Tendencias e Perspectivas Da Administracao Publica No Brasil
Tendencias e Perspectivas Da Administracao Publica No Brasil
Tendencias e Perspectivas Da Administracao Publica No Brasil
TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL
Ricardo C. Gomes1
Humberto Falcão Martins2
RESUMO
Este artigo tem como objetivo proporcionar uma visão geral sobre a prática da administração
pública no Brasil nos últimos anos, apontando suas principais características e o relacionamen-
to entre o Estado e a sociedade. A narrativa começa com os primeiros momentos da história do
Brasil, em que se descreve os principais eventos que impactaram o funcionamento da adminis-
tração pública até o final do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As apre-
sentações deste ensaio advêm de uma passada de olhos na literatura atual sobre o tema, assim
como dos testemunhos dos autores que têm participado do desenvolvimento da administração
pública quer como disciplina, quer como prática. Pretende-se que este ensaio seja uma fonte de
informação e de inspiração para todos aqueles envolvidos no estudo e na prática da administra-
ção pública. Neste sentido, este trabalho apresenta uma reflexão acerca dos eventos e de como
a ideologia política influenciou a gestão pública, com pinceladas sobre o impacto do patrimonia-
lismo, burocracia e gerencialismo na moldagem das atividades da administração nos dias atuais.
Abstract
This article aims to provide an overview of the practice of public administration in Brazil in recent
years, pointing out their main characteristics and the relationship between state and society. The
narrative begins with the first moments of the history of Brazil, which explains the main events that
impacted the functioning of public administration until the end of the second term of President Luiz
Inacio Lula da Silva. The presentations of this essay come from a glance at the current literature on
the topic, as well as the testimonies of authors who have participated in the development of public
administration as either discipline and as practice. It is intended that this test is a source of infor-
mation and inspiration for all those involved in the study and practice of public administration. In
this sense, this paper presents a reflection on the events and how the political ideology influenced
public management, with touches on the impact of patrimonialism, bureaucracy and managerialism
in shaping the activities of management today.
1. Introdução
O Brasil foi descoberto em 1500, permaneceu colônia de Portugal e Espanha até 1808,
quando transformou-se na sede do Império português. Em 1822 tornou-se independente
de Portugal e constituiu-se em Império até 1889, ano em que foi proclamada a República. A
1. Doutor em Administração Pública – Aston Business School – Aston University – Reino Unido Universidade de Brasília.
Campus Darcy Ribeiro, ICC Norte, Módulo 25 – Subsolo. Tel.: (61) 3107-670. E-mail: [email protected]
2. Doutor em Administração – Escola Brasileira de Administração Pública e Empresa – Fundação Getúlio Vargas – Rio de
Janeiro. Instituto Publix. SIG Quadra 1 – Centro Empresarial Parque Brasília – Sala 130. Brasília, DF CEP 70610-410. Tel.:
(61) 3262-8250. E-mail: [email protected]
fase republicana divide-se em sete períodos, que representam avanços no processo de cons-
trução nacional (caracterizado no Quadro 1) em direção a um Estado social democrático de
direito – espelhado nas atuais democracias consolidadas. É sobre este pano de fundo que o
passado, presente e futuro da administração pública brasileira (APB) serão analisados neste
artigo.
O texto está estruturado em quatro partes, incluindo esta introdução. A parte 2 está focada
no passado e busca caracterizar uma trajetória de transformações na APB que remonta aos
primórdios coloniais e finda com o advento da nova república, num momento de quebra de
paradigmas em termos de desenvolvimento e construção nacional. A trajetória abordada
revela um padrão de transformação baseado em avanços e retrocessos numa difícil com-
patibilização entre democracia e racionalidade administrativa. E a questão que se coloca é
justamente em que extensão surgirá, num momento seguinte, um novo paradigma de trans-
formações gerenciais no setor público, capaz de alavancar o desenvolvimento e a construção
nacional na democracia. A parte 3 trata do momento atual (em verdade o passado recente
envolvendo os governos FHC e Lula) e busca caracterizar as transformações promovidas na
gestão pública – evidenciando o advento de um novo padrão, mas que não logra avançar sig-
nificativamente na integração entre democracia e burocracia e nem gera alto impacto nos re-
sultados positivos de desenvolvimento e construção nacional, devido a, dentre outros fatores,
seu caráter fragmentário. A parte 4 elabora considerações finais sobre o presente e futuro.
