As Cooperativas de Habitacao Portuguesas

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Pedrosa, P. S. (2018). “As cooperativas de habitação portuguesas: o jogo dos possíveis”. Agarez, A. (ed.

), Habitação: 100 anos de Políticas Públicas em Portugal, 1918/ 2018, Lisboa, IHRU, pp. 280-315.
[ISBN 978-972-27-2711-2]. URL: http://www.portaldahabitacao.pt/opencms/export/sites/portal/pt/portal/100anoshabitacao/af_IHRU_Habitacao_Social.pdf

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As cooperativas
de habitação portuguesas
O jogo dos possíveis

Prólogo

As condições ideológicas das cooperativas, ainda que apresentando intensi- Patrícia Santos Pedrosa
dade oscilante ao longo da história, condicionam as suas relações com o poder Centro Interdisciplinar de Estudos
de Género da Universidade de Lisboa
e, de modo mais difuso, também com as populações. As raízes das cooperativas e Universidade da Beira Interior
remontam, em Portugal, a meados do século XIX, apresentando, nessa génese,
uma condição popular forte que reforçará algumas tensões políticas que surgem
em certos momentos da história do País (Almeida, 2005, p. 55).
No contexto da história da arquitetura portuguesa, também a habitação pro-
movida pelo setor cooperativo tem uma condição complexa — tanto enquanto
processo quanto como objeto — e o silêncio nos textos gerais dedicados à arquite-
tura portuguesa do século XX é disso reflexo. Considerando textos fundacionais ou
marcantes enquanto olhares alargados, e a título de exemplo, mesmo se surgindo
neles diversas referências aos problemas da habitação, as respostas de habitação
cooperativa estão genericamente ausentes, tanto como exemplos como enquanto
possibilidade de resposta aos graves problemas de infra-habitação ou mesmo
ausência da mesma. No contexto dos programas cooperativistas, José-Augusto <
Acesso entre volumes de garagens e de
França e Nuno Portas referem nos seus textos a Cooperativa de Consumo de Lor- habitações da Cooperativa de Habitação Gente
do Amanhã, Senhora da Hora, Urbanização
delo, de Álvaro Siza Vieira (França, 1991, p. 457, e Portas, 1978, pp. 740 e 744). Pedro
do Seixo, 2017 (José Pulido Valente, 1985).
Vieira de Almeida, nos diversos capítulos pelos quais é responsável na síntese his- João M Almeida

tórica, de 1993, da qual é coautor, efetua uma interessante abordagem aos temas
das condições de vida do operariado, mas não se chega a cruzar com o coopera-
1 Capítulos «A charneira 1900» e «O ‘arrabalde’ do céu»
tivismo como possibilidade de resposta ausente ou pouco considerada 1. O facto (Almeida, Fernandes e Maia, 1993).

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de a explosão significativa de habitação cooperativa ser posterior à Revolução de


25 de Abril de 1974, não é alheia a estas ausências, acentuada necessariamente por
uma história feita dos objetos e de troços de cidade mais impactantes e autorais.
No mesmo livro, José Manuel Fernandes dedica um parágrafo à «prática
renovada» que depois de 1974 surge no cooperativismo habitacional, apontando
depois alguns breves exemplos 2. A grande exceção, enquanto conjunto referido
reiteradamente pela bibliografia e enquanto programa inserível no coopera-
tivismo habitacional, é o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), realizado
entre 1974 e 1976 3. Se a sua condição de exceção faz com que seja tratado fora deste
capítulo, a sua condição heroica pós-revolução faz com que se tenha tornado
um marco incontornável na reflexão sobre habitação em Portugal no século XX,
constituindo-se uma unidade autónoma de experimentação e produção.
No catálogo de 1998, onde Becker, Tostões e Wang apresentam uma seleção
de quase centena e meia de exemplos da produção arquitetónica portuguesa do
século XX, surgem oito proposta realizadas dentro do programa do SAAL e a única
2 Capítulo «O período de 1974 a 1990» (Almeida, Fer- referência a um bairro que é parcialmente de responsabilidade cooperativa, a
nandes e Maia, 1993, p. 161).
Malagueira, em Évora, de Álvaro Siza Vieira, não tem esta sua componente assi-
3 O Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) é
abordado no capítulo 7 deste livro, da autoria de José nalada, ou seja, problematizada (Becker, Tostões e Wang, 1998).
Bandeirinha, Tiago Castela, Joana Gouveia Alves e Rui A versão impressa do Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal, de 2006,
Aristides.
conta com mais de 500 entradas de edifícios ou conjuntos, abrangendo o terri-
4 Os casos referidos são: Cooperativa O Lar Familiar,
Porto, 1955, Mário Bonito (p. 138); Habitovar, Ovar, 1980, tório continental e as ilhas. Sete dessas entradas são relativas a cooperativas de
Bernardo Ferrão (casas em banda) e Rolando Torgo
(casas-pátio) (p. 194); Habitovar, Ovar, 1982, Pedro
habitação, tendo o caso da Habitovar, em Ovar, referidas três das suas diferentes
Ramalho (p. 196); Cooperativa Coobita, Faro, 1987, contribuições. Tirando o exemplo de Mário Bonito com a sua obra para O Lar
José Lopes da Costa (p. 202); Cooperativa de Habitação
Coociclo, Lisboa, 1997, Promontório Arquitetos (p. 221); Familiar, no Porto, do início da década de 1950, todos os restantes exemplos são
Cooperativa de Aldoar, Porto, 1998, Manuel Correia Fer-
nandes (p. 222) e Cooperativa de Habitação Económica
dos anos 1980 e 1990 4. No mesmo registo de levantamentos alargados, disponí-
Habiflor, Vila Viçosa, 1998, Nuno Lopes Ribeiro e João veis nestes casos em formatos abertos, o Sistema de Informação para o Patrimó-
Nasi Pereira (p. 225). (Afonso e Roseta, 2003.)
nio Arquitetónico (SIPA), atualmente da responsabilidade da Direção-Geral do
5 São: Bairro da Azeda, em Setúbal (IPA.00032524),
Bairro da Cooperativa de Habitação Económica Capitães Património Cultural, apresenta cinco exemplos, com casos que incluem também
de Abril, Viana do Castelo (IPA.00032523), Bairro da
Malagueira, Évora (PA.00031253), Bairro do Armador,
respostas mistas 5. No contexto da investigação Mapa da Habitação, realizado pelo
Lisboa (IPA.00029704) e Cooperativa O Lar Familiar, grupo Atlas da Casa da Universidade do Porto, a base de dados disponível tem,
Porto (IPA.00027684). In «Sistema de Informação
para o Património Arquitetónico» (Direção-Geral do neste momento, entradas para dois exemplos de promoção habitacional coope-
Património Cultural), acedido em 12 de outubro de 2017,
rativa, ambos no Porto 6.
<http://www.monumentos.gov.pt>.
Mais do que o levantamento exaustivo das investigações e divulgações exis-
6 São: Cooperativa O Lar Familiar e o Bairro Leão XIII.
In «Mapa da habitação. Revisão crítica da arquitectura tentes, interessa-nos sublinhar como o modo de promoção e os conjuntos arqui-
residencial construída com o apoio do Estado em Portu-
gal (1910 -1974)» (Atlas da Casa — Centro de Estudos tetónicos e urbanos têm, no caso das cooperativas de habitação, estado sujeitos
de Arquitetura e Urbanismo — Faculdade de Arquite- a um significativo esquecimento. Alguns trabalhos setoriais, no entanto, mere-
tura, Universidade do Porto), acedido em 20 de novem-
bro de 2017, <http://mappingpublichousing.up.pt>. cem ser sublinhados pela sua contribuição para o estudo das cooperativas de
7 A investigadora Marta Cruz, da Universidade do Porto, habitação em Portugal e pela sua subsequente visibilização 7. Em 1992, saindo do
encontra-se a desenvolver um trabalho de pós-douto-
ramento sobre Cooperativas de Habitação Económica
interior do próprio contexto cooperativo, a Federação Nacional das Coopera-
nos anos 1970 -1980 no Porto. Será seguramente fun- tivas de Habitação Económicas (FENACHE) promove uma publicação dedicada
damental para ampliar e consolidar o presente trabalho
quando publicado. aos anos 1974-1991, fazendo um levantamento de cerca de 150 empreendimen-

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tos localizados em todo o território continental e ilhas 8. Três anos depois, Flávio
Paiva apresenta uma dissertação que se dedica ao caso de Lisboa e onde, para
lá da inventariação, procura traçar um olhar crítico sobre as possibilidades
ideológicas — do cooperativismo efetivo à aproximação ao mercado —, a que o
desenvolvimento das cooperativas de habitação se vê sujeito ao se aproximar o
fim do século (Paiva, 1995). António Baptista Coelho, coordenando um levanta-
mento sobre a construção de habitação social de 1984 a 2004, para o Instituto
Nacional de Habitação (INH), dedica parte deste às cooperativas, enquanto pilar
fundamental do desenvolvimento de soluções de habitação para o período em
causa (Coelho, 2006). Já em 2013, Filipa Gomes apresenta uma dissertação onde
se dedica ao estudo de Matosinhos, de 1965 a 2003, e à importante promoção
cooperativa deste concelho 9. Todos estes trabalhos são contributos efetivos para
o presente texto.
Recorrendo ao que se encontra em contexto bibliográfico, aos arquivos exis-
tentes à guarda do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) 10 e ao tra-
balho de campo, o objetivo principal deste texto é perceber o passar do tempo
político e social refletido nas construções que as cooperativas levam a cabo. Não
se enquadrando a sua enumeração exaustiva num trabalho desta natureza, a pro-
posta tenta sublinhar a condição particular da produção de habitação coopera-
tiva e apontando para algumas propostas arquitetónicas e urbanas que encerram,
necessariamente em contexto social, político e económico, questões considera-
das relevantes.
O texto segue a narrativa cronológica por se considerar fundamental, neste
nível, para a compreensão do processo cooperativo focado na resolução do pro-
blema habitacional português. Assim, num primeiro momento, trataremos do
que são as origens do cooperativismo em Portugal, com atenção específica ao
que do setor da habitação respeita. Posteriormente, será analisado o contexto do
Estado Novo e das suas relações particulares com as cooperativas. A terceira parte
reflete sobre os anos pós-25 de abril de 1974. Finalmente, são trabalhadas as déca-
das a que chamámos de «ressaca revolucionária», ou o que para o País e para as
cooperativas significa um afastamento face à euforia pós-25 de Abril e um apro-
ximar dos valores do mercado e de uma Europa capitalista tida como modelo e de
que o País se procurava aproximar.

Géneses
8 Distribuídos do seguinte modo: Norte — 40; Centro — 19;
Lisboa — 44; Setúbal — 18; Alentejo — 14; Algarve — 11 e
Em 1918, pelas mãos do curto governo autocrático de Sidónio Pais (1882-1918) Ilhas — 3 (Fleming e Magano, 1992).

surge o início legislativo do que virá a ser um processo longo e de resposta lenta 9 São fichadas, com informação variável, 25 empreen-
dimentos (Gomes, 2013).
face às necessidades efetivas de habitação qualificada em Portugal e que se pro-
10 O trabalho nos arquivos contou com o apoio funda-
longa paulatinamente até aos dias de hoje. O Decreto n.o 4137 é dedicado ao que mental de Inês Faria.

