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Historia do descobrimento e

povoação da cidade de S. João da Barra


e dos Campos dos Goytacazes
antiga capitania da Parahyba do Sul e da causa e
origem do levante denominado — dos fidalgos —
acontecido no meado do seculo passado.
dividida em tres partes

Campos dos Goytacazes

2019
© 2019 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M386h Martins, Fernando José.



Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra e dos Campos
dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul e da causa e origem do levante
denominado - dos Fidalgos - acontecido no meado do seculo passado. Dividida
em tres partes/ Fernando José Martins. — Campos dos Goytacazes, RJ: Essentia,
2019.
266 p.: il. – (Memórias Fluminenses; v. 4).

Reedição da obra original de 1868.


ISBN 978-85-99968-57-4

1. Campos dos Goytacazes (RJ) – História. 2. São João da Barra (RJ) – História. I.
Título. II. Série.

CDD 981.53 23.ed.


CDU 94(81)

Essentia Editora
Rua Coronel Walter Kramer, 357
Parque Santo Antônio - Campos dos Goytacazes/RJ
CEP 28080-565 | Tel.: (22) 2737-5648
www.essentiaeditora.iff.edu.br | [email protected]

Tiragem: 500 exemplares


Impressão: Editora e Papeis Nova Aliança Eireli| Tel.: (21) 3105-5087/ 3105-6262

Ministério da Educação
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Reitor Jefferson Manhães de Azevedo
Pró-Reitor de Administração Guilherme Batista Gomes
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional José Luiz Sanguedo Boynard
Pró-Reitora de Gestão de Pessoas Aline Naked Chalita Falquer
Pró-Reitor de Ensino Carlos Artur Carvalho Arêas
Pró-Reitor de Pesquisa, Extensão e Inovação Vicente de Paulo Santos de Oliveira
Diretor de Pesquisa e Extensão Tecnológica Pedro de Azevedo Castelo Branco

Equipe Editorial da Série


Memórias Fluminenses
Editora Assistente Paula Aparecida Martins Borges Bastos
Editores Associados Raimundo Helio Lopes
Rogério Ribeiro Fernandes

Conselho Editorial Especializado Fernando Gil Portela


Henrique Barreiros Alves
Livia Brasil Viana Matta
Maria Lucia Ravela Nogueira da Silva
Priscila Mattos Monken

Equipe Editorial
Capa, Projeto Gráfico Caíque Pereira de Sá Cavalcante
Diagramação Caíque Pereira de Sá Cavalcante
Cláudia Marcia Alves Ferreira
Catalogação Henrique Barreiros Alves
Preparação do texto Marcela Luiz Francisco Azeredo
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................. 7
PREFÁCIO DA PRESENTE EDIÇÃO ............................................ 9

AO LEITOR ........................................................................................... 17

PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E


FUNDAÇÃO DA CIDADE DE S. JOÃO DA BARRA DOS
CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA
PARAHYBA DO SUL .......................................................................... 19
Divisão e localidade ......................................................................... 21
População e numero de casas ................................................................. 23
Praças ......................................................................................................... 23
Ruas ............................................................................................................ 24
População do termo ................................................................................. 25
Terreno ....................................................................................................... 25
Rios e lagos ................................................................................................ 25
Clima e meteorologia ............................................................................... 26
Agricultura e exportação ......................................................................... 26
Importação e consumo ............................................................................ 28
Commercio e industria ............................................................................ 29
Divisão civil e ecclesiastica ...................................................................... 32
Educação publica ...................................................................................... 32
Importancia politica, e força publica ..................................................... 33
Caracter e costumes dos habitantes ....................................................... 33
Estradas geraes ......................................................................................... 33
Monumentos curiosos ............................................................................. 34
Povoação da barra do Itabapuana ou rio Reritigbá,
nome dos indigenas ................................................................................. 35
Ilhas do rio Parahyba ............................................................................... 38
Receita e despeza municipal .................................................................... 39
O morro de Cacimbas ............................................................................. 43
Movimento das marés .............................................................................. 43

SEGUNDA PARTE: HISTORIA ...................................................... 45


Capitulo Primeiro ..................................................................................... 47
Capitulo Segundo ..................................................................................... 69
Capitulo Terceiro ...................................................................................... 77
Capitulo Quarto ........................................................................................ 83
Capitulo Quinto ........................................................................................ 113
Capitulo Sexto ........................................................................................... 127
Capitulo Setimo ........................................................................................ 135
Capitulo Oitavo ........................................................................................ 141
Capitulo Nono .......................................................................................... 145
Capitulo Decimo – De 1800 a 1820 ...................................................... 151
Capitulo Decimo primeiro – De 1820 a 1830 ..................................... 157
Capitulo Decimo terceiro – De 1830 a 1840 ....................................... 177
Capitulo Decimo terceiro – De 1840 a 1850 ....................................... 185

TERCEIRA PARTE ............................................................................. 191


Capitulo Primeiro – Juizes ordinarios e vereadores, e annos de sua
serventia ..................................................................................................... 193
Capitulo Segundo – dos ouvidores da lei, corregedores da comarca
e juízes de direito que o substituirão ..................................................... 209
Capitulo Terceiro – dos vice-reis, com relação á creação da villa,
governadores da provincia, capitães-móres e commandantes militares
dos goytacazes, e chefes particulares da Villa de S. João da Praia ..... 213
Capitulo IV – de outros empregados de antiga usança da classe
governista: dos officiaes do recrutamento e da capitania dos portos ..... 221
Capitulo V – dos vigarios, thesoureiros de orphãos e ausentes ........ 229
Capitulo VI – dos escrivães, e estatistica dos crimes e reos
desde os primeiros tempos da villa ........................................................ 233
Capitulo VII – dos principaes fundadores da villa, e sua descendencia .. 245
Capitulo VIII – imperadores do Espirito-Santo .................................. 263
APRESENTAÇÃO
Sobre a Série

A publicação da Série Memórias Fluminenses, pela Essentia


Editora, nasceu em 2014, estando relacionada com o Programa Centros
de Memória. A partir de 2017, a Série passou a contar com uma Equipe
Editorial composta por servidores de diversos campi do Instituto Federal
Fluminense. A equipe passou, assim, a atuar mais diretamente no trabalho
de pesquisa e captação de obras consideradas relevantes para publicação,
bem como em seu processo de editoração. O Conselho Editorial da Série
Memórias Fluminenses conta, para sua ação, com o apoio dos Programas
Centros de Memória, Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas,
Núcleos de Gênero e outros Programas Institucionais do IFFluminense.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Sobre a publicação “Historia do Descobrimento e


Povoação da cidade de São J. da Barra e dos Campos
dos Goytacazes antiga capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos
Fidalgos – acontecido no meado do seculo passado
dividida em tres partes”

Os originais, de 1868, em que se baseou a digitação deste volume,


foram disponibilizados para consulta pela Biblioteca Nacional, a quem
agradecemos na pessoa de seus bibliotecários. O mesmo encontra-se
disponível no formato digital através da BNDigital do Brasil.
Ao final da primeira edição do livro constam as Erratas, contendo
15 palavras listadas com a respectiva correção, indicando a página e a linha
onde se encontram cada uma delas. Para facilitar ao leitor, optamos, na
presente edição, por realizar no próprio texto a alteração das palavras,
conforme indicação do autor, suprimindo, assim, a errata original. Também
optou-se por suprimir a nota de rodapé constante na página 214 da
primeira edição (Terceira Parte, Capítulo Primeiro), que indica “a camara
deste anno foi chamada ao Rio de Janeiro pelo vice-rei”, em virtude de
não constar sua relação com o corpo do texto, não sendo possível, assim,
constatar a qual dos anos mencionados (1791 a 1799) se refere a nota.
A digitação da presente obra foi resultado do trabalho das estudantes
do IFFluminense, campus São João da Barra, Gislane da Costa e Luiza
França da Silva.

Sobre a Imagem de Capa

Trata-se da reprodução de uma das imagens que compõem a primeira


edição da obra (capítulo décimo primeiro), realizada pelo estudante do
campus São João da Barra, Arthuélles Silva Maia. A imagem remete a fato
relatado como tendo ocorrido em 1611, em que a jovem Clara lança-se ao
mar, em fuga dos indígenas que haviam atacado sua família quando em
caminho para a barra do Itabapoana.

8
PREFÁCIO
DA PRESENTE EDIÇÃO

Uma das primeiras e mais importantes obras já escritas sobre o


município de São João da Barra e das origens históricas de Campos dos
Goytacazes tem notadamente os seus devidos créditos destinados a um
de seus filhos mais ilustres, o pesquisador e historiador Fernando José
Martins. Descendente em linha direta do donatário da Capitania do Espírito
Santo, o Capitão-Mor Vasco Fernandes Coutinho, Martins entrou para
história por seus admiráveis feitos no campo da pesquisa historiográfica
da planície, entre outras indeléveis realizações.
Major da Guarda Nacional, Fernando José Martins, como homem
público, obstinado a entrar definitiva e proativamente para os anais da
história regional, escreveu a extraordinária obra, em 1868, intitulada
“Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul e da
causa e origem do levante denominado — dos fidalgos — acontecido
no meado do seculo passado. Dividida em três partes”. Obra-bússola,
como epístola inconteste, que serviu e ainda serve de direção para os mais
variados pesquisadores da história de São João da Barra, de Campos dos
Goytacazes e de outras cidades vizinhas. A descoberta de tal estudo é como
o próprio rio que, sendo água, percorre seu curso, sem limites. Mostra-nos,
assim, que essa pesquisa representa o que João Cabral de Melo Neto em
seu poema “Rio sem discurso” revela: “Quando um rio corta, corta-se de
vez o discurso-rio de água que ele fazia”. Dessa forma, a leitura da história
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

de São João da Barra e Campos dos Goytacazes constitui os fios de água


do curso de um grande rio, um “discurso-rio” que representa a formação
de povos, delineação do presente e do futuro.
Trata-se de resgate, de memória e de afetividades com a própria
gênese do sanjoanense, que é em si um patrimônio nascido em berço de
terra nobre, cuja saga é uma das mais magníficas e extemporâneas, sendo
até hoje contada e recontada no território brasileiro, vivenciada nos cordões
arenosos da planície deltaica, em suas ilhas fluviais, sob a constância do
vento nordeste na foz, da calmaria dos manguezais, das matas de tabuleiros
e das restingas, sob o céu azul celeste em contraste com a areia amarelada
e escaldante que beija tanto o rio como o mar. A obra “Historia do
descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra e dos Campos
dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul e da causa e origem
do levante denominado — dos fidalgos — acontecido no meado do seculo
passado” é na verdade um tesouro incomensurável, de inigualável quilate
e que nos deixa de legado a essa e outras gerações um precioso marco
dourado de lutas, conquistas e glórias desse povo. Um recorte histórico que
auxilia a compreensão de tantas batalhas travadas de maneira semelhante.
O saudoso escritor sanjoanense, João Oscar do Amaral Pinto, autor
de “Apontamentos para a História de São João da Barra”1, empreende
nessa memorável obra-prima da história do município, em suas primeiras
páginas, valoroso elogio e agradecimento ao Major Fernando José Martins
mediante a grandeza de espírito, a sagacidade, o tempero e a sapiência
quanto às pesquisas realizadas pelo nobre oficial durante a segunda metade
do século XIX, o qual subscrevemos ipsis litteris no trecho abaixo:
“Ao Inesquecível historiador sanjoanense FERNANDO JOSÉ MARTINS
cuja obra pioneira, editada no século passado, serviu de roteiro aos demais historiadores
da Planície, as mais profundas homenagens do autor”.
É, pois, sem dúvidas, um agradecimento de um dos maiores
historiadores de São João da Barra, responsável pela publicação de 14
livros e que teve na obra mater do Major Fernando José Martins a sua
grande inspiração para, nos idos de 1977, dar continuidade às pesquisas
historiográficas de São João da Barra. O Escritor João Oscar do Amaral Pinto,
sendo um pesquisador de escol dos arquivos públicos, das bibliotecas da
Capital, dos acervos particulares de historiadores regionais, não teria o mesmo
êxito se não encontrasse como “o primeiro fio da meada” as fontes da imortal
obra literária “Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João
1
Mini Gráfica Editora, Teresópolis, 1977.

10
PREFÁCIO DA PRESENTE EDIÇÃO

da Barra e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul


e da causa e origem do levante denominado — dos fidalgos — acontecido
no meado do seculo passado”, pesquisada a fundo por ele. João Oscar ainda
complementa, em seu livro de 1977, a corajosa empreitada do Major:
“Não fora seu difícil trabalho de pesquisa, não fora a trilha que abriu no
emaranhado dos documentos históricos que consultou, e os demais pesquisadores
regionais que o sucederam, encontrariam indiscutivelmente maiores dificuldades
para a concatenação dos fatos do passado e das pessoas que deles participaram.
Esse o seu grande mérito. Pena é que, ao contrário dos demais, a fama não lhe
sorriu com o mesmo sorriso benfazejo.”
Em um dos capítulos de “Apontamentos para a História de São
João da Barra”, de João Oscar, intitulado “Barões, Viscondes e Outras
Personalidades no Império”, o autor procurou dar ainda mais valor
àquele que fez os primeiros escritos da urbe sanjoanense, contando-
nos ricas informações desse vulto da terra de Narcisa Amália, qual seja,
FERNANDO JOSÉ MARTINS.
As fontes fidedignas de pesquisa de Fernando José Martins foram as
formadoras do grande tecido vivo de perpetuação da história sanjoanense,
que, na verdade, remontam à gênese de sua própria existência. Exemplo
verossímil este, entre outros não menos importantes, do arrolamento da
povoação da Barra da Paraíba do Sul, no ato de ser formada a Vila de
São João da Praya no ano de 1676: Os Freitas Silva; Sá Barboza; Siqueira;
Valles; Rodrigues; Calheiros Malheiros; Almeida; Dorias; Ferreira Bandeira;
Alves Godinho; Zévora; Martins Gato; Martins; Coutinho Araújo; Casado
Tourinho; Ferreira Coutinho; Borges Ramos; Castro Ilara; Martins da Palma;
Vaz Nunes; Da Silva; Da Fonseca; Saraiva; Coelho; Lopes Ferrão; Varejão;
Espírito Santo e outras famílias que compuseram a genealogia do surgimento
de nossa próspera urbe, registrada para posteridade nesta importante obra.
Não bastassem os agradecimentos do imortal poeta e romancista
sanjoanense João Oscar do Amaral Pinto ao primeiro historiador desta
terra, Major Fernando José Martins, outros filhos desta terra também o
fizeram com maestria em destemido empenho. A Prefeitura Municipal de
São João da Barra, na gestão do Prefeito Alberto Dauaire Filho, em 2004, no
propósito de resgate de tão importante obra do primeiro historiador deste
amado município, empreendeu a publicação de centenas de exemplares,
que foram reeditados com orçamentos do erário, na obra “História sobre
a Povoação e Fundação da Cidade de São João da Barra e dos Campos

11
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

dos Goytacazes. Da Antiga Capitania da Paraíba do Sul”2 destinando-os


à comunidade escolar, às bibliotecas da cidade e às casas de cultura. Um
gesto nobre de intenso resgate da memória literária sanjoanense.
Ao escritor, jornalista, poeta e romancista Carlos A. A. de Sá, autor
de dezenas de livros, entre eles contos, romances e ensaios literários, coube
a difícil, mas gratificante tarefa, de, na reedição de 2004, realizar as revisões
ortográficas, adequando o texto ao estilo contemporâneo, para facilitar a
compreensão de leitura ao leitor, tornando-a mais inteligível e atrativa.
Mas a atração veraz está na riqueza de detalhes elencados por Fernando
José Martins em seus mais variados capítulos da história sanjoanense. O
historiador descreve com profundeza de detalhes os aspectos geográficos,
demográficos, políticos, econômicos, administrativos, sociais, jurídicos e
outros de interesses gerais e\ou ainda mais específicos, que despertam
no leitor a curiosidade no modus vivendi dos tempos pretéritos quando do
desenvolvimento e crescimento embrionário do município. Também atrai
por se entender que “[...] um rio precisa de muita água em fios para que
todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases
curtas, então frase e frase, até a sentença-rio do discurso único em que
se tem voz a seca ele combate.” Nesse sentido, há inúmeras razões que
tornam o público dessa obra tão diversificado, a história pode estar em
situação de poço quando isolada, mas tenta reatar-se de vez ao rio por que
discorria, uma vez que os acontecimentos narrados complementam fatos
de outras épocas, remetendo-nos a novos sentidos.
Ainda o escritor Carlos A. A. de Sá, na sua animosidade e
competência como pesquisador e imponente jornalista local, fez colocar
na referida reedição de 2004 interessante biografia sintética de Fernando
José Martins, bem como curioso glossário dos termos incompreendidos
de nossa atualidade, usados por Fernando José Martins em sua época,
numa obra de quase 150 anos de publicação e existência.
Segundo depreendeu João Oscar do Amaral Pinto em
“Apontamentos”: “Fernando José Martins nasceu em São João da Barra em
1810, filho de Justina e João Martins Coutinho. Em 1824, aos 14 anos, Fernando
José Martins esteve em Pernambuco e presenciou o movimento revolucionário
“Confederação do Equador” e a execução de Frei Caneca. Em 1833 Fernando José
era o substituto do Juiz Municipal de São João da Barra. Advogado, foi vereador de
2
No ano de 2004, uma edição lançada pela Prefeitura de São João da Barra (SEMEC) sob o título de “História
sobre a Povoação e Fundação de São João da Barra e Campos dos Goytacazes. Da antiga Capitania da Paraíba
do Sul”, de Fernando José Martins, foi organizada por Carlos A. A. de Sá, com atualização ortográfica,
glossário sobre termos usados na época da 1ª edição e resumo biográfico do autor.

12
PREFÁCIO DA PRESENTE EDIÇÃO

1833 a 1836, 39, 43 e 73, procurador da Câmara em 1855 e delegado de polícia


em 1862. Presidiu a comissão que escolheu o local para a construção do matadouro
municipal em 1880. Entrou para a guarda Nacional, como sargento mor, em
1837 e chegou a major. Era irmão de Luiz Martins da Silva Coutinho, também
engenheiro. Em 1868 veio a publicar “História do Descobrimento e Povoação da
Cidade de São João da Barra e dos Campos dos Goytacazes”. Faleceu em Vitória
no fim da década de 1880, pois em 1884 estava em São João da Barra, segundo
registra jornal da época.” Fontes: “Apontamentos para a História de São
João da Barra, e do próprio biografado no livro reeditado em 2004 pela
Prefeitura Municipal de São João da Barra.
Com todos esses atributos, não poderia faltar-lhe informações,
mas ao historiador pioneiro de nossa terra, mesmo assim, o trabalho de
aglutinação de dados não lhe foi tarefa das mais fáceis. Por outro lado, por
seus cargos ocupados e pela relevância de sua pessoa junto à sociedade,
as informações lhes pareciam aflorar com mais contundência, fazendo
com que tivesse o poder-dever de concatenar os dados e reorganizá-los
assimetricamente em suas anotações e manuscritos, como se os encaixes
fossem únicos, naquele indesvendável “quebra-cabeças” da rica histórica
regional. Logo, Fernando José Martins reuniu uma coletânea de fatos
históricos com datas precisas e informações privilegiadas de órgãos oficiais
e extraoficiais e neles fez a sua trincheira histórica, agrupando a história
de São João da Barra tanto cronologicamente, bem como dividindo-as por
temas relevantes em relação à formação do território sanjoanense e de
suas gentes. Nasce sua obra-prima para a posteridade!
A reedição de 2018 de “Historia do descobrimento e povoação da
cidade de S. João da Barra e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania
da Parahyba do Sul e da causa e origem do levante denominado — dos
fidalgos — acontecido no meado do seculo passado”, de Fernando Jose
Martins, pela Essentia, vem a coroar um novo período de fausto, em clima
augusto no processo de formação cultural por meio da difusão de obra
literária de relevância histórica regional. É indiscutível que tal iniciativa é
convite a todos para conhecerem mais sobre as cidades as quais remetem
a um saber mais amplo sobre a região norte-fluminense e tantas outras
percorridas pelo nosso discurso-rio.
Mister que, a partir da reedição de tão importante obra pela Essentia,
sejam lançadas aos ventos da planície as sementes do saber e a motivação a
que se pretende, para que um dia, não muito distante, novos pesquisadores

13
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

destas terras e de outras venham a surgir cada vez mais interessados em dar
continuidade ao magnífico trabalho de pesquisa historiográfica regional
deixado pelo pioneiro-escriba de nossa história, o Major Fernando José
Martins, e por outros ainda não descobertos.

André Luiz Rodrigues Pinto


Priscila Mattos Monken

14
A historia é o thesouro da vida humana. Imaginai em que
horrorosas trevas e em que lamaçal de ignorancia bestial e pestifera
estariamos mettidos, se as recordações de tudo o que se fez ou aconteceu
antes de nós nascermos, estivessem inteiramente abolidas e extintas.

(AMYOT.)
AO
LEITOR
Apezar de sinceramente reconhecermos a nenhuma habilitação da
nossa parte, para bem podermos desempenhar a espinhosa tarefa a que
nos propozemos, pela falta de solidos conhecimentos necessarios para
um tão melindroso fim ; e ainda mais por caber a uma só penna e a um
só individuo trabalho tão arduo e fastidioso, qual o da investigação de
notas e documentos escriptos ha dous seculos, combinações de datas,
coordenações de materias, a importancia dos factos, para evitar da melhor
fórma possivel a confusão e desarranjo de papeis amontoados sem ordem
; apezar, dissemos, de todas essas difficuldades, não desanimamos ; antes
com muita satisfação apresentamos o esboço do que podemos colher
em resultado de nossos exforços e perseverança. E isto por seguirmos o
judicioso convite do insigne general, autor da Historia do Brasil, quando
no seu prefacio tratando da nossa regeneração intellectual, admoesta aos
Brasileiros a repararem o tempo perdido, preparando os elementos d’uma
litteratura propriamente nacional ; e accrescenta : « neste caso todo aquelle
que lançar uma pedra no cimento do edificio, fará importante serviço á sua
patria, embora não tenhamos grande material por ora, porque o tempo, e
só o tempo póde reunil-o com proveito. »
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Firme, portanto, no preceito deste profundo e immortal


Pernambucano, o meu fim unico é fornecer fracos dados a quem, com
melhores titulos, possa deitar, ao menos debil algamaço no grande edificio
da patria. O leitor encontrará na segunda parte alguma confusão de datas,
por chegar, ás vezes, até a epocha actual, e ter de voltar ao principio da
fundação da villa ; por obviar esse inconveniente, dividi essa segunda
parte em capitulos, para n’elles tratar privativamente de cada objecto ; e o
mesmo fiz na terceira parte, por ter de relacionar autoridades differentes.

18
PRIMEIRA
PARTE
HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E
FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS
GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA
DA PARAHYBA DO SUL
No extremo da provincia do Rio de Janeiro, do lado do norte, e
a sessenta e quatro leguas da capital, fica a importante cidade de S. João
da Barra ; cujo porto, por seu bem activo commercio, é um dos mais
importantes do territorio Brasileiro ; a qual com a denominação de villa
da Parahyba do Sul, foi creada em o anno de 1676 pelas condições a que
ficaram sujeitos o visconde d’Asseca Diogo Corrêa de Sá, e seu irmão João
Corrêa de Sá, general do Estreito, quando obtiveram doação das terras
que, por patrimonio real, haviam ficado, pela ausencia de Pedro de Góes
da Silveira ; a qual villa tendo deixado primitivo nome, e pouco tempo
depois tomado o de S. João da Praia cabo S. Thomé, ficou ultimamente
com a denominação que hoje conserva ; aliás bem expressiva do local
onde é situada e invocação do seu padroeiro.

Divisão e localidade

Divide-se o termo pelo norte e com a villa de Itapemerim, provincia


do Espirito Santo ; pelo oeste com a provincia de Minas Geraes e municipio
da cidade de Campos dos Goytacazes, com quem tambem se limita pelo
sul ; e pelo lado de leste, com o oceano.
Sua maior extensão de costa é de 13 leguas ; correndo do norte ao
sul desde a foz do rio Itabapuana até á barra do Iguassú, tendo de largura
pouco mais de 6 leguas.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

A barra do rio Parahyba do Sul, situada á 21.° 38’ de lattitude sul, e


41.° o 2’ O. segundo o Greenwich, e quasi no centro da extensão da costa,
torna-se perigosa em certas estações do anno ; sendo para lastimar que um
porto d’onde navegam 50 e mais navios de quatro a oito mil arrobas não
seja ao menos um dos melhores da nossa costa : seu fundo nunca excedeu
a 13 palmos na prêia-mar das marés extraordinarias, pois que geralmente
nunca avança a mais de 6 a 7 pés d’agua.*
Suscitaram-se algumas duvidas sobre o ponto de limites do rio
Iguassú, pretendendo a municipalidade de S. João da Barra que se
entendesse até o Furado, duas leguas mais ao Sul ; porém encontrei
documentos authenticos e antigos que attestam o contrario, porque sempre
o considerou naquelle rio, Iguassú, o ponto divisorio dos dous termos na
costa do mar. Partindo por este rio que corre ao O. noroeste vai seguindo
a divisão dos dous municipios pela passagem do Ingá, Tahy pequeno, a
desembocar no Parahyba, 4 leguas acima da sua foz ; e d’ahi correndo para
a serra ao rumo do noroeste pela lagôa das Saudades, e sertão da Cauaia,
desce por elle a encontrar o rio Itabapuana,cuja extensão do caxoeiro á
barra não só divide a cidade de S. João da Barra com o Itapemerim, como
tambem as provincias do Rio de Janeiro e Espirito Santo. O continente do
termo de S. João da Barra póde-se muito bem comparar a uma trapezioide
; considerando-se a costa e a linha da serra, pelos dous lados parallelos, e
os angulos do norte e sul, pelos desiguaes.
A cidade está situada á margem direita do rio Parahyba e á meia
legua de sua embocadura, cuja vista é encantadora ; observando-se
além de quasi mil braças de povoação á borda do rio, alguns edificios
sumptuosos, todavia, o interior ainda está longe daquelle gráo de
perfeição e regularidade que seria a esperar em relação ao exterior ; as
ruas não são calçadas, não ha nivellamento, e ainda se encontram muitos
terrenos desoccupados.

* No anno de 1709, segundo uma declaração que encontrámos, tinha a barra 13 palmos de fundo. Mas no
meado do 17° seculo, no tempo do descobrimento, tinha esta barra apenas um friso coberto de geobêras,
que o povo ia desentupindo em épocas de enchentes ; porque a exportação primitiva era levada á Barra
Sêcca, e pela valeta á barra do Assuesinho, em Iguassú, onde os pequenos barcos a tomavam de canôas
de voga que fazião o serviço daquella baldeação. Estas canôas estacionavão por dentro da dita barra,
nos alagados chamados Brejos de Dentro, e conduzião para fóra o carregamento aos barcos que por elle
esperavão 3 e 4 dias.

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

População e numero de casas

A população de todo o municipio consta de dois mil quinhentos e


quarenta fogos com 20,320 almas, calculo approximado, divididos pela
maneira seguinte. A cidade contém oito centos e sessenta fogos com
4,700 almas entre livres e captivos ; oito centos e cincoentas casas terreas
e 39 sobrados, entre os quaes se encontram alguns construidos com
elegancia e primor ; tres templos inclusive a Matriz de S. João Baptista, a
mais antiga igreja da capitania da Parahyba do Sul * segundo o testemunho
do padre Diogo de Carvalho, parocho encommendado ; uma cadêa que
bem se póde collocar no numero das mais bem construidas da provincia
; e tres bons trapiches, um na cidade, e dous edificados na Atafona, lugar
perto da Barra, onde se atracam os navios da carreira, e que servem para
depositos dos generos que se importam e exportam, tanto dos dous
municipios de Campos como do de Cantagallo.

Praças

A mais antiga é a Principal, ou praça da Matriz, em cujo centro se


acha impropriamente esta collocada : tem 317 braças em quadro : do lado
do norte fica-lhe a cadeia bem em frente á porta principal da Matriz, e a
margem do Parahyba serve-lhe de parapeito da parte do oeste. Tem 28
casas terreas e 3 sobrados.
A 2ª praça é a da Boa-Morte, um pouco mais espaçosa que a
primeira, a cujo lado do nascente se vê o templo deste nome ; os edificios
que a circulam constam sómente de 18 casas terreas.
A 3ª é a praça Nova, ou de S. Benedicto, que apezar de ser a maior
de todas, e situada em local aprasivel, não tem edificios de dous lados ;
aqui é que a tropa faz seus exercicios ; tem 15 casas terreas.
A 4ª praça é a do Pelourinho ; fica á borda do rio no fim da rua da
Boa-vista : foi aberta em 25 de Junho de 1825.

* Quando tratarmos em particular desta igreja, trancreveremos o documento que prova esta asserção.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Ruas
As principaes são a rua da Boa-vista, que foi a primeira e sempre
mais povoada, e a unica que com a denominação de rua Direita existiu por
espaço de muitos annos ; fica á margem do rio, e seu ornamento consta de
35 casas terreas, 4 sobrados e um trapiche.
2ª a rua Direita, que foi aberta pelos moradores do Matto-grosso,
logar proximo á barra, para virem á missa e a seus negocios na villa.
Chamou-se em principio rua do Caminho Grande ; em 1774 rua do
Açougue ; de 1800 a 1835 rua de Baixo ; e hoje rua Direita : tem 101 casas
terreas e 5 sobrados.
3ª a rua do Rosario, aberta em 21 de Janeiro de 1750, com o nome
de rua Nova, que conservou até 1835 ; tem 260 braças d’extenção, com
107 casas terreas e 5 sobrados.
4ª a dos Passos, que tem a mesma extenção da 3ª ; tendo sido aberta
em 1778 com o título de rua de S. Benedicto, tambem mudou para o que
hoje conserva ; tem 126 casas terreas e 5 sobrados.
5ª é a do Sacramento, aberta em 1792, quando se fez o rasgo a sahir
na praça da Matriz para franquear a passagem do Terço de N. Senhora
aos domingos, com a denominação de rua da Restinga ; tem 73 casas
terreas e 5 sobrados.
6ª a rua da Banca, que fórma parte da frente da cidade vindo do
lado da Barra ; tem 22 casas terreas e 10 sobrados, e foi aberta em 28 de
Novembro de 1811 em correição do ouvidor José Freire Gamero, onde
tambem deliberou que os chãos fossem de 100 palmos de fundos, e a ilha da
Cataia (antiga de Feliciana Bernarda e hoje do Moreira) ficasse para a camara
; e ordenou que os moradores da rua de Baixo (hoje rua Direita) podessem
puchar os fundos de suas casas até a dita rua da Banca.
Além destas principaes ruas tem a cidade as ruas do Alecrim, aberta no
dia 23 de Fevereiro de 1783 com o titulo de rua Travessa ; a Detraz da Boa-
Morte, que foi aberta em 1780 com a denominação de Becco de José Manuel
; a do Cotovello que teve em principio o nome de rua do Jogo da Bóla ; a de
S. João ; de S. Benedicto ; das Flôres ; a do Cajú, aberta em correição geral da
camara de 1792, de um esteio do canto da casa de Catharina de tal seguindo
para o mato encostado ao bardo de Manuel Moreira dos Santos, onde havia
grandes cajueiros ; a do Açougue, aberta em 1780 ; a de S. Pedro ; do Cunha
; do Sapo. E os Beccos de José do Porto, do Riacho, dos Namorados, e do
Rei, da Cadêa e do Pelourinho.

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

População do termo

Póde-se calcular em mil e sete centos fogos, com 8,700 almas livres
e 7,000 captativos. Quanto aos nossos Indigenas depois do anno de
1823, epocha em que ainda appareciam na fazenda da Moribeca nunca
mais se encontraram neste territorio. No sertão de Cacimbas sòmente
appareceram em 1780, pouco mais ou menos, e levaram Manuel da Silva
Pachêco, que se achava caçando ou tirando embiras na ponta de uma
peninsula, onde abre o Macabú dous braços : fica este logar agora ali em
frente á fazenda dos herdeiros do capitão Antonio da Silva Cordeiro.

Terreno

Plano e agradavel ; só se encontram montanhas nos limites com a


provincia de Minas Geraes.

Rios e lagos

O rio Parahyba do Sul que divide o termo em duas partes quasi iguaes
na distancia de 4 leguas, é o mais consideravel. Corre ao rumo do nordeste,
e nas grandes enchentes que ordinariamente vem nos mezes de Dezembro
a Março, sahe do seu leito natural e precipita todos os campos visinhos, por
onde dá navegação ás canôas e embarcações pequenas. Nos outros mezes
navegam barcas de 700 arrobas com alguma difficuldade, porque não lhes
offerece mais de 3 a 4 palmos d’agua.
O rio Itabapuana é estreito e bastante fundo, e a barra que dista da
do Parahyba cousa de 5 leguas, é pessima e desabrigada. Suas margens são
excellentes para grandes estabelecimentos de lavoura : pertencêram estas
terras aos extinctos padres da companhia de Jezus, e foi aqui que Pedro
de Góes da Silveira, fidalgo portuguez, fundou em 1539 sua povoação.*

* Em tempo e lugar opportuno tratarei do estabelecimento deste primeiro proprietario da capitania da


Parahyba do Sul.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Os lagos mais notaveis são o Tahy Grande com 5 leguas de


circumferencia, e o Tahy Pequeno ; os quaes em tempos de innudações dão
franca passagem ás aguas do Parahyba, que d’ahi, por corregos naturaes, se
dirigem ao mar pelas barras de Iguassú e Furado, no municipio de S. Salvador.
Não são menos importantes os lagos do Campello situado dentro
das terras da fazenda da Barra Secca, e o de Macabú no sertão de Cacimbas,
hoje S. Francisco de Paula, uma legua distante da costa do mar.

Clima e meteorologia

O clima é sadio ; o calor no verão não é tão excessivo como para


o lado montanhoso da comarca. As chuvas são mais copiosas nos mezes
de Abril e Outubro, alem das extraordinarias que costumam acompanhar
as grandes trovoadas e relampagos dos mezes de Desembro e Janeiro. A
estação do inverno é deliciosa ; e pode-se dizer que sempre o temos com
as chuvas e ventanias, do sul, seja em que estação fôr.

Agricultura e exportação

O terreno do lado do norte do rio, que comprehende os sertões das


Cacimbas, Campo-novo, Funil, Céo, Moribeca e morro do Côco, é o mais
aproveitavel para a lavoura. Existem 13 engenhos d’assucar, * sendo dois
movidos por vapor, duas grandes serrarias tambem movidas por vapor,
cinco fazendas de criar, e o resto da planicie que por espaço de 6 leguas
estende-se até a margem meridional do rio Itabapuana, acha-se hoje toda
occupada por situações de bem extensa producção. Este terreno, que
fórma a parte do norte e poente do termo S. João da Barra, é cortado por
pequenos lagos de* mais ou menos consideração, os quaes transbordando
nos tempos pluviosos desagoam para o mar por barretas que ás vezes se
tornam bem perigosas e funestas aos viandantes do norte, cuja estrada
geral ainda é (como se diz) a pancada do mar.
* Em 1695, 1721 e 1728 vieram ás duas villas de Goytacazes ordens positivas para se não encaixar o assucar
em caixa que levasse mais de 35 arrobas.

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

Os mais notaveis destes desagoadouros são o Guaxindiba, a


Caveira e a Lagôa-doce, no primeiro dos quaes, o mais perigoso, mandou
ultimamente o governo provincial construir uma soffrivel e conveniente
ponte de madeira, obra de grande utilidade por evitar desastres e mortes
ali acontecidas por algumas vezes.
Parte destas terras foram dadas, no anno de 1630, a Matheus
Pinto Caldeira e a sua mulher Florentina Pinta, no logar dos Moritibas
; em 1690 ao heroe Pascoal Borges Ramos,* nos Campos-novos de
S. Lourenço : seguindo-se a doação feita a Antonio de Puga, em 1695,
das terras da Barra Sêcca, que depois passaram ao sargento-mór João
Velho Pinto, e d’aqui a seu filho o capitão-mór Pedro Velho, o qual
embargou e obstou a sesmaria que do porto das Frecheiras para cima quiz
tirar, em 1727, Francisco Coutinho de Mello, e depois doou-as a quatro
sobrinhas, filhas de seu irmão João Velho Barreto, de nomes Luzia,
Thereza, Leonor, e Izabel ; á Manuel Ferreira Soares e sua mulher Maria
da Silva do O’, as de Cacimbas ; e posteriormente as dos Manguinhos ao
mesmo capitão-mór Pedro Velho.
O espaço que comprehende o lado do sul do Parahyba até ao mar
tambem conserva á margem do rio mui rendosas e adiantadas fazendas de
assucar, constando de 13 engenhos, sendo um movido por vapor ; e o resto
até á costa consiste em nativas pastarias de animaes em campos os mais
* Testamento de Pascoal Borges Ramos. « Saibam quantos este publico instrumento de testamento virem como
no anno do nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos e vinte nove ; aos seis dias do mez
de Novembro do mesmo anno, nesta villa de S. João da Praia da Parahyba do Sul ; eu Pascoal Borges Ramos,
morador nesta mesma villa, estando doente de cama em meu perfeito juizo e entendimento que Nosso
Senhor foi servido dar-me ; temendo-me da morte e desejando pôr minha alma no caminho da salvação, e
não saber quando Deus será servido levar-me desta vida presente, faço meu testamento da maneira seguinte :
« Primeiramente :
« Declaro que em fazendas de raiz possuo eu e minha mulher Maximiana dos Reis, no districto desta villa,
dois sitios, a saber, um em que moramos e vivemos, e outro que traz de renda João Dias de Oliveira, cujos
sitios são nos Campos-novos de S. Lourenço, e nos foram dadas estas terras pelo senhor capitão-mór.
« Declaro que não possue a cabeça de casal mais fazenda alguma de raiz, nem mais escravos, nem mais bens
andantes dos que ficam nomeados, e moveis só se possue os que são de ouro.
« Declaro que deve Jorge de Castro Ilara, morador desta villa, á cabeça de casal, 90$100 com os seus
juros. Declaro que deve o capitão Manuel Henriques do Amaral á cabeça de casal 20$000. Declaro que deve
Francisco Martins, official de calafate, preto forro, á cabeça de casal, 2$700.
« Dividas que deve o casal : — A João Fernandes Liber 7$000 ou o que elle disser : a João de Oliveira, morador
na villa de S. Salvador, um corte de vestido de baeta preta, a qual quantia será o que se lhe dever ; a um homem
que mora em casa de João Fernandes Liber, morador nesta villa, 5$000 de um pouco de panno de linho que
lhe comprei ; a Thomaz Ley as curas dos meus escravos, que será o que se ajustar ; ao reverendo padre Pedro
Marques Durão, nosso vigario, os prós e precalços de um enterro de um escravo que mandei enterrar.
« Deixo á minha sobrinha Josefa, filha do meu irmão Felippe Borges, 10$000 para o seu casamento, os quaes
se darão a juros emquanto não casar.
« Approvação. Eu e Henrique Fernandes Ferro, escrivão, etc. »

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

extensos, onde seus moradores encontram faceis meios de vida, que pela
maior parte consta de criações de gado vaccum e cavalar. Estes campos, que
o mais notavel é o Tahy da Praia, cujo lado opposto nunca a vista alcança,
pertencem a varios proprietarios, os quaes não vedam que a pobreza d’elles
se utilize para pasto de seus rebanhos.
No Sacco dos Cupis, hoje — Canto do Caetá —, logar deste grande
campo, que mais se approxima do Parahyba, foi o centro da notavel fazenda
de criar, pertencente ao morgado de Martim Corrêa de Sá e Benavides, que
sendo penhorada em 1732 ao coronel Pedro de Souza Castello Branco,
pela quantia de 3:081$766, passou áquelle dominio ; esta fazenda constava
igualmente de casas e curraes nos logares do Caetá, Matamba, Guepari,
Santo Antonio, Sacco, Engeitado, Ponta Araçahy, S. João e Caroára.
Em 1756 querendo a camara proteger a criação de animaes, então
principal genero de exportação do paiz, marcou nestes campos certas
localidades que ficariam communs a todos e com serventia publica, o que
logo entraram a aproveitar-se deste beneficio sem contestação de pessoa
alguma : taes foram o — Capão das Carnes —, Gombô —,* Capão dos
Colhudos —, Matheus Cabeça —, Sacco da Justa —, Imbahyba —, Capão
das Aboboras —, Pitanga —, Capão do Cedro —, Coitinho — e Matamba.
Não obstante a grande porção de terreno reservado para os pastos e
nutrição de nomerosa quantidade de animaes, o resto do continente de S. João
da Barra produz bem a cana, café, arroz, a mandioca, feijão, em que tem,
nos ultimos annos, feito progressos na exportação. Presentemente consta
ella de 65:000 arrobas d’assucar em 1:298 caixas ; 600 pipas d’aguardente,
pouco mais ou menos ; 8:000 arrobas de café, alem de outros generos. A
exportação da madeira de construcção, que tanto abunda nos sertões, tem
sido consideravel ; assim como o jacarandá.

Importação e consumo

A importação consta de generos e bijouterias estrangeiras vindas


da côrte, e da grande quantidade de carnes que diariamente nos entra da
provincia do Rio Grande do Sul e estados visinhos ; carne da colonia, assim

* A origem deste nome vem de um escravo chamado Mandú Gombô, que em 1702 administrava o curral que
neste lugar tivera seu senhor o capitão Ignacio Corrêa.

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

denominada por ser primitivamente vinda da colonia do Sacramento,


primeira que naquellas partes o governo portuguez estabeleceu no tempo
de seu descobrimento.
O consumo annual, quanto ao que respeita aos generos do paiz,
é immenso ; e relativo aos que nos vem de fóra, póde ser calculado
approximadamente pela tabella seguinte :

Consumo annual dos principaes generos que se importam na cidade de


S. João da Barra.

GENEROS QUANTIDADE VALORES

Carne verde da terra........... 420 rezes ............................. 10:619$600


Dita do Rio Grande............. 11:406 quintaes ..................... 91:250$00
Farinha de trigo................... 1:095 barricas ..................... 21:900$000
Vinhos e outras bebidas
compostas e alimentares.... 165 pipas ......................... 14:650$000
Cal do norte e do Rio de
Janeiro..................................... 100 moios ....................... 2:100$000
Fazendas sêccas e quinquilharias................................................. 91:000$000
Objectos de ferragens e maçames............................................... 7:000$000
Drogas de botica............................................................................ 400$000
Somma rs. 238:949$600

Commercio e industria

O commercio é bem activo ; e presentemente com a navegação de


cabotagem, feita em grande parte por barcos de vapor, attrahindo por isso
toda a exportação dos cafés do municipio de Cantagallo e adjacencias,
alem do de toda esta comarca, póde sem exageração rivalisar, se não
com os portos do Rio, Bahia e Pernambuco, ao menos com os demais
do Imperio. A causa principal do crescimento proporcional desta cidade,
comparativamente com a visinha, é sem contestação proveniente de
sua posição topographica ; os quatro municipios, cidade de S. João, de

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Campos, de Cantagallo e villa de S. Fidelis, fazem exportar annualmente


em 50 navios, construidos quasi todos no paiz, a quantidade de 1:900,000
arrobas de differentes generos.
A industria tem-se desenvolvido em proporção do augmento do
commercio ; ha 5 estaleiros onde continuamente se construem vasos
d’alto porte, tendo-se nos ultimos annos feito alguns brigues e galeras de
10,000 arrobas. Da provincia do Rio Grande do Sul tem affluido varios
proprietarios a se aproveitarem da abundancia e forte consistencia das
madeiras que produz o fertil solo campista, bem como da mão de obra
e risco dos mestres desta arte, pois que em abono da verdade preciso
é confessar que são peritissimos e excedem a todo elogio : o mestre
constructor Francisco Gomes, foi o que em 1740 fabricou as primeiras
embarcações nesta villa e na costa do mar em frente ao sertão das Cacimbas,
no logar chamado então — Porto dos Barcos — e hoje — Entrada Velha.
Este consideravel ramo de industria e outros que lhe são annexos,
taes como ferreiros, polieiros, alem do commercio dos madeireiros,
tem igualmente concorrido para o estado de prosperidade actual desta
cidade. O grande serviço que á industria e ao commercio hão prestado
os empresarios da valla navegavel do sertão de Cacimbas é certamente
incalculavel. Os portos da cidade encontram-se sempre apinhados das
madeiras de quaesquer dimensões, o que contribue vantajosamente para
rapida conclusão das obras com pouco estipendio e menor tempo ;
proveito exclusivamente devido á facilidade com que agora se transportou
as madeiras daquelle vasto continente ; porque, como diz Ferreira Borges
e outros illustres autores, são os canaes superiores ás estradas communs,
como instrumentos de communicação do commercio e das riquezas, por
abrir o transporte por agua um mercado mais extenso a cada especie de
industria, do que o transporte por terra.
Esta util empresa, concebida e posta em pratica ha pouco mais de 25
annos por uma associação de particulares, tem sua base á margem esquerda
do Parahyba cerca de 4,500 braças acima de sua foz, no logar denominado
Cacimbas ; e correndo em linha recta na direcção de N. S. por espaço de 6
a 7,000 braças até a volta do Sipó, d’ahi segue em sentido obliquo a entrar
na lagôa do Macabú, centro da freguezia de S. Francisco de Paula, onde
presentemente termina.
Em 16 olarias que se acham bem montadas á margem do rio, em
logares onde ha o melhor material, fabricão-se annualmente 221,400 tijolos,

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

com pequena differença, e 115,200, telhas que servem para consumo do paiz,
sendo parte exportada para algumas villa da provincia do Espirito Santo.
O commercio dos Goytacazes, nos primeiros tempos da sua
povoação, cifrava-se na exportação de carne salgada, couros, queijos e
algodão em caroço ; e para animar o trabalho e industria dos habitantes
vierão em certa data ordens, como diremos na 2ª parte desta obra, para
se cominar penas a quem conduzisse para fóra o algodão sem ser tecido,
e tambem convidando-os á plantação da mandioca para remetterem a
farinha ao Rio de Janeiro, onde seria comprada pela junta da fazenda, caso
não tivesse logo prompta venda.
Quanto ás producções vegetaes, criação de gados e a ornithologia
ou das varias castas de aves, tudo se encontra no termo, com poucas
excepções, iguaes aos de todo imperio. Do reino vegetal a ipecacuanha,
a baunilha, o cedro, o jacarandá, vinhatico, o sobro, araribá, o ipê, o
grumarim, a canella e especialmente a peroba, de que é prodigiosamente
rico o sertão das Cacimbas : o tapinhoan só se encontra do rio Itabapuana
para o norte, ou do Parahyba para o sul nas visinhanças do rio Imbê, do
termo de S. Salvador ; muitos cereaes, e a maior abundacia de fructas bem
saborosas. E do reino animal produz excellentemente o gado de todas as
especies ; e nas matas e riachos mais desertos encontra-se variadissimo
numero de animaes silvestres e de aves do paiz, e as de arribação que
em certas estações descem das serras, assim como passaros aquaticos: o
papagaio, a colhereira, o encontro, o mutum, jacú, o beija-flor, o sabiá,
o canario, as irêrês ; e dos animaes o veado, anta, quati, porcos do mato,
eaitatus e de outros muitos generos, apparecem constantemente.
Relativamente á ichtyologia encontra-se no rio e nos lagos do
Campello, Tahys grande e pequeno, e nos de Terra-nova e Campo-novo,
muitas especies de peixes saborosissimos, nos mezes de março a agosto
; os bellos robalos descem das cachoeiras de S. Fidelis com as primeiras
chuvas e ventos do sul do mez de abril para desovar na barra ; e as gostosas
tainhas nos chegam quando, em fins de junho, aquelles regressam á sua
antiga vivenda. Esta qualidade de pescado sahe do Rio Grande do Sul ao
pêrêquê, dizem, em janeiro ou fevereiro, e correndo a costa de arribação
aqui nos chega, as que se não resolveram a enfiar-se nas outras barras, logo
em principio de julho ou fins do mez antecedente.
De setembro a março, mezes das innundações, é a quadra dos
bagres, ou mulatos velhos tambem do Rio Grande, e das pescarias de barra

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

fóra nos lanchões de convés, a que dão o nome de calungueiros. Faz-se


extenso commercio então de peixe salgado entre esta cidade e rio acima
até S. Fidelis, cujo valor annual póde ser estimado em 7 a 8:000$000.

Divisão civil e ecclesiastica.

O termo tem um juiz municipal, que accumula ao mesmo tempo as


funcções de juiz de orphãos ; um delegado de policia, e tres subdelegados
e juizes de paz. O 1.o districto comprehende toda a parte do sul do rio,
onde está a cidade ; o 2.o a banda do norte, desde a divisão com o termo
visinho na Barra Sêcca, até a barra, e pela costa á barra do riacho Guaxindiba,
seguindo pelo Valão, que neste desagua, até á serra ; e o 3º districto consta
desta divisa ao rio Itabapuana. São as tres freguezias que abrange de facto o
municipio, pois que a de S. Francisco de Paula é o 2.o districto, e Itabapuana
o 3.o. Dizemos de facto, porque de direito seriam 5 com as freguezias do
Morro do Côco e da Limeira, as quaes, não obstante fazerem parte do
territorio de S. João da Barra, o municipio de Campos pretende usurpa-las
sem razão alguma, e nos achamos por isso pleiteando esse direito.
A’ Matriz de S. João Baptista são filiaes os dous templos da
cidade, S. Benedicto e Boa-Morte, e os oratorios collocados em certas
fazendas, onde á custa de seus devotos proprietarios celebrou-se o
santo sacrificio da missa. O mais antigo destes oratorios é o da fazenda
da Barra Sêcca, na margem esquerda do Parahyba e a 4 leguas da
cidade ; segundo o da Moribeca, á margem do Itabapuana ; o 3º é o da
fazenda do Calabouço ; 4º o do Caetá, e 5º o do sertão de Cacimbas,
onde está a Matriz de S. Francisco de Paula : na 2ª parte desta historia
descreveremos mais circunstanciadamente o tempo dos instituidores
destas pias casas de oração.

Educação publica

Ha poucos annos é que principiou a ser regular ; ha presentemente


duas escolas publicas de instrucção primaria para meninos, e uma do

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
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sexo feminino, todas providas hoje com bons professores; e tambem


collegios particulares para ambos os sexos dirigidos com ordem e
satisfação dos pais de familia.

Importancia politica, e força publica

A cidade de S. João é cabeça de districto eleitoral ; o collegio compõe-


se de 41 eleitores, tantos quantos lhe fornecem as tres freguezias.
Tem um batalhão de Guardas Nacionaes de infantaria do serviço
activo, com 5 companhias, outro de reserva, e um esquadrão de cavallaria,
alem de um destacamento de policia na cidade ás ordens do delegado.

Caracter e costumes dos habitantes

São, como todos os campistas, hospitaleiros e em geral amigos


do trabalho ; mui sujeitos e respeitadores da authoridade publica ; tem
amor á patria, e neste sentimento hão apparecido homens distinctos,
assim como illustrados no saber e intruidos nos differentes ramos dos
conhecimentos humanos.

Estradas geraes

Alem das duas estradas que da barra conduzem, costeando as duas


margens do Parahyba, aos municipios visinhos, e igualmente as da costa do
mar, que dão livre transito para o Espirito Santo e Rio de Janeiro, conta-se
a extensa estrada geral do sertão de Cacimbas aberta e aperfeiçoada em
1823, a qual tendo seu começo e origem no porto de Gargahú, e dividindo a
freguezia de S. Francisco de Paula em duas partes pouco desiguaes, entranha-
se pelo termo de Campos, no logar da Cauáia, com a extensão de 5 leguas
mais ou menos. Desta estrada destacam differentes ramificações para todas

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

as direcções ; a primeira, distante de Gargahú cerca de uma legua, sahe para


a esquerda com a denominação de — caminho do Estreito —, e dá serventia
aos viandantes nos mezes de Março a Outubro, por serem estes os isentos
das innundações : a 2ª mais acima sahe para a lagôa Feia, na margem do
Itabapuana ; e uma outra vem ter ao morro do Mico, e d’ahi passando pela
correnteza chega tambem ao mesmo rio em logar pouco abaixo da Limeira.
A estrada do — Corvo —, aberta em 1703 por Luiz Pereira Bandeira
e Jorge de Castro Ilara, dá passagem a quem de Cacimbas segue para o
sertão do mesmo nome, e vice-versa ; tem seu ponto na Terra-nova.
A muito antiga estrada do — Campo-novo — tem seu principio no
porto do — Grautá —, e d’ahi commonica os sertões do Campello, Funil
e Saudades, por veredas bem amenas e apraziveis até o logar das Moendas,
ponto este de partida para os logares e direcções indicadas.
Na mesma direcção corre a estrada das Moritibas e Casa Velha,
tendo sua base no poço d’Arêa, principio da sesmaria que, em 13 de
Outubro de 1727, foi concedida ao capitão-mór Antonio Teixeira Nunes,
e hoje pertence aos herdeiros de Manuel Leite de Faria. Esta propriedade
que comprehende todo o terreno do lado opposto da cidade, e onde tem
seu dono á margem do rio um elegante predio de sobrado, contem em si
as melhores pastarias e proporções para criação de animaes.

Monumentos curiosos

Em uma fazenda do sertão de Cabimbas, distante da costa 3,500


braças, e da antiga povoação do primeiro descobridor Pedro Goes, obra
de 5 leguas, encontrou-se ha 20 annos, quando se roçava o mato, uma
peça de bronze de 4 1/2 palmos de comprimento ; notava-se muito mal
as armas portuguezas, e com certa differença e distinctivo que bem se
póde julgar ter sido fabricada durante os 60 annos que Portugal soffreu o
jugo de Castella ; ainda mais porque sendo de presumir que este canhão
fizesse parte da artilharia portatil daquelle descobridor, ou de seu filho
Gil, e fosse ahi deixado em tempos que combateu com os botecudos, ao
ponto de desamparar a capitania pelos annos de 1622, não póde deixar
de prevalecer esta idéa, se conbinarmos esta data com a de 1580 em que
começou aquelle dominio.

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

Para prevalecer a conjunctura de ser com effeito esta arma ali


levada pelas phalanges do infeliz donatario, basta a circunstancia muito
notavel de não haver até o presente noticia alguma de outras guerras
ou ligeiros choques nos matos desta capitania, antes ou depois do
descobrimento, que podesse facilmente explicar o singular achado de
uma boca de fogo em matas incultas e desertas. Devia ser de muita
importancia que deixassem prevalecer o interessante monumento no
mesmo sitio e posição em que foi encontrado.
Por isso, em quanto outras provas não forem publicadas, ficamos
convencidos de que Gil de Góes levou a guerra muito alem, do que se
suppunha, e que para destruição dos Aymorés foi-lhe preciso embrenhar-
se no continente ; esforços que não logrou, porque succumbio afinal aos
repetidos e contumazes ataques daquelle gentio.

