Artigo RTST - Rossal e Baini - Chaves para Admissibilidade Do RR - Requisitos Formais - Versão Final Revista TST

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REQUISITOS FORMAIS DO ART.

896, § 1º-A, DA CLT: FUNDAMENTAÇÃO


VINCULADA E DEVOLUTIVIDADE RESTRITA COMO CHAVES PARA
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

FORMAL REQUIREMENTS OF CLT’S ART. 896, § 1º-A: LINKED REASONING AND


RESTRICTED DEVOLUTION AS KEYS TO ADMISSIBILITY OF EXTRAORDINARY
LABOR COURT APPEAL

Francisco Rossal de Araújo*


Gustavo Martins Baini**

Resumo: A admissibilidade do recurso de revista demanda a observância de


requisitos formais que remontam ao exercício da função do TST como Corte
de Precedentes. A fundamentação vinculada e a devolutividade restrita
derivam dessa constatação e inspiram a observância dos três eixos formais do
recurso: o prequestionamento, o fundamento específico de admissibilidade e o
cotejo analítico.
Palavras-chave: Recurso de revista, admissibilidade, precedente,
fundamentação vinculada, devolutividade restrita

Abstract: Extraordinary labor court appeal admissibility demands the


observence of formal requirements that goes back to the exercise of TST’s
function as a Court of Precedents. Linked reasoning and restricted devolution
results from that and inspires the observence of the three formal axes of this
appeal: prequestioning, specific grounds of admissibility and analytical
collation.
Keywords: extraordinary labor court appeal, admissibility, precedent, linked
reasoning, restricted devolution

* Desembargador Federal do Trabalho Presidente do TRT4 ao tempo da publicação


desta edição, Mestre em Direito pela UFRGS, professor da Faculdade de Direito da
UFRGS. [email protected]
** Diretor da Secretaria de Recurso de Revista do TRT4, Mestre em Direito pela
UFRGS, ex-professor substituto da Faculdade de Direito da UFPEL.
[email protected]
1. Diagnóstico do problema

O Código de Processo Civil de 2015 confirmou definitivamente a


influência do sistema de precedentes no Direito brasileiro. O sistema recursal
desenhado pelo legislador evidencia isso ao estabelecer a obrigatoriedade de
estabilidade, integridade e coerência do sistema dentro desta perspectiva:
interpretar normas gerais oriundas do Poder Legislativo, dando-lhes
significado, em um primeiro momento, para o caso concreto.
Entretanto, o Poder Judiciário encontra-se cada vez mais diante de
alguns desafios que o fazem aproximar-se de técnicas similares aos sistemas
de common law, em especial no uso de precedentes judiciais para a resolução
de um imenso número de demandas.
Algumas das causas para esse problema poderiam ser mencionadas: a)
insuficiência do Poder Executivo em regulamentar e aplicar normas de
realização do Estado Social de Direito, levando a população ao Judiciário para
requerer a efetividade de direitos trabalhistas, direitos do consumidor, direitos
previdenciários, direitos de assistência à saúde (remédios, internações etc.); b)
insuficiência do Poder Legislativo, que deixa de regulamentar temas
importantes, não realizando a especificação normativa necessária para
organizar amplos aspectos da vida social, resultando em demandas massivas
no Judiciário; c) adoção de técnicas legislativas relacionadas com cláusulas
gerais e conceitos jurídicos indeterminados, que necessitam de preenchimento
valorativo no caso concreto, ocasionando uma atuação atomizada do
Judiciário; d) instabilidade política e econômica, levando a inúmeras normas
jurídicas de duvidosa constitucionalidade em matéria controvertidas e com alto
impacto político e econômico; e) aceleração da evolução das relações sociais
com a influência de novas tecnologias de relacionamento e interação. O fato é
que o Poder Judiciário brasileiro é um dos mais abarrotados do mundo,
gerando problemas de morosidade e ineficiência. Tratam-se de lacunas. Mais
do que legislativas, lacunas de atuação do Estado.
As lacunas de atuação do Estado causam a judicialização dos litígios
sociais, gerando um número imenso de processos que, em muitos casos, são a
esperança de uma efetividade do Estado – e não apenas da prestação
jurisdicional. O Poder Judiciário, chamado a ocupar esses espaços, não pode se
furtar de decidir. Com frequência cria normas para a resolução dessa
litigiosidade de massa. Mais do que interpretar textos jurídicos, o Judiciário
tem de criar normas de conduta, com certo grau de generalidade e abstração –
precedentes –, diferentemente da função tradicional da sentença – que é a
criação de norma de conduta individual e específica para o caso concreto. Esse
grande número de decisões gera inúmeros problemas de disfuncionalidade e
incoerência na jurisprudência dos tribunais. Na prática, os tribunais passam a
preencher o espaço que originalmente era destinado ao legislador. Uma parte
da doutrina (Dierle Nunes, por exemplo) afirma que o “velho” modo de
julgamento promovido pelos ministros e desembargadores, de modo
unipessoal e sem diálogo ou contraditório entre eles e a realidade social, não
atende mais ao novo momento em que o sistema judiciário brasileiro se
encontra. Novas formas de julgar os processos são necessárias diante de uma
litigiosidade tão plúrima e complexa como a brasileira da atualidade. E ainda
assim, deverão ser tomadas outras tantas providências para resolver ou
diminuir o problema, passando por questões orçamentárias, técnicas de
administração e gerenciamento, mudanças culturais, formação profissional,
entre outros.
Uma dessas providências é, sem dúvida, a observância rigorosa dos
requisitos formais do recurso de revista trabalhista, a fim de viabilizar a
formação e estabilização de precedentes adequados e efetivos visando
estabelecer a Unidade do Direito e promover segurança jurídica e isonomia ao
jurisdicionado, ao lado de racionalidade e viabilidade da atividade judiciária.

2. Introdução

O recurso de revista é seguramente um dos mais técnicos do


ordenamento jurídico. Seus requisitos formais causam dificuldade até mesmo
aos mais experientes operadores do Direito.
Nesta experiência à frente do exame de admissibilidade dos recursos de
revista interpostos entre os anos de 2019-2021 no âmbito do Tribunal Regional
do Trabalho da 4ª Região, foi possível constatar que muito mais da metade dos
recursos que têm seguimento denegado no juízo prévio de admissibilidade
esbarram nas formalidades impostas pela legislação e pela jurisprudência do
Tribunal Superior do Trabalho.
Ao contrário do que poderia parecer, esse rigor não decorre (apenas) de
uma construção de “jurisprudência defensiva” e nem se baseia (somente) na
necessidade de racionalizar a tarefa da jurisdição extraordinária. Há razões
teóricas bastante sólidas que justificam o alto grau de formalidades exigidas
para a admissibilidade do recurso de revista. Compreendê-las auxilia o
operador do Direito a redigir um recurso admissível.
O presente ensaio visa oferecer ao leitor esse arcabouço teórico como
uma proposta de compreensão ampla do recurso de revista. Uma compreensão
engajada com um sistema de precedentes e gravitando em torno de duas
características centrais do recurso: a devolutividade restrita e a fundamentação
vinculada. A partir desses marcos teóricos, pretende-se demonstrar que os
incisos I, II e III do § 1º-A do art. 896 da CLT revelam a estrutura formal
necessária para redigir um recurso de revista bem aparelhado, isto é, um
recurso que atenda a todos os requisitos formais necessários para a sua
admissibilidade.

