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N. 26 – 2013.

2 – MARIA ELIETE QUEIROZ,


GILTON SAMPAIO DE SOUZA,
CRIGINA CIBELLE PEREIRA

O trabalho com os gêneros do discurso no ensino médio e superior em


aulas de língua materna

Maria Eliete Queiroz1


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Gilton Sampaio de Souza2


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Crígina Cibelle Pereira3


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Resumo: Algumas questões teóricas e práticas têm marcado os estudos sobre o ensino de
língua nos últimos anos, com destaque para as práticas de letramento, concepção
sociointeracionista da linguagem, diversidade linguística, uso dos gêneros do discurso,
produção textual, dentre outros. Neste artigo, o objetivo é analisar aspectos da leitura e da
produção textual com os gêneros do discurso que circulam em salas de aula de língua materna
do Ensino Médio e Superior. Esta temática é recorrente nos documentos oficiais e nas
políticas nacionais para o ensino de língua portuguesa, embora continue um tema complexo
que ainda provoca debates entre os estudiosos da área. Para dar suporte às questões teóricas
desse trabalho, fundamentamo-nos em estudos de Bakhtin (2006), de Schneuwly e Dolz
(1997), dentre outros. A pesquisa apresenta um caráter descritivo e interpretativo, de base
qualitativa. O seu universo de estudo é constituído de professores e de alunos do Ensino
Médio e de um Curso superior de Letras/Português. Observamos aspectos do ensino
relacionados às teorias sobre interacionismo na linguagem e sobre os gêneros do discurso;
aspectos vinculados à tradição do ensino de português nesses níveis de ensino; e aspectos
articulados às políticas nacionais e aos documentos oficiais sobre o ensino de língua materna.

Palavras-chave: Ensino de língua materna. Gêneros do discurso. Leitura e produção de texto.

Introdução

Entre as discussões sobre o ensino de língua materna da educação básica e superior, o


trabalho sistemático com os gêneros que circulam em sala de aula apresenta-se como uma das
grandes preocupações dos estudiosos da linguagem humana e dos poderes públicos por meio

1
Professora do Departamento de Letras Estrangeiras da UERN, doutora (Estudos da linguagem) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: [email protected].
2
Professor do Departamento de Letras Estrangeiras, doutor em linguística e língua portuguesa pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pós-doutorado em Estudos Comparados (Português-Francês) na
Université Paris. E-mail: [email protected].
3
Professora do Departamento de Letras Vernáculas, doutora (Estudos da linguagem) pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: [email protected].
22

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das políticas e diretrizes educacionais. Merecem destaque as reflexões sobre ensino de língua
portuguesa trazidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), Orientações Curriculares Nacionais (OCN), Diretrizes
Nacionais para formação de professores, e para as licenciaturas, assim como pelas propostas
curriculares dos estados e municípios e pelos projetos políticos pedagógicos de cursos,
especialmente porque muitas das questões postas nesses documentos oficiais também são
objeto de reflexões dos estudiosos e de diferentes grupos de pesquisa da área. Entre estes,
destacamos os estudos desenvolvidos sobre os gêneros do discurso como objeto de ensino, em
diferentes níveis da educação, pelos membros do Grupo de Pesquisa em Ensino e Produção de
texto (GPET), ao qual nos vinculamos.
O presente trabalho se configura como resultado da pesquisa “A função social dos textos
trabalhados no ensino de língua materna e estrangeira: um estudo acerca dos gêneros
discursivos adotados no Ensino Médio e Superior” (SOUZA, 2009). Analisamos as respostas
dadas por professores e alunos de Ensino Médio e do Curso de Letras de uma IES pública, por
meio de questionários aplicados a esses participantes da pesquisa. Ao final da análise,
correlacionamos o trabalho realizado com os gêneros identificados no Ensino Médio e no
Ensino Superior, considerando a prática de leitura e da produção textual; as questões teóricas
e as propostas educacionais e pedagógicas no Brasil.
De início, fazemos reflexões teóricas sobre a noção de gênero do discurso postulada por
Bakhtin (2006), adotada nos documentos oficiais (BRASIL, 1998, 2000, 2002), Schneuwly e
Dolz (1997), entre outros estudiosos, discutindo a aplicabilidade ao ensino de língua materna.

