Livro de Sonetos - Vinicius de Moraes
Livro de Sonetos - Vinicius de Moraes
Livro de Sonetos - Vinicius de Moraes
DE
VINÍCIUS DE MORAES
A sair :
CORDÉLIA E O PEREGRINO
TEMPO DE LILA
O GRANDE DESASTRE DO SIX-MOTOR
"LIONEL DE MARMIER"
POEMAS INFANTIS
POESIAS COMPLETAS.
Em preparo :
Ie ne fay rien
sans
Gayeté
(Montaigne, Des livres)
Ex Libris
José Mindlin
L i v r o de S o n e t o s
L i v r o de S o n e t o s
DE
VINÍCIUS DE MORAES
//
nidade", êle conseguia no entanto permanecer fiel a si
mesmo e ao "élan" e estilo inicial de sua poesia, onde
sempre predominaram os temas do amor-paixão e as me-
táforas telúricas e cósmicas de um poeta sempre à pro-
cura de visão unitária do universo.
Clarificavam-se apenas os seus caminhos quando, à
poesia ainda titubeante e deslumbrada pela vida dos deze-
nove anos, sucedeu o livro dos 22, "Forma e Exegese",
onde filtrava, sempre à maneira do poeta que tudo trans-
figura a seu modo, as leituras de Rimbaud, Dostoiewski,
Gide, Ibsen, Péguy, e outros.
Havia nessa primeira fase uma visão do mundo ins-
pirada em parte no misticismo cristão, fase essa que se en-
cerrou com "Ariana, a Mulher", livro de 1936. Contudo,
já vinha desde então demasiadamente carregada de cosmi-
cidade e força telúrica, para não se adivinhar logo nela
uma ganga bastante endurecida de misticismo panteísta.
Não resistiria a mais profunda concretização ou à
humanização mais intima a sua visão paradisíaca, reatua-
lização apenas de sua infância de poeta, tão lendária,
telúrica e "marinha" como a sua meninice de ilhota, cheia
de mar, de pescarias míticas e da alma simples e aventu-
reira dos pescadores da Guanabara, que haviam povoado
sempre o seu mundo de criança.
Na verdade, a sua visão cristã e evangélica do uni-
verso, que a partir de "Ariana, a Mulher", ia ser de todo
abandonada, pela encarnação última e definitiva do Pa-
raíso nesta terra — tão concretizada que se materializaria
de todo — teria sido apenas uma nova etapa: a daquela
descoberta fundamental de que nos fala São João Evange-
III
lista, numa de suas epístolas: "Se não amarmos ao próximo
que vemos, como amaremos a Deus, que não vemos?!"
Foi essa, talvez, a única ruptura na linha de fideli-
dade do poeta a si mesmo. Na verdade, cie se encontrava
numa encruzilhada: um dos caminhos conduziria, certa-
mente, a uma verdadeira vivência mística de poesia, pelo
apiofundamento de sua visão espiritualista e cristã do
universo; o outro, o das metáforas telúricas e panteísticas,
à solidez dos pés fincados na terra.
Dessa nova linha diretiva surgem, em 1938, os seus
"Novos Poemas", em que; a visão de Deus, se ainda existe é
para se revelar logo diluída pela da mulher e do amor-
paixão. Começava o poeta a se afastar, gradativameinte,
daquele aristocratismo inicial e visionário e do mundo
mítico das metáforas marinhas da sua infância, para lucrar
en. dinamismo expressivo, embora indo abeberar-se em
outras fontes de influência popular, a sua sintaxe poética.
Não era portem uma deserçSo; muito pelo contrário, signi-
ficava outro progresso de sua estilística poética que, se,
outrora, exprimia o mundo popular e mítico-maritimo de
sua meninice, com metáforas telúricas e cósmicas de um
aristocratismo poético, fortemente influenciado pelo para-
lelismo bíblico e, direta ou indiretamente, pelo estilo e
poesia de Péguy? se isso se verificava então, — agora o
poeta passa a exprimir o mundo, não menos mítico de
sua poética de aguçadas antenas populares, com sintaxe
poética mais clarividentemente popular.