3. O TST como Corte de Precedentes

O Direito é prescritivo e a sua forma é a linguagem. Por isso, ao


enunciar um dever-ser, o Direito é duplamente indeterminado: primeiro,
porque as normas que o conformam são vagas; segundo, porque os textos
através dos quais as normas são enunciadas são equívocos. 1
As normas são vagas porque possuem conteúdo abstrato. É impossível
apreender previamente na norma todas as hipóteses fáticas sobre as quais ela
incidirá. Por exemplo, ao prever que a jornada extraordinária realizada pela
mulher deve ser antecedida de intervalo de 15 minutos (antigo art. 384 da
CLT), estaria incluída a hipótese em que o trabalho extraordinário tiver
duração de apenas 15 minutos? E a hipótese em que o homem realize horas
extras, estaria incluída ante o princípio da igualdade de gênero? Uma situação
de fato pode ser vista como um acontecimento ou como um enunciado. 2 O
primeiro é a realidade em si mesma; o segundo é uma abstração efetuada
visando a representar a realidade. Porém, a vida é complexa demais para ser
completamente apreendida em uma hipótese abstrata linear.
Os textos são equívocos porque carregam significados variados. Por
exemplo, quando se enuncia a palavra “cadeira”, seguramente o leitor não
pensará em uma mesa, ou em uma cama, mas poderá imaginar uma infinidade
de tipos e modelos de cadeiras (de escritório, de jantar, acolchoada, de
1
GUASTINI, Ricardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011, p. 39 e ss..
2
ARAÚJO, Francisco Rossal de. A fundamentação da sentença no novo CPC e a
matéria de fato: uma análise da subsunção - concreção judicial. Revista do Tribunal
Superior do Trabalho, São Paulo, SP, v. 83, n. 2, p. 112-126, abr./jun. 2017.
madeira, de ferro etc.). Em alguma medida, o significado do texto é sempre
dependente do seu intérprete.3
Ora, se o Direito, por um lado, é prescritivo e pretende regular
comportamentos humanos e, por outro, é vazado em normas linguisticamente
enunciadas, então, para que o Direito alcance seu objetivo regulatório, é
necessário dissipar a sua dupla indeterminação.
A grande contribuição que o processo judicial pode dar para amenizar
esse problema é a formação de precedentes. Um precedente judicial traz a
interpretação do texto normativo (redução da equivocidade do texto) a partir
de uma moldura fática que concretiza a hipótese normativa (redução da
vagueza da norma).
Em uma interessante perspectiva da teoria dos precedentes, o processo
possui duas finalidades: uma subjetiva e particular, outra objetiva e geral. 4 O
fim clássico do processo judicial é assegurar o direito subjetivo das partes que
invocam o Judiciário. Esta é a sua feição subjetiva: a tutela dos interesses
particulares das partes. Porém, a incursão da teoria dos precedentes no
3
Além da equivocidade inerente a toda a linguagem, há ainda os chamados “conceitos
jurídicos valorativos”. Os conceitos jurídicos valorativos funcionam como pequenas
janelas no ordenamento jurídico. Não é suficiente a existência de conceitos jurídicos
descritivos ou construtivos/definitórios. Como o Direito constitui um sistema que
atribui consequências jurídicas a determinadas condutas ou atribui poderes a
determinadas funções, é necessário valorá-las e dimensioná-las. Do contrário, o
ordenamento jurídico não serviria para nada, pois seu intento é exatamente
condicionar a realidade valorativamente no sentido de determinados interesses. Como
saber, por exemplo, se uma conduta é valorada positiva ou negativamente pelo Direito
se, na sua linguagem não houvesse conceitos jurídicos valorativos? Como definir a
atividade administrativa sem parâmetros como “discricionariedade”, “oportunidade” e
“conveniência”? De que forma atuaria o direito privado sem um componente jurídico-
ético como o princípio da Boa-fé? A resposta para todas essas perguntas é a
necessidade de existência de conceitos jurídicos valorativos. Cf. HENKE, Horst-
Eberhard. La Cuestión de Hecho (El Concepto Indeterminado en el Derecho Civil y su
Casacionabilidad). Buenos Aires: Ed. Jurídicas Europa-América, 1979, pp. 54-100.
KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, Bogotá: Universidad Externado de
Colombia, 1999, pp. 199-217.
4
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas – do controle à
interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: RT, 2014, pp. 27 e ss.
MITIDIERO, Daniel. A tutela dos direitos como fim no processo civil no Estado
Constitucional. R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a, 26, n. 87, 13-214, 2015, pp.
131 e ss.
ordenamento brasileiro5 sugere que o processo pode acumular uma função
objetiva: formar e estabilizar precedentes. Esta seria sua feição objetiva: a
tutela do interesse geral de toda a sociedade 6 em dissipar a dupla
indeterminação do Direito.
O precedente, nessa perspectiva, é o meio através do qual o Judiciário
contribui para reduzir a vagueza da norma e plurivocidade do texto. Nos
contornos do caso concreto, o Judiciário interpreta o texto normativo e o
aplica, afirmando-o concretamente e definindo o seu significado. Esse
movimento densifica o direito objetivo, tornando-o mais cognoscível,
previsível.
Porém, nem toda decisão judicial prolatada em um processo poderá ser
considerada um precedente.7 Além de certas características específicas que
essa decisão precisa conter, é preciso haver um sistema intencionalmente
organizado para proporcionar a formação de precedentes.
Em primeiro lugar, se a interpretação é dependente do intérprete, é
necessário estabelecer qual dos diversos intérpretes (juízes) definirá a
interpretação que vinculará os demais. Ora, é natural que a interpretação
vinculativa seja aquela procedida pelo Tribunal que ocupe o ápice no

5
Acerca dos desafios de compreender um sistema de precedentes em um ordenamento
historicamente forjado na tradição romano-germânica, da perspectiva de um estudioso
do sistema anglo-saxônico, cf. CALABRESI, Guido. A common law for the age of
statutes. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
6
Sob outra perspectiva, vale a pena conferir o interessante ensaio de CARRATTA,
Antonio. Funzione sociale e processo civile fra XX e XXI secolo. Rivista trimestrale
di diritto e procedura civile, ISSN 0391-1896, Vol. 71, Nº 2, 2017, pp. 579-614.
7
Não é objeto deste ensaio definir o que é um precedente. Pressupõe-se essa
compreensão e parte-se para um segundo estágio da análise da teoria, a saber, que
reflexos um precedente produz no sistema jurídico. Para uma ampla compreensão
acerca do conceito de precedente, cf. CHIASSONI, Pierluigi. Il precedente giudiziale:
nozioni, interpretazione, rilevanza pratica. Contributo al Seminario “Metodologia
nello studio della giurisprudenza”, Dottorato di ricerca in Diritto Privato, Università di
Genova, 22 giugno 2009. MacCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert. Interpreting
precedentes – a comparative study. First published 1997, by Asgate Publishing.
Reprinted in New York: Routledge, 2016. SCHAUER, Frederick. Precedent. Stanford
Law Review. V. 39, n. 3, 1987. TARUFFO, Michele. Precedente y jurisprudencia. In:
TARUFFO, Michele. Páginas sobre justicia civil. Trad. Maximiliano Aramburo Calle.
Madrid: Marcial Pons, 2009, pp. 557 e ss. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. 6. Ed. Rev. Atual. São Paulo: RT, 2019.
organograma judiciário. Não necessariamente por uma questão de hierarquia,
mas de distribuição de funções: às instâncias ordinárias competem
precipuamente o julgamento do caso concreto (feição subjetiva do processo:
tutelar os interesses particulares das partes); às extraordinárias se atribui a
tarefa principal de formar precedentes (feição objetiva do processo: tutelar
precipuamente o interesse geral da sociedade).
É inevitável que as instâncias ordinárias, por serem múltiplas, produzam
decisões variadas, pois é praticamente impossível impedir a dispersão a
respeito do significado da interpretação do Direito, duplamente indeterminado
que é. De outro lado, a instância extraordinária, por ser composta por um único
Tribunal, tem a possibilidade de conferir unidade à interpretação do Direito.
Com efeito, por encontrar-se no seu ápice, o Tribunal Superior do
Trabalho constitui a Corte de Precedentes por excelência do sistema judiciário
trabalhista, já que tem à sua disposição a prerrogativa de examinar
controvérsias oriundas de todo o país e a seu respeito estabelecer o Direito.
Essa posição panorâmica no sistema judiciário nacional é estratégica para a
promoção da Unidade do Direito, favorecendo a segurança jurídica e o
tratamento isonômico dos jurisdicionados em âmbito nacional. Assim ao julgar
um recurso, o TST, como Corte de Precedentes, deve ter interesse primário na
interpretação do Direito (o foco é “a tese” jurídica assentada no acórdão
recorrido) e apenas secundário no caso concreto.
Essa é a justificativa teórica para a incidência de um dos principais
óbices ao seguimento do recurso de revista. A Súmula n. 126 do TST (editada
há exatos 30 anos) impede a admissibilidade do recurso de revista interposto
“para reexame de fatos e provas”.8 Ora, o motivo pelo qual o TST não
8
Aqui não será abordada a espinhosa discussão acerca da imbricação das questões de
fato e de direito. As defesas das concepções unitária e dualista não cessam. Sobre
todos, conferir CASTANHEIRA NEVES, Antônio. A distinção entre a questão-de-
facto e a questão-de-direito e a competência do Supremo Tribunal de Justiça como
Tribunal de “Revista”. In: Digesta – escritos acerca do Direito, do pensamento
jurídico, da sua metodologia e outros. V. 1º. Coimbra: Coimbra, 1995, pp. 483 e ss.
Vale destacar, apenas, que as Súmulas n. 7 do STJ e 279 do STF, congêneres à Súmula
n. 126 do TST, referem apenas “provas”, e não “fatos”. Parece ser mais adequado
dizer que o TST não reexamina provas que levaram à conclusão sobre fatos, do que
dizer que o TST não reexamina fatos e provas. Por exemplo, dizer que “o adicional de
insalubridade não é devido pelo manuseio de álcalis cáusticos dissolvidos em produtos
de limpeza” é diferente de dizer que “não havia manuseio com álcalis cáusticos na
relação de trabalho”. A primeira afirmativa o TST pode rever. A segunda, não.
reexamina fatos e provas é que a sua função não é rejulgar o caso, mas
verificar se a interpretação do direito objetivo realizada pelo Tribunal Regional
se sustenta.
O precedente mais antigo referido no embasamento da Súmula n. 126 do
TST é o RR 1418/1957. 9 Nele se discutiu o cabimento do recurso de revista
quando há controvérsia acerca da caracterização de vínculo empregatício. As
palavras do Min. Relator ilustram bem essa característica do TST: “A
caracterização legal do contrato de trabalho é questão eminentemente de
direito. Se a controvérsia é sobre as condições em que foi prestado o serviço, a
matéria é de fato e de prova e isso não enseja a revista. Porém é quaestio juris
e autoriza a revista o determinar se os fatos, dados uniformemente como
provados, configuram, ou não, o contrato de trabalho, porque então não se
discute sôbre fatos e provas e sim sôbre efeitos jurídicos, a aplicação do art. 3º
da Consolidação.”
O recurso de revista, portanto, serve para submeter ao TST apenas a
quaestio juris, os “efeitos jurídicos” dos fatos assentados no acórdão recorrido.
O TST apenas mediatamente julga o caso. O interesse imediato do TST é a
tese jurídica assentada no acórdão recorrido, isto é, a interpretação do julgador
a quo sobre o direito objetivo aplicado. O TST não é uma Corte Revisora, 10
mas uma Corte de Precedentes.11
Na instância ordinária, a interpretação do Direito é o meio através do
qual o juiz julga o caso concreto (feição subjetiva, tutela do interesse das
partes): o interesse é diretamente o caso e indiretamente a tese. Na instância
extraordinária, ao contrário, o julgamento do caso concreto é o meio através do
qual o juiz realiza a interpretação vinculativa do Direito (feição objetiva, tutela

