O Saber Surge Da Prática: Por Um Serviço Social Com Perspectiva Feminista
O Saber Surge Da Prática: Por Um Serviço Social Com Perspectiva Feminista
O Saber Surge Da Prática: Por Um Serviço Social Com Perspectiva Feminista
Resumo
O presente artigo propõe uma interlocução entre o Serviço Social e os Estudos Feministas no processo de construção
do conhecimento introduzindo a categoria interseccionalidade para legitimar a multiplicidade de diferenças com
as quais nos deparamos no cotidiano de nossas práticas. Amparadas na Epistemologia Feminista, questionamos o
reducionismo do Serviço Social brasileiro a uma única corrente teórica, o marxismo, que submete toda a complexidade
da vida humana à esfera da produção. O texto busca desvendar as fissuras que avançam no campo do conhecimento, no
sentido de contribuir com propostas teóricas que atravessam fronteiras interseccionais, transversais, interdisciplinares
entre as categorias gênero, raça, etnia, sexualidade, classe, geração entre outras. O percurso argumentativo acompanhará
uma sequência de reflexões realizadas ao longo de anos de experiência, tanto na prática acadêmica, como nos trabalhos
de campo realizados através de Projetos de Pesquisa e Extensão.
____________
* Doutora em Sociologia. Professora Titular do Departamento de Serviço Social (DSS) e do Programa de Pós- Graduação
Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]
** Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) da UFSC. Professora do
Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Sergipe (UFS) – Campus Aracajú. E-mail: [email protected]
Introdução
Propomos neste artigo refletir sobre a “produção do conhecimento1 1 Estamos nos referindo à “Produção
do Conhecimento Científico”.
em Serviço Social e sua inter-relação com os Estudos Feministas, com o
propósito de contribuir para a construção de novas cartografias de saberes.
Buscaremos, ao longo do texto, desvendar as fissuras que avançam no campo
do conhecimento, em um período de profundas e aceleradas transformações,
no sentido de contribuir com propostas teóricas que atravessam as
fronteiras interseccionais, transversais, interdisciplinares entre as categorias
gênero, raça/etnia2, sexualidade, classe, geração entre outras. Reconhecer 2 Em relação ao conceito “raça”,
tornou-se usual, especialmente
a multiplicidade das diferenças como dado inerente na constituição dos
a partir da antropologia que se
sujeitos tem gerado uma combinação de discursos e práticas mobilizadoras, afirma desde o início do século XX,
tanto das lutas sociais como dos movimentos feministas no Brasil e na utilizar a forma “raça/etnia”, a qual,
conjugando a noção biológica de
América Latina. “raça” com a antropológica de “etnia”,
Os movimentos de mulheres e as diferentes correntes do feminismo normalizará a diferença racial na
cultura de massas, tornando “a
têm desempenhado papel relevante no crescimento da participação
ideia de ‘raça’ epistemologicamente
feminina no mundo acadêmico e científico. As principais demandas das correta” (GILROY, 2007, p. 81).
mulheres surgem dos movimentos, e são eles que sugerem transformar Se “raça” engloba características
fenotípicas, como a cor da pele,
as práticas científicas lançando novas perguntas, teorias e métodos que tipo de cabelo, conformação facial e
suponham avanços, tanto no campo cognitivo quanto no enfrentamento cranial; “etnia” compreende fatores
culturais, como a nacionalidade,
das injustiças sociais. No lugar de uma “mulher universal”, surgem mulheres afiliação tribal, religião, língua e
diversas, situadas, portadoras de conhecimentos e experiências específicas, tradições de um determinado grupo.
talhadas na vivência socioeconômica e cultural de seus marcadores sociais e
de sua transterritorialidade entre lugares.
Desde a segunda metade do século XX, no Brasil, a segunda onda
feminista já se alçou contra a violência exercida sobre o corpo das mulheres;
e mais tarde, a terceira onda permitiu perceber que a violência é contra todo
o corpo que carregue a marca da feminilidade, interseccionada com a raça/
etnia, classe, religião, lugar de moradia e/ou nascimento, idade, sexualidade,
idioma e uma infinidade de indicadores que reforçam as estratégias de poder
sobre os corpos. Nesse sentido, os Estudos Feministas têm se revelado com
uma singular capacidade para modificar perspectivas teóricas, e para elaborar
ferramentas de resistência para identificar, descrever e explicar, tanto as
desigualdades existentes entre mulheres e homens, como os mecanismos
de sua reprodução e legitimação. Acreditamos que o feminismo, como
movimento político e sociocultural nasce, justamente, para contestar os
pressupostos valorativos da modernidade, preocupa-se com a questão da
ética, da equidade, da justiça e da igualdade, reivindicando-as como parte
integrante de um novo paradigma civilizatório e de um projeto ético
político emancipatório.
