Reflexões Sobre A Importância Do Estado de Direito para A Democracia

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO DO ESTADO
DO ESTADO DE DIREITO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

CRISTINA RAMOS DE OLIVEIRA PEREIRA

REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ESTADO DE DIREITO


PARA A DEMOCRACIA

São Paulo
2021
CRISTINA RAMOS DE OLIVEIRA PEREIRA

REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ESTADO DE DIREITO


PARA A DEMOCRACIA

Trabalho apresentado na Universidade de São


Paulo, Faculdade de Direito para avaliação da
disciplina “Do Estado de Direito ao Estado
Democrático de Direito”

Orientação Prof. Dr. Manoel Carlos de


Almeida Neto

São Paulo
2021
REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ESTADO DE DIREITO
PARA A DEMOCRACIA

RESUMO

O presente estudo, de tendência discursiva-teórica, visa compreender importantes elementos para


a conservação e fortalecimento da democracia. Com o objetivo de cumprir a proposta de reflexão,
neste trabalho serão dispostos, consubstancialmente, alguns dos principais referenciais teóricos,
a partir de autorias de destaque no mundo das ciências sociais, da filosofia política e do direito,
tais como: Maquiavel, Alexis de Tocqueville, Edmund Burke, Ferdinand Lassalle e Norberto
Bobbio. No capítulo inicial, a obra “O Príncipe”, de Maquiavel, e “Considerações sobre o
Governo Representativo”, John Stuart Mill, são destacadas a fim de expor argumentos análogos
à contemporaneidade, além de traçar uma breve linha do tempo, pautando o período de transição
entre o absolutismo e o nascimento da monarquia parlamentar. No capítulo adiante, tendo como
base principal a obra de Alexis de Tocqueville, “A Democracia na América”, trata no que diz
respeito a aspectos culturais e dos liames sociais na sociedade democrática, no sentido de
examinar importantes elementos para a manutenção e o fortalecimento da democracia.
Posteriormente, o trabalho segue com divagações acerca da linha de pensamento de Lassalle
sobre a Constituição, no sentido de observar sua efetividade ao revigoramento da democracia.
Por último, uma breve ponderação sobre o discurso referente à teoria das formas de governo. Em
síntese, o passeio histórico realizado neste trabalho tece conexões entre o contexto pertinente ao
antigo saber e outras épocas vividas, posteriores, até a contemporaneidade, proporcionando
reflexões filosóficas sobre o futuro da democracia e suas variáveis no mundo político.

Palavras-chave: Social-Democracia; Sentimentos Sociais; Liberdade; Igualdade; Democracia;


Política;
SUMÁRIO

1 Introdução ..................................................................................................................... 5

2 A importância do Estado de Direito para a Democracia ............................................. 6

3 Tocqueville: à procura do equilíbrio entre a liberdade individual e a vontade das


massas ..................................................................................................................................... 9

4 Divagações acerca da linha de pensamento de Lassalle sobre a Constituição .......... 13

5 A democracia a partir de seus desvios ....................................................................... 15

6 Considerações finais .................................................................................................... 17

7 Referências .................................................................................................................. 19
5

1 Introdução

A fraternidade, apresentada como um dos elementos legítimos aos liames sociais, além de
consistir como maduro contributo à Modernidade, tem potencial para relegar o mero
individualismo, e aproximar a um maior enfoque relacional humano. Por outro lado, os princípios
da igualdade e liberdade, quando reforçados, sem um devido equilíbrio, acabam por restringir-se
apenas às dimensões individuais, marginalizando a imprescindibilidade de amparar uma vida de
relações em comunidade. Nesse sentido, o presente trabalho justifica-se pela premência em
provocar uma reflexão acerca dos rumos da democracia, instigando estudos sobre o papel e valia
das relações humanas, muitas vezes esquecidas diante da apatia e descargo social.
No momento em que o termo democracia é evocado, comumente a palavra se associa à
experiência grega, cuja elaboração vivida na Antiguidade passa à História como síntese desta
forma de governo. Desde esse momento, esta supremacia democrática tem sido vista como a
mais desenvolvida, até mesmo em períodos históricos onde os regimes políticos denotam
limitado, ou nenhum engajamento popular.
E se na Era Moderna foi o tempo de afirmação do poder político, por intermédio da criação
e edificação do Estado Nacional, na contemporaneidade vivencia-se a agonia de verificar este
modelo caminhando a incerteza e perplexidade. O horizonte científico, intelectual e filosófico
ainda não figurou outro aporte que se adeque à gestão política do espaço e tempo comum.
Enquanto o quadro político descuida-se, decaindo em face ao civil, de sua incumbência de
regulação, equilíbrio e impedimento ao caos, acaba permitindo a abertura de novas formas de
dominação não políticas, submetendo-se aos moldes econômicos e financeiros, inclusive
comunicacionais.
Com a objetivo de cumprir a proposta de reflexão no presente trabalho, serão desfrutados,
essencialmente, alguns dos principais referenciais teóricos, a partir de autorias de peso, no mundo
das ciências sociais, da filosofia política e do direito, tais como: Maquiavel, John Stuart Mill,
Alexis de Tocqueville, Edmund Burke, Ferdinand Lassalle e Norberto Bobbio. Serão
empregados para o estudo meditativo, materiais provenientes de pesquisa bibliográfica, a qual é
desenvolvida a partir de insumos já elaborados e registrados, constituídos principalmente de
livros, artigos científicos, dissertações, entre outros recursos informacionais.
6

