A Violação Dos Direitos Humanos Na Abordagem Policial

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A violação dos direitos humanos na abordagem policial

Wellson Rosário Santos DantasWellson Rosário Santos Dantas|Sara Bruna


Silveira CarneiroSara Bruna Silveira Carneiro

Publicado em 05/2021. Elaborado em 04/2021.


Assuntos relacionados à violência policial, uma vez que é perceptível o quanto
a sociedade tem sido vítima de todo tipo de agressão e atos violentos por parte
da polícia ou de outros integrantes da Segurança Pública brasileira.

RESUMO

Diariamente milhares de cidadãos são vítimas de agressões e abusos por parte


da polícia. Essas ações injustas e preconceituosas ocorrem em todos os
cantos do mundo, assim como no Brasil. Diante desse fato, o objetivo inicial
desse estudo é discorrer sobre as abordagens policiais no Brasil. Em seguida,
também se direciona a discussão sobre como essas medidas tem impactado
os Direitos Humanos. Tenciona com a escolha dessa temática, enfatizar que a
abordagem policial nos dias atuais não vem sendo efetivas no sentido de
respeito aos cidadãos, onde muitas vezes é verificado um excesso na
abordagem por meio do uso de violência física e moral. Também se discute as
razões dessa ação e o enquadramento de um perfil de indivíduos que estejam
mais vulneráveis a essas abordagens. Na metodologia, essa pesquisa se
enquadra na revisão da literatura, baseada em artigos científicos, legislação
atual e doutrinas jurídicas. Nos resultados, ficou claro que a abordagem policial
afeta significamente as pautas defendidas pelos Direitos Humanos. Na busca
para solucionar essa questão, o caminho ideal encontrado é por meio da
Educação, ou seja, na inclusão de cursos de aperfeiçoamento de práticas de
abordagem, com enfoque no respeito à dignidade humana.

Palavras-chave: Abordagem Policial. Direitos Humanos. Legislação.

ABSTRACT

Every day thousands of citizens are victims of aggression and abuse by the
police. These unfair and prejudiced actions occur in all corners of the world, as
well as in Brazil. Given this fact, the initial objective of this study is to discuss
police approaches in Brazil. Then, there is also a discussion on how these
measures have impacted Human Rights. With the choice of this theme, he
intends to emphasize that the police approach today has not been effective in
the sense of respect for citizens, where there is often an excess in the approach
through the use of physical and moral violence. It also discusses the reasons
for this action and the framing of a profile of individuals who are most vulnerable
to these approaches. In the methodology, this research fits into the literature
review, based on scientific articles, current legislation and legal doctrines. In the
results, it was clear that the police approach significantly affects the guidelines
defended by Human Rights. In the search to resolve this issue, the ideal path
found is through Education, that is, the inclusion of courses to improve
approach practices, with a focus on respect for human dignity.

Keywords: Police approach. Human rights. Legislation.

INTRODUÇÃO

Tema bastante discutido na sociedade, na política e na esfera jurídica,


assuntos relacionados à Segurança Pública sempre trazem a tona uma
realidade cada vez mais latente: desestrutura do sistema de segurança e a
extrema violência por parte daqueles que deveriam assegurar a segurança ao
cidadão e a sociedade.

Importante destacar que na norma constitucionalista, a segurança pública é


obrigação do Estado, direito e responsabilidade de todos os cidadãos, com o
intuito de exercer a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio (BRASIL, 1988).

Por essa previsão legal, é possível verificar que o constituinte, na busca por
manter a ordem pública, determinou que em determinadas situações órgãos
policiais podem realizar abordagens policiais, revistas pessoais, de residenciais
ou de automóveis, apenas com mandado judicial autorizando tal ato
(MAGALHÃES, 2018).