Povoação da barra do Itabapuana ou rio Reritigbá, nome


dos indigenas

Até 1844 muito insignificante foi esta povoação, e não passava


de meia duzia de cubatas ou tugurios de pescadores, com uma casa do
destacamento e um ou outro lavrador de diminuta producção ; porem
desta data em diante tem tomado incremento tão rapido, e promette tão
lisongeiro porvir que forçoso nos é descrever seu principio, descobrimento
e origem da anterior inercia e actual actividade ; certos de que para o
futuro alguem nos compensará este trabalho, tomando-o por base para
escrever com mais perfeição a historia, talvez, de uma importante cidade
e commerciante porto. E tambem de sua estatistica actual daremos conta,
approximando-nos o mais que fôr possivel da exactidão.
Seu desabrimento e primitiva fundação prende-se ao tempo do
estabelecimento de Pedro de Góes, que o leitor verá na segunda parte da
historia, pois que a mui poucas braças da barra deste rio para o sul fundou
aquelle capitão a primeira povoação de sua capitania ; mas ao tempo que este
a dasamparou já na Moribeca senhoreavam os jesuitas ; e a foz do Itabapuana
ia sendo visitada pelos descendentes do paulista Antonio do Prado.
Este homem sahira de S. Paulo, sua patria, para o centro de Minas-
Geraes a empregar-se no commercio de indios, então permittido ; e

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

achando-se, no cabo de muitos mezes de sua peregrinação, em altura


conveniente, resolveu sahir na costa do mar, e pondo-se a caminhar nessa
direcção veio, sem o pensar, a surgir poucas braças ao norte do Caxanga
(hoje villa de Itapemerim), pelos annos de 1723 ; onde encontrando
hospitalidade e afagos nos poucos habitantes desses lugares, não hesitou
em fixar ahi sua residencia, depois de despedir parte dos de sua bandeira
que ainda pretendiam continuar na mesma exploração.
Do consorcio que logo effectuou com Christina de tal houve uma
filha de nome Francisca do Prado ; a qual casando, em 1746, com Francisco
Dias, natural do Alçores, produziram 8 filhos de nomes, Manoel Dias, José
de Jesus, João Baptista, Francisco Alves, Anna, Maria da Lapa e Catharina.
Francisco Dias vindo á barra do Itabapuana, 6 leguas pouco mais
ou menos para o sul do Itapemerim, e encontrando ahi provaveis meios
de subsistencia na espantosa abundancia de pescado (mais saboroso que
o do rio Parahyba), e logar ainda que deserto e despovoado, porem já
visitado dos viandantes da villa da victoria e dos campos dos Goytacazes,
considerou fundar ali sua primeira habitação ; e de facto o fez no anno de
1748, sendo logo encarregado da passagem do rio, por cujo serviço levava
a taxa de 80 rs. por cada pessoa.
Depois de Francisco Dias e seus filhos, seguiram-se outros moradores,
os quaes até á data de 1844, que marquemos como termo da apathia e
inercia dos antigos habitantes, nunca tiveram residencia solida e fixa, pela
opposição que continuamente soffiriam do proprietario da fazenda da
Moribeca, a quem pertenciam essas terras, muito principalmente aquelles
que sem o devido preito e seu consentimento ali tentavam estabelecer-se.
Esta continuada contestação de direitos dava e tem dado motivos para
bem renhidas demandas de parte a parte.
No principio o fazendeiro triumphava, e n’um só dia mandava pôr
fogo e ardia a povoação inteira ; mas nos ultimos tempos precisou recorrer á
autoridade, que por vezes interveio officialmente, criminando os contumazes
ou admoestando-os por meio de editaes, como se vê do seguinte :
« O Dr. Alberto Antonio Pereira, cavalheiro da ordem de Christo,
desembargador da relação da Bahia, ouvidor geral e corregedor desta
comarca da capitania do Espirito-Santo, etc., etc.
« Faço saber aos moradores das villas de S. João da Barra
e Guaraporim,* e da barra de Camaquana, que por parte de D. Anna
* O termo de Guaraparim vinha então ao rio Itabapuana, por não serem nesse anno ainda criadas as villas de
Benevente e Itapemirim.

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

Angelica de Jesus Maria me foi feito um seu requerimento em que me


dizia soffria varios desatinos e roubos causados por alguns vadios, que
a titulo de caça e pesca daquelle rio Camaquana, se introduziam dentro
da sua fazenda donominada Moribeca, e lhe roubavam canaviaes e todos
os mais fructos que podiam haver ás mãos, assim como rezes que nas
matas e restingas da mesma fazenda ha, e conduziam furtivamente tudo
isto para elles ; pedindo-me em conclusão de sua replica lhe mandasse
passar edital para effeito de prohibir estes desatinos, por berm de cujo
requerimento lhe mandei passar o presente meu edital ; pelo que toda e
qualquer pessoa residente nos lugares acima declarados que se abstenha
de semelhante procedimento, com pena de que assim o não fazendo
de lhe ser imposta a do alvará do 1º de julho de 1776, para cujo fim
mando ao juiz ordinario da villa de Nossa Senhora da Conceição de
Guaraparim que sendo-lhe requerido pela supplicante a prisão, mantenha
as disposições do mesmo alvará impondo-lhe as que elle determina, com
pena de que assim o não cumprindo se lhe dar em culpa na proxima
correição. Dado e passado nesta villa de S. Salvador, Parahyba do Sul,
aos 21 de março de 1812 ; e para que chegue a noticia a todos e não
alleguem ignorancia, mandei passar o presente edital que será affixado
no lugar mais publico da Camaquana ; e eu Miguel de Squeira, escrivão
da ouvidoria geral, o escrivi. — Alberto Antonio Pereira. »
Todavia, não obstante estas providencias e rigores, o povo metteu
peitos á exploração do rio e centro da fazenda, de 1832 em diante. Em
1834 o capitão Vianna, um dos herdeiros e então administrador do monte,
principou a medição judicial das 8 leguas de terra : mas não concluio. Não
é nosso proposito averiguar nem discutir o direito dos litigantes, mas sim
relatar os factos que se deram, abstendo-nos de quaesquer considerações
relativas á legalidade de suas pretenções.
A povoação da barra, onde está presentemente creada uma freguezia,
consta de um sobrado, vastos trapiches de solida construcção, mais de
oitenta edificios, sendo alguns elegantes, navegação importante e talvez
dous mil habitantes, de um e outro lado. Mui conveniente se tornaria a
junção das duas Margens n’um só districto ou termo com obediencia
d’uma das duas provincias que neste rio se dividem.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Ilhas do rio Parahyba


A mais notavel é a ilha Grande do Arena, que tem para cima de 3,000
braças d’ extensão sobre 800 de largura ; conserva em si 4 engenhos d’
assucar, e fornece, no inverno, abundantes pastos para os animaes do
serviço das fabricas. E’ a primeira que se encontra largando-se da barra,
d’onde dista cousa de 600 braças ; e não póde ser censurado o viajante
novato que asseverar a juncção de um outro rio confluente do Parahyba,
visto a differente direcção que tomam os dous braços em torno deste
pequeno continente. A cidade está no braço esquerdo de quem vem da
barra, quasi em frente á extremidade do nordeste da ilha.
Entre esta e os outros suburbios da cidade demora a ilha do Urubú,
antigamente do defunto,* muito menor que a primeira, mas importante
pela localidade e bons pastos.
A ilha da Pena, que fica contigua á sesmaria de Francisco Gil de
Araujo, lugar das Cacimbas, tem uma boa fazenda de assucar e fabrica
de aguardente ; Leonardo de Sá Barbosa, filho do primeiro possuidor, a
vendeu em 1716 por 4$800.
A das Bruxas, que depois se denominou de S. João, logo em
continuação da ilha Grande, da qual é separada por um estreito canal, foi
notavel, e nella houve fabricas d’assucar ; mas hoje a corrente do rio a tem
diminuido consideravelmente : ficava em frente ao porto das Lavadeiras, e
sitio de Heitor Homem de Leão e de Placido da Silva, e vendeu-a em 1746
Manoel da Silva Barbosa, neto daquelle Leonardo de Sá Barbosa.
A ilha do Lima, formada desde remotas eras dos chamados
logradouros das terras, depois dadas ao capitão-mór Antonio Teixeira
Nunes, estende-se desde o riacho — Gargahú — até o pontal do norte da
barra ; o terreno, apezar de alagadiço e cortado por estreitos desaguadouros
que transbordam com as aguas das marés de lua, conserva excellentes
pastarias ; nestes riachos ou estreitas vallas naturaes encontra-se copiosa
vegetação de mangue preto e vermelho, cuja casca e com especialidade a
folha, serve de grande utilidade aos cortidores. Um francez, ali estabelecido
ultimamente, nos asseverou haver tirado grandes vantagens dessas drogas
para sua fabrica de cortumes, e que poucas haviam que igualassem para
esse mister á casca do mangue vermelho. Para prohibir o córte e destruição
* Assim a denominavam por se ter em Maio do anno de 1734 ali encontrado o cadaver do infeliz Ignacio
Dornellas, que foi assassignado na altura da Ilha das Bruxas, por Custodio, escravo de Jorje de Castro
Ilara, da Terra-nova, a mandado de Josefa da Silva, mulher de Dornellas, de accôrdo com o procurador
de causas Fernando Côrrea.

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

dessas arvores, attendendo á sua utilidade, já o conde de Rezende, vice-rei


do estado, ordenou em varias portarias á camara que providenciasse a sua
conservação comminando penas aos que as cortassem para lenha.
Conhecido o rio Parahyba do Sul, que ficou logo marcado como
ponto divisorio dos dous termos, de Cabo-Frio e villa da Victoria, foram
as ilhas então existentes concedidas por sesmaria ao capitão João da Rocha
de Calheiros, que as requereu e obteve do governador da capitania do
Espirito Santo, pelos annos de 1642 a 1650.
Seu filho o alferes Leonardo de Sá Barbosa, que aqui veio residir,
e depois Francisco de Sá Barbosa, filho deste, as possuiram livremente
; porem ao passo que a população foi crescendo, começaram a soffrer
opposição de alguns intrusos ; e tambem demandaram o senado de S. João
da Barra por pretender este a posse de algumas que se iam formando com
as enchentes do rio. Esta posse caducou, apezar de perceber a camara por
algum tempo 160 rs. de fôro por cada uma, e prevaleceram as compras
feitas ao antigo proprietario.

Receita e despeza municipal

Os rendimentos do senado nos primeiros tempos de sua creação


consistiam em 1$280, metade da contribuição imposta no 1º de março
de 1678, de accordo com o senado da villa de S. Salvador, a cada pipa de
vinho ou aguardente do reino que viesse de fóra ; o qual preceito durou
até 1832. Este imposto foi rematado em praça no primeiro anno, por
Francisco de Viveiros, pela quantia de 7$200.
E tambem em 10 rs. por cada couro que se exportasse :
resolvido em 1677.
Em 320 rs. por cada uma embarcação que navegasse neste porto :
resolvido em 1685.
Em 320 rs. por barril que viesse nos barcos : dito em 1713.
Nas afiliações, creadas em 1715, e arrematadas nesse anno
por 1$000.
Em meia pataca por cabeça de gado que se cortasse no açougue :
creado em 1717.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Em 40 rs. em camada de cachaça. E igualmente nos fôros, e multas


por contravenções de ordem e posturas.
Toda a receita do senado montava no anno de 1738 em 8$000* ; em
1749, 17$000, e assim augmentando progressivamente veio a ter em 1792 em
cofre liquido 3:331$836. Quando em 1794 se deu principio á factura da actual
cadeia, havia em cofre 3:548$696 em ouro, e em 1799, depois de acabada a
obra, 392$486 ; mas já em 1802 contava-se 2:950$480. Tinha então crescido
o contracto das aguardentes, que fôra instituido em 1696, anno que por não
haver quem por elle offerecesse mais de 3$500, mandou-se cobrar por conta
do senado ; ramo que chegou em 1831, quando foi extincto, a 3:981$000.
Presentemente não tem a municipalidade este artigo de receita,
porem em compensação foi-lhe dado, em 1835, a administração da
pilotagem da barra que lhe rende annualmente, depois da nova tabella da
taxa, para cima de 10 contos de réis, que seria justiça applicar-se a maior
parte no melhoramento desse serviço.
Alem destes rendimentos tambem a camara recebia certa commissão
pela cobrança do contracto do tabaco feita por conta da mesa de inspecção
do Rio de Janeiro ; e sendo abolido este imposto por alvará de 12 de janeiro
de 1757** na direcção dos deputados o doutor João Alvares Simões, João de
Araujo do Amaral e Pedro da Rocha, ainda ficou revendo a mesma commissão
pelos que o substituiram ; quaes os de 800 rs. por cabeça de escravo que
viesse de fóra da barra, 1$000 por cada pipa de azeite que vendesse.
Se a receita municipal era, nos primitivos tempos, tão diminuta e
limitada, ainda mais, por via de regra, o era a sua despeza. O primeiro
escrivão da camara, Antonio Pereira Vianna, que igualmente servia os
* Inventario a que se procedeu no anno de 1711 dos dinheiros e bens do senado. Item, em moeda corrente 2
cruzados, e assim mais, um bufete de páo amarello com seu pano de serafim, 6 tamboretes, meio alqueire, vara
e covado, uma medida de medir vinho, duas varas usadas de juiz, cinco varas de camaristas, todas bem pintadas.
** « Eu el-rei faço saber aos que este alvará com força da lei virem, que havendo-me supplicado os officiaes da
camera e da meza da inspecção do Rio de Janeiro, em differentes contas, e ultimamente na que me dirigiram
em 8 de Agosto do anno proximo passado de 1756, que houvesse por bem permutar-lhe o contracto do
tabaco da dita cidade pelo equivalente de 800 reis por cada um escravo que entrasse naquelle porto ; dez
tostões em cada pipa de giribita que se lavrasse naquella capitania e a ella viesse de fóra, e a 3$000 reis em
cada pipa de azeite de peixe que se consumisse na dita capitania ; e sendo sempre propensa a minha real e
paterna clemencia moderar aos meus fieis vassalos os seus gravames em tudo quanto as circunstancias do
tempo o podem permittir ; sou servido abolir o dito contracto do tabaco do Rio de Janeiro, como se nunca
houvesse existido ; sobrogando, em logar delle, os referidos impostos dos escravos, giribita e azeite de peixe,
sendo os ditos impostos arrecadados pelos officiaes da meza. da inspecção ; os quaes farão cobraa em grosso
por cabeça e pipas a mesma imposição dos vendedores na entrada, e nunca dos compradores por sahida, não
só por ser assim mais facil a cobrança, mas muito mais ainda porque desta será menos oneroso aos povos
que devem contribuir para ella se effectuar. Pelo que mando, etc.
« Belem 12 de Janeiro de 1757. »

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

empregos de tabelião do publico, judicial e notas, nomeado em 1676


pelo capitão-mór Francisco Gomes Ribeiro, vencia 6$000 mensaes. O
segundo, Domingos Rodrigues Chavão, ainda em 1678 exercendo todos
estes officios, percebia a mesma quantia, pois que ainda 1700 custava uma
escriptura lançada e escripta nas notas 1 pataca.
Pagava-se a um só individuo, pelas serventias de carcereiro e alcaide
da villa 2$000 annuaes ; e pelo aluguel da casa do sargento Gabriel Nunes
Varejão, em que se faziam as vereanças, 1$000 por anno. Para evitar esta
verba, que por excessiva o senado mandara por algumas vezes, em 1678,
questionar o proprietario do predio para modificar o aluguel aos 800 rs.
, resolveu-se comprar á Cecilia de Andrade, em 1696, os dous lanços da
casa, onde hoje se vê a cadeia, pela quantia de 2$400 ; allegando o senado,
no termo desta deliberação, por motivos desta compra o lhe ser oneroso
pagar os dez tostões annuaes do aluguel da casa.
Em 1709 pagava ao escrivão 9$000, e ao alcaide e carcereiro
2$000. Em 1713 ao escrivão 10$000. Em 1714, com as festas que se
fizeram por occasião da paz com a França, gastou-se com a musica
8$000, e com a cêra 2$920.
Em 1737, de finta ao secretario do conselho ultra-marino 1$280.
Em 1736, ao escrivão da camara 12$000, em 4714 dito 16$000, ao alcaide
6$000 e ao porteiro 4$000. Em 1805, ao escrivão 50$000, ao alcaide
25$000. No anno de 1811, ao escrivão 100$000 ; e assim progressivamente,
de maneiras que em 1829, por virtude da lei do 1º de outubro do anno
antecedente, passou o escrivão a tomar o titulo de secretario, e se lhe
marcou o salario de 300$000.
Um dos artigos de despeza que principiou a onerar o cofre do
senado, de 1766 por diante, foi a construcção de pontes nas vallas ou
desaguadouros naturaes dos grandes pantanos e tremedaes de Cacimbas,
Campello, Moritibas e Terra-Nova, do lado opposto á cidade, quando se
ordenou a estrada pela margem do rio desse lado para os viajantes do
Espirito Santo á S. Salvador, que até essa data tinham de vir á barra e
seguir para cima pelo lado do sul, E tambem os que posteriormente se
construiram deste lado quando se fez a mudança da estrada geral do
Coutinho para a margem do rio, segundo mencionaremos em capitulo
proprio na 2ª parte. Os precisos concertos e reedificações destas pontes
eram cuidadosamente feitos a expensa do cofre, em que se gastou, por
algumas vezes, de 400 a 800$000.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Um outro artigo de despeza, e de não menos importancia, com que


ainda presentemente a camara deve contar e em grande escala, é o reparo
e segurança da povoação das estradas e dilacerações do rio no periodo das
enchentes.
A’ proporção que em principio se foram descortinando os estreitos
regatos que davam custoso transito ás canôas que navegavam entre a ilha
Grande do Arena e a terra firme do lado da cidade, iam os ventos e a
corrente das aguas, então livres de obstaculos, destruindo espantosamente
a margem do rio desta parte ; e posto que em 1758 ainda distasse deste
a povoação cerca de 60 braças, comtudo o perigo julgou-se eminente ; e
a destruição total da pequena ilha do Cortume, que lhe ficava em frente,
chamou a attenção dos bons do povo, que em audiencia do ouvidor
Salles Ribeiro, neste mesmo anno de 1758, representaram e pediram com
instancia promptos e efficazes remedios. Attendida a supplica, concordou-
se em se dar principio á custa do cofre do conselho, á uma estacada de
madeira, começando do logar do Porto Escuro para baixo.
Não se pôde dar principio á obra no lugar projectado porque o
rio tendo-se ensacado extraordinariamente em frente a restinga Arêa
Branca, no sitio que Salvador Guilhães Freire e sua mulher Maria dos Ramos
venderam em 1716 ao sargento-mór Felix Alves Barcellos, e dirigindo-se
d’ahi por um insignificante braço ao porto das Gamellas (no Porto-escuro),
precipitou-se com tanta impetuosidade pelo lugar do Morro-bello, que já
em 1767 havia destruido dez casas nos suburbios da villa. A’ vista deste
inconveniente concordou-se em começar o reparo do porto do Pires, (é
hoje o largo do Pelourinho, onde termina a parte da cidade que denominam
— o Convento —), obra que veio a concluir-se em 1806. Mas, inuteis foram
todos os sacrificios e despezas ; o mesmo vigamento da estacada, depois de
rompida em varios sitios, serviu de encaminhar as aguas com mais violencia
; de maneira que em 1814 já o rio tinha derrocado os fundos dos predios da
rua da Boa-vista, e ameaçava invadir a villa. No anno de 1821, quando a parte
daquella rua accommettida fôra quasi extincta, resolveu a camara atalhar o
mal com o verdadeiro remedio que convinha. Mandou vir Pedra do Rio
de Janeiro, impondo penas aos mestres das embarcações que deixassem de
trazer certa porção de cada viagem, mandando-a collocar avulsa nos lugares
mais ameaçados, até que conseguio-se evitar a continuação do damno.
A maior brevidade de tempo para de prompto remediar o estrago,
não deu occasião a se construir, como devia, um eaes ou muralha, que se

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PRIMEIRA PARTE: HISTORIA SOBRE A POVOAÇÃO E FUNDAÇÃO DA CIDADE DE
S. JOÃO DA BARRA DOS CAMPOS DOS GOYTACAZES, DA ANTIGA CAPITANIA DA PARAHYBA DO SUL

prestasse conjunctamente ao aformoseamento da villa, descuido que até o


presente ainda se não procurou reparar.

O morro de Cacimbas

O monte a que os navegantes dão o nome de morro das Cacimbas,


demora ao noroeste, observado da barra do Parahyba ; e ao passo que
deste ponto se ladeia para o norte, mais saliente se torna sua divisão em
dous grandes picos. E’ visivel da distancia de 60 milhas em tempos claros,
isto é, só 36 dista da costa, e 24 ao mar.
Segundo melhores informações, o morro de Cacimbas occupa
talvez 260,000 geiras de terreno entre as caxoeiras dos rios Muriahé e
Itabapuana, em distancias desiguaes, pois que se avisinha mais deste, e é
tido por um dos principaes elos da consideravel cadêa do Imbê.
Para dar uma idéa da altura desta interessante e permanente
atalaia ao serviço do commercio e navegação campista, basta dizer que
é superior ao monte Cabo-Frio, o qual perde-se de vista logo que a
distancia excede de 48,000 braças.
A’ semelhança do Alpuixaras e Sant’Ander, de Castella Velha ; e dos
Gluboliam e Helicon, dos confins da Moréa, na Turquia, o monte de Cacimbas
não tem nome fixo ; os habitantes do Muriahé e Nogueira, do termo de S.
Salvador, o denominam morro da Onça, e os do norte de Itabapuana, o Garrafão
; mas é erro, porque o Garrafão, propriamente dito, é um monticulo situado
pouco distante da margem septentrional deste rio, que se avista 5 leguas ao
mar da ponta do Retiro, ao rumo do N. N.
Alem deste monte, ainda ha no termo de S. João da Barra o pequeno
morro do Côco, e o do Mico, mais proximo á matriz de S. Francisco de Paula.

Movimento das marés

O crescimento das marés a mais ou menos altura na costa do Brasil,


depende da maior ou menor distancia do equador ; por isso não é de admirar
que no Amazonas ou rio do Pará toque o influxo da maré ao porto do Cunha,

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

como se diz, 60 leguas de embocadura, quando na Parahyba não chegue por


elle acima a mais de 9,000 braças, attendendo-se á nossa posição tão proxima
ao tropico do sul e no extremo da zona torrida.
Todavia, esta maior elevação das aguas se dá tão sómente nos
mezes de agosto e setembro, ou quando nos preludios dos fortes rebojos
do sul ellas correm na costa precipitadamente com direcção ao norte
(aguas a leste) ; porem nas outras estações nunca o impulso da maré
passou alem de 2 leguas.
Seu accesso e altura, naquelles tempos especiaes, sobe acima de 8
palmos na barra, e move-se regularmente, uma vez no dia e outra de noite,
em horas correspondentes. A preia-mar, nos dias de lua nova e cheia, é
invariavelmente ás duas horas e um quarto, e nos quartos mingoantes ou
crescentes ás 9 ; avançando sempre 3 quartos por dia. Nas grandes marés de
agosto, mez em que a baixa Parahyba chega a seu termo, observa-se na barra
o phenomeno de obedecer a torrente do rio ao impulso da maré, e então
sente-se na cidade as aguas um tanto salobras.

FIM DA PRIMEIRA PARTE

44
SEGUNDA
PARTE
HISTORIA
CAPITULO
PRIMEIRO
Tendo o rei D. João III verdadeiro conhecimento da importancia e
interesses que, em beneficio da corôa e dos estados, proviriam da povoação
e aproveitamento das terras ha pouco casualmente descobertas, e não lhe
sendo possivel cuidar ao mesmo tempo (suppomos) na exploração, por
sua conta, do novo continente e da India, em que se achava igualmente
empenhado, resolveu dividir o territorio, já então conhecido, em capitanias
feudaes, confiando-as a aquelles de seus vassallos que melhores garantias
offerecessem por suas riquezas, coragem e serviços prestados á patria
n’outras emprezas arriscadas.
A’ Pedro de Goes da Silveira, fidalgo de sua casa, coube a capitania
da Parahyba do Sul, com 30 leguas de costa entre a de S. Vicente e Espirito
Santo, cujos titulos foraes, passados em 29 de fevereiro e 1º de março de
1536, dando-lhe o rei, assim como a todos os outros donatarios, amplas
attribuições no governo da capitania, são os seguintes :
« Dom João, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves d’aquem
e d’alem mar, em Africa senhor de Guiné e da conquista, navegação,
commercio da Ethyopia, Arabia, Persia e da India, etc. A quantos esta
minha carta virem, faço saber que eu fiz ora doação e mercê a Pedro
de Goes, fidalgo da minha casa, para elle e todos os seus filhos, netos,
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

herdeiros e successores, de juro e herdade para sempre, da capitania de 30


leguas de costa das minhas terras do Brasil, segundo mais inteiramente é
conteudo e declarado nesta minha carta de doação que da dita terra lhe
tenho passado e por ser muito necessario haver um foral de direitos, foros
e tributos, e cousas que na dita terra hão de pagar, assim do que a mim e á
corôa dos meus reinos pertencem aos ditos capitães por bem de suas ditas
doações, eu havendo respeito á qualidade da dita terra e a ora novamente ir
morar e povoar e por folgar de lhe fazer mercê houve por bem de mandar
ordenar e fazer o dito foral na fórma e maneira seguinte :
« Item, primeiramente o capitão da dita capitania e seus successores
darão e repartirão todas as terras dellas de sesmarias a qualquer pessoa
de qualquer idade e condição que seja, comtanto que sejam christãos,
livremente sem fôro nem direito algum, sómente o dizimo que serão
obrigados a pagar á ordem do mestrado de Nosso Senhor Jesus Christo,
de tudo o que nas ditas terras houver, as quaes sesmarias darão na fórma
e maneira que se contem nas minhas ordenações, e não poderão tomar
terras algumas de sesmarias para si nem para sua mulher e nem para o filho
herdeiro da mesma capitania, e porem podel-a-hão dar a outros filhos se
os tiverem, e assim aos seus parentes como se em suas doações contem ;
e se algum dos filhos que não for herdeiro da dita capitania ou qualquer
outra pessoa tiver alguma sesmaria por qualquer maneira que a tenha e
vier a herdar a dita capitania, será obrigado do dia que della succeder a
um anno a largar e traspassar a tal sesmaria em outra pessoa, e não a
traspassando no dito tempo, perderá para mim a dita sesmaria, e de mais
outro tanto preço quanto ella valer ; e por esta mando ao meu feitor ou
almoxarife que na dita capitania por mim estiver, que em tal caso lance
logo mão della para mim, e a faça logo assentar no livro dos meus papeis,
e faça execução pela valia della, e não o fazendo assim, hei por bem que
perca o seu officio e me pague de sua fazenda outro tanto quanto montar
a valia da dita terra.
« Item, havendo nas terras da dita capitania, costa, rio, ou bahias
della, qualquer sorte de pedrarias, perolas, aljofar, ouro, prata, coral, cobre,
estanho, chumbo ou outra qualquer sorte de metal, pagar-se-ha a mim o
quinto, e haverá o capitão sua disima como se contem em suas doações, e
ser-lhe-ha entregue a parte que lhe na dita dizima montar, ao tempo que
seu dito quinto por meus officiaes para mim arrecadar.
« Item, o páo do Brasil da dita capitania e assim qualquer especie

48
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

de drogaria de qualquer qualidade que seja que n’ella houver, pertencerá


a mim e será tudo meu e de meus successores, sem o dito capitão nem
alguma outra pessoa poder vender nem tirar para meus reinos e senhorios
nem para fóra delles, sob pena de que se o contrario fizer perderá toda sua
fazenda para a corôa do reino, e ser degradado para a ilha de S. Thomé
para sempre. E por emquanto ao Brasil hei por bem que o dito capitão, e
assim aos moradores da dita capitania se possam aproveitar delle no que
na terra lhes for necessario, não sendo em o queimar, porque queimando-
os incorrerão nas ditas penas.
« Item, de todo pescado que se na dita capitania pescar, não sendo
á cana, pagará o disimo á ordem, e sobre a dita disima hei por bem que se
pague mais meia disima, que é de vinte peixes um, a qual o dito capitão
haverá e arrecadará para si, porquanto lhe tenho della feito mercê.
« Item, quando o dito capitão, moradores e povoadores da dita
capitania trouxerem ou mandarem a meus reinos ou senhorios quaesquer
sortes de mercadorias que nas ditas terras houver, tirando escravos e as
outras cousas que atraz são defesas, podel-o-hão fazer e serão recolhidas e
agasalhadas em quaesquer partes, cidades ou villas dos meus reinos em que
aportarem, e não serão constrangidos a descarregarem e nem a venderem
em quaesquer partes, cidades ou villas sem suas vontades, se por outras
partes quizerem ir fazer seus proveitos, esquecendo-os fazer nos ditos
logares de meus reinos, não pagarão dellas direitos alguns, sómente a siza
do que venderem ; posto que pelos foraes, regimentos ou costumes dos
taes logares forem obrigados a pagar outro direito ou tributo o poderão
vender suas mercadorias a quem quizerem sem embargo dos ditos foraes,
regimentos ou costumes que em contrario haja.
« Item, todos os navios dos meus reinos e senhorios que á dita terra
forem com mercadorias que já cá tenham pago os direitos em minhas
alfandegas, e mostrarem disso certidões dos meus officiaes dellas, não
pagarão na dita terra do Brasil direito algum ; se lá carregarem mercadorias
para fóra da terra ou reino, pagarão da sahida disima para mim, da qual o
capitão haverá uma redisima, como se contem em sua doação ; e porem
trazendo as taes mercadorias para meu reino ou senhorios, não pagarão
da sahida direito algum, e estes que trouxerem as ditas mercadorias serão
obrigados a dentro em um anno levar ou enviar á dita capitania certidões
dos officiaes das minhas alfandegas do logar d’onde descarregaram de
como assim o fizeram em meus reinos, e as qualidades das mercadorias e

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

quantas eram ; e não mostrando certidão dentro do dito tempo, pagarão


a decima das ditas mercadorias ou daquellas partes dellas que nos ditos
meus reinos e senhorios não descarregaram.
« Item, quaesquer pessoas estrangeiras que não forem naturaes
de meus reinos e senhorios que á dita terra levarem ou mandarem levar
generos ou mercadorias, posto as levem de meus reinos e cá tenham
pago decimas, pagarão lá da entrada decima a mim das mercadorias, das
quaes o capitão haverá sua redisima, e ser-lhe-ha a dita redisima entregue
por meus officiaes.
« Item, de mantimentos, armas, artilharia, polvora, salitre, enxofre,
chumbo e quaesquer outras cousas de munição de guerra que á dita
capitania levarem, ou mandarem levar o capitão ou moradores della ou
pessoas estrangeiras, hei por bem que se não pague direitos alguns, e
que os sobreditos possam livremente vender todas as ditas cousas e cada
uma dellas na dita capitania ao capitão e moradores della que forem
christãos e meus subditos.
« Item, todas as pessoas assim de meus reinos e senhorios como
delles que á dita capitania forem, não poderão tratar nem comprar nem
vender cousa alguma com o gentio da terra, e tratarão sómente com o
capitão e povoadores della, comprando, vendendo e resgatando com elles
tudo o que puderem haver, e quem o contrario fizer, hei por bem que perca
em dobro toda mercadoria e cousas que com os ditos gentios contratarem,
de que seja a terça parte para minha camara, a outra parte para quem os
accusar, e a outra terça parte para o hospital que na dita terra houver, e não
havendo ahi, será para a fabrica da igreja d’ella.
« Item, quaesquer pessoas que na dita capitania carregarem seus
navios serão obrigadas antes que comecem a carga e antes que saiam fóra
da dita capitania de o fazer saber ao capitão della para provar que se não
tiraram mercadorias defesas, nem partirão assim mesmo sem licença do dito
capitão ; e não o fazendo assim perder-se-hão em dobro para mim todas
as mercadorias que carregarem, posto não sejam de pesos ; e isto porém
se entenderá em quanto na dita capitania não houver feitor ou official meu
deputado para isso, porque havendo ahi, a elle se fará saber o que dito é, e
a elle pertencerá fazer as ditas diligencias, e dará as ditas licenças.
« Item, o capitão da dita capitania, os moradores e povoadores,
poderão livremente tratar, comprar e vender suas mercadorias com os
capitães das outras capitanias que tenho provido na dita costa do Brazil,

50
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

e com os moradores e povoadores dellas : convem a saber, de umas


capitanias para outras, das quaes mercadorias não pagarão tributo algum.
« Item, todo visinho e morador que vier á dita capitania ou for feitor
ou tiver companhia com alguma pessoa que viver fóra de meus reinos
e senhorios, não poderá tratar com os brazis da terra, posto que sejam
christãos ; e tratando com elles, hei por bem que perca toda a fazenda com
que tratar ; da qual será um terço para quem o accusar, e os dous terços
para as obras dos muros da dita capitania.
« Item, os alcaides-móres da dita capitania e das villas e povoações
della haverão e arrecadarão todos os fructos, direitos e tributos que em
meus reinos e senhorios, por bem das minhas ordenações, pertencem e
são concedidas aos alcaides-móres.
« Item, nos rios da dita capitania em que houver necessidade de
pôr barcas para passagem delles, o capitão as porá e levará d’ellas aquelles
direitos e tributos que em meus reinos e senhorios se costumam e lá em
camara for taxado que teve e for confirmado por mim.
« Item, cada um dos tabelliães do publico e judicial que nas villas e
povoações houver será obrigado a pagar ao dito capitão 500 rs. de pensão
em cada um anno.
« Item, os moradores e povoadores da dita capitania serão obrigados
em tempo de guerra a servir nella com o capitão se lhe necessario for
notificar, ao capitão que ora é e ao diante for, e ao meu feitor almoxarife
e officiaes della ou juizes ou justiças da dita capitania e a todas as outras
justiças e officiaes de meus reinos, assim das justiças como da fazenda,
e mando a todos em geral e a cada um em particular que cumpram e
guardem e façam inteiramente cumprir e guardar esta minha carta de foral
sem lhe pôrem duvida alguma nem embargo, porque assim é minha mercê
; e por firmeza della mandei passar, etc., etc. Dada em a cidade de Evora
aos 29 dias do mez de Fevereiro do anno de 1536. — REI — Luiz do Couto
Telles, fidalgo guarda-mór da Torre do Pombo, a fez, etc., etc. »
O segundo foral, de 1º de Março deste mesmo anno de 1536,
consiste em uma especie de indulto concedido a todos os criminosos e
sentenciados, inclusive a morte natural, que viessem povoar as terras do
Brazil (exceptuando sempre os 4 crimes, heresia, moeda falsa, traição, e
sodomia) ; dando-lhes a faculdade de poderem, no fim de 4 annos de
residencia no Brazil e munidos d’um certificado do governador, ir a Lisboa
ou a qualquer parte do reino com suas mercadorias, apresentando-se

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e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

sempre ás autoridades territoriaes. A este foral ou lei seguiram outras no


mesmo sentido ; todas tendentes, com mais ou menos nas alterações, a
exploração, crescimento e defesa da costa da capitania, no caso de invasão,
podendo nomear capitães, cabos e todas as mais autoridades, bem como
ouvidores, juizes, escrivães ; conhecer dos crimes e decidir os conflictos.
Autorisado assim Pedro de Góes, e prevendo d’antemão um futuro
prenhe de riquezas e poderio, partio, em companhia de Martim Garcia e outros
de sua casa, a fundar a nova colonia. Depois de explorar a costa e fós do rio
Parahyba do Sul, cujo nome servia de base á capitania doada, desembarcou em
1539 na enseada do Retiro, não muitas braças ao sul da barra do Itabapuana,
logar elevado até á praia do mar extremamente aprazivel, e de toda costa da
capitania o mais apropriado ao fim a que se propunha. A’ tal ou qual eminencia
deste sitio deu logar a que ainda hoje lhe chamem — Barreiras do Retiro.
Os poucos annos que este infeliz capitão viveu em paz com os
indigenas ou naturaes do paiz, apenas lhe deu tempo para edificar uma
engenhoca, algumas casas para os de sua comitiva e uma capella, que
instituio freguezia, dedicada a Santa Catharina, depois dos Mós ou dos
Amoes. Ainda existe actualmente n’uma dessas barreiras, a que mais proxima
está da barra e a que é denominada a barreira de Gil de Góes, vestigios dessas
mós ou fragmentos das pedras que serviram ás obras do donatario, e mais
tarde para dar ao sitio o appelido que tem. Cremos que Pedro de Góes
não chegou a explorar o rio Prahyba do Sul, porque prestando nós alguma
attenção a esta circunstancia, não podemos descobrir um só titulo, despacho
ou doação de terras dos campos dos Goytacazes onde figurasse seu nome.
Combinando-se o tempo em que Pedro de Góes aportou ás nossas
praias e fundou seu estabelecimento, com o artigo que se lê na carta de
doação da mesma capitania feita ao visconde de Asseca, quando diz : e
tendo nós attenção a haver Gil de Góes deixado ha mais de quarenta
annos para a corôa a dita capitania da Parahyba do Sul, e a ser esta doação
datada em 1674, não poderemos ser taxados de superficial se dermos
70 annos, pouco mais ou menos, de duração á colonia deste primeiro
donatario. Accresce, que posto não se saiba ao certo o fim que teve o
capitão Pedro de Góes, visto não representar elle já no ultimo acto dessa
dolorosa tragedia,* todavia é claro que elle não vivia nos ultimos annos do

* Em todos os papeis vindos de Lisboa, nos ultimos tempos da colonia ; nas cartas do visconde d’Asseca ; os
titulos por que ainda hoje se conhecem os logares de Santa Catharina dos Amós, taes como a barreira de
Gil de Góes e outros ; assim como tambem o soccorro pedido á capitania do Espirito Santo, tudo é feito
e dirigido por Gil de Góes da Silveira, filho e immediato herdeiro e successor do capitão Pedro de Góes.

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

perigo, e sim seu filho Gil, chefe então da capitania, natural, sem duvida
alguma, do paiz, pois que no principio nunca delle se tratou.
Ora, se Gil de Góes nasceu no Brasil, ou si em Portugal sendo
então neto e não filho do capitão fundador, como se deprehende dos
factos apontados ; e se na época do abandono da capitania elle já antes
a administrava, é fóra de duvida que se primitivo estabelecimento
durou muito mais tempo do que se suppõe, e todos os escriptores tem
mencionado, tendo-lhe um delles dado apenas a duração de 4 annos.
Em virtude pois de continuadas guerrras nunca pôde Góes
aproveitar-se, como desejava, da natureza e fertilidade das terras de
sua donataria ; e sua agricultura limitou-se a bem pouco espaço em
derredor da povoação.
Francisco Dias, primeiro povoador da barca de Itabapuana depois
do donatario, ali encontrou todos os signaes, restos e ruinas da nascente
colonia á margem da pequena lagôa Doce, (que divide as 2 barreiras, de
Gil de Góes, e a do Salgado) taes como fornos, fragmentos de muralhas
e outros objectos que não poderam ser, no choque, transportados para
bordo das caravelas ; e quanto aos signaes de cultura, que só se estendiam
ao Amontoado, cerca de duas mil braças para o centro, onde é actualmente
roças da fazenda do Largo.
A reunião effectuada dos Goytacazes e Xipotós com os ferozes
Botocudos ou Aymorés das margens do rio Doce, deu o ultimo golpe á
colonia ; e Gil de Góes, com o socorro do chefe da do Espirito Santo,
Vasco Fernandes Coutinho, pôde evadir-se e escapar, com sua gente e
trem de mais facil conducção, ás crueis vinganças e supplicios que lhes
estavam destinados.
Os mais antigos descendentes dos hereos daquelle lugar referem,
por tradicção, um facto então acontecido que foi sempre tido entre elles
como origem do ultimo encarniçamento e contumacia dos Indios contra
o donatario, até a sua explusão ; o qual aventuramos e o transmittimos a
nossos leitores da mesma maneira que ouvimos.
Gil de Góes, entre outros Indios que consegiu domesticar, acolheu
uma menina de tenra idade, filha ou parenta proxima de um cacique (chefe
de tribu) da visinhança, a quem fez baptizar com o nome de Catharina.
Crescendo no corpo, na idade e na formosura, a pupilla do chefe
augmentava tambem na belleza ; e este não tivera forças para resistir ao
encantos da seductora filha das brenhas, nem tão pouco esta aos amorosos

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

afagos do donatario. Como é de crêr, a esposa deste percebendo o quer que


fosse, começou a nutrir zellos, com razão ou sem ella ; e como tinha genio
pouco prudente começou igualmente a maltratar, com palavras e obras,
a condescendente jovem, que incessantemente pedia a seu amante que a
fizesse transportar para outra lugar distante de sua perseguidora. De uma
vez, não podendo Catharina soffrer o barbaro castigo da ciumenta Dona,
e por estar ausente o capitão, deitou a correr para o mato em busca de
seus parentes ; e o estado lastimoso em que appareceu diante delles, com o
corpo ensanguentado, fez jurar vingança e guerra de morte contra aquelle
que, no pensar da tribu, era a causa do martyrio de sua bella conterranea.
E de facto assim o executaram com a total explusão da colonia.
Tendo portanto Gil de Goes abandonado a capitania pelos
annos de 1622, por lhe não ser possivel oppor-se á furia dos indigenas
passou á Lisboa ; e a Felippe IV de Castella, que então reinava em
Portugal, fez entrega de todos os seus titulos e direitos, renunciando
em beneficio da corôa toda a posse e dominios d’antes adquiridos,
visto que seus fracos recursos já lhe não permittiam tentar de novo
tão arriscada quão incerta empreza.
A varios capitães, que no descobrimento das terras do meio-dia
do Brasil ou colonia do Sacramento haviam prestado relevantes serviços,
foram dadas (em 1627, como diz Pizarro) por sesmarias as vastas campinas
do sul da capitania, entre os rios Iguassú ou Assusinho, e Furado ; e os
padres da companhia de Jezuz, que a pretexto de enviar apostolos ás
Indias orientaes e occidentaes, Dom João III os admittiu em Portugal,
no anno de 1540, e que por estes tempos tinham tocado á maior altura
do seu poder, não perdendo o menor ensejo de o estenderem aos sertões
mais remotos do continente, acompanharam os novos exploradores, e de
envolta com elles tambem fundaram seus estabelecimentos em logares,
segundo o que se tem escripto, pelos capitães destinados.
Ainda se vê presentemente uma grossa muralha, em ruinas, de
pedra, no grande campo do Tahy da Praia, a poucas braças da margem
do Iguassú, como indicando principio de estabelecimento em remotas
eras. Nesse tempo este rio Iguassú prestava-se, como já noticiámos, á
navegação, até desembocar no Parahyba, no logar das Valletas, e mais
tarde no Calabouce ; e como n’elle era marcado o ponto da doação dos
capitães, é natural que por ahi entrassem ou depois se communicassem,
e alguns dos religiosos, o Jesuita e o monge Bento, companheiros dos

54
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

hereos, pretendessem fundar seu dominio no logar indicado, que depois o


abandonassem por descobrirem logar menos alagadiço.
E’ mais verosimil que este monumento fosse obra dos Jesuitas,
posto que pertencessem essas terras depois ao mosteiro de S. Bento ;
porque em 27 de fevereiro de 1750, o dom abbade doutor Francisco
Manoel do Desterro Olandim, em nome do mosteiro e por seu
procurador o administrador das fazendas dos Goytacazes frei Verissimo
do Rozario, tomou posse das terras ao norte da Ponta de S. Thomé e rio
Iguassú, que lhe deu por troca de outras o reitor da companhia de Jezuz,
do Rio de Janeiro, padre-mestre Roberto de Campos, em nome deste
collegio e por seu procurador o padre superior do de Campos Miguel
Lopes, cuja troca de terras já em 1741 havia sido proposta pelo padre-
mestre reitor Simão Marques.
Ao passo que as terras da parte do sul da capitania se iam
explorando, cujos campos, á que deram o nome de Goytacazes do
da tribu que dommara este paiz (dividida em tres hordas, segundo o
author da Corographia brasileira — Goytacá-Guassú, — Goytacá-Moppi
— e — Goytacá-acoriló —) offereciam á aquelles sesmeiros grandes
vantagens na criação de seus animaes ; tambem na barra do rio Parahyba,
conhecida de alguns pescadores de Cabo-Frio que ahi se abrigavam, teve
principio uma pequena povoação, no pontal do sul, pelos annos de 1622.
A pouca profundidade do rio, a deliciosa planicie que de ambos os lados
estende-se por espaço de 12 leguas, o offerecer o rio a melhor agua doce
logo a poucos passos do cordão da barra para dentro, e sobretudo a
extraordinaria abundancia do melhor peixe, attrahiu a attenção destes
navegantes, cujo fim então de suas excursões era a pescaria.
O cohecimento que quasi ao mesmo tempo tiveram do Parahyba os
do Espirito Santo quando vieram em soccorro de Gil de Goes, fez com
que ahi marcassem mais tarde a divisão dos dous termos —da Victoria
e Assumpção de Cabo-Frio —, seguindo-se logo a doação das terras, do
lado do norte, feita pelo governador ou capitão-mór do Espirito Santo,
como em 1630, a Matheus Pinto-Caldeira, e as do sul pelos do Rio de
Janeiro, segundo dissemos.
Lourenço do Espirito Santo, primeiro que na povoação da barra
tivera casa de negocio e redes de pescaria do alto mar, desgostoso por lhe
ter morrido afogada a esposa, e que pela proximidade do mar não a tinha
podido salvar a com rapidez da vasante, resolveu firmar sua residencia meia

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

legua acima da embocadura, n’um comoro de arêa, onde á 10 ou 12 braças


edificou-se a capellinha de S. João Baptista : nesse logar está hoje a casa
dos herdeiros do capitão Silva Vianna, e o seu exemplo foi logo imitado
pelos demais companheiros e visinhos. Para maior validade e segurança da
propriedade do terreno onde firmavam suas habitações, pediam por data
ao senado de Cabo-Frio os lanços de chão que cada um pretendia occupar
; e este, para regular melhor a justiça dessas concessões ou doações, pedia
informações ao juiz almotacé que creou na nova povoação. Este emprego
era quasi sempre exercido pelo sargento-mór João Velho Pinto, natural
da mesma cidade de Cabo-Frio, e que nas restingas do Cutia firmara sua
residencia com criação de gado. Era elle, por assim dizer, o governador
deste povo : a elle se dirigiam para a decisão de qualquer duvida, e a
sua opinião era tomada como sentença passada em caso julgado. De
sua parte tambem Pinto esforçava-se por corresponder á confiança que
n’elle depositavam, e em augmentar o paiz que de novo adoptava ; foi
incançavel no progresso da povoação e cultura das terras ; noticiou para
o Rio de Janeiro e outros logares da importancia das terras e do local ; e a
seu convite vieram á Parahyba estabelecer-se o capitão Mauricio Ferreira
Bandeira, natural da Victoria : o capitão Francisco Alves de Barcellos,
natural de Portugal ; Gonçalo Gomes Sardinha ; o alferes Manuel Ferreira
Soares ; o capitão Manuel de Freitas Silva ; o capitão Manuel da Fonseca do
Amaral ; o sargento-mór João Vieira, e outros principaes troncos de quasi
toda a população da cidade de S. João, e parte da de Campos, segundo
mostraremos no fim da 3ª parte.
Em virtude do alvará de 15 de dezembro de 1670, mandou o
sargento-mór Velho Pinto explorar as mattas da enseada dos Pargos (baixas
de Itabapuana), em procura da rezina jutaycica ou gomma copal, que dava
no tronco das arvores ; e d’ahi data o conhecimento que teve dessas
terras, dadas depois por sesmaria a seus filhos o capitão-mór Pedro Velho
Barreto e Euzebio Corrêa de Alvarenga, que foi embargada pelos Jesuitas
da Moribeca com o fundamento de ser o visconde d’Asseca incompetente
para conceder terras ao norte do Parahyba.
As terras entre o rio e a costa do mar foram repartidas, na maior
parte, por Velho Pinto, Gonçalo Gomes Sardinha e o capitão Francisco
Alves de Barcellos ; menos a ilha do Ganguella, que com seus logradouros
deu-se a Manuel Pereira Pinto e sua mulher Helena Nogueira Paes,
moradores de Cabo-Frio ; estes logradouros comprehendiam o brejo de

56
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Saquarema e ilha do Araçá, onde em 1680 foi levantado um curral de gado


por Matheus de Souza Riscado e dous escravos do dito Pereira Pinto.
As confrontações destas ilhas eram nessa época, de uma parte com o
capitão Julião Nogueira Pinto, de outra com o sargento-mór Pedro Velho
e com Francisco Corrêa, da outra com o rio Ganguella (ainda é navegavel
em tempo de innundações), e da outra com o brejo Saquarema e seus
logradouros, restinga abaixo até o rio Parahyba, isto é, começando do
curral do sargento-mór Felix Alves de Barcellos, abeirando o rio Ganguella
até o Parahyba, tendo antes de chegar a este encontrado com o sitio hoje
(1748) de João Francisco Branco.
O capitão Manuel de Freitas Silva estabeleceu-se no porto das
Lavandeiras (agora — Porto-pequeno —) e o alferes Manuel Ferreira
Soares passou o rio e do lado do norte deu principio ao descobrimento
do vasto sertão das Cacimbas, que seu filho do mesmo nome effectuou
no anno de 1692. Ao repartirem as terras coube a João Velho Pinto
as da parte da barra, cujos fundos terminavam na direcção da lagôa
de Lucrecia (Quipary) aonde se dividia com os quinhões do capitão
Barcellos e Sardinha.
Uma linha natural e notavel começou a servir de ponto divisorio
dos povoadores da barra com os dos campos, ao sul da Ponta de S.
Thomé ; fallamos do rio Assú ou Iguassú, cujos limites mencionámos
na 1ª parte ; este rio sendo ao principio corrente e livre de obstaculos,
apenas encontra-se no presente vestigios nos tempos pluviosos. Foi tão
navegavel e limpo seu alveo, que morrendo afogado o preto Hilario,
da fazenda do Sacco dos Cupis, na occasião em que no curralinho o
ia atravessar a cavallo, ambos os corpos (o cavallo tambem afogou-se)
foram encontrados na barra no fim de 4 dias. Todas as testemunhas que
depuzeram na justificação dos padres Bentos, quando investigaram a
divisão dos dois termos, foram concordes em relatar este facto.
Os capitães que haviam tomado posse dos campos dos Goytacazes
consta que, depois de firmadas as competentes divisas das terras que cada
um pôde obter, e deixando administradores, retiraram-se para o Rio de
Janeiro, d’onde vigiavam o progresso e tendencia dos habitantes.
Em 1661 pouco mais ou menos, vindo o ouvidor desta cidade, que
era então cabeça da comarca, João Velho d’Azevedo, em correcção a Cabo-
Frio, criou uma villa nos campos (no Becco), a qual foi logo supprimida
por ordem do governador geral do estado, e a instancias daquelles

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

proprietarios, que temiam sem duvida os estabelecimentos municipaes,


por falçamento suppôrem usurpação de suas posses e direitos.*
Porém a população crescia, os recursos encontravam-se a cada passo
; e a amena e deliciosa capitania da Parahyba do Sul, que presentemente,
com toda justiça, se póde appellidar o — Jardim do Brazil —, tornava-se
cada dia o objecto de vivas ambições por quantos a conheciam e visitavam,
por conhecerem os predicados de sua excellente localidade.
Gaspar Marinho, mestre d’uma embarcação que da Bahia viera
algumas vezes aqui commerciar, imbuido sem duvida da ignorancia dos
habitantes, cujas relações para com o Rio de Janeiro ainda eram limitadissimas,
emprehendeu domina-los ; e pelo meio que inventou julgava locupletar-se
de seu trabalho, e talvez conseguir nomeada para outros fins.
Para isso munio-se d’um supposto diploma , ou carta patente, de
ouvidor da lei, em que o governador do estado o incumbia como tal de
* Encontramos uma nota que mostra ser esta primeira villa a que se formara em derredor da ermida de S. Salvador,
mandada edificar pelo governador Salvador Corrêa de Sá, no seu terreno, em 1652 ; cuja administração, diz o
autor da Corographia, havia sido entregue aos cuidados dos monges benedictinos, fazendo-os de mais a mais
juizes ecclesiasticos. Sendo já neste tempo numeroso o povo em razão do que concorria de varias partes,
e tambem muitos criminosos, conseguiram persuadir ao novo pastor que governasse republicanamente, para
maior segurança. Um dos primeiros actos juridicos da republica foi a repulsa de um vigario secular, que no
comenos appareceu, inviado pelo doutor Antonio de Marins, vigario geral do Rio de Janeiro, para substituir
o religioso. Depois de larga disputa, sendo empossado o novo cura, soube este acarear parte do povo para
que se estabelecesse junto da matriz. Reconhecendo o povo com o tempo que leis municipaes não eram
sufficientes para conter a opposição dos administradores dos proprietarios, estabelecidos no Rio de Janeiro,
nem cohibir as atrocidades d’alguns poderosos, determinou metter-se debaixo da obediencia d’el-rei, por
instrucção dos mais cordatos ; e com esta deliberação criaram uma villa no lugar da matriz com o nome do
seu orago, com pelourinho etc., e deram conta ao ouvidor do Rio de Janeiro.
« Passado algum tempo começou o povo a descontentar-se com o máo local da 1ª villa, por ficar distante
no rio Parahyba ; e obtido o consentimento do procurador do donatario, ordenou o senado, em 1678, a
mudança da villa para certo lugar á margem do rio ; do que resultou rixas entre os frades Bentos e o povo, por
quererem aquelles que o local lhes pertencesse ; e a pretexto de uma troca ou falta de remuneração, lançaram
excommunhão aos camaristas ; e esta foi a origem de renhidos debates e malles.
« Em 1720 achava-se o povo revoltado, tendo Bartholomeu Bueno á testa, o qual se tinha feito um regulo.
O governo do Rio de Janeiro Ayres de Saldanha, expedio ordem ao capitão-mór Agostinho d’Azevedo
Monteiro para o fazer prender, o que se não effectuou sem vigorosa resistencia dos seus sequazes, e pôde
evadir-se a salvo, sendo-lhe sequestrados os bens pelo ouvidor Paula de Torres.
« A fugida de Bueno não pôz termo ás sublevações ; varios individuos os atacaram successivamente por mais
de 20 annos, apezar do tragico fim que experimentaram uns após outros, chegando o povo algumas vezes
a atacar e a prender o proprio procurador do donatario, outras a cercar a casa do senado quando nesta se
achavam os senadores occupados em negocios que lhe não era favoravel, e os prendendo e remettendo para
o Rio de Janeiro ou Bahia, e procedendo a novas eleições, sempre votando em gente do seu partido.
« O governador do Rio de Janeiro Luiz Vahia Monteiro, mandou uma companhia de tropa de linha para os
fazer chegar á obediencia, mas nada conseguio ; Gomes Freire d’Andrade mandou tres companhias, sendo
uma de granadeiros, com mais algum successo, pela coadvação do ouvidor do Espirito Santo Matheus
Nunes de Macedo ; esta tropa foi mantida á vista dos bens dos revoltosos, que quasi todos foram presos. O
procurador donatario pôde então tomar posse real da capitania, que a não havia antes podido obter senão de
direito, até a mesma passar ao dominio da corôa, cuja posse foi por vezes interrompida. »

58
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

vir á Parahyba do Sul instituir e criar villas em lugares apropriados ; cobrar


direitos, nomear justiças e prover no mais que mister fosse. Era facil
acreditar o embuste, porque o cargo de ouvidor da lei podia ser occupado
por qualquer, embora não sendo bacharrel, e o seu provimento competia
justamente ao governador geral, que residia na Bahia, ou ao do Rio de
Janeiro, nas capitanias que, como esta se achavam reunidas á corôa.
Aportando á barra, em 1670 ou 1671, o fingido magistrado, tratou
logo de convocar a gente da povoação e dos suburbios, e na capellinha
de S. João patenteou-lhes a carta com que viera da Bahia autorisado á
formar villas, e que uma dellas devera fundar-se nesta barra para proteger
o commercio e navegação costeira ; mas querendo passar logo a nomear
os officiaes da camara, escrivães e mais autoridades, houve opposição da
parte do povo em reconhecer o titulo de Marinho : parece que habituado
a ve-lo, sempre que á Parahyba aportava, dirigindo o leme da sua caravella,
estranhava por isso tão repentina transfiguração. Crescia o tumulto,
porque o Gaspar teimava no seu proposito ; até que o sargento-mór Velho
Pinto, prudentemente propoz-lhe o alvitre, de ir elle ouvidor primeiro
aos Goytacazes, por isso que dizia de lá formar outra villa, e então o que
aquelle povo praticasse elles depois seguiriam o seu exemplo.
Não agradou muito ao novo magistrado esta proposta, pois que era
de máo agouro no principio de sua carreira um tal tropeço : com tudo,
sendo testemunha occular do modo de pensar e pertinacia das opiniões,
relativamente a seus projectos, e que se teimasse em o realisar correria o
risco, fingio de livre vontade concordar na dilação ; e por não perder mais
tempo transportou-se aos Goytacazes, cujos habitantes acolhendo-o logo, e
o reconhecendo na qualidade que falçamente representava, dispoz Marinho
as cousas para a criação da villa. E de facto foi ella instituida com todas as
solemnidades, no mesmo logar onde por poucos dias existio a primeira ;
levantando pelourinho, e dando-se-lhe o mesmo titulo de Goytacaz.
Scientes no Rio de Janeiro os proprietarios dos Campos de tudo
quanto se havia passado, e julgando ser Marinho um desses aventureiros
que por meio de enganos ou valimentos empolgam ás vezes empregos
bem importantes, no que se não enganavam, representáram á camara e
ao governador a necessidade de promptas e efficazes providencias ; e por
intermedio deste é o nosso ouvidor preso e remettido á aquella cidade.
Por mais diligencias que os camaristas fluminenses empregassem, não
conseguiram ver o titulo de Marinho ; e por tal maneira impôz elle de

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

magistrado, que foi immediatamente solto, e voltou aos Campos a retomar


as redeas do governo de que o queriam expoliar.
Com tudo, por pouco tempo usufruio o cargo. O senado do Rio, não
obstante haver posto o Gaspar em liberdade, e ter dado um tal ou qual credito
ao seu embuste, passou logo, a requerimento dos hereos, a dar conta do
acontecido ao governador geral Antonio Furtado ; e este sem mais demora
mandou as mais terminantes ordens para ser preso e punido o impostor ;
ordenando expressamente que para a Bahia o enviassem. Porem chegou
tarde a providencia, porque o ouvidor, prevendo o perigo, transportou-se a
esta barra, mandou suspender ferros e fêz-se no bordo do mar.
Este motivo e incidente despertou aqulle governador do estado e
o induzio a tomar serias informações sobre a população e importancia
actual da antiga capitania dos Campos dos Goytacazes ; as quaes
sendo uniformes no tocante a necessidade de se lhe dar nova direcção
administrativa, e que só por mero capricho e inveterados prejuizos dos
proprietarios tolhia-se ao estado o contingente de uma das mais bellas
porções de seu territorio, fêz logo expedir ordem para se erigir ali uma villa
(3ª villa); cujos fundamentos foram lançados no anno de 1673, no mesmo
logar onde se haviam edificado as duas anteriores.
Todas as diligencias suggeridas aos proprietarios com o fim de
privar os Campos do seu natural desenvolvimento, tinham sido, até á
presente época, bem succedidas ; mas esta ultima resolução, tomada pelo
governador geral, abalou-lhes um tanto os alicerces da preponderancia.
Todavia, parecendo-lhes possivel poderem ainda frustar esta medida,
assentaram em mover o senado para que representasse ao governo em
favor dos seus interesses : tal era a opposição dos proprietarios ou hereos á
formação da regular governança da Parahyba do Sul ; e aqui transcrevemos
esse documento com que o leitor poderá ajuisar das preoccupações dos
tempos a que nos referimos. — « Illustrissimo Senhor. Tempos ha que
os moradores dos Campos dos Goytacazes, por ordem do ouvidor geral
João Velho d’Azevedo, em correição erigiram uma villa, com os officiaes,
juizes e vereadores sómente ; e esta se tornara a supprimir sem passar a
segundos officiaes, por ordem do mesmo ouvidor, em consequencia da
reprehenção que teve desse governo, por ser a dita villa mais em prejuizo
desta cidade e seus moradores, do que para utilidade do bem commum e
do mesmo principe,* ; e depois de se desfazer e destruir a dita villa, nem

* Allude a D. Pedro II, então regente em nome de seu irmão D. Affonso VI, rei de Portugal.