2 A importância do Estado de Direito para a Democracia

A obra O Príncipe, de Maquiavel, entre as suas múltiplas facetas, propaga táticas e


estratégias oportunas à conservação do poder dos novos principados (não hereditários) e,
portanto, não baseados “no sangue de seu senhor” (Maquiavel, 2011). A compilação contém o
germe da ideia de política de todos os Novos Estados e repúblicas modernas, que segundo
Maquiavel, se conquistam “ou com as armas de outrem ou com as próprias, ou por fortuna ou
por virtude”.
Como consequência da não prevista ideia altruísta de democracia de massas, hoje
percebe-se um sistema complexo, industrialista e injusto, que ainda é chamado de democracia
(PAIVA & CIPRIANO, 2018, p.18). Será então que Maquiavel e Hobbes triunfaram, em seus
conceitos de poder absoluto? É provável que não, pois nem o Estado em si parece forte. O Poder
entrou em deriva, não é nem do povo, nem do Príncipe: é do mercado financeiro, que pode ser
simbolizado como Império e Leviatã.
As mesmas elites, que se julgam inspiradas por Maquiavel, desdobram-se em estratégias
para manter o poder. No entanto, quanto mais táticas constroem, dá-se a impressão de que o
leram parcialmente, pois afastam o povo, esquecendo o que o pensador disse:

“[...] alguém que, contra o povo se torna príncipe, com o favor dos grandes deve,
antes de qualquer outra coisa, procurar ganhar o povo [...] a um princípe é necessário
ter o povo por amigo; de outra maneira, não tem remédio na adversidade”
(Maquiavel, 2011, p. 157)

A democracia não é um mero conceito político abstrato e estático 1, mas sim constitui um
processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais, estes que o povo vai
conquistando no decorrer da história (SILVA, 2007:126). O idealismo iluminista e
revolucionário francês conduziram o estabelecimento da “democracia contemporânea”, contra a
teoria política aristocrática e às ideias de manutenção do poder absoluto.
O iluminismo desabrochou com maior intensidade no século XVIII, representando um
novo modo de pensar, sob uma perspectiva totalizante e sistêmica da realidade. Tentou superar
a perspectiva da cosmovisão medieval. As epistemologias modernas que surgiram, desde então,
buscavam explicações racionais, metódicas e englobantes para o homem. Este modo de pensar o

1
BORGES & LARAYA. Efetivação dos Direitos Fundamentais na Concretização dos Direitos Fundamentais
na concretização do Estado Democrático de Direito. Revista Direitos Fundamentais & Democracia - v.6, n.6
(jul./dez.), 2009. p. 14
7

mundo, com raízes do renascimento, faz emergir a República, do latim res publica (coisa
pública), como alternativa à monarquia, instituída pelos romanos, onde os cidadãos participavam
ativamente na gestão da pólis 2.
Dentro deste período surge John Locke, sua concepção pretendia barrar o avanço da
influência monárquica, como forma absoluta de governo. Em sua teoria o homem nasce livre,
sem a necessidade de autorizações ou submissão a vontade do outro (BARRETO, 2015, p. 11).
Assim, a efetivação dos direitos fundamentais constitui resultante da democracia, não entendida
apenas sob o aspecto político, mas na possibilidade de assegurar o exercício dos direitos
individuais e sociais, a liberdade, a igualdade e, principalmente, a justiça. Por efeito, revelam-se
imprescindíveis para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
A era das Luzes prestou grande atenção à igualdade, embora tenha preconizado valores
como os de liberdade e fraternidade, sendo, sempre, ideologicamente revolucionária. Foi criada
por uma ordem com base na destruição e não na evolução da ordem social anterior 3. Desta forma,
eleva-se uma contradição no sistema, onde a implementação de uma igualdade situa-se como
forçada, conduzindo naturalmente ao conflito.
O surgimento da democracia constitucional norte-americana, e a Revolução Francesa,
somados a vários atentados, de países europeus, contra instituições liberais, carregaram fatores
de um temível autoritarismo, além de uma tendência de culto a maioria, em detrimento do
indivíduo. A democracia representa um avanço considerável na luta pela liberdade, porém, na
prática, é que apesar de suas pretensões, deixa transparecer fortes elementos de totalitarismo e
absolutismo. Neste sistema a vontade coletiva subjuga totalmente a liberdade individual, de tal
forma, que a quem se recuse a obedecer a vontade geral, enfim, da maioria, será obrigado a fazê-
lo pelos demais.
Mais adiante, em pleno vapor do desenvolvimento da revolução industrial, estava em curso
a expansão para além das fronteiras da Inglaterra, cuja potência estava colonizando diversas áreas
do mundo, como a Índia e a África. Buscava-se estabilidade institucional, aspecto que os liberais
se preocupavam muito, inclusive Maquiavel. Neste contexto, em muitos países houve abstenções
em seus processos eleitorais, pois não acreditavam que a democracia representativa pudesse
seguir os seus legítimos interesses.