Ocorre que em muitas dessas abordagens é possível notar um excesso de


fiscalização, gerando muitas vezes em atos de agressão e de preconceito. São
situações onde se percebe um abuso no exercício policial na abordagem aos
cidadãos, muitos deles tendo o mesmo perfil: negros, pobres e com baixa
instrução escolar.
Diante desses casos – que são expostos diariamente na mídia – é nítido
observar que se está diante de um flagrante de violação dos Direitos Humanos,
que no seu bojo busca proteger todos os indivíduos, sem distinção. Com isso, o
presente trabalho possui o objetivo de discutir sobre a abordagem policial feita
de forma abusiva e como esse ato fere os preceitos preconizados pelos
Direitos Humanos.

Dessa forma, essa pesquisa tenciona apresentar as diferentes formas de


abordagem policial, desde a que está prevista na legislação pátria até aquelas
que são praticadas nas ruas. Soma-se a isso, a análise das causas que levam
muitos policiais a excederem na abordagem, principalmente quando estão
diante de um perfil bem unificado.

Por fim, também se faz importante analisar quais as penalidades que são
impostas aos que praticam o abuso de autoridade policial e quais medidas
preventivas pode ser implantadas na busca para solucionar esse problema.

Na metodologia, esse estudo trata-se de uma revisão da literatura. De acordo


com Carvalho (2019) a revisão de literatura é parte essencial de um trabalho
científico, pois contextualiza o cenário de pesquisa atual, aponta
inconsistências conceituais e incita a realização de novos estudos, tudo a partir
do resumo e da síntese de trabalhos já existentes.

Os meios de buscas empregados foram as doutrinas jurídicas encontradas em


livros, artigos, sites, jornais, revistas, etc. Nos critérios de inclusão e exclusão
os materiais utilizados nesta pesquisa são baseados na legislação brasileira e
na jurisprudência. Todos os materiais serão adquiridos de forma gratuita, por
serem leis vigentes no ordenamento jurídico brasileiro.

1 A ABORDAGEM POLICIAL NO CONTEXTO SOCIAL

A violência policial é um dos temas mais discutidos nas últimas décadas, uma
vez que é perceptível o quanto a sociedade tem sido vítima de todo tipo de
agressão e atos violentos por parte da polícia ou de outros integrantes da
Segurança Pública brasileira. A mídia tem mostrado diariamente casos
envolvendo violência policial, e as estatísticas mostram um crescimento no
número desses casos a cada ano.
A violência policial é uma realidade fática no Brasil, passando a ser usada,
sobretudo, como instrumento de controle social e mais especificamente como
instrumento de controle da criminalidade. Esse fato acaba por gerar efeitos
negativos, tanto para a estrutura policial como para a sociedade e pro Direito.

Como bem enfatiza Neto (2017), os casos de violência policial acabam por
gerar uma ideia de descontrole e insegurança resultando numa ampliação nas
formas de violência. A violência policial, principalmente quando os
responsáveis não são identificados e punidos, é percebida como um sintoma
de problemas graves de organização e funcionamento das polícias.

Importante citar que há uma diferenciação entre os policiais e os outros


cidadãos. Nesse caso, o primeiro está legitimado para fazer uso da força física
contra outra pessoa no cumprimento do dever legal (art. 144 da Constituição
Federal de 1988), enquanto o cidadão não possui essa prerrogativa, exceto
nos casos de legítima defesa, regulado pela norma.

Tão importante quanto discutir as formas de violência policial é tentar entender


as causas que levam a essas ações. Na doutrina, encontra-se 3 (três)
correntes que discorrem sobre essas causas; a saber:

Explicação estrutural: enfatiza as “causas” da violência policial, geralmente de


natureza social, econômica, cultural, psicológica e/ou política. Este tipo de
explicação dirige a atenção para características da sociedade — por exemplo,
desigualdades sociais e particularmente econômicas, e políticas, culturas,
personalidades e atitudes autoritárias —, cuja presença está positivamente
associada à presença da violência policial;

Explicação funcional: enfatiza as “funções” da violência policial, geralmente do


ponto de vista da preservação, mas possivelmente do ponto de vista da
mudança de estruturas sociais, econômicas, culturais, psicológicas e/ou
políticas. Este tipo de explicação dirige a atenção para problemas e crises em
determinados sistemas — por exemplo, sistema social e/ou político, ou mais
especificamente sistema de segurança pública —, em relação aos quais a
violência policial seria um sintoma e uma resposta;