Os gêneros do discurso e o ensino de língua materna

O ensino de língua materna e, consequentemente, o ensino dos textos que circulam na


sociedade deve ser associado às atividades realizadas pelo sujeito nas suas relações sociais.
Os gêneros do discurso estão intrinsecamente vinculados à vida cultural e social em que os
sujeitos estão envolvidos. Isso significa dizer que o contexto escolar-acadêmico deve ser um
espaço no qual os alunos possam ter acesso aos textos com os quais convivem em suas
práticas sociais.

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Daí decorre a importância e a necessidade de o ensino-aprendizagem de língua materna


ter entre suas referências a teoria dos gêneros do discurso e uma concepção sociointeracional
de linguagem, o que poderá trazer desafios e avanços para os estudos sobre os usos e o ensino
de línguas. A pesquisa e o ensino com base no estudo dos gêneros transformam o ensino de
língua em um espaço de desenvolvimento de práticas de leitura e de produção textual,
utilizadas pelos seres humanos para manifestarem a sua identidade e se relacionarem na sua
vida pessoal e social.
Discutir o ensino dos gêneros é pensar a concepção de linguagem numa perspectiva
sócio-histórica, interacional, não concebendo o ensino como forma, isolado do contexto de
uso, mas entendendo e trabalhando o texto como um sistema de signos em que a sua coerência
e unidade se dão mediante interação estabelecida entre as pessoas e suas ações.
Se o texto é a unidade concreta de produção de sentidos, é preciso ressaltar que toda
ação de linguagem se dá numa relação de interação entre pessoas e discursos mediada pelos
gêneros. Para Meurer (2002, p. 12), “estudamos gêneros para poder compreender com mais
clareza o que acontece quando usamos linguagem para interagir em grupos sociais, uma vez
que realizamos ações na sociedade”.
Frente a essas reflexões, pretendemos contribuir para o desafio de refletir e construir o
ensino de língua materna na educação básica e na educação superior, espaço que prima por
mudanças no ensino de Língua Portuguesa nas escolas. Compreendemos que, mediante
práticas produtivas de ensino de leitura e de produção textual, as pessoas adquirem ou
constroem conhecimentos significativos para suas próprias vidas.
Para Bakhtin (2006), os gêneros do discurso estão vinculados às esferas da comunicação
humana, apresentam características relativamente estáveis e são, portanto, de caráter social e
dinâmico. Neste trabalho, usamos os termos esfera da comunicação humana e domínio
discursivo (MARCUSCHI, 2008) para nos referirmos às esferas das atividades humanas. Na
perspectiva bakhtiniana, as atividades humanas fazem emergir vários gêneros que se
estabilizam e evoluem no interior de cada atividade. Quer dizer, gêneros e atividades são
partes intrínsecas, constitutivas porque o agir humano não se dá independente da interação,
nem o dizer fora do agir (FARACO, 2003). Isso significa dizer que falamos e agimos
socialmente por meio de gêneros, ou seja, o discurso é moldado pelas atividades que
desempenhamos, pelas práticas de linguagem e pelo próprio fazer humano.

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Bakhtin (2006) olha para a linguagem e o seu olhar significa que a linguagem não é
como um sistema de categorias gramaticais abstratas, mas como uma realidade em constante
movimento; não como um ente gramatical homogêneo, mas como um fenômeno estratificado,
definido pelas diferentes vozes sociais que caracterizam a linguagem. Os gêneros do discurso
representam os propósitos comunicativos dos falantes e carregam em si, constitutivamente, a
função social da linguagem. Essa concepção de gênero, respeitadas as variações
terminológicas, é a que vem sendo discutida pelos estudiosos e expandida pelo discurso
político-pedagógico desde a década de noventa do século passado, por meio das propostas
curriculares dos órgãos oficiais de ensino. Isso pode ser observado em fragmentos de
diferentes documentos oficiais:

Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva: dizer


alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, em um determinado
contexto histórico e em determinadas circunstancias de interlocução. Isso
significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são aleatórias –
ainda que possam ser inconscientes-, mas decorrentes das condições em que
o discurso é realizado. Quer dizer, tudo isso determina as escolhas do gênero
no qual o discurso se realizará, dos procedimentos de estruturação e da
seleção dos recursos linguísticos (BRASIL, 2001, p. 20-21).