9
Ac. 1ª T 1085/1957 – Min. Edgard de Oliveira Lima, DJ 16.11.1957
10
Sobre a função revisora dos tribunais de instância ordinária, cf. CLAUS, Ben-Hur
Silveira; LORENZETTI, Ari Pedro; FIOREZE, Ricardo; ARAÚJO, Francisco Rossal
de; COSTA, Ricardo Martins; AMARAL, Márcio Lima do. A função revisora dos
tribunais: a questão do método no julgamento dos recursos de natureza ordinária.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, n. 84, jul/dez
de 2011, p. 21 e ss.
11
Profícuo paralelo com essa afirmativa e seus desdobramentos pode ser observado em
MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes – recompreensão
do sistema processual da corte suprema. 4. Ed., São Paulo: RT, 2019.
do interesse da sociedade): o foco é diretamente “a tese” e indiretamente o
caso.12
O papel do TST, portanto, não é o de funcionar como uma terceira
instância para apreciação do caso, mas é formar, confirmar e reformar
precedentes. Quando uma questão jurídica inédita ou recente se apresenta, sem
que haja uma interpretação definida ou consolidada para dissipar a sua dupla
indeterminação, o TST é chamado a formar precedente. Quando uma questão
já conhecida se apresenta, o TST poderá confirmar seu precedente se cassar o
acórdão recorrido que o contrariar (a confirmação de um precedente do TST
quando o acórdão recorrido está em sua conformidade é desnecessária e, logo,
o recurso é incabível) ou reformar seu precedente (rara hipótese do
overruling, modificando sua interpretação acerca daquela questão jurídica já
conhecida)13.
Para o TST, o direito subjetivo das partes é apenas o objeto mediato. O
objeto imediato do recurso de revista é a segurança jurídica, a igualdade e a
Unidade do Direito. O caráter duplamente indeterminado do Direito torna o
sistema jurídico propenso à dispersão e impõe reconhecer a necessidade de se
preservar a sua unidade, em nome da segurança jurídica (cognoscibilidade,
previsibilidade, estabilidade, enfim, proporcionar a autodeterminação das
pessoas e viabilizar o comércio dos bens jurídicos) e do tratamento isonômico.
Ao se identificar como uma Corte de Precedentes, o TST contribui para a
função objetiva e geral do processo judicial e para satisfazer uma das
necessidades sociais e antropológicas mais fundamentais: a autodeterminação
das pessoas. Ao fixar a interpretação do Direito antes duplamente
indeterminado, o TST densifica o ordenamento jurídico-trabalhista. Uma vez
definido, compreensível e previsível, o Direito proporciona o comércio seguro
dos bens trabalhistas: o trabalho e sua contrapartida.
12
CARNEIRO, Athos Gusmão. Anotações sobre o recurso especial. TEIXEIRA,
Sálvio de Figueiredo (org.). Recursos no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo:
Saraiva, 1991, p. 110: “O interesse privado do litigante vencido, então, funciona mais
como móvel e estímulo para a interposição do recurso extremo, cuja admissão,
todavia, liga-se à existência de uma questão federal, à defesa da ordem jurídica no
plano do Direito Federal, assegurando-lhe, como referiu Pontes de Miranda, a
‘inteireza positiva’, a ‘autoridade’, a ‘validade’ e a ‘uniformização da interpretação’.”
13
Vale observar que a mudança de jurisprudência de um Tribunal raramente se deve a
uma efetiva superação; via de regra, a alteração da jurisprudência ocorre por simples
mudança de composição do Órgão Julgador. Isso privilegia a oxigenação do Direito,
mas fragiliza segurança jurídica e confiança da sociedade.
Especificamente no âmbito trabalhista, isso é primordial para viabilizar
o sistema econômico na relação capital-trabalho. Sem essa função o sistema
fica caótico e entra em colapso: as pessoas não se sentirão seguras para realizar
contratos de trabalho, a economia não progride, os recursos escasseiam, os
bens e serviços não se desenvolvem, as pessoas não se engajam em
empreendimentos de maior impacto social, enfim, as consequências sociais são
nefastas.

4. Devolutividade restrita: a instância extraordinária se preocupa antes


com a tese do que com o caso.

O efeito devolutivo é o correspondente, no âmbito recursal, ao princípio


da demanda.14 Vale dizer, enquanto a sentença, no primeiro grau, é limitada
pelo pedido, a atuação do julgador em grau recursal é limitada pela provocação
do recorrente e pela natureza do recurso interposto.
Do ponto de vista prático, um dos principais aspectos do efeito
devolutivo é a sua profundidade, isto é, o limite da cognoscibilidade do órgão
ad quem.15 Em uma de suas principais classificações, o efeito devolutivo, na
sua verticalidade (ou profundidade), pode ser amplo ou restrito, estabelecendo
o quanto o julgador pode interferir no processo, a depender da natureza do
recurso.
Em regra, o recurso de natureza ordinária (como o recurso ordinário no
processo do trabalho) possui devolutividade ampla. Isso significa que a
impugnação recursal de um capítulo da sentença (correspondente a um pedido
do autor) devolve ao Tribunal ordinário tudo o que foi discutido no processo
acerca daquele capítulo (provas, fatos, dispositivos legais e constitucionais,
súmulas, argumentos etc.), ainda que o recorrente não tenha suscitado este ou
aquele argumento em suas razões recursais. Por exemplo, se o juiz condena a
ré ao pagamento de diferenças de horas extras, tudo sobre esse tema, quer
tenha sido ou não apreciado na sentença, poderá ser revisto pelo Tribunal (se
houve ou não banco de horas, se era ou não concomitante com regime de
compensação semanal, se a atividade é insalubre, se há registro de ponto, se a
atividade é externa, o que disseram as testemunhas, o que consta dos registros
14
NERY JR. Nelson. Teoria geral dos recursos. 1. Ed em e-book, baseada na 7ª ed.
Impressa. São Paulo: RT, 2014, capítulo 3.5.1.
15
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, 13ª ed., v. 5, p. 431 e ss.
de ponto, qual o conteúdo das normas coletivas etc.). Tudo pode ser
reapreciado pelo TRT porque a devolutividade do recurso ordinário é ampla. 16
Por outro lado, o recurso de revista, de natureza extraordinária, possui
devolutividade restrita. Isso significa que, ao apreciar o recurso de revista, o
TST examina exclusivamente a tese jurídica assentada no acórdão recorrido
sobre aquele tema,17 à luz do fundamento para cabimento do recurso apontado
pelo recorrente18 e da tese jurídica por ele sustentada. 19 Se o TST é uma Corte
de Precedentes, então seu papel está vinculado à interpretação do direito
objetivo, cabendo-lhe controlar a interpretação realizada pelo Tribunal
Regional para julgar o caso concreto – e não propriamente o julgamento do
caso como um todo. Dizer que o recurso de revista possui devolutividade
restrita significa dizer que o TST somente poderá apreciar os fundamentos da
decisão recorrida (isto é, a sua ratio decidendi) devolvidos pelo recorrente. Eis
o núcleo do conceito de devolutividade restrita: tudo o que não for fundamento
necessário e suficiente para a decisão recorrida não poderá ser levado em
consideração pelo TST. Por exemplo, se no acórdão foi indeferido o
pagamento de horas in itinere (aqui está a decisão) porque as normas coletivas
da categoria suprimem esse direito (e aqui está o fundamento da decisão), de
nada adiantará ao recorrente alegar que o local era de difícil acesso, não era
16
Isso é o que determina o art. 1.013 do CPC e a Súmula n. 393 do TST (e,
indiretamente, o item III da Súmula n. 422 do TST).
17
Na verdade, o TST aprecia exclusivamente a tese jurídica assentada no acórdão
recorrido e transcrita nas razões recursais – e aqui nasce o primeiro desafio formal dos
recorrentes, do qual trataremos mais adiante: transcrever adequadamente o trecho da
decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do
recurso de revista (art. 896, § 1º-A, I, da CLT).
18
Isso corresponde ao conceito de recurso de fundamentação vinculada: somente
determinados fundamentos podem ser alegados para cabimento do recurso. Esse é o
segundo desafio formal dos recorrentes: indicar adequadamente o fundamento para
cabimento do recurso de revista, de forma explícita e fundamentada (“contrariedade a
dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do
Trabalho que conflite com a decisão regional” – art. 896, § 1º-A, II, da CLT).
19
Eis o terceiro desafio formal dos recorrentes que também será objeto de exame mais
detalhado neste estudo: o famoso cotejo analítico: “as razões do pedido de reforma,
impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante
demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula
ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte” (art. 896, § 1º-A, III, da
CLT).
servido por transporte público regular ou que o deslocamento era realizado por
meio de transporte contratado pela empresa. O TST somente poderá examinar
se a supressão do direito ao pagamento de horas in itinere é válida ou não (ou
outra discussão relacionada a esta).
Em síntese, o TST examina se a quaestio iuris estabelecida no acórdão
recorrido está ou não em conformidade com o seu entendimento a respeito
daquela matéria. Correndo o risco da repetição, não custa reforçar: isso ocorre
porque o TST é uma Corte de Precedentes e a sua função não é rejulgar o caso,
mas avaliar a tese. Sua tarefa é dissipar a dupla indeterminação do Direito,
estabelecendo qual interpretação, dentre as tantas possíveis, prevalecerá no
Judiciário Trabalhista em âmbito nacional e controlar as decisões que
contrariarem a interpretação por ele fixada.
Não é outra a razão para exigir-se, no recurso de revista, o chamado
“cotejo analítico” (voltaremos a este assunto mais adiante). A dialeticidade
entre as razões recursais e a tese do acórdão recorrido não é mera formalidade,
um rigorismo exacerbado. Isso está na essência do recurso de natureza
extraordinária, que visa oferecer à Corte de Precedentes a oportunidade de
interpretar o direito objetivo na moldura de um caso concreto. O que está em
jogo é a tese jurídica do acórdão recorrido e é ônus do recorrente demonstrar
que essa tese não é a melhor interpretação do Direito. Para tanto ele deve
argumentar, expor suas razões.
Vale lembrar que essa exigência não se deu artificialmente, por
imposição arbitrária da lei que, em 2014, acrescentou o art. 896, § 1º-A, III, à
CLT. A dialeticidade entre a tese recorrida e a tese recorrente está no sistema
desde a Súmula n. 422, I e II, do TST 20 que, por sua vez, se baseia em
precedentes que remontam ao ano de 2001.
A propósito, a distinção entre o papel da instância ordinária e o da
extraordinária a partir da diferenciação entre as naturezas dos recursos que
transitam em ambas as instâncias é reforçada pelo que dispõe o item III dessa
mesma Súmula n. 422 do TST: a exigência de dialeticidade entre as razões
recursais e a tese recorrida no recurso de revista não se aplica ao recurso
ordinário, pois o efeito devolutivo deste último é amplo. Ou seja, não se exige
20
“I – Não se conhece de recurso para o Tribunal Superior do Trabalho se as razões do
recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que
proferida. II – O entendimento referido no item anterior não se aplica em relação à
motivação secundária e impertinente, consubstanciada em despacho de
admissibilidade de recurso ou em decisão monocrática.”
que a parte ataque diretamente o fundamento da sentença, já que o recurso
devolve ao Tribunal “a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa,
não examinados pela sentença, ainda que não renovados em contrarrazões,
desde que relativos ao capítulo impugnado.” 21 Ora, tampouco essa dispensa é
arbitrária ou artificial. Ela tem uma razão teórica profunda: a função revisora
do tribunal de instância ordinária é rejulgar o caso, em sua inteireza, incluindo
exame de fatos, provas e alegações.
Toda essa lógica é corolária do duplo grau de jurisdição que, por sua
vez, resulta da falibilidade ínsita à humanidade do julgador de primeiro grau e
da consectária necessidade antropológica de levar a outra instância a
discordância das partes interessadas e diretamente atingidas pelo julgamento
desfavorável. É preciso viabilizar a revisão do julgamento. Mas também é
preciso estabilizar a solução dada à relação controvertida. E por isso a
“revisibilidade” da decisão não pode se eternizar. A instância extraordinária
não é revisora e não serve ao duplo grau de jurisdição, pois não atende
diretamente ao interesse subjetivo da parte, mas ao direito objetivo discutido
(e, apenas indiretamente, ao interesse subjetivo da parte).

