A Biblioteca Comunitaria Com Agente de Inclusão
A Biblioteca Comunitaria Com Agente de Inclusão
A Biblioteca Comunitaria Com Agente de Inclusão
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Geraldo Moreira Prado é graduado em história pela Universidade
de São Paulo (USP), mestre e Ph.D em ciências sociais aplicadas
(Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) pela Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); pesquisador do CNPq
e do IBICT e professor de Metodologia das Ciências Sociais,
Epistemologia e História da Ciência do Programa de Pós-Graduação
(mestrado e doutorado) em Ciência da Informação (convênio IBICT/
MCT-UFRJ). Professor palestrante (2007) do Centro de Estudos
Culturais da Embaixada Brasileira/Univerdidad San André - Buenos
Aires, Argentina. Nos últimos anos vem realizando estudos e pesquisa
sobre bibliotecas comunitárias e popularização da C&T no Brasil. Tem
vários trabalhos (comunicação em congressos, palestras, capítulos de
livros e artigos científicos) publicados no Brasil e no exterior.
importância da leitura como meio de informação fenômeno do baixo índice de leitura no Brasil esteja
e de conscientização, conforme podemos observar relacionado com o problema exposto anteriormente.
nas duas estrofes que vêm a seguir: É comum ver pessoas físicas ou jurídicas, públicas
A primeira estrofe: refrão da letra “Rimar para a ou privadas, que, por desconhecer a importância
Prevenção” de Tito e Akin. Núcleo Cultural Força não apenas da leitura, mas da organização social
Ativa/Biblioteca Comunitária Solano Trindade: autônoma para a formação do cidadão, pouca
relevância dão a iniciativas como as relatadas.
Cada fio do meu cabelo é um livro que já li Essas pessoas tampouco estão preocupadas com
Para agir tem que falar a inclusão/social e se utilizam de um discurso
Para falar tem que ouvir fundamentado no argumento da não cientificidade
Para ouvir tem que ler desse tipo de organização social. Procuram justificar
Para ler tem que agir. seus argumentos em relação ao ‘baixo’ nível de leitura
A segunda estrofe: trecho da letra “Vamos ler um da população brasileira lançando mão, inclusive, de
livro” de Betinho. Núcleo Cultural Força Ativa/ matérias publicadas na mídia internacional sobre
Biblioteca Comunitária Solano Trindade: a “aversão dos brasileiros aos livros”11 e que o
brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano12.
Milhares de livros estão ao seu alcance
Mas você não quer saber DO LADO DO SUJEITO UM ENIGMA A
Sua ideia é fraca a todo instante DECIFRAR: O PROBLEMA DA LEITURA
Você só fala besteira NO BRASIL
Não tem autoestima, meu irmão
Procure ler um livro, a fonte de informação. Se formos analisar detalhadamente quem está
mais preocupado em mostrar os dados anteriores,
Outro aspecto – este provocado pela emoção facilmente se chega à conclusão que são o alto escalão
que pode levar a pessoa a reagir, às vezes, até do Poder Executivo brasileiro e, principalmente os
irracionalmente – foi a sensação que tive ao assistir à representantes de várias entidades representantes do
matéria do Jornal Nacional de 26/04/20089, sobre a mercado editorial13. A partir dessa constatação, acho
Biblioteca Comunitária em São José do Paiaiá - Nova que chegou a hora de pensar em decifrar o enigma
Soure, Bahia. Naquela reportagem se percebe nas que compõe o título deste item, formulando uma
falas e nas expressões das pessoas entrevistadas – questão para ser refletida/discutida pelos possíveis
tanto as crianças quanto os adultos – que ao fazerem leitores deste ensaio. Será que é o brasileiro que lê
a leitura de um livro se sentem como se estivessem pouco ou é o comércio de livros que está vendendo
fazendo, parafraseando Guimarães Rosa “uma muito pouco?
viagem inventada no feliz”.
Seria muito fácil sanar um problema estrutural,
Não podemos, como diz o ditado, ‘tapar o sol se houvesse apenas uma questão como a que foi
com a peneira’, pois é notório que o índice de colocada anteriormente para resolver. A leitura no
analfabetismo dos brasileiros historicamente foi e Brasil tem inúmeros outros fatores já discutidos e
continua sendo, segundo o IBGE (2005)10 de 11,1, o não resolvidos em milhares de estudos; logo, fica
que é ainda muito alto para um país como o Brasil, impossível de todos eles serem abordados aqui,
com o padrão de desenvolvimento econômico e a mas dois deles são bastante polêmicos e devem ser
postura internacional que vem assumindo na última
década. Certamente o enigma a decifrar sobre o 11
Leitura no Brasil é uma “vergonha”, diz “The Economist”.
