LIVRO - Paleo Cartaz - Mesquita Francisco 3a Citação

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FICHA TÉCNICA

Autor: Francisco Mesquita

Título: Do Paleo-Cartaz ao Cartaz Camaleónico: Design,


Criatividade, Inovação e Tecnologia

Revisão de texto: GMorais e Carlos Braga

Capa, paginação e imagens: o autor

Editora: Adverte
Contato: [email protected]

1ª Edição: 2018

ISBN: 978-989-207-998-1
Depósito legal: 438347/18

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Às gatas da minha vida.

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Um longo agradecimento aos Poetas, cujos poemas trato
graficamente no final deste trabalho. Uns ainda estão entre
nós, outros estarão merecidamente no Paraíso.

Com eles fiz viagens enriquecedoras.

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Introdução................................................................................................................ 13
-Ideia............................................................................................................................ 14
-Criatividade............................................................................................................. 15
-Inovação.................................................................................................................. 16
-Aproximação a uma imagética milenar.................................................... 17
Paleo-Cartaz............................................................................................................ 23
Cartaz Folheto........................................................................................................ 29
Cartaz Moderno..................................................................................................... 33
-Uma análise diacrónica..................................................................................... 39
Cartaz Hodierno.................................................................................................... 55
- Algumas notas..................................................................................................... 57
Cartaz Camaleónico............................................................................................ 61
- Linguagem fílmica e cartaz camaleónico.............................................. 61
-Autor, obra e recetor........................................................................................... 62
-Pigmentos “inteligentes”................................................................................... 63
- Sobre o design..................................................................................................... 64
-Obra poética.......................................................................................................... 65
-Álvaro de Campos............................................................................................... 66
-Carlos Drummond de Andrade.................................................................... 67
-Corsino Fortes....................................................................................................... 69
-Obras visuais.......................................................................................................... 71
Em jeito de conclusão........................................................................................ 85
Bibliografia............................................................................................................... 87

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Era suposto que este trabalho tivesse visto a luz do dia há vários
anos, depois de o autor concluir o seu doutoramento, em 2006.
Por razões várias, assim não aconteceu. Talvez o destino, sempre
insondável nos seus caprichos, tenha decidido ser agora o mo-
mento mais oportuno.

O que aqui se apresenta, partindo desse tempo anterior, espe-


lha o trabalho efetuado nos últimos anos, particularmente o
pós-doutoramento, na Escola de Comunicações e Artes (ECA),
da Universidade de São Paulo, Brasil. Trata-se, em síntese, de
um trabalho de interseção entre várias áreas, nomeadamente o
Design, a Poesia e a Tecnologia, tendo por base a Comunicação
Visual e, em concreto, o cartaz. A tecnologia que aqui se refere
é resultante da utilização de pigmentos reativos a determinados
impulsos ambientais, produtos que se inserem nos chamados
“materiais inteligentes”. 

O cartaz, esse objeto gráfico que de alguma forma percorreu to-


das as civilizações, surge aqui abordado segundo várias diretriz-
es, algumas suscetíveis de poderem contemplar outros olhares.
Definimos quatro grandes tipologias de cartaz, coincidentes com
marcos da história do Homem: o paleo-cartaz, o cartaz-folheto,
o cartaz moderno, o cartaz hodierno e, dentro deste, o cartaz
digital e o cartaz camaleónico. 

O cartaz camaleónico diferencia-se de todos os anteriores,


enquanto objeto gráfico impresso, pela capacidade que tem de
mudar a mensagem que emite durante o tempo de exposição.
Esta característica resulta da aplicação de materiais inteligentes,
os quais permitem abrir novas janelas, ainda que experimentais,
no campo da comunicação visual.

Iniciamos com uma referência breve à ideia, criatividade e


inovação, enquanto “ferramentas” essenciais no desenvolvimento
deste projeto. Posteriormente, expomos uma história do cartaz,
desde a antiguidade aos nossos dias, para, na parte final, nos
focalizarmos no cartaz camaleónico. Aqui, trabalhamos os vários
campos de intervenção no seu aspeto prático, bem como a res-
petiva interseção entre eles, nomeadamente a dimensão plástica,
segundo um olhar que se pretende divergente na produção de
comunicação visual.

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IDEIA
Uma boa ideia surge quando se encontra um caminho para
a resolução de determinado problema. Todos os projetos vi-
vem de uma ideia e quanto mais original for essa ideia, mais
potencial e poder de diferenciação o projeto tem. O tempo
necessário para encontrar esse caminho pode levar dias, me-
ses, anos ou séculos, dependendo da natureza do problema.
A história está recheada de situações em que grandes desco-
bertas, geralmente resultantes do cruzamento de pequenas
A melhor “descobertas”, demoraram imenso tempo a surgir. Note-se,
em termos de exemplo meramente indicativo, a invenção da
maneira de ter fotografia, que faz o cruzamento da câmara escura com ma-
uma boa idéia é teriais fotossensíveis. Ora, desde a Grécia antiga que a câmara
ter muitas escura era conhecida e mais tarde, por volta do século Vll, os
árabes descobrem os materiais sensíveis à luz. Porém, só no
idéias. decorrer do século XlX, em 1839, a fotografia é apresentada ao
Linus Pauling mundo pela Academia Francesa das Ciências.

Parece ter havido, por assim dizer, um longo tempo de


incubação para que o cruzamento entre esses dois inventos
acontecesse e gerasse algo de novo. Na aceleração dos dias
que vivemos, moldados pela instantaneidade, esse tempo na
procura do novo parece ter diminuído drasticamente. Viver
em rede, numa sociedade altamente tecnológica, permite
que múltiplas colisões entre pequenas ideias aconteçam um
pouco por toda a parte, envolvendo múltiplas áreas e daí que
surjam novos produtos e serviços com muita frequência. Cer-
tamente que o futuro próximo nos reserva grandes invenções
que estão já hoje em processo de fermentação.

Há fundamentalmente dois tipos de ideias: as ideias direcio-


nais e as ideias de interseção. Enquanto que as ideias direcio-
nais seguem um caminho, indicando uma direção mais ou
menos previsível, as ideias de interseção cruzam caminhos,
abrindo espaço para novas abordagens, algumas das quais
surpreendentes e inovadoras, como é o caso da descoberta
da fotografia. As ideias de interseção representam “um lugar
que aumenta dramaticamente as probabilidades de ocorrên-
cia de combinações inusuais”, são “surpreendentes e fasci-
nantes” e criam espaços de intervenção únicos, gerando, por
vezes, líderes muito reconhecidos nas suas respetivas áreas
(Joanhsson, 2007: 31).

As ideias nascem sem que por vezes saibamos como nasce-


ram e de onde vieram. Sabe-se, no entanto, que todo o ser

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humano tem uma grande capacidade de ser criativo e de
produzir boas ideias.

CRIATIVIDADE
Quando nas nossas tarefas diárias resolvemos de forma di-
ferente pequenos problemas com os quais somos confron-
tados, estamos a ser criativos. A evolução em sociedade tem
justamente a ver com essa capacidade de reinventarmos o
mundo, dando-lhe configurações mais apropriadas às neces-
sidades com as quais nos vamos confrontando. Um rápido
olhar sobre a história do Homem, ao longo de milénios, dá-
-nos conta dessa competência inata que possuímos, capaz
de resolver as dificuldades mais diversas e complexas na luta
pela sobrevivência. Em todo o caso, o recurso à criatividade,
enquanto ferramenta essencial na obtenção de boas ideias,
ajuda-nos a superar dificuldades com as quais nos deparamos
a cada momento. A criatividade
é um modo de
Ricarte (1998) coloca uma questão oportuna que, de alguma usar a mente e
forma, todos quantos se debruçam sobre as problemáticas
da criatividade põem a si próprios: será toda a pessoa capaz
de manejar
de pensar criativamente? Muito embora a história do homem a informação.
possa dar uma resposta válida a esta questão, importa dizer Edward de Bono
que a realidade de hoje é mais complexa e a pergunta coloca-
-se justamente neste contexto. A resposta é claramente sim.
Porém, o próprio processo criativo, dependendo, é certo, de
cada um, está também vinculado à sociedade e ao respetivo
enquadramento do sujeito nas dinâmicas sociais. Trata-se
também, nesta perspetiva, da forma como cada indivíduo se
posiciona e rege a sua própria atuação.

Certo é que nunca se falou tanto em criatividade e d a neces-


sidade de a implementar em todos os cenários nos quais
nos movimentamos: escolas, empresas, social, etc. Para além
de contribuir para a realização pessoal, a criatividade é uma
forma de usar a mente, estimulando os neurónios nas suas
infinitas conexões e uma forma de manejar a informação
(De Bono, 2007), que se tornou na era da comunicação uma
questão particularmente relevante. Inundados de informação,
exige-se que tenhamos a capacidade de a saber selecionar,
filtrar e analisar, de acordo com os nossos objetivos. A cria-
tividade e a sua assimilação auxilia-nos justamente a dar as
melhores respostas às múltiplas opções com as quais temos
de lidar.

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Existem várias técnicas para fomentar o pensamento criativo,
algumas das quais foram utilizadas no decorrer deste projeto.
Algumas dessas técnicas tiveram cariz mais pessoal e decor-
reram do próprio processo de trabalho; outras, envolveram
pessoas com as quais se ia partilhando uma ideia e um
caminho, utilizando para tal o “brainstorming online”, ferra-
menta muita facilitada nos dias de hoje, pelo uso da comuni-
cação eletrónica.

INOVAÇÃO
Vivemos num tempo em constante mudança, pautado pela
velocidade e a incerteza. Porém, nunca como hoje tal foi
tão evidente, quer pela rapidez de circulação da informação,
quer pela sociedade em rede global da qual fazemos parte.
Significa isto que vivemos continuamente em cenários de
mudança e que essa condição é parte intrínseca das nossas
vidas . Neste contexto, a inovação “comporta uma grande
componente de incerteza, composta de fatores técnicos, de
A inovação mercado, sociais, políticos, entre outros, e com a probabili-
dade do resultado final não ter o sucesso esperado...”, Tidd et
é um meio all (2003: 17).  
fundamental
para ganhar Em “O efeito Medici”, Frans Joahnsson começa e termina o li-
vro com o Café Peter, nos Açores. Naturalmente que não o faz
vantagem por mero acaso. Num livro dedicado por inteiro à interseção
competitiva e de campos de saber, descrevendo ou dando nota de múlti-
responder às plos casos de sucesso empresarial e académico, esse ponto
de encontro de navegantes que cruzam o oceano, serve de
necessidades metáfora para um novo tempo, um tempo em que a ciência
do mercado. disciplinar morreu (Alan Leshner). Ou, dito de outra forma, a
Mahomed Ussmane inovação na sociedade surge preferencialmente em projetos,
cujas equipas multidisciplinares produzem vários olhares
sobre o problema a resolver. 

O título do livro é, desde logo, um bom prenúncio do que


podemos encontrar no seu interior. Como é sabido, a famí-
lia Medici fomentou na Itália renascentista a interseção de
campos do saber, nomeadamente de pintores, escultores,
arquitetos, cientistas e filósofos. A consequência desta postura
disruptiva foi uma explosão de criatividade e inovação que
resultou da aprendizagem que tiveram entre si. A tese do au-
tor, sustentada por inúmeros casos referidos ao longo da obra,
é a de que também agora é exigível ter essa postura para a
materialização de projetos inovadores. É na multiplicidade

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que reside uma maior possibilidade de algo de novo acon-
tecer.

Lembra-nos esta breve referência aos Medici, enquanto pólo


potenciador de criatividade e inovação, o papel dos cafés do
modernismo. Também aqui, poetas, artistas plásticos, músi-
cos e demais pessoas ligadas às artes e à literatura, tiveram
um ambiente propício à criação e interseção de campos que
resultou numa explosão de ideias, criatividade e inovação.

Todos os projetos se alimentam da capacidade de pensar,


sentir e atuar criativamente. As obras de comunicação visual
que este trabalho contempla não são exceção, nessa tentativa
da procura do novo, que a interseção de várias áreas estimula
e permite. A boa ideia que se procurou na concretização
deste projeto, nomeadamente na produção das obras visuais
interativas que se apresentam na parte final, assentou nessa
dinâmica de criatividade e inovação que este texto, em jeito
de preâmbulo, pretende refletir.

Em termos metodológicos, no que diz respeito essencial-


mente às obras produzidas, foi pensado previamente um
caminho possível, de acordo com os objetivos delineados.
Porém, o processo não foi linear e previsível, de forma a
antecipadamente construírmos uma imagem do que alme-
jávamos. Partilhamos inteiramente o pensamento de Catmull
quando afirma, “Acredito piamente na natureza caótica do
processo criativo. Se aplicarmos demasiada estrutura, mata-
mo-lo” (2014: 267).

Essa imprevisibilidade parece ser o paradigma da inovação.


Ou, se quisermos, parte significativa na criação do novo re-
sulta de algo surpreendente que se consegue fazendo. Muitas
vezes cometendo erros, mas são esses erros que nos ajudam
a reposicionar o caminho a seguir.

Aproximação a uma imagética milenar


A comunicação no espaço público teve durante milhares de
anos um papel exclusivo, no sentido de mediar a comunica-
ção entre os vários agentes sociais. Embora com diferentes
configurações, suportes, linguagens e técnicas, determinadas
por aspetos fundamentalmente tecnológicos e sociológicos
da sociedade de então, podemos referir-nos aos objetos de
comunicação da antiguidade como precursores de uma es-
tética de visibilidade e pensá-los como formas rudimentares

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dos suportes de comunicação visual dos nossos dias, nome-
adamente do cartaz.

Afinal, o que separa essas “imagens” - blocos de pedra, muros


decorados, obeliscos, artefactos arquitetónicos - e as imagens
de síntese que materializam espaços fantasmagóricos como
Times Square ou Picadilly Circus? (Mesquita, 2006). Ilharco
diz-nos que “não só a moderna tecnologia industrial e as
tecnologias de informação, mas toda a tecnologia que marca
a história do Homem, desde a utilização da pedra, da inven-
ção do fogo ou da descoberta da agricultura, são modos de
revelar o mundo”, (2004: 22). Podemos daqui inferir que o que
separa essas imagens entre si, o que as torna tão diferentes
aos nossos olhos, deriva do contexto em que foram produzi-
das e da tecnologia inerente à sua produção. Certo é que para
chegarmos à civilização da imagem, houve um início dos
sinais algures no tempo e um longo percurso de evolução. 

A comunicação através dos sinais, signos, ícones e outras


formas é uma herança com vários milhares de anos, tantos
quantos o homem vive em sociedades organizadas (Meggs
e Purvis, 2012, VIII). Esta herança reflete, pois, um percurso
evolutivo e cumulativo, no sentido em que cada nova desco-
berta acrescentou algo à anterior, permitindo um novo olhar
sobre o mundo (Cloutier, 1975). Pequenos atos, tais como fixar
um desenho numa gruta ou desenhar o símbolo que daria
origem à primeira letra, mais não foram do que pequenos -
grandes gestos que permitiram iniciar um caminho ainda em
construção.

Determinar a origem do cartaz e consequente evolução


histórica, varia de acordo com os pressupostos de análise que
utilizarmos. Mesmo na hipótese de situarmos o seu nasci-
mento no decorrer do século XIX, o que aconteceu relativa-
mente ao cartaz moderno, a totalidade dos meios de comuni-
cação, excluindo a imprensa e a fotografia, são mais recentes.

