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Revista da FAE

Empreendedorismo social no Brasil: atual configuração,


perspectivas e desafios – notas introdutórias*

Edson Marques Oliveira**


Resumo

No presente artigo, procuramos apresentar os principais elementos introdutórios ao


tema empreendedorismo, tomando como exemplo a realidade brasileira. Partimos
da constatação de que o empreendedorismo social emerge no cenário dos anos
1990, ante a crescente problematização social, a redução dos investimentos públicos
no campo social, o crescimento das organizações do terceiro setor e da participação
das empresas no investimento e nas ações sociais. Atualmente, o empreendedorismo
social se apresenta como um conceito em desenvolvimento, mas com características
teóricas, metodológicas e estratégicas próprias, sinalizando diferenças entre uma
gestão social tradicional e uma empreendedora. É o que procuramos apresentar,
mesmo que sinteticamente e de forma introdutória, a partir dos principais conceitos,
nacionais e internacionais, e de um exemplo típico brasileiro e de impacto global: as
sensíveis diferenças entre empreendedorismo social e outros conceitos, como
responsabilidade social empresarial e empreendedorismo privado. Finalizando,
apontamos algumas características de entendimento do empreendedorismo social
no Brasil, bem como alguns elementos sobre os desafios e possibilidades dessa nova
forma e paradigma de gestão social que se apresenta como emergente e de grande
poder de transformação social no cenário de um Brasil paradoxal, com muitos
problemas, mas repleto de possibilidades.

Palavras-chave: empreendedorismo social; gestão social; terceiro setor.

Abstract
* Este artigo foi elaborado com
The present article aims at showing the entrepeneurism main introductory elements base nos principais dados e
based on the Brazilian reality. We started by ascertaining that the social entrepeneurism informações formulados em
emerged in the 90s due to social problems, decreased social public investments, investigação no doutoramento,
third sector organization growth and company participation in the social sector que culminou na defesa da tese:
investments and actions. Nowadays, the social entrepeneurism is a developing Empreendedorismo social no
concept with its own theoretical, methodological and strategic characteristics, Brasil: fundamentos e estratégias.
showing differences between traditional and entrepreneur-like social management. ** Bacharel em Serviço Social pela
Based on main international and national concepts and on a typical Brazilian example Faculdade Paulista de Serviço
Social-SP, mestre em Serviço
with a global impact we attempt to show, even if in a synthetic and introductory
Social pela PUC-SP e doutor em
way: the clear differences between social entrepeneurism and other concepts, such
Serviço Social pela Unesp-SP.
as company social responsibility and private entrepeneurism. Finally, we show some Professor adjunto do curso de
characteristics of the social entrepeneurism in Brazil, as well as some elements of the Serviço Social da Unioeste e
challenges and possibilities of this new form of emerging social management pesquisador do Grupo de
paradigm that has a great social transformation power in a paradoxical Brazilian Pesquisa em Agronegócio e
scenario full of problems but also of possibilities. Desenvolvimento Regional da
Unioeste - GEPEC. E-mail:
Key words: social entrepeneurism; social management; third sector. [email protected]

