéricos. meridional, mas
a indústria de
Parece haver um padrão comum em que as corporações globais não fabricam brinquedos e jogos
diretamente seus produtos, mas os terceirizam para firmas locais e depois os local não somente
revendem com seu logotipo. Um modelo já utilizado por multinacionais como tem capital,
conhecimento
Nike, Adidas e outros fabricantes de roupas no Extremo Oriente. de mercado e
Novas peças, mas o mesmo velho jogo. O futuro da indústria de videogames infra-estrutura
na América Latina parece claramente definido por fatores internacionais. Em para sustentar as
companhias globais,
nossa opinião, o desenvolvimento lógico dessa indústria será para a raciona- como também
lização das maquiadoras através de joint-ventures com fabricantes locais de tema capacidade
brinquedos e jogos (o modelo foi bem descrito por Pérez Sáinz, 1998). de influenciar
legisladores,
Os mercados do México e do Brasil provavelmente serão os principais alvos, autoridades
mas também o acesso ao mercado americano, que oferecerá à indústria de vide- alfandegárias e
ogames o potencial de se desenvolver como um importante centro de produção outros grandes
agentes políticos que
e distribuição na região. afetam as operações.
Sugerimos que uma análise clara da indústria de videogames na América
Latina deva ser realizada dentro de um contexto global. Nesse sentido, alguns
analistas prevêem que em 2003 a indústria de brinquedos e jogos global valerá
quase US$ 80 bilhões em preços constantes de 1998 (Euromonitor, 2000). A pes-
286
quisa Toys and Games: A World Survey (Euromonitor, 2000) também prevê que a
287
América Latina assumirá uma parcela cada vez maior desse mercado, já que a
população e os índices de crescimento de renda estão aumentando16.
Outro fator importante a considerar é que a região parece ter o potencial
para montar hardware e poderá eventualmente desenvolver hardware genérico
para videogames.
No entanto, é provável que isso só aconteça sob o esquema de maquiadoras.
Se a indústria for capaz de se consolidar sob esse modelo, então talvez possa
começar a desenvolver software. Em todo caso, a transferência de tecnologia e
capacidade será uma questão chave, mas também dependerá de diversos fato-
res, incluindo políticas nacionais, variáveis políticas e condições econômicas.
FILE TEORIA DIGITAL
17. Na verdade Somos tentados, devido ao determinismo tecnológico, a ver coisas novas em
Drucker refere- quase todo lugar. Passamos a nos referir aos videogames como uma “nova in-
se ao México.
Paradoxalmente, isto dústria cultural” (Hesmondhalgh, 2002). Mas as relações econômicas dos agen-
foi escrito pouco tes de produção, distribuição e consumo definem principalmente a natureza de
antes da crise da uma indústria, mesmo que o processo ocorra em um ambiente multiplataforma.
Tequila de 1994.
Em meados dos anos 1990 havia uma quantidade importante de literatura
com visões otimistas, em que novas tecnologias de mídia eram capazes de li-
berar as forças do progresso e do desenvolvimento. Alguns autores (Drucker,
1993) chegaram a dizer que alguns países latino-americanos estavam na fase de
“decolagem” de seu desenvolvimento17 graças a essas novas tecnologias.
Apesar de termos deixado para trás muitos desses preconceitos, eles ainda
são conceitos poderosos na comunidade acadêmica e empresarial. Por isso, é
ainda mais importante olhar mais para trás e lembrar outros autores como o
economista brasileiro Celso Furtado (1970), que observou, mais de três décadas
atrás, que: “Na América Latina durante muitos anos a penetração da tecnologia
moderna se confinou virtualmente ao setor de infra-estrutura e mostrou um pa-
drão em que a assimilação de tecnologia é decididamente lenta, especialmente
nas atividades produtivas diretas.”
A tendência atual não é notavelmente diferente: a indústria de videogames
da América Latina é apenas mais uma quimera em evolução. Ainda está longe
de ser uma indústria definida, mas possui muitas características de outras in-
dústrias culturais. Sua economia política perpetua o modelo da dependência e
reprodução, tanto em nível econômico como ideológico, mas, assim como outras
indústrias culturais, tem o potencial de liberar as forças criativas da região.
Como a televisão, o rádio e o cinema, também vende ideologia através do entre-
tenimento, mas as antigas tecnologias analógicas também oferecem a oportuni-
dade de desenvolver um conteúdo nativo.
No entanto, o grau de valor agregado e participação local no processo de
produção parece ainda mais restrito do que em outras indústrias culturais.
No momento não há sequer escala de economia capaz de justificar pequenas
operações nesse sentido. Parece improvável que a região terá a oportunidade
de oferecer sua própria versão de Space Invaders – como fez a televisão nas
telenovelas – porque o mercado e a indústria já foram colonizados e os agentes
econômicos parecem ser de outro planeta.
NOVAS INDÚSTRIAS CULTURAIS DA AMÉRICA LATINA AINDA JOGAM VELHOS JOGOS:
DA REPÚBLICA DE BANANAS A DONKEY KONG
Sobre os Autores
Jairo Lugo-Ocando Universidade de Stirling (UK).
Tony Sampson Universidade de East London (UK).
Merlyn Lossada Universidade de Zulia (Venezuela).
288
289
FILE TEORIA DIGITAL
Referências
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99 No. 634, pp. 70-78.
290
291
THE GAMING
SITUATION 2.0
MARKKU
ESKELINEN
digital
narrativa
game
usuário
termo
FILE TEORIA DIGITAL
The Gaming Situation 2.0 é uma versão ampliada e atualizada do artigo origi-
nalmente publicado na primeira edição de Game Studies (Estudos de Jogos) em
2001 (www.gamestudies.org/0101/eskelinen/). O artigo concentra-se primeira-
mente na identificação e depois no estudo das características mais cruciais e
elementares que distinguem a situação de jogos das situações narrativas, dra-
máticas e de performance. De maneira diversa à dos estudiosos que analisam os
jogos como narrativas ou extensões de narrativas, o artigo argumenta que toda
teoria narratológica bem estabelecida e sofisticada, independentemente de sua
ênfase ser nos modelos comunicativos (Genette, Chatman, Prince) ou cognitivos
(Bordwell, Branigan), é basicamente uma teoria de reconstrução interpretativa
baseada no texto narrativo que é apresentado a seus leitores ou espectadores.
Entretanto, como todos sabemos ou deveríamos saber, os jogos não dizem res-
peito, primeiramente e antes de tudo, à interpretação e (re)presentação.
Ao aplicar a tipologia de cibertextos de Espen Aarseth, o artigo alega que a
principal função do usuário na literatura, teatro e cinema é interpretativa, mas
que nos jogos ela é configurativa. Ou seja, na arte talvez tenhamos que confi-
gurar para sermos capazes de interpretar, enquanto que nos jogos temos que
interpretar para podermos configurar, e prosseguir da situação inicial para a
situação vitoriosa ou qualquer outra situação. Portanto, entende-se que jogar é
uma prática configurativa e a situação de jogar é uma combinação de fins, meios,
regras, equipamentos e ações manipulativas necessárias.
Esta economia de meios e fins também diferencia os jogos das economias
interpretativas de narrativas (histórias narradas detalhadamente), drama (his-
tórias representadas) e performances (surgimento de seres e eventos que fo-
gem da matriz teatral tradicional (non-matrixed events)), assim como aconteci-
mentos (eventos participativos sem audiência). Depois de fazer essas distinções
elementares, a situação de jogar é ainda estudada em termos de articulação,
materialidade, processo, regras, ação manipulativa e equipamento.
Seguindo a leitura de Warren Motte de Homo Ludens Revisited de autoria
de Jacques Ehrmann, o artigo enfoca três ideias: as relações jogador-jogador,
jogador-jogo e jogo-mundo. Estas combinam-se com os mais importantes tipos
de relações potencialmente maleáveis nos jogos: a temporal, a causal, a espa-
cial e a funcional. Cada uma dessas relações podem ser estáticas ou dinâmicas.
No registro jogador-jogador, as relações estáticas são as que certamente
serão e permanecerão iguais (ou imutáveis) entre os jogadores no jogo e du-
rante o mesmo. As relações temporais estáticas indicam arranjos baseados em
turnos, enquanto que as relações temporais dinâmicas referem-se a ações re-
alizadas em tempo real, sem turnos fixos – neste caso o tempo é um recurso
THE GAMING SITUATION 2.0
digital
analógico
criação
crítica
política
FILE TEORIA DIGITAL
zão da contra-opinião coletiva. Todos podem agora opinar sobre tudo. Somente
a ingenuidade do pensamento analógico acredita ainda numa base consensual
(Academia) que legitime a crítica metalinguística e ideológica com a tentativa
de delimitar alguma coisa. Nas redes, ela é meramente mais uma opinião dentre
outras. Não há mais o Logos Fundante (Parmênides) que corta o que é o Logos e
o que é a Doxa e assim a crítica se tornou antitética.
Crítica Antinômica
Sim às organizações que querem de fato promover a arte nas suas intersecções
com a tecnologia e as ciências, pois acreditam que isso faz parte de uma nova
mentalidade cultural contemporânea.
