0% acharam este documento útil (0 voto)
35 visualizações5 páginas

William Burroughs - Os Limites Do Controle

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1/ 5

William Burroughs

Os Limites do Controle

I
Existe um crescente interesse por novas técnicas de controle da mente. Dizem
que Sirhan Sirhan foi objeto de absorção pós-hipnótica; ele se senta tremendo
violentamente na mesa de vapor da cozinha do Hotel Ambassador, em Los
Angeles, enquanto a mulher ainda não identificada segurava-o e sussurrava
em seu ouvido. Alega-se que as técnicas de modificação de comportamento
são usadas em prisioneiros problemáticos ou em pessoas internadas, muitas
vezes sem consentimento. Dr. Delgado, que uma vez parou com controle
remoto um touro em disparada, a partir de eletrodos no cérebro do animal,
deixou os EUA para prosseguir seus estudos em seres humanos na Espanha.
Lavagem cerebral, drogas psicotrópicas, lobotomia e outras formas mais sutis
de psicocirurgia: os aparatos de controle tecnocrático dos Estados Unidos têm
obtido novas técnicas, que, se bem exploradas, podem deixar o 1984 de
George Orwell parecendo uma utopia benevolente.

II
Mas as palavras são ainda os principais instrumentos de controle.
Proposições são palavras. Persuasão são palavras. Ordens são palavras.
Nenhuma máquina de controle planejada até então pode operar sem palavras.
E qualquer máquina de controle que tentasse, dependendo inteiramente da
força externa ou inteiramente de controle físico da mente, logo encontrará os
limites do controle.

III
Um impasse básico de todas as máquinas de controle é o seguinte: o controle
necessita de tempo para exercer controle. Pois ele também necessita de
oposição ou de assentimento; caso contrário, deixa de ser controle.
Eu controlo um sujeito hipnotizado (pelo menos parcialmente);
eu controlo um escravo, um cão, um trabalhador, mas se eu estabeleço o
controle completo de alguma forma, como por meio da implantação de
eletrodos no cérebro, então o meu subordinado é pouco mais que um
gravador, uma câmera, um robô. Não se controla um aparelho gravador
– utiliza-o. Considere a distinção e o impasse implícito aqui. Todos os sistemas
de controle tentam fazer do controle o mais estrito possível, mas, ao mesmo
tempo, se o conseguisse completamente não haveria mais nada para
controlar. Suponhamos, por exemplo, um sistema de controle que instala
eletrodos nos cérebros de todos os futuros trabalhadores bem no momento
do nascimento. O controle então está completo. Mesmo o pensamento de
rebelião é neurologicamente impossível. Nenhuma força policial é necessária.
Nenhum controle psicológico é preciso, a não ser pressionar os botões certos
para alcançar certas ativações e operações. Os controladores poderiam ligar
a máquina, e os trabalhadores iriam realizar suas tarefas, pelo menos assim
eles pensariam. No entanto, os controladores pararam de controlar os
trabalhadores uma vez que estes se transformaram em algo como um
aparelho gravador.

IV
Quando não há mais oposição, o controle é uma proposição sem sentido. É
altamente duvidoso que um organismo humano possa sobreviver sob
completo controle. Não haveria mais nada lá. Não haveria indivíduo. A vida é
vontade, motivação, e os trabalhadores não seriam mais vivos, talvez
literalmente. O conceito de absorção (suggestion), enquanto uma técnica de
controle, pressupõe controle parcial e não total. Você não tem como reprimir
o seu gravador nem submetê-lo à dor, coerção ou persuasão.