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se afirma ser uma questão da maior importância: a de «conseguir a construção


em grande escala de casas económicas», «principalmente nas grandes cidades».
Numa colocação interessante do problema, é ainda afirmado, focado nos desvios
morais do suposto chefe de família, que, considerando as condições de infra-
-habitação em que habitam as famílias pobres, a «taberna, os prostíbulos e as
casas de tavolagem são o único recurso para esquecer tantas dores». Neste docu-
mento, sustentado por uma visão capitalista e com atenção à propriedade pri-
vada, refere-se a necessidade de dar apoio aos que investem e que, assim, possam
garantir ganhos mais significativos. Mas também é prestada atenção à própria
aquisição da propriedade, sublinhando a importância de se dar a possibilidade ao
trabalhador, desta forma, de «tornar […] mais querido o seu lar». Já no capítulo III
deste documento legal, as cooperativas são apontadas como uma das diversas
entidades, públicas e privadas, que podem «intervir na construção» das «casas
económicas». Outra nota nos parece relevante sublinhar neste decreto. A indi-
cação de que as condições, em Lisboa e no Porto, de acessibilidade através de
«transportes baratos para os bairros económicos, quando estes forem afastados
dos centros industriais e comerciais», deveriam ser garantidas (Decreto n.o 4137,
1918, pp. 451-454); consciência da não centralidade como possibilidade de estra-
tégia e da sabotagem que podia representar para a indústria ou o comércio este
afastamento da mão de obra.
No sentido de resolver a grave questão das terríveis condições de infra-
-habitação das populações pobres, outras propostas legislativas já tinham aconte-
cido anteriormente ao documento de 1918, mas sem concretização efetiva. Desde
1901 que, de modo cíclico, o problema era considerado em tentativas que resul-
tavam goradas. Inclusivamente em Lisboa, na Ajuda, o início da construção do
primeiro bairro social acontece em 1917, mesmo antes de a lei fixar estratégias e
responsabilidades neste sentido (Almeida, Fernandes e Maia, 1993, p. 40).
Em termos internacionais, a primeira cooperativa moderna, de consumo,
é formada em 1844, pelos designados pioneiros de Rochdale, próximo de Man-
chester. A ideologia cooperativa seguirá o seu caminho de estruturação, contando
com o contributo principal de diversos pensadores franceses. Para o cooperati-
vista e teórico francês Charles Gide (1847-1932), que influenciará o português
António Sérgio (1883-1969) e, portanto, parte do pensamento cooperativista
português, a cooperativização do consumo era o caminho para uma cooperati-
vização global da economia, colocando agricultores e operários ao serviço dos
consumidores e tendo como fim a abolição do lucro. Neste sentido, para António
Sérgio, as únicas cooperativas efetivamente revolucionárias eram as de consumo
(Paiva, 1995, p. 31). Os princípios cooperativos, como os conhecemos em Portugal,
e inclusivamente a lógica do seu Código Cooperativo, que só virá a ser publicado
em 1980 (Decreto-Lei n.o 454/80, pp. 3225-3244), encontra no exemplo de Roch-
dale as suas origens e inspiração (Paiva, 1995, p. 39).

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Ainda que o cooperativismo em Portugal surja, em meados de 1800, supos-


tamente através dos instrumentos da propaganda socialista (Taveira, 1954, p. 9),
vai encontrar reflexo de âmbito institucional com a publicação, a 5 de julho de
1867, da Lei Basilar do Cooperativismo Português, elaborada por António Corvo
(Taveira, 1954, pp. 9-10). Para lá da criação das pioneiras, o século XIX verá acon-
tecer diversos congressos e encontros dedicados às questões cooperativistas,
demonstrando o interesse neste caminho (Almeida, 2005, pp. 55-56).
Não se pode deixar de sublinhar como, a partir dos anos 1890, os ramos de
atividades vão estar na base da segmentação do setor cooperativo e que, segundo
alguns autores, se assiste, por isso, à rutura com uma ideia agregadora com
dimensões inclusivamente nacionais (Almeida, 2005, pp. 55-56). As suas áreas de
ação, definidas através dos ramos de atividades, fragmentam um conjunto que
se vê, assim, pulverizado enquanto força única. As condições geográficas, quer
enquanto modo de organização quer enquanto modo de operativizar as interven-
ções, contribuirão igualmente para a complexidade e variedade do setor, talvez
mesmo para a sua fragilização.
Ainda no início da década de 1890, o cooperativismo em Portugal já previa
entre as suas diversas finalidades, no caso da Sociedade Cooperativa e Caixa Eco-
nómica do Porto, o empréstimo de dinheiro aos seus associados para a «cons-
trução de casas» (Ferreira, 1979, p. 3). A primeira cooperativa habitacional data
de 1894. A Cooperativa Popular de Construção Predial, sediada em Lisboa, tinha
como objetivo «adquirir terrenos para a construção de alojamentos em Lisboa»,
num contexto das ações populares e sindicais de reivindicação por melhores con-
dições (Matos, 1994, p. 19).
No contexto das publicações ligadas à arquitetura, é possível encontrar a
figura do engenheiro José Manuel Melo de Mattos (1856-1915), um dos diretores
da A Construção Moderna, a publicar, no primeiro decénio de 1900, alguns artigos
onde procura esclarecer as questões de financiamento da habitação económica
ou dedicados a legislações estrangeiras sobre a mesma questão. Mais importante
é ter estado associado à criação da Cooperativa Predial Portuguesa, surgida em
1905, e que quatro anos depois entregaria a chave da primeira casa, cumprindo a
aspiração da Cooperativa de contribuir para a «construção de habitações econó-
micas amortizáveis a longo prazo» (Fernandes, 2002, p. 389).
A 1.a República é caracterizada por uma efetiva vontade política de apoio às
cooperativas, mas com escassa intervenção real. Em 1910, o número de cooperati-
vas, de todos os ramos, não ultrapassava as poucas dezenas. Ver-se-á aumentado,
durante os anos seguintes, de 62 para 336, onde o ramo do consumo é o mais rele-
vante. Pela parte legislativa, a valorização recai sobre as cooperativas agrícolas,
principalmente através das condições de crédito fixadas (Almeida, 2005, p. 56).
As condições deficitárias de habitação continuam reais, alargadas e atingindo de
forma dramática principalmente o operariado que vai chegando às duas maiores

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cidades do País. Nem as respostas cooperativas nem outras se colocam como efe-
tivos caminhos neste início de século.

Da ambiguidade das relações: O Estado Novo e as cooperativas

O golpe militar de 18 de maio de 1926 vai iniciar, em Portugal, quase cinco década
de relações complexas e principalmente ambíguas do cooperativismo com o
poder. A simpatia do regime por uma ideia de país eminentemente ruralista vai
resultar num apoio e fomento das cooperativas agrícolas. Mas esta atenção não se
aplica às cooperativas em geral. As cooperativas de consumo, por exemplo, pelas
suas raízes e condição operária, associadas a uma ficcionada ou efetiva resistência
política no seu interior, vão sofrer do que poderá ser visto como uma estraté-
gia anticooperativista do Estado Novo. Em 1933, a chamada «Lei Garrote» 11 vai
restringir a «isenção da contribuição industrial às cooperativas de consumo que
transacionassem exclusivamente com os seus membros» (Almeida, 2005, p. 57),
num claro ataque às mesmas. A ideia de que eram, de certo modo e potencial-
mente, contrárias ao regime, virá a estagnar o seu desenvolvimento, excetuando,
como já se disse, as que interessavam a uma certa ideia de país.
Em 1945, surge a Lei n.o 2007, de 7 de maio, relativa às «casas de rendas eco-
nómicas», realizadas em «centros urbanos ou industriais», e as cooperativas sur-
gem como uma das instituições habilitadas a construí-las. Porém, as sociedades
cooperativas, tal como as anónimas, que quisessem usufruir dos apoios e isen-
ções previstas no articulado deste documento deveriam «requerer a aprovação
dos seus estatutos ao Ministério das Finanças» (Lei n.o 2007, 1945, pp. 353-357).
Assim, o Estado garante não só o controlo sobre quem faz mas, especialmente,
sobre as posturas estratégicas e ideológicas dessas entidades que, no caso das
cooperativas, poderia ser especialmente relevante. Também é importante neste
documento o destino dos fogos. Estes poderiam ser tanto para venda — com paga-
mento a pronto ou a prestações — como para arrendamento, sendo que do último
não existem referências a dados sobre a sua concretização (Paiva, 1995, p. 31).
Refere Fernando Costa, em 1957, que é o pós-II Guerra Mundial a marcar
o crescimento das cooperativas de habitação. Se existia 1 em 1925, até 1945 pas-
sariam a 2 e só nos 10 anos seguintes subiria para 35 as cooperativas existentes.
Em 1950, seriam já 36 500 as famílias cooperativistas nestas instituições. À altura
do artigo, Costa refere que o número já teria subido para o meio milhar (Costa,
11 Decreto-Lei n.o 22 513, de 12 de maio de 1933. Diá- 1957, p. 3). Em 1967, contavam-se 47 cooperativas no território continental e ilhas:
rio do Governo, 1.a série, n.o 104, de 12 de maio de 1933,
pp. 729 -780. Ministério das Finanças — Direção-Geral Lisboa com 18, Porto com 12, Braga com 2 e com 1 Beja, Viana do Castelo, Vila
das Contribuições e Impostos. Chamada «Lei Garrote»,
Determina que a isenção de contribuição industrial con-
Real, Viseu, Ponta Delgada e Funchal (Ferreira, 1979, p. 3). A caracterização que
cedida às cooperativas de consumo e de produção só faz desta «massa associativa» não é, no entanto, emocionante ou otimista. A classe
é aplicada quando negoceiem exclusivamente com os
seus associados. média, que a constituía maioritariamente, não apresentava formação associativa

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FIG. 1 Fachada da Cooperativa


O Lar Familiar, Porto, 2017 (Mário Bonito,
1950-1955). João M Almeida

relevante e o cooperativismo era somente o meio para conseguir a «libertação do


inquilinato», não reconhecendo nele mais do que o modo efetivo de terem casa
própria (Costa, 1957, p. 3).
Não é só para as cooperativas de habitação que o final da II Guerra Mundial
significa um impulso. Existe uma procura de reorganizar e recriar a perdida uni-
dade, tanto setorial como geográfica, do movimento associativo. Neste sentido,
António Sérgio lança o Boletim Cooperativista, a partir de 1951. Cinco anos depois,
volta a realizar-se um congresso geral. Como afirma António Sérgio no número
de lançamento do Boletim 12, o propósito deveria ser «criar no País uma verdadeira
consciência cooperativista», onde a sua ação na economia visasse, no imediato, a
«produção e distribuição da riqueza» como fim em si mesmo (Sérgio, 1951, p. 1).
O contexto histórico do pós-II Guerra Mundial vai, para Flávio Paiva, definir
o que são as cooperativas antigas e que se encontram principalmente em Lisboa e
no Porto. A sua característica mais visível é terem no seu nascimento uma compo-
nente popular muito forte, tal como as pioneiras. Ainda segundo o mesmo autor,
12 Vai-se publicar de modo quase uniforme e perma-
neste conjunto encontramos, a título de exemplo, O Lar do Vidreiro, a Coope-
nente até 1975, com o número especial que funciona
rativa dos Pedreiros Portugueses, O Lar Ferroviário ou a Cooperativa do Pessoal como manual para a ação das cooperativas (Costa,
1975).
Subalterno dos CTT. Apesar desta sua génese popular, com o tempo acabam por
13 Este autor identifica os seguintes conjuntos de pro-
ver a presença das classes médias urbanas absorvê-las 13. dução cooperativa habitacional, organizados cronolo-
Um destes exemplos, construído entre 1950 e 1955, pelo arquiteto Mário gicamente mas também considerando a sua natureza,
desenvolvimento e condição: 1. Cooperativas antigas de
Bonito (1921-1976), no Porto, para a cooperativa O Lar Familiar, posteriormente habitação; 2. Cooperativas do Serviço de Apoio Ambula-
tório Local (SAAL); 3. Cooperativas de habitação econó-
chamado de Bairro dos Músicos, é um conjunto de 71 habitações unifamiliares mica (CHE), e 4. Cooperativas de habitação e construção
em banda (Filipe, 2009), que ainda hoje se reconhecem como fogos qualificados, (CHC). Utilizaremos estas designações e organização
por nos parecerem adequadas e coerentes com o traba-
com capacidade de adaptação, mas também com a capacidade de existir como lho aqui desenvolvido (Paiva, 1995, p. 55).

