Vestes Liturgicas

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Vestes Litúrgicas

A vestimenta é uma característica antropológica; está entre os elementos de


comunicação não verbal do ser humano. Assim também o é nas diferentes religiões e,
entre elas, na igreja cristã. A veste litúrgica faz parte da linguagem simbólica das
celebrações cristãs e está igualmente presente nos cultos das igrejas luteranas e da
IECLB.
A veste litúrgica identifica Ministros e Ministras que receberam a ordenação a um dos
quatro Ministérios com ordenação da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil/IECLB. Seu uso está previsto para as ocasiões em que os Ministros e as Ministras
presidem cultos e ofícios e ministram sacramentos (Estatuto do Ministério com
Ordenação, art. 26).
Além da veste litúrgica é facultada a todos os ministérios o uso de uma camisa ou blusa
ministerial com clésima (tira branca em material emborrachado)
As togas dos reformados, por outro lado, não têm nenhum significado sagrado em si
mesmas: elas são, na verdade, trajes acadêmicos, idênticos àqueles usados nas
universidades de tradição européia.

Ao vestir a toga com a estola para celebrar o culto, o ministro reformado está apenas
afirmando que ele foi vocacionado, cursou uma faculdade de Teologia e foi
devidamente ordenado para o ministério.

As roupas no nosso culto

O objetivo deste artigo não é o de construir um manual de vestimenta, mas, antes,


pretendo refletir sobre como as roupas fazem parte do conjunto do culto e como elas
influenciam na celebração de nossas igrejas. Vou tratar aqui do conceito de apropriado,
de três diferentes “estilos” que tenho visto e do uso da toga, estola e colarinho clerical.

O conceito de apropriado

“Não é apropriado que o pastor se vista de maneira desleixada, vamos presenteá-lo com
um bom terno”.

Esta frase foi dita a um seminarista amigo há muito tempo e ele achou estranha, visto
que se fazia presente aos cultos sempre de calça e camisa social e usando gravata. Mas
ele estudava para ser pastor e, na cabeça da pessoa que lhe disse a frase acima, não se
pode conceber um pastor sem terno.

O que é apropriado? Este conceito é relativo. O fato é que nos acostumamos a observar
como nossos líderes se vestem e passamos a acreditar que tal vestimenta é o padrão e o
apropriado a toda e qualquer igreja. O apropriado não é ditado por um manual de regras,
mas sim pela comunidade. O que se deve ter em mente é que as roupas vão apontar para
o que queremos comunicar. É o que Steve Turner, em “Engolidos pela cultura pop”
(Editora Ultimato), nos diz:
“…as roupas sempre tiveram duas funções simultâneas. Uma diz respeito às
necessidades de proteção, aquecimento e decência … a outra função diz respeito à
comunicação, pois usamos roupas para que as pessoas saibam como nos sentimos em
relação a nós mesmos, o que ansiamos, no que cremos e, em último caso, como nos
sentimos com o mundo em nossa volta e qual nosso lugar nele” (p.116)

Portanto, ao nos dispormos a cultuar devemos nos preparar para transmitir, também
com nossas roupas, a mensagem do Evangelho.

Litúrgico, tradicional, contemporâneo

Do que tenho conhecido e caminhado pela tenho identificado três estilos litúrgicos que
se refletem nas roupas usadas no culto. As questões de liturgia serão tratadas em um
artigo posterior, no momento, quero me deter nas questões das roupas.

Em uma temos um/a pastor/a estaria toga com uma estola na cor litúrgica. O coral
também uma toga com um detalhe na cor litúrgica. Os presbíteros de terno e gravata ou,
em raros casos, usando também uma toga simples. Em outra igreja o pastor estaria de
terno e gravata, no caso de ser uma pastora, de tailleur. Presbíteros estariam de terno e
gravata ou, em alguns casos, apenas de camisa e calça social. O coral, de social. Em
outra igreja o/a pastor/a estaria vestido num estilo social-esportivo. Os presbíteros e o
coral da mesma forma.