Numa tentativa de compreensão das suas origens teremos


de recuar às primeiras civilizações para encontrar alguns
vestígios, por mais ténues que eles num primeiro olhar nos
possam parecer. É este um dos exercícios que nos propomos
fazer e que, em síntese, aborda os primórdios da comunica-
ção visual. Muito embora esse tempo seja um tempo mol-
dado pela “ausência” de tecnologia, tal como hoje a enten-
demos, é também um tempo rico em progresso tecnológico
e científico e, inclusive, fértil segundo um ponto de vista

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estético-visual. Foram criadas, então, diretrizes basilares que
estruturam ainda o conhecimento e práticas de visibilidade
da nossa contemporaneidade, nomeadamente ao nível do
design gráfico (Meggs e Purvis, 2012).

Só nos últimos 30.000 anos, aproximadamente, a imagem


surgiu como manifestação pictórica capaz de representar e
expressar a imagética e o quotidiano do Homem (Gubern, A arte na
1996). O próprio corpo, foi certamente um dos primeiros
suportes de manifestação visual, exteriorizando através dele
antiguidade
estados de guerra, amor ou paz. As folhas e cascas de certas surgiu ao
árvores, bem como outros artefactos encontrados na nature- serviço de um
za, serviram também como suporte à fixação de mensagens. 
ritual, primeira-
Porém, as pinturas em grutas são o exemplo eloquente desses mente mágico,
primórdios, uma marca indelével na história da humani- depois, religioso.
dade, legadas pelo nosso antepassado homo sapiens. A arte
rupestre foi a primeira expressão humana visual com registo Walter Benjamin
durável e que podemos ainda encontrar em Altamira (Es-
panha), Lascaux (França) ou no Vale do Côa (Portugal), repor-
tando apenas casos situados na Europa. Nos dois primeiros,
podemos ver desenhos e pinturas, denominados pectrogra-
mas; no último caso, são desenhos gravados ou entalhados
em rochas, designados por petroglifos.

Podíamos aqui colocar a questão de saber se a arte rupestre


é uma linguagem e, neste sentido, se cada desenho/pintura
teria como objetivo, por parte do emissor, comunicar deter-
minada mensagem. Para Benjamin (2012: 33), a arte na anti-
guidade surgiu “a serviço de um ritual, primeiramente mágico,
depois, religioso” . Embora esta questão seja pertinente, não
cabe aqui fazer um enquadramento profundo sobre esta
matéria. Remetemos, porém, a possibilidade de uma res-
posta para Calabrese (1986), autor que elenca várias posturas,
nomeadamente de semiólogos e de linguistas. Os primeiros,
tendencialmente a favor da arte como linguagem; os segun-
dos, com uma postura contrária, anulando ou reduzindo a
pintura, no caso, “a pura expressão auto-reflexiva, o que exclui
a possibilidade de lhe chamar linguagem”, Mounin e Passe-
ron (in Calabrese, idem: 91). Algum consenso parece existir,
no entanto, que diz respeito à obra assumir um significado
a posteriori, devido à relação pintor e esfera de fruidores,
segundo os mesmos autores.

Independentemente do esgrimir de argumentos sobre a


questão, questão esta colocada à arte em geral, a produção
de sinais, marcas e símbolos, num primeiro momento,

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e mais tarde a escrita, foram: 

A contrapartida gráfica das palavras e dos pensamentos... ambos


foram caminhos naturais de comunicar ideias e cedo os nossos ante-
passados usaram imagens como um caminho elementar de gravar e
transmitir informação, Meggs e Purvis, (2012: 6). 

Estes “monumentos”, expressão que inclui todas as manifesta-


ções visuais do homem de outrora, são também considerados
por muitos os precursores da nossa escrita (Frutiger, 1994: 77). 

As poucas imagens de outrora que conhecemos expressam


A invenção da um tempo longínquo, manifestado nos suportes que utiliza-
escrita permitiu vam, na mensagem e no próprio desenho da informação.
Mas, se “toda a obra de arte é filha do seu tempo e, muitas
a evolução da vezes, a mãe dos nossos sentimentos” Kandinsky (1998: 21), a
humanidade incompreensão e as múltiplas interrogações que ainda hoje
perduram no entendimento dessa expressão visual, identi-
em todos os ficam-nos bem a dificuldade em nos debruçarmos sobre o
domínios, ao passado. 
longo de Existiu, porém, a linguagem, algum tipo de linguagem:
milénios.
Meggs e Purvis Um sistema de entendimento recíproco cujo desenvolvimento decor-
reu ao longo de milhões de anos e que em princípio consistia em
parte só em ruídos, alguns certamente apoiados por outras formas de
expressão que não se “dirigiam” exclusivamente ao sentido do ouvido,
(Frutiger, idem: 77).

Necessidades relacionadas com questões práticas diárias mo-


tivaram e desenvolveram o intelecto do homem, levando-o
a encontrar respostas importantes na criação de ferramentas
que permitissem a organização da sociedade. A descoberta
da escrita foi a mais importante dessas ferramentas e um
marco fundamental na história do homem. De acordo com
Meggs e Purvis:

A invenção da escrita está profundamente relacionada com as pri-


meiras sociedades organizadas, cuja resposta a questões práticas do
dia a dia era crucial para a sobrevivência, tais como, “Quem paga os
impostos?”, “Que quantidade de comida foi armazenada? Terá sido
a suficiente até à próxima colheita?”. Por outro lado, circunscreve-se
também a uma necessidade de registo do pensamento, das vivências
e da obra produzida, legando esse conhecimento para as gerações
futuras. Permitiu, assim, a evolução da humanidade em todos os

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domínios, ao longo de milénios, (Meggs e Purvis 2012: 9).

Para além da razão prática indicada, a invenção da escrita


permitiu a passagem de uma sociedade assente na oralidade
para uma sociedade capaz de registar os seus feitos e de os
transmitir às gerações futuras.

No que diz respeito à evolução da própria escrita, sabe-se


que esteve profundamente relacionada com o desenvolvi-
mento da cultura visual. Na base desta evolução estiveram a
tendência para a simplificação e a estilização que os artistas
do paleolítico desenvolveram. No paleolítico superior alguns
petroglifos e pictogramas foram reduzidos ao ponto de quase
se assemelharem a letras (Meggs e Purvis, 2012: 8). Petroglifos
provenientes da civilização Suméria que podemos ver em
vários museus, evidenciam e fundamentam a afirmação ante-
rior. A simplificação de algumas imagens, nomeadamente da
figura humana, parecem indiciar já algumas letras do nosso
alfabeto.

Podemos aqui denotar já algumas sementes do cartaz? Esta é


uma questão cuja resposta é complexa e “muitas vezes uma
maneira de mascarar uma dificuldade básica na criação da
história de um tema”, Quintavale (in Calçada, 1993: 27). Em-
bora o autor se situasse no campo do design, pensamos que
a questão se pode colocar com toda a pertinência no cartaz,
dada a relação indissociável entre os dois universos.
Interessa-nos procurar vestígios desse “objeto gráfico” que
milhares de anos depois se veio a designar como cartaz. A
maioria dos exemplos dados não se circunscreve na atual
definição de cartaz. São objetos/artefactos únicos que espe-
lham tempos ancestrais, mas que nos “mostram” a apetência
do Homem pelo visual. O nosso propósito é apenas o de
mapear alguns vestígios que chegaram até hoje e que, no
nosso entender, são estruturantes de um pensamento e de
uma expressão visual dos quais somos herdeiros.

Evidentemente que não se pode estabelecer uma relação


profunda de similaridade entre o paleo-cartaz e o cartaz
moderno. O fosso entre as condições socioeconómicas e tec-
nológicas das sociedades de então e dos tempos modernos é
incomensurável, refletindo milhares de anos de evolução da
humanidade. 

Do desenho ao alfafbeto: percurso de construção das letras A e M

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Há 6.000 anos aproximadamente, surgiram as primeiras
civilizações organizadas e com elas a importância e a necessi-
dade de instituir práticas de comunicação entre os respetivos
atores sociais, nomeadamente entre o poder e os súbditos. De
acordo com Counsel:

As raízes da civilização moderna, tal como da publicidade exterior,


devem procurar-se no vale situado entre os rios Eufrates e Tigre. Aqui
se situa o berço da civilização humana, dado que aqui viveram as
primeiras sociedades organizadas, tais como os Sumérios, que atingi-
ram níveis de desenvolvimento bastante acentuados. Nesta região e
outras adjacentes sempre existiu publicidade exterior, quer por neces-
sidade, quer por escolha (Counsel, 1939: 15).

Nasceram, assim, as primeiras formas, ainda que rudimentar-


es, de “publicidade”. Ou, se quisermos, formas de paleo-publi-
cidade, uma vez que nos remetem para um tempo primordial Os Sumérios
em que as formas da imagem eram arcaicas.
(6.500 a.C. –
Os Sumérios (6.500 a.C. – 1940 a.C.) e os seus descendentes 1940 a.C.) eram
semitas foram um dos povos mais proeminentes da antigui- possuidores de
dade, possuidores de “um intelecto bastante lógico-dedutivo”
(Frutiger, 1994: 84). Legaram-nos um património visual de
um intelecto
grande valor inscrito nomeadamente em peças cerâmicas, bastante lógico-
combinando imagem e texto em composições gráficas bem dedutivo
equilibradas. Detinham já uma preocupação estético–comu-
nicacional evidente quando, por exemplo, atribuíram dife- Adrian Frutiger
rentes níveis de visibilidade/leitura, moldando já os alicerces
da hierarquização da informação que hoje é um requisito fun-
damental na comunicação visual. A necessidade de referen-
ciarem a propriedade de certos bens e das artes e ofícios do
povo, através de um sistema de identificação visual, remete-
-nos para os antecedentes da marca visual.

Em termos do que poderemos considerar vestígios próxi-


mos do paleo-cartaz na civilização suméria, May (1928; 14),
considera a Pedra de Moabite, com 3.000 anos [aprox.], como
tendo sido o primeiro cartaz. Para além de contemplar a
emissão de uma mensagem devidamente organizada, apre-
senta também um conteúdo persuasivo, de forma não só a
registar uma conquista, mas também a sensibilizar e condi-
cionar o pensamento à época.

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Por seu lado, Thompson afirma que:

As elaboradas inscrições feitas em lugares públicos com o fim de


glorificar as novas dinastias e diminuir os seus antecessores, de que é
exemplo Urukagina e Lagash, de 2 350 a. C., constituem uma carac-
terística distintiva da propaganda suméria”, (Thompson, 1999: 136). 

Os egípcios inventaram os hieróglifos, escrita pictográfica,


cuja base assenta no desenho de sinais. Cada pictograma re-
presentava um objeto, animal ou pessoa. Criaram também o
rebus, outro processo de escrita que os escribas conceberam
quando eram confrontados com palavras difíceis de expressar
visualmente. Estes dois casos evidenciam que este povo deu
um contributo assinalável para o desenvolvimento de uma
cultura visual. Por outro lado, a descoberta do papiro, muito
abundante devido ao vale fértil do Nilo, foi um marco im-
portante da civilização e na ótica de Meggs e Purvis “o maior
passo para a comunicação visual” (idem: 15).

Estes recursos permitiram que os egípcios se afirmassem


como tendo sido a primeira civilização a produzir manuscri-
tos ilustrados e a decorar paredes (muros) que combinavam
o seu sistema de escrita com ilustrações. O livro The book of
dead (2300-1200 a. C) é um bom exemplo com uma listagem
de ilustrações, Lester (1995: 168).

Para além da decoração de paredes com mensagens, os


egípcios também utilizavam blocos ou placas de pedra,
bronze ou madeira, denominados stelae – lages com cerca de
5 pés de altura, 1,5 pés de largura e 11 polegadas de espes-
sura.  Counsel afirma que “tudo isto era uma forma indireta de
publicidade exterior” (1939: 13), referindo ainda que “o Egito se
tornou num local com importantes anúncios e outros docu-
mentos históricos no espaço público” (idem: 15).

Reforçando a importância do stelae, o mesmo autor diz


também o seguinte, sobre as primeiras construções pelos
egípcios:

[...] eram placas verticais – lajes de pedra – a que os gregos chama-


ram stelai, utilizadas para uso público, tais como leis, decretos, ad-
vertências, fronteiras e datas importantes. O termo stelai era também
utilizado para designar uma área determinada numa parede ou para
designar uma pedra vertical, referenciadas como obeliscos. Estes ob-
jetos eram, por vezes, duplicados e colocados em diferentes locais de

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exposição pública, para que a mensagem fosse mais eficaz, chegando
a mais pessoas. Este aspeto da repetição configura, como é sabido,
uma das técnicas mais eficazes do cartaz moderno (idem, ibidem)

Um documento importante a destacar nesta abordagem é a


Pedra de Rosetta, encontrada perto de uma cidade denomi-
nada Rosetta (Egito). Em basalto preto, tem aproximadamente
92 cm de largura, 75 cm de altura e 28 cm de espessura e a
sua gravação (coberta de pequenas figuras) data do ano de
196 a. C. Foi escrita por um grupo de sacerdotes egípcios e
nela se relatam os feitos do faraó. Extraordinário numa pers-
petiva de meio publicitário, parecendo indiciar já os tempos
modernos, é o facto de estar entalhada com três formas de
escrita: hieroglífica egípcia, demótica egípcia e grega. Assim,
facilmente poderia ser compreendida pelos colonizadores
gregos e pela restante população que falava egípcio. 

Com a referência a estes documentos pretende-se represen-


tar simbolicamente muitos outros produzidos. Nos casos que
analisámos, estamos perante exemplos evidentes de propa-
ganda político - religiosa. O suporte usado, a pedra, era um
dos materiais mais resistentes estando, regra geral, associado
a informação de grande importância emitida pelo poder:
textos legais e comemorações de triunfos militares. Para cor-
roborarmos este aspeto, fazemos duas referências que nos
parecem elucidativas, a primeira das quais de Weiner (1906),
afirmando que o primeiro registo autêntico de publicidade
primitiva se encontra na história bíblica, através dos Dez Man-
damentos gravados em pedra por Moisés.

A segunda nota é de Thompson dando conta que:

Num painel de composição em lousa de Heliópolis, de 3000 a. C.,


pode observar-se uma vitória real, com os soldados inimigos decapi-
tados e um prisioneiro conduzido por uma corda presa às narinas,
que constitui um exemplo notável e de modo algum isolado de
trabalho artesanal de grande qualidade dedicado à promoção de uma
mensagem política (Thompson, 1999: 134).

Os gregos, em termos de produção de mensagens, herdaram


todas as práticas atrás referidas. Para além disso, introduzi-
ram o conceito de simetria e identificaram algumas formas
amigáveis ao olhar, baseados nas observações que fizeram do
mundo (Lester, 1995: 168). Coube-lhes, por exemplo, inven-
tar a leitura da esquerda para a direita que perdurou até aos

25
nossos dias. No que diz respeito ao processo de reprodução
de obras de arte, apenas conheciam a fundição e a cunhagem
(Benjamin, 2012[a]: 49). 

Para além do stelae, o álbum foi outro importante meio


utilizado no império romano. Colocado em locais de grande
concentração e passagem de pessoas, consistia numa super-
fície em madeira, esbranquiçada com cal, na qual se faziam
inscrições pintadas a negro ou vermelho, que facilmente se
podiam apagar. Dava informação diversa, levando, nomeada-
mente, ao conhecimento público decisões das autoridades,
podendo também fornecer informação de caráter comercial
como a venda e aluguer de bens. Nas palavras de Victoroff
(s/d: 23) “era uma espécie de jornal oficial”.