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

por isso deixaram os moradores dos ditos Campos de viverem na mesma


conformidade que estavam de querem fazer a dita villa, e sómenete tinham
um capitão que os governavam, e que servia de ouvidor para as execuções
de justiça, em quanto se não promoveram na cidade de Cabo Frio os
officiaes da camara e ouvidor, em cujas jurisdicções comprehende os
Campos dos Goytacazes ; e depois que houve esta republica e ouvidoria,
sendo pouco mais os dos ditos Campos, nem mesmo houve memoria
de villa depois que se extinguio o que se queria fazer ; succedeu ha um
anno, pouco mais ou menos, ir a essa um Gaspar Marinho, mestre de uma
sumaca que levava a seu cargo, o qual por informações sinistras alcançou
de V. Sª uma nomeação de ouvidor dos Campos dos Goytacazes, e com
ella determinou, em chegando aos ditos Campos, levantar pelourinho e
fazer villa. Sabendo-se nesta cidade o seu intento se mandou vir preso
para que mostrasse a ordem que tinha, o que não fêz ; e tornando para os
ditos Campos urdio com os moradores d’elle para que o obrigassem que
exibisse a dita provisão, e que exercesse o cargo de ouvidor, e lhes deram
elles mesmos a posse, e pediram ao vigario que lhe desse o juramento.
Feito isto tudo de motu proprio a fazerem officiaes da camara, juizes e
vereadores, levantaram pelourinho.
« E supposto que este crime que commettêram pertença ao
corregedor da camara tomar d’elle conhecimento, e de tudo fazer aviso,
ou o que lhe parecer, com tudo quizeramos fazer este aviso a V. S.ª a
respeito de significarmos em outras cousas que ha, para que de nenhuma
maneira seja conveniente haver villa nos Campos dos Goytacazes, nem
em outros quaes quer officios ; os Campos dos Goytacazes são todos
dos moraradores desta cidade, por datas de sesmarias que tem ; por cujo
respeito tem posto curraes de gado e seus feitores para terem cuidado, e á
sombra delles se vão introduzindo alguns vagabundos e criminosos que são
os que procuram que haja villa para maior ruina desta cidade. Dous males
lhe resultam havendo villa nos Campos dos Goytacazes : primeiro, ao bem
commum do sustento deste povo ; segundo aos direitos de Sua Alteza ;
porque é certo que havendo villa haverá multidão de gente, commercio e
navegação de embarcações, e ambas as cousas serão causa de haver grande
diminuição no gado, e grandes furtos e divertimento delles ; e faltando o
gado padecerá este povo grande fome, porque se hoje sem haver aquella
villa se experimenta esta falta, quanto mais ao depois ; segue-se a diminuição
dos cabedaes, porque faltando os bois para os engenhos, não podem depois

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

estes subsistirem, e menos fazerem assucar e se desfabricarão muitos. Por


cujo respeito padecerá o bem commum, e decrescerão as rendas publicas e
reaes, alem de outros muitos inconvenientes ; e aquella villa, ainda que pela
successão dos tempos adquira grande população, ella não póde em tempo
algum fornecer rendas a Sua Alteza (!!!) porque não ha em que as tirar,
por serem os Campos sómente para criação de gados, alem de que sendo
como são todos dos moradores desta cidade, se ataca a propriedade de seus
habitantes com offensa da justiça que foi estabelecida para a cada um o que
é seu ; e os governos que representam a real pessôa só formão a copia fiel do
original de quem recebêram os toques e as formações quando administram
com rectidão e sabedoria, do contrario os homens se levantarão contra
os seus semelhantes, como as feras indomitas sobre suas presas, e tudo se
converterá em um vasto latrocinio vivendo da fazenda alheia.
« E assim pedimos a V. S. como tão zeloso do serviço de Sua Alteza,
e bem commum, mande recolher e suspender a dita provisão do ouvidor,
porque só assim haverá mais quietação neste povo, maior augmento dos
disimos e direitos reaes ; esperamos que V. S. remedeie tudo com a inteireza
e justiça que costuma ; e á pessoa de V. S. augmente Nosso Senhor Jesus
Christo com as felicidades que deseja. Rio de Janeiro, em camara, aos 24
de outubro de 1673. — o juiz ordinario, José de Barcellos. — O procurador
da camara, Miguel d’Asedias. »
Este José de Barcellos, juiz ordinario neste anno, da cidade de S.
Sebastião, era um dos proprietarios dos Goytacazes, e o que sempre
requeria em nome dos demais hereos, e apoz este officio seguiram-se
outros no mesmo sentido e estylo, e sempre revestidas essas representações
do caracter official, no que Barcellos, neste caso, fazia do juiz e parte.
O governador não assentio a supplica, por estar convencido do
absurdo e nenhum fundamento das razões apresentadas. Porem os
proprietarios, não poupando meios, perseveraram por espaço de sete
mezes na defesa de seus interesees ; tudo empenharam, tudo sacrificaram,
mas em vão, e quando menos o esperavam chega ao Rio de Janeiro o
ultimo golpe dado ás suas esperanças e diligencias ; é o annuncio da nova
direcção que vai ter o paiz dos Goytacazes, ou antiga capitania da Parahyba
do Sul, e que ainda d’ahi á dous annos se effectuou.*
* « Governador do Rio de Janeiro : eu o Principe vos envio muito saudar : pelas particulares razões
que para isso tive, e conveniencias que resultam á minha corôa, fui servido fazer mercê ao visconde
d’Asseca d’uma capitania de 20 leguas de terra ; e a seu irmão João Corrêa de Sá, general do Estreito
no estado da India, de outra de 10 leguas ; das 30 da capitania que vagou pela deixação, que passa de 40

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Aterrados os proprietarios com esta noticia, e tendo desde então de


luctar com mais de um adversario, pois que alem do visconde agraciado,
ameaçavam os jesuitas, estabelecidos nos campos a seu proprio convite, a
voltar-se, á maneira dos Abissinios, para o novo astro que ia luzir na vasta
planicie dos Goytacazes, uniram-se ao senado da camara, e sem desanimar
puzeram no conselho ultramarino seus embargos de obrepção e subrepção
de graça ; aonde demonstravam o fatal golpe que recebia todo o povo
da capitania, que tantos titulos de bons serviços parecia merecer á real
protecção, vendo arrancar-se da propriedade de seus concidadãos terras
que possuiam por legaes titulos sem indemnisação, e preterida toda a ordem
da justiça, que prefere o primeiro occupante na possesão dos bens etc. etc.
Depois dos embargos, o senado do Rio enviou ao Principe o
memorial seguinte : « Que lhe pediram, prostados ante os degráos do
throno, firmados pela justiça e religião, que mandasse ver e consultar a força
de suas razões por ministros zelosos e desinteressados, e que Sua Alteza
se dignasse attendel-os ; por quanto aquellas doações feriam com o mais
fatal golpe o coração de toda capitania, violando-se os direitos naturaes
e as leis positivas que mandam guardar a propriedade particular como
cousa sagrada, apoio e segurança dos estados civilisados ; por isso que os
campos doados eram dos criadores de gado que forneciam a sustentação
dos habitantes e as fabricas dos engenhos, e a sua falta deixava bem visiveis
males, ficando sem ter de que sustentar os povos e as ditas propriedades
que constituiam a maneira honesta da vivenda de seus concidadãos ; que
era indecente faltar-se á fé publica das doações dos particulares por legaes
titulos de sesmarias depois de cahir no dominio da corôa a capitania de
Gil de Góes, para se tirarem de seus legitimos possuidores * e darem-se a
pessoas poderosas contra as leis do dever, da honra, da justiça e da religião.
« E quando estas razões não movessem o animo real para derogar as
doações do visconde d’Asseca, que as conseguira com occultação da verdade,
se dignasse ter presente a boa vontade destes seus vassallos, e tantos soccorros
dados a tempo, com que toda a capitania se tinha prestado no real serviço. »
annos fez della Gil de Góes ; com declaração que serão obrigados a formarem logo, á sua custa, como se
offereceram cada um na capitania que lhe toca, uma villa com igreja decente, casa de camara e casa
para trinta casaes, com o mais que para ellas necessario fôr ; obrigando-se que no termo de 6 annos as
aperfeiçoarão até com visinhos para perfeição populosa e no estado politico perfeitas, de modo que
faltando a estas obrigações se perderá para a corôa o que estiver feito ; de que vos quiz avisar, para que
tenhaes entendido ; e ficareis obrigado a saber esta mercê, e quando a ellas faltem me dareis conta para
me ser presente. Escripta em Lisboa, a 17 de julho de 1674. — Principe. »
* O mesmo motivo do desamparo, porque se agraciava agora o visconde d’Asseca, servira para agraciar
os capitães.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

A este memorial seguiram-se outros do senado e dos proprietarios ;


mas não obstante a perseverante constancia de suas queixas e esforços para
obstar a entrada do visconde nos dominios, sobre os quaes se julgavam
com direitos inauferiveis, o Principe regente D. Pedro sustentou suas
intenções formadas definitivamente a esse respeito : servindo-se, por briosa
magnanimidade, relevar ao proprietario e ao senado do Rio de Janeiro o
pouco respeito e liberdade que se manifestava em algumas palavras de suas
petições, favor e graça esta reputada, naquelle tempo, das mais extraordinarias.
Esta clemencia lhes foi communicada em carta regia assim concebida
: « O principe regente ordenou, todavia, o cumprimento das doações ;
ficando sepultados no mais rigoroso silencio os justificados queixumes
da camara ; persuadindo-se os ministros da confiança real, que, não estão
sujeitos os soberanos ás leis que em conciencia em toda a extensão de
justiça na lezão do direito natural, que manda dar a cada um o que é
seu, ainda concorrendo o interesse que resulta ao estado da civilisação
dos povos unidos em povoações civis, pois quando taes associações não
são unidas pelos nós indissoluveis da religião e observancia de sagrados
preceitos, ellas se tornam mais prejudiciaes que saudaveis. »
A muita perseverança e axaltamento dos que se julgavam
offendidos e esbulhados de seus direitos, qual o de propriedade, segundo
o que haviam allegado em seus memoriaes e representações ao principe
regente, contribuio assaz para tomarem defesas ou, mais propriamente,
vinganças de outra ordem ; e o que a diante copiamos nos enduz a crer
que chegaram á vias de facto com os jesuitas, por se apresentarem estes
em campo a favor do novo donativo.
Para formar-se idéa mais exacta dos acontecimentos, fonte perenne,
quanto a nós, das constestações e disturbios que se seguiram pelo espaço de
70 annos, até a tomada definitiva da donataria para a corôa, mencionaremos
em substancia os motivos e allegações do marqnez de Pombal, quando
tentou e conseguio derrocar o colossal edificio, que no seculo passado
havia tocado ao seu zenith de poderio e fortaleza-a companhia de Jesus. *
* ... « O governo de Portugal submergido no abysmo de males que lhe cavara a injustiça de seus ministros
(os jesuitas), aos quaes lhe provieram a perda dos soccorros com que o Brasil protegido supria seu credito
na Europa ; de dia a dia seus subditos se resentiam de não serem attendidos em requerimentos, favor que
só gosavam as corporações regulares, e pessoas que não tinham justiça, supposto se cobriam os jesuitas da
real protecção, gosando da estima e honra, sendo os arbitros da fortuna publica e particular, e na opnião
publica eram desde então vistos com indignação os seus grandes projetos ; os curraes dos Campos dos
Goytacazes, de sociedade com os poderosos, deram tanto maior fomento ás usurpações que a posse tutelada
dos cidadãos reclamava : por isso a protecção das leis e o bem geral destes povos, que bradavam por suas
justas indemnizações.........

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Deixando José de Barcellos e os de mais proprietarios luctando com


os jesuitas a respeito de tão grave questão, isto é, sobre qual o verdadeiro
senhor da antiga capitania da Parahyba do Sul ; disputa inteiramente vã e
infructifera, porque as doações já se haviam assignado em Lisboa, e o rei
estava resolvido a sustenta-las apesar de todas as considerações, procuremos
seguir o fio dos acontecimentos que mais se deram até a instituição das villas.
A graça agora outorgada por D. Pedro não era proposito firme de
tirar-se aos hereos proprietarios as terras que d’antes se lhes tinha concedido
; e parece que o fim consiste unicamente na remuneração de serviços
relevantes prestados não só por Diogo Correia de Sá, primeiro visconde
d’Asseca, e seu irmão João Correia de Sá, como primcipalmente pelos de seu
pae Salvador Correia de Sá, que gloriosamente tanto se dedicara ao serviço
publico em ambos os hemispherios, como é patente na historia do nosso
Imperio. Com effeito, o interesse que os dous monarchas antecessores
deste Principe haviam tomado, e os heroicos esforços empregados com
o fim de consolidar no throno lusitano a dynastia acclamada no 1.º de
dezembro de 1640, induziram na alma de D. Pedro, terceiro rei depois
desta epoca, sentimentos os mais generosos para com aquelles fidalgos
que, sem temer sacrificios, mais provas tinham dado de amor e dedicação
á causa da restauração da independencia portugueza ; cujo partido ainda
mas se presava depois da descoberta de fidalgos traidores, taes como o
duque de Caminha, marquez de Villa-Real e outros, que fôram executados.
A divisa e norte da familia Correia de Sá sobresahio em todos os
tempos em amor ao soberano, e verdadeiro coração portuguez. Salvador
Correa de Sá e Benavides, pae de visconde, havia-se distinguido no
« ..... Observou que ficando sem castigo tão grave maleficio, ousaram sem temer praticar iguaes attentados
em 12 de setembro de 1675 dos José de Barcellos, nos Campos dos Goytacazes, por defender os seus curraes ;
valendo-se os padres d’um faccinoroso, André da Motta, que se evadira fugitivamente da cadêa, tendo sido
condemnado a morrer, por sentença da relação da Bahia ; e a este aggregaram 40 Indios armados que foram
talar, arrazar e destruir desde os fundamentos aquelles curraes a ferro e fogo ; reduzindo a cinzas as suas
choças, aterrando os feitores e escravos que tomáram a fugida por salvação, e por uma maneira tão barbara e
hostil se apoderáram de seus curraes..... Mencionou que tanta era a insolencia dos Indios fiados na protecção
dos padres, que seguiram a arrazar e destruir os curraes dos religiosos Benedictinos em Cabo Frio, matando
e comendo o gado, e pondo fogo ás casas e á igreja, e por esta maneira se apoderáram das propriedades ;
tendo os padres ahi 30 leguas de terra, vendiam as dos Indios, e abarcando as dos particulares por meios
ferozes, torbulentos e atrozes, que mantinham os Indios sem doutrina, sugeição e amor ao trabalho como
antigamente usávam, estando entregues hoje á devassidão e a todos os crimes, o que daria muito que cuidar
ao governo se no principio lhe não pozessem o remedio conveniente, e tanto mais porque as camaras de S.
Paulo e de Sant’Anna da Pernahyba lhes haviam escripto que o boato que correra de o governador Mathias
da Cunha amparar os Indios e lhes fazer gozar a sua liberdade (anterior ao reinado de D. José serviram como
escravos), elles se haviam alterado por tal maneira que obrigavam os moradores a estarem prevenidos e a
viverem com grande recato......................... »

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

emprego de conselheiro de guerra, alem dos em que andara fóra do reino


; João Correia de Sá, seu filho, depois de concorrer com seu contigente
para o triumpho das armas lusitanas na Galliza, contra o duque de Ossuna,
passou á Africa pelos annos de 1662, d’ahi aos estados da India, com o
honorifico titulo de general do Estreito.
Estas considerações, e serviços de quilate tão subido, movêram
sem duvida o regente de Portugal a premiar o visconde com as terras
abandonadas por Gil de Góes, ainda mesmo que se achassem legalmente
por outros occupadas. Mas, se confrontarmos as datas destas occurrencias
descobriremos de mais a mais outra causa e circumstancia mais forte para se
ultrapassar um pouco os limites da justiça na concessão d’uma graça.
O desventurado Affonso 6º, ainda que preso e incapaz de temer-se,
conservava todavia algumas sympathias, ao menos as que emanavam da
compaixão ; e o principe regente, seu irmão somente de facto, gosava a
posse dos dous objectos de seus mais ardentes desvelos e anhelos — a corôa
e a rainha —, a quem amava. Algumas difficuldades encontrava D. Pedro
no caracter geral dos portuguezes, especialmente da nobreza : a fidelidade
ao rei legitimo, e os casos heroicos de Egas Moniz, Martim de Freitas e
outros muitos, lhe não erão estranhos ; sendo facto averiguado que haviam
nobres inteiramente oppostos ás suas pretenções, e outros, como o duque
de Lafões, que só por mera cortezia cumpriam suas ordens no sentido de
fazer moderar a colerica exasperação do soberano.
Não sabemos para que lado propendiam as affeições dos Correias
de Sá, se parciaes do principe regente ou se do rei ; mas concedendo-lhe
aquelle nesta epoca a donataria em questão, sem attenção a direitos por
outros allegados e forte opposição da parte destes, qualquer poderá pensar
como nós ser o visconde então seu decidido parcial.
A nova, por tanto, da vinda do novo donatario da capitania vogava
já entre o povo ; e a idéa da formação da villa convidou-se a se fazer
uma especie de arrolamento. Constava a população de 34 fogos, ou chefes
de familias, alem dos mais oppulentos que residiam nos suburbios, com
criação de gados e lavoura, taes como o sargento-mor Velho Pinto, Alves
de Barcellos e outros.
As pouco mais de 30 casas existentes, e sem ordem edificadas do
lado do poente da pequena ermida de S. João Baptista, eram cobertas
de palha, com raras excepções. Com esta povoação assim delineada, não
exedendo talvez de 600 o numero total de todos os habitantes, inclusive

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

os do reconcavo, foi instituida a villa de S. João da Parahyba do Sul, pelas


condições exaradas na carta regia de 20 de março de 1674, que ao mesmo
visconde coucedia a dita capitania.
Todavia, a ampla alçada que vio o leitor na doação do primeiro
donatario, foi agora muito restringida na do segundo. *
Em fins d’este mesmo mez, ou em principio do seguinte, outubro,
falleceu o visconde agraciado Diogo Corrêa de Sá ; passando por
conseguinte a donatoria a seu filho primogenito Salvador Corrêa de Sá
; o qual por ser menor, ficou seu avô, do mesmo nome, como tutor,
encarregado do cumprimento de todas as condições contidas na carta de
doação. Seu primeiro cuidado foi obter, em data de 23 de novembro do
mesmo anno, a confirmação do titulo em favor do dito seu neto ; e em
maio de 1676 passar a fundar as duas villas ; tanto a da obrigação deste
que foi a de S. Salvador, como a da de seu filho o general do Estreito João
Corrêa de Sá, que foi a de S. João Baptista da Barra.

* « A alçada que por esta doação se concede ao dito capitão e governador em piões, cristãos novos, e livres
até a pena de morte natural, hei por bem que haja nella appellação para a maior alçada. Que nos 4 casos
declarados, haja outro sim appellação para a maior alçada em toda a pessoa de qualquer qualidade que seja.
« No tocante a clausula que diz, que na dita capitania não entram corregedor nem outras justiças, hei por
bem que eu e meus successores, sem embargo da dita clausula, possamos mandar corregedor com alçada á
dita capitania quando nos parecer necessario, e cumprir o meu serviço, e a boa governança da dita capitania.
« Com estas declarações e limitações mando qua a dia carta se cumpra e guarde inteiramente como nella se
contem. Pelo que mando ao meu governador e capitão general do estado do Brazil, governador da capitania
do Rio de Janeiro, a todos os mais ministros da justiça e fazenda do mesmo estado, a que pertencer que, com
as ditas declarações e limitações, cumpram e guardem esta minha carta como nella se contem, e deem posse
ao dito visconde da dita capitania e terras della ; e registrará os livros dos contos da cidade do Salvador, nos
da camara da dita capitania, e nas mais partes onde for necessario, de que os escrivães que as registrarem
passarão suas certidões nas costas della ; o qual por firmeza de tudo lhe mandei passar, por mim assignado
como meu sello de chumbo pendente ; e esta se passou por duas vias, e pagou do novo direito 54$500 reis,
que se cerregaram ao thesoureiro João da Rocha. Dada na cidade de Lisboa aos 15 dias do mez de setembro.
— Antonio Serrão de Carvalho a fêz no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1674. —
Secretario, Manoel Barreto de Sampaio a fêz escrever. — PRINCIPE. »

67
CAPITULO
SEGUNDO
O autor da Corographia Brazileira dá vinte dias de intervallo
da creação da villa de S. Salvador, pelo visconde donatario, á da de S.
João da Praia ; e diz que o procurador bastante deste convidara para
a execução das solemnidades o ouvidor do Rio de Janeiro, o qual por
se achar impossibilitado deu commissão ao juiz ordinario de Cabo
Frio Geraldo Figueira. Dos documentos que encontrámos apenas ha a
differença dos dias que foram oito ; quanto ao mais deu-se com effeito
o facto da instituição da villa pelo juiz ordinario da cidade Cabo Frio,
acompanhado do capitão mór-procurador do donatario e outros, que
para isso foram convidados.
Pelo mappa seguinte verá o leitor a população, idades e qualidades
da gente que havia reunida em torno da pequena ermida de S. João, e
com a qual, e com os habitantes dos suburbios criadores de gado, foi
fundada a nova villa.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Arrolamento da povoação da barra da Parahyba do Sul no acto de ser formada a


villa de S. João da Praia em o anno de 1676.
ANNO DO
NOMES.
NASCIMENTO
Capitão Manoel de Freitas Silva -
Alferes Leonardo de Sá Barboza 1637
Izabel Pinta 1619
João Fernandes Daviso 1652
Felippe de Siqueira (pescador) -
João dos Valles 1638
João Rodrigues -
Alferes Balthazar de Calheiros Malheiros 1639
João de Almeida 1550
Simão Dorias (ainda vivia em 1697) 1617
Capitão Mauricio Ferreira Bandeira 1644
Luiz Perª Bandeira (veio ha 14 annos) 1650
Manoel Alves Godinho -
Maria da Zevora 1647
Antonio Martins Gato 1621
Francisco de Sá Rarboza, filho de Leonardo de Sá Barboza -
Francisco Martins 1634
Manoel Coutinho Araujo -
Manoel Casado Tonrinho 1636
Braz Ferreira Coutinho -
Pascoal Borges Ramos 1653
Jorge de Castro Ilara -
Antonio Martins da Palma 1645
Capitão João Vaz Nunes -
Antonio da Silva -
Manoel da Fonseca 1641
José Saraiva (ainda vivia em 1702) 1625
Antonio Coelho -
Sargento Sebastião Lopes Ferrão -
Dito Gabriel Nunes Varejão 1631
Innocencio Rodrigues -
Lourenço do Espirito Santo -
Manoel Varejão 1639

Nos Campos novos de S. Lourenço moravam alem do sismeiro,


João de Artiaga, Gonçalo Quaresma, Antonio Vaz, pescador.

70
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Para verificação das idades das pessoas que compunham a nascente


povoação, recorremos aos inventarios e testamentos respectivos, menos os
que vão em branco, porque ou não encontrámos, ou não nos foi possivel
decifrar riscos quasi apagados.
A nova camara, em acto de vereança de 1678, determinou o rocio
da villa na fórma das condições exaradas na carta de doação a saber : um
quarto de legua para cima e outro para baixo. As terras de Matto-grosso,
pertencentes a Pedro Velho Celestino, quando em 1749 passaram a
Antonio Martins da Costa, sempre se dividiram pelo lado de cima com
uma restinga que divide a meia legua da villa ; mas este tombamento
não foi em fórma judicial, e cremos que não passou da collocação do
pelourinho, duas braças em frente do becco da Cadêa da parte de oeste
; * porque no anno de 1722 ainda a camara deliberou que se medisse o
rocio da villa, e se sustentasse a demanda com Francisco de Sá Barbosa
por causa da posse da ilha do Urubú.
Ha poucos annos corria noticia que houvera tombamento legal da
povoação no principio da creação da villa, mas que alguem o subtrahira.
Parece que não ; e se assim o fôra, por certo que a camara não ordenaria o
que acima levamos dito, e não pediria, d’accordo com a de S. Salvador, ao
vice-rei conde Rezende um bacharel para medir suas terras de patrimonio,
propondo o licenciado Gonçalo Antonio de Lemos Mascarenhas, que foi
approvado e servio em ambos os termos.
Se havia ou não foral em ordem, é duvidoso. Quando principiava
ou já corria a questão muito renhida dos fidalgos, como então se
denominavam as duvidas sobre os direitos legaes do donatario, aqui
chegou em 1730 o desembargador Manuel da Costa Mimoso, como
ouvidor da comarca, e perguntando em correição pelos quesitos do
estylo : — se havia arcada dos orphãos e thesoureiro ? Responderam
que não, e nomeou o alferes João Martins da Costa. Se os donatarios, por
si ou por seus procuradores excediam aos limites de suas attribuições ?
Responderam que não. Perguntou se nesta villa havia ordenação ou foral
? Responderam que o foral existia na camara da villa de S. Salvador. Porem
é facto que taes titulos nunca appareceram.
A nomeação das differentes autoridades do novo termo de S. João da
Parahyba do Sul, cabo de S. Thomé, recahio no sargento-mór João Velho Pinto
* O segundo pelourinho foi collocado em 1713 na outra face da mesma praça da Matriz, na embocadura da
rua Nova, hoje do Rozario, feito por Braz Machado pela quantia de 340$000. O terceiro edificou-se em 1824
na praça Pelourinho, o qual foi extincto e arrazado em 1861. O ultimo açoitado foi uma escrava em 1828.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

e Francisco Pereira da Zevora, para juizes ordinarios ; e para camaristas foram


escolhidos : 1º ou mais velho o alferes José Vaz Saraiva ; 2º o sargento Gabriel
Nunes Varejão ; 3º Luiz Pereira Bandeira, e procurador do conselho Felix Alves
de Barcellos, irmão do capitão Francisco Alves de Barcellos ; para escrivão do
senado e tabellião do publico, judicial e notas foi nomeado Antonio Pereira
Vianna, com o ordenado que já mencionámos. Como os camaristas tinham
tomado posse no fim do referido anno de 1676, foi-lhes determinado que
servissem tambem o de 1677, assim como ficaram o seguinte anno, visto que
se não pôde fazer eleição em tempo.
O pasto espiritual era administrado na pequena e arruinada capellinha
de S. João Baptista pelo padre Francisco Gomes Sardinha, como vigario
encommendado, primeiro depois da villa.
Neste mesmo anno de 1677 proveu-se o lugar de capitão-mór na
pessoa de Francisco Gomes Ribeiro : porem esta nomeação apesar de ser
feita pelo donatario e como uma especie de logar-tenente, no tocante ao
governo da capitania, encargo este que por muitas vezes exerceram, com
tudo não lhes foi permittido dar-lhe regimento ; mas sim observaram o do
1º de outubro de 1663, estabelecido pelo governo geral do estado. *
* « Dom Vasco Mascarenhas, conde d’Obidos, gentil homem da camara d’el-Rei nosso senhor, do seu conselho
d’estado, vice-Rei e capitão general de mar e terra do estado do Brasil, etc. Por quanto são grandes os inconvenientes
que resultam dos capitães-móres das capitanias deste estado não terem regimento que sigam, e para se evitar este
prejuiso e poderem proceder nas obrigações que lhes tocam sem se occasionarem as duvidas que os provedores da
fazenda real e ouvidores das capitanias costumam ter, nem as queixas que os moradores ordinariamente fazem de
suas acções ; hei por bem e mando a todos os capitães-móres de todo este estado em geral e cada um em particular,
que de hoje em diante guardem inviolavelmente este regimento, assim e da maneira que elle contem.
« 1.º O capitão-mór que entrar a governar qualquer capitania do estado, por patente d’el-Rei meu senhor, ou
donatario nas que o tiverem, na fórma da provisão que mandei passar a 21 de julho deste anno, tanto que tomar
posse della visitará as fortalezas e armazens que houver na tal capitania, em presença do provedor e escrivão da
fazenda real ; verá que artilheria, munições e armas tem ; que reparos e concertos serão necessarios ; e de tudo
me dará mui particular noticia para me ser presente com toda a fórma que se poderam obrar o mais preciso ; e
d’onde se poderam tirar as despezas ; porque se de presente ha paz com os hollandezes, sempre convem estar
a dita capitania com prevenção necessaria a qualquer intento ou invasão d’outros inimigos desta corôa.
« 2.º Para o mesmo effeito passará mostra em toda a gente que houver na capitania e nas partes della
que poderem ser menos incommodados os seus habitadores, e obrigará os capitães a tomarem armas e as
tenham, e cada anno terá o cuidado de uma só vez fazer alarde para os adextrar ; e as condemmações que
fizerem serão muito moderadas, e essas applicadas a se comprarem munições para a mesma capitania, as
quaes carregarão em receita ao almoxarife, porque deste modo conseguindo o beneficio de terem todos
armas e saberem usar dellas, evitam o prejuiso que os moradores recebem da freguezia com que os capitães-
móres costumam passar mostra e condemnal-os por sua utilidade com excesso. E de toda a gente que achar
capaz de tomar armas, me enviará lista para me ser presente o que ha em cada capitania.
« 3.º Terá o dito capitão-mór entendido que nenhuma capitania das do estado, ou seja d’el-Rei meu senhor
ou de donatario, é subordinada ao governo de outra de que seja visinha, mas todas são immediatas e sugeitas
a este governo geral ; por cujo respeito só delle hade acceitar o dito capitão-mór as ordens ; e sendo caso que
por occasião do inimigo seja soccorrida com infanteria de outra capitania proxima ou distante, e com ella

72
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

vão capitães e outros officiaes maiores, sempre o dito capitão-mór hade dar o nome, e os mais hão de estar
ás suas ordens, visto a homenagem que fez pela dita capitania, cuja defensa e segurança corre por conta delle
dito capitão-mór ; e só no caso que este governo disponha o contrario e mande com ordem expressa sua tal
pessoa que convenha ao serviço d’el-Rei meu senhor obedecer-lhe, o dito capitão-mór estará em tudo ás suas
ordens ; mas nem ainda assim ficará livre da homenagem que deve.
« 4.º Tudo que contem o capitulo antecedente se entende havendo sido o capitão-mór de infanteria soccorrel-o,
governarão ambos juntos, e disporão o que convier á defensa da capitania, dando alternativamente o nome,
mas sendo sargento-mór ou outro official maior pago, estará o capitão-mór que não houver sido capitão de
infanteria ás suas ordens, e sempre obrigado ao juramento e homenagem que deu da capitania.
« 5.º Achando vaga ou vagando depois alguma companhia das que houver de infanteria paga, ordenanças ou
auxiliares, governará o seu alferes emquanto o capitão-mór me faz aviso, dando-me logo noticias das pessoas
de mais merecimento que ahi houver para eu mandar o que convier.
« 6.º E achando tambem vago ou vagando algum officio da justiça ou fazenda na fórma da sobredita ordem de 21
de julho, me fará logo officio para provimento. E para que o curso das cousas ou negocios que delle depende, se
não suspenda, passará em virtude deste capitulo provisão á pessoa benemerita e sufficiente para que o sirva por
tempo de dous mezes, se fôr da capitania das do norte ou desta (da Bahia) até o Espirito Santo inclusivé ; e de
seis mezes se for do Espirito Santo para o sul * para que continuem emquanto eu não provejo. Será o capitão-mór
obrigado a ter particular cuidado nesta materia, para que de nenhum modo sirvam com seu provimento mais que
naquelle interino preciso, que é necessario para me chegar o aviso e vir a provisão, para evitar as nullidades que
do contrario podem resultar nos negocios e justiças das partes, pois que não tem jurisdicção alguma para prover.
« 7.º De nenhum modo se entrometterá o capitão-mór na administração da fazenda real da capitania, por
estar incubida propriamente ao provedor della, e só para o favorecer e augmentar terá o cuidado que deve,
evitando com diligencia possivel que nos dizimos não haja suborno, nem elle se faça parcial na inclinação
de alguns lançadores, antes anime a todos ao maior beneficio das rendas reaes ; e quando o provedor da
fazenda, escrivão ou almoxarife não façam o que devem, os advirta para que sirvam como são obrigados, e
não se emendando os deixará, comtudo, servir seus officios ; porque não tem os capitães-móres jurisdicção
ou poder algum para privar dos postos ou officios os providos nelles ; e me enviará logo dando-me particular
noticia com toda a certeza das más culpas e erros de officios para que resolva o que mais conveniente for
; tendo o dito capitão-mór entendido que fará nisto grande serviço a el-rei meu senhor, porque quanto
for mais o terror que os officiaes da fazenda tiverem de me ser presente por sua via o seu máo proceder,
procurarão melhor têl-o bom, e não faltarão ás suas obrigações.
« 8.º A mesma liberdade deixará tambem o mesmo capitão mór ter o ouvidor e officiaes de justiça na administração
della, não se intromettendo por nenhum caso na sua jurisdicção, assim como nem o ouvidor na do capitão-mór,
para que cada qual proceda como é justo no que lhe toca ; advertindo que de nenhuma maneira pertence aos
ouvidores nem aos provedores os provimentos de serventias d’officio algum que vague nos seus juizos, e só toca
ao capitão-mór o cuidado de saber se obra o ouvidor e seus officiaes como devem, avisando-me logo com mais
exacta averiguação das culpas que tiverem e clarezas das pessôas queixosas, para eu dispor o que convier.
« 9º Com as camaras e obrigações que são proprias desses senados, não entrometterá tambem o capitão-mór,
antes favorecerá aos seus officias em tudo que for a beneficio dessa republica.
« 10º Mas succedendo haver caso em que o capitão-mór mande prender alguma pessôa, o não poderá o
senado mandar soltar sendo materia leve, mas que o mesmo capitão mór ; e sendo grave mandará contar da
tal prisão, e causa que para ella teve para eu mandar o que convier.
« 11º De nenhuma maneira consentirá que dessa capitania se dê appellação ou aggravo em nenhum juiz mais
que para a Relação deste Estado, excepto nas materias da fazenda real, que immediatamente hão de vir á
provedoria mór do Estado, d’onde se seguirá o que for de estylo pelo regimento da fazenda.
« 12º Sendo a capitania d’el-Rei meu senhor, e havendo algumas terras vagas ou se descubram de novo, as
não dará de sesmaria o capitão-mór por não ter jurisdicção para isso, mas que o governador e capitão general
ou vice-rei, a cujo cargo estiver o estado ; ao qual sómente tem el-Rei meu senhor dado em seu regimento a
fórma com que os hão de distribuir ; e recorrerão as partes que as pedirem, por si ou por seus procuradores,
a este governo onde se lhes defirirá. »
*
Havia por estes tempos na villa do Espirito Santo uma postura, costume da terra, preceito militar ou o quer
que fosse, para castigo de faltas, que impunha ao convencido d’ellas a pena de ser, por certo tempo, degradado
para o Rio de Janeiro! O que são os tempos!

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

A homens inteiramente estranhos a toda idéa de governança e policia


municipal, tornava-se quasi impossível a organisação em fórma de um codigo
de posturas, além do costume da terra ; todavia, pelas instrucções recebidas
do procurador do donatario, e do ouvidor da lei, que fôra logo nomeado
Thomé Alves Pessanha, iam os camaristas providenciando como podiam
sobre as primeiras necessidades de seus municipes. Em vereança de 8 de
fevereiro de 1679 impôz a camara o preceito que ninguem de fóra, isto é, que
não fosse habitante do termo, pudesse pescar no rio e lagôas de Lucrecia,
sob pena de 30 dias de cadêa e tronco de pescoço ; por cuja infracção fôra
condemnado em 14 de junho um tal João Fernandes, dos Goytacazes, que
estivera no tronco um dia. Em julho seguinte ordenou que pessoa alguma
podesse tirar gado dos campos novos de S. Lourenço sem licença de qualquer
official de justiça, sob pena de 10 cruzados e trinta dias de cadêa.
Neste mesmo anno foi estabelecida a passagem da barra, unico
ponto por onde transitavam os viandantes do norte e da capitania do
Espirito Santo ; a qual sendo mettida á pregão em hasta publica, no anno
de 1680, foi o capitão Manoel de Freitas Silva o maior licitante de todos os
concurrentes, pois que animou-se a offerecer 2$000 pelo contracto durante
o referido anno : a lotação da taxa cifrava-se em 100 rs. por cada pessôa , e
160 rs. com cavalgadura atracada. Em vereança de 22 de agosto de 1689 foi
absolutamente prohibida a sahida de qualquer quantia em moeda, mas sim
em generos, com a pena de ser tomado o dinheiro por perdido e applicado
ao cofre do conselho ; outro sim, que todas as vaccas se venderiam a 2$000
a dinheiro, e a 2$500 por fazenda ou generos, boi capado a 3$000 a dinheiro
e a 10 patacas a genero, sob pena de meia dobla de multa e perda do gado.
Em dacta de 3 de novembro de 1690 ordenou ao senado o padre
jesuita Francisco Coelho, como superior da aldêa de Irirityba, que d’ora em diante
crescesse o dinheiro, a saber tres vintens valeriam quatro, quatro valeriam um
tostão, um tostão valeria seis vintens, seis vintens valeriam meia pataca ; esta
valeria dous tostões e uma pataca um cruzado ; e que isto o executassem
sob pena de castigo, porque elle jesuita tinha por noticias que el-rei nosso
senhor assim o queria.*
Para fintar o povo nomeou o senado da camara em concurso com
os republicanos dous homens bons, o capitão Francisco Alves de Barcellos

* Grande parte ou talvez estes e outros absurdos dos filhos de Santo Ignacio fossem a principal origem
das não interrompidas desordens dos Goytacazes desde o começo de sua povoação até a total instituição
da autoridade do donatario ; disturbios que, segundo o que mencionaremos, parece deduzir-se os largos
interregnos de seu dominio de facto.

74
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

e Marcos Gomes, cuja alçada sobre os remissos era de prisão e tronco de


mãos, pés ou pescôço, até pagar sem appello nem aggravo.
Aos que hoje vivem cercados de infinitos recursos, e á sombra das
modernas leis adoptadas á mais insignificante necessidade da vida, parecerá
o que noticiamos um complexo de disparates, ou antes uma prova do
estado de ignorancia dos nossos antepassados ; assim parece ; mas deve-
se reflectir que nos lugarejos pequenos e remotos, isolados e com mui
raras relações com a capital, nada em regra podia prevalecer, quanto á
administração official, mais que o uso da terra, ou direito municipal, d’onde
veio a origem dos foraes.
Estes foraes ou fôros dados a cada districto era, por assim dizer, a
unica norma regular que prevalecia para a administração da justiça.
Em 5 de Agosto de 1679 foi nomeado Manoel Gomes para
servir de carcereiro e alcaide da villa, lugar ou cargo que se conservou
annexo por muitos annos pela difficuldade da separação, com o
ordenado que mencionemos.
A navegação era mui rara para a capital da Bahia, e ainda muito
menos para Rio de Janeiro, onde residiam o governador militar da comarca
e o ouvidor ; e por isso á moeda que corria cada um lhe queria dar o valor
que servisse aos seus interesses, sem temer providencias de prompto em
contrario aos absurdos dos mandões ; o que fez com que a camara lavrasse
um termo, a requerimento dos povos, em 1694, para mandar correr a
moeda de patacão, por serrilhar (assim diz o termo), a 800 rs. visto que
assim corria na capitania do Espirito-Santo.
Uma carta regia de 24 de Fevereiro de 1689 autorisou a cobrar-
se o imposto sobre o azeite e vinhos quanto fosse sufficiente para o
soldo do governador, que nesta data andava por quatro mil e quinhentos
cruzados, fóra as propinas ; * e tambem para prover-se e melhor regular os
preparativos e segurança da costa por meio da creação das milicias, visto
que os piratas hollandezes principiavam a infestar os nossos portos e a
ameaçar hostilidades.
A este respeito dera grande cuidado aos povos de ambas as villas
dos Goytacazes o caso de Maria dos Santos d’Oliveira ; a qual andando
prisioneira d’elles hollandezes quando faziam suas excursões por estas
* Em 1722 foi elevado a dez mil cruzados até o governo de Gomes Freire de Andrade (depois conde de
Bobadella) no anno de 1748. Passando á sede do governo da Bahia para o Rio de Janeiro, foi este soldo
denomidado então — ordenado —, e principiou a ser de doze mil cruzados no vice-reinado do conde da
Cunha em 1763. E, finalmente, por carta regia de 25 de janeiro de 1779 ficaram vencendo d’ahi em diante
vinte mil cruzados, como ordenado fixo, e novecentos mil réis como governadores da Relação.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

paragens, pelo anno de 1683, e tendo os piratas tomado a Antonio Coelho


uma lanxa, deram-n’a á sua prisioneira e a deixaram em liberade perto das
praias de Macahé, onde ella aportou. Vindo a Antonio Coelho a noticia
que lá se achava a sua lanxa, foi a Macahé, e com promessas conseguio da
supposta proprietaria entregar-lha’a e a trouxe para este porto.
Tratou-se do governador militar da villa, que era reputada cabeça do
districto, como adiante trataremos, e recahio o segundo governo interino na
pessoa do sargento-mór João Velho Pinto, que indo ao Rio de Janeiro, em
1688, deixou o governo e o delegou no senado da camara.
O senado da villa dos Goytacazes (a villa se S. Salvador, hoje cidade
de Campos, ou mesmo rio acima, costumava-se dizer — para as bandas
dos Goytacazes — ou para a villa dos Goytacazes), que em 1708 contava já
duzentos fogos, forneceu tambem um contingente de ordenanças para
defeza da costa á requisição do sargento-mór Velho Pinto ; a qual columna
era commandada por João da Costa Sallinas, escrivão da camara e tabellião
do publico, judicial e notas d’aquella villa. Deu motivo a bem desagradavel
correspondencia e renhida discussão, entre os dous senados, sobre qual
d’elles deveria sustentar a gente de serviço, e a qualidade dos alimentos
que convinha administrar para não enfraquecer os infantes da dianteira.
Por estas occurrencias era palpitante a necessidade de tambem pôr-
se no devido pé as ordenanças, e dar-lhes regularidade conjunctamente
com os mais e força que se alistou ; por isso o governador do Rio de Janeiro
Antonio Paes de Saude, successor de Luiz Cesar de Menezes, nomeou em
1695 a Agostinho de Carvalho por capitão-mór desta villa de S. João da
Praia Cabo de S. Thomé, pela vaga de Francisco Gomes Ribeiro até 1703
que o rendeu Fernando da Gama, no mesmo posto. E como na costa
ao norte da barra ancorassem alguns navios dos piratas, (é na enseada
entre a baneta de Gargahú e Manguinhos, onde agora é o fundeadouro
ordinario dos nossos barcos da carreira para esperar monsão de entrar
e seguir viagem), a camara proveu e nomeou capitão de ordenanças ao
republicano Manoel Henriques do Amaral « visto andarem na costa (diz o
termo) dezaseis náos de piratas, por isso nomeavam Manoel Henriques
do Amaral, e o elegiam canonicamente por lei e ordenações do reino de Sua
Alteza, que Deos Guarde, sendo capitão das bandas dos Campos-novos
de Lourenço e Cacimbas para guardar o serviço de Deos e de Sua Alteza
e a milicia da guerra. »

76
CAPITULO
TERCEIRO
Tratando da cadêa e casa das vereanças, (que até o presente ainda serve
um só edificio) era preciso para celebrar seus trabalhos reunir-se o senado,
ora na varanda da igreja de S. João, ora na casa do sargento-mór João Velho
Pinto. O corregedor do Rio de Janeiro, á cuja comarca pertenciam os campos,
viera fazer a primeira correição no dia 1° de setembro de 1692, e encetou os
melhoramentos que mais se necessitava ; foi este o Dr. Miguel de Siqueira
Castello Branco, porem o seu successor Manoel de Souza Lobo foi que em
1694 deu grande impulso ás causas publicas da nascente villa.
Cumpre das ao leitor noticia do modo e fórma das correições dos
ouvidores desses tempos, e que prevaleceram até a extincção dessa autoridade
com pouca alteração. O corregedor, em chegando a qualquer termo, abria
a audiencia, em presença do juiz ordinario e camaristas, e procedia nos
termos de perguntas da maneira seguinte : De quem é esta villa ? Em quanto
pertencemos ao donatario, respondia-se que — delle ; e quando passemos
ao dominio da corôa, dizia-se — d’el-rei nosso senhor, que Deos guarde.
Perguntava se havia alguma pessoa ou pessoas que usurpassem a
jurisdicção real, ou repugnassem pagar seus direitos ? Sim ou não ? Se
havia alguma parcialidade ou clubs de pessoas que perturbassem o socego
dos habitantes ? Se havia alguma postura prejudicial aos interesses da
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

camara e povo ? Depois de se dar solução a esta ultima pergunta, admittia-


se as partes que traziam petições ou que vinham requerer verbalmente, e
tudo era reduzido a termo que ficava no archivo da camara.
A casa que se havia comprado por sete pataquas e meia, (em cujo
terreno está hoje a cadêa) era velha e coberta de palha ; e telha para o novo
edificio não se encontrava, por haver uma só olaria que a estava fabricando
para a Matriz que andava em obras. Já em 1697 havia-se pedido ao capitão-
mór, que como procurador do donatario desta capitania mandasse fazer
nesta villa casa para audiencia e para cadêa e tronco, visto que as vereanças
eram celebradas na varanda da Matriz ; advertindo-o de que já tinham
comprado uma casa de palha em dous lanços de chão e que queriam fazer
a obra de telha ; porem para isso elle capitão-mór lhes mandasse a telha,
e quando não fariam com ponto de palha ; e que em todo o caso lhes
mandasse dous escravos para embarrear a casa.
Alem disso o senado, entendendo que deveria tirar de si a pecha
de desleixo e ao mesmo tempo catancar um pouco seus antecessores no
que dizia respeito aos descuidos no serviço publico, resolveu escrever
ao governador a carta ou officio seguinte : — « Senhor capitão-mór
Fernando da Gama, lembra-nos a de V. Mce. de 3 de Maio proximo
passado, na qual vemos perfeita saude, que nosso Senhor lhe conservará
seu estado que deseja para lhe fazer muitos serviços ; e servimos a V. Mce.
ficamos promptos para toda occasião que nos der do seu serviço que o
faremos com muito gosto. Muito agordecemos as ordens que nos concede,
assim dos sucilios, como da redisima do pescado e próes e precalços das
embarcações, que tudo daremos execução ; e outro sim a nova eleição
da mercê dos próes das patentes das milicias e justiça, que esses quando
V. Mce. seja servido pode-nos mandar ordem para que possamos fazer e
recorrer a V. Mce. para o provimento, commutando o seu precalço, e isto
applicar para as obras deste concelho. Sobre as casas da camara e cadeia,
toda a madeira fica cortada e lavrada de machado e não estar levantada é
por causa do carpinteiro que assiste nas obras da igreja Mathris e andar
occupado com a capella a qual brevemente se acaba, e depois della o dito
official pega nesta nossa obra que com brevidade se ade fazer, porem
cremos que ficará levantada e preparada de todo o necessario e nunca se
cobrirá de telha por o coronel dizer que a olaria estava desfabricada, mas
constará que o conselho deste anno fêz a sua obrigação, o que as nossas
passadas nunca fizeram, ao menos será aos que de novo entrarem.

78
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

« Sobre as miudezas da igreja, abrimos junto com o reverendo padre


Jesuita, e tudo esta muito velho ; e nos mandará V. Mmc. tres sanguinhos,
um panno de pulpito, um frontal de brocado de prata, e alguns pannos
de linho para alvas e mais miudezas, e nos faça mercê de remetter junto
pelo que ficamos esperando 1 oitava de retroz, 1 meada de linhas roxas
para se concertar o dito frontal velho, e nos mandará tambem o Senhor
crucificado de páo ; agordecemos muito a V. Mmc. e as feichaduras mouriscas
que não esqueçam. Tambem escrevemos a camara da villa de S. Salvador
dos Goytacazes sobre os sucilios, e por não molestarmos mais a V. Mmc.
não queremos ser importunos e nos recomendamos muito em sua graça,
e Deos Padre lhe propere e de muitos annos de vida e a mais familia. Villa
de S. João da Praia, Cabo de S. Thomé em camara de 8 de julho de 1703
annos. — João Martins da Costa. — Manoel Henrique do Amaral. — Luiz
Pereira Bandeira. — O procurador Matheus de Souza. »
Dando-se, com effeito principio a obra pôde-se conseguir a factura
de um lanço, que foi tratado com o mestre Antonio Fernandes da Silveira
por 36$000, e o deu prompto em 1709. Esta primeira casa, que se cobrira
de palha, achava-se em 1724 já deteriorada, tanto que o senado mandava
guardar os pelouros na casa do vigario Gabriel Pereira de Araujo.
Vindo em correicção em 1729 o ouvidor da lei José Pires de
Mendonça, mandou concerta-la, e fazer outro lanço no terreno contiguo
para servir de cadêa privativamente e ficar o antigo sómente para vereanças
; o novo lanço foi tambem coberto de palha.
Fracos eram estes edificios, sem alicerces e fundamento algum de
duração, e por isso em 1735 a casa estava incapaz de servir.
Neste anno pedio o senado ao corregedor da comarca do Rio de
Janeiro (a quem ainda pertencia os Goytacazes) Agostinho Pacheco Felix,
autorisação para despender com uma nova cadêa e casa de vereanças,
visto a existente estar a cahir ; o que lhe foi concedido, sendo a obra feita
assobradada pelo mestre carpinteiro Constantino Soares, em 1736 ; a qual
com alguns reparos e mediante varios concertos, servio até a factura de
outra que se edificou em 1753, mas ainda de madeira e coberta já de telha
; cujo quarto edificio durou até a construcção do actual anno de 1797.
Começou-se a tratar da nova casa em 1781, por ordem do
corregedor Manuel Carlos da Silva Gusmão, sendo o risco da obra
mandado do Rio de Janeiro pelo vice-rei conde Rezende, por pedido
que o senado lhe fêz em 1793. Lançou-se a primeira pedra no dia 4 de

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Abril de 1794, estando presente a camara em corpo presidida pelo


corregedor José Pinto Ribeiro, e depois de ser alinhado o terreno de
novamente onde tinha sido a cadêa velha.
Ficou encarregado da inspecção dos trabalhos escrivão do
conselho João Baptista Pinto de Sá e Costa, mediante a gratificação
mensal de 16$000 reis. Os presos foram mudados para o açougue
velho, que era na praça da Matriz esquina da rua Direita, onde é hoje
a casa dos herdeiros do Padre Belxior Alves Rangel ; cujo açougue
velho, primeiro que teve a villa, fôra levantado em 1754 ; e o segundo,
edificado no anno de 1795 na rua do Açougue, demoliu-se ha vinte e
tantos annos para se construir o actual.
O edificio, em que se gastou perto de quatro contos de reis
naquella epocha, occupa 52 palmos em quadra do terreno que se
havia comprado por 2$400 reis, ficou com 18 palmos de becco entre
a casa do alferes Manuel Gomes d’Azevedo, do lado do oeste ; do
lado opposto deu-se maior largura entre a casa de Francisco Luiz
d’Andrade, que é agora de Izidoro de tal ; mas o capitão Bento José
Lopes pedio o terreno para edificar, allegando dever ficar desta parte
o bêcco com a mesma largura do da outra parte, e lhe foi concedido.
O mestre da obra de carpinteiro foi Manuel Francisco da Encarnação,
e de pedreiro Manuel Barreto.
Antes que voltemos a tomar o fio dos mais acontecimentos de
outra ordem, cumpre-nos consignar que no principio era costume ir o
carcereiro dormir em sua casa, depois de trancada a porta da prisão, e
por isso davam-se frequentes arrombamentos da cadêa, e só regulou-se
melhor o exercicio deste emprego por ordem da camara, passda em 7
de Junho de 1766, pela qual ordenava a morada effectiva do carcereiro
na cadêa, sob pena de perda de emprego.
As attribuições das camaras até 1828 não eram puramente
adminsstrativas como as de hoje ; ellas exerciam acção contenciosa,
especialmente nos crimes, como qualquer autoridade. Os juizes de Fora
nos grandes municipios, e os ordinarios eram de direito presidentes do
senado, na auzencia ou impedimento dos ouvidores e corregedores da
comarca, seus legitimos chefes e governadores ; e em falta de todos
estes presidia a vereança o camarista mais velho em idade. Nos termos
de juiz de Fora não se nomeava juizes ordinarios ; os vereadores eram
seus substitutos quando elles substituiam o corregedor.