2
ARAÚJO, Gleydson Álvares de. República e Constituição: um estudo acerca do princípio republicano, base do
Estado Democrático de Direito. Research, Society and Development, v. 9, n. 3,, 2020. p. 4.
3
PAIVA, Ana. CIPRIANO, António. O Príncipe de Maquiavel – “Caixa de Perguntas”. E3, Revista de Economia,
Empresas e Empreendedores na CPLP. v. 1, n. 2 2018. p. 20.
8

Pode-se perceber que isto sinaliza um problema contemporâneo, pertinaz desde a era de
John Stuart Mill. Como ator político, pensador de seu tempo e parlamentar inglês, discutiu sobre
a democracia, pelo horizonte do liberalismo clássico. No século XIX, a Inglaterra estava no
centro do capitalismo mundial, como ponto o mais desenvolvido economicamente. Tendências
que exaltavam o poder e a glória das grandes massas, contrastavam com a imagem do indivíduo
relegado, reduzido à mercê de grandes agrupamentos, condenado a contribuir ao sucesso das
multidões, sob formas inéditas de precariedade, inclusive escravidão (NWORA, 2010, p. 13). O
homem tendia a perder suas antigas convicções, o que transpareceu uma natureza passiva e
indolente.
Uma preocupação importante para a consolidação do capitalismo e projeção da Monarquia
Parlamentar, almejava-se que a estabilidade institucional fosse mantida. Neste período, é
enfatizada a importância de se reconhecer em uma sociedade cada vez mais diversa. Esta mesma
coletividade não apenas procurava ser representada, como também pretendia ter seus anseios
atendidos pelo Estado, governos.
Não é tão diferente de hoje. O público ainda está acostumado a esperar que o Estado faça
tudo por ele. Persiste habituado a não fazer nada por si mesmo, sem que o Estado conceda, ou
lhe indique os procedimentos. Grande parte das massas considera o Estado, naturalmente,
causador de todas as mazelas, e quando não são superiores à conformidade, insurge-se tumulto e
conflagração.
Outro ponto argumentado por Mill refere-se à tradição e cultura, onde ambas podem moldar
as pessoas por meio de projeções opressivas e coercivas. Mill defende a ideia de que muitas
mulheres não são livres, porque embora elas façam o que pretendem, são orientadas a agir deste
modo, sendo inculcadas nelas, de forma coerciva, fatores sociais e culturais (ZART, 2016).
Muitas pessoas veem a liberdade como sendo a capacidade e possibilidade de fazer o que se quer.
Um problema sobre esta questão é: se uma pessoa é coagida a querer algo, ela pode ser
considerada livre?
[...] É permitido às mulheres solteiras, e por muito pouco também às mulheres
casadas, possuir fortuna própria, e de ter seus interesses pecuniários e comerciais da
mesma maneira que os homens. É considerado desejável e conveniente que as
mulheres pensem, escrevam, ensinem. A partir do momento em que estas coisas são
admitidas, a incapacidade política já não mais se baseia em nenhum princípio. [...]
(Mill:1981, p.97)

Assim como os empregadores exercem poder sobre os seus empregados, os homens


perpetraram autoridade sobre as mulheres. Deste modo, isto espelha um contexto, cujo poder é
9

gerado e distribuído distintivamente, em conformidade à variedade de laços sociais e relações


mútuas. Mill reconheceu que, ainda que tal ideia de liberdade fosse factível, o que se constatava
na sociedade era uma grande quantidade de casamentos, nos quais o respeito pela liberdade não
consistia como princípio estabelecido. Faltava o sentimento de dignidade pessoal, constituída
pela livre direção e disposição das faculdades próprias de cada um, principalmente à mulher.

