A Biblioteca Comunitaria Com Agente de Inclusão

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OPINION PAPER

A biblioteca comunitária como agente de inclusão/


integração do cidadão na sociedade da informação

Geraldo Moreira Prado1 The community library as an agent of


Professor da Pós-Graduação em Ciência da Informação (Conv. inclusion/integration of the citizen into
CNPq/IBICT-UFRJ/ECO).
Historiador, Ms e doutorando em Ciência (Desenvolvimento Agrí-
information society
cola) pelo CPDA/UFRRJ.
E-mail: [email protected] Abstract
This essay aims to discuss the meaning of the discourse
Resumo of community library as an area of memory in the process
of inclusion/integration of Information Society, making a
Este ensaio tem como objetivo discutir o sentido do brief counterpoint to the sense of previous speech about
discurso da biblioteca comunitária como território de the concept of social marginality. Generally attention
memória no processo de inclusão/integração social da is called to the temporality of the subject studied in the
sociedade da informação, fazendo breve contraponto com context of Library and Information Science. The reading
o sentido do discurso de tempos atrás sobre o conceito issue undoubtedly plays a basic strategic role in the
de marginalidade social. Em linhas gerais chama atenção model community library that permeates throughout the
para a temporalidade do tema estudado no âmbito da essay. The text raises important questions on aspects of
biblioteconomia e da ciência da informação. A questão da modernity, such as national surveys of books and reading,
leitura desempenha sem dúvida uma função estratégica the social non- commitment of some segments of Brazilian
básica no modelo de biblioteca comunitária que permeia society and outlines the impact of technology on human
todo o ensaio. O texto levanta e/ou questiona aspectos life.
importantes da modernidade, tais como as pesquisas
nacionais do livro e da leitura, o não compromisso social Keywords
de alguns segmentos da sociedade brasileira e em linhas
gerais o impacto da tecnologia sobre a vida humana. Community library. Social inclusion. Information society.
Reading. Cultural policy. Territory of memory.
Palavras-chave

Biblioteca comunitária. Inclusão social. Sociedade


da informação. Leitura. Política cultural. Território de
memória.

1
Geraldo Moreira Prado é graduado em história pela Universidade
de São Paulo (USP), mestre e Ph.D em ciências sociais aplicadas
(Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) pela Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); pesquisador do CNPq
e do IBICT e professor de Metodologia das Ciências Sociais,
Epistemologia e História da Ciência do Programa de Pós-Graduação
(mestrado e doutorado) em Ciência da Informação (convênio IBICT/
MCT-UFRJ). Professor palestrante (2007) do Centro de Estudos
Culturais da Embaixada Brasileira/Univerdidad San André - Buenos
Aires, Argentina. Nos últimos anos vem realizando estudos e pesquisa
sobre bibliotecas comunitárias e popularização da C&T no Brasil. Tem
vários trabalhos (comunicação em congressos, palestras, capítulos de
livros e artigos científicos) publicados no Brasil e no exterior.

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Geraldo Moreira Prado

INTRODUÇÃO Se, de certo ângulo, continuam os autores,


“podemos dizer que essa flexibilidade e reconstrução
A imaginação não é inventar as diversas permanente são ricas, pois estão sempre criando
contrariedades que têm naturalmente novos sentidos para a vida e para as relações sociais,
no coração de cada pessoa. por outro lado, muitas vezes causam problemas
La Rochefoucauld, Máximas, 478 sérios de sentido e compreensão do mundo”.

Partindo do epígrafe acima, o objetivo deste estudo O DISCURSO FUNDADOR DA BIBLIOTECA