Isto posto, trazemos para discussão um fato que nos indigna, em
relação a formação profissional dos(as) Assistentes Sociais no Brasil: nossa
Pensar lugar de fala para essas autoras seria desestabilizar e criar fissuras
e tensionamentos a fim de fazer emergir não somente contradiscursos, mas
igualmente outros discursos construídos a partir de outros referenciais e de
outras geografias.
Por outro lado, uma preocupação se destaca, quando constatamos que
poucas Escolas de Serviço Social brasileiras incluem disciplinas do campo
feminista no currículo de formação. Em levantamento feito por Daiana
Nardino Dias (2014) sobre as matrizes curriculares dos cursos de graduação
de 31 Instituições de Ensino Superior (IES), no ano de 2013, foi verificado
que apenas seis delas5 integram a disciplina sobre “Relações de Gênero” na 5 As instituições de ensino que
incluem a temática de gênero em
grade curricular obrigatória, e, na maioria das vezes, de forma complementar, suas grades curriculares como
no diálogo com outras categorias como raça/etnia, identidade, sexualidade disciplina obrigatória são: UFMT/
MT; UnB/DF; Emescam/ES; UFF/
entre outras. Em outras dez instituições,6 a temática de gênero aparece como
RJ; UFRJ/RJ; PUC/RS.
disciplina eletiva, e 15 escolas sequer a incluem na grade curricular – nem em
6 As instituições de ensino que
disciplinas obrigatórias, nem em eletivas (optativas).
incluem o debate sobre as questões
Apesar dessa polêmica, a discussão sobre as diferentes perspectivas que de gênero em disciplinas optativas
englobam as questões de gênero tem ocorrido nos dois principais encontros ou eletivas na grade curricular são:
FUFSE/SE, Ufal/AL, UFMA/
nacionais da categoria: Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAs) MA, UFPE/PE, UFRN/RN,
e Encontro Nacional de Pesquisa em Serviço Social (ENPESS), fazendo- Ufam/AM, UFPA/PA, Ufes/ES,
Uerj/RJ e UFSC/SC.
se presente transversalmente em diferentes eixos, destacando-se os temas
da “Violência contra a Mulher” (em primeiro lugar), seguidos de mesas
coordenadas e apresentação de trabalhos que envolvem os temas “Gênero e
Saúde” e “Gênero e Trabalho”, entre outros.
Considerações conclusivas
Referências
DIAS, D. N. O estado da arte sobre gênero no serviço social. 2014. 165 f.165
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) –Pós-Graduação em Serviço Social,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.
TIBURI, M. “Lugar de fala e lugar de dor”. Revista Cult, 29 mar. 2017. Disponível
em: https://revistacult.uol.com.br/home/lugar-de-fala-e-etico-politica-da-luta.
Acesso em: 20 set. 2018.
Abstract
The article proposes an interlocution between Social Work and Feminist Studies in the process of knowledge
construction, introducing the category intersectionality as one of the ways to deal with the multiplicity of differences we
face in our professional daily lives. It discusses the reductionism of the Marxist dimension present in the publications
on this subject in Brazil and understands that the category “gender” is an important element to understand and explain
the status of the profession. The research work presents the three main tendencies of the Feminist Epistemology: the
Standpoint Theory; the Feminist Empiricism; and the Feminist Postmodernism, whose points of distinction occur
in the way the relationship between women and science is established. The central point is the epistemological value
granted to the category “experience” of women. This study considers it important to reflect on the dialectic between
the epistemological and the empirical, believing that knowledge (social research) is nourished by social intervention
(of practices). It concludes that a “Social Work from a feminist perspective” will enable a greater engagement of
professionals in the intervention processes.
Resumen
El artículo propone una interlocución entre el Trabajo Social y los Estudios Feministas en el proceso de construcción
del conocimiento, con la introducción de la categoría interseccionalidad como una de las formas de tratar de la
multiplicidad de diferencias que enfrentamos en nuestro cotidiano profesional. Amparadas en la Epistemología
Feminista, cuestionamos el reduccionismo del Trabajo Social brasileño a una única corriente teórica, la marxista, que
somete toda la complejidad de la vida social y humana a la esfera de la producción. El texto busca desvelar las fisuras
que avanzan en el campo del conocimiento, en el sentido de contribuir con propuestas teóricas que atraviesan las
fronteras interseccionales, transversales, interdisciplinarias entre las categorías género, raza/etnia, sexualidad, clase,
generación entre otras. El trayecto argumentativo acompañará una secuencia de reflexiones realizadas a lo largo de
años de experiencia, tanto en la práctica académica, como en los trabajos de campo realizados a través de Proyetos de
Investigación y Extensión,.