Sob esta perspectiva, este processo revela uma difícil compatibilização entre política e
administração, entre burocracia e democracia. Ora tentou-se consolidar uma burocra-
cia, racionalizando-se a administração, à revelia da Política e à custa da democracia, ora
tentou-se descaracterizar o caráter racional da burocracia pública pretensamente até em
nome da democracia; ora obstaculizada, ora estimulada pelos agentes do Estado e da política
nacional. “Um difícil dilema, que colocaria de um lado a administração racional e técnica,
associada aos regimes fortes e autoritários, e de outro a administração politizada, deficien-
te e desmoralizada, que pareceria ser um atributo da democracia e da participação social”
(SCHWARTZMAN, 1987, p. 58).
Dos sete períodos abordados no Quadro 1, os cinco primeiros representam momentos desta
trajetória, partindo-se de um padrão de administração patrimonial herdado de Portugal e
chegando-se à nova república.
Direitos civis e Básicos, voto não universal Cassação de políticos e de Voto universal Cassação de políticos e Voto universal
políticos (homens letrados) direitos (exceto analfabetos) de direitos
Direitos civis e políticos amplos
Interventores estaduais Interventores estaduais
Repressão Repressão
Direitos sociais Inexistentes Trabalhismo, institutos de previdência (saúde e educação) Início da universalização Constituição estabelece Universalização exclu- Universalização exclu-
(saúde, educação e universalização ampla e dente da saúde (classe dente da saúde (classe
previdência) irrestrita (saúde e edu- média migra para planos média migra para planos
cação, principalmente) e privados) privados
direitos difusos
Universalização da Universalização da edu-
educação fundamental cação fundamental com
com baixa qualidade baixa qualidade
Programas de transferên-
cia de renda
Economia Agrária Industrialização / substituição de importações Crise Crises externas Crescimento acelerado
(inflação, recessão, insol-
Exportadora de produ- Capitalismo de Estado vência) Crescimento moderado Estabilidade macroeco-
tos 1os nômica
Desenvolvimentismo Abertura comercial Estabilidade macroeco-
Liberalismo nômica
Endividamento
Imprensa Incipiente Baixo grau de organização (assistencial) Movimentos populares Grupos plurais organizados
Legado Economia agroexportadora Industrialização e proteção Crescimento e Segurança e Democracia e cidadania Ajuste fiscal e Crescimento e inclusão
social industrialização desenvolvimento estabilidade monetária
O quinto momento inicia-se com a Nova República, que herda um modelo tecnocrático
de administração pública já exaurido. Os desafios eram resgatar a capacidade da burocra-
cia pública em formular e implementar políticas sociais e, complementarmente, direcionar
a administração pública para a democracia. O imperativo era o de tornar a administra-
ção pública um instrumento de governabilidade, loteando áreas e cargos em busca do apoio
político necessário à superação das dificuldades da instabilidade política da transição. Ade-
mais, o avanço da crise econômica impôs um modelo de ajuste fiscal baseado na redução
linear de dispêndios, apesar de se modernizarem os instrumentos e instituições fiscais. Mas,
a grande maioria dos órgãos sofreu incapacitantes restrições orçamentárias e progressivo
engessamento regulamentar. A incapacidade ou a inconveniência de se reformar a adminis-
tração foi, sobretudo, política, agravada pela instituição de casuísmos constitucionais que
desorganizaram definitivamente o sistema de carreira, a previdência do serviço público, sua
estrutura e seu regime funcional. Paralelamente, houve uma nociva politização do serviço
A reforma administrativa implantada no bojo do Plano Collor foi sui generis porque tentou
combinar ajuste econômico, privatização, desregulamentação e reordenamento do setor
público com democracia. No que concerne à operacionalidade do setor público, combinou
um rearranjo macro-governamental que reduziu de 27 para 12 o número de ministérios
e culminou com a extinção de vários órgãos, tanto da administração direta quanto da in-
direta, alterou drasticamente a estrutura de cargos em comissão -principalmente as fun-
ções gratificadas - e resultou em redução do quadro de pessoal permanente e temporário.
Foi uma reforma que visava ‘interferir menos e governar melhor’ (NUNES, 1992, p. 223).