não é inventar as diversas contrariedades que têm COMUNITÁRIA COMO TERRITÓRIO DE
naturalmente o objeto do ensaio, mas analisar MEMÓRIA
o sentido do discurso da biblioteca comunitária Diferente da problemática anteriormente citada é o
na contemporaneidade do discurso sobre a sentido do discurso fundador sobre o compromisso
problemática da inclusão/integração do cidadão na social da biblioteca comunitária como território de
sociedade da informação. Explicação do objetivo: no memória no âmbito da biblioteconomia e da ciência
desenvolvimento do texto, pretende-se discutir qual da informação. A justificativa de classificá-lo aqui
é o verdadeiro papel que a biblioteca comunitária de discurso fundador é por considerar o aspecto
exerce no processo da inclusão/integração social lingüístico e a historicidade como constituintes de um
no Brasil. tipo do objeto estudado (a biblioteca comunitária)
Mas antes de entrar no âmbito da discussão do tema que começou a ser discutido no cenário nacional
central, deve-se anunciar que o sentido do discurso a partir do VII Enancib realizado em Marília-
sobre a problemática da inclusão/integração do SP, em 2006 2. Dando continuidade à análise
cidadão na sociedade da informação que vem sendo deste objeto, surgiram outros estudos, como
utilizado no campo da política social brasileira como projetos de pesquisa3, tese de doutorado4, capítulo
novo na realidade não o é. E por que continuar de livro,5 artigos em revistas,6 comunicações e
escrevendo sobre um assunto que só é novo na 2
RIBEIRO, Diego Lemos e PRADO, Geraldo Moreira. O Cenário da
aparência, depois de tanta gente já ter escrito sobre Dinâmica Pragmática da Informação. A comunicação tomou como
o tema? base a experiência da Biblioteca Comunitária Maria das Neves Prado,
realizada no povoado de São José do Paiaiá -Bahia. In: VII ENANCIB
A resposta à questão é a seguinte: o sentido do - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação. Marília,
SP, 2006. Disponível em:
discurso contemporâneo da inclusão social apresenta http://www.portalppgci.marilia.unesp.br/enancib/viewabstract.
a mesma face do sentido do discurso dominante do php?id=249.
passado cujo fato social (como sinônimo de coersão 3
PRADO, Geraldo Moreira. Pesquisa (concluída) Bibliotecas
Comunitárias no Semi-Árido Brasileiro: Miniterritórios de Memória
social: Durkheim, 2002) em condições impossíveis da Inclusão Sócio-Cultural. Edital 5020/06 de Ciências Humanas
de decifrá-lo, era o sentido do tradicional discurso e Sociais Aplicadas, processo 401677/2007-9. BSB, CNPq, 2007.
sobre a marginalidade social. Mas também não 4
MACHADO, Elisa Campos. Bibliotecas comunitárias como práticas
sociais no Brasil. Tese apresentada à Escola de Comunicação e Arte
podemos deixar de considerar a importância que da USP sob a orientação do Prof. Dr. Waldomiro de Castro Santos
tem a linguagem como “termômetro” das mudanças Vergueiro. São Paulo, 2008. Disponível em: http://www.teses.usp.br/
sociais, nesta relação de aparência entre o discurso teses/disponiveis/27/27151/tde-07012009-172507/
5
PRADO, Geraldo Moreira. Biblioteca comunitária: território de
atual e o passado. memória, informação e conhecimento. In: Desafios do impresso ao
digital: questões contemporâneas de informação e conhecimento.
Prado e Machado (2008) dizem que “à medida Gilda Maria Braga e Lena Vania Ribeiro Pinheiro (Orgs). UESCO/
que a sociedade se transforma, percebemos na IBICT, Brasília, 2009 (a).
linguagem o surgimento de novas expressões que
6
PRADO, Geraldo Moreira. Bibliotecas comunitárias como território
de memória interagindo práticas da aprendizagem e mudanças. In:
vão contribuir com a lingüística e a semiótica para DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.10 n.6 dez/09
acompanhar de forma rigorosa esse fenômeno”. COLUNAS. Disponível em: http://www.datagramazero.org.br/
dez09/F_I_com.htm; (b)