Não às organizações que querem de fato promover a arte nas suas intersecções
com a tecnologia e as ciências, pois acreditam que isso não faz parte de uma
nova mentalidade cultural contemporânea.
Não à crítica moderna analógica e acadêmica baseada na autoridade e em pre-
ceitos ultrapassados que produzem reacionariamente um achatamento e uma
deformação nas questões contemporâneas no que diz respeito às poéticas e às
políticas digitais.
Sim à crítica moderna analógica e acadêmica baseada na autoridade e em pre-
ceitos ultrapassados que produzem reacionariamente um achatamento e uma
deformação nas questões contemporâneas no que diz respeito às poéticas e às
políticas digitais.
Sim a todos os criadores que se tornam críticos e a todos os críticos que se
tornam criadores no processo inevitável de desdiferenciação dos gêneros cul-
turais, políticos e econômicos e que desmobilizam as críticas analógicas domi-
nantes baseadas na autoridade e na hierarquia.
Não a todos os criadores que se tornam críticos e a todos os críticos que se
tornam criadores no processo inevitável de desdiferenciação dos gêneros cul- 302
turais, políticos e econômicos e que desmobilizam as críticas analógicas domi- 303
nantes baseadas na autoridade e na hierarquia.
Sim à acefalia digital, doença de que sofrem hoje certas instituições culturais
pela permanência no comando de quadros extemporâneos.
Não à acefalia digital, doença de que sofrem hoje certas instituições culturais
pela permanência no comando de quadros extemporâneos.
Não ao público narcisista, público característico de certas disciplinas; artis-
tas que mostram trabalhos somente a outros artistas, bailarinos que dançam
FILE TEORIA DIGITAL
somente para outros bailarinos, em suma, pessoas que mostram seus trabalhos
a pessoas de seu próprio meio, permanecendo presos no reflexo de seu pequeno
lago estético.
Sim ao público narcisista, público característico de certas disciplinas; artistas
que mostram trabalhos somente a outros artistas, bailarinos que dançam so-
mente para outros bailarinos, em suma, pessoas que mostram seus trabalhos a
pessoas de seu próprio meio, permanecendo presos no reflexo de seu pequeno
lago estético.
Sim às mentalidades acadêmicas que querem transformar a cultura contempo-
rânea num sistema hierarquizado, sob o jugo de suas teorias lineares e de seus
axiomas atemporais.
Não às mentalidades acadêmicas que querem transformar a cultura contempo-
rânea num sistema hierarquizado, sob o jugo de suas teorias lineares e de seus
axiomas atemporais.
Sim à anarco-cultura digital onde toda a produção cultural está ali para ser re-
plicada, para ser alterada, para ser heterogeneizada, para ser aporitizada.
Não à anarco-cultura digital onde toda a produção cultural está ali para ser re-
plicada, para ser alterada, para ser heterogeneizada, para ser aporitizada.
Não às replicações, aos samplings, às conexões estratégicas, aos re-envios heu-
rísticos, às alteridades criadoras, às mídias táticas, às anarco-organizações,
aos hackertivistas, aos compartilhamentos táticos.
Sim às replicações, aos samplings, às conexões estratégicas, aos re-envios heu-
rísticos, às alteridades criadoras, às mídias táticas, às anarco-organizações,
aos hackertivistas, aos compartilhamentos táticos.
Sim aos trabalhos compartilhados entre os criadores digitais na promoção da
criatividade coletiva que colocam em questão o artista-estrela, o artista preso
a seu ego e à sua assinatura.
Não aos trabalhos compartilhados entre os criadores digitais na promoção da
criatividade coletiva que colocam em questão o artista-estrela, o artista preso
a seu ego e à sua assinatura.
Não aos diretores de instituições culturais que têm por meta, através de certos
esquemas, a promoção do benefício próprio.
Sim aos diretores de instituições culturais que têm por meta, através de certos
esquemas, a promoção do benefício próprio.
Sim às comunidades e aos coletivos transcomunicantes e transdisciplinares com
seus múltiplos interesses e seus múltiplos desejos, que constróem as anarco-
organizações digitais.
Não às comunidades e aos coletivos transcomunicantes e transdisciplinares com
DA CRÍTICA AOS JOGOS DA CRIATIVIDADE NA ERA DIGITAL
Sobre o Autor
Ricardo Barreto é artista e filósofo. Atuante no universo cultural trabalha com performances,
instalações e vídeos e se dedica ao mundo digital desde a década de 1990. Co-fundador e
co-organizador do FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
306
307
Música
Visionária:
Notas de
Percurso
(Em memória de
Robert Moog)
Vanderlei
Lucentini
teoria
digital
forma
eletrônico
música
desenvolvimento
FILE TEORIA DIGITAL
Abertura
O Contexto
A música tem sido, no decorrer da história, uma das artes mais sensíveis aos
avanços tecnológicos de sua época. Os músicos medievais inventaram o canto
gregoriano pensando no ambiente acústico das catedrais góticas, cujo tempo
de reverberação exigia o andamento lento de suas composições. Nos séculos
XVII e XVIII, com o deslocamento da música vocal para a música instrumental,
Guarnieri e Stradivarius nos legaram os violinos mais perfeitos, tanto do ponto
vista acústico, quanto da beleza plástica. No século XIX, a evolução da metalur-
gia possibilitou um grande avanço na construção dos instrumentos de metais.
A evolução tecnológica, em conjunção com a ampliação dos conhecimentos de
acústica musical e a sedimentação do sistema tonal, trouxe a necessidade de se
inventar um instrumento que acompanhasse, em pé de igualdade, a grande mas-
sa sonora produzida pelas orquestras. Surgiu então o chamado pianoforte, isto
é, um instrumento que traz a possibilidade de se tocar piano (fraco) ou forte.
Com o processo de desenvolvimento industrial, exigiu-se uma fonte de ener-
gia que pudesse alimentar toda a cadeia economicamente produtiva: as indús-
trias, as cidades, as residências, etc. Com a eletrificação de diversas cidades
do mundo, e principalmente com a estabilidade da corrente elétrica, surgem,
no início do século XX, duas importantes manifestações artísticas que até hoje
têm tido uma grande influência no panorama cultural deste início de século: o
cinema e a protomúsica eletrônica.
Os Primeiros Instrumentos
Música Concreta
Música Eletrônica
Música Eletroacústica
Computer Music
Sintetizadores
No limiar do século XXI, não há uma linha hegemônica no campo da música ele-
trônica. Diversos procedimentos tanto técnicos como estéticos têm se mistura-
do para a criação desse estilo musical. Todos eles, até então, estavam orienta-
dos para música em concertos, para a indústria fonográfica, como também para
a indústria cultural. Nesse momento, surge um grande território que tem sido
utilizado por alguns artistas, mas é ainda pouco explorado pelo músico contem-
porâneo: o ciberespaço.
Mesmo em um estado incipiente, e ainda nada interessante e convencional, o
ciberespaço exigirá do músico outros procedimentos técnicos e composicionais.
A continua ampliação da velocidade de transmissão de dados pela rede, com
computadores cada vez menores e mais velozes no processamento de informa-
ção, e no caso do som, irá ocorrer uma revolução na música sem precedentes
num futuro próximo. Acredito que um dos primeiros pontos será a desterrito-
rialização da performance musical, onde em breve, os músicos poderão ensaiar,
atuar, criar e interagir com outros músicos em espaços físicos diferentes. Ima-
ginem um trio instrumental com um músico no Japão, outro na Austrália e ou-
tro no Brasil. Eles poderiam realizar um concerto cada um em seu país e esse
concerto poderia acontecer simultaneamente, em tempo real, nos três países e
transmitido para todo mundo pela Internet.
Numa realidade mais concreta, hoje já é possível, com um computador por-
tátil “tocar” uma série de sintetizadores virtuais (muitos em tempo real), sem a
presença do teclado. Além dos sintetizadores, é possível realizar o processa-
mento de efeitos sonoros (live electronics), filtragens, combinar diversos tipos
de síntese sonora, espacializar os sons, fazer a mixagem e a masterização de
músicas e enviá-las para qualquer parte deste mundo. Futuramente, é possível
que sejam enviadas para outros mundos.
Mesmo estando no princípio de um processo transitório, o músico contem-
porâneo já possui uma grande gama de materiais de trabalho inimaginável a
qualquer músico de um período anterior ao nosso. Esse arsenal computacional e
instrumental tem conduzido a um processo de democratização tanto dos meios
de produção quanto à incorporação de novas experimentações musicais/sono-
ras. Por um outro lado, fica explícito que, às vezes, o aparato tecnológico parece
muito mais importante do que o produto dessas experiências.
Dessa forma, reitero que o sonho de muitos desses visionários, que vai
desde os primeiros fabricantes de instrumentos eletrônicos, passando, nesse
breve período, pelos compositores, pensadores, cientistas das mais diversas
áreas que abrangem o campo do som e da música, continuará sendo transmitido
às futuras gerações. Alguns novos paradigmas certamente surgirão e que não
MÚSICA VISIONÁRIA: NOTAS DE PERCURSO (EM MEMÓRIA DE ROBERT MOOG)
Sobre o Autor
Vanderlei Lucentini é compositor.
