Resumo Feaurbach

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FEUERBACH:

SUA CRÍTICA DA RELIGIÃO E SEU ATEÍSMO

Outrora Sócrates foi condenado à morte por ser ateu. Entretanto Sócrates não
negara a Deus, mas apenas a veneração dos deuses da tradição grega. O ateísmo, no
sentido próprio e actual, não só nega pluralidade de deuses e/ou determinado culto a Deus,
mas é a negação de Deus, aomenos como absolutização do próprio homem. Ora, tal negação era
difícil na Antiguidade e na Idade Média. O ateísmo moderno nasce com a radicalizaçãodo
numinismo francês e, depois, com Feuerbach, Marx, Nietzsche e Freud. Tal ateísmo
penetrou em todas as camadas sociais e, sob o pretexto de dentifiddade, ameaça a fé em
Deus e o cristianismo. O homem passa a autodeterminar-se de maneira atéia. A orientação
atéia não ocorre só no comunismo, mas também a dênda e atécnica, como certas
correntes filosóficas contemporâneas, são atéias em sua orientação. Assim, hoje, quem
quiser viver a fé em Deus terá que confrontar-se também com esse tipode ateísmo.
Decisivo é que agora o ponto de partida para a consideração filosófica do problema de Deus e da
religião não é mais a natureza, mas o próprio homem. Feuerbach realiza uma interpretação
antropológica da religião, ou melhor, uma redução antropológica. Como pura antropologia, a
nova religião é atéia. Nega a Deus para afirmar o homem, só o homem. Para algumas ideologias
modernas não há libertação do homem sem negação de Deus. Postulam total autonomia
econômica e política do homem, sem nenhuma referência a valores
religiosos ou metafísicos. Tais ideologias partem do pressuposto que a religião
é expressão e causada alienação humana. Nesta linha situa-se o ateísmo
de Feuerbach e Marx. Para Feuerbach, “o conhecimento que
o homem tem de Deus é apenas o autoconhecimento do
homem, de sua própria essênda”. Para ele, a nova filosofia
é a redução total da teologia e de toda a
filosofia à antropologia, pois “o ser absoluto, o Deus
do homem, é a sua própria essênda” CA essência do
cristianismo, p. 47). Ludwig Feuerbach (1804-1872) elaborou um
materialismo para o qual só

existe o homem e a natureza e “nada mais”. Seres


superiores são apenas reflexo de nossa realidade. Sua obra mais
marcante é A essência do cristianismo (1841).Antes de
Marx, Feuerbach é o principal representante da “esquerda
hegeliana”. O próprioKarl Marx declara em 1844: “Feuerbach é
nosso maior profeta. Não há outro caminho até a verdade
que aquele que passa por Feuer-bach (arroio de fogo); é o
purgatório do presente”. Naquela época, Marx cria que, na
Alemanha, a crítica da religião estava acabada com Feuerbach.
Feuerbach, reagindo contra Hegel e o racionalismo em geral,
proclama o sensismo ou empirismo antropológico. É a
intuição sensível (sinnliche Anschauung) que nos dá o
ser ou a essência (Wesen) imediatamente idêntica com a
existência. Portanto, o real em sua realidade é o
que é objeto dos sentidos. Só o ser sensível é ser
verdadeiro, real e só mediante os sentidos, não com o
pensamento puro, é-nos dado um objeto propriamente como tal. O ponto
de partida da nova filosofia proposta por Feuerbach é
o ser real. A realidade fundamental é a natureza, não
a consciência ou o pensamento, que são derivados ou
secundários. O ser é o sujeito,diz Feuerbach, e o
pensamento, o predicado: “A verdadeira relação entre pensamento e ser
é apenas esta: o ser é o sujeito, o pensamento é
o predicado. O pensamento provém do ser, mas não o
ser do pensamento” (Princípios, p. 31). Portanto, para alcançar
a verdade do ser é preciso passar do pensamento abstrato
para a realidade sensível, da essência para a
existência, da representação e fantasia para a intuição
imediata sensível. Aqui interessa-nos a crítica da religião e
o ateísmo de Feuerbach e sua fundamentação. Feuerbach
resume sua evolução espiritual nos seguintes termos. Deus foi
meu primeiro pensamento; a razão, o segundo; o
homem, o terceiro e último”. Propõe-se a elaboração
de uma antropologia humanista. Neste caminho sentiu-se
obcecado pela religião que constitui o tema permanente
de sua investigação e reflexão. No prefácio à
segunda edição de A essência dó cristianismo diz: “Meu objeto
principal é o cristianismo, é a religião enquanto objeto
imediato, êssencia imediata do homem” (p. 34). 5.1.
Crítica do cristianismo e da religião

Feuerbach desenvolve sua crítica da religião nas obras A


êssencia do cristianismo (1841),Princípios da filosofia do
futuro (1843),A essência da religião (1845) e Teogonia (1857).
Seu método de indagação pode ser chamado de método
genético-crítico, ou seja, pergunta como e de onde surge
a religião. Segundo ele, a origem da religião funda-
se na diferença entreo homem e o animal,ou seja, na
consciência do homem: “A religião baseia-se na diferença
essencial que existe entre o homem e o animal. Os
animais não têm nenhuma religião” (A essência do
cristianismo, p. 4). A diferença entre homem e animal
consiste na consciência, na qual o homem tem por objeto
de reflexão sua própria essência, sua própria espécie. Esta
consciência pode converter em objeto outra realidade, outras coisas, de
modo especial, seu próprioser. Sinal disso é o pensamento, a
linguagem e o amor humanos. Essa diferença entre o homem
e o animal não só fundamenta a religião, mas também
seu próprioobjeto. Religião é o comportamento do homem
peranteseu próprioser infinito. Nisso está sua verdade. Por outro
lado, a falsidade da religião está em o homem tomar
independente de si mesmo o seu próprioser infinito,
separando-o e opondo-o como diferente de si, produzindo a
bipolaridade Deus e homem, alienando, assim, o último, ou seja,
empobrecendo-o. Feuerbach afirma: “O que é para a religião
o primeiro, Deus, é em si, como foi demonstrado, quanto
à verdade o segundo, pois ele é somente a
essência objetiva do homem, e o que é para ela
o segundo, o homem, deve, portanto, ser estabelecido
e pronunciado como o primeiro” (A essência do
cristianismo, pp. 309-310). Feuerbach formula, de maneira mais
sistemática, sua crítica radical do cristianismo e da religião
em A essência do cristianismo. O seu objeto principal
é o cristianismo, cuja dissolução em puro antropomorfismo
propõe-se demonstrar. No prefácio à primeira edição começa
dizendo que nessa obra o leitor “encontra os pensamentos
aforísticos e polêmicos, esparsos em diversos trabalhos, sobre
religião e cristianismo, teologia e filosofia especulativa
da religião