Litúrgico, tradicional, contemporâneo. Tais definições são caricatas por si só mas


refletem um pouco da diversidade das comunidades que temos em nosso meio. Não
defendo uma uniformização institucional em nossas Igrejas locais, no entanto, defendo
que o respeito e o diálogo entre os estilos devam existir. Apenas para ilustrar: na IPI de
Araraquara, SP, costumo, em cultos em que se celebre os sacramentos, usar toga com
estola. Os presbíteros não participam de terno e gravata ou tailleur nestas ocasiões. Há
uma mescla de estilos. Em domingos que não faço uso da toga, costumo usar camisa de
colarinho clerical e calça social. Tudo é fruto de observação de como a comunidade
cultua e principalmente de se educar a igreja a conviver com os estilos diferentes.

Toga, estola, colarinho clerical

Pessoalmente sou defensor do estilo que definiria como “litúrgico”. Historicamente, os


reformadores calvinistas abriram mão das vestimentas carregadas de cores das missas
católicas para o uso de uma simples toga preta. Este traje evoluiu para uma toga,
genebrina, com mangas prolongadas até o pulso. O uso da toga e estola foi muito bem
explicado na revista Visão, ano 16, #49, publicada pela 1ª IPI de São Paulo:

“O uso da toga genebrina pelos pastores das igrejas presbiterianas é comum no Brasil
… A toga simboliza uma relação de ensino e aprendizado com os membros da Igreja …
O uso da estola sacerdotal é costume originário da igreja presbiteriana escocesa, de
onde viemos, que, por sua vez, manteve a tradição da igreja apostólica. Essa tradição
representa o jugo do Senhor Jesus, que é suave”. (p.7)
Já o colarinho clerical é uma tradição que os anglicanos iniciaram, pela facilidade de
seu uso com as camisas do dia a dia. No entanto, é na igreja escocesa que ele ganha
força no uso em culto. Igrejas Reformadas em todo o mundo fazem uso corrente dele e é
possível identificar, na história da IPI do Brasil, o seu uso. Em uma foto do Sínodo
Presbiteriano Independente de 1934 é possível destacar ao menos cinco pastores de
colarinho clerical (sem contar os que estão com gravata borboleta). Trata-se de um
estilo presbiteriano e seu uso remete à função pastoral da pessoa que o usa. Para se
aprofundar sobre o tema recomendo o artigo “Sobre togas e túnicas” do pastor
presbiteriano Eduardo Henrique Chagas: http://goo.gl/X0KDxA

Reverendo Giovanni Campagnuci Alecrim de Araújo


Secretário de Música e Liturgia de IPIB
Pastor da IPI de Araraquara, SP
Introdução
Parece que não existiu um traje distinto para os ministros cristãos até perto do século
VI. O clero vestia o que os demais cidadãos vestiam, embora de forma mais sóbria e
discreta, condizente com seu ofício. Com o passar do tempo, os trajes do laicato
mudaram com a moda e os costumes, enquanto os ministros permaneceram
conservadores no modo de vestir, como normalmente acontece. O resultado foi que o
vestuário do clero cristão tornou-se distinto daquele do laicato, e assim os trajes
passaram a ser investidos (sem trocadilho) de significado.

Ao lidar com a questão dos trajes clericais, quer dentro do contexto de um Culto
Público, quer fora dele, é difícil limitar a discussão a uma questão, apenas. Por exemplo,
a questão de "usar paramentos" é uma questão. A questão de que esse uso seja
obrigatório ou não, é outra, e ambas às vezes se sobrepõem. Nos estágios iniciais da
Reforma inglesa, John Hooper voltou à Inglaterra no meio do reinado de Eduardo VI, e,
dado o seu prolífico ministério no púlpito, foi-lhe oferecido o bispado de Gloucester.
Ele declinou do cargo por ter escrúpulos quanto ao uso obrigatório dos trajes exigidos
pelo Ordinal. Por sua recusa, foi lançado na prisão (por ninguém menos que Cranmer), e
uma polêmica se iniciou.