IV
Assim, há no ensaio que publicou sobre Augusto Fre-
derico Schmidt e Vinícius de Moraes, com o título "Dois
Poetas", o romancista Octavio de Faria, uma constatação
q u t Manuel Bandeira perfilha a respeito do nosso poeta,
em sua "Apresentação da Poesia Brasileira". Dizia Octavio
que o grande drama do poeta de "O Caminho para a Dis-
tância" e "Forma e Exegese", em face da mulher, era a
eterna luta entre a carne e o espírito, em Vinícius de Mo-
raes tipicamente caracterizada como a luta entre "a im-
possível pureza" e a "impureza inaceitável". Pois bem: há
ainda hoje, ainda nos seus últimos poemas, senão uma
reprodução que Péguy chamaria de "naturalmente cristã",
dessa luta, pelo menos, uma profunda e nem sempre muito
bem velada nostalgia desse drama antigo, mesmo nos poe-
mas mais realisticamente crus e sensuais dos últimos tem-
pos. Nisso progrediu virilmente a sua poesia, ao perder
aquela espécie de alumbramento adolescente na mesma
descoberta de Eva que Adão realizou no Paraíso, segundo
a teologia católica, sob a ação dos dons preternaturais, ou
ainda em estado de graça (por mais que se malicie, gros-
seiramente, tal revelação da Mulher, obra-prima da Cria-
ção), mas que todos nós efetuamos quase sempre mergu-
lhados no pecado. Porisso, em certos instantes do coito,
ainda o mais pecaminoso, há muitas vezes uma aura de
poesia, a lembrar aquela que outrora, na fase de "Forma
e Exegese" se via subjacente, ou reveladamente, em muitas
metáforas do poeta primitivo.
VI
poesia: "Evidentemente não está em seu poder redimir
os povos que pretendem a sua morte, mas falar paciente-
mente ao coração humano, e despertar em cada homem
essa virtude própria, incomunicável, essa coragem essencial
que constitue a dignidade da pessoa humana. Ela é para
cada homem esse banho de luz e de liberdade que revela
a alguns de seus privilegiados os grandes espaços ainda
virgens. É a solidão no meio da Cidade, a evasão entre
as paredes da prisão e a porta aberta para o futuro. Ne-
nhum doutrinário poderia dizer, antes da hora, que re-
nascença surgirá do caos; mas antes que os pensadores a
reconheçam e definam, os poetas a terão c a n t a d o . . . " "O
que pedimos hoje ao poeta não é nos propor modelos
segundo os quais devamos refletir e solucionar as nossas
dúvidas; mas é reconciliar-nos conosco mesmos, associar a
sua arte às nossas decepções, a nossas desgraças, nossas
revoltas, nossas esperanças. Que êle cante e antes de nos
convencer, persuáda-nos."
Por sua vez, Pablo Neruda, falando há pouco, no Rio,
de suas "Odas Elementales", dizia que elas "buscam ensi-
nar, o que é um papel importante da poesia, que, por
orgulho, os poetas parecem ter esquecido. Segundo este
conceito, a poesia deve ensinar ao homem. Uma lição que
deve ser sempre a da superação. Estas palavras — o bem,
a verdade, a beleza — foram ridicularizadas por uma lite-
ratura maldita, tenebrosa, mas, na verdade, elas são indes-
trutíveis, são herança do humanismo universal."
Todas essas considerações dizem respeito intimamente,
à perfeita compreensão da mensagem do poeta que temos
diante de nós, nesta Antologia de Sonetos, diante dos olhos.
Os seus sonetos, apesar dessa aparência de cristalização que
Vil
os tornam, à primeira vista "clássicos", e em oposição a
seus demais poemas, — "românticos" — têm sido sempre
subordinados à mesma linha de fidelidade do poeta a si
mesmo.
Verdade é que nem em todos os livros de sua obra
poética encontramos sonetos. Lá está em "O Caminho para
a Distância", o soneto de adolescência "Revolta", de uma
inspiração moralista que lembra Raimundo Corrêa e a êle
mesmo ou à sua influência poética se filiaria, não fosse
aquele verso tão profundamente anti-Raimundo Corrêa:
"O mundo é bom. O espaço é muito t r i s t e . . . "
No entanto, já vem outro soneto do mesmo livro,
"Solidão", tão pessoal e diferente de tudo o que se fizera
até então, qiie é bem um prenuncio da poesia clarividente
e de melhor fase das "Cinco Elegias".