concentrados” (p. 17). Desde o prólogo propõe-se como objetivo


a inversão total do cristianismo, reduzindo a teologia
à antropologia, mostrando que todos os predicados atribuídos a
Deus se referem aó homem. A obra divide-se em
duas partes: na primeira parte trata da essência autêntica,
ou seja, antropológica, da religião. Diz no prefácio: “Na
primeira parte mostro que o verdadeiro significadoda teologia
é a antropologia, que entre os predicados da essência divina
e humana não há distinção, são idênticos” (pp. 29
e 30). “Deus é homem, o homem é Deus; não sou
eu, é a própria religião que renega o Deus que não
é homem, mas somente um ens rationis”(p. 29). Diz
que “a primeira parte é, portanto, a prova direta; a
segunda, a prova indireta de que a teologia é
antropologia” (p. 30). Feuerbach está convencido de que a
teologia se identifica com a antropologia, a essência
de Deus com a essência humana. O ponto de partida
e o princípio de sua demonstração centra-se na
concepção singular de homem e de religião. A religião
funda-se na diferença essencial entre homem e animal,pois
os animais não têm religião. Entretanto o essencial
do homem é a consciência. Trata-se aqui da consciência
do gênero ou da humanidade. Esta consciência da humanidade
constitui-se “pela razão, pela vontade e pelo coração”. Portanto,
se pensas o infinito, sentes e confirmas a infinitude da
faculdade de sentir. O objeto da razão é a razão
enquanto objeto de si mesma; o objeto do sentimento,
o sentimento enquanto objeto de si mesmo” (p. 50).
Logo, a consciência, em sentido próprio, é sempre consciência
do infinito. O homem não só é fundamento, mas
também o objeto da religião: “Na relação com os objetos
sensíveis é a consciência do objeto facilmente discernível da
consciência de si mesmo; mas no objeto religioso a
Consciência coincide imediatamente com a consciência de si mesmo.
O objeto sensorial está fora do homem, o religioso
está nele, é mesmo íntimo” (p. 55). Por isso, “a consciência
de Deus é a consciência que o homem tem de si
mesmo” (p. 55). Feuerbach critica a religião por não
dar a devida importância à vida presente pondo toda a
esperança de libertação no céu. Por isso o homem
religioso, segundo ele, não se compromete com a

mudança e transformação,com a injustiça, o sofrimento e


a misériadeste mundo. A religião leva-nos a aceitar todas
essas coisas resignadamente sem lutar contra elas, projetando nossa
felicidade no outro mundo. Afirma: “Quando a vida
celestial é uma verdade, é a vida terrena uma
mentira, quando a fantasia é tudo, a realidade não
é nada. Quem crê numa vida celestial eterna, para ele esta
vida perde o seu valor. Ou antes, já perdeu o seu valor:
a crença na vida celestial é exatamente a crença na
nulida-de e imprestabilidade desta vida” (A essência do
cristianismo, p. 202). Pouco mais adiante: “O céu nada mais é
do que o conceito do que é verdadeiro, bom, válido,
daquilo que deve ser; a terra nada mais é do que o
conceito do que é falso, ilegítimo, daquilo que não deve
ser” (A essência do cristianismo, p. 209). Feuerbach argumenta
que o ateísmo é necessário para que as classes
oprimidas possam lutar por sua libertação, pois “só o homem
pobre tem um Deus rico”. Quer mostrar que o correlato
metafísico da fé inexiste; que Deus, objeto da crença, não
existe. O homem projeta a idealização de suas qualidades
próprias em um ser transcendente. Feuerbach nega, pois, o
correlato metafísico da fé, não a projeção. Ao projetar
a si mesmo, o homem aliena-se de si mesmo,
gerando a divisão em si mesmo. A alienação religiosa,
segundo ele, é tomar como Deus algo que, na verdade,
é apenas expressão do própriohomem, ilusão, ídolo. O jovem
Feuerbach queria ser teólogo. Seu primeiro pensamento foi
Deus. Desejava tomar-se pastor luterano. Desde 1823 estudou
teologia em Heidelberg. Através dos professores de
dogmática interessou-se por Hegel e foi a Berlim. Num
segundo momento voltou-se para a razão. Tomou-se hegeliano.
No contatocom Hegel, decidiu-se pela filosofia. Em 1828
doutorou-se em filosofia pela universidade de Erlangen. Em 1829
foi nomeado professor adjunto. Até 1832 lecionou história
da filosofia, lógica e metafísica. Mas sua obra Pensamentos sobre
morte e imortalidade (1830), publicada sem o nome do autor,
foi apreendida pela polícia e identificada, pondo-o em conflito
com as autoridades acadêmicas. Num terceiro momento
Feuerbach distanciou-se de Hegel e dedicou-se ao