Agora, uma questão é a dos paramentos propriamente ditos -- pode um ministro vestir
trajes que o distingam como tal, no desempenho de seu ofício? Eu creio que a maior
parte de nós diria "é claro". Mas no caso de Hooper, a questão dos paramentos estava
totalmente emaranhada, pelo menos da forma que ele a concebia, com a questão da
liberdade de consciência. Nessa polêmica, Ridley defendeu o uso dos paramentos como
uma "coisa indiferente". Mas minha paráfrase da réplica de Hooper seria "se é tão
indiferente assim, por que é obrigatório?". Nessa polêmica em particular, Hooper
eventualmente cedeu, não por ter mudado de opinião, mas porque a força da oposição
de seus colegas protestantes à sua postura fê-lo questionar se seria sábio morrer por essa
causa em particular. Ele certamente não era covarde ou contemporizador -- mais tarde
ele entregaria sua vida como um bispo-mártir fiel sob a tirania de Maria I, a
Sanguinária; um sacrifício, esse sim, sobre questões mais fundamentais.

À oposição de Hooper à obrigatoriedade dos paramentos uniu-se o reformador polonês


John à Lasco, e a eles se opuseram homens fiéis como Martin Bucer, Peter Martyr,
Nicolas Ridley e Thomas Cranmer. E, na opinião de Cranmer, a questão não era, na
verdade, usar ou não usar os paramentos, mas sim, quem deveria marcar o ritmo da
Reforma das igrejas na Inglaterra. Então, para complicar mais as coisas, uma terceira
questão foi misturada com as duas anteriores. Suponha, por um momento, que todos nós
quiséssemos nos livrar desses paramentos. Isso deveria ser feito caso a caso pelos
ministros que têm escrúpulos quanto a eles, ou deveria ser feito de maneira coordenada
e conjunta entre a liderança estabelecida? Cranmer certamente enveredou pelo caminho
de uma reforma completa e conjunta, mas [e justamente por isso] não queria certos
indivíduos queimando a largada.

E, ao aplicarmos essas questões aos dias de hoje, temos de nos lembrar que "queimar a
largada" inclui tanto aqueles que se recusam a vestir os paramentos, como Hooper,
como aqueles que querem começar a vesti-los, como vem acontecendo com um número
cada vez maior de ministros em nosso meio. Nestes estágios iniciais da história de um
grupo como a CREC [Comunhão das Igrejas Evangélicas Reformadas dos EUA, N. do
T.], um certo grau de variação e experimentação é inevitável, e não é com isso a minha
birra. Mas nós devemos estar cientes da tendência quanto a pastores agindo
individualmente, e igrejas agindo individualmente, cada um da forma que acha melhor a
seus próprios olhos, criando uma mistureba genuinamente americana, e não uma
verdadeira cultura litúrgica. Então, quando Cranmer trancafiou Hooper por se recusar a
vestir os trajes adequados para sua ordenação como bispo, a questão, na verdade era
quanto a quem ia definir o ritmo da Reforma.

Isso foi uma manifestação precoce das eternas questões que cercam aquilo que veio a
ser chamado de "o princípio regulador", mas que na verdade é uma aplicação
estritíssima dele.

Como à Lasco definiu, "Nada deve ser adicionado, no que concerne ao Culto Público,
que Deus não haja determinado." Mas como dissemos, isso não apenas exclui os
paramentos episcopais, mas também os pianos, coros, mulheres recebendo a Comunhão,
bancos, púlpitos, cultos aos domingos e Batismo infantil. Talvez nós devêssemos
modificá-lo para "Nada deve ser exigido, no que concerne ao Culto Público, que Deus
não haja determinado." Nós podemos fazer certas coisas que Deus não ordenou que
fizéssemos, como ter um Culto de Natal, mas teríamos dificuldades em justificar a
disciplina de um membro da igreja que se recusasse a comparecer a tal culto. Fazer algo
porque se tem liberdade de consciência para tanto é uma coisa. Exigir que outros o
façam é um abuso da liberdade de consciência.