O libellus, outra espécie de cartaz para publicação oficial,


caracterizava-se por fornecer informação sobre determinado
anúncio público: a data, o nome da cidade e uma breve des-
crição. Um libellus encontrado em Pompeia dizia que: 

Vinte pares de gladiadores fornecidos por D. Lucretus Satrius Valeus,


filho, combaterão em Pompeia a partir do dia 4 de Abril. Haverá uma
venatio - combate entre homens e animais selvagens, (Victoroff, s/d:
24).

Uma manifestação que terá contribuído de forma significativa


para o desenvolvimento da comunicação visual nas civili-
zações antigas, particularmente no império romano, foi o
grafite. Mensagens sintetizadas, escritas em carvão ou noutro
tipo de material de curta duração, eram colocadas nas pare-
des do Fórum com maior visibilidade. Este tipo de informação
funcionava como jornais murais, difundindo slogans sobre
política, produtos à venda e outro tipo de anúncios, alguns
até de cariz pessoal. O caráter não oficial desta forma de ex-
pressão, vulgarmente caracterizada como marginal e popular,
teve particular utilização em Pompeia.

Enquanto manifestação pública de revolta, contestação e


mal-estar social, o grafite não se extinguiu. Ele está presente e
assume, por vezes, contornos de grande repercussão, espe-
cialmente nas grandes cidades. Dois casos paradigmáticos
são o de Jean–Michel Basquiat, em Nova Iorque, nas décadas
de 70 e 80 do século passado; e de Eduardo Kobra, em São
Paulo, nos anos mais recentes. Ambos os artistas se apro-
priaram da linguagem do grafite, particularmente Basquiat,

26
implementando um elevado valor semiótico nas mensagens.
São de destacar as expressões linguístico-pictóricas sintetiza-
das, utilizadas na “tag”, assinatura do artista do grafite, signifi-
cando “eu existo, eu estive aqui”, sinal que podemos conotar
como próximo da assinatura do cartaz atual. 

Se o advento do papiro conferiu flexibilidade e mobilidade à


comunicação visual, a invenção do papel reforçou estas duas
características. Pela importância que tem tido e continua a ter,
enquanto suporte de registo, é um dos marcos importantes
na história da Humanidade (Meggs e Purvis, 2012). O fabrico
e difusão do papel denotam indubitavelmente uma marca no
desenvolvimento intelectual da humanidade.

O conhecimento deste suporte levou os chineses a inven-


tarem várias formas de impressão, das quais se destacam
a serigrafia, a xilogravura e a imprensa. Segundo Benjamin
(2012[a]), com a xilogravura – técnica de impressão na qual
se utilizam matrizes de madeira, funcionando tipo carimbo – 
pela primeira vez a arte gráfica tornou-se reprodutível, muito
antes que o mesmo ocorresse com a escrita.

A imprensa com carateres móveis foi outra invenção dos


chineses, que aconteceu por volta do século VIII, e que muito
está relacionada com o conhecimento que detinham do pa-
pel. Por estas razões, os chineses começaram a imprimir livros
muito antes da era de Gutenberg.  No que diz respeito aos
cartazes, eram impressos pelo processo tipográfico, tal como
acontecia com os livros, com tinta preta, ocasionalmente com
ilustrações em xilogravura (Hollis, 2011: 11).

Estas notas dispersas, com sentido cronológico sobre as


origens da comunicação visual, evidenciaram um período de
tempo da Humanidade que decorreu ao longo de vários mi-
lhares de anos. Embora um tempo arcaico aos olhos de hoje,
pode afirmar-se que a cada tempo o Homem soube criar e
desenvolver ferramentas, tal como aconteceu com a invenção
da linguagem visual e da escrita. O paleo-cartaz congregou
ambas e ele próprio se converteu num elemento importante
nessas sociedades, à falta, como afirmámos, de outros meios
de comunicação.

27
28
As características da língua chinesa, com milhares de ideo-
gramas, impediram que o processo de impressão, por eles
inventado, fosse tão eficaz como o foi para os alfabetos latino
e grego. McLuhan diz a este propósito que 

Imprimir ideogramas é completamente diferente de tipografia


baseada no alfabeto fonético, porque o ideograma, ainda mais que o
hieróglifo, é uma estrutura, uma complexa Gestalt que envolve todos A Bíblia
os sentidos ao mesmo tempo, McLuhan (1977: 62). 
Pauperum é, de
Por esta razão, apenas vários séculos depois a imprensa mó- certa forma, a
vel é redescoberta, por Gutenberg, tornando-se num marco precursora dos
indelével e decisivo na história do Homem moderno. Embora
fruto da persistência e determinação de um só homem, este
modernos meios
ato espelha, contudo, o clima económico-social de “abertura de massa, na
a novos mundos” numa explosão de inovação nas artes e no medida em que
conhecimento em geral que caracterizou a Renascença. 
adequa o gosto
Imprimir imagens nesse tempo era um processo complexo, e a linguagem
moroso e caro, o que significa que raramente acontecia. A
Bíblia Pauperum, pela primeira vez impressa em 1465, é um
às capacidades
caso raro. Foi produzida integralmente com imagens, per- recetivas, do
mitindo que todos os que não soubessem ler, o que à época próprio meio de
era a esmagadora maioria, conseguissem reconhecer e
«ler» as imagens bíblicas veiculadas. Eco faz uma referência
comunicação.
Umberto Eco
interessante dizendo que a Bíblia Pauperum é, de certa forma,
a precursora dos modernos meios de massa, na medida em
que adequa o gosto e a linguagem às capacidades recetivas,
do próprio meio de comunicação, (Eco, 1991: 30).

Em termos estéticos, havia uma limitação no livro impresso,


comparativamente com o período precedente, a Idade Média,
cujos copistas elaboravam um trabalho artístico e minucioso.
As novas obras produzidas pelo processo mecânico não
tinham a riqueza gráfica das produzidas manualmente (nos
seus títulos de página, ilustrações, cor, mapas, índices, etc.).
Por esta razão, a imprensa 

[…] nas suas primeiras décadas mal compreendida e mal aplicada,


não era raro que o comprador de um livro impresso o levasse a um
copista para copiá-lo e ilustrá-lo, McLuhan (1977: 198). 

Será necessário esperar alguns séculos até à descoberta da


litografia, para que esta situação se altere profundamente.

29
O cartaz deste período histórico, que denominamos por
cartaz-folheto, caracterizava-se pela ausência de imagens.
O texto a uma só cor, normalmente preto, marcava toda a
mancha gráfica da composição, sendo uma forma incipiente
do cartaz policromático surgido mais tarde. 

Um dos primeiros exemplares deste tipo do cartaz-folheto,


data de 1480 e denomina-se The Pyes of Salisbury Use. Foi
produzido pelo inglês William Caxton, contemporâneo de
Gutenberg, e introdutor da imprensa móvel no Reino Unido.
O conteúdo era de caráter religioso e foi distribuído à porta
das igrejas. 

A situação não sofreu grandes alterações até finais do século


XVIII. Ou seja, continuaremos a ter um cartaz cuja mensa-
gem assentava essencialmente no elemento linguístico. A
exposição “300 anos do cartaz em Portugal”, realizada entre
1975-76, corrobora justamente a afirmação anterior (Rocha,
1975/6). Os primeiros cartazes da coleção não têm imagens.
Tal só começou a acontecer com mais frequência já no
decorrer do século XlX.

O americano Darius Wells (1800-75) inicia a experimentação


de tipos de madeira – carateres de imprensa –, parecendo
ir em contracorrente, face ao domínio do metal nas artes
gráficas. Esta descoberta, ocorrida no ano de 1828, tornava o
processo de impressão menos dispendioso, face aos tradi-
cionais tipos em metal, provocando a adesão massiva do
mercado. Assistiu-se, a partir de então, à exportação de tipos
de madeira dos Estados Unidos e da Europa. Os americanos
importavam o design dos respetivos tipos. 

Note-se que nesta época o cartaz-folheto, tal como hoje o


entendemos, não era concebido graficamente. O procedi-
mento normal era o compositor dialogar com o cliente, es-
colhendo os tipos e seus tamanhos, para posterior montagem
e impressão. 

No último quartel do século XlX, assistiu-se já ao nascimento


de um cartaz, no qual a imagem e a cor surgem com força vi-
sual, assumindo uma importância até então vedada (Meggs e
Purvis, 2012: 150). Não obstante, também a tipografia assume

30
novo valor pictórico, motivado pela forma, tamanho, cor e
sintaxe, valorizando a mensagem ao enfatizar determinados
aspetos em detrimento de outros (Moholy-Nagy, in Barnicoat,
2000: 90).

Bíblia Pauperum, por


Johannes Gutenberg,
com imagem impressa
a partir de um padrão
que foi cortado na
superfície de um bloco
de madeira.
Trabalho efetuado por
volta de 1462. 31
32
Em finais do século XIX estavam criadas as condições para o
nascimento do cartaz moderno. Para além do papel ser já um
suporte de utilização comum, conjugaram-se diversos fatores
favoráveis ao seu aparecimento. Nas décadas posteriores, o
cartaz assumiu um protagonismo de visibilidade que apenas
a televisão (meados do séc. XX) e mais tarde a internet (finais
do século XX) tentaram ofuscar. Porém, ainda hoje o cartaz
continua muito presente. As ruas, avenidas e praças das nos-
sas grandes cidades espelham bem a importância do grande
cartaz no espaço público.

Para Espada (1998), o aparecimento do cartaz moderno


deveu-se a quatro fatores essenciais: tecnológicos, socio-
económicos, socioculturais e estéticos.

Relativamente aos fatores tecnológicos, a descoberta da


litografia (do grego lithos, pedra e grapho escrever) por Aloys
Senefelder, em 1796, é um marco fundamental na história das
artes gráficas e, por consequência, do cartaz. Para além da A litografia
revolução que provocou na impressão de material, este pro- permitiu às
cesso foi o precursor de outras técnicas de impressão gráfica,
tais como o offset que mais tarde dominaria o processo de
artes gráficas
impressão. irem ilustrando
o quotidiano.
Com a litografia atinge-se um estádio fundamentalmente
Walter Benjamin.
novo de reprodução de imagens, utilizando a cor, normal-
mente ausente no cartaz. Benjamin dá-nos uma nota interes-
sante sobre esta tecnologia, dizendo que 

A litografia permitiu às artes gráficas irem ilustrando o quotidiano,


Benjamin, (2012: 15).

Em termos de produção de comunicação visual, a litogra-


fia trouxe múltiplas vantagens, destacando-se as seguintes
novidades:

- A possibilidade de desenhar diretamente na pedra litográfi-


ca, permitindo, assim, que o artista tivesse o controlo absoluto
sobre a sua obra;

- A utilização de diferentes ferramentas de desenho [pincéis,


lápis, estiletes e outros], permitindo trabalhar os elementos
gráficos com perícia (ponto, linha, forma, texturas ...), de forma
livre, com os resultados cromáticos que o artista quisesse
incutir na obra.

33
Com a conjugação do descrito nos pontos anteriores, simpli-
ficou-se a produção de informação gráfica com cor, tal como
a partir daí se verificou no cartaz.

As vantagens assinaladas permitiram um desenvolvimento


sem paralelo na produção de material gráfico. Do ponto de
vista da difusão, a litografia permitiu também a obtenção
de índices de reprodução até à data impensáveis. Por volta
de 1848, já se imprimiam cerca de 10.000 folhas por hora e
no final do século, em 1899, só em França, foram impressos
1.200.00 cartazes (Espada, 1998: 12). 

O alcance desta tecnologia teve um impacto extraordinário


para a sociedade, ao ponto de Benjamin considerar que nela
estava virtualmente oculto o jornal ilustrado, tal como na
fotografia estava o filme sonoro (2012[a]: 15). 

Em termos de fatores socioeconómicos, vivia-se à época um


clima de grande euforia, motivado pelas repercussões da Re-
volução Industrial. O liberalismo económico, enfatizando a lei
da oferta e da procura, criou as condições para o nascimento
de grandes grupos económicos, alguns deles detentores de
marcas globais que se solidificaram ao longo do século XX.
As exposições mundiais, dirigidas sobretudo para a mostra
de produtos tecnológicos, serviram de montra para os países
mais evoluídos. 

O aumento da produção de bens e serviços motivou o


crescimento da concorrência e o excedente da produção. As
cidades aumentaram de volume, serviços, informação e  dina-
mismo. Entretanto, o automóvel surge no início do século XX
e com ele a mobilidade das pessoas que se foi acentuando
ao longo do século. Refira-se que um dos aspetos determi-
nantes do grande desenvolvimento da publicidade exterior
e consequentemente do cartaz, em muito se fica a dever ao
automóvel e meios de transporte em geral. Ou seja, a mobili-
dade das pessoas, cujo crescimento se verificou ao longo do
século XX, contribuiu para que o espaço público assumisse
de novo um importante papel de interação entre os vários
intervenientes.

Todos estes aspetos tiveram particular relevância nos Estados


Unidos, país em que as grandes indústrias de cereais, tabaco e
bebidas cedo se aperceberam do potencial do cartaz, utilizan-

34
do-o na promoção e divulgação dos seus produtos.

Estavam, então, lançadas as sementes que conduziriam à


nossa contemporaneidade e que Baudrillard caracteriza da
seguinte forma:

Vivemos o tempo dos objetos: quero dizer que existimos segundo


o seu ritmo e em conformidade com a sua sucessão permanente.
Atualmente somos nós que os vemos nascer, produzir-se e morrer, ao
passo que em todas as outras civilizações anteriores eram os objetos,
instrumentos e monumentos perenes, que sobreviviam às gerações
humanas, Baudrillard, (1995: 15).

No que diz respeito aos fatores socioculturais, as profundas


alterações tecnológicas que se fizeram sentir contribuíram
para a multiplicação de imagens no espaço público. A arte, Um belo cartaz
até então restrita e atributo de uns poucos, chega a cada vez
mais pessoas. Lembre-se que a fotografia, com escassas deze-
sobre a parede,
nas de anos, começava paulatinamente a surgir na esfera so- chega a ser
cial, permitindo que cada vez mais pessoas tivessem contacto imortal...por 24
com a imagem. A este nível a fotografia teve um importante
papel na democratização da arte, até aí apenas acessível a uns
horas.
poucos. Novos hábitos, gestos e modos de viver surgem, es- Hans Lindenstaedt
pelhando tempos de progresso e uma sociedade voltada para
o futuro. É neste contexto que o cartaz se assume em todo o
seu esplendor, nomeadamente em termos publicitários, o que
algumas marcas não desperdiçaram.

O caráter efémero do cartaz leva a que Hans Lindenstaedt


afirme, ironicamente, que “um belo cartaz sobre a parede,
chega a ser imortal...por 24 horas” (in Espada, 2000: 16). Esta
característica gerou um fenómeno cultural à época, levando
muitas pessoas ao colecionismo do cartaz, iniciando-se assim
uma nova atividade lúdica que rapidamente se transformou,
para muitos, em atividade comercial.