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conjunto arquitetónico e urbano para além da passagem do tempo e das inter-


venções. A atitude claramente moderna surge tanto na sua organização interna
pragmática como no caráter que o conjunto escolhe ter, colocando-se enfatica-
mente face à rua, valorizando planos e volumes em si mesmos e despojando-se de
elementos decorativos, para além dos jogos plano-espaciais.
Um outro caso interessante, tanto pela linguagem arquitetónica como por se
destinar excecionalmente ao arrendamento, é apresentado em 1957 e não chegou
a ser construído. Encomendada pela Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL),
é apresentada na Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), em Lisboa, a proposta
dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira (1922-2016) e Bartolomeu da Costa Cabral
(n. 1929) para uma unidade de habitação cooperativa. Na exposição são apresen-
tados modelos, alguns à escala natural, com, entre outras, a zona de costura, a
cozinha e a janela do lado da galeria de acesso e circulação comum (Tostões, 2004,
pp. 160-165). O uso de galerias de acesso, mas também a organização dos fogos

FIG. 2 Unidade de Habitação Cooperativa


(Nuno Teotónio Pereira e Bartolomeu da Costa
Cabral para a Associação dos Inquilinos
Lisbonenses, 1957). Sociedade Nacional de
Belas Artes e Associação Lisbonense de
Inquilinos. O Cooperativismo Habitacional no
Mundo: Programa. Lisboa: [s. n.], 1957

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As cooperativas de habitação portuguesas

— clara e equilibrada —, assim como a escala doméstica despojada, construindo


unidade, afastam-se de muitas das referências de raiz ruralista que podem ser
ainda parte do imaginário da habitação de meados do século XX português. Urba-
namente, os edifícios surgem em volumes baixos que organizam espaços públicos
comuns, com diferentes vias de circulação hierarquizadas, das viárias às pedo-
nais, criando espaços exteriores de ocupação de proximidade. A divulgação desta
proposta de Pereira e Cabral chega também ao Porto, nesse mesmo ano de 1957,
ao ser apresentada na exposição O Cooperativismo Habitacional no Mundo, onde a
presença da maqueta geral, também publicada no catálogo respetivo, resulta da
colaboração da AIL com a Associação de Inquilinos do Norte de Portugal (AINP)
(Seara, 1957).
Mais de uma década depois, Nuno Teotónio Pereira voltará a esta iniciativa
quando, nas páginas do Boletim Cooperativista, refere como tanto as entidades ofi-
ciais como as próprias cooperativas não souberam aproveitar as várias propostas
da AIL, incluindo as ideias para o inquilinato associativo, e diagnosticando para o
cooperativismo habitacional um caminho com «nada de estimulante ou […] ani-
mador», prevendo o mesmo autor que, com a perpetuação dos condicionalismos,
se manteria o nível de nulidade das respostas (Pereira, 1968, p. 2).
Segundo Ferreira, entre 1953 e 1964, teriam sido construídos 3387 fogos pelo
setor cooperativo, o que corresponderia a quase 17 % da promoção de habitação
pública e semipública. As cooperativas Problema da Habitação, no Porto, a Socie-
dade de Fomento Imobiliário, em Lisboa, e O Lar, de Coimbra, ainda que com
valores muito diferentes, eram as principais responsáveis por estes números 14.
No total seriam, em 1974, cerca de seis dezenas registadas, ainda que só metade se
encontrasse ativa (Paiva, 1995, p. 55). No contexto das avaliações dos impactos, é
importante sublinhar que, muitas vezes, as respostas ao problema da habitação
são múltiplas para um mesmo território ou bairro, sendo possível encontrar res-
postas que se podem enquadrar em diversas estratégias administrativas e legisla-
tivas. Como exemplo disso temos o caso do Bairro de Alvalade, realizado debaixo
do Programa das Casas de Renda Económica, mas que também recebe respostas
das cooperativas de habitação, ou das Casas de Renda Limitada e de Renda Livre
(Serpa, 2015, p. 129). Também os posteriores casos dos Olivais ou de Chelas têm
esta multiplicidade, aqui reforçada pelos tempos longos de desenvolvimento des-
tes planos que vão receber respostas diversificadas.
Ainda que, durante os longos anos da ditadura, as cooperativas de habitação
não desapareçam e até consigam apresentar valores de crescimento, vivem situa-
ções complexas que se organizam, por um lado, entre as críticas que são feitas e
generalizadas às mesmas cooperativas e, por outro lado, a matriz de dificuldades
e necessidades pelas quais passam para se conseguirem impor como resposta.
Relativamente à primeira questão, surgem textos que apontam para uma ideia 14 Valores discriminados: Problema da Habitação,
Porto: 2807; Sociedade Fomento Imobiliário de Lisboa:
instalada de que seriam, as cooperativas, modos de os seus cooperantes, ou de 235, e O Lar, Coimbra: 345 fogos (Ferreira, 1979, p. 4).

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As cooperativas de habitação portuguesas

> pelo menos alguns deles, ganharem dinheiro com o processo. Respondendo
FIG. 3 Vista geral do edifício da
Sociedade Cooperativa O Lar Familiar, Olivais,
a essa crítica, Amaral afirma sobre a sua própria cooperativa que esta «compra
1968 (Nuno Teotónio Pereira e António Pinto terrenos para os seus planos ou para os seus associados, projecta as habitações,
de Freitas, 1967). CML/AML
constrói-as e transmite-as aos beneficiários, exactamente pelo preço do custo»
(Amaral, 1971, pp. 22-25). Ressalva também que não se encontram na esfera da
responsabilidade das cooperativas os lucros que resultam de eventuais vendas
posteriores por parte dos cooperantes.
As questões que dificultam a plena ação das cooperativas de habitação sur-
gem de diversos modos e reiteradamente referidas. O problema das estruturas
organizativas das próprias cooperativas assim como a falta de formação e prepa-
ração dos membros dos órgãos sociais são questões levantadas. Mas outras mais
genéricas relativas aos problemas financeiros são também referidas, concretiza-
das muitas vezes de modo grave na falta de terrenos interessantes e economi-
camente acessíveis para as realizações cooperativistas (Amaral, 1971, p. 19). Este
conjunto de preocupações é constante ao longo de toda a história das cooperati-
vas portuguesas.
Existe uma outra discussão que é igualmente persistente, a da necessidade
de uma efetiva e ampla política da habitação nacional. Na década de 1960, quem
se dedica ao estudo e trabalho na área da habitação sublinha mais uma vez esta
necessidade. No contexto de um estudo apresentado ao II Colóquio Nacional
do Trabalho, da Organização Cooperativa e da Previdência Social, profissionais
da Federação de Caixas de Previdência — Habitações Económicas (FCP-HE), que
trabalham e conhecem no terreno, pedem a «existência de uma política nacio-
nal de habitação que inclua incentivos ao arrendamento e uma política de ter-
renos» (Pedrosa, 2010, p. 227). Também o investigador Raul da Silva Pereira, em
1963, depois de analisar de modo alargado o problema da habitação em Portugal,
propõe igualmente um extenso mapa de respostas do que poderiam ser as ações
estruturantes. Este autor inclui a esfera das respostas económicas, mas sempre
considerando o nível global do problema e das soluções necessárias, reforçando
que a «resolução do problema do alojamento depende, antes de mais, da estrutu-
ração de uma política à escala nacional» (cit. por Pedrosa, 2010, p. 228).
Analisaremos em seguida, ainda neste contexto das cooperativas antigas de
habitação, algumas pistas que advêm das estratégias e espírito do cooperativismo
habitacional e que emanam de estatutos, regulamentos e outros textos. Assim,
serão abordados os objetivos das cooperativas, as questões do inquilinato coope-
rativo, o papel dos técnicos e o desenvolvimento das suas atividades dentro dos
processos e, finalmente, a tomada de posse simbólica e operacional do tema da
casa de família pelos homens enquanto chefes de família.
A existência e a formação das cooperativas de habitação estão obviamente
associadas ao problema de falta de casa ou desejo de casa mais adequada para as
necessidades familiares específicas. Assim, os terrenos e a sua aquisição, por um

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As cooperativas de habitação portuguesas

lado, e a construção dos fogos, por outro lado, são objetivos reiterados. As varia-
ções são remetidas para os tipos de fogos e a autonomia dos associados. Se, em
algumas situações, as casas são somente referidas como sendo «de preferência
económicas» (Sociedade Cooperativa «A Nossa Casa», 1950, p. 1), noutros casos
encontramos para lá da referência às «casas de tipo económico» — com identifi-
cação dos custos de construção e terreno — a possibilidade de se realizarem igual-
mente «casas de tipo médio» 15. Em algumas situações pontuais chegam ainda
mais longe, como por exemplo no caso da Cooperativa Construtora de Habita-
ções GAM, prevendo uma maior diversidade das famílias e dos próprios fogos,
propondo até seis classes, organizadas pelo custo respetivo 16.
As possibilidades, pelos textos estatutários, para os processos de concretiza-
ção da construção dos fogos apresentam variações. Ainda que o mais comum dos
processos inclua a aquisição do terrenos, construção e ocupação definidos e geri-
dos totalmente pela cooperativa, portanto, pelos seus cooperantes, outras possi-
bilidades surgem estabelecidas, como a de os mesmos indicarem terrenos e até
tratarem das obras, relacionando-se diretamente com os empreiteiros 17. Noutro
caso, outra vez com a GAM (1955, p. 41), a própria cooperativa pode também sur-
gir como prestadora de serviços de projeto, não especificando como e através de
quem. Outra situação interessante de apontar é a possibilidade de aquisição para
utilização por parte dos sócios, retirando do processo a aquisição do terreno e a
construção e substituindo-as pela casa construída (Soc. Coop. Tenho Uma Casa,
1951, p. 5). Mesmo se nem sempre relevantes, estas indicações encontradas em
alguns textos apontam obviamente para soluções que seriam, no mínimo, mistas
e que se afastam do espírito cooperativista estrito defendido por muitos. Alerta,
no fundo, para uma atitude face ao cooperativismo menos militante do que o que
se encontrava noutros setores.
Ainda que não exista, como já se referiu, nota de concretização de inquili-
nato cooperativo, na prática existe uma condição de possibilidade que é apon-
tada e particularizada pela parte de algumas cooperativas antigas. Ou seja, não
acontecer não é resultado das impossibilidades regulamentares ou do espírito do
cooperativismo habitacional português. Algumas preveem a possibilidade de um
mesmo edifício conter fogos «destinados às duas modalidades», arrendamento e
15 Por exemplo, a Sociedade Cooperativa Tenho Uma compra, e explicam igualmente que, no primeiro caso, a responsabilidade pelas
Casa (1951, p. 5), onde é discriminado do seguinte
modo: «casas de tipo económico, destinadas a habita- despesas de conservação serão, para o exterior, da cooperativa, e para os interio-
ção, considerando-se como tais as que não tenham um res, dos sócios que usufruem dos fogos (Coop. A Casa é Minha, 1957, pp. 59 e 73).
valor real superior a cem mil escudos» e «casas de tipo
médio, destinadas a habitação, de valor até duzentos e De certo modo, também é num regime similar ao do arrendamento o processo
cinquenta mil escudos».
que leva, via usufruto, à ocupação do fogo até que se complete a amortização do
16 Classes propostas: A (até 50 contos); B (50/100 con-
tos); C (100/150 contos); D (150/200 contos); empréstimo à cooperativa (Sociedade Cooperativa «A Nossa Casa», 1950, p. 25).
E (200/250 contos), e F (250/300 contos) (Cooperativa Mas a importância da aquisição da propriedade é uma característica fundamental
Construtora de Habitações GAM, 1955, p. 34).
do cooperativismo habitacional português, nos textos orientadores, mas princi-
17 Como é referido, por exemplo, no regulamento da
Sociedade Cooperativa «A Nossa Casa» (1950, p. 2). palmente no terreno.

