Boletim27 Santeiros Etzel e Culto A Imagens

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BOLETIM DO CEIB Belo Horizonte, Volume 8, Número 27, Março/2004

EDITORIAL
SANTEIROS
Neste número, o BOLETIM DO CEIB
faz uma homenagem ao médico e Eduardo Etzel *
pesquisador da arte sacra brasileira,
Dr. Eduardo Etzel, falecido em 06 de
julho de 2003, publicando um artigo
que ele nos havia enviado e o qual não

S
tínhamos ainda podido publicar, que
trata dos santeiros populares, tema de capelas e igrejas erigidas com
sua predileção. Dr. Etzel era sócio autorização superior, as provisões e
honorário do CEIB, além de licenças eram obrigatórias. Somente a
anteiro é o que faz santos; é partir do fim do século XVIII e do
importante e ativo colaborador, apesar óbvio! Mas no Brasil, nos 500 anos a
dos seus 96 anos. Não apenas enviava século XIX generalizaram-se as
partir da Descoberta, os santos estiveram devoções domésticas. As capelas
seus artigos, mas telefonava fazendo presentes, desde as primeiras imagens
comentários e apresentando sugestões. tornaram-se pequenas capelinhas de
chegadas com as caravelas, até a culto local e as habitações, até as mais
Apresentamos, também, artigo de indústria de imagens religiosas de gesso
outro associado, André Gustavo humildes, tinham oratórios cheios de
de hoje. Há, portanto, santos e santos, santos.
Papera Gonçalves, sobre a Bíblia e o isto é, santos de culto católico, da
culto das imagens, assunto importante Os santeiros também evoluíram: a
devoção dos crentes até o século XIX, e princípio as imagens importadas; logo
para quem lida com a imaginária imagens, já avançado o século XX, que
religiosa. depois, as feitas pelos próprios
não tiveram a mesma finalidade de suas religiosos, seguindo-se os discípulos,
Temos a satisfação de comunicar que congêneres do passado. pois a demanda crescia com as novas
o BOLETIM DO CEIB já está O começo do século XX assistiu à povoações que explodiam no ciclo do
inscrito no ISSN - International agonia dos santeiros, quando a indústria ouro do século XVIII. Nos três primeiros
Standard Serial Number - número de imagens de gesso invadiu as igrejas e séculos, apenas imagens grandes para o
internacional normalizado para os já raros oratórios. A evolução, a culto supervisionado nas capelas e
publicações seriadas que é o pletora populacional e a modernidade igrejas. Muito raras as imagens
identificador aceito internacionalmente ocuparam rapidamente um Brasil pequenas, que só aparecem no fim do
para individualizar o título de uma provinciano e apegado aos velhos século XVII, umas poucas em São
publicação, tornando-o único e costumes e, com eles, à prática da Paulo.1 No século XVIII, com o ouro
definitivo. O ISSN é operacionalizado religião. Surgiram os novos santeiros, os abundante e espalhado, juntaram-se a fé,
por uma rede internacional e no Brasil artistas populares, já agora com motivos a esperança, a piedade, a culpa, o medo
o Instituto Brasileiro de Informação religiosos que atendem aos interessados do castigo diante de Jesus e de todos os
em Ciência e Tecnologia (IBICT) atua mais na própria arte do que na devoção santos nos apelos pelas incertezas da
como Centro Nacional dessa rede. religiosa. Aqui o precioso é o exótico, o vida. Aqui transborda a demanda e
Juntamente com esse número do primitivo, que atrai o viajante e o turista surgem no horizonte católico as
BOLETIM estamos enviando o boleto como objeto belo ou curioso para pequenas imagens e, com elas, os
da anuidade de 2004, com vencimento decoração e lembranças desvinculadas santeiros.
em 30 de abril. Os associados do dos antigos santos Foto: Eduardo Etzel

exterior, deverão continuar com o venerados indepen-


mesmo sistema de pagamento em dentemente do seu
relação à anuidade, pagando quando aspecto, pelo que
vierem ao Brasil, ou tiverem um pretenderam repre-
amigo que venha e que possa fazer o sentar e que aco-
pagamento. O sistema de pagamento lhiam as orações e
pela internet através de cartão de os apelos do ho-
crédito que pensamos em adotar, é mem da época.
muito dispendioso, não se justificando A catequese foi
para o número de associados que o objetivo, enfa-
temos no exterior. tizado pelo Com-
Estaremos recebendo, até o final de cílio de Trento
maio, artigos para o próximo (1545 – 1563). A fé
BOLETIM DO CEIB. Lembramos a católica foi impo-
todos que, embora possam ser aceitos sitiva e contro-
artigos de não sócios, a prioridade é ladora. A princípio,
dos associados. nas capelas e nas Parte inferior da base de uma peça com etiqueta do Santeiro.
2 Belo Horizonte, Volume 8, Número 27, Março/2004 BOLETIM DO CEIB