Sobre os fatores estéticos, assistiu-se a uma renovação de


vários conceitos a partir de 1867, em muito motivada pela
exposição de gravações japonesas em Paris, que fascinou Van
Gogh, Monet, Seurat e outros. A falta de sombras e perspeti-
vas profundas; as cores puras e de grande qualidade de im-
pressão; a liberdade para a eleição dos temas; e a linha como
fator essencial, provocaram os artistas, questionando-
-os sobre as suas opções estéticas, até então marcadamente
realistas (Espada, idem: 19). Um novo olhar começa a surgir,
levantando interrogações de vária ordem, impulsionando

35
posturas gráficas mais subjetivas sobre a natureza e o indi-
víduo.

Assinale-se uma outra ordem de fatores que nos parece


importante referir e que se prende com a própria adequação
da estrutura das cidades ao cartaz. Paris, entre 1853 e 1870, a
mando do barão Haussmann, demoliu velhos bairros me-
dievais, condição para o desenho e construção de grandes
e espaçosas avenidas, oferecendo aos cartazistas espaços
(fachadas, muros e outros elementos imobiliários) para a
afixação de cartazes (Rueda, 2000: 22). A definição de locais
próprios, bem como a criação de estruturas adequadas à
fixação do cartaz transformou Paris numa cidade dinâmica e
muito apetecível para conhecer. Os visitantes das Exposições
Mundiais, por volta de 1900, foram intensamente seduzidos,
O importante é com o intuito de promover um grande aumento na venda
encontrar uma dos seus produtos. Os cartazes expostos nessas estruturas
espalhadas pela cidade publicitavam todo o tipo de produtos,
silhueta que desde bicicletas, medicamentos ou visitas a clubes noturnos
seja expressiva, (Fahr-Becker, 2000: 90).
um símbolo Também do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos evi-
que, simples- denciaram desde cedo o potencial do cartaz. Em Nova Iorque
mente por sua abre em 1904 a primeira linha do metropolitano com publici-
dade disponível e, passados poucos anos, em 1912, é estabe-
forma e cor, lecida uma rede nacional estandardizada para o grande cartaz
possa atrair de rua (Mesquita, 2006: 54). 
a atenção de Para Moles, o cartaz moderno nasceu do desejo e interesse
uma multidão em divulgar o anúncio impresso que começava a surgir, tal
e dominar os como acontecia também com o cartaz publicitário. Os pro-
transeuntes. gressos técnicos nos processos de impressão permitiram que
tal fosse possível (Moles, 1987: 21).
Maurice Denis

Durante as primeiras décadas do cartaz moderno, houve uma


grande cumplicidade com a pintura, o que denota grande
envolvimento das correntes artísticas da época. Com efeito,
a Arte Nova e seus artistas influenciaram decididamente os
primeiros tempos do cartaz moderno. Uma das razões para
tal era o facto dos artistas publicitários serem também artistas
pintores, uma vez que a técnica do cartaz estava muito rela-
cionada com a perícia em trabalhar a pedra litográfica. 

As palavras de Maurice Denis, destacado pintor e cartazista,


descreviam assim o cartaz moderno:

36
O importante é encontrar uma silhueta que seja expressiva, um sím-
bolo que, simplesmente por sua forma e cor, possa atrair a atenção de
uma multidão e dominar os transeuntes, Espada, (1998: 20). 

Ou seja, o cartaz combina a arte visual estrita e a arte tipográ-


fica, sintetizando uma ideia a comunicar e, nesta perspetiva, é
um lugar:

Onde se fundem os dois, onde a tipografia se torna imagem letrista,


onde as letras abandonam sua rigidez categorial, onde os elementos
da imagem adquirem valor simbólico e, portanto, linguístico, (Moles,
1987: 251).

Em termos de periodização, Espada (1998) indica algumas


hipóteses plausíveis para o cartaz moderno. A primeira delas
tem base de sustentação em Barnicoat (2000), optando o au-
tor por uma análise histórica, segundo três perspetivas:

Valor artístico
Valor artístico adquirido
Valor artístico também apropriado.

No primeiro caso, como valor artístico, o autor situa-se na


avaliação do cartaz, ao longo do tempo, tendo como base a
valorização artística do objeto circunscrito à estética da Arte
Nova. Enquanto valor artístico adquirido, o cartaz é anali-
sado segundo as vanguardas surgidas e a forma como esses
movimentos trabalharam o cartaz, no período entre guerras.
Por último, o cartaz como valor artístico também apropriado,
no qual se reflete a presença de vários movimentos artísticos,
tais como o expressionismo, o realismo, o surrealismo, entre
outros, ao longo da evolução do cartaz.

A validade da categorização sugerida por Barnicoat assenta


numa análise histórica, com uma forte incidência nos aspetos
artísticos. Muito embora se alicerce numa metodologia origi-
nal, torna-se escassa como ferramenta de trabalho, nomeada-
mente na vertente formativa (Espada, 1998: 24). 

Uma segunda categorização é baseada em Max Gallo (1973)


que define, para além do cartaz antigo, quatro grandes perío-
dos na história do cartaz moderno. A saber:

Do nascimento do cartaz publicitário [1893], ao início da Primeira

37
Guerra Mundial;
Da Primeira Guerra Mundial à Arte Deco;
Da Arte Deco e pós-cubistas até à Segunda Guerra Mundial;
Tendências do pós-guerra, a partir de 1950.

A classificação diacrónica proposta por Max Gallo (1973)


fundamenta-se nos estudos históricos, tendo as duas grandes
guerras como marcos importantes. Esta análise pressupõe
que estes dois acontecimentos marcantes na Europa provo-
caram grandes transformações no cartaz.

Noutra categorização pode classificar-se a história do cartaz


moderno por movimentos estético-culturais importantes ou
artísticos, surgidos ao longo do século XX. Esta opção parece-
nos adequada, um vez que não rejeitando qualquer das
anteriores, acrescenta algum valor, segundo a perspetiva que
aqui nos interessa: a de destacar marcos na história do cartaz
que nos pareçam relevantes. Porém, trata-se de uma proposta
muito fragmentada devido ao número considerável de cor-
rentes que podemos introduzir na nossa análise e de figuras
de proa a contemplar.

Toda e qualquer abordagem efetuada sobre o cartaz mo-


derno enferma da incapacidade em se fazer uma análise sem
falhas, tal como acontece noutras áreas do conhecimento.
Como é sabido, o século XX foi muito fértil no surgimento de
movimentos, tendências e roturas estéticas. Mesmo no seio
de movimentos com linhas vincadamente bem definidas, tal
como o foi, por exemplo, a Arte Nova, existiram diferentes
sensibilidades que levavam os artistas a aproximarem-se ou a
afastarem-se em determinados momentos.

Mais do que qualquer outro período da história, o século XX


assistiu a uma constante renovação de posturas estéticas e
a uma fragmentação do gosto que levou a uma abordagem
eclética que o denominado pós-modernismo mais tarde
explorou.

Por conseguinte, com a abordagem que se segue, pretende-


-se captar grandes linhas que foram questionando e rede-
finindo o cartaz moderno no tempo. Presidiu à seleção que se
apresenta o objetivo de identificar detalhes na produção do
cartaz, segundo novas abordagens gráficas, dado que foram
surgindo novas formas de expressão visual que provocaram
avanços e configuraram novos olhares.

38
Os tempos de efervescência social e artística foram diversos
e, em todos esses momentos, o cartaz foi sempre um objeto
gráfico de experimentação e representação de ideias, alvo de
múltiplas transformações estético-visuais. O cartaz, foi neste Jules Chéret foi
contexto, espelho do próprio tempo que reproduzia, uma
vez que tal como nos recorda Dorfles “não há dúvida de que
um dos mais
a arte deve sempre refletir as condições da época em que é carismáticos e
produzida (sem se ‘esforçar’, mas espontaneamente...” (1989: influentes carta-
121). 
zistas, por mui-
Com a arte moderna, que podemos entender como reflexo tos considerado
da Revolução Industrial e que se prolongará até meados do o pai do cartaz
século XX, “passa a valorizar-se a perceção rápida, efêmera,
fugaz e a utilizar vastas manchas de cor, em detrimento da moderno.
perspetiva e dos volumes, definidos no impressionismo” Fahr-Becker
Cauduro (2000: 128). Por outro lado, para Eco “A arte contem-
porânea parece visar como valor primeiro a quebra intencio-
nal das leis da probabilidade que regem o discurso comum,
pondo em crise os seus pressupostos, no instante mesmo em
que os usa para deformá-los, (Eco, 1971: 163).

O prazer na transgressão é uma dominante que perpassa


toda a arte moderna. Para além de novas filosofias de vida,
as técnicas, os processos e os materiais são reinventados,
levando ao desenvolvimento de diferentes maneiras de fazer,
ver e sentir.

UMA ANÁLISE DIACRÓNICA


Muito embora se aponte o nascimento do cartaz moderno
para os finais do século XlX, tal como referimos, desde pelo
menos os anos sessenta do mesmo  século que os Estados
Unidos assumiram um grande protagonismo. Vigorava, então,
um cartaz sem preocupações intelectuais ou criativas, apenas
interessando mostrar o “produto”. Faziam-no através de ima-
gens realistas, com o objetivo de demonstrar as características
do produto a comercializar. Também o cartaz do circo, muito
comum para promover grandes companhias, é referenciado
como tendo sido o antecedente do cartaz artístico/moderno. 

Devido às grandes dimensões do cartaz era difícil encon-


trar pedras litográficas com o tamanho adequado, pelo que
muitas vezes eram produzidos através da xilogravura. Mas o
puritanismo americano desde cedo faz abandonar o cartaz
artístico, optando por um cartaz simples, objetivo, com pouco

39
interesse gráfico. Adiante-se que este desinteresse em muito
estava relacionado com o baixo nível cultural do público, o
elevado nível de analfabetismo ou simplesmente desconheci-
mento da língua. As posturas gráficas de Cherèt, por exemplo,
eram consideradas muito arrojadas para o mercado ameri-
cano (Espada, 1989: 78-80).

Jules Chéret foi um dos mais carismáticos e influentes car-


tazistas, por muitos considerado o pai do cartaz moderno,
o qual a partir de finais da década de sessenta do século XlX
desenvolve e credibiliza com a sua própria prensa. Cherét foi
o pintor decorativo mais popular de França, manifestando
um estilo muito próprio. Criou uma espécie de pin-up-girl da
Belle Époque, utilizando uma paleta de cores impressionista
e exibindo figuras de graciosas mulheres jovens, encanta-
doramente radiantes. Apesar da utilização da imagem como
elemento catalisador do cartaz, Cherèt valorizava muito o
texto, considerando ser a letra a chave da imagem  (Fahr-
Becker, 2000: 91).

Cherèt trabalhou para as grandes marcas da época, produzin-


do cartazes para várias indústrias, tais como farmacêuticas,
perfumarias, bebidas, museus, ballets, entre muitas outras
atividade industriais. Porém, o seu sucesso está muito relacio-
nado com 

O crescimento da vida noturna, em Montemartre. A procura de


casas de espetáculo e cabarets encorajou um grande número de
seguidores… o movimento cartazista e a Arte Nova, Gazette des
Beaux-arts (s/d). 

A obra “Valentino”, trabalho emblemático do artista, marca


para muitos o início do cartaz moderno. Neste trabalho
podemos analisar o elevado caráter dinâmico do seu trabalho.
A imagem do palhaço e das raparigas parece saltar para fora
do plano do cartaz, efeito que acentua a inscrição curvada e
que nos sugere um cartaz tridimensional (Barnicoat, 2000:
17).

Para Gallo (1973), Cherèt inventou um estilo com uma nova


relação texto – imagem. Ou seja, o texto deve aparecer no
contexto da imagem e ser um elemento indissociável do con-
junto. Já Toulouse-Lautrec, reforçando esta relação, conferiu
ao cartaz uma função narrativa imediata e metafórica, dois
atributos essenciais..

40
O primeiro grande cartazista que surgiu em França depois de
Cherèt foi Eugene Grasset (1845-1917), que abraçou as formas
simbólicas e estilizadas e tinha um gosto particular pelos
artesãos da Idade Média (Espada, 1998: 43). Apesar de algum
protagonismo, não foi um artista muito influente, tendo sido
por vezes considerado com falta de capacidade para desen-
volver obras mais arrojadas. Berthon define assim a estética
do grupo de Grasset:

Queremos criar uma arte original, em outro modelo além da nature-


za, sem outra regra do que a imaginação e a lógica, utilizando para os
detalhes a fauna e a flora de França, Barnicoat (idem: 44).

Henri Toulouse-Lautrec deu um impulso extraordinário para Até Picasso se


o desenvolvimento do cartaz moderno. Grande parte do seu
trabalho focalizou-se nas atividades de diversão noturna,
sentiu impres-
tendo celebrizado em imagens o Moulin Rouge. O tratamento sionado com a
gráfico com fundos de silhuetas negras para destacar um quantidade de
plano intermédio, influências claras da xilogravura japonesa,
conferiu ao seu trabalho um caráter de inovação muito re-
linhas curvas
conhecido. Os cartazes de Lautrec assumem quase que uma selvagens que
perspetiva da arte do retrato, na medida em que a imagem é viu à entrada
apresentada em várias camadas, umas mais próximas, outras
mais afastadas. Utilizou também a diagonal descendente para do metropoli-
dar um determinado efeito de movimento à composição. Em tano de Paris.
termos de utilização da cor, terá dito um dia que Cherèt elimi- Hans Lindenstaedt
nou o preto do cartaz e que ele o voltou a restabelecer. 

As profundas transformações ocorridas na viragem do século


XIX motivaram um clima de mudanças que se prolongaram
ao longo do século seguinte e que num certo sentido ainda
perduram. A Arte Nova teve um papel importante, tendo
iniciado de algum modo uma nova forma de fazer arte, com
uma estética muito própria. Nem todos os artistas da época
se envolveram com o movimento. Porém, todos eles foram
tocados pela sua estética ou para ela contribuíram, tal como
aconteceu com os casos que anteriormente abordámos.

Há, porém, dois exemplos marcantes à época que reforçam


o alcance da estética do movimento. Van Gogh, o herói do
modernismo, em carta ao seu irmão Theo diz que a sua vida
é cada vez mais a vida de um pintor japonês, sentindo-se por
isso 

41
Muito tocado pela luminosidade das cores claras, o ritmo vibrante das
linhas e pontos, o crescente poder expressivo dos contornos simpli-
ficados e a fixação de elementos decorativos na superfície pictórica,
Fahr-Becker, 1997: 7). 

Até Picasso se sentiu impressionado com a quantidade de


linhas curvas selvagens que viu à entrada do metropolitano
de Paris. Esta situação, segundo o artista, levou-o quase a
abandonar a linha curva e a utilizar exclusivamente a linha
reta. Apesar disso, Picasso sentiu-se como tendo feito parte
do movimento (Fahr-Becker, ibidem, idem).

Estes dois depoimentos dão-nos uma ideia clara da expres-


sividade, visibilidade e poder da Arte Nova, enquanto movi-
mento congregador de várias sensibilidades. Deve ter-se em
conta que até então vigorava um academismo baseado no
virtuosismo técnico, temas históricos, neoclassicismo, ma-
neirismo e o gosto por pinturas de grandes dimensões. A Arte
Nova afastou-se desta estética, propondo o ornamento, com
o recurso às formas orgânicas; na utilização da silhueta femi-
nina, como tema principal; na influência dissimulada do estilo
gótico, refletindo implicitamente a paixão pelo espiritual; no
grande domínio da linha, elemento gráfico por excelência.
Os diversos aspetos em que foi adotada e as suas diferentes
orientações estão patentes na composição assimétrica, nos
motivos retirados da natureza, no quase-amor pelos vazios na
composição e na beleza da linha (Fahr-Becker, 1997: 7).