3 Tocqueville: à procura do equilíbrio entre a liberdade individual e a


vontade das massas

Apesar da afirmação de que os homens nascem livres e iguais, uma considerável parcela
da humanidade permanecia (e ainda permanece) excluída de seus direitos. Somente poderiam
votar os homens adultos e ricos; as mulheres, os pobres, os analfabetos não podiam participar da
vida política. Críticas existentes ao “espírito universal”, tanto da Declaração de 1789, quanto a
própria Revolução Francesa, evocam o modelo ideal de investida pela própria emancipação e
libertação do povo (PINHEIRO, 2016, p. 39). Alexis de Tocqueville buscou instigar os homens
a participarem do processo de Estado Social e político democrático, fundamentado pelo princípio
de liberdade e igualdade, para que ambos fossem estendidos a todos.
Tocqueville quis se adentrar menos ao aspecto teórico idealizado, e verificar pela
realidade contextual, estipulando um equilíbrio entre o regime democrático, que garante a
igualdade, em conjunto às liberdades individuais. Para Tocqueville, democracia não está
vinculada à liberdade individual, mas na igualdade entre os indivíduos, vista não apenas na
perspectiva formal: igualdade perante as leis; como também pelo aspecto cultural, político, entre
outras condições na sociedade.
A tendência à igualdade, conforme o pensador, é tratada como um fenômeno amplo e
inevitável, comparada a uma força maior da natureza. Esta marcha coletiva e tendência natural à
igualização é chamada, por Tocqueville, como Providência. A constatação é tão relevante para a
orientação teórica de sua obra, que desde a sua introdução assegura:

O desenvolvimento gradual da igualdade das condições é um fato providencial.


Possui suas principais características: é universal, é duradouro, escapa cada dia ao
poder humano; todos os acontecimentos, bem como todos os homens, contribuem
para ele.
[...]
10

Não é necessário que Deus mesmo fale para descobrirmos indivíduos seguros de sua
vontade; basta examinar qual a marcha habitual da natureza e a tendência contínua
dos acontecimentos: sei, sem que o Criador erga a voz, que os astros seguem no
espaço as curvas que seu dedo traçou.
[...] o desenvolvimento gradual e progressivo da igualdade é, a uma só vez, o
passado e o presente de sua história. [...] Querer deter a democracia pareceria então
luta contra Deus mesmo, e nada mais restaria às nações senão acomodar-se ao estado
social que lhes impõe a Providência (TOCQUEVILLE: 2005, p. 11).

A questão que fica em aberto a esta assertiva é: quando esta democracia chegaria, e como
ocorreria? Embora a democracia seja uma forma de governo concernente à idade antiga, no final
do século XVIII passa a constituir-se às formas reconhecidas pela teoria política contemporânea.
Assim como vários termos políticos, a teoria sociopolítica, acerca do conceito de democracia está
em constante aperfeiçoamento, na proporção que a dinâmica social exige.
Além disso, igualdade e liberdade são condições fundamentais que, consensualmente,
espelham a moderna teoria democrática. A custa de muito sangue, estes valores ideológicos
serviram de base para a Revolução Francesa, inclusive à guerra de independência dos Estados
Unidos, na América do Norte.
O pensador francês Alexis de Tocqueville, considerou que o equilíbrio dos elementos
democráticos poderia ser verificado por meio da análise da sociedade estadunidense. No início
da década de 1830, ele e seu amigo, Gustave de Beaumont, fizeram uma viagem com o objetivo
de estudar o sistema penitenciário da América. A partir desta aventura intelectual, originou-se
uma das grandes obras da filosofia e sociologia política: A Democracia na América.
Tocqueville estabelece uma relação entre a sociedade francesa do Antigo Regime e a
sociedade democrática americana. A democracia na América não se tratava da democracia grega,
onde somente uma minoria era cidadã ativa. O pensador afirmava que os Estados Unidos tinham
as condições necessárias para o tipo ideal de democracia florescer.
Naquele momento, a França encontrava-se administrada do centro. A sociedade estava
demasiadamente dividida e perdida. Tanto que a administração influía de forma direta, não
somente em assuntos gerais, como também no desígnio das famílias e na vida particular dos
indivíduos. Faltava uma das condições essenciais à formação de um corpo político: a liberdade.

Havia tanto tempo que a liberdade política estava destruída na França, que se tinha
quase esquecido quais suas condições e seus efeitos. Mais do que isso, os pedaços
informes que dela ainda subsistiam e as instituições que pareciam destinadas a
substituí-la tornavam-na suspeita e geravam muitas vezes preconceitos contra ela.
11

Quase todas as assembleias de Estado que ainda existiam conservavam com as


formas antiquadas o espírito da Idade Média e estorvavam o progresso da sociedade
em vez de ajudá-lo. Os parlamentos, únicos encarregados de fingir de corpos
políticos, não podiam impedir o mal que o governo fazia e muitas vezes impediam
o bem que queria fazer (TOCQUEVILLE, 1997, p. 156).

Na nação francesa, secularmente, prevaleceu o governo de uma monarquia absoluta e


