Introdução Aos Processos Educacionais e Prática Pedagógica
Introdução Aos Processos Educacionais e Prática Pedagógica
Introdução Aos Processos Educacionais e Prática Pedagógica
PROCESSOS
EDUCACIONAIS E
PRÁTICA
PEDAGÓGICA
Saberes e práticas
inerentes à
educação física
escolar
Beatriz Paulo Biedrzycki
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
O planejamento é um dos principais elementos da prática docente, visto que
busca organizar e determinar objetivo e caminhos metodológicos a serem se-
guidos. Para ser efetivo, não pode ser rígido ou fixar-se em esferas unicamente
burocráticas. De fato, trata-se de um movimento contínuo e metamórfico, que, a
partir das avaliações, adéqua-se à realidade em que o professor e os estudantes
estão inseridos. Assim, o planejamento é parte importante da prática docente
do componente curricular da educação física, apoiando a definição de objetivos
e intencionalidades pedagógicas de cada uma das ações da aula com o intuito de
se escolher o melhor caminho metodológico para que isso aconteça.
Neste capítulo, vamos falar da importância do planejamento para a prática
docente da educação física escolar. Para isso, serão identificadas as diferentes
2 Saberes e práticas inerentes à educação física escolar
[...] desta forma, pode ser uma programação realizada pelo professor cotidiana-
mente, constantemente avaliado como processo, e não somente em reuniões e
períodos previamente estabelecidos para tal. É baseado na relação entre a teoria
e a sua prática em um contexto determinado, que se objetiva a concretização dos
princípios e objetivos já elaborados pela instituição escolar, existentes em seu
projeto político-pedagógico.
Abordagens metodológicas
da educação física
Ao pensarmos que o planejamento é inerente à prática profissional do profes-
sor e compreendermos que esse fenômeno também ocupa o tempo e o espaço
do professor de educação física, é natural considerarmos o componente
curricular com o mesmo nível de importância e significado para a construção
do sujeito. Dessa forma, é necessário olhar para o passado e para a evolução
da disciplina de educação física escolar.
A história da educação física escolar passa a ser contada a partir de 1930,
quando tinha uma abordagem muito mais técnica, pautada na construção e
educação dos corpos para a performance. Por muitos anos, essa perspectiva
deixou em segundo plano muitas discussões e construções sociais e culturais
da educação física na escola, que acabava alheia à forma de trabalhar do
restante da escola e isolada no ginásio/quadra (DARIDO, 2001). Porém, em
1992, o livro Metodologia do ensino da educação física, escrito por um coletivo
de autores, movimentou sobremaneira a forma de entender e fazer educação
física na escola, gerando alguns sentimentos de estranhamento por conta
das mudanças importantes que trouxe para o ensino da educação física.
Seis anos mais tarde, em 1998, foram divulgados os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) que norteavam a educação brasileira. Esse documento foi um
marco no ensino da educação física (e no ensino em geral), pois apresentava
conceitos e perspectivas que serviram de inspiração para os documentos
norteadores mais atuais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A BNCC é pautada em uma educação física cultural, com o foco na vivência,
na fruição e no entendimento dos conceitos e da representatividade das
práticas corporais, opondo-se à ideia do movimento pelo movimento ou da
exclusividade da prática esportiva voltada para a performance.
Dado esse breve panorama sobre a história da educação física na escola,
a seguir, as diferentes metodologias (como fazer) para o ensino da educação
física escolar são detalhadamente descritas.
6 Saberes e práticas inerentes à educação física escolar
Abordagem desenvolvimentista
Essa abordagem é direcionada para crianças entre quatro e 14 anos e busca,
nos processos de aprendizagem e desenvolvimento humanos, uma funda-
mentação para a educação física escolar. É, assim, pautada na caracterização
e na progressão normal do crescimento físico, do desenvolvimento motor,
cognitivo e afetivo-social, baseando-se nos conceitos e conhecimentos da
aprendizagem motora. A abordagem desenvolvimentista, portanto, toma
o movimento motor como o objetivo principal e final da educação física,
priorizando o desenvolvimento motor previsto para a idade, o que, de certa
forma, contribui para o processo de alfabetização (DARIDO, 2001).
Tani (2008) afirma que essa abordagem foi elaborada pensando em apre-
sentar maneiras de desenvolver a educação física escolar com base em uma
metodologia científica, pautada em evidências de uma área específica: a do
comportamento motor (que envolve o desenvolvimento, a aprendizagem e
o controle motor). Isso porque se acreditava que compreender o movimento
motor dos estudantes era imprescindível “[...] para compreender crianças
em movimento, diagnosticar suas capacidades e definir linhas de ação em
programas de atividades motoras com fins educacionais” (TANI, 2008, p. 313),
em uma forma de oposição direta à perspectiva da aptidão física centrada
na prática esportiva.