316
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On The Record:
Notas para
Errata Erratum –
Projeto Duchamp
Remix no
Museu de Arte
Contemporânea de
Los Angeles (MOCA)
Paul D. Miller,
ou DJ Spooky that
Subliminal Kid
teoria
digital
pensamento
contexto
som
fluxo
FILE TEORIA DIGITAL
Na cadeia de reações que acompanham o ato criativo, falta um elo. Essa lacuna,
representando a incapacidade do artista de expressar plenamente sua inten-
ção, essa diferença entre o que ele pretendia fazer e o que realmente fez, é o 'co-
eficiente artístico' pessoal contido na obra. Em outras palavras, o 'coeficiente
artístico' pessoal é como uma relação aritmética entre o que é pretendido mas
não expresso e o que é expresso inadvertidamente...
– Marcel Duchamp, O Ato Criativo, 1957
Quando comecei a atuar como DJ, pretendia que fosse um hobby. Era uma ex-
periência com ritmo e pistas, ritmo e sugestões: deixar a agulha cair no disco
e ver o que acontece quando esse som é aplicado a certo contexto, ou quando
aquele som se choca com aquela gravação... você percebe a ideia. Os primeiros
impulsos que eu tive sobre a cultura DJ vieram dessa ideia básica - brincadeira
e irreverência em relação aos objetos encontrados que usamos como consumi-
dores e a sensação de que algo novo estava diante de nossos olhos, oh, tão
cansados, enquanto observávamos telas de computador na virada do século XXI.
Eu queria soprar um pouco de vida no relacionamento passivo que temos com
os objetos à nossa volta e trazer um sentido de permanente incerteza sobre o
papel da arte em nossa vidas. Para mim, como artista, escritor e músico, parecia
que os toca-discos estavam de certa forma imbuídos da arte de ser máquinas
de permuta de memória - eles mudavam o modo como eu lembrava dos sons,
e sempre me faziam pensar numa experiência diferente a cada vez que eu es-
cutava. O "fonógrafo" em minha arte personificava o que o teórico Francis Ya-
tes chamaria de "palácios da memória" no contexto contemporâneo - rastreie
a etimologia da palavra a "escrever som", ou "fono-grafar", e pense num cenário
em que a "aura" de Walter Benjamin torna-se uma onda sonora de fragmentos
sincopados dançando no limite das memórias, e você terá a impressão básica
que quero transmitir aqui. Basicamente, quando comecei, eu queria mostrar coi-
sas complexas - como o "fonógrafo" era um equipamento de jogo de memória
traduzido em uma espécie de jogo filosófico intencionalmente misturado com o
que John Cage chamaria de "operações casuais", ou o que Amiri Baraka chamaria
de "o mesmo em mutação" - como o toca-discos ("turntable") havia se tornado
uma maneira de transformar cultura em improvisação mecânica... coisas desse
tipo. Durante o tempo em que pesquisei para Errata Erratum, descobri diversos
exemplos de como a cultura DJ se entrecruzava com alguns postulados básicos
da vanguarda do século 20 que parecia ter inconscientemente absorvido todos
eles. Composta em 1913, Erratum Musical de Duchamp se baseia em todo um
esquema de enganos, erros e desvios em uma situação familiar. E o que hoje em
On The Record: Notas para Errata Erratum – Projeto Duchamp Remix no Museu de
Arte Contemporânea de Los Angeles (MOCA)
Sobre o Autor
Paul D. Miller é um artista conceitual, escritor e músico que trabalha em Nova York.
Informações Adicionais
O artista gostaria de agradecer à equipe de Lisa Marks e à equipe do MOCA de L.A., a Andrew Aenoch
por sua paciência infinita na montagem do website, a Rachel Bowditch por estar lá e a sua mãe,
Rosemary E. Reed Miller, também por sua paciência.
324
325
Pós-Teatro:
Performance,
Tecnologia
e Novas
Arenas de
Representação
Renato Cohen
teoria
digital
artista
espaço
teatro
mídia
FILE TEORIA DIGITAL
1. Pós-Teatro
escala social e subjetiva. Uma cena inclusiva, performática, que proporciona 1. BIRRINGER,
inúmeras trocas entre cibernautas – em eventos de curadoria, como o evento Johannes.
Contemporary
Constelação (SESC/SP, 2002), curadoria de Renato Cohen, rede que linkou, em Performance/
tempo real, quatro centros de irradiação (SESC/SP, Caiia Center-UK, Ohio Media Technology.
Center – Columbus, USA e Centro de Mídia – UNB), num período de 12 horas com Theatre Journal 51,
361-381, 1999.
sequência de performances e interescrituras e eventos livres, autônomos, na
produção micropolítica e desejante dos cibernautas – em chats, web-cam e pá- 2. Vespucci (Direção
ginas pessoais. Johannes Birringer,
1999), Dalas, Usa,
A contaminação do teatro pelas artes visuais, cinéticas e eletrônicas dá um Alien Nation Co.
novo salto com a emergência das redes telemáticas que permeiam uma comuni-
cação em tempo real e uma extensão do corpo e da presença (o corpo extenso),
que é eminentemente performatizada. A partir dos anos 90, as novas mídias tec-
nológicas (web-art, artetelemática, net art), com novos recursos de mediação,
virtualização e amplificação de presença passam a impor outras direções às ex-
periências radicais da performance e do teatro: Johannes Birringer1 nomeia um
novo espaço monádico de performação, a sala tecnológica, recebendo imputs em
tempo real, em contraposição à sala de instalação, remetida às artes plásticas.
Em sua criação Vespucci (1999)2, performance com uso de espaço computacio-
nal, cantoras líricas e bailarinas, alimentadas em tempo real por informações
da Nasa e redes de CD-Rom, o público recompõe todo o hipertexto da criação.
Essas novas categorias de performance, intensamente alimentadas por dados
-em tempo real - colocam os performers e a audiência em espaços simulados de
improviso e presentificação.
Essa extensão do espaço cênico no espaço virtual não pressupõe, a nosso
ver, uma “desrealização” das formas e presenças, e sim uma reconfiguração
da cena e da comunicação à luz dos novos suportes e materializações da arte-
ciência contemporânea. Esse projeto de “desrealização” da cena é, na verdade,
um ataque à cena naturalista e tem sua gênese no século XX, com o projeto de
um teatro não mimético – na cena biomecânica de Meierhold, na rota das sur-
marionetes de Gordon Craig, nas utopias futuristas de Khlébnikov, Shlemmer e
El Lissitski, que intentam um corpo que atravesse os médiuns (Khlébnikov fala
de uma linguagem mediúnica, o “zaum”, que atravesse as mídias).
Nesse projeto – anti-realista – novas escrituras se desenham: Klhébnikov 328
cria o KA (1916) – um prenúncio de hipertexto que enumera o Egito de Amenóphis 329
e as terras do homem do futuro. O suprematista Kasimir Malévitch e Maiakovski
desenham ícones abstratos e palavras autônomas na criação de uma nova cena
da poiesis. São fundadores dessa gênese, o formalismo futurista, o sonorismo
dadá, a fluxo automático dos surrealistas e, finalmente, as experimentações
FILE TEORIA DIGITAL
O Hipertexto aqui é
definido enquanto
superposição de textos
incluindo conjunto de
obra, textos paralelos,
memórias, citação e
exegese.
Pós-Teatro: Performance, Tecnologia e Novas Arenas de Representação
com a body-art, o conceitualismo e o minimalismo que vão compor as matrizes 3. Essa peça, por
da cena contemporânea. causa de censura,
foi encenada no
No projeto contemporâneo, uma cena pré-virtual desenha-se nos experi- Brasil com o título
mentos da arte-performance em inúmeras intervenções com tecnologia, juntan- de Life & Times of
do corpo, narrativa e pesquisa de suportes: dos experimentos sonoros de John Dave Clark, em cena
que revolucionou o
Cage à dança autogerativa e numérica de Merce Cuningham; dos experimentos teatro brasileiro. Bob
da fax art, net art realizados pelo Fluxus às vídeo-performances de Nan June Wilson volta ao Brasil
Paik; do vocoder e digitalidade de Laurie Anderson às paisagens tecnológicas em 1994, na Bienal
Internacional de São
de Stefen Haloway. Paulo, com curadoria
Essa cena produz uma nova teatralidade polifônica e polissêmica que é de- de João Cândido
senvolvida também em espetáculos multimídia, como as óperas Life & Times of Galvão, com When We
Dead Awaken,
Joseph Stalin (1973)3 e Einstein on the Beach (1975) – com passagens marcantes de Ibsen.
pelo Brasil – do encenador Robert Wilson, cujas óperas inaugurais, permeadas
por sonoridades, abrupções, tecnologia, performance, idiossincrasia sobrepõem 4. O termo
hipertexto tem sido
o onirismo, a visão multifacetada, a ultracognitividade equiparando paisagens utilizado em textos
visuais, textualidades, performers, luminescências, numa cena de intensidades computacionais
em que os vários procedimentos criativos trafegam sem a hierarquia clássica aludindo às janelas
que se abrem em
texto-ator-narrativa, como por exemplo, nos planos simultâneos do discurso relação ao texto
do Wooster Group, na escritura distópica de Samuel Beckett, na dança minimal principal.
de Lucinda Childs e num leque mais amplo em trabalhos tão distintos como os
environment plásticos de Christo – citados por Gerald Thomas – e as epifanias
visuais de Bill Violla e Gary Hill.