Disponível em http://biblio.crube.net/?p=950.
12
Retratos da Leitura do Brasil. Disponível em:
9
Ver http://www.youtube.com/watch?v=auhkbvpezHU http://www.cultura.gov.br/site/2008/05/28/pesquisa-retratos-da-leitura-
10
Analfabetismo no Brasil. Disponível em: http://www.afrobras. org.br/ no-brasil/
index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=3122 13
idem.
González de Gómez (1990; 118), a “informação pólo a outro. Sob este ponto de vista, a informação
só se completa num contexto de ação que lhe é seria algo, uma “coisa”, quantificável e diretamente
externo e tem seus próprios ´jogos´ de linguagem correlacionada ao seu tratamento e aos seus
e representação com os quais constrói suas próprias processamentos documentais. Em contrapartida,
dinâmicas de informação”. A transferência da percebe-se também a tentativa de alargar a
informação não existe sem estar no centro das ações concepção de fisicalidade da informação imergindo
dos sujeitos sociais, que certamente manifestarão nas relações sociais pessoais, de grupos, comunidade
as suas emoções no processo da construção e e da sociedade em geral.
da transmissão do conhecimento sobre os mais
diferentes fenômenos do seu cotidiano, e não É sabido que a leitura, na forma como propõe
simplesmente sobre o domínio de uma ferramenta Paulo Freire, considera a linguagem humana
tecnológica, embora isto também seja importante. como o principal signo da ação comunicativa. E
talvez seja por isto que ela esteja ao mesmo tempo
passando pelo processo mais acelerado de mudança
CONSIDERAÇÕES FINAIS e contribuindo pelo também acelerado processo de
Cupani (2004; 505), estudando os impactos da mudança da sociedade brasileira em sua totalidade.
tecnologia no mundo atual, diz que ela “promete- Assim, uma instituição com tais características
nos alívio de tarefas penosas, esperança de termos pode ser – e é de fato – o local para refletir sobre,
uma relação mais rica com o mundo graças à por exemplo, o fenômeno do desenraizamento
afluência de dispositivos”. Cupani continua dizendo cultural brasileiro provocado por vários motivos,
que “tudo isso vai acompanhado de sentimentos inclusive pelo desenvolvimento tecnológico, como
de perda, de pena e uma espécie de traição (a outro a migração, que vai provocar sérios problemas de
tipo de vida), pois as realizações que representavam desestruturação no seio da organização social do
libertação “parecem ser contínuas com a procura de indivíduo, ou seja, da família.
frívola comodidade”. E quem são esses indivíduos que vão sofrer
O estudo de Cupani reforça a tese de que a biblioteca as conseqüências desse desenraizamento? São
como território de memória é o lócus ideal para o exatamente os inúmeros josés, joãos, geraldos,
indivíduo apreender as informações necessárias à severinos, robsons, sinhás vitórias, mariazinhas,
formação da sua consciência cidadã. Para Cuponi, anas, joaquins e joaquinas e muitos outros atores
são as ações dos homens e não os instrumentos anônimos que historicamente se movimentaram
tecnológicos (incluem-se aqui a transferência de cotidianamente no seu território ou em ‘inter
informação) que irão definir a orientação que o e intraterritórios’ circunvizinhos, em uma
cidadão deve tomar. Porque esses instrumentos, temporalidade que está mais para o presente do que
quando selecionados pelo próprio cidadão, vão para o passado. Com a modernização tecnológica,
lhe facultar um nível de inclusão/integração social esses atores passaram a se movimentar em fluxos
sustentável, autônoma e não forjada por ingerências migratórios mais constantes, tomando rumos
de ações imperativas externas. distintos – um exemplo prático disto é própria vida
do autor deste ensaio – em busca de outros mundos
Ribeiro e Prado (2006) dizem que se pode observar do trabalho, sendo que parte deles voltava e continua
que existe uma disposição tácita de observar a voltando aos seus locais de origem com alguns
transferência da informação como quem observa dos seus hábitos e/ou comportamentos culturais
o deslocamento de uma substância física de um relativamente modificados.