altamente centralizada. O povo havia perdido o senso de autogoverno local. Diante da Revolução,
o Estado, por diversas vezes, se apresentou frágil e demonstrou ter perdido o controle
governamental. Os franceses se dividiam entre duas realidades: por um lado, os que eram
rapidamente levados a descrença, além de dependentes de uma administração fortemente
centralizada; e aqueles arrastados a exigências de liberdade, acreditando que a força da massa
revolucionária nas ruas legitimaria o poder.
Tendo deixado sua pátria, em missão aos Estados Unidos, Alexis de Tocqueville se
depara a uma sociedade americana democrática, na qual havia certa efetivação dos direitos civis
de liberdade e de igualdade. Seu estudo comparativo clássico, ao confrontar a sociedade do
Antigo Regime à sociedade democrática (pós-Revolução Francesa), apurou grande
individualismo e profunda apatia política nas instituições políticas e na sociedade francesa. Além
disso, investigou a razão de seu país encontrar tanta dificuldade para desenvolver e manter um
regime político como aquele encontrado na América.
Vislumbrou na democracia americana leis, costumes e um espírito religioso capazes de
promover um bom direcionamento do processo democrático. Diversos elementos visualizados
por ele na democracia americana serviram de base, conforme o objetivo de sua pesquisa, fixando-
se, inclusive, na religião. Ao investigar as principais causas que tendem a manter unida a
república democrática nos Estados Unidos, Tocqueville não hesitou em realçar a influência direta
da religião na vida social e política dos americanos.
Nesse aspecto, as análises de Tocqueville enquadram-se à tradição conservadora, cujo
representante relevante remete à Edmund Burke, o qual criticou severamente ideias iluministas
propagadas na Revolução Francesa:

Graças à nossa obstinada resistência à inovação, graças à lentidão fria de nosso


caráter nacional ainda carregamos a marca dos nossos antepassados. Creio não
termos perdido a generosidade e a dignidade do modo de pensar do século XIV, e,
até o presente, ainda não nos transformamos em selvagens. Não fomos convertidos
por Rousseau; não somos discípulos de Voltaire; Helvetius não teve sucesso entre
12

nós. Nossos pregadores não são ateus, nem nossos legisladores loucos (BURKE,
1997, p. 107).

Isto posto, constatou a extensão do entremetimento da Reforma Calvinista, visto que


neste período, pressupostos racionais confrontam, de forma direta, a concepção da Igreja
Católica, cujo referido cenário mais tarde espelharia na formação da democracia francesa.
A preocupação de Tocqueville visava também que a possibilidade de manifestação das
minorias, conhecidos por sua própria individualidade, fosse destituída pela cultura igualitária das
massas (PINHEIRO, 2016, p. 60). Diante da decisão tomada por esta “massa comum”, as
minorias já não poderiam se contrapor. Por exemplo, no nazismo constitui-se toda uma estrutura
de dissolução das minorias, onde a maior parte fez emergir experiências típicas de regimes
totalitários.
Em um caminho inverso, os norte-americanos produziram formas muito próprias para se
protegerem da ação opressora desta maioria tirânica. À vista disso, Tocqueville preconizou,
positivamente, a sociedade americana, em relação a ausência de centralização administrativa,
incluindo o espírito legal, ao juízo como instituição política, entre outros prismas.
Diante disso, convém ressaltar as observações de Tocqueville em relação a condição de
negros e índios, em solo americano. Visto que fora claramente perceptível analisar uma
verdadeira tirania branca sobre ambos. O pensador afirma que “[...] todas as duas raças ocupam
uma posição igualmente inferior no país que habitam; todas as duas sentem o efeito da tirania; e,
se suas misérias são diferentes, podem lhes ser atribuídos os mesmos autores [...]”
(TOCQUEVILLE, 2005, p. 374). Por este excerto, pode-se concluir que a grande maioria dos
homens brancos (europeus) praticaria seu despotismo, inclusive, sobre os negros e os índios na
América.
Também, nesse enfoque, o pensamento de Tocqueville se nivela ao de Burke, um dos
pioneiros a denunciar a problemática da democracia como tirania da maioria. Burke (1997: p.
135) reitera - “Estou certo, entretanto, que em uma democracia, a maioria dos cidadãos é capaz
de exercer sobre a minoria, a mais cruel das opressões, todas as vezes que ocorram, o que pode
ocorrer frequentemente, grandes divisões”. Por esta razão, sobrevém a importância de se verificar
como se organizam e se relacionam os “fatores reais de poder” na sociedade (expressão
assinalada por Lassale no século XIX), ou seja, a força ativa e eficaz, capaz de influenciar as
decisões do Estado.
13

4 Divagações acerca da linha de pensamento de Lassalle sobre a


Constituição

Aproximadamente, no ano de 1845, diversos problemas econômicos e sociais assolaram