As questões que cercam tudo isso não são fáceis, e até agora nós temos três questões de
peso -- o uso dos paramentos propriamente ditos, a questão da sua obrigatoriedade, e a
questão da tomada conjunta dessa decisão. A essas três, eu adicionaria mais uma: a
roupa é uma forma de comunicação, e uma na qual os cristãos evangelicais da América
não são nada fluentes. Quando se está aprendendo uma língua nova pela primeira vez,
sabemos que não faltam oportunidades para pagar micos. Eu me lembro de uma tirinha
em que um garçom chega à mesa trazendo uma tremenda gororoba na bandeja. E diz:
"É uma lista telefônica frita. Nós colocamos um nome chique em francês e você pediu!"

Deixem-me dar vários exemplos disso. É como os habitantes do Panamá, que só pensam
que há dois tipos de frio: com neve e sem neve. Nós tendemos a acreditar que só
existem duas categorias de trajes eclesiásticos: trajes eclesiásticos e trajes não-
exlesiásticos. E, assim como os panamenhos, nós só aprendemos essa distinção pela
leitura de livros sobre lugares que têm  essas coisas. Mas para alguém nessa posição,
uma vez tomada a decisão de usar paramentos, é isso e pronto. Me vê uma dessas
belezinhas! Uma vez que você decide falar francês, simplesmente vá, dando ao seu
discurso o embalo daquele je ne sais quoi. Sabe? Mas esse é um caminho perigoso para
se trilhar. Já ouvi uma vez, o que provavelmente deve ser verdade, que os esquimós têm
dezessete palavras diferentes para "neve".

É por isso que eu acho que a maioria de nós deveria tomar cuidado com a tendência de
ser bem provincial, iletrado e bem americano com essas coisas. Quase todos de nós
tomaríamos pau em uma prova que avaliasse o conhecimento sobre o uso e o
significado de galões, casulas, roquetes, sotainas, albas (ou sotainas-albas, já que
estamos nisso), e estolas. Eu sei que eu tomaria. E eu realmente acho que ninguém
deveria começar a vestir essas coisas até entender toda a história e o significado de fazê-
lo. Senão, ele pode se ver celebrando a Ceia do Senhor no equivalente litúrgico de uma
cueca samba-canção, e a diversão será garantida quando seus parentes europeus
aparecerem para uma visita. Mas se, e quando, o ministro souber o que é e de onde vem,
é possível que ele não queira mais vesti-lo.

Então, se você começou a pregar de toga, você usa também uma estola, ou não? E se
usa, o faz porque é isso que a Murphy Robes mandou no catálogo? Sabia que, na Igreja
da Inglaterra, uma das coisas que distinguiam um candidato evangélico às Sagradas
Ordens, era sua vontade de ser ordenado com um tippet, e não com uma estola? E note-
se que o tippet ainda dá vitória ao argumento em favor de trajes clericais. É claro, se o
carteiro e os jogadores de futebol vestem uniformes, porque não podemos também? Mas
esse argumento dos uniformes com freqüência se esquece de que o uniforme não apenas
distingue os jogadores de um time daqueles que não são jogadores. Eles também
distinguem os jogadores de diferentes times um do outro. Aliás, é essa a sua principal
função. Em nosso meio, às vezes falamos como se a única função dos trajes clericais
fosse distinguir o clero do laicato. Mas há diferenças entre luteranos e anglicanos, e
entre ortodoxos gregos e católicos romanos, e entre metodistas e presbiterianos. E em
muitos lugares, há diferenças entre os trajes dos evangelicais e dos não-evangelicais. Eu
não estou convencido de que já saibamos o bastante sobre isso. Ainda não sabemos
francês o bastante para começarmos a pedir coisas do menu com qualquer grau de
confiante extravagância.

