Nas Veredas Do Sertão Colonial
Nas Veredas Do Sertão Colonial
Nas Veredas Do Sertão Colonial
João Pessoa-PB
2014
MAYARA MILLENA MOREIRA FORMIGA
Área de Concentração:
História e Cultura Histórica
Linha de Pesquisa:
História Regional
Orientador:
Prof. Dr. Mozart Vergetti de Menezes
João Pessoa-PB
2014
F725n Formiga, Mayara Millena Moreira.
Nas veredas do sertão colonial: o processo de conquista e
a formação de elites locais no sertão de Piranhas e Piancó
(Capitania da Parahyba do Norte, c.1690-c.1772) / Mayara
Millena Moreira Formiga.- João Pessoa, 2013.
167f.: il
Orientador: Mozart Vergetti de Menezes
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA
1. História - Paraíba. 2. História regional. 3. Capitania da
Parahyba do Norte. 4. Elites locais. 5. Sertão de Piranhas e
Piancó.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Mozart Vergetti de Menezes
Orientador (UFPB)
_____________________________________
Profa. Dra. Juciene Ricarte Apolinário
Membro Externo (UFCG)
______________________________________
Prof. Dr. Gustavo Acioli Lopes
Membro Interno (UFPB)
_____________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Ceballos
Membro Suplente Externo (UFCG)
___________________________________
Prof. Dr. Acácio Jose Lopes Catarino
Membro Suplente Interno (UFPB)
Dedico essa dissertação a minha mãe Margareth,
por seu exemplo de vida, amor e dedicação.
AGRADECIMENTOS
Embora esse texto tenha sido escrito em momentos de solidão e suas insuficiências
sejam de minha inteira responsabilidade, ele não teria sido possível graças ao apoio, ajuda e
contribuição de muitas pessoas que, direta ou indiretamente, engrandeceram e ajudaram a
construir este trabalho. Assim agradeço,
A Deus, por depositar-me força quando desistir de tudo parecia a solução mais viável.
Ao meu orientador Mozart Vergetti pelas sugestões, críticas e apoio dedicados no
decorrer de toda pesquisa.
Aos meus mestres ainda no curso de graduação que, na Universidade Federal de
Campina Grande, com muita dedicação me passaram as bases fundamentais que regem o
ofício do historiador. Deixo aqui minha gratidão à Profª. Viviane Ceballos pelo seu apoio e
torcida durante a elaboração do Projeto. Ao Profº. Rubsmar Marques pelas constantes
palavras de motivação e incentivo ao longo de todo curso. Com muito carinho sempre me
lembrarei do Profº. Paccelli Gurgel (in memoriam) com quem vivi profícuos momentos de
aprendizagem seja nas disciplinas ou nos projetos de monitoria, assim como de diversão, já
que uma de suas especialidades era fazer despontar sorrisos na face de todos aqueles que
estavam ao seu redor. Os meus sinceros agradecimentos deixo ainda ao Profº Osmar Luiz da
Silva por confiar-me a execução de seu projeto intitulado Procurações, Libelos, escrivães e
Nobres da Terra: a dinâmica da administração no sertão do rio Piranhas, Capitania da
Parahyba do Norte (1725-1715) (CNPQ/PIBIC/UFCG), pesquisa da qual nasceu os primeiros
objetos para uma pesquisa no âmbito de mestrado. Com seu exemplo de profissionalismo e
humanidade, o profº Osmar foi chave fundamental no meu crescimento profissional. Dentre
todos os demais levarei sempre no coração os professores (as) Isamarc Lobo, Francinaldo,
Silvana e Chagas Amaro.
Ainda na Universidade Federal de Campina Grande deixo minha especial gratidão aos
grandes mestres Rosilene Alves Melo e Rodrigo Ceballos. A ela por ter, ainda nos primeiro
períodos do curso, plantado a semente de um sonho e apostado na sua realização. Ao Rodrigo,
por ter me ensinado que ultrapassar limites e barreiras é sempre possível. Exemplo de pessoa
e pesquisador, ele foi responsável por transmitir-me o aparato intelectual fundamental ao
historiador. Se dispondo ainda, generosamente, a ler e corrigir o projeto submetido à seleção.
Sem o seu apoio a minha caminhada seria, certamente, bem mais árdua. Por tudo isso eles
tornaram-se, em minha vida, influência fundamental.
Não posso deixar de registrar minha gratidão especial aos meus tios Joaquim Alencar
e Tica Alencar, eles são para mim exemplos de amor, cuidado, respeito e confiança. Foram
eles que, na época da graduação, me receberam carinhosamente para morar em sua casa até o
fim do curso, evitando o desgaste diário das viagens entre Pombal e Cajazeiras. Sem esse
apoio, a jornada teria sido, certamente, mais difícil e cansativa.
Na Universidade Federal da Paraíba tive a oportunidade de aprender e conviver com
professores que, visivelmente deram, com suas sugestões e críticas, um refinamento a este
trabalho. Devo um agradecimento especial à Profº. Regina Célia Gonçalves, pelo seu carinho
e cuidado com a leitura dos meus escritos. Com seu olhar delicado e atencioso ela depositou
neste trabalho toda lapidação necessária. Agradeço ainda ao Porfº Ângelo Emílio, pela sempre
disponibilidade nas conversas e orientações, e por estar aberto para emprestar suas obras raras
que, em muito auxiliaram todo nosso percurso. Dessa instituição sempre me lembrarei com
carinho dos professores (as) Serioja Mariano, Vilma de Lurdes, Solange Rocha, Tema
Fernandes, Raimundo Barroso e Cláudia Cury.
O meu muito obrigado dispenso aos membros da banca de qualificação, Regina Célia
Gonçalves (UFPB) e Rodrigo Ceballos (UFCG), pelas dicas, sugestões e contribuições
fundamentais ao aperfeiçoamento desta pesquisa. As lições apreendidas neste momento foram
muito valiosas. Espero ter escutado tudo com atenção e ter sido capaz de incorporar os
direcionamentos necessários.
Ainda na graduação tive a oportunidade de conhecer amigas inesquecíveis, elas em
muito me auxiliaram com palavras e gestos de motivação nos momentos em que pensar em
cursar um mestrado parecia um sonho distante. Por isso, meu eterno agradecimento a
Erislândia Cruz (riris), Michele Estrela, Cristina Almeida e Ana Paula. Nos anos do curso de
mestrado tive a oportunidade de conhecer pessoas especiais que vou levar sempre no coração,
eles são amigos não somente nos momentos de vitórias, mas, também, nas dificuldades
enfrentadas. Assim, deixo aqui o meu carinho a José Rodrigo, por dividir comigo as angústias
finas da escrita, ao Leandro Maciel pela atenção dispensada em nossas interlocuções e pelo
carinho e cuidado com que nos recebeu na, até então, desconhecida Fortaleza. À Lidiana Justo
por sempre estar disposta a oferecer palavras de conforto, fé e esperança. Ao Thiago Oliveira
por ter tido paciências de escutar as minhas dúvidas e questões quando elas, inevitavelmente,
insistiam em permanecer. Muitos outros ainda estiveram ao meu lado e, de uma forma ou de
outra, tornaram as coisas mais leves, por isso, com carinho agradeço a Bruno Cezar, Érica
Lins, Simone da Silva, Jônatas Xavier, João Aurélio, Inaldo Chaves Jr, Elaine Cristina,
Almair Moraes e Rafaela Pereira.
Gostaria de dispensar um agradecimento especial a: Queila Guedes, amiga querida de
todos os momentos, desde os tempos da graduação até os anos que se seguiram no mestrado.
A sua presença fiel e suas palavras de conforto tornavam as dificuldades e os desafios diários
mais leves e fáceis de serem resolvidos. Ao meu amigo gaúcho Lucas Monteiro, que me
proporciona dias agradáveis, mesmo que a cada dois anos, nos encontros internacionais de
História Colonial. À Simone Moraes, com quem tive a oportunidade de ter profícuos debates
a respeito do sertão de Piranhas e Piancó, a ela também agradeço pela elaboração de quase
todas as figuras presentes neste trabalho. Ao Leonardo Rolin, por possuir a particularidade,
que poucos possuem nos dias de hoje, de dividir seu conhecimento com os companheiros de
ofício. Muitos dos debates presentes neste trabalho só foram possíveis graças às nossas
conversas e sua disponibilidade de emprestar os seus livros.
Aos meus amigos, não encontrados no mundo acadêmico, mas que foram presentes de
Deus para mim ao longo da vida, meus sinceros agradecimentos pelo apoio e torcida para
conclusão deste trabalho: Eudócia Almeida, Rafael Almeida, Monasses Marques, Luciana
Formiga, Nayara Mota, Paloma Almeida e Thereza Honória.
A minha mãe Margareth, a quem eu também dedico este trabalho, foi responsável por
ser meu anjo guardião, velando os meus dias de tranquilidade necessários nas horas de estudo.
Com palavras eu jamais conseguirei exprimir a importância de todo seu amor e cuidado a
mim dedicados ao longo de uma vida e, sobretudo, na árdua caminhada até a concretização
deste trabalho. Nos meus familiares encontrei incentivo e apoio. Meus avós, tios e primos,
cada um ao seu modo, com palavras, gestos e até mesmo financeiramente, contribuíram para
concretização deste sonho.
Registro aqui os meus agradecimentos a todos do quadro de funcionários do cartório I
Ofício de Notas Cel João Queiroga e do fórum Promotor Nobrega Seixas (Pombal-PB), pela
gentileza com a qual me receberam nas inúmeras tardes que passei digitalizando toda
documentação fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa.
E agradeço, por fim, a CAPES por ter custeado essa pesquisa.
RESUMO
Este trabalho tem como principal objetivo de análise a conquista e ocupação do sertão da
Capitania da Parahyba do Norte, bem como a formação das primeiras elites locais que
estavam se formando na região, entre os anos de 1690 a 1772. No decorrer desses anos, os
sertões das Capitanias do Norte do Estado do Brasil passaram por um processo de
interiorização de seus territórios, sobretudo após a expulsão dos holandeses em 1654. Dessa
maneira, empreendemos uma investigação a respeito do processo que antecede o
estabelecimento dos colonizadores no sertão de Piranhas e Piancó: a guerra contra os povos
indígenas e a distribuição de terras em sesmarias. Esse tenso processo de disputas não
poderia ter obtido sucesso sem a participação de conquistadores que, a custa de suas forças e
recursos e pela força da espada e da fé, dilataram ainda mais os domínios portugueses na
América. Tendo em vista esse contexto, buscamos perceber de que forma os primeiros
conquistadores da região aqui analisada, especialmente o grupo familiar dos Oliveira Ledo, se
transformaram no primeiro e principal núcleo de elite local, por meio do acesso a mercês reais
concedidas pelo monarca graças aos serviços prestados no âmbito da conquista.
This study has as main objective of analyze the conquest and the occupation of hinterland of
the Captaincy of Paraiba North as well as the formation of the first local elites that were
forming in the region between the years 1690-1772. During these years the hinterland of the
North Capitanias of the State of Brazil went through a process of internalization of their
territories, especially after the expulsion of the Holandeses in 1654. Like this, we undertook
an investigation about the process that precedes the establishment of the settlers in the
hinterland of Piranhas and Piancó: the war against indigenous peoples and the distribution of
land allotments. This tense process of disputes could not have been successful without the
participation of conquerors who, at the expense of their strengths and resources, and by
strength of sword and of faith, dilated else the Portuguese dominions in America. Finally we
seek to understand how the first conquerors of the region analyzed here, especially the family
group of Oliveira Ledo, became the first and principal nucleus of the local elite, through
access to real mercês granted by the monarch through the services provided under the
achievement.
Keywords: Captaincy of Parahyba North, local elites, hinterland of Piranhas and Piancó.
LISTA DE SIGLAS/ABREVIATURAS
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 17
2 O SERTÃO DA PARAHYBA NA DINÂMICA DO IMPÉRIO.................... 34
2.1 “SERTÕES DO NORTE”: PROCESSO DE CONQUISTA............................... 34
2.2 A “GUERRA DOS BÁRBAROS” EM NOME DA “LIMPEZA DO
TERRENO”.......................................................................................................... 44
2.2.1 Participação dos paulistas na conquista........................................................... 50
2.2.2 Características dos povos indígenas do sertão................................................. 53
2.2.3 Formação de aldeamentos no sertão de Piranhas e Piancó............................ 62
2.3 SESMARIAS: “A MERCÊ DA TERRA” NO SERTÃO.................................... 64
2.4 OS “TENTÁCULOS” DA CASA DA TORRE CHEGARAM AO SERTÃO
DE PIRANHAS E PIANCÓ................................................................................ 77
2.5 CAPELA DE NOSSA SENHORA DO BOM SUCESSO: ELEMENTO
DEFINIDOR DA OCUPAÇÃO NO SERTÃO DE PIRANHAS E
PIANCÓ............................................................................................................... 87
3 FAZER-SE ELITES NO SERTÃO DE PIRANHAS E PIANCÓ................. 96
3.1 SERTÃO: TERRAS DE OPORTUNIDADE E CONSTITUIÇÃO DE ELITES
LOCAIS............................................................................................................... 96
3.2 POR UMA GENEALOGIA FAMILIAR DOS OLIVEIRA LEDO.................... 104
3.3 “AMBICIOSOS DE HONRAS”: O PAPEL DOS OLIVEIRA LEDO NA
CONQUISTA E OCUPAÇÃO............................................................................ 116
3.4 PATENTES MILITARES: ELEMENTO DEFINIDOR DE ELITES LOCAIS 123
4 NEGÓCIO E ECONOMIA NO SERTÃO DA CAPITANIA DA
PARAHYBA....................................................................................................... 131
4.1 OS SERTÕES DA PECUÁRIA........................................................................... 131
4.2 MUNDO DO TRABALHO NO SERTÃO.......................................................... 137
4.3 ACORDOS E NEGÓCIOS NO SERTÃO CAPITANIA PARAHYBA............. 139
4.4 JULGADO: ELEMENTO CONSTITUIDOR DA JUSTIÇA E DA
ADMINISTRAÇÃO NO SERTÃO..................................................................... 153
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 156
FONTES E REFERÊNCIAS............................................................................ 158
17
1 INTRODUÇÃO
1
Pela constante oscilação na documentação entre os termos “Piranhas” e “Piancó”, optamos por, neste trabalho,
utilizar a junção dos dois nos referirmos ao recorte espacial por nós estudado. Agradeço a Simone Soares pelas
constantes trocas e informação, e por ter ajudado a melhor definir este espaço.
2
Optamos ao longo do trabalho, utilizar a forma de escrita “Parahyba”, já que é a forma mais comumente
utilizada nos documentos da época.
3
Carta da serventia e data de terras do Capitão Francisco de Abreu de Lima, e mais pessoas nella declaradas são
doze léguas de largo no Rio chamado das Piranhãs seis léguas por cada banda do Rio e cincoenta para o sertão.
DH, Vol. 23, p. 403-405.
4
AHU_ACL_CU_014, Cx 3, D. 226
18
conquistada e conhecida dentro de um vasto território. Todo esse processo se deu após a
expulsão dos holandeses do Brasil em 1654, momento em que se intensificam as empreitadas
para conquista das áreas mais interioranas.
Dessa maneira, a pesquisa que aqui se apresenta está pautada em fins do século XVII e
início do XVIII, quando os territórios do sertão da Capitania da Parahyba foram integrados ao
Império português, fazendo parte de um dos principais eventos desse período: as entradas e
conquistas de amplas regiões dos sertões do norte, atual nordeste brasileiro. Esse processo se
deu principalmente mediante a guerra contra os povos indígenas e através do estabelecimento
de fazendas e currais de gado que se constituíram ao longo das ribeiras. Na capitania da
Parahyba foram as ribeiras de Piranhas e Piancó, os principais pontos de apoio para aqueles
que se aventuraram a adentrarem o sertão. Este feito proporcionou o acesso a terra em
sesmarias, e o comando da principal atividade econômica desenvolvida na época, a pecuária.
A prestação de serviço ao rei nas empreitadas de conquista proporcionou aos vassalos
a oportunidade de serem recompensados com mercês, dentre elas a doação de amplas
extensões de terras em sesmarias. Além de funcionarem como benefício econômico, as
sesmarias foram a base para o estabelecimento dos currais e representaram o primeiro meio
para a constituição de elites locais e o estabelecimento de redes de alianças e de poderes
políticos, principalmente, quando percebemos que essas elites detinham o poder sobre a
principal atividade econômica da região. No entanto, não só o acesso a terras proporcionou a
constituição de elites locais no sertão de Piranhas; as doações de patentes militares e o
exercício destes cargos também se tornaram um meio de distinção social, além de
funcionarem como importante elemento de governança local.
Na medida em que a nova sociedade se constituía e tinha suas relações marcadas pela
diferenciação social iam se estabelecendo certas práticas administrativas por meio do
exercício dos principais cargos da governança local. Esses cargos eram geralmente exercidos
no interior das câmaras que, segundo Caio Prado Jr. (1997, p. 186), eram “órgãos típicos da
administração local”, estabelecidas no momento da criação das vilas. No entanto, a ausência
desse órgão no sertão, já que no período estudado foram identificados apenas arraiais e
povoações, fez com que o gerenciamento da sociedade local se fizesse pelo exercício dos
principais cargos de governança local, no caso, o juiz ordinário e oficiais das organizações
militares.
Deste modo, nossa pesquisa se concentrará no processo de elitização daqueles que, por
servirem a sua majestade no âmbito da conquista, acumularam honras, cargos e mercês régias.
Além disso, elencamos alguns objetivos específicos como, o processo de guerra contra os
19
povos indígenas que habitavam essas áreas; os domínios territoriais da Casa da Torre na
região do Piranhas e Piancó; a importância dos Oliveira Ledo no processo de conquista; assim
como, o destaque social que os membros desta família tinham perante a sociedade. Os
negócios com a pecuária no sertão e, a mão de obra utilizada nessa atividade, também são
questões por nós elencadas no decorrer deste trabalho.
O recorte temporal desse estudo inicia-se em 1690 por uma motivação principal, foi
justamente neste momento que a sociedade colonial no sertão de Piranhas e Piancó começou a
ganhar forma, quando, após a expulsão dos holandeses, começaram as empreitadas de
conquista nos sertões das Capitanias do Norte, Estado do Brasil, principalmente Pernambuco,
Parahyba, Rio Grande e Ceará, áreas de ocupação mais antigas. No decorrer da pesquisa,
adentramos toda a primeira metade do século XVIII, momento em que nos deparamos com a
fixação dos colonos mediante a doação de terras em sesmaria, a ocupação de cargos militares
e exercício do poder e da administração local, chegando até o ano de 1772. Nesse ano,
constatamos o estabelecimento da vila de Pombal, constituída durante a política
centralizadora do Marquês de Pombal que, entre outras coisas, buscava garantir a posse sobre
os territórios por meio da construção de vilas. Nesse sentido, nosso recorte temporal se
concentra desde as empreitadas de conquista, até o estabelecimento da primeira vila no sertão
da Capitania da Parahyba.
Apenas recentemente começaram a surgir trabalhos que se debruçam sobre o sertão da
Capitania da Parahyba durante o período colonial5. Até então, uma das poucas referências foi
a obra síntese de Wilson Seixas, que trata da história da cidade de Pombal-PB, em seu livro
“Velho Arraial de Piranhas- Pombal”. Apesar da extrema importância desses trabalhos, que
5
Os principais trabalhos já escritos são: MORAES, Ana Paula da C. Pereira. Em busca de Liberdade: os
escravos no sertão do rio Piranhas, 1700-1750. 2009, Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal
de Campina Grande. GUEDES, Paulo Henrique M. Queiroz. A colonização do sertão da Paraíba: agentes
produtores de espaço e contatos inter étnicos (1650-1730). 2006. Dissertação (Mestrado em Geografia).
Universidade Federal de João Pessoa. SARMENTO, Chistiane Finizola. Povoação, freguesia e vila na Paraíba
colonial: Pombal de Sousa, 1697-1800. 2007. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. ABREU, Wlisses Estrela de Albuquerque. Senhores e escravos do sertão:
espacialidades de poder, violência e resistência, 1850-1888. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós
Graduação em História, Universidade Federal de Campina Grande / UFCG, Campina Grande, 2011. ARRUDA,
Emmanuel Conserva. A Ação Colonizadora Reduzindo o Espaço: das aldeias indígenas à Alagoa da Perdição
(1766-1816). Dissertação (Mestrado em Geografia). João Pessoa, 2007. UFPB. SOARES, Maria Simone Morais.
Formação da Rede Urbana do Sertão de Piranhas e Piancó da Capitania da Paraíba Setecentista. Dissertação.
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). João Pessoa, 2012. UFPB.
20
inclusive irão nos servir de base em várias discussões, nenhum deles chegou a tratar do
processo de elitização daqueles que participaram da conquista de ocupação dessas áreas.
As fontes documentais utilizadas para o desenvolvimento desta pesquisa serão: a
documentação do Arquivo Histórico Ultramarino, fontes que fazem parte do “Projeto Resgate
Barão do Rio Branco” referente à Capitania da Parahyba; os livros de notas referentes à
primeira metade do século XVIII, localizados no cartório de I Ofício “Cel João Queiroga”,
que hoje, em sua grande maioria, se encontram inéditos; os Documentos Históricos da
Biblioteca Nacional, publicados em mais de cem livros que tratam de todas as Capitanias do
Estado do Brasil, acervo que está disponibilizado via internet; as cartas de doações de
sesmarias que foram transcritas e publicadas por Lira Tavares (1987); inventários do fórum
“Promotor Nóbrega Seixas”, localizado na cidade de Pombal-PB; acervo do IHGP pela
análise das revistas desde o ano de 1934 até 1995; além desses, também utilizaremos
documentos primários que foram publicados nas obras de Irineu Joffily (1977) e Irineu Pinto
(1977).
A utilização de mapas ao longo deste trabalho foi de fundamental importância para
melhor contextualização espacial das questões aqui levantadas. Para tanto, recorreu-se muito
aos mapas elaborados por Soares (2012) que, em recente pesquisa de mestrado defendida,
estudou a formação da rede urbana no sertão de Piranhas e Piancó ao longo do século XVIII.
Como sabemos no período colonial os limites territoriais eram imprecisos e fluidos, além
disso, são poucos os mapas cartográficos da época. Nesse sentido, esclarecemos que os
apresentados ao longo do texto, representam apenas os limites aproximados dos espaços
tratados.
As questões que perpassam este trabalho surgiram da participação, ainda no curso de
graduação, em uma pesquisa PIBIC\CNPq, que tinha por objetivo entender a dinâmica
administrativa no sertão da Capitania da Parahyba, durante a primeira metade do século
XVIII6. O referido objetivo de pesquisa foi escolhido com o intuito de melhor entender como,
mediante o estabelecimento de cargos administrativos no sertão, a Coroa portuguesa passou a
ter controle sobre a região recentemente conquistada.
O primeiro contato com a documentação7 e o aprofundamento dos debates e
discussões, suscitou os seguintes questionamentos: Quem eram esses representantes régios
6
A pesquisa desenvolvida foi intitulada “Procurações, Libelos, escrivães e Nobres da Terra: a dinâmica da
administração no sertão do rio Piranhas, Capitania da Parahyba do Norte (1725-1715)”, coordenado pelo Prof.
Dr. Osmar Luiz da Silva Filho, do CFP-UFCG.
7
A participação nesta pesquisa foi fator fundamental para termos acesso às fontes que se encontram no Cartório
de I Ofício “Cel. João Queiroga”, documentação que passou por um processo de digitalização e, hoje, se
21
encontra publicada em parte, como iniciativa do projeto “Procurações, Libelos e escrivães: fontes manuscritas
setecentista do sertão paraibano”, coordenado pelo Prof. Dr. Rodrigo Ceballos, do CFP-UFCG.
22
espaços de poderes. Esses são os parâmetros estabelecidos por nós para distinguir as elites
locais do sertão de Piranhas e Piancó das demais esferas sociais.
No quarto e último capítulo, que tem por título “Negócio e Economia no Sertão da
Capitania da Parahyba”, trataremos dos negócios que estavam sendo desenvolvidos no sertão
de Piranhas e Piancó. Assim, discutiremos com os principais autores que tratam a respeito da
pecuária na região de Piranhas e Piancó durante a primeira metade do século XVIII, os
agentes envolvidos no ambiente de trabalho e a contribuição dessa atividade para o aumento
das rendas da Capitania da Parahyba. Especificaremos como os negócios e acordos estiverem
presentes no cotidiano sertanejo. Por fim, o objetivo centra-se em mostrar que a administração
local, que ainda não contava com o estabelecimento de uma estrutura político-administrativa,
estava se dando mediante o exercício dos principais cargos de governança local, ocupados por
juiz ordinário, procuradores e escrivães.
