Lisa Minari Hargreaves
Lisa Minari Hargreaves
Lisa Minari Hargreaves
RESUMO: A busca para a recriação do Pais de Cocanha refletiu-se, durante o século XVI,
na elaboração do banquete da corte, fruto do trabalho de reconhecidos artistas que
reuniam, sincreticamente, artefatos alimentares, arquitetura, música e teatro. Conquistar os
sentidos, proporcionando, ao público, uma experiência fenomenológica o mais abrangente
possível tornou-se, também, o objetivo das companhias de artistas renascentistas que
invadiram gastronomicamente a cidade transformando-a num grande banquete e
reinventando o Pais de Cocanha.
ABSTRACT: The search for the recreation of Cockaigne land was reflected during the
sixteenth century, in the preparation of the banquet of the court, based on the work of
renowned artists who gathered, syncretically, artifacts, food, architecture, music and theater.
Conquer the senses, providing the public, a phenomenological experience as comprehensive
as possible has become also the object of confratenitas of Renaissance artists who invaded
the city gastronomically transforming it into a feast and reinventing Cucanha land.
Para Visser, na Europa (1998: 98) do século XVI, a comida era organizada de
forma espetacular (muitas vezes os artistas/cozinheiros levava dias para elaborar
pirâmides, piece montee, e fantasias arquitetônicas para um banquete) e um
banquete real era como uma ópera, com intérpretes maravilhosamente vestidos à
mesa e espectadores em pé à volta bem próximos, para ver a comilança. Assim, era
comum o círculo interno de convidados nobres retirar-se após a refeição, deixando
os espectadores se aproximando para a destruição2.das comidas sobre a mesa.
“Eles atacavam a mesa e demoliam todos os requintados artefatos culinários com
um prazer talvez semelhante ao de crianças derrubando castelos de areia ou torres
de cubos de madeira. Comiam parte dos alimentos e atiravam o resto uns nos
outros.”3
Anônimo. Descrição do Pais da Cocanha onde que menos trabalha mais ganha.
Gravura final século XVI.
onde eram levados os infratores que desrespeitavam a única lei do pais da cocanha:
não trabalhar e gozar da vida.
A afirmação de Francastel (1983: 55) “Cada época, cada geração, cria para si
própria lugares imaginários (...) cuja riqueza é determinada pelo grau de sofisticação
e pelo nível de conhecimento do conjunto de uma sociedade” dialoga, assim, com a
ideia de Le Goff (1998:59) “ Para dominar o tempo e a história e para satisfazer as
aspirações voltadas para a felicidade e para a justiça, as sociedades humanas
imaginaram, no passado ou no presente épocas e lugares excepcionais.”
NOTAS
1
No que diz respeito à passagem do Quattrocento ao Cinquecento, Strong escreve: “À medida que o
Quattrocento se aproximava do Cinquecento, surgiam os elementos para que a corte de Este transformasse o
banquete medieval no banquete renascentista: o ritual altamente organizado, a exaltação do governante, o papel
dos músicos e da corte e a presença do público como espectador” (Strong, 2004:117).
2
Este episódio é descritto por Bolaffi, (2000:380)
3
John Evelyn, descrevendo um grande jantar para os cavalheiro da ordem da jarreteira, na Casa dos Banquetes
em em Whitehall em 23 de abril de 1667 diz que a festa terminou com o “conteúdo do banquete” ou seja, os
requintados doces que faziam parte da refeição, atirados profusamente pela sala e nos convidados que alegres,
entravam no jogo. (Visser, 1998: 99)
4
Para Le Goff , In Franco Junior, (1998) : Mito, utopia, ideologia, sonho que alimentou o imaginário de vários
povos, sob a forma mais diversas. A maravilhosa Cocanha é isto: Terra de abundância, liberdade, ócio, prazeres
absolutos, eterna juventude...
5
“[...] eleva-se por meio da sublimação, de comida a objeto imaginário, tornando-se plástica, mutável,
deslizando-se sobre os gostos adquiridos e multiplicando-se” (livre tradução da autora).
6
Introdução de Le Goff do livro de Franco, H. “Cocanha – a história de um Pais imaginário”
7
“L’antidoto piú efficace della fame é Il sogno.” (Montanari, 2006:118). Livre tradução da autora.
8
Descrição analisada por Hippollyte Taine em seu livro “Filosofia da arte na Itália” (1992) .
9
“Sobre o modo correto de escolher um queijo: para saber se os enormes queijos de Romagna e Parma estão
esburacados demais -já que há vendedores nessa região que os oferecerão – coloque sempre a orelha em um
dos lados do queijo e golpeie-o com um martelo, escutando com atenção para reconhecer o som das cavidades.
Depois, se ficar satisfeito, e se for suficientemente sólido, o senhor pode comprá-lo. Agnolo Polo famoso escultor
e grande apreciador de queijos que trabalhava na oficina de Verrocchio, foi quem me ensinou isso.” (Leonardo
da Vinci: 2002:117)
“Enguias bem cozidas: para cozinhar enguias, segundo meu amigo arquiteto e escultor Bramante, o segredo é
que só lhes deve tirar a pele, mas não os ossos, antes de prepará-las. E devem permanecer apenas três
minutos na água fervente. É impossível, na verdade digerir a carne devido ao escasso tempo de cozimento mas
Bramante tem outro segredo, aqui: deve-se cortar a enguia em pedaços de meio polegar de tamanho, temperá-
los com mel e mantê-los na boca por vinte minutos (e degustar o delicioso sabor da enguia por todo este tempo).
Isso também explica por que Bramante sempre mexe a boca enquanto trabalha, pois está degustando suas
enguias.” (Leonardo da Vinci: 2002:51)
10
Citamos, por exemplo, a intervenção urbana e a Eat-art.
11
Para os autores, Allen Grieco coloca estas macabras teatralizações na esfera do grotesco sem desconsiderar
em sua análise a paródia do banquete da corte. Existem todos os ingredientes: o tema mitológico, a teatralização
e o desenvolviento do jantar, neste caso com uma exceção: como no carnaval a ideia de beleza, graça e
harmonia e perfeição da gestualidade (marco do banquete de corte) é colocada ao contrário (ao avesso).
REFERÊNCIAS
ELIAS, N. O processo civilizador – Uma história dos costumes. (vol. I, II) Rio de Janeiro:
Zahar Editora, 1994.
VASARI, G. Le vite dei piú eccellenti pittori, scultori e architetti. Milão: Editora Giunti,
2004.