Nós devemos estar confortáveis com a diversidade confessional dentro do mundo


reformado, claro, e o mesmo vale para a diversidade litúrgica dentro deste mesmo
mundo. Mas não deveríamos tentar estabelecer as fronteiras no mapa segundo esses dois
critérios diferentes (confessional e litúrgico), senão vamos acabar com dois tipos de
fronteiras diferentes, todas conflitantes. Se deveríamos excluir uma confissão anglo-
católica, como eu creio que deveríamos, então deveríamos excluir também os ritos
anglo-católicos, porque os ritos são poderosos o bastante para trazer consigo a mais
apropriada confissão. Não podemos usar dois pesos e duas medidas, dizendo que os
ritos (incluindo os paramentos clericais) são agentes poderosos de mudança, quando
argüímos a seu favor, mas dizer que são coisas indiferentes e uma simples questão de
pano, ao respondermos às objeções.
O ritual é poderoso, e vai dar a forma das sensibilidades religiosas de gerações futuras
de maneiras que nós nunca podemos prever inteiramente. Este é o jeito que as coisas
funcionam. Mas certamente alguém deveria tentar planejar isso? E em uma questão
como o traje dos ministros etc., não deveria a Igreja, como corpo coletivo, ser a entidade
que irá fazê-lo? Eu creio que nossas práticas litúrgicas são pelo menos tão importantes
quanto nossas confissões de fé, mas temos as alterações em nossa confissão cercadas
com arame farpado e campos minados, enquanto alterações fundamentais na nossa
liturgia podem ser feitas à vontade do pastor. Isso não é exatamente inteligente. O ritual
é poderoso, e rituais diferentes no nosso meio vão, eventualmente, resultar em culturas
diferentes. Isso inclui os trajes rituais que adotamos. Por exemplo, uma cultura
resultante de um anglicanismo litúrgico é bem diferente de uma cultura resultante de um
presbiterianismo litúrgico, ou de uma forma de culto reformada, então, o que quer que
façamos, devemos fazer de propósito, e não ao acaso. Aqueles que pensam igual agora
deveriam tentar fazê-lo juntos. Por que deveríamos nos empenhar para nos parecer com
nossos primos de terceiro grau, que provavelmente não sabem ou não se importam com
o que estamos fazendo, mesmo, quando fazê-lo pode causar atritos nas nossas relações
com nossos irmãos e irmãs que não estão tão inclinados a ir nessa direção?

Agora, não estou escrevendo isso como alguém que tenha algum tipo de fobia contra
vestir trajes clericais. Sempre que fui, como pregador visitante, a uma igreja onde o
ministro normalmente prega de toga, eu me alegrei em também fazê-lo, e esta tem sido
a minha política já há trinta anos. Eu vesti uma beca de coralista quando era garoto, e
visto uma toga acadêmica na faculdade New Saint Andrew's toda semana.
Ocasionalmente, quando o casal de noivos pede, eu uso a toga ao celebrar seu
casamento.

Quando um amigo meu, companheiro de opinião de John Hooper, me cutuca por isso,
eu simplesmente digo que gosto de me vestir como John Knox de vez em quando. E,
ainda por cima, temos de ter em mente que alguém poderia argumentar que as roupas
com que eu normalmente prego -- terno e gravata -- são o uniforme de um vendedor de
seguros. Será essa a mensagem que queremos passar com essa roupa? Eu até diria que
sim, desde que estejamos falando de seguro de incêndio...

Então, deixem-me reconhecer que eu estou convencido pelos argumentos. Não tenho
problemas com os ministros que desempenham seus ofícios togados, nem com ministros
que vestem colarinhos clericais em público, desde que eles não saiam por aí dirigindo
como porraloucas e mostrando os dedos para os demais motoristas.

Eu simpatizo com os argumentos teológicos em favor dos trajes clericais; pode-se achar
bons exemplos deles em The Lord's Service, de Jeff Meyers. E também compreendo a
atração das "histórias de colarinho". Nos meios em que circulo, entre um terço e metade
dos ministros usam o colarinho, e as oportunidades que isso cria para o ministério com
estranhos são simplesmente extraordinárias. Não muito tempo atrás, minha esposa e eu
estávamos em uma conferência, e o ministro da igreja que a estava sediando foi nos
buscar no hotel. Ele usava um colarinho e, quando entrou no hotel, um garotinho correu
atrás dele no corredor e perguntou, sério, se ele precisava ir à igreja para ir pro céu.

Essa é uma parte tão marcante de se usar o colarinho que eu me surpreendo da Campus
Crusade [um equivalente conservador norte-americano da ABU brasileira, N. do T.] não
exigir que todo o seu pessoal use. Meu pai tem o dom do evangelismo, e é do tipo que,
antes de uma viagem de avião, enche a mala de literatura evangelística, incluindo algum
material em urdu, e acontece de se sentar do lado de um falante nativo de urdu. Me
assusta pensar o que aconteceria se ele começasse a usar o colarinho.