5. Fundamentação vinculada: recurso de revista admissível é o que for


apto a formar, confirmar ou reformar precedente.

Ora, se o TST é uma Corte de Precedentes e o recurso de revista


devolve ao TST apenas a tese jurídica assentada no acórdão recorrido, então é
fácil concluir que o recurso de revista admissível é aquele que apresentar
características tais que viabilizem a apreciação da tese jurídica fixada pelo
Regional de modo a formar, confirmar ou reformar o entendimento do TST
acerca dessa tese.
Poder-se-iam eleger vários critérios para definir quais características
tornam um recurso apto a formar, confirmar ou reformar a interpretação da
Corte de Precedentes sobre o direito objetivo. No caso do TST, o legislador
celetista elegeu, nas três alíneas do art. 896 da CLT, dois grupos de critérios:
(a) contradição entre a decisão recorrida e posição relevante na jurisprudência
(divergência jurisprudencial entre diferentes Tribunais Regionais do Trabalho,
contrariedade a decisão do Pleno ou da Seção de Dissídios Individuais do TST,
contrariedade a súmula do TST ou súmula vinculante do STF); ou (b)
contradição entre a decisão recorrida e texto normativo legislado (violação
21
Súmula n. 393, I, do TST.
literal de dispositivo de lei federal ou afronta direta e literal a dispositivo
constitucional).
Ao estabelecer que o cabimento do recurso de revista depende desses
critérios, o legislador celetista limitou as possibilidades de argumentação das
partes no recurso de revista. Isto é fundamentação vinculada: o recorrente não
pode fundamentar seu recurso em nada além daquilo que legislador prefixou. 22
Assim, existe uma correlação entre as três hipóteses de cabimento do
recurso de revista previstas no art. 896 da CLT e o exercício da função
jurisdicional extraordinária do TST como Corte de Precedentes. A seguir serão
expostas as três hipóteses de cabimento de recurso de revista explicitando essa
correlação.23
Primeiro, os recursos fundamentados em divergência entre Regionais
revelam que o Direito objetivo, duplamente indeterminado, está admitindo
interpretações variadas (divergência horizontal). Neste caso, o TST é chamado
a definir qual das interpretações deverá prevalecer em âmbito nacional,
densificando o direito objetivo ao reduzir a equivocidade do texto e a vagueza
da norma com autoridade em todo o território nacional. Se a tese ainda não
tiver sido previamente enfrentada, o recurso de revista oferecerá ao TST a
possibilidade formar precedente. Se a tese já tiver sido enfrentada, o recurso
de revista oferecerá ao TST a possibilidade de confirmar ou reformar
precedente.
Segundo, os recursos fundamentados em contrariedade a decisão do
Pleno ou da Seção de Dissídios Individuais do TST, contrariedade a súmula do
TST ou a súmula vinculante do STF, revelam que o acórdão recorrido afronta
a interpretação fixada pelo TST ou STF acerca da tese jurídica em questão
(divergência vertical). Neste caso, a equivocidade do texto e a vagueza da
norma acerca daquela tese já foram dissipados pelo TST, mas a interpretação
adotada pelo Tribunal Regional destoa do entendimento da Corte de
Precedentes, causando insegurança jurídica e desigualdade entre os

22
Exemplo clássico e mais corriqueiro de recurso com fundamentação vinculada são
os embargos declaratórios: o acolhimento dos embargos depende da demonstração de
omissão, obscuridade ou contradição, erro material ou manifesto equívoco no exame
de pressupostos extrínsecos do recurso na decisão embargada, como dispõem o art.
1.022 do CPC c/c art. 897-A da CLT. Se a parte fundamentar os embargos a partir de
qualquer outro critério, os embargos não deverão ser conhecidos.
23
Nos corredores do TST as duas primeiras costumam chamar-se sinteticamente de
“divergência”. A terceira de “violação”.
jurisdicionados. O recurso de revista, com efeito, oferecerá ao TST a
oportunidade de confirmar ou reformar precedente.
Terceiro, acerca da violação de lei federal ou da Constituição, algumas
palavras precisam ser ditas. Muito dificilmente uma decisão judicial violará a
literalidade de um dispositivo normativo. Raras são as decisões em que um
Tribunal Regional simplesmente ignora ou vulnera literalmente o texto legal
ou constitucional. O que se vê, com frequência, são interpretações mais
elásticas do que alguns aceitariam ou mais restritivas do que outros
considerariam apropriado. Essa dinâmica é inerente ao sistema jurídico, já que
o Direito é, como dito, duplamente indeterminado. As possibilidades
semânticas de um texto certamente não são ilimitadas, mas são comuns os
dispositivos normativos que admitem várias interpretações logicamente
possíveis. Ora, se o ordenamento jurídico tem como um de seus objetivos
estabelecer segurança jurídica e tratamento isonômico, então faz-se necessário
eleger uma dentre essas várias possibilidade hermenêuticas. E, como dito
acima, a escolha da interpretação prevalecente passa pela escolha do
intérprete, a saber, a Corte de Precedentes – o TST.
Pode-se dizer que o TST deu um importante passo no sentido de
reconhecer-se como uma Corte de precedentes quando, em 2012, cancelou o
item II de sua Súmula n. 221, que tinha a seguinte redação: “II - Interpretação
razoável de preceito de lei, ainda que não seja a melhor, não dá ensejo à
admissibilidade ou ao conhecimento de recurso de revista com base na alínea
"c" do art. 896 da CLT. A violação há de estar ligada à literalidade do
preceito.” Ora, a interpretação “que não seja a melhor” (leia-se: “que não seja
aquela que o TST considera a melhor”) precisa ensejar a admissibilidade do
recurso de revista para que o sistema jurídico seja seguro e isonômico. A
Unidade do Direito é refratária à possibilidade de várias interpretações
razoáveis concomitantes.
Assim, se um dispositivo legal ou constitucional admite várias
interpretações (como talvez todos os dispositivos admitam) e o TST escolhe
uma, conferindo-lhe um determinado conteúdo normativo, a interpretação que
diverge daquela fixada pelo TST viola, por assim dizer, o próprio dispositivo.
A rigor, tal interpretação divergente viola apenas a interpretação do TST sobre
aquele dispositivo. Porém, o papel da Corte de Precedentes é exatamente fixar
a interpretação vinculante24 do Direito objetivo. Por isso, embora a
24
Não necessária e propriamente uma vinculatividade “forte”, cuja contrariedade
enseja o cabimento de reclamação. Interpretação vinculante, aqui, quer dizer a
interpretação divergente quase nunca viole “a literalidade” do dispositivo,
considera-se, por ficção, que viola, para fins de admissibilidade do recurso de
revista.
Por esse motivo, o recurso de revista fundamentado na violação legal ou
constitucional, para ser admitido, deverá demonstrar que (a) a interpretação
daquele dispositivo pelo acórdão recorrido contraria a do TST ou que (b) o
TST não possui uma interpretação sedimentada e consolidada daquele
dispositivo (divergência interna no TST acerca de tal interpretação).
Desse modo, esta terceira hipótese de cabimento de recurso de revista
(“violação”), desdobra-se em duas: (i) a equivocidade do texto e a vagueza da
norma acerca daquela tese também já foram dissipados pelo TST, e a
interpretação adotada pelo Tribunal Regional destoa desse entendimento,
causando insegurança jurídica e desigualdade entre os jurisdicionados. Neste
caso, o recurso de revista oferecerá ao TST a oportunidade de confirmar ou
reformar precedente; ou (ii) a equivocidade do texto e a vagueza da norma
acerca daquela tese ainda não foram dissipados pelo TST, causando
insegurança jurídica e desigualdade entre os jurisdicionados. Aqui o recurso de
revista oferecerá ao TST a oportunidade de formar precedente.
Em resumo, se o recorrente demonstrar que seu recurso de revista
oferece a possibilidade de formar, confirmar ou reformar precedentes, seja
através da demonstração da existência de divergência jurisprudencial entre
Regionais ou de contrariedade a entendimentos já consolidados, seja através da
demonstração de que determinado dispositivo legal/constitucional ainda não
teve seu conteúdo normativo bem delimitado pelo TST, o recurso será
admissível.
Não é por outro motivo que o recurso de revista não será conhecido se a
decisão recorrida estiver de acordo com atual, iterativa e notória jurisprudência
do TST (Súmula n. 333 do TST): tal recurso não ofereceria ao Tribunal
Superior a possibilidade de formar, confirmar ou reformar precedente. 25

