Psicologia Pediatrica
Psicologia Pediatrica
Psicologia Pediatrica
Psicologia Pediátrica:
A Atenção à Criança e ao
Adolescente com
Problemas de Saúde
Pediatric Psychology:
The care of children and adolescents with health problems
Elisa Kern de
Castro
Universidade do
Vale do Rio dos
Sinos
Artigo
pelos problemas de saúde sejam os agentes López-Roig, Pastor e Neipp (2003), o modelo
etiológicos específicos que alteram as estruturas biomédico segue sendo o paradigma
e/ou funções do corpo humano (Bowling, dominante na área da saúde, apesar das
2002). Essa visão, baseada na filosofia mudanças ocorridas nos últimos anos, e, com
cartesiana, entende o corpo como uma ele, os avanços biomédicos são vistos como
máquina: se uma parte funciona mal, esta pode os únicos responsáveis pelas mudanças em
ser reparada ou trocada. Apesar de as doenças saúde, para muitos profissionais.
poderem causar transtornos psicológicos, os
fatores psicológicos não são capazes de causá- Psicologia da saúde
los, de acordo com esse posicionamento.
Mente e corpo são duas entidades A Psicologia da saúde é parte da mudança de
consideradas separadamente. paradigma do modelo biomédico de atenção
à saúde para o modelo biopsicossocial. É uma
Em contrapartida, o modelo biopsicossocial disciplina ampla, que surgiu da necessidade
compreende a saúde como fruto de uma de novos parâmetros em saúde e que
“A definição
organicista da combinação de vários fatores, incluindo manifesta as transformações pelas quais passa
saúde está sendo características biológicas (por exemplo, a sociedade (Angerami-Camon, 2000; Castro
superada por uma & Bornholdt, 2004; Remor, 1999; Smith &
predisposição genética), fatores de
dimensão que é
também comportamento (ex: estilo de vida) e condições Suls, 2004). Johnston e Kennedy (1998) a
psicológica e sociais (ex: influências culturais) (APA, 2006; definem como o estudo dos processos
social, pois essa é psicológicos e comportamentais na saúde,
Bowling, 2002; Suls & Rothman, 2004; WHO,
a única via para o
desenvolvimento 2004). Desse modo, a saúde e a doença não enfermidade e cuidados com a saúde. Tem
de políticas de são opostas, e sim, compreendidas como um como foco os problemas físicos de saúde e
prevenção e continuum. De acordo com esse modelo, o traz, como resultado, novas perspectivas
promoção da
atual conceito de saúde proposto pela teóricas, modelos de medidas e delineamento
saúde.”
Organização Mundial da Saúde inclui o bem- de intervenções. Inicialmente, teorias e
González-Rey estar físico, mental e social, e valoriza a métodos de outras áreas básicas da Psicologia
percepção pessoal e subjetiva do indivíduo foram utilizados para tratar o tema da saúde
como um fator fundamental a ser considerado física, e avaliações e intervenções de outras
(WHO, 2004). áreas foram aplicadas no contexto da saúde
(Smith & Suls, 2004). No entanto, com o
No que se refere à saúde, portanto, existe a aumento expressivo no número de pesquisas
mudança de enfoque do modelo biomédico e com o crescimento dos serviços clínicos de
ao modelo biopsicossocial, que vai da fisiologia saúde, esse campo vem se desenvolvendo
individual à cultura, das intervenções muito nos últimos anos. O grande avanço da
individuais às políticas públicas, da prevenção ciência biomédica e da Psicologia deu novas
primária aos cuidados paliativos (Smith, Kendall e melhores oportunidades para situar o
& Keefe, 2002). A definição organicista da trabalho em Psicologia da saúde. Devido às
saúde está sendo superada por uma dimensão mudanças que essa disciplina está passando e
que é também psicológica e social, pois essa a seus campos de confluência com a Medicina,
é a única via para o desenvolvimento de saúde pública e fatores econômicos associados
políticas de prevenção e promoção da saúde aos serviços de saúde, são necessários recursos
(González-Rey, 1997). O organismo humano adicionais para pesquisas e educação para a
é uma organização complexa e integrada, e saúde.