As novas estruturas textuais perpassam o uso do intertexto (enquanto fu-
são de enunciantes e códigos), a interescritura, onde a mediação tecnológica
(Internet) possibilita a co-autoria simultânea, o texto síntese ideogrâmico, na
fusão das antinomias, o texto partitura, inscrevendo imagem, deslocamento, so-
noridades e a escritura em processo, que inscreve temporalidade, incorporando
acaso, deriva e simultaneidade. Na composição do texto espetacular, em inter-
relações de autoria, encenação e performance, o hipertexto sígnico estabelece
a trama entre o texto linguístico, o texto storyboard (de imagens), e o texto
partitura (geografia dos deslocamentos espaço-temporais).
O Hipertexto4 aqui é definido enquanto superposição de textos incluindo
conjunto de obra, textos paralelos, memórias, citação e exegese. O semiólogo 330
russo Iuri Lotman (Universe of the Mind, 1997), nomeia o grande hipertexto da 331
cultura como depositário de historiografia, memória, campo imaginal e dos ar-
ques primários.
Essa nova cena está ancorada em alternâncias de fluxos sêmicos e de su-
portes, instalando o hipersigno teatral da mutação, da desterritorialização, da
FILE TEORIA DIGITAL
2. O Pós-Dramático
Sobre o Autor
Renato Cohen (1956, Porto Alegre – 2003, São Paulo) artista multimídia, diretor, performer e teórico.
Bibliografia Referencial
332
333
Poesia
[digital]: ars
combinatÓria
Lucio Agra
teoria
digital
poema
programação
produção
texto
FILE TEORIA DIGITAL
1. CAILEY, John “post” No seu artigo “Reflexões sobre a ciberpoesia”, publicado em Carta aberta (no. 9,
na Lista e-poetry s/t, Outono de 2000, pp. 22-33), Brian Stefans abre com uma citação de Roger Pellet:
2001(tradução minha;
orig.: “I was also ‘O maior ciberpoema deveria ser uma aplicação online que fornecesse um texto
encouraged to see interessante e uma interface robusta com a qual pudéssemos manipula-lo. Em
and hear that there outras palavras, um processador de texto.’
is new engagement
with what I refer
to as programma- Prossegue, então Cailey:
tological work;
writing in which the
programmability of Bem, sim, podemos perceber onde isso vai dar e a correspondente perspectiva
the writing media is a que isto traz à discussão, mas o MS Word nunca me forneceu um texto inte-
necessity.”). ressante ou uma interface robusta (cf. BBEdit) ou quaisquer ferramentas inte-
2. Idem ibid. No ressantes para manipular qualquer que fosse o texto que eu pusesse nele (...).
original, em inglês: Talvez Photshop ou Flash venham a ser ciberpoemas VizPo...2
“In his *Open Letter*
article Reflections
on Cyberpoetry Decerto que a maioria dos editores de texto são pobres áreas de trabalho para
(Number 9, Fall 2000, escritores. Ainda que consideremos as estatísticas de fabricantes que apontam
pp. 22-33), Brian para um uso em torno de 10% dos recursos desses programas. Sabemos perfei-
Stefans opens with a
quotation from Roger tamente que os artistas “pulam” etapas. De qualquer modo, a “ferramenta” do
Pellet: “The greatest poeta que escreve no computador é, há muito tempo, muito mais do que qualquer
cyberpoem would be editor de textos ou imagens. Na verdade, o termo ferramenta também é ruim. Na
an online application
that provided you sua acepção mais comum, é um artefato de auxílio a uma tarefa. O processador
with an interesting de textos mais simples é bem mais que uma ferramenta, é um medium que altera
text and a robust substancialmente a compreensão que temos do que seja um texto. Este é um
interface with which
to manipulate it. In aspecto cuja discussão ainda está em desenvolvimento. Se assim é com um pro-
other words, a word- grama simples, o que dizer de aplicativos que trabalham com a transformação e
processor.” Well yes, geração de novos textos (e não simplesmente registram os inputs do usuário, de
we can see where
this is going and the acordo com as convenções de sua língua)?
requisite perspective Gostaria de oferecer alguns exemplos que podem auxiliar minha argumenta-
which it lends to ção. Eu os recolhi da lista Wryting, da qual participo desde 2002 e na qual figu-
the discussion, but
MS Word has never ram alguns nomes dessa – digamos assim – tendência, tais como Alan Sondheim,
provided me with an Lawrence Upton, Lanny Quales e outros:
interesting text or
a robust interface
(cf. BBEdit) or any Urge
interesting tools to Alan Sondheim
manipulate whatever
text *I’ve* provided
for it (or plagiarized Urge go hztrayght up GRA! hZTREET on pe North &... take pe pyrd hztreet on
by anticipation). your lepht, &... ...&! go hztrayght up 4D hZTREET, &... take pe phiyrhzt
keyorneros, on pe ryght-h&... TAZyde. (Shehz reaelelel! TAZomepyng!)
POESIA [DIGITAL]: ARS COMBINATÓRIA
Urge go hztrayght up GRA! hZTREET on pe TAZouth &... take pe phiyrhzt Maybe Photoshop
keyorneros, ...&! go hztrayght up LyNKAYOLN hZTREET through up BROWN or Flash are a vizPo
cyberpoems?”
hZTREET on pe keyorneros. (BuKapateveros!) VizPo é uma
expressão que
Urge go hztrayght up 4D hZTREET on pe uhze-meehzt &... take pe pyrd tem sido usada
para designar
hztreet on pe lepht. ...&! take on pe two blosakeyk, on pe lepht-h&... “visual poetry”.
TAZyde. (Shehz out ophlsh! heros m9nd!)
She's hot!
O texto acima não é um poema. Num certo sentido ele é uma coleta de palavras
que podem ter aparecido numa infestação de spams na máquina do poeta. Mas
o texto acima também pode ser um poema se considerarmos que – fosse essa a
estratégia utilizada, do que eu não tenho qualquer comprovação – ele obedece
à regra no. 1 para fazer um poema dadaísta de acordo com Tristan Tzara. Subs-
titua o saquinho e as palavras recortadas pelo infinito poder recombinatório do
computador e temos aí todos os poemas a serem escritos. No ano passado, aliás,
uma polêmica tomou conta da lista, envolvendo justamente Sondheim e outro
poeta, August Highland. Este último vem desenvolvendo há alguns anos um tra-
balho de multiplicação do caráter aleatório de recombinação propiciado pelo
computador e pela Internet. Algo como a produção de clusters de texto, atribu-
ídos a centenas – e hoje, talvez, milhares – de colaboradores reunidos em sites
conectados entre si por imensos portais onde tudo é provavelmente ficcional.
Uma espécie de Biblioteca de Babel dentro da própria babélica Internet. Muitos
dos anúncios desses textos – com exemplos dos autores – eram postados na lis-
ta. Surgiu a questão natural sobre o modo como esses textos eram produzidos,
quais seriam os programas geradores empregados, etc. Na relutância de res- 338
posta por parte de Highland, abriu-se uma longa discussão sobre a veracidade 339
do próprio texto postado, os princípios mediante os quais fora gerado, etc. Por
aí se vê que a proliferação infindável e barroca de textos na rede ultrapassa a
dimensão exclusiva de sua significação para tocar até mesmo os problemas – já
diversas vezes debatidos – da autoria e da autenticidade.
FILE TEORIA DIGITAL
mas há também os casos como os de Johan Meskens que, a partir de uma lingua- 6. JOHNSON, Steven
gem verbal rarefeita, vai produzindo paisagens tipográficas, como no fragmento Cultura da Interface
– como o computador
a seguir, postado em 26 de junho do ano passado: transforma nossa
maneira de criar e 340
comunicar. Rio, Jorge
Zahar, 2001, trad. de 341
REWRAPPING re{ re} Maria Luíza X. de A.
Borges.; SPILLER, Neil
FILE TEORIA DIGITAL
Sobre o Autor
Lucio Agra é poeta, performer, pesquisador na área de vanguarda e novas tecnologias; doutor
em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Publicou Selva Bamba (poemas, Ed. Nova Leva, 1994) e
História da Arte do Século XX: ideias e movimentos (Ed. Anhembi-Morumbi, 2004). Professor na
área de Performance da Graduação em Comunicação das Artes do Corpo da PUC-SP e de Teoria da
Comunicação na FAAP.