80
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

As camaras tinham jurisdicção directa em certos crimes ; e com


seu escrivão, alcaide e porteiro inquiriam testemunhas, pronunciavam,
expediam mandados de prisão, alvaraes de soltura, tinham inspecção
no carcereiro, e por via de seus almotacés, que tambem tinham alçada
nos mesmo casos, exerciam grande influencia nos termos. Um senado
em corpo, com o estandarte alçado (ao procurador competia leva-lo)
junto com os dous almotacés, que della faziam parte nas solemnidades, a
ninguem era dado passar-lhe por diante, sob pena de tronco de pescoço ;
porque o corpo assim organisado representava a pessôa do rei. O senado
da camara era, por tanto, o centro de toda a autoridade, e della emanavam
todas as condições civis, politicas e administrativas.
Uma das mais importantes noticias de que nos esforcemos em
colher documentos foi a que diz respeito ao principio da edificação
e andamento das obras da Matriz de S. João Baptista, a mais antiga
igreja desta capitania da Parayba do Sul, por existir a capellinha de
Santa Catharina dos Amós, junto a barra do Itabapuana ; e tambem
a origem das mais capellas que hoje ornam a cidade, das confrarias,
irmandades e oratorios nas diversas fazendas do termo. Mas preciso é
que em primeiro logar demos aos leitores conhecimento da razão por
que dissemos ser a igreja de S. João a mais antiga de todas.
No anno de 1770 compareceu em audiencia publica do corregor
José Ribeiro Guimarães de Attayde o vigario encommendado desta
villa Diogo de Carvalho da Costa, para pedir ao ministro que houvesse
por bem mandar do cofre do senado dar uma esmola para ajuda do
corcerto da Matriz de S. João, que estava a cahir ; tanto assim que o
visitador geral, padre Francisco da Silveira Trancoso, havia imposto
na ultima visita a pena de tirar o sacramento da igreja e o sacrario se
dentro em um anno a não reparassem ; — « e que (accrescentava o
vigario) seria a maior desgraça deixar-se extinguir um templo que só
para sua gloria bastava ser o mais antigo da capitania da Parahyba do Sul ; cuja
recordação se faz recommendavel na memoria dos vindouros, até por
grandeza desta minha terra, pela gloria que lhe resulta de ter a primeira
igreja da dita capitania ; termos em que se achava de se reedificar a
mesma casa divina com auxilio dos fieis, para cujo fim se achava já
alguma pedra ao pé da obra e cortada no mato toda a madeira. — »
O que ouvidas as razões, mandou o ouvidor dar d’esmola dez mil reis.

81
CAPITULO
QUARTO
Se fosse este pedido feito nos nossos dias, que ninguem se lembra do
que aconteceu ha cem annos, podia muito bem passar por ficticio o motivo
allegado ou pelo menos com o fim de alcançar o padre Diogo por esse meio
mais avultada esmola ; porem naquelle tempo, quando a veracidade do caso
estava ainda na memoria de todos, é de justiça que se lhe dê todo o credito.
A segunda capella da capitania fôra talvêz a de N. S. do Sacco ou de S.
Salvador feita por Salvador Corrêa de Sá, então governador do Rio de Janeiro,
em 1653 como dissemos ; ou ainda a de S. Antonio dos Guarulhos.
Se ainda existisse a capella de Santa Catharina, edificada sem duvida
pelos annos de 1540 a 1550, no pontal do sul da barra do rio Itabapuana,
e que éra a Matriz da primitiva freguezia da capitania, a cujo lugar se deu
o nome de de S. Catharina das Amós, que actualmente conserva, ninguem
por certo lhe poderia roubar os foros de primaria entre todas as outras.
Assim mesmo á vista do notavel augmento e estado de engrandecimento
da povoação no presente, é nossa opinião que em vêz de pedirem a
freguezia com a invocação de S. Sebastião, tivessem lembrado a da antiga
padroeira, podiam allegar esse titulo de antiguidade sem obstaculo algum ;
porque os exercicios da antiga freguezia foram suspensos por força maior,
ou por outra, houve um interregno, que agora continúa.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Tanta importancia vêem a uma freguezia o ser instituida á 40, 50


ou mais annos, como á dous ou tres ; ou ser seu orago Santo André ou S.
Engracia ; isso é bem verdade ; mas ha nestas cousas um certo pundonor,
ou mesmo vaidade capaz de entristecer áquelle que, noticiando a fundação
de seu paiz, não poder dizer — a nossa sé, o nosso theatro, a nossa torre
é a mais antiga deste continente. Santa Catharina dos Amós vem a ser, por
tanto, o titulo natural da povoação hoje, e logo villa, da barra do Itabapuana.
A capellinha primitiva de S. João Baptista foi levantada em 1630
e confirmada em 1644 pelo prelado do Rio de Janeiro Antonio Martins
Loureiro, epocha em que a povoação da barra do Parahyba era já
governada por um almotacé nomeado pelo senado de Cabo-Frio, a cujo
termo pertencia o lado sul do rio, como dissemos. Vimos cartas de dacta
dessa era passadas e firmadas pela mesma camara á moradores da nova
povoação, deixada já a da barra, occasião em que Lourenço do Espirito
Santo com os mais pescadores construiram a capella.
Tres annos depois de instituida a villa, em 1679, achou-se a Matriz
bastante arruinada, e nem mais se podia dizer missa nella, porque os
povos não tinham cuidado no seu reparo em consequencia de esperarem
providencias do donatario, a quem passou tudo a pertencer por virtude da
carta de doação e posse tomada.
Então Thomé de Souza Corrêa, como procurador e Administrador
(assim diz o escripto a que nos referimos) do donatario Salvador Corrêa de
Sá, visconde d’Asseca, requereu e pediu ao vigario geral destas capitanias
do Rio de Janeiro e Parahyba do Sul o doutor Francisco da Silveira Dias,
uma provisão, que veio com dacta de 4 de novembro de 1679, para se
reedificar a igreja de S. João Baptista por entrar a servir de Matriz da
nova villa, cuja necessidade era patente porque os povos para tomar o
sacramento e ouvir missa iam á villa de S. Salvador dos Goytacazes, e da
madeira da capella velha nada se podia aproveitar.
Reedificou-se, com effeito, o templo ainda que inperfeitamente,
pela escassêz dos recursos ; e assim mal concluido prestava-se ás funcções
mais indispensaveis da parochia. Não era como desejavam alguns vigarios
mais exigentes que interinamente vinham reger a nascente freguezia,
cujas imprudencias deram aso a muitas desavenças e discordias entre
elles e os freguezes, tambem mais zelosos ou descomedidos, mas foi
servindo por emquanto.

84
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Ou por desleixo do pastor encommendado, ou por rixas particulares


de algumas ovelhas, no tocante ás cousas da Matriz, tentou o terceiro
vigario interino que tivemos, padre Mathias Teixeira de Mendonça, * e de
facto recolheu para sua casa os ornamentos e mais utensilios da igreja,
com o pretexto de achar-se ella mal segura, e os povos não tratarem de
acabar a obra. Alguns atacaram a casa do vigario, e por esta causa deram-se
conflictos mais ou menos funestos, dos quoes os mais acerbos foram os
de 1692, que deram lugar a pedir o mesmo padre Mendonça providencias
ao juiz ordinario e a dirigir-lhe a petição seguinte :
« Diz o padre Mathias Teixeira de Mendonça, vigario confirmado
na igreja Matriz dets villa de S. João da Praia da capitania da Parahyba
do Sul, e em toda ella vigario da vara pelo illustrissimo senhor D. José
de Barros Ilareão, bispo da cidade do Rio de Janeiro da repartição do
sul, deputado do santo officio e do conselho d’el-Rei nosso senhor, que
elle supplicante lhe é necessario para bem de sua justiça que Vm. senhor
juiz lhe defira para tirar por testemunhas a João Cardoso e a Victorino
Ferreira, moradores na villa da Victoria, capitania do Espirito Santo, e
de presente nesta villa na occasião em que se lhe escalaram a casa delle
supplicante e lhe tiraram os ornamentos e mais cousas sagradas da igreja
de uma caixa onde estavam fechados, por estar a igreja cahida e aberta
; pelo que pede a Vm. lhe tire por testemunhas aos ditos João Cardoso,
Victorino Ferreira e a Mauricio Ferreira, que declarem em seus juramentos
quem foram os que lhe escalaram a sua casa e lhe quebraram a fechadura
da caixa dos ornamentos e mais cousas sagradas, e de seus ditos lhe mande
Vm. dar os traslados authenticos que necessarios lhe forem. — Despacho.
— Apresente as testemunhas para lhe tomar depoimento. Villa de S. João,
hoje 28 de Janeiro de 1692 annos. — Fonseca. »
As testemunhas declararam que frei Luiz, junto com o sargento-
mór João Velho Pinto, é quem de noite foram á casa do vigario e tiraram
os ornamentos e puzeram na igreja, dizendo-se no outro dia que S. João
é quem havia obrado aquelle milagre.
A este vigario dava a camara 5$000 annuaes pelas quatro festas,
luvas que neste mesmo anno de 1692 lhe foram tiradas por ordem do
corregedor Miguel de Siqueira Castello Branco, mandando que o senado
cessasse de fazer essa despeza sem ordem regia.

* Natural do Espirito Santo, filho do capitão Manoel Teixeira Freire ; havia, antes de tomar ordens, servido nas
entradas dos sertões da capitania como ajudante de milicias.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

O padre Mathias Teixeira pouco mais tempo durou e esteve de


posse do cajado depois destas catastrophes, e visto as desenvolturas das
ovelhas, porque no anno de 1694 era já elle livre dellas e ellas livres delle.
Entretanto o templo amparou-se o melhor que se pôde até 1713, em que
o ouvidor geral da lei Francisco de Benavides, o reparou mandando-o
concertar convenientemente, emquanto se tratava da nova casa que
principiavam a projectar.
Para essa obra mandara o bispo diocesano certa quantia de esmola,
ávista da qual resolveu o senado, em 15 de janeiro de 1720, que se pegasse
n’ella, e por lhe ter prelado recommendado e pedido com instancia a
sua coadjuvação. Ordenou que os povos fossem cotizados cada um
conforme suas posses para o acabamento do templo, sob pena de pagar
da cadêa o promettido aquelle que o não fizesse voluntariamente. Deve
notar-se que a igreja de que temos tratado e o lugar onde existio, é no
terreno em que agora está a capella mór até o meio do corpo actual,
que foi obra posterior, com frente ao qual edificaram-se depois as duas
capellas do Rozario e Senhor dos Passos, de que adiante trataremos.
Em 1722 dava-se impulso á obra, porem o compativel com os
fraquissimos recursos do paiz ; o senado fazia correr bandos (editaes)
pelas ruas, convidando os povos para concorrerem com seus donativos
afim de ultimar-se a obra da matriz ; entretanto chegara uma época notavel
para S. João da Barra, que o consignaremos neste capitulo por ter relação
com os negocios da igreja, e dizer respeito ao seu atraso ou talvez maior
desenvolvimento no futuro : foi a posse do bacharel em canones Pedro
Marques Durão, segundo vigario collado da freguezia em 1725, com
100$000 de congrua segundo consta de sua carta, passada a 31 de julho do
mesmo. Dissemos desenvolvimeto, porque quantas vezes das discordias,
dissenções e das opposições nascem melhoramentos, e fazem despertar
genios apoucados e abatidos pelo habito de nada emprehenderem ? As
rixas que tiveram de soffrer e sustentar por espaço de mais trinta annos,
com pequenos intervallos, que tanto durou a administração do vigario
Pedro Marques, deram motivos a se prestar mais alguma attenção para os
interesses do culto divino, e d’ahi data, sem duvida, o incremento que teve
o templo com as obras e concertos que se foram operando.
Marques Durão não era ambicioso nem avarento : quem sabe d’onde
partiam as causas das desavenças, se delle e da sua severidade em materias
de etiquetas e deveres da disciplina da igreja, ou se da parte dos habitantes,

86
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

com pouca instrucção relativamente a certos preceitos de cerimonia, e


quasi nenhumas relações com a gente da capital ; ou finalmente se da
imprudencia de todos. Tambem elle não consentia mulheres muito
chegadas a si, e com a ponta da bengalla ia empurrando-as, com o seu
favorito — peior, mulher, chegue-se para lá —. O pobre que lhe chegava á
porta não sahia sem comer ; remettia-o para a cosinha dizendo : — Lá está
feijão na panella ; coma e lave a vasilha. — As gallinhas que lhe vinham de
presentes e baptizados, mandava-as largar na rua ; mas quando precisava
de algumas ordenava que apanhassem a primeira que fosse encontrada ;
e se acontecia vir o dono reclama-la, dizia-lhe que as suas por lá andavam
tambem e as podia comer todas.
De muitas outras singularidades ha noticia do genio deste pastor,
as quaes emittiremos para relatar neste lugar as perseguições de que foi
victima, e as que mais se approximam ao nosso assumpto, que é a historia
da Igreja Matriz de S João.
Logo no seguinte anno ao de sua posse, 1726, tendo algumas
altercações com o almotacé, por não bater este nos peitos no acto do
agnus dei da missa conventual do dia de Reis, ausentou-se e deixou em seu
lugar o padre Francisco Xavier da Fonseca * ; porem em 1730 sahindo
da villa por desgostos de outras aventuras, não deixou quem officiasse
em seu lugar ; motivo por que os fieis dirigiam-se aos Goytacazes para as
cousas da igreja. Lá era vigario da freguezia de S. Salvador o padre Braz
Lopes Prado, um dos antagonistas do doutor Pedro Marques ; e por
insinuações deste levaram, em 4 de dezembro de 1728 ao bispo D. frei
Antonio, uma representação João Velho Pinto, Antonio Teixeira Nunes,
Euzebio Cordeiro de Alvarenga e outros, queixando-se daquelle vigario
Prado por lhes levar quatro vintens de desobrigar a cada uma pessoa.
Este remoque não ficou sem resposta e represalias. O padre
Lopes Prado tanto trabalhou no serviço de Deus e taes cousas allegou
em sua defeza, que não só ficou absolvido da accusação manejada
por Durão, como até conseguio a segunda nomeação de visitador na
Parahyba do Sul. Nesta qualidade veio á esta villa, e então a desforra
foi seu alvo. Multou logo o vigário Pedro Marques, por não se achar na
sua chegada o povo todo da freguezia junto á porta da matriz ! e tambem por
não encontrar na igreja as velas todas acezas. Ordenou na mesma visita
* Durante a administração deste, veio um missionario pregar missões, e assistio em casa do vigario
interino ; e este, allegando pobreza, requisitou á camara algum fornecimento para seu hospede, e o
senado lhe mandou dar 2$500 para o sustento.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

que quem quizesse contrahir matrimonio deveria ir justificar-se em S.


Salvador : contra esta determinação representou o vigario de S. João ao
bispo, allegando a distancia e as difficuldades das innundações do rio ;
e tambem sobre a multa.
No anno de 1731 ainda tornou o padre Lopes Prado no mesmo
caracter, e com a mesma sêde no seu collega ; signal de que ainda havia
reciproco azedume entre os dois ministros do altar. Desta vez o caso
tornou-se mais serio ; o padre visitador estabeleceu artigos de visita tão
duros, que o parocho Pedro Marques entendeu que devia desobedecer a
seu superior, désse no que désse ; e formalmente declarou que não cumpria
preceito algum do delegado da mitra ; recusa que deu lugar a um processo,
instaurado logo pelo padre visitador contra o desobediente vigario, servindo
de accusador o padre secretario Manoel de Vasconcellos e França. Sendo que
uma das testemunhas dadas em favor do accusado foi o padre coadjuntor
da capellinha de S. Gonçalo, Gabriel Pereira de Araujo, ahi damos o seu
juramento para se avaliar a questão :
« Certidão passada pelo padre Araujo a pedido do Vigario Pedro
Marques Durão. ‒ O padre Gabriel Pereira de Araujo, sacerdote do habito
de S. Pedro, coadjutor da capella de S. Gonçalo que é da frequezia de S.
Salvador dos Campos dos Goytacazes deste bispado do Rio de Janeiro,
certifico como sendo chamado a juramento pelo meirinho da visita, que
nesta freguezia de S. Salvador e na de S. João da villa da Praia tinha tirado
o reverendo visitador Braz Lopes Prado, para jurar em uma denuncia que
o dito meirinho fez contra o reverendo Pedro Marque Durão, vigario de
S. João da villa da Praia, e constava de alguns artigos em que prejudicava
o credito do dito reverendo Pedro Marques ; jurei que o dito reverendo
Pedro Marques argumentara que o illustrissimo senhor bispo não tinha
jurisdicção directa em sua igreja ; e perguntado pelo reverendo parocho de
S. Salvador e pelo reverendo padre Manoel de Vascocellos e França se eu
sabia que o reverendo vigario de S. João tinha rebaptizado alguma criança,
ou errado, ou cousa semelhante algum sacramento, respondi que não sabia.
Os ditos reverendos me disseram segunda vez dizendo : — Pois não teve
noticia que elle fez isto ? — Oxalá não fôra assim, disse o revendo padre Manoel
de Vasconcellos e França ; o que me disse tambem sobre outros artigos,
que por ora não tenho presente, mas só me lembra que eu lhe disse que —
sómente a elles ouvira — e que por isso não podia jurar ; e me disseram que
elles eram de muita fé, e o sobredito que podia jurar sobre suas consciencias

88
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

ou cousa semelhante ; ao que eu já enfadado disse : que a verdade era o que


já tinha dito ; e d’ahi que pozessem o que quizessem, e por respeito assignei
o que na dita denuncia se acha no meu dito, para o escrivão com parolinhas
enfeitar, e assim de verdade só sei do argumento acima dito, e de que o
reverendo vigario Pedro Marques não quizera aceitar os capítulos de visita
que o reverendo visitador lhe enviava, e ao de mais não saberia dizer pelo
ouvir só dizer aos reverendos padres visitador Braz Lopes Prado e ao seu
secretario Manoel de Vasconcellos e França, e me dizerem que pelos seus
ditos podia jurar ; e por ver e conhecer que era em prejuiso do dito padre
Pedro Marques, e ser a divisa a denuncia, e por ter algum exemplo, pois o
que assignei foi contra a minha vontade e já enfadado de suas palavrinhas,
e me reporto a tudo que no meu dito se achar de mais do argumento acima
dito e dos capitulos, tudo o mais foi o que eu ouvi a elles no acto em que me
chamaram para testemunha na dita denuncia a tantos de maio, tempo em
que o reverendo vigario da Praia tinha feito viagem para a cidade do Rio de
Janeiro ; e por esta me ser pedida a passei na verdade que sendo necessario
affirmo in verbo de sacerdotis ; hoje 20 de junho de mil setecentos e trita e
um. — Freguezia de S.Gonçalo — O padre Gabriel Pereira de Araujo. »
As malquerenças dos dois pastores foram nimiamente renhidas
e datam da chegada aqui do padre Durão : máo exemplo foi esse para
povoações ainda no berço. Os padres e vigarios especialmente eram
tidos nesses annos como as pessoas intelligentes e de mais respeito nas
povoações nascentes, pois que mui poucos dos habitantes sabiam ler ; por
isso calcule-se o damno moral de semelhantes disputas.
Por algumas petições mais curiosas que adiante copiamos, alem
de outras no mesmo sentido que omittimos, se verá quando e por que
principiaram as desintelligencias destes adversarios.
Algumas petições do reverendo padre vigario doutor Pedro Marques.
— « Illm. Sr. — Diz o doutror Pedro Marques Durão, sacerdote do habito
de S. Pedro, vigario collado por sua Magestade que Deus guarde na parochial
igreja de S. João dos Campos dos Goytacazes, que o reverendo vigario de S.
Salvador Braz Lopes Prado lhe offereceu as alleluias de sua freguezia para elle
supplicante lhe pagar os sermões das domingas da coresma passada, dizendo
que as ditas alleluias rendiam cincoenta até sessenta mil réis ; e aceitando elle
supllicante os sermões nestas condições, se poz a firmar os ditos sermões,
e indo pregar quarta feira de cinza como pregou, o dito reverendo vigario
lhe faltou ao ajuste dizendo que elle não tinha dito que as alleluias rendiam

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

a quantia acima nomeada ; por cuja causa deixou de pagar ao supplicante


os ditos sermões ; portanto perde a vossa illustrissima seja servido mandar
que o reverendo vigario de S. Salvador lhe passe a elle supllicante uma
certidão jurada in verbis sacerdotis, em a qual declare se fez elle supllicante
o tal contracto nas condições acima declaradas , e receberá mercê. — Haja
vista ao reverendo supplicado e com a sua resposta requererá o reverendo
supplicante o que lhe parecer. — Rio, em meza ; 12 de maio de 1727. Araujo,
Dr. vigario geral. — Valladares. — Dr. Mascarenhas. »
Outra petição. — « Diz o doutor Pedro Maques Durão, sacerdote,
etc..., que o reverendo Braz Lopes Prado estando em visita na igreja do
supllicante o condemnou em oito mil réis, allegando por causa o não estar
o povo junto na sua entrada ; não estar a cera aceza ; não estarem os santos
oleos na igreja, os quaes nem no tecto da igreja se podem conservar por
estar ella incapaz e não ter um caixão ; e allegando tambem por causas
o estar o edital roto em uma ponta sem lhe faltar letra alguma, o que
succedeu por accidente ; e como destes defeitos se não faz assento nos
capitulos das visitas, e a condemnação de oito mil réis é mui pesada a
respeito do rendimento da igreja, pede a vossa illustrissima seja servido,
attendendo ao referido, diminuir-lhe a condemnação e mandar que o
reverendo visitador lhe reponha o que vossa illustrissima entender ser
justo ; o receberá mercê. — Haja vista ao reverendo supllicado. Rio, em
meza de 14 de maio de 1729.
Outra petição. — « Diz o doutor Pedro Marques Durão, sacerdote,
etc..., que Antonio da Silva Esteves, seu freguez e morador na dita
villa, indo doente para a villa de S. Salvador, morreu lá na dita villa,
e como deixasse em seu testamento trezentos e tantos mil réis para
bem de sua alma, o reverendo vigario de S. Salvador Braz Lopes Prado
lhe tem feito os mais dos suffragios, e como a constituição manda que
quando um freguez de uma freguezia morrer em outra os suffragios se
dividam por rata, e o dito defunto não deixasse igreja determinada para
se lhe applicarem os suffragios por sua alma, quer elle supplicante, na
observancia da constituição, que o reverendo vigario de S. Salvador o
enterre no que por rata lhe tocar para conservação do juz parochial e
utilidade sua, pois o capitulo do rezidio o não priva a elle supplicante do
jus parochial, e menos os legados plenos que se vão haver ; e como o
reverendo visitador Braz Lopes, estando em visita na igreja do supplicante,
recebeu noventa e tantos mil réis pertencentes á alma do dito defunto,

90
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

deixando-a sem uma missa se quer : por isso pede a vossa illustrissima seja
servido, attendendo ao referido, dispor o que fôr de justiça ; e receberá
mercê. — Não constando o contrario da disposição do testador, deve
o reverendo parocho de S. Salvador partir com o reverendo supplicante
por rata a esmola deixada por os suffragios, na fórma da constituição.
Rio, em meza, 16 de maio de 1727. — Araujo, doutor vigario geral. »
Apesar das disputas que sustentava o doutor Pedro Marques com
o seu collega Braz Lopes, em cuja lide ás vezes era réo e outras vezes
fazia de autor, mas sem nunca arrear bandeira, assim mesmo não se
descuidava da matriz ; porem nada absolutamente pôde fazer, porque
seu contendor intrigava-o tambem com os freguezes, e esse genero de
combate lhe era mais funesto.
Foi por vezes chamado ao Rio de Janeiro a dar contas de varios
capitulos de accusação. D’uma dessas denuncias era signatario o tabellião
André Franco da Motta, e entre varios artigos escriptos contra elle
achavam-se estes :
Item. O vigario Pedro Marques diz missa de chinellas.
Item. Negoceia com facturas de embarcações.
Item. Não sabe dizer missa.
Chegando ao Rio, deu-se-lhe audiencia para defender-se perante o
bispo ; e sendo interrogado sobre o primeiro artigo : se dizia missa de
chinellas, respondeu ao prelado : e se V. Sª. lá estivesse havia de dizêl-a de pé no
chão, porque os bichos são tantos que trago os pés todos inchados.
A respeito do segundo, disse : que na freguezia existindo muita
gente preguiçosa e inutil vivendo 10 de furtos, elle, por lhes dar que
fazer, promovia á factura de lanxas e pequenos barcos com o fim de
tiral-os da mandriice.
E que sobre o terceiro ponto, podia celebrar d’elle bispo para ser
julgado. O que com effeito fêz, e foi, em resumo, absolvido da accusação
e mandado regressar a sua freguezia.
Depois de reintegrado nas funcções parochiaes, e ao celebrar a
primeira missa conventual, aconteceu ao virar-se para dizer o dominus a dar
com a vista no seu accusador e patricio Franco da Motta (ambos eram de
Peniche) ; parou e dirigio-lhe estas palavras de remoque, em vós alta : —
senhor André Franco, veja se vai a seu gosto ! Alludia ao capitulo sobre o não
saber elle dizer missa.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Como o seu antagonista era escrivão, adoptou o vigario d’ahi por


diante o costume de repetir, no acto do lavatorio, a mofina : — meus amados
ouvintes, quem não furta não tem, mas tambem no Céo com o alheio ninguém entra.
E’ justo que noticiemos o desfecho da administração deste pastor
da nossa Matriz, visto que d’elle nos occupamos ; e por ser digno
de compaixão o caso com elle acontecido nos ultimos tempos, pelo
qual largou a freguezia annos antes de ser d’ella removido legalmente,
sendo as funcções parochiaes praticadas por vigarios interinos por
espaço de dez annos.
De todas as animosidades, externas e internas, levantadas contra
elle, nenhuma foi mais desastrosa de que o conflicto havido entre elle e o
ajudante Luiz Alves de Barcellos, no anno de 1750 ; conflicto que tornou-
se serio por chegar a vias de facto, e de um modo escandaloso. O ajudante
não era para graças, e de mais a mais tinha o predicado de ser filho do
capitão-mór Felix Alves de Barcellos, contra cujo poder nesses tempos
ninguem se oppunha. Foi o caso.
No dia 19 de julho do anno de 1750, que era Domingo, viéra á Matriz,
ás 8 horas da manhã, o ajudante Luiz Alves de Barcellos, filho do capitão-
mór, para servir de padrinho a uma innocente que vinha receber agua do
baptismo : Barcellos e seus sequazes (agora chama-se carneiro ou capanga)
vinham armados de espada á cinta, traje que se usava antigamente, no
passeio, nas festividades, nas viagens ; e amarrar a espada ao tiracollo valia
o mesmo que hoje amarrar ou pôr a gravata no pescoço. Entre o parocho
e Luiz Alves haviam antecedentes, que não faziam agourar bem o modo
por que elle se apresentava apesar da usança ; comtudo o padre Marques
veio exercer o seu ministerio, e com as vestimentas menos fastosas que
haviam, porque de sua parte tinha em vistas, sem duvida, mostrar ao filho
do capitão-mór que o não temia.
O acto do baptismo consummou-se ainda em paz, mas no dar e
receber da esportula é que foram ellas. O vigario recebeu-a e atirou com
ella ao chão ; e Barcellos puxando da espada, começou a dar de rijo : isto
acontecia no meio da igreja ; e Durão, desarmado, defendera-se a principio
com alguma coragem, porem não podia resistir ao ferro do ajudante
porque estava elle nesse dia endiabrado (toda esta narração tiramos do
respectivo processe instaurado contra Barcellos pelos factos praticados
nesse dia e que relataremos até o fim).

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Todo o empenho de Luiz Alves consistia em que o doutor Durão


apanhasse a esportula, e este recalcitrava e se obstinava em o não fazer.
A igreja achva-se a este tempo já cercada pelo juiz ordinario, almotacé,
escrivão e povo, mas ninguem se animava a penetrar dentro porque a gente
do ajudante tinha tomado as portas, e pela parte de dentro receberam
ordem de matar a quantos tentassem entrar para acudir ao vigario, que a
este tempo gritava fortemente para que matassem aquelle mouro.
Finalmente, vendo-se o vigario horrivelmente cutilado e sem
soccôrro de parte alguma, não hesitou mais no mandato de seu
perseguidor, e apanhou a fatal esportula ; e Barcellos, tendo-o deixado,
encaminhou-se á porta principal afim de seguir para a sua roça de
lavouras, que era no Vianna.
Ao transpor o portal da igreja, recebeu a voz de preso do proprio
juiz ordinario ; porem como depois que beneficiára Durão ainda não
tinha mettido a espada na bainha, com ella entrou de novo a cortar
por entre a chusma. Aqui a tarefa não durou muito tempo ; depois
que cahio morto o escrivão da camara, com um braço decepado o
porteiro, e partida de meio a meio a vara que trazia o juiz ordinario, o
povo desappareceu instantaneamente ; e o ajudante dirigiu-se pela rua
da Beira do Rio (hoje da Boa Vista), entrou na venda de Domingos
Moreira, que é a casa que lá está e pertence aos herdeiros de João José
de Brito, onde mandou vir rosca e queijo.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Durante a refeição entrou na venda um Geraldo Dias, do Limão,


com o seu aggregado Vicente de S. José ; os quaes sem darem fé no
filho do capitão-mór, não se descobriram. Esta descortezia fêz com
que Luiz Alvez puxasse de novo a espada, não obstante a desculpa dos
dois assaltados de o não terem visto ; e o resultado foi a morte de S.
José, e fuga de Geraldo com a cabeça quebrada e com tres dedos de
menos na mão esquerda. Como o fim desta terceira refrega deu-se já
na rua, o dono da venda tinha fechado as portas com a determinação,
sem duvida, de escusar-se de ir a juizo depôr como testemunha : mas
esse medo lhe foi faltal porque o ajudante fêz desse incidente motivo
para accrescentar á sua tragedia do dia 19 de julho, mais um quarto e
ultimo acto. Depois de passaportear S. José para o outro mundo, e Dias,
soffrivelmente cutilado, para o seu sitio do Limão, achando a porta da
venda fechada, mandou vir machados ; escalou as portas, e depois de
penetrar no interior, entrou a quebrar tudo, principiando pelo balcão e
pipas, e acabando pelas prateleiras, fazendas e louça que havia na venda ;
de maneira que moveis e generos tudo ficou reduzido a nada.
Em continuas rixas viveu, portanto, o vigario Pedro Marques, não só
com alguns freguezes, como igualmente com os seus deveres. Com a sua
sahida da freguezia, pelos annos de 1760, pensou-se melhor no que tocava
aos concertos da igreja, cuja obra do frontespicio e corpo ficara parada
com a ausencia do vigario Durão, e por deleixo do vigario encommendado
(assim diz a nota que copiamos) ; a pontos de pedir a camara ao ouvidor
autorisação para mandar ao menos fazer uma porta interna para fechar o
templo, por não servir este de casa de animaes e immundicies.
O senado por sua parte tratou de influir e cuidar no reparo da Matriz
; e em 6 de abril de 1762 dirigiu sua supplica ao throno, por intermedio
do governador, dizendo e pedindo-lhe : — « Que lhe mandasse Sua
Alteza dar pelo thesouro uma esmola para o concerto da igreja, por estar
muito arruinada a capella-mór, e por isso haviam mudado o Santissimo
Sacramento para a capella do Senhor dos Passos, por ser aquella indecente
e limitada, e não ter a igreja sinos e menos pia, e que em lugar desta servia
uma gamella de madeira ; não se celebrava missa na Matriz por não ter
arranjos, e que viam vir a igreja abaixo. — »
O descuido das cousas das matrizes parece que vem de longe ; ao
passo que a villa começava a ter augmento desde 1758 nos outros ramos,
e mesmo no que dizia respeito ao culto divino nas capellas e irmandades

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

; ao passo que a exportação crescia, a população e a força auxiliar tomava


regular forma e organisação, a casa do padroeiro ia em decadencia. A
tal ponto chegou a ruina da igreja com as interinidades dos curas, que
tornou-se indispensavel a completa mudança tambem dos ornamentos, e
depois da propria imagem de S. João Baptista para a mesma capellinha dos
Passos ; como se deprehende do termo que transcrevemos para melhor
conhecimento da data e circumstancia destas phases :
« Termo de mesa da irmandade do Senhor dos Santos Passos. —
Aos 4 dias do mez de setembro de 1774, nesta villa de S. João da Barra
Parahyba do Sul, cabo de S. Thomé, na igreja matriz della aonde se achava
o irmão secretario com vezes de provedor Francisco Franco Peniche, e
mais irmãos de mesa e os tais irmãos abaixo assignados da irmandade do
Senhor dos Passos e Santissimo Sacramento para effeito de fazerem mesa
e nella determinarem o que for a bem da irmandade.
« E na mesma mesa determinaram a que, por se achar em muita
decadencia a martriz desta mesma villa, contigua á qual e com arco para
a mesma se acha a nossa capella desta irmandade, e na mesma matriz ;
não tem sacristia nem onde se recolha o caixão em que se guardam os
ornamentos da fabrica da mesma igreja e vasos sagrados della, estando
elles expostos a qualquer ruina, por cuja determinaram, visto estar no
tempo presente a mesma sua capella servindo como matriz por se achar
nella recolhido no sacrario o Santissimo Sacramento desde o principio
em que se instituio o culto nesta mesma matriz ; e que na sacristia desta
mesma irmandade se recolhesse o caixão dos ditos ornamentos e vasos
sagrados ; e que da mesma sacristia se servisse o reverendo vigario actual
ou outro qualquer que lhe succedesse, emquanto esta mesma irmandade
o houver por bem, e que visto se achar na mesma capella o Santissimo
Sacramento lhe tivesse o thesoureiro desta mesma irmandade prompta a
chave da porta della para admistração do mesmo Sacramento, e juntamente
para as missas conventuaes de domingo e dias santos, e de como assim o
determinaram mandaram fazer este termo em que todos assignaram, e
eu André Franco da Motta escrivão da irmandade que o escrevi. E na
mesma mesa depois de feito este termo sendo chamado o reverendo
padre coadjutor Diogo de Carvalho da Costa, para junto com elles irmãos
assignar este termo depois de lido, por elle foi respondido que o não
assignava, por quanto ele não era vigario collado desta matriz senão tão
sómentes para administrar o sacramento ; á vista do que mandaram fazer

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e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

esta declaração em que assignaram ; e eu André Franco da Motta escrivão


que o escrevi. Assignados os mesarios. »
No anno de 1776 foi nomeado pelo ouvidor para thesoureiro de S.
João o devoto Francisco da Cruz Leal, e este zeloso homem metteu a peitos
a obra do corpo da igreja e frontespicio que se vê actualmente, ainda que
não deixou completamente concluido. Mas o padre José Soares, que regeu
a freguezia interinamente por impedimento do vigario Manoel Furtado de
Mendonça, acabou-a e promoveu a outros arranjos indispensaveis.
O padre José Soares, no curto espaço de sua administração, deu
evidentes provas de seu zelo religioso na decoração da casa do Padroeiro.
Até a sua chegada era costume nas festividades ladrilhar o solo da igreja
com piripery, assoalho este que bastante detrimento causava as fivelas dos
sapatos das mulheres, porque ao sahirem da igreja, no fim da festa, carecia
muita cautela nas fivelas (e nesse tempo era ornamento usado), visto que o
silvestre tapete com facilidade se lhe apegava, e lá ia cada uma arrastando
boa porção de alcatifa ; mas o digno pastor emprehendeu assoalhar a igreja,
fazendo convenientes sepulturas ao mesmo tempo. No fim das missas
conventuaes dirigia ao povo uma practica pedindo esmolas para as obras da
matriz, e quanto ao arranjo do pavimento, lembrava ás mulheres o quanto
lhes conviria abandonar o uso dos piriperys, pois que a ellas importava
mais esse melhoramento do que aos homens. Tudo emfim conseguiu o
benemerito sacerdote ; portas travessas, frontespicio, sepulturas, pulpitos,
e foi elle quem, alem destes serviços materiaes, convidou a alguns chefes
de familia mais opulentos para mandarem ordenar seus filhos afim de
haverem sacerdotes no paiz, porque era descuido imperdoavel ter-se
ordenado sómente dois filhos da terra á perto de cincoenta annos, os dois
do capitão-mór Felix Alves — e durante tão longo lapso de tempo não
apparecer quem se dedicasse ao ministerio ; convite que produziu logo
os effeitos previstos, porque elle proprio habilitou com preparatorios tres
moços do paiz, cujos nomes damos na 3ª parte.
A retirada do padre José Soares foi extremamente sentida dos
habitantes ; todos exprimiam as saudades do bom pastor, que deixou
a freguezia em 1793, por cessarem os impedimentos do proprietario
Mendonça.
José Ferreira Passos e Jozefa de Anchieta, mulher de Francisco Pereira
Chelas, sahindo festeiros de S. João em 1780, fizeram derrubar a arruinada
capellinha mór da matriz, e construiram outra de madeira ; tempo em que o

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

padroeiro recolheu-se á capella do Senhor dos Passos, onde esteve até 1806,
porque nesta data emparedando-se o arco cruzeiro, ahi se collocou o altar
mór emquanto em 1818 se construiu de pedra e cal o solido edificio que
hoje existe. A varanda e obras que se vêem puxadas da capella mór do lado
do rio, é trabalho do vigario collado Francisco José Pereira de Carvalho, em
1840, com o legado pio do bem-feitor padre Belxior Alves Rangel e Silva.
Era já prompta esta ultima capella mór, e já funccionava com o
ornamento de pinturas do insigne mestre o ajudante Clemente de
Magalhães Basto, da Villa de S. Salvador, cujo primor ainda se observa no
quadro do Homem-Deos, que lá se vê no pinculo do edificio, e o vigario
da freguezia não tratava de fazer a mudança de sacristia, allegando como
posse da dos Passos o lapso de mais de cincoenta annos que a occuparam
seus antecessores ; porem o obrigaram a retirar-se em 1823, em virtude
de disputas com o irmão thesoureiro do Sacramento, Francisco Antonio
Gomes, que nesse anno era influente na confraria.
O padroeiro S. João Baptista nunca teve irmandade nem
administração mais do que a direcção dos vigarios e de um thesoureiro
nomeado pelo ouvidor ou pelos mesmos vigarios, pois não encontrámos
titulo algum que indicasse nesse cargo feições officiaes.
O thesoureiro guardava as esmolas dos fieis, e promovia as obras
da igreja, a principio de accôrdo com o senado da camara, e depois
com o parocho ; os bens constavam de algumas joias, uma ilha perto do
Vianna, chamada de S. João e lanço e meio de casas na praça da Matriz,
regular aposentadoria dos primeiros vigarios, onde houve a aula de latim
do padre José Soares. A irmandade que está presentemente organisada,
instituio-a o commendador Joaquim Thomaz, pelos annos de 1857, com
seu compromisso approvado legalmente.
A capella do Senhor dos Passos, que fica contigua á Matriz do
lado do Evangelho foi edificada de madeira antes de 1730, épocha em
que instituiram a irmandade, cuja obra já estava a cahir em 1749. Essa
primitiva casa era, sem duvida, mais pequena e de menores dimensões do
que a actual, que foi terceira, e tem o espaço da segunda, visto que esta foi
accrescentada pelo que se vê do termo seguinte : — « Aos cinco dias do
mes de junho (vai a mesma orthographia) de mil e sete centos e quorenta
e noue nesta matriz da vila de S. joão da Bara na mesma se ajuntarão o
irmão prouedor do sr. dos pasos para com efeito concordarem em huo
nouo edifisio na capela do dito snr. e sem duuida ajustarom e mandarom

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e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

acresentar ficando a dita capela com quorenta palmos de fundos e vinte


hoito de largo e como assim ajustarom e concordarom mandaran faser
e em que se asinarom e eu domingos moreira sacartaro da mesa que o
escreui — Jozeph Glz, dasilva ; † de francisco pereira Xeles ; Leonardo Felis ;
Manoel da Costa de Cantiago ; † de manoel Fernandes marçal ; Domingos
Luiz Malta ; Manoel Antonio Santagóe ; † de Andradé moreira ; † de João
Ribeiro ; † de Jozeph fernandes ; Antonio Gonçalves Barbosa ; Alexandre
de Sousa Pires. — » Cujo serviço contratou-se com Euzebio José de
Aguiar por duzentos e doze mil reis comforme consta da continuação
do mesmo — « Ena mesma apareseu hizebio Jozepho de aguiar dizendo
que ele estaua apertado e contratado com o preuedor e os mais irmãos da
meza do snr. dos paços desta mathris de S. João as obras adiante nomiadas
a capela de qorenta palmos de fundo com vinte hoito palmos de largura
com seu arquo e grades de pau de jacarendá e huo retabolo lizo com toda a
madeira neseçaria para as obras declaradas e asim mais duas portas e duas
frestas e a capela forada de abobeda ou painelada com seu pipiterio, dando
a dita irmandade pedra cal e telha e tudo o mais fiqua o dito mestre hizebio
Jozeph deaguiar obriguado a dalo para a dita obra e se ajustarom em preso
e coantia de duzentos e doze mil reis, dando lhe hoitenta e hun mil reis
em meio da obra coresto findada a obra a coal oBra se o obriguou o dito
mestre hizebio Jozeph deaguiar a dar finda eacauada da factura desta a
noue mezes com pena de que não contemplatando no dito termo finda e
acauada perderá vinte e sinquo mil e seis sentos reis da sua fazenda e como
asim o disse e se obriguou a tudo cumprir e guoardar por sua pesoa e bens
abidos e por auar eseasinoa pinlo com o prouedor e mais irmaôs de meza
eu Domingos moreira que o escreui — auzebto Jozeph de agaier — »
Segue-se um recibo no mesmo sentido, a declarar que fôra
effectuado o primeiro pagamento ; porem no fim appareceram algumas
difficuldades e embaraços pecuniarios, segundo se deprehende do termo
de mesa, que tambem copiamos conforme o original : — « Aos cete dias
do mes de majo de mil e cete centos e cincoenta annos nesta villa de S.
João da Barra Parahyba do Sul cabo de S. Thomé e Igreja Matriz della
na capella do senhor dos Passos onde se achavam o irmão Prouedor da
Irmandade do senhor dos Passos Francisco Pereira Chellas e o irmão
secretario Domingos Moreira e o Irmão Procurador Leonardo Felis e
o Irmão Tezoreiro Jozeph Gonsalves da Sjlua e mais irmaôs de meza
que para efeito de fazer em meza e nella cuidar no fosse abem da dita

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

irmandade, e logo na mesma determinaram o dito Prouedor e mais irmaôs


da meza que para efejto de findar o pagamento da obra da noua capella do
senhor dos Passos o cremalente della Euzebio Jozeph de Aguiar ajestace
cada irmão de meza a pagamento de onze mil reis cada hûm de seu anual
e que nesta mesma forma se reteace o que tocase au mesmo Prouedor e
sacretario que veêm a cer a ter o Prouedor apagar por quatro irmãos e
o sacretario por dous e com efejto assim ajustaram e logo pagaram cada
hum o que lhe restava pagar para o ajuste da dita qoantia que de tudo se
fes carga ao mesmo tezorero. Ena mesma detriminaram os ditos Prouedor
e irmaôs demeza que como ainda se carece de dinheiro para pagamento
da dita obra pelos oxeciuos gastos que com a mesma capela se havião
feyto, e haverem seis bois capados da mesma Irmandade cujos se havião
dado de esmola detriminaram aque se pedice emprestado sobre os ditos
bois vinte e cete mil réis athe estes estarem capazes de ce uender ficando
os ditos bois epotecados a esta diuida e logo se pediu o mesmo dinheiro
ao Irmaõ sacretario Domingos Moreira o coal por fazer esta mercê por
esmola o emprestou athe com efeyto se uenderem os ditos bois, e logo
do mesmo dinheiro se fes carga ao mesmo tezorero de como o recebeu
eo que repozeram os ditos irmaos abaixo asignou. Elogo na mesma meza
detriminaram o Prouedor eos mais irmaos da meza aque se fizece a festa
da ueracruz na dominga seguinte que se contam des deste prezente mes e
que se fizece com missa cantada e dois sermões hum de menhan na missa
cantada e otro detarde, e de como acim detriminaram mandaram fazer
este termo em que todos acignaram eu André Franco da Motta escrivão
da irmandade que a rogo do sacratario o escreui eu Domingos Moreira
sacratario da Irmandade o sobre escraui e acignei — † de Francisco Pereira
Chellos, Prouedor ; Leonardo Felis ; Jozeph Gonsalves da Sylua — »
Havida a quantia precisa com a hypotheca dos bois capados da
irmandade, tractou-se de dar fim á obra ; e tambem as pinturas da nova casa,
em Agosto do mesmo anno ajustadas com Domingos Alves, homem pardo,
por 36$000 réis em tres pagamentos ; alem de 5$000 réis para seu sustento,
e farinha (palavras do contracto) em quanto durasse o serviço. O mestre de
barco Manuel Gonçalves de Freitas trouxe do Rio de Janeiro as tintas, que
custaram 35$230 réis ; sendo este importe rateado pelos irmãos, veio a tocar
a cada um 1$960 réis. No fim da obra o pintor reclamou uma gratificação
alem do ajuste por ter perdido ou ajustado mal, e se lhe deu 4 doblas de
12$800 réis cada uma, e mais 25 patacas para ajuda de seu sustento.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

A factura da sacristia foi contractada com o mestre das obras da


capella Euzebio d’Aguiar, por 90$000 réis, no anno seguinte de 1751, com 24
palmos de largura e os mesmos fundos da capella, debaixo destas condições :
esteios de gurauna, baldrames do mesmo, frexaes de massaranduba, caibros
roliços, portas de araribá, sendo 4 e 2 janellas. O chão só em 1756 é que se
assoalhou, sendo Vicente Jorge o empreiteiro da obra.
A irmandade do Senhor dos Passos não tinha compromisso,
pois que o primeiro só lhe foi concedido em 1809, no qual o Principe
Regente deu vigor e legalisou os actos anteriores, á setenta e tantos
annos praticados pela irmandade : era primitivamente uma associação
de homens devotos com certo regulamento escripto provisoriamente,
e que intitulavam compromisso. A maior parte da gente das povoações
nascentes daquelle tempo vinham de Portugual, com idéas de confrarias
e irmandades, que por lá era, como todos sabem, quasi que o elemento
exclusivo desses seculos ; por isso nas povoações e em qualquer capellinha
tornava-se facil a formação de tantas irmandades quantas éra o numero
de imagens que ella continha. E como nos annos de que fazemos menção
havia piedade, caridade e sincera vocação religiosa nesses homens que
se reuniam em irmandade provisoria, tambem os bispos, o vigario e as
autoridades temporaes os toleravam como reuniões reconhecidamente
uteis á humanidade ; assim foi fundada a nossa irmandade dos Passos
e todas as desta cidade : beneficencia e soccorros aos irmãos, foi o alvo
das confrarias sem compromissos legaes ; diverso do das que agora são
constituidas de direito que é negociar e perseguir os confrades por dinheiro.
O Sacramento tinha seu lugar, como em todas as matrizes, no altar
mór, mas sem irmandade propria ; e fôra transferido para a capella dos Passos
por se achar a capella mór da matriz a desabar, como acima dissemos. Apoz
a mudança vieram novas obrigações para os irmãos dos Passos, que devota e
voluntariamente receberam o sacrario em sua capella ; e no anno de 1754, com
a chegada do visitador Camara ainda se lhe accrescentou novos encargos, dos
quaes bem se póde conjecturar qual foi o principio e origem da importante
irmandade do Sacramento da nossa Matriz. Mencionamos por inteiro o
documento porque é elle o noticiador mais simples e veridico das historias :
« Termo de obrigação que fazem os irmãos da irmandade do Senhor
dos Santos Passos para assistencia do culto do Santissimo Sacramento
collocado no altar do mesmo Senhor dos Passos. — Aos dois dias do mez
de setembro de mil setecentos e cincoenta e quatro annos, em visita desta

100
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

freguezia de S. João da Barra, Parahyba do Sul, visitando o reverendissimo


senhor doutor Manoel Gago Mascarenhas da Camara o altar do mesmo
Senhor dos Passos, capella e livros de sua irmandade, pareceu-lhe ser
necessario para conservação do culto do mesmo Santissimo Sacramento,
convocar a meza presente e a passada e alguns irmãos mais da dita irmandade,
e propondo-lhes varias razões para effeito do estabelecimento do culto
do mesmo Senhor sacramentado, finalmente assentou-se uniformemente
e obrigaram-se os irmãos em nome de toda a irmandade do Senhor dos
Passos desta dita freguezia a assistirem ao Santissimo Sacramento com
luz sempre aceza na alampada, e cera prompta no altar ; e outrosim se
obrigarão tambem a mandar vir seis opas de serafina encarnada para estarem
promptas para assistirem e acompanharem o Santissimo Sacramento, e para
que possa esta santa irmandade melhor acodir á despeza a que se obriga,
lhe concedeu o reverendissimo senhor doutor visitador licença para que
possam em um dia da semana, em quinta ou domingo, o que melhor conta
lhe fizer, com opa encarnada pedir pelos freguezes á porta da igreja, ou
ainda por toda a villa e em toda a freguezia esmolas para a cera do mesmo
Senhor sacramentado e em todos os dias da quaresma até o domingo da
Paschoa e seu oitavario ; e de como assim assentaram uniformemente entre
todos e se obrigaram a todo o referido neste termo, assim madaram fazer
o reverendissimo senhor doutor visitador e os mais irmãos presentes, que
assignaram. E eu Fructuoso Mascarenhas da Camara, secretario desta visita
o escrevi. — Manoel Gago Mascarenhas da Camara. — Pedro Marques Durão,
vigario. — Como provedor, André Franco da Motta. E os mais mesarios. »
Assim foi o começo desta confraria, que entrou successivamente a
prosperar com a juncção á dos Passos. No seguinte anno de 1755 mandou-
se buscar um calix de prata e um frontal de chamalote branco, bem como
casula com todos os seus pertences ; sendo em seguida determinado que
as festas da vera cruz se fizessem em uma das oitavas do Espirito Santo,
com missa cantada, procissão, vesperas e dois sermões.
Possuira a irmandade da villa de S. Salvador uma casa, defronte
da igreja do Carmo, que lhe dera em pagamento de divida um João dos
Santos, cujo predio conservou por não apparecerem arrematantes em
praça. Dera-se esta adjudicação em 1763 por dinheiros despendidos e
adiantados para a nova capella que se projectava de pedra e cal, em virtude
de ter dado para fóra e ameaçar ruina a parede da parte do norte da obra
á poucos annos acabada, por ser feita de madeiras.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Projectou-se a principio altear sómente as paredes, porem reflectindo


que as mestras não tinham a solidez conveniente para soffrer grandes
pesos, foi definitivamente concordado que era indispensavel derrubar
toda a casa e consistorio, e construir-se a actual ; os quaes ficaram com as
mesmas dimensões dos arruinados edificios. Esta ultima obra, que dura
até os nossos dias, ultimou-se em 1778 ; e a pintura contractou-se com o
mestre pintor José Rodrigues Braga, por 110$000 ; com a condição. « De
pintar o forro de cima (reza o papel de tracto), da cmialha, pintar todos os
sete passos, e no tecto uma margem em que se ajunte o Senhor no calvario
e na cruz, e os seis passos, tres de uma banda e tres da outra, e por cima
do camarim do Senhor uma tarja com o Santissimo Sacramento, e todos
os filetes do retabulo de ouro e o mais tudo de campo branco, e a grade
da communhão fingida de pedra e genolosia do arco grade etc. » Fazemos
minuciosa commemoração desta pintura, para avaliar-se a firmeza das
substancias ha oitenta annos ainda ali visiveis e no mesmo estado.
Em 1781 iam em prosperidade os bens da irmandade ; grande
quantidade havia de gado em arrendamento ; mandava-se edificar casas
em uns chãos doados na praça da matriz, (onde está presentemente um
grande sobrado) e em meza de 4 de novembro do mesmo anno requereu o
procurador : « que por se achar ao tempo presente a irmandade desempenhada
e haver carencia de um tribulto (thuribulo) e naveta para ella e serem muito
precisos estes trastes, se mandasse buscar tudo de prata na cidade do Rio de
Janeiro, por ser talvez com mais commodidade do que na Bahia ; e mandasse
tambem o mesmo thesoureiro vir uma oocatifa (tapete) para se cobrir o
estrado do altar, e degraus do presbyterio, até chegar ao chão ; e tambem pela
indecencia de se alumiar á alampada o Santissimo Sacramento com azeite de
baga, devia-se mandar buscar um barril de azeite doce. »
D’aqui em diante o Sacramento, que era hospede na capella dos
Passos, tomou o lugar de proprietario ; e ninguem mais nomeou a capella,
a irmandade, o gado, as casas, os chãos, as opas, o guião do Senhor dos
Passos ; tudo ficou sendo do Santissimo ; e até no cabeço dos termos,
que antes desta epocha escrevia-se — desta irmandade do Senhor dos Passos,
etc., — d’ahi por diante entrou a dizer-se — destas irmandades do Santissimo
Sacramento e Senhor dos Passos. No anno de 1809 confeccionou-se o primeiro
compromisso, que foi approvado, menos os tres artigos que consistiam
em equiparar esta irmandade ás mesmas regalias da de Misericordia de
Lisboa, e o da distincção de côres.