Explicação processual: enfatiza as “razões” ou “motivações” da violência


policial, do ponto de vista das organizações policiais e/ou dos agentes policiais,
geralmente de natureza instrumental mas possivelmente de natureza
expressiva. Dentro deste tipo de explicação cabem as explicações segundo as
quais a violência policial é praticada em benefício dos próprios policiais — e,
portanto, sugerem a autonomia das organizações e dos agentes policiais —,
tanto quanto as explicações segundo as quais a violência policial é praticada
em benefício de um determinado grupo ou classe social ou mesmo de uma
determinada sociedade ou Estado — e, portanto, sugerem o controle das
organizações e dos agentes policiais por outros atores.

(NETO, 2017, p. 136)

Nota-se pelas correntes acima descritas, que as causas que geram a violência
policial são variadas, a ponto de não haver apenas um único motivo ou
condição. Nesse ponto, é possível entender que os policiais, no exercício de
suas funções, praticam atos de violência em decorrência da desigualdade
social (onde as vítimas geralmente são de baixa renda, negros e com baixa
escolaridade); em resposta a um conflito político ou social ou até mesmo em
causa própria (NETO, 2017).

De todo modo, é na abordagem policial que se encontra o contexto mais


favorável para a existência de uma violência policial, haja vista que se é
facilitado o contato com outros cidadãos, com base na lei.

A nomenclatura “abordagem” significa qualquer aproximação, com uma


finalidade e objetivos delineados e definidos. Sanchez (2016, p. 01) explica que
a abordagem policial pode ser entendida como aquele:

[...] ato administrativo, em que o policial, capacitado na autoridade que lhe foi
conferida, interpela o cidadão, com base em fundadas suspeitas, interferindo
assim em direitos e garantias individuais, em prol de um interesse público
maior, qual seja, o de proporcionar segurança pública a toda à população.

Com base no conceito acima, a abordagem policial remete a ideia de acometer


e tomar, de aproximar-se, de chegar, de interpelar. No caso, seria uma prática
policial de aproximar-se de uma pessoa ou pessoas, a pé, montadas ou
motorizadas, e que emanam indícios de suspeição; que tenham praticado ou
estejam na iminência de praticar ilícitos penais, com o intuito de investigar,
orientar, advertir, prender, assistir, etc. (ROSA, 2014).
Na abordagem, de maneira acautelatória e coercitiva, é autorizado durante a
sua ação (de acordo com a legislação específica) fazer uma inspeção no corpo,
vestes, bolsas, pertences, e tudo mais que esteja sob custódia da pessoa
abordada, inclusive seu veículo.

De acordo com a legislação pertinente, a abordagem policial à um indivíduo


exige, a princípio, um mandado judicial. Todavia, a abordagem será
absolutamente legal quando basear-se em fundada suspeita de estar a pessoa
em posse de um elemento apto a comprovar a concretude de um crime ou
contravenção (CAROLINE, 2020).

Ocorre que essa ação frequentemente utilizada pelas equipes policiais é muito
questionada, pois remete a relação Estado/cidadão a uma fronteira delicada,
onde direitos são tolhidos em nome da coletividade e da paz social.

Na efetivação da abordagem pessoal, o Estado, que é convencionado e


legitimado por seus cidadãos, adota a restrição de determinados direitos e
liberdades civis, em proveito de uma ação que garantiria a segurança pública,
um dos valores supremos da sociedade

O ato da abordagem autoriza, portanto, o contato físico, pois sem ele não é
possível encontrar os objetos que adornam o possível crime, como por
exemplo, armas e drogas. Obviamente, os infratores que carregam consigo
esse tipo de objetos, optam por escondê-los da melhor maneira (GAECO,
2020).