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A biblioteca comunitária como agente de inclusão/integração do cidadão na sociedade da informação

palestras apresentadas em eventos nacionais7 e e Machado (2008), essas bibliotecas “brotam” do


internacionais.8 coração das comunidades periféricas das zonas
rurais e das zonas urbanas do país, num movimento
Nas discussões já referidas, a biblioteca comunitária, engajado de grupos organizados ou de indivíduos
quando considerada território de memória, atua que reúnem esforços no sentido de abrir espaço
como um sujeito ativo que desempenha um papel público para ampliar o acesso à informação, à
fundamental como espaço ideal de leitura, educação, documentação, à leitura, ao livro, ao conhecimento
organização social, cidadania, desenvolvimento e ao debate sociocultural.
sustentável, transferência da informação, linguística/
dialogismo etc., e não como um organismo voltado Essas experiências vêm se ampliando (embora
aos interesses exclusivos de quem a dirige. Porque se ainda timidamente) em todo o país, como
ela for apenas um espaço fechado, deixa de ser uma mostra a Rede Brasil de Bibliotecas Comunitárias
biblioteca comunitária e as suas funções tornam-se (http://rbbconexoes.ning.com/forum/topics/o-
as de uma biblioteca privada cujo dono (mesmo que compromisso-social-da?commentId=4489276%
a gestão seja compartilhada com outras pessoas) a 3AComment%3A1324&xgsource=msg_ com_
gere de acordo com os seus interesses pessoais e/ forum).
ou do grupo ao qual pertence. Entretanto, é comum também encontrar por este país
Ao contrário desse modelo, aquelas ainda poucas afora pessoas físicas e também jurídicas que mantêm
bibliotecas comunitárias existentes no Brasil que as suas bibliotecas (ou depósitos de livros) com as
atuam como território de memória são espaços portas permanentemente fechadas ao público e com
abertos à participação democrática de todos, e o livros, na maioria das vezes, obsoletos, rasgados,
livro e a leitura, além de ter a função do prazer sem capas e jogados desordenadamente por todos
dos seus usuários, são usados, sobretudo, como os lados. Esse tipo de biblioteca não tem nenhuma
suportes informacionais voltados à libertação da serventia nem tampouco compromisso social. Ao
mente humana. Neste sentido, elas são de extrema contrário, ela representa um falso discurso e uma
importância porque estão criando as condições falsa praxidade do trabalho social materializado na
essenciais para trazer segmentos sociais que estão promoção da pessoa (física ou jurídica), e a negação
fora do processo produtivo moderno a se integrarem da função da biblioteca comunitária como agente
nas discussões sobre o que eles representam no de inclusão/integração social.
processo das mudanças sociais no contexto da
sociedade da informação no país. Segundo Prado “UMA VIAGEM INVENTADA NO FELIZ”
Algumas experiências existentes no país já podem
7
PRADO, Geraldo Moreira e MACHADO, Elisa Campos. Território ser enquadradas no modelo aqui preconizado de
de memória: fundamento para a caracterização da biblioteca
comunitária. In: IX ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa
biblioteca comunitária como território de memória
em Ciência da Informação. São Paulo, SP, 2008. Disponível em: comprometida com a inclusão/integração social
http://poseca.incubadora.fapesp.br/portal/eventos/ix-enancib- na sociedade da informação. As experiências que
encontro-nacional-de-pesquisa-em-ciencia-da-infor macao;
MACHADO, Elisa Campos. Bibliotecas comunitárias como prática
mais me chamaram atenção foram as leituras feitas
social no Brasil. X ENANCIB, João Pessoa, PB, 2009 e PRADO, na perspectiva de compreensão/interpretação
Geraldo Moreira (Palestra). O Compromisso Social da Biblioteca dos problemas que a comunidade enfrenta no seu
Comunitária como Território de Memória. X ENANCIB. João
Pessoa, Pb., 2009 (c). Disponíveis em: http://dci.ccsa.ufpb.br/
cotidiano, e o exemplo mais significativo até então
xenancib/arquivos/oral_gt3.pdf ; identificado é o do grupo de hip hop “Força Ativa”
8
PRADO, Geraldo Moreira. Les bibliothèques communautaires da Biblioteca Comunitária Solono Trindade no
brésiliennes, carrefours de la mémoire et de l´apprentissage.Texto
selecionado para participar do 17eme congrés de la Societée francaise
bairro Cidade Tiradentes, periferia da cidade de
des sciences de l’information et de la communication. Dijon, 23 26 São Paulo. Em todas as letras das músicas desse
juin 2010. grupo faz-se um alerta à comunidade sobre a

