01 - o Psicodiagnóstico Clínico Na Atualidade
01 - o Psicodiagnóstico Clínico Na Atualidade
01 - o Psicodiagnóstico Clínico Na Atualidade
Por estas razões insisto na importância da etapa diagnóstica. sejam quais forem os
instrumentos científicos utilizados na mesma. Na obra “A iniciação do tratamento” Freud
fala da importância desta etapa, à qual ele dedicava os primeiros meses do tratamento.
Coloca que ela é vantajosa tanto para o paciente quanto para o profissional, que avalia
assim se poderá ou não chegar a uma conclusão positiva.
Não sou favorável à idéia de dedicar tanto tempo ao diagnóstico, porque se estabelece
assim uma relação transferencial muito difícil de dissolver se a decisão for a de não
continuar. Além do mais, dispomos na atualidade de todos os recursos descritos neste
livro (e muitos outros) que permitem solucionar as dúvidas em um tempo menor.
Vejamos agora com que finalidades pode ser utilizado o psicodiagnóstico.
1) Diagnóstico. Conforme o exposto acima é óbvio que a primeira e principal finalidade
de um estudo psicodiagnóstico é a de estabelecer um diagnóstico. E cabe esclarecer
que isto não equivale a “colocar um rótulo”, mas a explicar o que ocorre além do que o
paciente pode descrever conscientemente.
Durante a primeira entrevista elaboramos certas hipóteses presuntivas. Mas a
entrevista projetiva, mesmo sendo imprescindível, não é suficiente para um diagnóstico
cientificamente fundamentado.
Lembremos do que diz Karl Meninger, que foi diretor da Meninger Clinic (E.U.A.) no
prefácio do livro de David Rapaport.
bal não foi alcançado (idade, doença, casos de surdos-mudos, etc.) os testes gráficos e
lúdicos facilitam a comunicação.
A bateria de testes utilizada deve incluir instrumentos que permitam obter ao máximo a
projeção de si mesmo.
Por isso, se pedimos ao paciente que desenhe uma figura humana, sabemos que
haverá projeção, mas muito mais se lhe pedirmos que desenhe uma casa ou uma
árvore, já que ele não pode controlar totalmente o que projeta.
Como disse antes, é importante incluir testes padronizados porque nos dão uma
margem de segurança diagnóstica maior.
Lembro o caso de uma jovem que foi consultar devido a fracasso escolar,
impossibilidade de concentração nos estudos e dificuldades de compreensão.
Considerava-se de baixo nível intelectual. Após ter solicitado a ela o Desenho Livre e o
H.T.P., entreguei-lhe o pequeno caderno do Teste de Matrizes Progressivas de Raven.
O mesmo dá ao paciente trinta minutos para realizá-lo. Ela o fez em quinze. Eu
observava as suas anotações e percebi seu excelente resultado. Por isso, quando a
tarefa foi concluida, entreguei-lhe a grade de avaliação, para que ela mesma fizesse a
correção. Fizemos o cálculo devido e buscamos a cifra na tabela mais apropriada. O
resultado final indicava um Q.I. superior à média. Ela ficou surpresa e incrédula, mas os
resultados eram irrefutáveis. Voltou à sua casa muito contente. Obviamente, essa não
era a solução final do problema. Haviamos desarticulado um mecanismo através do
qual ela brincava de ‘menina boba”. Agora era necessário estudar o porquê. Apareceu
então (principalmente pela reiteração de respostas de “uma figura e a outra é o reflexo
em um espelho”, no Rorschach) seu enorme narcisismo e seu grau de aspiração de ser
a número um em tudo. A ferida narcisística por não consegui-lo era tão terrível que,
inconscientemente, preferia ser “a burra” para não se expor.
Outro elemento importante que nos é dado pelo psicodiagnóstico refere-se à relação de
transferência-contratransferência.
Ao longo de um processo que se extende entre três e cinco entrevistas
aproximadamente, e observando como o paciente se relaciona diante de cada proposta
e o que nós sentimos em cada momento, podemos extrair conclusões de grande
utilidade para prever como será o vínculo terapêutico (se houver terapia futura), quais
serão os momentos mais difíceis do tratamento, os riscos de deserção, etc.