Por ser eu um simpatizante, e porque eu freqüentemente me encontro em circunstâncias


em que um monte de meus colegas estão "enternados" para a ocasião, eu preciso sempre
responder a questões sobre os meus motivos de me abster dos paramentos. E conquanto
eu esteja dispondo essas minhas preocupações, é importante notar que eu estou
trabalhando com generalizações; não estou falando de qualquer ministro em particular.
Parando para pensar, um número de contra-exemplos vem à mente. E, ao mesmo tempo,
acho que há algumas coisas que ainda não resolvemos por inteiro. As quatro
preocupações que eu levantei acima estão na lista, mas há pelo menos mais uma questão
grande para mim.

Quando se adotam os trajes clericais, se está adotando junto as tentações que vem com
eles. Isso não é um argumento contra o seu uso, de forma alguma, mas é um argumento
contra aqueles que não acreditam que haja ou possa haver tais tentações. Como costumo
dizer, quando alguém se matricula em um curso de matemática, a primeira coisa que se
vai encontrar são todos aqueles problemas de matemática. A pessoa que diz que esses
cursos devem ser evitados por causa dos problemas ("você já pensou no tipo de
problemas que vai ter de resolver?!") tem obviamente uma abordagem bem estreita da
vida. Mas tem outro tipo de pessoa com uma visão ainda mais estreita: a que se
matricula no curso na certeza e na plena convicção de que é impossível que haja
problemas de matemática. Pelo contrário, confie na pessoa que se matricula no curso,
sabendo que ele vai ser dureza.

Então, o que pode ser dureza no que diz respeito a vestir ou não trajes que distingam o
clero? Há algumas questões, pelo menos, que eu acho que tenho espaço para abordar
aqui. Primeiro, Jesus falou de um certo tipo de carinha religioso, o "socialite emergente
eclesiástico", caçador de honras e glórias para si mesmo.

"Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestes talares e muito apreciam as
saudações nas praças, as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos
banquetes; os quais devoram as casas das viúvas e, para o justificar, fazem longas
orações; estes sofrerão juízo muito mais severo" (Lucas 20.46-47).

Qualquer um que acredite que esse tipo de personalidade já desapareceu da Igreja é do


mesmo tipo de pessoa que acredita que ninguém jamais erra um problema de
matemática. E quando Jesus fala das "vestes talares", ele estava na verdade atacando a
"atitude talar" de quem as vestia, não os trajes em si mesmos. Ele mesmo estava
trajando uma túnica talar quando disse isso. O tipo de pessoa que adora ser chamado de
Reverendo Fulano de Tal é o mesmo tipo de pessoa que adorava ser chamado de Rabino
Fulano de Tal, e que adora ir a jantares de premiação, e a oportunidade de encher
qualquer igreja com suas sonoras invocações ao Todo-Poderoso. Mas vale dizer, eu
tenho plena consciência de que esse tipo de personalidade existe também nos
ambientes low church: o Irmão Sicrano, que insiste em não ser chamado por título
algum, do mesmo jeito que os pistolas-altas do Politburo soviético adoravam ser
chamados de camaradas. Mas o fato de que outras pessoas são tentadas pelo mesmo
problema em outras situações não é argumento para se baixar a guarda.

É uma tendência humana universal, estar bem ciente dos problemas que se acabou de
escapar, e não muito das tentações que se está prestes a encarar. Mas as tentações à
frente são sempre as que podem te pegar. Eu estaria muito mais tranqüilo com a volta
dos trajes clericais se aqueles que a estão promovendo fossem os que vigorosamente
levantassem suas objeções e possíveis armadilhas. Isso significaria, por exemplo, que
quando os mais exagerados dos nossos começasse a andar por aí mais empinado que
cavalo de desfile, e quando a sua cruz peitoral fosse pesada o bastante para dar ao seu
quiroprata alguns desafios únicos de alinhamento, ele deveria estar levantando questões
afiadas dos seus colegas de toga, não apenas da tia Marta, a batistona. Isso não é uma
impossibilidade: deveríamos pegar para nós essa página do manual do Bispo Jewel, que
consentiu em vestir os trajes episcopais pelo bem do Evangelho enquanto manteve para
si o direito de falar de alguns de seus aspectos como "bobagens" ou "um grande e
ridículo bolo de noiva".