Dentro desse espectro, é plenamente possível flagrar ações extremamentes


violentas de policiais nas abordagens: tortura, agressões físicas, verbais e
morais, desrespeito, ameaças, extorsão e tratamento diferenciado em função
de classe ou status social. Todas essas ações são praticadas em grande
escala por policiais em suas abordagens, emergindo nitidamente um abuso de
poder.

Com isso, o que se tem discutido nos últimos anos é o aumento de casos onde
é possível verificar um excesso nas práticas de abordagem policial. Muitos
desses profissionais aproveitam de sua função para praticar ações que fogem
do intuito inicial da abordagem, o que configura nitidamente um desrespeito
aos Direitos Humanos, ao qual será analisado no tópico seguinte.
2 DIREITOS HUMANOS: ASPECTOS GERAIS

Antes de aprofundar na temática proposta por esse estudo é preciso que se


apresentem os principais pontos relacionados aos Direitos Humanos, uma vez
que a abordagem policial será analisada sobre esse viés.

Percebe-se que há uma tendência mundial em resguardar os direitos do


cidadão, respeitando sua integridade física e moral, com observância aos
Direitos Humanos e demais princípios que buscam resguardar, garantir e
proporcionar um estado de sossego igualitário entre os indivíduos. Resultado
disso é o fato de que o cidadão contemporâneo está mais consciente de seus
direitos e deveres, não aceitando imposições ou posturas truculentas de
outrora, embora tais situações ainda sejam passíveis de acontecer.

Acerca do assunto, tem-se:

Os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana decorrem da longa


evolução histórica dos Direitos Humanos, consagrados na Declaração
Universal de 1948 e que precedeu a criação dos sistemas protetivos
internacionais dos direitos humanos. Assim, além dos sistemas de controle
exercidos pela jurisdição interna dos países, existe o sistema internacional de
controle convencional dos direitos humanos, tendência internacional fortalecida
e positivada pelo processo de globalização (SIMIÃO, 2018, p. 19).

Em consequência de lutas e reivindicações em diversos momentos


revolucionários, em meios a eles a Revolução Americana e Francesa, apoiadas
nas influências das ideias do Iluminismo, que tinham como mote a razão e o
homem no centro das coisas, culminou-se na criação de cartas, declarações e
documentos que regulamenta a respeitos a direitos e as integrações dos
indivíduos, assim como entre estes e o Estado.

Tais documentos dispõem sobre assuntos que tangenciam acerca da


liberdade, dignidade da pessoa humana, igualdade entre os homens, oposição
a arbitrariedades, segurança pessoal, entre diversos direitos e garantias,
podendo mencionar os modelos Carta Magna (Inglaterra - 1215), a Bill of
Rights (Inglaterra - 1689), a Declaração de Virgínia (EUA - 1776), a
Constituição de Weimar (Alemanha - 1919), Declaração Universal dos Direitos
do Homem (ONU - 1948), em meio a outras.
O professor Marcelo Novelino (2007, p. 151), acerca das expressões utilizadas
em referência aos direitos humanos, dispõe o seguinte:

Muitas expressões, apesar de não possuírem o mesmo significado, tem sido


utilizadas indistintamente para denominar os direitos fundamentais do homem.
Dentre elas, direitos fundamentais, direitos humanos, direitos humanos
fundamentais, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos do
homem, direitos públicos subjetivos, direitos civis e políticos.

Para esta pesquisa é interessante aludir que as expressões direitos


fundamentais e direitos humanos possuem distinções entre si, sendo tal
diferença conceituada também por Novelino (2007, p. 152) da seguinte forma:
“Direitos Humanos são direitos relacionados aos valores liberdade e igualdade
positivados no plano internacional”, enquanto que “direitos fundamentais são os
direitos humanos consagrados e positivados, no plano interno, pela
constituição”.

Conceitualmente os Direitos Humanos, com base nos dizeres da Organização


das Nações Unidas, foram definidos como sendo uma “garantida fundamental e
universal que visa proteger os indivíduos e grupos sociais contra as diversas
ações ou omissões daqueles que atentem contra a dignidade da pessoa
humana” (CASTILHO, 2018, p. 43).

