Vidas Secas

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VIDAS SECAS

1. Primeira fase do Modernismo (1922-1930): "fase heróica", foi marcada pelo


combate à tradição. "Libertação cultural do Brasil".
2. Segunda fase do Modernismo (1930-1945): foi quando o movimento
ganhou mais força e se criaram obras essenciais da literatura brasileira.
Na prosa, houve uma grande reflexão e crítica da realidade brasileira,
sendo retratado os problemas sociais das diferentes regiões, com
destaque para o regionalismo nordestino. Denúncias sociais.
3. Terceira fase do Modernismo (1945-1960): abandonam os diversos ideais
defendidos pela primeira geração do Modernismo, como a exploração da
realidade brasileira e a língua popular. Na poesia há inclusivamente um
retorno à forma, sendo encarada como arte da palavra. Nesta última fase
houve a exploração da psicologia humana, sendo abordados conteúdos
inovadores.

● Faz uma crítica regionalista, pois a obra trata da seca e fome vivida por
pessoas da região nordeste do Brasil.
● É uma obra regionalista por se tratar da fome e condições precárias vividas
no sertão. Denuncia a vida sofrida dos nordestinos.
● Artista do segundo movimento modernista, Graciliano Ramos denunciou
fortemente as mazelas do povo brasileiro, principalmente a situação de
miséria do sertão nordestino.

Em sua obra, o escritor Graciliano Ramos, aborda com frequência questões sociais
que envolvem um homem brasileiro, analisando os dramas existenciais
representados nas figuras humanas marcadas pela miséria. O trecho que apresenta
essas características com maior clareza é:
" Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de
achar comida, sentiu o desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se
para não estragar força".

● Esperança de achar comida.

★ Obras que se assemelham muito sobre o assunto abordado são os


"Retirantes" de Cândido Portinari e "Fugindo da seca" de J. Borges.

“Vidas Secas“, romance publicado em 1938, retrata a vida miserável de uma família
de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar de tempos em tempos para áreas
menos castigadas pela seca. A obra pertence à segunda fase modernista,
conhecida como regionalista.
O estilo seco de Graciliano Ramos, que se expressa principalmente por meio do uso
econômico dos adjetivos, parece transmitir a aridez do ambiente e seus efeitos
sobre as pessoas que ali estão.

“Mudança” narra as agruras da família sertaneja na caminhada impiedosa pela


aridez da caatinga, enquanto que em “Fuga” os retirantes partem da fazenda para
uma nova busca por condições mais favoráveis de vida. Assim, pode-se dizer que a
miséria em que as personagens vivem em Vidas Secas representa um ciclo.
Quando menos se espera, a situação se agrava e a família é obrigada a se
mudar novamente.

Informações extras:
➔ O romance pode ser chamado de "romance desmontável", pois os capítulos
podem ser lidos em qualquer ordem.

➔ É um romance de tensão social e psicológica: o livro tanto expõe o drama


social de uma família de retirantes nordestinos que foge da seca, da miséria
e da fome, quanto analisa os conflitos da alma desses personagens movidos
pela esperança e determinação de sobreviver.

➔ É um romance cíclico: a situação inicial que mostra os personagens como


retirantes miseráveis fugindo da seca e da morte no capítulo ("mudança") se
repete no final do livro no capítulo ("fuga").
➔ Este drama de romance cíclico tem uma simbologia por trás, que seria a
demonstração do drama que o Fabiano sofre, já foi vivido pelos pais, por
seus avós e será vivido pelos seus filhos, representando ciclo de miséria,
de injustiça e carência total para estes nordestinos miseráveis que
constantemente são obrigados a mudar ou a fugir para para sobreviver. E por
mais que eles se esforcem, não conseguem sair desse ciclo vicioso.

➔ Neorrealismo regionalista: o livro apresenta uma visão objetiva e científica


somada à intenção de análise de denúncia de um drama sócio-psicológico,
lembrando as obras realistas do século 19. Por outro lado, aborda uma
realidade típica da situação social e cultural do nordeste brasileiro.

➔ Discurso indireto livre: o autor utiliza uma técnica narrativa que consiste em
inserir as falas ou pensamentos das personagens diretamente no discurso do
narrador. (Livre: daquelas expressões que sugerem a iniciação da fala do
personagem). (Esse discurso substitui a ausência de fala dos personagens
do livro, são praticamente mudos ou pouco falam).
➔ Monólogo interior livre fluxo da consciência: narrador procura expor os
pensamentos dos personagens da forma natural e confusa como eles se
formam, sem organizá-los para uma compreensão lógica.

➔ Narrador: a narrativa é feita em 3° pessoa, com o narrador externo e


onisciente. No entanto, o narrador opta pela onisciência seletiva, que
consiste em selecionar em cada capítulo uma personagem diferente e sob o
ponto de vista deste personagem, dando a impressão de narrativa em
primeira pessoa. (Só que neste livro o narrador opta por também dá voz a
outros personagens, dividindo um pouco da onisciência seletiva).

➔ Linguagem: O livro apresenta a linguagem seca, áspera e concisa, limitada


ao essencial para expressar as ideias com clareza e precisão. O uso de
vocábulos típicos da região atribui certa beleza poética ao texto que se
caracteriza ainda pela correção gramatical.

➔ Personagens: os personagens de "Vidas Secas" são complexos e


dramáticos, analisados em constantes conflitos entre e a realidade
sócio-econômica que os cerca e os seus sonhos e angústias mais íntimas de
forma geral existe um processo de animalização dos seres humanos
contrastando com uma espécie de humanização dos animais, especialmente
da cachorrinha Baleia. No entanto é preciso observar que a realidade física
desumana e animalizada destas personagens não condiz com a nobreza de
caráter e espírito que as dignifica.

➔ Animalização: provocada pelo meio social, que os colocam em situação


animalesca, como a seca e miséria.

➔ Podemos elencar três crises:


1. A primeira é o do autoritarismo: Os oprimidos se mostram submissos, mas
sonham em serem os opressores.

2. A segunda é a da afetividade: Não há muita humanidade entre as


personagens. Eles têm dificuldade em demonstrar carinho, sendo que a
cachorra Baleia é a personagem mais “humana”.

3. A terceira é não dominar a linguagem: São pessoas de poucas palavras e


pouca comunicação. Mesmo assim, elas têm riqueza psicológica. Sabemos
disso porque em Vidas Secas de Graciliano Ramos, o narrador mergulha na
mente das personagens e revela ao leitor os seus pensamentos. Isso é
chamado de discurso indireto livre.

➔ Por fim, ressalte-se que a seca não é só a geográfica, ou seja, não só a


terra é seca, mas também a linguagem, que é muito enxuta. Também as
personagens são secas e a vida sem perspectiva, sem saída, que
começa e termina e recomeça do mesmo modo, também é seca. Apesar
de tudo, o livro trás muito otimismo, pois cada um desses envolvidos
não cessa de sonhar e pensar que dias melhores virão.

Análise da obra e contexto histórico


Narrador: terceira pessoa, onisciente.
Espaço: sertão nordestino.
Tempo: psicológico, ocorre entre a descrição de duas secas.
Foco narrativo: família de Fabiano e introspecção das personagens.
Fatores externos: Segunda fase do Modernismo, Revolução de 1930, Estado
Novo, urbanização ascendente a partir do início do século XX.