homem. De hegeliano transformou-se em ateu. Pretende superar


a distância entre imanência e transcendência não só no
pensamento, como Hegel, mas também na realidade prática. Busca
a vida neste mundo. Em 1836, afasta-se da universidade
de Erlangen. Depois do casamento recolhe-se ao silêncio
na aldeia de Bruckberg, dedicando-se totalmente à filosofia.
Chega à conclusão de que razão e fé, filosofia e
teologia, iluminismo e cristianismo são inconciliáveis. Quando Hegel
afirma que a consciência do homem sobre Deus é a
autoconsciência de Deus, Feuerbach responde que o ser
absoluto, o Deus dos homens, é seu próprioser: “Como o
homem pensar, como for intencionado, assim é o seu Deus:
quanto valor tem o homem, tanto valor e não mais tem
o seu Deus. A consciência de Deus é a consciência
que o homem tem de si mesmo, o conhecimento
de Deus é o conhecimento que o homem tem de
si mesmo. Por seu Deus conheceso homem; e, vice-
versa, pelo homem conheces o seu Deus. Ambas as coisas são
idênticas” (A essência do cristianismo, p. 55). Feuerbach
admite a unidade do infinitoe do finito. Mas, ao
contrário de Hegel, põe o infinitono homem e não
no absoluto. E o homem, para Feuerbach, é “corpo
consciente”, não puro pensamento. Critica o idealismo de Hegel
postulando uma teoria do conhecimento materialista. Diz que apesar
de Hegel apelar à percepção sensível, sua filosofia não
começa com a percepção sensível, mas com a idéia de
percepção sensível. Com isso, o secundário toma-se o
primeiro, absolutizando-se a consciência em relação ao ser,
subordinando o método dialético ao sistema; em vez
de tomar a realidade (a natureza) como o critério para a
filosofia, esta toma-se o critério para a realidade.
Feuerbach quer uma filosofia que possa satisfazer todas as
exigências humanas e considerar o homem em sua
realidade concreta material. Professa o sensismo, para superar
o idealismo hegeliano, porque os sentidos nos proporcionam
a essência das coisas. No tempo de Feuerbach, o
cristianismo especulativo de Hegel passou a ser interpretado de
duas maneiras: a) como tentativa de justificar as
verdades cristãs racionalmente para tomá-las aceitáveis para o
homem moderno. Desta forma, a religião é assumida
positivamente na filosofia (direita hegeliana); b) como tentativa
de apresentar as verdades cristãs como forma transitória para
a filosofia, a razão especulativa e seu saber absoluto.
Desta

maneira a religião seria assumida negativamente ou dissolvida


na filosofia (esquerda hegeliana). Entendendo Hegel da segunda
maneira, podia chegarse à conclusão de que ele, em
última análise, já era ateu. Por isso, segundo Hegel, deveria
substituir-se a religião cristã pela filosofia. A filosofia
especulativa de Hegel agora só permite à religião dizer
o que ela mesma pensou. Feuerbach situa-se entre os
que sacrificam a religião à filosofia; os representantes da
teologia cristã da época sacrificavam a filosofia à religião.
Neste contexto Feuerbach escreveu A essência do
cristianismo. A teologia aí é reduzida à antropologia. Deus,
religião e imortalidade são destronados e é proclamada a
república filosófica na qual “ohomem é deus para o
homem”. A tese fundamental de Feuerbach em relação a Hegel
é a seguinte: “O mistério da teologia é a
antropologia” CPrincípios, p. 19). O homem toma-se o ponto
de partida da nova filosofia: “O começo da filosofia
não é Deus, não é o absoluto, nem o ser como
predicado do absoluto ou da idéia — o começo da
filosofia é o finito, o determinado, o real” (Princípios,
p. 24). Diz Feuerbach que a “nova filosofia faz do
homem, com a inclusão da natureza, enquanto base do
homem, o objeto único, universal e supremo da
filosofia — faz, pois, da antropologia, com inclusão da
fisiologia, a ciência universal” (Princípios, p. 97). Neste sentido
ainda diz: “Álógica hegeliana é a teologia reconduzida à
razão e ao presente, a teologia feita lógica. Assim como o
ser divino da teologia é a quintessência ideal ou abstrata
de todas as realidades, isto é, de todas as determinações,
de todas as finidades, assim também a lógica (...) A
essência da teologia é a essência do homem,
transcendente, projetada para fora do homem; a essência da
lógica de Hegel é o pensamento transcendente, o pensamento do
homem posto fora do homem” (Princípios, p. 21). Feuerbach
parte não tanto do homem individual, pois não se
consegue compreendê-lo totalmente quandose o considera isolado.
O eu precisa da complementação do tu para ser realmente
eu: “0 homem singular por si não possui em si a
essência do homem nem enquanto ser moral, nem enquanto
ser pensante. A essência do homem está contida apenas
na comunidade, na unidade do homem com o homem