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Introdução empresarial e empreendedorismo privado. Em um
terceiro, tratamos de um dos casos mais exemplares de
empreendedorismo social nacional, mas com impacto e
O tema empreendedorismo social é novo em sua notoriedade internacionais. Em um quarto momento,
atual configuração, mas na sua essência já existe há descrevemos os principais traços do conceito e caracte-
muito tempo. Alguns especialistas apontam Luther King, rização do empreendedorismo social, bem como uma
Gandhi, entre outros, como empreendedores sociais. síntese de seu significado e fundamentação. Em um
Isso foi decorrente de suas capacidades de liderança e quinto, apresentamos em linhas gerais os principais
inovação quanto às mudanças em larga escala. Na nossa desafios e possibilidades do empreendedorismo social
pesquisa, uma das primeiras constatações foi a pouca no Brasil, algumas considerações finais e sugestões
bibliografia sobre o assunto, não somente no Brasil quanto ao conhecimento sistematizado em nossa
como também no exterior, o que demonstra ser o tema investigação. Com isso, esperamos contribuir para uma
novo e ainda estar em desenvolvimento. Esse fato gera introdução mais sistematizada e contextualizada sobre
certo grau de confusão entre alguns termos que, apesar o tema e ampliar o debate.
de parecerem semelhantes no significado, são bem
distintos, como, por exemplo, responsabilidade social e
empreendedorismo privado. Essa confusão, diga-se de
passagem, é encontrada, tanto por pesquisadores Metodologia
brasileiros quanto estrangeiros. Outra constatação é o
fato de, no Brasil, as fontes para embasamento teórico
Trata-se do resultado de uma pesquisa qualitativa,
serem, em muitos casos, de origem estrangeira. Mas,
multicaso, tipo exploratória. Foi feito um estudo
no tocante à prática, já temos alguns exemplos nacionais
descritivo de oito organizações consideradas típicas e
com impacto internacional, como é o caso do Comitê
exemplares em relação ao conceito e prática do
de Democratização da Informática - CDI, de Rodrigo
empreendedorismo social, destacando-se entre elas:
Baggio, no Rio de Janeiro. Tais constatações nos levam
Academia Social de Recife-CE, Comitê de Democratização
a crer que o Brasil não se diferencia em relação a outros
da Informática - CDI do Rio de Janeiro e Ashoka de São
países quanto à definição do que seja empreende- Paulo. Por intermédio da Ashoka, conseguimos contactar
dorismo social. Já temos, inclusive, exemplos concretos
quatro organizações da rede de empreendedores.
que podem sinalizar um padrão específico que distingue Destas, três se submeteram ao preenchimento de um
o empreendedorismo social de outros termos e práticas questionário semi-estruturado. E, dessas três, uma
relativamente similares. permitiu que realizássemos um estudo de caso em
Logo, e considerando o espaço e objetivo deste profundidade. Tais fontes permitiram extrair os principais
artigo, apresentamos, em um primeiro momento, os fundamentos, que delimitamos em: ontológicos,
principais conceitos mais em voga, tanto na visão gnoseológicos, epistemológicos e das estratégias de
internacional como na nacional sobre o significado de gestão dos empreendimentos sociais realmente
empreende-dorismo social na atual conjuntura. Em um empreendedores. Os dados foram sistematizados e, com
segundo momento, abordamos o que consideramos o auxílio de software de pesquisa, fizemos a análise léxica
como tênues diferenças entre dois principais termos, que e qualitativa dos principais dados. A seguir, apresen-
regularmente apresentam certa similitude e até confusão tamos uma pequena parte desses dados como
com o empreendedorismo social: responsabilidade social introdução à presente temática.

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O atual entendimento sobre Center Social Entrepreneurship - CCSE, Canadá; Foud


empreendedorismo social Schwab, Suíça; e The Institute Social Entrepreneurs - ISE,
Estados Unidos. No quadro 1, sintetizamos os principais
Em nossa investigação, verificamos que parte da entendimentos sobre empreendedorismo social.
pouca bibliografia sobre o assunto tem como fontes artigos No que se refere aos conceitos difundidos no
e trabalhos produzidos por outros países. Ao analisarmos Brasil, podemos verificar uma certa semelhança, que
as organizações e suas propostas, podemos destacar encontramos a partir de fontes diversas, tais como:
algumas delas que têm influenciado a disseminação do dissertações, artigos, livros. Vejamos no quadro 2 uma
conceito e da prática do empreendedorismo social: School amostra de algumas citações catalogadas no decorrer
Social Entrepreneurship - SSE, UK - Reino Unido, Canadian da referida investigação.