Nesse enunciado, o conceito de gêneros do discurso adotado está em consonância com a


definição postulada por Bakhtin, quando ressalta que as condições em que o discurso é
realizado determinam as escolhas dos gêneros. Estes se tornam suportes da aprendizagem,
atravessam a heterogeneidade das práticas de linguagem e são determinados por uma série de
regularidades na sua funcionalidade. Essas regularidades são apresentadas por Schneuwly e
Dolz (2004) em três dimensões importantes:

(i) os conteúdos e os conhecimentos que se tornam dizíveis através


dos gêneros;
(ii) os elementos de estruturas comunicativas e semióticas comuns
aos textos;
(iii) as configurações específicas de unidades de linguagem, que
fazem parte da estrutura dos gêneros.

Nessa perspectiva, a aprendizagem de linguagem se dá através de gêneros, uma vez que


são eles que fazem a aprendizagem acontecer, por isso os autores discutem essa apropriação

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na escola. Assim, a escolha de um gênero e o seu estudo devem se dar em função das
particularidades de cada situação comunicativa, que envolve os sujeitos nas suas atividades
coletivas. Para Schneuwly e Dolz (1997, p. 15):

[...] quanto mais precisa a definição das dimensões ensináveis de um gênero,


mais ela facilitará a apropriação deste como ferramenta e possibilitará o
desenvolvimento de capacidades de linguagens diversas que a ele estão
associadas. O objeto de trabalho sendo, pelo menos em parte, descrito e
explicitado, tornando-se acessível a todos nas práticas de linguagem de
aprendizagem.

Face ao exposto, compreendemos a pertinente preocupação em [dá] dar ênfase cada vez
mais à relação do trabalho com a linguagem correlacionada ao estudo dos gêneros. Essa
relação é tida como complexa, mas necessária para alcançar um modelo didático-pedagógico
que norteie o ensino, em prática de aprendizagem que correlacione práticas escolares às
práticas sociais.

Os gêneros no Ensino Médio e Superior: alguns dados da pesquisa

Nessa seção, analisamos dizeres dos alunos e professores do último ano do curso de
Letras/Português de uma IES pública e do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública. O
objetivo geral da pesquisa foi investigar o trabalho realizado com os gêneros do discurso em
práticas de leitura e produção textual em aula de língua materna do Ensino Médio e Superior.
Para a coleta dos dados e constituição do corpus dessa pesquisa, aplicamos
questionários com perguntas abertas e que possibilitavam aos informantes responderem
aspectos da identificação do trabalho com os gêneros do discurso em sala de aula, em especial
no ensino das práticas de leitura e produção textual. Entre as perguntas, destacamos: (i)
respondidas por alunos: “Para que você lê e escreve os gêneros nas aulas de leitura e escrita?”,
“Para que você escreve os gêneros solicitados nas aulas?” e “Como o professor trabalha os
gêneros nas aulas de leitura e escrita em sala de aula?”; (ii) respondidas por professores: “Que
gêneros do discurso circulam nas aulas de língua materna do ensino médio e do ensino
superior (Curso de Letras)?”, “Os objetivos subjacentes às propostas dos professores dos

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níveis médio e superior para o ensino da leitura e da produção de textos consideram a função
social dos gêneros do discurso?”.
Para a descrição, análise e interpretação dos dizeres sobre o uso dos gêneros em sala de
aula, trazemos 16 excertos que ilustram os principais aspectos que foram pontuados nos
dizeres dos informantes que, para melhor serem visualizados pelos leitores, são apresentados
em diferentes gráficos.

UNIVERSODA PESQUISA
29
30 22
20 Ensino Médio 32
10 6
3 Ensino Superior 28
0
Professores Alunos

Gráfico 1: Total de alunos e professores pesquisados

Os dados do gráfico revelam um pouco do universo geral da pesquisa, formado por um


total de 60 participantes. Desse total, 03 correspondem ao número de professores de Ensino
Médio, e 29 ao número de alunos desse nível de ensino. No Ensino Superior, de um total de
28 participantes, 22 representam o número de alunos e 06 o número de professores. Mesmo
havendo uma pequena diferença no total de informantes entre o ensino médio e superior (32 x
28), optamos por trabalhar com todas as respostas dadas, uma vez que qualquer exclusão de
dizeres poderia, nesse caso, prejudicar uma análise mais qualitativa dos dados.