interpretação definida pelo Tribunal com a missão de conferir segurança e isonomia ao


ordenamento. Aqueles que buscam contribuir para um ordenamento seguro e
isonômico se vinculam a essa interpretação.
25
Neste último caso (“reformar” precedente), é preciso reconhecer que a oxigenação
do sistema demanda a abertura da possibilidade de se admitir recurso de revista que
não contrarie o entendimento do TST sobre aquela tese jurídica. Contudo, o ônus
argumentativo do recorrente, neste caso, é qualitativamente diferente: a parte deverá
demonstrar, em seu arrazoado, que, embora a decisão recorrida esteja em
Uma tabela, a esta altura, pode ajudar a esclarecer as diferenças entre o
recurso ordinário e o recurso de revista, reforçando que a fundamentação
vinculada e a devolutividade restrita, inerentes aos recursos de natureza
extraordinária, derivam da lógica do sistema de precedentes e retroalimentam
esse sistema.

INSTÂNCIA ORDINÁRIA EXTRAORDINÁRIA


RECURSO Recurso ordinário Recurso de revista
DEVOLUTIVIDADE Ampla (todo o caso) Restrita (somente a tese)
FUNDAMENTAÇÃO Livre Vinculada (“divergência”
ou “violação”)
OBJETIVO Produzir sentença Produzir precedente
PROCESSUAL de mérito (resolução (dissipação da dupla
da lide) indeterminação do Direito)
OBJETIVO Tutela de direitos Unidade do Direito
MATERIAL subjetivos (justiça (ordenamento objetivo e
do caso concreto) sistêmico justo)

6. Os três eixos centrais: prequestionamento, fundamento de


admissibilidade e cotejo analítico.

Uma vez compreendido que o TST não está diretamente interessado no


caso, mas, sim, na tese, a qual o recurso de revista devolve de maneira restrita,
e que o recurso de revista admissível é aquele que oportuniza a formação, a
confirmação ou a reforma de precedentes, tornam-se muito mais lógicos e
compreensíveis os três requisitos formais listados no § 1º-A do art. 896 da
CLT.

conformidade com o entendimento do TST sobre o tema, tal entendimento deve ser
modificado. A estrutura argumentativa do recorrente, neste caso, poderá tomar
emprestado, por analogia, o disposto no § 17 do art. 896 da CLT, demonstrando
alteração de situação econômica, social ou jurídica sobre a qual aqueles dispositivos
normativos incidem, o que, por sua vez deverá ensejar a alteração da interpretação do
Direito sobre aquela tese. Não bastará dizer “a tese recorrida não adota a melhor
interpretação!”. A parte deverá dizer: “embora a tese recorrida tenha adotado a mesma
interpretação que o TST fixou sobre esse tema, tal interpretação deverá ser
modificada, por tais e tais motivos!”.
De acordo com esse dispositivo legal, o modo pelo qual o recorrente
demonstra que o seu recurso de revista oferece ao TST a possibilidade de
formar, confirmar ou reformar precedentes tem uma estrutura bastante
simples: primeiro, o recorrente deverá demonstrar (a) qual foi a tese jurídica
adotada no acórdão recorrido; depois, ele deverá demonstrar (b) qual é o
fundamento de admissibilidade do recurso (dispositivo legal ou constitucional
violado, súmula afrontada, decisão da SDI, do Pleno ou de outro Regional em
sentido contrário, etc.); e por fim, o recorrente deverá demonstrar (c) as razões
pelas quais a tese jurídica adotada no acórdão recorrido vulnera aquilo que o
recorrente considera ser o fundamento de admissibilidade de seu recurso
(como, de que maneira, em que medida, enfim, por quais razões, o dispositivo
legal ou constitucional foi violado, a súmula foi contrariada, de que modo se
assemelham as circunstâncias fáticas dos acórdãos comparados, mas
injustificadamente divergem na conclusão jurídica, etc.).
Esses três elementos têm correspondentes formais em cada um dos três
incisos do art. 896. § 1º-A, da CLT.26
Um recurso de revista formalmente admissível (ou “bem aparelhado”),
preenche três requisitos formais: (a) adequada transcrição do trecho do
acórdão recorrido que revela a tese jurídica fixada pelo Regional; 27 (b)

26
Importante observar, uma vez mais, que os requisitos formais do § 1º-A do art. 896
da CLT apenas formalizam um entendimento antigo remansoso do TST acerca do
aparelhamento do recurso de revista. Cf.: Ag AIRR 1857 42 2014 5 01 0421 1ª Turma,
Relator Ministro Luiz José Dezena da Silva, DEJT 16-03-2020; AIRR 554 27 2015 5
23 0071 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann DEJT 21-02-2020; Ag
AIRR 11305 82 2017 5 15 0085 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra
Belmonte, DEJT 13-03-2020; Ag AIRR 187 92 2017 5 17 0008 4ª Turma, Relator
Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 13-03-2020 Ag AIRR; 101372 41
2016 5 01 0078 5 ª Turma, Relator Desembargador Convocado João Pedro Silvestrin
DEJT 13-03-2020; Ag AIRR 12364 39 2015 5 01 0482 6ª Turma, Relatora Ministra
Kátia Magalhães Arruda, DEJT 13-03-2020; RR 1246 80 2010 5 04 0701 7ª Turma,
Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 08-11-2019; Ag AIRR 10026
97 2016 5 15 0052 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho,
DEJT 21-02-2020; RR 2410 96 2013 5 03 0024 8ª Turma, Relator Ministro Márcio
Eurico Vitral Amaro, DEJT 12-04-2019.
27
Art. 896, § 1º-A, I, da CLT: “indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia
o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista.”
indicação expressa e pertinente do fundamento de admissibilidade do
recurso;28 e (c) suficiente confronto analítico entre um e outro. 29

7. Prequestionamento: adoção de tese jurídica sobre determinada matéria


ou questão (ratio decidendi)