existem diferentes maneiras de possibilitar um
desenvolvimento saudável. A dimensão No Brasil, a Psicologia da saúde se confunde
subjetiva, certamente, é um aspecto muito com a chamada Psicologia hospitalar (Castro
importante a ser avaliado. No entanto, para & Bornholdt, 2004; Chiattone, 2000;
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2002). Essas experiências são geralmente apta para aceitar as limitações impostas pela
traumáticas, e trazem, como resultado, um doença, assumir a responsabilidade de seu
sentimento de insegurança, de falta de ajuda, próprio cuidado e cooperar com o manejo
de medo intenso e de ansiedade. A repetição médico; 2) atividades compensatórias físicas
de hospitalizações e experiências médicas e intelectuais: desenvolvimento de novas áreas
estressantes pode prejudicar os de interesse e de funcionamento adaptativo;
desenvolvimentos cognitivo, emocional, físico 3) controle apropriado das emoções: a criança
e social da criança. É essencial que os pode aprender a expressar a frustração e a raiva
profissionais de saúde saibam reconhecer as associada à doença de maneira socialmente
situações potencialmente estressantes para aceitável e em ocasiões apropriadas; 4) controle
introduzir intervenções apropriadas e facilitar do isolamento: é apropriado que a criança
a utilização do potencial de crescimento de tenha atividades sociais, e 5) estratégias
cada criança. Ao mesmo tempo, as defensivas para o manejo da doença: o grau
“O recurso de negação do problema associado à doença
interpessoal mais
hospitalizações provocam situações que
permitem, ao psicólogo, observar o efeito das pode ser útil em alguns casos, quando a criança
importante que as
crianças podem separações da criança com seus progenitores tem que passar por uma situação
ter frente às
(Bowlby, 1983). Os efeitos disso dependerão extremamente ansiogênica. Trianes (2002)
situações de afirma que, frente aos estressores médicos,
doença, dor e muito do tempo da separação, com quem e
as crianças costumam utilizar, com mais
hospitalização é o em que lugar fica a criança, sua idade,
apego seguro aos freqüência, as estratégias de acomodação à
experiências prévias, etc. Para Bowlby (1983),
seus cuidadores.” situação, rebelando-se pouco frente à situação
o desapego frente à separação deve ser
e aceitando sua condição.
Trianes entendido como um processo defensivo por
parte da criança.
O jogo é a maneira pela qual a criança expressa
sua compreensão do mundo, como se
O recurso interpessoal mais importante que
desenvolve e aprende, e elabora, ao mesmo
as crianças podem ter frente às situações de
tempo, seu luto e experiência pessoal. O jogo
doença, dor e hospitalização é o apego seguro
pode favorecer o desenvolvimento da criança
aos seus cuidadores (Trianes, 2002). São eles
em situações de doença e hospitalização e ter
que vão ajudá-la a enfrentar as dificuldades e um efeito terapêutico (Aley, 2002; Quiles,
a modificar seu estilo de vida, especialmente Ortigosa & Méndez, 2003). No entanto, o jogo
quando a criança é pequena. Com o passar terapêutico é diferente de outros tipos de jogos,
do tempo, as crianças assumem, pouco a por ser facilitado por um terapeuta treinado e
pouco, sua própria capacidade de lidar com a especializado, que trata de temas relacionados
situação. aos medos e ao bem-estar psicossocial do
paciente (Aley, 2002). Esse profissional pode
O ajustamento à doença crônica tem sido utilizar as brincadeiras de médico para recriar
relacionado com o desenvolvimento de as percepções das crianças sobre suas
estratégias de enfrentamento e de defesas experiências, e dá à criança a oportunidade
específicas por parte da criança (Eiser, 1985). de se comunicar com o terapeuta. Do mesmo
As habilidades de enfrentamento infantil são modo, o trabalho com desenhos permite à
diferentes das habilidades dos adultos, criança ilustrar seus medos, preocupações e
especialmente porque as crianças têm um fantasias. Os centros hospitalares infantis
repertório limitado de estratégias devido ao deveriam, também, preocupar-se em
seu estágio de desenvolvimento e a sua pouca proporcionar atividades lúdicas e aulas escolares
experiência (Trianes, 2002). Eiser (1985) para manter as crianças centradas em interesses
caracteriza as estratégias em cinco tipos: 1) de aprendizagem e desenvolvimento pessoal,
funções cognitivas de memória, linguagem e a fim de que elas não estejam, todo o tempo,
pensamento: fazem com que a criança esteja preocupadas com a doença (Trianes, 2002).