Foto: Eduardo Etzel Foto: Eduardo Etzel


O conceito de santeiro aqui se divide,
pois, a explosão populacional das
regiões auríferas, dispersa por Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso, acarretou,
para lhes dar suprimento, o povoamento
de boa parte do Brasil. Não foi mais
possível controlar o exercício da religião
diante das solicitações à corte celeste
dessa população fugaz e dispersa, com
as esperanças, frustrações e misérias da
vida de então. Os apelos ao remédio
divino diante dos santos resultaram na
busca de imagens e o santeiro foi a
resposta e a solução social.
Separam-se aqui o artista anônimo do
povo, o santeiro propriamente dito e o
artista que se destacava pelo saber e pela
genialidade, quando ele projeta e
raramente assina seu próprio nome ou
apelido que o destaca dentre o povo
brasileiro. Não são santeiros o
Aleijadinho, nem frei Agostinho da
Piedade nem frei Agostinho de Jesus,
nem o Cabra, nem o Mestre de Piranga,
nem o Borboleta, nem Veiga Valle, nem Figura 2 - Cabeça Figura 3 - Nossa Senhora do Ó
Manoel da Silva Amorim, nem Mestre terracota 10 cm Terracota, 30 cm
Valentin, e tantos outros. Todos
esculpiram santos maravilhosos, mas só trabalho fracionado, do desbaste do que pude encontrar em São Paulo. Mas
aos artistas humildes e anônimos coube lenho ao acabamento, empregaram há muito pelo Brasil a fora, à espera de
o nome de santeiro. artesãos diferentes, cada um com sua nosso senso cultural.
Excluem-se aqui as oficinas de especialidade. Aqui a fonte que Como se vê, pela tradição, pelo
imaginária que produziram inúmeros respondeu às solicitações de todos os conhecimento contemporâneo e pelos
santos do passado, grandes e pequenos, pontos do Brasil. grupos de imagens de mesma inspiração,
como os Paulistinhas, as muitas oficinas Por que fizeram santos? Devoção? sabe-se de muitos santeiros do passado,
de Salvador e do Recife que, num Resposta à pressão do meio ambiente? mas suas obras – seus santos – são já
Lucro? Penso que tudo isso sintetiza a anônimos e desvinculados de quem os
qualidade divina do ser humano de criar, produziu, formando a grande maioria da
de responder ao sentimento íntimo de nossa imaginária devocional residual.
fazer o que outros não conseguem O livro Santeiros Imaginários (1977)3
realizar; a loteria da contribuição aponta 128 deles dispersos pelo país,
genética de todos, com a eclosão do mas a maioria recente, do século XX,
poder criativo de raros dentre nós, quando se confunde a arte com motivos
homens, que culmina nos gênios que religiosos, com a arte religiosa para a
surgem na sucessão de gerações desde o devoção e adoração dos verdadeiros
começo do mundo. santos dos séculos anteriores. Nesta lista
Seus santos – as centenas espalhados tão ampla não consta o nome de Dito
pelo Brasil – são bonitos, feios, corretos, Pituba (Benedicto Amaro de Oliveira –
desproporcionais, originais ou simples 1848-1923), o santeiro popular e
cópias do padrão canônico. Cada um os profissional por excelência, que atendeu
fez como lhe ditava o consciente, o às solicitações do ambiente isolado em
inconsciente, a mediocridade ou a que viveu – a região de Santa Isabel, SP
fantasia criadora. O santo é o mesmo, os – desde 1870 até 1922. Eu mesmo reuni
São Josés da família divina, mas são cerca de 380 de suas imagens, hoje em
todos diferentes do simples ao museus.4 e 5 Com seu padrão popular,
maravilhoso, pois os homens – os
Foto: Eduardo Etzel