Tradicionalmente, a necessidade de prequestionamento para acessar as


instâncias extraordinárias é fundamentada na expressão “causa decidida”
expressa nos arts. 102, III e 105, III, ambos da Constituição da República,
acerca da competência do STF e do STJ para julgar, respectivamente, o
recurso extraordinário e o recurso especial. Diz-se que o recurso de natureza
extraordinária só é cabível se houver uma “causa decidida”, querendo-se
afirmar que é preciso haver pronunciamento expresso do Tribunal a quo acerca
da causa levada ao Tribunal de natureza extraordinária.
A competência do TST não é estabelecida pela Constituição, a qual
remete a “lei específica”.30 Tal lei é o art. 896 da CLT, que não traz expressão
semelhante a “causa decidida”. 31 Nada obstante, a necessidade de
prequestionamento se estende ao recurso de revista, não por um capricho ou
preciosismo da jurisprudência, mas por se tratar de requisito inerente a um
recurso de natureza extraordinária, em que a fundamentação é vinculada e a
devolutividade é restrita. Esse é mais um diferencial dos recursos de natureza
extraordinária: como os recursos ordinários devolvem toda matéria discutida
no processo acerca do capítulo impugnado, é dispensável que o recorrente
demonstre ter sido prolatada sentença que expressamente enfrente a tese
recorrida (isso é o que se depreende da Súmula n. 422, III, do TST).
28
Art. 896, § 1º-A, II, da CLT: “indicar, de forma explícita e fundamentada,
contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal
Superior do Trabalho que conflite com a decisão regional.”
29
Art. 896, § 1º-A, III, da CLT: “expor as razões do pedido de reforma, impugnando
todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante demonstração
analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação
jurisprudencial cuja contrariedade aponte.
30
Art. 114, § 11, da Constituição da República.
31
Em redações anteriores, o art. 896 da CLT referia a “julgamento em última
instância”. A exclusão da expressão não é significativa no que concerne à necessidade
de prequestionamento, tanto por força da lógica de um recurso de natureza
extraordinária como por força do entendimento consolidado no TST, como se observa
da Orientação Jurisprudencial n. 62 da sua SbDI-1.
Prequestionamento é a decisão expressa do Tribunal a quo acerca de
determinada tese. Ou, dito de outro modo, é a adoção explícita, no acórdão, de
uma tese acerca de determinada matéria ou questão. 32 É dispensável que o
acórdão indique explicitamente ter analisado este ou aquele dispositivo legal.
Não se prequestiona dispositivo, mas tese. 33 Contudo, se o Colegiado do
Tribunal Regional deixar de se manifestar a respeito de determinada tese
suscitada no recurso ordinário que o recorrente pretende levar ao TST, “é
necessário opor embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o
tema, sob pena de preclusão.”34 São os chamados embargos declaratórios para
fins de prequestionamento.
Um exemplo concreto para elucidar.
Há um entendimento consolidado no TST segundo o qual a supressão
do pagamento de horas in itinere por meio de normas coletivas somente é
admissível quando houver expressa contrapartida estabelecida para compensar
tal supressão.35 Se o acórdão regional condenar a reclamada ao pagamento de
horas in itinere por considerar inválidas as normas coletivas que as suprimem,
sem maiores esclarecimentos, a tese anteriormente referida não estará
prequestionada (não se sabe se o Tribunal Regional considerou ou não a
existência de contrapartidas ao invalidar as normas coletivas – ou seja, não se
sabe se o acórdão recorrido contraria ou não a tese consolidada no TST).
32
Súmula n. 297, I, do TST: “Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na
decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito.”
33
Orientação Jurisprudencial n. 118 da SbDI-1 do TST. PREQUESTIONAMENTO.
TESE EXPLÍCITA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 297 (inserida em 20.11.1997)
Havendo tese explícita sobre a matéria, na decisão recorrida, desnecessário contenha
nela referência expressa do dispositivo legal para ter-se como prequestionado este.
34
Súmula n. 297, II, do TST
35
Por exemplo: Ag-E-Ag-RR-174700-53.2008.5.09.0242, Subseção I Especializada
em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira,
DEJT 02/08/2019; RR-1455-28.2011.5.09.0005, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto
Cesar Leite de Carvalho, DEJT 28/06/2019; ARR-482-62.2017.5.23.0041, 6ª Turma,
Relatora Desembargadora Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos, DEJT
14/06/2019; Ag-AIRR-10778-05.2016.5.18.0111, 7ª Turma, Relator Desembargador
Convocado Roberto Nobrega de Almeida Filho, DEJT 14/06/2019; ARR-957-
92.2011.5.05.0311, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT
24/05/2019; RR-22071-87.2015.5.04.0404, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme
Augusto Caputo Bastos, DEJT 22/03/2019; RR-914-58.2017.5.07.0031, 8ª Turma,
Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 01/03/2019.
Assim, caberá à parte opor embargos declaratórios, desde que tenha suscitado
a matéria no recurso ordinário, forçando o Tribunal Regional a esclarecer se,
ao invalidar as normas coletivas que suprimem as horas in itinere,
desconsiderou as contrapartidas expressamente entabuladas nas normas
coletivas para tal supressão. Se o Regional esclarecer que não há
contrapartidas, o prequestionamento estará realizado. Mas o acórdão estará em
conformidade com o entendimento sedimentado no TST e o recurso não será
admitido.36 Se o Regional esclarecer que há contrapartidas compensatórias,
mas considera irrelevante tal previsão, de igual modo terá havido
prequestionamento expresso e o acórdão recorrido estará em contrariedade
com a tese consolidada no âmbito do TST – e o recurso de revista tem
potencial para ser admitido. Se o Regional, a despeito dos embargos opostos,
silenciar a respeito da existência ou não de contrapartidas, então somente
caberá à reclamada a interposição de recurso de revista alegando negativa de
prestação jurisdicional, porque a tese não estará prequestionada, mas a parte
fez o que lhe competia para prequestioná-la. 37
36
Súmula n. 333 do TST e art. 896, § 7º, da CLT.
37
Nota importante: a negativa de prestação jurisdicional enseja a nulidade do acórdão
no ponto em que negada tal prestação. Ela ocorre quando o Tribunal Regional silencia
a respeito de questão relevante (isto é, capaz de modificar o julgamento quanto a
determinada matéria), a despeito da oposição de embargos declaratórios.
Questão interessante é a possibilidade de a tese estar prequestionada no voto vencido
(art. 941, § 3º, do CPC). No exemplo das horas in itinere, se o voto vencedor declara
nulas as normas coletivas que suprimem o seu pagamento e a existência de
contrapartidas constar apenas no voto vencido, a tese estará prequestionada, sendo
dispensável a oposição de embargos declaratórios.
Tendo em vista que o presente ensaio visa discutir aspectos formais do recurso de
revista, não se vai enfrentar, neste curto estudo, o chamado “prequestionamento ficto”,
previsto na Súmula n. 297, III, do TST.
Se o acórdão regional proferido em processo que tramita sob o rito sumaríssimo
confirmar a sentença por seus próprios fundamentos (art. 895, § 1º, IV, da CLT), o
prequestionamento deverá constar da sentença proferida no primeiro grau. Precedentes
de todas as Turmas do TST: AgR-Ag-AIRR - 2036-94.2014.5.03.0105, Relator
Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 21/02/2018, 1ª Turma , Data
de Publicação: DEJT 23/02/2018; Ag-AIRR - 10134-46.2017.5.03.0046 , Relator
Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 10/04/2019, 2ª Turma ,
Data de Publicação: DEJT 12/04/2019; RR - 21233-94.2017.5.04.0010, Relator
Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 05/06/2019, 3ª
Turma , Data de Publicação: DEJT 07/06/2019; Ag-AIRR - 11063-20.2016.5.03.0077,
Pois bem. Uma vez que haja o prequestionamento da tese recursal no
acórdão recorrido, é preciso que o recorrente transcreva adequadamente esse
prequestionamento nas razões recursais. Para o recurso de revista ser admitido,
não basta que o acórdão adote tese explícita acerca de determinada matéria ou
questão. É imprescindível que a parte demonstre isso no seu recurso, por força
do que estabelece o inciso I do § 1º-A do art. 896 da CLT. O dispositivo utiliza
a expressão “indicar”, mas a jurisprudência pacífica do TST é no sentido de
que indicar significa “transcrever”. Ou seja, não basta que a parte refira as
folhas (ou o id) e o parágrafo onde a tese foi prequestionada. Não basta que a
parte sumarize, explique, sinalize ou aponte para o acórdão recorrido. É
preciso transcrever o trecho do acórdão recorrido que demonstra o
prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista. 38
Ora, se prequestionamento é a adoção de tese acerca de determinada
questão ou matéria, não atenderá a esse requisito formal a transcrição de
trechos do relatório, a referência feita no acórdão ao teor de laudos periciais ou
de depoimentos de testemunhas, conteúdo de documentos juntados aos autos
mencionados pelo Desembargador Relator, etc. Tampouco serve transcrever
trechos da ementa, do dispositivo, da reprodução das alegações das partes feita
no voto, de arrazoados laterais (obiter dicta).39 É preciso transcrever o trecho
do acórdão em que o Regional fixou uma tese jurídica para julgar o caso
concreto. Em outras palavras – tomando emprestado intencionalmente um

Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento:


24/04/2019, 4ª Turma , Data de Publicação: DEJT 26/04/2019; Ag-AIRR - 1031-
15.2014.5.03.0080, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento:
12/12/2018, 5ª Turma , Data de Publicação: DEJT 14/12/2018; RR - 430-
59.2014.5.04.0701 , Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de
Julgamento: 15/05/2019, 6ª Turma , Data de Publicação: DEJT 17/05/2019; Ag-AIRR
- 10167-14.2018.5.18.0004, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho,
Data de Julgamento: 27/08/2019, 7ª Turma , Data de Publicação: DEJT 30/08/2019;
AIRR - 988-37.2014.5.06.0002, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi,
Data de Julgamento: 23/05/2018 , 8ª Turma , Data de Publicação: DEJT 25/05/2018.
38
Quanto menos forem transcritos outros trechos irrelevantes para a compreensão da
tese jurídica adotada no acórdão recorrido, mais claro fica o recurso. Quanto mais
trechos dispensáveis forem transcritos, menos o recorrente demonstra que conhece
especificamente a controvérsia acerca da tese jurídica que pretende derrubar.
39
E-ED-RR-242-79.2013.5.04.0611, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT
25/5/2018; E-ED-RR - 60300-98.2013.5.21.0021, Rel. Min. José Roberto Freire
Pimenta, DEJT 25/05/2018.
conceito importantíssimo na teoria dos precedentes –, é preciso transcrever a
ratio decidendi do acórdão recorrido: os fundamentos necessários e suficientes
adotados pelo Tribunal Regional para julgar o caso.40
Se a decisão basear-se em mais de um fundamento, todos suficientes
para, por si só, sustentarem a decisão, o recorrente deverá insurgir-se contra
cada um desses fundamentos, transcrevendo-os individualmente (e
impugnando cada um com um fundamento de admissibilidade próprio, bem
como realizando o cotejo analítico em relação a cada fundamento impugnado).
É que de nada adiantaria ao recorrente derrubar um fundamento quando outro
sustentar sozinho a decisão (faltar-lhe-ia utilidade, elemento do interesse
recursal).41
Pois bem. É necessário transcrever os fundamentos da decisão que
demonstrem o prequestionamento da tese recursal. Mas como deve ser feita
essa transcrição?
Essa é uma das perguntas mais importantes a ser respondida neste
ensaio. Ao transcrever o trecho do acórdão que demonstra o
prequestionamento da controvérsia o recorrente deve revelar absoluto
conhecimento sobre a tese jurídica que pretende construir. O trecho precisa
explicitar exatamente qual é a tese jurídica que o recorrente pretende reverter e
a transcrição correta demonstra que o recorrente endereça corretamente sua
impugnação, a saber, à tese, e não à conclusão do julgamento. Embora o
recorrente tenha interesse primário na reversão do julgamento final do seu caso
(o que o reclamante busca é a condenação; a reclamada a absolvição), deve
recordar que o TST tem interesse apenas secundário no julgamento daquele