342
343
Interpoesia
e Interprosa:
Escrituras
Poéticas
Digitais
Wilton Azevedo
teoria
digital
conceito
comunicação
signo
simulação
FILE TEORIA DIGITAL
1. Este paper foi Ts’ui Pên, homem douto em diversas disciplinas, governador de sua província,
publicado na Revista poeta famoso, decide renunciar a tudo para dedicar sua vida a construir um la-
Design Belas Artes,
Ano 4, Número 5, birinto e escrever um livro. Durante muitos anos sua obra não é entendida: quem
Dezembro de 1998. a lê percebe um texto caótico e desordenado, onde não é possível reconhecer um
Texto “Hiperdesign desenrolar sequencial dos eixos.
uma cultura do
acesso”. O homem que sabe interpretar corretamente essa criação reconhece a in-
tenção de Tsúi Pên: o livro e o labirinto não eram obras independentes, e sim um
2. Quéau, Philippe. único objeto. O que o escritor pretendia era criar um texto que não precisasse
METAXU, Théorie de
L´art Intermédiaire. optar por uma única alternativa, mas que pudesse reunir todas as possibilida-
Collecion Milieux des de uma narração: “Em toda obra de Ts’ui Pên, todos os desenlaces ocorrem;
Editions Champ cada um é um ponto de partida de outras bifurcações”. (Vouillamos apud. Borges,
Vallon. Seyssel. 1989.
2000:80) O mundo digital trouxe para nós a possibilidade de criarmos alterna-
tivas no processo de comunicação estabelecendo vários níveis nestas relações
interativas. É nesta trajetória que algum tempo atrás escrevi um paper levan-
tando e apontando aspectos relevantes destas relações e que oportunamente
chamei de Hiperdesign: Uma Cultura do Acesso1. Este texto começava com uma
citação de Michael de Certaux que diz: “O memorável é o que se pode sonhar de
um lugar”. É pensando na possibilidade da memória ocupar um espaço em um
ambiente virtual, que pretendo neste texto desenlear o que me vem instigando.
Em 1989, Philippe Quéau escreveu um livro chamado Metaxu2 em que já apontava
para a importância de uma revisão para os textos sobre a cognição humana dian-
te de ambientes virtuais, salientando uma evolução dos conceitos biológicos e
a necessidade de um aperfeiçoamento nos processos de simulação via aparatos
tecnológicos digitais, como já havia descrito na sua obra, Eloge de la Simulation,
1986, para que pudéssemos criar uma escritura como organismo vivo.
Se observarmos as produções artísticas como uma linguagem em evolução,
perceberemos que a noção fronteiriça estabelecida de código para código, fica
muito mais claro quando lidamos com aparatos que propiciam um produto híbri-
do, no caso a mídia digital. A poética nos suportes digitais ultrapassam a esfera
das metáforas e entram decididamente para o mundo dos modelos matemáticos
de linguagem binária para que possamos simular e ao mesmo tempo dar ao re-
ceptor a oportunidade de completar a obra.
As linguagens verbais, visuais e sonoras estão sempre operando no limite
da representação, propondo analogias ou metáforas no contexto desta escri-
tura híbrida, “A metáfora pode esclarecer, às vezes com muita luz, mas carece
de verdadeira capacidade de declinação. Sempre representa um caráter mais ou
menos adequado.” (Quéau, 1995: 35). Quanto ao modelo matemático em forma
de escritura, este pode experimentar comprovando sua coerência interna sem-
pre inserido em um contexto real.
Interpoesia e Interprosa: Escrituras Poéticas Digitais
3. Palestra proferida usadas como canetas. Ou seja, o que entendemos hoje por livro, texto e litera-
por Umberto Eco no tura, e suas consequências narrativas, não poderá ser analisado pelos novos
Egito para abertura
da nova biblioteca suportes digitais – hipermídia – se não voltarmos a nossa atenção para a ne-
da Alexandria, cessidade maior que o ser humano tem em produzir escrituras com ou sem “o
foi publicada sangue de seu próprio corpo”, na intenção de lançar o exercício do efêmero em
originalmente no
jornal egípcio Al- forma de eterno.
Ahram e traduzido “Segundo Platão, em Fedro, quando Hermes – ou Thot, suposto inventor da
por Rubens escrita – apresentou sua invenção para o faraó Thamus, este louvou tal técnica
Figueiredo para o
caderno Mais da Folha inaudita, que haveria de permitir aos seres humanos recordarem aquilo que,
de São Paulo dia 14 de outro modo, esqueceriam. Mas Thamus não ficou inteiramente satisfeito.
de dezembro de 2003. ‘Meu habilidoso Thot’ disse ele, ‘a medigital mória é um dom importante que
se deve manter vivo mediante um exercício contínuo. Graças a sua invenção,
as pessoas não serão mais obrigadas a exercitar a memória. Lembrarão coisas
em razão de um esforço interior, mas apenas em virtude de um expediente ex-
terior.” (Eco 2003:6)3
Este expediente exterior produzido pelas tecnologias trouxe novos recortes
epistemológicos para a investigação dessas novas escrituras. As novas pro-
postas para métodos historiográficos nos fazem rever algumas teorias sobre
a linguagem humana não apenas como um sistema de registro da memória da
espécie, mas também como um sistema de articulação de signos que vivem em
trânsito migratório interdisciplinar no que diz respeito à linguagem como um
sistema em expansão.
Os documentos historiográficos e arqueológicos deixam cada vez mais de
ser os documentos como o papiro, ossos, ou mesmo os artefatos de pedra, mas
os da língua que falamos e os estudos dos genes. A ideia de uma linguagem
evolutiva em expansão pode ser notada pela articulação das escrituras adota-
das pelo software da cultura digital e de como, a cada dia, podemos elucidar
que uma reformulação cultural do fazer poético e da produção do conhecimento
não passa apenas pela escrita verbal, e sim na composição de uma escritura
que abarca signos imagéticos e sonoros que se encontram em um estágio de
expansão. É inevitável considerar o avanço tecnológico como um dado para a
escritura expandida, pois esta coloca em xeque a própria produção artística e o
fazer poético dos últimos cem anos.
A densidade populacional já foi detectada como um agente propulsor da
expansão geográfica e das culturas, e a língua como forma de expansão e sua
linguagem decorrente do uso. O que ainda não conseguimos detectar é que a lin-
guagem humana passa por um momento de hibridização como resultado desta
expansão demográfica e tecnológica.
Interpoesia e Interprosa: Escrituras Poéticas Digitais
Assim como as primeiras navegações foram um dos principais fatores para a 4. Há um estudo que
expansão humana de cultura e misturas étnicas, a cultura digital, através de fiz que foi registrado
em uma palestra
seus sistemas hipermídias, ofereceu este mesmo diagrama de transformação proferida na Ohio
através da migração virtual4. Não à toa, usamos o mesmo verbo “navegar” para University no Fourth
esta mesma ação do clicar e adentrar este labirinto narrativo, uma nova etapa Annual McKay Costa
Symposium, em 25 e
para que códigos que viviam em sistemas matriciais isolados, verbal, visual e 26 de abril de 2002,
sonoro, passem, a partir da era do software, a explorar novas formas de se faze- a convite do Prof. Dr.
rem perceber como linguagem. George Hartley.
tiona Alberto Manguel (1997). Assim, veremos que as tentativas de uma prática
semiótica nos tornam atentos ao fato de que o código verbal, como agente ar-
ticulador de signos – software –, fez mudar seu referencial de arbitrariedade
deste “vir a ser” histórico como forma de registro. Com o mundo da escritura
numérica advindo da cultura dos suportes digitais, a linguagem verbal, que tem
como modelo um alfabeto, teve sua práxis há muito transformada na obtenção
para o que chamar de conteúdo analítico. Com esta tradição, notamos que o al-
goritmo nada mais é do que uma escritura que, a cada dia, deixa de ser um mo-
delo matemático de simulação, passando à condição de intercódigo hipermídia
ou escritura expandida.
Pierre Lévy (1996) aponta para este dado como uma atualização que perten-
ce ao próprio ato de ler, e que, de uma maneira ou de outra, cada vez mais as con-
venções pertencentes ao próprio código podem ser corrompidas: “as passagens
do texto estabelecem virtualmente uma correspondência, quase uma atividade
epistolar que nós, bem ou mal, atualizamos, seguindo ou não, aliás, as instru-
ções do autor. Produtores do texto, viajamos de um lado a outro do espaço de
sentido, apoiando-nos no sistema de referência e de pontos, os quais o autor, o
editor, o tipógrafo balizaram. Podemos, entretanto, desobedecer às instruções,
tomar caminhos transversais, produzir dobras interditas, nós de redes secretos,
clandestinos, fazer emergir outras geografias semânticas”. (Lévy 1996:36)
Se tudo se aperfeiçoa, por que a poética não passaria por este processo de
aperfeiçoamento, ou melhor, de atualização? A cada passo, os estudiosos se
vêem no ímpeto de criar novos termos para uma classificação de seus estudos
ou testar a “eficácia de um método” (Teles 1996:14).