102
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Resolveu a irmandade vender o gado, que andava em arrendamento,


o qual produziu, em 1829, no leilão, mais de tres contos de réis. Esta
quantia fez despertar ávidas ambições, desordem que chegou ao ponto
de chamar-se o juiz de Fóra e de capellas, doutor Diocleciano, o qual
presidindo a meza, providenciou sobre a regularidade da arrecadação do
dinheiro e sua administração : alguns dos compromettidos ainda vivem, e
por isso não entraremos em mais detalhes sobre tal acontecimento.
Ao presente acha-se a irmandade construida, o seu cemiterio nos
suburbios da cidade, primeira obra deste genero aqui levantada. O terreno
para a obra doou-o o alferes Bernardo dos Santos Sousa, e fica em lugar
commodo e aprazivel encravado em terras de sua fazenda denominada —
dos Coqueiros — primeira propriedade rural ao sahir da povoação. A obra
é edificada com elegancia e proporções adequadas aos fins a que se destina
: tem uma capellinha no terreno e solidos pilares na frente do edificio, e
comprehende o todo um recinto de cem palmos de frente e cento e quarenta
e cinco de fundos. A obra tem sido feita á custa do cofre da irmandade e
esmolas dos fieis, e por dedicação e incansavel actividade do irmão provedor
tenente Francisco Ferreira Pinto, natural da freguezia de S. Gonçalo de
Nictheroy e proprietario do officio de 2º tabellião desta cidade.
A capella de N. S do Rosario, que primorosamente ali se vê
contigua tambem á matriz e do lado opposto e fronteira á dos Passos
e Sacramento, foi acabada e concluida pelos annos de 1786, no mesmo
lugar da primitiva ; houve nessa occasião o projecto de levantar um
templo n’outro lugar independente da matriz ; porem prevaleceu a
opinião contraria á innovação da mudança.
A irmandade do Rosario teve começo na pequena capellinha
edificada no anno de 1727, e benzida a 12 de novembro do dito anno,
como se collige do termo orginal assim concebido :
« Termo de benção que fez o muito reverendo doutor visitador
Vicente José da Gama Leal, da capella de Nossa Senhora do Rosario
dos pardos da freguezia de S. João da Barra desta comarca dos campos
dos Goytacazes e capitania do Espirito Santo. — Aos cinco dias do mez
de junho de mil setecentos e oitenta e seis annos, nesta freguezia de S.
João da Barra dos Campos dos Goytacazes, o reverendo doutor visitador
Vicente José da Gama Leal, em companhia do reverendo vigario collado
Manoel Furtado de Mendonça e do reverendo frei Joaquim José Silva e do
reverendo coadjuntor Manoel Borges Senna, e mais povo da dita freguezia,

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

benzeu a capella de N. S do Rosario, a qual benção foi feita na fórma do


ritual romano, havendo a certeza de que tivera seu principio na era de mil
setecentos e vinte sete, sendo primeiramente outra capella que se benzera
a doze de novembro do dito anno, que em rasão de se arruinar fizeram
os ditos irmãos concertos até fazerem a presente, na qual se procedeu á
referida benção, de que para constar mandou lavrar este termo em que
se assignou com o seu nome inteiro e da mesma fórma todos os mais
reverendos sacerdotes que com elle juntamente procederam á referida
benção. E eu André Victorino Delgado, secretario das visitas ordinarias das
igrejas e comarcas do norte, que o escrevi. — Visitador, Vicente José da Gama
Leal. — Seguem-se as mais assignaturas. »
Alem deste termo vimos outro em sentido identico accrescentando :
« que em virtude das faculdades que tenho de sua excellencia reverendissima
e como secretario das visitas que este escrevo, visitei a capella de N. S do
Rozario da irmandade dos pardos da freguezia de S. João da Barra, novamente
feita na matriz desta mesma villa com os fundos para fóra, servindo de porta
principal um arco grande na parede da igreja matriz, ficando este dentro della
; e examinando com exacção o aceio da capella, vasos, paramentos e tudo
mais necessario, conforme as pastoraes e ritual romano, e pela achar com
capacidade, aceio e paramentada de todo o necessario para n’ella celebrar-
se o santo sacrificio da missa ; de que para constar fiz este termo de seu
mandado, em que assignou comigo André Victorino Delgado, secretario
das visitas ordinarias das comarcas do norte, o escrevi e assignei. — Leal. »
A primeira casa feita em 1727 arruinou-se no espaço de 26
annos, porque em 1752 levantou-se outra, que foi anterior á actual ; e
ajustara-se com o mestre Mauricio de Lemos a 480 rs. diarios até o seu
acabamento, cuja obra achava-se já em máo estado no anno de 1770 e
precisava de grande reforma, segundo o testemunho do ouvidor José
Ribeiro Guimarães, em correição desse anno. *
* Diz elle : « Occularmente vejo a capella em que se acha collocada a imagem de N. S do Rozario, que
venera esta devota irmandade, aberta em varias partes, cujas aberturas manifestamente indicam a pouca
segurança em que se acha e a indispensavel precisão que ha de reparar a sua ruina, no que sem duvida se
ha de consumir consideravel e significante quantia, e por este motivo, em attenção a não ter a irmandade
o dinheiro necessario para o expendido reparo, determino d’aqui em diante se não faça a festividade, e
que o seu producto se enthesoure para o reparo da mesma ruina, fazendo-se comtudo eleição na fórma
costumada, cujas mesadas hei por applicadas á mesma obra, até segunda ordem, e ainda a não intervir
este urgente motivo para cessar a actual festividade, sempre se deviam moderar as suas despezas, porque é
reparavel que em uma terra tão pequena e tão pobre se gastem annualmente sessenta e tantos mil réis sem
a irmandade ter patrimonio competente e vindo só a perder da devoção dos fieis que é tão contingente
como a experiencia o mostra. — Athayde. »

104
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Deve notar-se que estas contas e correições feitas pelos ouvidores e


corregedores, e hoje pelos juizes de direito que os substituiram em 1832,
tomavam-n’as os visitadores nos annos anteriores á 1760, emquanto a
capitania não tinha ainda passado ao dominio da corôa.
Com effeito, em virtude dos capitulos da correição deu-se principio á
obra, e em 1777 os trabalhos progrediam a cargo do irmão Anacleto Rangel,
e thesoureiro João Coutinho dos Santos. A obra da sacristia contratou-se
com o mestre pedreiro João de Assumpção, por 43$000 réis ; papel de
trato assignado por elle, e o juiz Manuel Lopes de Jezus, João de Barros e o
escrivão da irmandade Ignacio Bueno Feio.
Bem zelosos fôram, e teêm sido até o presente, os confrades desta
irmandade ; o aceio e limpeza da casa, esmero no que diz respeito as
alfaias e em tudo o mais do culto divino, tem-lhes grangeado merecidos
elogios da população : e dos mestres e entendidos da arte de architectura,
admiração pelo risco interior da casa.
Os irmãos Francisco Pereira de Barcellos, Bernarda Borges, e Agueda
da Veiga, alistados no anno de 1732, prestaram relevantes serviços á Mãi
de Deos do Rozario, e mais tarde o alferes João Coutinho, João de Barros,
Jeronymo de Oliveira, Manuel Antonio dos Santos, João José de Brito,
Francisco Alves de Brito, alem de outros, tambem se tornaram merecedores
da divina protecção da excelsa Rainha dos Céos e da terra.
Em 1801 deram-se duvidas e renhida controversia entre a
irmandade e o vigario da freguezia Manuel Furtado de Mendonça, sobre
a validade da eleição da mesa sem a sua assistencia ; e sendo o caso
levado ao vigario da vara José da Cruz Domingues, este incontinente fêz
proclamar por revoltosos os empregados da mesa Manuel Lopes, José
dos Santos Coito e alferes José Valente. Injusta foi a decisão, porque os
antagonistas do padre Mendonça allegaram suas razões e foram afinal
absolvidos da pena imposta.
A imagem da Senhora do Terço e S. Domingos, que nesta capella
se venera, mandou-se em 11 de outubro de 1784, trocar na Bahia por
36$360 réis ; e servia n’outras éras para os terços de N. Senhora, usados
aos domingos.
No consistorio desta capella foi celebrada a primeira sessão do
jury desta então villa, no mez de Novembro de 1833, presidida pelo
juiz de direito o doutor Cezar do Amaral, e continuou ahi a funccionar
por alguns annos.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

A capella tem seu terno de sinos independente do da Matriz ;


melhoramento devido a disputas do irmão procurador José Francisco
Pampulha com o parocho Pereira de Carvalho.
O segundo templo da cidade (existente) é o da Senhora da Boa-
Morte. Dizemos existente porque não ha vestigios de uma ermida,
que no logar do Vianna fizeram levantar Felix Alves de Vasconcellos e
Pedro Velho Barreto, em 1756, pouco mais ou menos ; era consagrada
á Senhora do Rozario, e motivo da edificação do templo foi, sem
duvida, o projecto do primeiro dos bemfeitores de mandar ordenar
dois filhos, Manuel Felix. Por morte dos instituidores, e mudança dos
dois sacerdotes, Manuel Borges Senna para esta villa, e Felix Alves de
Barcellos filho para administrador da Moribeca, a ermida arruinou-se,
cahio e desappareceu completamente : era á margem de uma restinga,
que conduz do Tahy para o Vianna, onde se vê ainda o atterro da casa,
e o lugar que é conhecido por — restinga da capella.
A nossa imagem de S. Sebastião da Matriz de lá veio, e outros que
antigamente estiveram n’um caixão da irmandade do Rozario.
A igreja da Boa Morte é portanto a segunda na ordem de antiguidade.
Antonio Alberto de Vasconcellos, aqui casado e navegando para a Bahia,
trouxe, em 1802, a imagem de N. S da Boa Morte, talvez a mais perfeita que
de lá tenha sahido para outras igrejas do Imperio, a qual collocou-se com
toda a decencia em um nicho no altar da Senhora do Rozario.
Possui-se de tal enthusiasmo o povo da villa de S. João, e acolheu tão
devotamente o inapreciavel presente de Vasconcellos, que instituindo logo
uma irmandade provisoria na mesma cepelha, projectou a construcção de
um templo para a Senhora. Pegou-se na obra de madeira em 1813, e em 1818
transladou-se a imagem para a sua propria habitação, com grandes festejos e
contentamento do povo ; e fez-se a capella mór e conveniente sacristia.
Esta primeira casa deveu muito a sua rapida construcção aos
esforços e diligencias do capitão Manoel Manhans Barreto, alferes José
Joaquim Vieira e innumeros devotos que se prestaram voluntariamente
para tão justo fim. Porem sendo ella feita de madeiras não era possivel
ficar com solidez estavel : em trinta annos de duração entrou a ameaçar
ruina e a carecer de grande concerto como reparo, ou reformal-a de novo.
Então o irmão benemerito commendador Joaquim Thomaz de
Faria, empreendeu e conseguiu arrear o corpo da igreja e construil-o de
pedra e cal, no anno de 1817 : fazendo-lhe grossas paredes em profundos

106
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

alicerces, e dando-lhe maior altura e elegancia. Accrescentou os commodos


da capella mór ; fazendo toda a despesa com esmolas e gastando de seu
bolso perto de cinco contos de réis.
Com esta reforma ficou o templo com espaçosas dimensões :
tratando-se no presente de levantar sua torre, (a primeira das igrejas da
cidade, inclusive a matriz) que excede a altura do corpo da capella. A
irmandade projectou constituir-se em ordem terceira ; ignoramos quaes
sejão os melhoramentos que d’ahi lhe provirião e os motivos de tal
mudança, salvo a mania das innovações do seculo actual. Já obtiveram
o compromisso da ordem sem ainda estar ella legalmente creada, mas é
natural que já tenham mandado buscar as indispensaveis letras apostolicas
para gozarem de tal regalia. A igreja tem um altar lateral, consagrado á
Senhora da Piedade e constituido ha poucos annos por devoção do
fallecido conego Vicente Ferreira Ribeiro, capellão da irmandade desde a
fundação da primeira casa.
A igreja de S. Benedicto, que rivalisa em elegancia e dimensões com
as outras duas da cidade que descrevemos, teve principio com a compra
por data de terrenos que a irmandade pediu á camara em 1816, na restinga
chamada — da Velha Barboza.
A confraria foi creada, assim como a dos Passos e Rozario, antes de
1730, e funccionou sempre na matriz, com seu altar, retabulo e ornamentos
proprios ; accomodando em uma de suas casas, sitas perto da igreja, os
mais arranjos, esquifes e restos de utensilios velhos.
Obtido o terreno para a construcção do templo, tratou-se do
projecto e risco da obra pela deliberação que se tomou em 13 de fevereiro
de 1820, da qual determinação ao principio da obra mediaram dez annos,
em cujo lapso de tempo só uma vez reuniu-se a irmandade no anno de
1824. Mas a solida obra da capella mór, toda de pedra e cal, com grossos
alicerces e paredes em proporção ; bem como um pequeno edificio
para servir provisoriamente de corpo da igreja, foi tudo praticado sem
interrupção e em acto successivo ; de maneira que em dezembro de 1839
tomou posse solemne e trasladou-se o santo para a sua nova casa.
O provisorio edificio serviu poucos annos, pois que em 1853 foi
demolido para dar lugar á elegante obra feita em substituição, e que faz
honra ao paiz e aos irmãos que a mandaram construir. A igreja de S.
Benedicto não é por certo superior ás outras em ornatos e ricas alfaias,
mas estas no aspecto e ambito não lhe igualam.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Das irmandades que ainda funccionam nas matrizes só nos resta dar
noticia da de S. Miguel e Almas, que tem ao presente seu altar proprio por
ter a confraria comprado o de S. Benedito quando este santo se trasladou
para a sua igreja ; sendo que anteriormente esteve n’um nicho ao lado do
altar do Senhor dos Passos.
A irmandade instituiu-se pelos annos de 1740, com certas regalias e
privilegios. Possuiu umas terras no districto do Porto-escuro, e um curral de
gado com quinze cabeças em arrendamento. Em 20 de janeiro de 1806 indo
sahir a procissão de S. Sebastião, travou-se grave conflicto entre esta irmandade
e a do Rozario sobre qual dellas deveria preceder no prestito ; o senado da
camara decidiu a favor da primeira. Por este facto ficamos entendendo que só
daquella data em diante é que a irmandade de S. Miguel muniu-se de perdão e
mais alfaias proprias de sahir ás ruas nas funcções publicas.
As outras capellas que ora existem no termo são : a de N. S. da Penha,
do morro do Coco, levantada a expensas dos exploradores daquellas mattas
á pouco incultas ; os quaes para lá affluiram, vindo quasi todos das freguezias
de S. Sebastião e S. Gonçalo do municipio da cidade de Campos ; que
apenas se pozeram em melhores circumstancias, trataram logo da factura da
requerida capella. A sua posição é no centro da freguezia de S. Francisco de
Paula e a cinco leguas, pouco mais ou menos, da costa do mar ; e datando a
sua construcção de pouco mais de 20 annos, já foi erecta em freguezia.
Ainda pende de decisão legislativa a sua filiação municipal, porque
os do termo de Campos ambicionam esbulhar-nos de sua posse.
A matriz de S. Francisco de Paula, a duas mil braças da costa, é
um templo vasto e de superior construcção para as forças dos habitantes.
Em 1853 começou-se a obra com algumas esmolas e sob os auspicios
de uma directoria escolhida entre os bemfeitores, e deu-se por acabada
a grande capella mór, com sacristia e corredores sufficientes, em 1856,
tempo em que se instituiu a freguezia. A importante obra da capella mór,
de que fazemos menção, calculou-se que custara oito conto de réis, mas
as esmolas para ella adquiridas talvez não chegassem á terça parte desta
somma. Então Francisco José Rodrigues Fernandes, grato pela attenção
de acceitar-se para padroeiro da nova freguezia a invocação e a propria
imagem de seu oratorio, o Santo de sua devota predilecção, abriu sua
bolsa e poz á disposição dos operarios todas as ferias, como se estivesse
construindo uma casa de sua propriedade. E’ bem verdade que elle fazia a
despeza a titulo de emprestimo, e com a condição de a directoria cotisar-se

108
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

para o indemnisar, caso não houvessem mais esmolas para o acabamento


da capella mór ; porem essa segurança foi pro formula, porque aquelles
membros não chegaram a assignar a obrigação, e nem o bemfeitor tratou
mais de tal segurança. Causava grande admiração o dizer-se que no sertão
de Cacimbas tinha-se feito, em tres annos, tal edificio, e com todas as
proporções de freguezia ; na verdade deve-se a dois homens tão rapida
conclusão. A Rodrigues Fernandes, porque concorreu com o dinheiro
para as despezas, e ao capitão Joaquim Alves da Hora, porque administrou
a obra, fornecendo aos artistas e jornaleiros a sua casa ( que é contigua á
igreja) para comedorias e pousada, no que soffreu grande desfalque nos
seus interesses por desviar delles a sua presença.
Se no fucturo alguem lembrar-se commemorar por qualquer
maneira os benemeritos instituidores desta matriz, é de justiça rigorosa
que mencionem Rodrigues Fernandes, nascido em 1788, e Alves da
Hora, nascido em 1793.
Ultimamente fechou-se o corpo da igreja á custa do cofre
provincial, e sobre as paredes mestras levantadas conjuntamente com a
obra da capella.
A creação da freguezia foi devida aos esforços do deputado provincial
Moraes Antas : o primeiro vigario interino que a veio administrar em 1859
foi o padre João Antunes de Menezes e Silva, natural da cidade de Campos
e uma das glorias dos sacerdotes campistas ; o segundo em exercicio, e
primeiro collado, foi o padre Manoel Marques Monteiro, que sahio em
1851 ; e o 2º collado é o actual Antonio Domingos Valiengo.
Na freguezia, recentemente creada de S. Sebastião, ou outra vez em
exercicio de Santa Chatarina dos Amós da barra do Itabapuana, não ha
por emquanto matriz, ou templo propriamente dito.
Benzeu-se legalmente um edificio e nelle pratica-se os actos
parochiaes. Os povos d’ali projectam levantar um templo, e o lugar acha-
se marcado e já benzido.
Uma vistosa capella dedicada tambem á virgem da Penha está
agora em progressiva contrucção no pontal do sul da barra do Parahyba.
O templo, segundo as dimensões é magestoso e promette ser acabado
em breve, e com maior aceio attento aos cuidados e desvellos de seus
fundadores e actuaes directores. O local é aprasivel ; é talvez este edificio
feito por cima do aterro da primeira casa levantada na barra do celebre
Parahyba do Sul, pelos annos de 1622.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

O santo sacrificio da missa é, não só celebrado nas igrejas que


temos escripto neste capitulo, como tambem em differentes oratorios
que fazendeiros abastados do termo licenciaram do ordinario para esse
ministerio. O mais antigos destes oratorios ou capellinhas privilegiadas foi o
da fazenda da Barra Secca, que ainda se conserva : é dos annos de 1760 a 65.
Pedro Freire Vital casado com Maria do Nascimento viera do Rio
de Janeiro com seu irmão João Freire de Olivença, em 1757, a estabelecer-
se nesse logar a que chamam Barra Secca, e que faz a divisão nas duas
margens do rio, dos dous municipios. * Augmentou consideravelmente
o seu estabelecimento com a compra das terras do tenente Pedro Velho
Celestino, e das quatro filhas de João Velho Barreto, Luzia, Leonor, Isabel e
Thereza, que seu tio o sargento-mór Pedro Velho Barreto lhes havia doado.
Ahi instituio o oratorio, que até o presente serve de reunião
dos fieis do reconcavo aos domingos e dias santos, para ouvirem a
repetição do Evangelho do Senhor. Esta grande fazenda pertence
agora ao coronel Siqueira.
O segundo oratorio foi o da fazenda do Quitinguta pertencente ao
proprietario da Moribeca. Não fazemos menção da igreja da S. das Neves,
centro e morada dos padres da Companhia possuidores desse vasto
estabelecimento, por ficar do lado do norte do rio Itabapuana (ou Cabapuana,
como querem alguns escriptores) na provincia do Espirito Santo. José da
Cruz Silva, depois de ter comprado em praça publica esta fazenda, em dacta
de 1770, pouco mais ou menos, fundou na margem direita daquelle rio, e
a duas mil braças da sua embocadura, o dito oratorio na fabrica que fêz
levantar de engenho de assucar e de outras producções ; a cujo lugar se deu
o nome ou já o tinha de Quitinguta, e a capellinha dedicou-se a S. Francisco
de Paula. Entre os capellães, que tambem eram administradores da fazenda,
contase os padres Felix Alves de Barcellos, em 1780 ; Manoel Gomes de
Azevedo, 1800 ; Antonio Rodrigues Corrêa, 1820. Vimos alguns papeis
onde estava escripto — o padre Felix Alves vigario da Moribeca.

* Do lado opposto e fronteiro a fazenda divisa-se no solo um vallado em terras de Antonio da Silva Riscado
Maciel, ao qual chamam as Valletas, e é o ponto de limite desta cidade com a de Campos.
Em epochas remotissimas foi esta a direcção do Parahyba, pois que nas innundações por ahi corre elle ao
Itay, lagôa do Jacaré, Bananeiras, Corrego Fundo a sahir na barra do Furado, e na do antiguissimo Asusinho,
hoje Iguassú.
No mesmo districto na parte do norte demora, á duas mil braças distante do rio, a notavel lagôa do
Campello, que deveria em tempos tambem remotos desaguar por uma barreta em frente no logar das
fleixeiras. Quer uma quer outra das duas barretas, acham-se ao presente entupidas e já estavam desde o
estabelecimento das villas, sendo d’ahi que proveio a esse lugar o nome de Barra Sêcca.

110
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

As continuadas contestações que os ultimos proprietarios desta


fazenda tiveram de sustentar com os intrusos da barra de Itabapuana, e
ainda hoje sustentam com os do centro, vem de longe ; e aos padres Jezuitas
já anteriormente muito lhes deu que entender a pertinacia dos sesmeiros
dos Manguinhos. Antes que Pedro Francisco Dias tivesse repellido o
levantamento d’um curral, no Brejo-grande, a mandado de José da Cruz,
haviam Pedro Velho Barreto, Euzebio Cordeiro de Alvarenga e Francisco
de Castro, obtido e tomado posse de sua sesmaria dos Manguinhos, cuja
demarcação da meia legua da costa começava na enseada dos Pargos, ou
sacco das Aroeiras para o norte.
Porem os padres da companhia mandaram em 1728 ao donatario dos
Goytacazes sua petição allegando que essas terras lhes haviam sido dadas por
antigos possuidores, e parte houveram por heranças, a qual bastou para o
esbulho dos sesmeiros dos Manguinhos, os quaes não obstante o direito e o
facto da posse fôram mandados evacuar da sua propriedade por uma petição,
sem documentos, em que se dizia serem senhores daquellas terras por compras,
herança e dadivas de quem, se não há noticia de anteriores posseiros ?
A terceira capellinha ou oratorio do termo foi o de S. Lourenço na
fazenda do alferes João Velho Barreto, na ilha do grauatá ou Caroatá dos
Campos novos do mesmo Santo.
Barreto era morador na villa de S. Salvador, posto que de familia
oriunda de S. João da Praia, e residia poucas braçes abaixo do Engenho d’agua.
Alguns fazendeiros da parte de cima, especialmente os que estanciavam
nas immediações do rio, começavam a sentir falta de lenhas ; e isto se
dava antes da invenção das fornalhas economicas que trabalham com o
combustivel do proprio bagaço e palha de cana ; e por isso procuravam
estabelecer-se em lugares abundantes de mattas.
O alferes João Velho foi um dos que operou a mudança, e em 1794
veio fundar a sua fazenda no lugar que indicamos.
Instituindo logo a capellinha, assentou que devia dedical-a ao Santo
por cujo nome era conhecido o logar. Festejava-o todos os annos com
grande pompa ; e estas funcções de S. Lourenço, no Caroatá, chamavam
a attenção, e attrahiam annualmente as principaes familias de S. Salvador,
amigos e parentes do generoso fazendeiro. Incendiando-se a casa e o
engenho em 1836, ardeu tambem a capella ; e nos consta que algumas
alfaias e vasos sagrados salvos da catastrophe foram por D. Izabel, herdeira
de Barreto, doados á Matriz de S. Francisco de Paula.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

O quarto oratorio teve principio em 1806 na fazenda do Calabouço


e foi fundado por diligencias do padre Belxior Alves Rangel e Silva, o qual
passando a residir no Ganguella, em terras que pertenceram a Narcizo
Gomes Rangel, deixou o oratorio e casa a seu irmão o capitão Antonio da
Silva Cordeiro, que o conservou em quanto viveu.
O quinto é o da fazenda do manjor José Alves Rangel, depois barão
de S. João da Barra ; e o sexto o da fazenda de F. J. Rodrigues Fernandes,
no sertão das Cacimbas, cuja imagem tranferiu-se para a Matriz da nova
freguezia desse lugar.

112
CAPITULO
QUINTO
Depois de noticiarmos e descrevermos a fundação dos templos,
capellas, oratorios priviligiados e irmandades, cumpre-nos voltar a tomar
o fio dos successos mais notaveis do governo administrativo e economico
da villa, quanto á autoridade do donatario que deixamos em principio do
seculo passado para não interromper o das casas da oração.
Já dissemos que o dominio do donatario pareceu vacillante, pele
menos lá nos Goytacazes, ou por poucos intervallos governou de facto
apesar dos innegaveis e legaes titulos de sua propriedade. Em S. Salvador
andavam os povos em continuos disturbios e opposição ao governo
do visconde, e não havia um só procurador deste que fizesse chegar á
sujeição os vassallos. A luta, pelo que iremos transcrevendo para prova do
que avançamos, tornara-se contumaz de parte a parte, e não se limitava
sómente ás desordens e desobediencias formaes dos povos cá nos
campos. Cada parcialidade procurava com avidez fazer valer perante o
throno, vice-rei, ou perante o governador, suas queixas e aggravos do seu
rival. O donatario continuava a nomear, segundo lhe era permittido, os
empregados da justiça e militares, e tambem a autoridade principal que era
o ouvidor da lei ; e ás vezes conseguia obter do governo geral uma medida
em seu favor, mas que a camara de S. Salvador e o povo logo destruia.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Em 1704 nomeou o primeiro Alcaide mór desta villa de S. João da


Praia ao capitão João Váz Nunes, cujas attribuições mencionaremos na
parte 3ª, e deu outras ordens e providencias ; porem vimos que no anno de
1714 veio á camara um aviso do ouvidor geral desta capitania e comarca do
Rio de Janeiro que comprehendia até o Parahyba, Luiz Fortes Bustamante
Sá, ordenando que por ordem regia o senado jámais obedecesse ao visconde
d’Asseca, e nem fosse mais d’ali em diante reconhecida a sua autoridade,
devendo todos os officiaes da justiça e milicia irem tirar suas patentes e
titulos do governador geral do Rio de Janeiro, não sendo reconhecidos os
dados pelo dito visconde ou seus procuradores.
Esta tempestade foi, sem duvida, conjurada ainda uma vez, porque
o donatario mandou em 1727 tomar posse da donataria por seu filho,
prova de que até então a não tinha obtido. A procuração é a seguinte :
« Diogo Corrêa de Sá, visconde e senhor d’Asseca, do conselho de
S. M., commendador da ordem de Christo da commendas de S. Salvador
das Ribas de Basto, Santa Maria de Masqueola, S. Salvador de Alagôa, S.
João de Cacia, alcaide-mór da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro,
senhor e donatario da capitania mór e villas de S. Salvador e S. João da
Parahyba do Sul, etc. Por esta minha procuração e presente alvará por mim
feito e assignado dou poder a meu filho Martim Corrêa de Sá, assistente
e morador na cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, para que por mim
e em meu nome possa tomar posse da capitania mór de S. Salvador da
Parahyba do Sul e de todas as jurisdições e utilidades que me pertencem
pelas doações da dita capitania confirmadas por S. M., que Deus guarde ;
guardando em tudo e por tudo as ordens do mesmo senhor, cumprindo
todas as que forem de seu real serviço, e tudô meu dito procurador feito
haverá por bem, e servirá o dito posto emquanto se lhe não mandar o
contrario. Dada na villa de Ferran aos desaseis de março de mil setecentos
e vinte sete. — Visconde d’Asseca. — Antonio da Silva Couto. »
A administração do filho do visconde foi extremamente oppressora
para os campistas, e comprometteu a autoridade de seu pai. Felizmente só
durou dous annos, porque o monarcha o mandou retirar em attenção ás
queixas que lhe foram dirigidas. Eis a sua carta de despedida :
« Por um proprio que chegou um destes dias a esta villa (de S. Salvador)
chegaram as cartas do governador do Rio de Janeiro que remetto a vossas
mercês, nas quaes vem tambem uma copia da ordem que ao dito governador
mandou Sua Magestade, que Deus guarde, em que o mesmo senhor declara

114
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

que eu não posso como procurador de meu pai exercitar nesta capitania a
sua jurisdicção, por me faltarem as circumstancias que se declara na mesma
ordem ; e como até agora governei esta capitania entendendo que o podia
fazer em virtude da carta de duacão e agora vejo que Sua Magestade o não
approva, declaro a vossas mercês que ao governador do Rio de Janeiro
devem obedecer, e que eu me desobrigo do governo que tive até agora, em
observancia da real ordem de Sua Magestade : satisfaçam vossas mercês o
que elle lhes manda, e mandem registrar esta minha carta para que a todo o
tempo conste esta minha obediencia. Deus guarde a vossas mercês muitos
annos. Engenho do Carmo, 31 de março de 1729 — Senhores officiaes do
senado da camara da villa de S. João. — Martim Corrêa de Sá. »
E’ preciso notar que nas disputas e contestações dos campistas
contra o donatario e seus procuradores, não eram envolvidos os desta
villa de S. João da Barra, como se verá ; os de S. Salvador é que com elles
jogavam as christas, e ora venciam, ora eram derrotados. Taes motivos não
podiam deixar de trazer aos Goytacazes a calamidade do levante.
Por aqui passou em 1730 o senado todo de S. Salvador encorrentado
de viagem para a Bahia á presença do vice-rei, por ordem do donatario.
Mencionamos com a mesma orthographia o recibo do mestre da lancha
que os conduziu, e registro do mesmo :
« Rezisto de hum Resibo que mandou botar nesta nota o Capitam
Manoel Hanrriques do amaral. — Resebi do Senhor Juis Manoel Hanrriques
nesta barra da paraiba tres omens prezos de corentes dois com algemas e
hum com grilhom asim mais resibi duas cartas para o Senhor Conde de
outoguia governador da cidade da bahia, a saber João Soares Domingos
Rodriguus Fr.co da terra omens bons da cambra dos oytacazes e pera sim
ser uerdade auer Resibido os ditos omens e cartas e ferros lhe pasei este
por mim feito e asinado villa de S. João, tres de junho de mil setesentos
trinta annos — João Lopis. »
Os homens tinham chegado a esta villa em 20 de maio, e estiveram
na cadêa á espera de monção até 3 de junho seguinte. Quem motivava a
guerra aberta entre o chefe e os vassallos não seria a dureza daquelle e muito
menos a desobediencia premeditada destes, mas sim a irresponsabilidade
e imprudencia dos procuradores ; e d’entre todos os mais malignos foram
o filho do visconde, Martim Corrêa, e um tal prior Chaves. Sobre o
caracter do primeiro temos para prova o que acima deixamos, e tambem
a carta regia de 14 de setembro de 1729, vinda ao governador Luiz Vahia

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Monteiro, respeito a usurpação com que elle exercia fóra dos limites da
capitania o poder de que era revestido na carta de doação (eram ordens
vindas pró e contra quasi em actos successivos) ; e a respeito do prior, cuja
presença era sempre de mau agouro, poremos aqui com o mesmo estylo o
decreto em que foi elle destituido de uma vez :
« Dom Joam per grassa de deus Rei de pertugal e dos algarues da
quem e dalem mar em africa senhor de guine e da conquista nauegação
comercio e deteopia arabia percia e da jndia &.a faso saber aos que a
presente minha carta viram especialmente os Juizes ordinarios das villas de
S. Salvador e de S. João da praia capitania dos campos dos goytacazes que
eu fui seruido por rresolução minha de catorze de abril E mil setesentos
e doze Resolver e mandar que nestas capitanias ficassem sem uzo algum
de jurisdição os donatarios e que aquella de que tem uzado o prior duarte
teixeira xaues eo uisconde da Acequa lhes fosse sequerstada, e posta na
coroa para o que mandei passar ordem ao ouvidor geral do Rio de Janeiro
asim o exzecutar e não consentir que Algu dos sobreditos exzercitace mais
os poderes e uso de tal donataria sem embargos de coaes quer embargos,
apellação ou agrado per que tudo hauia de deferir sómente no efeito
deuolotivo. E por quanto o dito meu ouidor se ache empedido por não
hir pessoalmente na ocazião prezente fazer esta deligencia vos ordeno
que sendouos esta aprezentada hindo primeiro por elle asinada a fasais
cumprir e goardar enuiolavelmente com seu comprimento, conuocareis
ao lugar costumado os oficiaes da camera E homens bons dessas villas e
prezentes todos mandareis pelo Escrivão da mesma camera fazer auto no
livro das uereanssas para que conste que no dia da prezentação desta ou no
seguinte foj socrestado a jurisdição que os ditos tinhão e metido em minha
corôa Real e hauidos por nullos todos cuaes quer prouimentos que os
ditos prior e uisconde ham passado mandado, outro si notificar a todos os
prouidos assi em officios da justiça como em postos das ordenanças que
mais não uzem das prouizoens ou patentes que tiuerem antes recorreram
loguo ao gouernador geral do mesmo Rio para os prouer ualidamente na
forma do seu Regimento e não fazendo asi mandareis delles fazer auto
em que preguntareis testemunhas com as partes citadas eos Remetereis
ao dito meu ouidor geral para elle o ditriminar como lhe parecer justissa,
e no cazo que algum uenha com embargos apellação ou agrauo ao nosso
procedimento lho não adimitireis se não em auto separado e sem prejuizo
de exzecução Remetendo tudo na forma sobredita ao dito meu ouidor
geral, e de como asi o cumpristes mandareis sertidão passada pelo nosso

116
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Escriuão da camera que Rezistará esta no liuro dos Rezistos para della
contar a todo o tempo. El-Rei Nosso Senhor o mandou pello doutor Luiz
Fortes Bustamante Saá seu ouvidor geral e auditor da gente de guerra
desta capitania de S. Sebastiam do Rio de Janeiro ; dado em maricá termo
da mesma cidade em quinze dias do mez de Junho e anno do nascimento
de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e setesentos e treze, e eu Julião
Rangel de Souza o escreui ; Luis fortes bautamante E Saá. »
O preor Chaves era decidido parcial do visconde donatario, e
como tal acompanhava-o constantemente em todas a vicissitudes de seu
poder e antoridade. Depois desta refrega ainda apparece elle na villa dos
Goytacazes em 1721 ; e de taes ardis e intrigas lançou mão que tirou desta
vêz a desforra de algumas desattenções e desobediencias atrazadas.
Em dia da Ascenção do referido anno de 1721 ordenou, em nome
do fidalgo senhor da villa, ao ouvidor da lei João de Andrade Leitão que
fizesse immediatamente prender a um tal José Pereira, por desaforos antigos,
sob pena de ser o ouvidor tido por rebelde ; mas, achando José Pereira
na Matriz ouvindo missa, recusou o ouvidor cumprir a ordem visto os
privilegios e immunidades dos templos guardados nessas eras. Tendo o
prior participação do obstaculo, ajuntou gente ; e acompanhado do mesmo
ouvidor Leitão, cercaram a Matriz, ao tempo que por parte do perseguido
José Pereira havia já dentro da igreja grande porção de seus parciaes.
Travou-se de parte a parte renhido combate ; de fora o ouvidor, o
prior Duarte Teixeira Chaves e a gente do visconde donatario, pretendiam
forçar a entrada do templo ; da parte de dentro o povo tratava de obstar
tal tentativa. O fogo de ambos os campos era mortifero, e o tumulto
assombroso. Os combatentes de dentro levaram vantagem aos atacantes
porque tinham-se munido de armas e munições de peleja, motivo porque
o chefe Chaves teve de mandar cessar o fogo e fazer abandonar a empreza.
Houve de um a outro lado bastantes mortos e feridos, sendo contado entre
os primeiros um coronel Francisco Mendes ; (o escripto d’onde colhemos
a noticia deste facto não esclareceu a que partido pertencia o infeliz official)
deve entender-se que este Francisco Mendes não é por certo um outro
commandante em que teremos de fallar de nome Francisco Mendes Galvão.
Bastante irritados ficaram os animos, como é de prever, por semelhante
desacato, e uma guerra de exterminio principiou então a desenvolver-se
entre os vassalos e o senhor, em aqual entravam tambem os Jesuitas, que
estiveram da parte do povo no dia do combate da Matriz.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Não consta que os desta villa de S. João da Praia tomassem a minima


parte nos motins dos Goytacazes contra o fidalgo donatario, antes foram
sempre respeitadores da sua autoridade, e temiam ser nas desordens
involvidos. Eis a prova desta conducta : — « Procuração bastante que fazem
os officiaes do senado da camara desta villa de S. João da Barra do Parahyba
do Sul, e os mais nella assignados. Saibam quantos este publico instrumento
de procuração bastante virem que sendo no anno do nascimento de Nosso
Senhor Jesuz Christo de mil e setecentos e trinta e dous annos, aos quinze
dias do mez de agosto do dito anno, nesta villa de S. João da Praia campos
dos Goytacazes Parahyba do Sul cabo de S. Thomé no paço do conselho
do senado della de onde estavam os officiaes da mesma camara, a saber,
os juizes ordinarios capitão Manoel Henriques do Amaral e tenente João
Martins da Costa, e os vereadores João Ferreira Coutinho, Jozeph Dias de
Oliveira, João Fernandes Liber e procurador Antonio Carvalho da Fonseca,
e bem assim varios moradores bons desta sobredita e de eu tabelião aodiente
nomeado fui a seu chamado e sendo lá logo por elles todos juntos a cada um
de persy me foi dito que por mostrarem tudo o que for a bem do real serviço
de S. Magestade que Deos guarde e conservação de sua tranquillidade em
que se acha esta villa com a direcção de Martins Correia de Sá e Benavides
e seu governo, elegiam e nomeavam e constituiam por seus certos e em
tudo bastantes e abondosos procuradores na cidade de Lisboa ocidental
e em outro qualquer lugar que com este se acharem a Julião Rangel de
Souza, e capitão Antonio Ribeirão Leite e o capitão Jozeph de Oliveira,
mostradores que serão do presente poder aos quaes todos juntos e a cada
hum de persy insolidum disseram elles autorgantes davam, autorgavam,
cediam e traspassavam todo o seu livre poder, mandado especial e geral com
bastante direito se requer porque possam os ditos seus procuradores na dita
cidade de Lisboa ocidental a nas partes onde com este poder se acharem
em nome delles ditos como se presentes fossem requererem e alegarem
tudo em seu direito e justiça, especialmente contradizerem e allegarem
contra o que sobre a materia do governo do dito Martim Correia de Sá
arguiram, de modo e maneira que sempre elles ditos outorgantes fiquem
existindo nas pazes e quietações em que de presente se acham com a boa
direcção do dito Martim Correia de Sá em seu governo, e farão tudo mais
que necessario for abem do referido, e poderam os seus ditos procuradores
jurar na causa delles outorgantes se necessario for que para tudo lhes dão
faculdade e poderão substabelecer em um ou muitos procuradores esta

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

procuração ficando nelles sempre em seu vigor, e de como assim tudo


disseram e outorgaram mandaram fazer as notas e traslados que necessario
fossem estando por testemunha Jorge de Castro Ilara e João Velho Barreto,
moradores nesta villa e pessôas de mim reconhecidas que aqui assignaram
com os outorgantes, e eu Henriques Fernandes Ferro tabelião o escrevi.
Assignados os membros do senado e bons do povo. »
Consta que procuradores cumpriram seus mandatos, e o donatario
por sua parte não deixava no olvido o amor e obediencia que sempre
lhe consagrou o povo de S. João da Praia. Providenciava sobre a policia
e bem estar dos habitantes ; nomeou-se em Cacimbas, em 1730, a José
Peixoto e Sebastião Gonçalves para fiscalisar o signal e marca dos gados
que passavam para o Espirito Santo. Em 9 de outubro de 1737 concedeu a
Manoel Ferreira Soares, e a sua mulher Maria da Silva do O’ a sesmaria do
Sertão das Cacimbas ; os quaes, por opposição dos Jesuitas da Moribeca,
tiveram de sustentar contra elles renhido pleito até a decisão final na Bahia,
a favor de Soares em 1750. A posse desta sesmaria foi effectuada segundo
as regras então estabelecidas, tendo por base e ponto cardeal o estaleiro onde
se fazem sumacas (é o porto das Barcas, lugar hoje onde extrema a restinga do
Chapéo de Sol e se interna a estrada geral da freguezia de S. Francisco de
Paula, e ficava algumas braças ao sul da embocadura da estrada da Cruz).
João Ferreira Coutinho e outros mandaram a el-Rei uma petição
rogando ficasse nos campos governando Luiz Jose Correia de Sá, visto
que seu iirmão Martim Correia de Sá retirava-se na frota para o reino
por rrdem de seu pae.
Já de pouca duração foi o triumpho do visconde desta vêz, porque
em 5 de janeiro de 1740 ordenou o ouvidor João Soares Tavares, em acto de
correição, que a camara e povo obedecesse a el-Rei e não ao donatario, e em
pricipio de 1741 chegou o edital do corregedor geral Antonio Alves Simões
para o fim de se pôr em praça o arrendamento das fazendas do mesmo
visconde donatario Martim Correia de Sá e Benavides. Mas se momentanea
era a borrasca contra a autoridade do fidalgo donatario, tambem elle a
ia, por em quanto, conjurando com a mesma rapidez ; pois que em fins
deste mesmo anno de 1741 aqui se apresentou o padre Leandro da Rocha,
procurador e agente seu, munido de uma carta de diligencia do ouvidor geral,
com ordem expressa de darem as camaras dos Goytacazes posse as justiças
nomeadas pelo visconde ; e este mesmo padre Leandro apresentou logo
Antonio Pacheco de Lima para cargo de ouvidor da lei, que foi empossado

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

sem contestação, passando o novo magistrado a nomear as justiças da villa,


e de combinação com o padre Leandro deram providencias sobre a melhor
ordem da criação de gado dos campos do Taty e Lagôa de Lucrecia.
As intrigas em S. Salvador em opposição a taes ordens tomaram
extraordinario incremento, e jámais o povo e os jesuitas consentiam na
posse pacifica do visconde ; não só promoviam aqui actos de resistencia,
como faziam valer perante o soberano segundo já dissemos, suas queixas
e oppressões exercidas pelos procuradores do donatario : parece que as
forças eram iguaes entre um e outro partido, ao menos assim se pode
julgar pelas ordens pro e contra que se succediam umas ás outras, e já
então com pouco intervallo.
Apoz esta precedente posse do fidalgo não demorou outra em
sentido contrario, de que era portador o desembargador da relação da Bahia
Pascoal Ferreira de Veras, em missão especial, e como corregedor geral da
comarca do Espirito Santo. * Aqui aportou elle em 4 de março de 1745 ; e
fazendo ajuntar o povo nos paços do conselho junto com os officiaes da
governança, procedeu, por ordem d’el-rei, que exhibia, a novos pelouros
para o corrente anno e para os dous seguintes, porque os que estavam feitos
pelo ouvidor da lei Antonio Pacheco de Lima, eram nullos, por ser este
nomeado pelo donatario ; o que feito e executado seguio para S. Salvador,
onde foi recebido com as maiores demonstrações de contetamento da
parte do povo, e tomou posse da capitania em nome da corôa.
Em 1738 este triumpho do povo ainda tornou a ser marcado por
outra victoria do visconde ; e desta vez durou seu dominio por espaço
de cinco annos. Aos 18 de julho do mesmo abriu-se duas cartas, uma do
donatario e outra do corregedor Matheus Nunes José de Macedo, sendo
esta para se dar posse, por parte d’el-rei da capitania ao visconde d’Asseca,
e aquella constava da nomeação das justiças, e a posse que mandava tomar
por seu bastante procurador o tenente-coronel do mesmo nome (assim
diz o termo que temos á vista), e era o procurador do mesmo nome do
visconde Martim Corrêa de Sá e Benavides.
Desta vez o rei ractifica a propriedade da donataria em 20 leguas de
costa e tantas para o centro. Mas apezar de todas essas vantagens a posição
do senhor feudal tornava-se cada vez mais precaria em S. Salvador, porque
a exaltação do povo chegara a seu auge e não era mais possivel prestar-se
obediencia apezar da efficacia e actividade de seus procuradores.
* A mudança dos Campos dos Goytacazes da comarca do Rio de Janeiro para a do Espirito Santo só em 1753
é que foi definitivamente effectuada, como adiante diremos.

120
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

O povo e governança de S. João da Praia se não acompanhava o


de S. Salvador na irritação contra a autoridade do donatario, tambem não
se mostrava adulador com o fim de obter as boas graças deste ; era-lhe
quasi indifferente o nome do chefe, obedecia sempre a aquelle que se
apresentava munido de titulo legal. Esta obediencia constante e nunca
interrompida merece por algumas vezes louvores da parte do visconde
e seus procuradores ; e adiante transcrevemos uma de suas cartas para
provar com evidencia o que temos noticiado nesse sentido : « Ainda
que deixei de receber carta de Vmc. na occasião da frota, fio de sua
attenção e do affecto que sempre tiveram de minha pessoa e a minha
casa, não deixarem de dar-me os parabens de me verem de posse dessa
capitania principalmente sendo sempre os moradores dessa villa os que
exemplarmente não duvidarem nunca obedecer ás ordens minhas e de sua
Magestade, fazendo-se por isso muito benemeritos da minha estimação.
Espero que V. Mces. arrecebão e cumprão as ordens do capitão mór Felis
Alves de Barcellos que nesta occasião lhe vae a patente confirmada da real
mão de sua Magestade na forma costumada, e que do mesmo modo dêem
poderes aos procuradores dos proprietarios dos officios dessa villa a lhe
apresentarem os provimentos do mesmo modo fazendo os serventuarios
o que serão assignados pelos que houverem de servir os ditos officiaes.
Tambem recomendo a V. Mces. o respeito que se deve ter a pessôa do
capitão-mór que foi dessa capitania Antonio Teixeira Nunes, dando-lhe
sempre o lugar que lhe compete por ter occupado o lugar mais autorizado
dessa capitania, Deus Guardes a V. Mces. muitos annos. Lisboa 31 de
outubro do anno de 1749 Martim Correia de Sá e Benavides. Senhores
Juizes e officiaes do Senado de S. João da Praia da Parahyba do Sul ».
Todavia, estas demostrações de amizade eram sem duvida a
convicção de um tal ou qual pendor favoravel da parte de alguns membros
da camara desta villa, e se attender-se á nomeação de Felix Alves, e
recommendação do antigo capitão-mór Teixeira Nunes, antagonista, tanto
este como aquelles, do sargento-mór Pedro Velho Barreto, que se tornara
desde algum tempo partidario da corôa, póde-se conjecturar o solido
fundamento desse pendor.
A camara de S. João havia em annos anteriores recusado reconhecer
o posto e governança de Barreto ; e este seguindo a parcialidade do
povo de S. Salvador, motivou, como é natural, o desagrado do donatario.
As desavenças e tumultos cresciam diariamente, e abrangiam não só o

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

povo, camaras e Jezuitas, como até o chefe da força do districto, que por
esses tempos ainda residia no capitão-mór e sargento-mór. Não se dava
posse a Pedro Velho Barreto sem ordem muito terminante, * até que
desenganados pelas ameaças do governador Mathias Coelho, sujeitou-se
o districto a sua obediencia.
Os Jesuitas, que á sombra dos capitães chamados hereos vieram
edificar sua capellinha nos Campos para a simples cathequese dos gentios,
haviam-se voltado contra elles, no ensejo da posse do visconde, ao passo
que depois negavam o direito deste ás terras do norte do Parahyba,
comprehendidas entre este e o Itabapuana, só porque elles para ahi
pretendiam extender a fazenda da Moribeca e o novo donatario havia
concedido a sesmaria de Manguinhos a Pedro Velho, Euzebio Cordeiro e
outros ; e no seu interesse acompanhavam a revolta a favor do rei.
Com effeito, o titulo do visconde d’Asseca era legal, e assim deve ser
reputado não obstante as interrupções accidentais de seu dominio ; e tambem
era bem merecido á vista dos relevantes serviços por elle prestados no Brasil
e nas partes da Africa e Asia ; e uma unica circunstancia poderia causar no
futuro serias controversias com hereos, que em 1627 haviam obtido por graça
as terras da capitania de Pedro Goes, por este desamparada, e ter-se ao visconde
em 1674 dado as mesmas terras de Pedro de Goes pelo mesmo notivo do
desamparo deste, a não ficar pela ulterior doação derrogada a primeira.
Mas para o estado de irresolução a que chegaram os negocios
da capitania no longo reinado do magnanimo Dom João 5°., pois que
* Diz um termo de vereança : — « Por noticia que tinham os da vereança de andar Pedro Velho Barreto
arvorado em sargento-mór sem elles lhe haverem dado posse, mandaram que o alcaide o notificasse para que
viesse na primeira vereança dar noticia e mostrar os poderes que tinha para andar arvorado de sargento-mór,
e não fazendo se lhe formar culpa. » Em seguida está o título assim concebido : « Mathias Coelho de Souza,
mestre de campo de infanteria de um dos terços da guarnição da praça do Rio de Janeiro a cujo cargo está
o governo della e suas capitanias ; por quanto sendo encarregado o sargento-mor Pedro Velho Barreto do
governo da capitania dos campos dos Goytacazes, por não ter o visconde de Asseca donatario della a quem
Sua Magestade foi servido conceder o uso da jurisdicção e provido em forma a capitão-mór que a regesse,
não foi pelos officiaes da camara conhecido por commandante negando-lhe a posse que se lhe devia dar e
dando accasião a grandes differenças ; e porque estas se devem compor promicionalmente no modo que a
distancia o permitte, mando declarar por este bando, que será apregoado a toque de caixas destemperadas,
a todos os officiaes de milicia, justiça, soldados e todas as mais pessoas moradoras na dita capitania tenha
o dito sargento-mór Pedro Velho Barreto por seu commandante e como tal obedeçam as suas ordens,
dando cumprimento a tudo o que por elle lhe for encarregado tendo entendido uns e outros que quando
o contrario obrem serão autoados, presos e remetidos a esta cidade á ordem do doutor auditor geral para
proceder contra os cumplices como dispõem os regimentos militares. E para que chegue a noticia de todos
se lançará este bando na villa de S. Salvador e S. João da Praia, registando-se primeiro no livro da secretaria
deste governo, nos da auditoria e nos das camaras das ditas villas. Dado nesta cidade de S. Sebastião do
Rio de Janeiro ao primeiro de outubro de 1740 annos ; fez escrever no impedimento do official maior da
secretaria delle Pedro Fagundes Varella. ‒ Mathias Coelho de Souza. — Julião Rodrigues Freire, trasladei. »

122
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Dom Pedro 2°, o protector da familia Correia de Sá, fallecera em 1776,


deve-se crer que a plerplexidade e deleixo daquelle governo concorreram
em grande parte para as incertezas de firme estabilidade e regimento de
uma ou outra parcialidade, pois, como se tem visto, n’um só anno ambas
dictaram a lei por seu turno, e por ordens legalmente transmittidas. *
Entretanto neste ultimo dominio do donatario os partidos
exaltaram-se ao ultimo ponto, e vieram as mãos ; e foi quando appareceu
em campo a celebre Benta Pereira, mulher descendente do hereo capitão
Miguel Riscado, vinda das partes de Campo Limpo commandando alguns
adherentes seus contra os fidalgos. Na cofusão as respostas á pergunta —
quem vive ? — Se o rei, ou os fidalgos, era signal de inimigo, conforme a
facção a que pertencia o interlocutor : e ainda hoje recordam-se os mais
antigos de ouvirem a seus antepassados relatarem episodios bem curiosos
do conflicto desse tempo chamado do levante dos fidalgos. Porem do que
temos colhido e averiguado por tradição não consta que o visconde
donatario insuflasse, ou de qualquer modo autorisasse a discordia e

* Tratando do gráo de tibieza a que chegou o governo daquelle monarcha, diz um escriptor : « Em abono
da nossa opinião, poremos aqui duas cartas, uma de D. Luiz da Cunha, e outra de Alexandre de Gusmão,
que não fazem ao intento, mas servem para caracterizar os ministros e côrte de Portugual naquella epocha :
« 1.ª Eu convido a el-rei nosso senhor para figurar na Europa, sem ter partes nas desgraças della. Os principes
belligerantes se acham cansados da guerra, e todos desejam a paz. Esta pretendo eu se faça em Lisboa, e que
nosso amo seja o arbitro della ; mas não posso entrar neste empenho sem V. S. tomar parte nelle, porque
conheço as difficuldades que heide encontrar com el-rei e seus ministros d’estado. Ajude-me V. S. a vencer
este negocio, pois que só V. S. é capaz de fazel-o persuadir. Espero dever a V. S. este favor, segurando-lhe
que responderei pela condescendencia dos contrahentes, e tambem pelas inquietações e prejuisos que el-rei
possa recear ou sentir. Sirva-se V. S. dar-me resposta e occasião de servir a V.S. como desejo e Portugual ha
de mister. Paris, 6 de dezembro de 1746. — Dom Luiz da Cunha. »
« 2.ª carta. — Ainda que eu já sabia, quando recebi a carta de V. Exc., que não havia de vencer o negocio
em que V. Ex. se empenhou, comtudo, por obedecer e servir a V. Ex., sempre fallei a Sua Magestade e aos
ministros actuaes do governo.
« Primeiramente o cardeal da Motta me respondeu que a proposição de V. Ex. era inadimissivel, em rasão de
poder resultar della ficar el-rei obrigado ao cumprimento do tratado, o que não era conveniente. Emquanto
fallamos na materia se entreteve o secretario d’estado, seu irmão, na mesma casa, em alporcar uns craveiros,
que até isso fazem fóra de lugar e tempo.
« Procurei fallar a sua reverendissima mais tres vezes primeiro que ouvisse, e o achei contando a apparição de
Sancho a seu irmão, que traz o padre Causino na sua côrte santa, cuja historia ouviram com grande attenção,
o duque de Lafões, Fernão Freire e outros. Respondeu-me — que Deus nos tinha conservado em paz, e que
V. Ex. queria meter-nos arengas, o que era tentar a Deus.
« Finalmente fallei a el-rei (seja pelo amor de Deus) que estava perguntando ao prior da freguezia por quanto
rendiam as esmolas das almas, e pelas missas que se diziam por ellas. Disse-me que a proposição de V. Ex. era
muito propria das maximas francezas, com as quaes V. Ex. se tinha connaturalisado, e que não proseguisse mais.
« Se V. Ex. cahisse na materialidade (de que está muito livre), de querer instituir algumas irmandades e me
mandasse fallar nellas, haviamos de conseguir o empenho e ainda merecer-lhes alguns premios. A pessoa
do V. Ex. guarde Deus como desejo para defeza e credito de Portugual. Lisboa, 2 de fevereiro de 1749. —
Alexandro de Gusmão. »

123
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

rebeldia dos vassallos ; se occultamente o fazia não ha certeza de tal, antes


ordenaram em cartas dirigidas á camara que prestassem obediencia ao rei,
logo que foi definitivamente a capitania encorporada na corôa em 1753.

O CAPITÃO-MOR PEDRO VELHO BARRETO

A nova era que assomara no horizonte da monarchia portugueza com


a subida ao throno d’el-rei D. José em 1750, e tendencias humanas de seu
grande ministro para tudo quanto, real ou apparentemente, se apresentava
com vislumbres de oppressão, não podia deixar de tocar aos campos dos
Goytacazes a sua parte no desfecho das antigas e inveteradas rixas com que
os partidos então se dilaceravam com encarniçamento ; e em Lisboa foi
lavrado, no 1.° de junho do dito anno de 1753, o alvará pelo qual Dom José
tomava a si a capitania da Parahyba do Sul, mandando tomar posse della pelo
desembargador do paço Francisco de Salles Ribeiro, e ordenando que ficasse
o districto encorporado na comarca do Espirito Santo, até segunda ordem. *
* A esta comarca do Espirito Santo, que foi creada em 1744, cujo primeiro ouvidor fôra o desembargador da
Relação da Bahia Pascoal Ferreira de Veras, pertenceu os Goytacazes desde 1753 a 1831.