Temáticas
O sertão nordestino retratado por Graciliano Ramos, a partir de um regionalismo
que trata de temas universais, conversa sobre a
● Condição de miséria perante a seca
● O abuso de autoridade
● A exploração do trabalho
● Inócua perspectiva de vida de seus personagens
● Injustiças socias
● Jugo explorador e escravagista do latifúndio, pelo autoritarismo do
Estado, representado pelo soldado amarelo, e pela indiferença das
instituições em geral, como governos, igrejas e sociedade

2° Fase do Modernismo Brasileiro


● Romance de 30
● Romance regionalista
● Neorrealismo
● Realismo social

Conclusão
Em Vidas Secas, Graciliano Ramos sugere que o pobre está jogado à sua
própria sorte, sem saída, sem chance de alguma melhoria social e econômica,
por isso a família de retirantes anda em círculo, pois, cada vez que é dispensada de
uma fazenda, “retoma o caminho de sempre”. Essa tese é aprofundada pelo jugo
explorador e escravagista do latifúndio, pelo autoritarismo do Estado,
representado pelo soldado amarelo, e pela indiferença das instituições em
geral, como governos, igrejas e sociedade.
Personagens
O grau de semelhança na caracterização de Fabiano e de sua família é muito
grande. A brutalidade da seca faz com que os personagens também se
embruteçam, é ai que o autor os compara com animais. As personagens não falam,
mas grunhem, rosnam, gesticulam e falam palavras soltas. Cabe ao narrador
interpretar e expor os seus desejos.

Fabiano:
Fabiano é um homem rude, típico vaqueiro do sertão nordestino. Sem ter
frequentado a escola, não é um homem com o dom das palavras, e chega a ver a si
próprio como um animal às vezes.

Empregado em uma fazenda, pensa na brutalidade com que seu patrão o trata.
Fabiano admira o dom que algumas pessoas possuem com a palavra, mas assim
como as palavras e as ideias o seduziam, também cansavam-no.

Sem conseguir se comunicar direito com as pessoas, entra em apuros em um bar


com um soldado, que o desafiou para um jogo de apostas. Irritado por perder o jogo,
o soldado provoca Fabiano o insultando de todas as formas. O pobre vaqueiro
suporta tudo calado, pois não conseguia se defender. Até que, por fim acaba,
insultando a mãe do soldado e sendo preso. Na cadeia, pensa na família, em como
acabou acabou naquela situação e acaba perdendo a cabeça, gritando com todos e
pensando na família como um peso a carregar.

Um vaqueiro rude e sem instrução, não tem a capacidade de se comunicar bem e


lamenta viver como um bicho, sem ter frequentado a escola. Ora reconhece-se
como um homem e sente orgulho de viver perante às adversidades do nordeste, ora
se reconhece como um animal. Sempre a procura de emprego, bebe muito e perde
dinheiro no jogo.

Fabiano quer se revoltar contra as injustiças que sofre por parte do patrão e do
soldado amarelo, porém, como um animal domesticado, aceita os maus-tratos.
Fabiano tem uma enorme dificuldade de raciocinar e se expressar de maneira lógica
e organizada. Comunica-se com gestos e grunhidos, o que o aproxima muito
de um bicho, como ele mesmo reconhece. Quando vão para a cidade (capítulo
“festa”), sentem-se deslocados e assustados. Fabiano é preso e surrado como um
animal por capricho de um “soldado amarelo”

Paralelo ao drama físico-social desta família, acompanhamos o seu drama


psicológico. Fabiano vive a angústia de se saber inferior por não conseguir
falar com clareza, questionando-se constantemente se é um bicho ou um
homem.

● Fisicamente grotesco e animalizado, mas moralmente nobre e digno.


● Dificuldade para falar e ausência de sonhos, movido pelo ato do instinto
da sobrevivência.

Sinhá Vitória:
Sinha Vitória é a esposa de Fabiano. Mulher cheia de fé e muito trabalhadora. Além
de cuidar dos filhos e da casa, ajudava o marido em seu trabalho também. Esperta,
sabia fazer contas e sempre avisava ao marido sobre os trapaceiros que tentavam
tirar vantagem da falta de conhecimento de Fabiano.

Sonhava com um futuro melhor para seus filhos e não se conformava com a miséria
em que viviam. Seu sonho era ter uma cama de fita de couro para dormir (metáfora
para o desejo de ter um lugar definitivo e seu para viver).

A mulher de Fabiano. Mãe de 2 filhos, é batalhadora e inconformada com a miséria


em que vivem. É esperta e sabe fazer conta, sempre prevenindo o marido sobre
trapaceiros.

Seu inconformismo faz com que ela se transforme em uma pessoa queixosa,
sendo impaciente com os filhos e um tanto quanto amargurada.

● Inconformada com sua situação, sonha com uma vida mais digna,
representada pelo desejo de possuir uma cama de lastro.
● A cama representa ter um "lugar definitivo para viver".

Filhos:
Nesse cenário de miséria e sem se darem muita conta do que acontecia a seu
redor, viviam os dois meninos. O mais novo via na figura do pai um exemplo.

Já o mais velho queria aprender sobre as palavras. Um dia ouviu a palavra “inferno”
de alguém e ficou intrigado com seu significado. Perguntou a Sinhá Vitória o que
significava, mas recebeu uma resposta vaga. Vai então perguntar a Fabiano, mas
esse o ignora. Volta a questionar sua mãe, mas ela fica brava com a insistência e
lhe dá um cascudo. Sem ter ninguém que o entenda e sacie sua dúvida, só
consegue buscar consolo na cadela Baleia.

O mais novo admira a figura do pai vaqueiro, integrado à terra em que vivem. Já o
mais velho não tem interesse nessa vida sofrida do sertão e quer descobrir o o
sentido das palavras, recorrendo mais à mãe.

Os meninos vivem a angústia de não terem como satisfazer a sua curiosidade


natural (capítulo “inferno”) ou a falta de perspectiva para o futuro (capítulo
“menino mais novo”).

O mais novo filho de Fabiano sonha explicitamente em ser um grande homem,


domador de cavalos e vaqueiro, e toma um tombo hilário ao tentar montar um
bode, numa rara cena onde até a cadela Baleia se divertiu.
● Caracterizado pela falta de perspectiva de vida simbolizada no desejo de ser
igual ao pai.
● Quer ser igual ao pai. Vemos que isso vai acontecer, porque o ciclo de
miséria é "hereditário".

O menino mais velho quer conhecer o mundo, sendo um pouco mais


intelectual e avoado. Encasqueta em saber o significado da palavra “inferno”, e sai
indagando, até perguntar à sua mãe se ela conhecia o inferno, e levar um sacode!
● Caracterizado pelo desejo e dificuldade de adquirir a condição natural
da fala que lhe permita entender o mundo à sua volta.
● Não tem a menor ideia do que é religião,o ensino religioso não é realidade
para eles.

Baleia:
A cadela que é tratada como membro da família. Pensa, sonha e age como se fosse
gente. A cachorra Baleia tem sonhos, se comunica com o seu corpo de forma mais
eficaz e salva a família da fome no começo do livro.