Abordagem construtivista-interacionista
Surge com maior força no estado de São Paulo, no ano de 1989. Essa opção
metodológica se opunha às linhas mais tradicionais e mecanicistas até então
apresentadas. Essa abordagem integra a educação física com os anos iniciais
do ensino fundamental, buscando, nessa disciplina, um caminho para a
construção do conhecimento cognitivo. Esse cenário pode ser interessante,
mas faz as especificidades do componente curricular ficarem em segundo
plano, pois não há objeto de estudo e objetivos específicos (DARIDO, 2001).
Apoiada nas teorias de Jean Piaget sobre o desenvolvimento da criança e
a forma como ela interage com o meio e seus pares, essa abordagem acredi-
tava que, para obter bons resultados educacionais, o professor necessitava
respeitar as etapas do desenvolvimento da criança, construindo aprendiza-
gens significativas a partir de interações, mas de maneira individual e sem
pressões e comparações (KISS, 2006).
De acordo com Darido (2001), uma característica muito forte dessa abor-
dagem é o emprego de jogos e brincadeiras, uma vez que as relações sociais
Saberes e práticas inerentes à educação física escolar 7
Abordagem crítico-superadora
Essa abordagem defende a ideia de que a educação física é o componente
curricular que aborda os conhecimentos produzidos pelo homem acerca de
sua cultura corporal, realizando um movimento reflexivo pedagógico sobre
as formas como o corpo produz e reproduz a cultura a partir das práticas
corporais. Nesse sentido, existe uma busca pelos valores sociais das práticas
(SOARES, C. L. et al., 1992).
Algumas críticas a essa abordagem incluem a de que pode acabar por
deixar de lado o movimento das aulas de educação física, debruçando-se
demasiadamente em análises conceituais, históricas e sociais. Ao mesmo
tempo, tem uma preocupação com a construção do conhecimento e do pen-
samento crítico, visto que, nas diferentes etapas da educação básica, o
mesmo tema pode ser abordado, ganhando profundidade com o passar dos
anos (DARIDO, 2001).
Abordagem sistêmica
Nessa abordagem, existem influências das áreas da sociologia, da filosofia
e, em menor grau, da psicologia. Ela se define como um sistema hierárquico
aberto, sendo hierárquico porque os poderes maiores (secretarias de edu-
cação) controlam os sistemas menores (escola) e aberto porque está sujeito
às influências da sociedade e vice-versa (DARIDO, 2001). Segundo Betti (1991),
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Abordagem da psicomotricidade
Surgiu em 1970 e tinha, como objetivo, o desenvolvimento biopsicossocial do
estudante, com o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e
psicomotores, buscando uma formação integral do sujeito. Essa abordagem
aborda tantas esferas que extrapola os limites da educação física, além de ser
desenvolvida por outros profissionais, dentro e fora da escola (DARIDO, 2001).
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Abordagem crítico-emancipatória
Busca um rompimento com os modelos tecnicistas e voltados ao esporte,
priorizando uma emancipação do sujeito e pautando-se no diálogo para
confrontar o estudante com a realidade social e educacional em que está
inserido, de forma que ele conheça e se aproprie da própria cultura, tornando-o
autor da própria história (DARIDO, 2001).
Essa abordagem tece muitas críticas a duas outras abordagens: das au-
las abertas e crítico-superadora, afirmando que ambas não contemplavam
estratégias práticas para a implementação das abordagens. Nesse sentido,
essa abordagem busca que o estudante vivencie o objeto estudado, que ele
tenha espaço e tempo para refletir e elaborar seus próprios pensamentos,
impressões e conceitos sobre o conteúdo estudado, utilizando o diálogo para
construir o conhecimento (BIANCHINI, 2015).
Abordagem cultural
Rompe com a perspectiva biológica existente na educação física, entendendo
o movimento humano como prática corporal pertencente a uma cultura que
tem a capacidade de modificar enquanto é modificada. Ela também afirma que
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Danças
Marques (2013) traz uma visão diferente das danças, entendendo-as como
uma forma de superação de limites sociais e físicos. De fato, elas apresentam
uma característica social bastante forte, visto que, de certo modo, estão
relacionadas a diferentes culturas, consistindo em uma maneira usual de
expressá-las. Para atingir seus objetivos de ensino e aprendizagem, então, o
professor pode trabalhar diferentes estilos, recriar coreografias e expressar
livremente os movimentos dos mais diferentes tipos de danças (folclóricas,
de salão, de rua, etc.). Perceba que não existe um ritmo ou um tipo certo ou
melhor, mas aquele que melhor atende às necessidades e intencionalidades
do planejamento.
Conforme já foi explicitado, as danças possuem um grande potencial para
gerar discussões sobre as diferentes culturas que existem no país, suas fes-
tas e comemorações populares. Por exemplo, a dança e suas possibilidades
podem ser utilizadas para estudar a origem de ritmos populares, como o
funk e o sertanejo, buscando compreender o que os tornam tão populares
em uma perspectiva mais crítica.