uma unidade que, porém, se funda apenas na realidade da


distinção do eu e do tu” (Princípios, p. 98). Pouco adiante
afirma: “O homem para si é um homem (no sentido
habitual); o homem com o homem — a unidade
do eu e do tu — é Deus” (Princípios, p. 98). A relação
necessária do eu com o tu, segundo Feuerbach,
também é importante para a filosofia; “A verdadeira
dialética não é o monólogo do pensador solitário consigo
mesmo, é diálogo entre o eu e o tu”
(Princípios, p. 99). Assim pode concluir: “O princípio supremo
e último da filosofia é, pois, a unidade do homem
com o homem” (Princípios, p. 99). Mas Feuerbach não
pára na com-plementação do eu pelo tu. A essência do
homem não só se atualiza no encontro do eu com
o tu, mas na totalidade da humanidade, da espécie
humana: o outro é o representante da espécie. Através
do tu o olhar se abre para a humanidade, pois no
outro tenho a consciência da humanidade. A espécieé, para
Feuerbach, o homem pleno. Por isso a medida da espécie
é a medidaabsoluta, lei e critério do homem. O
homem assim concebido ocupa o lugar do absoluto em Hegel.
Feuerbach apresenta uma antropologia que busca unidade entre o
eu, o tu e nós (comunidade), entre indivíduos e espécie,
história universal e história individual, atribuindo ao amor
o primado sobre o pensamento. Encontra essa unidade no
própriohomem. Este, tendo consciência de si mesmo, é capaz
de tomar sua própria essência como objeto de sua consciência.
No caso, o eu finito, enquanto indivíduo, experimenta-se
a si mesmo em facticidade existencial como infinitamente distante
do que pode e deve ser. Com isso, na consciência
humana, emergea tensão fundamental entre o eu (o indivíduo
singular e finito) e a espécie-homem (inftnitude). A
religião nasce onde o homem considera essa sua essência
como separada de si como Deus. Neste caso Deus é a
projeção daquilo que o homem deseja ser. Nada mais.
Deus, nesta perspectiva, é o próprioser humano alienado de
si mesmo: a essência de Deus é a autoconsciência
do homem. O homem afirma em Deus o que nega em
si. O ateísmo é, então, o caminho necessário para
o homem redescobrir sua dignidade, reconquistando sua
essência perdida. A questão do ser ou não ser de
Deus toma-se a questão do ser ou não ser do
homem. A este homem, assim definido, Feuerbach dá o
lugar que Hegel dera aoabsoluto. O homem (espécie)
converte-se no ser supremo, na medidade
todas as coisas e de toda a realidade. Esse posicionamento
fundamenta toda a sua crítica da religião, do cristianismo e
da teologia. Percebeu logo o perigo da identificação que Hegel
fizera entre consciência finita e consciência infinita, entre Deus
e homem. Basta mudar a posição do ponto de vista
de Hegel, e o espírito humano não é assumido
no absoluto, mas o espírito absoluto passa a ser
reduzido ao espírito finito do próprio homem. A
consciência humana passa, então, a ser consciência do
infinito: “A consciência de Deus é a autoconsciência do
homem, o conhecimento de Deus o autoconhecimento do
homem”. O panteísmo idealista transforma-se em materialismo
ateu. A única base para sua filosofia é a realidade
sensível. Por isso a nova filosofia deverá ter por objeto o
homem em sua totalidade: razão, vontade e coração. 5.2.
A verdade da religião é a antropologia Feuerbach
aplica sua tese antropológica ao cristianismo: “O mistério da
teologia é a antropologia”. O homem definido em sua
totalidade ocupa o lugar que Hegel dera ao absoluto. O homem
converte-se em ser supremo. Feuerbach desenvolve, assim, um
materialismo que tenta esclarecer o homem e o mundo a
partir de si mesmo. O ponto de partida da filosofia
não mais é Deus, como em Hegel, e sim o próprio
homem: “O primeiro objeto do homem é o
homem”. O homem não é mais o homem
cartesiano da razão, e sim o homem corpóreo,
concreto. Vê-o não como indivíduo isolado, mas como espécie.
O eu precisa do tu. Valorizaohomemnão só emrelação ao tu,
mas em relação à humanidade. O homem é o eu
e o tu em sua reciprocidade. O outro representa o gênero
humano, a espécie, que é o homem perfeito e
o critério do homem e da verdade. A espéciehumana
é o critério de todas as coisas. Para Feuerbach, filosofia
antropológica significa filosofia do homem e para o
homem: o homem como o ser mais elevado para o
homem, ou seja, o homem é deus para o
homem: “Onomem é o começo da religião, o homem
é o centro da religião, o homem é o fim
da religião” (A essência do cristianismo, p. 223). Quando
Feuerbach afirma que “o homem é deus para o homem”,
de modo especial nos escritos mais recentes, * *
\' como em Princípios da filosofia do futuro (1843),
concebe o homem como ser social, em sua convivência com
outros homens: o homem

com o homem, a unidade de eu e tu, é deus.


Segundo nosso autor, a religião pertence à infância da
humanidade.Vítima de ilusão, o indivíduo projeta em Deus seus
próprios atributos, qualidades e poderes, que são os da
essência humana enquanto presente no conjunto dos
homens. Deus é o conceito personificado da espéciehumana,
e airéligião produto puramente humano. Nada mais. O
pressuposto fundamental é: “A consciência do infinitonão é outra
coisa que a consciência da infinitude da consciência ” (A
essência do cristianismo, p. 44). Assim o conceito de
Deus aparece como projeção do homem. Como este não
consegue satisfazer todas as necessidades, pela imaginação cria
a Deus. Deus é apenas a projeção ou o reflexo que
o homem faz de si mesmo. É como reflexo no
espelho, ilusão. Eis a origem da alienação religiosa. Por isso
as propriedades de Deus são as propriedades do homem:
homo homini Bens est. Em A essência do cristianismo diz
que a religião é a divisão do homem consigo
mesmo porque considera a Deus como a um ser oposto a
si, exterior. Deus então não é o que é o homem
e o homem não é o que Deus é. Deus é
o ser infinito, o homem o ser finito; Deus é
perfeito, o homem imperfeito; Deus é eterno, o homem
temporal; Deus é onipotente, o homem impotente; Deus é
santo, o homem pecadorípeus e homem são dois extremos:
Deus é absolutamente positivo, o conteúdo de todas as
realidades; o homem é ò negativo, o nada (A
essência do cristianismo, p. 77). Para libertar o homem, é
preciso transformar a questão numa questão do homem,
traduzir a teologia para a antropologia, buscar a
felicidade do céu na terra. A tese fundamental de Feuerbach
é a seguinte: “A religião, pelo menos a cristã, é o
relacionamento do homem consigo mesmo ou, mais
corretamente, com a sua essência; mas o relacionamento com
a sua essência como outra essência. A essência divina
não é nada mais do que a essência humana, ou melhor,
a essência do homem abstraída das limitações do homem
individual, isto é, real, corporal, objetivada, contemplada e adorada
como outra essência própria, diversa da dele — por isso
todas as qualidades da essência divina são qualidades da
essência humana” (A essência do cristianismo, p. 57). O
cristianismo é a velha religião que deve morrer para nascer
a nova religião do humanismo: “O que é Deus para o
homem é o seu espírito, a sua alma e o
que é para o