O talento de Graciliano está em estruturar a narrativa de modo que, perante


pessoas sem sonhos, apenas Baleia tem o poder de imaginar. Pouco antes de
morrer, ela vê a si mesma num campo repleto de preás, onde poderia saciar a sua
fome.

Quando nos apresentam os homens vistos pelos olhos dos animais, como a
cachorra Baleia (Vidas secas) produzem um efeito de estranhamento, pois nos
fazem enxergar de um ponto de vista inusitado o que antes parecia natural e
familiar.
● Cachorrinha da família que se humaniza pelas atitudes de solidariedade
com o drama físico e social dos humanos.
Papagaio:
Por curto período a família também contou com um mascote papagaio, que
precisou ter sua vida abatida para saciar a fome que todos sacrificavam, logo
no início do livro.

Patrão:
Fazendeiro desonesto que explorava seus empregados, contrata Fabiano para
trabalhar.
O dono da fazenda abandonada em que Fabiano trabalha como vaqueiro também
pode ser considerado uma representação da mediocridade, injustiça e opressão.
Sua busca pela produtividade o deixa cego para qualquer valor humano. Em
contrapartida, a família caminha num triste movimento cíclico de solidão, abandono
das autoridades e desesperança. A única alternativa é a melancólica fuga, tanto
de si mesmos como do sertão abrasador.

Soldado Amarelo:

Corrupto, oportunista e medroso, o Soldado Amarelo é símbolo de repressão e do


autoritarismo pelo qual é comandado (ditadura Vargas), porém não é forte
sozinho; sem as ordens da ditadura, é fraco e acovarda-se diante de Fabiano.

A representação do poder instituído está na personagem do Soldado Amarelo.


Surge como um policial arbitrário que, após uma discussão num jogo de cartas, é
responsável pela prisão e humilhação do chefe da família sertaneja, que se sente
impotente perante o mundo, sem possibilidade de alterar nada.

● Simboliza o descaso e a injustiça governamental.

Seu Tomás da Bolandeira:


Só aparece nas lembranças da família. Seu Tomás era um homem abastado,
inteligente e que lia muito, porém isso de nada lhe serviu quando a seca chegou e
ele também teve que abandonar a fazenda.

Seu Tomás também é um homem rústico e pobre do interior. Mesmo assim, serve
de referência ao casal, tanto no aspecto cultural quanto social. Fabiano deseja ter
a capacidade de “falar” como o seu Tomás da Bolandeira. Sinhá Vitória deseja
ter a sua estabilidade financeira (simbolizada na cama de lastro) para largar
aquela vida nômade de ter de se mudar a cada período de seca.

Dessa forma, ele representa as aspirações de mudança do casal.

● Símbolo de "status" socio cultural para o casal.


● Cultural: Fabiano e social: sinhá Vitória
O DONO DA FAZENDA, O FISCAL DA PREFEITURA E O SR. INÁCIO:

Os três personagens são representantes das instituições sociais que oprimem


Fabiano.
Patrão: contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto, exigente,
ladrão e explorava os empregados.
● Simboliza a exploração injusta do capitalismo selvagem.
● Mesmo tendo essa consciência de pobreza que aquelas pessoas enfrentam
e das necessidades do empregado, o patrão não abre mão de explorá-lo para
visar um lucro maior.

O fiscal da prefeitura: intolerante e explorador. (O fiscal aparece quando Fabiano


vai vender um porco na cidade e o fiscal aparece cobrando impostos. Fabiano
começa a se questionar do porquê o governo e/ou prefeitura, não ajudou em nada
em relação ao porco, não cuidou do porco, não o alimentou, então porque ele tem
que dar uma parte do dinheiro para o governo)

O Sr. Inácio: era o dono do bar.

Capítulos
Um dia a chuva chega (o “inverno”) e ficam todos em casa ouvindo as histórias de
Fabiano. Histórias essas que ele nunca tinha vivido, feitos que ele nunca havia
realizado. Em meio a suas histórias inventadas, Fabiano pensava se as coisas iriam
melhorar dali então. Para o filho mais novo, as sombras projetadas pela fogueira no
escuro deixava o pai com um ar grotesco. Já o mais velho ouvia as histórórias de
Fabiano com muita desconfiança.

O Natal chegou e a família inteira foi à festa da cidade. Fabiano ficou embriagado e
se sentiu muito valente, só pensando em se vingar do soldado que lhe colocou atrás
das grades. Uma hora, cansado de seu próprio teatro, faz de suas roupas um
travesseiro e dorme no chão.

Sinha Vitória estava cansada de cuidar do marido embriagado e ter que olhar as
crianças também. Em um dado momento, ela toma coragem para fazer o que mais
estava com vontade: encontra um cantinho e se abaixa para urinar. Satisfeita,
acende uma piteira de barro e fica a sonhar com a cama de fitas de couro e um
futuro melhor.

No que talvez seja o momento mais famoso do livro, Fabiano vê o estado em que se
encontrava Baleia, com pelos caídos e feridas na boca e achou que ela pudesse
estar doente. O vaqueiro resolve, então, sacrificar a cadela.
Sinhá Vitória recolhe os filhos, que protestavam contra o sacrifício do pobre animal,
mas não havia outra escolha. O primeiro tiro acerta o traseiro de Baleia e a deixa
com as patas inutilizadas. A cadela sentia o fim próximo e chega a querer morder
Fabiano. Apesar da raiva que sentia de Fabiano, o via como um comum
companheiro de muito tempo. Em meio ao nevoeiro e da visão de uma espécie de
paraíso dos cachorros, onde ela poderia caçar preás à vontade, Baleia morre
sentindo dor e arrepios.

E assim a vida vai passando para essa família sofredora do sertão nordestino. Até
que um dia, com o céu extremamente azul e nenhuma nuvem à vista, vendo os
animais em estado de miséria, Fabiano decide que a hora de partir novamente havia
chegado. Partiram de madrugada largando tudo como haviam encontrado. A cadela
Baleia era uma imagem constante nos pensamentos confusos de Fabiano. Sinhá
Vitória tentava puxar conversa com o marido durante a caminhada e os dois
seguiam fazendo planos para o futuro e pensando se existiria um destino melhor
para seus filhos.

A estética da seca
“Vidas Secas” é um dos maiores expoentes da segunda fase modernista, a do
regionalismo. O diferencial desse livro para os demais da época é o apuro técnico
do autor.

Graciliano Ramos, ao explorar a temática regionalista, utiliza vários expedientes


formais – discurso indireto livre, narrativa não-linear, nomes dos personagens – que
confirmam literariamente a denúncia das mazelas sociais.

O livro consegue desde o título mostrar a desumanização que a seca promove


nos personagens, cuja expressão verbal é tão estéril quanto o solo castigado
da região. A miséria causada pela seca,como elemento natural, soma-se à
miséria imposta pela influência social, representada pela exploração dos ricos
proprietários da região.

Os retirantes, como o próprio nome indica, estão alijados da possibilidade de


continuar a viver no espaço que ocupavam. São, portanto, obrigados a retirar-se
para outros lugares. Uma das implicações dessa vida nômade dos sertanejos é a
fragmentação temporal e espacial.