Figura incontornável do movimento Arte Nova e grande


impulsionador do cartaz, foi Alphonse Mucha. Contrariamente
a Grasset, Mucha mantém o gosto pelo detalhe, mas a sua
aposta incidiu com virtuosismo na utilização da sensuali-
dade feminina.  O seu cartaz “Gismonda”, obra produzida em
finais do século XIX, representa o início de uma época áurea
do cartaz moderno que terá outros grandes protagonistas. A
expressividade deste cartaz

Causou uma enorme sensação, o que maravilhou Sarah Bernhardt e


a levou a celebrar um contrato de exclusividade com Mucha para os
anos seguintes, (Fahr-Becker, idem: 90). 

Nos cartazes que produziu adotou o formato vertical alarga-


do, num tamanho médio 75x215 cm, de forma a que a figura,
elemento central no seu trabalho de cartazista, pudesse
constar em toda a sua grandeza. Trabalhou muito o degradé

42
na cor, conferindo à obra uma delicadeza condizente com o
modelo que utilizava. O cartaz de Mucha define-se em regra
pelo texto agrupado de forma a que a figura principal tenha
o máximo de destaque, cores pouco habituais, tais como o
ouro, o bronze e a prata.

Em 1896 surge o cartaz de Edouard Manet “Champfleury -


Les Chats”, o qual estando à margem da corrente dominante
da época, a Arte Nova, resultou numa atitude estética pre-
monitória do que veio a ser o cartaz, em termos de sintaxe
visual. Em 1898, a revista “L’Estampe L´Affiche” referia que
para obter um bom cartaz era preciso que o tema fosse claro,
atraindo o transeunte de longe até bem perto, de modo a que
depois o guardasse na memória, mesmo que só em parte o
tivesse visto (Barnicoat, 2000: 46).

Todos os aspetos que caracterizam o cartaz de Manet  trans-


formar-se-ão depois nas características essenciais do cartaz
(idem, 2000: 8)

Limitação de cores apenas ao necessário, de forma a não criar zonas de dispersão visual
Contornos bem definidos, acentuando um bom contraste com o fundo da composição
Integração de texto e imagem, fazendo uma unidade visual de todos os elementos gráficos
Redução dos detalhes ao mínimo, de modo a não criar dispersão por elementos
meramente decorativos
Grande enfoque no motivo principal a comunicar, para que num primerio olhar se capte
a mensagem.
Texto de fácil leitura, com utilização mínima de palavras e uso de carateres bem definidos a
negrito e sem serifa.

Estas características são importantes do ponto de vista do


cartaz publicitário dirigido às massas, uma vez que a men-
sagem deve ser simples e clara para que seja facilmente
descodificada. Admitimos, porém, que no caso da comunica-
ção com públicos específicos, o cartaz possa não ter estes ín-
dices de simplicidade e clareza. A título de exemplo, refira-se
o pós-modernismo, fértil na produção de informação visual-
mente complexa para outros públicos que não o público-alvo.

As fórmulas adotadas pelo cartaz artístico, que predomina-


ram de finais do século XIX aos princípios do século seguinte,
estavam prestes a ser ineficazes. O mercado de massas
começava a dar na Europa os primeiros sinais, tal como já

43
acontecia nos Estados Unidos. Motivada pelas leis da oferta
e da procura, a ideologia da publicidade começa a impor-se,
ditando também as regras da comunicação visual e do cartaz
em concreto. As grandes marcas europeias, copiando uma
vez mais o outro lado do Atlântico, procuram no cartaz o
grande veículo de comunicação com os seus públicos. 

Tornava-se necessário depurar a imagem do cartaz, não só


em termos mais apelativos, mas também mais eficiente. Era
necessário transmitir os valores da marca através de fundos
Com o negros para que ressaltassem nas paredes como manchas
Futurismo de luminosas (Barnicoat, 2000: 56). Leonetto Cappielo (1875-
1942), de origem italiana, foi um dos grandes impulsionadores
Marinetti nasce deste cartaz. Para o artista, a questão da legibilidade do cartaz
a apologia de e a relação da mensagem com determinada marca, foram
uma civilização apostas que definiram todo o seu trabalho.

mecânica que O Cubismo, com Picasso e Braque, trouxe um novo olhar,


começava a provocando uma revolução gráfica, com um pendor intelec-
tual e sensorial até então ausentes na arte. Através da repre-
fazer furor na sentação geométrica e da visualização de todas as partes do
primeira objeto gráfico no mesmo plano, o cubismo rompe com toda
década uma tradição secular que impunha uma linearidade na análise
e representação do mundo. A intervenção destes artistas,
do século XX. motivados pelas alterações socioeconómicas e culturais em
curso, vai no sentido de dar respostas a essa nova sensibi-
lidade. Em termos plásticos, o recurso à colagem, técnica
que será retomada por outras correntes artísticas, insere-se
justamente na necessidade de introduzir elementos táteis na
obra de arte. Para além da colagem, múltiplas outras técnicas,
tais como a água forte, a ponta seca, a litografia, o linóleo e a
xilogravura foram utilizadas, (Barnicoat, 2000: 76-77).

Com o Futurismo de Marinetti nasce a apologia de uma


civilização mecânica que começava a fazer furor na primeira
década do século XX, e que o seu Manifesto bem expressa. O
automóvel e os grandes transatlânticos, expressando a velo-
cidade, as grandes cidades e os seus rituais provocados pela
máquina, são a fonte de inspiração e representação gráfica
deste movimento.

O clima da Primeira Grande Guerra repercutiu-se a vários


níveis e a arte não podia ficar alheada das transformações que
se seguiram. De Stijl, nome pelo qual ficou conhecido o movi-
mento dinamizado por Theo van Doesburg, criou uma abor-
dagem abstrato-geométrica, através da utilização da linha

44
reta e de cores primárias, num estilo minimalista que reflete
o período de carência então vivido e provocado pela guerra.
Estilo desprovido de qualquer tipo de ornamentação, criando,
assim, uma rotura evidente com algumas expressões gráficas
anteriores, como o demonstram os trabalhos de Mondrian.

A relação entre o Suprematismo do russo Malevich e De Stjl,


mais tarde estendida à Bauhaus, espelha bem a proximidade
estética entre movimentos surgidos em diferentes geografias. 
O Suprematismo teve um papel muito importante, na medida
em que criou uma imagem sem ligação com a realidade, mas
uma imagem capaz de expressar o sentimento profundo do
artista. Malevich terá dito que criou o Suprematismo, dado
que a certa altura sentia apenas noite dentro dele, inventando
então uma nova arte.

O Construtivismo russo, fortemente influenciado por Male-


vich, teve também uma abordagem estética muito próxima Um marco
do De Stijl. El Lissitzky, o seu grande mentor, foi um dos incontornável
primeiros artistas a valorizar o olhar diferente que a perspeti-
va do cinema e da fotografia conferem à imagem. No cartaz
na história do
que desenhou, em 1929, para a exposição russa, em Zurique, design e,
está bem patente a forma como utilizou a fotografia. O plano consequente-
ligeiramente contrapicado que utiliza na imagem dos dois
jovens inseridos no cartaz, confere um leque de atributos e mente, do
conotações positivas relevantes, desde logo evidenciadas cartaz, foi a
pela postura dominante que assumem no cartaz. Para além
das técnicas de montagem e da utilização de fotogramas,
Bauhaus (1919-
os slogans propagandísticos estão muito presentes na obra 1933), escola
construtivista. fundada por
Um marco incontornável na história do design e, conse-
Walter Gropius.
quentemente, do cartaz, foi a Bauhaus (1919-1933), escola
de design, arquitetura e artes plásticas fundada por Walter
Gropius. Embora com um período de vida muito curto, foi
um acontecimento cultural duma importância determinante
durante a República de Weimar. A experiência de transdisci-
plinaridade e inovação que a escola levou a cabo no domínio
das artes visuais veio a irradiar-se internacionalmente, influ-
enciando muitos outros movimentos e artistas, Rodrigues
(1989: 17). Para além de Gropius, muitos artistas estiveram as-
sociados à escola e aos seus ideais, entre eles Wassily Kandin-
sky, Paul Klee, Joost Schmidt e Marcel Breuer. 
Também László Moholy-Nagy foi uma dessas figuras de proa,
tornando-se num dos pioneiros no uso de técnicas cine-

45
matográficas na conceção do cartaz.  O plano de câmara e
determinados efeitos como o zoom, planning shot e a utiliza-
ção do rosto humano frontal ditavam regras importantes na
utilização da imagem. Muitos outros artistas assumirão este
olhar sobre a imagem, a partir dos meios audiovisuais.

O cartaz que Joost Schmidt desenhou para a exposição da


Sempre existiu Bauhaus, em 1923, é uma súmula da estética da escola. Arti-
no cartaz uma cula texto e imagem num esquema planimétrico esquemático
e podem notar-se várias influências que vão do Cubismo e
necessidade das colagens de Picasso e Braque até ao Dadaísmo, na fusão
de mostrar os de elementos e na negação de uma estética arcaica, (Bar-
atributos físicos nicoat, 2000: 309).

de determi- No que concerne à utilização de técnicas fotográficas no car-


nado produto, taz, questão à época muito em voga, os Estados Unidos cedo
assumiram a fotografia como elemento icónico fundamental
espaço ou no cartaz. Para além do poder de representação do produto,
ambiência. conferindo-lhe uma imagem realista, aspeto importante para
os americanos, tinha também a capacidade de ser uma base
compositiva eficiente e rápida no design do cartaz. São sin-
tomáticas as palavras do 23º Informe Anual del New York Art
Directores quando afirma:

A fotografia a cores, a fotomontagem e o aerógrafo tendem a aero-


dinamizar o cartaz americano... Os cartazes realistas-naturalistas são a
maioria e só ocasionalmente aparece um desenho moderno, abstrato
ou simbolista [...], (in Barnicoat, 2000,: 154).

As revistas americanas, que à época apresentavam já grandes


tiragens e definiam parâmetros de visibilidade junto de um
público cada vez mais recetivo, foram também uma grande
influência para o design do cartaz. A fotografia detinha grande
destaque tornando-se no elemento gráfico mais importante
da composição, característica que desde então estará muito
presente.

Note-se que, relativamente à ilustração, sempre existiu no


cartaz uma necessidade de mostrar os atributos físicos de de-
terminado produto, espaço ou ambiência. Antes do domínio
da fotografia pelas artes gráficas, cabia ao desenho esta re-
presentação que se prolongará até aos anos 40 do século XX,
data a partir da qual a fotografia começa a surgir com mais
regularidade. Porém, já nos finais da Primeira Grande Guerra,
Arnold Genthe usou a fotografia no cartaz, com uma imagem

46
capaz de competir com o desenho manualmente efetuado.
Aliás, tanto Picasso como Braque enalteciam o valor da foto-
grafia, enquanto elemento de fantasia e de um grande poder
de expressão, (Barnicoat, 2000: 152).

A importância da fotografia para os realistas está pois na re-


presentação
Antes do
Meticulosa de um produto feita à escala original, ajudando a que
o produto se converta num elemento familiar de experiência do
domínio da
indivíduo, de forma a que imediatamente o reconheça no ponto de fotografia pelas
venda, (idem: 148).  artes gráficas,
A partir dos anos 20, surge com os surrealistas uma nova
cabia ao
dimensão da realidade, utilizando o recurso à justaposição de desenho esta
imagens. À lógica tradicional, contrapunham a arbitrariedade representação
de imagens do mundo real. A razão pela qual os designers
utilizavam a estética do surrealismo prendia-se com aspetos
que se prolon-
simples. Por um lado, o uso de imagens realistas torna a men- gará até aos
sagem familiar e aceitável; por outro, estava relacionada com
o caráter semântico que os surrealistas conferiam à imagem,
anos 40 do
atribuindo-lhes significados surpreendentes e a possibilidade século XX.
ela poder explicar um produto de várias maneiras. Não existe
uma similitude entre as duas fases do movimento, no que diz
respeito à sua influência no cartaz. Num primeiro período,
compreendido entre os anos vinte e o final da Segunda
Grande Guerra, existiu uma atitude fiel, com laivos de uma
certa teatralidade, o que afastou o interesse dos cartazistas. 

Na fase seguinte, a partir de finais da guerra, a abordagem do


movimento passa muito pela tradução da inquietude patente
na sociedade, com o recurso a imagens sinistras e de terror,
nas quais a publicidade reconheceu vantagens de utilização
na estratégia de venda do produto. Muito embora em fase
decrescente, face à ascensão da televisão, o cartaz continuava
a ser um meio de comunicação valorizado, (Barnicoat, idem:
162-167).

Uma das figuras que teve um papel de relevo no cartaz, a


partir do primeiro quartel do século XX , foi A-M. Cassandre.
Elaborou uma sintaxe pós-cubista e rejeitou quaisquer signifi-
cações políticas no seu trabalho, tendo também demonstrado
que a mecanização do design, sonho dos futuristas, se tinha
convertido numa realidade social.  Um dos seus discípulos
mais talentosos foi Raymond Savignac que se dedicou ex-

47
clusivamente ao design de cartazes publicitários para marcas
famosas, tais como Dunlop, Bic, Perrier, Air France e Cinzano.
Desenvolveu cartazes assentes numa ideia simples e limpa,
cuja mensagem resultava funcional e graciosa.

A partir da década de 50 do século passado, a comunicação


através dos cartazes assume o espírito do produto. Porém,
note-se que desde cedo o papel do cartaz comercial teve
duas posições antagónicas. Havia, por um lado, os defensores
da utilização de conteúdos transmitidos ao recetor de forma
tranquila, utilizando uma linguagem gráfica “sem gritar”. No
sentido oposto, defendia-se que o artista deveria expressar
na sua obra um caráter transformador, chamando a atenção
para determinados aspetos, através do grafismo utilizado.
Porém, deveriam fazê-lo, neste caso, utilizando formas únicas
e trabalhando bem o contraste de cores. Com esta posição,
Durante a pretendia-se influenciar através do cartaz todas as pessoas,
inclusive aquelas que não visitavam galerias de arte, (Bar-
Segunda Grande nicoat, idem: 148). 
Guerra o cartaz
continuou a ser Durante a Segunda Grande Guerra o cartaz continuou a ser
um veículo privilegiado de comunicação para informar e
um veículo pri- sensibilizar as pessoas. Muitos cartazes se destacaram neste
vilegiado de período, sendo que “I want you for U.S. Army” é um dos mais
marcantes. Baseado num cartaz britânico, igualmente icónico,
comunicação “Wants you”, desenhado por Alfred Leet, esse cartaz transmitia
para informar e uma mensagem clara e dirigida a todos quantos deveriam
sensibilizar as participar no esforço de guerra, ao lado dos aliados. Também
do lado oposto o cartaz desempenhou um papel importante.
pessoas. Porém, a linguagem gráfica utilizada tinha propósitos diferen-
tes. No caso dos Aliados, incidia na convocação de esforços
de guerra, do qual a imagem do Tio Sam é paradigmática; do
lado dos nazis, permaneceu sobretudo uma mensagem de
apelo aos grandes valores do regime, cuja imagem era muito
focalizada na fotografia de Adolf Hitler.

Os recursos existentes neste período estavam muito dirigidos


para a guerra, levando a que o design assumisse contornos
monótonos, pasteurizados e minimalistas, este último no que
concerne especialmente ao design de produto. Desta forma,
os anos seguintes são também muito marcados pelo clima do
pós-guerra e pelo ambiente de guerra fria que se instalou en-
tre os dois blocos. A exploração do espaço e a ficção científica
tornam-se obsessões dominantes e grandes áreas de inter-
venção dos dois lados da contenda.