124
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

A 2 de dezembro do mesmo anno aportou o corregedor Salles a


S. João, e convocando a governança e bons do povo, foi de commum
accordo tomada a posse ; e depois de feitas as nomeações das justiças,
seguiu o corregedor para S. Salvador, onde todos se lhe submetteram.
Esta derrota do visconde d’Asseca parecia ser definitiva, e na
verdade o foi, pois que abrangeu o resto das capitanias brasilicas que
ainda obedeciam a senhores particulares ; porem, passados vinte e sete
annos, seu donatario, ou então já seu neto, se não reivendicou a suprema
autoridade, ao menos conseguiu o privilegio de alçada sobre suas
numerosas propriedades da capitania.
O rei Dom José tinha morrido em fevereiro de 1777, e a 23 de julho
desse mesmo anno era expedido o seguinte alvará regio :
« Dona Maria, por graça de Deus, rainha de Portugual, etc. A vós,
ministros, e a todos faço-vos saber, principalmente as minhas justiças
das minhas villas de S. Salvador e de S. João da Barra dos Campos dos
Goytacazes da minha comarca da capitania do Espirito Santo, que fui
servida, por meu real decreto, nomear ao chanceller da Relação e casa
dessa minha cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro que actualmente é o
doutor José Dias França, por quem esta se deu e passou em segunda via,
para juiz commissario, administrador, conservador e privativo de todas
as causas pertencentes á casa do meu visconde d’Asseca em todo este
meu continente, e melhor e mais claramente se mostra do mesmo meu
real decreto, qual o seu theor e fórma é o seguinte : Honrado Marquez de
Lavradio, do meu conselho vice-rei e Capitão-General de mar e terra do
Estado do Brazil, eu a Rainha vos envio muito saudar como aquelle aquem
muito preso. Havendo representado o Almotacé mór do reino como tutor
de seu neto o visconde d’Assêca Salvador Correia de Sá e Benavides,
senhor dos morgados da casa de seu tio, os grandes embaraços que tem
experimentado nessa cidade para a cobrança dos redimentos que nella tem
na qual possue a maior parte dos bens nos Campos dos Goytacazes em que
já correu varias demandas, e desejando que eu lhe desse uma providencia
pela qual se evitassem dellongas que necessariamente experimentaria na
cobrança das que pertencem ao dito neto, sou servida ordenar-vos nomeeis
ao chanceller dessa Relação para administrador dos ditos bens e para juiz
commissario de todas as causas que correrem pertencentes á referida casa,
para que as avocará de quaes quer juizo onde se acharem, sentenceará nos
termos mais breves e sumario e de plena relação dando

125
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

execução ás setenças que se houverem proferido ; tudo sem embargo


de qualquer desposição de ordenação que for em contrario, que todas ei
por derrogadas. Palacio de Queluz 23 de julho de 1777. — Rainha — »
Após esta nomeação, está a do escrivão da alçada, que é um
Manuel da Costa Coutinho. * Não veio, por tanto, mais ao visconde
d’Assêca o mando politico e governativo de seu antigo dominio ; mas em
remuneração dessa perda deu-lhe a corôa a alçada privativa que vimos no
precedente alvará. D’antes tinha elle exercido seu poder e administração
com interrupção e repulsas da parte dos povos, porem com entrada do
novo governo obtivera-o livre de contestações.
Daqui por diante os direitos do donatrio e os dos chamados
hereos, que são os decendentes dos capiães, foram e tem sido disputados
judicialmente até nossos dias.

* Esta alçada muito se assemelha ao juizo privativo dos Feitos da Fazenda creados hoje e estabelecidos nas
capitaes das provincias para julgar as causas e pleitos entre a Fazenda, que é o governo, e o collectado, que é
o povo ; isto é, uma das partes é quem nomêa o juiz para julgar a demanda !
A incoveniencia desta medida ainda se observa na impossibilidade de ir a parte defende seu direito ás
vezes á 50, 60 e mais leguas, que tanto dista na capital onde está o juizo, e que só na viagem, se ella tiver o
descoco de a emprehender ahi por uns 10 ou 12$000 mal levados pelo exactor do fisco da sua aldêa, gastará
o triplo. Sobre este assumpto discorreu mui judiciosamente um autor portuguez analisando a creação da
Junta do Desempenho em 1636, pelo governo hespanhol para haver de Portugual, quando era senhoreado por
Felippe III, 500,000 crusados annuaes ; e assim se expressa : « . . . . . . . Mais do que os 50,000 cruzados
annuaes que haviam sido pedidos e negados, imaginou elle (Miguel de Vasconcellos, ministro da princeza
governadora de Portugual) e imaginaram os que delle tinham feito instrumento de ruina para Portugual se
poderiam tirar por sua intervenção deste malfadado e empobrecido paiz ; mas desenganaram-se por fim
que inutel seria a campanha. Contentaram-se pois com o expediente de reduzirem todos os novos tributos
ao serviço ou dadiva dos 500 mil cruzados annuaes, deixando aos portuguezes o direito de proverem no
modo do pagamento, e creando uma Junta de Desempenho em que as dependencias do negocio se decidissem.
Esta Junta estabeleceu-se, não em Lisboa, mas em Madrid : o que em verdade era um beneficio. Qualquer que se visse
lesado pelos exactores, inhibido assim pela distancia e mais difficuldades de recorrer á junta suprema, pagaria a imposto sem se
queixar e pouparia as despezas do inquerimento ; porque á muitos annos que a justiça não dá as orelhas de graça. » Se ainda
o governo, que é uma das partes, nomeasse embora o juiz que hade julgar o pleito entre elle e o collectado,
mas o pozesse nos termos, isto é, ao alcance da parte demandada, podia assim evitar a perseguição de um
collector malevolo ou injusto, porque a parte poderia com facilidade patentear uma exigencia por ventura
absurda e iniqua ; mas retirando o juizo para tão longe, ficaram sem remedio muitas extorsões.

126
CAPITULO
SEXTO
Deixamos o seguimento dos successos da povoação da nova villa de
S. João da Praia, para não enterromper os acontecimentos do governo do
donatario, e descripção dos templos e irmandades, de que tractemos nos
dous capitulos precedentes ; e agora continuaremos.
A mesma confusão que, em maior escala, se dava no que dizia
respeito ao governo do senhor feudal da capitania via-se até nos detalhes
de menos importancia. As camaras eram nomeadas annualmente, ora pelo
procurador do donatario, e outras vezes pelos camaristas do anno anterior,
e as de 1701 a 1703 o foram pelo capitão-mór Fernando da Gama, assim
como a de 1711 pelo de igual autoridade Luiz de Mattos Bezerra. * As fintas
para seus rendimentos eram as que já mencionemos, e os camaristas se
iam lembrando de outros. Em 1701 impôz-se 6$000 réis de condemnação,
aplicados para as obras da Matriz, a todo o escravo que usasse de marcar
gado e vendesse cavalgadura.
Os alvaraes de licença de porta aberta tiveram principio em 9 de
agosto de 1711, dia em que foi instituido e publicado pelas ruas n’um
bando, com caixas destenperadas, impondo a camare 20 dias de cadêa
e 4$000 réis de multa aos que vendessem publicamente sem sua licença
; bem como foi por este mesmo tempo criada a finta de meia pataca

* O primeiro recrutamento feito nesta villa promoveu-o o juiz ornario alferes Manoel Ferreira Soares por ordem
deste capitão-mór ; cuja ordem diz : ser muito preciso ajudar com gente o Rio de Janeiro, que neste anno só
tinha duas freguezias, a de S. José e a da Candelaria, afora a da Sé.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

por cada rez que se vendesse, sendo o marchante obrigado a dar parte
ao almotacé afim de mandar este pezar a carne pelos pezos da camara ;
assim como o sal vindo de fóra ninguem o poderia vender senão pelo
meio alqueire que já se havia posto em casa do alcaide. Nenhum mestre
de embarcação poderia consentir, sob pena de 10 dias de cadêa, que della
tirassem barril ou pipa sem pagar-se ao concelho 320 réis por cada um
dos primeiros, e 1$280 réis pelas segundas.
A navegação era então dirigida toda para a Bahia, e a exportação
consistia em carne salgada, queijos, feijão, milho e couros, e estes não se
embarcavam sem primeiramente ser registrada a marca. Toda a pessoa
que apanhasse cavalgadura, sendo branca era multada em 2$000, e sendo
escravo em 50 açoites no pelourinho. Ninguem poderia tecer panno a
olho sem tirar licença, nem pescar, estando a barra aberta, nas lagôas de
Goraçahy, Lucrecia (Guipary), e da Castanheta (Assú) ; sendo esta pena
extensiva aos de S. Salvador (cuja villa contava já em 1708 duzentos fogos)
se cá viessem pescar.
As camaras, na ausencia do ouvidor e capitão-mór, exerciam
a autoridade no termo, tanto no lançamento das fintas como na
arrecadação dellas. Em 26 de março de 1714 negou ao ouvidor a
lei Francisco de Benavides o attestado de bons serviços prestados
por elle, porque o juiz ordinario informara contra o procedimento
daquelle no negocio de uns bens de certos herdeiros. Por ser curiosa
a precatoria do juiz ordinário a Benavides, tendente ao dito facto, ao
diante mencionamos como está escripta :
« Carta precatoria do juiz ordinario desta villa o capitão Manoel
Borges Souza, ao ouvidor da lei Francisco de Benavides. — O capitão
Manoel Borges Senra juiz ordinario desta villa de S. João, por eleição canonica
na forma da lei, saude e paz, etc. Faço saber ao senhor ouvidor da lei desta
capitania Francisco de Benavides que a mim me foi presente uma ordem
vinda de Lisboa passada por india e mina para entregar os bens que ficaram
ao auzente Francisco Pinto, pertencente a sua mulher Maria Carvalho e
aos seus herdeiros, e como de proximo me fizeram requerimento os seus
bastantes procuradores para lhe entregar os ditos bens e eu não posso
fazer por quanto Vossa Mêrce, senhor ouvidor da lei, levou os ditos bens
pertencentes a esses ditos herdeiros deste juizo, sem lhe pertencer, pois
Vossa Mêrce só podia tomar conhecimento por requerimento de partes
que he por appellação ou aggravo e não metter-se Vossa Mêrce em nos

128
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

querer tirar a nossa jurisdição que nos pertence e que só o que Vossa
Mercê obrou em audiencia por um termo que fez nesta villa de S. João
vindo a fazer a eleição só pertence ao nosso corregedor da comarca, pois
só elle tem esse direito de poder tomar o tal conhecimento de semelhantes
inventarios ; pesso a V. Mêrce que me o remetta logo o dito inventario pelo
meu escrivão para fazer justiça aquem pertencer ; cumpra-o assim e al não faça,
e em cumprimento do qual meu despacho lhe paço o presente pela qual
lhe requeiro da parte de Sua Magestade, que Deos Guarde, e da minha
rogo a Vossa Mercê que sendo-lhe apresentada e por assignada e sellada
com o sello deste juizo e cumpra e faça guardar como nella se contem em
seu cumprimento e mande que o seu escrivão do seu juizo entregue o dito
inventario como deste cartorio o levou e consta dos livros da camara desta
villa, e se Vossa Mercê obrar ao contrario desta minha precatoria, já desde
logo aggravo de Vossa Mercê para o meu corregedor da comarca. dada
e sellada nesta villa de S. João dos campos dos Goytacazes e da capitania
da Parahyba do Sul em 27 de fevereiro de 1714. — Agostinho Esteves
Negrão. escrivão da camera o escrevi. — Manoel Borges Senra. »
O juiz ordinario em camara é quem despachava e dava direcção aos
dinheiros do cofre dos orphãos e reforçava as fianças ; e o almotacé ahi
vinha lavrar os termos de correição nos mesmos livros. Poremos aqui as
contas do procurador do senado em um desses annos para se conhecer
o como então se praticava, e em que consistiam as differentes verbas de
receita e despeza :
« Aos 21 de dezembro de 1710, em ureança estando todos os officiaes
juntos em camara nella foram tomadas contas ao procurador deste senado
pelo qual foi dito que o procurador do anno passado Antonio da Silva
Esteves lhe não fôra entregue dinheiro algum, sendo somentes hu bufete
sinqo uaras de ureadores e almontaceis e hu pano de meza, e meyo alquere
e 1 medida uara e couado, tudo que serue de padrão, e seis tamboretes
como consta do termo dyte liuro a fl. donde entraõ os sucidios que deue
P°. da Costa e Joam de Oliueira que não cobrara elle dito procurador
pelos ditos estarem auzentes. declarou o dito procurador hauer recebido
o seguinte. etc. etc.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Despezas que deu o procurador.

Por 3 uaras de juizes a 480 cada hua . . . . . . . . . . . . . . . 1$440


Por 3 uaras de ureadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$120
Mais duas patagas que se mandaram uir em dosse . . . . . 640
Mais que recebeu o escrivão Jozeph Rodrigues prª . . . . 640
Mais que mandou consertar a caza da camara e baranda
a hu negro de guiné 4 bintens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Ao juis ordinario que mandou consertar a parede . . . . . 1$280
A missa do costume que se mandou dizer por alma das
officiaes da ureança passada a pataga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 320

Deve entender-se que estas parcellas de despezas eram muitas vezes


glosadas pelos corregedores quando vinham em correições, como por
exemplo nas contas de 1714 foram glosados os seguintes artigos :
Por cera para a festa del-rei (tem a nota) glzdº . . . . . . . 2$920
Por dinheiro que paguei por missa cantada ao vigario
glzdº . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$000
Por dinheiro aos muzicos para a mesma festa glzdº . . . . 8$000
Por hua uara para Juis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640
Por libra e meia de polura para a festa glzdº . . . . . . . . . . 960
Por dous cruzados que paguei ao Juis João Miz de
Mendonça que emprestou a camara para a mesma festa glzdº . 800
Por dinheiro que paguei ao escriuão da camara . . . . . . . 3$360
Dinheiro que paguei aos outro Juis para a festa glzdº . . . . 800

Tirada a pataga para a missa por alma dos ureadores ficou de saldo
a fauor sete pataquas e meia. *
No que tocava á policia para evitar o furto dos animaes vacum, cuja
criação progredia, deram-se as mais efficazes providencias na creação de
* Nas contas do procurador da camara de 1722 e do almotacé lê-se : « Recebeu o procurador deste senado Pedro
Carvalho, cinco pataquas e meia da mão do procurador que servia, das quaes tirando a pataqua para a missa dos
officiaes da passada ficaram quatro pataquas e meia : — Digo eu Nicolau de Mendonça Gomes, que almotacei
a Domingos Pires um barril de aguardente do reino a dous cruzados a medida e fazendo o contrario será
condemnado em dez tostões — fica rezistado a fl. 31. Almotacei um rolo de fumo a Raymundo Pereira, 21 réis,
por ser verdade etc. Dos gastos que se fizeram com o ouvidor quando veio fazer eleição e correição, comestives
de peixe, carne, farinha e azeite da candeia cinco mil reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5$000
Meia pataca que se mandou dar ao alcaide do seu salario do mez passado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 320

130
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

autoridades da banda do norte, pois que para as partes do sul ou Rio de


Janeiro havia, em 1703, o governador D. Alvaro da Silveira, attendendo
ás levas e commercio terrestre do gado dos campos, prestado toda a
sua attenção para o melhoramento da estrada geral e segurança dos
commerciantes ; e enviou nesse anno aos Goytacazes o missionario frei
Antonio de Madureira a promover os meios para a abertura de uma boa
estrada de Maricá ao Rio, e a pôr um registro nas alturas de Cabo-Frio. E
sobre a do porto, andou pelas ruas um bando, em 5 de outubro de 1713, em
forma de lei da terra, para que todo o mestre de qualquer lancha ou sumaqua
ao entrar á barra não pudesse seguir para S. Salvador, ou descarregar genero
algum de fazendas sem licença do juiz ordinario ou do capitão-mór da villa,
sob pena de 10 mil réis de condemnação e trinta dias de cadeia.
Por estes annos grande impulso tiveram os negocios administrativos
do districto do Rio de Janeiro e suas dependencias ; e as construcções e
melhoramentos materiaes que se operavam na cidade, cabeça da comarca,
tanto no tocante á segurança da barra como em outros ramos, dão bem a
conhecer que havia justo motivo por onde se procuraria dar nova direcção e
regularidade ás forças do paiz. Os intrusos francezes tentavam inquietar-nos
com suas ambições e ousadias, apoderando-se da cidade de S. Sebastião, onde
o infeliz Francisco de Castro Moraes, que em memoria ficou appellidado
o vaca, havia succumbido ; mas a victoria alcançada em 19 de Novembro
de 1710 sobre Du-clerc, chefe dos invasores, causou geral contentamento,
tanto que o bispo Fluminense, em um excesso d’enthusiamo, fêz declarar dia
santo de guarda a épocha memoravl desse grande acontecimento.
Em 1712 e 13, tendo entrado a governar o Rio de Janeiro o Mestre
de Campo Dom Francisco Xavier de Tavora, com o posto de 4.º capitão
general de honra, cuja posse tomou a 7 de julho do dito anno de 1712, deu
principio á construcção do forte da Lage, e reconstruio e levou a grande
segurança o da Ilha das Cobras * e Santa Cruz ajudado da vereança de S.
Sebastião, que eram em 1713 o Juiz de Fóra Manuel Falleiro Homem, e os
camaristas José Fróes d’Abreu, Amaro dos Reis Tibáu, Manuel de Souza
Coutinho e procurador João de Oliveira. **
* Esta ilha, que pertencia a um oleiro chamado João Guterres, foi em 15 . . . (não podemos ler o resto do
algarismo) arrematada em hasta publica do juizo de ausentes para o mosteiro de S. Bento pela quantia de
16$130, com a condição de ficarem os rampados para o estado. Os primeiros fundamentos para a fortaleza e
o risco da obra se verá na 3.ª parte destas noticias quando mencionarmos os governadores do Rio de Janeiro.
** A fundação do convento de N. S. da Ajuda, pelo bispo D. frei João da Cruz, no anno de 1705 e o palacio e forte
de N. S. da Conceição (que diz Pizarro, fôra em 1707) seguiram-se outros muitos monumentos sumptuosos que
hoje se obervam na côrte. O tempo de S. Pedro, o seminario de S. José, pelo bispo Guadalupe ; o Bom Jesus do
Calvario, por José de Sousa Barros ; a igreja de Santa Rita de Cassia, por Manoel Nascentes Pinto, todas são de 1719.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

O mesmo impulso houve nos Goytacazes, onde se nomearam


commandantes dos terços e ordenanças ; mas o sargento-mór João Velho
Pinto, e depois seu filho Pedro Velho Barreto, eram a alma da governança
apesar da desaffeição de alguns senados, por si ou instigados dos agentes
do donatario * ; e a lavoura da canna do assucar principiava a chamar
a attenção dos campistas para o proveito do apropriado solo. No anno
de 1737 já pagavam de direitos ao visconde donatario os engenhos e
engenhocas que trabalhavam — a saber :

O de Alberto d’Azevedo . . . . . . . . . . . . por anno . . . . . 4$000


A de Antonio Pacheco de Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$000
O de Theodozio de Oliveira, viúvo que mora no sitio
que largou Antonio Leal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 4$000
A do capitão Antonio Teixeira Nunes . . . . . . . . . . . . 2$400
A do Antonio de Souza, morador nos Columius . . . . . . 2$000
A de Domingos Henriques, do Limão . . . . . . . . . . . . . . 1$920
A de João Ribeiro de Mendonça, morador na ponta do
Guary . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$920
A de Luiz Pacheco, morador na outra banda . . . . . . . . . 2$560
A de Sylvestre Martins, em Macahé . . . . . . . . . . . . . . . . . 3$840

E mais 25 engenhos, cujo nomes dos proprietarios omittimos.


Estas fabricas já pertenciam pela maior parte ao termo de S.
Salvador, que fôra menor até 1727, mas d’ahi em diante ai-se tornando
superior ao de S. João.
Em dacta de 31 de Dezembro do referido anno de 27, escrevendo
o governador Vahia Monteiro a esta camara estranhando o não ter-lhe
ella dado á muito noticia de suas deliberações, accrescentava : — « que

* A este ultimo foi ordenado o apregoamento das pazes celebradas com a França, e era estylo assim se praticar
por identicas circumstancias sempre que ellas se davam. — « Bando pelas pazes. — Pedro Velho Barreto,
sargento-mór desta villa e seu districto, com patente de Senhor Dom Francisco Xavier de Tavora, governador
geral da cidade do Rio de Janeiro de S. Sebastião e suas capitanias. Faço saber a toda a pessoa de qualquer
qualidade que for, que este meu bando ouvir e a noticia lhe for, acudam todos com suas armas de fogo, e
os que as não tiverem tambem acudam nesta villa á ultima oitava que se contam tres de abril, com penas de
cinco tostões applicados para polvora e balas, advirtindo que os officiaes de milicias, alferes e sargentos,
appareçam alvorados para o dito tempo e com a pena de dez tostões, para que assim marchem todos desta
companhia em louvor das pazes que em estas capitanias se celebram ao som de caixas destemperadas. Dado
e passado nesta villa de S. João aos 5 de março de 1714. — Pedro Velho Barreto. »

132
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

essa falta era muito para admirar, e elle governador a conservava, visto
ser esta villa de S. João a mais natovel dos campos dos Goytacazes. — » *
O senado, por ordem deste mesmo governador, foi á capital, para
concordar no melhor meio de se haver nos Campos o donatario de
oitenta mil cruzados para o casamento dos Infantes, sem muito gravame
dos povos ; e na volta assignou o sargento-mór Pedro Velho e capitão
Salvador Alves de Magalhães, em 2 de Agosto de 1728, um termo para
contribuirem annualmente com 20$000 réis até que fossem os donativos
satisfeitos. Parece que a allegação de pobreza, que vimos na nota abaixo,
não izentava o povo dos pedidos extraordinarios, signal incontestavel
da prosperidade ; pois que em dezembro do dito anno appareceu o
capuchinho frei Gregorio de Sant’Anna com cartas do ouvidor Manuel
da Costa Mimoso, para se lhe dar esmolas com que ajudassem a edificação
dos templos do Rio de Janeiro, e em 7 de fevereiro de 1832 recebeu-se
um prego (assim reza o termo lavrado por esta occasião) do governador,
em virtude de ordem regia, para se tirar do povo a competente quota
que se destinava á creação da Relação do Rio de Janeiro, visto que Villa
Rica e o Ribeirão do Carmo haviam reclamado essa medida pela muita
distancia da cidade da Bahia.
Tambem pagava esta villa ao secretario do conselho ultramarino do
reino 1$200 réis annuaes a titulo de propinas, e a remessa dessa quantia
não era licito demorar de uns para outros, segundo se collige da carta do
ouvidor que transcrevemos :
« Ao secretario do conselho ultramarino paga de propina essa
camera mil e duzentos réis cada anno, e está devendo a que se venceu
neste anno de mil setecentos e trinta e cinco e o do anno de mil sete centos
* Pedindo o governador nessa mesma carta á camara que lhe enviasse ella o seu foral, foi-lhe respondido : — «
Senhor governador. Recebemos a carta do V. S. de 31 de dezembro pela qual vemos a admiração que lhe
causa a falta de noticias que se acham desta villa nessa secretaria, e he certo que a sua pequenhez, apezar de
principal destes campos, deve ser a sua principal origem deste descuido de que só poderá ter culpa os nossos
antecessores. Quanto aos provimentos dos officios desta villa que vossa senhoria nos ordena se vão procurar
a essa cidade, nenhuma duvida se nos offerece, mas por emquanto lhe não chegaram os emolumentos para as
despezas das propinas por constar o ordenado só de 8$000 (cremos ser o emprego de escrivão da camera e
judicial) e não renderem a escripta para papel e tinta. A copia do foral que vossa senhoria nos pede, se não acha
registado nos livros desta camera e só temos a noticia de que a villa de S. Salvador se remetteu a vossa senhoria
por copia e nos parece fica menos prejudicial a falta deste documento em que se nos não apresenta pelo nosso
donatario não temos achado outro algum papel neste cartorio mais do que o estabelecimento desta villa feito
por ordem do senhor donatario o qual remetteremos a vossa senhoria quando lhe for necessario. Ficamos
promptos para observar em tudo as ordens e resolução que se tomou sobre o donatario nos generos que tem
esta villa, porem a pequenhez de seu negocio não dá esperanças de que seja importante a producto delles ; em
tudo o mais em que for do agrado de vossa senhoria achará sempre prompta a nossa obediencia. GuardeDeus
a V. S. muitos annos, feita em camera a 16 de fevereiro de 1728. »

133
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

e trinta e quatro, que importa dous mil e quatro centos réis que devo
remetter nesta frota, sirvão-se vossas mercês ordenar ao thesoureiro ou
procurador remetta a dita quantia de dous mil e quatro centos réis logo e para os
annos seguintes faram vir os ditos mil e duzentos réis a tempo de que se
possa remetter. Deus Guarde a vossas mercês. Rio de Janeiro 31 de março
de 1735 annos. — Agostinho Pacheco Felis — senhores juizes ordinarios,
vereadores e procuradores do senado da villa de S. João da Praya — »
A’ algumas exigencias pecuniarias, não obstante o costume de
pontualidade, a governança arripiava carreira ; e nestes casos o conflicto
era certo ; e do que imos aqui tractar, por ter acontecido nesta época,
resultou a excommunhão maior do senado !
Vindo certos disimeiros de miunças, bocas e gado, Domingos
Gonçalves dos Santos e Rodrigues Pinto, a camara fêz publicar um
bando ordenando, que niguem pagasse os taes disimos sob pena de
cadeia ao que contribuisse com a menor quantia ; e esse preceito foi
rigorosamente observado. Sendo este caso succedido em 13 de junho
de 1742, veio uma ordem expressa com dacta de 8 de fevereiro do anno
seguinte, do vigario geral do bispado, excommungando os camaristas,
e chamando-os ao Rio de Janeiro a darem conta do seu procedimento
; e lá se apresentaram, onde a muito custo foram absolvidos, depois de
jurarem dar inteiro cumprimento ao pagamento dos direitos exigidos.

134
CAPITULO
SETIMO
Mencionaremos neste capitulo a forma das letras do cambio que
então se usava, a lei sobre o trajo e o preceito municipal á taxa dos preços
dos vestidos e calçados.
As letras eram assim concebidas e escriptas : « Jesuz Maria Jozeph,
campos 21 de dezembro de 1730 (as duas que copiamos dão idéa do uso).
A’ vista desta minha primeira letra segura, não havendo feito segunda
via, V. Mce. senhor Antonio Rodrigues na cidade do Rio de Janeiro ao
Sr. Bernardo Pereira da Foncequa pagará a contia de cento tres mil nove
centos e oitenta réis em dinheiro de contado não em outra especie, que são
procedidas de outros tantos que nesta villa de S. Salvador recebi da mana do
Sr. Manoel Rodrigues Pinto, a seu tempo lhe fará V. Mec. bom pagamento
sim por escripto com toda a hera acima. Pedro da Sylua. — Aceita como
diz, vendida que seja a carga Antonio Rodrigues. Recebi o contheudo nesta
letra. Rio 4 de fevereiro de 1731 — Benardo Pereira da Foncequa.
Outra. — « Jesuz Maria Jozeph Bahia e de novembro 16 de
1744. Principal 100$000, avanço 10$000. A vista depois da chegada a
salvamento dos campos dos atacazes a sumaqua por invocação Santo
Antonio e Almas, de que sou mestre Manoel da Cunha de Aguiar pagarei
por esta unica letra a risco que lhe tomei ao Sr. Manoel Gonçalves de
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Amorim cem mil réis a dés por cento premio em que nos ajustamos,
junto ao principal faz a sobredita coantia de cento e des mil réis que
lhe pagarei a elle dito Sr. ou aquem este me apresentar em dinheiro de
contado sem a isso por duvida alguma que o recebi e assignei da mão do
dito Manoel Gonçalues de Amorim para empregar em fazendas que levo
carregadas na dita sumaqua pelo risco que o dito Sr. lhe vae correndo a
referida coantia, de mar, fogo, corsario, não de outra avaria ou lezação
que haja, que esse havendo-a desde logo a toma sobre mim com
declaração porém que naufragando a dita sumaqua, que Deus tal não
permitta, salvando-se os effeitos della ficará esta vendida por ratiação,
cuja letra vencida que seja não a pagando ao tempo do vencimento que
são dés dias lhe pagarei os juros, obrigando minha pessoa e bens e delles
os mais bem amparados, por não saber ler nem escrever roguei ao Sr.
Manoel Antonio d’Oliveira Porto assignasse com meu signal do costume
que he huma cruz tudo sendo com Jesuz Christo. Bahia erat supra como
testemunha que fis Manoel Antonio de Oliveira Porto. »
Não era licito vistir, galões e rendas, mas sim o que se tinha
marcado na pragmatica de 24 de maio de 1749, * que em 21 capitulos se
mencionava o trajo permittido as differentes classes, côres e condicções.
Ninguem, por exemplo, podia trazer prata, bordado e galões em seus
vestidos sob certas e determinadas penas ; no capitulo 7º prohibia aos
negros e mulatos filhos dos negros e mulatos de mais pretas com brancos,
e de qualquer xexo ainda que se achassem forros, trazerem vestidos de
prata, ouro, tecidos de lãa, olandas, esquiões, linhos, joias, etc., sob pena
de açoites e degredo para a ilha de S. Thomé.
No capitulo 9º vedava-se que nas alfandegas se recebessem de
importação objectos de luxo, como carruagens, mesas, bufetes, commodas,
papeleiras, cadeiras, tamboretes remalhados, treinós, meias de seda ; no 12º
cominava-se a pena de degredo para Angola aos que trouxessem roupa
branca com franjas de ouro ou galões ; no 13º não se permittia o uso de
carapuças de rebuços, e ninguem poderia andar embuçado de capote a
ponto de se lhe não ver a cara, pena de perder o capote e a carapuça ; e no
capitulo 30 ordenava que não seria preciso corpo de delicto para a punição
dos transgressores, mas seria bastante a noticia do delicto ; e se taxava os
preços de certas fazendas permittidas.

* E’ de 18 de agosto de 1847 o alvará com força de lei que mandou subir ao juizo superior os proprios autos
em caso de appellação, ficando os traslados ; até essa data iam estes e ficavam aquelles.

136
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

O senado da camara por sua parte, e a exemplo da lei geral, tambem


fez, com os juizes de officios, taxar os preços dos feitios das obras ; com
o juiz dos alfaiates Ignacio Bueno Xavier marcou, 1752 :

O feitio de um vestido de seda inteiro para casamento . 7$000


Por um de panno fino forrado de seda . . . . . . . . . . . . . . 6$000
Por um dito de baeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$000
Por uma saia de seda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$280
Por uma dita de sarja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640
Por um manto de seda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$280
Por uma saia de baeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640
Por um timão de dita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640
Por um capote de camelão de homem . . . . . . . . . . . . . . . 640
Por um dito de panno forrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 800
Por uma vestia de calção abotoado até abaixo . . . . . . . . 1$280
Por uma dita idem de seda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 600
Por uma dita idem de baeta aboloada até abaixo . . . . . . . 1$280
E sendo só atoboado até a cintura . . . . . . . . . . . . . . . . . . 960
Por um timão de seda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 960
Por um riguigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$600
Por um capote de mulher á ingleza . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$280
Por um colete de seda á simôa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640

Para avaliação do calçado foi convocado o juiz do officio de sapateiro


Damião Cavalgante e Olanda, e taxaram :

Um por de sapatos lizos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$280


Um dito acosturados e entranhados . . . . . . . . . . . . . . . . 1$920
Umas botas de calvagar de canhão de bezerro . . . . . . . . 4$800
Umas ditas idem de meio canhão . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3$200
Por umas chinellas com salto de marroquim . . . . . . . . . . 1$280
Por umas ditas de cordão e salto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$600
Por uma ditas de dito preto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 800
Por umas de viado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 720
Por uns sapatos de mulher de cordão e salto de
marroquim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$280
Chinellas de marroquim de mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$280

137
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Chinellas de cordão com salto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 640


Por umas botas de viado com canhão inteiro . . . . . . . . . 2$880
Por umas ditas de dito de meio canhão . . . . . . . . . . . . . . 2$400

Em 10 de agosto de 1751 tinha-se dado regulamento para a taxa dos


ovos, que n’um bando fôra publicado : e o motivo dessa medida consistia,
como se lê no termo, na grande abundancia da criação de gallinhas e fertilidade
dos mantimentos, e sem embargo disso estar-se vendendo os ovos a tres por
um vintem, o que resultava prejuizo commum, porque comprando-se dez
réis de ovos não davam mais que um ; por isso seriam todos obrigados a
vendel-os a quatro por um vintem, sob pena de 2$000 de multa.
Por este mesmo tempo occupava-se o senado com outro objecto
de grande importancia e cuidado : era a compra de alfaias decentes para a
aposentadoria dos ouvidores, que então amiudavam as correições.
Houveram opiniões desencontradas sobre a pousada e qualidade da comida
com que se deveria hospedar os magistrados, até que em 11 de junho de
1750 chegou-se a um accôrdo, que ficou consignado no termo seguinte :
« Por ser muito conveniente a este conselho toda a decencia
necessaria com que se deve tractar os ministros corregedores quando
vierem a esta villa em correição, e por nesta villa não haver pessôas
que tenham trastes capazes para estes ministros por isso concordavam
que o procurador deste senado mandasse buscar hum catre de jacarandá
por ser páu capaz para taes pessôas, como tambem mandasse hum colxão
e dous lenções de panno de linho, colxa travesseiro e finalmente dous
tamboretes e hum banco de encosto, como tambem huma duzia de
pratos de estanho, meia razos e meia curvos, e hum prato grande para
peixe, e hum tinteiro de chumbo com seu poedouro. E por não haver
mais que concordar mandaram fazer este termo. »
Principiou-se a dar providencias para melhor ordem dos moradores
do lado esquerdo do rio, que augmentava em população. No Campo
Novo houveram altercações, porque o ouvidor Falcão de Gouvêa, tendo
ordenado em capitulos de correição á requerimento dos povos daquelle
lugar que sómente a elles fosse permittido pescar na Pernambuca, Lagôinha
e Campello, seu successsor Salles Ribeiro, vindo em correição em 1759,
fêz derrogar o preceito, e pôz franca a pescaria nos lugares vedados.
Seguio-se uma infinidade de petições, mas o corregedor
despachava-as, que requeressem por letrado ; mas havendo na capitania

138
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

um unico em S. Salvador, o licenciado Gonçalo Antonio de Lemos,


entraram por fim na ordem, conseguindo do ouvidor a abertura da
boca da valla nesse mesmo anno. *
Respeito aos festejos do padroeiro da villa, pretendia o senado
fazêl-os com pompa em seu dia, porem careciam de autorisação para
isso, pois que as festas publicas sobre que podiam despender eram a de
S. Francisco de Borja, que lhe fôra ordenada em 20 de Junho de 1759,
por requisição de Benedicto 14, papa reinante, e a da Santissima Virgem,
que lhe fora igualmente determinada em carta de 13 de novembro de
1756 para festejal-a em todos os annos no 1º de novembro, por ter ella
livrado milagrosamente a pessôa d’el-Rei e uma grande parte do povo de
Lisboa do tremendo terremoto. Entretanto instavam pela necessidade e
faculdade da ordem : e em 1762 accrescentaram : — « Que tivesse Sua
Magestade em attenção os rendimentos que lhe davam, pois deste rio
Parahyba sahia a corôa só no tocante aos dizimos dose mil cruzados
cada anno. » ** A supplica foi attendida.
E’ deste anno de 1762 um bando regio prohibindo andar pelas
estradas em machos ou mulas, sob pena de serem os animaes mortos
e os donos presos : em virtude (diz o bando) de varias representações
dos povos da Bahia, Pernambuco e Piauhy feitas ao rei por não terem os
cavallos gosto e valia como nas eras passadas.

* No anno do 1775 foi dado novo regulamento pelo corregedor Athayde para as pescarias do rio, lagos e costa
do mar, e destinou dias determinados para as pocuzeiras do mar entre o cordão da barra, cujo serviço era feito
por Manoel Fernandes Marçal, Francisco Luiz d’Andrade e Ignacio de Aranjo Silva e Sá.
** Tempo em que o senado mandava annualmente certa quantia de seu cofre para despezas reaes a entregar
ao almoxarife da fazenda real no Rio de Janeiro, Agostinho de Faria Manteiro, cujos conhecimentos eram
passados pelo escrivão dessa repartição Francisco Rodrigues Silva.

139
CAPITULO
OITAVO
Era preciso, como dissemos, dar fórma mais conveniente á força
publica segundo as necessidades apontadas. A capitania tivera um Mestre de
Campo em annos anteriores, 1730, Domingos Teixeira d’Andrade, mas fôra
em tempos do dominio do donatario, em que, como temos relatado, reinava
grande perplexidade nos governantes e todos davam ordens por seu turno.
Hum prior, um capitão-mór, o procurador do visconde, qual quer finalmente
era um chefe ; por isso em patente de 4 de julho de 1768 nomeou-se a
João José de Barcellos Coutinho, Mestre de Campo do terço novamente
organisado, chamado auxiliar, milicia creada pelo Vice-Rei conde da Cunha.
Então o governo do Estado tinha resolvido a mudança do chefe do
continente brasileiro da Bahia para o Rio de Janeiro, e o tenente-general de
artilharia Antonio Alvares da Cunha, conde do mesmo titulo, ali aportára
a 15 de outubro de 1763, e tomára posse a 19 do mesmo mez. Dera
elle principio á organisação dos terços auxiliares, creados no Brasil por
alvará de 22 de março de 1766, cujo regimento pouco se apartava do de
ordenanças de 30 de abril de 1758 ; mas seu successor D. Antonio Rollim
de Moura, conde de Azambuja, lhe deu formal impulso e fez promover
o alistamento e formação dos corpos, principiando nos Goytacazes pela
nomeação do chefe Barcellos Coutinho.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Tinha então a villa e termo de S. João pouco mais de população do


arrolamento feito em 1757, e sete mil almas de confissão e communhão
; pegando do porto de Euzebio Cordeiro (hoje o Estaleiro do Curral),
cuja ilha fronteira tomára por fôro, em 1745, Antonio Martins da Costa,
até o districto de S. Salvador pelo rio, e pela costa á barra do rio Iguassú,
pelo sul, e para o norte á do Itabapuana, porém desta parte a população
ainda era assás diminuta.
Creara-se tambem, por alvará de 25 de junho de 1761, uma outra
autoridade que vigorou até 1832, era o intendente geral da policia *, que
contendia especialmente sobre os escravos, porém que deu em principio
motivos a renhidos conflictos de autoridade com os capitães móres,
mestres de campo, priores e vigarios geraes. **
Estas providencias e nova ordem de cousas tinhão uma origem
natural, a da necessidade de fortalecer a acção governativa da colonia, que
tomava incremento e dava serios cuidados para as bandas do sul ; mas um
grande acontecimento tivera lugar, e delle ainda se tratava com inquieta
perseverança : fôra a catastrophe dos jesuitas. O que aconteceu em 3 de
setembro de 1758, sobre os tiros dados no rei ; que a ordem de Santo
Ignacio era nesse sacrilegio envolvida ; que Frei José Malagrida insuflou a
desditosa marqueza de Tavora e os mais conjurados para alguma vingança
contra Sebastião e não contra o rei (opinião de um profundo portuguez)
; tudo isto é sabido de todos, pois que varios autores o têm tratado com
esmero ; podendo cada um fazer seu juizo e decidir se quizer no sentido
de salvar a memoria de tantos illustres lusitanos.
O nosso intento, e o que nos cumpre, é unicamente noticiar alguns
detalhes que para castigo e prevenção vieram a S. João, assim como a todas
as autoridades dos mais pequenos povoados do continente.
Com data de 3 de novembro de 1759 recebeu-se nesta villa um bando
para ser publicado a toque de caixas destemperadas, vindo do governador
Gomes Freire, conde de Bobadella, em que se annunciava os tiros dados
* O primeiro que serviu ordenou que os baralhos de cartas não seriam vendidos a menos de quatro vintens
cada um.
** Um dos mais notaveis foi o que se dera, em virtude de ordem do intendente, entre o capitão-mor José
Francisco da Cruz e o mestre de campo Barcellos Coutinho, a qual desavença chegando aos ouvidos
do vice-rei, mandou este para os acalmar o coronel Joaquim Xavier Curado, e com tão bons auspicios
chegou o illustre goyano aos Goytacazes em 1798, que tudo acommodou e a paz se firmou por esta
vez. Curado permaneceu aqui algum tempo, em S. João assistio á festa do padroeiro em 1801 : declarou
que se o governo resolvesse demoral-o mais tempo nos Campos, elle escolheria a villa da barra para sua
residencia. Tambem deu nova organisação ás milicias, creando regimento em vez de terço, e chamando ao
commandante coronel em lugar de mestre de campo.

142
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

no rei, e que por se haver descoberto ser o principal autor do attentado


um padre da companhia de Jesus, ordenava que pessoa alguma tivesse
mais tratos com os ditos padres da companhia, e nem lhes comprasse nem
vendessem cousa alguma, sob pena de ser tratado como complice. Outros
bandos e ordens positivas no mesmo assumpto recebia-se successivamente,
até relativas a não poderem confessar e officiar nos templos.
Após estas medidas veio um alvará com os artigos : 1º, que todo o
official de justiça prenderia e conduziria ao juiz da terra o viandante que
desconhecidamente passasse em seu districto ; 2º, que as embarcações
entradas neste porto não poderiam desembarcar qualquer passageiro sem
serem primeiro visitadas por um official de justiça, para verificar a gente
da tripulação pelos passaportes ; 3º, as mesmas precauções se tomariam a
respeito das embarcações que sahissem ; 4º, estabelecendo penas aos que
saltassem ou desembarcassem sem a visita, conforme os artigos 2º e 3º ; 5º,
trata do modo de se fazerem as diligencias e fórma de entrar o official na
casa alheia ; 6º, sobre as obrigações dos viandantes e passadores de pegar
e prender qualquer sujeito desconhecido, debaixo de certas penas. Outro
bando remetteu o mesmo governador, em data de 5 de abril de 1768,
comminando penas aos que sabendo que em alguma parte existissem os
ditos individuos (os padres) não os denunciasse logo á autoridade, dentro
de 24 horas, cujas penas seriam tambem comminadas, não só aos ditos
jesuitas que usassem da roupeta da sua ordem, como os que pretendessem
persuadir que podiam por qualquer maneira usar de habitos ou de
elerigos ou de outras ordens religiosas, cujo crime se entenderia de lesa
magestade ; e a toda pessoa de qualquer estado ou condição que tratasse
com algum correspondente ou confrade da mesma companhia chamada
de Jesus, e com elle tivesse negocio algum, seria degradado para Angola
por oito annos ; recommendando ás justiças territoriaes que tivessem
devassa aberta em todos os mezes de janeiro, abril, junho e outubro
para inquirirem sobre as contravenções desta lei. E declarando o breve
do papa, que principia — Animarum salut — (que fôra em opposição á
primeira ordem régia), que mandou sequestrar os bens dos ditos jesuitas
e conceder-lhes a faculdade de poderem ficar residindo nos collegios com
uma pensão, por obsubrepticio e como tal inutil e incapaz de produzir
effeito algum, por isso autorisava a qualquer pessoa a entregar ás justiças
todos os exemplares da dita bulla, pena de ser degradado para Angola o
que fosse omisso nesta determinação.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Alem das ordens do governador, aqui chegou o corregedor Athayde,


e n’um bando seu exhortou os habitantes a lhe entregarem todas as cartas
e papeis que tivesssem pertencentes ou que dissessem respeito aos da
Companhia, no praso de 20 dias, debaixo das penas estabelecidas.
Não consta ter havido prisão ou imposição de pena alguma nesta
villa por taes motivos, apesar de se empregar, com effeito, grandes
diligencias : e só mais tarde appareceram n’alguns lugares, onde fixaram
residencia, certos sujeitos de quem o povo suspeitava : e se esse tal era
carola ou versado nas cousas da igreja, não havia a menor duvida de
ter pertencido á algum desses collegios ao menos como familiar : desse
numero foi um André Duarte, muito devoto de Sant’Anna, que para cá
veio, casou-se e aqui morreu.
As fazendas dos jezuitas, sitas nos campos dos Goytacazes, eram : a
denominada Collegio, no districto de S. Salvador, e a Moribeca, no de S. João,
com parte no Espirito Santo por abranger o norte e sul do rio Itabapuana.
Pelos annos do 1770, em virtude de medida geral relativamente ás
fazendas sequestradas aos padres da Companhia, foi aquella arrematada
por Manoel José e Domingos Vianna, e esta por José da Cruz Silva,
mestre correeiro.

144
CAPITULO
NONO
Do anno de 1780 por diante a povoação tomara melhor aspectos ; e
da Matriz para baixo o que d’antes constava de uma estrada erma, serventia
dos moradores do Matto-grosso, tornara-se então em rua, primeiro do
Caminho Grande, depois de Baixo, e hoje Direita, como se disse na 1.ª parte.
A do Cotovello, que hoje desemboca na rua Direita, não fôra mais que o
seguimento daquella estrada, que o viandante era obrigado a ladear para
desviar-se do pantano da restinga chamada de Manoel Machado, que não
dava passo ; lugares estes onde hoje se vêem bons edificios. Por outra
parte concorria em não pequena escala para este augmento as grandes
funcções de S. João Baptista, que a principio o senado, com autorisação
do governo, e depois os devotos de todo o districto entraram a fazer ; e o
enthusiasmo tornou-se geral e de sagrado dever.
Se os que eram nomeados festeiros empenhavam-se fortemente para
não desmentir o conceito de devotos do Precursor, o novo em geral, quer
de S. João ou de S. Salvador, gastava rios de dinheiro, em fogos, dansas,
banquetes ; de maneira que houverem annos em que não era possivel
distinguir d’entre o povo quem tinha o privilegio de juiz da festa. Tanto os
maritimos, como os fazendeiros do termo visinho e commerciantes, em
lhe tocando a vêz, gastavam sem conta.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Nas ante vesperas principiava a alegria e congratulações com


a chegada dos devotos de S. Salvador ; e tambem era compromisso de
rigorosa observação, e que não se podia violar, o não lhes ser primittido
saltar em terra nem tomar casa ou tractar de outro algum mister sem
primeiro ir á Matriz fazer oração a S. João Baptista. Ficaram em memoria
as grandes e despendiosas festas de Fernandes de Castro, maritimo em
1777, primeiro anno em que o senado foi de estandarte alçado assistir á
missa e procissão ; e as seguintes de Manuel Francisco Povoa ; Franco da
Motta, capitão Bento, Luiz Antonio, do Cural-falso ; Domingues Carneiro,
etc. ; bem como as que seguiram a estes, a do Alferes Francisco Nunes
Coutinho, em 1803 ; do coronel Joaquim Vicente dos Reis, em 1804, e a
de Martins da Motta, em 1805. Quando se dava alguma falta, por morte de
festeiro, a camara suppria, e por isso nunca houve a menor quebra.
A ordem que em 8 de Dezembro de 1751 se havia estabelecido
prohibindo a coberta de palha das casas do recinto da villa, e que levara
annos a fazer persuadir ao povo desse prejudicial costume, começava a
vigorar ; e o uso do arado tentava o senado pol-o em pratica, por enstancias
do vice-Rei Vasconcellos, no sertão das Cacimbas, cuja cultura principiava
então a desenvolver-se.
O importante terreno chamado nesse tempo Sertão e que nelle
se vêem hoje funcionando tres freguezias, a de S. Francisco de Paula,
Itabapuana e Morro do Côco, foi-lhe no descobrimento dado o nome de
— Cacimbas — porque deste lugar (que fica do lado opposto da cidade)
é que partiram seus primeiros exploradores, como dissemos na 1.ª parte
destas noticias ; e d’ahi por diante quem da villa lhe fosse precisso ir
cultivar, ou qualquer negocio nesse lugar, carecia ir á Cacimbas para de lá
tomar seu destino pela estrada denominada então — do Carro —, a qual
passava pela Gurarema no sitio de Francisco Ribeiro Cardoso, havido por
este em 1745 dos herdeiros de Jorge de Castro Ilara (que fora o dono da
Terra Nova) ; cuja estrada geral tinha principio no Pao de Papagaio, lugar das
Cacimbas, como nesse tempo se escrevia.
O primitivo rasgo feito deste sertão para o mar foi o que se denominou
depois Entrada Velha, que lá ainda se nota ; e na sua embocadura na costa
construiram-se embarcações, e ficou conhecido o lugar pelo Porto dos
Barcos, ponto cardeal da sesmaria de Maria da Silva do O’.
Sahindo os roceiros á costa, era-lhes oneroso tomar Cacimbas para
chegar á villa, e por isso descobriram o porto do Gargaú, e por elle fizeram

146
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

sua derrota pelo riacho grande ou Rabo do Macaco ; mas tendo a sahida ao
Parahyba o inconveniente de grande volta, por ser proxima ao sobrado do
sitio de Manoel Leite de Faria, mandou o senado fazer um rasgo, em 1806,
por um pequeno furo natural, entre as duas ilhas do Lima e Moritiba,
ficando essa passagem quasi em frente a cidade e em posição commoda.
De grande proveito servio o cultivo deste sertão na fome geral que
grassou nos Campos no anno de 1793. Se em S. Salvador o mal foi horroroso,
apesar de contar já vastos sertões explorados (ainda ha bem poucos annos
dizia-se o — Sertão — tudo que passava do Fundão para cima) em S. João
deveria ser mais funesto a não haver soccorro das Cacimbas, e tambem
dos portos do norte até Caravellas, que frequentemente aqui entravam em
pequenos hiathes. Por occasião dessa calamidade o senado de S. Salvador
dirigio uma precatoria ao de S. João significando que seus municipes
morreriam de fome se este não desse providencias com que se evitasse a
sahida dos generos de primeira necessidade : e as medidas foram tomadas,
e approveitou o ensejo para pedir o padrão dos pezos e medidas desto
para regular por elles os seus. *
O impulso do progresso dos Goytacazes tinha feito com que se
importasse então avultada copia de escravatura, motivos allegados pelo
desembargador João de Figueiredo, procurador da Fazenda real, quando
em 1796 escrevia ao senado que evitasse a sahida delles para portos
estrangeiros ; e o desembargador do Paço José Joaquim Vieira Godinho,
que em 1800 occupava o mesmo encargo, fêz nesta dacta identica
recommendação por igual motivo, o da grande importação dos generos.
Para prova do adiantamento que tomava o dritricto campista nesta
época basta dizer-se que, em S. João da Barra, ja então muito menor em
recursos relativamente ao termo visinho, fêz o conselho construir á sua
custa em 1797 a nova cadêa de pedra e cal e com solidos alicerces, com
que despendeu cerca de nove mil cruzados ; foi forçado pelo corregedor
Joaquim José Coutinho Mascarenhas, em 1788, a emprestar á camara
da villa da Victoria (actualmente capital do Espirito Santo) dous mil
cruzados, e que até o presente ainda não foi embolçado, por mais
diligencias que tenha empregado, contra cujo arbitrio do corregedor o
senado queixou-se ao vice-rei em 5 de Junho do dito anno de 1788 ;
e finalmente concorreu com tres mil cruzados para o casamento das
* Havia em 1795 na villa de S. João da Barra 8 vendas, e cortava-se no açougue 10 a 12 rezes por anno, e a
carne era vendida a 20 réis a libra ; em 1816 a 30 réis ; por deliberação de 7 de janeiro de 1818 a 35 réis ;
em 1824 a 40 réis ; por postura da camara ; em 1831 a 50 réis ; e hoje a 110 rs., tendo já alcançado 140 rs.

147
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

princezas em 1798, que em nome do princepe regente lhe fora pedido


pelo coronel Joaquim Vicente dos Reis, e ella lh'os mandou levar a S.
Salvador por seu procurador Bento José Lopes.
Da parte do sul da Parahyba a estrada geral entre as duas villas seguia
justamente por onde se transita, pela direcção antiga do Coutinho, que é nas
cabeceiras do grande lago ou pantanal de S. João ; primitiva via que tinha
ficado sem uso desde 1806 até 1843, por se rasgar um atalho beira rio, onde
se construiram pontes a expensas do cofre municipal nos desaguadouros
do Vianna, Ganguella e na de Antonio Alberto ; cujo atalho ficou nos
ultimos annos inutilisado em virtude das innundações dilacerarem parte do
terreno por onde havia sido aberto, o qual constava todo de crescimento
apaulado formado de mui remotas eras por differente direcção do rio.
Com esta mudança ficou assaz prejudicada a notavel povoação do Vianna,
á margem do Parahyba e cousa de quatro mil braças da cidade, por que
a mencionada estrada do Coutinho passa pelo centro para desviar o
grande pantano que mencionemos. Seria de grande utilidade para o povo
chamado de campo-fóra e os das freguezias do sertão que a municipalidade
fizesse estabelecer ali uma passagem publica, entre Vianna e a povoação
das Cacimbas, do lado opposto.
Era neste lugar do Vianna a morada do ajudante Luiz Alves de
Barcellos, filho do capitão-mór Felix Alves, de que fizemos menção no
capitulo 2º quando tratemos das desventuras do vigario Pedro Marques.
Para o prender requisitou-se força do Rio de Janeiro ; da villa partio a
justiça e milicia, depois de bem combinado o plano de ataque, uns por
terra, outros pelo rio e todos receiosos por sua sorte ; e Luiz Alves, que
de tudo sabia, achava-se tranquillo em sua casa. Cercada esta, via-se as
paredes da sala cobertas de armas de fogo e outras ; e o ajudante dizer
ao tabellião André Franco da Motta, que levava o mandado de captura,
que podia entrar e cumprir seu dever. Finalmente foi preso, sem a menor
resistencia, entregando-se livremente á escolta, e conduzido para o Rio de
Janeiro, d’onde o fizeram passar d’Angola degradado por toda vida.
Releva, antes de finalisar este capitulo, dar noticia de uma usança
desses tempos respectivamente ao modo de punir as faltas dos camaristas
que eram remissos ao comparecimento das vereanças, e outros delictos
leves dos funccionarios da republica (chamava-se, serviço do rei, ou servir na
republica o que agora dizemos, servir a nação) ; a falta de comparecimento
do vereador, que hoje é punida com pena de 2$000 de multa, era então

148
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

com reprehensão simples, e com ameaça, conforme a gravidade, rebeldia


ou humildade do delinquente. O corregedor reprehendia o juiz ordinario,
estes os camaristas e o senado aos almotacés.
Entre as punições desta ordem que encontramos foi uma das mais
desabridas a que em 1793 deu o juiz ordinario Joaquim Pinto da Silva no
vereador mais velho Antonio de Lemos d’Andrade, por deixar este de vir
a algumas audiencias : rebelde, irreligioso, homizio, entre outros doestos da
mesma ordem, foram os termos com que se reprehendeu o culpado, ou
para melhor dizer, foi uma descompostura formal com que se desaggravou
a lei, alem da ameaça, no caso de contumacia, de ser remettido para o
presidio das pedras de Angouxe.
Hum outro em que se deu conflito, porque o almontacé Felippe
Martins da Silva retorquio com iguaes termos, foi em 1805 por occasião
de o reprehender o juiz ordinario Ignacio Moreira da Silva ; ao epitheto
de rebelde recambiou-lhe aquelle o de revoltoso e cabeça de motim ; de
sorte que sendo levadas as razões pro e contra ao corregedor Baptista
Filgueiras, este decidio que o almotacé fora desobediente, e condenou-o
a pedir perdão publicamente ao juiz e a ser reprehendido com aspereza.

