Ideologia e Educação Na Perspectiva de Louis Althusser

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EDUR • Educação em Revista. 2021; 37:e232216


DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0102-4698232216

https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

ARTIGO

IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DE LOUIS ALTHUSSER

DEBORA KLIPPEL FOFANO1


ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-5825-1887
HILDEMAR LUIZ RECH2
ORCID: https://orcid.org/ 0000-0003-3713-7564

RESUMO: Abordar a ideologia exige a capacidade de adentrar diferentes perspectivas contemporâneas


dessa temática, visto que este fenômeno adquire configurações crescentemente mais complexas
atualmente. Escolhemos o filósofo esloveno Slavoj Žižek como articulador da miríade de conceitos sobre
a ideologia e, tomamos por fundamento a teoria de Althusser e seus conceitos de Ideologia e Aparelhos
Ideológicos de Estado. Ao tensionar reflexivamente os conceitos visualizamos como a ideologia atua,
quais seus elementos fulcrais. Para tanto, dentro da tradição filosófica, aproximamos a perspectiva do
aparelho de Althusser, aos conceitos de positividade de Hegel, dispositivo de Foucault e Agamben e
“grande Outro” de Lacan, como mecanismos de controle e alienação do sujeito. Desse modo,
compreenderemos melhor a crítica ao “Aparelho Ideológico Escolar” e seus desdobramentos no que diz
respeito à educação brasileira. Nesse sentindo, percebemos também os limites do pensamento de
Althusser, no que se refere ao processo de subjetivação e dessubjetivação, e de como o processo de
educação é atravessado por variados fenômenos e acontecimentos, uma vez que pode estar em
permanente transformação, pois nunca é completo, como o sujeito também nunca é.

Palavras-chave: Ideologia, Aparelho Ideológico, Subjetivação e Educação.

IDEOLOGY AND EDUCATION FROM THE PERSPECTIVE OF LOUIS ALTHUSSER

ABSTRACT: Approach the ideology requires the ability to going inside to the contemporary
perspectives of this theme, since this phenomenon acquires increasingly more complex configurations
today. We chose the Slovenian philosopher Slavoj Žižek as articulator of the myriad of concepts about
ideology and, we takes as a fundamental bases the Althusser's theory and its concepts of Ideology and its
“Ideological State Apparatus”. When tensioning reflexively these concepts we visualize how ideology acts
and what are crucial elements. To get this aim, within the philosophical tradition, we approach, beyond
the perspective of Althusser's apparatus, the concepts of positivity of Hegel, dispositive of Foucault and
Agamben, and “great Other” of Lacan, as control and alienation of the subject. Thus, we will better
understand the criticism of the "School Ideological Apparatus" and its developments concerning to
Brazilian education. In this sense , we also perceive the limits of Althusser's thinking, with regard to the
process of subjectivation and dessubjectivation, and about how the education process can be full of
events, since it can be in permanent transformation because it is never complete, as well as the subject is
never is.

1 Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil. <[email protected]>


2 Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil. <[email protected]>
Educação em Revista|Belo Horizonte|v.37|e232216|2021
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Key-words: Ideology, Ideological Apparatus, Subjectivation and Education.

IDEOLOGÍA Y EDUCACIÓN DESDE LA PERSPECTIVA DE LOUIS ALTHUSSER

RESÚMEN: Abordar la ideología requiere la capacidad de entrar en diferentes perspectivas


contemporáneas de este tema, ya que este fenómeno adquiere configuraciones cada vez más complejas
hoy en día. Elegimos al filósofo esloveno Slavoj Žižek como articulador de la miríada de conceptos sobre
la ideología y, tomamos la base la teoría de Althusser y sus conceptos de ideología y Aparato Estado
ideológico. Al tensar reflexivamente los conceptos visualizamos cómo actúa la ideología, cuáles son sus
elementos centrales. Para ello, dentro de la tradición filosófica, abordamos la perspectiva del aparato de
Althusser, a los conceptos de positividad del dispositivo Hegel, Foucault y Agamben y del "gran Otro"
de Lacan, como mecanismos de control y alienación del sujeto. Por lo tanto, entenderemos mejor la
crítica del "Aparato Ideológico Escolar" y sus desarrollos con respecto a la educación brasileña. En este
sentimiento, también percibimos los límites del pensamiento de Althusser, con respecto al proceso de
subjetivación y dessubjetivación, y cómo el proceso educativo es atravesado por diversos fenómenos y
eventos, ya que puede ser permanente transformación, porque nunca está completa, ya que el sujeto
nunca lo es tampoco.

Palabras clave: Ideología. Aparato Ideológico. Subjetivación y Educación.

INTRODUÇÃO
A ideologia carrega a noção imanente de doutrina, conjunto de ideias, crenças, conceitos e
parece estar determinada a convencer de uma veracidade, quando, porém, serve a determinado
subterfúgio de poder. Uma matriz ideológica é rotineiramente construída de forma aparentemente
desconectada de sua condição material, e mesmo assim persiste em regular a relação entre aquilo que há
de mais sutil e básico na vida até os grandes ideais que dominam e motivam as massas. Vemos assim uma
multidão que canta junto com o poeta do rock popular brasileiro: “Ideologia, eu quero uma para viver”.
(Agenor de Miranda Araújo Neto, Cazuza, nasceu no Rio de Janeiro e viveu entre 1958 -1990, foi
compositor, poeta e letrista brasileiro). Ideologia (1988), além de música é o título do álbum. A capa do
disco traz símbolos e valores diferentes, provocando uma reflexão sobre o estado da situação política e
cultural do Brasil na década de 1980. Em uma breve análise da música podemos perceber a expressão da
confusão e vazio da sociedade, pessoas dessubjetivadas que clamam por valores para viver.
Nesse aspecto, segundo a tradição dialética, podemos dizer que a ideologia é imanente,
situando-se entre o transparente e o opaco, o material e o imaterial, o possível e o impossível, e até mesmo
parece estar presente em tudo aquilo que aponta para além de uma saída dualista; a ideologia opera uma
articulação importante que atinge tudo e todos e em todo lugar. Esse primeiro apontamento, no entanto,
parece ser lugar comum dentre os pensadores e estudiosos da filosofia. Como então construir uma
perspectiva que nos permita atravessar o óbvio e sair de uma discussão já desgastada sobre a ideologia?
Como ir em direção a uma leitura mais interessante sobre o fundamento da ideologia? Propomos no
presente artigo desenvolver uma modalidade de crítica que pretende discernir sobre a tendenciosidade
não reconhecida na realidade oficial, através de suas rupturas, lacunas e lapsos. Em vez de avaliar
diretamente a adequação ou a veracidade das diferentes noções de ideologia, desejamos compreender a
multiplicidade de determinações como um indicador de diferentes situações concretas. Procedendo
assim, já anunciamos uma leitura atravessada pela psicanálise lacaniana e uma transposição histórico-
dialética hegeliana do problema para sua própria solução.
Essa forma de proceder foi pensada pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek (Liubiana1949 -) e
pode ser compreendida em algumas das suas obras como Visão em Paralaxe (2008) e Menos que nada (2012).
Žižek é filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos, transita em diversas áreas do
conhecimento que vão do cinema a cafés e, sob influência de pensadores, tais como Marx (Tréveris, 1918
- Londres, 1883) e Lacan (Paris, 1901 - Paris, 1981), efetua uma contundente crítica cultural e política da
pós-modernidade. Žižek atua nessa pesquisa como articulador da diversidade de pensamentos sobre a
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ideologia, apontando e contorcendo os conceitos para que possam aparecer menos desgastados, dado ser
este um tema já tão examinado.
A ideologia pode designar qualquer coisa, desde uma atitude contemplativa que desconhece sua
dependência em relação à realidade social, até um conjunto de crenças voltado para ação; desde
o meio essencial em que os indivíduos vivenciam suas relações com a estrutura social até as ideias
falsas que legitimam um poder político dominante. Ela parece surgir exatamente quando
tentamos evitá-la e deixa de aparecer onde claramente se esperaria que existisse. Quando um
processo é denunciado como “ideológico por excelência”, pode se ter certeza de que seu inverso
não é menos ideológico. (ŽIŽEK, 1996, p. 09).

Um ponto de partida interessante é perceber que a própria crítica da ideologia implica uma
espécie de lugar privilegiado, como se a crítica à ideologia fosse isenta das agitações da vida social, que
facultaria a esse sujeito crítico, diante do real, a incrível capacidade de perceber o mecanismo oculto que
regula a visibilidade e a invisibilidade social. Essa imagem de oferecer uma crítica à ideologia de um ponto
de vista supostamente neutro já não é, em si, ideológica?
Diante dessas questões, diversos filósofos contribuíram para uma investigação possível da
ideologia: Marx, ao traçar apontamentos importantes para uma crítica da ideologia contemporânea que
se afaste de um projeto ingênuo; A perspectiva de Althusser (Argélia, 1918 - La Verrière, 1990) e os seus
Aparelhos Ideológicos de Estado e alguns outros dispositivos semelhantes; Lacan ao tensionar o conceito
da ideologia com seu cerne na fantasia. Esses pensadores aparecem para Žižek de forma interconectada
e vamos nos remeter a eles, mas como tratar de ideologia de forma tão ampla não cabe nessa exposição,
vamos nos remeter à ideologia em sua alteridade-externalização, momento dialetizado de forma
inovadora pela noção althusseriana de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Essa compreensão prática
da ideologia também encontra sua realização nos dispositivos e noutras formas de articulação mecânica
da ideologia no que tange à realidade em sua forma eficiente enquanto agencia práticas cotidianas que
podem culminar em exercícios totalitários.
Sendo assim nosso esforço, apesar de constituir um diálogo em torno de uma constelação
de pensadores e conceitos, se concentra na compreensão da obra Ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado,
de Louis Althusser (1980), pois esta estrutura o tema da ideologia tendo como base a dialética abordada
através de uma matriz radicalmente diferente, a (sobre)determinação estrutural. Veremos como a
existência material das ideologias nas práticas, rituais e instituições ideológicas se consolidam.