V
No sistema de controle maia, no qual os sacerdotes conservavam os
louvados Livros das Estações e dos Deuses, o calendário era afirmado em
detrimento do analfabetismo universal, na medida em que operava como
meio de comunicação de massa – um instrumento de controle de dois gumes,
como Watergate se mostrou. Os sistemas de controle são vulneráveis, e as
novas mídias são incontroláveis por natureza, pelo menos na sociedade
ocidental. A imprensa alternativa é notícia, a sociedade alternativa é notícia,
e, como tal, ambas são absorvidas pelos meios de comunicação. Uma vez que
Hearst e Luce obtiveram o monopólio de Hearst e Luce, este foi quebrado. De
fato, quanto mais completamente hermético e aparentemente bem sucedido
é um sistema de controle, mais vulnerável ele se torna. A fraqueza inerente do
sistema maia é que ele não precisa de um exército para controlar os seus
trabalhadores; e, portanto, não precisa de um exército quando, na verdade,
eles precisariam de um para repelir os invasores. É regra das estruturas
sociais dizer que qualquer coisa que não é necessária irá se atrofiar e se tornar
inoperativa ao longo do tempo. Retiram-se do jogo de guerra – lembrem-se,
os maias não tinham vizinhos para lutar contra – logo perdem a capacidade
de guerrear. Em The Mayan Caper eu sugeri que tal sistema de controle
hermético poderia ser completamente desorientado e abalado por uma única
pessoa que alterasse o calendário de controle, do qual dependia cada vez mais
o sistema de controle, já que seus meios concretos de uso da força estavam
enfraquecidos.
VI
Considere uma situação de controle: dez pessoas em um barco salva-vidas.
Dois autointitulados líderes armados forçam os outros oito a remarem,
enquanto os líderes dispõem do alimento e da água, mantendo a maior parte
para eles e distribuindo apenas o suficiente para manter os outros oito
remando. Os dois líderes agora precisam exercer controle para manter uma
posição vantajosa que não poderia continuar sem isso. Aqui, o método de
controle é a força – a posse de armas. O não-controle seria efetuado pela
tomada das armas e deposição dos líderes. Quando isso ocorrer, seria
vantajoso matá-los de uma vez. Logo que começa uma política de controle, os
líderes continuariam com a política por uma questão de autopreservação.
Quem precisa controlar os outros, a não ser aqueles que resguardam, com tal
controle, uma posição de vantagem relativa? Por que eles precisam exercer o
controle? Ora, eles precisariam controlar porque se eles resignassem ao
controle eles teriam, imediatamente, perdido a posição de vantagem e, em
muitos casos, teriam também perdido suas vidas.

VII
Agora examine as razões pelas quais o controle é exercido no cenário barco
salva-vidas: os dois líderes estão armados, digamos, com revólveres calibre
38 – doze tiros e oito oponentes em potencial. Eles poderiam dormir em
turnos. No entanto, eles ainda deveriam ter o cuidado para não deixar os oito
remadores terem a intenção de matá-los quando a terra fosse avistada.
Mesmo em tal situação arcaica, a força é movida por trapaça e persuasão: os
líderes desembarcando no ponto A dizem que vão deixar alimento suficiente
para que os outros atinjam o ponto B. Eles têm a bússola e estão contribuindo
com suas habilidades de navegação. Em resumo, eles irão se esforçar para
convencer os outros de que este é um empreendimento cooperativo, em que
todos estão trabalhando para o mesmo objetivo. Eles também podem fazer
concessões: aumentar as porções de alimento e água. A concessão significa, é
claro, a retenção do controle – isto é, a disposição dos alimentos e da água.
Por persuasões e por concessões, eles esperam evitar um ataque conjunto dos
oito remadores.

VIII
Na verdade, eles pretendem envenenar a água potável assim que deixarem o
barco. Se todos os remadores soubessem disto, eles teriam atacado, não
importa de que maneira. Vemos agora que outro fator essencial do controle é
ocultar aos controlados as intenções reais dos controladores. Estendendo a
analogia do barco salva-vidas para o Navio do Estado, poucos governos
existentes poderiam resistir a um súbito ataque em massa de todos os seus
cidadãos desfavorecidos, e tal ataque poderia ocorrer se as intenções de
certos governos existentes fossem inequivocamente manifestas. Suponha que
os líderes do barco salva-vidas tivessem construído uma barricada e
poderiam resistir a um ataque concentrado e matar todos os oito remadores,
se necessário. Eles teriam então que remar por si só e não estariam seguros
um do outro. Da mesma forma, um governo moderno armado com armas
pesadas e preparado para o ataque poderia acabar com 95% dos seus
cidadãos. Mas quem faria o trabalho, e quem iria protegê-los dos soldados e
técnicos necessários para fabricar e empunhar armas? O controle bem
sucedido significa obter um equilíbrio e evitar um confronto que necessitasse
de toda força desmedida. Se consegue isto por meio de várias técnicas de
controle psicológico, também equilibradas. As técnicas tanto de força como
de controle psicológico são constantemente incrementadas e refinadas, e
mesmo assim a dissidência em todo o mundo nunca foi tão generalizada nem
tão perigosa para os controladores atuais.