48
Com o final do conflito, a ascensão ou o retomar da socie-
dade de massas assume novo fôlego. Atingiu-se uma certa
estabilidade, tendo-se gerado um clima de euforia que permi-
tiu atingir níveis de desenvolvimento significativos em termos
sociais, económicos e tecnológicos. Nos primeiros anos da
década de 50 surge nos Estados Unidos a primeira emissão
de televisão a cores. Ficaram lançados os dados da sociedade
mediática que dominou as décadas seguintes.

No mesmo período, surgem no lado de lá do Atlântico


movimentos de contracultura, os quais rejeitavam os valores
sociais até aí dominantes e de ascensão do materialismo que
se fazia sentir. Procuravam-se novos modelos de sociedade,
muito baseados na libertação sexual, na procura espiritual,
no reconhecimento das minorias étnicas e religiosas e do fim
da exploração do homem pelo homem. A experimentação e
consumo de drogas psicadélicas faziam parte da rotina e des-
sa procura de um mundo novo. Allen Ginsberg, William Bur-
roughs e Jack Kerouac espelharam esse movimento (Beatnik),
dando conta do pulsar que percorria estratos importantes da
sociedade americana.

No Reino Unido, surge a Pop Art com a obra “O que Exata-


mente Torna os Lares de Hoje Tão Diferentes, Tão Atraentes?”,
de Richard Hamilton. Este trabalho emblemático e precur-
sor do movimento, representa uma cena doméstica, através
da colagem de anúncios retirados de revistas. Não faltam na
montagem de Hamilton os grandes ícones da vida moderna:
a televisão, o aspirador, os produtos embalados, entre outros.
Ou seja, a imagem dos produtos do dia-a-dia elevados à cate-
goria de arte, o grande lema da Pop Art.

Será na senda da massificação da cultura popular capitalista


que a estética do movimento se define. Não existem pro-
gramas ou manifestos, nem sequer um só estilo, tal como
aconteceu com movimentos anteriores.  O movimento
quebra com um certo hermetismo da arte moderna e parece
querer preparar a pós-modernidade. Mas, será nos Estados
Unidos, já na década seguinte, que a Pop Art se vai celebri-
zar, nomeadamente com os trabalhos de Andy Warhol, Roy
Lichtenstein, Claes Oldenburg, Tom Wesselmann e James
Rosenquist.

O trabalho desenvolvido por Warhol circunscreve-se natu-


ralmente aos pressupostos referidos sobre o movimento.

49
A utilização de imagens marcantes sobre a sociedade de
consumo, incidia basicamente na apresentação em grande
escala e de forma repetitiva do produto de consumo ou figura
mediática. Os títulos estão por regra ausentes, sendo que a
imagem, numa composição de grande contraste visual, vale
por si própria. A técnica utilizada era a serigrafia com mon-
tagens e colagens fotográficas que Warhol foi beber a Robert
Rauschenberg e Jasper Johns. Sobre esta fase do cartaz, Gallo
(1973: 274) acentua que “simbolicamente, o objeto à venda
ocupava quase toda a superfície do cartaz”, o que se aplica
com toda a pertinência à obra de Warhol. Basta lembrar a
imagem das Sopas Campbell’s que preenchem a totalidade
do plano gráfico.

Na mesma década, o movimento Hippie, retomando algumas


das posturas da Beat Generation, vai em sentido contrário à
estética da Pop Art, que endeusava o produto e o elevava à
categoria de arte. À verdade do mercado, contrapunha uma
contracultura baseada na subjetividade, na obsessão e nas
experiências dos sentidos. O slogan “Peace and Love” resume
a filosofia de vida do movimento, que se opunha à guerra
através de ações de paz e amor, tendo a música como mani-
festação suprema.

O cartaz Hippie procurou no passado, a exemplo da Arte


Nova, muito da sua estética visual. Para Barnicoat, este aspeto
em muito se deve a uma mostra de trabalhos que aconteceu
na Universidade de Berkeley, decorria o ano de 1965. Essa
exposição intitulava-se “Jugendstil y Expressionismo nos car-
tazes alemães”, cujo cartaz de divulgação utilizava elementos
gráficos que remetiam para a Arte Nova e  para o Simbolismo
do início do século. Porém, o cartaz hippie é mais brilhante,
mais elaborado e acessível que o seu predecessor e alguns
métodos utilizados foram bastante exagerados. No entanto, a
intenção de transmitir uma mensagem clara e concisa esteve
sempre muito presente. Era também aqui uma forma de dizer
que as mensagens nos chegam pelos sentidos, tentando anu-
lar a apatia do público pela leitura, (2000: 56-64).

A partir da década de 60, assiste-se a um tempo muito marca-


do pela pluralidade, igualdade entre sexos e pela valorização
das minorias. Simultaneamente, o Mundo começa a assu-
mir-se como uma aldeia global, tal como McLhuan a tinha
profetizado. A comunicação global e a mobilidade geográfica
tornam-se cada vez mais comuns, levando à adoção da di-

50
versidade como paradigma dos novos tempos. Surgem, assim,
jovens designers a proporem diferentes posturas estéticas
alternativas, muito focalizadas na improvisação, no humor,
no aleatório e na quebra de regras. A rejeição da grelha, que
muitos deles assumiram, é um bom indicativo da rotura com
o formalismo do modernismo. 

A heterogeneidade das formas e estilos acentua-se, expres-


sando as vivências e influências culturais de cada designer.
Não existe um estilo próprio, tal como podemos encontrar
em períodos precedentes. Existem, sim, muitas formas de
sentir que são expressas das mais diferentes e improváveis
maneiras, repescando posturas estéticas que iam do Manei-
rismo de 1500 aos movimentos de vanguarda de início do
século XX, particularmente ao Dadaísmo (Meggs e Purvis,
2012,: 460).

Os designers suíços Odermatt & Tissi e Wolfgang Weingart são


dois exemplos que abraçaram e de alguma forma iniciaram
uma diferente e inovadora forma de fugir à rotina que marca
a estética pós-moderna. Weingart ficará, inclusive, associado
à estética Punk, através do trabalho de tipografia que desen-
volve e que funcionará como uma semente que paulatina-
mente se espalhou pelas escolas americanas e europeias.

Foram surgindo diferentes expressões visuais no cartaz, tais


como são os casos de Paula Scher nos Estados Unidos, Neville
Brody em Inglaterra ou Dumbar na Holanda, entre muitos
outros. (Cauduro: 2000)

Este movimento de rejeição do modernismo cedo se assumiu


como uma opção ideológica de design, na qual imperava o
ecletismo, com forte inspiração nas subculturas; a interferên-
cia de ruídos visuais; a hibridação de tecnologias da com-
putação com técnicas antigas; a opção por soluções caóticas
e anárquicas; a utilização do fragmento, nomeadamente da
imagem que o computador permite obter até à exaustão; a
aceitação de uma postura gráfica instável, ambígua, multisig-
nificante e o caráter camaleónico das mensagens (Cauduro,
idem: 11).

Esta postura, à qual se convencionou chamar pós-modernis-


mo, abarca, pois, um “conjunto de categorias e sensibilidades
alternativas àquelas que prevalecem durante a modernidade”.
Neste sentido podemos afirmar que “toda a vida quotidiana

51
pode ser considerada como obra de arte. Por causa da mas-
sificação da cultura, certamente, mas também por todas as
situações e práticas minúsculas que constituem o húmus
sobre o qual crescem a cultura e a civilização” (Maffesoli,
1988: 240).

Para Lyotard um artista, um escritor pós-moderno, está na


situação de um filósofo, uma vez que o “texto que escreve, a
obra que realiza não são em princípio governadas por regras
já estabelecidas, e não podem ser julgadas mediante um juízo
determinante, aplicando a esse texto, a essa obra, categorias
já conhecidas”, (Lyotard, 1987: 26).

Nesta perspetiva, Vattimo acentua também que 

Não existe história única, existem sim imagens do passado propostas


por pontos de vista diversos, e é ilusório pensar que existe um ponto
de vista supremo, globalizante, capaz de unificar todos os outros, Vat-
timo, (1991: 11), 

Apesar disso, os mass media indicam-nos o contrário. Como


o filósofo constata:

[...] o fim da modernidade ser o advento da sociedade da comuni-


cação, dos meios de comunicação de massa, na medida em que
caracterizam a sociedade mais complexa ou mesmo caótica, na qual
predomina a pluralização, refletindo um social de “múltiplas imagens,
interpretações, reconstruções...

Esta realidade atual provoca um total desenraizamento, pa-


recendo libertar as diferenças que existem em cada indivíduo.
Porém, como bem afirma Vattimo, não se trata de abandonar
as regras existentes na “manifestação bruta do imediato“, mas
sim uma apropriação das diversidades, (idem: 17).

Por conseguinte, o que se pode afirmar com algumas certe-


zas, sem que contudo caiamos na tentativa de generaliza-
ções, é que sensivelmente a partir da década de oitenta do
século XX, assistimos à prevalência de um cartaz autoral. Ou
seja, um cartaz que reflete o tempo que vivemos, mas no qual
simultaneamente são bem vincadas as múltiplas influências
que chegam a cada autor / designer.

52
Na verdade, de alguma forma, sempre tal aconteceu, no que
diz respeito à liberdade do artista. Porém, agora parece-nos
poder afirmar-se que agora não existe uma tendência, tal
como aconteceu em todos os períodos antecedentes. As
tendências são, de facto, o percurso de vida, as vivências e
o gosto de cada artista / designer, constituído por um sem
número de fontes de inspiração. 

53
54
O início dos anos 90 do século XX marca o começo de uma
nova era para a Humanidade. O computador pessoal chega
ao mercado do grande consumo e com ele uma revolução
sem paralelo nas artes visuais. Representando uma infinidade
de possibilidades criativas com ferramentas de manipulação
de imagem e tratamento de texto, o computador passa a ser
imprescindível e capaz de todas as proezas gráficas. Tendo
como periféricos um scanner e uma impressora digital,
estão criadas as condições de um espaço de trabalho total e
autónomo.

Se por um lado o computador permite total autonomia


individual, na medida em que fornece todos os recursos
necessários – textos, imagens, cores, texturas e formas – por
outro, incute uma aceleração vertiginosa no desenvolvimento
e produção do trabalho gráfico.

As imagens resultantes parecem assumir também um caráter


de miscigenação. Isto, na medida em que se esbatem as
Computadores
diferenças entre fotografia, ilustração e pintura, originando são como
objetos gráficos mesclados a partir de fontes diversas, que bicicletas para as
as ferramentas digitais permitem obter de forma simples e
rápida.
nossas mentes.
Steve Jobs

O cartaz sofreu profundas alterações a todos os níveis:


processo de design; disponibilidade de fontes tipográficas,
formas, cores e outros recursos gráficos; tecnologia de im-
pressão; e suportes de impressão. Sobre estes dois últimos
fatores, refira-se a introdução no mercado de máquinas de
impressão digital de vários formatos e dos suportes de base
poliester e PVC (policloreto de polivinila), caracterizados pela
sua elevada resistência e tenacidade.

O cartaz multiplicou-se em diversidade de formatos e liber-


dade estética, tal como é bem visível nas ruas das nossas
cidades. Muitas destas imagens, tal como as imagens de
outrora, gozam de um estatuto único, na medida em que
são pensadas, desenhadas e produzidas para determinado
local, estabelecendo um diálogo perfeito com o espaço que
ocupam.

Face às características que possui, esta tipologia de imagens


eleva o cartaz a níveis de visibilidade sem precedentes. Ou
seja, o cartaz que com a banalização da televisão e mais
recentemente da internet parecia estar em declínio, surge

55
aqui em toda a sua forma e esplendor. Se noutros períodos
da história marcou indelevelmente a visibilidade no espaço
público, continua agora a ser um dos meios de comunicação
mais poderosos, apresentando taxas de crescimento elevadas.
Para além da mobilidade das pessoas, fator já aqui referido,
este crescimento deve-se também à complementaridade
que o cartaz tem com os outros meios, e à interação que, em
certas situações, com eles estabelece.

Recentemente surgiu outra tipologia de cartaz que podemos


denominar por “cartaz digital”. Como o próprio nome indica,
trata-se de um cartaz cuja base de funcionamento assenta
exclusivamente nas tecnologias digitais massificadas nas duas
últimas décadas. O formato mantém-se normalmente vertical
ou horizontal. Em vez do papel ou tela, suportes em destaque
para a impressão do cartaz convencional, são utilizados
écrans, LCD’s e outros interfaces de visibilidade e interação. 
Destacam-se as suas propriedades de integração dos media
digitais que lhes conferem particularidades de grande rele-
vância.

As tecnologias incorporadas permitem que esta tipologia de


cartaz possa interagir com os públicos, através do toque, do
som, do movimento e da imagem (fixa e vídeo). Reconfigura-
-se assim um cartaz com um potencial de diálogo e interação
com o espetador que vai muito além do cartaz convencional.
Um dos cartazes mais em voga tem telas sensíveis ao toque
(touch screen ou multi touch) abrindo múltiplas possibili-
dades de relação cartaz – espetador, sendo o limite a imagi-
nação. A realidade aumentada, prestes a entrar em força no
mercado, levará este tipo de experiências a patamares ainda
mais profundos na relação das marcas com o consumidor. 

Com a era digital o cartaz diversificou-se em múltiplas plata-


formas, formatos, suportes e linguagens, nas quais convivem
metodologias artesanais de produção com as mais avançadas
tecnologias digitais. Não existe, por isso, um padrão único de
cartaz, se é que alguma vez tal existiu. Existem, sim, um sem
número de maneiras de fazer e produzir, se bem que o digital
invadiu toda a cadeia de conceção, materialização e ex-
posição deste meio de comunicação que continua a marcar
presença indiscutível no espaço público.

56
ALGUMAS NOTAS
O que nos motivou a desenvolver o texto até aqui exposto,
tem enquadramento numa das hipóteses colocadas no pro-
jeto inicial. Ou seja, a da própria definição do cartaz, enquan-
to objeto gráfico basilar na história da comunicação visual,
suas características e a possibilidade de apontar marcos
sobre a sua origem. Podemos considerar que se trata de uma
problemática pouco relevante, na medida em que não traz
nada de novo, resultando apenas numa nota histórica sobre
o objeto gráfico em causa. Pensamos que esta é a posição da
maioria dos autores que consultamos, Barnicoat (2000), Hollis
(2011), Espada (1998), Rueda (2000), Gallo (1973) e Meggs e
Purvis (2012). Todos apontam as origens do cartaz moderno
para um período pós Revolução Industrial, asserção com a
qual estamos inteiramente de acordo. 

Não obstante, a simples aceitação da terminologia de um


cartaz denominado “cartaz moderno”, que a generalidade
dos autores refere, pressupõe que houve um “outro” que o
precedeu. Embora com características diferentes e, nalguns
casos, substanciais diferenças, tais como formatos, supor-
tes, tecnologias de produção e a utilização da imagem, esse
objeto cumpriu os requisitos de informação, comunicação e
visibilidade inerentes às sociedades nas quais se situou. Aliás,
teve, como vimos, um papel muito relevante e insubstituível,
face à inexistência de outros meios de difusão de mensagens.