No Brasil, dentre as várias Constituições brasileiras, desde a Constituição de


1824 até a Constituição atualizada de 1988, percebe-se a presença de
dispositivos que expressam e declaram a garantia dos direitos fundamentais,
consagrados no plano interno pelas referidas constituições, bem como
observância dos direitos humanos, extraídos dos valores positivados no âmbito
internacional.

Inicialmente pode-se observar o texto disposto no artigo 4º, inciso II, da


Constituição de 1988, o qual preceitua que a República Federativa do Brasil
reger-se-á nas suas relações internacionais por meio da prevalência dos
Direitos Humanos. Perante esta normativa, observa-se que o Brasil adota os
direitos e garantias individuais previstos nos documentos internacionais do qual
é signatário.
Dentre os fundamentos consagrados pelo texto constitucional, valores
importantes para a estruturação do Estado brasileiro, a “dignidade da pessoa
humana”, retratada no artigo 1º, inciso III, é, segundo Novelino (2007, p. 134):

Valor supremo que irá informar a criação, interpretação e aplicação de toda a


ordem normativa constitucional, sobretudo o sistema de direitos fundamentais.
(...) A dignidade da pessoa humana, em si, não é um direito fundamental, mas
sim um atributo inerente a todo ser humano.

Nesse sentido, maior atenção à dignidade da pessoa humana passou a ser


verificada após o final da Segunda Guerra Mundial, com o intuito de deixar que
as pessoas fossem tratadas como mero objeto, tendo em vista que neste
período muitos foram alvo de escravidão, tortura e experiências.

No Brasil, não foi diferente, e, como decorrência desses fatos e a preocupação


com a dignidade da pessoa humana consagrada na constituição se reconheceu
que a pessoa não é “simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao
contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na relação entre o
individuo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor do ser humano
e de sua personalidade, uma vez que o Estado existe para o homem e não o
homem para o Estado” (MORAIS, 2017, p. 135).

Tal pensamento vai de encontro ao raciocínio de que o indivíduo deve ser


respeitado em sua integridade física e moral por parte do Estado, a qual cabe à
proteção dos cidadãos. A pessoa torna-se cada vez mais importante e devera
observar limites para as ações por parte dos agentes estatais, em especial os
agentes de segurança pública.

O governo brasileiro é signatário de respeitáveis declarações e tratados


internacionais de amparo aos direitos das pessoas, podendo mencionar como
modelo a proteção Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis,
Desumanas ou Degradantes (1984), o Pacto de San José da Costa Rica (1969)
e o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) que está em vigor no
Brasil desde 1996.

Diante o exposto, verifica-se que a segurança, direito e garantia fundamental


preconizada no artigo 5º da Constituição atual, possui estreita relação com os
Direitos Humanos. É interessante enfatizar a existência de relação entre estes
princípios vez que o Estado, por meio de seus órgãos de apoio, em especial a
Polícia Militar e Civil, busca a preservação da ordem pública e bem estar da
sociedade, carecendo para tanto, examinar e acatar os direitos do cidadão, em
meio a eles a vida.

3 ABORDAGEM POLICIAL DIANTE DOS DIREITOS HUMANOS

Apesar de, infelizmente, não existirem dados concretos sobre o número de


abordagens policiais inconstitucionais que ocorrem no Brasil todos os dias,
tendo em vista o medo de represália das vítimas, é sabido que estas ocorrem
com grande frequência, na maioria das vezes dentro de periferias, onde a
impunidade pelos atos abusivos se torna muito maior (MAGALHÃES, 2018).

Apesar da ausência de números concretos sobre este assunto, não é difícil


verificar que tais atos são extremamente regulares na sociedade brasileira. Os
casos diários que chegam aos ouvidos da sociedade de abordagens policiais
abusivas são assustadores e apesar das diversas previsões legais em
proibição destes atos, verifica-se que tais atos continuam recorrentes devido à
falta de fiscalização e punição de agentes que realizam tais atos em
descumprimento da legislação pátria (MAGALHÃES, 2018).