sociedades em transição, com destaque à região da Alemanha 4. Más colheitas resultaram em forte
aumento no preço dos alimentos. O desemprego aumentou em ritmo acelerado. Instituições
estatais, locais, religiosas, seculares, foram incompetentes para colaborar com alguma melhoria
significativa. Milhares foram coagidos a mendigar ou cometer pequenos delitos. Cólera e febre
tifoide transmitiram-se rapidamente.
Alguns livros didáticos de História relatam que os nobres temiam perder seus antigos
privilégios. Enquanto isso, os burgueses desejavam unificação ao Estado, como uma forma de
ingressar à aristocracia, “no caminho para a democracia”. Na realidade retratada acima, a maioria
dos indivíduos, principalmente os trabalhadores, não se sentiam pertencer a classe social alguma.
Nobres e burgueses até tinham consciência de classe pela razão dos privilégios que queriam
defender. Todavia, pessoas do mesmo status poderiam ter visões diferentes, inclusive opostas ao
contexto em que estavam inseridos (KITCHEN, 2013) Na verdade, quem se via, de fato, em uma
classe social eram os intelectuais, cuja divisão existente consistia somente no campo teórico.
Mesmo em uma época turbulenta, como em 1845, muitos eram indiferentes. Em virtude
da classe trabalhadora, no século XIX, não estar presa a nenhum particularismo, ou privilégio,
estavam preparados para defender o interesse da maioria. Diante deste cenário, Ferdinand
Lassalle, líder dos socialistas, nascido em Breslau (1825), tendo participado da Revolução
Prussiana em 1848, percebeu na figura do operário uma forma de fundar uma autêntica
democracia social. Seu objetivo não era fomentar um mero movimento de classe, objetivando
firmar interesses mesquinhos, mas sim mobilizar em direção a igualdade, vendo na criação do
sufrágio eleitoral uma oportunidade de emancipar a classe trabalhadora.
Lassalle também defendeu a criação de um órgão de imprensa 5, o que serviu de decisiva
influência não apenas à história da Alemanha, como também a outros órgãos da nascente
“imprensa social-democrata”. O que era incoerente no posicionamento de Lassalle era sua
disposição em perceber o Estado como um ente moral maior, liderado pela classe trabalhadora,

4
KITCHEN, Martin. História da Alemanha Moderna: de 1800 aos dias de hoje. Tradução de Claudia Gerpe
Duarte. São Paulo: Cultrix, 2013. p. 109.
5
SANTOS NETO, Arnaldo Bastos; SANTOS, Leila Borges Dias. Ferdinand Lassalle e o estado de bem-estar
social. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v. 33, n. 1, jan. / jun. 2009. p. 87
14

de forma idealizada como a única capaz de desenvolver e realizar o espírito absoluto do Estado.
À vista disso, há um abismo entre seu ideal de Estado e a forma como encarou a Constituição.
A partir de polêmicas e obras clássicas acerca do que se pode ser chamado de
Constituição, tal como se vê em Ferdinand Lassalle em sua obra traduzida “A Essência da
Constituição”, de 1863 (considerando também “A força normativa da Constituição”, de Konrad
Hesse) a quem se atribui a origem dos estudos em torno do tema, incluindo o próprio
entendimento do papel do Estado em relação à sociedade. O pioneirismo sobre o embate em
relação ao dilema da conceituação material de Constituição pode ser creditado a Lassalle. Sua
obra rendeu o título de pai da concepção sociológica de Constituição, da qual sua opinião consiste
em concebê-la mais como um fato social, do que uma norma.
Para Lassalle (2001), o conteúdo da Constituição seria produto da realidade social de um
Estado, ou país, enfim, resultado das forças da natureza social com poder de influência sobre os
rumos da sociedade: os chamados “fatores reais de poder”. Uma espécie de força ativa atuante
de forma predominantemente política, com o único papel de conservar instituições, tais como a
monarquia, a aristocracia, a pequena e grande burguesia, os banqueiros, a classe operária, até
mesmo a consciência cultural e coletiva, como um todo. Ainda afirma que os problemas
constitucionais, vigentes em seu contexto, não são de direito, mas de poder, reiterando que a
verdadeira Constituição se baseia nos fatores reais de poder. Em outras palavras, as questões
constitucionais, para Lassalle, não são jurídicas, mas sim políticas.
A ideia dos fatores reais de poder parte de uma simples constatação: uma Constituição
escrita sem o amparo desses fatores está fadada ao fracasso. Lassalle emprega as Constituições
como uma mera folha de papel, pouco importando que esteja impresso. Não é o texto que
transfigura a realidade, mas a própria realidade que regulamentará o texto. Por exemplo, se uma
macieira estiver com uma placa pendurada rotulando-a como figueira, não será por meio desta
identificação que ela dará figos, segundo Lassalle, assim ocorre com a Constituição. Esta
concepção possui um importante valor crítico, pois revela que a chamada “Constituição”,
também pode mascarar as relações de poder factuais6.
Um dos pontos cabíveis de crítica ao pensamento lassallista reside no fato da escassa
capacidade da Constituição estabelecer normas e diretrizes a serem ainda assimiladas pela
sociedade. Isto é, a fim de definir objetivos que ainda não vigoraram, com efeito, na realidade
social. Se por um lado a linha de raciocínio marxista concebe a Constituição como resultada das
relações de produção, a fim de assegurar os interesses da classe dominante, equiparada a um