QUADRO 1 - CONCEITOS SOBRE EMPREENDEDORISMO SOCIAL - VISÃO INTERNACIONAL

ORGANIZAÇÃO ENTENDIMENTO

School Social Entrepreneurship - SSE, Uk-Reino "É alguém que trabalha de uma maneira empresarial, mas para um público
Unido ou um benefício social, em lugar de ganhar dinheiro. Empreendedores
sociais podem trabalhar em negócios éticos, órgãos governamentais,
públicos, voluntários e comunitários [...] Empreendedores sociais nunca
dizem 'não pode ser feito'."
Canadian Center Social Entrepreneurship - CCSE, "Um empreendedor social vem de qualquer setor, com as características
Canadá de empresários tradicionais de visão, criatividade e determinação, e
empregam e focalizam na inovação social [...] Indivíduos que [...]
combinam seu pragmatismo com habilidades profissionais, perspicácias."
Foud Schwab, Suíça "São agentes de intercambiação da sociedade por meio de: proposta de
criação de idéias úteis para resolver problemas sociais, combinando práticas
e conhecimentos de inovação, criando assim novos procedimentos e
serviços; criação de parcerias e formas/meios de auto-sustentabilidade dos
projetos; transformação das comunidades graças às associações
estratégicas; utilização de enfoques baseados no mercado para resolver os
problemas sociais; identificação de novos mercados e oportunidades para
financiar uma missão social. [...] características comuns aos empreende-
dores sociais: apontam idéias inovadoras e vêem oportunidades onde outros
não vêem nada; combinam risco e valor com critério e sabedoria; estão
acostumados a resolver problemas concretos, são visionários com sentido
prático, cuja motivação é a melhoria de vida das pessoas, e trabalham 24
horas do dia para conseguir seu objetivo social."
The Institute Social Entrepreneurs - ISE, EUA "Empreendedores sociais são executivos do setor sem fins lucrativos que
prestam maior atenção às forças do mercado sem perder de vista sua
missão (social) e são orientados por um duplo propósito: empreender
programas que funcionem e estejam disponíveis às pessoas (o
empreendedorismo social é base nas competências de uma organização),
tornando-as menos dependentes do governo e da caridade."
Ashoka, Estados Unidos "Os empreendedores sociais são indivíduos visionários que possuem
capacidade empreendedora e criatividade para promover mudanças
sociais de longo alcance em seus campos de atividade. São inovadores
sociais que deixarão sua marca na história."
Erwing Marion, Kauffman Foundation "Empreendimentos sem fins lucrativos são o reconhecimento de
oportunidade de cumprimento de uma missão para criar e sustentar um
valor social, sem se ater exclusivamente aos recursos."

FONTE: Oliveira (2004)

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QUADRO 2 - CONCEITOS SOBRE EMPREENDEDORISMO SOCIAL - VISÃO NACIONAL

AUTOR CONCEITO

Leite (2002) “O empreendedor social é uma das espécies do gênero dos


empreendedores. [...] São empreendedores com uma missão social, que
é sempre central e explícita.”
Ashoka Empreendedores Sociais e “Os empreendedores sociais possuem características distintas dos
Mackisey e Cia. INC (2001) empreendedores de negócios. Eles criam valores sociais pela inovação,
pela força de recursos financeiros em prol do desenvolvimento social,
econômico e comunitário. Alguns dos fundamentos básicos do
empreendedorismo social estão diretamente ligados ao empreendedor
social, destacando-se a sinceridade, paixão pelo que faz, clareza,
confiança pessoal, valores centralizados, boa vontade de planejamento,
capacidade de sonhar e uma habilidade para o improviso.”
Melo Neto e Froes (2001) “Quando falamos de empreendedorismo social, estamos buscando um
novo paradigma.O objetivo não é mais o negócio do negócio [...] trata-se,
sim, do negócio do social, que tem na sociedade civil o seu principal foco
de atuação e na parceria envolvendo comunidade, governo e setor
privado, a sua estratégia.”
Rao (2002) “Empreendedores sociais, indivíduos que desejam colocar suas
experiências organizacionais e empresariais mais para ajudar os outros
do que para ganhar dinheiro.”
Rouere e Pádua (2001) “Constituem a contribuição efetiva de empreendedores sociais
inovadores cujo protagonismo na área social produz desenvolvimento
sustentável, qualidade de vida e mudança de paradigma de atuação em
benefício de comunidades menos privilegiadas.”