Gráfico 2 – Gêneros do discurso no ensino médio

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Em resposta aos questionários aplicados aos professores, visualizamos no gráfico 2 os


gêneros do discurso trabalhados nas práticas de leitura e produção textual do ensino médio.
Em suas respostas, os professores apontam 16 gêneros do discurso trabalhados por eles em
aulas de leitura e de produção textual. Nas respostas, destacam-se o conto, o romance, o artigo
e a carta como os mais citados.
Estes gêneros são de domínios discursivos diferentes, literários, jornalísticos e
familiares. São eles que também aparecem entre os sugeridos pelos documentos oficiais
(PCN, OCN) como indicação para a utilização em sala de aula, assim como esses gêneros
estão entre os mais citados e analisados nos estudos atuais sobre as práticas de leitura e
produção textual no ensino de língua materna.

Gráfico 3 – Gêneros trabalhados no ensino superior

Em resposta aos questionários, os professores do ensino superior citam 14 gêneros do


discurso trabalhados nas aulas de leitura e produção textual, destacando o artigo, a resenha, o
fichamento, o resumo e o projeto de monografia como os mais recorrentes, revelando a
predominância do domínio acadêmico-científico dos gêneros trabalhados. Essa recorrência
evidencia uma especificidade do ensino de graduação na formação teoria x prática dos alunos
em um curso superior, que é uma sobrevalorização dos gêneros de domínio técnico e
acadêmico.

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A prática de leitura e produção textual em dizeres de alunos e professores

Os dizeres dos alunos

Após a análise sobre a diversidade de gêneros trabalhada nas aulas de leitura e de


produção textual no Ensino Médio e Superior, focalizamos, inicialmente, recortes de dizeres
de alunos, cujo foco é: (i) objetivo da leitura e produção de textos nas aulas de língua materna
e (ii) procedimento metodológico adotado para essas aulas. Em resposta a pergunta “Para que
os alunos leem nas aulas de língua portuguesa?”, temos, entre outros, os seguintes excertos:

(1) Para obter conhecimento de como elaborar um texto, conhecer suas


características e também o autor do livro (ou conto, texto). ANM234
(2) Para desenvolver melhor a linguagem, melhorar na escrita e termos
conhecimento da cultura escrita. ANM23.
(3) Para praticar mais a leitura, quanto mais ler mais desenvolver o
conhecimento do mundo, para melhorar minha escrita. ANM26.

Os recortes acima evidenciam que há diferentes objetivos para a prática da leitura nas
aulas de língua materna, dentre os quais destacamos: (i) conhecer como se produz texto; (ii)
ampliar a competência comunicativa e linguística; (iii) melhorar a produção textual; (iv)
ampliar o repertório linguístico; (v) construir sentidos através da leitura. Percebemos que os
objetivos traçados pelos alunos apresentam semelhanças com as orientações propostas para
desenvolver as habilidades necessárias às práticas de leitura e produção de texto no nível
fundamental, conforme propõem os documentos oficias que orientam essas práticas.
Os recortes dos alunos do Ensino Superior, por exemplo, ao responderem a questão
“Como esses professores trabalham gêneros nas aulas de leitura?”, destacam mais os
procedimentos metodológicos utilizados nas aulas de leitura, dando ênfase aos aspectos da
temática do gênero e o texto teórico trabalhado, sempre focalizando aspectos formais do
discurso acadêmico. Vejamos algumas respostas dos alunos:

(4) Eles pedem para lermos os textos e, como forma de avaliação,


geralmente pedem que façamos fichamentos ou resumos. ANSI6

4
Na codificação dos nomes e nos demais dados dos informantes, A significa Aluno; P, Professor; NM, Nível
Médio; NS, Nível Superior; e os números referem-se ao total e a ordem dos alunos e dos professores na relação
dos informantes por categoria.