Essa posição de partida, que, em princípio, apontaria para políticas de gestão pública predo-
minantemente desestatizantes, ‘explodiu’ em seis vigorosas componentes autônomas, porque
ancoradas em distintos empreendedores, problemas, soluções e coalizões: a) reforma insti-
tucional (reestruturação de ministérios, melhoria de gestão e implantação de modelos insti-
tucionais, tais como Organizações Sociais e Agências Executivas); b) gestão de atividades de
suporte (Recursos Humanos e Tecnologia da Informação); c) gestão estratégica (Eixos de De-
senvolvimento e Plano Plurianual); d) aparato regulatório (construção de instituições regula-
tórias); e) gestão social (mobilização, capacitação e modelos de parceria com o terceiro setor);
e f) gestão fiscal (orçamento, privatização, renegociação da dívida dos estados e Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal). O Quadro 2 apresenta sinteticamente essas diferentes perspectivas das
Reforma institucional Gestão de atividades de Gestão estratégica Aparato regulatório Gestão social Gestão fiscal
suporte
Visão do problema Superação da administra- Precariedade e escassez Falta de orientação fina- Necessidade de atrair Falta de instrumentos adequados de Necessidade de manutenção da polí-
ção burocrática em face dos instrumentos e recursos lística precisa das ações investimentos para a fomento ao associativismo e ao desen- tica econômica, que implica a geração
dos cenários emergentes e para formulação e imple- governamentais, ausência privatização, estabe- volvimento de capacidades locais para a de superávits primários expressivos
do seu histórico de disfun- mentação das políticas de postura empreende- lecimento de novos busca autônoma e participativa de solu- e a consequente necessidade de
ções (crise do Estado) públicas dora para o alcance de marcos regulatórios ções sustentáveis de desenvolvimento redução de gastos
resultados em mercados sociais e
Precariedade de controles e obtenção de autonomia
informações e flexibilidade
Soluções Implantação da “adminis- Reorientação da política Formulação do PPA, base- Implementação de Capacitação de gestores sociais Estabelecimento de mecanismos de
tração gerencial” de RH ado em programas Agências Reguladoras controle das finanças públicas nos
Capacitação de atores locais níveis federal, municipal e estadual
Implantação da Gestão Modernização dos sistemas Orientação da ação gover-
Pública Empreendedora de gestão de recursos namental por programas Implementação de modelos institucio-
humanos e compras nais de parceria público-privada Repressão fiscal (contingencia-
mentos)
Implementação do governo
eletrônico
Resultados de Políticas Plano Diretor; Plano Diretor; Emenda PPA (Lei nº 9.989/2000) Leis nºs 9.782/99, Lei nº 9.970/01 Lei Complementar nº 104/2000
Leis nºs 9.637 e 9.648/98; Constitucional nº 19; MP 9.961/00, 9.427/96,
Decreto nº 2.487/88 2.200/01 9.472/97, 9.478/97,
9.984/00, 10.233/01 e
MP 2.228/01
Empreendedores Bresser-Pereira Bresser-Pereira José Paulo Silveira Sergio Motta Ruth Cardoso Pedro Malan
Silvano Gianni Pedro Parente Martus Tavares Eduardo Jorge Eduardo Jorge Eduardo Jorge
Bresser-Pereira
Congresso Nacional
novos marcos regulatórios em mercados sociais de grande impacto, tais como fármacos e
saúde suplementar, de alta sensibilidade política e histórico de disfunções graves (medica-
mentos falsos e planos de saúde fraudulentos); e c) dificuldades operacionais para o exercício
de funções alegadamente regulatórias (em sentido amplo, normatizadoras e fiscalizadoras
em qualquer setor de atividades estatais) em diversos órgãos e entidades governamentais,
o que demandaria a obtenção de autonomia e flexibilidade diferenciadas. A solução para
as três categorias de problemas, que se entrecruzam de forma diferenciada em diferentes
casos, recairia na implementação de Agências Reguladoras. De acordo com as soluções, os
princípios dessa trajetória são estabilidade de regras, autonomia e flexibilidade. Os princi-
pais resultados estão relacionados às próprias agências criadas no período 1995-2002: Leis
nºs 9.782/99 (Anvisa), 9.961/00 (ANS), 9.427/96 (Aneel), 9.472/97 (Anatel), 9.478/97 (ANP),
9.984/00 (ANA), 10.233/01 (Antaq e ANTT) e MP 2.228/01 (Ancine).
uma sólida coalizão formada em torno dessa trajetória a partir de Clóvis Carvalho, Eduardo
Jorge, Pedro Parente e Pedro Malan.