Outra possibilidade é desenvolver, a partir de cantigas populares e brinca-
deiras de roda, a experimentação de diferentes ritmos, utilizando coreografias
que utilizem o corpo para fazer os sons da música, de forma que os estudantes
recriem diferentes ritmos e possibilidades a partir as cantigas populares.
Lutas
As lutas são práticas corporais muito antigas (algumas têm mais de mil anos),
cujo exercício carrega muitos valores culturais e de honra. Na escola, pode
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ser uma unidade temática mais complexa, justamente por ter amplo contato
físico e ser confundida com briga, podendo gerar ações agressivas, lesões e
desentendimentos entre os alunos (MARQUES, 2013).
Assim, antes de mais nada, o professor deve explicar aos alunos as dife-
renças entre “luta” e “briga”. Uma possibilidade é assistir a trechos de filmes
de ação e de heróis e até mesmo cenas de lutas e brigas no esporte, desta-
cando as diferenças entre elas. Além disso, pode-se ensinar, aos alunos, as
semelhanças e diferenças entre as diversas modalidades de lutas existentes,
mostrando como elas representam a cultura do local onde surgiram.
Pensando em uma vivência mais prática para estudantes do ensino fun-
damental, uma proposta muito interessante é a partir dos jogos de oposição,
uma vez que possuem os mesmos objetivos, valores e códigos de ética das
lutas, mas são mais simples, com movimentos e regras mais próximos do dia
a dia dos estudantes. Assim, torna-se mais fácil e seguro trabalhar o conteúdo
em um espaço com muitos estudantes.
Esportes
Conforme Marques (2013), os diferentes tipos de esporte (precisão, marca,
rede divisória/parede, invasão, técnico-combinatórios) ainda são amplamente
utilizados nas aulas de educação física, sendo parte integrante das práticas
corporais. Por conta disso, merecem uma atenção especial, sobretudo por-
que existem diferentes maneiras de abordá-los. É completamente possível
planejar uma aula utilizando alguma modalidade esportiva e permanecer
com uma abordagem cultural e significativa, atendendo as necessidades e
especificidades do componente curricular.
Uma maneira de utilizar os esportes com uma abordagem mais crítica é
propor reflexões sobre as diferenças entre os esportes femininos e masculinos.
Por exemplo, pode-se pesquisar quais esportes são socialmente considerados
“de menina” e quais são os de “meninos”, tanto no Brasil quanto em outras
culturas, buscando entender as diferenças de gênero existentes em cada
sociedade por meio do esporte. Também se pode analisar padrões e biotipos
existentes em diferentes modalidades (até mesmo dentro de uma única
modalidade, como no caso do futebol americano, em que existem diferentes
estruturas corpóreas em um mesmo time) para debater sobre o que é um
corpo atlético e os padrões de beleza existentes na sociedade.
Em uma perspectiva mais sistêmica, poderíamos abordar as valências
físicas, fazendo um estudo de seus conceitos e suas características para
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Ginásticas
As ginásticas são divididas em três categorias diversas:
1. ginástica geral;
2. ginástica de condicionamento físico;
3. ginástica de conscientização corporal.
Ainda que cada uma tenha suas particularidades, todas elas contemplam
a realização de movimentos corporais visando à melhoria do rendimento,
da saúde e da qualidade de vida (BRASIL, 2017). Justamente por isso essas
práticas corporais podem, por vezes, ser desenvolvidas em uma perspectiva
mais desenvolvimentista, com um enfoque nas habilidades motoras esperadas
para a idade.
As ginásticas de formação corporal são muito férteis para trabalhar con-
teúdo sobre valências físicas, treinamento físico, anatomia, dopping, etc.,
fazendo uma união entre a teoria e a prática. Por exemplo, ao abordar o
treinamento de força e como se dá a hipertrofia, que difere do treinamento
aeróbio, é possível apresentar os conceitos e, ao mesmo tempo, realizar alguns
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Considerações finais
Perceba que existem inúmeras possibilidades dentro de cada abordagem,
cada uma mais adequada ao contexto: objetivo do planejamento, idade dos
alunos e intencionalidade pedagógica. Ao refletirmos sobre as diferentes
possibilidades apresentadas anteriormente, percebemos que é a intencio-
nalidade pedagógica que transforma um jogo de oposição em uma atividade
com sentido. Isso acontece porque as ações planejadas e executadas são fruto
de uma reflexão crítica, consciente e objetiva, realizada anteriormente pelo
docente sobre sua própria prática profissional. Assim, o profissional assume,
em “[...] em sua prática pedagógica, o ato da educação em seu sentido mais
pleno” (BOSSLE, 2002, p. 33).
A BNCC (BRASIL, 2017, p. 213) apresenta um norte para o desenvolvimento
do componente na escola, que torna, mais do que nunca, o planejamento do
professor de educação física primordial, visto que:
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Leitura recomendada
NEGRINE, A. Educação psicomotora: a lateralidade e a orientação espacial. Porto
Alegre: Palloti, 1986.