Compreender o que no período colonial se entendia por “sertão”, é fator fundamental
para que se perceba a partir de que olhar essas áreas foram vistas. No vocabulário português
latino Bluteau (1712, p. 613), o termo sertão está definido como “o lugar que faz mayor
calma”, e caracteriza como região “apartada do mar, e por todas essas partes, metida entre
terras”, associada à ideia de dicotomia entre o litoral e o interior. Essa era a imagem do sertão
como espaço físico. Baseando-se no trabalho de Elisa Mader, Machado (2012, p. 37) nos
mostra que o sertão era visto no imaginário da época como lugar do vazio, dos desertos
incultos, da falta de governos e leis, da falta de atividades econômicas, da barbárie e de tudo
aquilo que se opunha ao litoral “civilizado”, imagens que fazem parte da representação
simbólica deste espaço.
Conforme nos diz Soares (2012), enquanto espaço físico durante o período colonial o
sertão tratava-se de uma espacialidade definível, já que estava associado pelos portugueses ao
oposto do litoral8, assim como não delimitável, pois, nesta época não havia precisão de limites
e fronteiras das Capitanias, sobretudo em relação às regiões mais interioranas. Como as
regiões Brasileiras só ganharam definições espaciais no século XIX, os espaços físicos das
áreas que correspondiam o interior dos domínios portugueses na América, foram
representados de maneira simbólica pelas cartográficas e iconográficas coloniais, nas quais o
interior é percebido a partir da imagem de horizontes, serras e árvores, pregando a ideia de
8
Durante o período colonial ocorreu uma hierarquização dos espaços, delimitando as áreas consideradas como
“civilizadas” e as áreas da “barbárie”. Os povos indígenas que habitavam o sertão eram vistos, dessa maneira,
como “bárbaros” (KALINA SILVA p. 120-121).
23
sertão como lugar do desconhecido e distante do mar. Dicotomicamente o litoral é tido como
espaço conquistado e povoado, como representado na figura 01 abaixo (p. 27-28).
Fonte: Razão do Estado do Brasil - 1616 (1999) e Atlas do Estado do Brasil - 1631 (1997).
Esta povoação se divide pela parte do nascente com o sertão do Cariri, cuja divisão
lhe faz a serra chamada Borborema e da parte do poente com o sertão do Jaguaribe
e vila do Icó, e tem de distância de uma a outra extrema pouco mais ou menos
9
Guedes (2007); Sarmento (2007); Soares (2012).
24
Fonte: Extraído da Carta Corographica do Império do Brazil, elaborada pelo engenheiro Conrado Jacob de Niemeyer (1817) e reproduzida pelo Engenheiro Francisco Pereira da
Silva (1850), disponível na Biblioteca Nacional. Modificação: Soares (2011).
27
Para Kalina Silva (2010), além de ser tido como “interior, e interior distante”, o
sertão “era também a terra do gentio bravio, o que o tornava um lugar de perigosos, além
das promessas de riqueza” (p. 120-121). Dessa maneira, além da representação simbólica do
sertão, também compreendemos que essa região esteve durante o período colonial perpassada
de representações imagéticas na visão dos colonizadores. Estas foram representadas pela ideia
de era um espaço sem lei que, associado à falta do controle português por essas terras, fazia
com que criminosos e delinquentes buscassem refúgio no interior ainda não colonizado. O
sertão ainda estava conotado a ideia de espaço de riquezas já que, de acordo com Puntoni
(2002), apesar de a pecuária ter sido a responsável pela expansão da fronteira, os portugueses
também foram estimulados pelo sonho de riquezas e eldorados, o que os levou a várias
expedições (p. 30 - 31).
Em relação à Capitania da Parahyba, no dia 15 de fevereiro de 1753 o então Capitão
Mor, António Borges da Fonseca, envia ofício ao secretário de estado e da Marinha e
Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a possibilidade de se encontrar ouro no
sertão da Capitania, precisamente na região próximo ao Rio do Peixe e na fazenda Santa
Luzia10. Além desta, no Arquivo Histórico Ultramarino ainda são encontrados outros
documentos que demostram a preocupação dos colonizadores portugueses em descobrir esses
metais preciosos.
Essa busca para o avanço da fronteira11 trouxe consequentemente a inserção de novos
valores trazidos pelos múltiplos grupos coloniais. Segundo Machado (2012) além da
conquista material proporcionada pela aquisição da propriedade de terra como um bem
particular dos colonizadores, ressalta-se a dominação cultural da língua, da religião e dos
costumes, quase sempre ignorando o predomínio da presença indígena no território recém
ocupado. Para autora essa forma de autoridade configura-se numa conquista ainda maior que
o domínio sobre terras, já que “essa manipulação simbólica é exercício de sobrepor
interesses” (p. 41-41).
10
AHU_ACL_CU_014, Cx.16, D. 1354.
11
Para Machado (2012) entender o conceito de fronteira voltado para o período colonial “não consiste, então,
em apenas um espaço de delimitação territorial entre uma nação e outra, mas é a base de um modelo de
ocupação na qual segundo os discursos do século XVIII e XIX, ocorreu o encontro entre a civilização e a
barbárie” (p. 50). Ou seja, para a autora, entender a abertura da fronteira pelo conquistador implica dizer que
“ao longo do processo, agentes sociais foram ignorados, e que o processo ocorreu por recorrentes conflitos e
negociações” (p. 47).
28
Como já inferimos, até pouco tempo atrás o sertão da Capitania da Parahyba do Norte
não tinha sido alvo de estudos e investigações, uma das poucas referências é a obra de Wilson
Seixas (2004). Graças ao desenvolvimento de pesquisas nos cursos de pós-graduação essa
região passou a ser instrumente de interesses por parte dos historiadores. Antes de
adentramos propriamente em nosso objeto de estudo, torna-se necessário um breve diálogo
com as principais questões que nortearam estes trabalhos.
Segundo a compreensão de Guedes (2006), que se dedica em sua dissertação de
mestrado à análise da ocupação colonial do sertão focalizando os contatos interétnicos entre
colonizadores e povos indígenas, a ocupação do interior da Capitania da Parahyba, além de
contar com a participação dos diversos agente coloniais, contou, sobretudo, com a
participação de diversas nações indígenas, que ao reagirem, inserindo-se ou rejeitando a nova
ordem colonial, protagonizaram as lutas pela conquista e ocupação desse espaço.
Em sua argumentação o autor tenta relativizar a dicotomia entre colonizadores e
colonizados, ou seja, objetiva-se ao longo do trabalho romper com a ideia de que os povos
indígenas foram continuamente submissos à ordem que estava sendo imposta. Ao contrário,
para Guedes (2006) “o papel dos índios na conquista do sertão e os contatos interculturais
destes com os colonizadores, constituíram uma realidade fluída, diversificada e pulsante de
assimilações, rejeição e transformações constantes ante a ordem colonial” (p.17).
Para tratar a respeito dessas transformações sociais e culturais, o autor analisa as várias
estratégias adotadas pelos agentes colonizadores e as nações indígenas, fazendo ressalvas que
essas vão desde a resistência armada, passando pelas alianças militares, firmadas entre índios
e colonizadores, até a formação de aldeamentos, que para o autor não representaram
submissão dos povos, mas, ao contrário, tornaram-se espaço de inserção e constantes
negociações.
Ao debruçar-se sobre essas questões, o autor evidência ao longo de todo o trabalho
que, apesar da guerra ter sido a fase mais dramática da relação entre indígenas e portugueses,
não foi apenas a única, mais do que isso, os povos indígenas que habitavam o sertão da
Capitania da Parahyba, também foram agente produtores do espaço em meio o processo de
colonização.
Em dissertação de mestrado defendida em 2007, denominada A ação colonizadora
produzindo espaço: de aldeias indígenas a alagoa da perdição, Emanuel Arruda tem como
foco de análise a ação colonizadora no recorte espacial que compreende hoje o atual
29
município de Princesa Isabel, interior da Paraíba. Para o autor, a reorganização espacial dessa
região foi obra de colonizadores com a participação direta dos vários grupos indígenas.
Ao longo do trabalho o autor constrói sua narrativa através dos escritos deixados pelos
cronistas da época, procurando demonstrar como os povos indígenas viveram, atuaram e
também se apropriaram do espaço. Segundo Arruda (2007) foram os índios da nação Coremas
que habitavam as terras que se tornaram a fazenda A lagoa da Perdição, sendo estes os
principais responsáveis, juntamente com as agentes colônias, pela reordenação do espaço.
Tratando especificamente da apropriação de terras, o autor se preocupa em identificar
os diversos agentes que nele atuavam e interagiam entre si para promover a ocupação, sendo
estes: sertanistas, representantes da coroa portuguesa, sesmeiros e igreja católica. A sua
análise está ainda diretamente relacionada às doações de sesmarias que funcionaram para
mecanismo de ocupação e desenvolvimento da pecuária.
No que diz respeito ao trabalho desenvolvido por Christiane Sarmento, em um estudo
voltado para questão urbana na colônia, intitulado Povoação, Freguesias e Vilas na Paraíba
Colonial: Pombal e Sousa, 1697-1800, a autora tem como objetivo principal compreender o
processo de formação e evolução urbana dos núcleos coloniais das atuais cidades do interior
da Paraíba Pombal e Sousa, segundo as políticas de expansão territorial implementadas pela
Coroa Portuguesa. Tratando dessa temática ela considera um fator relevante: essas duas
cidades terem sido, no período colonial, os núcleos urbanos mais antigos do interior da
capitania. Nesse sentido, tornou-se importante perceber as modificações ocorridas na
paisagem com o desenvolvimento do espaço urbano.
Ao longo de sua dissertação, Sarmento (2007) analisa essa configuração urbana e sua
inserção na política de expansão territorial do governo português a partir de três categorias,
são estas: povoação, freguesia e vila, ligadas ao âmbito civil e eclesiástico, que foram
definidas para possibilitar compreensão evolutiva do crescimento urbano dos núcleos
estudados. Ao longo do trabalho a autora ainda destaca outras categorias de análise, como a
formação de arraias, que correspondem ao âmbito militar, e a criação do julgado, estabelecido
na povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso como mecanismo jurídico na região. Foram
abordados, igualmente, a formação dos aldeamentos indígenas, que ao serem referenciados
nas cartas de doações de sesmarias possibilitaram perceber as articulações com os núcleos de
povoamento.
Do ponto de vista da formação de povoamento, segundo Sarmento (2007) este se fez
definitivo com a instalação do Arraial de Piranhas, marco da conquista e ocupação do interior
30
perspectiva, o autor ainda nos aponta como se deu, na época, toda organização jurídica e
policial que se ocuparam com a manutenção da ordem social.
Em recente monografia apresentada em 2012, com o título, Uma nova conquista: a
família Oliveira Ledo e o processo de ocupação espacial do sertão do Piancó (1663-1730),
Renata da Costa ao tratar sobre a ocupação do sertão, destaca o importante papel
desempenhado pelos membros da família Oliveira Ledo nesse processo, baseando-se,
sobretudo, na doação de terras em sesmarias. Para a autora, os Oliveira Ledo além de serem
os principais responsáveis pela constituição do espaço na região do Piranhas, conquistando e
ocupando, juntamente com indígenas aliados e conquistadores das demais capitanias,
tornaram-se uma das “melhores” famílias da terra. Ademais, a autora tem ainda como foco ao
longo do trabalho, apresentar um pouco da genealogia da família Oliveira Ledo, colocando
como principais troncos Pascácio de Oliveira, Antônio de Oliveira e Custódio de Oliveira
Ledo, sendo este último pai de Teodósio de Oliveira Ledo.
Conforme Maria Simone Moraes, em recente dissertação defendida em 2012, sob o
título “Formação da rede urbana do sertão de Piranhas e Piancó da Capitania da Paraíba
setecentista”, os agentes coloniais foram, ao longo de todo século XVIII, responsáveis pela
formação de uma rede urbana na região que corresponde aos afluentes dos rios Piranhas e
Piancó. Ao estudar o século XVIII, Moraes (2012) discute questões que versam a respeito da
guerra contra os povos indígenas e ocupação do espaço conquistado, e posteriormente adentra
em questões sobre a formação de arraiais, aldeamentos e capelas, colocando-os como
principais meios de formação de uma rede urbana no sertão.
Verificamos no trabalho que os arraiais possuíam funções militares e de defesa do
território, ou seja, eram pontos de apoio para aqueles que lutavam contra os povos indígenas e
pela ocupação das terras, como por exemplo, os terços dos paulistas, os membros da família
Oliveira Ledo e conquistadores vindos do litoral e das demais Capitanias. Nesse contexto, o
Arraial de Piranhas foi colocado como o principal de toda região, constituído ainda em fins do
século XVII. De acordo com Moraes (2012) os aldeamentos foram formados como
mecanismos de catequização e conversão dos indígenas que não se revoltaram contra a Coroa
portuguesa e ficaram conhecidos como “índios mansos”. Os principais aldeamentos no sertão
da Capitania da Parahyba foram os das nações Pegas, Icós, Panatis e Coremos.
Segundo a compreensão de Moraes (2012), a política pombalina, que prevaleceu na
segunda metade do século XVIII, foi marcada por um grande incentivo a formação de uma
rede urbana que contribuiu para a formação de vilas em toda a Colônia portuguesa. Dessa
33
maneira, a povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso foi elevada à categoria de vila em
1772, assim como, a antiga povoação do Remédio do jardim do Rio do Peixe, passou à
categoria de vila de Sousa, fundada em 1800. Para autora, a formação de arraiais, povoações e
vilas, foram pontos estratégicos para a formação dos traçados urbanos, constituídos no sertão
da Capitania da Parahyba ao longo do século XVIII.
34
Do couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e
mais tarde as camas para os partos; de couro todas as cordas, a borracha
para carregar água, o mocó ou alforge para levar comida, a mala para
guardar a roupa, a mochila para milhar o cavalo, a peia para prendê-lo em
viagem, as bainhas de faca, as bruacas e surrões, a roupa de entrar no
mato, os banguês para curtume ou para apurar o sal; para os açudes, o
material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que
calcavam a terra com o seu peso, em couro pisava-se o tabaco para o nariz.
(ABREU, 1963, p. 147)
Outro motivo que instigou a penetração das áreas nas quais a colonização portuguesa
ainda não tinha chegado foi encontrar, no desenvolvimento e na especialização da economia
pecuária, um recurso para a reorganização das atividades produtivas que ficaram destruídas
após o domínio holandês (1630-1654), como, por exemplo, engenhos que foram arrasados
durante esse período e escravos que fugiam, somando-se aos fatores externos, como a
concorrência do açúcar produzido nas Antilhas. Nesse sentido, uma das alternativas foi a
36
busca por outras formas de atividade produtiva, como a expansão da pecuária e a procura por
metais e pedras preciosas pelos sertões. Dessa forma, as explicações para a conquista do
interior devem ser também buscadas na difícil situação econômica pela qual passava a colônia
após a expulsão dos holandeses (PUNTONI, 2002, p. 25).
Recuperando Caio Prado Jr., Puntoni reforça que o povoamento do oeste das
capitanias foi resultado de dois movimentos da expansão colonizadora. De um lado estava a
pecuária com o estabelecimento das fazendas e currais de gado, do outro lado, além da
pecuária “foi a busca por metais preciosos que impulsionou o português ao íntimo dos
sertões, em agudas entradas, desde o século XVI”, e apesar das expedições em busca de
riqueza no sertão ter encontrado, segundo o autor, apenas a existência de salitre, o
deslocamento na esperança de encontrar os minerais preciosos ajudou, de maneira acessória, a
promover o desbravamento de interior. Neste sentido, “o processo de ocupação do sertão era
dinamizado pelo incremento do povoamento e pela diversificação das atividades produtivas”
(PUNTONI, 2002, p. 25).
Quanto ao povoamento, de acordo com Pires (1990, p. 37), a facilidade em obter
sesmarias em retribuição aos serviços prestados ao rei durante a conquista de novas terras,
também se constituiu num dos incentivos para ocupação e fixação dos colonos no sertão. Em
primeiro lugar, segundo a autora, o sertão era uma área menos reconhecida por estar afastada
dos trabalhos com o açúcar, atividade mais valorizada pelas elites do litoral. Em segundo
lugar, a ocupação de novas terras era a grande oportunidade de enriquecimento para aqueles
que não dispunham de capital para montar engenhos no litoral, e encontravam no sertão a
oportunidade de desenvolverem atividades produtivas. Um terceiro ponto assinala que o
Estado promoveu a ocupação do sertão como forma de garantir a segurança de seus
territórios, por receio de ocorrerem novos ataques à colônia, além do interesse em fazer do
criatório de gado uma atividade que se tornasse rentável para própria capitania, com vistas à
exportação.
Outro vetor que acarretou a colonização portuguesa nos sertões do Norte foi a busca
por um caminho terrestre que, através das Capitanias do Norte, ligasse o Estado do Brasil ao
Estado do Maranhão. Essa foi a alternativa encontrada frente a difícil navegação na costa
Leste-Oeste, além disso, “esse caminho era necessário de longa data, não só pela ajuda ao
comércio entre os dois Estados, como pela fronteira que abriria” (PUNTONI, 2002, p. 27).
Acrescenta-se a esses fatores a busca do gentio para servir como braço escravo nas
lavouras, já que em determinadas épocas, algumas capitanias não dispunham de capital
37
necessário para a aquisição do elemento escravo. Foi o caso da capitania da Parahyba, onde,
como nos mostra Menezes (2005, p. 141), “necessitavam do braço indígena, pela crucial
razão de que lhes faltava cabedal para adquirir escravos provenientes do continente
africano”. Neste sentido, a interiorização da pecuária para o interior da capitania da Parahyba
“não promoveu apenas o desenvolvimento da sua economia, sendo também responsável pela
geração da maior parte da mão-de-obra usada na própria pecuária e nas lavouras do
litoral” executada pelos índios apreendidos na conquista do sertão.
Longe das áreas do açúcar, os currais e as fazendas de gado foram se estabelecendo,
como nos mostra Antonil13 (1997, p. 199), onde existia “largueza de campo e de água sempre
mantendo de rios ou lagos”. As ribeiras, sobretudo a do São Francisco, foram os condutores
para a penetração nos sertões das Capitanias do Norte, já que essa era a uma região marcada
pela falta de chuvas. Dessa forma, as fazendas de gado acompanhavam as margens dos rios,
uma vez que o fornecimento de água para a atividade criatória era fator essencial para garantir
a fixação dos colonos. Por esse motivo, os rios São Francisco, ao sul, e o Parnaíba, ao norte,
foram os principais eixos da ocupação, por serem rios perenes. Além disso, Antonil (1997)
ainda aponta outros rios cujas margens estão povoadas com gados, são estes: “rio de
Cabaços, o rio de São Miguel, as duas Alagoas com o rio de Porto Calvo, o do Paraíba, o os
Cariris, o do Açu, o do Apodi, o do Jaguaribe, o das Piranhas, o Pajeú, o Jacaré, o Canindé,
o de Parnaíba, o das Pedras, o dos Camarões e o Piauí” (1997, p. 199).
Segundo Kalina Silva (2010, p. 138), os rios, em maioria, afluentes do São Francisco e
Parnaíba, também demarcaram espaços de conflitos contra os povos indígenas. Em torno
deles, por exemplo, os tarairiús e cariris se estabeleceram para combater os colonizadores. Os
pontos de conflitos eram principalmente os rios Açu e Jaguaribe, localizados nas Capitanias
do Rio Grande e Ceará, respectivamente, como também o Piancó e o Seridó, afluentes do rio
Piranhas no sertão da Capitania da Parahyba, assim como o São Francisco. De acordo com a
autora, o que comumente se costuma chamar de “guerra do Açu” abarcava todo este vasto
espaço.
O processo de conquista dos sertões norte partiu de duas principais frentes,
provenientes das capitanias de Pernambuco e Bahia. A partir desses dois eixos principais, os
13
João Antônio Andreoni (1650-1716), conhecido como André João Antonil, foi um jesuíta italiano que veio
para o Brasil em 1681 e instalou-se na Bahia. Em 1711 escreve Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e
Minas, com descrições detalhadas sobre a produção de açúcar, mineração, criação de gado, tabaco e escravidão
na colônia. Com base em suas pesquisas, fornece informações sobre o ouro. Dessa maneira, a Coroa rapidamente
confisca a edição do livro, temendo invasões de outras nações interessadas nas riquezas do solo brasileiro.
Somente em 1837 a obra é novamente editada no Rio de Janeiro.
38
currais se multiplicaram pelo Ceará, através da Paraíba e do Rio Grande. A rota que partiu da
Bahia seguiu o curso do Rio São Francisco e do Itapicuru, e colonizou a parte do Brasil que
Capistrano de Abreu descreveu como “sertão de dentro” (ver figura 04). A frente que saiu de
Pernambuco, “sertões de fora”, abrangia a região que ficava mais próxima à área litorânea,
atingindo até o Ceará (PUNTONI, 2002, p. 26), como aponta detalhadamente o autor:
Neste sentido, durante fins do século XVII e início do XVIII o sertão da Capitania da
Parahyba ficou integrado ao Império português, a partir de um processo que se deu,
40
14
Fez-se necessário a utilização de um mapa atual, pois, na cartografia da época não é possível compreender a
exatidão das conexões que havia entre os rios citados (SOARES, 2012, p. 63).
41
Figura 05 - Principais ribeiras que levaram a ocupação das capitanias do atual Nordeste
Esses são os mais referenciados na documentação, sobretudo nas cartas de sesmarias e nos
documento cartoriais que versam sobre a venda e compra de terras.
Ademais, em relação às funções que foram, no período colonial, atribuídas ao curso
desses rios, Soares (2012) destaca que esses serviram para abertura dos caminhos durante a
conquista do território, foram canais entre as mais diversas áreas produtoras da região, além
disso, os rios ainda foram cenários nas batalhas contra os inimigos externos, sendo também,
nessas medidas, “personagem”, como nos alerta Gonçalves (2007). (2012, p. 62). Para
Soares:
Isto é evidente por serem eles as vias naturais a serem percorridas, já que
seus eixos interligavam várias partes do território e seus leitos,
principalmente no período de estiagem, constituíam verdadeiras vias
abertas a conduzir a ocupação; além disso, o fator água é preponderante à
instalação humana, já que é indispensável à sua sobrevivência (SOARES,
2012, p. 61).
Figura 06 – Principais ribeiras do sertão de Piranhas e Piancó nos séculos XVII e XVIII
15
A designação “bárbaros” foi um termo utilizado pelos colonizadores e cronistas da época, que ao considerarem
os povos indígenas como principais obstáculos para a efetiva colonização, os viam apenas como selvagens,
canibais e infiéis. A utilização desses termos também convinha aos seus discursos, já que pregavam e pretendiam
a catequese e a “civilização” dos povos indígenas conforme os modelos culturais do europeu ocidental. (PIRES,
2007, p. 187)
16
Sobre a “Guerra dos Bárbaros” ver: PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros. Povos indígenas e a
colonização do Nordeste do Brasil.1650/1720. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade de São Paulo:
Fapesp, 2002, PIRES, Maria Idalina da Cruz. Guerra dos bárbaros: resistência indígena e conflitos no Nordeste
colonial. Recife: FUNDARPE, 1990 e SILVA, Kalina Vanderlei. Nas solidões vastas e assustadoras: a
conquista do sertão Pernambucano pelas vias açucareiras nos Séculos XVII e XVIII– Recife: Cepe, 2010.
45
ativamente desses conflitos, recrutando os próprios moradores de suas terras, recebeu títulos e
honrarias, como foi o caso do próprio Francisco Dias d’Ávila, nomeado coronel das
ordenanças por ter prestado serviços à coroa portuguesa. Além disso, os d’ Ávila estenderam
para várias partes dos “sertões do Norte” os seus domínios territoriais. (KALINA SILVA,
2010, p. 156-157).
No decorrer dos anos de 1680 a 1720, as disputas se espalharam e se radicalizaram
pelas demais capitanias, entre elas, Pernambuco, Rio Grande, Ceará, Parahyba e Piauí. Os
conflitos que se desenvolveram nessas áreas, identificadas por Capistrano de Abreu como
sertões de fora, ficaram conhecidos como “guerras do Açu”, “em razão da ribeira do rio que
abrigou a maior parte dos combatentes, foi sem dúvidas o mais importante do longo ciclo de
guerras movido contra os povos no sertão nordestino” e tinha por finalidade o domínio e o
controle da região sertaneja (PUNTONI, 2002, p. 13).