Graciliano Ramos conseguiu captar essa fragmentação na estrutura de Vidas Secas


ao utilizar um método de composição que rompia com a linearidade temporal,
costumeira nos romances do século XIX.
A proposital falta de linearidade, ou seja, de capítulos que se ligam temporalmente,
por relações de causa e de consequência, dá aos 13 capítulos de Vidas Secas uma
autonomia que permite, até mesmo, a leitura de cada um de forma independente.

Narrador
A escolha do foco narrativo em terceira pessoa é emblemática, uma vez que esse é
o único livro em que Graciliano Ramos utilizou tal recurso. Trata-se, na verdade, de
uma necessidade da narrativa, para que fosse mantida a verossimilhança da obra.
Por causa da paupérrima articulação verbal dos personagens, reflexo das
adversidades naturais e sociais que os afligem, nenhum parece capacitado a
assumir o posto de narrador.

O autor utilizou também o discurso indireto livre, forma híbrida em que as falas
dos personagens se mesclam ao discurso do narrador em terceira pessoa (trata-se
de uma forma de mostrar a fala ou pensamento das personagens inseridos
diretamente no discurso do narrador).

Essa foi a solução para que a voz dos marginalizados pudesse participar da
narração sem que tivessem de arcar com a responsabilidade de conduzir de forma
integral a narrativa.

Vidas secas é narrado em terceira pessoa, ou seja, possui um narrador externo


onisciente. No entanto, é muito comum o leitor ter a impressão de que a narrativa é
feita pelas personagens do livro, em primeira pessoa. Isso acontece porque o
narrador conta a história sob o ponto de vista da personagem focalizada
naquele momento, explorando assim, além do drama social, o drama
psicológico.

Espaço
A narrativa é ambientada no sertão, região marcada pelas chuvas escassas e
irregulares. Essa falta de chuva – somada a uma política de descaso do governo
com os investimentos sociais – transforma a paisagem em ambiente inóspito e
hostil.

Inverno, na região, é o nome dado à época de chuvas, em que a esperança


sertaneja floresce. O sonho de uma existência menos árida e miserável esboça-se
no horizonte e dura até as chuvas cessarem e a seca retornar implacável. No
romance, essa esperança aparece no capítulo “Inverno”, em que Fabiano alimenta a
expectativa de uma vida melhor, mais digna.

O retorno à visão marcada pela falta de perspectivas recomeça com o fim das
chuvas, com o fim da esperança. Na obra, pode-se apontar, também, para dois
recortes espaciais: o ambiente rural e o urbano. A relevância desse recorte se deve
às sensações de adequação ou inadequação dos personagens em um ou outro
espaço.

Fabiano consegue, apesar da miséria presente, dominar o ambiente rural. Incapaz


de se comunicar, o personagem, desempenhando a solitária função de vaqueiro,
não sente tanto as consequências de seu laconismo. Além disso, conhece as
técnicas de sua profissão, o que lhe dá uma sensação de utilidade e permite que
goze até de certa dignidade. A passagem em que seu filho o admira ao vê-lo
trabalhando deixa claro isso. Na cidade, porém, Fabiano vivencia, a cada nova
experiência, o sentimento de inadequação. Os capítulos “Festa” e “Cadeia” ilustram
bem essa sensação.

Tempo
Além da falta de linearidade do tempo, em “Vidas Secas” há nítida valorização do
tempo psicológico, em detrimento do cronológico. Essa opção do narrador de
ocultar os marcadores temporais tem como principal consequência o distanciamento
dos personagens da ordenação civilizada do tempo.

Dessa forma, nota-se que a ausência de uma marcação cronológica temporal serve,
enquanto elemento estrutural, como mais uma forma de evidenciar a exclusão
dos personagens. Por outro lado, a valorização do tempo psicológico na narrativa
faz com que as angústias dos personagens fiquem mais próximas do leitor, que as
percebe com muito mais intensidade.

O tempo de narrativa medeia duas secas. A primeira que traz a família para a
fazenda e a segunda que a leva para o Sul. Mesmo possuindo algumas referências
cronológicas na obra, o tempo é psicológico e circular.
"... Sinhá Vitória é saudosista. Lembra-se de acontecimentos antigos, até ser
despertada pelo grito da ave e ter a idéia de transformá-la em alimento".(Cap. 01 –
Mudança).

O tempo adquire um caráter lógico, porque as personagens sempre em


movimento através da mudança contínua dos estados: tanto física como
psicológica. O tempo descontínuo se organiza no ritmo temporal do leitor moderno,
o ritmo da vida precipitado e lento: precipitado por causa das frases curtas, enxutas,
período simples, lento porque é cheios de vazios, sentidos densos.

Comentário do Professor
“Vidas Secas” é um romance cíclico. São 13 capítulos independentes que contam a
retirada de uma família. Inicia-se com uma mudança e termina com a fuga. Eles são
quase como contos com as suas narrativas próprias.
A família é composta pelo pai – Fabiano – que quase não fala, não sabe que é
branco e não sabe ler nem escrever. Sinhá Vitória, mulata esperta que sabia fazer
contas com os grãos, Menino mais velho que queria saber ler e queria o significado
da palavra Inferno. Menino mais novo, queria ser um vaqueiro como o pai. Cadela
Baleia, a mais humana das personagens e um papagaio que não falava, só latia
porque era o único som que escutava.

Além disso, pode ser perguntado sobre o grau de miserabilidade dessa família: a
cadela chegando ao nível humano e o humano descendo à condição de
animal. Esta família vaga pela caatinga tentando chegar em algum lugar, mas
podem estar perdidos, andando em círculo.Assim, o escritor, entre os mais
importantes da segunda fase modernista, desenha a vida do sertanejo em um
círculo. Ou uma espiral. Como uma roda viva.

“Mais do que a seca causada pela inclemência da natureza, o que reprimiria


Fabiano e sua família seriam as relações de dominação estabelecidas pelos
próprios homens”.

“Por isso não se trata de um romance típico sobre a seca, mas sobre vidas
secas. Vidas apresentadas em toda sua complexidade enquanto partes de um
processo sistemático de exploração, humilhação e alienação. Em resumo,
dessa mescla entre artesania da palavra e problematização de feridas tão vivas da
realidade brasileira, o artista extrai sua força, que o engrandece e o coloca como um
dos principais artistas de nossa literatura.”

"Por outro lado, ao optar por Vidas Secas, seu único título adjetivado, elegeu um
nome capaz de englobar todas as narrativas e conferir unidade ao todo, realçando a
arquitetura precisa e bem estruturada do conjunto."

O título escolhido, conforme esclareceu o próprio Graciliano Ramos, destaca a


“existência miserável de trabalho, de luta, sob o guante da natureza implacável e da
injustiça humana”. O pesquisador ressalta: “Vidas Secas materializa muito bem
aquilo que, na minha opinião, é o grande legado de Graciliano: a conjunção entre
rigor formal, introspecção e problematização de diferentes temas de caráter social,
tais como a miséria, a exploração, a humilhação, entre outros ingredientes que
compõem um caldeirão de conflitos bem brasileiro, prestes a explodir”.

Análise da obra
Em Vidas Secas, Graciliano enfatiza a exploração do trabalhador, mostrando como
Fabiano é enganado pelo dono da fazenda: seu patrão o rouba nas contas, cobra
preços abusivos pelos mantimentos e juros altíssimos.No final, Fabiano foge da
seca e da dívida que tem com o seu patrão. Mesmo após trabalhar mais de um ano,
ele continua sem nenhuma posse.