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(5) [...] gêneros, como o artigo científico, por exemplo, é utilizado como
subsidio teórico para aquisição de conhecimento. ANSP15

Os recortes acima revelam que: (i) o encaminhamento dado ao trabalho com os gêneros
do discurso constitui uma prática recorrente no ensino de leitura e produção textual na
universidade, lembrando que este ensino deve considerar a especificidade do gênero e os
objetivos da disciplina; (ii) o professor, ao propor a leitura de um texto, objetiva ampliar o
conhecimento teórico do aluno e encaminhar produções de fichamentos, de resumos, dentre
outros do domínio acadêmico-científico. Essas práticas revelam proposta de leitura que
buscam propiciar um maior desenvolvimento no ensino-aprendizagem da leitura e produção
textual, que pode funcionar como elemento facilitador para possibilitar o desenvolvimento de
capacidades de linguagem. (Cf. SCHNEUWLY; DOLZ, 1997).
Os dizeres dos alunos de Ensino Médio e Superior, em respostas a questões que tratam
dos propósitos da leitura e da produção textual em sala de aula de língua materna, apontam
para o fato de as práticas de leitura realizadas nesses níveis de ensino constituírem-se como
mecanismo que conduzem diretamente para práticas de produção de texto, evidenciando
estarem em consonância com os dizeres dos professores, com as orientações para o ensino de
língua portuguesa em diferentes níveis e com o próprio perfil do nível de ensino em foco, a
saber: no Ensino médio, as práticas de leitura e produção textual tiveram como ancoragem
gêneros dos domínios literários, jornalísticos e familiares, o que é recorrente também nos
livros didáticos e nas discussões teóricas da área; no ensino superior, as leituras se
apresentaram como parte constitutiva das atividades propostas pelos professores para o
conhecimento e domínio do discurso acadêmico-científico, protótipo do ensino universitário.
Observamos que, embora discussões teóricas e metodológicas já se façam presentes nas aulas
de língua materna dos dois níveis, os textos e os gêneros do discurso trabalhados atualmente
são, em grande parte, aqueles que a tradição desses níveis de ensino vem canonizando como
os mais recomendados, portanto, a entrada da discussão sobre gêneros do discurso nas aulas
de língua materna não revela grandes variações nos gêneros do discurso e domínios
discursivos que são priorizados tanto no nível médio como no nível superior.

Os dizeres dos professores

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Nos dizeres dos professores, em resposta a pergunta “Como você trabalha a leitura dos
gêneros nas aulas de Língua Portuguesa?”, observamos como o trabalho é realizado com os
gêneros que circulam nas salas de aula do Ensino Médio e do Ensino Superior nas práticas de
leitura e também de produção de texto:

(6) São apresentados textos e realizadas interpretações textuais,


observando a linguagem dos textos e as características que dizem respeito à
estrutura. PNM1

(7) Levando ao aluno cópia do gênero que pretendo trabalhar para a


prática de leitura, reconhecimento da macroestrutura do texto e uma
possível produção. PNM2

De acordo com os dizeres desses professores, o encaminhamento realizado com a


prática de leitura considera: (i) questões estruturais e de conteúdo temático de gêneros; e (ii) a
produção de texto como estratégia necessária à prática de leitura. Esses dizeres permitem
entender que leitura e produção, para esses professores, são práticas que devem ser
trabalhadas numa relação teoria x prática, realizando atividades que vão das questões
macrotextuais à produção do texto.
Nas respostas a questão “Com quais objetivos esses gêneros são propostos nas aulas de
leitura e produção textual?”, os professores acrescentam a preocupação com a função social
dos gêneros:

8) Com os objetivos de fazer com que o aluno tome conhecimento da


existência de vários gêneros, de analisar a função social dos mesmos e
também para que percebam que os gêneros textuais surgem e desaparecem
de acordo com as necessidades dos indivíduos de uma sociedade. PNM1

(9) Propomos o estudo de diversos gêneros visando que o aluno não só


compreenda o texto, mas seja capaz de perceber como ele se estrutura e
desenvolva, enquanto leitor, sua capacidade critico reflexiva, além de
produzir de forma competente. PNM2

(10) Identificar as características básicas de cada gênero textual,


possibilitando ao aluno o reconhecimento em textos diversos e
consequentemente a capacidade de produção. PNM3

