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Resumo: Algumas questões teóricas e práticas têm marcado os estudos sobre o ensino de
língua nos últimos anos, com destaque para as práticas de letramento, concepção
sociointeracionista da linguagem, diversidade linguística, uso dos gêneros do discurso,
produção textual, dentre outros. Neste artigo, o objetivo é analisar aspectos da leitura e da
produção textual com os gêneros do discurso que circulam em salas de aula de língua materna
do Ensino Médio e Superior. Esta temática é recorrente nos documentos oficiais e nas
políticas nacionais para o ensino de língua portuguesa, embora continue um tema complexo
que ainda provoca debates entre os estudiosos da área. Para dar suporte às questões teóricas
desse trabalho, fundamentamo-nos em estudos de Bakhtin (2006), de Schneuwly e Dolz
(1997), dentre outros. A pesquisa apresenta um caráter descritivo e interpretativo, de base
qualitativa. O seu universo de estudo é constituído de professores e de alunos do Ensino
Médio e de um Curso superior de Letras/Português. Observamos aspectos do ensino
relacionados às teorias sobre interacionismo na linguagem e sobre os gêneros do discurso;
aspectos vinculados à tradição do ensino de português nesses níveis de ensino; e aspectos
articulados às políticas nacionais e aos documentos oficiais sobre o ensino de língua materna.
Introdução
1
Professora do Departamento de Letras Estrangeiras da UERN, doutora (Estudos da linguagem) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: [email protected].
2
Professor do Departamento de Letras Estrangeiras, doutor em linguística e língua portuguesa pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pós-doutorado em Estudos Comparados (Português-Francês) na
Université Paris. E-mail: [email protected].
3
Professora do Departamento de Letras Vernáculas, doutora (Estudos da linguagem) pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: [email protected].
22
das políticas e diretrizes educacionais. Merecem destaque as reflexões sobre ensino de língua
portuguesa trazidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), Orientações Curriculares Nacionais (OCN), Diretrizes
Nacionais para formação de professores, e para as licenciaturas, assim como pelas propostas
curriculares dos estados e municípios e pelos projetos políticos pedagógicos de cursos,
especialmente porque muitas das questões postas nesses documentos oficiais também são
objeto de reflexões dos estudiosos e de diferentes grupos de pesquisa da área. Entre estes,
destacamos os estudos desenvolvidos sobre os gêneros do discurso como objeto de ensino, em
diferentes níveis da educação, pelos membros do Grupo de Pesquisa em Ensino e Produção de
texto (GPET), ao qual nos vinculamos.
O presente trabalho se configura como resultado da pesquisa “A função social dos textos
trabalhados no ensino de língua materna e estrangeira: um estudo acerca dos gêneros
discursivos adotados no Ensino Médio e Superior” (SOUZA, 2009). Analisamos as respostas
dadas por professores e alunos de Ensino Médio e do Curso de Letras de uma IES pública, por
meio de questionários aplicados a esses participantes da pesquisa. Ao final da análise,
correlacionamos o trabalho realizado com os gêneros identificados no Ensino Médio e no
Ensino Superior, considerando a prática de leitura e da produção textual; as questões teóricas
e as propostas educacionais e pedagógicas no Brasil.
De início, fazemos reflexões teóricas sobre a noção de gênero do discurso postulada por
Bakhtin (2006), adotada nos documentos oficiais (BRASIL, 1998, 2000, 2002), Schneuwly e
Dolz (1997), entre outros estudiosos, discutindo a aplicabilidade ao ensino de língua materna.
Bakhtin (2006) olha para a linguagem e o seu olhar significa que a linguagem não é
como um sistema de categorias gramaticais abstratas, mas como uma realidade em constante
movimento; não como um ente gramatical homogêneo, mas como um fenômeno estratificado,
definido pelas diferentes vozes sociais que caracterizam a linguagem. Os gêneros do discurso
representam os propósitos comunicativos dos falantes e carregam em si, constitutivamente, a
função social da linguagem. Essa concepção de gênero, respeitadas as variações
terminológicas, é a que vem sendo discutida pelos estudiosos e expandida pelo discurso
político-pedagógico desde a década de noventa do século passado, por meio das propostas
curriculares dos órgãos oficiais de ensino. Isso pode ser observado em fragmentos de
diferentes documentos oficiais:
na escola. Assim, a escolha de um gênero e o seu estudo devem se dar em função das
particularidades de cada situação comunicativa, que envolve os sujeitos nas suas atividades
coletivas. Para Schneuwly e Dolz (1997, p. 15):
Face ao exposto, compreendemos a pertinente preocupação em [dá] dar ênfase cada vez
mais à relação do trabalho com a linguagem correlacionada ao estudo dos gêneros. Essa
relação é tida como complexa, mas necessária para alcançar um modelo didático-pedagógico
que norteie o ensino, em prática de aprendizagem que correlacione práticas escolares às
práticas sociais.