Tal como outrora aconteceu na adoção de vários suportes


e técnicas de produção, também agora o cartaz digital abre
novas janelas que o reconfiguram, atribuindo-lhe novas
funcionalidades. Na verdade, poucas semelhanças podemos
estabelecer entre o paleo-cartaz, que conquistou as primei-
ras civilizações, e o cartaz digital que começa agora o seu
percurso. Retomando uma das questões colocadas no início
deste trabalho: que diferenças podemos estabelecer entre
estes dois “cartazes”? Será plausível sequer colocar a questão,
dadas as dissemelhanças entre eles? 

O que nos parece relevante, esboçando laivos de uma


definição do cartaz, é assinalar que ao longo da história do
Homem existiu um objeto gráfico único, que assumindo
vários suportes e formatos, dominou a ordem de visibilidade
pública. Muito embora, nos primórdios, tivesse sido um objeto
rudimentar, devemos considerar que se foi alterando, de
acordo com a evolução da própria tecnologia. A utilização da

57
pedra em vez do papel apenas aconteceu porque o papel era
ainda desconhecido.

Porém, e aqui reside o ponto que nos parece fundamental, o


objetivo de comunicar determinada mensagem a um público
mais ou menos vasto esteve sempre presente. Esta julgamos
ser uma das grandes virtudes do cartaz que se tem mantido
ao longo dos tempos. 

Outras características que em determinado momento possam


ter sido também importantes foram sendo reformuladas ao
longo do tempo, demonstrando o próprio caráter evolutivo
que lhe está subjacente.

O suporte de registo que ao longo dos séculos se fixou ex-


clusivamente, ou quase, na pedra, no pergaminho e no papel,
começou recentemente a contemplar outros materiais, tais
telas de PVC, tecidos, entre outro.

A utilização da imagem, sendo hoje em dia um elemento


gráfico com disponibilidade total é, por vezes, preterida a
favor do texto. O mesmo acontece relativamente à cor, com
alguns designers a assumirem posturas monocromáticas, face
a outras imensas possibilidades.

O cartaz convencional, que temos vindo a tratar, emite ape-


nas uma só mensagem durante o seu ciclo de vida, tal como
já referimos Todos os elementos gráficos que materializam
a mensagem – imagens, textos, cores, tipografias, texturas,
níveis de leitura, entre outros – são imutáveis. Esta carac-
terística manteve-se, como vimos, ao longo da abordagem
teórica do cartaz que temos vindo a fazer.

Ainda que possamos admitir que o cartaz evoluiu significati-


vamente em todas as suas variáveis, existe efetivamente essa
característica que se manteve inalterável. Ou seja, durante
o tempo de exposição do cartaz apenas uma mensagem é
transmitida ao recetor. 

Convém relembrar que nos referimos apenas ao cartaz es-


tático, normalmente impresso através de vários processos de
impressão e/ou pintado manualmente. Não tem cabimento
neste recorte o cartaz digital interativo, recentemente sur-
gido e sobre o qual já demos uma breve nota, uma vez que

58
pode emitir várias mensagens. Ou melhor, pode enquadrar
a componente temporal na sua narrativa, enquanto meio de
comunicação, uma vez que em tempos diferentes a mensa-
gens pode sofrer alterações.

59
60
Finalizada uma história do cartaz, na qual percorremos alguns
dos seus marcos, nas páginas seguintes apresentaremos obras
visuais interativas, que denominamos de cartaz camaleónico.
Trata-se, como já o frisámos, de um trabalho de cruzamento
entre várias áreas, que tem na utilização dos pigmentos “in-
teligentes” o fator de diferenciação e de inovação, na medida
em que eles permitem que a obra possa emitir diferentes
mensagens num certo período de tempo.

O design estabeleceu as coordenadas metodológicas na


concretização deste trabalho visual. O pressuposto de base a
qualquer intervenção do design gráfico – equilíbrio estético
e funcional –, tornou-se aqui um fator de exigência refor-
çada. As características mutantes dos pigmentos “inteligentes”
impunham que cada obra fosse previamente projetada no Salvo todas
tempo, em termos de mutações plásticas. 
as diferenças
No que diz repeito a conteúdos linguísticos, a opção recaiu que existem,
na mensagem poética e, para tal, foram selecionados três podemos
grandes poetas da língua oficial portuguesa: Fernando Pessoa,
Carlos Drummond de Andrade e Corsino Fortes.
comparar a
mensagem do
LINGUAGEM FÍLMICA E CARTAZ CAMALEÓNICO cartaz cama-
Salvo todas as diferenças que existem, podemos comparar a
mensagem do cartaz camaleónico com a mensagem fílmica. leónico com
Esta última, como é sabido, caracteriza-se pela imagem em a mensagem
movimento ou “imagens temporizadas”, designação pro-
posta por Aumont (1995), pelo facto de se modificar ao longo
fílmica.
do tempo segundo o “efeito do dispositivo que as produz e
apresenta”, sem que o espetador tenha qualquer intervenção,
(1993: 161).

Embora atribuamos hoje esta categoria de imagens ao cine-


ma e ao vídeo, várias décadas antes da invenção destes dis-
positivos de representação já Daguerre, um dos pioneiros da
fotografia, conseguiu obter mutações no tempo da imagem.
Fê-lo com o diorama (modo de representação artística, simu-
lando determinados efeitos) pelas mudanças de iluminação.
Neste contexto, outra das categorias que podemos atribuir
à imagem veiculada pelo cartaz camaleónico é de “Imagem
múltipla”. Esta designação resulta do facto da imagem ocupar,
em sucessão, várias zonas do espaço gráfico, com incidência
na relação temporal da própria imagem com o espetador,

61
(Aumont, idem). Porém, apesar de podermos considerar que
as obras produzidas se inserem na categoria de mensagem
camaleónica – mutante, imagem com movimento –, consi-
deramos manter-nos num registo de imagem fixa, tal como é
compreendida por Moles, quando afirma:

Imagem fixa, que consideramos a mais pura expressão do mundo


das imagens... nosso contato participa de uma certa objetividade;
nada nos impede de a detalhar ou negligenciar, de ainda a olhar, de
prolongar a nosso bel-prazer a sua fosforescência em nossa memória,
Moles (1987: 18).

As mudanças do cartaz camaleónico são lentas, quando


comparadas com a velocidade da imagem fílmica, permitindo
uma captação de cada momento, “fotograma”, que não acon-
tece na narrativa fílmica. 

AUTOR, OBRA E RECETOR


Subjacente à relação autor – obra – recetor, interessa-nos
aqui aduzir algumas considerações sobre a obra aberta pro-
blematizada por Eco (1971). Fazemo-lo convictos que também
o cartaz camaleónico se insere numa postura de diálogo
com o recetor, situando-se, assim, numa dimensão aberta a
significados plurais. O lugar privilegiado que o recetor ocupa
permite em cada fruição ele faça uma interpretação, pois em
cada contacto a obra revive dentro de uma perspetiva origi-
nal. Existe como que desordem, caos, ambiguidade, sobre-
posições… que apelam a uma análise, (Idem: 40).

Por conseguinte, no trabalho que propomos interessa-nos re-


alçar as possibilidades mutantes do objeto gráfico, através dos
elementos que o materializam. Este caráter de obra não es-
tática permite uma relação obra – recetor, incumbindo a este
último definir a intensidade e a profundidade desse contacto.
A comunicação será tanto mais rica quanto mais aberta for a
obra, na medida em que permite mais possibilidades interpre-
tativas. Aqui reside a função da obra aberta enquanto:

[...] metáfora epistemológica: num mundo em que a descontinuação


dos fenómenos pôs em crise a possibilidade de uma imagem unitária
e definitiva, esta sugere um modo de ver aquilo que se vive, e vendo-

Funcionamento do pigmento fotocromático

62
-o, aceitá-lo, integrá-lo em nossa sensibilidade.... ela se coloca como
mediadora entre a abstrata categoria da metodologia científica e a
matéria viva da nossa sensibilidade; quase como uma espécie de es-
quema transcendental que nos permite compreender novos aspetos
do mundo, (Eco, idem: 158-159).

Parecem existir várias obras dentro da mesma obra, cono-


tando significados que o autor lhes quis conferir e, eventu-
almente, outros construídos por quem vê. No dizer de Eco,
quanto mais ambígua, imprevisível, surpreendente e desor-
denada for a obra, mais probabilidades há disso acontecer, na
medida em que aumenta a informação e o efeito estético da
mesma (idem: 162).

O cartaz camaleónico insere-se na tipologia de objeto gráfico


que permite a construção dessa panóplia de significados, na
interação com o recetor. Em todos os casos apresentados,
as obras estão devidamente assinaladas, momento a mo-
mento. Por vezes, é fornecida uma ligação para um sítio da
internet, no qual a obra pode ser visualizada em modo de
vídeo, mostrando o funcionamento dos pigmentos, ativados
através da respetiva fonte (calor ou raios UV). Assim, a leitura,
segundo uma narrativa fílmica, fornece múltiplos momentos
de transação que não acontecem nas imagens estáticas que
se apresentam.

Ou seja, o critério para obter as imagens selecionadas e apre-


sentadas baseou-se tão somente em detetar os momentos
mais determinantes da transformação de cada uma das obras
que apresentamos.

PIGMENTOS “INTELIGENTES”
Os pigmentos “inteligentes” que utilizamos surgem como
pólo aglutinador e plataforma para novas possibilidades esté-
ticas, criando-se uma relação dinâmica e interdisciplinar entre
vários campos. No resultado desse cruzamento  podemos
encontrar novos caminhos, moldados pela tecnologia que
não sendo boa ou má, também não é neutra, (Kranzberg in
Ilharco, 2004: 57). Cabe-nos, por isso, fazer a utilização que
melhor sirva os nossos objetivos.

Funcionamento do pigmento termocromático

63
A tecnologia dos pigmentos - a microencapsulação - tem
como princípio base o revestimento de micro partículas
sólidas, líquidas ou gasosas, com determinadas características.
A membrana envolvente é constituída por material com pro-
priedades específicas de controlo da libertação dos compos-
tos bioativos do núcleo.

O funcionamento do pigmento termocromático é ativado


com a temperatura. Num determinado intervalo, que no
presente caso se situa entre os 20ºC e os 30ºC (aprox.), o
pigmento sofre um processo de descoloração e desaparece
quando atinge a temperatura máxima. Como o processo é
reversível, à medida que a temperatura vai diminuindo, o
pigmento vai retomando a sua cor de origem e recuperá-la-á
totalmente.

No pigmento fotocromático o comportamento da cor em


análise está diretamente relacionado com a presença ou
ausência dos raios UV. Caso não existam raios UV a cor não se
manifesta e, tal como no caso anterior, o processo também é
reversível.

Nas duas páginas anteriores, está apresentado em esquema


gráfico o funcionamento de ambos os pigmentos.

SOBRE O DESIGN
O design gráfico envolve uma ideia, entre muitas possíveis,
ideia essa capaz de expressar visualmente uma mensagem
forte, apelativa e eficaz. Na elaboração das peças que apre-
sentamos, tentou-se criar algo que se circunscrevesse a esses
parâmetros. Para tal, foi elaborado um estudo prévio capaz
de determinar o comportamento de ambos os pigmentos -
termocromáticos e fotocromáticos -, perante os fatores de
sensibilização, ou seja, o calor e os raios UV, respetivamente.

A variação da cor no pigmento, que de alguma forma tem


um comportamento fílmico, tal como já referimos, sendo um
desafio na elaboração do design, foi também uma variável
sempre presente que tornou o processo mais complexo.
Porém, funcionou como um desafio na procura de uma pos-
tura gráfica inovadora.

64
Privilegiou-se a utilização do desenho vetorial e da tipografia,
enquanto recursos gráficos nos quais a cor se expressa como
elemento fundamental na composição. Em termos de sintaxe
visual, houve uma opção pela não-linearidade de conteú-
dos, conferindo diferentes níveis de informação e de leitura,
fragmentação da mensagem, sua dispersão no espaço gráfico
e jogos de visibilidade e leitura. A interação que procuramos
estabelecer entre o objeto gráfico e o espetador levou-nos a
seguir um caminho experimental, de descoberta.

Muito embora este projeto tivesse nascido com uma raiz


publicitária, mantendo-se essa origem pretendeu-se incutir-
-lhe um cunho que não contemplasse marcas e produtos,
mas que tivesse uma genuína postura artística, muito embora,
concordemos com Maranhão quando afirma:. 

Autores como Abraham Moles, Gillo Dorfles, Walter Benjamin, entre


outros, enquadram os objetos produzidos atualmente como objetos
artísticos. Ou seja, a estética moderna olha para a produção do nos-
sos dias – filmes, cartazes, desenho animado, mobiliário, vestuário,
utensílios domésticos, eletrodomésticos, cerâmicas, etc. – como
fazendo parte da estética contemporânea, ao contrário da estética
romântica (Hegel, Kant, Heidegger), indicando apenas alguns filósofos
do século XlX que não consideraram a própria Revolução Tecnológi-
ca, então em curso, (Maranhão: 1988: 121). 

A nossa preferência pela poesia justifica-se pelo caráter


universal da obra dos poetas selecionados, dado que a seu
tempo e modo todos deram um grande contributo para
as problemáticas da mudança na poesia, evidenciada na a
ambiguidade do Eu, na metalinguagem das palavras e na in-
tertextualidade, enquanto encontro de sujeitos e discursos. A
título de exemplo, no centenário da morte de Pessoa, Drum-
mond interroga-se majestosamente sobre as identidades do
poeta, enquanto seu leitor dedicado, demonstrando a ligação
profunda entre ambos.

OBRA POÉTICA
Pela leitura e análise da obra de cada um dos poetas, bem
como de variados estudos sobre as suas obras, entende-se
que, a seu modo, cada um partilhava as angústias do Homem
do seu tempo. Desta forma, pensamos que os três, Pessoa,

65
Drummond e Fortes, se circunscrevem na modernidade,
caracterizada pelas profundas alterações que provocou na
sociedade, na viragem do século XIX.

Por isso, uma marca que nos parece comum aos três poetas
é a atenção que prestaram às profundas alterações sociais
do seu tempo. Todos refletiram de forma intensa, profunda
e inovadora sobre o “Eu” e o “Outro”, o Homem e o Mundo
Novo. Não apenas o mundo exterior, mas, também, o mundo
interior, refletido numa lírica moderna que reformula a rela-
ção entre o poeta, a linguagem da poesia e o leitor, alargando
e multiplicando as suas relações, dado que: 

O poeta não escreve mais para deleite estásico e agrado estético do


leitor [...], mas na sua decifração, ou seja, na possibilidade de criação
de um espaço procriador de enigmas por onde o leitor passeia a sua
fome de resposta [...]. Neste jogo de linguagem ao inteligentizar o
verbo lírico, o poeta instaura-se como um operador de significados
na plurissignificação labiríntica do próprio poema”  Pereira (2009: 20).

ÁLVARO DE CAMPOS
De todos os heterónimos pessoanos, Álvaro de Campos
parece ser o mais controverso, na medida em que tem uma
personalidade megalómana e intervencionista, querendo
sentir tudo de todas as maneiras.

Campos é o Engenheiro Naval e Poeta Futurista da época de


duas importantes revistas: Orpheu e Portugal Futurista. As-
sume uma postura provocatória, de que são exemplos uma
cartas que escreveu a Marinetti, mas que este não recebeu e
ao diretor d’A Capital, gerando grande polémica. Mas, Cam-
pos assumia-se também como um eu lírico, contraditório e
diverso “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer
ser nada. Aparte isso, tenho todos os sonhos do mundo”.
Como pessoa assume ser alguém, mas também muitas outras
coisas. Ou seja, Campos pode ser definido pelo que é, mas
também pelo que é à parte isso (Pizarro e Cardielo, 2014: 13).