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As cooperativas de habitação portuguesas

Ainda que já se tenha referido anteriormente um caso em que a própria


cooperativa se apresentava como possível prestadora do serviço de projeto, são
diversas as que estabelecem claramente as competências dos técnicos e as suas
obrigatoriedades. Surgem assim claras referências à responsabilidade de fisca-
lização das obras corresponder aos engenheiros, agentes técnicos, arquitetos ou
diplomados equivalentes, mas também de considerar-se fundamental a neces-
sidade de adequada regulamentação para as empreitadas e para a relação com
os empreiteiros (Sociedade Cooperativa «A Nossa Casa», 1950, pp. 25-27). Esta
é ampliada, noutras situações que ultrapassam a fiscalização, com a indicação
clara de que só «poderão prestar serviços à Cooperativa os técnicos (engenheiros,
arquitectos, agentes técnicos, construtores, etc.) e empreiteiros» (Coop. A Casa
é Minha, 1957, p. 62). Relativamente aos projetistas, surgem enquanto responsá-
veis, para além do projeto, do caderno de encargos e do «orçamento-estimativa»
(Sociedade Cooperativa «A Nossa Casa», 1950, p. 27). É interessante verificar esta
consciência das adequabilidades técnicas às funções no processo de projeto/obra,
não menosprezando a importância dessas mesmas no cumprimento efetivo do
processo. Num país onde os papéis dos atores envolvidos na indústria do projeto
e da construção nem sempre foram claros ou efetivos, esta preocupação valoriza
a maturidade destes regulamentos e das próprias cooperativas.
Ainda neste contexto de breves reflexões resultantes de textos organizado-
res ou fundacionais das cooperativas, também nos interessa perceber os papéis
dos elementos dos agregados familiares envolvidos, intuindo que reforça o que
se encontra socialmente estabelecido como normatividade. As cooperativas de
habitação apresentam-se como espaço de ação dos homens, numa clara conso-
nância com a cultura patriarcal vigente e que o Estado Novo assumia através da
figura do chefe de família 18. Neste contexto, sublinharemos dois pontos que nos
parecem interessantes e que surgem nos documentos das cooperativas. O pri-
meiro diz respeito a quem constitui as cooperativas. Pelas referências encontra-
das, a presença de homens — tanto enquanto sócios fundadores como parte dos
órgãos sociais ou como cooperantes comuns — é fortemente maioritária 19.
O segundo diz respeito ao que era pedagogicamente apresentado como a
relação adequada, face ao processo com a cooperativa e a construção da casa de
18 «Poder marital» que definia que: «O marido é o
família. Em certo texto de aspiração pedagógica, descreve-se o percurso de um
chefe de família, competindo-lhe nessa qualidade
hipotético Sr. Silva, no sentido de ver cumprido o seu «direito de construção». representá-la e decidir em todos os actos da vida con-
jugal comum, sem prejuízo do disposto nos artigos
Assim, e ainda que sejamos avisados que, em casa do dito senhor, «a esposa cos- subsequentes.» Artigo 1674.o do Decreto-Lei n.o 47 344,
tuma ser sempre ouvida antes de tomada uma resolução sobre qualquer assunto Diário do Governo, 1.a série, n.o 274, de 25 de novembro
de 1966, p. 2030.
sério», percebemos que a Sr.a Silva, afinal, só foi «ver as casas já prontas». Feliz-
19 Este assunto merece maior aprofundamento, mas,
mente, para o narrador e para o esposo, que a exclamação da senhora foi entu- a título de exemplo, a Cooperativa Construtora de
Habitações, tem como sócios fundadores só homens,
siasta: «Gosto imenso! São tão jeitosas!» (Campos, 1960, pp. 20-21). Ainda que de Lisboa, Porto, Évora e Braga, inscritos no Grémio
tendo um caráter quase anedótico, o sentido paternalista do regime e da socie- dos Armazenistas de Mercearia, que contava com sede
em Lisboa e uma delegação no Porto. Cf. Cooperativa
dade portuguesa da época surgem consideravelmente bem plasmados neste Construtora de Habitações GAM, 1955.

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As cooperativas de habitação portuguesas

manual de instruções de como um sócio percorre o regulamento cooperativo até


ao momento de receber a sua casa, fixando, de modo claro, os papéis no interior
da família e da sociedade.
No que à produção de pensamento e divulgação diz respeito, ou seja, a pre-
sença das mulheres na elite da esfera cooperativista, também esta é residual e
secundarizada. Logo no primeiro número do Boletim Cooperativista surge um
pequeno texto de Maria Lúcia Nobre (1951, pp. 1 e 4), da Confederação de Coo-
perativas da UNICOOP, sobre «Produção, distribuição, consumo». Será a mesma
autora que, anos mais tarde, trará o assunto específico das mulheres e do coope-
FIG. 4 «A mulher opõe-se aos intermediários
mas só o cooperativismo lhe dará a rativismo para as páginas do mesmo Boletim. Em 1956, escreve sobre as comissões
força que precisa para resistir.» Boletim
Cooperativista, n.o 36, setembro de 1956, p. 4
femininas existentes em algumas cooperativas e encerra o artigo chamando à
ação as «mulheres interessadas por uma organização económica menos opres-
siva, mais equitativa» (Nobre, 1956a, p. 3). Continua no número seguinte apresen-
tando algumas notas sobre a relação histórica das mulheres com o cooperativismo
internacional e encerra-o com o apelo à «importância da sua acção educativa», já
que será nas mãos destas que se encontra o «inculcar princípios», entre eles o
da «mentalidade cooperativa na infância e na adolescência» (Nobre, 1956b, p. 1).
No terceiro artigo deste conjunto, Nobre apresenta alguns exemplos lisboetas de
comissões femininas, apelando às mulheres que sejam mais do que comprado-
ras. Fecha com mais uma chamada à ação, desta vez transclassista: «Precisamos da
comparticipação das mulheres de todos os meios sociais: operárias, domésticas,
profissões liberais.» (Nobre, 1956c, p. 1.) Para lá da continuação desta linha de tex-
tos (Nobre, 1956d, p. 2), também a própria autora se transforma numa palestrante
sobre o tema, levando-o às cooperativas, com significativa assistência feminina
(Nobre, 1956d, p. 2). Este tema, com variações políticas e feministas discretas, vai
estando presente na publicação coordenada por António Sérgio de modo regular,
dando notícia das ações das comissões femininas existentes.
Surge, a partir de 1958, a secção «Página das cooperadoras» (1958, p. 7), que
se prolongará quase em contínuo até 1964, com temas, estratégias e comprome-
timentos diversos, mas que chega a ter inclusivamente apontamentos igualitá-
rios e feministas, dedicando-se a traduzir, noticiar e incitar as mulheres dentro
do movimento, e contando com um número crescente de colaborações. Depois
de uma pausa, a continuidade deste espaço recua na sua vertente progressista
e a nova «Página da dona de casa» (1967, p. 8) prolonga-se por um par de meses,
voltando em abril do mesmo ano à «Página das cooperadoras» (1967, p. 7), que
desaparecerá no início de 1971. De qualquer modo, os temas de inspiração tanto
feminina como feminista tinham ganho lastro e vão pontuando a publicação.
Mais do que dissecar esta questão das mulheres e do cooperativismo português
antes de 1974 — tema muitíssimo interessante e com apontamentos ideológicos
e políticos destoantes do que era aceitável afirmar noutros órgãos de comuni-
cação — interessa sublinhar a sua participação efetiva e com um caminho, ainda

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As cooperativas de habitação portuguesas

assim, de difícil colocação na linha da frente do movimento. Condição, de certo


modo, em sintonia com o próprio País.
Em 1952, Manuel Guimarães, presidente da direção da Sociedade Coope-
rativa Tenho Uma Casa, apresenta uma interessante comunicação ao XXI Con-
gresso Internacional de Habitação e Urbanismo. Parece-nos relevante fechar esta
introdução às cooperativas de habitação anteriores a 1974 com este texto, pela sua
clareza analítica relativamente ao contexto nacional e cooperativo. Refere o autor
que «milhares e milhares de indivíduos [das classes menos favorecidas] contri-
buem mensalmente com parte das suas economias para obtenção de habitação,
mas que o ritmo de construção, ou seja, a efectiva resposta, seria muito baixa»
(Guimarães, 1952, p. 3). Como noutros casos, procura identificar as questões que
dificultam a força do «movimento cooperativo de construção de casas» e chama-
-lhes «vícios». Guimarães aponta os três vícios do movimento: a dispersão, a falta
de recursos e o que chama de «certa desconfiança do público» (Guimarães, 1952,
p. 3). Contra esta fragilização contrapõe três «remédios», que passam pela coor-
denação dentro do cooperativismo, o «auxílio» através de empréstimos a baixo
ou nenhum juro e, finalmente, a fiscalização. Mas, reforça igualmente, que só o
Estado poderia ter este papel, de modo eficiente (Guimarães, 1952, pp. 6-7). Mais
uma vez as respostas defendidas são na escala do território nacional.
Insistindo num sentido paternalista e moralizante, Guimarães aborda a
questão da classe média, a maior do País, e a existente necessidade de que esta se
foque no «maior desenvolvimento da virtude do aforro», através de uma «vida
equilibrada economicamente», no sentido de conseguir um «relativo progresso».
É interessante o sentido quase messiânico que a poupança específica para habita-
ção, através das cooperativas, parecia indiciar para alguns autores. Como afirma
Guimarães, imaginando uma «avalanche de indivíduos a economizar» para con-
seguir casa própria, através da cooperativa, e tendo como resultado a «construção
de tantas e tantas casas». Este «habitar da sua casa» traria como reflexo imediato
a «alegria de viver da população beneficiada» (Guimarães, 1952, p. 8), mais uma
vez, a casa digna e própria, neste caso, surge como resgate para que a indivíduos e
a famílias seja permitida uma vida feliz.
Às cooperativas de habitação, como resposta política «eminentemente
social» e ultrapassando os «limites do interesse privado» (Amaral, 1971, p. 17), são
colocadas questões que configuram a sua estrutura, estratégias e beneficiários.
Se, por comparação com as restantes, eram vistas como quase «estabelecimen-
tos de crédito imobiliário, resumindo a actividade a empréstimo para a constru-
ção de moradias», e é-lhes identificada a sua limitação cooperativista, fica claro
igualmente que apresentando valores de cotização elevados só «uma pequena
percentagem pode[ria] beneficiar» (Júnior, 1960, p. 8). O que aponta igualmente
a parcial deslocação destas cooperativas para as classes médias e médias-altas,
afastando-as da «grande massa que tem necessidade de uma casa para viver e

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As cooperativas de habitação portuguesas

não de uma vivenda para passar férias e o fim de semana», para o qual os custos
elevados dos terrenos contribuía de modo efetivo (Júnior, 1960, p. 8). Em 1960,
Fernando Júnior não hesita em defender o caminho, por um lado, de abandonar
o «sonho da moradia» — que só chega a alguns — e «entrar nos grandes blocos
de habitação», mas também, por outro lado, garantir que a cooperativa passa a
estar efetivamente presente em todo o processo: aquisição do terreno, aquisição
de materiais e construção, mas também de gestão do imóvel na sua vida de pós-
-ocupação (Júnior, 1960, p. 8).
No fecho da década de 1960 e entrada na seguinte, Portugal continuava com
problemas muito graves face à situação de falta de habitação minimamente qua-
lificada para uma parte substancial da sua população. As questões teóricas, de
estudo e investigação sobre o tema, por parte dos arquitetos e de algumas ins-
tituições, encontravam-se em crescendo efetivo, o que implicava visibilidade e
o consequente olhar dos técnicos e de investigadores ao problema de um modo
genérico (cf. Pedrosa, 2010). Mas, no entanto, o Estado Novo cai sem que as estraté-
gias face à habitação cumpram os seus objetivos, menos ainda que as cooperativas
sejam parte significativa dessa resposta. Em democracia, o problema continuará
grave e novas e velhas soluções definirão a nova fase do País.

As cooperativas e a Revolução

A 2 de abril de 1976, é aprovada a Constituição da República Portuguesa. Por um


lado, o direito à criação de cooperativas surge consagrado no seu artigo 61.o, a
par do dever do Estado de «estimular e apoiar as iniciativas nesse sentido», mas
também, por outro lado, através do seu artigo 65.o — no contexto da habitação
enquanto direito social —, surge o incentivo e o apoio às cooperativas e à auto-
construção, lado a lado com o ordenamento do território e os planos de urba-
nização. Mais uma vez, o estímulo à «construção privada, com subordinação aos
interesses gerais», é igualmente apresentado como modo de o Estado assegurar
o fundamental direito à habitação (Constituição da República Portuguesa, 1976).
Em 1974, ano da Revolução de 25 de Abril, o número de fogos em falta no País
ultrapassava os 500 000, ou seja, uma em cada quatro das famílias portuguesas
não tinha uma casa digna para viver. Refere ainda Ferreira que, segundo o censo
de 1970, Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Guarda seriam os distritos com as carên-
cias habitacionais mais acentuadas. Lisboa destaca-se com mais de 200 000 fogos
identificados em falta, ultrapassando em dobro o Porto, em segundo, com 90 000 20.
O processo SAAL foi o acontecimento mais visível, ideologicamente, mas
20 Valores dos cinco distritos mais deficitários, em
também enquanto construtor de imaginário no contexto revolucionário da
1970: Lisboa — mais de 200 000, Porto — 90 000, arquitetura portuguesa do pós-25 de Abril. Desde o Programa do I Governo Pro-
Setúbal — 70 000, Braga — 30 000, e Guarda — 13 000
(Ferreira, 1979, p. 1). visório (1974) que a importante preocupação com a habitação, ou a sua falta, se