O que vemos desta tradição linguística é que as figuras de linguagem ou
criaturas sígnicas que, criadas quando estamos no exercício do tormento que é
a criação, muitas vezes e, com frequência, são identificadas em outros códigos,
como o sonoro e o visual, mas dificilmente vemos situações em que um código
não ilustre o outro, o que faz com que muitas vezes estas linguagens sejam do-
tadas de extrema riqueza técnica, mas de um vazio poético incomparável.
Terminologias são criadas como uma espécie de “moléstia verbal” ou, como
apontada por Max Muller (Teles 1996:14), na tentativa de se criar um conheci-
mento científico, o que não é diferente no estudo da poética. Neste, é preciso
ter o mesmo rigor se quisermos situá-la dentro do mundo digital. Então, por
que a humanidade correu atrás de uma tecnologia que pudesse atualizar cada
352
vez mais o conceito de “ler”, “ver” e “ouvir”, se os sistemas sígnicos do verbo já
353
estavam prontos para a reflexão?
FILE TEORIA DIGITAL
5. Isto me fez lembrar Estamos experimentando ainda como utilizar esta nova mídia digital para a re-
de uma historia flexão de conteúdos temáticos, mas com certeza uma mídia que, além de conter
que um dia Décio
Pignatari me contou o verbo, também contempla, no seu suporte, som e imagem, transportando-nos
por volta de 1983, para um outro mundo que não é apenas verbal, e sim de conteúdo imagético-so-
que ele não conseguia noro, simulando o mundo sensível da percepção, formatando a cultura do olhar
achar alguém em
São Paulo que humano em modelos numéricos – programas.
conseguisse fazer Neste sentido, podemos dizer que as relações cognitivas para a aquisição da
tipos gráficos de reflexão mudaram. Como já foi dito, a memória existe, hoje, nos arquivos eletrô-
chumbo – tipografia
– a partir de um nicos de fácil acesso, em uma atividade interdisciplinar que agrupa entidades
tamanho de corpo humanas e máquinas, colocados em redes de acessos no mundo inteiro.
ampliado, para que Se pensarmos com atenção, nada é novo no que diz respeito à imagem virtual
surtisse o aspecto
visual da palavra que e seu conceito. Só para lembrar, em S. Agostinho, já encontramos o “espírito”
ele desejava para como registro virtual, – “A memória é, para S. Agostinho, a primeira realidade
o poema se tornar do espírito, a partir da qual se originam o pensar e o querer; e assim constitui
visual. Até que então
ele encontrou no uma imagem de Deus Pai, de quem procedem o Verbo e o Espírito Santo.” (Lauand,
bairro do Brás na 1998: 9) –, esta “primeira realidade do espírito” se faz presente de maneira não
cidade de São Paulo física para o pensar. À medida em que estas máquinas se tornam cada vez mais
que se propôs a
fazê-lo. inteligentes, transformando-se em verdadeiras entidades que se moldam às ca-
pacidades humanas, esta busca incessante pela perfeição nos faz pensar que a
materialidade terrestre é apenas um estágio provisório – uma passagem – e o
programa de acordo com o seu conceito se torna uma verdadeira escritura, uma
espécie de estado primitivo do Verbo.
Querendo ou não, toda a especulação sobre espaços virtuais e como escrevê--
-la e inscrevê-la acabam por ter dados metafísicos. Isso porque nem tudo o que
vemos nestes ambientes é simulação (Heim, 1993). O corpo da escritura hipermí-
dia nos traz um dado formidável que é a articulação dos códigos. Nada que está
em uma tela de computador tem a ver com manipulação, e sim com articulação.
Com a propriedade do signo verbal e sonoro, nunca houve dúvidas a respeito do
caráter virtual dessas duas formas de signos. O som só passou a ser manipulado
com a música concreta de Pierre Scheaffer, e o mesmo podemos dizer da poesia
concreta do grupo Noigandres, daí o dado concreto desses signos que passaram
a ser manipulados, ou melhor, montados e não apenas articulados5.
Os aspectos tipográficos das palavras e das frases não podem ser esquecidos
como um processo signico para a formação da escrita e da escritura. (Dubosc,
Bénabou e Roubaud, 2003:106)
As artes plásticas sempre operaram a manipulação, a matéria, desde seus
pigmentos até as resistências escultóricas com a lei da gravidade; por isso a
resistência com o computador por parte de alguns artistas. Marcel Duchamp,
Interpoesia e Interprosa: Escrituras Poéticas Digitais
com sua frase “Sonho com um tipo de arte que não tenha que por as mãos”, já
apontava para este estado de articulação advindo da fisicalidade do objeto ar-
tístico, entregando para os futuros artistas do século passado a responsabili-
dade do conceito artístico: criar criaturas virtuais, ready-made e, mais tarde, a
Arte como Ideia proposta por Joseph Kosuth em One and Three Chairs, em 1965.
Na poética de síntese numérica ou escritura expandida, tudo é articulado,
não se manipula nada, não se monta nada, se “diz lendo”, como na origem mate-
mática se pensou os algoritmos. É claro que muito tempo se pensou na questão
a respeito da assepsia desta nova forma de escritura: Não se combate assepsia
dos simulacros introduzindo neles ruídos, sujeiras ou gestos desestabilizado-
res, mas construindo algoritmos cada vez mais ricos de consequência e cada
vez mais complexos... cada vez mais próximos do organismo das formas vivas.
(Machado apud. Azevedo, 1994:155) A questão é saber o que torna o meio poético
mais expressivo no que diz respeito a sua autonomia sem ter que combater a
assepsia. O trânsito estabelecido entre a linguagem do cotidiano e a lingua-
gem poética é o que vem caracterizando um exercício de citação infindável nos
suportes digitais. Aqui é importante que façamos uma distinção do termo “cita-
ção”. Para este recorte que estou propondo, o ato de programar uma linguagem,
notamos que este exercício de articular partes nos aparece como se fosse um
todo de uma palavra, de um som ou imagens, que faz e torna estes interpoemas
poéticos. É o não romper esta autonomia que a linguagem do cotidiano tem, que
se faz poesia quando se trata de programação.
A metalinguagem já vem pronta porque hoje conseguimos ter o acervo de qua-
se tudo que a humanidade produziu. O autor Cristóvão Tezza (2003:118) aborda
a preocupação que havia com a ideia de romper com certo grau da autonomia
das palavras: a função da arte seria então quebrar este automatismo, chamar a
atenção para o próprio meio, para a própria palavra. É neste ‘olhar para si mesmo’
que residiria a língua poética, distinguindo-se da língua vulgar, prosaica, comum,
prática. A partir desta dicotomia, criam-se novas categorias de análise: a ‘de-
sautomatização’, o ’estranhamento’ ou, nas palavras mais precisas de Jakobson
(1923), a ‘deformação organizada’ da língua comum pela língua poética.
É interessante notarmos que mesmo a ideia de estranhamento já era explora-
da por Jakobson em sua proposta de “deformação organizada”; o que não se sabia
é que justamente o oposto, ou seja, a mesmice, seria explorada no sentido de
criar este “estranhamento”. Carlo Ginzburg propõe este mesmo “estranhamento”
como uma “atitude moral diante do mundo” (Tezza 2003: 119), mas a verdade é 354
que o estranhamento proposto desde a época do dadaísmo pertencia a uma con- 355
dição dos signos em forma de códices, vistos e compreendidos como “ruído”.
FILE TEORIA DIGITAL
6. Looppoesia. A Na direção contrária a isso que em Looppoesia6 apontei o articular e fazer desa-
Poética da Mesmice parecer qualquer dado asséptico desses programas, no momento em que passa-
– Cd Rom 2001. Será
lançado este ano mos a entendê-los como escritura, e insisto que estamos articulando novamen-
pela Universidade te em um registro sígnico que nos dá a possibilidade de praticarmos trânsitos
Presbiteriana de intermediaridades interpoéticas do verbo, som e imagem em direção a uma
Mackenzie através
do Mackpesquisa. escritura expandida7.
Este trabalho foi Se articularmos esta escritura dos suportes digitais, seu dado asséptico
apresentado pela desaparece quase por completo, pois não somos seres limitados por sermos
primeira vez no
EPoetry, em Buffalo, portadores de um alfabeto.
em 2001. O mesmo acontece com o software ou esta forma de escrituras. Dentro deste
quadro posso afirmar que nunca se escreveu tanto quanto agora. Escrevemos o
7.Pode ser lido em
www.mackenzie. som, a imagem e mais do que nunca o texto, registrando nosso conhecimento de
com.br/interacao/ forma menos plana, bidimensional. Com isso, passamos a ganhar o espaço tridi-
www2003. mensional das escrituras que é a própria forma de pensarmos, experimentando
e conhecendo, como protagonizou Theodor Nelson.
Contudo, não poderia deixar de mais uma vez dizer que estamos apenas rea-
presentando a nossa fala à humanidade. É um momento de extrema importância
em que experimento e prática passaram a ficar muito próximos. Tudo que arti-
culamos nestas escrituras não existe de forma natural, crua, de sintaxe plena.