Essa componente é composta por uma série de políticas de gestão pública, notadamente nas
áreas orçamentária, patrimonial e financeira, que se destinam, em última análise, à promo-
ção do ajuste fiscal. Nesse sentido, essas políticas posicionam-se como apêndices da política
econômica e, por essa razão, são dotadas de marcante centralidade no governo. Em geral, a
visão do problema nessa trajetória está relacionada à necessidade de manutenção da políti-
ca econômica, que implica a geração de superávits primários expressivos e a conseqüente
necessidade de redução de gastos. A solução passa: a) pela redução de gastos de forma es-
trutural, mediante privatização ou outras formas de desestatização, reforma previdenciária
e do funcionalismo, ou de forma emergencial, mediante a prática do que se convencionou
chamar repressão fiscal (contingenciamentos orçamentários e financeiros); b) pelo aumento
da receita, mediante ações modernizadoras no âmbito da Secretaria de Receita Federal; e c)
pelo estabelecimento de mecanismos de controle das finanças públicas nos níveis federal,
municipal e estadual, incluindo-se a renegociação das dívidas dos governos estaduais com a
União. Dentre os inúmeros resultados, que variam de medidas relacionadas à privatização, ao
contingenciamento orçamentário e ao recolhimento de tributos, destacam-se a Lei Comple-
mentar nº 104/2000 e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os valores centrais da trajetória fiscal
são austeridade, controle e contenção. Seus principais empreendedores são Pedro Malan,
Pedro Parente e Martus Tavares, ministros da área econômica. A coalizão em torno dessa
trajetória representa a totalidade do poder central do governo: Clóvis Carvalho, Eduardo
Jorge e Pedro Parente, sucessivamente.
funcionava a contento (área econômica), de que os estados estavam alterando seu perfil de
atuação (menos executores diretos e mais reguladores, a partir de privatizações) e de que
o único modelo institucional diferenciador deveria ser o das empresas públicas, e já o era.
Isto significou duas coisas: políticas ativas de gestão pública não estavam em questão; e a
coordenação central de governo seria exercida por estruturas centrais (Secretaria-Geral da
Presidência, Casa Civil e Ministério da Fazenda). Na ausência de uma visão clara por parte
do presidente (que, em princípio, poderia ou não figurar explicitamente em seu programa
de governo), o efeito aglutinador da liderança executiva dissolveu-se por meio de uma co-
ordenação delegada que se trifurcou. Há três vieses claramente identificáveis na estrutura
de coordenação executiva delegada: a visão pragmática-negativa (o que importa é o ajuste
fiscal, políticas que não se alinham devem ser barradas), a visão conservadora (a burocracia
ortodoxa não esgotou seu potencial otimizador) e a visão micro-organizacional (o que im-
porta é melhorar a qualidade do atendimento ao público).
Em segundo lugar, a estratégia não logrou aglutinar as visões gerenciais. Houve um divórcio
entre a estratégia, domínio usual do planejamento e a estrutura, ou as condições para sua
realização, usualmente denominadas “gestão”. O primeiro governo FHC tinha um plano de
gestão (o Plano Diretor) sem uma dimensão teleológica, que não era e não buscava imple-
mentar um projeto estratégico específico. No segundo governo FHC produziu-se uma estra-
tégia de desenvolvimento (o Plano Plurianual 2000-2003, baseado em programas e eixos de
desenvolvimento), que não vinculava adequadamente a estrutura implementadora (pretendia
que programas fossem executados pela interação de gerentes de programas nas estruturas de
governo). Os programas não lograram constituir a âncora estratégica das organizações, pau-
tadas pelas suas agendas próprias, nem seus gerentes lograram fornecer a base operacional
necessária à geração dos resultados programáticos (enredando-se, na maior parte das vezes,
em rituais de monitoramento). Destarte problemas de desenho de programas, o hiato entre
programas e organizações resultou em falhas de implementação em 70% dos casos (MINIS-
TÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2003).