40
ABRAMOWICZ, Michael; STEARNS, Maxwell. Defining dicta. Stanford Law
Review. Vol. 57, No. 4 (Mar., 2005), pp. 953-1094. MARINONI, Luiz Guilherme.
Uma nova realidade diante do Projeto de CPC: a ratio decidendi ou os fundamentos
determinantes da decisão. Revista dos Tribunais. São Paulo, v.101, n.918, p. 351-414,
abr. 2012
41
Embora a exigência de indicar o prequestionamento da tese recorrida tenha lugar no
inciso I do § 1º-A do art. 896 da CLT, há importante correlação, sob esse aspecto da
decisão com mais de um fundamento, no inciso III desse mesmo dispositivo.
Precipuamente vinculado à exigência formal do cotejo analítico, o inciso III impõe ao
recorrente o ônus de impugnar “todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida”.
Esse entendimento também está estampado na Súmula n. 283 do STF, a evidenciar que
diz respeito à lógica subjacente ao funcionamento de uma Corte de Precedentes e ao
processamento de recursos de natureza extraordinária.
caso concreto, focando precipuamente na salvaguarda do direito objetivo, do
sistema jurídico como um todo.
O entendimento pacífico no âmbito do TST é de que as razões recursais
devem demonstrar de maneira explícita, fundamentada e analítica a
divergência jurisprudencial ou a violação legal. Recursos com fundamentações
genéricas, baseadas em meros apontamentos de dispositivos tidos como
violados e sem a indicação do trecho da decisão recorrida que a parte entende
ser ofensivo à ordem legal ou divergente de outro julgado, não merecem
seguimento.42.
É por esse motivo que a transcrição do trecho que demonstra o
prequestionamento da controvérsia deve ser claramente delimitado. Não
atende a esse requisito (a) transcrição integral do acórdão, sem nenhum
destaque;43 (b) transcrição integral do acórdão no início do recurso, ainda que
com destaques, mas topicamente dissociado das razões recursais; 44 (c)
transcrição integral do tópico recorrido, sem nenhum destaque 45 (salvo se o
tópico for enxuto, com poucos e curtos parágrafos); (d) indicação de folhas ou
id do acórdão; sinopse ou paráfrase do acórdão; 46 (e) ementa ou dispositivo

42
Ag-AIRR-1857-42.2014.5.01.0421, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz José Dezena da
Silva, DEJT 16/03/2020; AIRR-554-27.2015.5.23.0071, 2ª Turma, Relatora Ministra
Maria Helena Mallmann, DEJT 21/02/2020; Ag-AIRR-11305-82.2017.5.15.0085, 3ª
Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 13/03/2020; Ag-
AIRR-187-92.2017.5.17.0008, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo
Bastos, DEJT 13/03/2020; Ag-AIRR-101372-41.2016.5.01.0078, 5ª Turma, Relator
Desembargador Convocado João Pedro Silvestrin, DEJT 13/03/2020; Ag-AIRR-
12364-39.2015.5.01.0482, 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda,
DEJT 13/03/2020; RR-1246-80.2010.5.04.0701, 7ª Turma, Relator Ministro Cláudio
Mascarenhas Brandão, DEJT 08/11/2019; Ag-AIRR-10026-97.2016.5.15.0052, 7ª
Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 21/02/2020; RR-
2410-96.2013.5.03.0024, 8ª Turma, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro,
DEJT 12/04/2019.
43
Ag-AIRR-20798-30.2016.5.04.0019, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho
Delgado, DEJT 02/07/2021.
44
RR-1001045-59.2019.5.02.0039, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto
Caputo Bastos, DEJT 06/08/2021.
45
ARR-11860-22.2015.5.01.0033, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos,
DEJT 30/07/2021; AIRR-1383-18.2014.5.03.0065, 2ª Turma, Relator Ministro Jose
Roberto Freire Pimenta, DEJT 06/08/2021.
que não indiquem a controvérsia 47; (f) transcrição (apenas) dos trechos que
efetivamente consubstanciam o prequestionamento da controvérsia no início
do recurso, mas dissociados das razões recursais; 48 (g) transcrição de trecho
insuficiente para compreensão da controvérsia. 49
A transcrição do trecho que demonstra o prequestionamento da
controvérsia deve conter todos os elementos que revelam a adoção de uma
determinada tese jurídica, o embasamento em fundamentos necessários e
suficientes – e nada mais do que isso. Se o recorrente considerar relevante o
contexto (sopesamento da prova produzida, relatório das alegações das partes,
etc.), deverá, pelo menos, destacar (grifar, negritar, sublinhar, pintar, realçar) o
trecho que demonstra a tese jurídica adotada no acórdão contra a qual se
insurge.

8. Fundamento específico de admissibilidade do recurso (precisão e


pertinência)

O segundo requisito formal indispensável para o aparelhamento do


recurso de revista é a indicação expressa e específica de um fundamento
pertinente para opor à tese jurídica adotada no acórdão recorrido.
A ideia, aqui, é “amarrar” a argumentação do recorrente ao dispositivo
legal ou constitucional que serviu de ponto de partida para a Turma que
prolatou o acórdão recorrido. Para que o TST aprecie se deve prevalecer a tese
jurídica recorrida ou a recorrente, o debate entre os argumentos deve girar em
torno de um fundamento comum, o qual deve ser precisamente delimitado no
recurso.
Como dito acima, o recurso de revista pode ser admitido por violação ou
por divergência.

46
Ag-E-ED-Ag-ED-RR-1004-31.2011.5.05.0161, Subseção I Especializada em
Dissídios Individuais, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 14/05/2021.
47
Ag-AIRR-11385-33.2015.5.01.0044, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena
Mallmann, DEJT 06/08/2021; AIRR-10904-22.2015.5.01.0060, 7ª Turma, Relator
Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 06/08/2021.
48
RR-1001045-59.2019.5.02.0039, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto
Caputo Bastos, DEJT 06/08/2021.
49
Ag-AIRR-99-61.2017.5.05.0631, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT
02/07/2021.
Caso o recorrente pretenda levar sua irresignação ao TST por violação,
deverá eleger dispositivo legal ou constitucional que considere “literalmente” 50
violado pelo acórdão recorrido e expressamente indicá-lo no recurso, 51
referindo especificamente, se for o caso, qual parágrafo, inciso, alínea,
considera violado.
Além da especificidade, é necessário que o dispositivo tido como
violado seja pertinente à tese do recorrente. Não se admite que a parte aponte
violação a um dispositivo que não sedia a tese jurídica recorrida e nem
conforta a tese jurídica recorrente. É preciso que o dispositivo tido como
violado “conecte” as teses: a divergência entre a tese recorrida e a recorrente
deve ser de interpretação, mas o objeto interpretado há de ser o mesmo.
Por exemplo, se o acórdão recorrido traz condenação à reclamada ao
pagamento de horas extras pela extrapolação habitual do limite de jornada
diária, não serve à admissão do recurso a alegação da violação de dispositivo
que trata sobre a dignidade da pessoa humana, a competência material da
Justiça do Trabalho, ou sobre os princípios da legalidade ou da coisa julgada
(salvo se as teses recorrentes disserem respeito aos princípios da legalidade ou
da coisa julgada. Neste caso, será necessário que o Tribunal Regional tenha
emitido tese acerca de questão suscitada especificamente à luz desses
princípios, ainda que forçadamente, pela oposição de embargos declaratórios
visando ao prequestionamento).
Por outro lado, se o recorrente pretende admissão de seu recurso com
fundamento em divergência, deverá, em primeiro lugar, atender ao disposto na
Súmula n. 337 do TST, a qual define os requisitos formais necessários para
comprovação da divergência jurisprudencial.
E, em segundo lugar, deverá atender ao disposto na Súmula n. 296 do
TST, a qual define o requisito material necessário para a demonstração da
divergência, a saber, a especificidade. Divergência específica é aquela que,

50
Vale reiterar que são raras as decisões que violam a literalidade do dispositivo. A
expressão “literalmente” está entre aspas no texto para indicar o que se disse acima a
respeito: considera-se violado o dispositivo se o acórdão recorrido adota interpretação
divergente daquela emprestada pelo TST àquele dispositivo.
51
Neste caso, “indicar” não é “transcrever”. É claro que, para fins de clareza e
didática, é útil transcrever o dispositivo legal ou constitucional tido por violado.
Facilita ao julgador para avaliar se a decisão recorrida efetivamente viola aquele
dispositivo. Mas, diferentemente do prequestionamento, a falta de transcrição não é
fundamento suficiente para negativa de seguimento do recurso.
partindo das mesmas premissas fáticas, revela conclusões jurídicas distintas. O
acórdão divergente deve ter sido proferido em caso suficientemente
semelhante, no que concerne aos elementos fáticos relevantes, e extrair
conclusão jurídica distinta daquela evidenciada do acórdão recorrido.
É claro que dificilmente haverá identidade fática absoluta entre dois
casos. O recorrente deverá identificar similaridades juridicamente relevantes
para a formação da tese jurídica, argumentando, na demonstração analítica da
divergência, pela suficiência das similaridades fáticas e irrelevância das
distinções. 52
Além de específica, a divergência deve ser atual. Se estiver superada por
atual, iterativa e notória jurisprudência do TST, a divergência é inapta e o
recurso inadmissível.53 É que, sendo o TST uma Corte de Precedentes, a
decisão em consonância com o entendimento firmado pelo TST não abala a
unidade do Direito, não gera insegurança jurídica nem ofende à isonomia entre
os jurisdicionados, dispensando-se a intervenção do TST neste caso.