Nessa seção, analisamos dizeres dos alunos e professores do último ano do curso de
Letras/Português de uma IES pública e do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública. O
objetivo geral da pesquisa foi investigar o trabalho realizado com os gêneros do discurso em
práticas de leitura e produção textual em aula de língua materna do Ensino Médio e Superior.
Para a coleta dos dados e constituição do corpus dessa pesquisa, aplicamos
questionários com perguntas abertas e que possibilitavam aos informantes responderem
aspectos da identificação do trabalho com os gêneros do discurso em sala de aula, em especial
no ensino das práticas de leitura e produção textual. Entre as perguntas, destacamos: (i)
respondidas por alunos: “Para que você lê e escreve os gêneros nas aulas de leitura e escrita?”,
“Para que você escreve os gêneros solicitados nas aulas?” e “Como o professor trabalha os
gêneros nas aulas de leitura e escrita em sala de aula?”; (ii) respondidas por professores: “Que
gêneros do discurso circulam nas aulas de língua materna do ensino médio e do ensino
superior (Curso de Letras)?”, “Os objetivos subjacentes às propostas dos professores dos
níveis médio e superior para o ensino da leitura e da produção de textos consideram a função
social dos gêneros do discurso?”.
Para a descrição, análise e interpretação dos dizeres sobre o uso dos gêneros em sala de
aula, trazemos 16 excertos que ilustram os principais aspectos que foram pontuados nos
dizeres dos informantes que, para melhor serem visualizados pelos leitores, são apresentados
em diferentes gráficos.
UNIVERSODA PESQUISA
29
30 22
20 Ensino Médio 32
10 6
3 Ensino Superior 28
0
Professores Alunos
Os recortes acima evidenciam que há diferentes objetivos para a prática da leitura nas
aulas de língua materna, dentre os quais destacamos: (i) conhecer como se produz texto; (ii)
ampliar a competência comunicativa e linguística; (iii) melhorar a produção textual; (iv)
ampliar o repertório linguístico; (v) construir sentidos através da leitura. Percebemos que os
objetivos traçados pelos alunos apresentam semelhanças com as orientações propostas para
desenvolver as habilidades necessárias às práticas de leitura e produção de texto no nível
fundamental, conforme propõem os documentos oficias que orientam essas práticas.
Os recortes dos alunos do Ensino Superior, por exemplo, ao responderem a questão
“Como esses professores trabalham gêneros nas aulas de leitura?”, destacam mais os
procedimentos metodológicos utilizados nas aulas de leitura, dando ênfase aos aspectos da
temática do gênero e o texto teórico trabalhado, sempre focalizando aspectos formais do
discurso acadêmico. Vejamos algumas respostas dos alunos:
4
Na codificação dos nomes e nos demais dados dos informantes, A significa Aluno; P, Professor; NM, Nível
Médio; NS, Nível Superior; e os números referem-se ao total e a ordem dos alunos e dos professores na relação
dos informantes por categoria.
(5) [...] gêneros, como o artigo científico, por exemplo, é utilizado como
subsidio teórico para aquisição de conhecimento. ANSP15
Os recortes acima revelam que: (i) o encaminhamento dado ao trabalho com os gêneros
do discurso constitui uma prática recorrente no ensino de leitura e produção textual na
universidade, lembrando que este ensino deve considerar a especificidade do gênero e os
objetivos da disciplina; (ii) o professor, ao propor a leitura de um texto, objetiva ampliar o
conhecimento teórico do aluno e encaminhar produções de fichamentos, de resumos, dentre
outros do domínio acadêmico-científico. Essas práticas revelam proposta de leitura que
buscam propiciar um maior desenvolvimento no ensino-aprendizagem da leitura e produção
textual, que pode funcionar como elemento facilitador para possibilitar o desenvolvimento de
capacidades de linguagem. (Cf. SCHNEUWLY; DOLZ, 1997).
