Digital 01
Digital 01
Digital 01
patrocínio realização
DIGITAL
A ECONOMIA QUE MOVE AS EMPRESAS
E O MUNDO: ONDE ESTAMOS E AONDE
1
PODEMOS CHEGAR
patrocínio realização
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca Walther Moreira Salles
Fundação Dom Cabral
D574
Digital e a economia que move as empresas e o mundo : onde
estamos e aonde podemos chegar / Núcleo de Inovação e
Empreendedorismo. - Nova Lima : Fundação Dom Cabral, 2021.
(Economia digital ; 1)
E-book : il. color.
CDD: 333.7
EDITORES-EXECUTIVOS
Carlos Arruda
Heloísa Menezes
FUNDAÇÃO DOM CABRAL
APOIO EDITORIAL
Éber Arã
Daniel Galdino Netto
FUNDAÇÃO DOM CABRAL
PROJETO GRÁFICO E REVISÃO
CeD | Criação&Design FDC
Anderson Luizes | Designer Gráfico
Daniela Ank e Euler Rios | Coordenadores
Rubens Cupertino | Revisor
FUNDAÇÃO DOM CABRAL
ABSTRACT
A Fundação Dom Cabral é um centro de
desenvolvimento de executivos, empresários TEXTO ORIGINAL
e empresas. Há 40 anos pratica o diálogo e
a escuta comprometida com as empresas,
AVANÇAR ARTIGO
construindo com elas soluções educacionais
integradas, resultado da conexão entre teoria
e prática. A vocação para a parceria orientou
RETROCEDER ARTIGO
sua articulação internacional, firmando
acordos com grandes escolas de negócios. A RETORNO AO SUMÁRIO
FDC está classificada entre as dez melhores
escolas de negócios do mundo, no ranking VÍDEO
do jornal Financial Times, e é a primeira na
América Latina. WEBSITE
APRESENTAÇÃO
3
Antônio Batista da Silva Júnior
INTRODUÇÃO
4 Heloísa Menezes e Carlos Arruda
93
CIBERSEGURANÇA – UMA QUESTÃO PARA A LIDERANÇA
ESTRATÉGICA?
Wilson Mendes Lauria
O artigo analisa como os principais eventos cibernéticos recentes contribuíram para a
formação do novo paradigma de liderança digital, além de trazer insights que poderão
contribuir para a consolidação de um domínio digital mais seguro e estável.
A SOCIEDADE 5.0 :
111
A SOCIEDADE DA IMAGINAÇÃO É UMA UTOPIA?
Gil Giardelli
O autor aponta o poder da rápida destruição criativa, proporcionada pelas tecnologias e
negócios digitais, para reparar fissuras sociais do sistema atual e construir um futuro mais justo
e inclusivo.
A RENDA UNIVERSAL BÁSICA É A SAÍDA?
118
Gerson Gomes
Analisando os riscos do gap digital para as pessoas e para o seu trabalho, em especial em nações
com desigualdade social enraizada, o autor debate alternativas para compensar tal gap, como a
chamada Renda Universal Básica.
carta do
e como ela afeta os países, o Brasil e as empresas”,
em especial, o seu primeiro volume. Neste e-book I,
que recebe o título de “A economia digital: como e por
que move o mundo e as empresas, onde estamos e
aonde podemos chegar?” abordamos um conjunto de
temas que são a base para a compreensão completa
e macro sobre a economia digital. Na opinião de um
editor
conjunto rico e diverso de renomados especialistas
nacionais e internacionais, trazemos respostas a
instigantes indagações sobre a economia digital e
como ela afeta as organizações, a competitividade
dos países, a geopolítica e as relações humanas
e sociais. Vários dos temas aqui explorados serão
objeto de aprofundamento nos livros seguintes, a
serem lançados ao longo de 2021.
DIGITAL 4
APRESENTAÇÃO
A ECONOMIA DIGITAL
PASSADA A LIMPO Antonio Batista da Silva Junior
Presidente Executivo da FDC
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INTRODUÇÃO
Heloísa Menezes e Carlos Arruda
Somos de uma geração que tem o privilégio competitividade dos países, a geopolítica e
de viver a transição de eras. A era da as relações humanas e sociais.
informação criou os fundamentos da era
digital, que se construiu com velocidade O peso dos negócios digitais nas cadeias de
absolutamente acelerada e gerou impactos valor se acelera. A economia digital cresce
radicais e profundos em vários aspectos da no mundo 2,5 vezes mais que a economia
vida humana, organizacional, bem como nas tradicional. As empresas tecnologicamente
estratégias das nações e nas relações entre capacitadas têm performance de receita
países. Tudo mudando em todo o mundo e ao em média seis pontos percentuais acima
mesmo tempo. dos seus pares menos tecnológicos. No
varejo, essa diferença chegou a dezesseis
Mais do que termos a oportunidade de pontos percentuais, conforme cita um dos
viver esse momento, temos a chance de autores desse livro, Roberto Alvarez, fazendo
construirmos e de sermos protagonistas referência a um estudo publicado pela IBM,
dessa nova era. Assim, somos impactados em 2021.
e, ao mesmo tempo, parte do processo de
mudança. Basta admitir, por exemplo, que na A economia que tem sua base de apoio e
“economia das plataformas” desempenhamos de disseminação no uso das tecnologias
múltiplos papeis simultâneos: somos usuários como inteligência artificial, análise de
e produtores. Ao consumir soluções digitais, dados e blockchain, na computação
fornecemos a nossa experiência de usuário em nuvem e na computação quântica,
na forma de dados e impulsionamos uma é “aberta”, “democrática” e pervasiva.
economia com elevado retorno sobre os Penetra em todos os espaços e segmentos
investimentos e efeito spillover nas empresas e das nossas vidas, independentemente da
em toda a economia. idade, gênero, formação, classe e renda, do
setor econômico, da geografia e do nível
Temos que adquirir o poder de interpretar de crescimento e de PIB do país. Atinge a
esse novo fenômeno e de agir sobre ele. O todos, mas não de maneira indiscriminada.
presente texto de introdução traz as principais
conclusões e insights dos artigos de opinião Ao mesmo tempo que gera uma profusão
do primeiro volume da coletânea do projeto de oportunidades para pequenos negócios
“Digital: as 100 questões mais relevantes sobre e um sem-número de negócios bilionários,
a economia que move as organizações e os paradoxalmente pode aprofundar abismos
países”. Os artigos abordam as origens do entre pessoas, negócios e nações. O nível
poder da economia digital movimentar o do impacto positivo ou negativo, o alcance,
mundo e como ela afeta as organizações, a o aproveitamento dos benefícios bem
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como a competitividade futura das economias e estratégias promotoras, ecossistema
e sociedades vão depender cada vez mais de inovação, regulação, confiança,
da capacidade dos indivíduos, empresas atenção aos dados e à cibersegurança,
e governos desenvolverem tecnologia, de além de uma visão compartilhada e
absorverem, adotarem e aproveitarem as responsável sobre os impactos nas pessoas
capacidades digitais, transformando-as em e no meio ambiente. O pensar novas
algo útil para as atividades de conhecimento, políticas de desenvolvimento também
saúde, entretenimento, negócios, inovação, é desafiador, requerendo novos ativos,
entre tantas outras. Mais do que ser usuário ritmos mais acelerados e mirar a criação
de tecnologia digital, é necessário ter de novos setores da economia, incluindo a
capacidades digitais – que não se resumem digitalização. Como estas devem estimular
a competências técnicas e sociais – para as infraestruturas e tecnologias digitais
gerar mais valor e produtividade. Como que ainda estão por vir e que certamente
alerta em seu artigo, Dennis Herszkowicz, terão uma obsolescência absolutamente
presidente da Totvs, “em um mundo no superior que as rodovias e ferrovias? Este
qual são gerados cerca de 2,2 milhões de questionamento é feito por Marcos Troyjo,
terabytes todos os dias (...), ter ferramentas em seu artigo.
que ajudem as empresas a transformar
essa avalanche de códigos em informações Muitas das barreiras para alcançar a
mensuráveis, palpáveis e de fato relevantes nova economia permanecem sendo
para os negócios passa a ser uma condição analógicas. Referem-se à construção de
de sobrevivência”. novos talentos, mentalidades, práticas de
gestão e perspectivas sobre o futuro. De
Dada a sua complexidade, seu poder de criar toda forma, são necessárias para habilitar o
spillovers e gerar consequências para todos, ecossistema para o digital e para um novo
o olhar sobre a economia digital deve ser mundo que exige adaptações sucessivas
abrangente, não se resumindo a tecnologias e rápidas. Construir os mercados do
ou a aspectos como transformação digital amanhã, conforme sugere Attilio di Battista,
dos negócios. Pessoas, empresas e governos requer uma combinação criativa não
precisam compreender todos os aspectos somente de inovações tecnológicas, mas
que afetam o seu futuro e que influenciam as também de inovações socioinstitucionais.
suas decisões estratégicas. A transformação
digital precisa se dar “em todo o sistema”, Outros fatores de competitividade
abrangendo várias dimensões, desde o entram em jogo na economia digital.
acesso à tecnologia, passando por questões Os elevados ganhos de produtividade,
de confiança, até a aplicação de tecnologias competitividade e de valor das empresas
digitais em áreas as mais diversas e que podem ser profundamente afetados por
atingem as várias camadas da população, crimes cibernéticos. Estima-se que o
conforme ressaltam Soumitra Dutta e Bruno crime cibernético acarretará à economia
Lanvin, no seu artigo, que trata da prontidão global prejuízos da ordem de US$ 10
digital dos países, no qual o Brasil se posiciona trilhões, em 2025, exigindo dos governos
no 59º lugar entre as 134 economias incluídas, e das empresas atenção à estratégia,
demonstrando desempenho desequilibrado envolvimento das altas lideranças e
entre os vários indicadores. preparação das pessoas para lidar com
o risco, alerta Wilson Lauria. As questões
A fim de criar efetivo impacto com o digital acima são somente exemplos do quão
em todas as esferas, é necessário agir para complexo e amplo é o conjunto de temas
construir as adequadas competências, envolvidos no mundo digital.
infraestrutura, condições de acesso, políticas
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A competitividade futura das economias e as patentes relacionadas a blockchain, 50%
sociedades dependerá da construção de dos gastos globais em internet das coisas e
economias digitais sustentáveis e inclusivas. A mais de 75% do mercado de computação
profusão de soluções digitais para a educação na nuvem – traz para o cenário questões
e a saúde, por exemplo, não é útil para como possível fragmentação da economia
todos quando ainda temos cerca de 40% da digital, governança de dados em nível
população mundial sem acesso à internet, e global, segurança nacional e defesa e
mesmo entre aqueles que têm acesso, a boa resiliência cibernética, que segundo Tatiana
e ampla conectividade continua sendo um Prazeres passarão a ser objeto de atenção
problema, observam Soumitra & Lanvin. na formulação de políticas nacionais para
tecnologia, comércio e investimentos. Seria
Dado o caráter delocalizado das tecnologias, possível uma nova onda de cooperação
dos fluxos de dados e de conhecimento, o internacional para o florescimento
peso do digital nas estratégias das nações da Economia 4.0? As organizações
e na disputa pela hegemonia econômica, internacionais também estão desafiadas
o olhar sobre a economia digital deve ser pela agenda digital, segundo Troyjo.
global. Vivemos a economia dos fluxos, na
qual dados e serviços digitais conformam uma Do ponto de vista de posicionamento dos
nova globalização – a “Globalização 5.0” – e países na economia digital, devem ser
estão definindo as disputas pela hegemonia, criados blocos que diferenciam os países
a competitividade das economias e o entre aqueles usuários de tecnologias
distanciamento entre as nações. digitais e os que as desenvolvem, gestionam
e distribuem – além de as utilizarem. E entre
A McKinsey estima que a contribuição dos fluxos aqueles “conectados” e “não conectados”,
de dados transfronteiriços para o PIB mundial entendendo como conectados não somente
já excede a contribuição do comércio de bens os que têm acesso, mas os que detêm
físicos, destacam Anil Gupta e Hayan Wang. talento suficiente para as necessárias
Para eles, a “velha” globalização, por meio do “adaptações seriais”. Onde os serviços
comércio de bens físicos, está dando lugar a digitais são produzidos e consumidos
uma era de conexão global por dados e capital. importa no jogo competitivo entre as nações,
A “Globalização 5.0” caracteriza-se por nuvens alerta Jorge Arbache. Na “economia de
globais que permitem a conectividade digital, plataformas”, quanto mais disseminados
gigantes globais que são ativadores digitais os serviços, maior o nível de acesso, mais
ou empresas puramente digitais. Produtos ganham os países e empresas que os
antes puramente físicos estão se conectando produzem e desenvolvem as plataformas.
digitalmente; o consumo dos produtos São gerados mais renda, postos qualificados
desmaterializados aumentou, assim como de trabalho, impostos e oportunidades de
a colaboração científica transfronteiriça e a negócios para empresas de todos os portes.
globalização de ideias.
A economia digital exacerba as
Nessa nova globalização, fica claro o jogo desigualdades tanto em países ricos
de forças entre os países na busca pela quanto nos emergentes? Vários autores
liderança na economia digital, tendo Estados do livro exploram tal tema em abordagens
Unidos e China como os grandes players complementares. Há os que entendem que
que competem – e tensionam o mundo – mesmo nas economias ricas a tendência
por empresas líderes, tecnologias, padrões é de crescimento das desigualdades
técnicos, dados, mercados, comércio e sociais, quando a sua taxa de crescimento
investimentos. A tensão crescente entre os é baixa. E que os países emergentes – que
dois países – que juntos detêm 75% de todas representam 80% da população e 40% do
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PIB mundial – com PIB em crescimento podem mais difícil será o posicionamento diante
ser privilegiados. Estes podem ocupar uma da nova fronteira tecnológica e o usufruto
posição relevante na economia digital, desde dos benefícios das soluções digitais, o que
que passem da categoria de usuários para poderá exigir mecanismos compensatórios
usuários e desenvolvedores de tecnologias e de maior monta para os cidadãos e
de plataformas. Uma saída se dá a partir de empresários excluídos. De toda forma,
empresas que desenvolveram a capacidade em todos os países, independentemente
de criar modelos de negócios baseados em do estágio de desenvolvimento e de
plataformas digitais e robustos ecossistemas de maturidade digital, como usuários ou
negócios, exemplificam com casos concretos desenvolvedores, ações orquestradas entre
de países emergentes Lourdes Casanova e governos, empresas e sociedade civil são
Anne Miroux. necessárias para minimizar o hiato digital e
as suas consequências.
Fica evidente que o sucesso de lidar no novo
ambiente significa, por um lado, não reduzir É voz comum, no tratamento de temas
o desafio dos países, empresas e pessoas como transformação digital e estratégias
ao desafio da tecnologia. Por outro lado, a digitais das nações, que é muito mais
redução da clivagem digital exigirá amplo que tecnologia; que estamos falando
domínio das tecnologias. E o Brasil não está na fundamentalmente de pessoas. Pessoas
fronteira da geração dessas tecnologias. Essa com mindset digital no comando e no
dependência agrava a nossa situação, que já funcionamento das organizações, entidades
era frágil. Não controlamos essas tecnologias; e governos. Pessoas habilitadas para as
em grande parte somos usuários. novas ocupações que o mundo digital está
criando e recriando continuamente.