Graciliano retrata a miséria que toma o homem bruto e ele mesmo se vê mais como
um bicho do que como um ser humano.

A condição de homem bruto faz com que o protagonista seja explorado pelo seu
patrão e oprimido pelo governo. Mesmo que a miséria venha pelas condições da
natureza (a seca), os homens se aproveitam dela em vez de ajudar aqueles que
mais precisam.
O livro é cheio de termos regionais e a escrita se aproxima mais da fala. Assim
como em outros romances da segunda fase do modernismo, essa obra aborda
temas sociais com o propósito de denúncia e questionamento.

Outra característica marcante é o aprofundamento psicológico das personagens.


Nesta obra, o autor retrata pessoas simples, mas com complexidades, tornando-as
personagens profundas.

Vidas Secas não é apenas o romance da seca, mas principalmente o romance da


condição humana jogada entre a vida e a morte. As personagens deslocam-se
para lugares distantes daquele em que se situa o conflito. Os retirantes recusam o
presente e vão atrás de um sonho: casa para se abrigarem e trabalho para
ganharem o suficiente para não morrer de fome.

Corrente literária
Vidas Secas é um romance regionalista que faz parte da segunda geração do
modernismo, também conhecida como geração de 30.

Essa fase é caracterizada pela consolidação dos marcos da Semana de Arte


Moderna de 1922. A busca por uma literatura nacional levou os autores a procurar
em suas regiões matéria-prima para as suas obras. No caso de Graciliano Ramos
a fonte foi o sertão.

Seus livros denunciam as injustiças sociais sem deixar de explorar também o drama
psicológico de seus personagens.

Essa denúncia de mazelas sociais ao lado de reflexões sobre angústias


psicológicas tornam suas obras universais, extrapolando os limites regionais e/ou
culturais que atingem muitos escritores brasileiros.

Ausência de comunicação
A estiagem que corrói a terra, levando à fome e à necessidade de migrar
também domina a alma de cada um dos personagens. Eles não passam de
marionetes de um grande sistema econômico do qual não conseguem
escapulir e que os massacra sob diversos aspectos, da falta de dinheiro ao da
carência total de perspectivas.

Mesmo na tarefa de matar Baleia, Fabiano fracassa. Apenas fere o animal, que vem
a morrer no dia seguinte. O talento de Graciliano está em estruturar a narrativa
de modo que, perante pessoas sem sonhos, apenas Baleia tem o poder de
imaginar. Pouco antes de morrer, ela vê a si mesma num campo repleto de preás,
onde poderia saciar a sua fome.

Resta à família de migrantes ter como ideal o paradigma idealizado de Tomás da


bolandeira, com sua cama de couro e seu amplo vocabulário, que se tornam objetos
de desejo da família de Fabiano. Sem educação, a família não tem sequer
recursos verbais para discutir qualquer tipo de ofensa ou humilhação pela
qual passa.

A estrutura cíclica
No último capítulo (“fuga”), ocorre um novo período de seca e a família é obrigada
novamente a fugir em direção ao sul para sobreviver. Dessa forma, temos a
estrutura cíclica desta narrativa. O livro começa e termina com a família na mesma
situação de retirantes, como se tivessem voltado ao mesmo ponto de partida.

Aqui vale ressaltar que esta estrutura cíclica da narrativa tem um forte aspecto
simbólico. Graciliano Ramos está chamando a atenção do leitor para o drama dos
retirantes nordestinos, que se repete ciclicamente, não apenas na questão da
seca, mas das misérias e injustiças sociais que vão passando de geração para
geração. O drama vivido por Fabiano já foi vivido por seu pai, seu avô e será
repetido pelos seus filhos.

A animalização do humano
A hostilidade da natureza e os vários níveis de opressão do sistema rural arcaico
parecem eliminar do vaqueiro e de sua família vários traços de humanidade,
impelindo principalmente Fabiano a desconfiar de sua própria condição.
Inúmeras vezes, no transcurso da narrativa, ele se contempla como um bicho:

“Você é um bicho, Fabiano.”

“Estava escondido no mato como tatu. Duro, lerdo como tatu.”

Este processo de zoomorfização de alguma maneira é acentuado pela cachorra


Baleia, já que esta se situa como protagonista pensante e com um nível de
ex-pressão mental não inferior a da família sertaneja. Ou seja, vive-se em um
universo tão primitivo, tão sem horizontes que os homens e os animais se
igualam intelectualmente.

Por seu turno, é verdade que Baleia se humaniza, sobremodo no capítulo que leva o
seu nome e no qual ela acaba eliminada. Em toda a prosa áspera de G.R. é o único
momento de alta poesia.

A tensão dialética entre a condição humana e a não-humana, que determina o


significado do romance, é resolvida no último capítulo, quando todos os animais já
morreram e a família segue em direção à cidade. Repare nas frases derradeiras da
obra:

"E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade
homens fortes, brutos, como Fabiano, sinhá Vitória e os dois meninos."

O termo “homem” certamente não designa gênero. Homens como sinhá Vitória?
Homens como os dois meninos? Homem aqui tem outro sentido, o mesmo que
Euclides da Cunha aplicou ao sertanejo. Representa força, capacidade de
resistência, disposição voluntária para mudar a vida, vitória sobre as mais
terríveis circunstâncias. Fabiano e seus familiares são homens e não bichos.

Título da obra
Vidas Secas: o título afronta duas formas de narrar (tendências narrativas) que
pendem mais para se excluir do que para se unir. A primeira linha é a sociológica
"secas" onde tenta fazer um romance realista regionalista; a segunda linha a
psicológica "vidas", a do realismo psicológico. Impondo-se com o romance
psicológico onde a análise se sobrepõe o documentário sociológico.

A seca não permite a vida vegetal, mata os animais e expulsa os homens,


desumanizando-os e obrigando-os a aproximarem-se dos animais para todos juntos
tentarem a sobrevivência comum. Assim, entre Fabiano e a seca trava-se uma
luta de um caráter especial, porque o vaqueiro "Fabiano" tem nela um inimigo
que não pode combater diretamente, mas por meios indiretos-fugindo. Para
este combate a seca encontra ajuda "solidariedade" na cidade na luta contra
Fabiano. E, Fabiano tem três fatores: a energia vital física, Deus e as ilusões que o
ajudam a resistir a seca.

A energia vital física que lhe permite resistir aos obstáculos e que é indispensável
preservar cautelosamente, sem esbanjamentos inúteis, como aparece em
"Mudança", em que Fabiano ao avistar o pátio "cerca" de uma fazenda sentiu
vontade de cantar a sua alegria, mas logo se conteve: "Calou-se para não estragar
força"pág.12
Deus, Nossa Senhora, os santos e sinhá Terta com as suas rezas. Deus podia
afastar alguns males, a reza da Ave-Maria reza forte "podiam esconjurar a seca e
curar a novilha raposa que andava tresmalhada". Fabiano e a família vão a igreja
pelo Natal "Festa" rezam para esconjurar os malefícios e doenças do gado, mas não
reconhecem Deus como origem das situações más, por isso esperam dele as boas,
como se ele "Deus" fosse um intercessor junto do Destino.