homem seu espírito, sua alma, seu coração, isto é


também o seu Deus: Deus é a intimidade revelada,
o pronunciamento do Eu do homem; a religião é
uma revelação solene das preciosidades ocultas do homem, a
confissão dos seus mais íntimos pensamentos, a manifestação
pública dos seus segredos de amor” (A essência do
cristianismo, pp. 55-56). Feuerbach destrona Deus e diviniza
o homem. Segundo ele, os amigos de Deus devem tomar-
se amigos do homem neste mundo. Deus é apenas a
personificação da espéciehumana: o homem vê sua essência
fora de si, objetivando-a, ou seja,)Deus é a manifestação
do interiordo homem.),Assim a Bíblia deverá ser corrigida, pois
não é Deus que criou o homem, mas “o homem criou
Deus à sua imagem e semelhança” (A essência do
cristianismo, p. 158). O homem é o grande projeto e
Deus a sua projeção. Para Feuerbach, negar o sujeito Deus não
é eliminar os predicados que dele se afirmam. Esses
conservam sua dignidade sem o sujeito Deus, pois devem ser
aplicados ao própriohomem. Exemplifica: dizer que Deus é
inteligente é projeção da razão humana. Deus é a
objetivação da inteligência humana em geral. Dizer que Deus
é o ser moralmente perfeito é a projeção da
vontade humana. E a lei da moralidade humana
personificada. Não Deus, mas a consciência humana é o juiz.
Dizer que Deus é amor é a projeção do coração
humano. Deus é a essência objetivada do amor humano
em geral. Deus não é amor, mas o “amor é Deus”, e fora
dele não há outro Deus. Feuerbach pergunta-se: o que amo,
pois, em Deus e com Deus? Responde: “o amor que desde
logo é amor ao homem”. Nesta perspectiva, as diferenças
entre as religiões e as diversas concepções da divindade
e de Deus têm fundamento antropológico: são as diferenças
entre o homem pagão e o homem cristão, que sempre
projetam Deus de acordo com sua imagam e semelhança.
A religião pertence ao estado infantil da humanidade e do
indivíduo, precedendoà filosofia tanto na história do
indivíduo como da humanidade. O progresso na religião
é apenas o progresso do conhecimento que o homem
adquire de si mesmo. Feuerbach interpreta os dogmas cristãos
como projeção do própriohomem: o Deus encarnado é apenas
a manifestação do homem divinizado e nada mais: “O
Deus encarnado é apenas o fenômeno do homem
endeusado” (A essência do cristianismo, p. 93). O mistério
do amor de Deus para com o homem é apenas o

mistério do amor do homem para consigo mesmo “e nada


mais”. O sofrimento de Deus é o sofrimento do homem
por outros homens. O mistério da Trindade é o
mistério da vida social. Na Trindade divina reflete-se a
comunidade humana do eu, do tu e do nós: “Deus pai
é o Eu. Deus filho o Tu. Eu é razão, Tu é
amor; só razão com amor e amor com razão é espírito,
é o homem total” (A essência do cristianismo, p.
111). Pouco adiante prossegue: “O Deus trino é um Deus rico de
conteúdo, daí se tomar uma necessidade quando se abstrair
do conteúdo da vida real. Quantomais vazia for a vida,
tanto mais rico, mais concreto será o Deus. O esvaziamento do
mundo real eo enriquecimento da divindade é um único
ato. Somente o homem pobre possui um Deus rico. Deus
nasce do sentimento de uma privação; aquilo de que o homem
se sente privado (seja uma privação determinada, consciente,
seja inconsciente) é para ele Deus. Assim, o desesperado sentimento
do vazio e da solidão necessita de um Deus no qual exista
sociedade, uma união de seres que se amam intimamente” (A
essência do cristianismo, p. 116). Segundo Feuerbach, o
mistério da ressurreição de Cristo é o desejo satisfeito
do homem por uma certeza imediata de sua imortalidade
pessoal. Em resumo, a fé em Deus é a fé no
homem e “nada mais”, na infinitude e verdade de seu
próprioser; o ser divino é o ser humano em sua
liberdade e ilimitação absolutas: “A religião é a primeira
consciência do homem de si mesmo. As religiões
são sagradas exatamente porque são as tradições da primeira
consciência. Mas o que é para a religião o primeiro,
Deus, é em si, como foi demonstrado, quanto à verdade
o segundo, pois ele é somente a essência
objetiva do homem, e o que é para ela o
segundo, o homem, deve, portanto, ser estabelecido e
pronunciado como o primeiro. O amor ao ser humano
não pode ser derivado, ele deve ser primitivo. Só então
toma-se o amor um poder verdadeiro, sagrado, seguro.Se
a essência de Deus é a mais elevada essência do
homem então também praticamente deve ser a mais elevada
e primeira lei o amor do homem pelo homem. Homo
homini Deus est” (A essência do cristianismo, pp. 309-310).

Começo, centro e fim da religião, para Feuerbach, é o


própriohomem. A essência do homem, ao contrário dos
animais, não é só o fundamento da religião, mas
também seu objeto. Substitui, pois, a “religião de Deus” pela
“religião do homem”. A falsidade da religião é
relacionar-se o homem consigo mesmo como se fosse outro,
transcendente. Com isso o homem se empobrece e se
aliena. O homem pobre projeta um Deus rico. Como Deus e
homem são vistos separadamente, também o homem se
divide. Para o homem, a religião é uma relação para
consigo mesmo, como sua essência, mas considerando-a como
algo estranho e diferente dele. É a divisão do homem
consigo mesmo porque considera Deus e homem com duas coisas
distintas e opostas: “A religião é a
autoconsciência primária e indireta do homem”. Feuerbach
nega a Deus para afirmar o homem. Por isso precisamos
amar não a Deus mas o homem; crer não em Deus
mas no homem; interessar-nos não pelo além, mas pelo aquém.
Em síntese, o mistério da religião é o ateísmo. Em
A essência do cristianismo Feuerbach examina a religião
cristã, uma religião da interioridade e do espírito. Mas nisso
já se esgota toda a religião? Como é a idéia de
Deus nas chamadas religiões naturais? A esta problemática tenta
responder em A essência da religião (1845).Nesta obra
põe a natureza como fundamento da origem e forma da
religião. Transforma seu humanismo em mate-rialismo grosseiro.
Diviniza a matéria, da qual o homem é parte. Funda
a religião no sentimento de dependência da natureza,
imprimindo-lhe, contudo, o homem sua própria imagem. Num
célebre aforismo, formulado pela primeira vez numa recensão
do livro Teoria dos alimentos do pensador materialista
holandês J. Moleschott e depois repetido, diz que “o
homem é o que come” (citado por Urdanoz, v. IV , p.
440). Em A essência da religião, o divino define-se
como predicado da natureza e dos fenômenos naturais. A
natureza ou divindade manifesta-se sob dois aspectos: vivo por
ela, porque me cria, me sustenta, e isto me faz feliz;
mas também experimento os aspectos obscuros da natureza,
que me submete a suas catástrofes. A verdadeira base da
filosofia agora é a natureza. Por natureza Feuerbach entende
a natureza sensível, real, tal como se manifesta de
maneira imediata aos sentidos, a natureza pura, sem
Deus. Diz