Quinto, não havia, no que se refere aos processos de trabalho, acordos operacionais que
pudessem gerar convergência sobre as soluções propostas por distintas agências incumbi-
das de sugerir e implementar políticas de gestão. Tanto os órgãos centrais quanto as demais
organizações que seguem suas orientações disciplinaram ou aplicaram as regras de forma
autônoma. Isto dificulta e impede acordos operacionais potencialmente benéficos para um
conjunto de processos (caso típico de condicionalidades, tais como a vinculação da autoriza-
ção para provimento de cargos ao alcance de metas de melhoria da gestão).
Trajetória Iniciativa
Reforma institucional Reestruturação de ministérios: reorganizações para instalação do
governo e pressões para criação/diferenciação de órgãos e entidades
Descontrole e evasão de
receitas patrimoniais
Soluções Diagnóstico da Administra- Mesa de Negociações Mecanismos de partici- Criação das carreiras das Integração (estratégica, a partir de Estabelecimento de mecanismos
ção Federal pação e interlocução em agências reguladoras cadastro, critérios de elegibilidade, con- de controle das finanças públicas
Reconhecimento e reposi- escala nacional dicionalidades e controles únicos) dos nos níveis federal, municipal e
Plano Integrado de Gestão ção de passivos Definição de regras regu- programas de transferência de renda estadual
latórias (regulação da
Transformação dos progra- Política de ingressos regulação): papéis entre Articulação entre programas federais e Repressão fiscal (contingencia-
mas da Qualidade e Desbu- ministérios e regulado- estaduais e municipais mentos)
rocratização em instâncias Capacitação gerencial ras, outorga, funções
em plataforma formuladora regulatórias, níveis de Reforma da Previdência do Setor
e implementadora do “Pla- Software livre autonomia Público
no de Gestão Pública para
um Brasil de Todos” Racionalização de gastos
(comunicações, viagens e
custeio em geral)
Depuração do Cadastro de
Imóveis e cobrança
Empreendedores Secretaria de Gestão do Secretaria de Gestão do Ministério do Planeja- Casa Civil Programa Fome-Zero Ministério da Fazenda
Ministério do Planejamen- Ministério do Planejamento, mento Ministério do Desenvolvimento Social Ministério do Planejamento
to, Orçamento e Gestão Orçamento e Gestão
Coalizão Casa Civil/Subchefia de Casa Civil/ Subchefia Conselho de Desenvolvi- Casa Civil Presidente Presidente
Acompanhamento da Ação Executiva mento Econômico e Social
Governamental
Casa Civil
No terceiro conjunto de fatores, o jogo da fragmentação continuou uma rodada mais intensa,
agravada pelas clivagens internas do partido do governo dentro do próprio governo e intera-
ções com outros partidos instalados na burocracia e segmentos da própria burocracia. No-
vos atores não aumentaram a possibilidade de jogos cooperativos do tipo ganha-ganha, mas
levaram a um quadro de maior competição, desconfiança, sectarismo e partidarização. A
cooperação foi impossível num quadro de interesses divergentes e desconfianças recíprocas.
No que se refere aos processos de trabalho, quinto fator fragmentador, permanecia a inexis-
tência de acordos operacionais que pudessem gerar convergência sobre as soluções propostas
por distintas agências incumbidas de sugerir e implementar políticas de gestão. No âmbito
do MP, os processos de gestão de estruturas, de autorização para ingresso, de melhoria da
gestão (via programa da qualidade e desburocratização e via fomento à transformação orga-
nizacional), de gestão de programas, de gestão de recursos humanos, de gestão de tecnologias
O quadro fragmentário agravou-se na transição do governo FHC para o governo Lula. Ainda
que características fragmentárias possam ser tributadas às transições de governo (BURKE,
2001), as alterações nos fatores de fragmentação sugerem que são de ordem mais estrutural.
O Quadro 5 busca ilustrar de modo comparativo estas características fragmentárias.
Fonte: OS AUTORES.
Estas conclusões não validam a possibilidade (nem a desejabilidade) de que se reproduza do-
ravante um padrão de transformações mais integrado, coerente, coordenado e consistente, a
O advento de um novo ciclo de políticas de gestão a partir dessa estrutura fragmentária de-
cuplica a complexidade dos processos de transformação da gestão na medida em que, à com-
plexa engenharia institucional típica desses processos, soma-se a construção concomitante
e indissociável de uma arquitetura estratégica que busca alterar as estruturas que produzem
as políticas de gestão.