"Judeu-Errante" é a retomada de velho e muito ba-
tido tema dos sorietistas brasileiros, mas com três ou qua-
tro versos que bem valeram a pena a sua publicação.
Sobrevém então a grande fase da poesia do sublime,
com "Forma e Exegese" (1935) e "Ariana, a Mulher", em
que as grandes metáforas cósmicas e telúricas de uma poe-
sia, ao mesmo tempo — pretendendo-se formalmente de
inspiração no paralelismo bíblico e na estilística de Charles
Péguy — não deixam vez para o poema mais condensado,
o gênero po rexcelência da contensão verbal: o soneto. Mas,
em "Novos Poemas", livro de 1938, êle voltará. Bucólico e
límpido com "Soneto de Intimidade"; sob evocação da
eterna Mulher, o soneto à "branca e pequenina lua"; com
) lúbrico "Soneto de Agosto"; sem no entanto ser "à ma-
neira de" no "Soneto de Katherine Mansfield"; e com o
VIU
"Soneto de Contrição", início de toda uma bela série de
sonetos de uma classicidade poucas vezes encontrada na
poesia moderna brasileira. Sonetos esses que, algumas ve-
zes, fazem lembrar os chamados "camonianos" da poesia
brasileira, que não passam, no mais das vezes, de simples
plágios, pastiches, ou exercícios de virtuosidade poética e
que não deveriam merecer mais atenção que essa: dos
curiosos de tais virtuosismos. Desde Gregório de Matos,
Vicente de Carvalho, José Albano, até Guilherme de Al-
meida, aí estão eles a nos fazer dizer como certo grego ou
romano, cie que nos fala Múcio Leão, que, convidado a
ouvir um homem que imitava com perfeição o rouxinol,
recusou o convite, dizendo: — "Pára que? Eu já ouvi o rou-
xinol . . . "
A beleza e a importância desses sonetos de Vinícius de
Moraes, consistem precisamente em que, sendo clássicos e,
muitas vêaes, quase à maneira antiga, no entanto por seu
estilo, ou pelo novo espírito subjacente à sua poética, nada
têm a ver com aquela espécie de plágios ou pastiches da
chamada "Camoniana Brasileira". Como nada tem a ver
aquele belo soneto de Augusto Frederico Schmidt: "O de-
sespero de perder-te um dia".
No "Soneto cie Carta e Mensagem", de novo a Mulher,
quase o tema exclusivo dos seus sonetos, — pelo que toca
mais de perto à classicidade do soneto primitivo, a can-
çoneta da "doce e galhardo amor", que passou de Dietaiuti
e Davanzati a Guido, Dante e Petrarca: "Al cor gentile
ripara sempre A m o r e . . . "
Segue-se o "Soneto de Devoção", tão oposto na impu-
reza do amor carnal ao amor-espirito de "Soneto de Ins-
piração".
IX
E logo após, o primeiro e verdadeiramente grande livro
desse gênero, "Poemas, Sonetos e Baladas", de 1946. Inicia-o
o belo "Soneto de fidelidade"; seguem-lhe o de Carnaval,
os 4 de meditação, "Barcarola", setissílabo, "Lápide de
Sinhazinha Ferreira", de cinco sílabas, o decassílabo "So-
neto de Despedida", o da madrugada, o do maior amor, o
epitáfio do sol, o soneto de Londres, o pequeno "Allegro",
o decassílabo "Soneto de Véspera", "Soneto a Octavio de
Faria", "O escândalo da Rosa", ao inverno e de quarta-
feira de cinzas. E em sua "Antologia Poética", datada de
1949, lá estão outros, cada vez mais belos; o "Soneto de Se-
paração", gravado em disco "Festa", com outros poemas,
"Soneto do Só", "A Pêra" e "Poética", dos menores de sua
obra em sílabas e maiores em importância para a sua com-
preensão.
Acrescentou o poeta a todos eles e ao soneto dito pelo
Corifeu em sua peça "Orfeu da Conceição", outros, inédi-
tos, e não menos belos, dos quais se pode depreender que
Vinícius de Moraes não é apenas um poeta em plena ma-
turidade, mas em ascensão da estilística e da inspiração
poética.