FONTE: Oliveira (2004)

A partir dessa primeira aproximação, fica nítido Tênues diferenças mas que
que tanto nacional quanto internacionalmente o fazem diferença
conceito está em construção. Apesar disso, essa amostra
nos possibilita perceber que há certa similitude quanto Antes de dizermos o que é empreendedorismo

à compreensão da origem e estreitamento do social, vamos, inicialmente, explicar o que não é


empreendedorismo social com a lógica empresarial, fator empreendedorismo social. O empreendedorismo social

este influenciado pela crescente participação das não é responsabilidade social empresarial, pois esta
empresas no enfrentamento dos problemas sociais. Essa supõe um conjunto organizado e devidamente
relação próxima e até histórica tem diferenças planejado de ações internas e externas, e uma
significativas, que nos auxiliam a compreender e melhor definição centrada na missão e atividade da empresa,
definir o que seja empreendedorismo social na ante as necessidades da comunidade. Não é uma
atualidade, se não de forma definitiva, bem mais próxima profissão, pois não é legalmente constituída, não
e específica. A seguir, apresentamos o que chamamos havendo formação universitária ou técnica, nem
de diferenças tênues em relação a dois outros conceitos conselho regulador e código de ética profissional
historicamente próximos – responsabilidade social legalizado; não é também uma organização social que
empresarial e empreendedorismo empresarial – mas, produz e gera receitas, a partir da venda de produtos
como mostraremos, distintos. e serviços, e muito menos é representado por um

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empresário que investe no campo social, o que está (2002, p.40), “[...] a solidariedade que produz ajuda
mais próximo da responsabilidade social empresarial, assistencialista representa fantástico processo de
ou, quando muito, da filantropia e da caridade imbecilização”. Os quadros 3, 4 e 5 fazem comparativos
empresarial, que já se mostraram inadequadas, não entre os principais pontos que diferem e, ao mesmo
somente para os “ajudados”, mas também para os tempo, apresentam certa semelhança com o
negócios e para a sociedade, pois, como enfatiza Demo empreendedorismo social.

QUADRO 3 - DIFERENÇAS ENTRE EMPREENDEDORISMO EMPRESARIAL E EMPREENDEDORISMO SOCIAL

EMPREENDEDORISMO EMPRESARIAL EMPREENDEDORISMO SOCIAL

1. É individual 1. É coletivo
2. Produz bens e serviços 2. Produz bens e serviços à comunidade
3. Tem o foco no mercado 3. Tem o foco na busca de soluções para os
problemas sociais
4. Sua medida de desempenho é o lucro 4. Sua medida de desempenho é o impacto social
5. Visa a satisfazer necessidades dos clientes e a ampliar 5. Visa a respeitar pessoas da situação de risco social
as potencialidades do negócio e a promovê-las

FONTE: Adaptado de Melo Neto e Froes (2002, p.11)

QUADRO 4 - ORGANIZAÇÕES SOCIAIS TRADICIONAIS E EMPREENDEDORAS

TRADICIONAIS EMPREENDEDORAS

1. Hierarquia 1. Time/trabalho orientado


2. Controle centralizado 2. Descentralização/empowerment
3. Foco no que é melhor para a organização 3. Foco no que é melhor para o cliente
4. Ênfase nos programas 4. Ênfase no centro de competências
5. Dependente de recursos 5. Financeiramente auto-suficiente
6. Tentativa de ser todas as coisas para todas as 6. Nicho orientado
pessoas

FONTE: Adaptado de Thalhuber (2002)

QUADRO 5 - CARACTERÍSTICAS DO EMPREENDEDORISMO SOCIAL, RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL


E EMPREENDEDORISMO PRIVADO

EMPREENDEDORISMO RESPONSABILIDADE SOCIAL


EMPREENDEDORISMO SOCIAL
PRIVADO EMPRESARIAL

É individual É individual com possíveis parcerias É coletivo e integrado


Produz bens e serviços para o Produz bens e serviços para si e para a Produz bens e serviços para a
mercado comunidade comunidade, local e global
Tem o foco no mercado Tem o foco no mercado e atende à Tem o foco na busca de soluções para
comunidade conforme sua missão os problemas sociais e necessidades
da comunidade
Sua medida de desempenho é o Sua medida de desempenho é o retorno Sua medida de desempenho são o
lucro aos envolvidos no processo stakeholders impacto e a transformação social
Visa a satisfazer necessidades dos Visa a agregar valor estratégico ao Visa a resgatar pessoas da situação de
clientes e a ampliar as negócio e a atender expectativas do risco social e a promovê-las, e a gerar
potencialidades do negócio mercado e da percepção da capital social, inclusão e emancipação
sociedade/consumidores social

FONTE: Adaptado de Melo Neto e Froes (2002)

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A investigação realizada sobre o assunto permitiu caso exemplar, que hoje é modelo nacional e internacional
fazer esses comparativos e também captar um e talvez um dos que melhor explicitam a nova perspectiva
entendimento mais específico acerca do significado e do empreendedorismo social.
formatação do empreendedorismo social brasileiro, o que Essa análise pode ser complementada observando-
pode ficar mais claro a partir da apresentação de um se o perfil do empreendedor social (quadro 6).