9. Cotejo analítico: razões argumentativas para reforma do acórdão

Depois de transcrever o trecho que demonstra o prequestionamento da


controvérsia suscitada pelo recorrente, demonstrando com clareza qual foi a
tese jurídica adotada no acórdão recorrido sobre aquele tema; e depois de
expor qual o fundamento de admissibilidade do recurso de revista, indicando
qual dispositivo legal/constitucional, Súmula do TST, Súmula Vinculante,
decisão de outro Regional ou do Pleno/SDI do TST, teria sido vulnerado pelo
acórdão recorrido; então caberá ao recorrente atender ao terceiro eixo central
dos requisitos formais de admissibilidade do recurso de revista, a saber,
proceder ao confronto analítico das razões adotadas no acórdão recorrido com
as contrariedades que apontou.
Em síntese, o cotejo analítico é a explicação pela qual o recorrente
considera que a decisão recorrida abala a Unidade do Direito, causa

52
SCHAUER, Frederick. Precedent. Stanford Law Review. V. 39, n. 3, 1987, p. 577.
53
Não obstante a Súmula n. 333 e o § 7º do art. 896 da CLT refiram-se apenas a
divergência, o entendimento também é aplicável ao recurso que se fundamente em
violação. Pois que, se o acórdão recorrido interpretou dispositivo legal ou
constitucional de modo consentâneo com a interpretação dada pelo TST, então o
dispositivo não pode ser considerado violado e o recurso é inadmissível. Dito de outro
modo, o recurso não se presta a formar, confirmar ou reformar precedentes.
insegurança jurídica ou ofende a isonomia entre os jurisdicionados. O
recorrente deve argumentar como, em que ponto, por qual motivo, em que
medida, o dispositivo foi violado ou o acórdão divergente/súmula foi
contrariado.
O inciso III do § 1º-A do art. 896 da CLT é claro: para que o recurso de
revista seja conhecido, o recorrente deve “expor as razões do pedido de
reforma, impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida,
inclusive mediante demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da
Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja
contrariedade aponte.”
Em primeiro lugar, o cotejo analítico deve incluir a impugnação de
todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida. Consoante já afirmado
acima, se a decisão se basear em mais de um fundamento, todos suficientes
para, por si só, sustentarem a decisão, o recorrente deverá insurgir-se contra
cada um desses fundamentos, realizando o cotejo analítico entre as suas razões
e as do acórdão recorrido relativamente a cada um dos seus fundamentos. A
falta de ataque a um dos fundamentos da decisão recorrida tornaria inútil o
eventual provimento do recurso de revista, já que a manutenção do
fundamento não atacado imporia a manutenção da decisão em si.
Em segundo lugar, o cotejo analítico deve dizer respeito a cada
dispositivo legal ou constitucional apontado como violado, cada Súmula do
TST que o recorrente considere ter sido contrariada, cada Orientação
Jurisprudencial, cada Súmula Vinculante, cada acórdão divergente de outro
Regional ou da SDI do TST. Isso significa que o recorrente não poderá traçar
uma linha argumentativa única e concluir, ao final, que demonstrou a violação
de vários dispositivos legais e constitucionais, ou que demonstrou a
divergência entre o acórdão recorrido e inúmeros julgados de outros Regionais
ou da SDI do TST.54

54
Sendo a SDI o órgão responsável pela uniformização interna da jurisprudência do
TST em matéria individual – especialmente em sua composição Plena, conjugando a
SDI1 e a SDI2 –, decisões recentes dessa Seção podem representar a interpretação
consolidada do TST acerca de determinados temas, dispositivos legais ou
constitucionais. Assim, além de servir como fundamento para admissibilidade
específico do recurso de revista, uma decisão da SDI que veicule tese contrária à
adotada pelo Tribunal Regional pode revelar que o acórdão recorrido viola algum
dispositivo legal ou constitucional na interpretação que lhe confere o TST. Ou seja, é
possível que um acórdão divergente da SDI não sirva como fundamento para
Especificamente para as alegações de divergência jurisprudencial, o
recorrente deverá expor de maneira clara e lógica que as duas decisões
partiram de premissas fáticas suficientemente semelhantes, descrevendo-as, e
indicar os pontos, na conclusão jurídica, em que elas divergem.
Uma técnica bastante difundida entre os advogados é a da exposição
“lado a lado”, ou “quadro comparativo”. Mediante essa técnica, os advogados
expõem, em uma coluna, o trecho do acórdão que consubstancia o
prequestionamento da controvérsia (primeiro eixo orbital do aparelhamento
formal do recurso de revista) e, em paralelo, uma coluna ao lado, indicando o
fundamento da admissibilidade do recurso (segundo eixo orbital) – sejam
dispositivos legais/constitucionais, sejam Súmulas, Orientações
Jurisprudenciais ou arestos divergentes. Esse formato, por si só, não atende, ao
terceiro eixo orbital, que é o confronto analítico. É que, embora ele possa ser
útil55 para demonstrar eventual discrepância entre uma coluna e outra, não
suplanta a necessidade de a parte argumentar. Deve a parte dizer,
textualmente, com seus argumentos, em que ponto(s) o acórdão recorrido
vulnera a ordem jurídica.56

admissibilidade do recurso, seja por falta de demonstração analítica da divergência


(aproximação das premissas fáticas relevantes e afastamento da conclusão jurídica),
seja por não preencher algum requisito formal da comprovação da divergência
(Súmula n. 337 do TST), mas sirva para demonstrar que o TST tem um entendimento
diferente daquele adotado no acórdão recorrido, isto é, para demonstrar uma possível
violação a dispositivo de lei ou Constituição segundo a interpretação que o TST
confere àquele dispositivo – desde que, por óbvio, o recorrente aponte especificamente
tal violação e exponha as razões pelas quais considera que o dispositivo teria sido
violado.
55
O formato “lado a lado” pode ser útil, mas também pode atrapalhar. Se o trecho do
acórdão recorrido que consubstancia o prequestionamento da controvérsia for muito
longo, ou se, na coluna ao lado, houver muito texto (por exemplo, trechos longos de
arestos divergentes ou dispositivos legais/constitucionais longos), é possível que as
colunas ocupem várias folhas, dificultando a visualização da tese jurídica adotada no
acórdão recorrido e a sua contrariedade a dispositivos legais/constitucionais ou a
arestos divergentes. Se o formato extrapolar uma página, já é recomendável mudar o
layout do recurso.
56
Ag-AIRR-1857-42.2014.5.01.0421, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz José Dezena da
Silva, DEJT 16/03/2020; AIRR-554-27.2015.5.23.0071, 2ª Turma, Relatora Ministra
Maria Helena Mallmann, DEJT 21/02/2020; Ag-AIRR-11305-82.2017.5.15.0085, 3ª
Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 13/03/2020; Ag-
Por fim, vale destacar que a fundamentação vinculada e a
devolutividade restrita exigem um tipo de argumentação específico. A
argumentação exigida no cotejo analítico é diferente daquela desenvolvida no
recurso ordinário. Enquanto no recurso ordinário o recorrente expõe todas as
suas razões, arrolando argumento sobre argumento e expondo todo e qualquer
fundamento consentâneo com o acolhimento da sua pretensão, sem ater-se aos
fundamentos da sentença recorrida (recurso de fundamentação ampla e
devolutividade profunda), no recurso de revista o recorrente deverá
argumentar “cirurgicamente”, atacando especificamente a tese jurídica adotada
no acórdão recorrido que pretende derrubar. 57
Desse modo, ao recorrente de revista não basta discorrer razões de
desconformidade com o decisum do acórdão recorrido. Isso não é cotejo
analítico. É necessário atacar especificamente o fundamento jurídico da
decisão.

10. Conclusão

O recurso de revista, de natureza extraordinária, possui rigores formais


que não são simples capricho legislativo ou jurisprudência defensiva. As
formalidades exigidas no recurso de revista são compatíveis – e até
recomendáveis – com suas características teóricas.
A admissibilidade do recurso de revista depende da sua aptidão para
formar, confirmar ou reformar precedentes. Tal aptidão é imprescindível para
viabilizar o funcionamento do Tribunal Superior do Trabalho como uma Corte
de Precedentes, atingindo seu objetivo principal de assegurar Unidade do
Direito, privilegiando a segurança jurídica e a isonomia da prestação
jurisdicional à sociedade brasileira.
AIRR-187-92.2017.5.17.0008, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo
Bastos, DEJT 13/03/2020; Ag-AIRR-101372-41.2016.5.01.0078, 5ª Turma, Relator
Desembargador Convocado João Pedro Silvestrin, DEJT 13/03/2020; Ag-AIRR-
12364-39.2015.5.01.0482, 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda,
DEJT 13/03/2020; RR-1246-80.2010.5.04.0701, 7ª Turma, Relator Ministro Cláudio
Mascarenhas Brandão, DEJT 08/11/2019; Ag-AIRR-10026-97.2016.5.15.0052, 7ª
Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 21/02/2020; RR-
2410-96.2013.5.03.0024, 8ª Turma, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro,
DEJT 12/04/2019.
57
AIRR-10139-77.2016.5.15.0011, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes
Arruda, DEJT 07/05/2021.
O recurso de revista possui fundamentação vinculada e devolutividade
restrita. O TST não tem como finalidade precípua a justiça para o caso
concreto, mas a justiça para o ordenamento jurídico. Sua apreciação se limita
exclusivamente à tese jurídica emanada no acórdão recorrido contra a qual o
recorrente se insurge. Sua intervenção ao caso somente pode ocorrer nas
hipóteses especificamente previstas no caput do art. 896 da CLT (em síntese:
violação ou divergência).
Os três eixos centrais dos requisitos formais do recurso de revista
remontam a essas duas características e têm paralelos com cada um dos três
primeiros incisos do art. 896, § 1º-A, da CLT: (i) transcrição adequada do
trecho que demonstra a tese jurídica adotada no acórdão recorrido, (ii)
indicação específica e pertinente de dispositivo de lei/Constituição violado ou
contrariedade a Súmula, Orientação Jurisprudencial, decisão do Pleno ou da
SDI do TST, divergência com decisão de outro Regional prolatada em caso
faticamente semelhante e (iii) razões que demonstrem analiticamente tal
violação, contrariedade ou divergência.
Para cada tese jurídica que o recorrente pretenda reverter será necessário
organizar esse “bloco”: prequestionamento, fundamento de admissibilidade e
cotejo analítico. A cada tese, um novo grupo. Não basta expor razões de
contrariedade ao acórdão (“cota de apelo”) e nem organizar o recurso com um
tópico com trechos de prequestionamento, outro com trechos de fundamentos
de admissibilidade e outro com razões de cotejo analítico. Para ter seu recurso
admitido, o recorrente deve demonstrar sua aptidão para formar, confirmar ou
reformar precedente a cada tema objeto do recurso de revista.

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