4. Considerações finais
O desafio de melhorar a gestão pública é imenso. O resultado que se busca é mudar as prá-
ticas gerenciais, transformar a gestão pública para gerar mais bem-estar e desenvolvimento
para os cidadãos e atores econômicos. A concretização do ideal de cidadania insculpido na
Constituição de 1988 e o aproveitamento das oportunidades de desenvolvimento sinalizadas
nos atuais cenários externo e interno (pré-sal, megaeventos, prestígio internacional, solidez
econômica, mobilidade social, etc) requerem um novo conjunto de esforços de melhoria da
gestão pública, de modo a equacionar satisfatoriamente dois fatores críticos: tempo e escala. O
Brasil passou os últimos 15 anos discutindo se a ‘reforma gerencial’ era boa ou se dava certo,
aplicando-a em pequenas doses. Embora hoje haja mais clareza sobre a relevância do tema
(gestão pública é crescentemente uma questão de política pública), direção a seguir e apesar
de existirem casos de sucesso, no geral, os resultados concretos colhidos até o momento são
largamente insuficientes para o salto de qualidade necessário. Os padrões emergentes de ges-
tão de políticas públicas em rede em todos os setores de intervenção governamental requerem
esforços integrados de melhoria da gestão, abrangentes e em múltiplos níveis – envolvendo
diversos setores de forma coordenada; envolvendo as esferas federal, estadual, municipal; os
três poderes; mecanismos participativos e parceiros do poder público. Esta questão envolve
mais de cinco mil governos municipais, 100 mil organizações públicas, 54 mil conselhos de
políticas em cerca de 40 temas, 500 mil dirigentes públicos, oito milhões de servidores e um
incontável número de parceiros. Virtualmente todas as políticas e programas de âmbito na-
cional perpassam esse universo – em alguns casos, destacadamente saúde e educação, perpas-
sam todo este universo. Iniciativas focadas, fragmentárias, incrementalistas e episódicas têm
sua importância e necessidade, mas, no todo, geram efeitos residuais, insignificantes ou sem a
devida sustentabilidade. O Estado brasileiro, com esse imenso e complexo conjunto organiza-
cional, segue sendo uma predominante combinação de burocracia ortodoxa patrimonialista
de baixo desempenho, limitando a cidadania, impondo uma altíssima carga tributária (rela-
tivamente ao retorno) e emperrando o desenvolvimento. Apesar de avanços, a gestão pública
ainda é excessivamente insulada, rígida, procedimental e desalinhada do beneficiário. Embora
haja ilhas de excelência, as organizações públicas apresentam, em sua maioria, significativos
déficits estruturais de capacidade e desempenho. A complexidade do problema da governança
pública no Brasil requer uma atuação integrada, imediata e em larga escala; uma mobilização
ou esforço nacional de melhoria da gestão publica.
Alguns significativos passos já foram dados nesta direção. No caso, são iniciativas de me-
lhoria da gestão pública que podem e devem se integrar e potencializar seus efeitos. Dentre
outras, três categorias merecem destaque.
Um terceiro modelo de melhoria gerencial tem sido a atuação direta de governos e organiza-
ções públicas, pautados pela diversidade de abrangência (governos como um todo ou setores
ou organizações) e objetos das intervenções.
A experiência brasileira recente revela, enfim, atividade e aprendizado. Todas estas iniciativas
são positivas e têm gerado bons resultados, mas resultados ainda muito aquém do necessário
e que podem e devem se potencializar. É preciso não apenas explorar e ampliar as comple-
mentaridades e melhorar a eficiência destas iniciativas, mas é preciso, sobretudo, integrá-las
e expandi-las, adensando, aumentando e revigorando a massa crítica que geraram para pro-
mover uma reação em cadeia numa escala maior para causar uma transformação relevante.
O processo como um todo de melhoria gerencial (e em perspectiva mais geral, de construção
do Estado) carece de uma revisão critica de modo a superar um paradigma fragmentário e
localizado e operar segundo uma lógica mais holística. É preciso um salto quântico. E exis-
tem algumas condições básicas já estabelecidas, tais como recursos e reconhecimento da re-
levância do tema pela classe política, pela mídia e, em ainda pequena extensão, pelo cidadão.
Mas, é preciso modelar soluções adequadas à complexidade e escala do problema,
Um novo ciclo de inovação da Gestão Pública representa, sobretudo, uma nova postura.