149
CAPITULO
DECIMO
DE 1800 A 1820.
Daqui em diante, até o fim desta 2º parte iremos capitulando por
épocas, e nelles fazendo menção dos successos mais notaveis, visto termos
esgotado as materias e assumptos que abrangiam mais lapso de tempo e
não convinha interromper.
Em 1801, por virtude das guerras do sul e receio de piratas na costa,
os barcos desta carreira navegavam comboiados ; e o brigue Balão é quem
fazia este serviço juntamente com duas barcas chamadas arthilheiras, que
igualmente conduziam o assucar, do principe Regente (assim se dizia).
O brigue Real João veio algumas vezes em 1802, e levava, alem do
assucar, as madeiras do rei ; estes navios da armada real vindo ao porto
de S. João da Barra, em cuja entrada e sahida corriam eminente risco, por
não haver então signaes nem regularidade pratica na barra, fêz desperta
a necessidade de uma direcção de pilotagem, ou de um priveligiado que
debaixo de certas condições se encarregasse dos signaes da altura da maré
e caminho mais seguro no barco.
Até ahi o costume era ajudarem-se mutuamente os mestres com
suas tripolações para entrar ou sahir : quem ficava tinha por obrigação ir ao
lagamar sondar o fundo e proteger a sahida do que fazia viagem, e por seu
turno era recompensado com iguaes sacrificios. Havia sinistros, mas não
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

tantos quanto é de suppor, porque os barcos da carreira desse tempo não


passavam de lanchas de Orelha de mula ou de sumaquinhas de cú de galinha
de 40 a 50 toneladas. Deste lote e armação foram os que se construiram no
Porto dos Barcos, (de que fallemos no antecedente capitulo e na 1.ª parte), e o
primeiro que na villa cahio do estaleiro foi em 1740, o S. João e Almas de
propriedade de Manuel Francisco Brazin, Domingos Belxior e Domingos
d’Oliveira, e para se tripularem muito concorria depois a gente do Gargaú,
composta de indios das aldêas do norte, aos quaes o corregedor José Pinto
Ribeiro fêz retirar, em 1802, a pretexto de ter o governo feito extensiva
á Campos a ordem regia dirigida ao governador do Pará Dom Francisco
de Souza Coutinho, tendente a se aldearem os indios e não consentil-os
disseminados : alguns voltaram fugitivamente para o mesmo Gargaú.
O uso, portanto, do mutuo adjuctorio dos mestres dos navios
apresentava já inconvenientes, porque o numero e dimenções destes
crescia em relação da exportação, e dera casos em que a quasi todos
convinha aproveitar uma maré. Miguel Gonçalves Victoria requereu
ao vice-rei o lugar de patrão-mór, e sendo-lhe concedido em fins de
1806, debaixo de certas condições e regimento, tomou posse em 5 de
setembro de 1807 : era-lhe permittido cobrar 5$000 réis por entrada das
embarcações e outro tanto por sahida.
Em 1815 passou esta administração a Joaquim Thomaz de Faria,
com privilegio por tres vidas.
O districto dos campos dos Goytacazes tinha em 1804 ganho
celebridade, por sua população e notavel augmento de productos, tanto
que neste anno se lhe concedeu Juiz de Fora, predicado este só autorgado
ás grandes villas e cidades : sendo primeiro magistrado o bacharel Sebastião
Luiz Tinoco da Silva, (depois Senador) que viera de Minas. No fim de sua
serventia requereu Tinoco a annexação de S. João da Barra, mas quando
esta premissão foi decretada, em 9 de Novembro de 1806, já era no lugar
seu successor o bacharel José d’Azevedo Cabral.
Por este facto cessavam os juizes ordinarios, e nem mais se
fizeram essas nomeações. Os camaristas substituiam o juiz de fora na
ordem de suas idades.
Ao receber-se, no dia 25 de fevereiro de 1808, a lisongeira noticia
da proxima chegada da familia real ao Rio de Janeiro, o senado fêz logo
celebrar preces publicas pela feliz viagem de Suas Magestades ; e a 6 d’abril
soube-se que no solo brasileiro tinha pisado um dos principe de coração

152
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

mais puro de quantos occuparam o throno luzitano, Dom João 6º. Quanto
devemos ao generoso monarcha que nos trouxe independecia e liberdade,
e nos constituio na lista das nações modenas !
Entretanto o senado de S. João, assim como os demais da então
colonia, esmerou-se em saudações por por tão subidas novas ; e em
proporção de seus recursos e dos que lhe forneceu voluntariamente uma
grande parte dos habitantes, fez logo promover a festejos e demonstrações
publicas de regosijo ; e nomeou uma commissão d’entre seus membros
para irem á côrte levar suas homenagens ao principe regente. Os
nomeados foram o vereador mais moço Manoel de Brito Coutinho Pinto,
e o procurador Antonio Pinto Netto, fornecendo a cada um deles 128$000
para os gastos da viagem. Tambem não se negou a camara ao convite do
monarcha na creação do Banco do Brasil, para o qual concorreu, em 27 de
novembro de 1812, com cinco mil cruzados de que até o presente recebe
o correspondente dividendo.
Em setembro do mesmo anno de 1812 recebeu Campos a honrosa
visita do prelado diocesano. Occupava então esta alta dignidade Dom José
Caetano da Silva Coutinho, que muito a illustrou ; e nos Goytacazes teve
o honrado visitante, em ambas as villas, ovações que bem patenteavam a
admiração e respeito de que se achava o povo possuido. Antes desta data
vinham visitadores incumbidos da correição official em nome do prelado
; mas sem este caracter de autoridade por aqui passaram varões religiosos
da mais exemplar conducta publica e particular, a pregar missões, e tirou-se
grande proveito das sans doutrinas que ensinavam.
Os primeiros foram alem do que veio em 1726, o sabio frei José
do Amor Divino e frei Salvador, os quaes pregaram por muitos dias no
anno de 1775 ; alternavam entre si os dias da predica na Matriz ; e frei
José deixou o povo fulminado da graça do Senhor, pois que, grande
mestre da materia, suas palavras eram raios de luz e verdades evangelicas.
Este grande homem foi util com a palavra e tambem com as obras ;
desde Caravellas que principiara sua pregação, e não ficara um só pai
amancebado ; elle casava-os, e quem a isso se negava, instava, pedia até
conseguir o louvavel fim de suas dedicações.
Depois deste dois religiosos vieram, em 1786, frei Pedro e frei
Cosme, barbadinhos ; e em 1796 aqui pregou pela primeira vez frei João,
da mesma ordem e da aldêa de S. Fidelis de Sigmaringa, o qual continuou
em suas edificantes visitas até 1808.

153
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Voltando a tratar do nosso affavel diocesano, de quem nos apartamos


para pagar o devido tributo a quem com magnanima caridade veio entre
nós guiarnos ao verdadeiro caminho da virtude, aqui conservou-se elle
por alguns dias, e partio para o Espirito Santo. Se mencionamos neste
lugar os dotes de que era ornado o missionario frei José do Amor Divino,
tivemos em vista equiparal-o ao sabio bispo fluminense, que foram iguaes
na propagação do preceito divino, e iguaes foram no amor dos povos e em
buscar-lhes todo o bem de que dispunham.
O diocesano Silva Coutinho ainda, no decurso de seu governo,
visitou os Goytacazes e villas do norte, em 1819, tendo em ambas as
visitas sido consideravelmente acatado e venerado como merecedor
de homenagens.
No seguinte anno, 1813, suscitaram-se duvidas sobre as despezas do
embarque das madeiras do rei, e que eram cortadas e remettidas por conta
do mesmo. Versavam ellas sobre saber-se quem as deveria fazer, se tiral-os
do cofre da camara, ou á custa do Estado, as quaes foram resolvidas pelo
conde de Aguiar, ministro da marinha, em carta de 11 do mesmo anno,
dirigida ao juiz de Fóra, Silveira Telles.
Este mesmo magistrado Telles promoveu a muito melhoramentos
internos da povoação : em 13 de outubro de 1813 fez convocar os
republicanos (bons do povo) e com elles organisou um codigo de posturas,
providenciando sobre o alinhamento das ruas e sua limpeza ; creou o
cargo de arruador e outras medidas de utilidade publica. Justiceiro em gráo
subido, não consentia a oppressão do poderoso contra o fraco, e por isso,
como era de esperar, maquinaram aquelles a sua destituição antes de findo
o tempo. Os ricaços de S. Salvador vingaram-se das amargas decepções que
o juiz de Fóra lhes fizera soffrer, lançando foguetes por occasião da sua
retirada. Grandes privilegios tinham nesse tempo os senhores de engenho,
e um delles consistia na isenção de penhora por custas em utensilios da
fabrica ; mas o Dr. Silveira conhecendo o abuso, não estava pelos autos
; guardava sim a lei dos privilegios, porem era com a condição de boa fé.
O primeiro cirurgião com residencia em S. João da Barra fôra
Bonifacio José Ribeiro, em 1808, que requerendo o partido da camara, lh’o
não concederam ; lugar que obteve por ordem regia o licenciado Victorino
José Cardozo, tomando posse do cargo a 4 de maio de 1816. Cardozo
viera da Bahia com um seu filho de nome Eleuterio e o pharmaceutico
Felicio, que ainda existe em S. Salvador, ou falleceu ha pouco tempo.

154
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Por occasião da elevação de D. João VI ao throno, o povo não


ficou áquem dos mais habitantes do solo brasileiro nos festejos por tão
plausivel, motivo, e todo o anno de 1818 houve geral satifação e publicas
demostrações de contentamento. Levantou-se na praça da Matriz, junto á
cadêa, grande illuminação ; e correu-se cavalhadas, genero de funcção que
só tivera lugar em 1805 na festa de José Martins da Motta, ao Padroeiro,
e em 1795 pelo nascimento da princeza dona Maria Thereza ; armou-
se uma barca de fogo no rio, em frente á villa, á expensas do capitão-
tenente Joaquim Martins da Luz, tenente da ribeira Joaquim de Souza
Freitas, e patrão-mór Joaquim Thomaz de Faria. Estas festas, que foram
em seguida á do casamenro do principe Dom Pedro, duraram até 1819
pelo nascimento da primeira filha desta, depois rainha de Portugal.

155
CAPITULO
DECIMO PRIMEIRO
De 1820 a 1830.

Annos de heroicos feitos e grandes mudanças politicas, nos quaes


se operou a mais saliente de todas as phases por que temos atravessado
— a independencia. Transcreveremos os documentos mais curiosos que
encontramos, e o que em pequena escala por cá succedeu, pois que todos
sabem dos acontecimentos e factos da capital, escriptos por habeis autores.
Em virtude do movimento da guarnição militar do Porto, dirigida,
como se diz, pelos patriotas José Ferreira Borges, Manoel Fernandes
Thomas e outros, com o intuito de instituirem, como na Hespanha, o
systema constitucional, cá tambem houve rompimento, mais ou menos
pronunciado em alguns pontos ; nos quaes a creação de uma junta provisoria
de governo era o primeiro Deus te salve do movimento.
Se no Pará Domingos Simões da Cunha, um dos que mais
concerrêram para a revolta e deposição do conde Villa-Flôr : na Bahia José
Pedro ; em Pernambuco Luiz do Rego e outros mais levantaram o grito de
sedicção, e se arvoraram em governo com directa correspondencia com as
côrtes constituintes já estabelecidas em Lisboa, nos Goytacazes pretendeu-
se representar a mesma farça. A onda sobre a qual caminhava aquella nova,
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

e sem duvida as recommendações secretas e convite do centro da revolta


para os differentes pontos do reino do Brasil, rebentara por nossas praias
em meiado de 1821 ; e os tres majores dos corpos milicianos do districto,
Pedro Augusto, da cavallaria ; Prestes, de infantaria e Antonio Aureliano
Rolão Couceiro Pimentel Torrezão, de caçadores, constou que, simulando
uma insurreição de escravos, tinham em vista adherir á constituição do
Porto com desobediencia ao Rio de Janeiro.
No dia 11 de agosto do referido anno de 1821 reuniu-se o senado
da camara desta villa de S. João, com o clero, republicanos, povo e tropa,
(ficando em mysterio o nome de quem promoveu a reunião, pois que o
termo o não declara) para o fim de jurar-se as bases daquella constituição,
e de assim se praticar com todas as formalidades ; porém suscitou-se
graves altercações entre o povo, que se dividiu em partidos, pró e contra
o acto. O segundo camarista Amaro da Silva Moreira, não foi mais á
vereança por causa de umas representações que o povo trazia ao senado,
a que chamavam — Memorias — e dizia que esses homens se achavam
illudidos e enganados pelos majores de S. Salvador, que eram revoltosos,
e o cabeça diziam ser o Rolão.
As memorias foram trazidas ao senado em 28 de novembro, pelo
vigario Gomes Azevedo, Manoel dos Santos Souza, Joaquim de Souza
Freitas, Domingos Gomes, Cruz Costa, Joaquim Thomaz de Faria, Rodrigues
Bandão e Santos Pinto, e um nós abaixo assignado do povo, todas no sentido
da nova fórma constituinte. O povo já dividido em parcialidades, começava
a desconfiar dos majores, posto tivessem jurado o pacto, sem talvez saber de
que côr era elle manipulado ; e visto ser então termo novo entre elles, só o
tinham admittido por honra da firma de quem lh’o apresentára.
O corregedor da comarca, Cabral, pendia para o partido das côrtes
de Lisboa ; e vindo em correição a 10 de novembro apresentou um decreto
dellas, assignado pelo rei, que já era ido do Rio para Portugal, e ministro
Quintella, no sentido liberal ; abolindo todas as taxas e condemnações em
quaesquer viveres, conforme o alvará de 1762, que concedeu essa regalia
ao termo de Lisboa. Ordenou ao senado que abolisse igualmente todas as
posturas municipaes que marcassem preço aos generos, e que ficaria livre
a qualquer vende-los á sua vontade, por ser essa medida compativel com
as bases da nossa contituição.
Na mesma audiencia o ouvidor deu vivas á religião, á dynastia
de Bragança e á lei portugueza constituicional. Entretanto o boato da

158
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

insurreção, real ou ostensivo, tomava vulto ; um tal Manoel Alves de


Jesuz viera (dizia-se que por insinuações) das partes do Campo Limpo,
suburbios de S. Salvador, á redeas soltas e entrando naquella villa
noticiara que ahi se vinha approximando uma forte columna de escravos
das fazendas do visconde e collegio, com designo de accommetter a villa.
As denuncias succedião-se umas ás outras e cada qual mais aterradora ;
nos pelourinhos de ambas as villas corria o sangue a jorros ; das cadeias
sahião de manhã e a tarde aos libambos para o açoite. Instava-se para que
cada um de per si declarasse o plano da revolta e indicasse os complices,
e os miseraveis, com vistas de escapar do bacalháo, lá iam nomeando a
torto e a direito novas victimas, que tanto bastava para ser logo preso e
seguir o curso do açoite e do interrogatorio.
A não ser o horror que causa o relatar-se semelhantes atrocidades,
podia-se historiar de passagem o lado burlesco da comedia, que não é
menos curiosa. Em S. João da Barra, por exemplo, obrigando-se os
primeiros suppliciados a confessar quaes estavão destinados para ser o
rei e a rainha, caso triumphasse o levante, lembrou-se um de delatar que
rei era o Candimba, e rainha tia Engracia, escrava de Salvador Franco da
Motta. Mestre Candimba era um escravo de José dos Santos Souza, fula,
de pequena estatura, o qual nos festejos de S. Benedicto foi sempre o chefe
dos candombes, bailes de congo, dansas de boi e outros divertimentos de
rua, e Engracia, preta idosa e estimada de seu senhor, o qual para salval-a
do pelourinho teve de occultal-a convenientemente.
De S. Salvador descera a toda a brida o capitão de cavallaria
Manoel Joaquim Pereira Baptista e o ajudante Ignacio Rangel, por ordem
dos majores, a conferenciar com o Juiz ordinario João Martim da Silva
Coutinho, sobre a necessidade de pôr a villa em segurança para evitar
a invasão dos escravos das duas grandes fazendas deste termo, a da
Barra Secca e a da Moribeca, visto ter havido denuncia de combinações
insurreccionaes entre a gente dellas. No dia posterior a esta mensagem,
24 de dezembro de 1821, toca-se a rebate pelas 10 horas da noite ; a
tropa de milicias, com os officiaes recem-chegados, ajunta-se no largo da
Matriz, que uma da quatro faces é ornada com a margem do Parahyba
; tomou-se as bôcas das ruas, corrião officiaes a cavallo por toda villa
ordenando em altas vozes aos habitantes que pozessem luminarias, e
os que podessem pegar em armas sahissem com as suas para a praça a
apresentar-se ao Juiz, e a unir-se a seus irmãos de combate, porque viera

159
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

aviso de navegar rio abaixo uma canoa conduzindo numerosa força de


escravos da fazenda da Barra Secca. Dentro da praça, bastante illuminada
já de fogueiras, fervião as consultas dos principaes em conselho ; e depois
da meia noite chegou-se ao accôrdo de se fazer marchar uma columna a
reconhecer o inimigo ; a qual seguindo por terra ao seu encontro, voltou
dando parte que a tal canoa denunciada por Francisco Moreira, que viera
á missa do Gallo, era o que encontraram conduzindo para a villa alguns
milheiros de telha da fazenda de Domingos Alvez, cujas pontas das
telhas tinhão sido tomadas por cabeças de negros !
Não obstante, a tropa e povo permaneceu na praça toda a noite, e
depois da aventura da canôa de telhas, ainda sobre a madrugada deu-se
outra mais engraçada.
Divulgou-se ao longe, das bandas de cima, um vulto vindo rio
abaixo e que se approximava : parecia hiate ou grande canôa. Gritou-se ás
armas, ordenou-se a força em ordem de batalha no parapeito do rio e que
estivessem todos promptos a fazer fogo ao primeiro signal. Entretanto o
vulto crescia á porporção que se avisinhava, e quando chegou a conveniente
distancia perguntou-se quem vem lá ! O vulto vinha a ser uma canôa de
voga da villa de Itapemirim, que á dias entrara carregada de cebolas e fora
vendel-as a S. Salvador cujo dono e mestre João Golçalves, era conhecido
por João Burundanga ; o qual pretendia chegar á villa para deixar romper
o dia e seguir sua viagem, porem ouvindo aquelle estranho recebimento,
susteve a canôa em frente a villa.
Ao grito de — quem vem lá da parte d’el-rei — respondia — sou eu
João Golçalves, mas esta resposta não era ouvida porque a algazarra entre
os combatentes subia de ponto. Os chefes dividiram-se em opiniões ; uns
queriam que se fizesse fogo, e outros que se armassem canôas para um
combate naval. Neste interim o dono das cebolas, conhecendo então o
perigo, porque ouvia ainda que confusamente as differentes deliberações
a seu respeito, tractou de cortar o mal pela riz, e com todas as forças de
seus pulmões gritou para terra − sou eu João burundanga ! sou o burundanga
! Reconhecido o engano serenou a tempestade ; e ao romper da aurora
levantou-se o campo, sem outro incidente desagradavel.
Todavia estes desenganos não faziam diminuir o castigo dos escravos,
pois dizia-se que em S. Salvador alguns, dirigidos occultamente por um
rabula de nome João Martinho, foram ao ouvidor Cabral pedir liberdade,
visto que a nova forma de governo assim o permittia, e o que fora pelo

160
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

corregedor respondido para acalmal-os, que a presente liberdade tinha vindo


por emquanto só para os brancos, e que a dos pretos o rei resolveria depois.
A noticia destas desordens chegara ao Rio de Janeiro, e o principe
Regente Dom Pedro enviou aos Campos o brigadeiro José Manuel de
Moraes, com a dupla missão de socegal-os remettendo presos a Rolão
Manuel Alvez de Jezus e seus complices, e promover uma leva de
voluntarios para a defeza da Patria e da Independencia, que se projectava.
Moraes desempenhou estas incumbencias com admiravel rectidão,
e fêz entrar na ordem os animos d’antes exaltados : honra á memoria do
benemerito general Brasileiro ; ganhou-a em Campos, e tambem nos altos
cargos a que depois foi elevado.
Neste mesmo anno de 1821 deu, em agosto, á costa o brigue
inglez Espling, meia legua ao norte da barra do rio Assú ou Iguassú, onde
comparecendo o juiz ordinario de S. Salvador, Leão, e o de S. João Martins Silva
Coutinho, e depois de algumas explicações tendentes a qual delles pertencia
a jurisdicção, verificou-se que sendo a divisão dos dous termos naqulle rio
Assú, não podia haver duvida na alçada, Leão cedeu, e o carregamento
salvado foi conduzido para esta villa e vendido em hasta publica.
O anno de 1822 foi fertil em tumultos. Em 6 de janeiro fôra expulso
do partido da camara o licenciado Victorino José Cardozo, e nomeado
em seu lugar o cirurgião José Caetano de Carvalho Salzedas ; o qual
funccionou sómente até 2 de dezembro seguinte, porque ajuntando-se o
povo, dirigido por João José de Brito, na sala do senado allegaram que
o professor era de uma lingua diabolia com pessôas honestas. Tanto bastou
para que fosse tambem expulso, e nomeado para o substituir frei José de
Castro, hespanhol, que havia no anno antecendente naufragado em nossas
praias, ou chegado a ellas n’um bote com 15 companheiros restantes da
catastrophe d’um volcão com que se submergira ao mar de Cabo Frio um
navio dessa nação ; e o povo, alem de conseguir a demissão de Salzedas
do emprego da camara, fê-lo evacuar a villa com o competente cortejo
de foguetes e assuada. Mas os camaristas que preferiram o empirico ao
profissional foram multados em 30$000 réis cada um pelo corregedor da
comarca na fuctura correição.
Em 22 de maio veio um convite dos bons do povo do Rio de Janeiro
para o senado adherir a pedir-se ao principe para ficar no Brasil, convite que
foi lido em vereança do senado, presidido pelo ouvidor interino Libanio, em
21 de junho do sobredito anno na presença dos republicanos e bons do povo

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

; e o ouvidor fez uma falla e arengou á multidão, a qual foi victoriada com
bastante enthusiasmo e assignaram termo, no fim do qual seguiram para a
matriz, onde cantou-se o Te-Deum laudamus por tão grata noticia. Saudação
que repetio-se em outubro, ao receber-se a participação da acclamação do
principe regente á eminente dignidade de imperador ; e tambem a de 3 de
agosto de 1823 quando chegou a noticia da restauração da Bahia.
Após estas medidas, que essaz revelam as idéas já maduras da nossa
emancipação, vieram ao senado desta villa muitas memorias e proclamações
para serem lidas ao povo, a que elle ia-lhes dando o devido cumprimento.
A linguagem destas peças excitou, como é de ver, bastante exaltação,
e o senado apressava-se, assim como é natural que todos os das outras
cidades e villas fizessem o mesmo, em lhes dar toda a publicidade.
Alguns portuguezes maritimos, sem perceberem talvez o sentido das
proclamações, que todas tendiam a consolidar o imperante no governo
do paiz onde elles viviam casados e com familias, e que aquellas palavras
energicas revelavam os embaraços em que se via o chefe da nação de lutar
para firmar sua autoridade em beneficio e proveito de todos, assentaram
de pedra e cal que elles eram offendidos, e se pretendia nada menos do que
persegui-los e expulsa-los do imperio ; e reunidos a outros seus patricios
estabelecidos em terra, começou em S. João uma luta mais jocosa que
aterradora. Os filhos do paiz mais imprudentes por sua parte faziam o que
podiam em represalia aos contrarios, dizendo que desde tempos muito
anteriores foram sempre elles portuguezes os provocadores. *
* Alludiam ás providencias tomadas pelo vice-rei, em 1791, para debellar os portuguezes que em Campos
se haviam tornado o flagello dos incautos filhos da terra. Uma dessas providencias é a carta do vice-rei ao
sargento-mór Brum : « Attendendo á obediencia e respeito com que os povos dessa capitania devem observar
inviolavelmente as reaes ordens de S. Magestade, confiadas pela mesma senhora a todos as magistrados civis
e militares para melhor annuencia e vantagem dos seus vassallos, não devo tolerar a mais leve alteração em
um objecto de tanta gravidade pelas consequencias que possam resultar quando as differentes corporações
que compõem o Estado excedam os limites que a lei, a pratica e as providencias lhe tem determinado.
Presentemente imagino a villa dos Campos dos Goytacazes nesta triste situação, machinada e difundida
pelos commerciantes que hoje se acham estabelecidos n’ella ; tendo chegado da Europa a este porto só
acompanhados de pobreza e indigencia ; nada me queixo dos nacionaes e dos humildes porque todos ou a
maior parte tem sido as victimas da abominavel intriga com que os referidos negociantes, com parcialidades
e partidos, tem subornado as justiças com offerecimentos consideraveis, e tambem com o respeito de
poderosos. Eu teria procedido ha muito tempo se me devessem fé as representações e informações que da
mesma villa me tem feito e sido dirigidas, porem como presentemente de ninguem faço conceito, á excepção
do mestre de campo, o qual me não podia informar exactamente daquellas novidades que appareceram
achando-se elle nesta cidade, encarrego a V. Mce., para bem do serviço publico e de S. Magestade, para
socego dos seus vassallos e para castigo exemplar dos delinquentes, passe a villa de Campos dos Goytacazes
a examinar na sua origem a causa da desunião dos moradores, quaes são os opprimidos pelos poderosos
e ultimamente aquelles que mereçam uma demonstração severa a respeito da sua conducta, sabendo ao
mesmo tempo sa os evcessos tem sido animados ou protegidos pelo corpo do senado da camara ou por

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Por mal de peccados aconteceu ser nascido em Portugal o 2º


camarista deste anno, e estar quasi sempre com a vara de juiz ordinario, e
tambem ter o mesmo labeo o tabellião da villa. O juiz recebia denuncias
de se achar a casa de Manoel Antonio Dias, brasileiro natural de Paraty e
aqui residente, reduzida a uma praça de armamentos bellicos, e com um
reforço de filhos do paiz prestes a sahir ao primeiro signal á matança dos
portuguezes ; em virtude do que sahia o tabellião com grandes escoltas
dos maritimos a rondar a villa e vigiar as immediações da casa delatada.
A columna rondante, composta dos delatores, em tudo achavam
pretexto ou indicio vehemente do facto, e então póde-se calcular a
facilidade do conflicto, prisões, desacatos de palavras, e nem se podia
andar de noite na rua ; invadio-se a casa do Dias, onde nada se encontrou,
e um ferreiro portuguez, coxo, obrou ahi prodigios de valor munido d’um
espeto. As mulheres tambem metteram a sua colher na contenda ; a esposa
do patricio disputava e desdenhava do que o era do filho de fóra, e viceversa.
Com o fim de acalmar a desordem, que se ia tornando séria,
resolveu o juiz ordinario, em vereança, mandar vir a juizo os mais loucos
com suas esposas, afim de cada um assignar termo, com cominação de
pena contra aquelle que insultasse mais a qualqeur ou lhe lançasse em
rosto seu nascimento. Remedio que fêz serenar a confusão até a chegada
do ouvidor interino José Libanio de Souza, em 8 de janeiro, pois que
tivera em S. Salvador noticia dos disturbios. Libanio convocou o povo nos
paços do conselho, e por sabias e judiciosas exortações fêz conhecer aos
dissidentes a enormidade de seus procedimentos ; e os odios se de todo
não foram extinctos, ao menos não continuaram as animosidades. Alem da
admoestação verbal, fêz o corregedor Libanio publicar o bando seguinte :
« José Libanio de Souza, Juiz de Fora, das Villas de S. Salvador e S.
João da Barra, e interino ouvidor da comarca etc. Faço saber aos habitantes
desta villa de S. João que tendo no dia 4 do corrente apparecido nesta
mesma villa a supposta idéa de que os brasileiros se queriam levantar
alguns officiaes do terço de infanteria auxiliar, e para que a mesma camara não fique na menor duvida da
grande autoridade com que V. Mce. vae encarregado da commissão que lhe confio, igualmente lhe dirijo
uma carta de officio para que ella fique nesta intelligencia, como tambem outra ao official commandante
do corpo auxiliar, como a V. Mce. constará quando na mesma camara ellas sejam registradas. Emquanto á
força que V. Mce. necessita para rebater o orgulho dos insolentes, V. Mce. regulará com o seu discernimento,
socego de espirito e conhecimento local do estado actual da mesma povoação ; ficando bem persuadido
que immediatemente me participe a necessidade de algum soccorro e será executado sem a menor perda de
tempo com tropa de infanteria e cavallaria e com muitos outros meios que arranquem por uma vez umas
raizes que tanto se tem profundado. Deus guarde a V. Mce. Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 1791. — Conde
de Rezende. — Sr. sargento-mór José Thomaz Brum. »

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

com os portuguezes, idéa esta que traz com sigo os horrores da anarchia,
e que tanto perturba a boa ordem e tranquilidade publica ; chegando ao
excesso de correr á casa de um cidadão sem ordem alguma judicial, só
por uma mera desconfiança, e com frivolo pretexsto ; e sendo das sabias
determinações de S. M. o Imperador que entre os seus subditos jámais
deve haver a perniciosa distincção de nacionalidades dos cidadãos deste
Imperio : por isso, em nome do mesmo Augusto Senhor, recommendo
aos habitantes desta villa que devem inteiramente cessar-se semelhante
distincção de lugar de nascimento, devendo só distinguir o verdadeiro
Brasileiro, quer seja neste ou naquelle hemispherio, uma vêz que tenha
abraçado a sagrada causa do nosso Imperio, devendo só distinguil-o á
maior adhesão á mesma sagrada causa, pois que todos são membros
desta sociedade. E todo aquelle que insultar por palavras, ou de outra
qualquer maneira em razão de sua naturalidade, serão immediatamente
processados com todo o rigor das leis, o que espero não será preciso
pôr em pratica, pois confio na obediencia e fidelidade deste povo. E
para que chegue a noticia de todos, mandei passar e escrever este bando,
que será apreguado pelas ruas. Dado nesta Villa de S. João da Barra aos
9 de janeiro de 1824. Eu Manuel Gomes Moreira, escrivão da camara o
escrevi, — José Libanio de Souza. »
Por occasião das precedentes medidas do ouvidor interino com
o fim de socegar os animos, e que em virtude dellas a paz succedeu ás
rixas e perturbações, o senado da camara endereçou-lhe em data de 25
do mesmo mez uma carta em agradecimento por tal motivo.
Declinamos nomear os autores das rixas, e das mulheres nellas
envolvidas, porque ainda vivem algumas talvêz sem lembrança
do passado. Manuel Antonio Dias, e outras victimas dos insultos,
queixaram-se ao ouvidor do 2º camarista e do tabellião, dizendo
que estes haviam promovido, ou pelo menos autorisado o barulho
e animosidades de seus patricios contra os pacificos filhos da terra ;
porem o magistrado Libanio soube apasigual-os por enquanto. Mas na
seguinte correição do ouvidor proprietario Accioles, fazendo reviver
a denuncia, foram todos pronunciados em devassa geral por crime de
assuada, e de serem contra a causa do Brazil.
Os criminosos esperaram pela proxima correição do mesmo
Accioles ; e então tendo aggravado, e protextado innoccencia e desvario,
foram absolvidos, menos um que nada requerendo não foi tambem

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

comprehendido no geral livramente ; descuido que deu margem ao


singular e estranho caso de 1832. *
Entretanto foi em 11 d’abril jurada a constituição com approvação
e regosijo de todos ; cantou-se Te-Deum e illuminou-se a villa por tres
dias. Quando nesta occasião fêz-se a mudança do retrato de Dom João
6.º, que em grande e rico caixilho ornava a salla do senado onde havia sido
collocado em 1814, para substituir pelo de Dom Pedro e sua Esposa, o
alcaide da villa, que era filho de Lisboa, levou o simples painel para casa e
por largos annos ainda lá se via elle pregado em uma parede.
* Era João José de Brito brasileiro adoptivo, casado no paiz com pessoa das principaes familias, proprietario
abastado em relação ás riquezes da terra, aquelle que por economia ou por outro qualquer motivo não pedio
nem requereu ao ouvidor a absolvição da pronuncia ; porem como todos os complices tinham sido providos
em seu aggravo, e se achavam livres de culpa e pena, ninguem se lembrava nem sabia dessa excepção ; e talvez
que o proprio Brito se julgasse por isso tão livre do crime como os outros ; tanto assim que posteriormente
servio cargos publicos, e em 1829 quando se procedeu á primeira eleição municipal, por virtude da lei da 1º
de outubro de 1828, teve elle a primazia da eleição, tomando o cargo de presidente do senado.
Como d’antes, que os camaristas serviam pela ordem das idades o emprego do juiz de fóra na ausencia
do juiz legitimo, então continuaram na mesma pratica pela ordem da votação ; pelo que o presidente da
camara assumio de direito o dito encargo ; e como tal, já no fim do quatrienio, em 1832, mandou prender a
Constantino Antonio de Faria, portuguez vindo da Bhhia por occasião da derrota de Madeira, e aqui casado.
O delicto por que fôra preso Faria não era grave, e consistia no levantamento de noite de um predio á
margem do rio e em frente da praça da Matriz, mas não obstante isso o juiz ordinario o conservava na cadêa ;
e o preso teve que recorrer á ouvidoria da comarca para obter soltura. Parece que nesta occasião descobrio-se
ainda em aberto naquelle juizo o crime de Brito, e seu antagonista, apesar de preso, manejou a represalia com
tanta habilidade e reserva, que ninguem de tal teve noticia senão no momento do desfecho.
Para cumulo de infelicidade era o padre Ferreira Ribeiro decidido adversario particular de Brito, juiz de paz
da villa, autoridade que nesse tempo dava as cartas no tocante á policia e prisão dos criminosos ; e o escrivão
deste excedia-o muito mais no desejo de desfeitear o juis ordinario. Já Constantino estava munido da ordem
de soltura, e com ella viera da cabeça da comarca a precatoria para a captura de Brito ; mas, por combinação
secreta com o padre Ribeiro, differiu-se tudo para o dia 13 de outubro desse mesmo anno de 1832, o qual estava
marcado para sessões da camara, com o fim de o prender nesse acto.
No almejado dia 13 reune-se o senado, e Brito lá estava presidindo os trabalhos e despachando as partes. O
xadrez onde jazia Constantino é quasi contiguo á sala das sessões ; e o juiz de paz, acompanhado do escrivão
Baqueira, depois de subir a escada da cadêa, dirigio-se em primeiro lugar ao xadrez e mandou soltar o preso
por ordem do ouvidor, e fazendo já Constantino parte da escolta, (nesta occasião numerosa) entraram na
sala da camara, onde não causou logo sobresalto ; mas em acto successivo adiantou-se o padre Ribeiro para
o topo da meza, e desenrolando um papel, leu em voz alta o mandado precatorio assignado pelo corregedor
da comarca, para ser preso o réo João José de Brito, pronunciado em devassa no anno de 1824 !
A sorpresa foi geral entre os vereadores, por um caso absolutamente extranho para elles, e Brito tentou
illudir a ordem negando tal crime e procurando, quando assim fosse, prevalecer-se das immunidades do lugar
que ora occupava. Constou depois que seu intento consistia em procurar evadir-se para não dar gosto aos
inimigos de o capturarem ; porem dessa resistencia é que nasceu a maior confusão e audacia dos atacantes.
Brito não se levantava da cadeira da presidencia ; Constantino bradava com força que fosse o réo amarrado ; o
escrivão avançava para executar a ordem do juiz de paz, que instava para que o levassem para o xadrez. Dizia
Constantino : — « Senhor Brito (apontando para o xadrez), queira servir-se do meu lugar que ainda está
quentinho ! — Por fim, serenada um pouco a tempestade com a intervenção dos demais vereadores, pediram
estes a seu collega que cedesse e procurasse afiançar-se ; e obtiveram do padre Ribeiro e de Constantino que
ficasse o réo preso na sala da camara e não no xadrez.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
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Por estes annos os ferozes Aymorés ou Botocudos dos sertões do


norte, que a muito infestavam as cabeceiras do Muriahé, Itabapuana e
Itapemirim, tinham surgido na costa, nas immediações das barras dos
dous ultimos rios. Havia razões assaz fortes de sobresaltos e de receiar tão
funesta apparição, porque a gente daquelles contornos ainda se recordava
com horror da matança de 1611, em que perecera uma familia inteira da
barra do Itabapuana, ao voltar do Caxanga, villa de Itapemirim, como
dissemos na 1ª parte, onde fôra desobrigar da quaresma.
Constava essa infeliz familia do chefe Manuel Ribeiro de Souza,
mais quatro moças, entre filhas e companheiras de viagem, e dous moços,
dos quaes um era tambem seu filho, de nome José. Vinham a pé, e na
barreira da Caculucagem, n’um canto a que chamam o moitão, teve lugar o
desastroso encontro. No momento de parar a comitiva ao pé d’uma fonte
para dar agua a dous animaes conductores da bagagem, surgio o Gentio,
e ás primeiras flexadas só escapou José e sua irmã Clara, de 16 annos de
idade, filhos do infeliz Ribeiro ; os quaes a toda abrida deitaram a correr
pela pancada do mar a tomar a povoação de Itabapuana, d’onde distavam
ainda cerca de tres leguas.
Alguns dos aggressores, deixando o lugar do conflicto, seguiram por cima
do cômoro os fugitivos, que esforçavam-se quanto podiam para evitar o alcance
de seus mortiferos tiros hervados. Clara pedia a seu irmão que não desanimasse
e que a salvasse da morte, pois elle só por ella diminuia a carreira, não obstante
conhecer perfeitamente a horrivel situação em que ambos se achavam.
Haviam transposto já a ultima barreira, e as barretas do Tabúa
e Morobá, mas uma fatalidade decidiu da sorte da desditosa donzella :
o amor filial e a idéa do supplicio de seu querido páe a fêz tomar uma
resolução funesta. Já quasi exhausta de forças, mas não desanimada da
salvação, perguntara a José por seu pae ! e o moço, (que sempre deplorava
ter-lhe feito tão imprudente declaração) com o fim de incital-a a correr,
respondeu-lhe que todos ficaram mortos e que os unicos que poderiam
viver era elle e ella. Então Clara, pensando um momento e dirigindo a José
estas palavras : — « Meu irmão, correi e salvai-nos », atirou-se ás ondas
! José não tendo podido evitar a desgraça pela rapidez com que sua irmã
executara a ousada e heroica resolução, continuou a carreira e olhando
algumas vezes para traz, ainda a via lutar com o elemento e com o gentio,
que approximando-se da praia despediram algumas settas ronbadoras de
tão varonil e interessante existencia.

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

José chegou á povoação mais morto que vivo ; uma pessoa desta
cidade, que ainda vive, bem como outro irmão do jovem de nome
João, que por ser menor ficara, alli se achavam quando elle entrou na
carreira, noticiando a desgraçada sorte de seu pai e dos companheiros
de viagem ; trajava calça de ganga amarella e camiza. Ajuntou-se um
pequeno destacamento de pedestres que ahi havia, e com o auxilio de
alguns pescadores seguiram no outro dia para o lugar da catastrophe. O
primeiro encontro foi sobre umas pedras, n’um recanto da barreta da
Tabua, o cadaver da desditosa Clara ; tinham-lhe duas settas atravessado
o coração, e a extremidade duma dellas via-se obra de 4 polegadas fora
das espaduas. Depois de sepultado o cadaver, um pouco afastado da
praia, o contingente seguio a exercitar o mesmo acto aos fragmentos dos
mais corpos, e d’ahi rastejando a maloca dos botocudos, descobrirão-na
e a fizeram dispersar com igual incarniçamento, e poucos escaparam á
vingança : achou-se espetadas de carne humana, umas já assadas e outras
em estado de putrefacção.

A lembrança pois desta desgraça sugeriu, em 1823, serios receios


com a nova apparição do Gentio. Na fazenda da Moribeca sahiram
de paz ; e o proprietario então della o capitão Vianna, tractou-os com
benevolencia, e até conseguiu-se que alguns d’entre elles se resolvessem
a ir á côrte ; e de facto por aqui passaram em fins do dito anno de 1823.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
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Eram elles d’uma aldêa chamada de S. Miguel, que por ajuste com
o seu capitão-mór Innocencio Gonçalves d’Abreu, que os acompanhou,
foram apresentar-se ao Imperante. O ouvidor Libanio ordenou ao senado
que lhes prestasse o necessario em quanto aqui permanecessem á espera
de monção ; e nesses dias deu que entender o andar pelas ruas homens e
mulheres inteiramente nús.
Alguns gracejos houve da parte, sendo dos indios explicados
por um interprete ou pelo capitão-mór ; ao approximar-se delles o
vigario Manoel Gomes, que era extremamente gordo, viu-se em alguns
gestos pronunciados e murmurios entre dentes, e pedindo ao lingua a
explicação, este disse que estavam possuidos de grande magoa por não
terem encontrado o vigario lá nas brenhas, pois seria mantimento para
uma lúa (sem duvida 30 dias).
Mas apesar das condescendencias daquelle proprietario Silva
Vianna, e de seu administrador Leite, os botocudos principiaram a abusar
; e começando a destruir e a estragar os animaes, ameaçavam a gente que
se dispersava, e então foi indispensavel empregar a força e rigor.
Desamparando a Maribeca avisinharam-se do rio Itapemerim, onde
alguns fazendeiros tentaram igualmente a principio chamal-os á paz e
amizade ; porém foram tantos os latrocinios, que José Dias, capitão Alves
e outros, em desaggravo dos males que soffreram, fizeram-nos evacuar
o districto forçando-os a vadear o rio para o norte, na passagem do qual
pereceram alguns na confusão da refrega. O resto entranhou-se para o rio
Doce, e desde essa época nunca mais appareceram no continente campista.
Neste mesmo anno de 1823 deu-se á villa de S. João da Barra uma
prova não equivoca de seu progressivo augmento e importancia. Já o vice-
rei Dom Luiz de Vasconcellos havia escripto ao senado convidando-o a
fazer persuadir aos povos do seu termo as vantagens de qualquer paiz em
relação a sua exportação, com o justo fim de os excitar a plantar e colher
muito, sem o que nunca haviriam sobras para vender ou permutar fora da
terra ; e agora o senado da côrte endereçava-lhe um convite mais positivo
com dacta de 5 julho de 1825, e enviava-lhe inclusa uma nota dos preços
correntes da praça, para seu conhecimento.

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SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Segue a tabella dos preços correntes :

Algodão de Minas-Novas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$400 arroba


» de Minas-Geraes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$000 »
Arroz de Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5$300 sacco
» da terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5$000 »
Assucar redondo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$300 arroba
» meio redondo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$200 »
» batido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$100 »
» meio batido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$000 »
» mascavo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$360 »
Café 1ª qualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5$200 »
» 2ª » . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$800 »
» ordinario . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$400 »
» escolha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3$400 »
Chifres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7$000 cento
Couros do Rio-Grande e Rio da Prata . . . . . . . . . . . $165 libra
» de cavallo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . $800 um
Cabellos de dito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . $ arroba
Ipecacuanha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$300 libra
Sebo do Rio da Prata . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$800 arroba
Tabaco Mapendim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$800 »
» Piedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$400 »
Tapioca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$400 sacco
Tataxiba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . $160 arroba
Cambio para Londres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . $052 a dinh.
» para Paris . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . $
Aguardente de canna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37$000 pipa
» caxaça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35$000 »
Farinha americana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14$000 barrica
Trigo do Rio-Grande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Não ha
Sebo do » . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$560 arroba
Carne secca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$200 »
Por sacco de dous alqueires :
Feijão preto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4$000 sacco
Farinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1$440 »
Milho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2$000 »

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
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e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Em data de 15 de setembro deste sobredito anno de 1823, mandou


o commandante militar José Eloy crear um destacamento de 1ª linha nesta
villa e outro em Gargahú. Tendo o brigadeiro Moraes recebido ordem de
seguir para Bahia, forâ substituido no commando militar por Eloy, com
o que a ordem publica do districto não melhorou. Official de instrucção
e nobre linhagem, porém menos prudente para acautelar-se de qualquer
dos dous partidos que então se combatiam sobre nacionalidades ; em vez
de collocar-se entre ambos para os acalmar, entregou-se sem reserva a um
delles ; e então uma serie de medidas preventivas fizeram dos Goytacazes
uma terra prestes a ser invadida, e já ouvindo os primeiros tiros das
guardas avançadas do inimigo. Tudo eram terrores ; destacamentos para
todos os pontos ; faxina no aquartelamento da Lapa ; trincheiras ; rebates
; a cavallaria a galope para todas as direcções ; organisação de corpo de
artilharia de posição em S. Salvador, e no final das contas nunca ninguem
soube ao certo quem era o inimigo que se pretendia combater, nem tão
pouco a razão directa de tanta patacuada.
O resultado de todas estas providencias consistio afinal na
substituição de Eloy por Lourenço Maria de Almeida Portugal, ancião
respeitavel, militar sem nodoa e digno em todos os sentidos da estima
e veneração publica.
Serenados mais os animos com as pacificas admoestações do
ouvidor Libanio, e com a exemplar conducta do chefe militar Almeida
Portugal, proseguio aquelle no arrolamento exacto da população dos
dois termos campistas, e para isso dirigio-se aos vigarios por intermedio
dos juizes ordinarios.
Para conhecimento da nossa população no anno de 1825, poremos
aqui a intgera da relação que officialmente foi enviada ao corregedor.
« Officio e mappa. Tendo recebido o officio de V. S. de 25 de
abril a de 27 de maio, immediatamente participei ao reverendo vigario
desta freguezia, de quem tive a precisa noticia e informação por officio,
dos fogos e total povoação desta villa e seus limites, tudo na fórma e
exposição que se acha escripto no mappa que V. S. exige, o qual incluso
remetto. Deus guarde a V. S. Villa de S. João da Barra, 14 de junho de
1825. — Illm. Sr. ouvidor José Libanio de Souza. — O juiz ordinario
Manoel Manhães Barreto.

170
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Mappa da população da villa de S. João da Barra e seu districto.


Fogos na villa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448
Fogos no termo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
Pessoas masculinas, brancos e escravos, de todas as idades . . . 2246
Femeas brancas e escravas, de todas as idades . . . . . . . . . . . 2464

« Está esta villa sujeita á jurisdicção do juiz de fóra da villa de S.


Salvador, distante desta o espaço de 8 leguas, por cuja longitude as
funcções são exercidas pelo vereador mais velho, á quem se dá o titulo
de juiz de fóra pela lei. A administração do governo politico desta mesma
villa tambem está sujeita a V. S., na mesma fórma do ecclesiastico, com
notavel incommodo de seus habitantes. S. João da Barra, 14 de junho de
1825. Conforme — O escrivão Manoel Gomes Moreira. »
A questão das nacionalidades e loucuras dos matarizes cessou, como
dissemos, mas para dar lugar a outra de ordem diversa, que começou em fins
deste anno de 1825 : a da parada do batalhão de milicias neste anno organisado
em S. João, em virtude da nova fórma geral que tomara essa força no imperio ;
se deveria ser o ponto aqui, ou em S. Salvador, visto ser estylo constante antigo
para lá affluir toda a 2ª linha dos Goytacazes por ser cabeça do districto e logar
da residencia agora do commandante militar. Carecemos trazer de mais longe
a historia desta usança, e das reuniões da tropa auxiliar em Campos, para se
poder avaliar o gráo de justiça dos dous partidos controversistas.
No principio das povoações, era a de S. João regida por um
Almotacé nomeado pelo senado de Cabo-Frio, e logo que se crearam as
duas villas commandou-as um capitão ou sargento-mór ; os quaes vimos
algumas vezes governar cada um seu districto, outros só o de S. Salvador,
e outros só o de S. João da Praia, como aconteceu ao sargento-mór Pedro
Velho Barreto. A todos estes commandantes era-lhes recommendado
especialmente, como vimos nos documentos que havemos transcripto, a
vigia da barra e da costa da capitania, e para aqui convergia toda a força ; e
foi por este motivo que separou-se a autoridade do capitão-mór, ou creou-
se um em cada termo até a posse de Belxior Rangel.
Por morte deste a camara, segundo mencionaremos na 3ª parte, pedio
restabelecimento desse emprêgo nesta villa, pedido a que o vice-rei annuio
e ordenou que o senado lhe remettesse uma lista de pessoas aptas para o
occupar ; porém esse detalhe ficou no esquecimento, e José Francisco da
Cruz o obteve como belxior Rangel, com jurisdicção em ambas as villas.

171
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Creando-se o Terço de 2ª linha nos Goytacazes, no meado do seculo


passado, foi primeiro mestre de campo João José de Barcellos Coutinho, cuja
residencia sendo entre S. Salvador e Macahé, estabeleceu o centro de corporação
naquella villa para onde quizera reunir a companhia creada em S. João.
Durante o governo dos mestres de campo, e depois dos coroneis,
a força de S. João recusou sempre sahir do termo ; mas com a ultima
organisação do coronel Manoel dos Santos, em que se crearam aqui
duas companhias, uma de brancos e outra de homens pardos do corpo
de caçadores, de que era major commandante Aureliano Rolão, foram
obrigados a irem, de dous em dous mezes, ás paradas e exercicios em S.
Salvador, com o pretexto de lá residir o chefe.
Ao milicianos, cuja maior parte constava de pobres lavradores e
artistas, tornava-se-lhe summamente onerosa e vexatoria semelhante
pratica ; até a prisão por faltas do serviço e outos delictos militares
cumpriam-na lá no quartel da Lapa. Este mal teve a gloria de o remediar
o major Antonio Gonçalves Angelis, o amigo sincero do povo de S. João
da Barra, pelo que sustentou cavalheirosamente a renhida polemica que de
1825 em diante substituio a das nacionalidades.
Em virtude da medida geral de nova formação de corpos da 3ª linha,
veiu opera-la neste anno na dos Goytacazes o brigadeiro José Joaquim de
Lima, resultando formar tres corpos de caçadores de numeros 18, 19 e 20,
com immediata subordinação ao commandante militar do districto. Coube
a chefatura do primeiro ao coronel Joaquim Silveira dos Reis Montenegro,
a do ultimo ao coronel Manoel Joaquim Pereira Baptista, e o 19º, de S.
João da Barra, ao tenente-coronel Antonio Desiderio, residente em S.
Salvador. Para completar as 6 companhias deste corpo foi nenecessario
compor a 3ª, 4ª e 5ª com gente dos suburbios das freguezias de S. Gonçalo
e S. Sebastião do municipio visinho ; e fundado nesta circumstancia, na de
sua residencia e mais que tudo na antiga usança, pretendia Desiderio que
seu batalhão lá fosse reunir.
Os majores dos corpos foram designados, para o 18º José Claudio,
antigo capitão d’artilharia de posição ; para o 20º Manoel Pereira de Carvalho,
antigo capitão do regimento Novo e para o 19º, Gonçalves Angelis, que fôra
capitão do regimento de Bragança ; o qual mettendo a peito e advogando a
causa da razão, insistia para que o commandante do batalhão mudasse sua
residencia ou pelo menos que aqui viesse em dias precisos, porém nunca
mover-se 600 homens para evitar o incommodo de um só.

172
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

Antes que chegasse este sargento-mór, em 21 de janeiro de 1826,


a tomar conta de seu emprego, tinha já o senado no anno anterior, sa da
organisação dos corpos, tentado a mesma medida em favor dos milicianos
seus conterraneos ; e o fizera no modo seguinte.
« Nesta mesma occasião officiamos ao Illustrissimo e Excellentissimo
Senhor commandante militar para que no dia 12 de outubro fucturo, dia
de annos do Imperador, determine que o Batalhão n. 19 determinado
por S. M. Imperial pertencente a esta villa se ache infallivelmente aqui
na mesma para as descargas e vivas precisos no mencionado dia, para
que o possamos festejar d’um modo mais festivo e respeitoso, conforme
as circumstancias desta camara, visto que tambem aqui temos o retracto
do nosso augusto e amado Imperador ; o que participamos a V. S. e lhe
rogamos queira cooperar, como digno commandante do mesmo Batalhão,
para que o nosso festejo não seja frustado, encarregando a um outro
official suas ordens no caso que V. S. justamento nos não possa dar o
gosto de vir pessoalmente. Deos Guarde a V. S. Villa de S. João da Barra,
em camera e vereaça de 28 de septembro de 1825. — Illustrissimo Sr.
tenente coronel Antonio Desiderio da Silveira Maria Pessanha. — Manoel
Manhaãs Barreto, José Antonio de Souza, Miguel Antorio Moreira, filho,
o procurado Vicente Gomes Rangel Pessanha. »
Resposta do chefe : — « Illustrissimo Srs. Accuso a recepção do
officio de VV. SS. datado de 28 do corrente em que me requerem a reunião
do Batalhão nº. 19 do meu commando nessa villa, afim de poder melhor
solemnisar o faustoso dia 12 do proximo outubro : como subdito e por
me achar molesto, remetti o mesmo officio pelo meu Ajudante a S. Ex. o
Sr. commandante militar, para com a resposta do mesmo Exm. Sr. poder
responder a VV. SS., cuja resposta de S. Ex. foi que as ordens já estavam
dadas para o batalhão vir reunir-se nesta villa de S. Salvador ; á vista do que
nada posso, como subdito, deliberar a favor do que VV. SS. me requerem.
Deos Guarde a VV. SS. Quartel da Villa de S. Salvador 30 de Septembro de
1825. — Illms. Srs. do Senado de S. João da Barra. — Antonio Deziderio
da Silveira Maia Pessanha. — »
Desta vêz o 19.º foi com effeito áquella parada, porem tomando
posse o major em Janeiro de 26, deu principio á extirpação do abuso.
Conhecendo a disposição do povo e do senado, protestou que instaria
até a desabediencia pela parada da força miliciana em S. João. Deziderio
amiudava as ordens para a marcha do corpo, sem nunca dignar-se vir a esta

173
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

villa, e Angelis, desobedecendo a ellas, chegou a declarar-se commandante


interino do batalhão, visto que o actual não comparecia.
Este chefe dirigiu-se pessoalmente ao districto das tres companhias,
e procurou alliciar os capitães dando-lhes ordens positivas para não
irem a S. João ao chamado do major ; mas aquelles cavalheiros, gratos á
amizade sincera deste, ao affecto dos habitantes que á porfia os acariciava
quando vinham ás reuniões, e mais que tudo a justiça da causa que Angelis
advogava, desobedeceram ao tenente coronel ; e antes preferiram de livre
vontade o detrimento de uma viagem mais extensa a S. João do que á
residencia do commandante, sendo muito menor o caminho : o capitão
da 3ª companhia era Florentino Alves Pessanha, de S. Bento, districto da
freguezia de S. Sebastião ; e o da 4ª Ignacio Ribeiro, graduado manjor,
de Campo-limpo, freguezia de S. Gonçallo ; da 5ª Domingos Martins, da
Vermelha, desta ultima freguezia.
As queixas de ambas as partes chegaram ao quartel general da côrte ;
porem Angelis triumphou completamente, e evitou o flagello da obediencia
a S. Salvador, semelhante a uma imigração periodica dos habitantes daqui,
como em romaria forçada, sem o menor proveito nem fundamento algum
em utilidade publica. Commandou a força até a dissolução da 2ª linha, e
Deziderio nunca cá appareceu.
Occupando o sargento-mór Gonçalves Angelis a jurisdicção militar
da villa, debaixo das ordens do commandante geral Lourenço Maria,
achou-se em muitos casos e conflictos nos quaes convinha e carecia-se
de intrepidêz em alguns, e n’outros benevolencia e humanidade, e elle era
assaz rico de todas essas qualidades.
Naufragara no sacco das Bagueiras, uma legua ao sul da barra,
nos ultimos dias de 1827, a galera irlandeza Bulgen Chadell, que conduzia
320 individuos para o serviço do Imperio ; e ás promptas e acertadas
providencias dadas pelo chefe militar, com o soccorro do senado a quem
pedio elle recursos pecuniarios, deveu-se o salvamento das vidas e bom
agasalho da gente, aquem acompanhava grande numero de menores :
seus serviços e vigilias na boa ordem da remessa dos salvados foram assaz
patenteados por elogios do governo.
Sua coragem e bravura sobresahiram nas precauções tomadas na
defeza da invasão dos corsarios orientaes, que nesse mesmo anno de 1827,
não saptisfeitos com as presas que diariamente faziam entre os navios deste
porto, ainda ousaram ameaçar novas depredações no proprio ancoradouro

174
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

dentro da barra, e quiçá passar depois á povoação. A violencia não teve


lugar, porém mesmo assim o major Angelis cobrio-se de gloria, porque fêz
juntar uma forte columna de tropas no pontal da barra, e lá permanecia,
requisitou força de S. Salvador e em 21 de Junho, que pareceu romper as
hostilidades com a apparição d’um corsario nas aguas da barra, conheceu-
se o quanto havia a esperar da coragem e bom governo do commandante.
Tambem não desmereceu essa actividade no ensejo de dar á costa
um dos corsarios nas pedras da ponta da Caveira, cerca de duas leguas
ao norte da barra. Tendo capturado a equipagem, logrou evadir-se o
commandante e mais dous subalternos, os quaes n’um bote fizeram-se
ao largo e costearam para o sul ; mas Angelis destacando em seu alcance
o bravo capitão ajudante Ignacio Rangel d’Azevedo Coutinho, conseguio
este prendel-os nas praias do Assú.
Os cuidados e zelos do chefe militar não se limitavam sómente a
este ramo de serviço publico. Pediu e lembrou ao senado a conveniencia
de uma estrada pela margem do rio, atterrando-se o pantano da atafona,
e levou a effeito juntamente com o capitão Manuel Manhães Barreto,
de quem era intimo amigo. Em correição do ouvidor interino Carlos
Teixeira, promoveu e foi por este ordenado o atterro da passagem do
Martinho, o de Entre-alagôas, dos beccos do Rei e de José Fernandes
; que as ruas seriam tiradas por cima dos comoros d’arêa e que os
prorietarios calçariam a frente de suas casas.
Finalmente foi o major Antonio Gonçalves Angelis estimavel a todos
os respeitos ; era natural de Chaves, em Portugal, e viera com passagem
para os corpos de 1ª linha do Rio de Janeiro, com João Chrisostomo
Castro, de granadeiros, e outros, em 1819.
Em 30 de Março de 1826 teve lugar a primeira sessão da nova
camara municipal, em virtude da lei do 1º de outubro do anno anterior, a
cujo secretario, que ainda servia o antigo escrivão, marcou-se o ordenado
de 120$000 réis ; porem esta serventia acabou em Janeiro de 1830 com a
nomeação de outro individuo a quem se estipulou 300$000 réis de sallario.