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Geraldo Moreira Prado

importância da leitura como meio de informação fenômeno do baixo índice de leitura no Brasil esteja
e de conscientização, conforme podemos observar relacionado com o problema exposto anteriormente.
nas duas estrofes que vêm a seguir: É comum ver pessoas físicas ou jurídicas, públicas
A primeira estrofe: refrão da letra “Rimar para a ou privadas, que, por desconhecer a importância
Prevenção” de Tito e Akin. Núcleo Cultural Força não apenas da leitura, mas da organização social
Ativa/Biblioteca Comunitária Solano Trindade: autônoma para a formação do cidadão, pouca
relevância dão a iniciativas como as relatadas.
Cada fio do meu cabelo é um livro que já li Essas pessoas tampouco estão preocupadas com
Para agir tem que falar a inclusão/social e se utilizam de um discurso
Para falar tem que ouvir fundamentado no argumento da não cientificidade
Para ouvir tem que ler desse tipo de organização social. Procuram justificar
Para ler tem que agir. seus argumentos em relação ao ‘baixo’ nível de leitura
A segunda estrofe: trecho da letra “Vamos ler um da população brasileira lançando mão, inclusive, de
livro” de Betinho. Núcleo Cultural Força Ativa/ matérias publicadas na mídia internacional sobre
Biblioteca Comunitária Solano Trindade: a “aversão dos brasileiros aos livros”11 e que o
brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano12.
Milhares de livros estão ao seu alcance
Mas você não quer saber DO LADO DO SUJEITO UM ENIGMA A
Sua ideia é fraca a todo instante DECIFRAR: O PROBLEMA DA LEITURA
Você só fala besteira NO BRASIL
Não tem autoestima, meu irmão
Procure ler um livro, a fonte de informação. Se formos analisar detalhadamente quem está
mais preocupado em mostrar os dados anteriores,
Outro aspecto – este provocado pela emoção facilmente se chega à conclusão que são o alto escalão
que pode levar a pessoa a reagir, às vezes, até do Poder Executivo brasileiro e, principalmente os
irracionalmente – foi a sensação que tive ao assistir à representantes de várias entidades representantes do
matéria do Jornal Nacional de 26/04/20089, sobre a mercado editorial13. A partir dessa constatação, acho
Biblioteca Comunitária em São José do Paiaiá - Nova que chegou a hora de pensar em decifrar o enigma
Soure, Bahia. Naquela reportagem se percebe nas que compõe o título deste item, formulando uma
falas e nas expressões das pessoas entrevistadas – questão para ser refletida/discutida pelos possíveis
tanto as crianças quanto os adultos – que ao fazerem leitores deste ensaio. Será que é o brasileiro que lê
a leitura de um livro se sentem como se estivessem pouco ou é o comércio de livros que está vendendo
fazendo, parafraseando Guimarães Rosa “uma muito pouco?
viagem inventada no feliz”.
Seria muito fácil sanar um problema estrutural,
Não podemos, como diz o ditado, ‘tapar o sol se houvesse apenas uma questão como a que foi
com a peneira’, pois é notório que o índice de colocada anteriormente para resolver. A leitura no
analfabetismo dos brasileiros historicamente foi e Brasil tem inúmeros outros fatores já discutidos e
continua sendo, segundo o IBGE (2005)10 de 11,1, o não resolvidos em milhares de estudos; logo, fica
que é ainda muito alto para um país como o Brasil, impossível de todos eles serem abordados aqui,
com o padrão de desenvolvimento econômico e a mas dois deles são bastante polêmicos e devem ser
postura internacional que vem assumindo na última
década. Certamente o enigma a decifrar sobre o 11
Leitura no Brasil é uma “vergonha”, diz “The Economist”.
Disponível em http://biblio.crube.net/?p=950.
12
Retratos da Leitura do Brasil. Disponível em:
9
Ver http://www.youtube.com/watch?v=auhkbvpezHU http://www.cultura.gov.br/site/2008/05/28/pesquisa-retratos-da-leitura-
10
Analfabetismo no Brasil. Disponível em: http://www.afrobras. org.br/ no-brasil/
index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=3122 13
idem.