Os atos praticados pelos policiais em abordagens quando se excedem na sua


finalidade traz de imediato uma flagrante de violação aos Direitos Humanos.
Nesse sentido, algumas ações que os policias fazem durante uma abordagem
vai à contramão dos preceitos trazidos pelos Direitos Humanos. A título de
exemplo, cita-se:

[...] há um liame que diferencia a abordagem legal, da abordagem ilegal,


quando ocorre utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, ou
quando, dolosamente, marginais transvestidos de Estado se utilizam desse
recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas,
depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando
um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer
seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos
e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis
(CORREIRA, 2016, p. 02).

Com isso, nos poucos dados existentes sobre esse tema no Brasil, em todos
eles apontam que as questões raciais, econômicas e de escolaridade como
razões para que a abordagem policial seja imediata e truculenta. Perfis de
indivíduos considerados negros, pobres e de baixa escolaridade, são mais
vulneráveis a sofrerem uma abordagem policial do que em outros perfis.

Anunciação; Trad; Ferreira (2020, p. 02) explicam que essas razões se


configuram no processo de filtragem racial ou racial profiling, termo empregado
notadamente nos Estados Unidos para descrever as “práticas racialmente
tendenciosas de identificação de suspeitos ou, mais especificamente, o fato de
a cor da pele ser um fator determinante na decisão da abordagem policial”.
Cabe enfatizar que estar-se tratando de uma forma de violência perpetrada
pela polícia, um fenômeno pouco explorado no Brasil, e que tem tido como alvo
preferencial a juventude negra da periferia urbana do país.

De todo modo, ao discutir essa temática, fica evidente observar na bibliografia


pesquisada que a fundada suspeita, mecanismo que precede o ato de
abordagem, compõe-se de duas dimensões interdependentes: a técnica-
operacional, que corresponde à norma institucionalizada e que, em princípio,
pauta-se em critérios objetivos; e a discricionária, que depende, claramente, do
julgamento dos agentes e, portanto, tem um caráter mais subjetivo. Em uma
sociedade democrática, na qual prevalece o Estado de direito, é de se esperar
que a primeira dimensão prevaleça na fundamentação de suspeição. Não
obstante, constatou-se que a dimensão discricionária, que reflete
representações sociais, crenças e valores morais predominantes na sociedade,
tem um papel decisivo na construção do perfil de suspeição (ALMEIDA, 2018).

Por conta disso, é nítido constatar que é majoritário um determinado grupo com
mesmo perfil seja mais suscetível a abordagens truculentas da polícia. No geral
são grupos formados por jovens negros (as) e pardo (as), pobres e com baixa
escolaridade, além de muitos não possuírem emprego. Com isso, fica evidente
que há uma segregação racial e econômica presentes na estrutura e dinâmicas
relacionais da sociedade brasileira, assim como sua negação e/ou certa
naturalização, influenciam a “tomada de decisão” e o modo de atuar da polícia
frente à esses grupos.

Para melhor entendimento sobre esse contexto, a título de exemplo, cita-se


nesse estudo o caso do Estado do Tocantins. Primeiramente é necessário citar
que no Tocantins, no que diz respeito ao trabalho da polícia, encontra-se o
Manual do Procedimento Operacional Padrão (POP) institucionalizado em
2015. Em seu prefácio deixa claro que este é um documento que objetiva
reunir roteiros padronizados onde se busca amparar a atuação do policial
militar e efetivar a excelência nos serviços prestados na instituição (BRASIL,
2015).

Numa abordagem policial, principalmente quando há o transporte de um


infrator, é necessário que estes profissionais estejam atentos a integridade
física e moral do mesmo. É importante ressaltar que a Lei nº 2.578/2012 que
dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado
do Tocantins na seção II que discorre sobre a ética militar, em seu artigo 33
traz o seguinte texto:

Art. 33. O sentimento do dever, o denodo militar e o decoro da classe impõem,


a cada um dos integrantes da Corporação, condutas moral e profissional
irrepreensíveis, com a fiel observância dos seguintes preceitos e deveres da
ética militar:

(...)