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Os recortes acima evidenciam diferentes objetivos apresentados pelos professores de


língua portuguesa do nível médio para as aulas de leitura e produção de texto, a saber: (i)
possibilitar o conhecimento dos gêneros e de sua função social; (ii) reconhecer a mutabilidade
e as características dos gêneros; (iii) possibilitar a produção textual por meio da diversidade
de gêneros; e (iv) ampliar a competência e a capacidade de produção textual. Observamos que
os professores demonstram atentar para aspectos de compreensão dos gêneros como práticas
sociais que surgem para atender as necessidades sociocomunicativas dos indivíduos.
Nos dizeres dos professores do Ensino Superior em resposta à questão “Como são
trabalhados os gêneros do discurso?”, destacamos:

(11) A observância da ementa do curso e as necessidades dos alunos


(imediatas e a longo prazo). PNSI2

(12) Isso depende muito da disciplina. Em Seminário de Monografia I, os


gêneros selecionados são aqueles que servirão de suporte e que
consideramos essenciais no processo de elaboração do projeto de
monografia. Já em Produção textual, procuramos selecionar textos que
sejam atraentes, atuais, instigadores e sobretudo que atendam aos
propósitos do conteúdo abordado tanto em termos forma como de
funcionalidade. PNSP4

Nesses recortes, observamos que: (i) o trabalho com os gêneros nesse nível de ensino
considera as orientações propostas pelos documentos oficiais, em especial do projeto
pedagógico do curso, que congrega o elenco de disciplinas e suas respectivas ementas; e (ii)
os professores dão ênfase ao trabalho com os gêneros do discurso, do domínio acadêmico-
científico, em atendimento aos objetivos de cada uma da disciplina.

(13) Na disciplina Seminário de Monografia I, a produção escrita tem como


finalidade a elaboração do projeto de pesquisa (...) cujo destinatário é o
professor da disciplina e o possível orientador desse aluno. Já em Produção
textual, a produção textual dos alunos normalmente destina-se ao professor
e aos colegas e visa desenvolver as habilidades necessárias a uma escrita de
qualidade. PNSP4

(14 Os alunos escrevem visando a produção cientifica e para cumprir


exigências de avaliação da disciplina e também aquelas de cunho
institucional. PNSP3

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Nesses recortes acima, os professores universitários apresentam objetivos para as aulas


de leitura e produção de texto que consideram: (i) a especificidade do gênero a ser trabalhado
na disciplina; (ii) os interlocutores para os quais o gênero será elaborado; (iii) o propósito
comunicativo/função social do gênero; (iv) as competências e as habilidades necessárias para
a produção de texto; e (v) aos critérios de avaliação necessários para a disciplina. Entendemos
que os objetivos para práticas de leitura e de produção de textual reveladas pelos professores
de língua portuguesa do ensino superior focalizam aspectos da estrutura e da funcionalidade
do gênero em atendimento ao objetivo e a ementa de cada disciplina, e, sobretudo, no intuito
de fortalecer a compreensão, a aprendizagem e a funcionalidade dos gêneros acadêmicos do
discurso científico.
Em resposta à questão “Como se dá o trabalho com a produção de texto no ensino
superior?”, dizem os professores:

(15) Isso depende muito da disciplina. Por exemplo, em Seminário de


Monografia I, a especificidade da disciplina e seus objetivos restringem
muito o leque. De todo o modo, dentre as sugestões de gêneros para a
escrita como: resumos, fichamentos e sínteses e o projeto de monografia. Já
em disciplina como Produção Textual, estão na minha proposta de trabalho
gêneros como contos, resenhas, propagandas, artigos, resumos, cartazes,
panfletos, slogans... PNS4

(16) Conduzimos nossas práticas de maneira processual, tendo a crença de


que o texto e/ou a escrita do aluno passa por estágios e poderão ser
aperfeiçoados a medida que os processos de reescrita é posto em pratica. O
aprendiz de língua inglesa escreve tanto para a comunidade acadêmica
como para a comunidade em geral, dependendo da solicitação do trabalho
proposta. PNS2

No trabalho com a produção textual de gêneros delineados, nos dizeres dos professores,
observamos: (i) a proposta de produção de texto atende às particularidades de cada disciplina
e às especificidades do gênero; (ii) prioriza trabalho com textos vinculados aos gêneros do
discurso acadêmico-científico, embora gêneros de outros domínios também sejam observados
na disciplina de produção textual; e (iii) a produção de texto é concebida como processo, no
qual estão envolvidos também os interlocutores de diferentes contextos de produção e de
circulação. O trabalho com os gêneros do discurso nas propostas de produção textual do
ensino superior revela uma predominância do uso e do ensino dos gêneros do discurso

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acadêmico-científico, assim como propõem uma análise desses gêneros considerando,


principalmente, seus aspectos estruturais, temáticos e funcionais.