As ilusões como: um futuro melhor para os filhos, uma cama de varas, um


bebedouro imaginário, isto são necessários para melhor lutar. Esta esperança no
futuro não passa de uma forma de ganhar novas energias para vencer o presente,
funcionando como narcóticos para encarar as dificuldades da seca.

“Por isso não se trata de um romance típico sobre a seca, mas sobre vidas secas.
Vidas apresentadas em toda sua complexidade enquanto partes de um
processo sistemático de exploração, humilhação e alienação. Em resumo,
dessa mescla entre artesania da palavra e problematização de feridas tão vivas da
realidade brasileira, o artista extrai sua força, que o engrandece e o coloca como um
dos principais artistas de nossa literatura.”

"Por outro lado, ao optar por Vidas Secas, seu único título adjetivado, elegeu um
nome capaz de englobar todas as narrativas e conferir unidade ao todo,
realçando a arquitetura precisa e bem estruturada do conjunto."

O título escolhido, conforme esclareceu o próprio Graciliano Ramos, destaca a


“existência miserável de trabalho, de luta, sob o guante da natureza
implacável e da injustiça humana”. O pesquisador ressalta: “Vidas Secas
materializa muito bem aquilo que, na minha opinião, é o grande legado de
Graciliano: a conjunção entre rigor formal, introspecção e problematização de
diferentes temas de caráter social, tais como a miséria, a exploração, a
humilhação, entre outros ingredientes que compõem um caldeirão de conflitos
bem brasileiro, prestes a explodir”.

Capítulo 1: Mudanças
No início desta resenha de Vidas Secas somos apresentados a Fabiano, Sinhá
Vitória, o filho mais velho, o filho mais novo, uma cachorra chamada Baleia e um
papagaio. Eles são os seis viventes que estão caminhando na seca. Trata-se de
uma família de retirantes perambulando na caatinga por um dia inteiro, sem nem
mesmo encontrar sombra para descansar.

O filho mais velho de Fabiano já não dá mais conta de andar, para e se deita, fica
imóvel, pois está sem forças. O pai xinga, tenta cutucá-lo e forçá-lo, mas ele
permanece como está. Não houve jeito e Fabiano o coloca no cangote (pescoço) e
todos prosseguem silenciosamente.

Todos tinham muita fome, e era tanta que comeram o papagaio que estava com eles
e que tinha morrido. Com mais um pouco de caminhada, acharam uma fazenda
abandonada. Por lá, a cachorra Baleia até conseguiu caçar um preá (um tipo de
roedor), do qual comeu tão somente os ossinhos.

Fabiano olhando o céu percebeu que a chuva estava por vir e que a caatinga
ressuscitaria. Pensou que tudo ficaria bem, pois ele seria o novo fazendeiro do lugar
e todos teriam saúde.

"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.


Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do
rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma
sombra".
● Eles estavam vagando pela seca, sem rumo. Apenas a procura de uma
sombra para descansarem.

"A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas


que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de
bichos moribundos".
● Lembra um ambiente quente, triste e sem vida. Os urubus remetem a morte à
vista. Os bichos moribundos são os mortos.
● Sentimento de desamparo, de incerteza e medo.

"Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A


seca aparecia-lhe como um fato necessário — e a obstinação da criança irritava-o.
Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o
vaqueiro precisava chegar, não sabia onde,".
● Fabiano sentia a necessidade de colocar a culpa em alguém, pois não
poderia simplesmente considerar que era o destino ou, de outra maneira, não
queria se sentir culpado pelas desgraças que lhe ocorriam. Mesmo depois de
reconhecer que não era culpa do menino, ele certamente atrapalhava o
percurso, fazendo demorar ainda mais a chegada de algum lugar que nem
Fabiano sabia onde era.

"Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele


descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja,
irresoluto, examinou os arredores. Sinha Vitória estirou o beiço indicando
vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto.
Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no
pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio
como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena".
● Essa ideia de abandonar o filho, passou-lhe a cabeça, mas ao notar o cenário
(os urubus e as ossadas), ficou com pena e tomou o filho no colo.
● O menino estava com fome e cansado
● Parece que não comiam a muito tempo, por isso, estavam em estado de
"defunto"

"Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado,


morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome
apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia
jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto.
Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares,
estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava
mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação
chegava… resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se
declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo.
Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos
calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um
gado inexistente, e latia arremedando a cachorra".
● Comeram o papagaio
● Fabinao ficou abalado, mas a fome falou mais alto
● Depois de comerem o seu animal, todos ficaram muito calados, pois era
alguém que fazia parte da "família".

"As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo,


esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas
nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas.
Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam. Num cotovelo do
caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida,
sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não
estragar força. Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma
ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra".
● Alegrou-se quando avistou os juazeiros, chega tirou forças de onde nem tinha
para andar mais rápido e a esperança lhe pareceu conveniente, pois achava
que encontraria comida, além de avistar uma sombra, que naquele momento
era mais que bem vinda.

"Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das
cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava
abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido".
● Fazenda estava abandonada.
● Os moradores provavelmente fugiram da seca e abandonaram suas fazendas
e seus pertences naquele local.
"Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se: uma sombra passava por cima do
monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo
aguentando a claridade do sol. Enxugaram as lágrimas, foram agachar-se perto
dos filhos, suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se
tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e
endoidecia a gente".

"Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada
baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente".
● Os dias iam passando e eles estavam sem rumo e com muita fome. Ficaram
à margem dos juazeiros, todos encolhidos e cansados.

"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se,


somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu
junto do coração de sinha Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os
cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de
afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava".
● Eles se sentiam "miudinhos" nesse mundo tão grande e desértico.
● Há um momento em que Fabiano e sinhá Vitória se abraçam, mas percebem
que esse abraço é símbolo de fraqueza, por isso eles se afastam
envergonhados.
● Eles estavam com medo de perder a esperança que lhes restavam, a
esperança de que algo salvariam-os.
● "Sem ânimo de afrontar de novo a luz dura" refere-se a luz do sol que é brutal
de tão quente, os deixa desolados.

"Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um
preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras,
afastando pedaços de sonho. Sinha Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o
focinho estava ensanguentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo".
● Ficaram eufóricos com o alimento trazido por Baleia.
● Sinhá ficou tão grata que começou a beijar seu focinho ensanguentado.

"Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano
queria viver. Olhou o céu com resolução. A nuvem tinha crescido, agora cobria o
morro inteiro. Fabiano pisou com segurança, esquecendo as rachaduras que
lhe estragavam os dedos e os calcanhares".
● Mesmo sendo significante aquela comida a família ficou alegre, porque
assim adiaria sua morte.
● Fabiano sentia e desejava do fundo da sua alma viver, por isso que ao pisar
com segurança no chão, ele esqueceu que seus pés estavam com marcas
profundas de tanto andar pelo sertão e se comprometeu a procurar água.
"Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no
bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas,
esperou que a água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito.
Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma,
duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no
céu. O poente cobria-se de cirros — e uma alegria doida enchia o coração de
Fabiano".
● Fabiano se sentiu tão motivado que foi à procura de água e aí se debruçou
no chão cavando um buraco e bebeu com muita felicidade.