Os nossos sistemas de inovação e de
regulação também estão desafiados no A aceleração da tecnologia faz com que
seu ritmo e escala, exigindo combustíveis conhecimentos, habilidades e competências
diferentes dos habituais, alerta Glauco Arbix. tenham vida mais curta. Também indica
Novos modelos de fomento e de financiamento que as novas oportunidades de emprego
à inovação rápida, aberta e colaborativa e exigirão formação mais elevada. Agência da
baseada no intangível e na convergência de União Europeia estima que, em 2025, 85% de
tecnologias, estímulo a startups e ao capital todos os empregos na região demandarão
de risco, nova forma de fazer gestão da um nível básico de competências digitais,
inovação são temas críticos no momento. A nos alerta Roberto Alvarez, que coloca
universidade de ponta adquire enorme peso abundância e aprofundamento do abismo
ao dominar tecnologias mais profundas, como digital como dois lados de uma mesma
deep learning e redes neurais, deixando para moeda.
as empresas, principalmente, a aplicação
de inteligência artificial mais madura. No Minimizar os impactos negativos das
aspecto regulatório, são objeto de atenção, profundas mudanças tecnológicas atuais
entre outros, os relativos à infraestrutura de e das que estão por vir é mais difícil
transmissão de dados, armazenamento e uso nas economias com níveis elevados
de dados, privacidade, segurança e ética. de desemprego estrutural, com forte
concentração da renda e da riqueza,
Ficar para trás na agenda é perder o bonde mercados de trabalho desregulamentados,
da economia do século XXI. Porém, cada crescimento lento ou descontínuo
país precisa ter a sua estratégia de inserção e economias indiscriminadamente
na economia digital e na nova globalização abertas. Tais economias acabam por
digital. Quanto mais tarde entrar bem no jogo, criar paliativos – necessários – para
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compensar as consequências sociais do O que está por vir? Não sabemos qual será
desemprego tecnológico, segundo Gerson a nova era e nem quanto tempo levará
Gomes. Paliativos como programas de renda para se configurar. Exercícios de futurismo
mínima deveriam, segundo o autor, ser são desafiadores na era digital e no
complementados com medidas e políticas cenário de pandemia ou de pós-pandemia,
que ajudem a construir um modelo de quando a imprevisibilidade é a marca
desenvolvimento socialmente mais inclusivo, mais clara. Nas palavras de Gil Giardelli,
ambientalmente sustentável e que reduzam, “o mundo atual é mais emocionante que
ao invés de perpetuar, a desigualdade entre a ficção científica”. Entretanto, cumpre
grupos sociais, regiões e países. afirmar que o futuro próximo não será
linear, mas sim repleto de mudanças,
Atenção especial é requerida, pois, nos que não irão se completar totalmente,
investimentos em P&D, educação e prevê Paulo Vicente Alves. O que requer
requalificação para o digital, para os quais organizações mais resistentes, robustas e
são fundamentais os compromissos e a resistentes.
construção de fortes parcerias público-
privadas, segundo Ana Paula Assis.
DIGITAL 8
doi.org/10.52959/2021135277
O BRASIL ESTÁ
PRONTO PARA O
DIGITAL?
O PAÍS NO NETWORK
READINESS WINDEX
Soumitra Dutta e Bruno Lanvin
INTRODUÇÃO
Nossas vidas – tanto offline como online – foram impactadas em uma extensão sem precedentes
pelos desafios colocados pela pandemia da COVID-19 e suas crises econômicas associadas.
Indivíduos, comunidades, empresas, governos e economias inteiras ao redor do mundo foram
forçados a empreender uma rápida transformação digital na forma como as pessoas vivem,
trabalham, estudam, governam e aprendem. Muitas dessas mudanças são abundantemente
evidentes, como o aumento das plataformas de educação online que proporcionam
continuidade educacional aos estudantes em todo o mundo. Mas muitas dessas outras
mudanças são mais sutis, pois os líderes empresariais e políticos reajustam suas prioridades
estratégicas nos bastidores para colocar o digital no centro de suas organizações e sociedades.
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Este capítulo primeiro descreve como a
competitividade futura das economias e
sociedades depende da construção de
economias digitais sustentáveis e inclusivas.
Em seguida, destaca três questões-cha-
ve que as economias enfrentam à medida
que passam pela transformação digital de
2021 em diante. A seguir, fornece uma visão
geral do Network Readiness Index (NRI): uma
ferramenta de benchmarking para avaliar o
grau de preparação de uma economia para
o futuro digital. Discutindo as conclusões do
NRI para 2020, o capítulo conclui propondo
recomendações-chave e tomadas de posi-
ção para a economia digital do Brasil.
A COMPETITIVIDADE DO PAÍS É
BASEADA EM UMA ECONOMIA
DIGITAL SAUDÁVEL
A prontidão para o futuro digital é uma
dimensão central da competitividade das
nações no século XXI. Pesquisas recentes
sugerem que o “novo normal” de 2025 será
mais orientado para a tecnologia1 ; 86% dos
entrevistados concordaram que a digitaliza-
ção catalisada pela pandemia orquestrará
mudanças nas sociedades em todo o mun-
do, com a maioria “esperando que a evo-
lução da vida digital continue a apresentar
tanto aspectos positivos quanto negativos”2.
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QUESTÕES CHAVE ENFRENTADAS PELAS ECONOMIAS DIGITAIS EM 2021
À medida em que o ritmo da transformação digital no mundo inteiro se intensifica, há três
questões-chave que as economias enfrentam a partir de 2021.
Uma segunda questão central diz respeito à relação entre a transformação digital e a
qualidade de vida. Enquanto as tecnologias digitais proporcionam novas conveniências a
muitas pessoas, há preocupações crescentes sobre os impactos negativos das soluções
digitais na vida das pessoas. Em particular, estão sendo levantadas questões sobre o futuro
do trabalho, empregos e a ascensão de uma “economia gig”, com baixo nível de proteção
e de direitos dos trabalhadores. A maioria dos funcionários da “economia gig” trabalha
em tempo parcial, sem contrato, sem benefícios para a saúde e, muitas vezes, com salário
mínimo ou próximo a ele. Estima-se que cerca de 40% da população ativa dos EUA está na
“gig economy”. Muitos desses trabalhadores têm dificuldade em economizar para comprar
uma casa ou pagar pela educação de seus filhos. Assim, não é surpreendente ver tais tra-
balhadores protestando com greves. O setor informal do Brasil, em particular, também tem
testemunhado um estresse intenso desde o início da crise da COVID-19 7 .
DIGITAL 11
Nas mãos erradas, é claro que as tecnologias
digitais podem ser usadas para a vigilância
antiética, coleta de dados e parcialidade
algorítmica, impedindo os mais vulneráveis
da sociedade de participar da economia
digital.
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imagem: Unsplash.com
A transformação digital precisa de se dar “em todo o sistema”. Os países com melhor
desempenho no índice normalmente se saem bem em muitas dimensões. As economias
devem tomar medidas para abordar uma ampla gama de questões – desde o acesso à
tecnologia, passando por questões de confiança, até a aplicação de tecnologias digitais na
área da saúde – em vez de se concentrar apenas em selecionados campos de ação.
A transformação digital está acelerando os gaps digitais. As nações mais bem classificadas
do NRI são notavelmente estáveis ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, regiões específicas
continuam a ficar para trás, mais notavelmente a África, que está atrás de todas regiões,
especialmente quando se trata de acesso e uso das TICs.
A transformação digital pode ajudar a acelerar a implementação das ODSs. Todos e cada um
dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU adotados em 2015 (ODSs) podem
ser acelerados através do uso adequado da tecnologia digital, tais como em questões
relacionadas à saúde, bem-estar e educação.
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O BRASIL NO NRI
O Brasil está em 59º lugar entre as 134 economias incluí-
das no NRI 202010 . Enquanto o país tem um bom desem-
penho no pilar Pessoas (47º lugar mundial), fica atrás em
Tecnologia e Impacto (ambos em 69º lugar). A análise do
NRI destaca o forte desempenho em um governo pronto
para trabalhar em rede (29º lugar), inclusão (43º lugar) e
regulamentação (53º lugar), ao mesmo tempo em que
chama a atenção para a crítica performance do país na
qualidade de vida (87º lugar), tecnologias futuras (85º lugar)
e indivíduos prontos para trabalhar em rede (79º lugar).
Assim, em nível de indicadores, o Brasil tem um desempe-
nho fraco em TIC (126º lugar) e desigualdade de renda (116º
lugar), enquanto é líder global na legislação de comércio
eletrônico (1º lugar), na publicação e uso de dados abertos e
na participação eletrônica (ambos em 18º lugar).
Outra conclusão sugerida pela análise do NRI é que o governo brasileiro está muito prepara-
do para o futuro, mas precisa melhorar seu compromisso de aproveitar as futuras tecnolo-
gias e compartilhar os benefícios da economia digital com seus cidadãos (já que a promo-
ção governamental do investimento em tecnologias emergentes está classificada em 94º
lugar). Uma última observação-chave é que, apesar do progresso do Brasil na prontidão da
rede (network readiness), desigualdades permanecem arraigadas, particularmente na desi-
gualdade de renda (116º lugar) e no uso de pagamentos digitais (81º lugar).
Como essa análise sugere uma recuperação pós-COVID-19? Em primeiro lugar, diagnos-
ticar os pontos fortes e as deficiências do Brasil na prontidão de rede (network readiness)
ajuda os formuladores de políticas e representantes da indústria brasileira a compreender
o impacto da transformação digital em diferentes áreas da sociedade. Tal caminho leva à
conexão com as três questões centrais identificadas para todas as economias digitais em
DIGITAL 14
2021. Ao chamar a atenção para as desigualdades e lacunas digitais, o NRI mostra
que, ao visar essas questões, o Brasil pode melhorar sua prontidão geral e estreitar
sua desigualdade digital, disseminando melhor os benefícios da economia digital
entre seus cidadãos e comunidades com mais equidade e inclusividade. Em segundo
lugar, ao melhorar seu desempenho em habilidades de TIC e habilitando indivíduos e
Photo by Joey Kyber on Unsplash
empresas para trabalhar em rede, o Brasil pode assegurar que as tecnologias digi-
tais e a “economia gig” sejam impulsionadas pela inovação em primeiro lugar, com a
confiança, proteção e garantias necessárias para construir um futuro de trabalho re-
siliente. Finalmente, a análise e a pesquisa de apoio do NRI chamam a atenção para
o fato de que, embora as regulamentações brasileiras sejam relativamente fortes e
bem adaptadas à economia digital de 2021, elas podem não sobreviver à ruptura das
tecnologias emergentes. Isto está relacionado ao equilíbrio acima mencionado entre
o progresso digital e a erosão da confiança e inclusão na economia digital se os de-
senvolvimentos digitais superarem o crescimento regulatório e normativo.
CONCLUSÃO
Os dados do NRI mostram que a transformação digital está acontecendo em todos
os níveis: internacional, nacional e local.
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Com base na abordagem holística do NRI, há várias recomendações para que o Brasil
aumente sua prontidão em rede e construa uma economia inclusiva, digitalmente habilitada
e pronta para o futuro. Primeiramente, as ligações entre os setores público e produtivo são
propícias a níveis mais elevados de prontidão, pois permitem a criação de uma estrutura
de inovação holística e abrangente com políticas intersetoriais (e não de domínio único)
orientadas para a missão, apoiadas por bons dados. Em segundo lugar, o Brasil deve tomar
medidas para fomentar uma cultura de inovação digital, com um foco fundamental na
melhoria do envolvimento do setor privado com a inovação e o empreendedorismo. Em
seguida, tal movimento deve ser apoiado por uma estratégia digital “people-first”, que possa
se adaptar à rápida mudança do cenário global de capital humano e contribuir para que o
Brasil lidere a inovação e a mudança digital através do exemplo.
Soumitra Dutta
Professor Universidade de Cornell/USA
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Bruno Lanvin
Diretor Executivo do INSEAD para Índices Globais
imagem: Unsplash.com
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NOTAS E REFERÊNCIAS
1 Janna Anderson, Lee Rainie e Emily A. Vogels. ‘Experts Say the ‘New Normal’ in 2025
Will Be Far More Tech-Driven, Presenting More Big Challenges’. Pew Research Center,
18 Fevereiro 2021. Disponível em: https://www.pewresearch.org/internet/2021/02/18/
experts-say-the-new-normal-in-2025-will-be-far-more-tech-driven-presenting-
-more-big-challenges/
2 Ibid.
3 https://portulansinstitute.org/blog/nri-2020-digital-transformation-dialogues/
4 Alliance for Affordable Internet, ‘Meaningful Connectivity’, Alliance for Affordable In-
ternet, n.d. https://a4ai.org/meaningful-connectivity/.
5 Banco Mundial, ‘World Bank’s Mission Billion Challenge Calls for Innovation to Stren-
gthen Inclusion and Empower the World’s Invisible Billion’, World Bank, 26 Maio 2020.
https://www.worldbank.org/en/news/press-release/2020/05/27/world-banks-mis-
sion-billion-challenge-calls-for-innovation-to-strengthen-inclusion-and-empower-
-the-worlds-invisible-billion/
6 Miguel Jimenez, ‘Explaining the Digital Divide in Brazil’, Internet Society, 7 Setembro
2015. https://www.internetsociety.org/blog/2015/09/explaining-the-digital-divide-in-
-brazil/
7 Arjuna Costa e Stella Klemperer. ‘New Flourish Research Finds Brazilian Gig Workers
Under Pressure Since COVID-19’, Flourish, 29 Junho 2020. Disponível em: https://flou-
rishventures.com/perspectives/2020-research-brazil-gig-workers-financial-pressu-
re/
10 Soumitra Dutta e Bruno Lanvin, ‘Brazil’, in ‘The Network Readiness Index 2020’, Portu-
lans Institute, 2020. Disponível em: http://networkreadinessindex.org/wp-content/
uploads/2020/12/Brazil.pdf.
11 Soumitra Dutta, Rafael Escalona Reynoso, Carolina Rossini e Isabella Wilkinson, Portu-
lans Joint Report with CNI Shares Evaluation, Recommendations on Brazil’s Readiness
to Address Future Challenges’, Portulans Institute, 10 Dezembro 2020. Disponível em:
https://portulansinstitute.org/a-roadmap-for-brazils-future-readiness-portulans-
-joint-report-with-cni-shares-evaluation-recommendations/.
DIGITAL 18
doi.org/10.52959/2021135278
COMO A SERVICIFICAÇÃO
ESTÁ ASSOCIADA À
ECONOMIA
DIGITAL? Jorge Arbache
Tempos atrás, fomos ensinados que a contribuição do setor de serviços para a economia
estava associada ao estágio de desenvolvimento econômico. Mas o tempo passou e os
serviços se tornaram dominantes até mesmo nos países em desenvolvimento, o que indica
um forte processo de servicificação geral das economias. De fato, observa-se há muito um
contínuo e crescente aumento dos serviços no PIB, transformação que está relacionada a
mudanças nas preferências dos consumidores, urbanização, mudanças demográficas e
outros fatores estruturais.
imagem: Pexels.com
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SERVICIFICAÇÃO E TECNOLOGIAS DIGITAIS
As tecnologias digitais e de comunicação estão viabilizando profundas
transformações de cadeias de produção e abastecimento e de
relacionamento das empresas com os seus provedores e clientes,
possibilitando a gestão e o monitoramento em tempo real, o just in time e a
constituição de cadeias globais de valor (CGV). Essas tecnologias também
estão permitindo que atividades de gestão e backoffice passem a ser
globalizadas, por meio de ferramentas tecnológicas e de comunicação e
colaboração remota.
DIGITAL 20
QUAL SERVICIFICAÇÃO?
Com o salto da servicificação, estamos aprendendo não só que a contribuição,
mas, também, a estrutura e a composição do setor de serviços importam.
Economias mais avançadas têm mais elevada porção de serviços B2B
(business-to-business), em que estão incluídas as tecnologias digitais voltadas
para os negócios, enquanto economias menos avançadas têm mais elevada
porção de serviços B2C (business-to-consumer), em que estão incluídas
tecnologias digitais voltadas para o consumidor final. Mas a composição dos
serviços B2B também importa em razão das distintas destinações e funções
daqueles serviços.
Outra coisa que também estamos aprendendo é que o perfil dos serviços B2B
oferecidos reverbera nas vantagens competitivas e na produtividade agregada
da economia, já que as distintas atividades de serviços têm produtividades
bastante diferentes. Em geral, serviços B2C têm produtividade menor que
os B2B e, entre esses, serviços convencionais, como logística e seguros, têm
produtividade normalmente bem menor que os serviços de diferenciação de
produtos e agregação de valor, como P&D, marketing e marcas.
DIGITAL 21
QUAIS SERVIÇOS?
Estatísticas mostram que os serviços já contribuem com 83% do PIB dos Estados Unidos,
enquanto em países como Argentina, Brasil e México (ABM) os serviços contribuem, em
média, com 65% - no Brasil, são 73%. Embora a parcela dos serviços B2B no PIB seja bem
maior nos Estados Unidos, é na composição que está a maior diferença. Nos Estados
Unidos, 53% dos serviços B2B são serviços convencionais, como logística e manutenção, e
47% são serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos. Nos ABM, são 70% e
30%, respectivamente.
Aquela diferença reflete, ao menos em parte, diferenças nas estruturas produtivas e nos
perfis da oferta e demanda por serviços. De fato, a indústria manufatureira americana
demanda substancialmente mais serviços sofisticados e tecnologias digitais para as
suas cadeias de produção, enquanto as cadeias dos ABM demandam relativamente
mais serviços convencionais, o que é reflexo dos distintos estágios de desenvolvimento
tecnológico e gerencial. Assim, a servicificação e o emprego de tecnologias digitais
podem tomar caminhos distintos e ter implicações também distintas em temas
importantes como a produtividade, por exemplo.