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Com relação aos estudos feitos com crianças mais complicado nos casos de pessoas com
e adolescentes doentes, Eiser (1996) ressalta múltiplos e/ou sérios transtornos.
que devemos nos preocupar com a adoção
de modelos teóricos apropriados para essa Kellet e Ding (2004) apontam outro aspecto
população. Segundo essa autora, nem sempre fundamental da investigação com crianças, que
os delineamentos de pesquisa tradicionais de se refere à fonte de dados. Para esses autores,
comparação de crianças doentes com um as próprias crianças são as pessoas mais
grupo controle são os mais apropriados. É indicadas para fornecer dados sobre si mesmas
importante observar as diferenças existentes e sobre o que as preocupa. Para isso, um bom
dentro da mesma amostra de crianças doentes rapport é fundamental para que a criança não
para compreender as particularidades se sinta intimidada pelo investigador. Com
existentes entre crianças adaptadas e com relação aos procedimentos, as entrevistas
problemas psicológicos. Além disso, os gravadas, os grupos de discussão e as
problemas, dificuldades e preocupações das observações são vantajosos no trabalho com
crianças doentes não deveriam ser o único essa população. Por outro lado, os
enfoque das pesquisas com essa população, questionários ao estilo de adultos podem ser
pois isso vai contra a idéia de que alguns problemáticos se as questões forem complexas
pacientes lidam de maneira satisfatória com e porque essa é uma tarefa de pouco interesse
sua doença. Ao mesmo tempo, existem para a criança.
problemas metodológicos importantes na
realização de estudos com crianças enfermas, Há vários usos e aplicações dos estudos com
especialmente porque são necessárias grandes a população pediátrica. McKechnie e Hobbs
amostras para que se verifiquem diferenças (2004) destacam algumas: 1) uso instrumental,
entre grupos e subgrupos, o que dificilmente em que os resultados dos estudos vão
é possível quando se trabalha com esse tipo diretamente à prática; 2) uso conceitual, em
de sujeitos. A solução freqüentemente que as evidências influenciam idéias e mostram
encontrada pelos pesquisadores é a análise de novos caminhos para pensar temas
pequenos grupos de participantes, que resulta importantes; 3) apoio, em que as evidências
numa avaliação não compreensiva das são usadas para persuadir outros, pensando-
diferentes variáveis investigadas e que não se sobre a ação, e 4) influência ampla, em
explica os processos psicológicos relacionados que a pesquisa exerce uma influência em toda
à doença infantil. a comunidade e pode influenciar paradigmas
e políticas de saúde/educação. Com relação
Em muitas pesquisas com crianças com aos programas e intervenções com a população
problemas de saúde, comparam-se dois ou pediátrica, teoricamente, a melhor maneira
mais grupos (Lewis & Kellet, 2004). Em geral, custo-benefício de prevenir problemas
a idéia é verificar como um tipo de doença adicionais à doença é intervir o mais cedo
afeta o desenvolvimento, mas a dificuldade possível e no momento evolutivo mais
está em selecionar grupos de comparação apropriado (Zeiner, Bendell & Walker, 1985).
adequados. Outra questão importante Os psicólogos da saúde deveriam promover
relaciona-se à adequação ou não de agrupar mais esforços em investigações com esses
crianças com diferentes problemas num pacientes.
mesmo grupo, o que supõe que cada indivíduo
de um grupo compartilhe algumas Considerações finais
características. Esse problema é especialmente
importante se pensarmos que a natureza dos No presente trabalho procurei sintetizar o que
problemas dos indivíduos pode ser diferente, é a Psicologia pediátrica, considerando-a uma
e que, além disso, o assunto se torna ainda área que está incluída na Psicologia da saúde.
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Psicologia Pediátrica: a Atenção à Criança e ao Adolescente com Problemas de Saúde
Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS) e Doutora em Psicologia da Saúde
(Universidad Autónoma de Madrid)
UNISINOS - Av. Unisinos, 950, Bairro Cristo Rei. Centro de Ciências da Saúde. CEP 93022-000.
São Leopoldo, RS. E-mail: [email protected]
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