"Agora, deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a
bolandeira de seu Tomás?"
● Questionamento sobre o paradeiro de Seu Tomás

"Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam à cara triste de sinha Vitória. Os


meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam
pelos arredores. A catinga ficaria verde. Baleia agitava o rabo, olhando as brasas.
E como não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a hora de
mastigar os ossos. Depois iria dormir".
● Como uma comida tão simples pode deixar e trazer de volta as cores da
saúde para essas pessoas?
● Aquela préa simbolizava um novo começo, um símbolo de esperança.
● A préa seria o símbolo de paz, como a pomba da Bíblia. Traz a boa-nova.
Símbolo de ressurreição.

Capítulo 2: Fabiano
Neste capítulo de Vidas Secas de Graciliano Ramos, o pai da família é apresentado
com mais detalhes. Trata-se de um homem ignorante, um bruto. Ele se considera
vaqueiro, mas também é como um bicho. Tem habilidade com os animais e se sente
como um.
Com o retorno da chuva, o verdadeiro dono da fazenda na qual Fabiano estava com
sua família retorna e os expulsa. Porém, Fabiano consegue tê-lo como seu patrão
(que o trata muito mal, por sinal) e se torna o capataz do lugar.
Ele e Sinhá Vitória conversam sobre seu Tomás da Bolandeira, que era um
fazendeiro poderoso que falava muito bem, lia bastante e era cortez. Mas que
também morreu na seca, e disso tiram a conclusão de que primeiro o importante é
sobreviver e pensar vem em segundo lugar.

"Chegou-se à beira do rio. A areia fofa cansava-o, mas ali, na lama seca, as
alpercatas dele faziam chape-chape, os badalos dos chocalhos que lhe pesavam
no ombro, pendurados em correias, batiam surdos. A cabeça inclinada, o espinhaço
curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esses movimentos
eram inúteis, mas o vaqueiro, o pai do vaqueiro, o avô e outros antepassados
mais antigos haviam-se acostumado a percorrer veredas, afastando o mato
com as mãos. E os filhos já começavam a reproduzir o gesto hereditário".

"A cachorra Baleia corria na frente, o focinho arregaçado, procurando na catinga a


novilha raposa. Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele
estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do
pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a
mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos — e a
lembrança dos sofrimentos passados esmorecera".

" — Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.


Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se
ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra
ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos
azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de
animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e
julgava-se cabra".
"Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a
frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
— Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer
dificuldades.
Chegara naquela situação medonha — e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu
cigarro de palha.
— Um bicho, Fabiano.
Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passara uns dias
mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a trovoada. E, com ela,
o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se desentendido e oferecera os
seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito
que tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregara-lhe as marcas de ferro."

"Parecia um macaco. Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano.


A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à
toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali de
passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que se demorava demais, tomava
amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras, ao juazeiro que os tinha
abrigado uma noite".

"Deu estalos com os dedos. A cachorra Baleia, aos saltos, veio lamber-lhe as mãos
grossas e cabeludas. Fabiano recebeu a carícia, enterneceu-se:
— Você é um bicho, Baleia.
Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros
quebravam espinhos e não sentiam a quentura daterra. Montado, confundia-se
com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada,
monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se aguentava
bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes
utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos
brutos — exclamações, onomatopeias. Na verdade falava pouco. Admirava as
palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas, em
vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas".

"Lembrou-se de seu Tomás da bolandeira. Dos homens do sertão o mais


arrasado era seu Tomás da bolandeira. Por quê? Só se era porque lia demais. Ele,
Fabiano, muitas vezes dissera: — “Seu Tomás, vossemecê não regula. Para que
tanto papel?... Em horas de maluqueira Fabiano desejava imitá-lo: dizia
palavras difíceis, truncando tudo, e convencia-se de que melhorava. Tolice.
Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo.
Seu Tomás da bolandeira falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e
livros, mas não sabia mandar: pedia".

"...Tudo seco em redor. E o patrão era seco também, arreliado, exigente e ladrão,
espinhoso como um pé de mandacaru. Indispensável os meninos entrarem no bom
caminho, saberem cortar mandacaru para o gado, consertar cercas, amansar
brabos. Precisavam ser duros, virar tatus. Se não calejassem, teriam o fim de
seu Tomás da bolandeira. Coitado. Para que lhe servira tanto livro, tanto
jornal? Morrera por causa do estômago doente e das pernas fracas".

"Um dia... Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito... Seria
que as secas iriam desaparecer e tudo andar certo? Não sabia. Seu Tomás da
bolandeira é que devia ter lido isso. Livres daquele perigo, os meninos
poderiam falar, perguntar, encher-se de caprichos. Agora tinham obrigação de
comportar-se como gente da laia deles".

" A cachorra Baleia trotava arquejando, a boca aberta. Àquela hora sinha Vitória
devia estar na cozinha, acocorada junto à trempe, a saia de ramagens entalada
entre as coxas, preparando a janta. Fabiano sentiu vontade de comer. Depois da
comida, falaria com sinha Vitória a respeito da educação dos meninos".
Capítulo 3: Cadeia
Fabiano vai à feira fazer compras. Ele precisa comprar mantimentos (sal, farinha,
feijão e rapadura), além de uma garrafa de querosene e de um corte de chita
vermelha que foram pedidos de Sinhá Vitória.
Lá ele resolveu beber pinga, o que gerou até irritação, pois seu Inácio, o dono do
bar, o vendeu pinga batizada com água para render mais. Neste estado, Fabiano
resolve jogar 31 com o soldado amarelo e acaba perdendo. E agora? O que dizer a
Sinhá Vitória? Afinal de contas perdeu o dinheiro no jogo.
Irritado, vai saindo sem se despedir e essa atitude irrita o soldado amarelo, que o
empurra. Já não se contendo e sentindo-se humilhado, Fabiano xinga. Resultado?
Ele apanhou e foi preso. Na cadeia ele reflete, pensa na família e em como são um
peso, um fardo…

"Fabiano percorreu as lojas, escolhendo o pano, regateando um tostão em


côvado, receoso de ser enganado. Andava irresoluto, uma longa desconfiança
dava-lhe gestos oblíquos. À tarde puxou o dinheiro, meio tentado, e logo se
arrependeu, certo de que todos os caixeiros furtavam no preço e na medida:
amarrou as notas na ponta do lenço, meteu-as na algibeira, dirigiu-se à bodega de
seu Inácio, onde guardara os picuás".
● Fabiano foi as compras para a fazenda
● Ele sabia que os caixeiros roubavam na medida ué viam seu dinheiro
● Tinha medo de ser "passado a perna"

"Aí certificou-se novamente de que o querosene estava batizado e decidiu


beber uma pinga, pois sentia calor. Seu Inácio trouxe a garrafa de aguardente.
Fabiano virou o copo de um trago, cuspiu, limpou os beiços à manga, contraiu o
rosto. Ia jurar que a cachaça tinha água. Por que seria que seu Inácio botava água
em tudo? perguntou mentalmente. Animou-se e interrogou o bodegueiro:
— Por que é que vossemecê bota água em tudo?
Seu Inácio fingiu não ouvir. E Fabiano foi sentar-se na calçada, resolvido a
conversar."