DIGITAL 22
imagem: Pexels.com
Um tema que ainda não está de todo claro é se – e como – a servicificação e as tecnologias
digitais afetarão países com características distintas. Há evidências de que os impactos
serão distintos em várias áreas, como no emprego. De um lado, estariam os efeitos na
criação e destruição de empregos associados ao uso de tecnologias digitais e serviços
remotos. De outro lado, estariam os efeitos associados à criação de empregos relacionados
ao desenvolvimento, gestão e distribuição das novas tecnologias e serviços, que requerem
verdadeiros “exércitos” de profissionais e técnicos especializados e atividades acessórias
necessárias para se gerir e operar plataformas e negócios em nível global.
CONCLUSÃO
O advento de tecnologias digitais de comunicação, produção e gestão viabilizaria uma
profunda mudança na natureza, produção e comercialização dos serviços, dando vazão
a toda uma nova geração de modelos de negócios que alteraria para sempre o mundo
empresarial e os mercados. A servicificação e as tecnologias digitais andam, portanto, de
mãos dadas e uma impulsiona a outra.
DIGITAL 23
Jorge Arbache
Vice-presidente do Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América
Latina (CAF) e professor de economia da Universidade de Brasília.
imagem: Pexels.com
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doi.org/10.52959/2021135279
COMO AVALIAR
A COMPETITIVIDADE
DOS PAÍSES
NA ERA
DIGITAL? Carlos Arruda
imagem: Freepik.com
meio de dotações naturais, capital
humano, instituições e uma série de
outros fatores.
DIGITAL 25
Baseado nestes argumentos – e buscando desenvolver um
indicador que demonstrasse o potencial de crescimento de um
país e que fosse além dos tradicionais indicadores de produto
interno bruto e produto interno bruto per capita –, o professor
suíço Stephane Garelli propôs, na década de 70, a criação de
um campo da teoria econômica que analisasse os fatos e as
políticas que moldam a capacidade de uma nação de criar e
manter um ambiente que sustente mais criação de valor para
suas empresas e mais prosperidade para a sua população.
Para Garelli, competitividade é “como uma nação administra a
totalidade de seus recursos e competências para aumentar a
prosperidade de seu povo”6.
DIGITAL 26
Em 2020, o agora chamado de “Anuário Mundial de Competitividade” analisou 63
países usando a metodologia do Cubo de Competitividade, dividindo o ambiente
nacional em quatro fatores principais de competitividade: desempenho econômico,
eficiência governamental, eficiência empresarial e infraestrutura. Esses fatores, por sua
vez, dividem-se em 5 subfatores cada (Figura 2), que são baseados em 337 critérios
(variáveis) qualitativos (fruto da pesquisa de opinião realizada em cada país) e
quantitativos.
DIGITAL 27
WCY 2020 País WCY 2019 Variação WCY 2020 País WCY 2019 Variação
1 Singapura 1 0 32 França 31 -1
3 Suíça 4 1 34 Japão 30 -4
4 Holanda 6 2 35 Eslovênia 37 2
6 Suécia 9 3 37 Portugal 39 2
7 Noruega 11 4 38 Chile 42 4
8 Canadá 13 5 39 Polônia 38 -1
10 EUA 3 -7 41 Letônia 40 -1
11 Taiwan 16 5 42 Cazaquistão 34 -8
12 Irlanda 7 -5 43 Índia 43 0
13 Finlândia 15 2 44 Itália 44 0
14 Catar 10 -4 45 Filipinas 46 1
15 Luxemburgo 12 -3 46 Turquia 51 5
16 Áustria 19 3 47 Hungria 47 0
17 Alemanha 17 0 48 Bulgária 48 0
18 Austrália 18 0 49 Grécia 58 9
20 China 14 -6 51 Romênia 49 -2
21 Islândia 20 -1 52 Peru 55 3
25 Bélgica 27 2 56 Brasil 59 3
26 Israel 24 -2 57 Eslováquia 53 -4
27 Malásia 22 -5 58 Jordânia 57 -1
29 Tailândia 25 -4 60 Croácia 60 0
30 Chipre 41 11 61 Mongólia 62 1
31 Lituânia 29 -2 62 Argentina 62 -1
63 Venezuela 63 0
DIGITAL 28
O Brasil, que na primeira edição do ranking, em 1989, fazia parte da categoria de países
emergentes, ocupa agora a 56ª posição, um avanço de 3 posições em relação ao ano
anterior e não muito distante da sua pior posição (61ª), ocupada em 2017.
De uma maneira geral, o Brasil apresenta atrasos significativos nos fatores considerados
básicos para a competitividade. Apesar de pequenos avanços, o país aparece na 61ª
posição no indicador de eficiência do governo, 56ª posição no desempenho econômico
e 53ª posição no conjunto de indicadores de infraestrutura. O ganho mais significativo
se deu apenas no pilar eficiência dos negócios, subindo da 57ª para a 47ª posição. Com
infraestrutura deficiente, regras e procedimentos inadequados e baixo compromisso com
o desenvolvimento humano, o país ocupa apenas a 61ª posição entre as 63 economias
analisadas no indicador de produtividade e eficiência.
No último subfator analisado, a educação, o Brasil ocupa a última posição do ranking (63º
lugar). Apesar de significativos gastos em educação – que em 2019 corresponderam a
7,86% dos gastos públicos totais, segundo o Portal da Transparência –, os gastos públicos
totais por estudante estão muito abaixo da média: enquanto o mundo gasta, em média,
US$ 6.363, o Brasil gasta apenas US$2.165. Além disso, a taxa aluno-professor é muito
elevada, seja para educação primária ou secundária: há mais de 24 alunos para cada
profissional da educação, o que faz com que o país ocupe as 57ª e 58ª posições do ranking,
respectivamente. Quando se analisa a proporção de alunos matriculados no ensino
secundário em relação ao esperado (61º colocado), a taxa obtida é de apenas 68,7%, contra
uma média mundial de 89,8%. Cenário parecido é observado para o ensino superior, sendo
que apenas 19,6% da população de 25 a 34 anos atingiram ao menos esse nível de ensino (a
média mundial é de 42,8%).
DIGITAL 29
Segundo o professor Bris, a capacidade inovadora de um país está fortemente enraizada
em áreas como a concentração de cientistas e engenheiros na força de trabalho, o
grau de proteção da propriedade intelectual e a profundidade da cooperação entre os
setores público, privado e acadêmico. No ranking geral de competitividade existente, eles
atuam como representantes da inovação científica e tecnológica. A nova classificação
complementa a classificação geral, promovendo uma melhor compreensão das
forças relacionadas à economia digital, bem como a contribuição desta última para o
desempenho do país.
O novo estudo de Competitividade Digital analisa cinquenta variáveis que são agrupadas
em três pilares: conhecimento, tecnologia e prontidão futura. Utiliza a mesma combinação
de dados com análise de variáveis quantitativas (dados estatísticos) e opinião de
representantes da comunidade empresarial (dados qualitativos).
Prontidão para o futuro: examina o nível de preparação de uma economia para assumir sua
transformação digital.
A prontidão, por fim, avalia o quão bem as práticas e processos relevantes de TI são
aplicados por todos os atores8.
DIGITAL 30
Tabela 2: Classificação geral do Índice de Competitividade Digital 2020
DIGITAL 31
Mas o país fica apenas no 51º lugar devido a algumas deficiências graves e já observadas
nos últimos relatórios. Destacamos, inicialmente, as deficiências na infraestrutura de
telecomunicações no país. Com baixa penetração nas regiões mais afastadas dos grandes
centros e tendo 30% dos lares sem acesso à internet, o país fica apenas na 49ª posição
no indicador de velocidade média da internet, com apenas 19Mbps, ou um quarto da
velocidade média dos países mais avançados.
Outro fator crítico – e que compromete a capacidade do Brasil de gerar ganhos sustentáveis
e absorver os benefícios que a revolução digital pode trazer para nossa economia e
sociedade – está relacionado à escassez de mão de obra qualificada. Aparecendo na
penúltima posição no indicador de talentos (à frente apenas da Venezuela), o país fica na
60ª posição no indicador de disponibilidade de mão de obra qualificada, na 55ª posição no
indicador do percentual de graduandos em cursos de ciências, tecnologia, engenharia e
matemática (STEM) e na 59ª posição na percepção dos executivos sobre a prioridade dada
em suas empresas para a capacitação técnica de seus colaboradores.
Esta triste realidade humana e estrutural não corresponde aos valores e atitudes da
nossa sociedade, que demonstra ser aberta e interessada em aproveitar e explorar os
benefícios que as tecnologias digitais podem gerar no curto e médio prazo. Há, no país,
muitos exemplos deste potencial. Em 2019, fomos o terceiro país no mundo na geração
de startups com avaliação acima de 1 bilhão de dólares, as chamadas unicórnios. Fomos
o 18º país no mundo nos indicadores de uso de sites e apps para relacionamento com o
governo. Fomos o 17º no mundo no uso de robôs, sendo o 14º no uso de robôs em pesquisa e
desenvolvimento.
EM CONCLUSÃO
A comparação dos índices de competitividade mundial (sistêmica) e da competitividade
digital sugere que as condições que um país oferece para que suas empresas sejam
competitivas no contexto global com ganhos de produtividade e melhoria das condições de
vida da sua população são dinâmicas, mas integradas.
A análise dos índices de competitividade reforça o pleno entendimento de que o fator que
melhor explica a competitividade, seja ela sistêmica ou digital, está associada ao fator
humano. Sem uma educação adequada, sem mão de obra qualificada, sem investimentos
em ciências, tecnologia e inovação não há possibilidades de um leapfrogging competitivo,
seja no mundo analógico ou no mundo digital.
DIGITAL 32
Carlos Arruda
Professor da Fundação Dom Cabral
imagem: Freepik.com
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NOTAS E REFERÊNCIAS
2 https://stats.oecd.org/glossary/detail.asp?ID=399
4 Porter, Michael. 1989. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Cam-
pus
6 Stephane Garelli, 2006. Top Class Competitors: How Nations, Firms, and Individuals
Succeed in the New World of Competitiveness. London: Willey
7 https://www.imd.org/research-knowledge/articles/the-imd-world-digital-com-
petitiveness-ranking/
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doi.org/10.52959/2021135280
QUAIS SÃO OS
REQUERIMENTOS
E DESAFIOS PARA A
INOVAÇÃO NA
ERA DIGITAL? Glauco Arbix
Atualmente, todo país que deseja ocupar um lugar relevante no concerto das nações
desenvolve estratégias para entrar em sintonia com o novo ciclo tecnológico que sacode
economias e sociedades em todo o planeta. Os impactos são visíveis e profundos, tanto nos
negócios quanto nas atividades de pesquisa e governos. A dinâmica das novas tecnologias
digitais modifica o metabolismo do universo da produção, dos serviços, da agricultura e do
comércio. E as transformações que promovem são tão poderosas que, com raras exceções,
a tecnologia passou a ser tratada pelos governos como um bem especial, um ativo essencial
para a competitividade e para o desenvolvimento dos países.
Em sua face mais técnica, longe das imagens de ficção, a IA que explodiu atende pelo nome
de machine learning-deep learning. Essas novas modalidades integram máquinas e processos
e permitem visualizar uma economia capaz de conectar consumidores, fornecedores,
produtores e serviços em uma nova onda tecnológica que está redesenhando economias
e sociedades. Mais do que isso, por mais desafiador que seja, abre possibilidades imensas
para países em desenvolvimento, como o Brasil, que é animado ocasionalmente por soluços
de crescimento, apesar de marcar passo há décadas sem conseguir elevar seu patamar e
superar a pobreza e as enormes desigualdades sociais. Exatamente por isso, governos sérios
procuram se apropriar e desenvolver essas tecnologias nascentes para, com isso, ampliar sua
influência, seus mercados e elevar o padrão de vida de suas populações.
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DIGITAL 35
Os Estados Unidos, a China, a Alemanha, o Japão
e o Reino Unido estão à frente na disputa pela
preponderância tecnológica. Esse grupo tem logo atrás
países como a Coreia do Sul, Canadá, Israel, França e os
nórdicos. A China, que há muito ultrapassou os Estados
Unidos na produção manufatureira, tem planos para se
firmar como a liderança global em IA até 2030.
DIGITAL 36
Como ponto de partida, é importante não perder de vista que a
força que emana do digital está fundada no conhecimento. Por
isso, as estratégias contemporâneas precisam de se orientar, antes
de tudo, para a valorização do capital humano. Mais do que as
tecnologias, profissionais capazes de gerá-las e colocá-las em
movimento são a chave que abre as portas para avanços reais. Ou,
em linguagem pragmática, não há como copiar, absorver, adaptar
e desenvolver tecnologias sem pessoas qualificadas.
DIGITAL 37
Isso significa dizer que a digitalização
da economia e da sociedade brasileira
não avançará sem um esforço
concentrado e integrado de um tripé
básico, formado pelo setor público,
universidades e pelas empresas..
INSTITUIÇÕES
As atividades orientadas para missões fazem parte do modo de operação da
Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa), a agência de tecnologia
das Forças Armadas dos Estados Unidos, assim como de dezenas de institutos
de pesquisa na área da saúde dos Estados Unidos (alguns ligados aos National
Institutes of Health) e a várias unidades do National Health Service (NHS), do
Reino Unido. Sistemas mission oriented não são novos na história da CT&I. Mas foi
com a Darpa, nos anos 50, que se distanciou dos modelos mais tradicionais e se
consolidou como um sistema puxado pelo interesse público, de tipo top down, com
o objetivo de criar tecnologias de ruptura. No sistema Darpa, instituições públicas
e privadas se associam para desenvolver pesquisa de qualidade, orientada para
resultados. A Darpa viabilizou saltos tecnológicos enormes, ao estimular consórcios
e coalizões entre empresas e universidades, entre pesquisadores e centros de
pesquisa, como a internet e o GPS, tecnologias geradas inicialmente para fins
militares e abertas no princípio de sua maturidade ao mundo civil. Trata-se de
uma agência compacta, com cerca de 200 funcionários públicos, especializados
em mobilizar competências. Esse novo modelo, criado por conta da Guerra Fria,
DIGITAL 38
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começou a ser estendido para outras áreas, como de energia, com a criação da
Advanced Research Projects Agency-Energy (Arpa-E). Como a Darpa, a Arpa-E
transfere recursos para coalizões de universidades e empresas, facilita o fluxo
de conhecimento interinstitucional e estimula a interação e absorção de novas
técnicas. Esse estilo chama atenção pela sua atuação, em que o interesse público
ordena a pesquisa.
O Brasil não precisa de uma Darpa como a dos EUA, mas o sistema de inovação
daria um salto com esse tipo de diversificação institucional, que operaria de modo
inverso à prática corrente, generalizadamente bottom-up. Em outras palavras, os
órgãos públicos poderiam definir grandes desafios – como vacinas, medicamentos,
fazendas e cidades inteligentes e outros – e convidariam pesquisadores, empresas
e instituições para executá-los. É certo que as modalidades existentes atualmente
propiciaram muitos avanços e, por isso, devem permanecer. A sugestão, porém,
é que a lógica tradicional de se fazer inovação no Brasil digital possa contar com
uma modalidade complementar, mais avançada e mobilizadora, e que não seja
sujeita à instabilidade e intermitência de programas e de orçamento para as
pesquisas, como as da dengue e chikungunya.
Todos sabem que mudanças nem sempre são fáceis. As institucionais, certamente,
estão entre as mais ásperas e vagarosas, mas a necessidade de diversificação é
premente, dado que a evolução tecnológica exige novos mecanismos para o seu
equacionamento. Foi assim que os Estados Unidos criaram a Darpa nos anos 50 e
começaram a fundar os institutos da National Network for Manufacturing Innovation
(NNMIs), voltada para o desenvolvimento da manufatura avançada, em 2016; da
mesma forma, a Alemanha sustenta mais de 70 centros de pesquisa, agrupados
debaixo dos Institutos Fraunhofer. Foi assim também aqui no Brasil, com a criação
da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), no final de 2013,
uma organização social que agilizou o P&D empresarial e se destaca atualmente
como a grande integradora entre o poder público, as empresas privadas e as
instituições de C&T. Exemplos dessa natureza ganharam destaque por conta
de sua alta ambição tecnológica e por experimentar modelos inovadores de
contratação, funding, funcionamento e resultados alcançados.