que a natureza é o princípio e ponto de partida da


religião. Por isso o Deus, que o homem separa de
si mesmo, não é outra coisa que a própria natureza.
Substitui o Deus da religião por natureza. Transforma, desta
maneira, a teologia em fisioiogia. Em A essência da
religião, o fator subjetivo para esclarecer a religião
é o sentimento de dependência e o fator objetivo é
a natureza. Aquilo de que depende a existência do homem
parece-lhe Deus. Transformar a dependência sentida em liberdade é
o sentido do sacrifício. O sentimento de dependência da
natureza é a razão; a superação dessa dependência é
a finalidade da religião. Ou seja, a divindade da
natureza é o fundamento da religião, mas a divindade
do homem é a finalidade última de toda a
religião. Desta maneira também aqui tudo desemboca na
antropologia. Desmascarando e desmitificandoa Deus e aos deuses,
quer ajudar o homem a reencontrar-se a si em si mesmo,
superando a dependência, o temor e a ignorância. Deste modo
o ateísmo não é apenas negação, mas negação da
negação que nega o homem: “Quanto a Deus, quero dizer
que nego a negação do homem”. O ateísmo é o
caminho para afirmara verdadeira essência do homem, restitu-
indo-lhe sua divindade. Em resumo, Feuerbach tenta nova hermenêutica
da religião. Pergunta: por que o homem produz a
religião? Que é que ela significa? Denomina seu método
de histórico-filosófico. Diz que os símbolos religiosos não
são vazios, nem se referem a Deus, mas ao próprio
homem. Religião é antropologia. Tudo o que o homem
fala acerca de Deus, através da linguagem religiosa, nada mais é
do que confissão de seus desejos, projetos e
aspirações. Por isso precisamos amar não a Deus, mas ao
homem: crer não em Deus, mas no homem; interessar-nos não
pelo além, mas pelo aquém.A pergunta que se poderia fazer
a Feuerbach é a seguinte: não é seu secularismo
antropológico ou seu humanismo ateu uma ideologia de tipo
religioso? 5.3. Crítica à crítica de Feuerbach No fundo, Feuerbach é
filósofo clássico e metafísico. Apesar de seu materialismo,
nunca conseguiu acesso ao real e, por isso, nunca deixou de ser
idealista. Depois de seduzido por suas idéias, Karl Marx o
coloca entre os ideólogos. Feuerbach esforça-se por superara
filosofia teológica tradicional, de modo

especial como a apresenta o sistema de Hegel. Entretanto


o seu sucesso é apenas parcial.Tanto na sua interpretação
antropológica como em sua interpretação da natureza permanecem
elementos metafísicos, pois tanto a natureza como a espécie
humana são caracterizadas como infinitas sem fundamentação crítica
suficiente. Feuerbach quer ser ateu consciente. Rejeita todas as interpretações
da realidade a partir de um além de tipo metafísico ou
religioso. Conclui sua doutrina dizendo que Deus não existe,
ao menos não de maneria separada do homem e da
natureza. Mas o conceito de ateísmo é insuficiente
para caracterizar sua posição. O ateísmo designa apenas
o aspecto negativo. Positivamente afirma a realidade da
natureza e do homem. Até certo ponto podemos dizer que
a palavra-chave da posição de Feuerbach é “inversão” e
seu objetivo a elaboração de uma antropologia humanista.
Se o homem, diferentementedos animais, possui religião,
é porque é dotado de consciência no sentido estrito, que tem
por objeto “seu gênero, sua essencialidade”. Se a consciência
de Deus é a autoconsciência do homem, isto o sabe
a filosofia e não a religião. Mas à filosofia
cabe estabelecer a verdade e denunciar a alienação
que a religião gera. Vítima de ilusão, o indivíduo
religioso projeta em Deus seus próprios atributos, suas
qualidades e seus poderes, que são os da essência humana
enquanto está presente no conjunto dos homens. Ora, não
é convincente a crítica que Feuerbach faz da religião? Não
está realmente fundada sua crítica?Em todo o caso, sua
crítica permanece tão atual que nela todos os ateísmos posteriores
buscam argumentos. Por quê? Em primeiro lugar, a
importância de Feuerbach para o problema da crítica
religiosa consiste em ter ele tomado o tema da religião
tema central de seu pensamento. Todas as suas análises partem
de alguns critérios determinantes para sua antropologia. Adapta tudo
ao seu sistema apriorista. Com seu método genético-crítico
tenta explicar não só o fato da religião, mas até seus
conteúdos. E tudo decide com um dogmático “e nada mais”.
Sua antropologia é a única chave para explicar tudo. Em
outras palavras, é o único dogma inquestionável. Em segundo
lugar, não se deve exagerar nem menosprezar a crítica que

Feuerbach faz da religião, de modo especial do cristianismo.


Teologia e filosofia da religião deverão indagar os
fundamentos de seu ateísmo numa discussão crítica. Talvez a
pergunta fundamental a ser feita seja a seguinte: diz a
orientação da intencionalidade da consciência para um infinitoalgo
sobre a existência ou não-existência de uma realidade
independente da consciência? Feuerbach nunca demonstrou a não-
existência de Deus. Torna-se acrítico quandofala do homem
individual como se fosse o homem em geral em relação
às próprias projeções. Mas não é o homem real o
individual, o finito e concreto? Ou tem a espéciehumana
uma reálidade à margemdos indivíduos finitos, os únicos que
existem? Não é a essência do gênero humano
também uma abstração ou uma autoprojeção objetivada? Não projeta
o indivíduo algo para fora de si? Em resumo, não carece
a apoteose da espécie humana de fundamentos mais sólidos,
pois a finitude como definição do' homem não se
identifica com o homem concreto? Em momento algum
Feuerbach fundamentou a infinitude da essência humana.
Simplesmente a postulou. Na verdade, Feuerbach reconhece a finitude
do indivíduo. Mas a espécie humana, para ele, é infinita.
O indivíduo só toma consciência de sua finitude no
confronto com a infinitude da espécie. A essência
da espécie, que é a essência absoluta do indivíduo,
é infinita. Aqui revela-se que Feuerbach não conseguiu
libertar-se totalmente da metafísica teológica. Quando fala
da infinitude do homem, de suas forças, da espécie, recorre
a pressuposto metafísico. Dificilmente poderá conciliar-se tal pressuposto
com a tendência à absolutização da realidade sensível. Assim
a idéia da infinitude é postulado metafísico tanto para sua
antropologia como para sua fisiologia. Feuerbach tenta fundamentar seu
ateísmo a partir da história e da psicologia. Anuncia
o fim do cristianismo, dizendo que “para o lugar da
fé eíitrou a descrença; para o lugar da Bíblia, a razão;
para o lugar da religião e da Igreja, a política; a
terra substituiu o céu; o trabalho substituiu a oração;
a necessidade material, o inferno; o homem, o
cristão” (Princípios, p. 16). Caberia perguntar: Não cometeu
o erro do círculo vicioso ao apresentar como suposto indiscutível
o que possivelmente só poderá ser o resultado de uma análise
diferenciada do fenômeno da religião e do cristianismo?
Feuerbach simplesmente supõe que a religião seja ilusão “e