A guerra do Açu foi uma das mais cruéis e demoradas dentre os ataques contra os
povos indígenas. Baseada na guerra do Recôncavo, a Coroa mobilizou uma estrutura bem
maior de recursos, além de movimentar um grande contingente de mão-de-obra bélica, já que
envolvia os sertões de Rodelas, em Pernambuco, Piauí, Parahyba e os dois principais rios da
região, Açu no Rio Grande, e Jaguaribe no Ceará, abrangendo todo este vasto sertão, áreas
que estavam sob a jurisdição da Capitania de Pernambuco (KALINA SILVA, 2010, p. 139).
Em fins do século XVII e primeira metade do XVIII, foram feitas muitas expedições
militares na região do Açu. Dentre elas, Silva (2010) destaca as campanhas de Manuel Abreu
Soares e Antônio Albuquerque Câmara, ambos com origem de Recife e Olinda, e as de
Manoel Pardo Leitão e Afonso Albuquerque Maranhão, que faziam parte das milícias
institucionais, originárias das vilas do açúcar. As campanhas também tiveram a participação
dos Henriques, que saindo de Pernambuco:
primeiras e as principais rotas dessas expedições, seus pontos de origem, e os lugares onde
foram fundados os respectivos arraiais. Sobre as campanhas e a fixação dos Oliveira Ledo na
Capitania da Parahyba falaremos no próximo capítulo.
A figura 07 abaixo destaca as várias expedições que se caracterizavam pelas contínuas
disputas contra os povos indígenas, sendo responsáveis por dar abertura às veredas do sertão.
Para tanto, além da conquista, a Coroa portuguesa desenvolveu estratégias de ocupação e
estabelecimento no novo território. Segundo Kalina Silva (2010), a fixação acorreu mediante
a construção de fortes que serviam de arraiais e, construídos nas áreas de combates,
funcionavam como ponto de apoio diante das hostilidades dos indígenas. Para a autora, essas
casas-fortes tornaram-se “verdadeiras guarnições burocráticas no sertão” (2010, p. 157).
Na região de Piranhas e Piancó, encontramos referência de uma primeira fortificação
construída em 168317. A base militar usada para combater os gentios bárbaros ficava
localizada no sertão do Seridó, ribeira do Acauã, que ficou conhecida como casa forte do Cuó,
representado no figura 07 abaixo pelo ponto 0518. Ao apontar uma carta da câmara de Natal,
na qual se ordena o deslocamento para a casa-forte do Cuó, datada de 1686, Macêdo (2002, p.
48) reforça a existência dessa fortificação que, para ele, serviu “como ponta de lança para a
defesa da ribeira”. De acordo com a carta citada pelo autor:
O Sargento Moreira do sertão do Açu que indo com outras mais (...)
decobri[u] campo, e poucos de água deram com o gentio que já havia
cercado a casa forte do Cuó, e vinha senhoreado tudo o mais, e depois de os
haverem metidos dentro dela (...) ficaram dentro dela.19
17
O documento foi publicado na íntegra por Olavo de Medeiros Filho (2002, p. 140) e copiado por Helder
Alexandre de Medeiros Macêdo. As informações foram retiradas do 1º livro de notas do cartório de Pomba-PB
datado de 1712-1719. (MACÊDO, 2002, p. 48) Este livro hoje se encontra perdido.
18
Apesar de hoje, a região do Seridó fazer parte do Estado do Rio Grande do Norte, no período colonial, tendo
em vista as imprecisões entre uma capitania e outra, toda Ribeira do Seridó envolvia territórios das Capitanias da
Parahyba e do Rio Grande. Ver o mapa número 02 acima.
19
“Copia de huma carta q. escreverão os officiais Câmera ao Camp. Mor Pascoal GLZ, em que ordem dar
socorro ao sertão do Assú q. Está cercado de gentio. In Livro 2 do Registro de Cartas e provisões da Câmara de
Natal (1673-1690). IHGRGN”. (MACÊDO, 2002, p. 48).
47
Figura 07 – Principais expedições na guerra contra os povos indígenas e fundação de arraiais entre os anos de 1687 e 1690
Além da casa forte do Cuó (localizado onde hoje de encontra a cidade de Caicó Rio
Grande do Norte), destaca-se na figura acima o arraial do Acú, arraial de Piranhas (onde hoje
é a cidade de Pombal na Paraíba), arraial de Jaguaribe (onde hoje é a cidade de Icó no Ceará),
e o arraial de Domingo Jorge Velho. Conforme destaca Soares (2012), esses Arraiais que
representaram os primeiros pontos fixos no processo de ocupação e serviam como quarteis
estritamente ligados a Guerra dos Bárbaros, tinhas jurisdições independentes umas das outras,
estando apenas sob o comando do seu respectivo mestre de campo, como foi o caso do
possível arraial comandado por Domingo Jorge Velho na região do Piranhas e Piancó.
De acordo com Soares (2012) esses pontos fixos de ocupação constituídos pelos
arraiais não se esgotam com as descrições colocadas nos mapas, é possível que outros tenham
sido fundados, já que foram muitos os terços que combateram contra os povos indígenas. Esse
pode ter sido o caso de Manoel Araújo de Carvalho que obteve, conforme Horácio de
Almeida (1966), vitórias juntamente com Teodósio de Oliveira Ledo nas batalhas contra os
povos indígenas. No entanto, pela falta de evidências documentais, não podemos afirmar que
houve outros pontos militares no sertão de Piranhas e Piancó. (p. 87)
Do ponto de vista de Kalina Silva (2010, p. 158-159), a mobilização dessas jornadas
no sertão não era tarefa simples, principalmente, porque essas expedições enfrentavam muitas
dificuldades, levando a Coroa a recorrer auxílio dos paulistas. Segundo a autora, um dos
problemas estava relacionado à atuação das tropas, que estiveram restringidas pela falta de
uma estrutura mínima de organização e manutenção, dependendo do apoio vindo de Salvador
e vilas próximas. Além disso, as tropas eram mal pagas, desorganizadas e, muitas vezes, não
recebiam o pagamento dos soldos, nem envio de fardas e rações.
Muitos dos problemas referentes às expedições e disputas no Recôncavo continuaram
a ocorrer na região do Açu, dentre eles, a delicada situação das tropas, levando a Coroa a
requisitar constantemente a ajuda dos Paulistas e indígenas, já que pela falta de condição
mínima de sobrevivência, muitos soldados fugiam. Apontando referência a esse tipo de
dificuldade encontrada pelas tropas, Kalina Silva (2010. p. 170) nos mostra que pela falta de
munição no Açu, Domingo Jorge Velho e Albuquerque Câmara, paulistas recrutas das vilas
de São Paulo, chegaram a refugiarem-se nos arraiais da região de Piranhas. Esse tipo de
realidade pode ser percebido, por exemplo, quando encontramos a informação de que, no ano
1688, o governador-geral Fernão Cabral, apesar de reconhecer o sucesso das empreitadas de
Coronel Antônio de Albuquerque Câmara, escreve ao governador de Pernambuco pedindo
apoio de paulistas e índios à empreitada, já que:
49
20
Carta que se escreveu ao Governador de Pernambuco Fernão Cabral sobre a guerra dos Bárbaros DH, vol. 10,
p. 293-295.
21
Carta para o Governador de Pernambuco João da Cunha de Sotto maior, sobre a expedição do soccorro para a
guerra dos Bárbaros. DH, Vol. 10, p. 290-291
22
Uma das diferenças entre a guerra no Recôncavo e guerras no Açu foi a institucionalização dos paulistas. “De
início, os sertanistas chegaram no Rio Grande a partir de uma prática administrativa semelhante à que vigorou na
Bahia. (...) No entanto, com o desenrolar do conflito e as mudanças estratégicas da coroa, uma tropa paulista foi
institucionalizada e transformada em terço burocrático: a tropa de Manoel Navarro, depois denominada terço do
Açu”. (KALINA SILVA, 2010, p. 161)
50
Uma vez formado, fica claro que pelo porte bélico, o quilombo de Palmares
representou, principalmente para a Capitania de Pernambuco onde estava
instalado, a um só tempo, uma ameaça às zonas açucareiras e uma barreira
à penetração colonial no sertão, na segunda metade do século XVII. Além
de Palmares, muitos outros quilombos e mocambos se formaram no sertão e
o discurso que surgiu, fruto das representações da “civilização do açúcar”
em relação a eles, destaca não só elementos de barbárie como também, o
espaço selvagem por eles ocupado. Assim, da mesma forma que os
“tapuias”, os negros fugidos e aquilombados eram tidos como tão indômitos
quanto o próprio espaço que ocupavam, o sertão. (GUEDES, 2007, p. 31)
O terço dos paulistas era formado basicamente por indígenas, aliados ou aldeados. No
caso do Terço do Mestre de Campo Manoel Alvares de Morais Navarro, paulista responsável
23
Carta para amara da Vila de São Paulo sobre o Terço que tem levantado Mestre de Campo Manuel Alvaris de
Moraes Navarro. DH. Vol. 11 p. 254-257.
51
pela guerra contra os bárbaros no Rio Grande, houve a necessidade, em 1697, do governador
geral, João de Lencastro, enviar carta à Câmara de São Paulo pedindo o envio de indígenas
para:
24
Carta para a Camara de São Paulo dar cem índios ao Mestre de Campo Manuel Alvaris de Moraes Navarro
DH. Vol. 11, p. 261-262
25
Carta para o Capitão-mor da Capitania de São Vicente dar toda ajuda,e favor do Mestre de Campo Manuel
Alvares de Moraes Navarro. DH. Vol. 11 p. 260-26.
26
Carta para a Câmara da Vila de São Paulo sobre o Terço que tem levantado o Mestre de Campo Manuel
Alvres de Moraes Navarro. DH. Vol 11 p. 254-257.
27
Idem
52
28
Fragmento retirado do 1º Livro de Notas do cartório de Pombal-PB datado de 1712-1719. (MACÊDO apud
MEDEIROS FILHO)
53
Ao tratar das tropas indígenas, Kalina Silva (2010, p. 144) nos mostra que a utilização
desse tipo de mão-de-obra, recrutada pela Coroa portuguesa para fins militares, foi uma
constante durante a guerra dos bárbaros, assim como, desde o início da colonização. Foi o
caso, por exemplo, do pardo Carlos da Cunha que, segundo a autora, teve ativa participação
nas entradas para os sertões, sendo por 14 anos, soldado em Pernambuco e combatente em
Palmares. Em 1688 foi “nomeado capitão de uma tropa que partia para o sertão das
Piranhas”. (2010, p. 147) Esses personagens eram recrutados para muitos fins: acompanhar
as expedições locais, fazer partes das tropas regulares em conflitos de grandes distâncias e,
acompanharem os paulistas, aumentado cada vez mais o seu contingente. Os “flecheiros”
foram ainda utilizados como estratégia da coroa, sendo que “a principal delas foi a prática de
deslocamento de aldeias inteiras para locais de conflito, tornando-as barreiras vivas, ou
muros do sertão contra os bárbaros”. Ainda para a autora:
Cartografia diversa sobre o Brasil no século XVIII, referente aos mapas portugueses, holandeses,
franceses e ingleses. Fonte: Coleta feita no acervo de cartografia do Brasil nas Coleções da Biblioteca
Nacional, disponível em: http://purl.pt/103/1/catalogo-digital/cronologia.html. Destaque MORAES,
2012.
Para Puntoni (2002) termo “Tapuia”, antes de ser apropriado pelo colonizador, foi
uma categoria indígena estabelecida pelos povos Tupi. Baseado nos cronistas do período
colonial, o autor mostra que o termo “Tapuia” é uma palavra que faz parte da língua Tupi e,
que para esses povos, provavelmente, tinha o significado de barbárie, já que se contrapunham
56
em muitos aspectos. Conforme Guedes, que analisa o papel dos povos indígenas na ocupação
do sertão de Piranhas, “essa categoria se configurou, do ponto de vista cultural e político, no
discurso colonial e historiográfico, como uma forma de representar ao mesmo tempo a
alteridade em relação a esses índios”. (2006, p. 58)
Essa heterogeneidade dos povos Tapuias em relação aos Tupis, de acordo com
Puntoni (2002), acarretou dificuldades no processo de catequização e formação de
aldeamentos missionários no sertão. Segundo o autor, desde a formação dos primeiros
aldeamentos na costa, os jesuítas estabeleceram o uso da língua dos naturais, objetivando
facilitar o processo de conversão dos povos indígenas, afinal, era necessário que os
missionários conhecessem as línguas e os costumes para desenvolver estratégias de
catequização. Nesse sentido, os jesuítas estudaram e adotaram o Tupi, ou língua geral, como
forma de garantir a comunicação e o desenvolvimento do projeto missionário. A consequência
disso foi que os jesuítas passaram a desconsiderar as outras línguas, e segundo Puntoni, “a
polaridade Tupi\Tapuia já queria, também, mostrar o destino que a colonização e a
catequese haviam estabelecido para os grupos indígenas: ou tornarem-se escravos ou
cristãos aldeados”. (2002, p. 64-65)
No entanto, essas dificuldades não impossibilitaram a formação de aldeamentos nos
sertões das Capitanias do Norte. Para os missionários, isso significou o alargamento das
fronteiras da catequização e um incentivo à formação de aldeamentos dos povos indígenas nos
sertões, que se desenvolveram acompanhando os caminhos da pecuária. Medeiros (2000), ao
elaborar um quadro com todas as aldeias do Norte do Estado do Brasil que estavam sujeitas
ao Bispado de Pernambuco, no ano de 1746, demonstra que na região de Piranhas e Piancó,
existiram quatro aldeamentos indígenas, como demonstrado no quadro abaixo.
29
AHU_ACL_CU_014, Cx. 16, D. 1321.
30
AHU_ACL_CU_014, Cx. 8 D. 707.
59
recuso de ministro nem missão que poSa defendello da tirania que padesem”31. O capitão
mor, Pedro Monteiro de Macedo, ainda a respeito da necessidade dos indígenas viverem
soltos, esclarece a sua posição contrária à transferência dos indígenas para as terras do Riacho
do Aguiar:
He sem duvida que os índios fazem grande danos aos gaDos matando mui[tos]
para comer, porem a neceSidade em que os põem os naturais, preciza a maior
exceso, por que esta gente estava acostumada a viver, como elles dizem de
corço andando continuamen[te] pellos matos a buscar o mel, que produzem as
abelhas em gran[de] quantidade nos trancos das arvores, e debaixo da terra,
frutas, todo o gênero da cassa, não perdoando a imundidiSse alguma, e p[ara]
sua vivenda necessitão de que as terras tenhão a comodidade referida, o que
nada achavão no Riacho de Aguiar, que suposto se os firme ser boa para
plantas, enquanto estas não produzem, dando de fora dando parecer, não tendo
o que comer, por que lhes falta a caSsa, mel e frutas, e como no sitio em que se
achão de prezente lhes impedem as suas caSsas, e ainda operem roSsas nas
mesmas terras que lhe deu o procurador da torre como consta das suas mesmas
petições, e ainda o tirar pedra para fazer igreja, forsozamen[te] há de cometer
grande excessos, enquanto se não reduzirem a forma de viver como
homens(...)32
Além dos numerosos conflitos e resistências, Puntoni (2002) nos mostra que
negociações e alianças também foram feitas entre povos indígenas e os conquistadores, uma
vez que tais povos, não estavam apenas do lado oposto à ocupação. Dessa forma, “alguns
grupos indígenas que, feitas as contas, preferiam alinhar-se aos colonizadores”, e mais uma
vez recuperando o pensamento de Caio Prado Jr, mostra que os povos indígenas também
atuaram “como elemento participativo da colonização” portuguesa (2002, p. 46). Essas
alianças lhes garantiram um pouco mais de sobrevivência étnica.
Esses acordos podem ser percebidos em carta expedida pelo Governador Geral do
Estado do Brasil, João de Lencastre ao Capitão-Mor de Piranhas e Piancó, Teodósio de
Oliveira Ledo, em 31 de maio de 1695. A referida carta foi enviada em resposta à solicitação
do dito capitão, que requeria o envio de 30 espingardas para armar a aldeia indígena com a
qual tinha feito alianças. O Governador Geral demostra satisfação com o “bom sucesso” nas
empreitadas do referido capitão e por ele ter “agregado essa Aldeia, e esteja tão satisfeito da
fidelidade dessa nação, que me peça 30, ou 40 espingardas para armal-a”. João de Lencastre
31
AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 798
32
AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 798
60
mandou que o Provedor da Fazenda Real passasse ordem para remeter as 30 espingardas que
seriam enviadas na primeira “sumaca” que saiu da Bahia em direção ao Recife33.
Além de pedidos de armamentos, são constantes as solicitações de mantimentos para
as duas aldeias aliadas, chamadas “Careris de Caboclos”. Foi o que ocorreu em 02 de
novembro de 1696 quando, mais uma vez, João de Lencastre expede carta, desta vez aos
oficiais da Câmara da Parahyba, autorizando o envio de mantimentos, dentre eles, farinha.
Assim remete ao Capitão-Mor, Teodósio de Oliveira Ledo, pela “victoria dos Barbaros e
necessitar deste socorro”.34 Podemos constatar, dessa forma, que além das guerras de
extermínio e a formação de aldeamentos religiosos, no sertão de Piranhas e Piancó, os
portugueses conseguiram inserir os povos indígenas na dinâmica social e política lusitana e,
além disso, ao se inserirem na órbita do Império, esses povos acabaram criando, de acordo
com seus próprios interesses, campos de negociações e sociabilidades.
Para Guedes (2006), alguns dos povos indígenas que ocupavam o sertão da capitania
da Parahyba, conseguiram compreender o novo direcionamento que a sociedade colonial
estava tomando, atuando, dessa forma, como agentes que garantiam a própria sobrevivência
cultural e física.
Ainda tratando a respeito da adequação dos povos indígenas à nova ordem colonial,
dialogamos com o trabalho de Lício Costa (2005), que vem tratar sobre as alianças entre esses
povos e os portugueses na conquista do interior. Nesse sentido, o autor nos assinala outras
alianças feitas entre os povos indígenas e o Capitão-Mor, Teodósio de Oliveira Ledo,
apontando importante documento que trata das pazes que fez o referido capitão com um grupo
de índios da nação Coremas. De acordo com o documento citado pelo autor:
“(...) com o favor de Deus cheguei com tudo a salvo e em paz a este Arraial
do Pau Ferrado nos primeiros de abril e dali a nove dias de minha chegada
me veio um aviso do meu gentio, que distante do arraial três léguas estavam
33
Carta que se escreveu a Governador geral do Brasil, João de Lencastre, a Teodósio de Oliveira Ledo sobre a
situação da aldeia de Piranhas. DH, vol. 38, p. 341-342.
34
Carta que se escreveu a Governador geral do Brasil, João de Lencastre, aos oficiais da câmara da Parahyba
sobre o envio de farinha as Piranhas. DH, vol. 38, p. 410-411.
61
35
Carta do capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo ao governador da Paraíba Manoel Soares de Albergaria, de 06
de agosto de 1698 (AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 226). Apud COSTA, 2005, p 84.
62
A decisão da coroa portuguesa, de dar aos jesuítas alguns privilégios de controle sobre
os povos indígenas, dentre eles, o domínio sobre a mão de obra desses povos, levou a muitos
conflitos no período colonial, principalmente entre os responsáveis pelas aldeias e
colonizadores. Esses conflitos, que surgiram simultaneamente à Guerra dos Bárbaros,
“giraram em torno de duas questões básicas: o controle da mão-de-indígena e o interesse
pelas suas terras”. (MEDEIROS, 2000, p. 155). De um lado estavam os colonos, ansiosos por
transformar os indígenas em mão-de-obra escrava, do outro estavam às missões, rejeitando
absolutamente essa ideia, acreditavam que a catequese e a conversão eram os únicos meios de
conversão desses povos ao cristianismo. (GONÇALVES, 2007, p. 119)
Além de disputas pela mão de obra indígena, já apontada por Medeiros (2000), Pires
(1990) nos mostra que no interior da Guerra dos Bárbaros surgiram contradições internas que
se evidenciam através meio das diferentes formas de atuação dos agentes colonizadores. A
autora divide esses conflitos em três tipos: entre colonos e missionários, que girava em torno
da escravização do indígena; entre os sesmeiros, paulistas, capitães-mores e mestre de campo,
que desenvolveram disputas pela poder local e pela posse das terras; entre moradores, que
haviam participado ativamente na guerra contra os “bárbaros”, e sesmeiros. Se referindo ao
conflito entre colonos e religiosos, que tinha como principal questão as diferentes concepções
do papel do indígena na sociedade colonial, a autora mostra que:
De acordo com Puntoni, é preciso estar atento para perceber que a dualidade da Coroa,
ora atendendo aos interesses dos missionários, ora aos dos colonos, não configurava
propriamente uma oscilação, uma vez que a sua política “procurava regulamentar e legitimar
a escravidão de povos situados no Império”, além do mais, a “atuação dos missionários
somava-se a iniciativa de conquista e extermínio de grupos indígenas considerados ‘bravios’
ou irredutíveis”. Ou seja, os missionários desempenhavam o papel de transformar os povos
indígenas em trabalhadores úteis ao desenvolvimento econômico da sociedade colonial (2002,
p. 59).
63
Luiz Felipe de Alencastro (2000. p. 122), falando a esse respeito, mostra-nos que a
coroa portuguesa, ao estar atenta à presença militar na América, procurou preservar a paz com
os índios fazendo “pactos com tribos do litoral para barrar a ofensiva dos indígenas hostis
do interior, por um lado, e proteger os portos contra os corsários europeus, por outro lado”,
reforçando, assim, a necessidade e importância dessa aliança com tais povos para a defesa do
território.
Além da função estratégica apontada acima, em que os indígenas desempenharam
função de “barreiras no sertão”, Medeiros (2000), ao afirmar sobre a importância dos povos
indígenas no processo de colonização do Brasil, mostra-nos que existia ainda interesse de
cunho econômico, político e cultural, por parte da Coroa portuguesa, ao atrair os indígenas
para os núcleos de povoação.
64
Destacando o importante papel dos terços formados apenas por índios, no momento do
combate aos quilombos, a estrangeiros e até povos inimigos, Medeiros (2000) ainda nos
mostra que a historiografia não vem dando a devida importância ao papel fundamental
desempenhado pelos índios desde os primórdios da colonização. Para o autor:
É intrigante perceber que até agora não se tenha dado o devido peso que a
política de alianças e guerras entre povos indígenas e a coroa portuguesa
teve no sucesso da conquista da região que hoje chamamos de Brasil. Sem o
apoio dos povos indígenas aliados contras os inimigos interno e externos,
principalmente nos séculos iniciais da colonização, a coroa portuguesa não
teria conseguido manter os seus domínios no continente americano.
(MEDEIROS, 2000, p. 12)
Vamos agora adentar nas questões que versam sobre o estabelecimento dos colonos
nas terras recém-conquistadas, tendo como principal eixo de análise as doações de terras em
sesmarias.
Como vimos, durante fins do século XVII e início do XVIII, os territórios do sertão da
Capitania da Parahyba ficaram integrados ao Império português, fazendo parte de um dos
principais eventos desse período: as entradas e conquistas de amplas regiões dos sertões do
norte, atual nordeste brasileiro. Também mostramos que esse processo se deu mediante a
guerra contra os povos indígenas e através do estabelecimento de fazendas e currais de gado
que se constituíram ao longo das ribeiras. Na capitania da Parahyba. A ribeira de Piranhas foi
o principal ponto de apoio para aqueles que se aventuraram a adentrarem o sertão.
Além do desenvolvimento da pecuária, existia, ainda, outra condição indispensável
para o efetivo povoamento e o desenvolvimento econômico da região: a doação de terras em
sesmarias. Somente a partir desse movimento, os colonos puderam ocupar e se estabelecer no
sertão.
65
O sistema de distribuição de terras constituiu-se uma prática que tem suas origens em
Portugal nos séculos IV e XV, no período de reconquista. Tratava-se do sistema de mercês e
privilégios concedidos pela Coroa como recompensa àqueles que lhes tivessem prestado
serviço no momento da guerra contra os mouros.