Porém, nem todos os psicólogos, psicanalistas e psicólogos clínicos concordam com
este ponto de vista. Alguns reservam a utilização do psicodiagnóstico para casos nos
quais surgem dúvidas diagnósticas ou quando querem obter uma informação mais
precisa, diante, por exemplo, de uma suspeita de risco de suicídio, dependência de
drogas, desestruturação psicítica, etc. Em outras ocasiões o solicitam porque têm
dúvidas sobre o tratamento mais aconselhável, se a psicanálise ou uma terapia
individual ou vincular, Finalmente, existe outro grupo de profissionais que não
concordam em absoluto com este ponto de vista e prescindem totalmente do
psicodiagnóstico. Ainda mais, não concedem valor científico algum aos testes
projetivos. Alguns vão mais longe, dizendo que de forma alguma é importante fazer um
diagnóstico inicial, que isso chega com o tempo, ao longo do tratamento. Ouvi isto de
um palestrante estrangeiro durante um congresso internacional, ao que outro
especialista replicou: “Então o senhor começaria com antibióticos e transfusões de
sangue, mesmo antes de saber qual o problema do paciente?”
Acredito que todas as posições são respeitáveis, porém devem ser fundamentadas
cientificamente e, até o momento, não tenho encontrado ninguém que me demonstre,
baseado na teoria da projeção e da psicologia da personalidade, que os testes
projetivos carecem de validade.
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2) Avaliação do tratamento. Outra forma dc utilizar o psicocliagnóstico é como meio
para avaliar o andamento cio tratamento. E o que se denomina “re-testes” e consiste
em aplicar novamente a mesma bateria de testes aplicados na primeira ocasião.
Havendo suspeita de que o paciente lembre perfeitamente o que fez na primeira vez e
se deseje variar, pode-se criar uma bateria paralela selecionando testes equivalentes,
como o teste “Z” de Zullliger no lugar do Rorschach.
Algumas vezes isto é feito para apreciar os avanços terapéuticos de forma mais
objetiva e também para planejar uma alta. Em outras é para descobrir o motivo de um
“impasse” no tratamento e para que tanto o paciente como o terapeuta possam falar
sobre isso, estabelecendo, talvez, um novo contrato sobre bases atualizadas. Em
outros casos ainda, é porque existe disparidade de opiniões entre eles. Um deles
acredita que pode dar fim ao tratamento, enquanto que o outro se opõe.
Estes casos representam um trabalho difícil para o psicólogo, pois passa a ocupar o
papel de um árbitro que dará a razão a um dos dois. E então conveniente esclarecer ao
paciente que o psicodiagnóstico não será realizado para demonstrar-lhe que estava
enganado, mas, como um fotógrafo, ele registrará as situações para depois comentá-
las. O mesmo esclarecimento deve ser dado ao terapeuta. Obviamente, é conveniente
que a entrevista de devolução seja feita por aquele ciue realizou o estudo, tendo um
cuidado muito especial em mostrar urna atitude imparcial e fundamentando as
afirmações no material dado pelo paciente.
Nos tratamentos particulares, o terapeuta é ciuem decide o momento aclequado para
um novo psicocliagnóstico (ou talvez para o primeiro). No entanto, nos tratamentos
realizados em instituições públicas ou privadas, são elas que fixam os critérios que
devem ser levados em consideração. Algumas deixam isto a critério dos terapeutas.
Outras decidem pautá-lo, considerando tanto a necessidade de avaliar a eficiência de
seus profissionais quanto a de contar com um banco de dados úteis, por exemplo, para
fins de pesquisa. Assim, é possível que o primeiro psicodiagnóstico seja indicado
quando o paciente entra na instituição, e o outro de seis a oito meses após,
dependendo isto do periodo destinado a cada paciente.
Logo após, administraremos este psicodiagnóstico assim planejado: por um lado, a uma
amostra de homossexuais, dependentes de drogas, etc., e, por outro lado, o mesmo
psicodiagnóstico, à outra amostra chamada de controle, que não registra a mesma
patologia do grupo em estudo. Em uma terceira etapa, serão buscadas as recorrências
e convergências em ambos os grupos, para poder-se assim chegar a conclusões
válidas. Por exemplo, é significativo que os homossexuais desenhem primeiro a figura
do sexo oposto, já que na amostra de controle a pessoa desenha primeiro a do seu
próprio sexo, no Teste das Duas Pessoas. Estou usando um exemplo simples com a
finalidade de transmitir claramente em que consiste essa tarefa. A utilidade destas
pesquisas varia muito. As mais interessantes são aquelas que permitem identificar
indicadores que servirão para detectar precocemente problemas clínicos, trabalhistas,
educacionais, etc., com a conseqüente economia de sofrimento, problemas e até
complicações institucionais.