Aos poucos, com o crescimento de sua obra poética, é
que se vai percebendo melhor como cresce nela também,
em beleza formal e em nova cristalização, o condensado e
porisso mesmo difícil gênero poético. Tudo aquilo que êle
soube dar, admiràvelmente bem e felicíssimo, às suas ele-
gias, aos seus poemas, aos pequenos "estudos", gênero poé-
tico particular que já assinalámos certa vez como de
invenção de Ismael Nery; tudo o que soube ir buscar no
soneto clássico, ou na ode, ou elegia antiga e a eles
adaptar a moderna formalidade de sua poesia.
X
Na verdade, embora tendo surgido ainda em plena
fase de verdadeira e injustificada idiossincrasia pelo so-
neto, contudo, Vinícius de Moraes não hesitou um só ins-
tante em admitir esse belo gênero poético. Para melhor se
compreender, por assim dizer, a ousadia de saa. atitude,
basta lembrar aqui o rumor bastante sensaciowalista que
provocou em 1950, em SSo Paulo, conferência proferida
por Jorge de Lima, no Clube de Poesia de lá. Oswald de
Andrade que também vivia então, após a conferência do
poeta de "Invenção de Orfeu", pediu a palavra e assumiu
as dores dos poetas modernistas, assacando contra a utili-
zação do soneto o mesmo arrazoado demolidor e tolo da
Semana de Arte Moderna de 1922. O que disse de menos
inofensivo contra os defensores do gênero clássico foi pre-
tenderem aprisionar a poesia "em gaiola de OUYO"( . . .
No entanto, mesmo entre os defensores momentâneos
do gênero, a nenhum deles ocorreu que se faziam sonetos,
clássicos e dos mais belos da língua porutguêsa, desde a
ruptura dos poetas modernos com o movimento moder-
nista, superando-o para sempre; como, entre outros, e
com maior felicidade, faziam-nos Augusto Frederico
Schmidt e Vinícius de Moraes.
XI
ÁRIA PARA O ASSOVIO
Inelutàvelmente tu
Rosa sobre o passeio
Branca! e a melancolia
Na tarde do seio.
As cássias escorrem
Seu ouro a teus pés
Conheço o soneto
Porém tu quem és ?
O madrigal se escreve :
Se é do teu costume
Deixa que eu te leve.
8
SONETO DE INTIMIDADE
10
SONETO Ã LUA
11
Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma, que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa :
12
SONETO DE AGOSTO
13
Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil. . .
E para glória do teu ser mais franco
14
SONETO A KATHERINE MANSFIELD
15
Pranto, tão pouca dor! tanto quisera
Tanto rever-te, tanto !... e a primavera
Vem já tão próxima !. .. (Nunca te apartas
16
SONETO DE CONTRIÇÃO
17
Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...
18
SONETO D E DEVOÇÃO
19
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela
20
SONETO DE FIDELIDADE
21
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
22
QUATRO SONETOS DE MEDITAÇÃO
23
Importará jamais porque? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento
24
II
25
Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepúsculo mórbido e maduro
Me leva a face ao gênio dos espelhos
26
III
27
O efêmero. E mais tarde, quando antigas
Se fizerem as flores, e as cantigas
A uma nova emoção morrerem, cedo
28
IV
29
SOM O mar! sou o mar! meu corpo informe
Sem dimensão e sem razão me leva
Para o silêncio onde o Silêncio dorme
30
SONETO D E D E S P E D I D A
31
Mas não partira delas ; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz — eu de amor pouco e vida pouca
32
SONETO DE LONDRES
33
Irremediável, muito irremediável
Tanto como essa torre medieval
Cruel, pura, insensível, inefável
34
SONETO DO MAIOR AMOR
35
Louco amor meu que quando toca, fere
E quando fere, vibra, mas prefere
Ferir a fenecer — e vive a esmo
36
EPITÁFIO
O mágico pastor
De mãos luminosas
Que fecundou as rosas
E as despetalou.
37
Aqui jaz o Sol
O andrógino meigo
E violento, que
Possuiu a forma
De todas as mulheres
E morreu no mar.
38
ALLEGRO
39
E os rios soturnos
Ouve como vazam
A água corrompida
E as sombras se casam
Nos raios noturnos
Da lua perdida.
40
SONETO DE VÉSPERA
41
Que beijo teu de lágrimas terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer porque chorei ?