Ou, como John Milton uma vez notou, ao refletir sobre um certo tipo de desfile
eclesiástico:

"Eles exigiam de nós que suportássemos o farfalhar de suas sotainas de seda, e que nos
segurássemos em vez de explodir em gargalhadas ao assisti-los desfilando de capas,
rendas e bordados pelo jardim, com paralelogramos em suas cabeças".

Em suma, existe um tipo de paramento clerical que está para os trajes clericais decentes,
assim como desmaiar bêbado na sarjeta está para a taça de vinho no almoço em família
no domingo. O fato de que ambos envolvem álcool são um bom motivo, na cabeça da
tia Marta, para evitá-los ambos, o que, é claro, não tem sentido. Mas deveríamos estar
igualmente preocupados com o cidadão que põe tudo no mesmo saco igual a tia Marta,
mas para aprová-los. Mas qualquer um que não acha esse tipo de pavoneamento
religioso risível deve ter um coração de pedra, e provavelmente deveria ficar de fora da
questão.

Minha segunda preocupação nesse âmbito é onde os mal-entendidos são possíveis e


prováveis. Mas antes de atacar a questão, deixem-me reconhecer que há uma multidão
de contra-exemplos que me ocorrem.
Dito isto, minha preocupação é com a efeminação. Não que os trajes e paramentos
clericais a tragam em si mesmos; mas sim o que eles são na nossa cultura, e as
conotações que esses trajes levaram séculos para adquirir.

O traje é linguagem, e assim como as palavras, as peças que usamos têm igualmente
denotação e conotação. Como disse acima, estou convencido pelos argumentos quanto à
denotação. Mas ao falarmos em público, devemos estar cientes, e termos cuidado, com
as conotações daquilo que dizemos. Se eu entabulasse conversa com um estranho no
aeroporto enquanto esperasse um avião, e ele me perguntasse o que eu falo, eu não
responderia que sou um "bispo". Eu evitaria essa palavra totalmente por causa das
conotações. Eu poderia facilmente defender um argumento sobre a denotação
(episkopos e presbyteros no Novo Testamento são usadas intercambiavelmente, CQD, e
pronto. Mas as conotações ainda fariam o negócio afundar, e eu provavelmente não teria
tempo de explicar meu argumento.

A denotação do colarinho é bem óbvia. Este é um homem separado para o ministério e


vocacionado para o serviço de Deus e da Igreja. É por isso que o colarinho levanta
tantos comentários e perguntas, e isso é uma coisa boa. Mas também há um monte de
pressupostos de fundo, conotações, que são parte da mistura, e qualquer um que queira
oficiar como um ministro bíblico precisa nadar contra a corrente em um grande rio de
pressupostos culturais sobre os ministros e seu ministério.

E precisamos reconhecer que esses pressupostos se alinham com a identificação cultural


dos clérigos como o "terceiro sexo". Como não existe, na verdade, um terceiro sexo,
para os homens isso se traduz numa forma bem estranha de efeminação. Os homens que
usam o colarinho, ou vestem a toga, precisam cuidar melhor da sua projeção de
masculinidade do que alguns andam fazendo. Sim, a denotação diz que você é um
ministro de Deus. Mas o que dizem as conotações sobre o tipo de homem de Deus que
você é?

Aqui é que os contra-exemplos vêm à mente. Eu conheço um ex-fuzileiro naval que usa
o colarinho, e o efeito não é problema algum. Muitos dos homens que eu conheço que
usam colarinhos o fazem de uma forma bastante masculina. Me lembram de um certo
tipo de clérigo em Wodehouse que lutava boxe ou remava quando estudou em Oxford e
desempenhava seus deveres clericais com um entusiasmo forte. Mas o motivo da
imagem de Wodehouse ser engraçada é que ela é uma distorção inesperada da reputação
popular do homem do clero, uma reputação que em boa parte é merecida, e que
devemos levar em conta.