A IDEOLOGIA PARA ALTHUSSER

O filósofo francês de origem argelina foi combatente durante a Segunda Guerra e em 1948
filiou-se ao Partido Comunista. Tinha um pouco mais de 40 anos quando começou a ter grande
reconhecimento por seu pensamento. Suas preocupações iniciais versavam sobre a relação entre
cristianismo e marxismo, enfatizando a crítica de Hegel no pensamento de Marx (ALTHUSSER, 1979).
Althusser ministrava seminários de estudos marxistas e já se desenhava como um dos intérpretes
contemporâneos mais influentes do autor de “O Capital”. Partilhou seus conhecimentos e reflexões com
grandes pensadores da época, como Étienne Balibar, Yves Duroux, Jacques Rancière, Jean-Claude Milner
e Allain Badiou.
Althusser foi um dos pensadores do século XX que mais contribui às análises filosóficas de
cunho marxista, fazendo forte crítica ao economicismo e humanismo atribuídos à teoria. Ele procurou
não se deter apenas na crítica, mas contribuir para ultrapassar determinadas análises políticas, em direção
ao diálogo profícuo com a psicanálise e outras tendências da filosofia contemporânea. A compreensão
da ideologia como uma teoria genética de ideias remete a Destutt de Tracy (Paris 1754 - Paris 1836), mas,
segundo Althusser (1980), foi Marx que na Ideologia Alemã (2007), ao retomar o termo, atribuiu a ele
uma nova e revigorada compreensão, pois entendeu a ideologia como sistema das ideias, das
representações que domina o espírito do homem ou de um grupo social.
Para Althusser (1980), é de extrema importância desenvolver uma teoria das ideias,
lembrando que qualquer que seja, ela sempre repousa sobre a história das formações sociais e suas
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consequências. Entretanto, ele nos alerta para o fato de não ser possível uma teoria das ideologias em
geral. As múltiplas ideologias só podem ser compreendidas em sua particularidade já que têm a partir das
relações regionais e de classes uma história própria. Em cada circunstância concreta, a ideologia opera de
modo diferente, demandando a impossibilidade prática de se pensar em uma teoria das ideologias, no
sentido de uma sintetização histórica. No POST-SCRIPITUM da obra Ideologia e Aparelhos Ideológicos de
Estado, Althusser (1980) esclarece que só do ponto de vista das classes, ou seja, da luta de classes é que
se pode perceber as ideologias, porque aí é que se constata a realização das ideologias dominantes, e se
compreende de onde vêm as ideologias que estruturam os Aparelhos Ideológicos de Estado. Os AIE não
são a realização da ideologia em geral, nem sequer a realização sem conflitos da ideologia da classe
dominante.
Žižek (2013) nos alerta a respeito dessa lição de Althusser sobre a “luta de classes”, pois esta,
paradoxalmente, precede as classes como grupos sociais determinados. Cada determinação e posição de
classes já é um próprio efeito da “luta de classes”. Assim, classes não são categorias da realidade social
positiva, partes do corpo social, mas uma categoria do registro do Real (em oposição à realidade, enquanto
categoria da simbolização); de uma luta política que atravessa todo o corpo social impedindo sua
“totalização”. E ainda, Žižek (2012) admite que a luta de classes é outro nome para o fato de que “a
sociedade não existe”, não como ordem positiva do ser.
Não obstante, para Althusser, o que mais importa é desenvolver uma teoria da ideologia no
singular, enquanto conceito, seja ela uma teoria da ideologia em geral ou uma teoria da ideologia em
particular, visto que cada uma expressa em seu bojo uma posição de classe, uma tópica. Para pensar a
teoria da ideologia em geral, Althusser retoma Marx na Ideologia Alemã, mas procura ultrapassá-lo
socorrendo-se de conceitos psicanalíticos. Assim, começa a construir sua tese de que a ideologia em geral
não tem história:
Na Ideologia Alemã, esta fórmula figura num contexto francamente positivista. A ideologia é
então concebida como pura ilusão, puro sonho, isto é, nada. Toda a sua realidade está fora de si
própria. É pensada como uma construção imaginária cujo estatuto é exatamente semelhante ao
estatuto teórico do sonho nos autores anteriores a Freud. (ALTHUSSER, 1980, p. 72).

A tese que Althusser sustenta estabelece a noção de ideologia que se distancia da teoria
marxiana e dialoga com Freud (ALTHUSSER, 2000) na medida que se alinha com a proposição segundo
a qual o inconsciente é eterno, isto é, não tem história. “Ser eterno, não quer dizer transcendente a toda
história, mas omnipresente, trans-histórico, portanto, imutável na sua forma ao longo da história.”
(ALTHUSSER, 1980, p. 75).
Se a ideologia, em geral, não tem história, podemos entender que ela atua na base estrutural
da sociedade de modo infinito e universal em sua essência. Ao pensarmos que os objetos representados
pela ideologia são uma ilusão, somos obrigados a admitir que de alguma forma eles fazem alusão à
realidade. Portanto, bastaria interpretar essa ilusão para encontrar, sob a sua representação, a realidade
do mundo material. O problema é que na realidade prática as coisas não se desenrolam dessa maneira. A
percepção elementar, a de que uma simples ilusão da realidade é criada pelos sujeitos para representar as
ideias, cai por terra, porque a ideologia que opera a deformação imaginária das relações que existem é a
representação das relações que dela derivam.
Não são as condições de existências reais, o seu mundo real, que os homens representam na
ideologia, mas é a relação dos homens com estas condições de existência que lhes é representada
na ideologia. É esta relação que está no centro de toda a representação ideológica, portanto
imaginária do mundo real. Toda ideologia representa, na sua deformação necessariamente
imaginária, não as relações de produção existentes, mas antes de mais nada a relação imaginária
dos indivíduos com as relações de produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia,
o que é representado não é sistema das relações reais que governam a existência dos indivíduos,
mas a relação imaginária destes indivíduos com as relações reais em que vivem. (ALTHUSSER,
1980, p. 81 e 82).

A ideologia, na perspectiva Althusseriana, não é fundamentalmente “uma questão de ‘ideias’:


é uma estrutura que se impõe a nós, sem necessariamente ter que passar pela consciência.” (TEIXEIRA,
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2005, p. 75). Podemos ver aqui uma contribuição diferenciada de Althusser em relação à ideologia, já que
a ideologia é concebida “como algo no estado indeterminado de não ser verdadeiro, mas que é, no
entanto, necessariamente vital.” (TEIXEIRA, 2005, p.75).
A ideologia não se apresenta na realidade de modo teórico, mas em sua materialidade, sua
existência é concreta e se manifesta através de um aparelho. Ela afeta os indivíduos, sujeitos que vivem
em uma ideologia, isto é, que têm uma representação do mundo, seja ela religiosa, moral, jurídica etc. É
nesse sentido que a deformação imaginária depende da relação imaginária com as condições materiais de
sua existência. Podemos afirmar que a relação imaginária do indivíduo com sua condição de classe é, em
si, calcada em uma existência material. Para Althusser,
As ideias desaparecem enquanto tais (enquanto dotadas de uma existencia ideal, espiritual), na
medida em que ficou claro que a existência destas se inscrevia nos atos das práticas reguladas
pelos rituais definidos em última instancia por um aparelho ideológico. Surge assim que o sujeito
age enquanto é agido pelo seguinte sistema (enunciado na sua ordem de determinação real):
ideologia existindo num aparelho ideológico material, prescrevendo práticas materiais, reguladas
por um ritual material, as quais existem nos atos materiais de um sujeito agindo em consciência
sua a sua crença. (ALTHUSSER, 1980, p. 90).