Conclusão

Na análise dos dizeres de alunos e professores do Ensino Médio e Superior sobre o


ensino de língua materna, constatamos aspectos relacionados às teorias sobre interacionismo
na linguagem e sobre os gêneros do discurso; aspectos vinculados à tradição do ensino de
português nesses níveis de ensino; e aspectos articulados às políticas nacionais e aos
documentos oficiais sobre o ensino de língua materna. Entre outras questões, destacamos: (i)
os gêneros do discurso trabalhados nas aulas de língua portuguesa do Ensino Médio
pertencem a diferentes domínios discursivos, entre estes os literários, jornalísticos e
familiares, que tradicionalmente vem sendo trabalhado nesse nível de ensino; (ii) no Ensino
Superior, a ênfase é para os gêneros do domínio acadêmico-científico, evidenciando as
particularidades do ensino universitário; (iii) as discussões teóricas e metodológicas atuais de
ensino de língua materna se fazem presentes nas aulas leitura e produção de texto dos dois
níveis de ensino; (iv) os textos e os gêneros do discurso utilizados nessas aulas fazem parte do
conjunto de textos recomendados pelas propostas e orientações curriculares nacionais, tais
como PCN, OCN, PCNEM; e (v) as práticas de leitura com os gêneros encaminham os alunos
para a prática de produção de texto com finalidades específicas de cada nível de ensino e em
sintonia com as tradições de ensino de produção textual em cada instituição, não sendo
lineares nem automáticas as relações entre a utilização das terminologias dos gêneros do
discurso e o ensino produtivo nas práticas de ensino de leitura e produção de texto.
Com base nessas questões observadas e destacadas acima, trazemos possíveis
contribuições dessa pesquisa para as práticas de leitura e produção textual no ensino de língua
materna, dando visibilidade às discussões e a algumas práticas atuais do ensino de língua no
Brasil, e constituindo, para nós, um desafio: trabalhar as práticas de leitura e produção textual
no ensino de língua materna, considerando o contexto atual de mudança de práticas escolares
e acadêmicas e as condições objetivas disponíveis para o ensino, a influência da tradição
escolar na definição dos gêneros e textos utilizados e, sobretudo, trazendo reflexões que
colocam em foco o fato de que, além das discussões teóricas e das tradições escolares, o

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professor estará sempre diante do que propõem as orientações curriculares oficiais do Ensino
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The work with speech genres in High School and College in mother language classes

Abstract: Some theoretical and practical questions have marked language teaching along the
last years. Among those questions we can detach literacy practices, language socio-interaction
conceptualization, linguistics diversity, the use of discursive genre, text composition, among
many others. In this article, we aim at analyzing reading aspects and text writing with genre
discourses that go around mother tongue classes at high school and college. This theme
always come back into academy, and also at official documents about national teaching policy
to mother tongue teaching, even though it continues to be so complex that still brings a long
debate among scholars in this area. To support our background theoretical questions we took
theoretical suggestions by Bakhtin (2006), by Schneuwly and Dolz (2004), among others. The
research shows a descriptive and interpretative approach in a qualitative base. It deals with
teachers and students from High School and College – Letras Portuguese Course. We
observed aspects of teaching related to the theories about interactionism in language and
about discourse genres; aspects linked to tradition of Portuguese Language Teaching in these
levels of education; and aspects related to national policies and to official documents about
mother tongue teaching.

Key words: Mother tongue teaching. Discourse genre. Text reading and writing.

Recebido em: 19/10/2013.

Aprovado em: 15/11/2013.

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ISSN: 2316-8838
DOI: 10.12957/soletras.2013.7902

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