repetido com engenho e criatividade, fez


santeiros – são todos diferentes. também elaboradas imagens para capelas
Resta ainda para ser pesquisado e e um belo anjo de terracota para o
registrado o que há de comum entre as túmulo de seu neto, assim como fez e
inúmeras imagens hoje em museus e em pintou muitos oratórios. Mas, para
mãos de colecionadores que as sobreviver, fez seus santos padrão (FIG.
Figura 1 - São Roque preservam para os pósteros, uma mina 1) do agrado do povo que atendia. Um
madeira 14 cm, séc. XIX cultural de um Brasil pregresso. aspecto polimorfo de um típico santeiro
No meu primeiro livro2 ressuscitei os
Belo Horizonte, Volume 8, Número 27, Março/2004
BOLETIM DO CEIB 3

Foto: Eduardo Etzel


está em Tianinha (Sebastiana Aquino com os Aleijadinhos do passado. Foi
Rodrigues Tomé, 1927-1990), que uma flor inesperada e surpreendente no
durante 21 anos foi farmacêutica de modernismo do século XX. Teve
profissão. Liquidou seu comércio, indo imitadores, mas apenas pétalas murchas
morar em Goiânia. Com 52 anos de da bela flor original. Copiar é fácil, é a
idade resolveu dedicar-se à arte e à fotografia que grava o instante da
pretensão de fazer imagens “barrocas”. natureza, mas não tem o segredo da
Conheci Tianinha quando buscava criação.
material para meu livro “Arte Sacra Tianinha foi o melhor exemplo de
Berço da Arte Brasileira”. Suas uma artista sacra que surgiu tardiamente
qualidades artísticas me impressionaram. no panorama da turba. Neste último
Era pintora, escultora, fazia imagens exemplo estaríamos hoje diante de uma
manejando o barro com precisão e artista plástica. No passado colonial e
rapidez. Sua fantasia criadora voava imperial seria Tianinha e seus santos, ou
enquanto seus dedos ágeis seguiam a apenas uma santeira anônima na
duras penas a velocidade de suas idéias. vastidão do Brasil.
Com a mesma facilidade esculpia uma
imagem pequena ou uma de mais de REFERÊNCIAS bIBLIOGRÁFICAS
Figura 4 - Santíssima Trindade metro. (FIG. 2, 3 e 4). Evoluindo da
1. Etzel, E. Arte Sacra Berço da Arte
Terracota, 45 cm pintura, das mascaras e das esculturas, a
Brasileira. Melhoramentos: São Paulo,
Pintura e montagem originais artista fixou-se na imaginária. Por que
1984. p. 88.
imagens e não outras formas esculturais?
do século XIX. 2. Etzel, E. Imagens Religiosas de São
Para mim, predominou o sentimento
Do profissional ao curioso houve Paulo. EDUSP/Melhoramentos: São
arcaico onipresente na personalidade do
todos os graus da escalada, segundo as Paulo, 1971.
homem ao lado da formação religiosa
circunstâncias do meio em que viveram; 3. SANTEIROS IMAGINÁRIOS.
que teve e do estímulo, não só da fonte
aqui a diversidade das esculturas e o Passo das Artes: São Paulo. 1977.
inspiradora, como da própria aceitação
fascínio que exercem. A criatividade 4. MAS de São Paulo – MAS de
das suas obras.
existe embutida na alma do ser humano, Jacareí, SP.
Tianinha foi uma das escolhidas
por isso aparece segundo a circunstância Etzel, E. – Arte Sacra Popular
nesta verdadeira semeadura da formação
da existência e no instante da civilização Brasileira. EDUSP – Melhoramentos,
humana. Produziu imagens de um
em marcha. Um exemplo desse conceito São Paulo, 1975.
movimento barroco como se convivesse