Essa compreensão, inédita até então, retira a ideologia do plano das ideias e lhe impõe uma
materialidade, remontando noções significativas para a compreensão dialética entre ideologia no plano
teórico e seu aspecto na realidade material, pois encontra nas noções de sujeito, consciência, crença e
atos, repercussões que permitem a Althusser (1980) enunciar duas teses conjuntas: “Só existe prática
através e sob uma ideologia” e “Só existe ideologia através do sujeito e para sujeitos”. É nesse aspecto
que Althusser concorda com Lacan (2005) na impossibilidade de ter acesso às “condições reais da
existência”, já que estamos presos à linguagem e nossa dimensão simbólica que conduz nossa experiência
no plano da realidade material. Entretanto, se abordarmos de forma rigorosa a sociedade, nos
aproximando de uma compreensão menos ingênua de como somos inscritos na ideologia, por processos
complexos de reconhecimento, poderemos compreender melhor como a ideologia atua socialmente.
Em acordo com essa perspectiva, não podemos perder de vista que, para Althusser, a
ideologia também é fundamental em termos de constituição do sujeito. Segundo Silva (2009), a função
da ideologia é constituir indivíduos concretos em sujeitos. Desse modo, o processo de interpelação
ideológica a que os sujeitos são submetidos é fundamental para a constituição de sua teoria da ideologia.
Tal processo é reconhecível e acontece na medida que o indivíduo que crê em algo se revela
como possuidor de uma consciência na qual estão contidas as ideias da sua crença. Através de um
dispositivo conceitual, estabelecido pelo próprio sujeito, desdobra-se na materialidade um determinado
comportamento. Decorrente disso, o indivíduo que crê se comporta conforme determinadas práticas
reguladas pelos aparelhos ideológicos, dos quais dependem as ideias às quais o sujeito escolheu livre e
conscientemente. Nesse aspecto, entendemos, juntos com o filósofo, que o sujeito passa a crer nas ideias
que a sua consciência aceitou livremente, por isso age segundo as suas ideias e inscreve nos atos da sua
prática material as suas próprias ideias de sujeitos livres. “A ideologia da ideologia reconhece, portanto,
apesar de sua deformação originária, que as ideias dos sujeitos humanos existem em seus atos.”
(ALTHUSSER, 1980, p. 86 e 87).
É nesse processo que a ideologia oferece suporte aos atos inseridos em práticas
concretamente reguladas. Se considerarmos que no sujeito a existência das ideias em sua crença é material,
as suas ideias são atos materiais inseridos em práticas materiais, assim, em último aspecto, a ideologia é a
prática gerenciadora de rituais materiais. É nesse processo que o termo ideia vai se tornando cada vez
mais abstrato, até se tornar inteiramente descolado da realidade material a que ela se refere. Nesse artifício,
a ideia passa a ficar implícita nos atos, não desaparecendo totalmente ela vai se tornando transparente,
subsistindo de modo permanente e eficiente nos termos: sujeito, consciência, crença e atos, que não são
materiais fisicamente, mas se mostram evidentes e acontecendo em termos objetivos nos rituais através
dos aparelhos ideológicos. Uma das formas mais elaboradas desse procedimento é a interpelação
ideológica que desenvolveremos a seguir.

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A IDEOLOGIA INTERPELA INDIVÍDUOS EM SUJEITOS

Segundo Althusser (1980), a substituição paulatina das ideias pela materialidade corresponde
a uma remodelação bastante peculiar, tendo sua estrutura calcada no sujeito enquanto aquele que opera
a deformação imaginária na sua relação com a realidade. Por isso, a contribuição fundamental do autor
está em estruturar categoricamente a ideologia como interpelação de indivíduos como sujeitos,
implicando que só existe ideologia pelos sujeitos e para sujeitos, ao mesmo tempo que a ideologia
constitui indivíduos concretos em sujeitos. Sujeito e ideologia estão dialeticamente imbricados na medida
que um constitui o outro. “É neste jogo, de dupla constituição que consiste o funcionamento de toda
ideologia, pois que a ideologia não é mais que o próprio funcionamento nas formas materiais da existencia
deste funcionamento.” (ALTHUSSER, 1980, p. 94).
Esse jogo dialético que afirma a duplicidade em que o sujeito é atravessado pela ideologia,
ao mesmo tempo que é o reprodutor dela, é pedra de toque para entender os fenômenos da materialidade
ideológica. Reconhecer esse fenômeno é importante, pois esse processo se torna cada vez mais encoberto,
o que paradoxalmente evidencia o problema do escamoteamento que a ideologia produz, ao mesmo
tempo que encobre esse mesmo movimento. Esse fenômeno ocorre porque um dos efeitos da ideologia
é a denegação: a ideologia nunca é reconhecida como ideológica, é preciso estar fora da ideologia, no
conhecimento científico, para poder afirmar que algo é ideológico ou mesmo reconhecer, caso
excepcional, que se está na ideologia; o que percebemos até aqui ser um procedimento inteiramente frágil
e cínico. Segundo Peter Sloterdijk (2012), o modo dominante de funcionamento da ideologia
contemporânea é o da “razão cínica”. Ela é fundada no paradoxo de uma falsa consciência esclarecida,
que sabe da sua falsidade, mas não abdica dela.
Como Althusser (1970) afirma, a ideologia em geral é eterna, portanto, não tem exterior, ela
interpela desde seu surgimento os indivíduos como sujeitos, a todo tempo, desde o nascimento a
ideologia cerca o indivíduo, o assedia e assim o transforma em sujeito. “A interpelação nunca falha à
pessoa visada: mediante chamamento verbal, o assobio, o interpelado reconhece sempre que era a ele que
interpelavam.” (ALTHUSSER, 1980, p. 99-100). O sujeito, na perspectiva de Althusser, é tanto sujeito
da ação, das práticas, como também um sujeito submetido a outro Sujeito. Nesse aspecto, Althusser
(1980) requisita “O estádio do espelho como formador da função do eu”, de Lacan (1998). Segundo
Teixeira, o estágio do espelho é o
[...] momento jubilatório da criança confrontada com sua própria imagem no espelho, quando
ela, antes fundida e confundida com o mundo a seu redor, reconhece a própria imagem através
da figura de um outro-eu. Dessa imagem, a criança, simultaneamente, percebe sua diferenciação
em relação ao mundo externo e confirma, a partir de fora, a perfeição narcísica que a constitui
como falo de sua mãe. (TEIXEIRA, 2005, p. 75).

Althusser estrutura uma concepção de sujeito contrária à noção de sujeito cartesiano que a
filosofia moderna adotou e desenvolveu. Ele requisita uma dimensão simbólica, “o sujeito humano
transcende seu verdadeiro estado de difusão ou descentração, e encontra uma imagem consoladoramente
coerente de si, refletida no espelho de um discurso ideológico dominante.” (TEIXEIRA, 2005, p. 75).
Ou seja, para Althusser os indivíduos interpelados pela operação ideológica, transformados em sujeitos
sociais, agem conforme a identificação que encontram nas ideologias existentes no discurso do outro. O
sujeito, ao se deparar com a multiplicidade de discursos sociais que existem, é interpelado por um discurso
que o posiciona enquanto sujeito discursivo.
Esse Sujeito pode se reconhecer na religião, por exemplo, enquanto aparelho que estrutura
a interpelação dos indivíduos em sujeito sem nome, um Sujeito Único e absoluto, submetendo o sujeito
ao Sujeito. Esse procedimento da ideologia fomenta o reconhecimento recíproco entre os sujeitos e o
Sujeito. Assim, fica a garantia que tudo está em seu devido lugar, tudo ocorre bem na medida em que o
sujeito está submetido ao reconhecimento universal e a ideologia aparece como algo que tomou
distanciamento, portanto, sua operação fica encoberta para a maioria dos sujeitos. “A conduta concreta,
material desta maioria não é mais que inscrição na vida das admiráveis palavras da sua oração: Assim seja!”
(ALTHUSSER, 1980, p. 113). É nesse aspecto que reencontramos a regressão à ideologia no exato ponto
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que parecíamos sair dela. Segundo Žižek (1996), em Althusser, a fé religiosa não é apenas uma convicção
interna, mas é a Igreja como instituição e seus rituais. Esta última, longe de ser uma simples externalização
da crença íntima, representam os próprios mecanismos que as geram. Para Žižek,
Quando Althusser repete seguindo Pascal, “Aja como se acreditasse, rezes, ajoelhe-se e você
acreditará, a fé chegará por si”, ele delineia um complexo mecanismo reflexo de fundação
“autopoiética” retroativa que excede em muito a afirmação reducionista da dependência da
crença interna em relação ao comportamento externo. Ou seja, a lógica implícita dessa
argumentação é: ajoelhe-se e você acreditará que se ajoelhou por causa de sua fé, isto é, o fato
de você seguir o ritual é expressão/efeito de sua crença intima, ao ser executado o ritual
“externo” gera sua própria base ideológica. (ŽIŽEK, 1996, p. 18).

Nesse exemplo, dado por Althusser e retomado por Žižek, podemos encontrar
materialmente, na realidade social, a interpelação do sujeito, ou seja, o modo como a ideologia interpela
o sujeito socialmente. Quando o sujeito crê ter se ajoelhado por causa da fé, simultaneamente se
reconhece no chamado do Deus-Outro que determinou que se ajoelhasse. “Pois é a partir desse carater
externo da máquina simbólica que podemos explicar o status do inconsciente como radicalmente externo
- o de uma letra morta.” (ŽIŽEK, 1996, p. 321). A crença, nesse aspecto, é uma questão de obediência à
letra morta e não compreendida, expondo uma espécie de curto-circuito entre a crença íntima e o que
Žižek chama de “máquina externa” que impõe sua ordem, remetendo, assim, ao núcleo mais subversivo
da teologia pascaliana.
A forma como a ideologia interpela o indivíduo transformando-o em sujeito é peça
fundamental para a ação dos aparelhos ideológicos, esses só têm sua performance plenamente
concretizada na medida que são aceitos livremente pelos sujeitos já capturados pela ideologia. No
próximo tópico compreenderemos como funciona esse processo.