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A biblioteca comunitária como agente de inclusão/integração do cidadão na sociedade da informação

ressaltados: a) os conceitos de letramento e de leitura Mas digamos: se a biblioteca comunitária, no


e; b) as diferentes argumentações sobre a leitura molde aqui defendido, fosse apenas um lugar de
a partir do advento do computador nas escolas. leitura e de simples transferência mecânica de
Quanto à questão “a”, a polêmica é de ordem informação não seria algo simples, porque ela é
essencialmente teórica e se refere aos conceitos de composta de livros que são produtos não apenas
letramento e de leitura. E onde está a diferença entre da força de trabalho, mas também da inteligência
letramento e leitura? De acordo com as definições humana. E porque um livro também não é fácil de
dos dicionaristas, letramento é a representação ser produzido, pois além de incorporar seu lado
da linguagem falada por meio de sinais, ou seja, a mercadológico, incorpora as características de ser o
escrita. registro de todos os conhecimentos que regeram a
vida humana e, dependendo da forma como é lido
A leitura, segundo Saussurre (1945) é a face do signo pelo seu usuário, contribui para o desenvolvimento
lingüístico que corresponde ao conceito ou a aquilo da sua inteligência.
que está sendo dito: a interpretação do significante,
impressão psíquica do texto lido. Por exemplo, a Neste sentido, a produção de um livro tem faces
palavra ‘desenraizado’ significa arrancar o mato da distintas: as já descritas e a do fetiche de qualquer
terra, tirar as pessoas do seu lugar de origem, ou seja, outra mercadoria, produto da divisão social do
migrar, retirar, sair sem destino certo por diferentes trabalho, como estudado por Adam Smith em
motivos, que podem ser sociais (problema da A Riqueza das Nações e aperfeiçoado por Marx
miséria), políticos, culturais ou mesmo individuais. em O Capital. Marx (1972) reforça a tese do seu
No caso da polêmica sobre a questão “b”, a polêmica antecessor sobre o fetiche da mercadoria, ao dizer
está no fato de se tratar de um fenômeno ainda que numa primeira aproximação ela “apareceu-
em construção nas ciências pedagógicas e sociais nos sob um duplo aspecto: valor-de-uso e valor-
brasileiras, ou seja, o uso do computador como de-troca”. A partir dessa relação aparentemente
suporte de leitura. simples, continua Marx, “todas as características que
qualificam o trabalho enquanto produtor de valores-
Fica difícil, de fato, questionar tal importância, de-uso desaparecem quando ele se exprime no valor
mas as polêmicas, às vezes fundamentadas em propriamente dito”, isto é, quando entra no mundo
metodologias científicas, continuam existindo. da circulação da mercadoria, porque é exatamente
Existem correntes que aplicam a prática pedagógica aí que todo e qualquer produto derivado da força
do uso do computador na sala de aula e afirmam que do trabalho humano adquire o seu valor de troca.
o seu uso “permite que o aluno, através da máquina,
desenvolva o aprendizado do word 97 e internet, Mesmo considerando que, na perspectiva do
tornando-se, ao mesmo tempo, melhor qualificado capitalismo neoliberal, tanto o livro que continua
para o trabalho”(Bavo, 2002). Este é outro problema com a sua função histórica de ser o principal
sério que me obriga levantar outra questão para suporte de valorização da palavra, do discurso e
os meus hipotéticos leitores refletirem. O fato da informação sobre os conhecimentos referidos,
de o indivíduo estar qualificado para o trabalho e quanto a transferência da informação incorporam
dominar todas as ferramentas modernas da Web o as suas funções de valor de troca, de mercadoria
faz ser um cidadão consciente e “engajado” com igual a qualquer outra.
a filosofia da leitura, nos moldes defendidos pelos
grupos que atuam nas organizações de bibliotecas Já na biblioteca comunitária como território de
comunitárias como território de memória? Suaiden memória, estas funções desaparecem, porque o
(2006), por exemplo, argumenta que o simples fato livro e a transferência da informação estarão a
do computador na sala de aula não leva o usuário a serviço da inclusão, melhor dizendo, da integração
ter um crescimento do acesso à informação. social autônoma na sociedade da informação. Por
que isto? Porque neste ambiente, como mostra