nada mais”. Ora, já os primeiros críticosseus perguntaram se o


pão é produto da fome e a luz produto dos olhos
e se, por sua vez, a religião e o cristianismo tinham
que demonstrar sua realidade e verdade só porque
respondem a necessidades do homem e satisfazem seus desejos
e anseios. No prefácio à segunda edição de A
essência do cristianismo afirma: “O cristianismo já está tão
deturpado e em desuso que até os representantes oficiais e
eruditos do cristianismo, os teólogos, não sabem mais ou
pelo menos não querem saber o que é o cristianismo”
(p. 26). “Apenas mostrei o mistério da religião cristã,
apenas o arranquei da teia contraditória das mentiras e
tapeações da teologia—e com isso certamente cometi um sacrilégio.
Por isso, mesmo sendo minha obra negativa, irreligiosa, ateísta, que
se medite entretanto que o ateísmo (pelo menos no sentido
deste livro) é o mistério da própria religião, que a própria
religião, em verdade, não na superfície, mas no fundo, não
na sua opinião e fantasia, mas em seu coração, em
sua verdadeira essência, em nada mais crê a não ser
na verdade e divindade da essência humana” (p. 29).
Feuerbach critica o cristianismo por ter feito desaparecer o homem
como humanidade, como espécie, como comunidade universal,
substituindo-a pelo conceito de Deus. Com isso não quer eliminar
a moral, pois, segundo eléj a justiça, a bondade e
o amor têm fundamento em si mesmos. Mas não explica
por que razão e Bíblia, política e religião, trabalho e
oração,céu e terra, Deus e homem são irreconciliáveis
ou por que se excluiriam necessariamente. Não poderá um cristão
ser mais humano que um ateu? Se Feuerbach, com sua
tese secularista, profetizou o fim do cristianismo, constatamos,
sem dificuldade maior, que essa tese até hoje ainda não se
realizou. Afirma categoricamente que o homem deve renunciar
ao cristianismo para tornar-se realmente homem. Mas a
fundamentação histórica do ateísmo, como Feuerbach a faz,
não resiste a exame mais crítico. A rigor constata o fato de
que o cristianismo se encontra numa crise mortal. Daí,
todavia, não se pode concluir simplesmente o postulado do
ateísmo como necessidade lógica, pois poderia concluir-se
igualmente na necessidade de reavivar o cristianismo. Por isso
custa aceitar a tese feuerbachiana da filosofia da história por
carecer de qualquer fundamento mais sólido. Extrapolou para o
futuro. Hoje nós, numa retrospectiva, constatamos que sua profecia não
se realizou. Ao contrário, podemos admitir que também o
ateísmo proposto já

entrou em crise por falta de fundamentos racionais, existenciais e


até históricos. Assim sua fundamentação histórica também não
passa de um postulado dogmático. Feuerbach não só anuncia
o fim do cristianismo. Diz que também da filosofia não
se deve esperar a salvação: “A filosofia hegeliana éa
última grandiosa tentativa para restaurar o cristianismo já
perdido e morto através da filosofia e, claro está,
mediante a identificação, tal como em geral acontecia nos
tempos modernos, da negação do cristianismo com o próprio
cristianismo” (Princípios, pp. 63-64).Se o homem, na prática,
ocupa o lugar do cristão,teoricamente a essência humana
também deve ocupar o lugar da essência divina. E Deus,
então, simplesmente produto de nosso desejo? Feuerbach tentou
fundamentar, outrossim, seu ateísmo psicologicamente. Afirma que
“o que o homem não é realmente, mas deseja ser,
converte em seu Deus, ou isso é seu Deus”. Diz ainda: “Se
o homem não tivesse desejos, não haveriareligião alguma”.
Em outras palavras, o homem crê em Deus porque deseja
ser feliz. Os deuses são os desejosdo homem, pensados
como realidade objetiva. Segundo ele, a religião ainda
se funda no sentimento de dependência. Assim, em última
instância, a religião é produto do instinto de
autoconservação do homem, do egoísmo humano. Com a
palavra“egoísmo” Feuerbach designa um fazer valer o próprioser,
o amor do homem a si mesmo como instinto de
conservação, sem o qual o homem não pode viver. A
representação de Deus é, então, apenas imaginação humana. O
homem deve destruir essa sua criação ilusória para redescobrir
sua dignidade e recuperar sua essência perdida. Em tudo
isso pode haver um pouco de verdade. Mas a explicação
psicológica não diz tudo sobre o complexo fenômeno humano
da fé em Deus. Esta certamente tem fundamentos psicológicos
importantes. Mas não se pode excluir, de antemão, que
os desejos do homem tendampara uma realidade. Por que
os anseios, os desejos e as necessidades do homem
não poderiam ter correlato real? Não é o pressuposto de
mera projeção afirmação gratuita? Falar humanamente de Deus
ainda não significa que Deus se reduza à mera realidade
humana. Concordamos com Feuerbach que algumacoisa não existe
simplesmente porque a desejo. Mas o ateísmo de Feuerbach
funda-se todo ele nessa única conclusão, ou seja, numa
conclusão logicamente falha. Por que, então, não