O APARELHO DE ESTADO E O APARELHO IDEOLÓGICO

Essa espécie de versão contemporânea da máquina pascalina é uma contribuição singular às


perspectivas sobre ideologia desenvolvidas anteriormente, mas deixa um ponto em aberto, já que não
consegue esgotar em profundidade o vínculo entre o AIE e a interpelação ideológica. A discussão gira
em torno de compreender então como o AIE, enquanto máquina pascaliana, se internaliza produzindo
o efeito da crença ideológica, numa relação de causa e efeito conector a do processo de subjetivação.
Nesse caso, como acontece o reconhecimento da posição colocada pela interpelação?
Só podemos entender essa questão se buscarmos as respostas no essencial da teoria marxista
do Estado. Segundo Althusser (1970), essa se expressa na compreensão de que o Estado e a existência
do seu aparelho só têm sentido na função do poder de Estado. Toda a luta de classe gira ao redor da tomada
e da conservação do poder de Estado, por uma certa classe ou pelas alianças desta. Assim, os clássicos
do marxismo afirmaram:
1) o Estado é o aparelho repressivo de Estado; 2) é preciso distinguir o poder de Estado do
aparelho de Estado; 3) o objetivo das lutas de classes visa o poder de Estado e,
consequentemente, a utilização feita pelas classes (ou aliança de classes ou em frações de classes),
detentoras do poder de Estado, do aparelho Estado e função dos seus objetivos de classe; 4) o
proletariado deve tomar o poder de Estado para destruir o aparelho de Estado burguês existente,
e, numa primeira fase, substituí-lo por um aparelho de Estado completamente diferente,
proletário, depois em fase ulteriores, iniciar um processo radical, o da destruição do Estado.
(ALTHUSSER, 1980, p. 38).

O filósofo procura ultrapassar a mera descrição do Estado e do aparelho de Estado para


poder adentrar uma discussão que pressupõe essas categorias, mas procurando diferenciá-las em “poder
de Estado” de “aparelho de Estado”. O Estado define, de fato, a função fundamental do aparelho de Estado
como a força de execução e de intervenção repressiva, a serviço da classe dominante. Define, assim, que
o Estado é aparelho de Estado, não só aparelho especializado cuja existência e necessidade são

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reconhecidas a partir das exigências da prática jurídica, como da polícia e do exército, mas também como
o governo e a administração.
Por sua vez, de modo recíproco, o aparelho de Estado como meio para consolidação do poder
do Estado, compreende: o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões e tudo
aquilo que funciona pela repressão e pela violência, incluindo a violência que se manifesta para além da
forma física. O aparelho de Estado é repressivo e unificado, é um todo organizado cujas diferentes formas
estão subordinadas a uma unidade de comando: o poder de Estado. Sua organização centralizada sob a
direção dos representantes da classe dominante executa as políticas que amparam as dicotomias da luta
de classe, que são em última análise relações de exploração.
O AE não atua de modo especializado, pertencendo inteiramente ao domínio público, mas
a própria distinção entre o público e privado foi o objeto do direito burguês: “O Estado, que é o Estado
da classe dominante, não é nem público nem privado, é pelo contrário, a condição de toda a distinção
entre público e privado.” (ALTHUSSER, 1980, p. 46). Em si mesmo, o Aparelho de Estado funciona de
maneira massiva pela repressão e secundariamente pela ideologia, pois esses dois, Estado e Ideologia,
nunca se desvinculam inteiramente. E justamente através da ideologia, a classe dominante que detém o
poder do Estado consolida e assegura a harmonia entre aparelho repressivo de Estado e os Aparelhos
Ideológicos de Estado. Por isso a necessidade de compreender o que Althusser designa como Aparelho
Ideológico de Estado, “Um certo número de realidade que se apresenta ao observador imediato sob a
forma de instituições distintas e especializadas.” (ALTHUSSER, 1980, p. 43). E assim, ele atua de modo
determinado em suas especificidades como nos casos,
[...] - O AIE religioso (o sistema das diferentes igrejas. - AIE escolar (o sistema das diferentes
escolas públicas e particulares). - o AIE familiar. - O AIE jurídico. - O AIE político (o sistema
político de que fazem parte os diferentes partidos). - O AIE sindical. - O AIE da informação
(imprensa, radiotelevisão etc.). O AIE cultural (Letras, Belas Artes, desportos etc.).
(ALTHUSSER, 1980, p. 44).

A pluralidade com que o AIE se manifesta é antagônica à unicidade do AE. Enquanto um é


público o outro é privado, enquanto um é repressivo e violento, o AIE é obviamente ideológico. Esse
não é só o alvo da luta de classes, mas o próprio lugar onde ela materialmente se manifesta. Essas duas
dimensões não se descolam, por isso é imprescindível ressaltar que os dois tipos de aparelhos se
combinam muito sutilmente para poder operar na vida cotidiana. Precisamos estar atentos, pois o jogo
dos aparelhos constrói uma consonância precária, e essa ligação dialética em que cada um depende do
outro para se manifestar e atuar socialmente enquanto negatividade pode e deve ser atacada. Segundo
Žižek (1996), os AIE exercem sua força à medida que são vivenciados na economia inconsciente do
sujeito, como injunção traumática e sem sentido. Para o filósofo esloveno,

Althusser fala apenas do processo de interpelação ideológica mediante o qual a máquina


simbólica da ideologia é “internalizada”, na experiência ideológica do Sentido e da Verdade: mas
podemos aprender com Pascal que essa “internalização”, por uma necessidade estrutural, nunca
tem pleno sucesso, que há sempre um resíduo, um resto, uma mancha de irracionalidade e
absurdo traumáticos que se agarram a ela, e que esse resto, longe de prejudicar a plena submissão do
sujeito à ordem ideológica, é a própria condição dela: é precisamente esse excedente não integrado de
trauma sem sentido que confere à Lei sua autoridade incondicional; em outras palavras, é ele que
- na medida em que o eu escapa ao sentido ideológico - sustenta o que podemos chamar de jouis-
sens ideológico, o gozo-no-sentido (enjoy-meat) que é próprio da ideologia.(ŽIŽEK, 1996, p.
321).

Žižek (1996) aponta, assim, que a própria lacuna que há entre a interpelação ideológica e a
atuação dos AIE é exatamente o espaço para a consolidação da ideologia, esse espaço pode ser mais bem
compreendido se aprofundarmos os estudos sobre os modelos de controle e manipulação com os quais
outros filósofos compreenderam esse mesmo tema, por isso, se impõe a necessidade de conhecer os
conceitos que trabalharemos a seguir.

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O APARELHO, A POSITIVIDADE, O DISPOSITIVO E O “GRANDE OUTRO”

O aparelho que Althusser apresenta é de grande originalidade e importância para a filosofia


política e estudos sobre a ideologia. Ele opera materialmente, evidenciando como a ideologia se instaura
na sociedade em mecanismos muito bem articulados que se colam à realidade de tal forma que se
aparentam em perfeita naturalidade – ou se não, como necessidade premente que não pode ser substituída
por outro mecanismo de controle.
Uma miríade de pensadores se aproximou do conceito de aparelho, de modo diferenciado.
Assim, podem ser destacados: o conceito de dispositivo, amparado no pensamento de Foucault (2008) e
Agamben (2009), a positividade, em Hegel e a noção de “grande Outro”, em Lacan (1992). Todos esses
filósofos procuraram investigar os mecanismos pelos quais a sociedade ganha uma determinada forma
de manipulação arquitetada por meio de equipagens, agenciamentos, mecanismos, aparatos e outras
tecnologias que operem as formas de coerção, subjetivação alienante e dessubjetivação. De modo
diversificado, esse conjunto de conceitos contribui de forma significativa para a compreensão da
ideologia. Mesmo que alguns desses autores, como no caso de Foucault, não usem o termo ideologia, o
conceito é substituído por outros potencialmente capazes de explicar e compreender o fenômeno a partir
de outras articulações, como é o caso do dispositivo. Assim, o conceito de dispositivo parece abarcar o
conceito de ideologia, determinando o nosso interesse por ele.
Segundo Agamben (2009), o dispositivo é um termo técnico decisivo no pensamento de
Foucault, e pode ser compreendido como um conjunto heterogêneo, linguístico e não linguístico, que
inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo título: discursos, instituições, edifícios, medidas policiais,
proposições filosóficas etc. Ele tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve numa relação
de poder e saber. “O dispositivo é a matriz da governamentalidade: é aquilo por meio do qual se realiza a
pura atividade de governo sem nenhum fundamento no ser. Por isso, os dispositivos devem sempre
implicar um processo de subjetivação, isto é, devem produzir o seu sujeito.” (AGAMBEN, 2009, p. 38).
Pensando sobre governamentalidade, Isis Freitas (2016) afirma que:
O curso de Michel Foucault intitulado Segurança, território, população, proferido no Collège de
France em 1977-1978, tem por marca fundamental o desenvolvimento de uma genealogia da
governamentalidade moderna. No referido curso são apresentadas três formas de poder: o
modelo do Estado territorial de soberania (o poder baseado na teoria da soberania, que é
vinculada a uma forma de poder que se exerce sobre a terra e os produtos da terra, muito mais
do que sobre os corpos e sobre o que eles fazem); o poder disciplinar (sociedade disciplinar), os
dispositivos visam, através de uma série de práticas e de discursos, de saberes e de exercícios à
criação de corpos dóceis, que se aplicam ao corpo por meio das técnicas de vigilância e de
instituições punitivas) e o biopoder (estado de população contemporâneo - que captura a vida
em sentido massificante e totalizante). (FREITAS, 2016, p. 62).