DIGITAL 39
O fato é que as tecnologias
digitais deflagraram uma
proliferação das redes de
pesquisa e de inovação, que
impulsionam a formação de
ecossistemas locais, regionais,
nacionais e internacionais,
que se tornaram cada mais
complexos e exigem novas
formas para dar conta da
interdependência entre agentes
e da rapidez das interações. O
desenvolvimento das vacinas
contra a COVID-19 em tempo
recorde, para além do volume
de investimento público
disponível e da diminuição
da burocracia, somente foi
possível graças à circulação
acelerada de informações, de
dados e de experimentos, que
estão na base de uma intensa
cooperação internacional, que
potencializou os mecanismos
de open-innovation. Ainda que
seja incerta a permanência
dessas novas práticas, seu
surgimento atesta que é
possível seguir por novos
rumos, mais cooperativos e
compartilhados.
DIGITAL 40
FERRAMENTAS
Do ponto de vista dos instrumentos, o sistema nacional de inovação
construído no Brasil nos últimos 30 anos mantém similaridade com os
países da OCDE. O nó é que as instituições brasileiras, as normas, padrões,
impessoalidade e regras típicas dos sistemas formalizados raramente
funcionam como o planejado e sugerido pelas teorias institucionalistas
tradicionais.
Para além dos vícios analíticos e das leis que efetivamente não legislam,
os desafios surgem mais frequentemente quando as instituições não
conseguem atuar de modo constante para diminuir a insegurança
natural dos processos inovadores, o que é fonte de uma dupla incerteza1.
A sobreposição de funções, as disputas entre órgãos e a insegurança
jurídica pressionam as instituições públicas a não seguirem as regras do
bom planejamento. Não raramente, passam a conviver com um orçamento
flutuante e não dão seguimento nem à sua lógica de atuação nem às suas
iniciativas. Com isso, acabam por criar um déficit de legitimidade social.
Perdem força, consistência e efetividade.
DIGITAL 41
ONDE ESTAMOS?
O Brasil de hoje é capaz de produzir inovações de relevância internacional.
Há um grupo significativo de empresas inovadoras e núcleos de pesquisa
conectados em redes internacionais. Muitos projetos de peso são executados
em parceria, como na decodificação do genoma do coronavírus e na síntese
do Sars-COV-2, na USP, antes mesmo do que em vários países avançados
PARA CONCLUIR
As considerações elencadas permitem concluir que as dificuldades de se
inovar no Brasil não são de responsabilidade exclusiva das empresas e não
podem ser creditadas à uma eventual defasagem de ferramentas de apoio,
muito menos apenas à falta de recursos, ainda que o corte de recursos
públicos desmobilize as agências de fomento e as universidades. Alterações
bruscas e instabilidade são um desincentivo à inovação e impedem que o
ecossistema se oriente por projetos de alto impacto científico, tecnológico,
econômico e social. A estagnação do Brasil nos indicadores do Global
Innovation Index apenas ilustra essa situação.
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Isso significa que: (i) é fundamental elevar sua ambição tecnológica; (ii) é urgente que o
Brasil reduza o déficit tecnológico atual, que distancia as empresas brasileiras das práticas
avançadas; (iii) a elevação do investimento empresarial em P&D, que pode ter um ponto
de apoio nas universidades, deve ser definida como um dos principais direcionadores das
políticas públicas, cuja responsabilidade primeira cabe aos governos.
A inovação e tecnologia são fundamentais para isso, desde que embebidas por uma visão
de longo prazo e pela disposição de se firmar no cenário internacional por seus próprios
méritos. Por mais que seja necessária, é flagrante que uma estratégia desse porte não
cabe nos atuais planos de governo, que desdenha do conhecimento e agride a educação.
Sempre há tempo, porém, para o país se encontrar com o futuro.
Glauco Arbix
Professor Titular do Depto. de Sociologia da Universidade de São Paulo
– USP e coordenador do Observatório da Inovação
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NOTAS E REFERÊNCIAS
1 Essa característica de países emergentes foi tratada em alguns estudos como
“incerteza estrutural”. Tang, Murphree e Breznitz (2015), “Structured uncertainty: a
pilot study on innovation in China’s mobile phone handset industry”. Journal of
Technology Transfer, August 2015
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doi.org/10.52959/2021135281
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A produção é o resultado, ou seja, um dado sobre o que foi produzido por um
determinado período de tempo. A produção tem mais relação com o que deve
ser feito do que com como deve ser feito.
Nesse novo contexto de negócios mais produtivos, mais do que ter infraestrutura
e equipamentos adequados, as empresas precisam ter sistemas que garantam
a gestão otimizada de todos os seus processos e permitam planejar, antecipar
e adaptar-se de forma rápida e eficiente. Ou seja, em um cenário virtual, no
qual novas variáveis passam a ser relevantes para a gestão estratégica, é
necessário ter o apoio de ferramentas que, de forma automatizada, monitorem
as atividades em tempo real, forneçam os insights adequados para a tomada
de decisão e ajudem a eliminar riscos e gargalos.
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Em um mundo no qual Quem tiver os melhores sistemas para extrair
esses dados em tempo real e com custo
são gerados cerca de 2,2
acessível garante vantagem competitiva nesse
milhões de terabytes novo contexto.
todos os dias, segundo
estimativas do Gartner, ter Com isso, fica evidente que soluções de
tecnologia deixam de ser um suporte e passam
ferramentas que ajudem
a ocupar um papel estratégico dentro das
as empresas a transformar organizações, sendo peças-chave para garantir
essa avalanche de a automatização e simplificação de processos,
códigos em informações acesso a serviços financeiros mais baratos e
mensuráveis, palpáveis e de melhor qualidade. Mas elas também são
essenciais para entender e atender com mais
de fato relevantes para os assertividade as necessidades dos clientes.
negócios passa a ser uma
condição de sobrevivência. O uso em larga escala da digitalização, da
nuvem, da inteligência artificial, entre outras
inovações, já está trazendo enormes ganhos a
quem as utiliza. Com o aumento das relações e
transações virtuais, as empresas precisam estar
presentes de maneira integrada e em diferentes
canais para se comunicar com clientes e atendê-
los de forma simples, direta, personalizada e
efetiva. Se essa estratégia estiver bem definida,
com base em processos e boas soluções
tecnológicas, a companhia certamente terá
um bom ganho em produtividade e resultados
positivos no final do mês, inclusive com aumento
nos indicadores de satisfação dos clientes.
DIGITAL 47
MAS, AFINAL, SOMOS OU NÃO PRODUTIVOS?
Depois dessa reflexão, a pergunta que pode ficar é: como mensurar a produtividade do
meu negócio? Essa é uma dúvida comum, mas a resposta não é tão difícil de se encontrar.
Existem alguns indicadores de produtividade que devem ser vistos como parte da
inteligência de negócios.
A Qualidade:
Indicadores que buscam avaliar o compliance em relação aos padrões de
qualidade estabelecidos. Nesse caso, podem variar muito, identificando questões
referentes à disponibilidade do serviço, aos prazos de entrega, ao número de
reclamações, entre outros.
A Capacidade:
Neste caso, o indicador busca definir a entrega em uma lógica quantitativa, como
o nível de produção em determinado período de tempo.
A Competitividade:
São indicadores que buscam medir métricas mais mercadológicas, que realmente
indiquem o nível de competitividade da empresa no segmento em que atua. Um
exemplo bem comum é o market share.
O Turnover:
A produtividade empresarial também tem a ver com a satisfação dos
colaboradores. Por isso, o indicador de turnover é bastante utilizado.
Ele mede o nível de rotatividade na empresa e, quanto mais aprofundado for, mais
evidente serão as chances de falhas internas, como no onboarding, na seleção de
talentos ou mesmo no potencial da empresa em reter funcionários, por exemplo.
A Lucratividade:
Por fim, vale ressaltar que os indicadores de lucratividade continuam
extremamente importantes. Eles servem para medir as entregas do time de vendas,
indicando o ganho real da organização.
DIGITAL 48
O QUE PODEMOS FAZER NA PRÁTICA PARA PRODUZIR MELHOR?
Existem algumas ações básicas que certamente irão ajudar a aplicar mudanças em prol da
produtividade das organizações, em curto prazo. Abaixo, são listados sete itens que devem
ser levados em consideração:
DIGITAL 49
Enfim, o recado que deixo para os
gestores das empresas é: se apoiem
na tecnologia e busquem projetos de
transformação digital com foco na
produtividade. A construção de um
novo capítulo na história das empresas
brasileiras depende da capacidade do
mercado de adaptar-se a esse novo
caminho.
Dennis Herszkowicz
CEO Totvs
DIGITAL 50
doi.org/10.52959/2021135282
RIVALIDADE
EUA-CHINA
NA ECONOMIA
DIGITAL:
QUAIS AS REPERCUSSÕES
GEOPOLÍTICAS? Tatiana Prazeres
“COMPETIÇÃO EXTREMA”
A ascensão da China constitui uma mudança estrutural na ordem internacional.
Em 2010, a China tornou-se a segunda maior economia do mundo. Em 2013, passou
a ser a principal potência comercial. Estimativas apontam que antes de 2030 deve
ultrapassar os EUA em tamanho do PIB.1
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Joe Biden assume o comando dos EUA no pior momento do
relacionamento bilateral desde que os EUA reconheceram
a China sob o comando do Partido Comunista, em 1979. O
sentimento anti-China entre os americanos atinge níveis
históricos4. A preocupação com a China é um dos raríssimos
pontos de convergência entre republicanos e democratas.
O DECOUPLING TECNOLÓGICO
Para alguns, teria havido uma lógica por trás da postura
dos EUA em relação à China nos anos Trump. O chamado
decoupling – ou o desacoplamento, o descolamento das duas
economias – seria o objetivo buscado pelos EUA.
DIGITAL 52
Nos últimos anos, medidas foram tomadas pelos EUA com o
propósito de:
(I) conter o desenvolvimento tecnológico chinês;
(II) diminuir a dependência americana de tecnologias
chinesas;
(III) proteger os interesses econômicos e tecnológicos dos
EUA frente à competição chinesa;
(IV) conter a adoção, em terceiros mercados, de certas
tecnologias chinesas;
(V) difundir a percepção, dentro e fora dos EUA, de que a
China representa uma ameaça à segurança nacional.
DIGITAL 53
Com esse reforço legal, a China pretende também proteger a inteligência –
algoritmos, softwares, códigos-fonte –, que explica justamente a posição de
liderança ocupada por empresas como a ByteDance, que tem no TikTok seu
produto mais conhecido fora da China. O aplicativo da empresa chinesa foi um
dos alvos do governo Trump.
Apesar dos impactos negativos para a China no curto prazo, os esforços dos
EUA para conter o desenvolvimento tecnológico do seu rival podem se revelar
contraproducentes. Diante das primeiras restrições impostas à Huawei, por
exemplo, os chineses “aceleraram, sem constrangimentos, os esforços em direção
à autossuficiência em tecnologias críticas, alocaram recursos públicos e orientaram
esforços privados de maneira a não precisar contar com fornecedores americanos”7.
DIGITAL 54
Os chineses, por sua Especialmente sob Xi Jinping e com mais
determinação a partir dos anos Trump, nos EUA,
vez, à medida que se a China abraçou uma visão tecnonacionalista do
aproximam do topo do mundo. O novo plano quinquenal chinês (2021-2025)
podium da economia tem exatamente na autossuficiência tecnológica um
de seus pilares centrais.
mundial, preparam-
se para circunstâncias Para completar este quadro, vale notar que a
externas mais COVID-19 e a crise econômica que a acompanhou
acirraram as tensões entre as duas potências. A
desafiadoras. Depois pandemia faz com que a China se aproxime ainda
de terem crescido na mais rapidamente dos EUA em termos econômicos,
esteira da globalização, intensificando a rivalidade.
de terem se beneficiado
dela e também
contribuído para o ECONOMIA DIGITAL NA RIVALIDADE EUA-
CHINA E AS REPERCUSSÕES GEOPOLÍTICAS
crescimento econômico
global, hoje sabem que A disputa pela liderança na economia digital tem
encontram resistências enorme importância nas tensões entre EUA e China.
Trata-se de uma competição que envolve empresas,
externas maiores, e tecnologias, padrões técnicos, dados, mercados,
não apenas nos EUA. comércio e investimentos. Para os EUA, a disputa
Eles preparam-se relaciona-se cada vez mais à segurança nacional.
para isso de diferentes A competição nesse domínio tem amplas
maneiras – e uma repercussões, porque dados e algoritmos importam
delas é acelerando para todos os domínios da vida econômica – e não
apenas para empresas de tecnologia. A disputa
investimentos em tem implicações geopolíticas importantes, além
tecnologia para do impacto sobre geração de riqueza e influência
diminuir dependência internacional.
de insumos estratégicos EUA e China disputam espaço na economia digital
importados. com grande distância dos demais competidores – o
que alimenta o acirramento das tensões bilaterais.
O G2 da tecnologia tem 75% de todas as patentes
relacionadas a blockchain, 50% dos gastos globais
em internet das coisas e mais de 75% do mercado de
computação na nuvem8 .
DIGITAL 55
Na essência, a rivalidade entre EUA e China cria o risco de que haja uma fragmentação da
economia digital. Nesse contexto, várias perguntas se impõem, por exemplo: as tensões
podem levar a estruturas tecno-econômicas distintas? Farão surgir diferentes padrões
técnicos, gerando dificuldades de compatibilização? Aprofundarão a separação entre a
internet na China e nos EUA, com um número cada vez maior de aplicativos e plataformas
que funcionam apenas em uma ou outra jurisdição? A internet passará se aproximar de
uma splinternet?9 .
As tensões afetam não apenas China e EUA, mas também se relacionam com interesses e
valores distintos de outros atores, como a União Europeia e mesmo o Brasil.
imagem: iStockPhoto.com
o que repercute negativamente sobre o
comércio e os investimentos.
Diante disso, pergunta-se, por exemplo, se será possível um entendimento mínimo sobre
governança de dados em nível global que assegure o livre-fluxo de dados – essencial
para a expansão da economia digital – e, ao mesmo tempo, garanta o direito de os
países tomarem medidas necessárias para proteção de objetivos legítimos, como
privacidade, segurança e direitos do consumidor.
DIGITAL 56
ECONOMIA DIGITAL, MUDANÇAS NA ORDEM INTERNACIONAL E O FUTURO
O relacionamento EUA-China é o principal elemento definidor da ordem internacional das
próximas décadas. Doses de cooperação, competição e confrontação estarão presentes na
dinâmica bilateral.
É possível que ambos os países criem oportunidades para cooperação – como, sob Biden,
na área do clima. Em boa medida, a competição é inevitável. A confrontação bilateral, com
sorte, será limitada a questões pontuais.
Seria importante que EUA e China pudessem estabelecer parâmetros que permitam conter
as tensões e gerir as diferenças.
Como Kishore Mahbubani, há quem argumente que seria do interesse dos EUA definir esses
parâmetros para o relacionamento com a China enquanto eles ainda ocupam a liderança12.
Mais inteligente, observa Mahbubani, seria buscar, enquanto é tempo, um entendimento
com os chineses para uma coexistência próspera e pacífica13.
A questão de fundo é como Washington lidará com as alterações estruturais que estão em
curso na ordem internacional. Na essência, essas mudanças têm a ver com o fato histórico
de que os EUA não terão, para sempre, a posição de liderança absoluta no mundo14. Na
fronteira dessa disputa, está a competição pelo domínio da economia digital.
DIGITAL 57
NOTAS E REFERÊNCIAS
1 https://fortune.com/2021/01/18/chinas-2020-gdp-world-no-1-economy-us/
2 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatiana-prazeres/2020/12/quatro-pontos-para-
-entender-a-decada-da-china.shtml
3 “A política Made in China 2025, anunciada em 2015, é um marco das ambições tecno-
lógicas do país. Inteligência Artificial ganhou uma política própria e status de prioridade.