poderia concluir psicologicamente de minha experiência que o


mundo não existe? Em outras palavras, nada impedeque à minha
experiência psicológica corresponda algo real, ou seja, no caso, que
ao desejo de Deus corresponda ou, pelo menos, possa corresponder
a realidade ontológica de Deus. Até se poderia objetar:
não é seu ateísmo, ele própriofilho do desejo, uma projeção
ilusória? É claro que pelo fato de ainda não se ter
demonstrado a existência de Deus com a razão instrumental não
se pode concluir simplesmente sua não-exis-tência. Desta forma
a fundamentação psicológica do ateísmo também não passa
de simples postulado. Feuerbach defendeu o ateísmo mais
intuitivamente, ou seja, sem fundamentá-lo crítica e
cientificamente. Apesar disso constituiu-se numa provocação permanente,
num desafio. É ateu consciente. Seu ateísmo é refletido,
decidido e programático. Permaneceu no campo da antropologia
para acabar com a religião. Entretanto seu contemporâneo Max
Stimer, como K. Marx e F. Engels,todos seus amigos e
admiradores, cedo o acusaram de exercerum culto religioso à
natureza universal do homem. O compêndio da crítica da
religião de Feuerbach é que “o homem deve ser
o supremo para o homem”. Mas que homem é o
supremo para o homem? Como defini-lo? Qual é a
medidado homem e de acordo com que imagem é
definido? Não pode esta exaltação da humanidade conduzir a
novos esvaziamentos do própriohomem? O que justifica esperar
o homem futuro como justo, amoroso e bondoso? Se
Feuerbach designa a religião como ilusão infantil, que
o homem moderno já venceu há muito tempo, tal posição
logo relembra A. Comte com sua periodização da história.
O pai do positivismo francês, em sua teoria dos três
estádios, afirma, com Feuerbach, que na época da ciência,
a religião apenas representa compreensão do mundo muito
primitiva e mitológica. Ora, em vista desta colocação pode
argüir-se se a relação entre religião, filosofia e ciência
realmente é de sucessão, ou antes caminham lado a
lado demaneira simultânea. Neste último caso, a história não
superaria a religião, mas como estrutura interna apenas significaria
a mudança da consciência religiosa. Nas suas afirmações sobre o
cristianismo, Feuerbach ignora totalmente as afirmações sobre a
alteridade de Deus que, por isso, não se sujeita

simplesmente ao esquema da projeção do desejo. Ignora também


que a teologia sempre acentuou que, em seu discurso
analógico sobre Deus, há mais diferenças que semelhanças. Mas,
nem por isso, deve-se menosprezar a crítica que faz da
religião e do cristianismo. Apesar das unilateralidades, propõe
problemas ainda não resolvidos. Assim, por exemplo, ainda que
alguémrejeite o sensismo e a finitização da teologia
filosófica de Hegel, não poderá negar que a posição feuerbachiana,
na vida prática,se tomou comum para grande parte da humanidade
ocidental de hoje, aderindo à fé neste mundo. O
que significa que o homem hoje não mais se experimenta
a si num mundo divinizado, mas totalmente hominizado? A
falta de experiência religiosa significa ausência total de Deus
ou pode intuir-se uma orientação na qual dever-se-ia
procurar o lugar no qual Deus se tomasse outra vez visível
como Deus do futuro? Seria talvez a comunidade? Como se poderá
falar de Deus num mundo secularizado? Poderá o anúncio da
fé hoje pressupor que a necessidade religiosa representa uma
estrutura humana fundamental? Poder-se-á eliminar o dualismo
Deus e mundo, aquém e além, como subjaz em muitas
concepções da fé, sem perder a causa de Deus? Feuerbach morreu
com 68 anos de idade. Mas as questões por ele formuladas
perduram e não mais devem ser ignoradas. Seu drama é
também o drama do homem contemporâneo que
simultaneamente rejeita Deus e aceita o divino. Substitui-se a
“religião de Deus” pela “religião do homem”. Devemos
reconhecer que, por um lado, teólogos e igrejas muitas vezes
defendem Deus contra os homens, o além contra o aqui.
A religião histórica muitas vezes defendeu Deus às custas da
humanidade, o ser cristão às custas do ser homem. Na
história do cristianismo muitas vezes Deus foi fabricado de
acordo com os anseiose as necessidades ou finalidades do
momento, criando Deus à sua imagem e semelhança. Muitas
vezes a Igreja católica também usou de Deus para cuidar dos
próprios interesses. Por isso, sob alguns aspectos, a crítica
de Feuerbach é pertinente enquanto se refere a
manifestações históricas do cristianismo. Por outro lado, através da crítica
de Feuerbach mostra-se que o discurso sobre Deus não pode
ser o da superação da oposição entre Deus e mundo
num movimento dialético do espírito. Tal possibilita não só
o panteísmo como também o ateísmo. Onde se
interpreta mal a Deus também há o

perigo de interpretar mal o homem. A questão é até


que ponto Feuerbach tematiza o homem real. Tomou-se o
pai do ateísmo moderno. Sua influência passa, através de
K Marx, F. Engels,M. Stimer a F. W. Nietzsche até
concepções imanentistas do homem nas filosofias contemporâneas.
Na idéia de que o homem só é homem na
relação com o tu anunciam-se, outrossim, motivos das filosofias
da existência e do personalismo contemporâneos. Entretanto, para
afirmaro homem, não é preciso negar a Deus, pois, na
verdade, é impossível ser amigo de Deus sem sê-lo dos
homens.

Bibliografia

FEUERBACH, Ludwig, A essência do cristianismo, Campinas,


Papiros, 1988.
_. A essência da religião, Campinas, Papiros, 1989.

_, Princípios da filosofia do futuro, Lisboa,Edições 70, 1988.

FORMENT, Eudaldo, El problema de Diós en la metafísica,


Barcelona, Promociones Publicaciones Universitárias, 1986.

KÜNG. Hans, Existiert Gott1 Munique, R. Piper, 1978.

OLIVEIRA Manfredo Araújo de, Filosofia transcendental e religião,


S. Paulo, Loyola, 1985.

UKDANOZ, Teofilo, História da filosofia, V. 5. Madri. B.A.C.


1975.

WEGNER, Karl-Heinz, la crítica religiosa en los tres últimos


siglos, Barcelona, Herder, 1986.

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