Na colônia, o sistema de sesmarias diferenciava-se da metrópole, a começar pela
motivação de sua criação. No primeiro caso, o interesse era fundamentalmente conquistar,
povoar e fazer produzir territórios desapropriados. Em Portugal, a lei de sesmaria data de
1375, reinado de D. Fernando, sendo criada em consequência das conjunturas econômicas
pela qual passava o reino- crise de alimentos e carência de mão de obra - também foi uma
forma de impedir que os camponeses abandonassem os campos pelos centros urbanos
(SILVA, 2010, p. 46). Tinha, ainda, por objetivo, “colocar em produção todas as terras
agricultáveis, tendo em vista em diminuir a importação de grãos, sobretudo trigo”. E, com a
implementação do sistema de sesmarias no Brasil, o sesmeiro, que em Portugal designava
“fiscal da terra”, na colônia representou aquele que recebia a terra (VAINFAS, 2001, p. 529).
A distribuição de terras em sesmarias foi instituída, no Brasil, por D. João III, no
momento da criação das capitanias hereditárias, através dos forais, “que incumbiam os
donatários e seus sucessores de repartirem as terras com os moradores pelo regime de
sesmaria, isentas de foro, mas pagando dízimo sobre sua produção à Ordem de Cristo”
(VAINFAS, 2001, p. 530). De acordo com o Dicionário do Brasil colonial, a primeira data de
terra foi concedida a Duarte Coelho, donatário da capitania de Pernambuco, em 24 de
setembro de 1534. Já em 1548, com a criação do Governo Geral, a distribuição das terras
passou a ficar sob a responsabilidade dos governadores. Foi a partir dessa prática que a Coroa
portuguesa promoveu o povoamento da colônia, ao mesmo tempo em que proporcionava o
desenvolvimento comercial e a vassalagem ao Império português.
O principal objetivo da Coroa ao doar sesmarias era fazer com que os territórios
incultos ficassem povoados e produtivos. Conforme aponta Ricupero (2009), nos primeiros
tempos da implementação desse sistema no Brasil, a distribuição de terras foi feita “com
relativa facilidade e nos mais variados tamanhos, aos dispostos a aproveitá-las” (2009, p.
119). No entanto, essa facilidade acabou por, na prática, funcionar somente para aqueles que
tivessem cabedais necessários para tornar as terras produtivas, com vistas a exportação, e,
consequentemente, proporcionar o aumento das rendas reais. Neste sentido, o critério básico
para a doação das terras era fazê-la produzir em um período de cinco anos, caso contrário, o
66
sesmeiro perderia todo o direito de posse sobre ela. Tudo isso fica explícito na legislação
encontrada nas Ordenações Filipinas:
Além disso, por Carta Régia de 1698, os beneficiados eram obrigados a comprovar a
efetiva ocupação das terras recebidas dentro de um prazo de três anos, mediante a assinatura
de um documento chamado: “carta de confirmação de sesmaria”. De outra forma, as terras
eram consideradas devolutas e voltariam a pertencer à Coroa (PORTO, 1965, p. 62).
De acordo com Lígia Osório Silva (1996), na metrópole, o sentido do termo
“devoluto” era “devolvido ao senhor original”, já que a terra não tinha sido devidamente
aproveitada. Na colônia, o estrito significado do termo apontava que as terras doadas aos
sesmeiros, que não fossem aproveitadas, retornavam à coroa. No entanto, com o tempo
percebeu-se que, na colônia, os sesmeiros passaram a empregar o termo “devoluto” às terras
que nunca haviam sido doadas, sendo posse apenas dos povos indígenas, assim, “consagrou-
se no linguajar oficial e extra-oficial, devoluto como sinônimo de vago” (SILVA, 1996, p.
39).
Em Carta Régia de 1697 o rei determinava o controle sobre os limites de terras que
deveriam ser doadas aos requerentes, sendo estes, três léguas de comprimento e um de largura
(ALVEAL, 2002, p. 97). De acordo com Girão, esses limites tiveram que ser estabelecidos,
pois, por muito tempo, as terras foram doadas sem qualquer tipo demarcação pré-estabelecida,
neste sentido, a delimitação de limites mínimos e máximos, evitou a doação de grandes
extensões a um único sesmeiro. Ainda segundo o autor, “muitos foram os colonos que, desse
modo, reuniram em seu poder número vultuoso de sesmarias, representando enormes
latifúndios” (GIRÃO apud GOMES, 2009, p. 126).
De acordo com Silva (2010), outra questão envolveu as doações de sesmarias. Esse
problema estava relacionado à dificuldade que os beneficiados tinham em encontrar as suas
porções de terras e a imprecisão da noção de espaços a demarcar, fazendo com que os
sesmeiros se beneficiassem de maiores extensões de terras em relação ao que haviam recebido
em mercê. Além disso, a distância administrativa, ou a falta de órgão administrativos nesta
primeira etapa de ocupação, não deixava a fiscalização ocorrer com a eficácia devida. Este
67
36
Sobre as sesmarias do Brasil. Decreto de 10 de dezembro de 1796. In: Colleção da Legislação Portuguesa de
1791 a 1801, desde a última compilação das ordenanças, regida pelo desembargador Antônio Delgado da Silva.
Lisboa. Typografia Maigrense. Ano 1828. Disponível em <www. Iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>.
68
37
Entendemos o conceito de cultura política a partir da definição de Maria de Fátima Gouvêa (2007), Segundo a
referida historiadora, culturas políticas tem se constituído fator de agregação social, ou ainda, de uma visão
comum da vida em sociedade, ou seja, são pensamentos e ideias em comum para a formação de um “patrimônio”
coletivo constituído por valores, vocabulários, atitudes em comum, ideais políticos, e todos os elementos que
fazem parte da constituição de um grupo social de uma determinada sociedade. Para nós, além dessas “ideias em
comum” faz-se necessário considerar as práticas que caracterizaram determinada sociedade em determinado
tempo.
69
direto da Coroa portuguesa, e essa ligação pode ser claramente percebida pela análise das
doações de sesmarias que davam aos vassalos a possibilidade de serem agraciados pelo rei
com extensões de terras, em retribuição pelos serviços prestados durante a conquista
(NOGUEIRA, 2010, p. 38).
As cartas de sesmarias referentes ao sertão da capitania da Parahyba serão, neste
trabalho, analisadas a partir da obra de João Lira Tavares: “Apontamentos para a história
territorial da Paraíba”. Trabalho que se constituiu como referência obrigatória para quem
estuda essa questão, já que o autor transcreveu e publicou grande parte dos pedidos feitos
entre os anos de 1586 e 1824.
As doações de sesmarias no sertão da Parahyba seguiram o curso do principal rio, o
Piranhas, e seus afluentes, sendo os principais: o Rio Piancó, o Rio do Peixe, o Rio Seridó, o
Rio Espinharas e o Rio Sabugy. Esses pontos de apoio para os colonizadores foram os vetores
da ocupação do sertão. Na documentação analisada, sejam as cartas de sesmarias ou
documentação cartorial, encontramos referências a vários sertões, ligados à área de influência
de cada um dos citados rios, ou seja, Sertão de Piancó, Sertão do Rio do Peixe, Sertão de
Seridó, Sertão de Espinharas e Sertão de Sabugy que, em sua totalidade, compreendiam o
Sertão de Piranhas (SOARES, 2011). A prática de descrição dos rios facilitava a identificação
das terras, além disso, as terras mais cobiçadas estavam ao longo das ribeiras.
O primeiro requerimento de datas de terras no sertão foi feito pelo alferes, Custodio
Alves Martins, em 17 de novembro de 1699. O requerente diz que é morador de Pernambuco
e que desejava povoar terras no sertão, em parte onde nunca tinha ido gente branca, e assim,
“com despesas e riscos de vida, e com effeito descobriu alguma terras que o gentio deo o
nome de Cujajique, em cujas terras ele suplicante situou e deu o nome -S.João- e logo lhe
metteu gado” . O requerente já ocupava a terra há mais de três anos e, estava interessado em
regulamentar o seu uso e, ao ser informado pelos moradores daquele sertão, que as terras
pertenciam à jurisdição do governo da capitania, requeria quatro léguas confrontadas. Foi
feita a concessão, em data não especificada, de uma de légua de comprido e três de largo,
“deixando salvas pedreiras e alguma aldeia de índio”, pelo capitão mor Manoel Soares
Albergaria, e confirmada pelo rei de Portugal em 22 de março de 1702. Notamos que, ao fazer
o pedido, o requerente já estava ocupando a sesmaria solicitada, prática muito comum da
época (TAVARES, 1982, p. 40-41).
De acordo com Guedes (2006), a prática de primeiro ocupar o território e,
posteriormente, pedi-la em sesmaria, funcionou como uma forte estratégia para garantir a
doação, já que os sesmeiros utilizavam do argumento de que a terra já tinha se tornado
produtiva. Foi o caso do Capitão José Diniz Constantino de Oliveiras e de Ambrósio Nunes,
que declaram ter descoberto “uma sorte de terras na ribeira das Piranhas, na qual tem
70
povoado de Janeiro até o presente, sem impedimento de pessoa alguma” (TAVARES, 1982,
p. 94).
Na obra de Lira Tavares (1982), encontramos datas de terras doadas aos povos
indígenas. Em uma das cartas transcritas pelo autor temos referências dos índios cariris, que
estavam situados na missão de N. S. de Pilar do Taipú. No requerimento de sesmaria, que data
de 24 de março de 1714, os referidos índios argumentam seu pedido dizendo que precisavam
de terras para plantar lavouras e criar seus gados. Além disso, as terras deveriam ser doadas
“em remuneração dos seos serviços como leais vassalos”. A concessão foi feita pelo
governador João de Maia Gama, de três léguas de comprido e uma de largo (TAVARES,
1982, p. 87).
Da mesma forma, no ano de 1718, os índios Sucurús, que eram representados pelo
capitão-mor, Sebastião da Silva, argumentavam o pedido dizendo que “vieram com suas
aldeias para esta capitania a defender e reparar os assaltos que davam os tapuias bárbaros
levantados, em que faziam grandes estragos”, e dessa forma, requeriam terras para melhor
assistência; além disso, “era mais conveniente para defensão desta capitania” (TAVARES,
1982, p. 107). A concessão foi feita no governo de Antônio Velho Coelho. A justificativa
apontada pelos requerentes deixa clara a importância militar que os povos indígenas aliados
desempenharam junto aos portugueses. Esse é mais um exemplo, do que já foi apontado
acima, de como alguns dos povos indígenas conseguiram se inserir na nova ordem colonial
implementada pelo conquistador português.
Outro grupo social agraciado com a concessão de sesmaria foi o Clero. No sertão de
Piranhas encontramos significativas doações para os padres, assim como para as ordens
religiosas. Foi o caso de padre Tomé Teixeira Ribeiro, sacerdote do hábito de S. Pedro e
morador na ribeira das Piranhas que, por não possuir terras para suas “creações”, foi
agraciado com três léguas no riacho de Craçasinho (TAVARES, 1982, p. 119- 125).
Abaixo, elaboramos dois quadros, com base na obra de João Lira Tavares, apontando
as principais características de algumas cartas de doação concedidas no decorrer da primeira
metade do século XVIII, referentes ao sertão da capitania da Parahyba. Os pedidos foram
sintetizados para análise de algumas questões fundamentais que envolvem as doações:
justificativa dos sesmeiros, cumprimento, ou não, das cartas régias e provisões que
regulamentavam o acesso a terra, a forma de solicitação, a posição social do sesmeiro, dentre
outros.
71
Eles suplicantes tinham gados no sertão para povoar terras, das quaes
estavam faltas, e alguns haviam feito haviam feito serviço a Sua Magestade
na defesa do Tapuia, e por que no sertão das Piranhas estavam terras
devolutas [...] e por ordem do dito Senhor se podião tornar a dar a pessoa
que as povoasse para aumento dos dízimos reais (TAVARES, 1982, 41).
Outra carta de sesmarias que se refere ao dízimo foi a do Capitão Antônio Affonso de
Carvalho, apresentado no quadro II. Neste caso, o requerente, mesmo antes da doção da terra,
já alegava ter arrematado os contratos do dízimo38 da capitania, apontando, assim, a urgente
necessidade de terras para evitar mais perdas desse imposto.
38
Para Francisco José Pinheiro, o dízimo referenciado nas cartas de sesmarias era um imposto cobrado sobre a
produção, num percentual de 10%. (PINHEIRO apud SILVA, 2010, p. 57).
74
39
AHU_ACL_CU_014, Cx. 13, D. 1095.
75
Ao situar essa relação entre os requerentes e suas origens, percebemos que existiu no
sertão de Piranhas e Piancó a presença de sesmeiros vindos da capitania da Parahyba,
Pernambuco, Bahia e, os que já estavam estabelecidos nesta região e requeriam novas datas
de terras. Dessa forma, como aponta Silva (2010), a obtenção não só de terras, mas de cargos
administrativos, títulos, patentes militares e a criação de vínculos familiares propiciaram aos
sesmeiros a mobilidade social e a possibilidade de construção de novos espaços, mediante a
guerra contra os povos indígenas e a fixação dos conquistadores através das doações de
sesmarias.
77
Outra constante nas cartas de sesmarias apresentadas acima foram menções às patentes
militares ocupadas pelos sesmeiros. Das 12 cartas apontadas nos quadros I e II, 11 fazem
menção aos cargos militares dos requerentes. Dentre eles estão: alferes, sargento-mor,
capitão-mor e capitão. Neste sentido, requerer as sesmarias, ressaltando os títulos que
possuíam, era uma forma estratégica de mais fácil obtenção das terras, uma vez que essa
prática tinha respaldo perante a Coroa portuguesa.
Dessa forma, as doações de sesmarias aqui analisadas mostram que as forças militares
que se estabeleceram no sertão de Piranhas e Piancó, além de serem representantes da
organização militar na localidade, também atuavam como elemento de diferenciação
hierárquica numa sociedade estabelecida sobre forte desigualdade social e constante
reprodução de elites locais.
Portanto, como nos mostra Gonçalves (2007, p. 179), a guerra contra os povos
indígenas foi a chave para os conquistadores que, pelos serviços prestados à Coroa, tinham a
possibilidade de ascender socialmente. Dessa forma, a doação de sesmarias foi uma das
principais e fundamentais maneiras que os primeiros colonizadores do sertão de Piranhas e
Piancó tinham para enriquecer e diferenciar-se dos demais sujeitos da sociedade. Além disso,
foi a doação de sesmarias que possibilitou o aproveitamento da terra e o desenvolvimento de
uma atividade econômica, a pecuária.
Pela análise das doações de sesmarias, fonte fundamental na composição deste tópico,
percebemos a constante menção aos membros da família Garcia d’Ávila, como donos de
grandes extinções de terras no interior da Capitania da Parahyba. Dessa maneira, faz-se
necessário adentrar nas questões que possibilitam perceber os reais domínios e a possível
presença dos membros da Casa da Torre no sertão de Piranhas e Piancó.
províncias do Norte do Estado do Brasil, até o Maranhão. Neste sentido, de acordo com
Ângelo Pessoa (2002, p. 153) a Casa da Torre representava muito mais que a família Garcia
d’Ávila e todas as suas sete descendências, ela também compreendia o conjunto de um vasto
patrimônio que envolvia poderes, pessoas e o domínio sobre ampla área do atual Nordeste
brasileiro.
Dessa forma, a Casa da Torre, por volta de 1665, já havia iniciado o avanço sobre o
sertão. Seguindo o curso dos rios, a começar pelo São Francisco, também possuía várias
propriedades no sertão da Capitania da Parahyba. Nas palavras de Luiz Bandeira “a Casa da
Torre, que sempre funcionava como um bastião militar possuía 28 propriedades arrendadas,
só no vale do Piancó, Piranhas de Cima e Rio do Peixe, na Paraíba” (BANDEIRA, 2000,
p.197).
Desde o primeiro Garcia d’Ávila, na segunda metade do século XVI, a busca pela
ampliação deste patrimônio foi constante. Neste sentido, os membros da Casa da Torre
desenvolveram muitas práticas econômicas. De acordo com Pessoa (2003), a criação dos
primeiros currais para o estabelecimento da pecuária, foi apenas o primeiro passo para os
empreendimentos de conquista, e a base fundamental da sustentação do patrimônio da Casa
da Torre, além de ter servido como ponto de partida para o desenvolvimento de outras
práticas econômicas como, arrendamentos de terras, abastecimento de carne, busca por
pedras e metais preciosos, exploração de salitre, e desenvolvimento de culturas agrícolas,
sempre obedecendo às mudanças de conjunturas econômicas e visando à ampliação de seus
poderes e patrimônios. De acordo com o autor, no século XIX, já sob o comando dos Pires
de Carvalho, a Casa da Torre tornou-se dona de engenhos de açúcar.
O que nos interessa destacar neste tópico, é que os domínios “tentaculares” da Casa
da Torre chegaram a Capitania da Parahyba, mais precisamente ao sertão de Piranhas e
Piancó. Como a Casa da Torre possuía vastíssima quantidade de domínios nas chamadas
Capitanias do Norte, na época, se tornou impossível saber a real precisão dos limites de suas
sesmarias, já que estes eram imprecisos e as demarcações não possuíam um rigor de
79
proporções. Além disso, esse grande domínio de terras também impossibilitou a efetiva
presença dos Garcia d’Ávila em cada território, levando-os assim, a nomear procuradores
que os representassem em cada rincão que tinham por posse. Pessoa (2003) caracterizou
essa relação entre a Casa da Torre e seus procuradores como uma vasta “rede de negócios”
uma vez que:
arrendar, vender e fazer doações de sítios que pertenciam à família Ávila. No documento
abaixo, percebemos com clareza o papel de procurador da Casa da Torre desempenhado por
João de Miranda.
40
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1740-1742.
Paginação ilegível.
41
Idem.
81
Mais adiante, retomaremos este assunto para falar da importância das doações desses
patrimônios, assim como, a construção de capelas, como mecanismos físicos para expansão
e crescimento de uma localidade. Como nos mostra Marx (1991), esses assentamentos
embrionários se configuraram como um primeiro mecanismo de ocupação, “tornando-se
instrumento de urbanização e construção de uma nova paisagem”. (p. 43)
Além das doações de patrimônios, que confirmam que os domínios da Casa da Torre
chegaram ao sertão de Piranhas e Piancó, através da análise das doações de sesmarias
também constatamos quais porções de terras faziam limites com as propriedades da Casa da
42
Acervo do Cartório I OfÍcio de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas nº 7. Fl. 98 e 99,
apud Seixas (2004, p. 211)
82
Torre, ou até mesmo porções de terras que os d’ Ávila haviam vendido aos sesmeiros.
Abaixo, no quadro I, elaborado a partir da obra: Apontamentos para a História Territorial da
Parahyba, de João Lira Tavares (1982), foram selecionadas quinze doações de sesmarias,
dentre as trinta e duas encontradas, que fazem referência aos domínios territoriais da Casa da
Torre no sertão de Piranhas e Piancó. As trinta e duas concessões de sesmarias ocorreram
entre os anos de 1690 a 1766, recorte selecionado para o desenvolvimento deste trabalho.
Fonte: TAVARES, João Lyra. Apontamentos para História Territorial da Parahyba. Fac-similar. Brasília:
Senado Federal, 1982. (Coleção Mossoroense). Grifo nosso
84
Pela análise das doações de sesmarias, percebemos que a primeira menção aos
domínios dos Garcia d’Ávila nesta região data 24 de maio de 1735. O requerente da
sesmaria, o Alferes Francisco Curvello de Medina, para melhor localização das terras,
aponta o nome daqueles que possuíam domínios limitantes à sesmaria requerida. Neste caso,
as terras solicitadas, na parte poente, confrontavam com as de Garcia d’ Ávila. Essa era uma
prática muito comum na época, já que por volta da primeira metade do século XVIII,
quando já existia um significativo número de pessoas estabelecidas neste sertão, grande
parte dos requerimentos de sesmarias fazia menção aos nomes dos proprietários que
obtiveram domínios limitantes às sesmarias requeridas. Das trinta e duas sesmarias
encontradas, em sete delas encontramos terras confrontantes com as dos Garcia d’Ávila.
Outro dado importante é que, na segunda metade do século XVIII, percebemos que as
referências a Casa da Torre mudam de sentido. A partir de 1757 se intensificam as cartas de
sesmarias nas quais os requerentes alegam ter comprado as terras à Casa da Torre. Não
sabemos como funcionava esse processo de compra e venda de terras; possivelmente isso se
dava através dos seus procuradores estabelecidos no sertão. Das trinta e duas cartas de
sesmarias encontradas, vinte e uma delas foram terras anteriormente compradas à Casa da
Torre, e os suplicantes as pediam em sesmarias para assegurar e garantir a sua posse, já que
eles não haviam recebido pela compra “título algum mais do que uma simples escriptura”.
Neste sentido, “queria o suplicante para a conservação de sua posse, domínio e justo título
data das mesmas terras que estava possuindo por evitar para o futuro alguma inquietação”
(TAVARES, 1982, p. 166).
Onde a Casa da Torre obtivesse poder e domínio era cobrado foros, que nas cartas de
doação de sesmarias aparecem em forma de rendas. Foi o caso do Coronel Basílio Rodrigues
Seixas que, em cinco de novembro de 1757 requere data de sesmaria em terras que “elle
supplicante havia povoado com seus gados vaccum e cavalar o sitio S. Gonçalo, assim
chamado na ribeira das Piranhas, e dele havia pago rendas a Casa da Torre” .(TAVARES
1982, p. 251). Na maioria das vezes essa cobrança era feita de forma indevida e, de acordo
com Pessoa (2003), além das disputas por terras, essa “virtual negativa de alguns
moradores em pagar o foro poderia levar, e muitas vezes levou, a uma represália bastante
violenta por parte da Torre, através de seus procuradores locais” (p.121).
Pela análise das sesmarias, também constatamos o que já havia apontado Wilson
Seixas (2004). Segundo o autor, os domínios da Casa da Torre no sertão da Capitania da
Parahyba, abrangeram terras no Piancó, Piranhas e Rio do Peixe. Um das cartas de
85
sesmarias, que data de 18 de junho de 1760, feita pela requerente que foi Maria Tavares,
viúva do Coronel José Abreu Franco, mostra, por exemplo, que a viúva ficou por posse das
terras que o seu marido havia povoado há cinquenta anos, e cujos:
43
AHU_ACL_CU_014, Cx. 19, D. 1507.
44
Acervo do Cartório I OfÍcio de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1719-1725.
paginação ilegível.
87
domínios eram os seus representantes legais, os procuradores, uma vez que a Casa da Torre
nunca chegou a povoar efetivamente essas terras. Dessa maneira, o avanço lusitano nestes
sertões acarretou conflitos, uma vez que os verdadeiros povoadores reivindicaram, ao longo
de todo século XVIII, o direito à posse legal da terra. Tudo isso culminou com a revogação
de várias sesmarias da Casa da Torre na região.
Antes de finalizar este capítulo, que se ocupa em perceber os diversos conflitos
acarretados na definitiva conquista do interior da Capitania, vejamos a importância da capela
de Nossa Senhora do Bom Sucesso, apontada neste trabalho como um dos marcos do
estabelecimento português sertão de Piranhas e Piancó.
A imagem acima representa claramente a ideia que o autor tenta nos passar, a de que, a
partir de uma área nuclear, “esse quinhões foreiros configuraram com o tempo um primeiro
tipo de ocupação que, embora esparso, moroso e pouco definido, não foi menos decisivo
como forma de assentamento inicial” (MARX, 1992, p. 44). Com o tempo esses espaços
ganharam contornos mais definidos, e por maiores que tenham sido as mudanças, muitos
desses templos ainda perduram ao tempo, como a igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso,
hoje considerada marco da ocupação no sertão da Parahyba.
Marx também nos mostra as mudanças acarretadas no cotidiano das pessoas com a
construção de um templo religioso:
89
45
(Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas nº 7. Fl. 98 e 99,
apud Seixas (2004, p. 210- 211)
90
Se fazer a Sua Matris”. Através da escritura, o mesmo Capitão Mor, obrigava a Irmandade da
igreja a arcar com os custeios da obra que deveria ter “de Comprido por dentro CeCenta
palpos [sic] e de Largo em vinte e oito palmos e a Capella mor o que pedir a Corpo da
SanCresTia”. Dessa forma, a irmandade também era obrigada a “[dar] todo o tijollo e telha
que foSe NeceSaria para a oBra [...] ao qual pedreiro Se ouBrigua elle paguar os dias que
não trabalhasse por Falta de pedra e tijolo” 46.