III - respeitar a dignidade da pessoa humana;

XXXVI- respeitar a integridade física, moral e psíquica da pessoa do


condenado ou do criminalmente imputado;

XXXIX- agir com isenção, equidade e absoluto respeito pelo ser humano, não
usando sua autoridade pública para a prática de arbitrariedades;

(BRASIL, 2012)

Com base nesse texto legislativo, aponta-se que os policiais militares


tocantinenses devem, sobretudo, respeitarem a integridade física do indivíduo,
em conformidade com a sua dignidade. Caso contrário, responderão às
sanções impostas por essa Lei.

No art. 46 da retro norma, trazem o rol das transgressões de natureza grave e


em seu inciso XIV traz o seguinte texto: “usar de força desnecessária ou de
violência física ou verbal, em ato de serviço ou não, maltratando, humilhando,
constrangendo ou infamando qualquer pessoa, ou deixar que alguém o faça”
(BRASIL, 2012).
Na prática, assim como em outros estados da Federação, o Tocantins também
possui casos de abuso na abordagem policial. Em jurisprudência pesquisada,
encontrou-se o seguinte caso:

REEXAME NECESSÁRIO. ESTADO DO TOCANTINS. RESPONSABILIDADE


OBJETIVA. POLICIAL MILITAR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ATO
ILÍCITO CONFIGURADO. EXCESSOS COMETIDOS EM ABORDAGEM
POLICIAL. AUTOR ATINGIDO POR QUATRO DISPAROS DE ARMA DE
FOGO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. JUROS DE
MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. 1. O Estado do
Tocantins tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termo do § 6º do art. 37 da
CF. 2. O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso
comprove ausência de nexo casual, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima,
caso fortuito, força maior, ou fato exclusivo de terceiro. 3. É fato incontroverso
da lide, na forma do art. 334, II, do CPC, o incidente envolvendo o policial
militar Edimar e o demandante, o qual foi atingido, injustificadamente, por
quatro disparos de arma de fogo, fatos estes corroborados pela prova oral e
documental colhida em Juízo. 4. As lesões decorrentes dos disparos de arma
de fogo restaram devidamente comprovadas nos laudos insertos aos autos. Do
mesmo modo, o próprio policial em seu depoimento pessoal admitiu ter atirado
contra o demandante. 5. No caso em exame, restou devidamente configurada
responsabilidade do ente público. Presente nos autos, a conduta ilícita do
policial que provocou as graves lesões corporais do demandante. Da
indenização por danos morais. 6. Reconhecida a responsabilidade do Estado e
do policial militar pelo evento danoso, exsurge o dever de ressarcir os danos
daí decorrentes, como o prejuízo imaterial ocasionado, decorrente da dor e
sofrimento da parte autora, em razão das lesões corporais sofridas. [...]
(Reexame necessário nº 7003157806, Quinta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em: 28/10/2009).

No caso concreto acima mostrado ficou evidente o excesso de abordagem


policial, chegando ao ponto de ter tido danos físicos à vítima. Outro ponto
elucidado nesse julgado e importante destacar é a responsabilidade quando
configurada excesso de abuso na abordagem policial. Como bem frisou o
Magistrado, in casu, a responsabilidade objetiva é do Estado e a subjetiva do
policial militar.

Buscando mudar a realidade encontrada nas abordagens policiais, o Estado do


Tocantins tem tido como medida preventiva, a educação. Assim, o Estado tem
realizados cursos educativos que mostrem as ações corretas a serem
realizadas pelos policiais. Tão importante ter essas ações reguladas em lei é
enfatizá-las na prática.