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Geraldo Moreira Prado

González de Gómez (1990; 118), a “informação pólo a outro. Sob este ponto de vista, a informação
só se completa num contexto de ação que lhe é seria algo, uma “coisa”, quantificável e diretamente
externo e tem seus próprios ´jogos´ de linguagem correlacionada ao seu tratamento e aos seus
e representação com os quais constrói suas próprias processamentos documentais. Em contrapartida,
dinâmicas de informação”. A transferência da percebe-se também a tentativa de alargar a
informação não existe sem estar no centro das ações concepção de fisicalidade da informação imergindo
dos sujeitos sociais, que certamente manifestarão nas relações sociais pessoais, de grupos, comunidade
as suas emoções no processo da construção e e da sociedade em geral.
da transmissão do conhecimento sobre os mais
diferentes fenômenos do seu cotidiano, e não É sabido que a leitura, na forma como propõe
simplesmente sobre o domínio de uma ferramenta Paulo Freire, considera a linguagem humana
tecnológica, embora isto também seja importante. como o principal signo da ação comunicativa. E
talvez seja por isto que ela esteja ao mesmo tempo
passando pelo processo mais acelerado de mudança
CONSIDERAÇÕES FINAIS e contribuindo pelo também acelerado processo de
Cupani (2004; 505), estudando os impactos da mudança da sociedade brasileira em sua totalidade.
tecnologia no mundo atual, diz que ela “promete- Assim, uma instituição com tais características
nos alívio de tarefas penosas, esperança de termos pode ser – e é de fato – o local para refletir sobre,
uma relação mais rica com o mundo graças à por exemplo, o fenômeno do desenraizamento
afluência de dispositivos”. Cupani continua dizendo cultural brasileiro provocado por vários motivos,
que “tudo isso vai acompanhado de sentimentos inclusive pelo desenvolvimento tecnológico, como
de perda, de pena e uma espécie de traição (a outro a migração, que vai provocar sérios problemas de
tipo de vida), pois as realizações que representavam desestruturação no seio da organização social do
libertação “parecem ser contínuas com a procura de indivíduo, ou seja, da família.
frívola comodidade”. E quem são esses indivíduos que vão sofrer
O estudo de Cupani reforça a tese de que a biblioteca as conseqüências desse desenraizamento? São
como território de memória é o lócus ideal para o exatamente os inúmeros josés, joãos, geraldos,
indivíduo apreender as informações necessárias à severinos, robsons, sinhás vitórias, mariazinhas,
formação da sua consciência cidadã. Para Cuponi, anas, joaquins e joaquinas e muitos outros atores
são as ações dos homens e não os instrumentos anônimos que historicamente se movimentaram
tecnológicos (incluem-se aqui a transferência de cotidianamente no seu território ou em ‘inter
informação) que irão definir a orientação que o e intraterritórios’ circunvizinhos, em uma
cidadão deve tomar. Porque esses instrumentos, temporalidade que está mais para o presente do que
quando selecionados pelo próprio cidadão, vão para o passado. Com a modernização tecnológica,
lhe facultar um nível de inclusão/integração social esses atores passaram a se movimentar em fluxos
sustentável, autônoma e não forjada por ingerências migratórios mais constantes, tomando rumos
de ações imperativas externas. distintos – um exemplo prático disto é própria vida
do autor deste ensaio – em busca de outros mundos
Ribeiro e Prado (2006) dizem que se pode observar do trabalho, sendo que parte deles voltava e continua
que existe uma disposição tácita de observar a voltando aos seus locais de origem com alguns
transferência da informação como quem observa dos seus hábitos e/ou comportamentos culturais
o deslocamento de uma substância física de um relativamente modificados.

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A biblioteca comunitária como agente de inclusão/integração do cidadão na sociedade da informação

REFERÊNCIAS PRADO, Geraldo Moreira; MACHADO, Elisa Campos. Território de


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