Em 2020, ano marcado pela pandemia, a China anunciou seu computador quântico e
lançou o BeiDou – o GPS chinês mais preciso que o GPS”. https://www1.folha.uol.com.br/
colunas/tatiana-prazeres/2020/12/quatro-pontos-para-entender-a-decada-da-china.
shtml
4 https://www.pewresearch.org/global/2020/10/06/unfavorable-views-of-china-reach-his-
toric-highs-in-many-countries/
5 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatiana-prazeres/2020/11/china-china-china-rus-
sia.shtml
7 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatiana-prazeres/2019/10/decisoes-dos-eua-em-
-relacao-a-china-podem-ter-efeito-oposto-ao-desejado.shtml. Por exemplo, a im-
possibilidade de a Huawei contar com a Google como uma de suas fornecedoras fez a
empresa chinesa investir maciçamente no Harmony, a sua própria versão do Androide.
8 https://unctad.org/system/files/official-document/der2019_en.pdf
10 Esta lógica, por exemplo, está presente em Darby & Sewall, The Innovation Wars: Ameri-
ca’s Eroding Technological Advantage. https://www.foreignaffairs.com/articles/united-s-
tates/2021-02-10/technology-innovation-war
11 https://www.eurasiagroup.net/live-post/risk-2-great-decoupling
12 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatiana-prazeres/2020/07/se-os-americanos-
-pensassem-o-impensavel-fariam-o-oposto-do-que-estao-fazendo.shtml
14 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatiana-prazeres/2020/11/china-china-china-rus-
sia.shtml
DIGITAL 58
doi.org/10.52959/2021135284
POR QUE A
NOVA ERA DA
GLOBALIZAÇÃO
É DIGITAL? Anil K. Gupta e
Hayian Wang
imagem: Freerangestock.com
DIGITAL 59
Existem vários impulsionadores do declínio do comércio de bens físicos.
1. O boom das commodities chegou ao fim. A energia fóssil está sendo substituída
por energia renovável. Assim, os preços do petróleo vêm caindo. Lentamente, o
mundo também está começando a consumir menos barris de petróleo. Uma
tendência semelhante está ocorrendo com o carvão.
DIGITAL 60
É claro que, nas últimas décadas, houve um alto grau de mudança estrutural na
natureza da interconexão entre os países.
DIGITAL 61
Como esta nova era de globalização
está afetando as interligações entre os
países? Muitos analistas interpretam
de maneira desvirtuada o que está
acontecendo hoje. Usando termos
como “slowbalization”, eles assumem
que estamos testemunhando o fim da
globalização, como se a globalização
estivesse morrendo.
DIGITAL 62
Quinto, a pandemia da COVID-19 acelerou a tendência em curso em direção
à colaboração científica transfronteiriça. Veja o desenvolvimento de vacinas.
Existem, atualmente, mais de 100 esforços diferentes de desenvolvimento de
vacinas em andamento, a maioria envolvendo colaboração internacional.
Finalmente, olhe para a globalização das ideias. Cada cientista que trabalha em
um algoritmo de IA está explorando o mundo em busca das ideias mais recentes
para incorporar no seu trabalho. Da mesma forma, novos empreendedores de
tecnologia em todo o mundo rastreiam rotineiramente os tipos de negócios que
estão sendo lançados e financiados no Vale do Silício.
Por outro lado, o PIB dos mercados emergentes, no agregado, está crescendo
2 a 3 vezes em relação aos mercados desenvolvidos. Portanto, mesmo com
a crescente desigualdade, as pessoas na base da pirâmide veem suas vidas
melhorando. Além disso, nos mercados emergentes, a grande fatia da população
tem tido historicamente baixo acesso ao setor financeiro, à educação, saúde e
assim por diante. Essa base da pirâmide, ou mesmo o meio da pirâmide, agora
se conecta à educação online, à telemedicina, ao setor bancário e de seguros e
também ao resto do mundo. De repente, o mundo se abre para essas centenas
de milhões de pessoas em mercados emergentes.
DIGITAL 63
Cada um de nós deve estar atento a essas preocupações e pensar em como
combater os efeitos colaterais indesejados.
Dominance.
DIGITAL 64
doi.org/10.52959/2021135283
OS PAÍSES
EMERGENTES
PODEM DAR
O SALTO
PARA A DIGITALIZAÇÃO? Lourdes Casanova
e Anne Miroux
Durante a última década, a inovação está evoluindo não apenas no mundo desenvolvido,
mas também nos mercados emergentes, que avançaram para se tornar líderes em
inovação em um conjunto diversificado de áreas, incluindo meios de pagamentos digitais,
microcrédito, governo eletrônico, comércio eletrônico e veículos elétricos. A era digital se
tornou um capacitador para os países darem o salto e começarem a liderar em domínios
de aplicação-chave. A inovação tecnológica está ajudando os mercados emergentes a
criar soluções locais para os desafios locais que, em muitos casos, também são exportados
para outros mercados.
DIGITAL 65
Da mesma forma, algumas empresas de mercados emergentes estão entre
as que mais investem em P&D no mundo, criando novos bens e serviços de
alta tecnologia. De acordo com o painel de investimentos em P&D industrial
da União Europeia de 2020, das 2000 empresas que mais investem em P&D,
no mundo, cerca de 25% são de mercados emergentes, em comparação com
menos de 5% uma década atrás. Um exemplo notável é a chinesa Huawei, o
maior fornecedor de equipamentos de telecomunicações do mundo, que foi
classificada em quarto lugar no painel de avaliação da União Europeia. Assim,
os países emergentes estão se transformando de imitadores para líderes, com
uma série de empresas dessas economias superando as empresas de países
desenvolvidos no tipo de produtos e serviços que fornecem sem nunca imitá-
los, como mostrado em Cahen, Casanova e Miroux (2021)2 . Em alguns campos
avançados, como a inteligência artificial (IA) e a tecnologia espacial, por
exemplo, a tendência tem sido particularmente visível nos últimos anos, com as
conquistas da China e também da Índia. Enquanto a China foi o primeiro país
a aterrissar robôs no lado escuro da lua, a agência espacial indiana conseguiu
alcançar a órbita marciana em sua primeira tentativa.
DIGITAL 66
É certo que existem diferenças entre os países
e dentro de cada país, como, por exemplo, as
áreas rurais significativamente atrasadas em
relação às áreas urbanas. No entanto, os 2,5
bilhões de usuários de internet nos países de
renda média, de acordo com dados publicados
pelo Banco Mundial, agora superam em muito os
imagem: Freepik.com
dos mercados desenvolvidos em uma proporção
de 2,4 para 1, enquanto era de 1,3 para 1, há uma
década. Nos últimos dez anos, os mercados
emergentes conectaram aproximadamente
1,4 bilhão de novos usuários de internet, o que
representou 70% do aumento do número de
usuários de internet no mundo inteiro.
Esses dados são apenas uma ilustração do que está ocorrendo nas
economias emergentes e em desenvolvimento. A variedade de novos
produtos e serviços oferecidos, os novos modelos de negócios desenvolvidos
e a liderança assumida pelas empresas de mercados emergentes em
diversas áreas ilustram ainda mais quão profunda tem sido a transformação,
como será descrito mais adiante neste capítulo.
O FUTURO É MÓVEL
Para os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento,
a mudança do jogo tem sido, de fato, a tecnologia móvel. Poupando a
necessidade de grandes investimentos em infraestrutura, a tecnologia móvel
permitiu que eles saltassem sobre a fase de construção de infraestrutura física
pela qual passaram as economias mais avançadas, facilitando o acesso a
tecnologias baseadas em TI e abrindo novos horizontes.
DIGITAL 67
Para os indivíduos, isso significava a disponibilidade de produtos e serviços melhor
adaptados às suas necessidades e ao ambiente específico dos mercados emergentes. Para
as empresas, significava a capacidade de responder a tais necessidades e alcançar mais
clientes novos do que nunca.
DIGITAL 68
chineses, a Alibaba também desenvolveu opções de pagamento
rápido para compras offline. Lançou seu próprio método de
pagamento, que permite que as lojas parceiras aceitem o
pagamento em tempo real digitalizando o QR Code de uma
pessoa diretamente de seu telefone celular. A empresa foi pioneira
em pagamentos digitais na China para aluguéis, passagens,
contas hospitalares e impostos, só para citar alguns. Oferecendo
uma ampla gama de serviços financeiros, incluindo empréstimos
a pequenas empresas, gerenciamento de ativos e serviço de
seguros, a Alipay se tornou um provedor de soluções financeiras
online com seu próprio sistema de score para avaliação de crédito,
criando, assim, um novo espaço e se colocando muito à frente
de outros sistemas de pagamento móvel, tais como Apple Pay ou
Google Pay.
DIGITAL 69
população, todos particularmente de baixa qualidade no continente
africano. Operando originalmente na Nigéria, a Jumia estava ativa
em 11 países em 2020, com uma base de 6,8 milhões de clientes
e cerca de US$ 1 bilhão em GMV3 . Para familiarizar as pessoas
com as compras online, a Jumia abriu centros de adoção de
meios digitais, disponibilizando aos seus clientes laptops e tablets
conectados. Seu modelo de negócios evoluiu progressivamente:
embora continuando a contar com seu próprio estoque, também
desenvolveu o mercado Jumia, com vendedores registrados usando
a plataforma e os recursos da empresa para fazer varejo online.
O desenvolvimento de seu próprio sistema de pagamento, Jumia
Pay, foi um marco na estratégia de crescimento e diversificação
da empresa. Ele abriu as portas para serviços online adicionais, tais
como pagamento de contas e recarga de telefones celulares – um
serviço particularmente importante quando os clientes não podem
utilizar modelos pré-pagos, como é o caso em muitas economias
emergentes. Ao evoluir para a avaliação da capacidade de crédito
ao consumidor, a Jumia poderá em breve estabelecer, como a
Alibaba, sua própria infraestrutura de score de crédito. A empresa
também diversificou em uma variedade de segmentos, tais como
entrega de alimentos e refeições, com o Jumia Food, reservas de
hotéis e voos, com Jumia Travel, anúncios, classificados e imóveis,
desenvolvendo progressivamente – como Alibaba e Mercado Livre –
seu próprio ecossistema de serviços interligados.
DIGITAL 70
Sua plataforma fornece um conjunto abrangente de produtos e serviços em várias
áreas, em particular entretenimento e jogos, mensagens WeChat e rede social,
além da sua plataforma de pagamento WePay, similar à Alipay.
LIDERANÇA EM FINTECHS
Em termos mais gerais, as tecnologias financeiras (fintechs) são um domínio onde
os mercados emergentes têm feito a diferença, com novos atores permitindo que
as populações carentes e sub-bancarizadas tenham acesso e utilizem os serviços
financeiros. A M-Pesa do Quênia, o serviço móvel de transferência de dinheiro
lançado em 2007, foi pioneira. Outros se seguiram na Ásia e na América Latina.
De acordo com a OCDE, em 2020, mais de 500 empresas africanas eram fintechs,
enquanto Joanesburgo e Cidade do Cabo, na África do Sul, Nairóbi, no Quênia,
e Lagos, na Nigéria, estavam entre as 100 melhores cidades para ecossistemas
fintech em todo o mundo. Na América Latina e de acordo com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID –, havia mais de 1.160 start-ups fintechs
em 2018 – três quartos delas localizadas no Brasil, México, Colômbia, Argentina e
Chile. Na lista da KPMG dos 100 maiores inovadores da fintech em 2020, cerca de
um terço eram de mercados emergentes, com dez empresas da China e oito da
Índia liderando as posições.
DIGITAL 71
Da mesma forma, os bancos brasileiros foram os primeiros a adotar a tecnologia
e o acesso online. E não é surpreendente que o único banco online autônomo, o
Nubank, seja brasileiro. Com 10 milhões de clientes, o banco é a maior fintech da
América Latina e um dos maiores do mundo a oferecer uma conta digital, NuConta,
cartão de crédito e financiamento ao consumidor. Após a aquisição da Easyinvest,
em setembro de 2020, o Nubank começará a oferecer serviços de banco de
investimento.
DIGITAL 72
Essa convergência de tendências confere à digitalização nos mercados emergentes seu
enorme poder de transformação. Do lado da demanda, a expansão da classe média, a rápida
urbanização, o aumento dos níveis de educação e do poder aquisitivo são fatores poderosos.
A McKinsey projeta que até 2025 os consumidores dos mercados emergentes poderão
ser responsáveis por 30 trilhões de dólares de consumo, quase tanto quanto os mercados
desenvolvidos, e 2,5 vezes seus níveis de consumo em 2010 (MCKINSEY, 2013). Além disso, os
mercados emergentes têm populações jovens. De fato, cerca de 90% das pessoas com menos
de 30 anos vivem em mercados emergentes e esta é a população que responde pela maioria
das transações digitais. Essa geração jovem e muitas vezes com conhecimento tecnológico é
um fator-chave que impulsiona a demanda por novos produtos e serviços habilitados para TI.
Entretanto, há uma série de restrições que pode impedir que a digitalização desempenhe
plenamente seu papel de transformação nas economias emergentes. A primeira está
relacionada ao fato de que ainda existem lacunas significativas de conectividade nas
economias emergentes, entre áreas rurais e urbanas, por exemplo, ou entre grupos sociais mais
e menos abastados.
DIGITAL 73
Nas últimas duas décadas, vários desses produtos
e serviços começaram a se difundir de volta aos
mercados desenvolvidos, em um processo referido como
“inovação reversa” e amplamente descrito por autores
como V. Govindarajan e R. Ramammurti 4. Isto contrasta
fortemente com a visão tradicional da tecnologia que
flui do chamado “Norte” para o “Sul”, como aconteceu
durante os dois últimos séculos. Esse fenômeno está
definitivamente mudando a forma como encaramos a
inovação e os mercados emergentes e a nossa percepção
de quão poderosos os concorrentes destes mercados
poderiam se tornar no futuro.
DIGITAL 74
Lourdes
Casanova
Diretora do Instituto de Mercados Emergentes da Universidade de Cornell
Anne Miroux
Fellow do Instituto de Mercados Emergentes da Universidade de
Cornell
DIGITAL 75
NOTAS E REFERÊNCIAS
2 Cahen. F.; Casanova, L.; Miroux, A. (editors) 2021. From copycats to Leaders: Inno-
vation from Emerging Markets. Cambridge University Press. https://www.cambri-
dge.org/es/academic/subjects/management/international-business/innova-
tion-emerging-markets-copycats-leaders?format=HB
DIGITAL 76
doi.org/10.52959/2021135285
O poder de transformação da
tecnologia sobre o mundo do
trabalho é imenso. Assim, é
um erro creditar à globalização
o papel de principal culpada
pela obsolescência de regiões
e setores tradicionalmente
manufatureiros.
imagem: Freepik.com
DIGITAL 77
A inovação se dá por processos de destruição criativa. Isso significa,
necessariamente, uma espécie de dinâmica “evolucionária”. Portanto, o papel da
tecnologia tem um peso relativo potencialmente tão grande quanto o da expansão
das redes globais de valor.
DIGITAL 78
Embora alguns historiadores argumentem que o
movimento em si nada tinha contra as máquinas, mas tudo
em favor de melhores condições de trabalho, o Ludismo
ficou marcado como esforço estéril perante a imperiosa
dinâmica de inovação.
DIGITAL 79
Nesse contexto, de modo a evitar grandes assimetrias internacionais, o papel
da cooperação é fundamental. Assim, a própria ideia de “plano econômico”,
que dominou o imaginário dos economistas no século XX, passa por uma
ressignificação. Seu conceito original, na contramão do que pregavam os liberais
clássicos, representava intervenção clara do governo no curso espontâneo dos
mercados.
Nos últimos 70 anos, uma das mais exitosas estratégias dessa natureza, aplicada
logo após a Segunda Guerra, foi o Plano Marshall. Ajudou a transformar países
derrotados no grande conflito em economias competitivas e prósperas.
Se não mais o capital, mas o talento, é o fator determinante do êxito nesta “Nova
Era de Adaptação”, em que medida faz sentido falar da necessidade de um “Plano
Marshall tecnológico”?
DIGITAL 80
Infraestrutura convencional na economia industrial foi
classicamente representada pela malha logística – por
portos, aeroportos, ferrovias, estradas, etc. Até a infraestrutura
tradicional tem de ser intensiva em tecnologia. Talvez aí resida
o mais preciso significado da expressão “smart infrastructure”.
Daí, infraestrutura compreende modalidades velozes e seguras
de conectividade. Igualmente, consiste na relação ágil entre
universidades, unidades de pesquisa e desenvolvimento e sua
tradução em produtos para o mercado.