Primeiramente, de recusa à postura renunciadora, alimentada pela impotência, pelo des-
conforto e aversão à complexidade, pela adesão às teorias conspiratórias (das forças políticas
contrárias e dos fatores obstrutores), pelo complexo de inferioridade (o fatalismo cultural, a
cultura política, etc). A sensação de satisfação plena com os pequenos avanços que não mu-
dam a realidade, que apenas confortam paliativamente a omissão e a incapacidade. É preciso
romper o ciclo de mediocridade e atuar com mais ousadia e coragem, saindo do varejo para
atuar no atacado. Jamais haverá condições ideais – é preciso criá-las, construindo, com bons
resultados, uma arquitetura estratégica cada vez mais favorável. Mas nunca antes na história
deste país as condições para tal proposta foram tão favoráveis.
Quadros Ampliados
>
Quadro 1 – Síntese do processo de construção nacional
República Velha Vargas/ Estado Novo Democratização Regime militar Nova República Era FHC Era Lula
1889-1930 1930-45 1945-64 1964-85 1985-1990 1995-2002 2003-2010
Política Café com leite: alternância Ditadura de Vargas Democracia com eleições Ditadura Democracia
das elites agrárias frágeis e instabilidade (risco
Estado Novo de golpes) Bipartidarismo Presidencialismo de coalizão
Instabilidade: golpes
Controle do Congresso e do Controle do Congresso e, Fisiologismo
Clientelismo Judiciário parcialmente, do Judiciá-
rioAbertura Independência do Judiciário e Ministério Público
Coronelismo
Direitos civis Básicos, voto não universal Cassação de políticos e de Voto universal Cassação de políticos e Voto universal
e políticos (homens letrados) direitos (exceto analfabetos) de direitos
Direitos civis e políticos amplos
Interventores estaduais Interventores estaduais
Repressão Repressão
Direitos sociais Inexistentes Trabalhismo, institutos de previdência (saúde e educação) Início da universalização Constituição estabelece universa- Universalização exclu- Universalização excludente da saú-
(saúde, educação e previ- lização ampla e irrestrita (saúde dente da saúde (classe de (classe média migra para planos
dência) e educação, principalmente) e média migra para planos privados
direitos difusos privados)
Universalização da educação fun-
Universalização da edu- damental com baixa qualidade
cação fundamental com
baixa qualidade Ampliação da defesa e ações afir-
mativas de direitos difusos
Defesa e ações afirmati-
vas de direitos difusos Programas de transferência de
renda
Economia Agrária Industrialização / substituição de importações Crise Crises externas Crescimento acelerado
(inflação, recessão, insolvência)
Exportadora de produtos 1os Capitalismo de Estado Crescimento moderado Estabilidade macroeconômica
Abertura comercial
Liberalismo Desenvolvimentismo Estabilidade macroeconô-
mica
Endividamento
Imprensa Incipiente Baixo grau de organização (assistencial) Movimentos populares Grupos plurais organizados
Legado Economia agroexportadora Industrialização e proteção Crescimento e Segurança e Democracia e cidadania Ajuste fiscal e Crescimento e inclusão
social industrialização desenvolvimento estabilidade monetária
Fonte: OS AUTORES.