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As cooperativas de habitação portuguesas

encontrava plasmada, através da defesa de uma «política de solos adequada» para


garantir que, mesmo os que menos capacidade económica tivessem pudessem
ter acesso a habitação condigna (Pereira, 2014, p. 18). A publicação, em agosto
seguinte, do despacho que institui a formação do SAAL é o coração do caminho
decidido politicamente. Com este documento legal estabelecem-se as estraté-
gias que procuram resolver as sistemáticas críticas, por um lado, à construção
de habitação e resposta efetiva às deficiências habitacionais e, por outro lado,
aos próprios contextos e processos cooperativos. Aos municípios era entregue a
responsabilidade de ceder terrenos e garantir a infraestruturação, às coopera-
tivas era colocado o papel de motor dos processos — síntese e prática do poder
popular — e ao poder central era destinada a capacidade de financiar e de garantir
apoio técnico efetivo (Despacho de 6 de agosto de 1974, pp. 873-874). A promoção
estatal apontava, assim, para caminhos que se desejavam contribuir para consoli-
dar os vínculos dos futuros habitantes com os projetos e a construção dos mesmos
(Bandeirinha, 2011, p. 121).
Ainda que as respostas surgidas do interior da ação do SAAL não sejam a
nossa preocupação, os processos que este momento permite instalar são rele-
vantes e fundamentais para a história das cooperativas de habitação em Portu-
gal. Este impulso alimentará o cooperativismo habitacional mais além do seu
fim enquanto processo, em 1976. Como refere Brigitte David, em 1978, não sendo
obviamente a solução para todos os problemas nacionais, o processo do SAAL
permitiu que parte da população conseguisse passar de consumidor dos fogos e
da arquitetura doméstica a parte relevante dos processos (David, 1978, p. 61). Esta
aprendizagem de cidadania agida, com o objetivo de concretizar o direito à habi-
tação efetiva e adequada, parece-nos efetivamente um dos fatores mais impor-
tantes para a relevância destes dois anos de ação no contexto do despacho de 1974.
O desenvolvimento dos trabalhos, como se percebe pelo caderno reivindica-
tivo de março de 1975, foi muito difícil, sendo mesmo referida a «total paralisa-
ção do processo SAAL», que resultava num caminho em que este ia «esbarrando
contra toda uma série de resistências, oposições e impossibilidades burocráticas
e legalistas que impediram a sua concretização». No entanto, assistiu-se a uma
efetiva consolidação organizativa popular, com uma proliferação de comissões
de moradores — que, muitas vezes, se transformavam depois em associações —,
assistindo-se igualmente à criação de organismos de coordenação das mesmas
(Pereira, 2014, pp. 21 e 23).
Em dezembro de 1974, no contexto da «resolução do problema habitacio-
nal», é publicado o Regime Jurídico da Cooperação Habitacional. No seu prólogo,
é referido como o «cooperativismo habitacional, convenientemente estruturado
e com o apoio do Estado», poderia ser um contributo fundamental. Situação esta
que, para o legislador, já se teria concretizado noutros países e se pensa poder ser
concretizado igualmente em Portugal. Este documento procura controlar o uso

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As cooperativas de habitação portuguesas

do contexto cooperativo para a especulação e volta a estar considerado por lei o


«inquilinato cooperador» (Decreto-Lei n.o 730/74, pp. 1594-1597).
Complementarmente à importância do cooperativismo no contexto do Pro-
grama do I Governo Provisório enquanto «forma privilegiada de organização da
iniciativa e gestão de recursos pelos próprios moradores», os textos legais subli-
nham, como o Regime das Cooperativas de Habitação Económica, a importância
do cooperativismo habitacional enquanto modo de expandir significativamente,
esperava-se, as necessárias respostas em complemento com a ação das autarquias
e do Estado 21. A construção deste corpo específico de legislação para as cooperati-
vas de habitação — para além do despacho da Secretaria de Estado da Habitação já
referido — é fundamental para o desenvolvimento real desta resposta.
Com o corpo legislativo pós-Revolução entra-se na 3.a fase do cooperativismo
habitacional português, que, segundo Paiva, vai ser marcada pelas cooperativas
de habitação económica (CHE) e inclui as que são fundadas a partir de 1974. Ainda
que o limite deste período seja assinalado em 1986, ano da entrada de Portugal
na Comunidade Económica Europeia (CEE) e que marca um arrefecimento do
desenvolvimento dos processos cooperativos, algumas instituições criadas pos-
teriormente, por causa do perfil dos seus cooperadores e as suas próprias carac-
terísticas, são consideradas, para este autor, ainda como parte deste conjunto e
fase (Paiva, 1995, p. 58). Ao contrário, reforça-se que as que se desenvolvem no
contexto SAAL não são aqui enquadradas.
Em agosto de 1976 é criada, por parte do governo, uma comissão com o
objetivo de estudar as formas eficazes e adequadas de garantir o cumprimento
dos artigos 61.o e 85.o da CRP, alusivo ao apoio do Estado ao setor cooperativo.
Do trabalho desta comissão surge a criação do Instituto António Sérgio do Sec-
tor Cooperativo (INSCOOP) mas assistir-se-á a quatro anos de inércia legislativa
(Almeida, 2005, p. 58). A meio da década de 1970, o cooperativismo português
encontra-se num processo de efetivo crescimento, com uma hegemonia nos
setores agrícola, industrial e de produção (Almeida, 2005, p. 57). O Decreto-Lei
n.o 349/75 vai reforçar a força das políticas cooperativas num quadro ideológico
claro ao criar a comissão de apoio às mesmas, por se considerar «indispensável
diagnosticar a real situação do sector cooperativo», mas também «apoiar a sua
evolução, procurando caracterizar o papel das cooperativas ou organizações de
21 Decreto-Lei n.o 737-A/74, de 23 de dezembro. Diá-
cooperativas na construção do socialismo em Portugal» (Decreto-Lei n.o 349/75,
rio do Governo, 1.a série, n.o 298 (suplemento), de 23 de
dezembro de 1974, pp. 1614-(2) e 1614-(3). Ministério pp. 931-932).
do Equipamento Social e do Ambiente — Secretaria
de Estado da Habitação e Urbanismo. Prevê diversas A lentidão do arranque, nos dois anos pós-Revolução, compreende-se par-
modalidades de auxílio às cooperativas de habitação cialmente em resultado dos processos de legalização das cooperativas, mas tam-
de interesse social, que passarão a usar a designação
«cooperativas de habitação económica». Apoiado pelo bém nas escolhas e negociações de aquisição de terrenos, e demais procedimentos
Decreto-Lei n.o 265/76, de 10 de abril. Diário da Repú-
blica, 1.a série, n.o 86, de 10 de abril de 1976. Ministério
de projeto e construção. Mas este início lento fará com que, a partir de 1977, se
da Habitação, Urbanismo e Construção — Gabinete do assista a um desenvolvimento efetivo das cooperativas de habitação (Ferreira,
Ministro, que visa simplificar as formalidades necessá-
rias à constituição de cooperativas de habitação. 1979, p. 16). Em 1975, existiam 10 000 cooperativistas e 23 CHE e um ano depois

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As cooperativas de habitação portuguesas

já chegavam aos 28 000 cooperativistas e 94 cooperativas. Em 1978, o número


de cooperativas tinha duplicado o valor de 1976 e os seus inscritos chegavam aos
46 500 (Ferreira, 1979, p. 6). Neste contexto, que se inicia cronologicamente a par-
tir de meados da década de 1970, interessa-nos referir dois conjuntos de respostas
que, de modo distinto, investigam e propõem de modo privilegiado o que poderá
ser a habitação em contexto cooperativo. Por um lado, as respostas, coordenadas
por Duarte Cabral de Mello no contexto do Grupo de Apoio às Cooperativas de
Habitação (GACH), nos distritos de Lisboa e Setúbal, por outro lado, o conjunto
alargado de respostas que surgem em Matosinhos, no distrito do Porto.
A suposta «crescente importância atribuída à problemática habitacional»
portuguesa leva a que, ainda em 1969, fosse criado pelo Estado Novo o Fundo de
Fomento da Habitação (FFH) 22. Será este que, continuando a sua atividade pós-
-1974, irá apoiar a criação e o desenvolvimento das CHE, através do apoio especí-
fico que realiza às cooperativas de habitação e até à sua extinção, já na década de
1980 (Paiva, 1995, p. 58).
No contexto do programa de cooperação luso-sueco para o setor da habita-
ção, é criado o Grupo de Apoio às Cooperativas de Habitação pela mão do Secre-
tário de Estado da Habitação e Urbanismo (Mello, 1979, p. 28). A relação com o
cooperativismo sueco já vinha de trás. Em 1965, segundo notícia do Boletim Coope-
rativista, uma «missão de conselheiros suecos» visitara Portugal, colaborando com
as cooperativas de consumo (Fraternal, 1965, p. 1). No caso da habitação, já em
democracia, esta relação vai chegar a produzir resultados efetivos e palpáveis.
Segundo o arquiteto Duarte Cabral de Mello (1941-2013), partindo da coope-
ração sueca e através dos projetos-piloto desenvolvidos a partir de 1976, o objetivo
era conseguir estabelecer as bases que permitiriam a construção de «movimento
autónomo das cooperativas de habitação à escala nacional» (Mello, 1979, p. 22) 23.
Estes mesmos projetos-piloto em que participa foram trabalhados, segundo
afirma, considerando que o ato de projetar era um «percurso de aprendizagem»,
extensível também à «análise da fruição feita pelos utentes» (Mello, 1979, p. 18).
Para além da apresentação das estratégias urbanas e de arquitetura a que já vol-
taremos, são feitas reflexões que se colocam de modo crítico face ao processo,
ou melhor, aos processos complexos que a realização destes conjuntos significa.
Assim, aquilo a que chama de «mobilidade do poder político», que vai «pensando
de modo diferente o papel daquelas cooperativas» na sociedade portuguesa, em 22 Decreto-Lei n.o 49 033, 28 de maio de 1969. Diá-
rio do Governo, 1.a série, n.o 126, de 28 de maio de
resultado das mudanças dos executivos, e as exigências de alterações e adapta- 1969, pp. 581-586. Criação do Fundo de Fomento da
ções sistemáticas a que os projetos ficam sujeitos, alia-se à falta de preparação Habitação — Ministério das Obras Públicas. Extingue
igualmente o Serviço de Construção de Casas Econó-
do FFH e das câmaras municipais para a «avalanche de solicitações» que surgem micas — Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais.
nestes anos, criando um contexto de adversidade efetiva para estes processos
23 Duarte Cabral de Mello é parte de uma equipa
(Mello, 1979, p. 19). alargada que inclui igualmente Eugénio Castro Caldas,
Quando em 1979 são apresentados, na revista Arquitectura, cinco projetos de Manuel Marçal Correia, Maria Manuel Godinho de
Almeida, Miguel Chalbert Santos e Vicente Bravo
habitação cooperativa desenvolvidos pela equipa de Duarte Cabral de Mello, o Ferreira (Mello et al., 1979, p. 22).

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As cooperativas de habitação portuguesas

primeiro deles, para a Cooperativa de Habitação Económica de Alverca (CHASA),


em Alverca do Ribatejo, desenvolvido a partir de 1976, encontra-se em fase adian-
tada de construção (Mello, 1979, p. 20). As outras propostas também apresentadas
são para a Cooperativa SOCASA, na Azambuja, e para a Cooperativa Habitacional
União dos Trabalhadores (CHUT), três propostas — Vila Nova da Caparica, Santo
António da Caparica e Feijó. A sua divulgação conjunta é coerente com a própria
família de reflexões e proposta que representam.
Em Alverca do Ribatejo, para a CHASA, encontramos uma solução de implan-
tação que resulta, segundo os autores, das condições do terreno, das suas confron-
tações, do programa que a Cooperativa apresenta, mas também da «proposta de
um determinado espaço habitacional» (Mello et al., 1979, p. 22). Umas das carac-
terísticas mais relevantes que o conjunto apresenta é a atenção e a preocupação
com as diferentes escalas, do espaço doméstico às zonas de transição, passando
pelos percursos pedonais e zonas de estar ou pelos atravessamentos rodoviários.
A intenção de construção de um território diverso, como resultado de condicio-
nantes e das tipologias, mas também modelando de modo diversificado o con-
texto urbano proposto, através da multitude de escalas e de configurações das
zonas públicas e de transição, encontra-se plasmada no conjunto construído.
Os atravessamentos da zona de habitações unifamiliares em banda — perpendi-
culares às vias rodoviárias do conjunto, com o jogo de cotas altimétricas, com as
bolsas de estada nelas existentes e com as marcações de entrada que as ligações
entre bandas no piso superior fomentam — são disso um ótimo exemplo. Podem,
inclusivamente, ser lidos como quase plasmação do que são as galerias de acesso
para as soluções dos edifícios de habitação multifamiliar, em altura.
No caso da solução para a Azambuja, também no distrito de Lisboa, o terreno
e o programa levam a uma solução de moradias de encosta junto com edifícios

FIG. 5 Interior dos quarteirões da CHASA,


Alverca do Ribatejo, 2017 (Duarte Cabral de
Mello e equipa, 1978 -1991). João M Almeida

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As cooperativas de habitação portuguesas

multifamiliares semelhantes em estratégia aos de Alverca (Mello et al., 1979, p. 20).