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Marcos Troyjo
Presidente do New Development Bank
Antes de sua nomeação como presidente do New Development Bank, Troyjo atuou
como Vice-Ministro da Economia e Secretário Especial de Comércio Exterior e
Relações Internacionais do Brasil.
imagem: Freepik.com
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doi.org/10.52959/2021135286
DIGITAL 83
Conceitualmente, um novo mercado se constrói e substitui os anteriores e pode
se tornar uma parte de um novo paradigma, impulsionando a transformação
econômica. A transformação econômica, por sua vez, requer a transição de um
conjunto de tecnologias e instituições para outro.3 O objetivo dessa inovação seria
não apenas produzir mais ou melhor, mas transformar as economias por meio do
estabelecimento de novos sistemas tecnológicos e institucionais para resolver as
questões sociais mais urgentes. Essa transição é impulsionada pela criação de
novos mercados que combinam as inovações tecnológica e socioinstitucional para
gerar novas fontes de valor adaptadas aos objetivos da sociedade.
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Mercados do amanhã podem transformar
nossa economia
imagem: Unsplash.com
Cada um dos mercados do amanhã requer sete condições-chave para se desenvolver até
à maturidade:
• Um novo produto que pode ser produzido de forma sustentável deve ser inventado
(invenção).
• Um conjunto de empresas para poder e querer produzi-lo e comercializá-lo (produção).
• A demanda do produto é suficiente para sustentar um mercado comercialmente viável
(demanda).
• Um conjunto de padrões de mercado para o novo produto aparece entre os atores do
ecossistema (padrões).
• A sociedade está alinhada em como valorizar o novo produto (valor).
• As estruturas legais permitem que você identifique, retenha e troque o novo produto
(codificação).
• A infraestrutura necessária (física, digital, intangível) para comercializar, distribuir e
armazenar o novo produto deve estar pronta (infraestrutura).
DIGITAL 85
Novos mercados podem
ser apoiados por incentivos
Caminhos para criar os
governamentais, investimento mercados do amanhã
privado e colaboração
público-privada. Coalizões
em nível nacional e global
podem, em conjunto, buscar
o estabelecimento dessas
condições. Por exemplo, um
grupo de empresas líderes em
Edtech – o Skills Consortium4
- uniu-se para criar um novo
conjunto de padrões para o
mercado5 , ajudar a avaliar
o valor da aprendizagem
online, melhorar a entrega em
massa e estimular a demanda
por meio de mecanismos de
financiamentos inovadores.
DIGITAL 86
A disrupção causada pela COVID-19 representa uma oportunidade única de pilotar
inovações tecnológicas e socioinstitucionais revolucionárias que têm o potencial de se
desenvolver em mercados totalmente novos. Os países nos quais os atores serão capazes
de se mobilizar e coordenar e onde a concentração de mercado em setores adjacentes aos
novos mercados não é muito alta – aqueles que podem participar ou ser afetados por eles –
provavelmente serão os mais beneficiados.
Para resultados sociais ideais, os mercados do amanhã devem ser projetados em torno
de maneiras justas e sustentáveis de produzir e distribuir valor, por exemplo, por meio de
uma colaboração mais simbiótica entre os setores público e privado e modelos inovadores
de financiamento de pesquisa e desenvolvimento, gestão de propriedade intelectual e do
design de modelos da assunção de riscos do setor público em novos empreendimentos.
Especialmente nos países, as instituições públicas têm um papel fundamental a
desempenhar na catalisação da colaboração público-privada e na criação de condições
sistêmicas para o surgimento de mercados selecionados.
DIGITAL 87
Indicadores selecionados do Índice de Competitividade Global
2019 do Fórum Econômico Mundial foram usados para fornecer
uma avaliação inicial da capacidade dos países de desenvolver
novos mercados nas duas dimensões da inovação tecnológica
e socioinstitucional, transformando assim suas economias.
DIGITAL 88
inferior direito. O Brasil se enquadra nesta última categoria, junto com Índia,
Espanha e Japão – já mencionados; um grupo de economias avançadas
(República Tcheca, Israel, Itália); o resto do “BRIC” e outros países emergentes
(Hungria, Polônia, Federação Russa e China).
DIGITAL 89
Com exceção parcial das tecnologias de processamento de informações,
os clusters de tecnologia em que os esforços de P&D são em sua maioria
deixados à iniciativa do setor privado – com pouco ou nenhum investimento
ou coinvestimento do setor público – tendem a aparecer na metade inferior do
ranking.
Essas informações podem ser usadas para ajudar a identificar quais novos
mercados o Brasil pode ser capaz de explorar com base em seu atual know-how
tecnológico. No entanto, elas lançam luz apenas sobre algumas das condições
necessárias para a criação de novos mercados (principalmente invenção e
produção). Todos os novos mercados também exigem uma dose de inovação
institucional (novos padrões, normas, alinhamento de valores) e um esforço técnico
e institucional combinado para fomentar a demanda e atualizar a infraestrutura.
DIGITAL 90
A avaliação dos mercados do amanhã mais relevantes para cada país terá que
se basear principalmente em um processo de consulta e na avaliação qualitativa
das partes interessadas em nível local. As metodologias prospectivas, como
as pesquisas Delphi, podem ser usadas para encontrar a convergência dentro
da comunidade e escolher os rumos a serem dados às políticas industriais e
de inovação nacionais. A “inserção” 6 das instituições públicas no ecossistema
tecnológico e institucional mais amplo, a compreensão das capacidades de
conhecimento e inovação disponíveis e as conexões e vínculos entre os diferentes
atores determinarão o sucesso das experimentações nesses mercados.
Attilio di Battista
Membro do Centro para a Nova Economia e Sociedade do World
Economic Forum
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NOTAS E REFERÊNCIAS
1 COTTAM, Hilary. Welfare 5.0: Why we need a social revolution and how to make it
happen, UCL Institute for Innovation and Public Purpose, Policy Report, 2020
2 https://www.weforum.org/reports/markets-of-tomorrow-pathways-to-a-new-
economy
3 Esta abordagem segue, entre outros, GEELS, Frank, “De sistemas setoriais de
inovação a sistemas sociotécnicos”: Insights about dynamics and change from
sociology and institutional theory”, Research Policy, vol. 33, no. 6-7, 2004, pp.
897-920; e Geels, Frank e Johan Schot, “Typology of sociotechnical transition
pathways”, Research Policy, vol. 36, no. 3, 2007, pp. 399-417. Eles definem instituições
(regimes sociotécnicos) como o conjunto de regras e crenças formais e informais
compartilhadas dentro de uma ampla comunidade de cidadãos, formuladores
de políticas, cientistas, empresas e atores sociais. Essa comunidade de atores
também compartilha o mesmo sistema sociotécnico – tecnologia –, que inclui
tanto os artefatos físicos quanto o conhecimento, capital, trabalho e significado
cultural que eles incorporam e que são necessários para realizar atividades sociais
fundamentais. Nossa noção de “sistemas e instituições tecnológicas” também ecoa
à dos “paradigmas tecnoeconômicos” apresentados por Freeman, Christopher e
Carlota Perez, “Crise estrutural de ajuste, ciclos comerciais e comportamento de
investimento”, em Mudança Técnica e Teoria Econômica, editado por Giovanni Dosi,
Christopher Freeman, Richard Nelson, Gerald Silverberg e Luc Soete, 38-66, Pinter,
1988.
4 https://www.weforum.org/projects/the-skills-consortium
5 World Economic Forum, Building a Common Language for Skills at Work: a Global
Taxonomy, 2021
6 RODRIK, Dani. Normalizing Industrial Policy, The World Bank Commission on Growth
and Development Working Paper, no. 3, 2008.
DIGITAL 92
doi.org/10.52959/2021135287
CIBERSEGURANÇA 1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em 1986, no momento em que a Internet começava a se tornar popular, hackers alemães
invadiram os computadores do Lawrence Berkeley National Laboratory e de outras
instituições norte-americanas para acessar, de forma ilegal, dados sensíveis sobre projetos
estratégicos de defesa. Aquele incidente ficou conhecido como o Cuckoo’s Egg2 e foi
percebido como a primeira ação – realizada no domínio cibernético 3 – com a intenção de
se obter informações classificadas.
A caixa de pandora digital foi aberta em 2007, quando uma série de ataques cibernéticos
inviabilizou operacionalmente o governo da Estônia. A partir de então, eventos como o
Stuxnet (2010), o WannaCry (2013) e o NotPetya (2017) demonstraram as vulnerabilidades de
uma sociedade completamente conectada e dependente de seus ativos digitais4.
imagem: AdobeStock.com
DIGITAL 93
Em 2020, a pandemia do COVID – 19 ampliou os holofotes sobre o tema cibersegurança.
O aumento da exposição digital de pessoas e instituições resultou em consequências
inesperadas e indesejadas. Em 01 de Abril de 2020, o FBI emitiu o alerta I-040120-PSA5
informando que atores cibernéticos estavam aproveitando aquela situação para perpetrar
crimes.
DIGITAL 94
De acordo com o entendimento de Rothrock (2018)8 , a cibersegurança
possui duas camadas – a defesa e a resiliência digital – que, em uma visão
esquemática, podem ser representadas como dois círculos concêntricos.
Independente da sua natureza, um sistema para ser resiliente tem que ter
condições de assegurar tanto a continuidade da sua operação em condições
degradadas como a sua recuperação plena após a contenção daquele
evento desfavorável.
A IBM indica que um vazamento de dados demora, em média, 207 dias para
ser identificado e 73 dias para ser contido10 . A capacidade de manter a
continuidade da operação nesse ambiente de ameaça persistente é vital
para a sobrevivência do negócio.
DIGITAL 95
Embora dissuasão cibernética seja um tema bastante controverso, como
efeito de segunda ordem, um aparato defensivo robusto pode, inclusive,
dissuadir12 o agressor a agir.
De acordo com aquele modelo, uma ação cibernética ofensiva tem sete
fases distintas que são:
Analisando a Cyber Kill Chain com a lente proposta por Rothrock (2018)
observa-se que:
• as ações de defesa digital ocorrem entre a 1ª Fase – Reconhecimento e
4ª Fase – Exploração da Vulnerabilidade do Ecossistema Alvo;
• as atividades que conferem Resiliência Digital são desencadeadas,
prioritariamente, entre a 4ª Fase – Exploração da Vulnerabilidade do
Ecossistema Alvo e a 7ª Fase – Ação no Objetivo; e
• na 4ª Fase da Cyber Kill Chain a sobreposição entre as camadas defesa
e resiliência confere uma vantagem competitiva ao defensor.
DIGITAL 96
O ECOSSISTEMA DIGITAL E A CULTURA DE SEGURANÇA
Em seu último livro, Klaus Schwab16 apresentou uma atualização do modelo
econômico, de sua autoria, denominado Stakeholder Capitalism.
EMPRESAS
SOCIEDADE SISTEMA
CIVIL PESSOAS PLANETA INTERNACIONAL
ESTADOS
DIGITAL 97
Como pode ser depreendido da Figura 2, o ecossistema digital é composto pelas
dimensões Humana (Pessoas), Tecnológica (Espaço Cibernético) e Governança
(Stakeholders). Para a segurança cibernética, aquelas são pilares estruturais que
orientarão a concepção de políticas, táticas e estratégias.
EMPRESAS
ESTADOS
O argumento de Ablon (2015) é ratificado por Rothrock (2018) que afirma ser
o indivíduo por trás de um monitor ou operando um smartphone a maior
vulnerabilidade de uma rede digital.
DIGITAL 98
propósitos consequentes é fator crítico de sucesso. Para John Kotter,
gerentes fazem sistemas funcionar enquanto líderes constroem
sistemas novos ou transformam os antigos.
DIGITAL 99
O risco cibernético de todo um sistema é igual
ao da sua parte mais vulnerável.
Neste aspecto, apenas como um exemplo, a partir de 2020, a fim de elevar o grau de
segurança de sua cadeia de suprimento, o U.S. Department of Defense (DoD) tem exigido de
seus fornecedores de bens e serviços a conformidade em relação ao Cybersecurity Maturity
Model Certification (CMMC)24 .
Não há uma solução única ou específica que possa garantir risco cibernético zero. Em
uma realidade onde os ativos digitais, segundo a Forbes constituem 85% do valor de uma
empresa25, aquele paradigma de segurança passa a ser um desafio de gestão de risco
sistêmico, pois, além de ser inevitável, um incidente cibernético pode comprometer a
sobrevivência da instituição, portanto um tema afeto aos conselhos empresariais. Como esse
tema é percebido no Brasil?26
Não existe prontidão sem treinamento. Ter um plano de contingência não é suficiente, os
procedimentos ali descritos devem ser treinados e, principalmente, avaliados. As pessoas tem
que saber, exatamente, o que fazer. Quem é o comandante na cena? Quem fala com a mídia?
Qual a mensagem que deve ser transmitida aos acionistas? Em caso de crise, não pode existir
esse tipo de dúvida.
Como último insight, afirmo que programas e ações orientadas para o desenvolvimento/
aperfeiçoamento de uma cultura de segurança cibernética trazem impacto rápido, são
perenes e apresentam um excelente retorno sobre o investimento realizado.
O principal objetivo desse artigo é despertar o interesse do leitor sobre o tema. Poucos
questionarão a sua contemporaneidade e relevância. Se isso é verdade, porque incidentes
cibernéticos continuam ocorrendo?
DIGITAL 100
Wilson Mendes Lauria
General do Exército Brasileiro
imagem: AdobeStock.com
DIGITAL 101
NOTAS E REFERÊNCIAS
2 Para informações mais detalhadas sobre aquele incidente consultar Stoll, Cliford. The
cuckoo’s egg: tracking a spy through the maze of computer espionage. New York, NY:
Doubleday, 1989.
5 https://www.ic3.gov/Media/Y2020/PSA200401
6 https://www.trendmicro.com/vinfo/fr/security/news/cybercrime-and-digital-threats/
coronavirus-used-in-spam-malware-file-names-and-malicious-domains
8 Rothrock, Ray. Digital resilience: is your company ready for the next cyber threat?
Amacom, 2018.
10 Dado extraído do documento Cost of Data Breach Report 2020 disponível em https://
www.ibm.com/security/data-breach
12 A dissuasão aqui tratada é o que Joseph Nye, em seu artigo Deterrence and Dissua-
sion in Cyberspace, define como deterrence by denial onde o agressor não age, pois
a sua expectativa de sucesso é muito baixa. Disponível em https://www.belfercenter.
org/publication/deterrence-and-dissuasion-cyberspace
DIGITAL 102
13 Para informações mais detalhadas sobre essa metodologia consultar Intelligence-
-driven computer network defense informed by analysis of adversary campaigns
and intrusion kill chains, disponível em https://www.lockheedmartin.com/content/dam/
lockheed-martin/rms/documents/cyber/LM-White-Paper-Intel-Driven-Defense.pdf
14 Para uma melhor explicação sobre esse conceito, favor consultar o item 2. Vantagens
da Defesa, do Capítulo 1. Ataque e Defesa, do Livro VI. Defesa de On War.
15 Clarke, Richard; Knake, Robert. The fifth domain: defending our country, our companies
and ourselves in the age of cyber threats. Penguin Press, 2019.
16 Schwab, Klaus; Vanham, Peter. Stakeholder capitalism: a global economy that works
for progress, people and planet. WEF, 2021.
18 De acordo com The 7 Dimensions of Security Culture, Cultura de Segurança deve ser
entendida como um conjunto de ideias, costumes e procedimentos de uma pessoa
ou de um grupo que os livre de perigos ou ameaças. Disponível em https://get.clt.re/
seven-dimensions-security-culture/
26 Na pesquisa realizada para a redação deste texto, não identifiquei nos programas
para formação/ treinamento de Conselheiros disponíveis no mercado doméstico
qualquer menção sobre o tema Cibersegurança.
DIGITAL 103
27 Disponível em https://sloanreview.mit.edu/article/is-your-company-ready-for-a-
-cyberattack/
LEITURA RECOMENDADA
CLARKE, Richard; KNAKE, Robert. The fifth domain: defending our country, our com-
panies and ourselves in the age of cyber threats. Penguin Press, 2019.
ROTHROCK, Ray. Digital resilience: is your company ready for the next cyber threat?
Amacom, 2018.
SANGER, David. The perfect weapon: war, sabotage, and fear in the cyber age. Bro-
adway Books, 2019.
