As Bordas Do Tempo 2. A Lagoa Do Peixe
As Bordas Do Tempo 2. A Lagoa Do Peixe
As Bordas Do Tempo 2. A Lagoa Do Peixe
2
Repetição e diferença.
A Lagoa do Peixe
Fernando Freitas Fuão
II
Voltar aos limites mais uma vez.
Essa viagem sempre igual que se faz, me causa sempre uma
nova e estranha inquietação.
Mas a que se deve essa estranha sensação produzida nas
bordas, nos limites da matéria?
Ao andar pelas bordas experimento continuamente o eterno pela
primeira vez. Tudo, sempre, parece novo..
Ainda que tenhamos já passado pelas mesmas trilhas, pelas
mesmas musicas que escutarmos, tudo parece novidade. Uma
forte sensação de que isso ou aquilo não estavam aqui da outra
vez. E apontamos e dizemos: olha! Como se fosse pela primeira
vez.
Eis aí o segredo da repetição inovadora.
Tudo é chapado no reino da repetição do atempo.
Plano na borda, liso, esfaceladinho.
A borda e todo seu reflexo.
A reflexão do mundo, o eu frente ao mundo.
A borda é sempre espeho que desorienta, reflete, ilumina.
A borda desnorteia, de dia ou de noite
A escrita organizada me guia e norteia como um farol, ela se
inscreve e se dissemina ao longa da faixa espelho d’agua, ao
longo do mar. Nela, alucinadamente vejo letras, palavras que
sobrevoam e cintilam sobre a agua, seus significados espumam-
se, levantam vôo e voltam a baixar, fixando-se temporariamente
na areia, precipitando como signos temporariamente até que uma
onda mais forte dissolva-os.
A escrita d’agua sobre a areia. O ar, o movimento.
A escrita do tempo, sobre o tempo, só poderia ser uma espécie
de diario de bordo. Um delirio da borda, ‘deborde’.
O mapeamento dos limites do ser, seus contornos e seus
espaços só, poderia ser uma desilusão, miragem que se
desvanece a cada instante, tal como as palavras feitas de
espuma.
A cartografia das bordas não pode existir,
não se quer que exista, pois não há verdadeiramente como possa
existir.
Na beira do mar encontrei as ruinas do tempo, os escombros
expostos do farol da Conceição lavados pela agua salgada. A
solidão tombada e lavada pelo mar.
A escrita do tempo
As cinzas do tempo
O tempo da noite, a noite do tempo.
Os limites dos espaços, o confinamento dos espaços,
Os limites da arquitetura.
Aqui não há arquitetura, e ao mesmo tempo é arquitetura da
natureza.
Nessa pequeno espaço de vida ao Sul do Sul do Rio Grande
as bordas não são dobras. Um trajeto interminável que vem do
sul, passa por São José do Norte, pelo estreito, pela solidão,
pela solidão das multidões
A comprensão da multidão, seu sentido e orientação podem ser
melhor comprendido, ou ter um significar melhor a partir da
experiência da solidão, na solidão do farol, do Farol da solidão.
A solidão é de concreto, dura, erecta como um falo., em busca de
uma companhia
A trajetória da multidão, o movimento dos bandos organizados
como os passaros revela o deslocamento, o movimento para o
isolamento, a experiência intima. Passaros revoando, revoltando-
se, nos acompanham nos limites do ser, evocando suas asas
para o voo da imaginação, da liberdade para cruzar o invisivel
precipicio de certos limites da imaginação.
Da liberdade sem fim quando se deixa de ver as bordas do
mundo.