Para garantia e segurança de que a obra seria realizada, as escrituras de obrigação
ainda apontam nomes de fiadores, pessoas que seriam responsáveis por custear a obra, caso
ocorresse algum imprevisto e a igreja não pudesse ser concluída. No caso desta escritura, os
fiadores eram Fhelipe Delgado Figueiredo e Constantino de Oliveira Ledo. A Irmandade
ainda foi obrigada a pagar ao Capitão Mor Joseph Diniz Maciel, responsável pela obra,
“SeisCentos e Sincoenta mil Reis em dinheiro deContado a Saber de Sincoenta mil Reis ao
fazer desta que Recebeu Logo em dinheiro deContado e duzentos mil Reis para agosto
proSimo”, o restante do valor ficou para ser pago em dezembro do mesmo ano47. De acordo
com Seixas (2004) foi com o estabelecimento desta primeira carta de obrigação que foi criada
a freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso.
A partir da construção da Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, foram surgindo,
paulatinamente, outras doações de patrimônio religioso. Foi o caso da doação, anteriormente
apontada, feita pelo Capitão João de Miranda, procurador do Coronel Francisco Dias d’Ávila,
para a construção da capela de Nossa Senhora dos Remédios, cujas terras estão situadas no
Jardim do Rio do Peixe, atualmente situada na cidade de Sousa-PB. A doação data de 1740 e
foi passada ao feitor da capela, o Capitão Mor José Gomes de Sá, e ao Capitão Bento Freire
de Sousa, como tesoureiro dos bens da capela. Importante perceber que, assim como a doação
antes analisada, as terras doadas para construção da capela em homenagem a Nossa senhora
dos Remédios, e a doação em homenagem a santo Antônio, feita no ano de 1748 e localizada
na atual cidade de Piancó - RN, também foram patrimônios doados pela Casa da Torre. Essas
cartas de doção nos mostram ainda como o próprio Coronel Francisco Dias d’Ávila estava
interessado nas rendas e na administração das capelas:
esta por mim feita a assinada faço em tudo meo bastante procurador O
Cap. Mor João de Miranda a quem consolidam todos os meos poderes que
em direção me são concedidos e especialmente para por mim como se
prezente fora faça assinar em uma escritura de dote que faço a Capella de
46
(Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas nº 2. Fl. 09 e 10.
47
(Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas nº 2. Fl. 09 e 10.
91
Nossa Senhora dos Remédios nas minhas terras do Rio de Peixe no meu sitio
Jardim cujo sitio dou cedo e transpasso por dote a dita Capella para que as
taes rendas se apliquem no ornato e o aquizamento da dita Capella com
condição que os rendeiros hão de ser postos da minha mão como
administrador da dita Capella fique em mim e meus sucessores (...) feito e
obrado na ditta escriptura o darei por firme e valiosa como se por mim
estando pressente fora feito e obrado Casa da Torre Outubro 31 de 1739-
Francisco Dias Davilla”.48
Pela análise de outras doações de patrimônios percebemos que, assim como Coronel
Francisco Dias d’Ávila, outros grandes senhores de terras que doavam parte de seus bens em
nome de algum santo padroeiro, também requeriam direitos e privilégios perante a igreja. Foi
o caso do Tenente Antônio Francisco dos Santos, sua mulher Francisca Alvares dos Santos,
Antônio Luiz de Sousa e sua mulher Ana Tereza de Jesus, que doaram um pedaço de terra
para patrimônio da capela de Santana no ano de 1785, localizada na povoação de Caicó, termo
da cidade do Rio Grande do Norte. Todos moradores na mesma povoação, deixaram claro na
escritura de doação que o responsável pela administração do sítio de terra seria o Reverendo
cura e vigário da dita capela, para que “toda posse e ação pertençam útil e domínio usufruto e
rendimentos que tiham o ditto pedaço de terra doado a Matriz da Senhora Santana”. No
entanto, os doadores impunham a condição de 49:
(...) terem cada um dos doadores livre sem pensar de foro ou outro qualquer
os chãos de suas casas da forma que quiserem fazer durante suas vidas e
por fallecimento dos mesmos paSaram aos seus herdeiros querendo estes
morar nas ditas casas e não querendo nunca os mesmos herdeiros poderem
vender a outra qualquer pessoa por so ser a vontade dos dittos doadores
chamados e nunca passar a terceira pessoa fora dos herdeiros.50
Segundo Murilo Marx (1991), quando um patrimônio era doado, após delimitar o
espaço onde seria construído o templo religioso, os demais pedaços de terras eram cedidos a
interessados para construção de casa ou estabelecimentos de trabalhos. Os responsáveis por
estas porções de terras cediam à igreja parcelas anuais fixas e preestabelecidas, o foro. Ainda
de acordo com o autor, o foro foi “um contrato pelo qual, a exemplo das concessões de
sesmarias, com a obrigação apenas de pagar o dízimo, obrigava-se o beneficiário a um
módico pagamento anual para custeio das despesas do templo” (MARX, 1991, p. 44). Dessa
48
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1740-1742.
paginação ilegível.
49
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1783. paginação
ilegível.
50
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1783. paginação
ilegível.
92
51
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1788, paginação
ilegível.
52
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1762-1764,
paginação ilegível.
93
racional preço [...] para obra paramentos e conservaSão da Matris e Altar da dita
53
senhora”.
Além disso, muitos deles, ao fazerem as doações, requeriam privilégios que os
diferenciavam da maioria; prerrogativas que se traduziam em isenção de foros para si e seus
herdeiros, missas após a morte, batismos dos seus filhos, parentes e amigos, casamentos, o
direito de ser sepultado na igreja que fez patrimônio; e principalmente, muitos dos doadores
impunham a condição de serem administradores do patrimônio doado.
No entanto, nem todos os doadores requeriam privilégios. Foi a caso de Bento
Fernandes de Lima que, no ano de 1756, doou meia légua de terra com que tinha sido
agraciado em sesmaria no sítio Pau-dos-Ferros, trinta vacas e um touro, para patrimônio da
capela de Nossa Senhora da Conceição, que foi erguida no mesmo sítio, na ribeira do Apody.
E pelo doador, que vivia de criar seus gados, foi dito que “era movido de intensos impulso
[sic] para serviço da mesma senhora [...] e que renunciava todas as leis liberdade isenções
privilégios a tudo mais e que de nada queria vantagem a não ser manter eSe instromento” 54
Essa expansão, do ponto de vista físico, mediante as doações de patrimônios,
funcionou como segmento social a partir do qual surgiram os primeiros lugares de moradia.
Ou seja, a doação não proporcionava apenas a construção do templo religioso, que era o
referencial maior, por outro lado, ela proporcionava o surgimento de habitações e lugares de
negócios. Neste sentido, para o autor o:
53
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1762-1764,
paginação ilegível.
54
Acervo do Cartório I Ofício de Notas “Cel João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1758, paginação
ilegível.
94
Entre fins do século XVII e início do XVIII verificamos a formação de uma elite
local55 no sertão de Piranhas e Piancó, constituída em virtude de sua participação na conquista
e ocupação dessa região após a guerra contra os povos indígenas. Esses feitos, realizados, em
sua grande maioria, por aqueles que tiveram condição financeira necessária à conquista, e em
nome da Coroa Portuguesa, proporcionaram a acumulação de cargos, mercês e patrimônios
aos vassalos que procuraram formas e meios de serem agraciados.
A lógica de troca de serviços em Portugal tem suas origens no momento de
reconquista do próprio reino, na guerra contra os mouros, ainda no período Medieval. Com as
conquistas ultramarinas, o rei teve condições e recursos ainda maiores de agraciar seus
súditos, em troca de dependência econômica e política. Além disso, a promessa de honras e
mercês estava presente em todos os projetos da Coroa, que procurava atender a maioria
possível dos pedidos (RICUPERO, 2009, p. 44).
Essas questões têm levado a recente historiografia portuguesa a se preocupar com a
análise das dinâmicas relacionais entre o monarca e seus súditos, nos mais diversos âmbitos.
Em um dos mais importantes trabalhos sobre o tema, As Ordens Militares e o Estado
Moderno: honras, mercês e venalidade em Portugal (1641-1789), Fernanda Olival, ao
analisar o que ela mesma define como “economia de mercês” em Portugal, nos mostra que
“servir a coroa como objeto de pedir em troca recompensas, torna-se quase um modo de
vida, para diferentes setores do espaço social português.” Ainda segundo autora:
55
Flavio Heinz define elites como sendo um grupo de indivíduos que ocupam posições-chave em determinada
sociedade, e que dispõem “de poderes, de influências, e de privilégios inacessíveis ao conjunto de seus
membros”. Neste sentido, o autor nos mostra que, estudar elites, é uma das formas de se verificar “quais os
espaços e mecanismos de poderes nos diferentes tipos de sociedade ou os princípios empregados para o acesso
a posições dominantes” (HEINZ, 2006, p. 8). Dessa forma, para o período e região aqui estudados, entendemos
“elite” como sendo um grupo de pessoas que, pelos seus feitos em nome da Coroa Portuguesa, além de ocupar o
“topo” da hierarquia social, era também detentor do poder político e econômico. Sobre o assunto ver Maria
Beatriz Silva Nizza, Ser nobre na colônia (São Paulo: UNESP, 2005); e Maria Fernanda Bicalho, “Elites
coloniais: a nobreza da terra e o governo da conquista. História e historiografia.” (In: Nuno Monteiro, Pedro
Cardim e Mafalda Soares da Cunha (orgs.) Optima Pars, elites Ibero-Americanas do Antigo Regime. Lisboa:
Instituto de Ciências Sociais, 2005).
97
Neste sentido, a dinâmica da doação de mercês, que tem suas origens em Portugal, foi
transferida a todo o domínio português. Da mesma forma, os conquistadores que se
estabeleceram na América, pela necessidade de efetiva ocupação das terras encontradas, eram
oriundos de uma sociedade testamental, e dessa maneira, também transplantaram tais valores
para os territórios ultramarinos. Sendo assim, a sociedade colonial que se formou nas partes
do Brasil, tinha suas relações baseadas na classificação e destinação social de seus membros,
tendo como principal referência à escravidão, por ser esse sistema a base da organização
hierárquica e fator definidor do lugar social ocupado pelos demais grupos (NOGUEIRA,
2010, p. 15). Quem estava no topo tinha melhor “qualidade” e, certamente, também detinha
poder de mando na sociedade.
Dessa forma, os nobres que aqui chegavam buscavam garantir e ampliar ainda mais os
seus cabedais, e os mais pobres almejavam se constituir em elites detentoras de poder, cargos
e mercês, mediante a conquista e ocupação das terras em nome de sua majestade. No entanto,
como é possível notar, apesar da Coroa distribuir as honras e mercês para vastos setores da
sociedade colonial, somente aqueles que possuíssem cabedais suficientes para conquista
seriam agraciados com tais recompensas, ou seja, a ideia era de que os gastos e “despendido
56
de suas fazendas” voltariam multiplicados em formas de mercês, já que servir à Coroa,
significava a garantia de ascendência social.
A classificação dessas elites, tanto na colônia como no reino, tinha como referencial
de diferenciação o indicador de “nobreza civil”. Diferente de “nobreza de sangue”, que
estava relacionada às origens familiares, tratando-se de títulos herdados, a “nobreza civil”,
era um título honorífico conquistado a partir da prestação de serviços à Coroa, referindo-se a
uma “condição conquistada” (NOGUEIRA, 2010, p.16).
É neste sentido que, de acordo com Fernanda Bicalho, o contexto singular da
conquista que nas partes do Brasil se estabeleceu, produziu elites específicas em relação
àquelas que viviam e se constituíam na sociedade europeia de Antigo Regime. Segundo a
56
Justificativa comumente utilizada, entre outros documentos, nos pedidos de doações de sesmarias, aonde os
solicitantes alegavam ter tido grandes despesas no momento da guerra contra os povos indígenas.
98
autora, as elites que se originaram do reino “eram formadas, sobretudo, por membros das
casas nobres, que tinham no sangue, na ascendência e na casa, sua melhor identificação”, ou
seja, em Portugal se verifica apenas a reprodução social da nobreza. Na América Portuguesa,
portanto, as elites tiveram outro significado que, segundo a autora, “passava pelo serviço do
rei” como critério para ocupação de cargos administrativos e acesso às mercês régias,
formando, assim, os requisitos para definição do que ela mesma classifica como “elites
coloniais” (BICALHO, 2005, p.73).
Partindo de uma análise sobre a nobreza portuguesa, Beatriz Nizza Silva caracteriza
seus membros como “titulares”. Faziam parte deste grupo “os que gozavam ‘as
prerrogativas de grandeza’, eram eles que na sociedade portuguesa se denominavam
‘grandes’”. Mostrando que esse tipo de nobreza não era relevante no Brasil, e que “poucos
‘titulares’ estavam ligados à história colonial, se excetuarmos aqueles que vieram com
governadores e vice-reis”, a autora utiliza o conceito de “nobreza política”, se referindo a
todos aqueles que aqui ocupavam privilegiado lugar social, mas, que na verdade, “dependiam
da graça ou mercê régia para existir” (SILVA, 2005, p.18).
De variadas formas o Monarca agraciou seus súditos no ultramar. Para Ricupero
(2009, p. 20), os exemplos podem ser diversos para todas as áreas e todo o período colonial,
no qual “a Coroa se utilizou da distribuição de: terras, títulos nobiliárquicos, cargos, tenças
e outras mercês, como instrumentos para vincular os seus vassalos ao projeto”. Para o autor,
além de o próprio rei conceder os benefícios, após a criação do Governo-Geral, os
governadores e demais funcionários régios, que já requeriam junto ao monarca as benesses
em seu favor e, dos demais indivíduos, ficaram também, encarregados de distribuir, de acordo
com suas possibilidades e limites, honras e mercês, que seriam posteriormente confirmadas
pela Coroa.
Por seu turno, a formação da elite colonial, que já começa a delinear-se a partir de
1530 com a conquista e ocupação da fachada litorânea e adentra o século XVIII com a
abertura das vias de comunicação com sertão das capitanias do Norte, é fruto da tríade
combinação de acesso a cargos, mercês e consolidação de patrimônios para aqueles que
participaram da defesa e posse do território. Como bem asseverou Ricupero (2009) esses dois
movimentos – a conquista e a formação da elite colonial – foram, na mesma medida,
movimentos paralelos e complementares (p. 24).
Dentre essas variadas formas de mercês, Ricupero (2009, p. 83) ainda as classifica
entre simbólicas e materiais. Dessa maneira, do ponto de vista material estariam as terras e os
99
Além das patentes militares, entendemos, ainda, que o acesso a terra em sesmaria
constituiu-se como o primeiro meio para a formação de elites locais, pois os requerentes viam
nessa prática a oportunidade de enriquecimento, uma vez que a terra proporcionava
desenvolvimento econômico, mediante a atividade pecuária e os arrendamentos.
A identificação de elites no período colonial tinha, ainda, como uma de suas principais
referências, a participação desse grupo nas atividades da Câmara57, postos que eram
conquistados, assim como as patentes militares, e que, juntos, afirmavam ainda mais a
distinção social dessas elites. Ou seja, ocupar esses postos na sociedade colonial fazia parte
dos principais “rituais” de nobilitação. Apesar de, no período que estamos tratando, ainda
não existir Câmara no sertão de Piranhas e Piancó, o que só veio a se estabelecer em 1772,
também analisaremos ao longo deste trabalho, como se deu o acesso e o exercício a seus
principais postos ligados ao governo e administração local, tais como: Juiz Ordinário,
Procuradores e Escrivães.
57
As Câmaras municipais no período colonial foram instituições fundamentais na construção e manutenção do
Império Ultramarino, uma vez que funcionavam como importante órgão administrativo colonial. “Elas se
constituíram nos pilares da sociedade colonial portuguesa” (BOXER apud BICALHO, 2001, p. 191).
100
Como nos aponta Beatriz Nizza da Silva, nas sociedades de Antigo Regime, aqueles
que almejavam a condição de nobre jamais se contentavam com um único meio de
nobilitação, “mesmo já sendo cavaleiro, ou mais raramente comendadores, pretendiam um
oficio civil ou um posto militar, pois só graças a várias mercês, reforçadas umas pelas
outras, é que sua nobreza se impunha na sociedade” (SILVA, 2005, p. 18). Neste sentido,
percebemos que, na região Piranhas e Piancó, as elites eram detentoras não só de patentes
militares e terras, ocupavam também postos administrativos e, dessa forma, se diferenciavam
estrategicamente dos demais membros da sociedade, como veremos ao longo do capítulo.
Em relação aos trabalhos que tratam das elites coloniais na Capitania da Parahyba,
ainda são escassas as referências a este respeito. Contudo, fica demonstrada no trabalho de
Gonçalves (2007), que se dedica ao estudo da conquista de povoamento na referida capitania,
a existência de uma “nobreza da terra” que, escoada da Capitania de Pernambuco, dirigiu-se
para Parahyba. Essa nobreza colonial foi responsável por dar “início à produção de açúcar e
acabar originando, diante da efetiva ausência da nobreza portuguesa tradicional na colônia,
uma aristocracia local nomeada ‘nobreza da terra’, apesar de sua origem frequentemente
humilde”. A consequência disso foi que ao longo do século XVI, com a consolidação da
conquista, a influência desta aristocracia local pernambucana foi se ampliando para outros
territórios, sendo esse o caso da capitania da Parahyba (p. 89-90).
Na acepção do historiador Inaldo Chaves (2013), ao citar o trabalho de Gonçalves, é
preciso considerar que muito além de verificar a existência uma “nobreza da terra” nas
capitanias de Pernambuco e Parahyba propriamente ditas, seria mais perspicaz compreender a
formação de grupos dominantes nas capitanias do Norte, num espaço comum que envolvia os
indígenas, escravos e pobres livres. Esses vínculos estavam explícitos, sobretudo, nas relações
parentais entre aqueles que detinham o controle econômico e político, especialmente nas
capitanias da Parahyba, Pernambuco e Itamaracá (p. 87). Diante disso, Inaldo Chaves ainda
bem observa que:
haja vista essa área já está ocupada por seus parentes de melhor
ascendência (CHAVES JUNIOR, 2012, p. 87-88).
Nos estudos empreendidos por Gabriel Nogueira (2010) o autor se debruça na análise
das práticas de nobilitação e diferenciação social desempenhado pelos moradores da vila de
Santa Cruz do Aracati, capitania do Siará grande, tendo a Câmara local como principal norte
para identificação dessas elites. Para tarefa de tamanha envergadura, o autor realizou um
levantamento dos cento e oitenta e nove nomes dos camaristas da vila do Aracati que estavam
diretamente ligados aos principais postos da Câmara, ou ainda, estiveram envolvidos no
comando local da vila. Com base nesses dados, o autor assevera que o perfil das elites que
compunham essa especificidade local era bastante distinto, no que diz respeito, sobretudo, aos
padrões de riqueza dessas elites. Diante disso, conforme Nogueira (2009), “o grupo dos
‘homens bons’ da vila do Aracati, compunham-se tanto por sujeitos e grupos familiares
detentores de grandes cabedais, quanto por alguns outros que podiam ser enquadrados nos
setores médios da população branca livre local” (p. 148-149).
Contudo, diante desses dois grupos, os camaristas foram identificados pelo autor como
os membros de tradição local que tinham maior prestígio social na vila, sendo eles
“detentores de grandes fortunas e de maior margem de atuação política”, dessa maneira,
esse grupo foi qualificado por Nogueira (2009) como “elites camarária”, sendo, nessa
medida, a principal referência para análise das demais práticas de nobilitação no cotidiano
sertanejo da vila do Aracati. Por seu turno, o autor ainda dividiu as elites camarárias em dois
grupos, o primeiro, tratava-se de uma elite tradicional que tinha suas origens familiares,
quando ainda pelos idos do século XVII e primeira metade do XVIII, estas se estabeleceram
no Aracati e tiveram acesso a terra, primeiro meio para sua constituição enquanto elites (p.
151). O segundo grande grupo de elites era formado por negociantes, esses, tinham origens na
vila do Recife ou de Pernambuco e vinha para vila do Aracati para lucrarem com a indústria
das charqueadas ou atividades semelhantes (p. 159).
Ainda sobre a formação de elites nos sertões da capitania do Siará Grande,
destacamos o importante trabalho desenvolvido por Rafael Silva (2010), que se ocupou em
analisar a formação da elite colonial nos sertões de Mambaça, no decorrer do século XVIII.
Para tanto, o perfil dessas elites foi constituído tendo a doação de terras em sesmarias como
principal referência. Nessa perspectiva, o autor analisou a legislação que regulamentava o
sistema de sesmarias na América portuguesa, e nos chama atenção para o fato desses
documentos sofrerem atenuações quando aplicadas as realidades locais.
102
em questão, não têm na riqueza sua principal prerrogativa, não deixando de ser, como nos
alerta o autor, uma forma de mobilidade social.
Semelhante caso foi identificado por Nogueira (2010) ao citar o exemplo
pernambucano. Conforme o autor, na capitania de Pernambuco existia uma polarização entre
dois grupos de elites que, por sua vez, estavam divididas em dois núcleos distintos, Olinda e
Recife, onde cada grupo defendia seus interesses. O plano de fundo que compunha essa trama
assemelha-se ao caso fluminense, quando a capitania de Pernambuco foi marcada por disputas
que giravam em torno do acesso aos principais espaços de poder na localidade (p. 145).
Era o ano de 1537 quando Olinda foi elevada a categoria de vila, perdurando como
capital de Pernambuco até os primeiros idos do século XIX. Como bem observou Nogueira
(2010), o cenário destas disputas tinha como arena principal a vila de uma das mais
importantes capitanias da América portuguesa, e, consequentemente, foi por muito tempo
lugar privilegiado para os que eram desejosos de ocupar postos de governança local. Nesse
contexto se configurou o motivo de disputas entre os dois grupos de elites, sobretudo no
período posterior ao domínio holandês. Citando Manoel de Oliveira Lima, o autor nos mostra
que aos que faziam parte da “nobreza da terra” eram direcionados os postos de juízes e
procuradores, ocupações dos que participavam das atividades da Câmara, além disso, era essa
nobreza principal a responsável por “ditar” as regras para o segundo grupo, que
correspondiam aos mercadores, ficando esses com acesso, unicamente, aos postos secundários
da administração. Vale destacar que os critérios utilizados para eleger os ocupantes desses
cargos baseavam-se apenas nas leis locais, e não nas do reino (p. 145).
Diante disso, Nogueira (2010) conclui sua análise sobre a formação de elites em um
dos centros da América portuguesa, asseverando que, apesar do desempenho das atividades
mercantis configurarem um meio de acumulação de riqueza e patrimônio para aos que à essas
atividades se dedicavam, lhe possibilitando “viver nobremente”, o acesso a terra, constituía-
se, também na capitania de Pernambuco, como elemento primeiro e básico para atribuir a
qualidade de elite local nessas paragens, sendo, “tradicionalmente um dos elementos mais
nobilitantes” (p. 146).
Como dissemos em algumas linhas atrás, foram muitas as formas de recompensas
distribuídas pelo Monarca no âmbito das conquistas ultramarinas; vimos também, que cada
período e lugar possuíam sua própria lógica e especificidade, sendo, portanto, não
homogêneas em suas características locais. Por esse motivo, o nosso objetivo nas páginas
seguintes é, mediante a análise dos perfis locais do sertão de Piranhas e Piancó, apontar como
104
Custódio de Oliveira Ledo. Por sua vez, Pascácio de Oliveira teria se casado, cuja esposa não
se sabe o nome, teve um filha chamada Cristina Rodrigues, e ao obter núpcias com Antônio
Guimarães, obteve um filho que levou o mesmo nome de seu avô, conforme demonstrado no
gráfico 01 a seguir.
Pelo que temos notícia de acordo com ponderações feitas por Costa (2012) a respeito
da descendência de Antônio de Oliveira Ledo. Ele, por sua vez, casou-se com Isabel Pereira
de Almeida e teve como filho chamado Francisco Pereira de Oliveira (p.35). Apesar de ainda
não identificados, muito provavelmente a descendência de Antônio de Oliveira Ledo foi em
maior número do que o identificado até o presente momento. Assim, por hora, fica
demonstrado no gráfico 02 abaixo um pouco da formação familiar de Antônio de Oliveira
Ledo.