O conceito de “autotranscendência da sociedade”, que é o dispositivo, foi tomado de Foucault,


mas também demanda a noção hegeliana de “positividade” como ordem social substancial imposta ao
sujeito e experimentada como destino externo e não como parte orgânica em si. A positividade é o nome
dado por Hegel ao elemento histórico, com suas regras, ritos e instituições impostas ao indivíduo de
modo exterior a ele, mas que se torna interna no sistema de crenças e sentimentos. O jovem Hegel (1971),
no texto A positividade da religião cristã, investiga os motivos da religião cristã ter se tornado autoritária,
forjando, inclusive, uma aceitação política da escravidão, pois o homem aceitava a autoridade externa na
legalidade e na heteronomia. É exatamente em exemplos históricos como esses que a positividade
exprime um caráter de coação, de não liberdade, de heteronomia, contrário à razão, segundo o filósofo
alemão.
Jean Hyppolite, pensador que teve forte influência sobre Foucault e a filosofia francesa,
ensejou Foucault a desenvolver posteriormente o conceito de dispositivo, ora tomado por Agamben.
Para Hyppolite (1971), o conceito de positividade na Introdução à filosofia da história de Hegel, tem seu lugar
na oposição entre “religião natural” e “religião positiva”, no qual a religião natural seria aquela próxima à
natureza e não institucionalizada; a positiva, enquanto histórica, compreende o conjunto de crenças,
regras e rituais que são impostos ao indivíduo pela exterioridade. Assim, essa religião positiva implicaria,
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segundo o próprio Hegel (1971), em sentimentos que são impressos na alma por meio de coerção e
comportamentos que são resultados de relação de comando e obediência. Nesse sentido, a positividade
funciona como uma articulação de manipulação ideológica ancorada na crença.
As intenções de Hegel (1971) e Foucault (1971) são claramente distintas. Hegel busca
reconciliar os domínios da religião e da razão e assim procura desvendar a positivação. Foucault investiga
os modos concretos pelos quais os dispositivos agem nas relações e jogos de poder. Ele se recusou a
trabalhar com categorias gerais, ou universais, mas também admitimos que os dispositivos são
precisamente a estratégia foucaultiana, não para falar de medidas de segurança isolada, de tecnologias de
poder específicas, mas, sim, para remeter a um conjunto de práticas e mecanismos que constituem de
modo urgente e imediato a subjetivação.
Para Agamben (2009), a noção de dispositivo tem origem na teologia da Providência Divina e
se liga à oikonomia grega, implicando a relação de Deus com o mundo até o modo como Deus administra
seu reino. Ele evidencia como um dispositivo é minimamente sagrado, de tal modo que, assim que um ser
vivente é capturado por um dispositivo, ele é desapropriado de sua própria identidade enquanto sujeito.
No entanto, os dispositivos ao longo do tempo vêm se remodelando, e esse mecanismo, segundo Agamben,
passa a funcionar de modo múltiplo, como no caso das novas tecnologias. Os dispositivos tecnológicos,
como celulares, tablets e aplicativos usados para todo tipo de finalidade, subjetivam fazendo uso de
inteligência artificial, para colher dados e os adequarem às individualidades. Mas, ao mesmo tempo
dessubjetivam, pois massificam as performances e docilizam corpos e mentes ao subjugo da tecnologia,
fazendo dos sujeitos massa amorfa, ou verdadeiros zumbis fantasmáticos, sem autenticidade, esvaziados
enquanto sujeitos, resultando em um “sujeito espectral”. Nessas circunstâncias os dispositivos
dessubjetivam sem produzir uma nova subjetividade:
Daqui surge o eclipse da política, que pressupunha sujeitos e identidades reais (o movimento
operário, a burguesia etc.), e o triunfo da oikonomia, isto é, de uma pura atividade de governo que
visa somente à sua própria reprodução. Direita esquerda, que se alternam hoje na gestão do
poder, tem por isso bem pouco o que fazer com o contexto político do qual os termos provem
e nomeia simplesmente os dois polos - aquele que aposta sem escrúpulos na dessubjetivação e
aquele que gostaria, ao contrário, de recobri-la com a máscara hipócrita do bom cidadão
democrático - de uma mesma máquina governamental. (AGAMBEN, 2009, p. 48-9).

Essa leitura de Agamben (2009) nos apresenta a compreensão de que entre os seres viventes
e os dispositivos temos os sujeitos. Ou melhor, o que compreendemos como sujeitos é o resultado do
“corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos” (AGAMBEN, 2009, p. 41). Por isso que,
contemporaneamente, o indivíduo pode ser o lugar de múltiplos processos de subjetivação. O que
Agamben afirma é bastante semelhante à afirmação de Althusser: “a ideologia interpela indivíduos em
sujeito” através de um aparelho. Essa interpelação do indivíduo como sujeito é a compreensão do
indivíduo interpelado como um sujeito (livre) para que ele possa obedecer livremente às ordens daquele
que formula sua sujeição, a fim de que tal sujeição seja aceita (livremente). Assim, esse sujeito passa a
fazer os gestos e as ações de sua sujeição sozinho (de livre e espontânea vontade). Essa noção de sujeito
nos remete a uma compreensão não ingênua da noção de sujeito e seu imbricamento com a ideologia.
Assim, segundo Žižek,
Foucault, Althusser e Lacan insistem na ambiguidade crucial do termo “sujeito” (como agente
livre e sujeitado do poder) - o sujeito enquanto agente livre surge por sua sujeição ao
dispositif/AIE/ “grande Outro”. Como afirma Agamben, a “dessubjetivação” e a subjetivação
são dois lados da mesma moeda: é a própria dessubjetivação de um ser vivente, sua subjetivação
a um dispositif, que o subjetiva. (ŽIŽEK, 2013, p. 619).

Paradoxalmente, na atualidade, a sofisticação desse processo, com a intensificação da


administração e regulação da vida dos indivíduos, faz com que os dispositivos não gerem mais a
interpelação do indivíduo em sujeito. Agamben (2009) chama a atenção para o fato de que, a medida que
o cidadão é dessubjetivado, ele não se pergunta sobre os dispositivos hegemônicos da democracia
contemporânea, ou seja, o sujeito burguês foi desapropriado dessa definição, ele não sabe o que é
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democracia. Os dispositivos são de tal forma articulados que os cidadãos têm suas vidas controladas até
nos mais íntimos detalhes, e assim a própria passividade desses cidadãos coloca em suspensão a eficácia
performativa desses dispositivos, fazendo essa máquina “girar em falso” e transformar-se, segundo Žižek
(2013), em “uma autoparódia que não serve para nada”.
De modo análogo, lembramos que o campo econômico concerne equivocadamente à esfera
da não ideologia, ao ponto dos economistas se considerarem pós-ideológicos, pois em sua autopercepção
pensam ter superado a ideologia. Como aqueles que se consideram fora da ideologia, parte deles
sustentam o pensamento economicista a partir de um viés ultraliberal. Esse predomínio da esfera
econômica pode parecer ausência de ideologia, mas agora, contrariamente, a economia, mais do que
nunca, serve como modelo ideológico. “Assim, temos toda a razão de dizer que, aqui, a economia
funciona como AIE, ao contrário da vida econômica “real”, que definitivamente não segue o modelo
idealizado pelo mercado liberal.” (ŽIŽEK, 2012, p. 301).
Nesse aspecto, para Althusser, os indivíduos são seres viventes sob os quais age o
dispositivo/AIE, impondo-lhes uma série de práticas, ao passo que o sujeito não é uma categoria do ser
vivente, da substância, mas o resultado das capturas desses seres viventes em um dispositivo/AIE. O
problema é que, segundo Žižek,
Althusser falha em sua insistência desconcertante e deslocada na “materialidade” dos AIE: a
forma primordial de dispositif, o “grande Outro” da instituição simbólica, é precisamente
imaterial, uma ordem virtual - como tal, é correlativa do sujeito enquanto distinto do indivíduo
na qualidade de ser vivente. Nem o sujeito nem o dispositif do grande Outro são categoriais do
ser substancial. (ŽIŽEK, 2013, p. 619).