QUADRO 6 - PERFIL DO EMPREENDEDOR SOCIAL

CONHECIMENTOS HABILIDADES COMPETÊNCIAS POSTURAS

Saber aproveitar as Ter visão clara Ser visionário Ser inconformado e


oportunidades Ter iniciativa Ter senso de indignado com a injustiça
Ter competência gerencial Ser equilibrado responsabilidade e desigualdade
Ser pragmático e Ser participativo Ter senso de solidariedade Ser determinado
responsável Saber trabalhar em equipe Ser sensível aos problemas Ser engajado
Saber trabalhar de modo Saber negociar sociais Ser comprometido e leal
empresarial para resolver Saber pensar e agir Ser persistente Ser ético
problemas sociais estrategicamente Ser consciente Ser profissional
Ser perceptivo e atento Ser competente Ser transparente
aos detalhes Saber usar forças latentes e Ser apaixonado pelo que
Ser ágil regenerar forças pouco faz (campo social)
Ser criativo usadas
Ser crítico Saber correr riscos
Ser flexível calculados
Ser focado Saber integrar vários atores
Ser habilidoso em torno dos mesmos
Ser inovador objetivos
Ser inteligente Saber interagir com diversos
Ser objetivo segmentos e interesses dos
diversos setores da
sociedade
Saber improvisar
Ser líder

FONTE: Oliveira (2004)

Esses dados sobre o perfil do empreendedor social Foud Schwab (www.foudschwab.org). No momento,
foram elaborados com base na catalogação das várias destacamos o caso do CDI, no Rio de Janeiro, que hoje
fontes de pesquisas, já nomeadas, e na entrevista com está em várias partes do Brasil e do mundo, fato este
empreendedores sociais brasileiros, que vivenciam, e não que o faz ser o exemplo presente dos futuros
só teorizam sobre o assunto. Os dados podem sinalizar empreendimentos na lógica do empreendedorismo social,
um super-homem, ou uma supermulher, mas de fato, se como veremos a seguir.
refletirmos, os indicadores não são tão excepcionais, pois
essas características são necessárias em qualquer área em Um exemplo brasileiro de
que se queira fazer diferença e ir além do trivial. Tais
empreendedorismo social
características do perfil do empreendedor social não ficam
tão distantes, quando podemos verificar que, na prática, Em 1994, Rodrigo Baggio, um jovem profissional
já podemos ver esses elementos de forma concreta e da área de educação em informática, percebeu que a
sendo expressas em ações. São numerosos exemplos, que tecnologia da informação poderia ser uma grande
podem ser analisados a partir da consulta a algumas ferramenta para lutar contra a exclusão social.
organizações como a Ashoka (www.ashoka.org.br) ou a Primeiramente, criou um link para unir jovens de todas