O que chamamos de “pós” é apenas uma maneira reducionista e caricata de não
assumirmos que passamos a citar o nosso próprio conhecimento, ou seja, arti-
culamos o que já sabemos. A modernidade não se esgotou ainda.
É justamente este poder articulador que nós, seres humanos, temos para
poder experimentar signos nem sempre convencionais em nosso cotidiano,
principalmente quando a tecnologia nos coloca em uso verdadeiras máquinas
semióticas, em que devemos aprender a deixar nossos registros poéticos em
um formato novo de vocabulário, “... uma das coisas admiráveis da linguagem
humana é esta de, a partir de um sistema exíguo e fechado de fonemas sem
sentido, chegar-se à articulação de milhares de palavras e aos milhares de sig-
nificações possíveis no vocabulário comum...” (Teles, 1996:19).
Para concluir, a pratica deste experimento com linguagens é antiga como
uma ciência da experimentação, é parte do corpo sígnico dos códigos a serem
articulados em forma de semas que servem e continuarão servindo de linha
avançada para a criação estética humana, mas com a certeza de podermos colo-
car em pratica uma nova era das narrativas.
Interpoesia e Interprosa: Escrituras Poéticas Digitais
Sobre o Autor
Wilton Azevedo é artista plástico, designer gráfico, poeta e músico. Doutor em Comunicação
e Semiótica pela PUC-SP e pós-doutor em Poesia Digital na Université Paris VIII Laboratoire
de Paragraphe. Professor Doutor pesquisador do Programa de pós-graduação strito sensu em
Educação, Arte e História da Cultura e colaborador do Programa de pós graduação em Letras, da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
356
357
FILE TEORIA DIGITAL
Bibliografia
358
359
Manifesto
mediamático
Por uma
[Proto-arte]
Vebvirtual
Artur Matuck
teoria
digital
manifesto
palavra
tradução
pesquisa
FILE TEORIA DIGITAL
vvebvirtual
vexbrvirtual vebvirtdual
362
veovirtual
363
aeevirtuae
FILE TEORIA DIGITAL
auto-signavel
mediaoenia auto-signavelr
medilakgenia autno-signavel
mediavgenia autko-sigdnavel
mediabgenia
(7) Reavaliar o status de mercadoria
(6) Reposicionar os espaços da arte de um artefato, valorando processos
no universo mediamático dinâmicos de movimento e expansão
de-hrimical de-eriminal
de-cramcnal
de-canminil
de-crigminal arte-ubsquisa
orbe-eesquisa
(8) Resistir [protestar, rejeitar, arke-gesquisa
discordar] do status criminalizante rt-psqs
da [auto] replicação de sistemas
[quase] inteligentes
(9) Redelimitar as hierarquias entre
Funções podem se alternar, entre artista, crítico, curador contestando
criador e criatura, autor e leitor, autorizações arteculturais
programador e usuário, porque a
meta-criação ______ sistemas que Arte-pesquisa ______
desestabilizam papéis permanecidos. autolegitimadora, buscando outros
processos de averiguar valores
A instauração irreprimida destes que não se sustentem em sujeitos
processos revotecnológicos não instituidos de pseudo-saber.
pode no entanto irromper totalmente
porque o tecnopensamento ______ Meta-arte como instrumento
reservado, o programa ______ conceitual que proporciona a
proprietário, a cultura ______ possibilidade e o direito de criar
capitalizada. em níveis sistêmicos ampliando
exponencialmente o campo de ação e
A reversão do proprietário para o intervenção.
usuário permanece estigmatizada
pela pseudocampanha, criminalizada O espaço vebvirtual como
por supostos sujeitos criadores do uma instituição de expressão
capital cultural. e comunicação coletivas que
desestabilizam espaços regulados e
Terminais tornam-se vivificados controlados, de-permanecidos.
quando seus potenciais de
reprodução [disseminação, O vebvirtual gradualmente extravasa,
interrogação, invasão, reelaboração] e sua sub-cultura escorre, derrama-
são plenamente ______. O status se, irrompendo no concreto,
de-criminal dos operadores ______ promulgando uma re-ordem
um novo direito no multiverso corpórea, extensa pelos territórios
vebvirtual. da cidade.
MANIFESTO MEDIAMÁTICO POR UMA [PROTO-ARTE] VEBVIRTUAL
der-escrevura
366
367
Arte e
tecnologia:
uma história
porvir
Paula
Perissinotto
teoria
digital
tecnologia
público
arte
estética
FILE TEORIA DIGITAL
com o público. Uma relação que supera a fruição, a contemplação e até mesmo
a participação. Já o curador passa a ter um papel muito mais de catalisador e
organizador dessas experiências do que mentor de um discurso metalinguísti-
co de cada obra exposta. Uma outra metamorfose advinda do universo digital,
pelo menos por enquanto, é o seu arquivamento, pois arquivar o digital continua
um mistério, o que produz desconforto para os colecionadores de arte e para
os museus. Entretanto, um dos empecilhos de uma comunicação eficaz entre as
novas mídias e a arte tradicional ocorre porque muitas vezes profissionais da
área cultural não se sentem familiarizados com o universo digital e, portanto,
optam por desconsiderá-lo. Isso dificulta sua legitimação. Entende-se que as
transformações culturais se reconhecem através do tempo, o que muitas vezes
pode sugerir uma comunicação imediata improvável, mas nunca impossível.
Parece cabível aqui, para encerrar, uma paráfrase adaptada ao século XXI:
“Se o mundo em que vivemos é o mundo dos códigos, devemos, como artistas,
produtores culturais e pensadores contemporâneos, adentrar esse universo de
zeros e de uns e dominá-lo”.
Sobre a Autora
Paula Perissinotto é artista e produtora cultural. Mestre em Poéticas Visuais pela ECA – USP (2001).
Atua principalmente nos seguintes temas: cultura digital, interatividade, arte eletrônica e novas
mídias. Co-Fundadora e co-organizadora do FILE Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.
374
375
WEBSITES &
CATÁLOGOS:
2000- 2009
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1ª EDIÇÃO
2000
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WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
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2a EDIÇÃO
2001
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Ricardo Barreto
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1ª EDIÇÃO
2001
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Ricardo Barreto
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378
379
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2002
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FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
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380
381
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4ª EDIÇÃO
2003
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WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
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2004
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FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
382
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FILE TEORIA DIGITAL
FILE SÃO PAULO FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
5ª EDIÇÃO
2004
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384
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2006
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388
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RIO 1ª EDIÇÃO
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2008
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FILE TEORIA DIGITAL
FILE PORTO ALEGRE FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
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ps.2 arquitetura
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FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
FILE INOVAÇÃO
1ª EDIÇÃO
2008
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Mamute Mídia Ltda
FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
392
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FILE TEORIA DIGITAL
FILE SÃO PAULO FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
10ª EDIÇÃO
2009
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FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
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FILE RIO
4ª EDIÇÃO
2009
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Alfaiataria.net
FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
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FILE TEORIA DIGITAL
FILE SÃO PAULO FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
Hotsite de
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DESIGN
BIZU_Design
com Conteúdo
FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
FILE HIPERSôNICA
RIO 8 BIT GAME
PEOPLE
2ª EDIÇÃO
2009
Website
Design:
BIZU_Design
com Conteúdo
FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
FILE - Electronic Language International Festival FILE - Electronic Language International Festival
396
397
FILE TEORIA DIGITAL
CATÁLOGO
Elementos da
biologia celular
foram usados como
metáfora gráfica na
apresentação dos
diversos segmentos
– que incluem arte
digital e sonora,
performance e
instalação – da
quarta edição,
traçando um paralelo
entres os códigos
digital e biológico.
DESIGN
ps.2 arquitetura
+ design
WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
CATÁLOGO
O projeto gráfico do
catálogo incorpora
e expande as
semelhanças formais
e conceituais
existentes entre
placas de circuito
eletrônico e
fotografias de
satélite da paisagem
urbana. A paginação
é convertida
em notações de
coordenadas,
as informações
dos trabalhos
são agrupadas
como legendas
de cartografia,
mapas indicam a
nacionalidade dos
artistas. As aberturas
das seções trazem as
imagens de satélite
em diferentes
escalas, mostrando a
cidade cada vez mais
de perto ao longo
do catálogo.
DESIGN
ps.2 arquitetura +
design
398
399
FILE TEORIA DIGITAL
CATÁLOGO
O projeto gráfico
do livro do FILE de
2005 adotou uma
escala de cores para
a identificação das
várias programações
da mostra e dispôs
textos e imagens em
fichas de formatos
variados. A capa,
impressa em preto
e em duas cores
fluorescentes, assim
como as páginas
internas, utilizaram
frames da vinheta
realizada por Nivaldo
Godoy e Panais Bouki,
produzindo um efeito
ótico-cromático
com o manuseio da
publicação. Os textos
foram compostos em
Virtue, Officina Sans e
Officina Serif Book.