O psicodiagnóstico inclui, além das entrevistas iniciais, os testes, a hora de jogo com
crianças, entrevistas familiares, vinculares, etc. As conclusões de todo o material obtido
são discutidas com o interessado, com seus pais, ou com a família completa, conforme
o caso e o sistema do profissional.
Os testes realizados individualmente são reservados, geralmente, para a entrevista
individual com essa pessoa, para a entrega dos resultados. Porém o que tem sido feito
e conversado entre todos pode ser mostrado ou assinalado para exemplificar algum
conflito que os consultantes minimizam ou negam.
Por exemplo, um rapaz em torno dos 25 anos que consultou por se sentir amarrado
demais à noiva e a mãe, disse no Questionário Desiderativo que gostaria de ser o vento
porque é livre e também um cão porque é uma companhia fiel. Além do restante do
registro, estas duas catexias serviram para enfrentá-lo com sua própria contradição:
querer ser livre como o vento e ao mesmo tempo precisar da companhia de alguém que
lhe desse afeto. Logo aceitou que isto criava uma situação interna dificil e que não
podia pensar que o problema seria solucionado trocando de noiva ou distanciando-se
de sua mãe.
Em outra ocasião, com os pais de um menino de doze anos que se recusavam a aceitar
a seriedade da doença do mesmo, usei outro recurso. Mostrei-lhes a lâmina III do
Rorschach dizendo que o teste não estava sendo feito com eles, mas que a
observassem silenciosamente por um instante e logo cada um dissesse o que havia
visto. Ambos disseram algo semelhante à resposta popular: “Duas pessoas fazendo
algo”. Então disse-lhes que o menino havia respondido: “Dois esqueletos”. Ambos
ficaram muito impressionados e começaram a levar mais a sério minhas advertências.
Poderia eu ter tido a surpresa de que eles também dessem respostas muito
patológicas. Nesse caso teria comentado de passagem o que o filho tinha visto e
desviado a atenção para outro material. Quando as distorções são compartilhadas por
pais e filhos, a conclusão inevitável é a de que uma terapia familiar é urgente.
Outro caso é o de uma moça de uns 20 anos que chega a um Serviço de
Psicopatologia de um Hospital pedindo um estudo vocacional. Toda a sua conduta na
sala de espera e ao pedir a entrevista deixava clara uma grave patologia. A ansiedade
era enorme, apertava nervosamente as mãos, sentava-se e levantava-se
incessantemente, etc. Queria que fosse feito exclusivamente o “teste” vocacional. Com
muita relutância, aceitou responder o Desiderativo. Suas respostas foram: 1+, “Gostaria
de ser uma pomba, que é graciosa e alegre”, e no 1-. “Não gostaria de ser uma
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bolitas do Dr. Usandivaras. Ester Romano apresentou seu MEP (Modelo Experimental
Perceptivo) à Associação Argentina de Psicanálise, idealizado sobre a base de
estímulos gráficos ao estilo do Wartegg e não estruturados ao estilo do Rorschach.
No psicodiagnóstico individual, o motivo da consulta manifesto e latente dá-nos uma
pauta para recomendar ou não a terapia de grupo. Quando as dificuldades situam-se na
relação do indivíduo com os demais (pares, superiores ou subalternos) o mais indicado
é recomendar a terapia grupal. Se, no entanto, o conflito está mais centralizado no
intrapsíquico, o mais adequado seria terapia individual.
O teste de Phillipson (especialmente as lâminas grupais AG, BG e CG) nos dá uma
informação muito útil a respeito, já que, se nelas a produção for boa, comprovaria a
nossa suspeita de que uma terapia em grupo seria adequada, enquanto que se nelas o
paciente se desarticula, sofre impactos, as nega ou distorce a produção, haveria que
pensar que, longe de ser uma ajuda, a terapia de grupo aumentaria a sua angústia. De
forma que, independentemente do motivo da consulta, isto seria um elemento para
contra-indicá-la.
Em síntese, tentei resumir as diferentes aplicações que pode ter o psicodiagnóstico, e
certamente serão abertos outros novos caminhos ainda não explorados.
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