N o dia 26 de Dezembro de
2003 a 15ª Sub-Regional do
IPHAN, em Tiradentes, recebeu pelo
correio, serviço de sedex, duas imagens
IMAGENS RECUPERADAS
Olinto Rodrigues dos Santos Filho
Fotos: Olinto Rodrigues

representando Nossa Senhora das Dores


e São José, acompanhados de uma carta
anônima endereçada a Olinto Rodrigues
dos Santos Filho, postada em São
Paulo.
Na carta o remetente informava que
havia visitado a exposição “Patrimônio
Procura Imagens Furtadas”, montada no
IPHAN, durante o congresso do CEIB,
no ano passado, em São João Del Rei, e
que depois foi montada em Tiradentes.
Informava ainda que identificou as
peças como furtadas e que havia
comprado em uma feira de antiguidades
e m Sã o Pau lo, n o estad o de
conservação em se encontravam e
queria devolvê-las ao local de origem.
Foi constatado que as imagens
pertencem a capela de Nossa Senhora
da Soledade de Lobo Leite, distrito de
Congonhas do Campo. É sem duvida
uma iniciativa inédita a devolução de
peças sacras furtadas pelo correio. Que
sirva de exemplo a outros detentores de
peças furtadas do patrimônio artístico
de Minas Gerais. Imagem de Nossa Senhora das Dores Imagem de São José
4 Belo Horizonte, Volume 8, Número 27, Março/2004 BOLETIM DO CEIB

um mastro (Num 21, 4-9). Esse fato


ocorreu devido à impaciência do Povo
A BÍBLIA E O CULTO ÀS IMAGENS de Abraão ao verificar o longo trajeto
que faria entre a montanha de Hor, no
André Gustavo Papera Gonçalves * Egito, atravessando o Mar Vermelho, até
Israel. O povo argumentava que não
queria morrer no Egito em virtude da
escravidão. Porém, tinha medo de
sucumbir no deserto. Para castigar o
cada dia, a cada momento, criamos