A contribuição de Althusser para pensar a ideologia e a estruturação que ele faz desse
pensamento é inestimável, mas do ponto de vista da materialidade parece ainda deixar o aparelho sem
um fundamento seguro por falta de um avanço para a articulação com as categorias mais substanciais da
psicanálise. Porém, no presente trabalho, a articulação com Hegel referente ao conceito de positividade,
a ideia de dispositivo como conceito recorrente em Agamben e Foucault e o “grande Outro”, de Lacan,
são costuras importantes para uma compreensão mais profunda da ideologia, pois contribuem, de modo
diferenciado, na abordagem do problema na interpelação do sujeito e na imbricação dos fatores inerentes
à ideologia. Por isso que, ao nos apoiarmos na leitura do AIE, somada à leitura do conceito de dispositivo,
conseguiremos uma compreensão mais densa da noção de ideologia. A propósito, Althusser é um autor
que avança de modo crítico na ideia de ruptura com o aparelho ideológico de dominação que é a escola,
buscando dar conta desse aparelho escolar de modo mais coerente e fornecendo, assim, uma análise para
a contemporaneidade de como ela parece ainda ser espaço para a disseminação e materialização da
ideologia. A este núcleo temático que damos prosseguimento ao próximo tópico.

A ESCOLA COMO APARELHO IDEOLÓGICO

Durante o período pré-capitalista existia um AIE dominante: a Igreja, que segundo Althusser
(1980) concentrava não só as funções religiosas, mas também escolares e culturais. Por isso que, do século
XVI ao século XVIII, principalmente com a Reforma Protestante, a luta ideológica foi anticlerical e
antirreligiosa. A Revolução Francesa também colaborou para o ataque à Igreja enquanto AIE, e
modificou o funcionamento do aparelho de Estado ao propiciar a passagem do poder da aristocracia
feudal para a burguesia capitalista-comercial. Assim foi quebrado um determinado tipo de aparelho
repressivo de estado que foi substituído por outros. O desenrolar da luta de classe durante o século XIX
levou a aristocracia fundiária e a burguesia industrial a ocuparem as funções que outrora eram exclusivas
da Igreja, e o lugar encontrado para consolidar e estruturar esse poder foi a Escola. Nesse sentido, a
função que era realizada pelo duo Igreja-família foi substituída pelo duo Escola-família. “O AIE que foi
colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes
política e ideológica contra o antigo aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico
escolar.” (ALTHUSSER, 1980, p. 60).

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As relações de exploração e dominação capitalistas são resultantes da incidência de todos os


tipos de AIE em seu conjunto, mas a escola desempenha papel dominante, segundo Althusser (1980),
embora, paradoxalmente, nem sempre se dê a essa dominação muita atenção, pois atua, como toda
ideologia, de modo silencioso. A escola, de modo opaco, é a base da aprendizagem disseminada pela
ideologia, é nela onde se colocam todas as crianças de classes sociais distintas, durante os anos mais
vulneráveis da infância, e ensinam-lhes a ideologia dominante. Isso acontece através dos saberes práticos:
línguas, cálculos, história, ciências, literatura, ou simplesmente empurrando a ideologia dominante em seu
estado mais puro: moral, instrução cívica e doutrinação político-religiosa.
Como se trata de um aparelho que dispõe durante muito tempo de audiência obrigatória de
parte considerável da sociedade, através das crianças, a ideologia dominante chega à família como um
todo. A escola domina de forma magistral as crianças, pois tem de cinco a seis dias por semana de
presença na vida delas. Um pouco maiores, adolescentes se jogam no mundo do trabalho, tornando-se
mão de obra barata. Outra parte, mais reduzida, de juventude escolarizável, continua no sistema educativo
para assumir postos da pequena burguesia. E, assim, uma parte consideravelmente pequena de jovens
consegue empregos razoáveis, enquanto a maioria cai no semiemprego, ou ainda, como hoje, no
desemprego. A propósito como destaca Althusser,
Cada massa que fica pelo caminho está praticamente recheada da ideologia que convém ao papel
que ela deve desempenhar na sociedade de classes: papel de explorado (com consciencia
profissional, moral, cívica, nacional e apolítica altamente desenvolvida); papel de agente da
exploração (saber mandar e falar aos operários: as relações humanas), de agentes da repressão
(saber mandar e ser obedecido sem discussão ou saber manejar a demagogia retórica dos
dirigentes políticos) , ou profissionais da ideologia ( que saibam tratar as consciências como
respeito, isto é, com o desprezo, a chantagem a demagogia que convêm, acomodados às sutilezas
da Moral, da Virtude, da Transcendência, da Nação, do papel da França no mundo, etc).
(ALTHUSSER, 1980, p. 66).

A ideologia que a escola dissimula, de modo naturalizado e palatável, reproduz o regime


capitalista. É através das aprendizagens de saberes práticos disseminados em aulas que é inculcado de
forma massiva a ideologia da classe dominante. Nesse processo, enquanto uma ideologia que representa
a Escola como um meio neutro desprovido de ideologia, esta escola dissimula exatamente a ideologia que
se diz não ideológica. Na escola burguesa que funciona como AIE, os mestres, supostamente respeitosos
da consciência e da liberdade das crianças que lhes são confiadas pelos pais, fazem ascender os alunos à
liberdade, à moralidade e à responsabilidade de adultos pelo seu próprio exemplo, pelos conhecimentos,
pela literatura e pelas suas virtudes. Mas todo esse discurso da escola reproduz somente as relações de
produção com base em uma formação social capitalista.
Os professores colaboram de tal forma com essa sistemática, e estão tão submersos na
ideologia quanto qualquer outro ser vivente que não colocam em dúvida o funcionamento da escola. Sem
se dar conta de tal processo, os educadores contribuem pelo seu empenho em manter a representação
ideológica da Escola que a torna natural, indispensável, útil e benfeitora, tanto quanto era a Igreja
anteriormente. O AIE escolar coopta os professores e por meio da representação ideológica a escola se
descola de sua construção histórica material feita pelos homens, e aparece como qualquer outro
fenômeno ideológico, inclusive para os professores. No entanto, Althusser situa os professores ao fazer
a seguinte reflexão:

Peço desculpas aos professores que, em condições terríveis, tentam voltar-se contra a ideologia,
contra o sistema e contra as práticas em que este os encerra, as armas que podem encontrar na
história e no saber que ensinam. Em certa medida são heróis. Mas são raros, e quantos (a
maioria) não tem sequer um vislumbre de dúvida quanto ao trabalho que o sistema (que os
ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, pior, dedicam-se inteiramente e com toda a consciência à
realização desse trabalho. (ALTHUSSER, 1980, p. 67-68).

A profunda crise que o sistema escolar e familiar sofre, adquire um sentido político se
considerarmos que a escola constitui o AIE dominante, “aparelho que desempenha um papel
determinante na reprodução das relações de produção de um modo de produção ameaçado na sua
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existencia pela luta de classes mundial.” (ALTHUSSER, 1980, p. 68). Ou seja, a escola ensina a reproduzir
o modo operante do capitalismo que está em luta de classe permanente. Conforme reproduz a luta de
classes, a escola e a família estão, em si, sempre em crise, pois não funcionam plenamente com vistas à
emancipação humana, mas simplesmente para a reprodução das relações de produção capitalistas
(ALTHUSSER, 2008).
A escola participa de modo determinante do processo de consolidação do sujeito. O domínio
em que a interpelação do indivíduo em sujeito acontece através da ideologia, a escola coaduna e participa
enquanto aparelho para a articulação e implementação desse processo. A escola do século XXI adotou
as performances empresariais e o modelo de reprodução econômica neoliberal. O poder do aparelho
escolar se potencializa operando em consonância com a ordem econômica vigente, na qual a economia
também é ideológica.
Na contemporaneidade a escola passou a ser uma empresa e como qualquer outra corporação
econômica que visa o “mais valor”. O compromisso, portanto, é com o mercado e não com a formação
de sujeitos livres. Sob esse prisma é visada a formação de empreendedores que se desumanizam e
dessubjetivam. Os jovens hoje, como Althusser já apontou no passado, passam a ter compromisso com
a exploração, a precarização e a exclusão do ser humano, pois é isto em o que AIE escolar/econômico
se transformou. Prolifera uma era de escolas voltadas inteiramente para atender o mercado mundial, de
acordo com os interesses de grandes corporações econômicas. Esses são os valores da escola que
podemos chamar de neoliberal, em que os valores econômicos estão acima do bem coletivo, essa escola
entende a educação como um bem privado.

[...] não é a sociedade que garante o direito à cultura a seus membros; são os indivíduos que
devem capitalizar recursos privados cujo rendimento futuro será garantido pela sociedade. Essa
privatização é um fenômeno que atinge tanto o sentido do saber e as instituições que
supostamente transmitem os valores e os conhecimentos quanto o próprio vínculo social. À
afirmação da plena autônima dos indivíduos sem amarras, salvo as que eles próprios reconhecem
por vontade própria, correspondem instituições que parecem não ter outra razão de ser que não
seja servir a interesses particulares. (LAVAL, 2019, p. 16).

No Brasil, a síntese do aparelho escolar com o econômico se mostra ainda mais evidente
quando, durante o governo iniciado em 2019, aplicaram-se reformas educacionais cada vez mais
subservientes à dominação do aparelho econômico ultraliberal internacional. Segundo Laval (2019), o
sistema de educação no Brasil é muito mais “neoliberalizado” do que muitos sistemas europeus. A
reforma do ensino médio, Lei Nº 13.415, implementada em fevereiro de 2017, prolifera atualmente a
perspectiva da escola como AIE, associada ao modelo do empresariamento das relações, assim como a
aplicação do projeto “Future-se” no ensino superior.
A breve apresentação que o Ministério da Educação faz em seu site traz informações que
demonstram apenas o gerenciamento mercadológico ao qual as universidades devem se submeter.