DIGITAL 104
doi.org/10.52959/2021135288
A GRANDE
ACELERAÇÃO
DIGITAL:
COMO FAZER DELA UMA
OPORTUNIDADE
PARA TODOS? Ana Paula Assis
imagem: Unsplash.com
DIGITAL 105
Estar preparado digitalmente tem feito bastante diferença
durante essa terrível crise. Em um estudo publicado pela IBM, em
2021, em doze de dezoito indústrias pesquisadas, as organizações
tech-savvy (ou seja, tecnologicamente capacitadas) tiveram
uma performance de receita, em média, com seis pontos
percentuais acima dos seus pares menos tecnológicos. No varejo,
essa diferença chegou a dezesseis pontos percentuais3.
DIGITAL 106
Economic Bank, em 2019, apenas 67% dos habitantes do Brasil tinham acesso
à internet. Em países menos favorecidos, como Moçambique, esse número
chega a 10%. Globalmente falando, a cifra é de apenas 50%5.
As empresas, por sua vez, cada vez mais terão que assumir o seu papel
social de formadoras de pessoas e recapacitar seus funcionários – ao
imagem: Unsplash.com
DIGITAL 107
invés de simplesmente substituí-los. Também terão uma missão fundamental
de, em conjunto, com o mundo acadêmico, criar currículos mais adequados
para formar os perfis tanto técnicos quanto interpessoais dos profissionais que
querem ter em seus quadros. Um exemplo disso é o programa P-Tech (Pathways
in Technology Early College High School), uma parceria entre empresas e
escolas públicas com o objetivo de capacitar os jovens para o mercado de
trabalho. O programa, hoje, abrange mais de duzentas escolas – mais de
cem mil estudantes e dezoito países. Na América Latina, o programa tem sido
realizado principalmente através da parceria com Fé e Alegria, uma ONG focada
na educação juvenil. As empresas apoiadoras do programa mentoram, apoiam
e depois contratam os estudantes, fechando assim o ciclo.
DIGITAL 108
As tecnologias digitais têm o potencial de
promover um novo salto de produtividade
e bem-estar similar ao que a humanidade
viu com a Revolução Industrial. Elas
podem trazer a resolução para uma série
de problemas que colocam em risco a
sustentabilidade do planeta, tais como
o aquecimento global e a escassez de
recursos naturais, como a água. Porém,
nada disso irá adiantar se no processo
não tivermos um trabalho consciente
e intencional de ampliar a inclusão e
permitir que mais e mais pessoas tenham
acesso às oportunidades criadas por esta
transformação.
DIGITAL 109
NOTAS E REFERÊNCIAS
1 Galloway, Scott. “Post Corona: From Crisis to Opportunity”, 2020, Penguim Random
House
2 https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/09/23/telemedicina-cres-
ce-no-brasil-atendimento-remoto-ajudou-salvar-pacientes.htm?cmpid=copiae-
cola
3 Digital Acceleration – Top technologies driving growth in a time of crisis, IBM Institute
for Business Value
5 https://data.worldbank.org/indicator/IT.NET.USER.ZS?most_recent_value_desc=true
6 https://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2020/07/10-profissoes-mais-
-procuradas-do-mundo.html
DIGITAL 110
doi.org/10.52959/2021135289
A SOCIEDADE 5.0:
A SOCIEDADE DA IMAGINAÇÃO
É UMA UTOPIA? Gil Giardelli
Tempos de pensar o impensável, com a imaginação como motor para resolvermos nossos
problemas complexos.
A emergência respiratória fez o mundo se enxergar como uma grande aldeia global, um
lugar em que a velocidade da inovação aumentou dramaticamente.
Se, antes, homens de capacete foram o coração da classe trabalhadora, agora o são as
mulheres de jalecos da indústria da saúde, acompanhadas de pessoas trabalhando de
suas casas – pesquisando e analisando o mundo – como cientistas de dados.
imagem: Freerangestck.com
DIGITAL 111
BEM-VINDOS À SOCIEDADE 5.0
O Japão foi o pioneiro em discutir a Sociedade 5.0 – a
sociedade da imaginação. Apresentada pelo governo
japonês na Cúpula do G-20, em Osaka, em junho de 2019,
coloca a criatividade no centro dos processos.
DIGITAL 112
UMA ERA DE MUDANÇA OU MUDANÇA DE ERA?
Percebemos o impacto e a importância do pensamento profundo e intelectual,
que se debruça sobre as fronteiras futurísticas como: manufatura molecular,
5G e 6G, computação quântica, greenovation (inovação verde), brancura
artificial, futuro sintético, eticismo, imortalidade virtual, “paixão pela ignorância”,
cyborgization, epistocracia (conhecimento científico + poder), arquitetos da
atenção, Teoria Nudge (descreve como determinados gatilhos influenciam a
decisão humana), Novacene, Data Age, Matemathical Thinking, Humanoides,
Revolução P2P, bitcoin, crowded orbits, ciência multidisciplinar, CRISPR-Cas9
(nome dado para uma técnica de edição genética utilizado para modificar
sequências de DNA), robótica vestível, fronteira espacial, civilização cósmica,
superinteligência…
E uma série de palavras sem tradução, que potencializam novas formas de ver e
agir no mundo.
BEM-VINDOS AO AI ECONOMY
Para calcular o PIB no século 21, algumas nações somam acúmulo de capital,
base intelecto e a difusão da inteligência artificial em seus países.
DIGITAL 113
GLOBOTICS – A NOVA GLOBALIZAÇÃO DOS AI IMIGRANTES
De maneira geral, ela pode ser caracterizada pela interação do melhor da
capacidade dos humanos e do machine learning para que as empresas
contratem os melhores profissionais globais. É o tsunami de talentos.
DIGITAL 114
imagem: Freerangestck.com
O PÊNDULO GIROU E KEYNES VOLTOU
Sente os ventos da “Era da Turbulência”? Sente os ventos do “Século Asiático”?
Tudo indicava que as respostas para uma nova humanidade e uma nova forma
de capitalismo nasceriam no Ocidente, e não no dragão chinês. O quadro é
uma antítese da democracia moderna com mistura de socialismo, liberalismo
econômico e pitadas de capitalismo keynesiano.
DIGITAL 115
Em tempos de desigualdades
insustentáveis, os conflitos
culturais, sociais e políticos
desafiam os conceitos de
Estados-nação e carregam a
crise da democracia e a fé no
progresso.
DESTRUIÇÃO CRIATIVA
São tempos de destruição criativa, como nos ensinou o economista Joseph
Schumpeter, em 1941. “Se você não reinventar o que você estiver fazendo, alguém
fará isso!”
Quando temos este cenário, a bola da vez é o poder da destruição criativa para
reparar um mundo fraturado pela COVID-19, que expôs todas as fissuras do
sistema.
Precisamos criar um mundo que não seja repleto de ilhas da inovação. Precisamos
de construtores de pontes de um mundo inovador e inclusivo. Precisamos – em
tempos de inteligência artificial – aprender a apreciar melhor a única inteligência
verdadeira que conhecemos – a nossa.
O futuro já chegou! Acontece neste segundo, agora. Em toda parte. O tempo todo.
Evidentemente, está mal-distribuído.
Percebe? É o futuro entre nós! E o mundo? Ah, o mundo, ainda nem começou a
mudar...
DIGITAL 116
Gil Giardelli
Professor e conferencista
imagem: Freerangestck.com
DIGITAL 117
doi.org/10.52959/2021135290
A RENDA
UNIVERSAL BÁSICA
É A SAÍDA? Gerson Gomes1
O problema atual
é que as novas
tecnologias podem
levar o desemprego a
níveis potencialmente
desestabilizadores,
tanto social como
imagem: Freerangestck.com
institucionalmente.
DIGITAL 118
Note-se que mesmo inovações tecnológicas voltadas para o desenvolvimento
de novos produtos, embora possam aumentar o emprego e a renda,
principalmente nas cadeias produtivas de ponta, não alteram essa lógica. No
limite, para expandir a produção dos novos produtos é fundamental que exista
mão de obra qualificada disponível ou que seja possível liberar mão de obra
de outros segmentos do sistema produtivo, com o nível de qualificação exigido
pelas mudanças no padrão tecnológico. Isso, muitas vezes, implica modificar
a estrutura setorial da produção à escala global e relocalizar geograficamente
alguns de seus segmentos, estabelecendo novas modalidades de divisão
internacional do trabalho, por exemplo, as cadeias globais de valor.
DIGITAL 119
A globalização e a financeirização da economia mundial, com a abolição das
fronteiras econômicas nacionais para um amplo grupo de países, introduzem
ingredientes adicionais nesse quadro.
DIGITAL 120
Até porque não é fácil financiar um programa, necessariamente de grande dimensão, que
atenda às necessidades sociais dos setores excluídos ou precarizados. Seria necessário criar
um espaço fiscal – via uma reforma tributária progressiva, a criação de fundos soberanos
para redistribuição das rendas dos recursos naturais ou outras modalidades similares – para
poder avançar nessa esfera. E isso requer a construção de acordos complexos de âmbito
político e social. Por isso, muitas vezes esses países recorrem à implantação de programas
focalizados, de menor abrangência.
Mas um programa de renda básica de cidadania, embora não seja uma solução para a
questão do desemprego tecnológico, pode, sim, ser um complemento temporário de um
processo de transformação econômica e social orientado à construção de um novo padrão
de desenvolvimento, o que supõe a existência de atores e condições políticas capazes de
viabilizá-lo. Supõe também o crescimento sustentado da economia, sem o qual não há
solução ao problema do emprego.
Resumindo, é nesse contexto que se insere o problema da renda básica nos países em
desenvolvimento ou de menor desenvolvimento relativo.
Gerson Gomes
Fundador e conselheiro do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI
Século XXI.
DIGITAL 121
NOTA
1 O presente texto se beneficiou dos comentários e sugestões, sempre
pertinentes, do prof. Mariano Laplane.
DIGITAL 122
doi.org/10.52959/2021135291
ABUNDÂNCIA VERSUS
APROFUNDAMENTO DO ABISMO:
EM QUE CAMINHO
PODEMOS
ACREDITAR?
Roberto dos Reis Alvarez
A GRANDE ACELERAÇÃO
Em um intervalo de dois meses, em 2020, o comércio eletrônico cresceu nos Estados Unidos
e no Reino Unido o mesmo que tinha avançado nos 10 anos anteriores. Entre fevereiro e abril,
sua participação nas vendas no varejo saltou de aproximadamente 15% para 25%. No Brasil,
dobrou e atingiu mais de 10% 1 das vendas do varejo em 2020. Ao mesmo tempo, vimos um
crescimento expressivo dos serviços de pagamentos e logística associados, ampliando
o acesso ao consumo e criando novas oportunidades de participação na economia. A
pandemia do novo coronavírus impulsionou essa expansão, acelerando uma marcha há
muito em curso: a digitalização dos processos de negócios, da economia, da sociedade e de
tudo mais.
Para além do comércio eletrônico, vemos a digitalização avançar a passos largos em todos
os domínios das atividades humanas. Na educação, o ensino online se tornou o padrão e,
passada a pandemia, os modelos híbridos (presencial + online) possivelmente dominarão a
cena no nível superior. Nas empresas e organizações, muitos de nós passaram a trabalhar
remotamente, 100% online – incluindo o autor deste artigo.
imagem: Freerangestck.com
DIGITAL 123
A pandemia acelerou a digitalização, mas também mostra
que as possibilidades que ela descortina não se apresentam
de maneira igual para todos. Ademais, evidenciou fraquezas
e gargalos estruturais nas economias e sociedades, além
de acentuar diferenças entre países, regiões, empresas e
grupos sociais. Enquanto muitos estudantes foram para a
educação online, cerca de 40% daqueles matriculados em
escolas públicas urbanas no Brasil 2 não possuem computador
ou tablet. Enquanto cresceram as operações de comércio
eletrônico, a grande maioria das empresas no Brasil não está
preparada para a digitalização 3 e há uma lacuna importante
de capacidade técnica para avançar nessa direção4 .
Enquanto uma parcela da população trabalha de casa e
muito escutamos sobre ‘nômades digitais’, a maior parte das
pessoas na força de trabalho não possui as competências e
qualificações necessárias para fazer parte ativa da economia
digital.
DIGITALIZAÇÃO E ABUNDÂNCIA
Kevin Kelly comenta em “What Technology Wants” 5 que uma
pessoa de classe média vivendo em uma economia avançada
(ou mesmo no Brasil) possui mais pertences do que os reis
imagem: Freerangestck.com
DIGITAL 124
avanço da tecnologia tem permitido que vivamos cada vez
mais e melhor, com acesso a mais coisas – bens, alimentos,
informação, experiências, conhecimento.
DIGITAL 125
Há anos, é mais fácil, barato e melhor realizar uma ligação via Zoom com alguém
na Índia do que utilizando um DDI. Plataformas digitais têm permitido que bilhões
de pessoas tenham acesso a transporte, refeições e bens sob demanda, com um
clique na tela do seu smartphone. Há mais dispositivos digitais do que pessoas
no mundo e, no Brasil11 , a maior parte da população (imagino que todos que
estão lendo este texto) tem hoje no seu bolso uma câmera digital, um tocador de
música, um computador, um gravador de áudio, uma câmera de vídeo e um GPS,
entre muitas outras coisas. Muito mais do que isso, temos acesso a um oceano de
conteúdo online. Sou de um tempo quando o professor e a biblioteca da escola
tinham o monopólio da informação e do conhecimento. Esse tempo passou e as
oportunidades que surgem são inúmeras.
DIGITAL 126
O significado do que é digitalização não é objeto de consenso. Prefiro uma
interpretação ampla: digitalização se refere à mudança, reinvenção ou
transformação de processos e funções de negócios, das organizações e mesmo
das formas de se relacionar a partir do uso de tecnologias digitais. Não se trata
apenas de usar tecnologias digitais. Digitalização implica em ‘fazer diferente’,
alavancando o potencial dos dados, do conhecimento e da ‘inteligência’ que pode
ser extraída deles para criar novas proposta de valor, ofertas para os stakeholders e
novos fluxos de valor e receita.
Então, por que muitas empresas ainda não avançaram na digitalização? Devido
às barreiras práticas que encontram para antecipar tendências e mudar
suas estratégias, linhas de produtos, estruturas organizacionais, prioridades e
comportamentos. Isso passa pela falta de pessoal qualificado e despreparo das
equipes14 , o desconhecimento do tema pelos gestores, a falta de recursos, a
ausência de capacitações técnicas, a inexistência de soluções organizacionais
para tratar do tema e os modelos mentais, práticas e estruturas de poder
institucionalizadas. São barreiras essencialmente analógicas.
DIGITAL 127
O caminho entre a abundância e o abismo no mundo das empresas
depende de conhecimento, de escolhas de gestão, do acesso a recursos
técnicos e da adoção de soluções organizacionais. As empresas
necessitam não somente articular esses elementos nas suas estratégias
e ações, mas fazer isso cada vez mais rápido. Precisam, efetivamente, de
desenvolver a capacidade de reinventar seus modelos de forma contínua,
em alta velocidade. Contudo, elas não operam no vácuo e as questões
postas pela digitalização afetam a todas as economias.
DIGITAL 128
foram analisadas e documentadas em obras como Untangling Industrial
Policy: ideas and coordination between state and business17), não se deve
descartar a relevância desse tipo de instrumento. Como diz Dany Rodrick18 , é
chegada a hora de normalizar o debate e a questão não deve ser “se” o governo
deve ou não promover o desenvolvimento industrial, mas sim “como”. Uma
política ou estratégia industrial deve ser capaz de criar as condições para uma
transformação estrutural da economia. O seu cerne diz respeito à inovação e seus
resultados devem incluir a criação de novos setores da economia. Com certeza,
deve incluir a digitalização.
A partir dos anos 2000, nota-se um maior crescimento da renda nos países na
Ásia, um padrão que não se observa na América Latina. A boa notícia é que é
possível aos países fazer catch-up produtivo e avançar rumo a níveis superiores
de inovação, uso de novas tecnologias, competitividade e desenvolvimento. Mas
o caminho de cada nação não está dado a priori, dependendo das decisões
tomadas e políticas e iniciativas implantadas. Um futuro no qual os países possam
‘mudar de patamar’, avançando na adoção de novas tecnologias e criando novas
tecnologias, depende de consensos na sociedade, capacidade de governança,
um novo tipo de visão de política industrial23 e, fundamentalmente, avanços nas
instituições24 . Disso dependerá o futuro das pessoas e sociedades.
imagem: Freerangestck.com
DIGITAL 129
ENTRE A ABUNDÂNCIA E O ABISMO – AS PESSOAS
Em 2013, os professores de Oxford, Carl Frey e Michael Osborne, publicaram
um artigo 25 sobre o “futuro dos empregos” que ficou famoso. Argumentavam
que cerca de 47% dos empregos existentes nos Estados Unidos 26 tinham alta
probabilidade de serem automatizados em “...uma ou duas décadas”. Porém, o
emprego continuou a crescer.