Os dizeres dos alunos de Ensino Médio e Superior, em respostas a questões que tratam
dos propósitos da leitura e da produção textual em sala de aula de língua materna, apontam
para o fato de as práticas de leitura realizadas nesses níveis de ensino constituírem-se como
mecanismo que conduzem diretamente para práticas de produção de texto, evidenciando
estarem em consonância com os dizeres dos professores, com as orientações para o ensino de
língua portuguesa em diferentes níveis e com o próprio perfil do nível de ensino em foco, a
saber: no Ensino médio, as práticas de leitura e produção textual tiveram como ancoragem
gêneros dos domínios literários, jornalísticos e familiares, o que é recorrente também nos
livros didáticos e nas discussões teóricas da área; no ensino superior, as leituras se
apresentaram como parte constitutiva das atividades propostas pelos professores para o
conhecimento e domínio do discurso acadêmico-científico, protótipo do ensino universitário.
Observamos que, embora discussões teóricas e metodológicas já se façam presentes nas aulas
de língua materna dos dois níveis, os textos e os gêneros do discurso trabalhados atualmente
são, em grande parte, aqueles que a tradição desses níveis de ensino vem canonizando como
os mais recomendados, portanto, a entrada da discussão sobre gêneros do discurso nas aulas
de língua materna não revela grandes variações nos gêneros do discurso e domínios
discursivos que são priorizados tanto no nível médio como no nível superior.
Nos dizeres dos professores, em resposta a pergunta “Como você trabalha a leitura dos
gêneros nas aulas de Língua Portuguesa?”, observamos como o trabalho é realizado com os
gêneros que circulam nas salas de aula do Ensino Médio e do Ensino Superior nas práticas de
leitura e também de produção de texto:
Nesses recortes, observamos que: (i) o trabalho com os gêneros nesse nível de ensino
considera as orientações propostas pelos documentos oficiais, em especial do projeto
pedagógico do curso, que congrega o elenco de disciplinas e suas respectivas ementas; e (ii)
os professores dão ênfase ao trabalho com os gêneros do discurso, do domínio acadêmico-
científico, em atendimento aos objetivos de cada uma da disciplina.
No trabalho com a produção textual de gêneros delineados, nos dizeres dos professores,
observamos: (i) a proposta de produção de texto atende às particularidades de cada disciplina
e às especificidades do gênero; (ii) prioriza trabalho com textos vinculados aos gêneros do
discurso acadêmico-científico, embora gêneros de outros domínios também sejam observados
na disciplina de produção textual; e (iii) a produção de texto é concebida como processo, no
qual estão envolvidos também os interlocutores de diferentes contextos de produção e de
circulação. O trabalho com os gêneros do discurso nas propostas de produção textual do
ensino superior revela uma predominância do uso e do ensino dos gêneros do discurso
Conclusão
professor estará sempre diante do que propõem as orientações curriculares oficiais do Ensino
Médio e do Ensino Superior.
Referências bibliográficas:
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
SCHNEUWLY, B; DOLZ, J. Trad. Glaís Sales Cordeiro. Os gêneros escolares: das práticas
de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, n. 11, 1997, p. 01-16.
ANPED.
SOUZA, G. S. de. (Coord.). Relatório técnico final de atividades: Pesquisa A função social
dos textos trabalhados no ensino de língua materna e estrangeira: um estudo acerca dos
gêneros adotados no Ensino Médio e Superior. Departamento de Letras do Campus Avançado
“Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia”, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Pau dos Ferros, RN: UERN, 2009.
The work with speech genres in High School and College in mother language classes
Abstract: Some theoretical and practical questions have marked language teaching along the
last years. Among those questions we can detach literacy practices, language socio-interaction
conceptualization, linguistics diversity, the use of discursive genre, text composition, among
many others. In this article, we aim at analyzing reading aspects and text writing with genre
discourses that go around mother tongue classes at high school and college. This theme
always come back into academy, and also at official documents about national teaching policy
to mother tongue teaching, even though it continues to be so complex that still brings a long
debate among scholars in this area. To support our background theoretical questions we took
theoretical suggestions by Bakhtin (2006), by Schneuwly and Dolz (2004), among others. The
research shows a descriptive and interpretative approach in a qualitative base. It deals with
teachers and students from High School and College – Letras Portuguese Course. We
observed aspects of teaching related to the theories about interactionism in language and
about discourse genres; aspects linked to tradition of Portuguese Language Teaching in these
levels of education; and aspects related to national policies and to official documents about
mother tongue teaching.
Key words: Mother tongue teaching. Discourse genre. Text reading and writing.