6
VARELLA, Luiz Henrique Borges. As Concepções Clássicas de Constituição. Revista do Curso de Mestrado
em Direito da UFC. [S. l.] v. 30 n. jul./dez. 2010. p. 127.
15

mero instrumento de dominação; por outro sentido, a posição lassallista, com base marxista,
criticou valores burgueses como o individualismo, a segurança jurídico-formal, a propriedade,
remontando a uma construção neoliberal, de forma ocultada pela Constituição, servindo apenas
ao mundo emergente da burguesia.
Embora a estrutura de seu pensamento tenha base marxista, Lassalle foi muito criticado
por Marx, pois ao contrário deste, aconselhava uma evolução pacífica por meio de reformas, do
capitalismo ao socialismo. Marx desnuda o Estado de seus atributos divinos, considera suas
particularidades como uma organização de força máxima, disponível para ser exercida por
determinada classe social. Já Lassalle compartilhava do romantismo filosófico alemão, a mística
do espírito do povo, assim como o predomínio do espírito coletivo sobre o individual. Foi
fortemente influenciado pela leitura de umas das obras fundadoras do nacionalismo alemão:
“Discursos à nação alemã”, escrito por Johann Gottlieb Fichte7. Por meio deste trabalho, se
inspirou atribuindo a missão universal de encarnar o conceito do espírito de direito e do reino
vindouro da liberdade perfeita. A grande diferença entre o pensamento de Lassalle e o de Karl
Marx ficou por conta da atitude para com o Estado. Enquanto Marx via no Estado burguês algo
a ser destruído, Lassalle acreditava na possibilidade de transformá-lo para que pudesse atuar em
favor da classe trabalhadora.

5 A democracia a partir de seus desvios

O liberalismo, em sua originalidade, impulsionou o capitalismo no seu limiar. Por


conseguinte, fez surgir a classe operária. Da relação “capitalismo” versus força de trabalho
despontaram contradições, onde os interesses dos capitalistas emergentes não eram os mesmos
dos operários (SILVA FILHO, 2013, p. 72). De forma paradoxal, para lidar às demasiadas
desigualdades dispostas pelo capitalismo em ascensão, afloram, fortalecidas, diversas teses
igualitárias e socialistas.
Neste processo evolutivo, objetivando superar o liberalismo do "salve-se quem puder”
(isto é, da falta de liberdade oriunda do conceito proveniente da “ditadura do proletariado”), na
medida que a igualdade foi se impondo à diversidade, o cientista político italiano Norberto
Bobbio (1909) (assim como John Stuart Mill), supunha a grande ameaça que a democracia

7
SANTOS NETO, Arnaldo Bastos; SANTOS, Leila Borges Dias. Ferdinand Lassalle e o estado de bem-estar
social. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v. 33, n. 1, jan. / jun. 2009. p. 86
16

poderia causar, quando esta partia do ponto de seus desvios, caso fosse sua formação mantida
por meio de uma tirania da maioria.
Para Bobbio, a democracia burguesa representaria a verdadeira vitória da classe
trabalhadora. O jurista italiano acredita que a democracia, mesmo que burguesa, é o ponto de
partida para um aprofundamento à democracia total. Sua doutrina chamada de “Teoria das Elites”
(PINHEIRO, 2016, p. 59) presume que em todos os regimes políticos, considerados
democráticos, nunca o povo detém o poder de governo, e sim as elites, sejam elas econômicas,
políticas, sociais, religiosas ou tecnológicas. Esta doutrina retoma princípios realísticos,
suprimindo o que é meramente ideológico, cuja redefinição torna-se preponderante à
contemporânea ciência política. Segundo Bobbio, “só o poder pode criar o direito, e só o direito
pode limitar o poder”8.
Também avalia que a via reformista tem condições de equacionar difíceis desafios
impostos pelas desigualdades econômicas e sociais, bastando observar a trajetória do Estado
Democrático de Direito e os benefícios ocasionados por ele, tal como o aprofundamento ao
direito civil, político e social às camadas populares. Após a Segunda Guerra Mundial, aumentou
gradualmente o espaço dos regimes democráticos. Segundo Bobbio, o conteúdo mínimo do
estado democrático não se estreitou, consistindo como característica para a garantia dos
principais direitos de liberdade, além da existência de variados partidos em concorrência entre
si. Acarretando, inclusive as eleições periódicas, com base no sufrágio universal, além de
decisões coletivas e/ou apoiadas pelo princípio da maioria.
O quadro de direitos do homem, de fato, se modificou, e vem se transformando
continuamente, em decorrência às condições históricas, em conjuntura às necessidades e
interesses das classes de poder e seus meios de realizar a jurisdição. No entanto, em meio a tantas
transições, Norberto Bobbio em “O futuro da Democracia” (1986) discute sobre estas
transformações sob a ótica de “promessas não-cumpridas”, contrastando o prometido e o
efetivamente realizado. Algumas discrepâncias são citadas como: a sobrevivência do poder
invisível (como a máfia e serviços secretos incontroláveis, por exemplo); a permanência das
oligarquias, a revanche da representação de interesses; o cidadão mal-educado. Contudo, apesar
de estar em débito, a democracia, mesmo distante do modelo ideal, não pode ser confundida com
um Estado autocrático ou totalitário.