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as classes sociais, o JovemLink. Notou, porém, que só os portanto, em um nível estratégico e tático. Um segundo
que tinham computador acessavam a rede. Verificou tipo de organização é o que opera na intervenção local,
que era necessário levar a tecnologia ao “outro lado da atual, em um nível operacional, executando e
fronteira digital”. Assim, criou a primeira escola de aprimorando os conhecimentos técnicos de gestão e
informática na favela de Dona Marta, no subúrbio do inovação no campo social.
Rio de Janeiro, e deu os primeiros passos para a criação,
em 1995, do Comitê de Democracia da Informática -
CDI, uma organização não-governamental, cuja missão O CDI é uma ONG que tem com
é “promover a inclusão social utilizando a tecnologia
o missão “promover a inclusão
da informação como um instrumento para a construção
social utilizando a tecnologia
e exercício da cidadania”. Com sede no Rio de Janeiro,
hoje está construída e consolidada uma rede de Escolas
da informação como um
de Informática e Cidadania - EIC, de forma autônoma e instrumento para a construção
auto-sustentável. São cerca de 789 escolas, com atuação e exercício da cidadania”
em âmbito nacional, em 38 cidades e 20 estados. Nelas,
foram capacitadas 461.440 crianças e jovens.
Não estamos fazendo, com isso, uma divisão entre
Internacionalmente, está distribuída em cerca de 10
grupos pensantes e grupos operantes, muito ao
países. O CDI mantém uma vasta rede de parceiros para
contrário, ambos necessitam um do outro para se
dinamizar suas atividades, nacionais e internacionais,
alimentar. Essa característica é típica de projetos de
destacando-se entre eles: BNDES, Fundação W. K.
empreendedorismo social que não abrem mão do teórico,
Kellogg, BID, Banco Mundial, Xerox, Fundação EDS.
do técnico, mas são, como afirmam Melo Neto e Froes
Devido aos resultados, esse projeto é considerado pela
(2001), “pragmáticos responsáveis” , isto é, não
ONU como de impacto e de exemplo mundial, pois pode
despendem tempo em grandes e infindáveis elucubrações
ser aplicado em vários lugares e alcançar, a um baixo teorizantes, que servem mais para o prazer e ego
custo, resultados significativos de inclusão não só digital, acadêmicos do que para serem úteis à sociedade em si.
mas também social e de exercício da cidadania.
Nesse sentido, observamos que se trata, antes de
tudo, de uma ação inovadora voltada para o campo
Afinal, o que é empreendedorismo social? social cujo processo se inicia com a observação de
determinada situação-problema local, para a qual se
Considerando o que apresentamos até o
procura, em seguida, elaborar uma alternativa de
momento, já é possível destacar algumas características
enfrentamento. Observamos também que essa idéia tem
que nos aproximam da resposta deste item.
de apresentar algumas características fundamentais, tais
Primeiramente, é possível distinguir dois tipos de como: 1.º) ser inovadora; 2.º) ser realizável; 3.º) ser auto-
organizações que, atualmente, disseminam o conceito sustentável; 4.º) envolver várias pessoas e segmentos
e a prática do empreendedorismo social. Uma opera da sociedade, principalmente a população atendida; 5.º)
como sustentadora, capacitadora e divulgadora, como provocar impacto social e permitir que seus resultados
é o caso da Ashoka, no exterior e no Brasil, e da Foud possam ser avaliados. Os passos seguintes são: colocar
Schwab, na Suíça. Além de recrutarem e manterem essa idéia em prática, institucionalizar e gerar um
por algum tempo o sustento pessoal e técnico do momento de maturação até que seja possível a sua
empreendedor social, abrem espaços e ações de multiplicação por outras localidades, criando, assim, um
disseminação teórica, com livros, artigos, sites, cursos, processo de rede de atendimento ou de franquia social,
encontros, rede de contato, entre outros. Atuam, até se tornar política pública.