A imaginária antes de Cristo


dentro de nós a IMAGEM das coisas ou
pessoas. Desse modo, criamos a imagem
de Cristo, de Maria, dos santos, de heróis
etc. Isso fez com que artistas
povo, Deus mandou serpentes venenosas
que picariam a todos, e após arderem
com o veneno, morreriam. Temendo um
aumento das mortes, o povo pede a
Moisés que interceda junto a Deus.
O presente estudo tem por objetivo expressassem das mais diversas
demonstrar o porquê do culto, ou Moisés utiliza a IMAGEM da serpente
maneiras a representação de seus
simplesmente, o uso das imagens na que foi colocada no alto do mastro e
pensamentos. Torna-se importante
religião católica assim como a latria dos todos que haviam sido mordidos pelo
lembrar que no Evangelho de Lucas,
mesmos até os dias atuais. Acreditamos réptil deveriam olhar a IMAGEM e
cap. 2, vers. 7 e 8, a descrição da cena
que esse fato saliente questões e dúvidas seriam salvos da morte (Num 21, 8). O
em que o Menino Jesus, Maria, José, a
inerentes à confecção de certas imagens ocorrido fez da serpente o símbolo da
manjedoura e os pastores são expostos
nas quais a iconografia presente, muitas vida ou da morte (Gn 3). Mais tarde,
permite-nos imaginar o ocorrido.
das vezes, nos faz questionar acerca de Cristo, em palestra com Nicodemos,
Referindo-nos aos primórdios de
sua existência. Portanto, nosso trabalho menciona a imagem da serpente de
confecção de imagens temos o que
refere-se a uma pequena análise do Livro bronze e se compara a ela “... Assim
seriam os primeiros passos de uma
Sagrado, onde as imagens, de certa como os israelitas mordidos pelas
doutrina iniciada há cerca de mil anos
forma, são vistas como objetos serpentes venenosas ficaram curados
antes de Cristo, tornando-se perene até
etiológicos. quando olhavam confiantes para a
os dias atuais. No primeiro livro dos
serpente de bronze no mastro, assim
Reis, o rei Salomão é citado por
“O pensamento religioso cristaliza-se também todo aquele que acreditar em
construir o templo de Deus onde ergueu
em imagens” 1 mim, reconhecendo-me como Filho de
duas enormes IMAGENS de querubins
Deus e Salvador, terá vida
feitos em oliveira selvagem (FIG. 01),
Sabe-se que um dos primeiros cultos eterna...” (João 3, 14 a 15).
cada um com cinco metros de altura
religiosos utilizando a imaginária com a (2Cr 3, 10-13). Em seguida, afirma-se
figuração humana remonta há cerca de que Salomão ordena que se esculpa A imaginária depois de Cristo
24.000 – 20.000 mil a.C. com a estatueta figuras de querubins, palmeiras e flores
australiana “Venus Willendorf”, que ao redor de todas as paredes do templo e, A imaginária depois de Cristo nos dá
possui formas arredondadas e bulbosas2. em uma madeira de oliveira, construa referência à presença dos apóstolos que
Caracterizava uma espécie de deusa da duas folhas onde lavrou entalhes de se fizeram curas em nome de Deus.
fertilidade durante o período Paleolítico. querubins, palmeiras e de flores abertas; Como se refere os Atos dos Apóstolos a
No entanto, por volta do ano 4.000 a.C., a estas, como as palmeiras e os Pedro que dirigiu a palavra ao paralítico
em pequenas comunidades chamadas de querubins, cobriu de ouro (1 Reis 6, “... Em nome de Jesus, levanta-te e
nomos, as quais viviam no Egito 29.32). anda..”. No mesmo instante, o paralítico
próximos ao vale do Rio Nilo, o culto No livro do Êxodo, quando Moisés ficou curado (Atos 3, 8). Outros Atos
politeísta ganha força, pois era comum a se encontrava no Monte Sinai, o povo de também colocam Paulo como
confecção de estátua para serem Israel, mantendo uma mentalidade intermediário de Deus para fazer curas
veneradas como deuses. Essas imagens politeísta do Egito, proclamava um novo (Atos 19, 11 e 12). No entanto, somente
eram colocadas num templo aonde o deus. Assim, fabricou o bezerro de ouro por volta do ano 50 o cristianismo
povo ia periodicamente oferecer-lhes (FIG. 02) (EX 32, 1-6). Essa atitude
comida, acreditando que a mesma levou Moisés a destruí-lo até virar pó
possuía vida, ou em locais de honra nas (EX 32,19-20). No entanto, ainda no
cidades, nos campos, nas estradas, nos livro do Êxodo, Deus ordena que sejam
morros e nas próprias casas. Porém, construídos dois querubins e que os
segundo a Bíblia, Deus proíbe a mesmos sejam colocados em cima da
confecção de imagens que se referissem Arca da Aliança (FIG. 03), local mais
a deuses ditos falsos ou até mesmo sagrado do culto divino “...farás dois
deuses verdadeiros (Ex. 20, 4). No querubins de ouro. Estes terão suas asas
entanto, contraditoriamente, a própria estendidas para o alto e com as asas
Bíblia nos revela (Apocalipse 2, 7) que protegerão a tampa da Arca da
Deus nos possibilita criar imagens Aliança...” (Ex 25, 18-22).
através do pensamento. Por exemplo,: se Após os querubins, Deus ordenou a
falarmos boi, criaremos em nossa mente Moisés que criasse uma serpente de
a figura ou a imagem do boi. Assim, a bronze (FIG. 04) e que a colocasse em Figura 1 - O Templo de Salomão
BOLETIM DO CEIB Belo Horizonte, Volume 8, Número 27, Março/2004 5