Há exceções óbvias, e ministros de verdade precisam mesmo ser durões, mas ainda
assim, a reputação dos ministros como homens meio frouxos não é de todo injusta.
Gerações de "o jovem mais bonzinho da igreja" foram induzidos pelas senhoras da
igreja a considerar o sagrado ministério, e por que essa é uma vocação que (diz o senso
comum) não envolve juntas sangrando, e envolve ser muito legal com as pessoas, a
igreja passou a considerar esses "rapazes bonzinhos" como os melhores candidatos ao
ministério.
Todos nós conhecemos o tipo, da vida real e da literatura. Os retratos literários são, às
vezes, caricatos, e injustos por isso, mas ainda assim eles repercutem em nós, e
funcionam, por um motivo. E esse motivo é que essas caricaturas batem com algo que
todos nós já vimos na vida real. Desde o salmodiador David nos contos de Cooper, ao
Reverendo Kinosling dos contos de Penrod, passando pelo Mr. Collins de Orgulho e
Preconceito, nós ministros deveríamos aproveitar a oportunidade de nos olharmos como
o mundo nos olha. Precisamos refletir sobre isso mais do que queremos. Quando a briga
com os índios esquenta, "o vigário" é quase sempre acanhado e inútil. E quando não é,
todo mundo fica surpreso.

O negócio é o seguinte: quando um homem veste o colarinho, ele precisa saber que uma
certa gravidade masculina é necessária para evitar que o colarinho o arraste (por
associação e por conotação) pra uma direção que ele não quer ir. Se ele tem essa
gravidade e está ciente das muitas conotações associadas ao clericalismo (e familiar
com o anti-clericalismo que resulta delas), eu creio que vestir a toga ou o colarinho pode
ser uma coisa muito boa para ele. Legal, vai fundo. Mas a menos que nós tenhamos essa
conversa de forma aberta e ampla, outros vão imitá-lo sem pensar muito no assunto, e
alguns destes que vão imitá-lo vão ser do tipo frouxo, afrescalhado e afundado até o
pescoço na sua efeminação. E quando eles vestirem o colarinho, isso vai terminar de
puxá-los pro fundo. Eles já têm a tendência que criou a caricatura em primeiro lugar;
são os rapazes bonzinhos que foram pro seminário empurrados por todas as tias da SAF,
e então adotam um uniforme que tem tudo a ver com as conotações que o mundo em
torno delez faz. Estava assistindo um "reverendo" muito bonzinho outro dia sendo
entrevistado na televisão, e ele era tão gentil que só faltou dar tapinhas nas costas da
mão da platéia. Estava óbvio, e o colarinho deixou ainda mais óbvio.

Agora, eu sei que alguns dos leitores são abençoados em nunca terem passado por nada
disso que eu estou falando, e para eles vai parecer que eu estou falando bobagem. Estou
feliz por eles. Eles cresceram com um pastor luterano que foi SEAL da Marinha
Americana antes do seminário, um homem que deixava uma escarradeira na sacristia, e
a conclusão natural é de que o Wilson está exagerando na reação. Tão exagerado que a
gente está meio que desconfiando da masculinidade dele, não é não?

O problema do pavoneamento que eu mencionei acima é um mais facilmente


reconhecido e lidado com, se não por outro motivo, porque os opositores do uso de
trajes clericais já terem levantado todas as passagens pertinentes, e o assunto pelo
menos já foi discutido. Mas o nosso problema com séculos de ministros efeminados não
foi ainda amplamente reconhecido dentro da Igreja, e ainda é um problema bem
arraigado no Ocidente. Eu tenho em alta conta a vocação ministerial, e creio ser esta alta
opinião bíblica, mas também creio que um certo tipo de clericalismo foi largamente
responsável pela ascenção de um violento anti-clericalismo. Antes de restaurarmos as
formas adotadas da primeira vez, não deveríamos discutir o que deu errado?

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