106
novembro do ano de 1742, ao herdeiro de Teodósio de Oliveira, filho que respondia pelo
mesmo nome do seu pai, e a Ana de Oliveira. A terra foi concedida em partilha aos bens de
Teodósio de Oliveira por ocasião do seu falecimento. Nos termos do documento é sabido que
a:
Ao casar-se com Antônio da Cruz Porto Carneiro, Ana de Oliveira Ledo deixou como
descendentes: Manoel da Cruz de Oliveira, Francisco da Cruz e Manoel da Cunha Loureiro,
Francisco da Cruz, José da Cruz, Euzébio Cruz de Oliveira, Gonçalo de Oliveira e Sabrina,
como demonstrado no gráfico 04 abaixo. De acordo com o que foi descrito no capítulo
passado, marcas importantes foram deixadas pelos descendentes de Ana de Oliveira no sertão
de Piranhas e Piancó, especialmente Manoel da Cruz de Oliveira quando, graças as suas
doações de patrimônios para se erigir capelas, o mesmo consagrou a conquista territorial por
aquelas paragens.
Fonte: Costa (2012, p. 33), acervo do Fórum Promotor Francisco Nelson da Nóbrega, Pombal – PB. Testamento
de 1764, acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel. João Queiroga” (Pombal-PB) Livro de Notas: 1730.
Paginação Ilegível.
que o mesmo adquiria em forma de sesmaria. Por seu turno foi, precisamente, no ano de 1752
que Manoel da Cruz de Oliveira, alegando ser morador no sertão de Piranhas e já possuir um
sítio de terras chamado de olho d’água, localizado na serra conhecida como Brejo, foi
requerer junto aos representantes do reino na colônia, pedaços de terras próximos ao seu sítio
que estavam “devolutas e desaproveitadas” para nelas “crear seus gados e plantar suas
lavouras”, fincando cada vez mais as suas raízes na região. Em resposta ao pedido foi feita a
concessão de três léguas de comprido e uma de largo no governo de Antônio Borges da
Fonseca (TAVARES, 1782, p.226).
Além de ser possuidor de terras, sobretudo em razão do desenvolvimento de atividades
econômicas como, a criação de gados e plantação de lavouras, Manoel da Cruz de Oliveira
ainda estava inserido em teias de negócios que embalavam as tramas cotidianas no sertão de
Piranhas e Piancó. Esse foi o caso do ocorrido no ano de 1720, quando, por essa época, ao se
dirigir ao tabelião local, Álvaro de Lima e Oliveira, e Manoel da Cruz de Oliveira legalizam,
pelo instrumento de procuração, o vínculo com os seus representantes locais com os quais
estabeleciam negócios. Os ditos procuradores, sendo na ribeira do Piranhas, Gonçallo de
Oliveira da Cruz, o Capitão Antônio dos Santos Guimarães, Joseph da Cruz de Oliveira e o
tenente Francisco Pereira da Costa e, na ribeira do Rio do Piancó, o Sargento-mor João de
Miranda, e o Capitão Pedro Alves Verissimo, e na ribeira do Rio do Peixe, Manoel Alves
Ferreira e Bento Ferreira de Azevedo, ficaram encarregados de “Cobrar e aRecadar toda a
Sua fazenda e tudo o mais que Seu for Sitar e demandar a todos os Seus devedores por Coal
quer títullo ou RaZam que Seja aSim para Creditos aSentos testamentos e por outras Coais
quer aSois que por direito lhes for prometido”58. Pelos dados encontrados na documentação
é sabido que essas tramas ainda envolveram as várias ribeiras da região do Piranhas e Piancó.
Com o passar dos anos essas teias de negócios estabelecidas por Manoel da Cruz de
Oliveira foram se alastrando e ampliaram suas dimensões para as demais capitanias da
América portuguesa, dentre essas estão as principais praças comerciais na colônia,
Pernambuco e Bahia, como podemos ferir no quadro 03 abaixo. Ademias, negócios ainda
foram firmados com procuradores localizados na ribeira do São Francisco, na Cidade da
Parahyba do Norte e na própria região do Piancó. Muito embora esse tipo de documento não
costume descrever as motivações do outorgante para estabelecer tais vínculos, ele nos revela a
amplitude das relações entre os vários sujeitos espalhados pelo mundo colonial. Diante disso,
pela nossa análise documental, é notável que ao longo do século XVIII o interior da Capitania
da Parahyba relacionava-se, através de redes de poderes, com as mais diversas partes da
América Portuguesa.
58
Acervo do Cartório de I Oficio de Notas “Cel. João Queiroga” (Pombal-PB) Livro de Notas nº 1. Fl. 22-23.
109
Pela análise documental, ainda fica-nos explícito que alguns desses vínculos,
sobretudo os que se firmaram na região de Piranhas e Piancó, foram estabelecidos entre os
próprios membros da família Oliveira Ledo. Cenas desse episódio podem ser percebidas
quando pelo primeiro dia do mês de agosto do ano de 1721, no sítio Cruz localizado na ribeira
do Piancó na casa de Francisco de Oliveira Ledo, quando por lá Ana de Oliveira Ledo firma
negócio com procuradores nas mais diversas paragens, a saber, na cidade de Nossa Senhora
das Neves, Capitania da Parahyba, na Capitania de Pernambuco, na Bahia de Todos os
Santos, na cidade de Olinda e por fim na ribeira do Piancó. Pelo que temos notícia, o negócio
foi formado na casa de Francisco de Oliveira Ledo, sobrinho de Ana de Oliveira Ledo como
veremos mais adiante, e dentre seus procuradores estava seu filho, o Capitão-mor Manoel da
Cruz de Oliveira. Transpassados mais de doze anos, Ana de Oliveira ainda continua a firmar
negócios com procuradores, mantendo sempre filiação parental como demonstrado no quadro
04 abaixo.
Essa aliança entre membros de uma mesma família parece ter rendido bons frutos,
pois, pelos tempos de 1742, O Capitão-mor Manoel da Cruz de Oliveira assume mais uma vez
o controle dos bens de sua mãe, Ana de Oliveira. O negócio foi firmado no dia vinte seis de
maio do dito ano, em casa de morada do dito Manoel de Cruz de Oliveira, quando o mesmo,
representando a sua mãe por procuração, vende um sítio de terras de criar gados na ribeira do
Piranhas, chamado São João, no valor de oitocentos e cinquenta mil reis a Alexandre de
111
Alencar Rego, “morador na freguesia do cabrobô do rio Sam Francisco”. O sítio vendido
estava por posse de Ana de Oliveira Ledo por via de herança que recebeu pela morte de dois
filhos, sendo estes Gonçalo de Oliveira e Eusebio de Cruz de Oliveira59. Esse era o quadro
das elites locais no interior da capitania da Parahyba, formado a partir de um espaço comum,
os seus membros relacionaram-se mediante a política de negócio como veremos mais
adiantes.
Acerca do poderio local do Capitão-mor Manoel da Cruz de Oliveira, encontramos as
mais explícitas descrições de suas riquezas patrimoniais pela análise de seu testamento pós-
morte. O referido documento foi feito por ocasião do dia quinze de junho de 1763 pelo dito
Manoel da Cruz de Oliveira que se declarou em perfeito juízo. Alguns meses depois, pelo dia
doze de janeiro de 1754, apareceu na povoação de Nossa Senhora Bom Sucesso do Piancó,
“onde assiste o Juiz Ordinário e de órfão o Capitão João da Silva e Almeida”, os
testamenteiros do referido Capitão-mor, sendo estes seus filhos o Tenente Manoel Cruz de
Oliveira e o Alferes José da Cruz. “Querião elles e herdão contentes o benefício da alma do
dito defunto seu pay” 60. No quadro 05 a seguir, destacamos os bens deixados em testamento
por Manoel da Cruz de Oliveira.
59
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel. João Queiroga” (Pombal-PB) Livro de Notas de Notas: 1730.
Paginação Ilegível.
60
Acervo do Fórum Promotor Francisco Nelson da Nóbrega, Pombal – PB. Testamento de 1764.
112
61
De acordo com a documentação este escravo é um “cabra” por ser filho de uma negra com um mulato.
113
de prata62. Por esses tempos, o matrimônio funcionou como mecanismo estratégico para a
reprodução de elites locais, já que a união proporcionava além do aumento do patrimônio
material, a possibilidade de ingressar nas melhores famílias da terra.
O restante dos bens do Capitão-mor Manoel da Cruz de Oliveira foram distribuídos da
seguinte forma, para sua irmã por nome de Sabrina foi deixado o sítio Barra de Cima e a junta
de bois mansos, “que fica inteirada de cem mil reis de tracto e composição que fiz com ella e
com seo procurador”. Foi da vontade do dito Capitão-mor que o restante de seus bens fossem
“entregue a quem por direito tocar o que com seo rendimento e lhe vá rezando as dittas
capelas de Missas”. Os testamenteiros ficaram também responsáveis por pagar as dívidas
deixadas pelo defunto, essas sendo “alguns anos das Irmandades de Matriz do Piancó” e
dívidas por negócios estabelecidos com alguns senhores. Por Manoel da Cruz de Oliveira foi
dito ainda que “aparecendo estes meos testamenteiros lhe paguem”.
É, pois, Manoel da Cruz de Oliveira Ledo, considerado por nós parte das principais
elites locais que se formaram no interior da Capitania da Parahyba, não só pelo fato de possuir
as prerrogativas necessárias para ocupar esse posto, como a detenção de ofícios militares, a
posse de terras e as estratégicas construções de alianças locais e extra locais, mas, ainda, pelo
fato de descender dos primeiros desbravadores e conquistadores daquela região. Unidos, esses
elementos compunham o perfil social das elites locais no sertão de Piranhas e Piancó.
Ao mergulharmos ainda mais na análise documental do testamento deixado pelo
Capitão-mor Manoel da Cruz de Oliveira, nos foi possível desvendar o seu lugar de origem
antes de chegar ao sertão de Piranhas e Piancó e sua filiação, pois, o mesmo Manoel da Cruz
de Oliveira diz: “declaro que sou natural do Ryo Sam Francisco da parte da Bahia, freguês
da Villa Nova, filho legítimo de Antônio da Cruz Porto Carneiro e de sua molher Anna de
Oliveira Ledo, já defuntos”. Descortinamos ainda quais foram seus descendentes ao casar-se
com Maria Manuela da Sylva, estes, estão descritos no gráfico 05 a seguir63.
62
Acervo do Fórum Promotor Francisco Nelson da Nóbrega, Pombal – PB. Testamento de 1764.
63
Acervo do Fórum Promotor Francisco Nelson da Nóbrega, Pombal – PB. Testamento de 1764.
114
Fonte: Acervo do Fórum Promotor Francisco Nelson da Nóbrega, Pombal – PB. Testamento de 1764.
Quanto ao grupo familiar de Teodósio de Oliveira Ledo, como bem demonstrou Costa
(2012), esse foi mais extenso que os demais, tendo em vista que o mesmo casou-se duas
vezes, sendo a primeira vez com Isabel Paz, com quem teve três filhos e a segunda com
Cosma Tavares Leitão, tendo com a mesma também três filhos. O estudo empreendido pela
autora, também nos indica quem foram os seus netos e bisnetos, como demonstrado no
gráfico 06 a seguir.
116
Foram, portanto, os Oliveira Ledo, juntamente com suas extensas parentelas, que
formaram o núcleos base que comporia a primeira elite local no sertão de Piranhas e Piancó,
como constataremos a seguir.
A respeito das primeiras investidas para conquista do interior, utilizamos como um dos
nortes historiográficos as ponderações feitas por Maximiano Lopes Machado, segundo a qual
diz que: “Antônio de Oliveira Ledo fundou as margens do rio Parahyba uma fazenda de
crear em 1670, a cinquenta léguas da capital, por assentamentos dos selvagens, no
Boqueirão da actual cidade de Cabaceiras” (1977, p. 343). Todavia, encontramos referência
das expedições comandadas pelos Oliveira Ledo na Capitania da Parahyba em meandros de
1665, quando, por essa época, o mesmo Antônio de Oliveiras Ledo, Constantino de Oliveira
117
Ledo e Custódio de Oliveira Ledo, além de outros requerentes, ao alegarem serem moradores
nesta capitania, requisitavam concessão de sesmaria de trinta léguas, para cada um dos
requerentes, em terras contestantes às do Governador André Vidal de Negreiros. Os
suplicantes declaravam terem gados, tanto vaccum como cavalar, e outras criações para
poderem povoar as terras; diziam ainda, estar prestando serviço à sua majestade há cerca de
vinte anos, e na dita região que estavam ocupando há dois anos. Além disso, os requerentes se
propunham a “povoar-se o Sertão com toda a largueza que só é estimada de Gentio
indoméstico”. Os mesmos receberam mercê em forma de sesmaria, registrada nos livros da
Fazenda Real na capitania da Bahia, concedida pelo Vice-rei em nome de sua Majestade.64
Por esse e outros tipos de documentos, percebemos a direta ligação que a família Oliveira
Ledo tinha com Governo Geral do Estado do Brasil. Como bem observou Horácio de Almeida
(1978, p. 27), foi com a doação da sesmaria descrita acima que Antônio de Oliveira Ledo
fundou o arraial do Boqueirão, funcionando como ponto de partida para o desbravamento do
sertão adentro. (1978, p. 27)
Somente por volta de 1670 é que encontramos referências dos Oliveira Ledo na região
de Piranhas e Piancó quando, em 4 de fevereiro do dito ano, foi registrada no 1º livro de
registros da Secretaria do Estado do Brasil, a doação de “doze léguas de terra de largo
começando em Rio chamado das Piranhas, que começarão fronteira a serra da Burburema”.
A doação foi feita aos doze que solicitaram terras e, dentre esses, estavam aos senhores
Antônio de Oliveira Ledo e Custódio de Oliveira Ledo. Foi feita ainda baseada nas
informações passadas pelo Provedor- Mor da Fazenda Real do Estado do Brasil, segundo a
qual, “todas as pessoas conteúdas na petição têm cabedais para povoarem as terras que
pedem”, em nome se Sua Alteza e para o bem da Fazenda real65.
Por seu turno, como fiéis vassalos da Coroa portuguesa e, após o bom cumprimento da
tarefa de expandirem os domínios territoriais e a fé do reino, os Oliveira Ledo foram
agraciados com mercês reais, movimento que lhes possibilitou a ocupação e expansão
portuguesa na América. Dentre as variadas formas de mercês, destacamos mais uma vez as
doações de sesmarias, sendo o primeiro meio para a formação de elites locais, pois, além de
proporcionar a posse do território, foi chave fundamental no desenvolvimento da pecuária.
Dessa maneira, onde antes predominava um cenário desalentador de guerra entre os
64
Registro de uma Carta de Sesmaria do Alferes Sebastião Barbosa e Antônio de Oliveira e outras pessoas, dada
na Parahiba. DH. Vol. 22 p. 62-67.
65
Carta de serventia e data de terras do Capitão Francisco de Abreu Lima, e mais pessoas nella declaradas, são
doze léguas de largo no rio chamado das Piranhas, seis léguas para cada banda do rio, e cinquenta para o sertão.
DH. Vol. 23 p. 403-405
118
Quadro 07 - Sesmarias doadas aos Oliveira Ledo na segunda metade do século XVII
Ano Solicitante Localização
O Alferes Sebastião Barbosa d'Almeida , e sua Irmã Capitania do Rio Grande. Rio
1664 Maria Barbosa d'Almeida, Antônio d'Oliveira Ledo, e o Guayana e Rio Mupobú,
Alferes Balthazar da Mota e Custódio d'Oliveira Ledo. Cabeceiras de Bento da Costa.
Alferes Sebastião Barbosa d'Almeida, e sua Irmã Capitania do Rio Grande. Rio
Maria Barbosa d'Almeida, o Alferes Balthazar, da Mota, Putugy, nas cabeceiras de Bento
1664 Antonio d'Oliveira Ledo, Francisco, d'Oliveira Ledo, da Costa.
Simão Corrêa, Matheus de Viveiros, Constantino
d'Oliveira, Luiz d'Albernaz,e Gaspar d'Oliveira.
Alferes Sebastião Barbosa de Almeida, Antônio de Capitania da Parahyba,
Oliveira Ledo, Constantino d'Oliveira, Luiz d'Albernaz, cabeceiras as terras de André
1665 Vidal de Negreiros.
Francisco d'Oliveira, Bárbara d'Oliveira, Maria Barbosa
Barradas.
Capitão Francisco de Abreu de Lima, e o Capitão Capitania da Parahyba, rio
Antônio de Oliveira Ledo, Custódio de Oliveira Ledo, o Piranhas.
1670 Alferes João de Freitas da Cunha, José de Abreu, Luíz
de Noronha, Antônio Martins Pereira, Estevão de Abreu
de Lima, Antônio Pereira de Oliveira, Theodósia de
Oliveira, Sebastião da Costa, Gaspar de Oliveira.
Antônio Pereira de Oliveira, Gonçalo de Oliveira Capitania da Parahyba, rio
1673 Pereira, Francisco Pereira de Oliveira, Mateus Piranhas.
Pereira de Oliveira, padre Paulo da Costa Barros.
1680 Constantino de Oliveira Ledo e mais 18 pessoas. Sertão de Piancó, rio Buti.
Fonte: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional; Almeida (1977, p. 17-23).
Seguindo essa lógica, temos ainda outra forma de recompensa, a doação de patentes
militares, pois, como nos chama atenção Ricupero (2009), sem elas não havia colônia. Deste
modo, era o ano de 1682 quando o então Governador-geral Roque da Costa Barreto em
recompensa a esses feitos de conquista e ocupação das terras, agraciou Antônio de Oliveira
Ledo com a patente de Capitão da Infantaria da Ordenança no sertão da Capitania da
Parahyba. De acordo com Roque Barreto:
Por não estarem alistados em campanha alguma e que seja pessoa de valor,
prática de disciplina militar e experiência de guerra, tendo eu consideração
ao bem que todas estas qualidades concorrem na direção de Antônio de
119
66
Carta patente encontrada no arquivo publica do Estado da Bahia, apud, Almeida, p. 18-19.
67
O documento não traz o nome do Governador da Capitania de Pernambuco no ano do envio do documento,
que foi 16 de outubro de 1688, muito embora o representante desta capitania por este ano fosse Matias de
Figueiredo Melo.
68
Carta para o Bispo Governador de Pernambuco. DH Vol. 10, p. 327-328.
120
Geral do Estado do Brasil, Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, envia ordem para o
Capitão Constantino de Oliveira “se valer de qualquer gado que lhe for necessário para o
sustento da gente que o acompanha”, já que, de acordo com essa ordem, por essa época
estava faltando gado para o sustento do Arraial, dos moradores e das fazendas que estavam
sob sua jurisdição. Como efeito, Constantino de Oliveira foi ordenado a comprar gado a seus
donos à custa de suas próprias fazendas69.
Muito embora o ano de 1670 tenha sido considerado por nós marco da presença dos
Oliveira Ledo no sertão de Piranhas e Piancó, o autor paraibano Celso Mariz (1994),
equivocadamente, aponta essa data como sendo momento em que Teodósio de Oliveira Ledo
chega à região do Boqueirão e, encontra o já formado aldeamento de Antônio de Oliveira
Ledo quando, na verdade, os feitos de Teodósio só entram em cena no ano de 1694, como
veremos nas linhas seguintes70.
A respeito das campanhas do Capitão Mor Teodósio de Oliveira Ledo no sertão de
Piranhas e Piancó, o mesmo só assume esse posto após a morte de seu irmão, Constantino de
Oliveira Ledo, ocorrida em 1694. No entanto, essa não é a mesma data apontada por
Maximiniano Machado (1977, p. 335) que assinala 1697 como o ano inicial dos feitos de
Teodósio de Oliveira Ledo. O governador geral, João Lencastro, foi quem assinou a patente
de Capitão-Mor de Teodósio de Oliveira Ledo. De acordo com os termos da patente:
69
Ordem para o Capitão-mor Constantino de Oliveira se valer de qualquer gado que lhe for necessario para o
sustento da gente que o acompanhar, pagando-o a custo de sua fazenda. DH Vol. 32, p. 323-324.
70
As datas por nós apontadas sobre a trajetória dos Oliveira Ledo, mediante a análise de documentos, estão de
acordo com as mesmas assinaladas pelo escritor paraibano Horácio de Almeida, no livro “História da Paraíba”
Vol. 02.
71
Documento extraído do livro de registro de patentes, 1696\1703, fls. 53 v. apud Almeida (1978, p. 22)
121
Mor. De acordo com Horácio de Almeida, essa afirmação desmistifica a ideia de que
Teodósio de Oliveira Ledo foi o primeiro Capitão-Mor do sertão de Piranhas e Piancó.
Após assumir o posto de Capitão-Mor em 1694, já em 1695, encontramos relatos que
descrevem a situação das aldeias e as alianças de Teodósio com os povos indígenas. Em carta
datada de 31 de maio do dito ano, o Governador Geral, João de Lencastro, envia carta ao dito
Capitão Mor, se mostrando satisfeito com as alianças que o mesmo fizera com aldeias
indígenas72. Em 02 de novembro do ano seguinte, João de Lencastro envia carta para o então
governador de Pernambuco, Caetano de Melo, alertando sobre o envio de pólvora para a
guerra no Piancó. Lencastro, na carta, diz que Teodósio de Oliveira Ledo, que “teve um bom
sucesso com os Bárbaros daquelles sertões”, lhe solicitou “vinte arrobas de pólvora e
73
quarenta de chumbo, e que ordeneis aos cabos do Assú e Jaguaribe lhe façam entradas” .
Ainda em 1696, João de Lencastre envia carta, desta vez aos oficiais da câmara da Parahyba,
ordenando ao Capitão-Mor desta capitania, Manoel Nunes Leitão, mandar os mantimentos
necessários às aldeias aliadas a Teodósio74.
As constantes vitórias conquistadas pelo então Capitão-mor das Piranhas nas arenas de
confronto contra os povos indígenas, lhe renderam alguns elogios por parte do então
Governador Geral do Estado do Brasil, até porque, a consequência mais notória desses feitos
– conquista da terra e ocupação do espaço físico- não podia deixar de agradar até mesmo os
principais representantes do rei nas terras lusitanas. Como efeito, no dia 02 de novembro de
1696, o então Governador-Geral escreve carta encaminhada a Teodósio de Oliveira Ledo cujo
teor dizia: “Dou a Vossa Mercê o parabem do bom sucesso que teve com os Bárbaros: nem
eu podia esperar menos da opinião que tenho do seu valor”. Ademais, Dom João de
Lencastro ainda garante enviar carta para o Capitão da Parahyba, Manuel Nunes Leitão, para
que ele enviasse ao sertão duas aldeias de Cariris e caboclos, para lá se estabelecerem;
assevera ainda que remeterá carta ao Capitão-Mor do Rio Grande, Bernardo Vieira de Melo,
para que ele mande fazer entradas contras os bárbaros; a câmara foi ordenada a enviar os
mantimentos necessários a sua condução e, por fim, envia carta ao governador da Capitania
de Pernambuco, solicitando o envio ao arraial de Teodósio de 20 arrobas de pólvora e
quarenta de chumbo. Após esse amplo rol de concessões, João de Lencastro ainda demostra
72
Carta para o Capitão Mor Teodósio de Oliveira Ledo sobre a situação da aldeia de Piranhas e 30 espingardas
que lhe hão de remeter na primeira embarcação. DH. Vol 38, p. 341-342.
73
Carta ao Governador de Pernambuco Caetano de Melo sobre o socorro que há de mandar de pólvora para a
guerra do Pinhancó. DH. Vol. 38, p.409-410
74
Carta para os officiaes da câmara da Parahyba sobre a farinha que hão de mandar as Piranhas. DH. Vol. 38, p.
410-411.
122
sua gratidão dizendo: “eu sou muito amante dos saldados de valor, e assim esteja vossa
75
mercê certo que em tudo que lhe puder prestar o hei de fazer com boníssima vontade” .
Essa direta ligação dos Oliveira Ledo com Governo-Geral, foi de fundamental importância
para o “bom sucesso” nas empreitadas de conquista e ocupação, já que, como vimos,
proporcionou os meios necessários à execução deste projeto.
Para Silva (2010, 166-167), o capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, é uma boa
ilustração de como no sertão não existia fronteira entre os poderes particulares e as funções
estatais, pois, estava sempre recorrendo à Coroa, fosse para solicitar seu socorro, quando não
conseguia enfrentar os povos indígenas com seus próprios recursos, ou para requerer a
construção de arraiais, que ajudaria a repovoar o sertão com gados. Ao mesmo tempo, a
autora aponta que, como importante sesmeiro, provavelmente combatia os levantes dos povos
indígenas com suas forças particulares, tendo em vista que Teodósio de Oliveira Ledo foi
comandante das ordenanças, e nessa função certamente exerceu poder de ordem sobre todos
os homens livres de sua comarca, dessa maneira, o mesmo pôde organizar as tropas de
repressão contra os levantes indígenas.