Lutero que negava o poder do papa, o


dogma virginal, etc. A reação da Igreja
foi através do concílio criando a Contra-
reforma objetivando a reafirmação dos
dogmas, das doutrinas, do papel
intercessor dos anjos e santos assim
como reafirmar o papel devocional das
imagens evitando a representação do nu,
de cenas de natureza profana e pouco
decentes em relação aos lugares de
culto.5 Com o advento do Barroco em
finais do século XVI o culto às imagens
ganhou força artística e apoio do papado
que viu na confecção das mesmas uma
forma de conter a atenção e a fé do povo
voltada a Deus, fato que foi de grande
ajuda no processo de catequização e
evangelização das sociedades ibero-
americanas chegando até a atualidade.
A defesa na produção de imagens
voltou a ganhar força durante o Concílio
do Vaticano II, em 1963, que reafirmou
Figura 2 - O Bezerro de Ouro o uso das mesmas, pois o Papa João
XXIII, em carta circular, dirigida a todos
começou a ser difundido pelo Império atacada em Constantinopla por algumas os bispos do mundo, relembrou o que o
Romano e, com isso, a proibição ao correntes mais espiritualizadas do Concílio de Nicéia há 1.200 anos atrás já
culto de imagens pagãs dos antigos cristianismo. Segundo esses adeptos, o havia ensinado e recomendado sobre a
romanos. Conseqüentemente, uso de imagens representa um retorno à conveniência de colocar imagens
estruturava-se uma nova Igreja – Eclésia idolatria, contrária aos preceitos cristãos. sagradas nas casas de família, nas igrejas
– na qual o imperador Constantino Por trás dessa questão, na verdade, e nos locais públicos, pois através das
resolveu criar o Concílio de Nicéia em estavam escondidos aspectos políticos e mesmas os cristãos de hoje se
325, no qual qualquer opinião que econômicos, pois a confecção e venda de lembrariam freqüentemente de Cristo, de
divergisse da Igreja Católica seria imagens ficavam predominantemente sua pessoa e de sua imagem, e se
considerada heresia. nas mãos de monges, que lucravam recordariam que os santos foram heróis
Com a expansão da Igreja, aos muito com este entesouramento. Isento que viveram e apregoaram o que Cristo
poucos foi se afirmando o culto, a de qualquer tipo de tributo, os monges determinou5. Confirmada a epístola
idolatria. No ano de 392, o imperador c o n ce n tr a v a m e m s e u p o d e r papal, citamos São Marcos “... Cristo
Teodósio – convertido ao cristianismo – propriedades e riquezas, o que era mandou : Anunciem meu Evangelho a
proíbe de vez o culto aos deuses. O uso também interpretado como uma ameaça toda criatura” (Mc 16, 15). Portanto, a
da imaginária no catolicismo terá nova ao poder central. palavra de Cristo deve ser levada a todas
força após o 2º Concílio de Nicéia, em A disputa entre iconólatras e as línguas e de muitos modos : pela fala,
787, quando o Papa recomendou o uso iconoclastas agitou o império nos pelos escritos, pelos cantos, pela
de imagens nas igrejas, em casas de séculos VIII a XI. encenação. Por conseguinte, também
família e em estradas, como um modo Essa querela, por sua vez, acirrou as pelas imagens. Porém, cita a
didático de os cristãos se lembrarem de rivalidades entre o patriarcado de Constituição Sacrosanctum Concilium
Cristo, de Maria, dos personagens Bizâncio e o papa de Roma. A
bíblicos e dos santos que conduziram o indiferença do último em defesa da
povo para Cristo. Ao recomendar as produção de ícones e imagens associada
imagens, o Concílio de Nicéia declarou a inúmeras outras divergências acabou
“... Conservamos sem mudanças todas provocando mais tarde o chamado
as tradições eclesiásticas que nos foram Grande Cisma do Oriente, que dividiu a
transmitidas. Uma dessas tradições é a Igreja Católica em duas : Igreja Católica
confecção de imagens sagradas”3 . Apostólica Romana e Igreja Católica
Por volta do ano de 1054, o Império Ortodoxa Grega4.
Bizantino estava sendo palco de Durante os dois primeiros quartéis do
importantes questões religiosas. Por século XVI a arte escultórica passou a
reunir populações estreitamente buscar inspirações nas diversas
vinculadas às culturas orientais, nele o passagens bíblicas produzindo o melhor
cristianismo assumiu características da concepção erudita do Maneirismo.
peculiares. Neste período surge na Europa o
A disseminação de imagens ou Concílio Tridentino ocorrido entre 1545
ícones representando Cristo ou figuras a 1563, objetivando reverter à ação
de santos, por exemplo, era fortemente iconoclasta desencadeada por Martinho Figura 3 - A Arca da Aliança
6 Belo Horizonte, Volume 8, Número 27, Março/2004 BOLETIM DO CEIB

As imagens comunicam, portanto, 4. Constituição Dogmática sobre a


mensagens. A cultura visual de nossa Igreja. Lumen Gentium. Roma, 1987
época atesta o valor da imagem6. & S a c r o s a n c tu m C o n c i l i u m
“O santo não é um ser abstrato, (Documento Litúrgico). DONINI,
mas encarnado na imagem que o Ambrogio. História da Cristandade.
Lisboa, ed. 70, 1988.
Bibliografia de Referência 5. BORN, A. Van Den. Dicionário
Enciclopédico Bíblico. Vozes,
1. HUIZING, J. O declínio da Idade
Petrópolis, 1971.
Média. 1919.
6. MCKENZIE, John L. Dicionário
2. JANSON, H.W. História Geral da
Bíblico. Paulus, São Paulo. 1983.
Arte : o Mundo Antigo e a Idade
Média. Martins Fontes, São Paulo,
2001. * Historiador e Professor
3. GOUGH, Michael. Os Primeiros Especialista em História do Brasil
Cristãos. Lisboa, Ed. Verbo, 1972. Colônia