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No exemplo do CDI, nós encontramos todos esses ações que afetam profundamente o processo
elementos: 1.º) é uma idéia inovadora, nunca antes de gestão social, já não mais assistencialista e
realizada; 2.º) é uma idéia agora realizada; 3.º) tornou- mantenedor, mas empreendedor, emancipador
se auto-sustentável; 4.º) envolveu várias pessoas e e transformador.
segmentos da sociedade (principalmente a população • Um indutor de auto-organização social, pois
atendida); 5.º) provocou impacto social, local e global, não é uma ação isolada, mas, ao contrário,
e os seus resultados e o retorno do investimento necessita da articulação e participação da
aplicado podem ser avaliados; 6.º) foi multiplicada e sociedade para se institucionalizar e apresentar
aplicada em outras regiões e até em outros países; 7.º) resultados que atendam às reais necessidades
transformou-se em política pública. da população, tendo de ser duradouro e de
Nesse sentido, e de forma mais específica, o alto impacto social. Não é privativo, pois a
empreendedorismo social pode ser considerado como: principal característica e a possível multiplicação
• Um novo paradigma de intervenção social, da idéia/ação partem de ações locais, mas sua
pois apresenta um novo olhar e leitura da expansão é para o impacto global. Dessa forma,
relação e integração entre os vários atores e é um sistema dentro de um maior, que é a
segmentos da sociedade. sociedade, gerando mudanças significativas a
partir do processo de interação, cooperação e
• Um processo de gestão social, pois apresenta,
estoque elevado de capital social. Como
como vimos, uma cadeia sucessiva e ordenada
ressaltam Melo Neto e Froes (2001, p.31) “O
de ações, que pode ser resumida em três fases:
processo de empreendedorismo social exige,
a) concepção da idéia; b) institucionalização e
principalmente, o redesenho de relações entre
maturação da idéia; c) multiplicação da idéia. O
comunidade, governo e setor privado, que se
que é semelhante ao processo da metamorfose
baseia no modelo de parcerias”, tendo como
da lagarta, que entra no casulo e sai borboleta.
principal objetivo (2001, p.11 e 12) “[...] retirar
Foi a partir dessa analogia que criamos um
pessoas da situação de risco social e [...] o foco
projeto de extensão chamado “Casulo
é nos problemas sociais, e o objetivo a ser
Sociotecnológico”. Esse projeto está em
alcançado é a solução a curto, médio e longo
andamento, é um projeto de extensão
prazos destas questões [...] buscando propiciar-
universitária realizado em parceria com a
lhes plena inclusão social”.
Associação Comercial e Industrial de Toledo -
Acit e visa a colocar em prática os princípios e
as estratégias do empreendedorismo social.
• Uma arte e uma ciência. Uma arte porque Perspectivas para o empreendedorismo
permite a cada empreendedor aplicar as suas
habilidades e aptidões e, por que não, seus dons
social no Brasil
e talentos, sua intuição e sensibilidade na
elaboração do processo do empreendedorismo Como podemos verificar, o empreendedorismo
social. Uma ciência porque utiliza meios técnicos social não se constitui de um “passe de mágicas”, mas
e científicos para ler, elaborar/planejar e agir de uma ação que requer, acima de tudo, a capacidade
sobre e na realidade humana e social. coordenada das pessoas, mesmo que isso se inicie,
• Uma nova tecnologia social, pois sua capacidade primeiramente, por uma pessoa. Logo, e como
de inovação e de empreender novas estratégias sugestão, podemos sinalizar as perspectivas em duas
de ação faz com que sua dinâmica gere outras direções: desafios e possibilidades.

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Quanto aos desafios, seriam dois os principais: Considerações finais


a) criar capital social, que é base para elaboração
e sucesso das ações do empreendedor social. Procuramos apresentar dados e informações
Considerando o histórico de cultura básicas sobre o empreendedorismo social no Brasil. O
individualista em nossa sociedade, ou do estilo título, apesar de pretensioso, trata-se, antes de tudo,
“o que eu vou ganhar fazendo isso?”, ou da da apresentação de parte dos resultados de uma
vaidade dos gestores, das organizações pesquisa qualitativa e estudo multicaso sobre
públicas, privadas e do terceiro setor, em que organizações e profissionais que estão vivenciando a
prevalece a cultura do tipo, “minhas crianças”, construção histórica de um novo modo de gestão social,
“meus pobres”, cremos que gerar capital social que recusa a lógica da filantropia, da caridade e do

é, hoje, um dos grandes desafios para os assistencialismo, que mais serviram para aplacar a

empreendimentos sociais; consciência dos “ajudadores”, do que resolver de fato


a vida dos “ajudados”, para incorporar uma lógica
b) empoderamento dos sujeitos do processo, ou
empreendedora. Ela busca a inovação de estilo
seja, quebrar o discurso do “só tenho direito
empresarial na solução de problemas e causas sociais,
e não tenho nada de deveres” e fazer com impactando ações que geram, na prática, mais do que
que as pessoas, principalmente as excluídas e na teoria, a emancipação social, a inclusão social e o
marginalizadas, tenham uma postura de empoderamento dos cidadãos por meio do estoque
cidadãs e não de vítimas e comecem a fazer a de capital social e ações voltadas para o desenvol-
sua parte sem esperar um “salvador da pátria”, vimento integrado e sustentável.
o que em uma cultura do “me-dá-me-dá” não Verificamos que esse processo surge da constatação
é uma tarefa muito fácil. É preciso fortalecer do crescimento das organizações do terceiro setor, da
o caminhar juntos, pois, como ressalta diminuição do investimento público na questão social e
Maturana (1997, p.206), “[...] ser social envolve da participação crescente das empresas no campo social.
sempre ir com o outro, e só se vai livremente Analisamos também que o empreendedorismo
com quem se ama”. social apresenta certa semelhança com outros termos,
Quanto às possibilidades, destacamos as tais como responsabilidade social empresarial e o
seguintes: a) gera dinamismo e objetividade; b) gera empreendedorismo privado. No entanto, e como