Por volta de 1699, o Conselho Ultramarino relata as expedições comandadas pelo dito
capitão na ocasião da conquista do sertão, assim como, o estado de guerras contra o gentio
bárbaro, e o “bom sucesso” que obteve na empreitada:
Portanto, o grupo familiar dos Oliveira Ledo, como se pôde perceber, desempenhou
papel fundamental no processo de conquista da região de Piranhas e Piancó, esses feitos
transformaram a região em questão, fazendo com o sertão da capitania da Parahyba, entre fim
do século XVII e ao longo do século XVIII, acabasse tomando cores e tons próprios. Esses
empreendimentos tiveram como principal consequência o desdobramento de uma série de
garantias e privilégios concedidos pela administração colonial em formas de mercês reais.
75
Carta para o capitão-mor das entradas das Piranhas, Cariris e Pinhancós Teodósio de Oliveira Ledo em
resposta a vitória que alcançou contra os Barbaros. DH. Vol 38, p. 412-413.
76
AHU, PE, cód. 265, fl.135 v-136, apud Silva, 2010, p. 166.
123
Para tanto, desde os primeiros anos da ocupação no novo território, a questão militar
tornou-se uma das principais preocupações da Coroa portuguesa e de seus agentes. Tratando
dos órgãos administrativos no período colonial, Caio Prado Jr. os qualifica a partir de três
setores: “militar”, “geral” e “fazendário”. Ao especificar o campo militar, nos mostra que, nas
capitanias, eles eram formados de acordo com as tropas de linha, as forças militares e as
ordenanças. Descreve a última como uma instância de “força local”, como tropas de “valor
ínfimo”, cujo “comandante supremo” é o capitão-mor, havendo, ainda, outras patentes de
destaque como as de coronel, sargento-mor e de tenente coronel. Para o autor, as ordenanças,
além de papel militar, “tem um papel considerável na administração geral da colônia”, em
outras palavras, para Caio Prado Jr., “sem exagero, pode-se afirmar que são elas que
tornaram possível a ordem legal e administrativa nesse território imenso, de população
dispersa e escassez de funcionários regulares” (1994, p. 324).
Caio Prado Jr ainda fazendo referência ao prestígio social que representantes locais
das ordenanças possuíam nos diz que:
seus vassalos se beneficiarem com a doação de mercês, e, dessa forma, poderem ascender
socialmente. Para o autor:
O recrutamento era fácil por parte da coroa, tendo em conta o amor dos
colonos pelos títulos militares, mercês e honrarias que lhe eram prometidos,
em troca de serviços. Forma-se dessa sorte uma poderosa camada de
potentados, cujo poder não vinha do engenho de açúcar nem de riqueza de
latifúndio, mas da força militar. [...] A origem do poder esta na gente
armada ou na capacidade de organizar uma companhia ou bandeira.
(FAORO, 1979, p. 160)
que serviu a sua Magestade [...] fazendo entradas ao gentio bárbaro, q. infestava aquelles
sertoins, matando e destruindo os moradores [...] em que o dito Manoel Soares Oliveira se
77
ouve com muito valor, e riscos de sua vida” , e por esse motivo foi digno desse
merecimento. (GOMES, p. 136)
O fato é que, mesmo partilhando das mesmas prerrogativas de poder e prestígio social
presentes nas doações de sesmarias (que eram mercês hereditárias), a doação de patentes
militares possuía características particulares. Como bem sinalizado pelo autor, “as patentes
eram concessões eletivas e sujeitas a confirmação régia, revogáveis, vitalícias (exceto
durante o período de 1707-1749) e não patrimonializáveis”. Portanto, o processo de doação
de patentes funcionou fortemente como mecanismo nobilitante em que, a cada geração, o
curso natural do avançar dos anos, possibilitava uma modificação gradual das tropas locais,
“implicando em uma constante renovação dos pactos políticos estabelecidos entre o rei
distante e seus vassalos sertanejos”. (GOMES, p. 132, 2009)
A respeito desses episódios de renovações dos corpos militares na sociedade colonial,
verificamos um fato semelhante no sertão de Piranhas e Piancó. Era o ano de 1735 quando o
capitão-mor da Parahyba, José Gomes de Sá, envia requerimento ao rei, D. João V, para
passar confirmação de patente ao posto de capitão-mor dos sertões de Piranhas, Piancó e
anexas da serra da Borborema a Joseph Gomes de Sá. Dentre os motivos alegados para
ocupação de distinta patente, verificamos a necessidade de substituição desse posto, ocupada
já em seu triênio por João de Miranda, e “por que convém prover no dito posto uma pessoa
de suficiente valor e prática na discyplina militar”. Ademais, conforme os termos do
documento, na pessoa de Joseph Gomes de Sá se acham “todos as circunstâncias e requisitos
necessários, e por ser de muita distinção e haver acegurado boa opinião entre os moradores,
78
havendo servido bastantes anos de soldados e capitão da cavalaria naquelas partes” .
Percebe-se, portanto, que como os militares tinham força de defesa na colônia, estes deveriam
estar suficientemente preparados e com a vitalidade física necessária a tal serviço.
Além disso, muitas vezes tinham que arcar com os próprios custos das jornadas, como
bem sinalizou Bicalho (2001) ao demonstrar as dificuldades que as câmaras municipais
tinham em custear as despesas militares das conquistas. Conforme a autora, esses custos
foram transferidos para os próprios colonos “dada à falta de recursos da Fazenda Real,
exausta de rendas devido ao ônus representado pelas guerras de Restauração da Europa”,
77
REGISTRO da patente de cap. mor dos Asaltos de toda esta capitania do Siara Grande, Manoel Soares de
Oliveira, 2 de junho de 1718. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo: Secretaria de Governo da Província
do Ceará, códice: 1119, vol. 1, fl. 5. apud GOMES, 2009.
78
AHU_ACL_CU_014, Cx. 9, D. 778.
127
ademais, manter as tropas requeria altos custos como: fardamentos, construção de fortalezas,
pagamentos se soldos das tropas e guarnições, manutenção de armas, sobretudo nos
momentos de ameaça a perca de territórios (BICALHO, p. 199). Como atesta Ricupero
(2009), a necessidade de soldados valentes que, além de condição para os combates deveriam
dispor, em muitos casos, de recursos próprios para desempenhar tais serviços, se traduziria em
outros meios de serviços e consequentemente maiores recompensas. (p. 71)
Muito embora os regimentos régios, pautados na lógica do Estado Absolutista,
apontem que somente aos principais da terra ou aquele que possuíssem “qualidades”, como
vimos acima, fossem concedidos lugares privilegiados no quadro das forças de defesa do
território, a dinâmica de conquista e ocupação de novos territórios, proporcionou o
estabelecimento de nexos entre o Estado português e outros seguimentos sociais, como por
exemplo, os povos indígenas, levando-os a se inserirem na nova lógica social ditada pelos
portugueses, como já constatamos no capítulo anterior. Vimos ainda pela análise dos
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional as constantes alianças entre o Capitão-mor
Teodósio de Oliveiras Ledo e os indígenas do sertão nas diversas campanhas. Desse modo,
Moreira e Loureiro (2012) ao citarem Francis Costa, nos mostram que nas sociedades
ultramarinas se formaram várias ordens militares, determinadas pela condição social que cada
possuía (p. 24).
O constante estado de guerra na colônia, além do apoio indígena, contou ainda com a
participação de mestiços que também se fizeram presentes nessas jornadas. Cenas da
participação desses grupos coloniais nas empreitadas foram-nos apresentadas por Macedo
(2012) ao desvendar o interessante caso de Nicolau Mendes da Cruz, que por sua vez, era
crioulo forro e morador na ribeira do Seridó, afluente do rio Piranhas, e foi um exemplo típico
dos que conseguiram ascender socialmente, mesmo sendo descendente de escrava africana,
numa sociedade hierarquicamente típica de Antigo Regime. Conforme o autor, o mestiço
Nicolau Mendes da Cruz foi protagonista de sua própria ascensão, pois, ocupou o cargo de
sargento-mor, “adquiriu terras, criou gados, e casou seus filhos com pessoas de importância
no cenário colonial”. (p. 255-263).
Como é sabido, durante processo inicial da colonização na América Portuguesa, temos
uma carência de instituições administrativas capazes de estabelecerem ordem social, nesse
sentido, as patentes militares foram nomeadas com um dos intuitos de auxiliarem nas
situações de desordem local. Esse foi o caso do ocorrido no sertão de Piranhas e Piancó pelo
ano de 1710 quando o Capitão mor da Parahyba, João de Maia Gama, escreve carta ao rei D.
128
João V a respeito de falta de administração no sertão já que, por esses tempos, os moradores
do sertão vivenciavam muitas “mortes, roubos, tirão de posse absolutamente das fazendas a
seus donos”. Desse modo, a carta enviada ao rei, além de requerer representantes da lei no
sertão, pedia socorro através do envio de “soldados e ordens para ajudarem, asitirem, e
acompanhares os officiaes e gente das ordenanças nos ditos certoes”79.
Tendo em vista essa necessidade de se estabelecerem no sertão da Capitania da
Parahyba oficiais militares para contensão das desordens sociais, em 15 de agosto do ano de
1726, Marcos Fernandes da Costa, envia requerimento ao rei D. Joao V solicitando passar-lhe
carta patente no posto de coronel das ordenanças dos sertões de Piancó e Cariris. O referido
posto militar foi antes ocupado por Manoel de Araújo, que ao estabelecer vínculos com a
Capitania de Pernambuco, “foi notificado para se rezidir no próprio distrito como era presiso
[...] e dar baixo conforme as ordens de sua magentade [...] para não ficar duvidosa sua
jurisdição entre os officiais e os soldados”. Conforme os termos do documento, Manoel de
Araújo já havia se transferido para Capitania de Pernambuco há três anos, onde estava
“cazado e estabelecido com mulher, filhos, caza e fazenda, sem disposição nenhuma para
viver no certão”. Por esses motivos, o mesmo foi restituído para o seu posto no lugar em que
havia se estabelecido. Estando, então, o posto de coronel das ordenanças ausente de
ocupantes, entra em cena Marcos Fernandes da Costa, cuja figura é descrita como pessoa que
“já teve alguns exércitos do dito posto pelo referido provimento”, sendo soldado da mesma
ordenança e capitão da cavalaria desses mesmos distritos, além disso, conforme o documento,
80
na sua pessoa “concorrem às qualidades e requisitos que dispõe o Regimento” . Por tudo
isso as autoridades coloniais concederam a patente militar a Marcos Fernandes da Costa
alegando ainda que iriam:
Esperar dele em que tudo o mais corragem de real serviço [...] e conforme a
confiança que faço de sua pesoa ter por bem de nomear no posto de coronel
das ordenanças dos destritos de Piancó e Cariris para que no dito posto e
com elle gozar de todas as honras, privilégios, isenções, franquezas,
liberdades, que honestamente lhe toca81.
79
AHU_ACL_CU_014, Cx, 4, D. 310.
80
AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 516.
81
AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 516.
129
Parahyba, para que o reconheçam como coronel do referido regimento e os oficiais e soldados
que obedeçam as ordens que lhes forem passadas. Conforme a documentação, por aqueles
tempos, a ocupação desse posto militar se fazia fundamental, já que os sertões daquela região
poderiam ter grandes prejuízos devido aos ataques das nações tapuias que naquelas paragens
habitavam82.
Na documentação cartorial que tivemos acesso no decorrer desta pesquisa,
infelizmente não temos notícias com relação à doação das patentes militares daqueles que são
por nós encontrados nos registros da época, o que nos impõem dificuldade na investigação a
respeito da chegada desses personagens na região. O que constatamos nessa documentação é
um alto índice de presença militar, envolvidos nas mais diversas tramas locais como, por
exemplo, esses grupos sociais são comumente encontrados expedindo procurações, vendendo
e alforriando escravos, comprando terras e fazendas de gado. A respeito do acesso a terras,
percebemos pela análise dos quadros I e II no capítulo anterior, que em quase todas as
solicitações de sesmarias os seus requerentes eram ocupantes de algum tipo de patente militar.
Apesar dessa escassez documental, ao nos debruçar mais profundamente nas fontes
cartoriais, constatamos que na sociedade sertaneja, durante a primeira metade do século
XVIII, a atuação de “forças locais” eram “revestidas de patente” e responsáveis pela efetiva
“direção da colônia”. Isso fica bem claro a partir do seguinte documento:
82
AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 516.
83
Acervo do Cartório de I Ofiício de Notas “Cel. João Queiroga” (Pombal-PB) Livro de Notas de Notas: 1719.
Paginação Ilegível
130
Já sabemos que a pecuária foi a base econômica que moveu a conquista do sertão. Por
meio desta atividade, os conquistadores do sertão estabeleceram por essas paragens uma
estrutura econômica que iria compor o perfil das suas primeiras elites locais. Sobre o papel
desempenhado pela atividade criatória na colônia, Pessoa (2003, p. 154) aponta as suas
principais caraterísticas, mostrando que, por um longo período, o criatório foi uma atividade
complementar às atividades destinadas à exportação, como o açúcar e mineração; funcionou
ainda, como produto que servia ao abastecimento do nascente marcado interno que
acompanhava o desenvolvimento urbano, e por fim, o autor aponta que o gado foi utilizado
para transporte e tração nos engenhos. Além disso, do gado era extraído o couro, matéria
prima para fabricação de objetos e utensílios que faziam parte do cotidiano sertanejo, o que
levou Capistrano de Abreu à utilização da tão conhecida expressão “civilização do couro”, já
que dele:
(...) era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais
tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para
carregar água, o mocó ou alforge para levar comida, a mala para guardar a
roupa, a mochila para milhar o cavalo, a peia para perdê-lo em viagem, as
bainhas de facas, as bruacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os
banguês para curtume ou para apurar sal, (...) em couro pisava-se o tabaco
para o nariz. (ABREU, 1963, p.147).
portuguesa, sendo o seu maior envolvimento, a concessão de terras e títulos. Por esta razão a
atividade pecuária, no processo inicial da conquista, estava mais ligada a interesses locais e
pessoais dos que se aventuravam nas empreitadas pelos sertões (NOGUEIRA, 2010, p. 24).
Foi a necessidade de ocupação de novas áreas para o oeste das Capitanias, que tornou possível
o desenvolvimento da pecuária e sua utilização no mercado interno.
As motivações que fizeram com que o gado fosse “empurrado” do litoral em direção
às áreas interioranas já foram apontadas no início deste trabalho. Além do que já dissemos
anteriormente, a expansão da pecuária pra os sertões, ainda foi favorecida por condições
naturais e econômicas. Do ponto de vista natural, havia boas pastagens para o gado no período
de chuvas, além de áreas úmidas ao longo dos rios e serras, para onde o gado podia ser levado
durante as secas. Do ponto de vista econômico, a pecuária acabou desenvolvendo um mercado
interno voltado para produção agrícola, sendo abastecido de carne, leite, couro e animais para
os trabalhos (ANDRADE, 2002, p. 102). O desenvolvimento do criatório nos sertões resultou
ainda na sua utilização, nas demais regiões do país, para fins de abastecimento, passando,
assim, a se transformar, em uma economia:
A comercialização do gado fez com que ele percorresse longas estradas, ligando
assim, as diversas capitanias. Francisco Teixeira Silva (2002, p. 149) nos aponta os mais
antigos caminhos percorridos pelo gado, ainda em 1699. O autor destaca como exemplo as
longas marchas que iam do “São Francisco até Jeremoabo e então em direção a ribeira de
Pombal, Alagoinhas e, daí, até Salvador”. Existia ainda a “Estada Real do Gado” que ligava
o sertão do Piauí, através do Bonfim, Coité, Serrinha, Queimadas e, Alagoinhas à Salvador.
Foi ao longo desses caminhos e, graças à intensificação do comércio com o gado, que
surgiram as feiras e os ranchos, onde “se compraram as reses estropiadas e se albergava e
alimentavam os vaqueiros e viajantes”. A partir desses pontos de apoio surgiram, ao longo do
século XVIII as vilas, dentre essas, o autor destaca Serrinhas, Ribeira de Pombal e Jeremoabo.
Para além desses caminhos, Simonsen (1977, p.152) mostra que os centros irradiadores das
criações de gado para o Norte do Brasil foram: São Vicente, Bahia e Pernambuco.
133
84
Sobre o papel da pecuária no período colonial ver-se: PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo:
Colônia- 23 Ed. –São Paulo: Brasiliense, 1997, FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 20 ed. São
Paulo: Nacional, 1969, SIMONSEN, Roberto Cochrane. História Econômica do Brasil: 1500\1820. 7. Ed. São
Paulo: Editora Nacional, 1977, SZMRECSÁNYI, Tomás. História Econômica do Período Colonial: 2° ed
Revista: Editora Universidade de São Paulo/ HUCITEC; Associação Brasileira de pesquisadores de História
Econômica; Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial, 2002.
134
Para Ribeiro Júnior (2004), esse contexto de inserção da pecuária nos sertões do atual
Nordeste brasileiro, entre o fim do século XVII e início do XVIII, ocorreu num momento
simultâneo ao processo “involutivo” da economia açucareira. O autor em sua obra
“Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro” mostra que, com a diminuição das rendas
do setor açucareiro, a pecuária que antes servia apenas como meio de subsistência nos
engenhos, passou a beneficiar-se com capitais menores. Ou seja, “de simples fornecedor de
carne aos centros litorâneos o sertão do Nordeste passou a projetar sua economia através da
produção de couros de gados vacum” (p. 145).
Tratando do estabelecimento das fazendas de gado pelo sertão, Caio Prado Jr. (1976,
p. 186-194) caracteriza o processo empregado nessas atividades como “os mais rudimentares
e primitivos”. As casas e os currais eram feitos de taipas, possuindo assim, características
muito simplistas; o gado vive “à lei da natureza” livre pelos campos, sendo a ele dispensada
pouca atenção, já que o maior cuidado era “ter o gado sob as vistas” para que não se perdesse
na imensidão dos postos. Se referindo ao número de pessoas que trabalhavam nas fazendas,
para o autor, apesar de a quantidade necessária ser reduzida, sendo necessário apenas o
vaqueiro e alguns auxiliares, “mão de obra não faltava, e não havendo escravos, bastavam
mestiços de índios, mulatos ou pretos que abundavam os sertões”. (p. 186-194).
Conforme alerta Caio Pardo Jr. (1976) índios e mestiços também fizeram parte do
mundo de trabalho na pecuária, o que poderia proporcionar ascensão social desses no
contexto colonial, já que faziam parte do grupo que não dispunhas de recursos para iniciar,
por conta própria, sua própria atividade independente. Ao referenciar Djacir Menezes, Pessoa
(2003) faz um balanço historiográfico e nos aponta que a atividade pecuária seria própria ao
índio ou mameluco, devido a sua natureza ser inerente aquele tipo de dinâmica, já que, esses
personagens, eram afeitos a viver de maneira livre pelos matos, fato que, a primeira vista,
dispensaria a utilização da mão-de-obra africana nos sertões.
Muito embora a historiografia tradicional, voltada para análise do quadro
interpretativo do Brasil, pregue a pouca incidência do escravismo nos sertões e a vocação do
indígena para o trabalho pastoril, a historiografia mais recente, vêm focando suas análises na
utilização de mão-de-obra escrava na atividade pecuária. Dentre esses trabalhos destacamos o
do antropólogo Luís Mott e de Tanya Brandão85, ambos com pesquisas que versam sobre a
pecuária e a presença escrava na Capitania do Piauí. Em sua análise pioneira, Mott (1979) se
85
MOOT, Luiz R. B. “Os índios e a pecuária nas fazendas de gado do Piauí colonial”, Revista de Antropologia,
vol. XXII, São Paulo,1979 e BRANDÃO, Tanya Maria Pires. O Escravismo na Formação Social da Piauí:
perspectiva histórica do século XVIII. Teresina: Ed da UFPI, 1999.
135
De acordo com Linhares (1979, p. 40 - 41) a sociedade que se formou no Brasil, desde
os primeiros anos de sua ocupação, estabeleceu ao longo da costa um comércio que se
dedicou apenas ao capital comercial e aos desejos da metrópole, sendo a produção para o
mercado interno “limitada pela estreiteza do próprio mercado, bem como pelas condições
inerentes ao sistema produtivo global ao qual se inseria”. Nesta linha de pensamento, a
autora atenta para uma questão que, para nós, é importante. Conforme as ponderações feitas
por Linhares, mesmo fazendo parte de um contexto mais geral, o desenvolvimento e a
especialidade da economia canavieira e sua consequente separação das atividades pecuaristas,
funcionou, pois, como uma primeira especialização interna. Dialogando com Celso Furtado, a
autora assim como ou outros autores aqui apresentados, ressalta que a atividade pecuária foi
em grande parte uma atividade de subsistência, na medida em que “o afastamento para o
interior desta atividade a tornará subsidiária da atividade central exportadora, com ela
mantendo vínculos de troca nas fases de conjunturas favoráveis do setor comercial
monocultor”. (p. 40 - 41)
Ao tratar sobre “A crise do colonialismo mercantilista”, Fernando Novaes (2001, p.
106) divide em dois os setores de produção na colônia, eram estes o setor de exportação, que
como sabemos, “era centrado na produção de mercadorias para o consumo europeu” e o
setor de subsistência, “para atender ao consumo local naquilo que não importava a
metrópole”. Para Novais, o setor de subsistência funcionava para manter o bom
137
funcionamento do setor de primeira linha, chegando “a adquirir certo vulto, como no caso da
pecuária”.
Como vimos, a Coroa portuguesa se preocupou apenas com as áreas que produziam
artigos para exportação, deixando, dessa forma, a atividade criatória em segundo plano.
Apesar disso, o desenvolvimento da economia pecuária no período colonial, trouxe
consequências importantes para a dinâmica interna das Capitanias. Dentre esses, assim como
os demais autores já citados, Simonsen (1977, p.186-187) destaca que, apesar de ter sido uma
economia de baixas rendas, em comparação com a do açúcar, o criatório obteve feições locais,
dando os suportes necessários à subsistência como, por exemplo, o socorro alimentar
dispensado à indústria mineradora. Outro fator de destaque é que foi com o surgimento das
feiras e “os laços criados pelo comércio do gado bovino e cavalar, pelos transportes
organizados pelas grandes tropas muares, que se estabeleceram elos indestrutíveis na
unidade econômica brasileira.”, ligando dessa maneira as várias regiões do país.
Toda a área que compreende o sertão da Paraíba está banhada pela bacia do rio
Piranhas, nesse sentido são áreas privilegiadas, pois apresentaram os pré-requisitos
necessários à fixação humana na área. E a partir da doação de sesmarias e às margens das
138
ribeiras, os colonos foram traçando uma nova fisionomia social e urbana naquele espaço
(SARMENTO, 2007).
A “largueza de campo” também era um fator necessário para a criação dos rebanhos,
já que esses eram criados soltos e precisavam de grandes áreas para se dispersar. Parte daí a
necessidade de doação de vastas extensões de terras. Necessitava-se também de pessoas que
se responsabilizassem pelas cabeças, sendo o vaqueiro, o “gerente” dessa prática, a figura
central na atividade que “tinha como principal função percorrer os campos para controlar o
gado e evitar que se tornasse selvagem, precisava do cavalo, donde sua posição privilegiada,
quase honorífica, no mundo sertanejo” (PUNTONI, 2002, p.40). É importante dizer que o
vaqueiro não estava sozinho na realização desses trabalhos, por traz dele existiam
“camaradas, cabras, passadores, tangedores e guias, negros, escravos e forros; caboclos
quase todos; muitos mamelucos; e mulatos, em grande número, formavam um universo
próprio, com dinâmica original” (SILVA, 2010, p. 142).
Ao fazer uma análise do “mundo do trabalho” no universo sertanejo, Rolim (2012, p.
64) nos mostra que, da mesma forma como aconteceu nos engenhos de açúcar, nos currais de
gado algumas atividades davam certo prestígio e distinção social àqueles que as
desempenhavam. Esse foi o caso do vaqueiro, que por receber pagamento pelo desempenho
de seu trabalho, deu margem à possibilidade dele mesmo tornar-se um fazendeiro. Para
Pessoa (2003, p. 164) essa possibilidade do vaqueiro vir a se tornar um criador, demonstra
que a sociedade sertaneja foi “um pouco mais permeável que a rígida sociedade hierárquica
do litoral açucareiro”.