Se elementos icónicos, como o volume cilíndrico metálico das caixas de correio,
se encontram presentes em ambos, assumindo esta genealogia de pensar e fazer
as soluções, os espaços de proximidade entre bandas, mesmo se formalmente
tratados com diferentes especificidades, assinalam igualmente esta família.
No caso da solução apresentada para Vila Nova da Caparica, para a CHUT, no
distrito de Setúbal, construída entre os últimos anos de 1970 e os inícios da década
seguinte, as experiências anteriores são transformadas num contexto onde as con-
dicionantes mudam. Contra as diferenças assinaláveis de variação de cotas alti-
métricas dos exemplos anteriores, neste caso a implantação perde agressividade.
A primeira fase, com o maior número de fogos e num terreno plano, recebe ban-
das de casas unifamiliares e blocos que se organizam em quarteirões. Estes criam
amplos interiores atravessáveis, para onde as galerias de circulação se viram. Mas
também surge, no caso das habitações unifamiliares em banda na zona poente, da
última fase do conjunto, uma resposta que tanto na linguagem arquitetónica como
nas opções urbanas se diferencia do restante conjunto. Com uma implantação em
terreno mais acidentado, responde com a construção de uma frente de rua na cota
inferior e junta as traseiras a meia encosta. Arquitetonicamente, as habitações uni-
familiares, com uma linguagem loosiana, adequam-se a um desenho urbano mais
orgânico, em contraste com a rigorosa ortogonalidade da primeira fase.
Nesta identificação de genealogias de reflexão e propostas, interessa-nos
igualmente referir a obra que a equipa de Vítor Figueiredo faz para a Cooperativa
de Habitação Económica de Setúbal, realizada nos limites desta cidade no final da
década de 1970 e até 1981. No Bairro da Azeda, a definição dos grandes quarteirões FIG. 6 Acessos às habitações unifamiliares
da CHASA, Alverca do Ribatejo, 2017
é feita através dos blocos de três pisos, em «U», que não se tocam, marcando o (Duarte Cabral de Mello e equipa, 1978 -1991).
acesso ao interior do mesmo quarteirão e aos próprios fogos a meio das fachadas. João M Almeida

A criação dos jogos de transição entre os exteriores e os interiores, com rasga-


mentos verticais, escadas nas arestas interiores, pátio ou galerias, eram soluções
que reconhecemos noutras propostas. As proximidades entre as propostas — para
Vila Nova da Caparica, da equipa de Cabral de Mello, e esta — surgem como natu-
rais, pela proximidade entre ambos arquitetos e também temporal e geográfica,
mas que deixa intuir a importância, pelo menos regional, das soluções da equipa
do GACH para o pensar e propor habitação qualificada e, ao mesmo tempo, com
limitações de orçamento efetivas.
Encerrando esta necessariamente sucinta introdução ao trabalho efetuado
por Duarte Cabral de Mello e restante equipa na região da Área Metropolitana de
Lisboa na segunda metade da década de 1970, interessa recuar e sublinhar a expe-
riência e inquietações que este arquiteto tem e trabalha em Nova Iorque, de 1970 24 Referimo-nos especificamente aos projetos The
Street as a Component of the Urban Environment e The
a 1973, no Institute of Architectural and Urban Studies (IAUS), onde, por exem- Design of Alternative Low-Rise High-Density Housing,
plo, colabora em investigações dedicadas ao habitar, tanto na escala urbana, com em que Duarte Cabral de Mello colaborou entre 1970
e 1973, no IAUS. Entrevista de 2012 e republicada em
atenção especial à rua, como da habitação 24. Posteriormente, estas preocupações 2013 (Ferreira e Gutiérrez Mozo, 2013, p. 3).

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As cooperativas de habitação portuguesas

FIG. 7 Acessos às habitações unifamiliares são trazidas em contexto pré e pós-Revolução quando chega a Portugal, nos tra-
com caixa de correio coletiva da SOCASA,
Azambuja, 2017 (Duarte Cabral de Mello
balhos que realiza, entre outros, com Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas (1973),
e equipa). João M Almeida Vítor Figueiredo (1975) ou a já referida equipa do GACH (1976-1978) (Ferreira e
FIG. 8 Fachada principal da banda de
Gutiérrez Mozo, 2013, p. 3). Como refere numa entrevista dada em 2012, con-
habitação unifamiliar da CHUT, Vila Nova da sidera de fundamental importância ter-se sempre presente que a «Arquitectura
Caparica, 1.a fase, 2017 (Duarte Cabral de
Mello e equipa, 1976 -1980). João M Almeida
é um ofício» (Ferreira e Gutiérrez Mozo, 2013, p. 3) e, de certo modo, esta ideia
sintetiza esta relação da experiência internacional e esta sua aplicação específica
FIG. 9 Interior do quarteirão dos blocos de
habitação da CHUT, Vila Nova da Caparica,
ao contexto português referido, trabalhando os projetos como processo de e em
1.a fase, 2017 (Duarte Cabral de Mello e desenvolvimento e crescimento.
equipa, 1976 -1980). João M Almeida
A segunda situação específica que, nos anos que se seguem ao 25 de Abril
FIG. 10 Fachada principal da banda de de 1974 nos interessa abordar é o caso de Matosinhos, na Área Metropolitana do
habitação unifamiliar da CHUT, Vila Nova da
Caparica, 2.a fase, 2017 (Duarte Cabral de
Porto. A escolha da cidade de Matosinhos prende-se com a quantidade, diver-
Mello e equipa, 1976 -1980). João M Almeida sidade e qualidade dos empreendimentos que as cooperativas de habitação

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As cooperativas de habitação portuguesas

FIG. 11 Fachada principal com o acesso ao


interior do quarteirão da CHES, Setúbal, 2017
(Vítor Figueiredo, 1978 -1981). João M Almeida

conseguem aqui atingir. Na região do Grande Porto, se o próprio Porto apresenta


o maior número de cooperativas entre 1974 e 1994, com 19, Matosinhos segue-o
com menos duas. Mas, no que aos fogos construídos diz respeito, de 1974 a 1998,
esta última conta com 5504, ficando à frente do Porto, que conta com menos 24 %
(Gomes, 2013, p. 153). Até ao início deste século, a cidade contou com 25 coopera-
tivas, sendo na freguesia da Senhora da Hora que se encontra o maior número de
fogos construídos. O apoio municipal, tanto através da infraestruturação dos ter-
renos como da cedência dos mesmos, foi fundamental para este notável desen-
volvimento (Gomes, 2013, pp. 252-253).
No final da década de 1970, dois bairros de ação cooperativista marcam o
início destas intervenções em Matosinhos. No Carriçal, da autoria de Eduardo
Iglésias 25, a Cooperativa As Sete Bicas vai construir o seu primeiro conjunto,
com habitação unifamiliar de dois pisos. Com tipologia T3 uniforme — tal como
acontece com a maior parte das soluções unifamiliares —, organiza-se em con-
juntos de duas casas que criam bandas não contínuas. Os recuos que cada par
vai ter em relação aos contíguos provocam uma vibração e dinamismo na leitura
das fachadas para a rua principal. Entre as casas gémeas, um murete de betão
marca o acesso aos fogos, separa deixando ver e recebe igualmente o expressivo
cubo da caixa do correio. O conjunto é desenhado como zona residencial, com
equipamentos e comércios a surgiram para lá dos limites do mesmo. A circulação
mista atravessa e organiza o bairro e, perpendiculares a estas, surgem pequenas 25 O arquiteto Eduardo Iglésias vai também ser o
autor das duas fases que a Cooperativa Aldeia Nova vai
vias pedonais que criam passagem e permeabilidades, mas que também per- construir também em Matosinhos (1983-1985 e 1996).
mitem o acesso às ruas das traseiras das bandas. São diversos os elementos que As 2.a e 3.a fases do empreendimento da Cooperativa
das Sete Bicas, no Carriçal, vão ser da autoria de Jorge
contrariam, através do desenho, a quase inevitabilidade de se reconhecer nesta Teixeira de Sousa (1982-1985 e 1987-1989).

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As cooperativas de habitação portuguesas

FIG. 12 Cooperativa As Sete Bicas, Senhora


da Hora, Carriçal, 1.a fase, 2017 (Eduardo
Iglésias, 1978 -1982). João M Almeida

proposta um caráter ruralista. Apesar dos telhados de duas águas e do telheiro


que protege e marca o acesso aos fogos, o modo como a proposta é desenhada,
com a ocupação do lote próxima à face das ruas principais, e a inexistência de
muro nessa fronteira contribuem para esta situação. A expressividade com que
são desenhados diversos elementos do conjunto — entre outros, estrutura, mure-
tes, chaminés, caleiras ou caixas de correio — conferem um caráter à proposta
onde o ambiente formal e plasticamente controlado constrói uma urbanidade
falsamente anónima e regular.
Em Leça da Palmeira, Rogério Cavaca projeta para a Cooperativa de Habi-
tação Lar do Trabalhador, a 1.a fase da intervenção 26, com 178 fogos, também só
com a opção unifamiliar de dois pisos, mas neste caso assumidamente em banda.
Com uma área de implantação mais pequena que a anterior e uma configuração
mais irregular, este conjunto assume a regularidade das fachadas, reproduzidas
nos muretes baixos de delimitação dos lotes e com o acesso às casas escavado ao
volume contínuo e limpo das bandas. A depuração dos planos e a ausência de
gestos expressivos que não os essenciais — como o recesso que marca a entrada,
colocando sombra na zona inferior da fachada principal — criam um cenário de
quase suburbanidade do conjunto.
26 Rogério Cavaca vai ser igualmente o responsável Em 1985, José Pulido Valente, para a Cooperativa de Habitação Gente do
por mais duas propostas para a Cooperativa de Habita- Amanhã, projeta um conjunto com duas dezenas de fogos. A organização dos qua-
ção Lar do Trabalhador: a 2.a fase deste conjunto, com
blocos multifamiliares e unifamiliares em banda, de tro edifícios em banda, com acessos, garagens e zonas verdes, constrói espaços
1995, e, para Matosinhos, os 37 fogos, de 1984-1990,
em bandas unifamiliares. de proximidade inusitados e muito ricos. Cada banda multifamiliar, com fogos
27 A equipa de Duarte Cabral de Mello já testara este
em dúplex, vira os acessos para o suposto interior de quarteirão não ortodoxo,
descolamento das garagens no caso de Alverca do Riba- utilizando o eixo de cada conjunto como pequena rua de acesso às garagens, colo-
tejo e da Azambuja, mas colocados de modo autónomo
no limite da zona de intervenção. cadas em volumes longitudinais descolados das habitações 27. Na cobertura verde

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As cooperativas de habitação portuguesas