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>
Quadro 2 – Caracterização das principais componentes de reforma do Estado
Reforma institucional Gestão de atividades de Gestão estratégica Aparato regulatório Gestão social Gestão fiscal
suporte
Visão do problema Superação da administra- Precariedade e escassez dos Falta de orientação fina- Necessidade de atrair Falta de instrumentos adequados de Necessidade de manutenção da política
ção burocrática em face dos instrumentos e recursos para lística precisa das ações investimentos para a fomento ao associativismo e ao desen- econômica, que implica a geração de supe-
cenários emergentes e do formulação e implementação governamentais, ausência privatização, estabeleci- volvimento de capacidades locais para a rávits primários expressivos e a consequen-
seu histórico de disfunções das políticas públicas de postura empreendedora mento de novos marcos busca autônoma e participativa de solu- te necessidade de redução de gastos
(crise do Estado) para o alcance de resulta- regulatórios em merca- ções sustentáveis de desenvolvimento
Precariedade de controles e dos dos sociais e obtenção de
informações autonomia e flexibilidade
Soluções Implantação da “administra- Reorientação da política de Formulação do PPA, basea- Implementação de Agên- Capacitação de gestores sociais Estabelecimento de mecanismos de contro-
ção gerencial” RH do em programas cias Reguladoras le das finanças públicas nos níveis federal,
Capacitação de atores locais municipal e estadual
Implantação da Gestão Pú- Modernização dos sistemas Orientação da ação gover-
blica Empreendedora de gestão de recursos huma- namental por programas Implementação de modelos institucionais
nos e compras de parceria público-privada Repressão fiscal (contingenciamentos)
Implementação do governo
eletrônico
Resultados de Políticas Plano Diretor; Plano Diretor; Emenda PPA (Lei nº 9.989/2000) Leis nºs 9.782/99, Lei nº 9.970/01 Lei Complementar nº 104/2000
Leis nºs 9.637 e 9.648/98; Constitucional nº 19; MP 9.961/00, 9.427/96,
Decreto nº 2.487/88 2.200/01 9.472/97, 9.478/97,
9.984/00, 10.233/01 e
MP 2.228/01
Empreendedores Bresser-Pereira Bresser-Pereira José Paulo Silveira Sergio Motta Ruth Cardoso Pedro Malan
Silvano Gianni Pedro Parente Martus Tavares Eduardo Jorge Eduardo Jorge Eduardo Jorge
Bresser-Pereira
Congresso Nacional
Fonte: OS AUTORES.
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Quadro 4 – Caracterização das principais trajetórias de políticas de gestão no governo Lula (2003-2004)
Reforma institucional Gestão de atividades de Gestão estratégica Aparato regulatório Gestão social Gestão fiscal
suporte
Visão do problema Superação das reformas Política de restrição de in- Déficit de participação na Necessidade de consoli- Fragmentação de programas de transfe- Necessidade de manutenção da política
de primeira geração (con- gressos e reposições sala- formulação de programas dar as instituições regula- rência de renda econômica, o que implica a geração de
sideração do Estado como riais do Plano Plurianual tórias (quadros, papéis e superávits primários expressivos e a conse-
problema) regras de funcionamento) quente necessidade de redução de gastos
Custos do Governo Eletrôni-
Déficit institucional co (comunicações e softwa-
res)
Descontrole e evasão de
receitas patrimoniais
Soluções Diagnóstico da Administra- Mesa de Negociações Mecanismos de partici- Criação das carreiras das Integração (estratégica, a partir de cadas- Estabelecimento de mecanismos de contro-
ção Federal pação e interlocução em agências reguladoras tro, critérios de elegibilidade, condicionali- le das finanças públicas nos níveis federal,
Reconhecimento e reposição escala nacional dades e controles únicos) dos programas municipal e estadual
Plano Integrado de Gestão de passivos Definição de regras re- de transferência de renda
gulatórias (regulação da Repressão fiscal (contingenciamentos)
Transformação dos progra- Política de ingressos regulação): papéis entre Articulação entre programas federais e
mas da Qualidade e Desbu- ministérios e reguladoras, estaduais e municipais Reforma da Previdência do Setor Público
rocratização em instâncias Capacitação gerencial outorga, funções regula-
em plataforma formuladora tórias, níveis de autono-
e implementadora do “Plano Software livre mia
de Gestão Pública para um
Brasil de Todos” Racionalização de gastos
(comunicações, viagens e
custeio em geral)
Depuração do Cadastro de
Imóveis e cobrança
Empreendedores Secretaria de Gestão do Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento Casa Civil Programa Fome-Zero Ministério da Fazenda
Ministério do Planejamento, Ministério do Planejamento, Ministério do Desenvolvimento Social Ministério do Planejamento
Orçamento e Gestão Orçamento e Gestão
Coalizão Casa Civil/Subchefia de Casa Civil/ Subchefia Exe- Conselho de Desenvolvi- Casa Civil Presidente Presidente
Acompanhamento da Ação cutiva mento Econômico e Social
Governamental
Casa Civil
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5. Referências
BURKE, J. Lessons from past presidential transitions: organization, management, and deci-
sion making. Presidential Studies Quarterly, v.31, n. 1, p. 5, 2001.
MARINI, C.. Inventário das principais medidas para melhoria da gestão pública no governo
federal brasileiro. Brasília, DF: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2009.
______. Políticas de gestão pública no governo lula: um campo ainda fragmentado. Trabalho
apresentado no XXIX Encontro da ANPAD, Brasília, DF, 2005.