Todas essas cenas sócias tinham como palco principal as fazendas de gado, elas se
estabeleceram no sertão como o lugar da unidade familiar, das atividades produtivas e o berço
acumulativo das primeiras rendas e riqueza. Também funcionaram como núcleo principal das
tramas políticas que envolviam as grandes famílias e autarquias locais, responsáveis por
controlar as redes de mandos e desmandos que se firmavam na região. De forma estratégica,
se localizavam dentro das sesmarias em lugares elevados e próximos aos rios e riachos
(NETO, 2007, p. 205-206).
Nas fazendas, obviamente, existiam as casas, essas possuíam uma arquitetura peculiar
àquele tipo de dinâmica social. Utilizando-se dos argumentos utilizados por Girão (2000) a
respeito das casas de fazendas no sertão, Neto (2007) nos mostra que:
[...] uma casa grande diferente, mas como a dos engenhos ricos, índice dum
tipo de civilização, a civilização cabocla dos currais do Nordeste. É um
139
Nas linhas que se seguem, tentaremos apresentar um pouco das cenas sociais que se
constituíam em torno do complexo cotidiano sertanejo, sobretudo por meio dos negócios com
a terra, responsáveis por fortalecerem, ainda mais, o caráter local das elites que por ali se
formaram.
(...) um sítio de terras com três léguas de comprido e uma de largo no rio
Piancó, no valor de 200$000; uma data de sesmaria de data de sobra de
terra, no valor de 100$000; uma data de sesmaria de terras de três léguas
de comprido e uma de largo, no sítio chamado da Conceição, nas
cabeceiras do rio Piancó, avaliada em 200$000; uma data de sesmaria de
sobra, no sertão chamado Conceição, cujo valor atingia 100$000; uma
parte de terras no valor de substanciosos 700$000; e também de um sítio de
criar gados chamado Flores, avaliado em 600$000. (CORREA, 2013, p.
81)
por exemplo, o capitão-mor Francisco de Oliveira Ledo e sua mulher, Jacinta Alves de
Figueiredo, venderam parte de seu sítio chamado São José, localizado na Ribeira do Piranhas,
para Jacinto Alves de Figueiredo pelo preço de quatrocentos e vinte cinco mil reis86.
Neste mesmo livro de notas, ainda podem ser localizados os arrendamentos de terras
firmados por Francisco de Oliveira Ledo. Esse tipo de acordo correspondia a um tipo de
“aluguel da terra” estabelecido por um período de tempo e conforme determinada quantia
paga anualmente ao arrendatário. Foi o que ocorreu alguns meses após o caso que
descrevemos acima, no dia 20 de julho de 1734, quando o dito capitão-mor firmou negócio
com tenente Joseph de Caldas Costa, arrendando ao mesmo o seu sítio chamado “Condado de
São Francisco”. Conforme o escrivão da época “da maneira que consta da sua cartha da data
de sesmaria e nesta forma lhe arrendava o dito sitio durante a vida delle [...] por pensão
serta de dezeseis mil reis cada ano”. O capitão-mor Francisco de Oliveira Ledo arrenda sua
fazenda mantendo no dito local as suas “sencentas vagas com a obrigação de que elle dito
tenente Joseph de Caldas Costa administrara o dito gado e mais bestas como seu foce”87.
No decorrer desses meses que se intercalara entre os anos de 1733 e 1734, Francisco
de Oliveira Ledo, sendo membro de um dos principais núcleos familiares da região, por essa
época, era também capitão-mor, negociante e dono de várias porções de terras nos afluentes
dos rios Piranhas e Piancó, e por ser, certamente, um homem que almejava ocupar bons
lugares na hierarquia social de seu tempo, passou muitos de seus dias estabelecendo teias de
negócios que lhes rendiam enriquecimento e ampliação de suas redes para as diferentes
regiões e Capitanias. Foi o que aconteceu ainda no ano de 1734 conforme fica demonstrado
abaixo.
Na ocasião do dia 02 de julhos de 1734, dias antes de firmar arrendamento de suas
terras como vimos nas linhas acima, o capitão-mor Francisco de Oliveira Ledo se dirige ao
tabelião público e judicial da Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó,
Francisco Xavier de Castro, para estabelecer procuração nos mais variados lugares e
Capitanias para que cada um de seus procuradores pudesse “cobrar e arecadar de suas mãos
averem toda sua fazenda e dividas que lhe deverem presentes e futuras asim dinheiro, ouro,
prata, asucar, gados, tabaco, escravos e propriedades e tudo mais que seu for e lhe possa
86
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1730. Paginação
ilegível.
87
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1730. Paginação
ilegível.
145
pertenser”88. É evidente que o capitão-mor Francisco de Oliveira Ledo tinha por posse todos
esses bens espalhados por vários lugares onde, certamente, ele passou ao longo de sua vida.
Decorre daí a necessidade de deixar em cada um deles representantes que pudessem
administrar essas possessões. No quadro 09, descrevemos os lugares onde o capitão-mor
Francisco de Oliveira Ledo firmou vínculo por procuração no dia dois de julho de 1734, assim
como os seus respectivos procuradores.
88
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1730. Paginação
ilegível.
146
89
Acervo do I ofício de notas “Cel. João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Noras 1719, páginas ilegíveis.
Trechos retirados de uma procuração expedida por Ana de Oliveira.
147
A respeito de Constantino, não sabemos ainda a sua verdadeira ligação com o primeiro
Constantino de Oliveira Ledo, que foi o segundo capitão-mor de Piranhas, o que podemos
contar ao seu respeito pela documentação é que o mesmo possuía riquezas materiais como
dinheiro, ouro, prata, fazendas, gados, terras, escravos, não só no sertão de Piranhas, mas em
várias outras localidades, e com isso a necessidade de lá estabelecer procuradores, estando,
portanto, conectado por “teias de negócios” com pessoas que também ocupavam posição de
destaque na hierarquia, como os detentores de patente militares espalhados pelos espaços da
América Portuguesa. No quadro 10 a seguir, as localidades nas quais Constantino de Oliveira
Ledo estabeleceu vínculos de negócios com seus respectivos procuradores no ano de 1725.
90
Trecho retirado de uma procuração presente no livro de notas do ano de 1719, localizado no cartório 1º ofício
de notas João Queiroga, Pombal-PB.
148
Pelo que temos notícias, quinze anos mais tarde após a data da procuração descrita no
quadro 10 acima, Constantino de Oliveira Ledo já não mais vivia no sertão da Capitania da
Parahyba. Pelo que consta na documentação que data de 1740, o mesmo por essa época era
morador na Capitania do Seará Grande, deixando na cidade da Parahyba do Norte como
procuradores Ingnácio Pereira Azevedo, João de Laurino Viegas, João Pereira de Mendonça e
José Cordeiro Machado91. Acreditamos que esses vínculos ainda viabilizavam a dinâmica
socioeconômica, sobretudo nos sertões das Capitanias do Norte, já que, pelo intermédio dos
procuradores, formaram-se verdadeiras cadeias de interligações mútuas.
Essas conexões também são percebidas a partir de outros tipos de documentação.
Abaixo, fazemos referência a uma escritura de venda de uma fazenda de gado, passada no dia
25 de outubro de 1720, no qual percebemos que os vínculos de negócios, tinham na pessoa do
procurador, o principal elo entre o vendedor e o comprador que, neste caso, viviam em
Capitanias diferentes.
91
Acervo do I ofício de Notas “Cel. João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1740, paginação ilegível.
149
Além dos vínculos com outros espaços coloniais, a que já nos referimos acima,
também apontamos o fato de que as pessoas que detinham postos militares, não só eram
responsáveis pelo exercício do poder local e desempenhavam força de ordem na colônia, mas
também estabeleciam vínculos extraterritoriais em prol de seus negócios, como, por exemplo,
os que estavam ligados à venda de fazendas de gado.
Decorre daí uma concepção que podemos ter sobre o que seria o território Capitania da
Parahyba. Essa não se configurava como um espaço bem delimitado, definido, com uma
jurisdição rigidamente demarcada. Queremos dizer com isso, que esse espaço-sertão estava
conectado com outras localidades, como cidade da parahyba (atual João Pessoa-PB) na
própria Capitania da Parahyba, como também, às capitanias de Bahia e Pernambuco. Por
extensão, podemos inferir que a noção de “fronteira” no espaço e na temporalidade em
questão não tem a mesma representação com a qual a concebemos atualmente.
Nos estudos empreendidos por Nogueira (2010) verificamos a preocupação do autor
em analisar com quem e em quais localidades os agentes da vila do Aracati, Capitanias do
Seará Grande, se relacionavam. Foram consideradas em seu trabalho 297 procurações
passadas entre os anos de 1778 e 1800. Conforme o autor, na vila do Aracati, houve uma
época em que se produziam carnes secas e couramas que funcionaram como base de um
lucrativo comércio que ligava as capitanias de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. No
entanto, com base nos dados apresentados nas procurações, constatou-se que uma crise
ocasionada pela seca de 1777 e 1779, teve como principal consequência uma brusca queda
nas rotas mercantis firmadas entre a vila do Aracati e a praça comercial do Rio de Janeiro, na
qual eram comercializadas carnes secas (p. 95-97).
Conforme as inferências de Nogueira (2010), a análise das procurações foi de
fundamental importância para se constatar o papel econômico de destaque conferido a vila do
Aracati graças a economia do charque, evidenciada através da variedade de lugares com os
quais os comerciantes da vila mantinham relações comerciais. Para o autor, esses elementos
92
Acervo do I ofício de Notas “Cel. João Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1719, paginação ilegível.
150
(...) entrei na dita caza com o dito duado em várias partes principalmente na
dita caza e mostreis cozas que estão [juntas] amesma caza as coais caza e
curais entrei eu e o dito duado e abri portas e porteiras dos curais e
93
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1730. Paginação
ilegível.
94
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1730. Paginação
ilegível.
151
passeando pella dita caza e currais eu tabelião em altas vozes disse por
algumas vezes que ali dava pose da dita casa e currais e terras como consta
da escritura ao dito duado Joseph de Mello se ouvese quem a elle tivesse
dúvida ou embargos viese alegar e pello não aver nem outro algum
impedimento eu tabelião lhe dei a dita pose das ditas cazas te terras e
currais na forma que lhe pertensão pella dita escritura de duasão que elle
aseitou95
As escrituras de posse também eram feitas para aqueles que já eram senhores da terra
e queriam apenar legalizar sua posse. Cenas desse episódio se passaram no dia cinco de março
de 1734, quando o tenente Theobaldo Lins da Silva apresenta ao tabelião uma carta de
sesmaria de três léguas de terras de comprido e uma de largo na ribeira do Piranhas, lugar
conhecido na língua do gentio como coêco. O tabelião relata o processo dizendo que:
(...) requerendome que em vertude da dita cartha da dita sismaria lhe desse
posse das ditas treis logoas de terra na forma da dita sesmaria por bem do
que eu tabelião pasiando pella dita terra com o dito tenente Theobaldo Lins
da Silva com o coal eu tabelião por altas vozes dise por algumas vezes que
ali dava pose das ditas treis legoas de terra ao dito thenente Theobaldo
Lins da Silva plantando arvores e rancando outras pombas com as raízes
para ou e levando terra e fazendo [?] e se ouvese que ai lhes tivesse duvidas
ou embargos viese alegar e pellos não aver nem outrem algum impedimento
eu tabelião lhe dei a dita pose das ditas treis legoas de omprido e hua de
largo na forma que lhe pertensam pella dita cartha de semaria o que elle
aseitou vendose por imposado com seus gados vaqum e cavalares e como
dito sitio e suas petensaim de que fis este auto de pose96
95
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1730. Paginas 30-
32.
96
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1730. Paginas 45-
46.
152
mesmo que descrevemos na escritura de posse colocada nas linhas atrás, no valor de duzentos
mil reis97.
Pelo que temos notícias, Geralda Correa de Lima, pouco menos de vinte anos antes de
firmar o acordo descrito acima, estava formando sua própria rede de negócios pelo
mecanismo de procuração. Era o ano de 1719, quando na povoação de Nossa Senhora do Bom
Sucesso uma mulher passa procuração, junto ao tabelião da época, para firmar vínculo com
seus representantes legais em outras localidades. As procurações se dirigiam a cidade da
Parahyba do Norte ao Doutor Antônio da Silva e Melo, ao licenciado Diogo de Mendonça e
Luiz Queixadas de Luna e, na cidade da Bahia, a Constantino de Oliveira Ledo, Antônio de
Farias e Luiz da Rocha Pita98.
Da mesma forma, no ano de 1721 Geralda Correa de Lima aciona outros procuradores,
estes estavam localizados na cidade da Patahyba do Norte, a saber, Algostinho Nogueira da
Costa e o sargento-mor Manoel Marques; na Capitania de Pernambuco o Doutor Baltazar
Gonçalves Ramos e na cidade da Bahia os bacharéis formados Antônio Correa Ximenes e
Antônio Farias Fonseca99.
Como já inferimos em outro momento, nos sertões das Capitanias do Norte existiu
utilização de mão-de-obra escrava. Os escravos eram comercializados entre os senhores de
terras ou estavam “inclusos” na venda das fazendas de gado como bens adquiridos pelo
comprador. Como efeito, pelo dia 13 de janeiro de 1732, o capitão Ignácio Ferreira Bitencourt
vende uma escrava do gentio de angola por nome de Catarina, assim como sua filha por nome
de Ana, a compradora Ana Maria Barboza pelo preço de cento e cinquenta mil reis.
Por aqui nos ocupamos um pouco a cerca dos negócios que marcaram o cotidiano no
sertão de Piranhas e Piancó, o que nos possibilita dizer que, mesmo que haja um ponto de
confluência do ponto de vista dos historiadores, em mostrar que nos sertões das capitanias do
norte predominavam o comércio com o criatório de gado, percebemos pelo que foi dito neste
tópico, que a pecuária não foi a única atividade econômica desenvolvida por essa região. A
compra, a venda e arrendamentos de terras, assim como a venda de escravos e o
estabelecimento de procurações, também ganharam as cenas sociais no decorrer da primeira
97
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1740. Paginação
ilegível.
98
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1719. Paginação
ilegível
99
Acervo do Cartório de I Ofício de Notas “Cel Joao Queiroga” (Pombal-PB). Livro de Notas 1719. Paginação
ilegível.
153
metade do século XVIII. Isso tudo não implica em desconsiderar a prevalência da pecuária
nesse período.
Fazem se por todas essas partes muitas mortes e roubos, tirão de posso
absolutamente da fazenda de seus donos e estes as perderam as não querem
entregar, morrem muitos que não tem herdeiros, e quando nesta praça o
provedor dos auzentes quer por em cobrança o tem elles devertido. (...) A
todos esses damnos tendo dado o remédio possivel, mandando capitão-mor e
oficiais das ordenanças prender e dar a execução os mandados de justiça, e
com algum castigo tendo posto em muito mais quetação do que estavam;101
Os documentos que tratam das idas ao sertão nos aponta um dos problemas mais
recorrentes na época, às longas distâncias que teriam que ser percorridas para se chegar ao
“tão ermo e tão distante sertão”. Tais distâncias dificultavam ainda mais o estabelecimento
de órgãos administrativos nessas áreas, juntando-se a isso, as condições precárias de
deslocamento. No início da mesma carta do capitão mor da Parahyba, João de Maia Gama, ao
rei D. João V, o mesmo capitão ressalta que:
100
AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 310.
101
AHU_ACL_CU_014, Cx. 4, D. 310.
154
Na primeira metade do século XVIII, ainda não existia câmara municipal no sertão de
Piranhas e Piancó, que para Caio Prado Jr (1976, p. 314) era um “órgão típico da
administração local”, e só veio a se constituir com a criação da vila em 1772, o
estabelecimento de um julgado103 em 1711, teve por objetivo criar uma “assistência jurídica”
no sertão, uma vez que as pessoas que lá habitavam “estavam expostas aos vícios e a toda
sorte da miséria” (SEIXAS. 2004 p. 173).
Para Seixas (2004), o estabelecimento do julgado se fez com a presença de um juiz
ordinário juntamente com o seu escrivão, quando foi escrito o primeiro livro de notas que,
como dissemos em outro momento deste trabalho, acabou desaparecendo do cartório onde se
encontram os demais documentos. Assim como Seixas (2004), Irineu Pinto (1977, p. 105)
também faz referência à ocupação dos cargos de juiz de escrivão no sertão no ano 1711. Para
esta pesquisa, tivemos a acesso ao segundo livro, que data no ano de 1719. Nele encontramos
a ocupação desses importantes cargos, comumente exercidos no interior das câmaras. Nos
termos de abertura do livro, encontramos referência aos nomes dos ocupantes aos cargos, e
segundo o próprio juiz:
102
idem
103
No século XIX a palavra julgado significava, segundo Vieira (1871), um “povoação sem pelourinho nem
privilégio de villa, posto que tinha juiz, e justiça própria” era ainda considerado o lugar “onde há justiça”.
(VIEIRA apud SARMENTO 2007, p. 69).
104
Acervo do I oficio de notas “Cel. João Queiroga”, Pombal-PB. Livro de notas 1719, fl. 01.
155
que envolvessem ate a quantia de 400 reis; bem como julgar os casos de injúrias verbais”
(NOGUEIRA, 2010, p. 124). Além de desempenhar o papel de julgar e dar sentenças o juiz
ordinário “é um agente administrativo e um executor de suas providências” (PRADO JR.,
1976, p. 319).
Ao escrivão cabia a função de tomar conta dos livros, sendo o responsável por
registrar todas as cartas de alforrias, procurações, escrituras das vendas de terras e de gados,
escrituras de obrigação, escrituras de composição e registros de portarias. Era, assim, o
responsável por deixar registrados, os mais variados negócios que estavam se estabelecendo
no sertão de Piranhas, registros esses existentes até hoje. O escrivão era o detentor da cultura
letrada.
Pelo documento citado no início deste tópico, percebemos que no período colonial era
comum que os delinquentes fugissem para os sertões e escondessem-se na mata fechada para
evitar a punição de seus crimes, o que acabou facilitando a ocorrência de muitas devassas
contra os moradores dessas regiões. Decorre daí, um dos motivos para o estabelecimento de
um juiz nas povoações. Além disso, um juiz também desempenhava outros tipos de atividade
como, por exemplo, averbava escrituras de compra e venda de terras, investigava as queixas
contra os roubos e delitos, era o responsável por fazer os testamentos e inventário, e todas as
questões relacionadas à justiça. Dessa maneira, a presença de uma autoridade local no sertão
colaborou para o desenvolvimento da povoação, uma vez que, o termo de justiça da região do
Piranhas e Piancó, mantinha sobe sua jurisdição parte das Capitanias do Ceará e do Rio
Grande (SARMENTO, 2007, p. 70-75).
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
encontradas, terras nas ribeiras dos rios Piranhas, Piancó e Rio de Peixe, apesar de nunca ter
chegado a ocupar essas áreas. A consequência disso foi o desdobramento de algumas querelas
que giravam em torno da posse de terras, já que, os verdadeiros povoadores reivindicaram, ao
longo de todo século XVIII, o direito a posse das terras, culminando na revogação de várias
datas de terras pertencentes à Casa da Torre.
Nessa conjuntura, pudemos atestar no decorrer desta pesquisa que, aqueles que se
dedicavam ao projeto colonial português foram, consequentemente, incorporados a órbita dos
poderes locais na colônia por meio do acesso às mercês régias. O monarca ao agraciar seus
súditos com terras, patentes, cargos e títulos, colocava em suas mãos altas parcelas de poderes
econômicos, social e político, responsáveis por nobilitar os que ainda eram pobres e reforçar
ainda mais o status dos que já possuíam distinção social.
Esses poderes eram naturalmente transmitidos para as gerações futuras, sobretudo
entre os membros das mesmas famílias. Foi o que constatamos ao investigar o papel dos
Oliveira Ledo nas empreitadas pela conquista e suas atuações no espaço de poder e negócios
que estavam se firmando no sertão de Piranhas e Piancó. O papel de destaque dispensado a
esse grupo familiar nas diversas cenas sociais, econômicas e de negócios, nos permite auferir
que foram eles, juntamente com suas extensas parentelas, os responsáveis por fundar o núcleo
base que comporia a primeira elite local no sertão da Capitania da Parahyba.
No entanto, para que esses poderes fossem exercidos, necessitava-se de campos de
atuação que, nesse caso, constituíam-se pela posse de terras, acesso às patentes militares,
cargos de destaque social, e inserção nas redes econômicas e de negócios. Eram para esses
espaços que convergiam todos os interesses, pessoais ou familiares.
No que tange ao quadro econômico característico da região aqui analisada e, levando
em conta as suas especificidades locais, averiguamos que, mesmo com a certeza da
predominância da atividade pastoril nessas áreas, a pecuária não foi a única atividade
econômica desenvolvida, mas que a compra, venda e arrendamentos de terras, assim como
venda de escravos e o estabelecimento de procurações, ganharam as cenas sociais no decorrer
da primeira metade do século XVII.
Desta feita, esperamos ter contribuído minimamente para compreensão da conquista
portuguesa nos sertões das Capitanias do Norte, sobretudo ao que tange ao interior da
Capitania da Parahyba. Ao fim desta pesquisa, concordamos, portanto, com as ponderações
de Ricupero (2009, p. 322), ao nos mostrar que a conquista de território, assim como a
formação da elite colonial, formaram dois movimentos paralelos e ao mesmo tempo
complementares.
158
FONTES E REFERÊNCIAS
FONTES MANUSCRITAS:
AHU_ACL_CU_014, Cx 3, D. 226
AHU_ACL_CU_014, Cx.16, D. 1354
AHU_ACL_CU_014, Cx. 16, D. 1321.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 8 D. 707.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 798
AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 226
AHU_ACL_CU_014, Cx. 13, D. 1095.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 19, D. 1507.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 9, D. 778.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 516.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 516.
AHU_ACL_CU_014, Cx, 4, D. 310
AHU_ACL_CU_014, Cx. 6, D. 516.
Manuscritos Avulsos da Capitania de Pernambuco
AHU, PE, cód. 265, fl.135 v-136, apud Silva, 2010, p. 166.
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nella declaradas são doze léguas de largo no Rio chamado das Piranhãs seis léguas por cada
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Carta que se escreveu ao Governador de Pernambuco Fernão Cabral sobre a guerra dos
Bárbaros DH, vol. 10, p. 293-295.
Carta para o Governador de Pernambuco João da Cunha de Sotto maior, sobre a expedição do
soccorro para a guerra dos Bárbaros. DH, Vol. 10, p. 290-291.
Carta para amara da Vila de São Paulo sobre o Terço que tem levantado Mestre de Campo
Manuel Alvaris de Moraes Navarro. DH. Vol. 11 p. 254-257.
Carta para a Camara de São Paulo dar cem índios ao Mestre de Campo Manuel Alvaris de
Moraes Navarro DH. Vol. 11, p. 261-262.
Carta para o Capitão-mor da Capitania de São Vicente dar toda ajuda,e favor do Mestre de
Campo Manuel Alvares de Moraes Navarro. DH. Vol. 11 p. 260-26.
Carta para a Câmara da Vila de São Paulo sobre o Terço que tem levantado o Mestre de
Campo Manuel Alvres de Moraes Navarro. DH. Vol 11 p. 254-257.
160
Carta que se escreveu a Governador geral do Brasil, João de Lencastre, aos oficiais da câmara
da Parahyba sobre o envio de farinha as Piranhas. DH, vol. 38, p. 410-411.
Carta de serventia e data de terras do Capitão Francisco de Abreu Lima, e mais pessoas nella
declaradas, são doze léguas de largo no rio chamado das Piranhas, seis léguas para cada banda
do rio, e cinquenta para o sertão. DH. Vol. 23 p. 403-405.
Ordem para o Capitão-mor Constantino de Oliveira se valer de qualquer gado que lhe for
necessario para o sustento da gente que o acompanhar, pagando-o a custo de sua fazenda. DH
Vol. 32, p. 323-324.
Carta para o Capitão Mor Teodósio de Oliveira Ledo sobre a situação da aldeia de Piranhas e
30 espingardas que lhe hão de remeter na primeira embarcação. DH. Vol 38, p. 341-342.
Carta ao Governador de Pernambuco Caetano de Melo sobre o socorro que há de mandar de
polvora para a guerra do Pinhancó. DH. Vol. 38, p.409-410
Carta para os officiaes da câmara da Parahyba sobre a farinha que hão de mandar as Piranhas.
DH. Vol. 38, p. 410-411.
Carta para o capitão-mor das entradas das Piranhas, Cariris e Pinhancós Teodosio de Oliveira
Ledo em resposta a vitoria que alcançou contra os Barbaros. DH. Vol 38, p. 412-413.
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