1. O que é o Future-se? O Future-se busca o fortalecimento da autonomia administrativa,


financeira e da gestão das universidades e institutos federais. Essas ações serão desenvolvidas
por meio de parcerias com organizações sociais. O programa se divide em três eixos. 2. Quais
são os três eixos?
Gestão, Governança e Empreendedorismo. Promover a sustentabilidade financeira, ao
estabelecer limite de gasto com pessoal nas universidades e institutos — hoje, em média, 85%
do orçamento das instituições são destinados para isso; estabelecer requisitos de transparência,
auditoria externa e “compliance”; criar ranking das instituições com prêmio para as mais
eficientes nos gastos; gestão imobiliária: estimular o uso de imóveis da União e arrecadar por
meio de contratos de cessão de uso, concessão, fundo de investimento e parcerias público-
privadas (PPPs); propiciar os meios para que departamentos de universidades/institutos
arrecadem recursos próprios, estimulando o compartilhamento de conhecimento e experiências
entre eles; autorizar “naming rights” (ter o nome de empresas/patrocinadores e patronos na
instituição) nos campi e em edifícios, o que possibilitaria a manutenção e modernização dos
equipamentos com apoio do setor privado. Pesquisa e Inovação instalar centros de pesquisa e
inovação, bem como parques tecnológicos; assegurar ambiente de negócios favorável à criação
e consolidação de startups, ou seja, de empresas com base tecnológica; aproximar as instituições
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das empresas, para facilitar o acesso a recursos privados de quem tiver ideias de pesquisa e
desenvolvimento; premiar os principais projetos inovadores, com destaque para universidades e
institutos que tiverem melhor desempenho, respeitada as condições inicias e especificidades de
cada um. Internacionalização: estimular intercâmbio de estudantes e professores, com foco na
pesquisa aplicada; revalidação de títulos e diplomas estrangeiros por instituições públicas e
privadas com alto desempenho, de acordo com critérios do MEC; facilitar o acesso e a promoção
de disciplinas em plataformas online; firmar parcerias com instituições privadas para promover
publicações de periódicos fora do país; possibilitar bolsas para estudantes brasileiros com alto
desempenho acadêmico e atlético em instituições estrangeiras. (MEC. Disponível em:
http://www.mec.gov.br/future-se. Acesso em: 29 de setembro de 2019).

Não cabe aqui fazer uma exposição delongada sobre o Future-se, mas se vê contemplado o
incentivo a investimentos privados nas universidades públicas, o que em longo prazo visa restringir o
acesso à universidade àqueles que podem pagar por ela, consolidando assim o processo de privatização
desta instituição. O discurso empreendedor e tecnicista chega com força à universidade para fomentar a
formação de profissionais voltados exclusivamente para o mercado de trabalho, desconsiderando o
investimento em pesquisa e desenvolvimento científico que não esteja imediatamente ligado ao interesse
do capital. Pesquisas de longo prazo não são consideradas como algo produtivo. Essa forma de proceder,
segundo o entendimento do governo, ataca de modo contundente às ciências humanas e sociais como
aquelas que não contribuem, inclusive, atrapalham o processo de desenvolvimento econômico, causando
dispêndio à sociedade e, portanto, devem ser eliminadas.
A reforma do Ensino médio também atende aos interesses de um aparelho ideológico que
impõe o interesse econômico acima do escolar, pois acaba com a obrigatoriedade das múltiplas disciplinas
regulares que conhecemos, tornando somente língua portuguesa, matemática e língua inglesa disciplinas
regulares durante os três anos dessa etapa de ensino. Abre-se, nesse sentido, um espaço para áreas de
conhecimento genéricas, nas quais podem atuar profissionais de “notório saber”. Segundo a Lei,
“Profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar
conteúdos de áreas afins à formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou
prática de ensino em unidades educacionais.” (Lei 13.415, Art. 5 º, parágrafo IV).
O aumento da carga horária do Ensino contempla a chamada educação integral, o que em
tese parece ser interessante do ponto de vista da consolidação do conhecimento, mas não leva em conta
a estrutura das escolas, as diferenças regionais, ou mesmo a vida cotidiana do jovem trabalhador em idade
escolar, fazendo com que essa seja uma reforma que atende principalmente o interesse da classe
dominante. Segundo a Lei, “A carga horária minima anual deverá ser ampliada de forma progressiva, no
ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo
de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de cargo horária, a partir de 02 de março de 2017.” (Lei
13.425, §1º). Nesse sentido, o ensino médio na sua totalidade chegará a 4.200 horas, das quais 1.800 serão
de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o restante, 2.400 ou mais, de conteúdo diversificado. Tal
modelamento de horas faz com que os alunos recebam mais conteúdos de formação específica do que
daquilo que é conteúdo básico para o ensino, nesse contexto a formação básica voltada para a crítica e
emancipação humana ficam extremamente dilaceradas, pois contarão com pouquíssimas horas.
Tais mudanças, que não levam em consideração as diversas demandas da média de 80% dos
jovens brasileiros que estudam nas escolas públicas, preconizam que a totalidade dos estudantes concorra
a exames para o acesso ao ensino superior. Enquanto as famílias que podem pagar escolas particulares,
nas quais seus filhos serão treinados para o ENEM (Exame Nacional do Ensino médio o qual a nota é
requisito para acesso ao ensino superior), serão aquelas cujos filhos terão acesso à educação nas melhores
universidades. Para as escolas públicas, onde está a maior parte da juventude empobrecida, profissionais
de “notório saber” poderão dar aulas para a formação de mão de obra técnica, que no contexto da
reforma trabalhista é inteiramente precarizada. Para os muitos jovens trabalhadores o ensino à distância
é oferecido, mas só como meio de falsear o ensino.
A educação ofertada àqueles sujeitos que mais precisam de formação para superar sua
condição de preconceito de classe faz com que esses permaneçam propositalmente aprisionados na
mesma condição. Daí o falseamento do ensino, já que apesar das mentes articularem um discurso de
melhoria de ensino, na verdade pretendem que os alunos cercados por dispositivos de controle e coerção
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tenham acesso à plataformas de ensino, mediante o acesso a computador e internet, mas os alunos não
têm acesso a essas ferramentas. A opção, assim, são estudos domiciliares, proposta essa ainda em
discussão. Esses são métodos tecnológicos dessubjetivantes, que usam dispositivos e aparelhos de
enquadramento que esvaziam as possibilidades reais de interação e conhecimento transformador,
portanto, impedindo a possibilidade real de mudança das condições de vida dessas, a não ser em casos
excepcionais em que serão usados pelas mentes que pensam a educação como exemplos de meritocracia,
fortalecendo a ideia perversa de “empresariamento de si”. Ainda referente ao debate sobre estudos
domiciliares, ele ganha espaço dentro das famílias tradicionais arrebanhadas pelas igrejas neopentecostais
que defendem essa modalidade de ensino, levantando a bandeira de um liberalismo conservador, diante
dos interesses moralistas que defendem.
Sobre o tema da educação básica e os dispositivos de ensino/controle incidem grandes
conglomerados e grupos educacionais com suas editoras e sistemas de ensino prontos para serem
vendidos. Laval (2019) afirma que o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a chegar ao que ele
chama de “capitalismo escolar e universitário”. O domínio massivo de empresas gigantes cotadas na bolsa
de valores, como o grupo Kroton, Estácio, Anhanguera, com mais de 1,5 milhão de estudantes expõe
como a educação é tratada, principalmente no Brasil. “O neoliberalismo escolar resultou, na verdadeira
guerra entre classes para entrar nas “boas escolas” de um sistema escolar e universitário cada vez mais
hierarquizado e desigual.” (LAVAL, 2019, p. 13).
Em pouco tempo poderemos ver a oferta de profissionais de educação tanto à distância
quanto em serviços terceirizados para escolas e famílias. Assim, aplicando a lógica empresarial do lucro e
da competitividade, ofertam o serviço mais barato ao ganho mais extraordinário, portanto, nem sempre
presando pela qualidade do ensino e humanização do serviço prestado. Nesse contexto, podemos ter
aulas de baixa qualidade para os alunos da rede pública e um novo modelo de educação domiciliar para
a classe abastada, baseado na cobrança de altos valores por serviços prestados individualmente a esses
estudantes privilegiados financeiramente.
Com relação a esse mesmo tema no Brasil, não podemos renunciar às reflexões que Severino
(Rio Claro, 1941) faz da condição da educação em nossa sociedade principalmente no que diz respieto a
ideologia (SEVERINO, 1986). Segundo ele, o modo operante que ela se encontra é atualmente de perfil
assumidamente neoliberal. Caracterizada “com expressões no plano cultural, com sua exacerbação do
individualismo, do produtivísmo, do consumismo, da indústria cultural, da mercadorização até mesmo
dos bens simbólicos, não instaura nenhuma pós-modernidade.” (SEVERINO, 2000, s.p.). Quer dizer, a
forma como nossa sociedade se organiza e, portanto, constrói o processo educativo está embebido nos
processos ideológicos que o capitalismo impõe desde a modernidade. Para o autor brasileiro, não
chegamos à pós-modernidade, pois na sociedade ainda se aprofunda a maturação das premissas e
promessas da própria modernidade. “Nada mais moderno do que esta tecnicização, viabilizada pela
revolução informacional. Finalmente, a modernidade está realizando as promessas embutidas em seu
projeto civilizatório. Nada mais moderno do que o individualismo egoísta dos dias de hoje.”
(SEVERINO, 2000, s.p.).
Severino nos alerta que é preciso não perder de vista a historicidade da existência humana,
que fica encoberta pelo refinado processo ideológico de que o fim das utopias do progresso humano
possa significar igualmente o fim da história (SEVERINO, 2000). E a realidade do contexto histórico
latino-americano é marcado pela exclusão humana de seus diretos. Assim, é necessário observar com
bravura que a atual situação do Brasil no séc. XXI desmente a ideia de que já se teria encontrado o
caminho certo para a construção de uma sociedade amadurecida, justa e democrática. Para Severino:

O processo de modernização pelo qual passou e continua passando o continente está


acontecendo a um preço muito alto. A organização econômica, de lastro capitalista, sob um clima
político de mandonismo interno das elites nacionais e da dominação externa dos grupos
internacionais, impõe uma configuração socioeconômica na qual as condições de vida da imensa
maioria da população continuam extremamente precárias. Na verdade, o aclamado processo de
globalização da economia parece universalizar as vantagens do capital produtivo e as
desvantagens do trabalho assalariado. Dada essa situação, o conhecimento, em geral, e a
educação, em particular, são interpelados com relação a seu papel histórico. O quadro da
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realidade social e educacional do Brasil mostra bem o quanto a existência histórica dos brasileiros
está longe de atingir um patamar mínimo de qualidade. Mostra também o quanto é ainda grave
o déficit educacional em termos quantitativos e qualitativos e como é ainda grande o desafio para
os gestores da educação no Brasil. Exigem-se deles uma avaliação mais crítica da situação real da
nossa sociedade e uma maior vigilância diante do mavioso canto das sereias do
neoliberalismo.(SEVERINO, 2000, s.p.)

Ao que tudo indica, até agora a educação não é a alavanca que possibilita a transformação da
sociedade, pois está ainda sob as demandas exclusivas da formação econômica capitalista, como alertou
Althusser, a escola é aparelho ideológico, e agora aliada ao aparelho econômico. Então devemos estar
atentos para como podemos agir na transformação desse aparelho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Althusser foi classificado como estruturalista por fazer análises do funcionamento básico de
toda ideologia como um sistema que envolve quatro instâncias: 1) a interpelação dos indivíduos concretos
enquanto sujeitos; 2) a sujeição destes indivíduos ao Sujeito; 3) o reconhecimento mútuo entre os sujeitos
e o Sujeito, o reconhecimento dos sujeitos entre si e finalmente o reconhecimento do sujeito por si
mesmo; 4) a garantia absoluta de que tudo é realmente assim, e sob a condição de que os sujeitos
reconheçam o que são e se comportem como tal tudo correrá bem: amém - assim seja. (ALTHUSSER,
1980).
Tal compreensão traz implícita a dimensão de que a interpelação ideológica e a sua conexão
com os AIE, em especial o escolar, não pode renunciar à fórmula lacaniana da fantasia. Ou seja, mais
uma vez, esse curto-circuito, esta lacuna entre esses dois fenômenos, tão fundamentais à implementação
da ideologia, tem como pedra de toque o espaço onde a fantasia se apresenta. Althusser (1970) apontou
este espaço lateralmente quando desenvolveu a tese de que a “a ideologia é uma ‘representação’ da relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”. Porém, isso por si só não é suficiente
para explicar como tal fenômeno se manifesta materialmente, por se tratar de uma explicação baseada
em idealismos, por isso ele aponta a interpelação como ponto de conexão, para a instrumentalização dos
AIE que estão em relação dialética com a própria interpelação. O que Althusser não contava é que aí
ainda restava um espaço não explicado onde a fantasia atua. Assim Žižek nos lembra que:

Essa é a dimensão desconsiderada na explicação althusseriana da interpelação: antes de ser


captado na identificação, no reconhecimento/desconhecimento simbólico, o sujeito ($) é
captado pelo Outro através de um paradoxal objeto-causa do desejo em meio a isso, (a), mediante
o segredo supostamente oculto no Outro: $◊a - a formula lacaniana da fantasia. Que significa
mais exatamente, dizer que a fantasia ideologica estrutura a própria realidade? Expliquemos isso
partindo da tese lacaniana fundamental de que, na oposição entre sonho e a realidade, a fantasia
fica do lado da realidade: ela é, como certa vez disse Lacan, o suporte que dá coerência ao que
chamamos “realidade”. (ŽIŽEK, 1996, p. 323).

Por isso que já no início dessa exposição procuramos mostrar que a ideologia não é uma
ilusão, muito menos uma ilusão do tipo onírica. Para nossa compreensão, a ideologia é uma construção
da fantasia que serve de esteio à nossa realidade. Uma ilusão no sentido que estrutura nossas relações
sociais reais e efetivas, e que, por isso, mascara o insuportável núcleo real impossível; sua função sob este
aspecto não é fornecer um escape à realidade, mas a própria realidade como fuga do núcleo real
traumático. Retomando aqui a posição de Althusser, cabe apontar para aquilo que nela é o mais relevante:

Toda ideologia representa, na sua deformação necessariamente imaginária, não as relações de


produção existentes, mas antes de mais nada a relação imaginária dos indivíduos com as relações
de produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia, o que é representado não é
sistema das relações reais que governam a existência dos indivíduos, mas a relação imaginária
destes indivíduos com a relações reais em que vivem. (ALTHUSSER, 1980, p. 82).

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Para Žižek (1996), a fantasia é pensada dentro da ideologia, pois a fantasia é tanto aquilo que
encobre as inconsistências dentro da ordem simbólica quanto aquilo que permite a interpelação ideológica
na nossa época aparentemente pós-ideológica. É por meio dessa aparente distância da ideologia que a
fantasia captura a subjetividade. Sempre há uma lacuna entre o discurso público e seu suporte
fantasmático. Longe de ser uma fraqueza secundária, ou sinal de imperfeição do poder, essa cisão é
constitutiva de seu exercício. O fato é que não existe realidade sem o espectro (fantasia) de que o círculo
da realidade só pode ser fechado por meio de um suplemento espectral estranho.
Outra limitação em Althusser, para além da falta de um vínculo profundo da ideologia com
a materialidade, é questionar, no caso da crítica contundente aos aparelhos de Estado, aos aparelhos
repressivos e ideológicos, e todos os aparelhos em geral, e sua derrocada: como organizar a sociedade? A
perspectiva que o autor fornece coloca em xeque todas as formas de organização institucional e a
formatação das relações econômicas sem trazer nenhuma perspectiva ou apontamento do que fazer caso
acabemos com os aparelhos. Permanece em sua leitura uma atitude niilista ultrapassada. No cenário
apresentado por Althusser, como fica a organização do corpo social e político da sociedade? Sem
instituições, que são todas repressivas e ideológicas, como nos organizarmos? Não há superação do
aparelho, criticamos ele, a escola e todas as instituições de maneira muito justa e profícua, mas como nos
organizaremos? Precisamos de organização? Educação? Todo esse aparato só está a serviço da escola
burguesa? Todas essas questões ficam em aberto nas leituras de Althusser. Alguns anos depois autores
vão respondê-las, como Bourdieu no caso da educação e outros pensadores sobre a ideologia em geral,
mas propriamente em Althusser não encontramos respostas.
A respeito da educação e a escola, em particular, precisamos estar permanentemente atentos
ao aparelho e dispositivo que ela se constitui no Estado burguês, mas entendemos que a instituição escolar
necessita persistir como local de aprendizagem da cultura, da ciência e da cidadania. A escola precisa estar
alinhada, em primeiro plano, à lógica da emancipação humana e da formação de seres pensantes capazes
de compreender a ideologia a que a escola, inclusive, está submetida. Tensionando essa visão para que o
estudante se torne o sujeito do processo de conhecimento, construiremos uma abordagem plena de
acontecimentos e que precisa estar permanentemente em transformação, pois nunca é completo, como
o sujeito também nunca é. A educação como um todos deve desmascarar e aguçar a consciência das
contradições sociais, contribuindo para sua superação na realidade objetiva. “Ela pode ser também
elemento gerador de novas formas de concepções de mundo capazes de se contraporem à concepção de
mundo dominante em determinado contexto sociocultural.” (SEVERINO, 2000, s.p.)
A escola não pode ser suprimida da sociedade, mas precisa exatamente persistir como ponto
de viragem da compreensão alienada da sociedade. Ela precisa ser a condição de vida, que compreende a
ideologia de forma para além da ingenuidade. A escola necessita ser um espaço garantidor da autonomia,
inclusive em relação AIE que a família e a economia são, visto que estes aparatos podem coagir
principalmente a infância e juventude. Compreender como a ideologia funciona e incide sobre a educação
e a escola permite, inclusive, ao próprio estudante transformar a escola em direção a um ato de superação
dos problemas sociais que enfrenta cotidianamente.

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Submetido: 16/12/2019
Aprovado: 17/07/2020
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