8
CATANI, Afrânio Mendes. Bobbio, Norberto. O futuro da democracia. Resenhas Bibliográficas • Rev. adm.
empres. 26 (4) • Dez 1986.
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6 Considerações finais

Este trabalho proporcionou depreender, a partir de uma breve reflexão histórica, algumas
perspectivas que despontaram o Estado Contemporâneo. Existe uma mudança profunda na forma
como estão delineadas as relações entre Constituição, Política, Estado e Sociedade. Todos estes
pontos repercutem de forma decisiva à legitimação da atuação do Estado.
O antigo saber holístico e integral passa a ser substituído por uma visão fragmentária do
mundo. Até mesmo as comunidades étnicas, afetivas e territoriais deixaram de ser ponto de
referência, onde as pessoas passam a se adentrar em grupos passageiros, voláteis,
preferencialmente, no âmbito virtual. Predomina-se o individualismo, consumismo, niilismo,
entre relações sociais que se dão pela impessoalidade e pragmatismo. As tecnologias de
informação e comunicação potencializaram modismos, que tão logo adotados já são substituídos
por outros. O modo Pós-Moderno tem se manifestado por estas lacunas do tempo, onde se nutre
um profundo ceticismo às teorias científicas, fazendo objeções ao pensamento racional,
exemplificado pelas “atuais” ideias terra planistas.
O homem contemporâneo, pós-iluminista, cultiva a esperança de encontrar um sistema
de representação capaz de se igualar à democracia direta ateniense, tendo desenvolvido
variadíssimos esforços e modelos concretos, para que fosse legítimo designar de democráticos
os sistemas de cidadania inspirados na cidadania democrática antiga. Porém, agora aplicados
também às massas e não somente às elites. A História mostrou que a mudança argumentativa da
quantidade, convertida em qualidade, teve implicações mais profundas no exercício da
dominação, do que os idealistas políticos da democracia iluminista e contemporânea
provavelmente sonharam.
Em largos passos, o que a história política consumou até ao século XXI, foi a ampliação
do espaço político democrático, assim como: a tomada de decisões acerca do bem comum,
através da participação das mulheres no sufrágio; a supressão do escravagismo, e a representação
individual em vez de familiar. Com isso, espelha-se o alargamento da gestão da polis a todos os
grupos sociais e a todos os indivíduos maiores de idade. Estendendo-se assim, quantitativamente
o estatuto de cidadania ao se alargar o grupo dos homens livres.
O próprio Estado-Nação, principal fonte de referência à sociedade, nos últimos séculos
encarregou-se de mostrar que a ordem das massas é hobesiana, no sentido de concorrência de
interesses de todos contra todos, que, consequentemente, atingiu o seu atributo mais importante:
18

sua soberania. Especialmente no que diz respeito às decisões econômicas, sobretudo às relativas
ao quê, como, onde ou quanto produzir. Estas não são decisões inteiramente do Estado.
Acredito que o conceito de liberdade seja um dos mais complexos na história da filosofia
política contemporânea. Existem inúmeras divergências concernente à sua definição e alcance.
Vários autores têm opiniões diferentes em relação aos fatores que limitam a liberdade, tais como
obstáculos físicos, psicológicos, proibições legais, condições sociais, ameaças, medo, até mesmo
a ignorância.
A falta de liberdade, seja pela opressão gerada pelos despotismos das tiranias ou por
governos centralizados e burocráticos, prejudica o espaço para a livre manifestação e criatividade
humana. Não potencializa os debates acerca dos problemas sociais e não estimula o interesse
pela coisa pública. Ainda hoje a sociedade se ressente de meios ou formas de efetivar uma
democracia mais igualitária, mais participativa e mais vinculada a valores ético-sociais. O
pensamento de Tocqueville, ultrapassando as barreiras do seu tempo, torna-se importante
reflexão política ainda contemporaneamente.
O intuito de aprofundar o pensamento ético-político de Tocqueville, por exemplo, no que
diz respeito à importância do aspecto da religiosidade, além do papel dos vínculos sociais,
colaboram para o desenvolvimento de uma sociedade democrática. É preciso investigar a
interferência das relações sociais baseadas em laços humanos, inclusive o respeito de abertura ao
outro, na constituição de uma sociedade democrática, onde a convivência dos ideais do tríptico
francês – liberdade, igualdade e fraternidade – de maneira efetiva, contribua a obstaculizar o
excessivo individualismo e o isolamento social.
A concepção de uma democracia perfeita jamais existiu, mas como salienta Bobbio, é a
própria incompletude que fomenta a democracia, instigando uma contínua busca pelo seu
aperfeiçoamento. E este deve ser o objetivo da democracia: estar em constante transformação.
Acredito que, no momento, a edificação de uma participação popular, no centro das decisões
políticas, seja um dos desafios a serem superados. A situação de crise que o mundo vivencia, tem
tornado temporariamente secundárias milhares de questões e problemas com os quais o Direito
lida. Deste modo, este trabalho procurou manifestar a preocupação com a questão do
fortalecimento da democracia e das instituições, onde a participação social possa se direcionar a
construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária.
19

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