"O vocabulário dele era pequeno, mas em horas de comunicabilidade


enriquecia-se com algumas expressões de seu Tomás da bolandeira".
● Gostava de aprender expressões novas,mesmoue não falasse muito
"Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiarmente no ombro
de Fabiano:
— Como é, camarada? Vamos jogar um trinta e um lá dentro?
Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de
seu Tomás da bolandeira:
— Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme.
Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava.
Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava
pouco, desejava pouco e obedecia.
Atravessaram a bodega, o corredor, desembocaram numa sala onde vários tipos
jogavam cartas em cima de uma esteira. — Desafasta, ordenou o polícia. Aqui tem
gente.
………
Ergueu-se furioso, saiu da sala, trombudo.
— Espera aí, paisano, gritou o amarelo.
Fabiano, as orelhas ardendo, não se virou. Foi pedir a seu Inácio os troços
que ele havia guardado, vestiu o gibão, passou as correias dos alforjes no
ombro, ganhou a rua".
● Fabiano temia o soldado Amarelo, que era como A "autoridade" ali

"Atrapalhava-se: tinha imaginação fraca e não sabia mentir. Nas invenções


com que pretendia justificar-se a figura de sinha Rita aparecia sempre, e isto o
desgostava. Arrumaria uma história sem ela, diria que haviam furtado o cobre da
chita. Pois não era? Os parceiros o tinham pelado no trinta e um. Mas não devia
mencionar o jogo. Contaria simplesmente que o lenço das notas ficara no bolso
do gibão e levara sumiço. Falaria assim:
— “Comprei os mantimentos. Botei o gibão e os alforjes na bodega de seu
Inácio. Encontrei um soldado amarelo.” Não, não encontrara ninguém.
Atrapalhava-se de novo. Sentia desejo de referir-se ao soldado, um conhecido
velho, amigo de infância. A mulher se incharia com a notícia. Talvez não se
inchasse. Era atilada, notaria a pabulagem. Pois estava acabado. O dinheiro fugira
do bolso do gibão, na venda de seu Inácio. Natural. Repetia que era natural
quando alguém lhe deu um empurrão, atirou-o contra o jatobá".
● Perdera o dinheiro nas apostas
● Não sabia como ia se justificar
● Tentou arranjar uma desculpa, mas ele não é bom em mentir
● Repassou isso várias vezes na sua cabeça

"Aprumou-se, disposto a viajar. Outro empurrão desequilibrou-o. Voltou-se e viu ali


perto o soldado amarelo, que o desafiava, a cara enferrujada, uma ruga na
testa. Mexeu-se para sacudir o chapéu de couro nas ventas do agressor.
— Vossemecê não tem direito de provocar os que estão quietos.
— Desafasta, bradou o polícia.
E insultou Fabiano, porque ele tinha deixado a bodega sem se despedir.
— Lorota, gaguejou o matuto. Eu tenho culpa de vossemecê esbagaçar os
seus possuídos no jogo?
Engasgou-se. A autoridade rondou por ali um instante, desejosa de puxar questão.
Não achando pretexto, avizinhou-se e plantou o salto da reiuna em cima da
alpercata do vaqueiro.
— Isso não se faz, moço, protestou Fabiano. Estou quieto. Veja que mole e
quente é pé de gente.
O outro continuou a pisar com força. Fabiano impacientou-se e xingou a mãe
dele. Aí o amarelo apitou, e em poucos minutos o destacamento da cidade rodeava
o jatobá.
— Toca pra frente, berrou o cabo.
Fabiano marchou desorientado, entrou na cadeia, ouviu sem compreender
uma acusação medonha e não se defendeu.
— Está certo, disse o cabo. Faça lombo, paisano.
Fabiano caiu de joelhos, repetidamente uma lâmina de facão bateu-lhe no peito,
outra nas costas. Em seguida abriram uma porta, deram-lhe um safanão que o
arremessou para as trevas do cárcere. A chave tilintou na fechadura, e Fabiano
ergueu-se atordoado, cambaleou, sentou-se num canto, rosnando:
— Hum! hum!
Por que tinham feito aquilo? Era o que não podia saber. Pessoa de bons
costumes, sim senhor, nunca fora preso. De repente um fuzuê sem motivo.
Achava-se tão perturbado que nem acreditava naquela desgraça. Tinham-lhe
caído todos em cima, de supetão, como uns condenados. Assim um homem
não podia resistir.
— Bem, bem.
Passou as mãos nas costas e no peito, sentiu-se moído, os olhos azulados
brilharam como olhos de gato. Tinham-no realmente surrado e prendido. Mas
era um caso tão esquisito que instantes depois balançava a cabeça, duvidando,
apesar das machucaduras.
Ora, o soldado amarelo... Sim, havia um amarelo, criatura desgraçada que ele,
Fabiano, desmancharia com um tabefe. Não tinha desmanchado por causa dos
homens que mandavam. Cuspiu, com desprezo:
— Safado, mofino, escarro de gente.
Por mor de uma peste daquela, maltratava-se um pai de família. Pensou na
mulher, nos filhos e na cachorrinha.
Engatinhando, procurou os alforjes, que haviam caído no chão, certificou-se de
que os objetos comprados na feira estavam todos ali. Podia ter-se perdido
alguma coisa na confusão".

"Estirou as pernas, encostou as carnes doídas ao muro. Se lhe tivessem dado


tempo, ele teria explicado tudo direitinho. Mas pegado de surpresa,
embatucara. Quem não ficaria azuretado com semelhante despropósito? Não
queria capacitar-se de que a malvadez tivesse sido para ele. Havia engano,
provavelmente o amarelo o confundira com outro. Não era senão isso.
Então por que um sem-vergonha desordeiro se arrelia, bota-se um cabra na cadeia,
dá-se pancada nele? Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as
violências, a todas as injustiças. E aos conhecidos que dormiam no tronco e
aguentavam cipó de boi oferecia consolações:
— “Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita.”
Mas agora rangia os dentes, soprava. Merecia castigo?
— An!
E, por mais que forcejasse, não se convencia de que o soldado amarelo fosse
governo. Governo, coisa distante e perfeita, não podia errar. O soldado
amarelo estava ali perto, além da grade, era fraco e ruim, jogava na esteira
com os matutos e provocava-os depois. O governo não devia consentir tão
grande safadeza.
Afinal para que serviam os soldados amarelos? Deu um pontapé na parede,
gritou enfurecido. Para que serviam os soldados amarelos? Os outros presos
remexeram-se, o carcereiro chegou à grade, e Fabiano acalmou-se:
— Bem, bem. Não há nada não".

"Pobre de sinha Vitória, inquieta e sossegando os meninos. Baleia vigiando,


perto da trempe. Se não fossem eles… Agora Fabiano conseguia arranjar as
ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho amarrado ao
mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe
pisava o pé não. O que lhe amolecia o corpo era a lembrança da mulher e dos
filhos. Sem aqueles cambões pesados, não envergaria o espinhaço não, sairia dali
como onça e faria uma asneira. Carregaria a espingarda e daria um tiro de pé de
pau no soldado amarelo. Não. O soldado amarelo era um infeliz que nem
merecia um tabefe com as costas da mão. Mataria os donos dele. Entraria num
bando de cangaceiros e faria estrago nos homens que dirigiam o soldado
amarelo. Não ficaria um para semente. Era a ideia que lhe fervia na cabeça".

…..

"Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam
as reses de um patrão invisível, seriam pisados,maltratados, machucados por
um soldado amarelo".

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