FIG. 13 Cooperativa As Sete Bicas, Senhora


da Hora, Carriçal, 1.a fase, 2017 (Eduardo
Iglésias, 1978 -1982). João M Almeida

destes volumes das garagens, colocado como um pódio, faz-se outro nível de dis-
tribuição horizontal, através da qual se acede aos fogos do 2.o andar. As escadas,
soltas e a céu aberto, largam-se perpendicularmente a estes dois volumes — das
habitações e das garagens —, fazendo com que estes dois volumes, deste modo
pontual, se toquem. A grande zona central, entre os pares de blocos, é um amplo
espaço público com zona de jogos, sombras, circulação pedonal, zonas de estada
e zonas verdes.
Esta riqueza formal e espacial não tem grandes herdeiros no panorama
nacional. As questões dos acessos transitam para alguns edifícios multifamiliares
em versão galeria, criando uma intensidade acrescida no leque das estratégias de
transição exterior/interior, mesmo se perdendo diversidade de espaços e qualifi- 28 São elas: Cooperativa As Sete Bicas, Carriçal
(2.a fase, 1982-1985, 75 fogos; 3.a fase, 1987-1989,
cação das zonas de transição. São exemplos destas soluções os casos da Coopera- 32 fogos, ambas de Jorge Teixeira de Sousa), Barra-
tiva Favo, em São Mamede de Infesta, de José Gomes Fernandes, onde as garagens nha (1984-1988, 324 fogos, Sousa) e Azenhas de Cima
(1988-1993, 516 fogos, Pedro Ramalho e Luís Rama-
funcionam como embasamento, suportando as galerias, ou o caso da Coopera- lho); Cooperativa Aldeia Nova, Senhora da Hora (1983-
-1985, 56 fogos, Eduardo Iglésias); Cooperativa HAZAL,
tiva de Aldoar, com projeto de Manuel Correia Fernandes, de final da década, e Azenhas de Cima (1.a fase, 1989, 110 fogos, Margarida
onde as galerias surgem também como modo de resolver as circulações, criando Strech); Cooperativa Juntos Venceremos, Senhora da
Hora (1986, 204 fogos, João Santos); Cooperativa FAVO,
os dinamismos de percurso e volumétrico do conjunto. Senhora da Hora (1990, 66 fogos, Gomes Fernandes);
Cooperativa HABECE, Senhora da Hora (1988, 72 fogos,
Em Matosinhos, as propostas cooperativistas realizadas no final dos anos 1970
João Pestana); Cooperativa COHEMATO, Leça da Pal-
e até à primeira metade da década seguinte sugerem algumas reflexões. Por um meira (1985 -1989, 224 fogos, Jorge Gigante e Alberto
Morais); Cooperativa Tripeira, Senhora da Hora (1983,
lado, a ainda amarração à tipologia de habitação unifamiliar, em banda, mesmo 206, Noé Dinis); Cooperativa 19 de Fevereiro, Senhora
se com leituras urbanas da continuidade volumétrica diferenciada, e de tipologia da Hora (1987-1989, 160 fogos, Pedro Ramalho); Coo-
perativa Água Viva, Matosinhos (1984-1990, 368 fogos,
única, por outro lado, a definição monoprogramática dos conjuntos, com a aten- Gomes Fernandes); Cooperativa Lar do Trabalhador,
Matosinhos (1984-1990, 37 fogos, Rogério Cavaca),
ção estrita à habitação a que as cooperativas primeiramente procuram responder. e Cooperativa NORBICETA, Santo Ildefonso (1987,
O que veremos acontecer nos anos seguintes, e a década de 1980 é profícua para as 60 fogos, Alfredo Resende). (Gomes, 2013, pp. 255 -280).
Cruzada igualmente com a documentação dos arquivos
realizações das cooperativas de habitação em Matosinhos 28, é um recentramento do IHRU (Lisboa e Porto).

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As cooperativas de habitação portuguesas

FIG. 14 Acesso entre volumes de garagens a vários níveis. Em termos de tipologias de habitação, assiste-se a uma diversifica-
e de habitações da Cooperativa de Habitação
Gente do Amanhã, Senhora da Hora,
ção, em geral, mas também no que cada empreendimento oferece e disponibiliza
Urbanização do Seixo, 2017 (José Pulido aos seus cooperantes. Assim, a passagem para o leque mais alargado de oferta em
Valente, 1985). João M Almeida
paralelo de T2, T3 e T4 é generalizada, mas encontramos igualmente casos, como
FIG. 15 Cobertura das garagens da os blocos multifamiliares das Sete Bicas, em Azenhas de Cima, de 1988-1990, da
Cooperativa de Habitação Gente do Amanhã,
Senhora da Hora, Urbanização do Seixo, 2017 autoria de Pedro Ramalho e Luís Ramalho, onde surgem igualmente T0 e T1. Esta
(José Pulido Valente, 1985). João M Almeida ampliação tipológica dos fogos representa necessariamente um reconhecimento
das diversidades das estruturas familiares, mas também das capacidades econó-
micas das famílias inscritas nestas cooperativas. Outra alteração que se pode veri-
ficar são as tipologias dos edifícios. A passagem das propostas unifamiliares para
as de blocos multifamiliares vai acontecer à medida que se chega a meados dos
anos 1980, com situações onde ainda coexistem as duas. Exemplos desta situação
de coexistência são as respostas da Cooperativa Sete Bicas, em Barranha, de José
Teixeira de Sousa, de 1984-1988, e da COHEMATO, em Leça de Palmeira, de 1985-
-1989, de Jorge Gigante e Alberto Morais. O aumento da complexidade também
acontece no que à diversidade de programas diz respeito. De um modo geral, com a
passagem do tempo, os conjuntos vão tendendo a serem pensados ou a se comple-
mentarem com mais equipamento, comércio e apoio diversos à habitação que tor-
nam os núcleos construídos mais coesos, enquanto vida urbana, ou seja, enquanto

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As cooperativas de habitação portuguesas

bairros. Este processo de adensamento programático responde a uma condição


destas arquiteturas como pioneiras, como construtoras de ocupação, contra-
riando a falta de existência de cidade onde se implantam, mas também da com-
preensão de que não só de habitação se constrói bairro e relações de vizinhança.
Parece-nos interessante referir o longo e diversificado processo da qual a
Cooperativa Habitovar é responsável, a partir de 1984, e que se vai concretizar
no concelho de Aveiro, nos arredores de Ovar. Este conjunto é ainda enquadrá-
vel, na sua origem, nas CHE e os autores das intervenções são Pedro Ramalho,
Alcino Soutinho, Bernardo Ferrão e Rolando Torgo. De implantação extraurbana,
tem esta condição presente até hoje, com a sua consolidação efetuada ao nível das
ocupações das casas e dos lotes, principalmente em algumas das zonas de habita-
ção unifamiliar em banda, mas onde prevalece uma condição de urbanidade não
conquistada, permanecendo parcialmente como bairro dormitório. A sua carac-
terística mais interessante é a diversidade de soluções arquitetónicas, mais do
que urbanas, que os autores apresentam. O desenho menos expectável surge nas
habitações unifamiliares na zona nascente, onde o encerramento, a clausura do
lote quadrado, da casa virada para o seu pátio e a sua depuração na relação com a
envolvente remete para uma genealogia portuguesa de investigação ao redor das
casas-pátio. O desenho do conjunto é afirmativo e identificam-se diversas zonas,
com casas unifamiliares em banda, semi-isoladas e edifícios multifamiliares, com
opções formais, arquitetónicas e urbanas diversas. A riqueza das soluções não
ultrapassa as questões de tratamento de espaços intersticiais e consolidação do
bairro que, apesar da passagem do tempo, continuam a estar presentes.
A complexidade dos processos, mas também das vidas destes bairros e
arquiteturas pós-ocupação, deixa claro que não existem possibilidades de afe-
rição dos sucessos e problemas das soluções de habitação cooperativa como
um todo. As relações com as malhas urbanas preexistentes, as ofertas de equi-
pamento e serviços dentro ou nos limites, as características dos ocupantes, os
desenhos urbanos e de espaços públicos, mas também os desenhos, tipologias e
materialidades, transformam cada conjunto em único e potencial caso de estudo
para aferir estas e outras questões. Interessa este exemplo de Ovar para subli-
nhar que os investimentos no controlo do desenho e das soluções são só uma
parte de um conjunto alargado de dinâmicas e possibilidades, concretizadas ou
não, bem-sucedidas ou não.
Em 1978, o Estado Português definia o apoio financeiro às cooperativas de
habitação, no seguimento do que era estabelecido em programa de governo. Duas
ideias marcam a parte inicial do documento legal, por um lado, a ideia de que,
se se quer apoiar de modo efetivo as respostas do cooperativismo habitacional,
os «benefícios a conceder deverão ser mais acentuados do que os genericamente
facultados no quadro da política habitacional», ou seja, uma diferenciação positiva
e efetiva destas respostas, por outro lado, a defesa das cooperativas como resposta

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As cooperativas de habitação portuguesas

FIG. 16 Rua de habitações unifamiliares em


banda da Cooperativa Habitovar, Ovar, 2017
(Pedro Ramalho, Alcino Soutinho, Bernardo
Ferrão e Rolando Torgo, 1984). João M Almeida

FIG. 17 Habitação unifamiliar isolada da


Cooperativa Habitovar, Ovar, 2017 (Pedro
Ramalho, Alcino Soutinho, Bernardo Ferrão
e Rolando Torgo, 1984). João M Almeida

que substitua parte das políticas de promoção pública direta de habitação, «com
vantagem» diz o documento, no que aos «agregados familiares parcialmente sol-
ventes» respeitava. Será ao FFH que caberá, neste contexto, concretizar o apoio
financeiro que passa pela concessão de «empréstimos com bonificação de juros a
cargo do Estado» (Decreto-Lei n.o 268/78). Estas políticas marcam o contexto que
até agora analisámos e têm efetivas consequências no que vimos neste quadro de
pós-Revolução. Como veremos de seguida, ainda que as mudanças dos anos 1980
sejam consideráveis, tanto no País em geral como nas políticas de habitação, a
segunda metade da década de 1970 produzirá efeitos pela década seguinte adentro.

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As cooperativas de habitação portuguesas

Ressacas revolucionárias e o valor do mercado

Ainda que os anos 1980 herdem um processo que lhes permita ver surgir ainda
muitas respostas habitacionais cooperativistas, as mudanças a que se assistirão vão
ter repercussões inevitáveis neste setor. A partir de 1982, segundo o faseamento
proposto por Paiva, surgem as cooperativas de habitação e construção (CHC). Esta
data prende-se com a publicação do Código Cooperativo (Decreto-Lei n.o 454/80,
pp. 3225-3244) e é marcada pelo que o mesmo autor chama de «espírito liberali-
zador da legislação complementar» ao referido Código. Em termos de financia-
mento, estas cooperativas entram numa nova fase, passando a recorrer à banca ou
ao autofinanciamento. São estruturas encerradas e socialmente homogéneas por
resultarem, na maioria das vezes, da agregação e organização vinda do interior de
pequenos grupos, profissionalmente oriundos dos quadros superiores e médios
(Paiva, 1995, p. 62). Como refere também, em resultado do trabalho de campo
que faz para o caso de Lisboa, a composição social dos cooperantes a meio dos
anos 1990 apresentava uma «predominância das classes médias urbanas ligadas
aos serviços» (Paiva, 1995, p. 61). O afastamento face a uma matriz social popular
e operária que se encontrava no cooperativismo português inicial não para de se
acentuar. Não é casual que, em paralelo e a partir da década anterior, as cooperati-
vas operárias de produção, que tinham tido uma expansão desde 1978, sofram um
forte abrandamento do seu crescimento (Almeida, 2005, p. 58). A aspiração a ser-
-se parte da classe média, de se concretizar uma ascensão social real, no contexto
de um país que se procura europeu, democrático e desenvolvido, vai chocando
crescentemente com o imaginário e a ação popular e revolucionária que se dis-
solve num passado recente cada vez menos visto como heroico.
Em 1984, é criado o Instituto Nacional de Habitação (INH), que procura res-
ponder às insuficiências de que o Fundo de Apoio ao Investimento para a Habi-
tação 29 padeceria, sendo referido como «apenas vocacionado para o apoio de
programas de habitação apoiados pelo sector público» (Decreto-Lei n.o 177/84).
À extinção do FFH, no início dos anos 1980, somam-se, em 1978 e 1983, inter-
venções do Fundo Monetário Internacional em Portugal, causando perturba-
ções efetivas no desenvolvimento dos processos em curso (Santos, Teles e Serra,
2014, p. 16). Será ao INH que caberá herdar a obrigação de apoiar as cooperati-
vas. No âmbito de um conjunto alargado de responsabilidades — da investigação
à regulamentação, passando pela supervisão de respostas apoiadas financei-
ramente pelo Estado, até à formação de técnicos e promotores —, o prólogo do
decreto-lei que o institui sublinha a necessidade de se «criar na administração
central» uma estrutura como o INH que possa ter de concretizar os «instrumen-
29 Decreto-Lei n.o 217/82, de 31 de maio. Diário do Repú-
tos da política de habitação e de apoio financeiro aos programas destinados aos blica, 1.a série, n.o 123, de 31 de maio de 1982, pp. 1492-
estratos sociais menos solventes» (Decreto-Lei n.o 177/84). As estruturas coope- -1494. Ministério da Habitação, Obras Públicas e Trans-
portes. Cria o Fundo de Apoio ao Investimento para a
rativistas não são, tal como quaisquer outros programas, especificadas, mas pas- Habitação (FAIH).

