03 - o Enquadre No Processo Psicodiagnóstico
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pais, que podem ser horários exóticos, ou menos vezes por semana do que seria
aconselhável em troca de poder receber ótimos honorários. O mesmo pode ocorrer
entre a criança ou o adolescente e o profissional, se este aceitar condições de trabalho
que eles impõem por um capricho. Suponhamos que a criança propõe brincar de quem
escreve mais rapidamente o maior número de palavras que começam com uma letra
determinada. E óbvio que o terapeuta será o vencedor. A náo ser em casos nos quais
seja terapêutico fazer a criança passar por esta prova de realidade, aceitar o desafio é
colocar-se à altura da criança onipotente que pode vencer o adulto em tudo.
Em La entrevista psicológica (publicação interna da Faculdade de Filosofia e Letras da
Universidade de Buenos Aires), coloca Bieger:
Para obter o campo particular da entrevista que descrevemos, devemos contar com um
enquadre fixo que consiste na transformação de certo conjunto de variávcis em
constantes. Dentro deste enquadre inclui-se não somente a atitude técnica e o papel do
entrevistador como o temos descrito nias também os objetivos, o lugar e a duração da
entrevista. O enquadre funciona como um tipo de padronização da situação estímulo
que oferecemos ao entrevistado, e com isso não pretendemos que deixe de agir como
estimulo para ele mas que deixe de oscilar como variável para o entrevistador. Se o
enquadre sofre alguma modificação (por exemplo, porque a entrevista é realizada em
um lugar diferente) essa modificação deve ser considerada como uma variável sujeita á
observação, tanto como o próprio entrevistado. Cada entrevista possui um contexto
definido (conjunto de constantes e variáveis) devido ao qual ocorrem os emergentes e
estes só fazem sentido e são significativos em relação e devido a esse contexto. O
campo da entrevista também não é fixo, mas dinâmico, o que significa que está sujeito
a uma mudança permanente, e a observação deve se estender do campo especifico
existente a cada momento à continuidade e sentido dessas mudanças…Cada situação
humana é sempre única e original, sendo assim também o será a entrevista, fias isto
não se aplica somente aos fenómenos humanos mas também aos fenômenos da
natureza, o que já era do conhecimento de Heráclito. Esta originalidade de cada
acontecimento não impede o estabelecimento de constantes gerais, ou seja, das
condições em que os fatos se repetem com maior freqüência. O individual não exclui o
geral nem a possibilidade de introduzir a abstração e categorias de análise…a forma de
observar bem é ir formulando hipóteses enquanto se observa, e no transcurso da
entrevista verificar e retificar as hipóteses durante seu próprio transcurso em função das
observações subseqüentes que, por sua vez, vão ser enriquecidas pelas hipóteses
prévias. Observar, pensar e imaginar coincidem totalmente e fazem parte de um único
processo dialético.
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tanto como para o terapêutico, se torna ainda mais complicado quando consideramos
que cada um dos pais e de seus filhos também trazem ambos aspectos. Por isso,
advertimos sobre o risco de que se estabeleçam situações nas quais são colocadas em
jogo as partes infantis (primitivas e onipotentes) de cada um, inclusive do próprio
profissional.
Vejamos um exemplo. Uma senhora marcou uma consulta para uma menina de seis
anos. Chamou minha atenção o fato de que me chamara de você desdé o início.
Atualmente, este é um fato comum, mas não há quinze anos. Eu mantive a postura de
chamá-la de senhora e disse-lhe que deveria comparecer com seu esposo à primeira
entrevista. Ela negou-se terminantemente, alegando que ele viajava constantemente e
não dava atenção à menina. Acrescentou ainda que ele “não acreditava nessas coisas”
e que a deixava resolver esses assuntos. Esta senhora colocou-se no papel de “dona
de casa” e colocou-me num papel tipo o de uma professorinha para a menina que
estava com problemas na escola. Sua forma autoritária de dispor o contrário daquilo
que eu solicitava já me fazia pensar em outros problemas além daqueles que ela
colocava. Expliquei-lhe, sempre ao telefone, que eu tinha interesse em escutar a
opinião do pai e que tudo o que fosse resolvido devia ser responsabilidade do pai e não
somente da mãe. Mesmo assim, na hora marcada chegou sozinha e tentou
constantemente estabelecer comigo uma aliança contra o marido, a quem ao mesmo
tempo usava, dispondo, em seu lugar, das suas decisões e da sua situação financeira.
Isto poderia ser produto do despeito de uma esposa abandonada, mas de fato impunha
a mim a exclusão do marido.
Além do mais, esclareceu que a menina era filha adotiva e que não devia sabê-lo
nunca. Isto criou dificuldades intransponíveis para trabalhar, pois não só excluia o
marido como também a própria filha. Devido à minha insistência, o marido assistiu à
segunda entrevista e foi possível falar sobre a relação dos problemas de aprendizagem
com os desentendimentos do casal e o fato de ocultarem da menina a verdade sobre a
sua origem. O marido era, de fato, evasivo e resistente, mas não tanto quanto ela o
fazia parecer, devido ao seu rancor de esposa e mãe frustrada. Eu insisti quanto à
necessidade de contar à menina sobre a adoção e não aceitei vê-la enquanto eles não
decidissem encarar a situação sem mais mentiras. Nunca mais ouvi sobre eles.
Em outro caso semelhante, o resultado foi positivo, pois a consulta ficou centralizada na
necessidade que eles tinham de uma ajuda externa para encarar a dificuldade do
momento de dizer a verdade.
Perto do final da primeira entrevista, costumamos explicar ao paciente (ou a seus pais)
que deverá fazer alguns desenhos, inventar algumas estórias, etc, e que logo após nos
reuniremos para conversar sobre os resultados. Quando está prevista uma entrevista
familiar, devemos também adverti-lo com tempo. Geralmente não há resistência quando
é dito que desejamos conhecer como é a família quando estão todos juntos.
Durante a hora do jogo diagnóstico e das entrevistas familiares diagnósticas, nosso
papel será o de um observador não participante. O mesmo acontece no momento de
aplicar os testes. Somente após colher a produção espontãnea do individuo deveremos
intervir mais ao fazer algum inquérito (como no Rorschach, TAT, CAT ou Phillipson) e
inclusive algum exame de limites.
Nosso papel é muito mais ativo durante a entrevista final, na qual o esperado é
justamente que demos a nossa opinião sobre o que ocorre. A recomendação da
estratégia terapêutica mais adequada deve ser formulada e devidamente fundamentada
pelo profissional, dada a autoridade que o seu papel lhe confere. Quando, para o
paciente, é muito difícil assimilar toda a informação que temos para dar-lhe, é
aconselhável marcar mais uma ou duas entrevistas.
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