resultados sociais de impacto; c) cria capital social e procuramos mostrar, as diferenças, apesar de tênues,

empoderamento; d) resgata a auto-estima e a visão são substanciais, pois o empreendedorismo social atua
mais na geração de ações que causem o impacto local –
de futuro; e) é dinâmico, cativa e motiva as pessoas ao
não restrito a causas específicas e focadas, como é o
engajamento cívico; f) tem ênfase na geração de novos
caso da responsabilidade social empresarial – e tem
valores e mudança de paradigmas; g) tem na inovação,
como objetivo o resultado coletivo, diferentemente do
na criatividade e na cooperação os pilares de suas
empreendedorismo privado. Também apresenta uma
ações. No médio e longo prazos, irá influenciar
característica inovadora quanto ao modo de ver
radicalmente a elaboração e execução de projetos
(paradigma) de sua metodologia (processo), de sua
sociais, que deverão, cada vez mais, apresentar, como aplicação e formatação (ciência e arte), e de suas
nos negócios empresariais, propostas que demonstrem estratégias e impactos (auto-organização social). Tais
efetividade, eficiência e eficácia quanto à aplicação dos fatores e constatações apontam para um novo momento
recursos solicitados, além de apresentar maneiras de em que os problemas sociais deixam de ser simples tema
aferir os resultados de forma clara e transparente. de discursos para políticos, objeto de pesquisa para

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pesquisadores e lamentação para a sociedade e passam Recomendações
a ser uma causa comum a todos, o que requer novas
formas de agir, pensar e abraçar as alternativas postas
Dadas a importância e a profundidade do empre-
em nosso presente tempo. Como bem afirmam Melo
endedorismo social e a partir de nossa vivência na área,
Neto e Froes (2002, p.15):
fazemos as seguintes e principais sugestões:
Intelectuais, políticos, empresários e pesquisadores a) inclusão do empreendedorismo social na
sociais apontam distorções, culpam o governo, criticam formação profissional universitária e no ensino
as políticas públicas e identificam gestores e instituições
médio, a exemplo do que está ocorrendo com
corruptas, ineficientes e ineficazes. Muito se fala e
pouco se faz de concreto e efetivo. Muitas vezes, o o empreendedorismo empresarial;
que se fala esconde a inércia, o conformismo, a visão b) implementação e adoção do empreendedo-
banalizada dos problemas, o ceticismo diante das rismo social no campo da gestão social pública,
questões sociais [grifo nosso]. nos níveis federal, estadual e municipal;
c) implementação e adoção do empreendedo-
Em outras palavras, devemos deixar do muito falar
rismo social nos Conselhos de Direito das
e, de modo responsável, praticar ações em prol do
categorias profissionais;
bem comum, pois, se assim não o fizermos, estaremos
plantando no presente um futuro sóbrio. A esperança d) criação de mais espaços de apoio, incentivo,
é de que estejamos atentos às possibilidades de pesquisa e disseminação dos fundamentos e
compormos novas sínteses e novos rumos para as das estratégias do empreendedorismo social
nossas vidas. Como afirma Rubem Alves (1984, p.160), no Brasil, como uma política nacional de
“[...] a diferença entre o homem e os animais deve ser estímulo à inovação de novas tecnologias
encontrada no fato de que, enquanto cada espécie sociais empreendedoras;
animal é prisioneira de sua própria melodia, o homem e) potencialização das ações das faculdades e
tem a capacidade de compor novas”. Que ao tentarmos universidades por intermédio de projetos de
ampliar o significado do empreendedorismo social, extensão na perspectiva do empreendedo-
possamos vislumbrar tais possibilidades. rismo social.

Referências
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