DESIGN
André Lenz e
Gabriel Borges
WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
FILE SYMPOSIUM
SÃO PAULO
6ª EDIÇÃO
2005
CATÁLOGO
A publicação FILE
Symposium utilizou
um sistema modular
para a diagramação
das pesquisas dos
participantes do
FILE de 2005. Na
capa e nas páginas
internas foi aplicada
uma padronagem
que remete aos
grafismos de
impressões digitais
e de placas de
circuitos eletrônicos,
repetida de modo
aleatório ao longo
do livro. A capa foi
impressa em preto e
em pantone metálico
e o miolo, em papel
Pólen, com textos em
preto e compostos
em Officina Sans e
Officina Serif Book.
DESIGN
André Lenz
400
401
FILE TEORIA DIGITAL
FILE RIO
1ª EDIÇÃO
2006
CATÁLOGO
O projeto gráfico
do livro FILE Rio foi
desenvolvido a partir
de eixos horizontais
e marcações verticais
que ordenam as
imagens e textos
dos trabalhos
apresentados. A capa
utilizou uma imagem
da obra Metaforms,
do artista alemão Tim
Coe, e foi impressa
nas cores azul, prata
e preto, sendo o
miolo do livro em
couchê fosco e em
papel Pólen para
os resumos do FILE
Symposium. Foram
usadas as famílias
tipográficas Rotis
Semi Sans para os
textos e Typestar
para os títulos.
DESIGN
André Lenz
WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
CATÁLOGO
O tema da edição,
“Geomatriz - Hábitos
Reconfigurados”, é
explorado através
da oposição de cenas
da natureza em seu
estado original e
imagens de animais
domesticados, que
tiveram portanto seu
comportamento natural
“reprogramado” pela
ação humana. A
orientação vertical
da publicação procura
alterar a forma natural
de folhear um livro,
propondo que os
hábitos do próprio
leitor sejam também
reconfigurados.
DESIGN
ps.2 arquitetura +
design
402
403
FILE TEORIA DIGITAL
FILE RIO
2ª EDIÇÃO
2007
CATÁLOGO
No segundo ano
do evento no
Rio de Janeiro,
acreditamos que
seria interessante
tentar utilizar uma
linguagem vetorial,
destacando a ideia de
olhos que observam
em todas as partes da
identidade. Sendo um
evento de tecnologia
e artes, decidiu-se
criar um mundo
próprio, com uma
série de ilustrações
feitas a partir de
pedaços das obras
dos artistas.
DESIGN
Rita Mayumi, Bruno
Thomaz, Mari Moura,
Anderson Salvador e
Eduardo Bento Jr.
WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
FILE RIO
3ª EDIÇÃO
2008
LIVROS
Para onde um fio-
-condutor pode nos
guiar? E onde nos
conectam? O mesmo
conceito “Se Liga”
foi aplicado nos
eventos no Rio de
Janeiro e em Porto
Alegre, simbolizando
a ligação do evento
entre as duas
cidades – uma vez
que elas ocorreram
simultaneamente.
A identidade faz
uma referência a
possibilidade de
conexão, de se ligar
à arte, tecnologia e
ao evento.
DESIGN
Rita Mayumi, Bruno
Thomaz e Mari Moura
404
405
FILE TEORIA DIGITAL
FILE RIO
4ª EDIÇÃO
2009
CATÁLOGO
“Como tirar o
objeto de um
contexto e aplicar
outra reliadade
a ele?”. Esta foi
a ideia-conceito
da identidade
visual, que a partir
de elementos do
cotidiano, somados
a tecnologia,
ganharam uma série
de imagens e outros
significados para o
evento que ocorreu
no Rio de Janeiro.
DESIGN
Rita Mayumi, Bruno
Thomaz e Mari Moura
WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
CATÁLOGO
Com a temática “2008
Milhões de Pixels” –
devido a tecnologia
4K apresentada
no evento neste
ano –, as infinitas
possibilidades de um
mundo novo foram
exploradas, e, a
partir de detalhes
vivos e ultradefinição
do objeto aos olhos
do expectador,
foi possível
explorar milhões
de possibilidades e
combinações.
DESIGN
Rita Mayumi, Bruno
Thomaz e Mari Moura
406
407
FILE TEORIA DIGITAL
CATÁLOGO
Queríamos usar a
computação gráfica e
softwares de design
não apenas como
ferramenta, mas
como linguagem e
conteúdo expressivo.
A identidade do
projeto foi criada a
partir de ilustrações
feitas não somente de
forma digital, mas que
de fato exploram os
recursos do software
para reorganizar/
alterar estas
mesmas ilustrações,
produzindo imagens
inspiradoras. Foi um
processo interessante
de experimentação,
edição e interferência
nas imagens – algo
como subverter “a
bit” a lógica binária
0-1: um diálogo
artístico com a
máquina. O resultado
foi uma identidade
quase mutante, porém
única. O livro explora
essa característica:
foram feitas duas
capas diferentes e as
ilustrações marcam os
abres dos capítulos.
DESIGN
BIZU_Design
com Conteúdo
WEBSITES & CATÁLOGOS: 2000-2009
FILE Hipersônica
Rio 8 BIT GAME
PEOPLE
2ª edição
2009
CATÁLOGO
O limite de cores
dos processadores
8 bits foi utilizado
como linguagem.
Criamos versões em
256 cores das obras
dos artistas e usamos
essas “novas velhas
imagens” como uma
textura que invade
o livro, em todas
as suas páginas. O
conteúdo aparece em
uma segunda camada,
sempre sobre fundo
branco, em estética
que remete às
animações “quase
estáticas” que eram
alma dos jogos de 8
bits. O uso funcional
de termos de games
(como Start e Game
Over) contribui para
gerar uma sensação
de movimento.
DESIGN
BIZU_Design
com Conteúdo
408
409
GLOSSário
de termos
FILE TEORIA DIGITAL
Algoritmos Bit
Conjunto de regras ou instruções Sigla em ingles de Dígito Binário
matemáticas criadas para que um (Binary Digit), a menor unidade de
computador ou outro equipamento informação capaz de ser processada
eletrônico execute uma determinada por um computador.
tarefa.
Browser
Analógico Nome comum dados aos programas
Sistema de comunicação oposto ao que permitem a navegação e
digital que opera por meio de ondas exploração da internet.
eletromagnéticas.
Bug
Animação Gif Nome dado a um erro de
É uma animação digital criada a funcionamento em um software
partir da combinação de diversas ou hardware.
imagens em um único arquivo
GIF Graphics Interchange Format Cluster
(Formato de Intercâmbio Gráfico). Termo usado para designar um
conjunto de computadores ou
Aplicativo servidores programados para
Vide Software. funcionar conjuntamente, com o
objetivo de agilizar um processo ou
Autômatos armazenar uma maior quantidade
Máquinas que agem de forma de dados.
semelhante ou se assemelham a
seres vivos. Robôs. Código binário
Linguagem de programação composta
Avatar pelos dígitos 0 e 1 utilizada para
Personificação de algo ou alguém. fornecer instruções a computadores
Na internet ou em redes sociais é o ou outro equipamento eletrônico.
nome dado à representação gráfica
de um usuário. Digital
Oposto ao analógico. Sistema que
transmite informações por meio de
código binário.
GLOSSÁRIO DE TERMOS
Download Interface
Do inglês, baixar ou descarregar. Meio de comunicação entre duas
É a transmissão de informações ou entidades. Por exemplo, a aparência
dados de um computador remoto ou gráfica dada a um software para
servidor para um computador local. que ele possa ser manipulado
pelo usuário.
Hardware
É o nome dado à parte física de um Java script
computador ou outro equipamento Nome de uma linguagem de
eletrônico. Isto é, o conjunto de programação criada em 1995 pela
processadores, circuitos etc. empresa Netscape.
Looping Pixel
Execução da(s) mesma(s) Menor unidade de uma imagem que é
instrução(ões) um número exibida num monitor ou tela. Quanto
pré-determinado de vezes, a fim mais pixels possuir uma imagem,
de atingir um certo resultado. maior será sua definição.
Mainframe Plugin
Nome utilizado para designar um Do inglês plug in, encaixar ou inserir,
computador de grande porte e é o termo usado para designar um
performance ou uma central de aplicativo que permite ampliar as
processamento de dados. funções de um software.
Metadado Processamento
Dados a respeito dos dados já A capacidade de um computador ou
existentes, ou classificações sobre a outro equipamento eletrônico de
informação ou dados já existentes. transformar dados em informação.
Morphing Protocolo
Recurso utilizado em filmes Termo que designa convenções
ou animações que consiste em ou padrões que permitem que
transformar uma imagem em outra um computador “compreenda” as
de forma crível e aparência não informações transmitidas por outro
artificial. computador ou sistema.
Nanotecnologia Remix
Ciência aplicada a várias áreas tais Termo utilizado para definir uma
como Computação e Biologia, que visa versão alternativa de uma música,
o desenvolvimento de dispositivos diferente da versão original.
cujo tamanho esteja entre 0,1 e 100
nanômetros. Um nanômetro equivale Servidor
a um milésimo de milímetro. Um computador que fornece ou
armazena informações para outros
Online computadores ligados a ele.
Termo utilizado para designar algo
ou alguém conectado à internet.
GLOSSÁRIO DE TERMOS