42
SONETO A OCTAVIO DE FARIA
43
Não te vira ferir o indiferente
Para lavar os olhos da impostura
De uma vida que cala e que consente
44
O ESCÂNDALO DA ROSA
45
Coisa milagrosa
De rosa de mate
De bom para mim
Rosa glamourosa ?
Oh rosa que escarlate
No mesmo jardim !
46
SONETO AO INVERNO
47
Porque ruflaste as tremulantes asas
Alma do céu? o amor das coisas várias
Fêz-te migrar — inverno sobre casas!
48
SONETO DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS
49
Porque te vi nascer, de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura
50
SONETO DE SEPARAÇÃO
51
De repente, não mais que de repente
Fêz-se de triste o que se fêz amante
E de sozinho o que se fêz contente
52
SONETO DE CARNAVAL
53
E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim
54
SONETO DA ROSA
55
Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude
56
SONETO DA MULHER I N Ú T I L
57
Mulher inútil, quando nas noturnas
Celebrações, náufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas
58
BILHETE A BAUDELAIRE
59
Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...
60
SONETO DE SÓ
OU
PARÁBOLA DE MÁLTE LAURIDS BRIGGE
61
Depois veio o verão e veio o medo
Desceu de seu castelo até o rochedo
Sobre a noite e do mar lhe veio a voz
62
A PÊRA
Como de cera
E por acaso
Fria no vaso
A entardecer
A pêra é um pomo
Em holocausto
À vida, como
Um seio exausto
63
Entre bananas
Supervenientes
E maçãs lhanas
Rubras, contentes
A pobre pêra :
Quem manda ser a í
64
SONETO A S E R G E I
MAKHAILOV1TCH E I S E N S T E I N
65
Pelas nuvens errantes; pelos montes
Pelos inatingíveis horizontes
Pelos sons; pelas cores; pela voz
66
SONETO DE ANIVERSÁRIO
67
Queira-se antes ventura que aventura
à medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura
68
POÉTICA
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
69
Outros que contem
Passo por passo :
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço
— Meu tempo é quando.
70
POR-DO-SOL EM ITATIAIA
Nascentes efêmeras
Em clareiras súbitas
Entre as luzes tardas
Do imenso crepúsculo.
Negros megalitos
Em doce decúbito
Sob o peso frágil
Da pálida abóbada.
71
Calmo, subjacente
O vale infinito
A estender-se múltiplo
Inventando espaços
Dilatando a angústia
Criando o silêncio..
72
SONETO DO AMOR TOTAL
73
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
74
MÁSCARA MORTUÂRIA
DE GRACILIANO RAMOS
75
Feito pó, feito pólem, feito fibra
Feito pedra, feito o que é morto e vibra
Sua máscara enxuta de homem forte
76
SONETO DE MAIORIDADE
77
Ao sol, que é pai do tempo, e nunca mente
Hoje se eleva a minha prece ardente :
Não permita êle nunca que se afoite
78
SONETO DO CORIFEU
79
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
80
ÍNDICE
O Soneto na poesia de Vinícius de Moraes 1
Ária para o assovio '
Soneto de intimidade 9
Soneto à Lua !1
Soneto de Agosto 13
Soneto a Kátharine Mansfield 15
Soneto de contrição 17
Soneto de devoção 19
Soneto de fidelidade 21
83
Soneto de véspera 41
Soneto a Octavio de Faria 43
O escândalo da Rosa 45
Soneto ao Inverno 47
Soneto de quarta-feira de cinzas 49
Soneto de separação 51
Soneto de Carnaval 53
Soneto da Rosa 55
Soneto da mulher inútil 57
Bilhete a Baudelaire 59
Soneto do só ou parábola de Malte Laurids Brigge.. 61
A pêra 63
Soneto a Sergei Makhailovitch Eisenstein 65
Soneto de aniversário 67
Poética 69
Pôr-do-Sol em Itatiaia 71
Soneto do amor total 73
Máscara mortuária de Graciliano Ramos 75
Soneto de maioridade 77
Soneto do Corifeu 79
84
ESTE LIVRO
QUARTO VOLUME DA COLEÇÃO
POESIA SEMPRE
ESTUDO DE
LUIZ SANTA CRUZ
DESENHOS E RETRATO DE
CARLOS SCLIAR
COLEÇÃO
'POESIA SEMPRE"
Publicados
No prelo