DIGITAL 130
Na Alemanha, que possui indústria e força de trabalho extremamente sofisticadas,
estima-se que a falta de competências digitais poderá implicar perda de até €
100 bilhões por ano PIB por volta de 2035, conforme informou o Chefe da Estratégia
Nacional de Habilidades e Competências daquele país, Dr. Sven Rahner, em
entrevista à Federação Global de Conselhos de Competitividade (GFCC)34,35,
da qual este autor é Diretor Executivo. Nos Estados Unidos, a Code.org 36 estima
que existam 500.000 vagas de trabalho relacionadas à computação não
preenchidas, enquanto a Deloitte37 previa, antes da pandemia, que 2 milhões de
vagas na indústria38 ficariam em aberto até 2025, devido, em especial, à falta de
competências digitais e em áreas de conhecimento associadas às tecnologias
digitais. Esse mesmo tipo de desbalanceamento é encontrado em países
emergentes como Vietnam39 , África do Sul40 , Romênia41 e Brasil42 , onde há
relatos de que sobram vagas em tecnologia da informação.
imagem: Freerangestck.com
DIGITAL 131
ABUNDÂNCIA OU ABISMO: A ESCOLHA É NOSSA
O avanço da tecnologia e a digitalização são inexoráveis. Abundância e aprofundamento
do abismo são duas faces e uma mesma realidade que se descortina. Prosseguir por um
caminho ou outro dependerá muito menos da tecnologia em si do que das escolhas que as
organizações e sociedades fizerem (mesmo que implícitas) e das ações que implantarem.
A agenda para que o caminho seja de mais oportunidades para todos é ampla. Líderes
empresariais são chamados a conhecer tecnologias digitais e compreender que elas
mudam o jogo, requerem um pensar diferente sobre os modelos de negócios, as estratégias,
a organização e o funcionamento da empresa. Nas empresas, é essencial investir em novas
capacitações e alçar a posições de alta gestão profissionais com formação e trajetória (e
modelos mentais) em áreas de tecnologias digitais. Enquanto isso, profissionais em todas
as funções são chamados a assumir maior responsabilidade sobre as suas carreiras e
formação continuada. Nunca instituições de ensino foram tão demandadas a responder,
mudar. Nunca tiveram tantas novas oportunidades à sua frente.
DIGITAL 132
Refletir sobre o caminho no qual podemos acreditar, abundância ou aprofundamento do
abismo, implica em pensar até que ponto diferentes sociedades aceitam cenários do tipo
“haves x have-nots” (incluídos x excluídos) ou “haves x have-lots” (incluídos x muito ricos) ,
no qual todos têm acesso a um nível mínimo de bens e serviços, embora alguns tenham
“muito mais”. Implica também determinar qual é esse nível. As tecnologias digitais trazem
consigo enormes oportunidades de criação de valor e inclusão econômica, mas não
as respostas para essas questões. Elas também não virão uma decisão governamental
centralizada ou de uma nova legislação concebida nos gabinetes das agências de governo.
Cabe a todos nós escolher e construir o caminho.
imagem: Freerangestck.com
DIGITAL 133
NOTAS E REFERÊNCIAS
1 https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/02/26/com-pandemia-comercio-ele-
tronico-tem-salto-em-2020-e-dobra-participacao-no-varejo-brasileiro.ghtml
2 https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/09/quase-40percent-dos-alunos-
-de-escolas-publicas-nao-tem-computador-ou-tablet-em-casa-aponta-estudo.
ghtmlt
3 https://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActive-
Template=site&infoid=54806&sid=5
4 https://www.mckinsey.com/br/our-insights/transformacoes-digitais-no-brasil#
6 https://www.xprize.org/
7 DIAMANDIS, P. & KOTLER, S. Bold: How to Go Big, Create Wealth and Impact the World.
New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2015.
8 https://amazonia.org.br/2020/09/ribeirinhos-e-indigenas-apostam-em-telemedici-
na-para-proteger-a-saude-e-a-floresta/
9 https://mg.co.za/africa/2020-07-28-challenges-and-opportunities-for-teleme-
dicine-in-africa/
10 https://www.forbes.com/sites/debgordon/2020/11/30/
in-australia-the-future-of-telemedicine-is-here/?sh=3d210cd95c37
11 https://portal.fgv.br/noticias/brasil-tem-424-milhoes-dispositivos-digitais-uso-re-
vela-31a-pesquisa-anual-fgvcia
12 https://singularityhub.com/2016/03/22/technology-feels-like-its-accelerating-be-
cause-it-actually-is/
13 https://www.imd.org/research-knowledge/articles/why-you-will-probably-live-lon-
ger-than-most-big-companies/
14 https://cio.com.br/tendencias/estudo-aponta-barreiras-para-o-sucesso-da-digi-
talizacao-dos-negocios/
15 ISMAIL, S.; PALAO, F. & LAPIERRE, M. Exponential Transformation: Evolve Your Organiza-
tion (and Change the World) With a 10-Week ExO Sprint. New York : Diversion Books,
2018.
16 https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/03/15/xp-mira-big-techs-com-pro-
mocao-de-cto-a-ceo.ghtml
17 Balestro, M. & Gaitán, F. (Orgs.). Untangling Industrial Policy: ideas and coordination
between state and business. Brasília : Verbena, 2019. Disponível em: https://bit.ly/30Y-
zj4G
18 RODRIK, Dani. (2008). Normalizing Industrial Policy. Commission on Growth and
Development Working Paper 3. Washington DC: The World Bank. Disponível em:
http://213.154.74.164/invenio/record/18465/files/rodrikter.pdf.
DIGITAL 134
19 https://www.un.org/africarenewal/web-features/africa-leapfrogging-digital-
-agriculture
20 https://www.weforum.org/agenda/2018/10/will-new-technologies-help-or-
-harm-developing-countries/
21 https://unctad.org
22 https://unctad.org/page/technology-and-innovation-report-2021
23 ALVAREZ, R. Industrial policies: bridging past and future experiences. In: BALES-
TRO, Moisés; GAITÁN, Flavio. (Orgs.) (2019). Untangling Industrial Policy: ideas
and coordination between state and business. Brasília : Verbena Editora.
24 ACEMOGLU, D.; ROBINSON, J. Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity,
and Poverty. New York : Crown Business, 2012.
25 https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Em-
ployment.pdf
26 Foram utilizados os dados de 2021 do Bureau of Labor Statistics dos EUA.
27 https://techcrunch.com/2017/03/26/technology-is-killing-jobs-and-only-tech-
nology-can-save-them/
28 https://www.progressivepolicy.org/wp-content/uploads/2017/09/PPI_ECom-
merceInequality-final.pdf
29 https://voxeu.org/article/robots-and-firms
30 https://www.weforum.org/agenda/2020/05/automation-robot-employment-
-inequality
31 https://www.weforum.org/agenda/2020/05/automation-robot-employment-
-inequality
33 https://en.unesco.org/news/digi-
tal-skills-critical-jobs-and-social-inclusion#:~:text=Digital%20skills%20are%20
defined%20as,to%20access%20and%20manage%20information.
34 www.thegfcc.org
35 Essa entrevista fará parte de relatório da GFCC a ser publicado em 2021.
36 https://code.org/
37 https://www2.deloitte.com/us/en/pages/manufacturing/articles/future-of-
-manufacturing-skills-gap-study.html
38 Esse número poderia chegar a 2,4 milhões de vagas até 2028.
39 MONTAGUE, Alan, 2013: Vocational and skill shortages in Vietnamese manufac-
turing and service sectors, and some plausible solutions. Asia Pacific Journal of
Human Resources vol. 51, 208–227.
DIGITAL 135
40 MATEUS, Antonio; ALLEN-ILE, Charles; Iwu, Chux, 2014: Skills Shortage in South Africa:
Interrogating the Repertoire of Discussions. Mediterranean Journal of Social Sciences
vol. 5. 63-77.
41 PwC 2019: The skills shortage generates total losses of over EUR 7 billion to Romanian
private businesses. Online available at: https://www.pwc.ro/en/press-room/press-
-releases-2019/pwc-report--the-skills-shortage-generates-total-losses-of-over-e.
html
42 Estadão Conteúdo, 2019: Em um país com desemprego de 13%, sobram vagas na
área de tecnologia. Revista Pequenas Empresas e Grandes Negócios. Disponível em:
https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2019/05/pegn-em-um-pais-com-
-desemprego-de-13-sobram-vagas-na-area-de-tecnologia.html
43 https://ministers.treasury.gov.au/ministers/josh-frydenberg-2018/media-releases/
economic-recovery-plan-australia
44 https://www.unicef.org/press-releases/two-thirds-worlds-school-age-children-ha-
ve-no-internet-access-home-new-unicef-itu
45 https://www.itu.int/en/myitu/Publications/2020/08/31/08/38/Connecting-Humanity
47 https://www.pewresearch.org/fact-tank/2020/03/16/as-schools-close-due-to-the-
-coronavirus-some-u-s-students-face-a-digital-homework-gap/
48 https://research.newamericaneconomy.org/report/internet-access-covid-19/
50 https://www.pewresearch.org/fact-tank/2019/05/31/digital-gap-between-rural-an-
d-nonrural-america-persists/
51 https://www.diamandis.com/blog/the-world-is-still-better-than-you-think
52 PIKETTY, T. Capital in the 21st Century. Cambridge: Harvard University Press, 2014.
53 https://www.pewresearch.org/2007/09/13/a-nation-of-haves-and-havenots/
54 https://qz.com/1919974/china-created-a-record-number-of-billionaires-despite-
-covid-19/
55 https://www.forbes.com/sites/chasewithorn/2020/12/16/the-worlds-billionaires-ha-
ve-gotten-19-trillion-richer-in-2020/?sh=18c3a6987386
DIGITAL 136
doi.org/10.52959/2021135292
O QUE ESTÁ
POR VIR? Paulo Vicente dos Santos Alves
Entretanto, uma pandemia global, assim como outros eventos de alto impacto, faz parte da
lista de possibilidades e cenários de qualquer estrategista. Alguns nem consideram que a
COVID-19 possa ser considerada como um “cisne negro”, isto é, um evento de alto impacto,
mas, sim, como uma probabilidade muito baixa ou desconhecida.
O problema parece residir numa forma de pensar no futuro como uma continuidade linear
do passado, com crescimento contínuo e com poucas mudanças estruturais.
Existem outras formas de pensar e planejar que levam em conta ciclos, mudanças
estruturais e riscos sistêmicos de alto impacto.
Um dos modelos que mais parece ter sido capaz de prever até aqui os eventos das últimas
décadas são os ciclos de Kondratieff, ainda que não com 100% de precisão.
DIGITAL 137
A Tabela 1 mostra o entendimento contemporâneo dos ciclos de Kondratieff, sendo que todos eles
terminaram em crises sistêmicas, conforme mostra a Tabela 2.
6o Ciclo 2030-2080? ?
Fonte: Autor
Fonte: Autor
imagem: Unsplash.com
DIGITAL 138
imagem: Unsplash.com
Como se pode ver, o modelo prediz que o período atual seria de uma crise interna do
sistema, o que já vinha acontecendo mesmo antes da pandemia. Porém prediz também
que, justamente por conta da crise, haverá uma reação com investimentos em tecnologia,
criando as bases para uma nova revolução tecnológica.
Assim, o que podemos esperar dos próximos anos é uma crise global, centrada numa nova
guerra fria entre EUA e China, que irá estimular o investimento em grande escala em uma
gama de novas tecnologias. Iremos então explorar esses dois aspectos deste período de
mudança.
A tensão entre EUA e China vai além de diferenças ideológicas e tem raiz no profundo
desequilíbrio demográfico e de recursos naturais no planeta. Vivem na Ásia cerca de 4,5
bilhões de pessoas, mais da metade da humanidade. É por isto que a indústria se deslocou
em boa parte para lá nos últimos 40 anos, em busca de mão de obra barata.
Porém, embora a Ásia tenha muitos recursos naturais, ela não conta com alimentos e
minério em abundância. Mesmo sendo a fonte principal de petróleo, ele é concentrado no
Oriente Médio e não uniformemente distribuído pela Ásia.
Entretanto, nós já vimos duas corridas coloniais no passado e sabemos por quais lógicas
elas operam. Em um primeiro momento, essa corrida se dá de maneira pacífica, através dos
mecanismos de importação e investimento, mas, eventualmente, se atinge um ponto onde
a dependência de recursos externos é grande demais e, portanto, se faz necessário reduzir o
risco de interrupção.
Nesta altura, a corrida deixa de ser puramente pacífica e são necessários investimentos
em infraestrutura militar, tais como bases aeronavais e forças militares capazes de projetar
força e garantir a segurança das rotas comerciais.
DIGITAL 139
Essa fase já começou na África e no sudeste da Ásia. China, Japão e índia estão
modernizando e expandindo suas frotas aeronavais. China vem buscando bases no Índico
no Paquistão, Myanmar, Ilhas Maldivas, Ilhas Maurício, Vanuatu e Sri Lanka. Recentemente,
a China abriu sua primeira base militar permanente fora de seu território, no Djibouti e tem
construído bases aeronavais em ilhas, recifes e atóis do Mar do Sul da China, mesmo à
revelia da comunidade internacional. A Índia, por sua vez, tem buscado uma base naval com
as Ilhas Seicheles.
Existe uma constante na história que os ciclos de Kondratieff evidencia fortemente. Sempre
que ocorre uma corrida militar, ela induz a uma corrida tecnológica.
Isto está transformando o capitalismo. Para entender como, basta “seguir o dinheiro”. Sete
“eixos” tecnológicos têm recebido grande investimento na última década:
1) Tecnologia espacial
2) Fontes de energia renovável
3) Automação (Indústria 4.0)
4) Agricultura de precisão
5) Infraestrutura e logística
6) Transformação digital
7) Melhoria humana (Human Enhancement Technologies – HET)
Os dois primeiros eixos (espaço e energia) lidam com a redução dos custos de energia e
materiais. Isto significa que a matriz energética irá sofrer um grande rebalanceamento no
futuro próximo. Ao mesmo tempo, o acesso ao espaço tem tido uma redução dramática de
custo devido ao desenvolvimento de foguetes reutilizáveis. A mineração espacial se tornará
prática e economicamente viável na década de 2020.
DIGITAL 140
O terceiro, quarto, quinto e sexto eixos (automação, agricultura, infraestrutura e
transformação digital) reduzirão a necessidade de trabalho humano pouco qualificado,
enquanto aumentarão a necessidade de mão de obra mais qualificada. Esse processo
foi descrito por Schumpeter como “destruição criativa”, isto é, milhões de empregos vão
ser destruídos e setores da economia irão desaparecer, mas ao mesmo tempo milhões
de novos empregos serão criados e novos setores da economia irão surgir. Os termos
transformação digital (TD) e Indústria 4.0 foram cunhados para resumir as mudanças nas
cadeias produtivas pela adoção destas tecnologias.
O sétimo e último eixo (melhoria humana) irá aumentar a longevidade e qualidade de vida,
fazendo com o que o capital intelectual seja ainda mais produtivo e, ao mesmo tempo,
irá reduzir o custo de se manter uma força de trabalho produtiva. Podemos dividir essas
tecnologias em três linhas: cura de doenças, aumento da longevidade e melhoria humana.
O investimento em capital intelectual terá um tempo maior para se pagar, de maneira que
será ainda mais atrativo investir em educação continuada. Embora seja discutível o quanto
a longevidade da população humana possa ser estendida, um aumento até a faixa dos 100
a 120 anos de idade é bastante provável.
O futuro, em um horizonte de 3 a 5 anos, não será linear, mas sim cheio de mudanças, que
não irão se completar totalmente.
Isto implica que empresas e organizações terão de se preparar para serem mais resilientes.
Por décadas, o mantra organizacional foi a busca de performance, mas esta busca criou
empresas de alto risco e alto retorno, porém vulneráveis a mudanças estruturais e a riscos
sistêmicos.
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É a hora das “empresas-camelo”, não das empresas-unicórnio, foco dos últimos 30 anos.
Estamos à beira de um deserto. Precisamos de organizações que sejam capazes de
aguentar e de se adaptar às mudanças que estão ocorrendo, e que só irão se completar na
década de 2030, quando se anuncia o sexto ciclo de Kondratieff.
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