Nesse sentido, como exemplo, em 2019 a Superintendência de Administração


do Sistema Penitenciário e Prisional do Estado do Tocantins (Sispen/TO), por
meio da Escola de Gestão Penitenciária (Esgepen), realizou o Curso de
Abordagem Policial. Os servidores selecionados por meio de edital
participaram de três dias treinamento, que foram divididos entre aulas práticas
e teóricas, realizadas na Esgepen, no Comando Geral da Policia Militar (QCG)
e no Clube de Tiro e Caça do Cerrado (CTCC). (MORAES, 2019)

Para realização do curso, a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça


(Seciju) contou com apoio da Policia Militar do Tocantins, que disponibilizou
servidores da Companhia Independente de Operações Especiais (COE) para
ministrarem as aulas. De acordo com Moraes (2019, p. 03) “é essencial sempre
elevar o conhecimento técnico dos profissionais que atuam na segurança
pública. [...] é preciso focar nas bases, nos fundamentos de instrução tática
individual, pois são essenciais para engrandecer as técnicas de abordagem e
evitar o uso de força física”.

Com a medida supracitada pelo Estado do Tocantins, abre-se caminho para


que as abordagens policiais que tanto desrespeitam os Direitos Humanos
sejam cada vez mais raras. Além disso, é necessário que o Poder Executivo e
o Judiciário sejam extremamente vigilantes, em cumprimento à legislação, a
situações como estas em que indivíduos de bem são, quase que diariamente,
submetidos a situações de completo terror e submissão, onde temem por suas
vidas, de seus parentes e amigos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema envolvendo a violência é desde muito tempo recorrente. Diversos tipos


de violência são praticados diariamente na sociedade e no espaço ambiental
brasileiro todos os dias. Para delimitar esse tema, escolheu-se discutir um dos
tipos mais comuns na sociedade: a violência policial. A violência praticada por
esses profissionais se configuram principalmente na abordagem policial.

Inúmeros casos têm sido expostos pela mídia e pela sociedade em geral onde
mostra a agressividade das abordagens policiais nos espaços urbanos. Muitas
dessas agressões são traduzidas em forma de chutes, murros, tapas no rosto
e/ou de maneira verbal. Frente a essa realidade, discutir sobre essa ação se
tornou relevante.

Tão importante quanto analisar as formas de violência policial nas abordagens,


é estabelecer as causas que levam a essas atitudes e principalmente ao
público ao qual se destinam. Como mostrado no decorrer desse estudo, pode-
se pensar que qualquer indivíduo pode ser vítima de uma abordagem policial
mais agressiva. De fato é verdade, no entanto, dados estatísticos mostram que
em alguns grupos de pessoas estão indivíduos que são mais suscetíveis de se
tornarem vítimas.

As estatísticas disponíveis no Brasil sugerem que os critérios de suspeição


aliam, ao lado da identidade racial, outros marcadores discriminatórios, como
pertença de classe social ou territorial, bem como o perfil etário. Neste cenário,
jovens negros, pobres e moradores de áreas favelizadas se encontram entre os
grupos mais vulneráveis às ditas práticas.

Frente a esse contexto, fica claro o flagrante de desrespeito aos Direitos


Humanos. Não se questiona o trabalho policial quanto a sua competência e
objetivo no garantismo à segurança pública. A questão discutida durante a
presente pesquisa é em relação à maneira como o trabalho policial,
principalmente na sua abordagem, é realizada.

Ficou claro observar nos casos apresentados, que a polícia possui forte
tendência a criminalizar erroneamente determinados “tipos” de cidadãos, como
os citados acima. A abordagem policial para essa parcela da sociedade é cruel
e desumana, afrontando a liberdade e dignidade da pessoa humana, princípios
fundamentais na norma jurídica brasileira.

Diante de todo o exposto, é nítido dispor o quanto os Direitos Humanos são


desrespeitados pelas abordagens policiais nas ruas e rodovias brasileiras. As
cartilhas encontradas que regulam o exercício dos policiais na prática não são
eficazes, haja vista que ainda é possível encontrar casos de violência excedida
por esses profissionais.

Pelo cenário encontrado, uma das principais medidas ao qual esse estudo se
baseia seria a aplicação mais enfática de medidas educacionais e de
conscientização a esses profissionais, para que tenham consciência e não
apenas o entendimento, sobre os limites de sua abordagem.

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