IX
Todos os modernos sistemas de controle estão cheios de contradições. Veja a
Inglaterra. “Nunca vá longe demais em nenhuma direção” é a regra básica na
qual a Inglaterra é edificada, e há alguma sabedoria nisso. No entanto, ao
evitar um impasse eles entram em outro. Qualquer coisa que esteja indo além
está no caminho pra fora. Certo, nada dura para sempre. O tempo determina
o que termina, e controle precisa de tempo. A Inglaterra está simplesmente
tentando ganhar tempo enquanto lentamente afunda. Veja a América. Quem
realmente controla o país? É difícil dizer. Certamente os muito ricos são um
dos grupos mais poderosos de controle, uma vez que eles estão em posição de
controlar e manipular toda a economia. No entanto, não seria vantagem para
eles armar ou tentar formar um governo excessivamente fascista. Força, uma
vez implantada, subverte o poder do dinheiro. Este é outro impasse do
controle: a proteção dos protetores. Hitler formou a S.S. para protegê-lo da
S.A. Se ele tivesse vivido o suficiente surgiria o problema da proteção em
relação a própria S.S. Os imperadores romanos estavam à mercê da Guarda
Pretoriana, que em um ano assassinou vinte imperadores. E, além disso,
nenhum país industrial moderno foi fascista sem um programa de expansão
militar. Não há mais lugar algum para se expandir – depois de centenas de
anos, o colonialismo é algo do passado.

X
Não pode haver dúvida de que uma revolução cultural sem precedentes
aconteceu na América durante os últimos trinta anos e, uma vez que a
América é agora o modelo para o resto do mundo ocidental, esta revolução é
mundial. Outro fator é a mídia de massa, que espalha em todas as direções
diversos movimentos culturais. O fato de que esta revolução mundial ocorreu
indica que os controladores foram obrigados a fazer concessões.
Evidentemente, uma concessão é ainda retenção de controle. Aqui está um
centavo, eu guardo um dólar. Diminuímos a censura, mas lembrem-se de que
tudo retroceder. Bem, nesse ponto isso é questionável.
XI
A concessão é um outro vínculo do controle. A história mostra que tão logo
um governo começa a fazer concessões, torna-se uma via de mão única.
Certamente, eles poderiam retroceder com todas as concessões, mas com o
duplo risco da revolução ou mais perigoso ainda, do fascismo escancarado.
Ambos altamente ameaçadores para os controladores atuais. Será que surge
alguma diretriz clara a partir desta confusão? A resposta é provavelmente
negativa. Os meios de comunicação têm se mostrado um instrumento de
controle muito instável e até traiçoeiro. Isto devido à sua necessidade
incontrolável por NOTÍCIAS. Se um jornal, ou mesmo uma série de jornais de
único dono, faz com que uma história se destaque como NOTÍCIA, outros
jornais continuarão publicando. Qualquer imposição de censura do governo
sobre a mídia é um passo na direção do controle do Estado, um passo que
Grande Capital fica relutante em dar.

XII
Eu não quero sugerir que o controle automaticamente destrua a si mesmo,
nem que o protesto seja, portanto, desnecessário. Nada pode ser mais
perigoso do que um governo que embarca em autodestruição ou siga um
curso inteiramente suicida. É encorajador que alguns projetos de modificação
comportamental têm sido noticiados e parados, e certamente essa exposição
e publicidade vão continuar. Na verdade, eu defendo que nós tenhamos
o direito de insistir que toda pesquisa científica seja sujeita ao escrutínio
público, e que não deve haver tal coisa como pesquisas completamente
secretas.

Originalmente publicado em,


“The Limits of Control” em Semiotext(e): Schizo-Culture, vol. III, no. 2, 1978
Tradução de Ednei de Genaro. Revisão USINA.

Você também pode gostar