Foram selecionados dois poemas de Álvaro de Campos. O


primeiro deles é Lisboa Revisitada, no qual se assiste a uma
certa negação do desejo de ser, do “eu” poético, sentimento
que perpassa de alguma forma parte da obra do heterónimo,

66
na recusa da vida – a verdade – que lhe querem oferecer, as
”estéticas”, a “moral” a “metafísica”, a “civilização moderna” e a
“ciência”. Reafirma-se, neste sentido, com o direito a ser dife-
rente do outro, dizendo que “Fora disso, sou doido, com todo
o direito a sê-lo” ou “Queriam-me casado, fútil, quotidiano e
tributável?” e a estar só “Deixem-me em paz” e “Quero estar
sozinho”.  A infância, tempo passado e, por isso, imutável, é
enaltecida “Eterna verdade vazia e perfeita”. Lisboa, título do
poema, é de outrora, mas também de hoje, logo, tal como
a infância, “nada me dais, nada me tirais”. Por isso, em nada
altera a sua pessoa, o seu “eu”.

O segundo poema, Manifesto Álvaro de Campos, é poema


curto que transmite uma enorme desilusão “Ora porra!”, ao
estado a que chegou Portugal, meia dúzia de anos após a
implantação da República. Carregado de ironia, acentua o
período conturbado do final da 1ª República e o atentado per-
petrado contra Afonso Costa, em 1915, então Primeiro Minis-
tro do país. Porém, tudo parecia imutável, “Nem o rei chegou”
nem o “Afonso Costa morreu...”. A restauração da monarquia
era um assunto não totalmente descartável à época e o arqui-
inimigo de Campos continuava no poder. A Primeira Grande
Guerra que grassava à época, opondo Alemães e Aliados,
também não provocou quaisquer alterações e “ficou tudo na
mesma”. Se tudo o resto nada tem de importância, exclama o
poeta “E para isto se fundou Portugal! “.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902 em Itabira, no
estado de Minas Gerais, Brasil. Foi, porém, no Rio de Janeiro
onde, por razões profissionais passou grande parte da vida,
aí falecendo, em 1987. Embora tivesse exercido a profissão de
funcionário público ao longo da vida, desde muito cedo se
iniciou na escrita, prática que manterá até aos seus últimos
dias.

Drummond produziu uma vasta obra, sendo por muitos con-


siderado o maior poeta brasileiro do século XX, uma vez que
mais do que nenhum outro conseguiu exprimir o sentimento
de um povo. Fê-lo produzindo uma poesia que é também
uma súmula cultural, no imenso país que é o Brasil. A obra do
poeta “articula um protótipo do mundo moderno – o gaúche.

67
Aí está o sentimento de uma região, de um país e o sentimen-
to do mundo”, (Sant’Anna, 1980: 37).

Uma das marcas da sua poesia é a utilização da ironia e do


humor, marca que manterá em todo o seu trabalho, mas que
é particularmente relevante no princípio, pela forma mais
aberta como é utilizada, o que se pode dever ao seu tempera-
mento, à visão jovem desses tempos ou a influências moder-
nistas. Outro traço definidor da obra drummoniana parece ser
o seu caráter universal, pegando em assuntos e personagens
comuns, conferindo-lhes uma certa impessoalidade, sem que
todavia passe todo o tempo a falar de si mesmo, pois:

Como obra dramática, a poesia de Drummond cria essa “ilusão de


vida”, pois que a tarefa do poeta é a de criar a aparência de “ex-
periência à semelhança de acontecimentos vividos e sentidos, e de
organizá-los de modo a construir uma realidade experimentada pura
e completamente, um trecho de vida”. A obra do poeta parece ser
uma “ficção”, tal como em Fernando Pessoa era “fingida”, (Sant’Anna,
Idem: 40).

Drummond percorre ao longo da sua obra três fases que


importa referir. Na primeira delas, Eu maior que o Mundo “o
personagem está postado num canto, escuro, imóvel e torto,
contemplando a cena à distância e assumindo uma posição
predominantemente irónica e egocêntrica. Na fase seguinte,
o personagem “já se deslocou do canto-província e, à medida
que a enorme realidade pesa sobre os seus ombros, vai-se
sentindo diminuto e quebrantado”, iniciando uma “viagem”
pelo ‘secreto latifúndio’ de seu Ser, depois de se ter apercebido
como um ser para a morte. Evidencia-se aqui uma preocupa-
ção social muito intensa. Por último, em Eu igual ao Mundo a
sua poesia “converteu-se numa sistematização da memória,
numa maneira de se reunir através do tempo”, assumindo
uma postura metafísica (idem: 16).

A poesia drummoniana, define-se pela sua

[...] obsessão, a sua neurose, ferindo os olhos e ouvidos, mas criando


também um nôvo tipo de dicção dentro da poesia brasileira... cuja
significação resultava sobretudo da não-significação ou de non sense,
(Saraiva, 1967: 11).

68
Por esta última característica, non sense, Drummond é apon-
tado como sendo precursor da poesia modernista no Brasil. O
“permanente processo de transformação e adaptação de ima-
gens”, a “metamorfose imagística”, “os jogos de sobreposições
temporais e espaciais”, “a diversificação de egos”, “o lançar-se
além de si mesmo”, “versos destituídos de rimas” para além da
estrutura frásica e da semântica, parecem configurar traços
nesse sentido.

No primeiro poema, José, está refletida a solidão do homem,


nas suas múltiplas dimensões, nas quais se movimenta e o
definem como tal: o amor, o trabalho, o lazer, a frustração... A
vida de José é marcada por uma avalanche de situações que
o remetem para um mundo de sentimentos contraditórios.
José, mais não é do que o homem contemporâneo, esse ser
frágil, apegado aos bens materiais e numa constante encru-
zilhada da vida que permanentemente o questiona enquanto
ser, E agora José?. José é uma espécie de zero à esquerda,
símbolo de uma era de massificação, época de objetos e não
de sujeitos” (Sant’Anna, 1980: 54).

O poema seguinte, Quadrilha, retrata os descaminhos da vida


amorosa, nos desencontros e desejos por realizar e percorre a
vida de figuras comuns, que mais não são do que um retrato
de todos nós. Para além do amor por alguém que ama outro,
acentuado na primeira parte do poema, a morte, o suicídio e
o exílio articulam-se na parte final, evidenciando o culminar
de todas as incompreensões resultantes do amor ou, melhor
dizendo, do desamor. Todos amavam alguém, menos Lili que
não amando ninguém casou com J. Pinto Fernandes. Ou seja,
o casamento aqui retratado como simples convenção social,
relação da qual o amor parece não fazer parte. 

CORSINO FORTES
Corsino Fortes nasceu na ilha de São Vicente, Cabo Verde,
numa família muito humilde, tendo perdido os pais muito
cedo. O facto de ter sido ajudante de ferreiro, evidencia bem a
condição económica e social da família. 

Em 1966 faz a licenciatura em Direito, em Lisboa. Cedo se


tornou militante do PAIGC e a política será parte integrante
da sua vida. Foi o primeiro embaixador de Cabo Verde em

69
Portugal (1975-1981), logo após a Revolução dos cravos. No
governo cabo-verdiano, foi secretário de estado para a infor-
mação, tendo lançado a televisão experimental. Mais tarde
foi nomeado Ministro da Justiça e presidiu por vários anos ao
Conselho Geral da Fundação Amílcar Cabral.

O primeiro livro é lançado em 1974, Pão & Fonemas, fazendo


parte de uma trilogia que conta a saga de um povo para a li-
bertação. Corsino Fortes revolucionou a poesia cabo-verdiana
com as suas metáforas, tendo a ilha como geradora de um
novo universo, capaz de se converter numa terra fértil e de
sustentar o seu povo. A questão da insularidade é marcante
em toda a sua poesia. Porém, nunca lamenta as condições da
própria ilha, antes pelo contrário, valoriza a sua capacidade de
se transformar e de gerar um novo universo.

A sua poesia é muito experimental e visual, com uma carga


simbólica que para além de nos remeter para o universo do
arquipélago, nos conduz para profissões modestas, tais como
a de pedreiro. De alguma forma, Corsino faz um paralelismo
entre o esculpir da pedra e o seu próprio trabalho de compor
as palavras. 

Da sua obra foi selecionado o poema Proposição que, no


nosso entender, é bem representativo do trabalho do poeta,
na medida em que a metáfora é um recurso linguístico muito
presente, na qual a insularidade e as características próprias
do arquipélago e das suas gentes são expressas.

Toda a obra de Fortes se apresenta como que imbuída de


várias camadas de significados. A compreensão destas cama-
das, ou de apenas parte delas, é um exercício de interpretação
e compreensão da vivência do povo cabo-verdiano. Um povo
que apesar das dificuldades inerentes à geografia e clima das
ilhas, se projeta além, assumindo uma atitude corajosa, de
luta e conquista. No fundo, trata-se de adotar uma postura,
que permita enfrentar e vencer as múltiplas adversidades do
quotidiano crioulo.

70
71
72
https://vimeo.com/198717266

Manifesto Álvaro de Campos


(completo) • Álvaro de Campos
• Tipografia: Helvética, Hercu-
lanum, Times, Iowan Old Style,
Marion e Hobo Std Medium
• Técnicas: impressão digital e
pintura manual • Cor: jato de
tinta + pigmento termocromático
preto
+ pigmento fotocromático azul.

• Termocromático: toda a man-


cha de cor em preto sobreposta
ao poema e letras do título, a
vermelho.
Temperatura: ≤ 24ºC
• Fotocromático: orla azul à volta Raios UV: Não

Temperatura: > 24ºC Temperatura: > 33ºC Temperatura: > 33ºC


Raios UV: Não Raios UV: Sim Raios UV: Sim

73
74
Lisboa Revisitada (extrato)
• Álvaro de Campos • Tipografia:
Helvética, Herculanum, Times, Io-
wan Old Style, Marion e Hobo Std
Medium • Técnicas: impressão
digital e pintura manual • Cor:
jato de tinta + pigmento
termocromático + fotocromático.

• Termocromático: toda a cor


que aparece na composição, com
exceção do preto no texto.
• Fotocromático: os quatro can-
Temperatura: ≤ 24ºC
tos do plano, com magenta. Raios UV: Não

Temperatura: < 24ºC Temperatura: > 24ºC Temperatura: < 24ºC


Raios UV: Não Raios UV: Sim Raios UV: Sim

75
76
https://vimeo.com/198847631

Quadrilha (completo) • Carlos


Drummond de Andrade
• Tipografia: Myriad Pro • Técni-
cas: impressão digital e pintura
manual • Cor: jato de tinta + pig-
mento termocromático
+ fotocromático.

• Termocromático: na palavra
“amava“, e nas caixas de cor ama-
relo, vermelho, azul e verde.
• Fotocromático: personagens.

Temperatura: ≤ 24ºC
Raios UV: Não

Temperatura: < 24ºC Temperatura: > 33ºC Temperatura: > 33ºC


Raios UV: Sim Raios UV: Sim Raios UV: Sim

77
78
Foi-se a Copa (completo) • Car-
los Drummond de Andrade•
Tipografia: Veteran Typewriter e
Helvética • Técnicas: impressão
digital e pintura manual • Cor:
jato de tinta + pigmento termo-
cromático
e fotocromático.

• Termocromático: pigmento ver-


melho no bloco de texto no canto
inferior direito.
• Fotocromático: pigmento nos
versos em arco. Temperatura: ≤ 24ºC
Raios UV: Não

Temperatura: > 33ºC Temperatura: < 24ºC 79


Raios UV: Sim Raios UV: Sim
80
José (extrato) • Carlos Drum-
mond de Andrade • Tipografia:
Veteran Typewriter e Helvética •
Técnicas: impressão digital e pin-
tura manual • Cor: jato de tinta +
pigmento termocromático.

• Termocromático: pigmento de
várias cores a tapar “e agora,
José?“ e a palavra José.

Temperatura: ≤ 24ºC

Temperatura: > 33ºC

81
82
Proposição (extrato) • Corsino
Fortes • Tipografia: Helvética •
Técnicas: impressão digital e pin-
tura manual • Cor: jato de tinta +
pigmento termocromático.

• Termocromático: com exceção


do preto nos textos, toda a cor é
pigmento termocromático.

Temperatura: ≤ 24ºC

Temperatura: > 33ºC

83
84
Em jeito de conclusão
Finalizado este percurso pelo que consideramos ser uma
breve história da comunicação visual, cabe-nos agora deixar
algumas observações. Embora nos tenhamos focalizado no
cartaz e ele expresse o caminho que seguimos, fizemo-lo
convictos que à falta dos meios de comunicação da nossa
contemporaneidade, foi ele o grande protagonista, enquanto
objecto de comunicação e informação nas sociedades anti-
gas.

Evidentemente que esse objeto de visibilidade que esteve


presente em todas as civilizações da antiguidade, pouco ou
nada tem a ver com o cartaz dos nossos dias, nomeadamente
no que diz respeito a conteúdos, estética e processos de
produção. As revoluções tecnológicas que foram acontecendo
ao longo de milhares de anos, das quais fomos dando conta
neste trabalho, permitiram uma evolução contínua do cartaz
enquanto objeto gráfico.
.
Muito embora o fosso entre o paleo-cartaz e o cartaz contem-
porâneo seja colossal, não podemos deixar de afirmar que a
cada tempo cada um deles resultou da utilização da tecno-
logia disponível, sendo que o propósito de ser um veículo de
informação e comunicação se manteve inalterável ao longo
da história. Ainda que utilizando diferentes tecnologias, esse
aspeto reconfigura, quanto a nós, o cartaz como sendo um
objeto que percorreu todas as civilizações.

Desse estatuto de transversalidade temporal, resulta que o


cartaz assume um protagonismo que nenhum outro meio de
comunicação pode reivindicar. Mesmo hoje, na sociedade da
imagem, na qual a televisão e mais recentemente a internet
têm uma presença quase totalitária, o cartaz soube reinventar-
se uma vez mais, multiplicando-se em tecnologia, formatos e
numa visibilidade sem paralelo.

O cartaz camaleónico que se apresentou na parte final, mais


não pretende do que demonstrar exatamente essa capacidade
de evolução e adaptação em cada momento, servindo-se para
tal da tecnologia disponível. No caso deste projeto e muito
embora se trate de cariz experimental, ele é demonstrativo
dessa procura contínua de inovação.

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Propositadamente não fizemos qualquer análise interpretativa
às obras que aqui se apresentaram. Deixamos essa tarefa para
todos quantos tenham interesse em fazê-lo, seguindo, even-
tualmente, os preceitos nos aponta a Obra Aberta de Eco

Porém, reconhecemos a dificuldade que pode existir em fazer


uma análise de um objeto cuja característica fundamental
está na possibilidade de mudar os seus elementos, de acordo
com determinadas condições ambientais. Os momentos,
“fotogramas“, são imensos, de forma que nos coube a tarefa
de apresentar aqueles, que quanto a nós, são mais exemplifi-
cativos das mudanças da obra.

Para minimizar o problema, e tal como demos conta oportu-


namente, indicamos uma ligação online a uma peça de vídeo,
demonstrativa de todo o processo.

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