Figura 4 - A Serpente de Bronze


DOAÇÕES
sobre a sagrada liturgia que “a veneração
O CEIB recebeu e agradece os câmera fotográfica digital.
das imagens pelos fies é costume que se
equipamentos doados pela HP Invent, Agradece, também o livro doado
deve manter, mas deverá haver
através do seu presidente e associado pelo associado e autor Hélio de
moderações quanto ao número, ter
Dr. Carlos Ribeiro Rocha: um micro Oliveira: Nossa Senhora da
respeito à hierarquia que deve haver
co mp utad o r , u ma i mp r es so r a Apresentação - Um resgate estético
entre elas de acordo com aqueles e
multifuncional, um scanner, uma para a cidade do Natal
aquelas que elas representam. A
veneração deve ocorrer de maneira a não
causar estranheza ao povo cristão e nem CONFERÊNCIA
induzi-lo ao erro, por favoreceram foi realizada, no dia 28 de janeiro de 2004, a
A convite do CEIB, do Programa de Pós-
devoções menos corretas”. Estas Graduação da Escola de Belas Artes e do conferência: Entre imaginária, pintura e
cláusulas propiciaram uma evasão das Centro de Conservação Restauração de cenografia: a escultura e seus materiais,
imagens do interior dos templos. No Bens Culturais Móveis - CECOR, UFMG, pelo Professor Luciano Migliaccio, doutor
entanto, na religiosidade popular do em Historia da
brasileiro o culto aos santos ocupa lugar Arte pela
central, revelando a dimensão histórica Università Degli
Studi di Pisa e
que é encarnada na fé. O santo torna a
professor da USP/
divindade mais próxima do povo, como UNICAMP.Com-
fiel intercessor e eficiente protetor das pareceram alunos
agruras da vida. Há uma relação direta e da Escola de Belas
pessoal entre o devoto e seu santo. Ele Artes, do curso de
está a seu alcance imediato – na imagem, Especialização em
Conservação/
no santuário, na gruta, no cruzeiro, etc. Restauração,
A imagem sempre nos possibilita dar sócios do CEIB e
forma ao inefável. Dando expressão ao profissionais de
pensamento, a imagem, desde a História da Arte e
Antigüidade até os dias de hoje, nos Conservação
confere momentos de louvor e Restauração.
Foto: Helena David
admiração. Como os primeiros cristãos,
que há cerca de 2.000 anos já usavam a CEIB BOLETIM
representação do peixe, do Bom Pastor,
da Cruz, como instrumentos de Presidente: Beatriz Coelho Projeto gráfico, arte e editoração:
Vice-presidente: Myriam R. Oliveira Beatriz Coelho e Helena David
evangelização, no decorrer do tempo, 1a Secretária: M. Regina Emery Quites Tiragem: 300 exemplares
imagens de santos foram atribuídas a 2ª Secretária: Helena David Periodicidade: quadrimestral
esse pequeno grupo instrumental, 1a Tesoureira: Carolina M. Proença Nardi
favorecendo uma avassaladora 2a Tesoureira: Claudina Dutra Moresi Os artigos assinados são de
Estagiária: Aline Justino Viana responsabilidade do autor e não
reverência ao culto. Esse fato faz com
refletem necessariamente a opinião do
que a representação visível recorde os ENDEREÇO BOLETIM DO CEIB.
beneméritos do passado, e se transfiram CEIB/EBA/UFMG
lições de bondade e de heroísmo para Av. Antônio Carlos, 6.627 É permitida a reprodução de fotos ou artigos
CEP:30.270-010
todos. E como não havia fotógrafos no desde que citada a fonte.
Belo Horizonte, MG
passado, era necessário desenhar ou Telefax: (031) 3499-5290
esculpir. www.ceib.org.br ISSN 1806-2237
e-mail: [email protected]

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