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sará a ser este o seu interlocutor estatal. Ainda assim, as cooperativas de habitação
vão assistir a um novo impulso resultante do ressurgimento dos financiamentos,
desta vez com alargamento das «instituições bancárias habilitadas a conceder
crédito às cooperativas de habitação» (ibidem). A tendência para o esvaziamento
ideológico e uma aproximação aos processos do mercado vão-se acentuando.
O cooperativismo enquanto realidade «profundamente enraizada no sentimento
e na prática do povo português» (Decreto-Lei n.o 454/80) talvez não o fosse assim
tanto. A «posição intermédia» (Santos, Teles e Serra, 2014, pp. 16-17) e, diríamos,
privilegiada que as cooperativas de habitação poderiam ter, entre o mercado e o
Estado, tenderá a perder sentido.
O primeiro decénio de existência do INH é considerado por alguns autores
como a década das cooperativas de habitação (Coelho, 2006, p. 66), mas, daí para
a frente, a competitividade das respostas cooperativas decresce (Santos, Teles e
Serra, 2014, pp. 17-18). Tentando contrariar este caminho, ainda surgem respostas
concertadas entre municípios e setor cooperativo que procuram seguir o exem-
plo anterior de Matosinhos e articular esforços e investimento. O caso da capital,
em 1990, é disso um exemplo, quando a FENACHE assina com a Câmara Muni-
cipal de Lisboa um protocolo em que a última apoia o desenvolvimento coope-
rativo habitacional através da cedência de terrenos e prevendo-se a construção
de 3000 fogos em resultado desta ação (Paiva, 1995, pp. 61-62). A diversidade de
programas habitacionais que se encontram no longo tempo de construção de
algumas grandes áreas de desenvolvimento da cidade de Lisboa vai permitir que
diversas respostas tipológicas — tanto de fogos como urbanas — mas também de
promoção surjam em simultâneo nestes territórios (Serpa, 2015, p. 134).
Nos últimos anos do século XX, as cooperativas de habitação espalhadas pelo
País seriam pouco mais de 400. Por esta altura, Flávio Paiva defende a importância
das cooperativas e do seu «papel imprescindível na política de habitação nacio-
nal», justificando-o pela proximidade às populações e pela promoção de «práticas
de solidariedade e participação que as outras vias promocionais, públicas ou pri-
vadas», não asseguram. Mas, mais uma vez, o deslocamento para as classes médias
é referido, motivado, segundo este autor, pelos valores dos terrenos e pela falta de
financiamento às famílias com mais dificuldades económicas (Paiva, 1995, p. 51).
Se para algumas vozes o ano de 1997 se apresenta promissor e um momento
de inversão da tendência (Almeida, 2005, p. 59), com as publicações do novo
Código Cooperativo, continuando, em 1998, com a publicação do novo Estatuto
Fiscal Cooperativo, outras, no entanto, são muito críticas. A demora na realização
do regulamento que garantisse a efetividade do Estatuto e a sua «aplicação sem
controvérsias nem equívocos» contribuiu para o que afirmam ser a irrelevância
da promoção habitacional cooperativa por esses anos (Vilaça, 2001, p. 88). Mas
também, em resultado do que é definido pelo próprio Estatuto Fiscal Coopera-
tivo, a aposta das cooperativas em habitação para classes socioeconómicas mais

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solventes, afastando-as das famílias com mais dificuldades económicas, resulta


na desvalorização e subapoio à promoção de habitações a custo controlado (HCC)
(Coelho, 2006, p. 28). A produção cooperativa que vai acontecendo desloca-se
para promoção de habitação para quem tem a capacidade de investir em habi-
tação própria. Os modelos arquitetónicos herdados misturam-se com os ima-
ginários das habitações que a capacidade económica permite. Galerias e outras
transições entre o exterior e o interior dos fogos, que tornam as estruturas dis-
tributivas mais ricas, vão, entre legislação, novos/velhos modelos arquitetónicos
e capacidade económica, concorrendo com distribuições em caixas de escadas e
elevadores mais tradicionais. De certo modo, o experimentalismo que tinha sido
necessário para que a exequibilidade de alguns empreendimentos fosse assegu-
rada resulta, com a transição de século e uma sociedade portuguesa distinta da
dos anos 1970 e 1980, em alguns retornos às ordens arquitetónicas, urbanas, habi-
tacionais e tipológicas em geral.
Em 2015, a Estratégia Nacional para a Habitação (ENH) afirma de modo ine-
quívoco que em Portugal «já não existe um défice habitacional, mas antes difi-
culdades no acesso à habitação». Como refere também, ultrapassado que estava
o défice habitacional, ficavam por resolver as condições de degradação de parte
do parque habitacional, os custos elevados da habitação — em especial no mer-
cado de arrendamento — e as questões que a mobilidade das famílias levantavam.
Na sombra de um resgate externo, assinado quatro anos antes, as estratégias de
políticas públicas de habitação anteriormente desenhadas tornam-se, segundo
a ENH, inviáveis. O caminho apontado, garantido por mecanismos de finan-
ciamento europeus, é a reabilitação urbana, mas a «importância da habitação
social no combate à pobreza e à exclusão social» não é esquecida (Resolução do
Conselho de Ministros n.o 48/2015). O caráter alargado do documento não deixa
espaço para que entidades como as cooperativas sejam colocadas diretamente
enquanto atores e intervenientes nas soluções. Na verdade, as questões das ações
cirúrgicas e de reabilitação em contexto urbano consolidado não existem na
génese e no perfil do cooperativismo habitacional português e essa, ainda que
difícil, pode ser uma reflexão fundamental para que este consiga adaptar-se a
um contexto onde o território construído é suficiente e o que é fundamental é a
sua reinvenção.
A leitura do documento Para Uma Nova Geração de Políticas de Habitação, do
final de 2017, também não esclarece sobre o papel que o Estado espera das coo-
perativas de habitação. Referidas que são como, ao lado dos setores público e
privado, atores de cooperação. O arrendamento e a reabilitação voltam a estar
presentes como elementos fundamentais das preocupações estatais (Para Uma
Nova Geração de Políticas de Habitação, 2017, p. 6). Mais uma vez, para as cooperati-
vas de habitação não resulta claro o caminho que se pode esperar delas. Nas novas
exigências habitacionais nacionais, mas também nos caminhos que os decisores

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políticos escolhem e valorizam, não surgem esclarecidos os modos em que uma


reinvenção das cooperativas pode fazer sentido e ter novos espaços de ação e
manobra. Será fundamental, talvez, que, fazendo sentido esta reinvenção do coo-
perativismo habitacional, ela parta do seu interior, propondo depois as soluções
que encontrou aos decisores.
Da observação direta de várias dezenas de exemplos foram percetíveis as
condições atuais de cuidado e intensidade de ocupação a que fogos, edifícios e
bairros se encontram, resultando da análise empírica uma geral ideia de que,
principalmente a casa, foi efetivamente apropriada. Se as zonas públicas têm uma
diversidade de fatores que lhes garantem essas condições, as zonas semipúblicas e
as privadas refletem mais diretamente a capacidade de relacionamento que ocu-
pantes e espaços apresentam. Parece-nos que duas condições consolidam a boa
capacidade que estes edifícios e conjuntos têm tido, na maior parte dos casos,
de permanecer enquanto lugares qualificados, concretizando as propostas arqui-
tetónicas e urbanas. Por um lado, a condição da propriedade, se se considerar
que, na matriz sociocultural portuguesa, a posse dos fogos consolida a relação
com os mesmos, mas que também a atenção cuidadora sobre o fogo se estende à
envolvente próxima, podemos ter nesta condição uma hipótese, por outro lado,
a experiência cooperativa, mesmo se terminada com a construção dos fogos,
representa um lastro de exercício organizativo que permite, com sucesso, a nova
fase de vida da ocupação, enquanto proprietários organizados em condomínios
para gestão do que é comum.
Sublinhamos o que outros autores referem sobre as cooperativas de habita-
ção enquanto processo fundamental na construção de relações efetivas com as
práticas democráticas — mesmo se difíceis e intensas — e a construção dos espaços
em que se habita.
Às cooperativas de habitação vai sendo exigido reinventarem-se, cons-
truírem-se como coletivos que justificam a sua permanência pós-construção e
ocupação dos fogos. Não esquecendo aquilo que Paiva chama de «sistema iden-
titário» das cooperativas (Paiva, 1995, p. 14), é fundamental, neste momento de
discussão do que se quer que sejam as novas políticas públicas portuguesas de
habitação, compreender o papel longo destas e como se podem colocar como res-
posta do século XXI. Em contextos de respostas cada vez mais focados nas estraté-
gias bottom-up, de proximidade e de participação, as cooperativas podem trazer
um conhecimento acumulado de relações com as populações e com os diversos
poderes envolvidos no fazer e decidir cidade e habitação. A produção habitacio-
nal cooperativa portuguesa é uma bolsa de conhecimento e propostas que contri-
buíram para o que é a reflexão sobre o habitar, tanto à escala do espaço doméstico
como do desenho e das propostas de cidade. É por isto fundamental aprofundá-la
enquanto objeto de estudo e reinventá-la enquanto prática aplicada à contempo-
raneidade.

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pp. 581-586. Ministério das Obras Públicas — Gabinete do Ministro. Criação do Fundo de Fomento da Habitação.

Despacho de 6 de agosto de 1974. Diário do Governo, 1.a série, n.o 182, de 6 de agosto de 1974, pp. 873-874.
Ministérios da Administração Interna e do Equipamento Social. Estabelece várias medidas destinadas a solu-
cionar determinados aspetos do problema habitacional.

Decreto-Lei n.o 730/74, de 20 de dezembro. Diário do Governo, 1.a série, n.o 296, de 20 de dezembro de 1974,
pp. 1594-1597. Ministérios da Justiça e do Equipamento Social e do Ambiente. Regime Jurídico da Cooperação
Habitacional.

Decreto-Lei n.o 737-A/74, de 23 de dezembro. Diário do Governo, 1.a série, n.o 298 (suplemento), de 23 de dezem-
bro de 1974, pp. 1614-(2) e 1614-(3). Ministério do Equipamento Social e do Ambiente — Secretaria de Estado da
Habitação e Urbanismo. Prevê diversas modalidades de auxílio às cooperativas de habitação de interesse social,
que passarão a usar a designação de «cooperativas de habitação económica».

Decreto-Lei n.o 349/75, de 4 de julho. Diário do Governo, 1.a série, n.o 152, de 4 de julho de 1975, pp. 931-932.
Ministério para o Planeamento e Coordenação Económica. Cria a Comissão de Apoio às Cooperativas.

Constituição da República Portuguesa, 1.a versão, de 10 de abril de 1976. Diário da República, 1.a série, n.o 86,
de 10 de abril de 1976.

Decreto-Lei n.o 265/76, de 10 de abril. Diário da República, 1.a série, n.o 86, de 10 de abril de 1976. Ministério
da Habitação, Urbanismo e Construção — Gabinete do Ministro. Visa simplificar as formalidades necessárias à
constituição de cooperativas de habitação.

Decreto-Lei n.o 268/78, de 31 de agosto. Diário da República, 1.a série, n.o 200, de 31 de agosto de 1978. Minis-
tério da Habitação e Obras Públicas — Gabinete do Ministro. Autoriza o Fundo de Fomento da Habitação a
conceder empréstimos, com juros bonificados, às cooperativas de habitação, para aquisição ou construção de
habitações para os seus associados.

Decreto-Lei n.o 454/80, de 9 de outubro. Diário da República, 1.a série, n.o 234, de 9 de outubro de 1980, pp. 3225-
-3244. Presidência do Conselho de Ministros — Gabinete do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro. Aprova o
Código Cooperativo.

Decreto-Lei n.o 217/82, de 31 de maio. Diário do República, 1.a série, n.o 123, de 31 de maio de 1982, pp. 1492-
-1494. Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes. Cria o Fundo de Apoio ao Investimento para a
Habitação (FAIH).

Decreto-Lei n.o 177/84, de 25 de maio. Diário da República, 1.a série, n.o 121, de 25 de maio de 1984, pp. 1687-
-1690. Ministérios das Finanças e do Plano e do Equipamento Social. Cria o Instituto Nacional de Habitação.
Extingue igualmente o Fundo de Apoio ao Investimento para a Habitação.

Resolução do Conselho de Ministros n.o 48/2015, de 2 de julho. Diário da República, 1.a série, n.o 136, de 15 de
julho de 2015, pp. 4826 -4850. Presidência do Conselho de Ministros. Aprova a Estratégia Nacional para a Habi-
tação para o período de 2015 -2031.

HABITAÇÃO: CEM ANOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM PORTUGAL, 1918-2018 / 315

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