175
CAPITULO
DECIMO TERCEIRO
De 1830 a 1840.
Em 1830 creou-se a primeira escola publica, sendo professor
Francisco Antonio da Silva, * que tomou posse a 2 de outubro por provisão
do presidente da provincia (ainda do Espirito Santo) Monjardim ; do qual
foi igualmente a ordem para que fossem publicos d’então em diante os
termos dos processos erimes ; e estabeleceu-se, em 2 de Janeiro do mesmo
anno, a agencia do correio com direcção para S. Salvador, sendo Manuel
Francisco da Cruz o primeiro agente nomeado pela camara.
Havia-se por este tempo organisado uma quadrilha de ladrões com
bandoleiros de Campo-limpo, municipio de S. Salvador, os quaes infestavam
com suas correrias e latrocinios ambos os termos ; denominavam-se —
a quadrilha dos muxuangos —, appellido tirado de um lugar ou campo
visinho de Santo Amaro. Não era numerosa a caravana, porem nimiamente
ousados os bandidos, que conheciam-se mais por alcunhas que pelos
nomes proprios. O chefe, a quem obedeciam, era um Manoel de tal, moço
ainda e o mais audaz : chamavam-n’o o táboa ; os soldados ou quadrilheiros
eram o Antonio grande, o Joaquim saracura, o João bolo, o Antonio babados,
o Carrinho juapaca e mais dois.
* O segundo, Carlos Leopoldo Frederico da Costa e Almeida, muito illustrou este magisterio.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

O ponto invariavel de sua passagem no Parahyba, quando o


tinham de atravessar para incursões no norte, era no porto da Figueira,
uma milha acima da villa ; e os roubos, ferimentos e outros attentados
que praticavam, assustavam já bastante a população, que instava com
as autoridades por providencias que extinguissem o mal. Deram-se
algumas, mas infructiferas a principio, até que o juiz de paz Duarte Cruz
convidando o capitão Florentino Alves Peçanha, deu ordens adequadas
a serem dispersos os salteadores ; e em um recontro que projectou
e pessoalmente effectuou no matto do Retiro, proximo á barra do
Itabapuana, em principios de 1831, o intrepido juiz Francisco Duarte
Cruz, sem temer o perigo pessoal, conseguio a captura de parte delles,
tendo escapado Táboa e Saracura, que foram assassinados lá para as
bandas de S. Matheus, segundo constou depois.
No anno de 1832 tomara vulto a mudança do districto dos Goytacazes
para a provincia do Rio de Janeiro, que de facto se ia effectuando por se
dirigirem já algumas autoridades para ali com suas correspondencias. Pouco
antes desta data os contribuintes de Campos murmuravam acremente
contra o esgoto da moeda que periodicameme era levada para a capital da
Victoria, a qual produzida pelas fintas, e não podendo ser cambiada por
falta de transacções commerciaes com aquella praça, para lá ia escoltada
sempre por um destacamento. Porem agora, o que então não passava de
leves censuras, ameaçava chegar á vias de facto.
Aqui, na praça da Matriz, deu-se uma lucta entre o collector Lobo
e o official Serafim dos Anjos, conductor dos dinheiros do rei para a capital.
N’uma canôa jaziam os saccos da moeda que deviam ser transportados
ao porto do Gargahú para d’ahi seguirem por terra sua derrota, e Lobo,
contestando o quer que fosse, apresentou-se de espada nua com sequazes,
e fez volver o dinheiro para terra. Era um domingo dos ultimos mezes de
1832, e a unica autoridade que compareceu foi o delegado de policia (que
nesse tempo correspondia ao inspector de quarteirão de hoje) o padre
Franscisco Lopes Barboza, que achou metade dos volumes na praça e a
outra parte ainda na canôa. A esta defendia Serafim com os saldados da
escolta, e aquelles guardava Lobo, fardado de sargento brigada, que o era
da guarda nacional, brandindo a espada no meio dos da sua parcialidade
; mas, depois de muita contestação, doestos e gritaria de parte a parte,
houve tregoas pelo fim da tarde, e o official pôde, por esta ultima vez,
conduzir o dinheiro do rei.

178
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

A favor dos direitos do Espirito Santo sobre a posse do districto


dos Goytacazes muito se esforçava na assembléa o deputado Getulio,
que nesta época era ali presidente ; e os campistas tinham em prol de
sua causa o ministro do Imperio José Lino Coutinho, o qual, sciente de
seus interesses commerciaes promoveu a mudança official nesse mesmo
anno, creando-se uma comarca composta das duas villas dos Goytacazes,
subordinada á provincia do Rio de Janeiro.
No anno seguinte, 1833, soffreu a comarca disturbios de differentes
ordens, e na villa de S. João da Barra, alem delles, accumulou-se outro
entre o senado e os padres, que produzio o fechamento da Matriz por
alguns mezes, successos que adiante relataremos.
A moeda falsa começava a apparecer com abundancia ; quanta
caldeira velha, taxos e utensilios de cobre se encontrou, tudo foi levado ao
cunho, e corria francamente. Essa facilidade fez perder bastante o valor do
cobre quando o governo, para remediar o mal, estabeleceu em S. Salvador,
como em outras partes, a commissão do troco. A moeda que não tinha o
peso equivalente era cortada, e os possuidores recebiam em troco quasi
metade da somma que levavam.
Este mal não teve as funestas consequencias que seria de esperar,
porque os animos se achavam exaltados com os acontecimentos do
7 de Abril. As desavenças dos papeletas com os nacionaes haviam em
S. Salvador produzido uma especie de insurreição, mal que em outras
occasiões a indole pacifica e soffredora dos campistas evitou sempre a
exploração ; mas a de que tratamos principiara com maus auspicios, e já na
rua do Conselho tinham havido recontros pessoaes e algumas chicotadas,
quando Domingos corneta, ao fechar da noite d’um desses dias aziagos,
correu as ruas a cavallo tocando a rebate.
Ao passo que os conjurados e curiosos se iam reunindo á sombra e
á um lado da torre da Matriz, as autoridades territoriaes se encaminhavam
para a sala da camera, que era no edificio da cadêa, na extremidade opposta
da praça Principal, em frente daquella Igreja.
Nesse tempo a autoridade principal e competente para tomar
conhecimento e providenciar sobre o caso vertente, de ajuntamento
illicito, era o juiz de paz, e o da villa, Martins Pinheiro, lá se achava em
attitude de debellar a sedição. Alta noite mandara-se aos insurgentes
saber o que pretendiam ; cuja resposta constou que fora uma lista
de nomes de papeletas insultadores dos nacionaes tendo por cabeça

179
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Joaquim José Ignacio, os quaes instava o povo para que fossem


deportados ; e mais uma ou outra exigencia.
Depois de mais algumas explicações, e dadas as competentes
esperanças de que se iam tomar as providencias que o caso exigia,
o ajuntamento se foi dispersando, para o que muito concorreu as
proximidades da aurora ; e ao chegar esta, já no campo sedicioso não
se divisava viva alma.
Pretendeu-se inculpar como instigadores occultos do movimento
a dous illustres e probos negociantes, o baiano Ignacio Joaquim
d’Albuquerque e o hespanhol europêo Dom José Caballero, e mais alguns
nobres fazendeiros ; supposições inteiramente destituidas de fundamento,
porque essa leve demonstração de sentimentos não tivera outra origem
alem do accidental effeito de rixas parciaes entre o povo, mas sem plano
nem combinação de centro algum.
O joven José Victor, chefe real ou ostensivo do movimento,
desgostoso de se haver este malogrado, retirou-se para a côrte, e na
passagem aqui permaneceu em S. João da Barra por algum tempo ; durante
o qual deu lugar a reunir-se o senado, em 3 de Janeiro de 1833, e um
vereador fazer a indicação seguinte :
« O Sr. Canto Coutinho indicou que sendo publico e notorio ter havido
á poucos dias em S. Salvador uma sedição e levante por varios individuos
de menos esphera, e segundo lhes constava se achavão acoitados neste
recinto, que felizmente até o presente tem gosado a maior tranquillidade
; e quem nos assevera (dizia o vereador) que esse mal intencionado entre
a reunir partido afim de encommodar os pacificos habitantes desta villa e
gente desta ou daquella classe ? Por isso, Sr. Presidente, eu sou de parecer
que esta camera ordene a todos os juizes de Paz para que não dêem asylo
a taes individuos quando tenham a noticia que elles se acham em seus
districtos, fazendo-os responsaveis para com o governo por tal omissão
quando a causa publica perigue. O Sr. vereador Martins, pedindo a palavra,
combateu a indicação dizendo que não era da attribuição da camera tomar
taes medidas, e a ser verdade haver perigo publico as autoridades policiaes
providenciariam ; venceu a opinião do Sr. Martins »
Em uma das sessões seguintes, tendo a municipalidade de nomear
um juiz municipal interino, em virtude da disposição do codigo do
processo, visto que o actual assumira o cargo de juiz de direiro, chamou
para juramentar o mesmo Brito, que já se achava livre no primeiro jury da

180
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

devassa de 1824. No momento de entrar o novo juiz apresenta-se Miguel


Teixeira, escrivão do juiso de Paz e o proprio que com o padre Vicente
foram em outubro de 1832 prender Brito, presidente da camera, munido
d’uma representação concebida nestes termos :
« Como um do povo, dizia Teixeira, que á sua noticia chega haver
a camera nomeado a João José de Brito para juiz municipal interino, e
como essa nomeação é anttliberal, vêem o supp.º ante VV. SS. reclamar o
seu direito e de todos os seus concidadões para que não tenha effeito tal
nomeação, especialmente pela parcialidade della na pessôa de um indiuiduo
ainda compromettido nos horrorosos crimes de recolucionario e inimigo da
causa do Brasil, e em outros muitos commettidos no emprego de juiz pela
lei, que pela nossa desventura illudindo-nos teve o arrojo de criminosa e
ousadamente exercer recentemente nesta villa e seu termo ; despresando-
se, que desgraça ! para uma semelhante nomeação a outros benemeritos
Brasileiros e honrados cidadãos. Por tanto espera o supplicante que
semelhante nomeação não produza effeito, e que quando no futuro seja
necessaria essa nomeação, ella recaia em um benemerito e não em um
malvado dos prescriptos inimigos de nossas instituições e liberdades, que á
muito não deviam empestar o abençoado solo brasileiro com seus pestiferos
alitos, causa de nossa infeliz sorte. Assim o espera o supplicante, pelo que
VV. SS. serão bemditos pelos povos deste municipio ; farão serviços á patria,
e ao supplicante a bem merecida justiça. — Miguel Teixeira Bagueira. — »
Outras petições vieram no mesmo sentido de que aquelles pestiferos
alitos faziam toda a nossa desgraça, e essas exaltações de patriotismo eram
animadas nesse tempo por exemplos de ordens vindas do governo geral,
porque na capital, como nos mais lugares, as causas não corriam com mais
suavidade, em virtude de choques occorridos, mais ou menos pronunciados.
Uma dessas ordens foi a que, com data de 12 de outubro recebeu
o senado emanada do ministerio da justiça, a qual era assim concebida :
« Achando-se neste Imperio vindos sem passaportes muitos
portuguezes, vulgarmente chamados papeletas, alguns dos quaes
esquecendo-se dos seus deveres como estrangeiros em um paiz que os
acolhe benignamente, têem intervido nos negocios politicos do paiz, já
envolvendo-se nelles, já insultando os seus naturaes, . . . . . a Regencia em
nome do Imperador o Sr. Dom Pedro 2º manda, por lhe competir dar
todas as providencias que o caso exige, que a camera municipal da villa de
S. João da Barra ordenasse aos juizes de Paz do termo, etc. etc, etc. »

181
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Estas preoccupações contra os papeletas foram entretanto


desvanecidas, e a morte do vigario Manoel Gomes fêz desvial-as para
outra parte, porque em tempos de commoções tudo serve de pretexto
para um motim. O vigario da vara da comarca havia, em cumprimento de
sua competencia, nomeado um sacerdote para interinamente parochiar a
freguezia, cuja escolha recahira no padre João Domingues Carneiro ; e este
apresentando sua provisão, em 8 d’Abril de 1833, ao senado da camera,
pediu-lhe que o empossasse.
Neste momento apparece uma representação com alguns assignados,
requerendo que a municipalidade desse posse ao padre Vicente, o escolhido do povo, e
não e Carneiro, que era filho de S. Salvador ; deve notar-se que aquelle tambem
era de lá natural, só com differença de residir em S. João desde 1814.
O padre Ribeiro ainda occupava o cargo de juiz de Paz, e muito
se havia distinguido nas recentes contendas ; e o vereador João da Silva
Barreto, á vista daquella representação, fêz uma indicação pedindo que,
sabendo-se ser o juiz de paz o proprio que promovia a desobediencia e
desordens populares, fosse elle demittido do emprego e se juramentasse
outro para o servir em seu lugar.
No seguinte dia, 9 d’Abril, recebeu o senado segunda requisição
do povo (não chegava a vinte o numero dos signatarios) insistindo na
nomeação do seu predilecto para vigario interino, até que o governo
deliberasse ; pois que não aceitando o povo o padre Carneiro, a Matriz
não poderia permanecer fechada. Sobre estas petições nada resolveu,
porque o senado, propenso em sua maioria para Ribeiro, se não cahio no
disparate de o nomear vigario interino, tambem não assentiu na posse de
João Domingues, que regressou a S. Salvador.
No 1º de Maio aqui aportou o proprio vigario da vara, munido de seu
sequito judiciario, para o fim de dar posse legal ao vigario encommendado
; e a camera reunindo-se a toda pressa no dia 2, dirigiu-lhe um officio
exigindo delle os titulos pelos quaes se apresentava nesta villa para exercer
autoridade, e mesmo permanecer nella. Ao que o digno magistrado eclesiastico
respondeu fazendo ao senado o convite de assistir á posse que elle viera
dar ao vigario encommendado da freguezia : a camera segundando outro
officio em que protestava por essa posse, levantou a sessão.
Poucas horas tinham decorrido, e achava-se dentro da Matriz o
vigario geral no acto de entrega-la e o padre Carneiro, quando um grupo
prenetrou no templo, trazendo á sua frente o juiz municipal da villa, o de

182
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

orphãos e o escrivão do juiz de paz Teixeira ; cujo grupo assim autorisado,


prorompeu logo ao entrar em descompassados gritos e insultuoso alarido
— fora padres, Queremos o padre Vicente ! Fora João Domingues ! Viva o Vicente
! Morra o Carneiro! E na refrega ousaram tocar no digno vigario da vara
; o qual, com proverbial prudencia e nobreza de alma, sahiu da Igreja e
retirou-se da villa immediatamente, deixando o padre Vicente suspenso
das ordens. O juiz municipal passou a fechar a Matriz e entregou as chaves
ao meirinho Zavier, que tomou dellas conta d’ahi por diante.
Dizia-se em S. Salvador que os praianos eram gente revoltosa e
insubordinada, sem pensar que o principal motor da assuada e o que a
autorisou com sua presença, o padre Vicente e o juiz municipal, de lá
eram naturaes ; e que de S. João apenas se apresentou um ou outro dos
habitantes por elles instigados.
Sentiu-se neste anno extrema fome e carestia dos viveres chamados
de primeira necessidade. Depois do diluvio de 2 de fevereiro, * dia em que
o Parahyba aterrou os campistas, e os fêz desanimrar á vista de seu rapido
e espantoso crescimento, appareceu o flagello da secca.
Cinco mezes não choveu ; e a farinha vendeu-se á 12$800 réis o sacco,
tendo em proporção encarecido os mais generos. Porém o governo deu
providencias tão apropriadas, acudiu com tanta promptidão na remessa
dos soccorros, que mitigou bastante o soffrimento do povo indigente.
Foi no mesmo anno que se formou o batalhão da Guarda Nacional
com 419 praças do serviço activo, e 98 da reserva ; e procedeu-se, em abril,
ao tombamento da villa com a base unica em uma justificação, porque nunca
fora encontrado o titulo primordial, e por isso ficou em duvida a sua validade.
A questão, ainda hoje pendente, do limite dos dous teemos da parte
do sertão, foi aventada e principiada igualmente por este tempo.
Até então só era certa a do sul, entre o rio e a costa do mar, e
daquella parte apenas se sabia do ponto na margem do Parahyba, porque
o sertão era inculto.
Mas agora que este se havia descortinado, o povo d’ahi precisava
saber para onde devia dirigir-se, e os exactores das fintas careciam conhecer
qual era dos dous termos o competente para cobral-as.
Em 2 de fevereiro de 1834 o senado de S. Salvador encetou a operação,
convidando officialmente o de S. João para fazer-se a divisão ; e depois
da competente resposta, e nomeadas por acôrdo mutuo as commissões,
* Os mais notaveis diluvios desde o descobrimento dos campos, o de que temos noticia, foram os de 1728, 69,
79, 1833, 41 e 59 ; sendo mais espantosos os de 1779 e 1833.

183
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

reunirão-se estas no ponto indicado. Constava a desta villa dos vereadores


Martim, Silva Barreto e Medeiros ; e a do districto visinho dos vereadores
Pereira Baptista, Pinheiro, e Castro. Sobre o ponto divisorio na margem
do rio não se offereceu duvida alguma, mas quanto á direcção para a serra
houve calorosa discussão, porque na falta de limite natural tinha-se de
adoptar um rumo. Ouvidas as razões dos commissarios e sufficientemente
dilucidade a questão, chegou-se a um ajuste em que convencionaram
unanimemente : que a direcção seria a que desse o encruzamento do rio nesse lugar.
Concordada e definitivamente assentada a base da demarcação, passou-
se a tratar dos meios de leval-a praticamente a effeito ; e conveio-se que
se fincarião marcos de pedra de dislancia em distancia, nos quaes se
imprimiria n’uma face S. João da Barra, e na face opposta — S. Salvador,
afim de serem postos convenientemente indicado cada uma dellas o solo
do seu termo ; tratou-se, outro sim, que as municipalidades entrarião com
igual parte na despeza da demarcação, e que cada uma levasse ao governo
provincial o que se acabava de ajustar para approvação.
O senado de S. João confirmou e ratificou o trabalho da commissão,
levando-o ao presidente da provincia ; porém constou que o visinho
guardara ou despresara o tratado ; procurando-se com destreza apossar-
se de todo o terreno descoberto ao poente, com flagrante infracção do
convencionado solemnemente e com a melhor boa fé.
Convem aqui notar, para exclarecimento da clamorosa decepção por
que hoje nos quer fazer passar o municipio vizinho com usurpações do
nosso terreno, que antes de se separarem as commissões, pondo o fiscal
Pedro Francisco de Jesus a agulha no ponto, conheceram perfeitamente
todos, pelo rumo do escruzamento estipulado, que o monte de Cacimbas
(onde está o que hoje alcunhão morro do Côco) ficava mui vantajosamente
para o norte e por isso na parte de S. João da Barra.
Tratou-se de edificar uma ermida no morro do côco, em terreno de
S. João da Barra, mas que monta ser de cá a terra quando os de S. Salvador
ali foram alistar Guardas Nacionaes, jurados, formar quarteirões, nomear
subdelegados, e um padre visinho do Travessão por lá fazia procissões ;
crismou-se, baptisou-se, e tudo quanto podesse servir de posse para o fim
de crear-se uma freguezia pertencente ao seu districto.
Poucas esperanças restam de se obter do corpo legislativo provincial
a justa divisão dos termos naquella parte, porque vai sempre maior numero
de candidatos dali, ao passo que de S. João ninguem alcança lugar, salvo
um n’uma outra legislatura.

184
CAPITULO
DECIMO TERCEIRO
De 1840 a 1850.
No decenio que faz parte deste capitulo pouco ha a referir de
notavel, á excepção de algumas mudanças no pessoal da administração da
justiça e da Igreja ; cuja origem ainda se deve remontar aos movimentos
relatados no antecedente.
O primeiro juiz de direito que tivera a comarca, Cesar do Amaral,
foi substituido por Silva Coito, que o era de Cantagallo, sendo aquelle
mandado para uma comarca de ordem inferior. O que deu motivo para
um tal rompimento de hostilidades contra um dos magistrados mais
distinctos que tenham vindo á Campos, consignaremos aqui, pois que
então andou na boca de todos.
No anno de 1831 até abril, e durante os fumos da victoria, os
partidos politicos que se achavam em scena eram, como é corrente, o
exaltado e o caramurú : aquelle, que promovera a revolução, e este, que se
via esmagado pelo facto da abdicação. Como é raro ou impossivel, tal é
a triste condição da humanidade, haver victoria sem abuso, os exaltados
pretenderam ir mais longe, e então fallou-se no celebrado 30 de julho.
Mas os homens sensatos de ambos os partidos, julgando que a desordem
devia cessar porque o fim ficava satisfeito, resolvearam crear, e de facto
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

hastearam o pendão de uma terceira parcialidade, a que denominaram —


o partido moderado — ; o qual prestou relevantes serviços, e dominou até
1840, periodo da maioridade.
O partido moderado governou pela regencia, pelo corpo legislativo,
e tornou-se tão forte que, ligando-se os dous extremos (o exaltado e o
caramurú) para o debellarem, o não poderam conseguir, nem ao menos
ameaçal-o com a restauração que promoveram.
Era indispensavel consolidar as idéas moderadas tambem nas
provincias e lugares notaveis ; e para Campos viera Alipio com uma
imprensa para o fim de propagal-as. Convinha, no interesse do partido,
empregar o conselho e a paz, porem o contrario praticou-se ; o novo
campeão envenenou intempestivamente suas publicações, que só
respiraram azedume e vingança contra os campistas exaltados.
Instituio-se neste tempo, á exemplo de outras localidades do
Imperio, a sociedade anti-restauradora ; e suas reuniões, que eram feitas no
consistorio da Igreja do Terço, eram frequentadas pelo Dr. Diocleciano
e muitos outros cidadãos da primeira classe de Campos. Porem o jornal de
Alipio declarou guerra aberta não a principios, mas a todos quantos lessem
por cartilha diversa da sua ; isto é, não era bastante que qualquer visasse o
mesmo fim, queria de mais a mais ser o unico arbitro dos meios, sob pena
da pecha sediciosa áquelle que o não seguisse. Mas um tiro de espingarda
cortou o mal pela raiz. Alipio foi a victima, e morreu a duas leguas da villa
de S. Salvador, cujo motivo geralmete se attribuio a desordens domesticas,
porque eram sabidas as em que vivia essa familia.
Comtudo, achou-se optimo ensejo de ferir o illustre magistrado,
dando caracter politico a um acto puramente emanado das desavenças
familiares ; e também dizia-se que havia no ministerio um membro
desaffeiçoado do juiz de direito. O que tudo junto, veio a produzir a
mudança de Amaral e o melhoramento de Coito.
Os vigarios que seguiram a época do fechamento da Matriz, e do
— viva o Vicente e morra o Carneiro —, tiveram igualmente dias aziagos.
O primeiro collado depois da terrivel tempestade foi o padre João
Chrisostomo, que não chegou a permanecer um anno na prebenda ; um
processo por crime supposto, ou aliás por pretexto para o pôr fóra da
villa, fez com que abandonasse o cargo e se retirasse para o Rio de Janeiro.
Contavam, e não se enganaram, que homem de estimulos, não soffreria
o dissabor de uma accusação, e assim aconteceu. Para salvar os filhos

186
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

de S. João da Barra do labéo de rixosos com que injustamente ficaram


por estas questões de padres, tivemos de notar, no capitulo antecedente,
que a origem dos disturbios pela posse de João Domingues, e o principal
autor delles, foram os naturaes de S. Salvador, aqui residentes ; e agora
tornaremos, pelo mesmo motivo, a declarar que os motores das insolencias
contra o brioso João Chrisostomo postas em pratica, foram e partiram
directamente de dous portuguezes — o padre Joaquim de Sant’Anna
Lamego, e o promotor publico interino Moraes ; ou para melhor dizer,
este servia aos desejos daquelle.
Lamego era vigario de Itapemirim, e por feitos ali praticados vinha
de continuo para S. João da Barra, onde acertando a ser nos annos de
tormenta, quasi sempre parochiava a Matriz, por necessidade, nos
interregnos e tambem ausencia dos pastores. Calculando tirar partido,
no seu interesse, das perturbações actuaes, passou na possibilidade de
transferir-se de Itapemirim para esta freguezia, no mesmo caracter de
collado que de lá era ; projecto que muitos de seus patricios portuguezes
alimentavam, a pontos de o irem de uma vez buscar naquella villa com
o apparato de conducção, por mar e por terra, e com mil precauções,
porque, diziam elles, os freguezes de Lamego pretendiam assassinal-o.
Com este proposito já se vê quão desagradavel lhe foi a apresentação
do padre João Chrisostomo na Matriz, pois seu intento era eternizar a
vacancia e perpetuar as intrigas, e então facil lhe foi conduzir o promotor
seu patricio a denunciar o vigario, cujo procedimento causou a maior
indignação na população.
O commercio de contrabando, feito neste tempo em maior escala,
contribuio poderosamente para o rapido crescimento da povoação
de Itabapuana, e quiçá para o da villa de S. João. As tripolações, que
ganhavam dinheiro ás mãos cheias, aqui o deixavam ; os salarios e
concertos dos vasos eram pagos com largas gratificações ; porem todas
estas vantagens tiveram seus descontos, assim como soe acontecer a
quasi todas as deste mundo. Os navios de guerra inglezes começaram a
apparecer e a aprisionar alguns barcos negreiros, na occasião da chegada
e baldeação da carga na aduana convencionada ; e esta superintendencia
e fiscalisação, tendo-se no principio limitado ás aguas do litoral, em breve
ousaram saltar em terra e despoticamente se abarracarem e constituirem
destacamento policial. A tolerancia ou impunidade do primeiro abuso
accasiona invariavelmente repetições, até que seja forçado a conter-se ;

187
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

assim, os invasores inglezes não se dando por satisfeitos de policiar os


mares, assentaram de pedra e cal que se deviam entranhar pelos sertões,
armados, e varejar as casas dos pacificos lavradores.
O susto e o terror apoderou-se, como é natural, dos sertanejos, e as
suas queixas chegaram á villa ao juiz municipal Martins, que tambem servia
o emprego de delegado de policia. Em abril de 1842 ordenou este a prisão
dos invasores e sequestro da chalupa ou alvarenga a seu serviço, diligencia
que foi promptamente executada pelo subdelegado Simões do districto de
Manguinhos ; remettendo-os para a cadêa da villa. No segundo dia depois
da prisão entrou a barra uma lancha ou escaler do navio de guerra a que
elles pertenciam, o qual conduzia um official que vinha pedir a soltura de
sua tripolação, pois haviam elles saltado em terra sómente com o intento
de se abastecerem de alguns viveres e não para hostilisar ; brandura que
desarmando o juiz, passou este a mandal-os soltar. Mas este caso não se
ultimou sem um incidente inesperado que o ia assaz complicando.
Quando o juiz municipal deu ordem para serem os presos postos
em liberdade, mandou igualmente ajudar a metter n’agua o lanchão, e
permittiu-lhes algumas horas, á requisição do official vindo de fóra, para
se refazerem na villa de alguns objectos que necessitavam comprar ; findo
o que tinha o dito official de receber do juiz seu ultimo desembaraço, ou
resposta do officio de seu commandante.
Aconteceu ir o official, commandante do lanchão, o que estivera
preso, tambem com seu collega á casa do juiz ; e irritado aquelle como estava,
suppondo occasião asada para tirar desforra da prisão, ao chegar adiantou-se
do companheiro e principiou a bater furiosamente na porta. Um acaso deu
em resultado ficar ferido o official imprudente, e quando entrou, lavado em
sangue, e o companheiro para receber o officio, achavam-se mais moderados
; porem o ferido não limpava o rosto, e disse ao embarcar que o sangue
inglez procuraria vingança. Bravata que só deu em resultado o que se segue :
« Reservado. — Remetto-lhe a inclusa copia do memorandum que
me foi presente com o aviso de 12 do corrente da secretaria de estado
dos negocios estrangeiros, afim de que informe circumstanciadamente
ácerca dos factos de que n’elle se faz menção, e que teve lugar no porto de
Manguinhos, para poder cumprir com o que no referido aviso se dispõe.
Deus guarde a Vm. Palacio do governo da provincia do Rio de janeiro, 14
de maio de 1842. — Honorio Hermeto Carneiro Leão — Sr. juiz municipal
e delegado do chefe de policia de S. João da Barra. »

188
SEGUNDA PARTE: HISTORIA

« Copia. — Reservado, traducção. — Memorandum. — Terça


feira, 12 de abril, por ordem de Mr. Baillie, commandante da Rose,
curveta de S. M. Britanica, o tenente Campbell pertio na chalupa com
13 marinheiros para o porto de Manguinhos, com o designio de espiar
os negreiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
« Na segunda feira de manhã a equipagem foi posta em liberdade,
precedendo um pedido para esse fim da parte de Mr. Baillie. Emquanto
Mr. Campbell se entretinha adiante do official inglez, que delle se tinha
encarregado, com o juiz ou autoridade principal da villa á porta de sua casa,
o dito juiz fechou-lhe a porta na cara, ferindo-o gravemente no queixo . . . .
— Conforme. — O official maior, José Domingues de Athayde Moncorvo.
— Conforme. — O secretario, João Candido de Deus e Silva. »
A esta accusação respondeu o juiz, que assim o havia praticado
por ignorar ou suppor nos assaltantes, ou uma quadrilha de piratas (pois
a pertencerem a uma nação amiga e saltarem na costa a qualquer mister,
deviam apresentar-se primeiro ás autoridades do paiz), ou a gente do Gongo
Sôcco em Minas, que parciaes dos revoltosos, por virtude de cujo movimento
se achavam suspensas as garantias naquella provincia e na do Rio de Janeiro,
vinham atacar por mar por effeito de combinações estrategicas dos rebeldes ;
pilula esta ultima de difficil absorpção, na verdade, mas que valeu o perpetuo
esquecimento do acontecido.

FIM DA SEGUNDA PARTE

189
TERCEIRA
PARTE
CAPITULO
PRIMEIRO
Juizes ordinarios e vereadores, e annos
de sua serventia

Juizes ordinarios : Sargento-mór : João Velho Pinto, Francisco Pereira


da Zevora. — Vereadores : José Vaz Saraiva, Gabriel Nunes Varejão, Luiz
Pereira Bandeira, Procurador Felix Alves de Barcellos. — 1677 e 1678 ; *
Juizes ordinarios : Manoel da Fonseca do Amaral, Leonardo de
Sá Barbosa. — Vereadores : Manoel de Freitas Silva, Gonçalo Gomes
Sardinha, Antonio Martins Gato, Procurador Luiz Pereira Bandeira. —
1679, 1680 e 1681.**
Juizes ordinarios : Francisco Alvares de Barcellos, Sargento-mór
João Velho Pinto. — Vereadores : Mauricio Ferreira Bandeira, Gabriel
Nunes Varejão, Manoel de Freitas Silva, Procurador Leonardo de Sá
Barbosa. — 1682
Juiz ordinario : Manoel de Freitas Silva. – Vereadores : Manoel da
Fonseca do Amaral, Marcos Gomes Borges, Procurador Mauricio Ferreira
Bandeira. — 1683.

* A villa instituio-se em fins de 1676, e os primeiros officiaes serviram 1677 e 1678.


** Nao houveram eleições dous annos, e serviram os mesmos.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Juizes ordinarios : Leonardo de Sá Barbosa, José Vaz Saraiva.


Vereadores : Luiz Gomes da Silva, Gonçalo Gomes Sardinha, Gregorio
Barreto , Procurador Manoel da Fonseca. — 1684 e 1685.
Juizes ordinarioas : Felippe Vieira de Moura, Braz de Calheiros
Malheiros. — Vereadores : Francisco Pereira da Zevora, Manoel de Freitas
Silva, Manoel Ferreira Soares, Procurador Gabriel Nunes Varejão. — 1686.
Juizes ordinarios : Manoel de Freitas Silva, Manoel Ferreira Soares.
— Vereadores : Felippe Vieira de Moura, Francisco Mendes, Gregorio
Barreto de Souza, procurador Luiz Gomes da Silva . — 1687.
Juizes ordinarios : Manoel de Freitas Silva, Manoel Ferreira Soares.
— Vereadores : Felippe Vieira de Moura, Francisco Mendes, Gregorio
Barreto de Souza, Procurador Gabriel Nunes Varejão. — 1688.
Juizes ordinarios : Francisco Alves de Barcellos, João Vieira. —
Vereadores : Pascoal Borges Ramos, Manoel da Fonseca do Almaral,
Procurador sargento-mór João Velho Pinto. —1689.
Juizes ordinarios : Francisco Mendes, Sargento-mór João Velho Pinto.
— Vereadores : Manoel Ferreira Soares pai, Francisco Alves de Barcellos,
Francisco Corrêa Xavier, procurador Pascoal Borges Ramos. — 1690.
Juizes ordinarios : Felippe Vieira de Moura, Francisco Corrêa Xavier.
— Vereador : Francisco de Sá Barbosa. — 1691.
Juizes ordinarios : Manoel Ferreira da Fonseca, Manoel de Freitas
Silva. — Vereadores : Pascoal Borges Ramos, Leornado de Sá Barbosa,
Matheus de Souza, procurador Antonio Martins da Palma. — 1692.
Juizes ordinarios : Felippe Vieira de Moura, Francisco Mendes.
— Vereadores : Gabriel Nunes Varejão, Manoel da Fonseca do Amaral,
Euzebio Cordeiro d’Alvarenga, procurador sargento-mór João Vieira. —
1693 e 1694. *
Juizes ordinarios : Capitão Manoel Borges Senra, alferes Matheus
de Souza Riscado. — Vereadores : capitão Gregorio Barreto de Souza,
Gaspar Coelho de Araujo, Francisco da Silva, procurando Gonçalo Gomes
Sardinha. — 1695.
Juizes ordinarios : Capitão Francisco Mendes de Souza, Francisco
de Sá Barbosa. — Vereadores : Capitão André da Motta Riscado, capitão
Mauricio Ferreira Bandeira, Luiz Pereira Bandeira, procurador Leonardo
de Sá Barbosa. — 1696.
Juizes ordinarios : Felippe Vieira de Moura, Euzebio Cordeiro. —

* Serviram os mesmos por não haver eleição.

194
TERCEIRA PARTE

Vereadores : Capitão Manoel Borges Senra, Mathias Teixeira Nunes, Capitão


Gergorio Barreto de Souza, Procurador Gabriel Nunes Varejão. — 1697.
Juizes ordinarios : Alferes José Vaz Saraiva, Capitão Manoel Borges
Senra. — Vereadores : Antonio Carvalho, Manoel Moreira da Costa,
Matheus de Souza, Procurador Manoel Ferreira da Fonseca. — 1698.
Juizes ordinarios : Capitão Francisco Mendes de Souza, Ajudante
João da Silva. — Vereadores : Felippe Vieira de Moura, Felix Alves de
Barcellos, Balthazar de Calheiros Malheiros, Procurador Gabriel Nunes
Varejão. — 1699, 1700. *
Juizes ordinarios : Alferes José Vaz Saraiva, Francisco Pereira de
Barcellos. — Vereadores : Alferes Manoel Ferreira Soares, Capitão Gregorio
Barreto, Antonio de Carvalho da Fonseca, Procurador Luiz Coelho. — 1701.
Juizes ordinarios : Felix Alves de Barcellos, Mathias Teixeira Nunes.
— Vereadores : Francisco Pereira de Barcellos, Antonio de Noronha,
Antonio Viegas de Brito, Procurador Leornado de Sá Barboza. — 1702.
Juizes ordinarios : José de Barcellos, José Rodrigues Pereira. —
Vereadores : João Martins da Costa, Manoel Henriques do Amaral, Luiz
Pereira Bandeira, Procurador Alferes Matheus de Souza. — 1703.
Juizes ordinarios : Manoel Ferreira Soares, João Martins da Palma.
— Vereadores : Ajudante João da Silva, Felix Alves de Barcellos, Antonio
da Silva Esteves, Procurador Manoel Borges Serra. — 1704, 1705. *
Juizes ordinarios : Marthias Teixeira Nunes, Alferes Matheus de
Souza. — Vereadores : José Vaz Saraiva, João Martins da Palma. Manoel
Rodrigues, Procurador Alberto Pedro. — 1706.
Juizes ordinarios : Capitães Antonio Viegas de Brito, Antonio da
Silva Esteves. — Vereadores : Ajudante José de Barcellos, Felix Alves de
Barcellos, Francisco de Sá d’ Almeida, Procurador Antonio Carvalho da
Fonseca. — 1707.
Juizes ordinarios : Manoel Borges Senra, Alferes Matheus de Souza
Riscado. — Vereadores : Antonio d’Oliveira, Francisco de Sá Barbosa,
Lucas Coelho de Araujo, Procurador Salvador Alves de Magalhães. — 1708.
Juizes ordinarios : José de Barcellos Pereira, Capitão Felix Alvez
de Barcellos. — Vereadores : João Velho Pinto, Manoel Ferreira Soares,
Luiz Pereira Bandeira, Procurador Antonio da Silva Esteves, eleito de
barrete, — 1709. **
* Serviram dous annos por não haver eleição.
* Os mesmos por não ter havido eleição.
** Por nomeação d’El-rei (diz uma nota).

195
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Juizes ordinarios : Manoel Borges Senra, Pedro Carvalho da Costa :


— Vereadores : Salvador Alves de Magalhães, Manoel Rodrigues Homem,
Lucas Coelho d’Araujo, Procurador Francisco de Sá Barboza. — 1710.
Juizes ordinarios : — Alferes Manoel Ferreira Soares, Felix Alves
de Barcellos : — Vereadores : Capitão João Martins de Mendonça,
Antonio da Silva Esteves, Manoel Moreira da Costa, Procurador Antonio
Carvalho : — 1711.
Juizes ordinarios : — Manoel Borges Senra, Francisco de Sá
Barboza : — Vereadores : Manoel Henriques do Amaral, Gabriel Nunes
Varejão, Lourenço Ferreira de Sauza, Procurador Salvador Alves de
Magalhães : — 1712.
Juizes ordinarios : — Antonio da Silva Esteves, Manoel Borges Senra
: — Vereadores : Felix Alves de Barcellos, Manoel Ferreira Soares, Niculau
de Mendonça Gomes, Procurador Capitão Pedro Velho Barreto : — 1713.
Juizes ordinarios : — Pedro Carvalho da Costa, * João Martins de
Mendonça : — Vereadores : Salvador Alves de Magalhães, Antonio Correia
Cardozo (morreu), Capitão Manoel Henriques do Amaral, Procurador
Sargento-mór Felix Alves de Barcellos : − 1714 **
Juizes ordinarios : Antonio da Silva Esteves, Capitão Antonio Viegas
de Brito. — Vereadores : Francisco de Sá Barboza, Ajudante Manoel
Corrêa Cardoso, Procurador Antonio Carvalho da Fonseca. — 1715.
Juizes ordinarios : Capitão Manoel Borges Senra, Salvador Alves de
Magalhães. — Vereadores : Belxior Martins de Mendonça, Jorge de Mello,
Agostinho Esteves Negrão, Procurador Pedro Carv.º da Costa. — 1716.
Juizes ordinarios : João Martins da Costa, Sargento-mór Félix Alves
de Barcellos. —Vereadores : Sargento-mór Pedro Velho Barreto, Nicolau
de Mendonça Gomes, Francisco de Sá Barboza, Procurador Antonio
Carvalho da Fonseca. — 1717.
Juizes ordinarios : Salvador Alves de Magalhães, Pedro Carvalho
da Costa. — Vereadores : Capitão Manoel Borges Senra, Manoel Moreira
da Costa, João Martins da Costa, Procurador Manoel Henriques do
Amaral. — 1718.
Juizes ordinarios : Sargento-mór Felix Alves de Barcellos, Francisco
de Sá Barboza. — Vereadores: Nicolau de Mendonça Gomes, Manoel
de Freitas Silva, Sargento-mór Pedro Velho Barreto, Procurador Antonio
Carvalho da Fonseca. — 1719.
* Por nomeação d’El-rei (diz uma nota).
** Chamava-se eleição de barrete a que se fazia interina no anno em que, ao abrir-se o pelouro, davam-se
impedimentos de servirem conjuntamente, ou por mortes.

196
TERCEIRA PARTE

Juizes ordinarios : Capitão Salvador Alves de Magalhães, Tenente


Joaquim Martins da Costa. — Vereadores : Manoel Henrique do Amaral,
Antonio da Silva Esteves, José Vaz Ribeiro, Procurador Pedro Carvalho
da Costa. — 1720.
Juizes ordinarios : Jorge de Castro Ilara, Sargento-mór Felix Alves
de Barcellos. — Vereadores : Francisco de Sá Barboza. Nicolau de
Mendonça Gomes, Francisco Pereira de Barcellos, Procurador Manoel de
Freitas Silva. — 1721.
Juizes ordinarios : — Antonio da Silva Esteves, Capitão Salvador
Alves de Magalhães : — Vereadores : João Martins da Costa, Felippe Vieira
de Moura, Luiz Gomes da Silva, Procurador José Vaz Ribeiro : — 1722.
Juizes ordinarios : — Tenente João Martins da Costa, Manoel
Nunes da Costa : — Vereadores : Manoel de Freitas Silva, Francisco de
Sá Barboza, Salvador Alves de Magalhães, Procurador Felippe Vieira de
Moura : — 1723.
Juizes ordinarios : — Capitão Manoel Borges Senra, José Dias
d’Oliveira : — Vereadores : Manoel Moreira da Costa, Alexandre da
Silva Esteves, Niculau de Mendonça Gomes, Procurador Domingos
Pires : — 1724.
Juizes ordinarios : — Tenente João Martins da Costa, Manoel
Moreira da Costa : — Vereadores : Luiz d’Almeida Pereira, José Dias de
Oliveira, José Vaz Ribeiro, Procurador Alberto Pedro : — 1725.
Juizes ordinarios : Manoel Henrique do Amaral, José Vaz Ribeiro
: — Vereadores : Alexandre da Silva Esteves, João Ferreira Coutinho,
Felippe Vieira de Moura (morreu) ; Procurador Domingos Pires : — 1726.
Juizes ordinarios : — Antonio Carvalho da Fonseca, Leandro de Souza
: — Vereadores : Luis d’Almeida Pereira, Nicolau de Mendonça Gomes,
João Martins da Costa, Procurador Manoel Henriques do Amaral : — 1727.
Juizes ordinarios : — Salvador Alves de Magalhães, Luiz Gomes da
Silva : — Vereadores : Manoel Ferrreira Soares, Leandro de Souza, Manoel
Henriques do Amaral, Procurador Manoel Moreira da Costa : — 1728.
Juizes ordinarios : — José Dias d’Oliveira, Francisco Pereira de
Barcellos : — Vereadores Jorge de Castro Ilara, Julião Rodrigues Freire,
Salvador Alves de Magalhães, Procurador João Martins da Costa : — 1729.
Juizes ordinarios : — Manoel Henriques do Amaral, João Ferreira
Coutinho : — Vereadores : Francisco de Sá Barboza, Antonio Carvalho da
Fonseca, Henriques Fernando Ferro, Procurador Nicolau de Mendonça
Gomes : — 1730.

197
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Juizes ordinarios : — Euzebio Cordeiro d’Alvarenga, Alexandre


da Silva Esteves : — Vereadores : João Martins da Costa, Julião
Rodrigues Freire, Jorge de Castro Ilara, Procurador Salvador Alves de
Magalhães : — 1731.
Juizes ordinarios : — Manoel Henriques do Amaral. João Martins
da Costa : — Vereadores : José Dias d’Oliveira, João Ferreira Coutinho,
João Fernandes Liber, Procurador Antonio Carvalho da Fonseca. — 1732.
Juizes ordinarios : — Manoel da Fonseca Magalhães, Julião
Rodrigues Freire : — Vereadores : Sargento-mór Pedro Velho Barreto,
Nicolau de Mendonça Gomes, Jorge de Castro Ilara, Procurador Placido
da Silva Moreira : — 1733.
Juizes ordinarios : — João Velho Bareto, Manoel Henriques do
Amaral : — Vereadores : João Fernandes Liber, Julião Cezar Leal, João
Ferreira Coutinho, Procurador Domingos Pires : — 1734.
Juizes ordinarios : — Nicolau de Mendonça Gomes, Salvador Alves
de Magalhães : — Vereadores : José Dias d’ Oliveira, Julião Rodrigues
Freire, Placido da Silva Moreira, Procurador João Bernardes Liber. — 1735.
Juizes ordinarios : Francisco Pereira de Barcellos, Manoel Henrique
do Amaral. — Vereadores : João Velho Barreto, João Ferreira Coutinho,
Francisco Alves de Barcellos, Procurador Jorge de Castro Ilara. — 1736.
Juizes ordinarios : Euzebio Corrêa de Alvarenga, Salvador Alves de
Magalhães. — Vereadores : Henrique Fernandes Ferro, José Dias de Oliveira,
Nicolau de Mendonça Gomes, Procurador João Fernandes Liber. — 1737.
Juizes ordinarios : Sargento-mór Pedro Velho Barreto, João
Ferreira Coutinho. — Vereadores : Antonio Velho Barreto, Francisco
Pereira de Barcellos, João Pinto Caldeira, Procurador Manoel de Freitas
Silva. — 1738.
Juizes ordinarios : José Dias de Oliveira, João Coelho de Araujo. —
Vereadores : Francisco de Sá Barboza, Francisco Alves de Barcellos, José
Peixoto da Motta, Procurador José Nunes de Alvarenga. — 1739.
Juizes ordinarios : Antonio Velho Barreto, Antonio Carvalho
dos Santos. — Vereadores : Julião Rodrigues Freire, Manoel Nunes da
Costa, Francisco de Andrade de Queiroz, Procurador José Nunes de
Mendonça. — 1740.
Juizes ordinarios : Francisco Pereira de Barcellos, João Fernades Liber.
— Vereadores : Salvador Alves de Magalhães, Antonio Pimentel do Couto,
João Martins da Silva, Procurador Gabriel Nunes Varejão. — 1741.

198
TERCEIRA PARTE

Juizes ordinarios : João Pinto Caldeira, José Nunes de Mendonça. —


Vereadores : Francisco Alves de Barcellos, Manoel Nunes da Costa, José
Gonçalves da Silva, Procurador João Coelho de Araujo. — 1742.
Juizes ordinarios : Julião Rodrigues Freire, João Martins da Costa. —
Vereadores : Antonio Rodrigues de Andrade, Manoel de Freitas Silva, José
Peixoto da Motta, Procurador Domingues Pires. — 1743.
Juizes ordinarios : Antonio Velho Barreto, Antonio Carvalho dos
Santos. — Vereadores : José Dias, Manoel da Silva de Sá, Antonio Martins
da Costa, Procurador Antonio Ribeiro de Mendonça. — 1744.
Juizes ordinarios : Placido da Silva Moreira, Francisco Pereira de
Barcellos. — Vereadores : João Velho Barreto, Manoel Nunes, Ignacio
Alves de Barcellos, Procurador Gabriel Nunes Varejão. — 1745.
Juizes ordinarios : João Coelho de Araujo, João Fernandes Liber.
— Vereadores : Antonio Pimentel do Couto, Francisco de Andrade de
Oliveira, Paulo Vieira de Carvalho, Procurador Domingos Pires. — 1746.
Juizes ordinarios : João Pinto Caldeira, Antonio Carvalho dos Santos
(foi impedido e em seu lugar elegeu-se a Ignacio Alves de Barcellos). —
Vereadores : Francisco Alves de Barcellos, Manoel da Silva Barboza, Ignacio
Gonçalves de Andrade, Procurador-ajudante Manoel de Freitas Silva. — 1747.
Juizes ordinarios : João Fernandes Liber, Manoel de Freitas Silva. —
Vereadores : Antonio Pimentel do Couto, Francisco de Andrade de Oliveira,
Manoel Gonçalves da Costa, Procurador Domingos Pires. — 1748.
Juizes ordinarios : Francisco Pereira de Barcellos, Ignacio Alves de
Barcellos. — Vereadores : Gabriel Nunes Varejão, Manoel Nunes da Costa,
Julião Rodrigues Freire, Procurador Antonio Martins da Costa . — 1749.
Juizes ordinarios : Manoel Henriques do Amaral, João Coelho
d’Araujo. — Vereadores : Francisco Cardozo Jardim, João Fernandes Liber,
Pantalião Ferreira (por morar em S. Salvador elegeu-se José Gonçalves da
Silva), Procurador Leonardo Felix. — 1750.
Juizes ordinarios : Manoel de Freitas Caldeira, Sargento-mór
Pedro Velho Barreto. — Vereadores : João Ribeiro d’Andrade, Placido
da Silva Moreira, Ignacio Gonçalves d’Andrade, Procurador José Dias
d’Oliveira. — 1751.
Juizes ordinarios : João Pinto Caldeira, Ignacio Alves de Barcellos. —
Vereadores : Placido da Silva Moreira, Antonio Rodrigues Gato d’Andrade,
Julião Rodrigues Freire, Procurador Manoel de Freitas Silva. * — 1752.

* Escusou-se por se achar servindo de Mamposteiro de Bulla.

199
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Juizes ordinarios : Julião Rodrigues Freire, João Martins da Silva. —


Vereadores : João Fernandes Liber, Francisco d’Andrade, Francisco Alves
de Barcellos, Procurador Domingos Pires. — 1753. *
Juizes ordinarios : Placido da Silva Moreira, João Fernandes Liber.
— Vereadores : Francisco Alves de Barcellos, Francisco Xavier Pereira,
João Ayres Teixeira, Procurador Antonio Martins da Costa. — 1754.
Juizes ordinarios : João Coelho d’Araujo, José Gonçalves da Silva.
— Vereadores : João Pinto Caldeira, Francisco d’Andrade, Jorge Alves
Barreto, Procurador José de Freitas Silva. — 1755.
Juizes ordinarios : João Fernandes Liber, Capitão-mór Pedro Velho
Barreto (pediu dispensa por ser velho e doente ; elegeu-se a Manoel
Henriques do Amaral). — Vereadores : Jorge Alves Barreto, Manoel da
Silva Barboza (morto, elegeu-se José Nunes de Mendonça), Placido da
Silva Moreira, Procurador Francisco Pereira de Barcellos. — 1756.
Juizes ordinarios : João Coelho de Araujo, Antonio Martins
da Costa. — Vereadores : Ignacio Alves de Barcellos, João Alves de
Magalhães, Ignacio Rodrigues d’Azevedo, Procurador João Ribeiro dos
Santos. — 1757.
Juizes ordinarios : José Gonçalves da Silva, Francisco Pereira de
Barcellos. ** — Vereadores : Ignacio Gonçalves d’Andrade, José Nunes
de Mendonça, João Alves de Magalhães, Procurador João Bernardes
Liber. — 1758.
Juizes ordinarios : Caetano Manoel da Motta Ferraz, Placido da Silva
Moreira. — Vereadores : Manoel Gonçalves da Costa, Antonio Rodrigues
d’Andrade, Gregorio Barreto de Souza, procurador Francisco Xavier
Pereira. — 1759.
Juizes ordinarios : João Ayres Teixeira, Francisco Xavier Pereira.
— Vereadores : Antonio Rodrigues d’Andrade, João Alves de Magalhães,
Manoel de Souza Pires, Procurador Francisco Franco Peniche . — 1760.
Juizes ordinarios : Antonio Martins da Costa, João Coelho d’Araujo.
— Vereadores : João Fernandes Liber, Ignacio Gonçalves de Andrade,
José de Souza Pires, Procurador João Ribeiro da Silva. — 1761.
Juizes ordinarios : João Alves Magalhães, João Martins da Silva. —
Vereadores : Francisco Alves de Barcellos, Ignacio d’Andrade, Gregorio
Barreto de Souza, Procurador João Francisco Moreira. — 1762.
* As camaras de 1751, 52 e 53 foram chamadas á Victoria por ordem do ouvidor, em virtude de alvarás régios
; nelles se diz por ser esta villa a cabeça da comarca.
** Foi escuso por apresentar um privilegio de esmoler e Mamposteiro da confraria de Santo Antonio de Lisboa
; em seu lugar foi eleito Caetano Manoel da Motta Ferraz.

200
TERCEIRA PARTE

Juizes ordinarios : José Gonçalves da Silva, Manoel da Fonseca


Magalhães. — Vereadores : Placido da Silva Moreira, Ignacio Alves de
Barcellos, José de Souza Pires, Procurador Francisco Franco Peniche. —
1763 e 1764. *
Juizes ordinarios : Domingos Moreira, Francisco Pereira de
Barcellos. — Vereadores : Ignacio Alves de Barcellos, Manoel de Freitas
Silva, Amaro da Silva Moreira, Procurador José de Souza Pires. — 1765.
Juizes ordinarios : João Ayres Teixeira, Ignacio Alves de Barcellos. —
Vereadores : Manoel da Fonseca Magalhães, Francisco Pereira de Barcellos,
Nazario Antonio Ferreira, Procurador Manoel de Souza Pires. — 1766.
Juizes ordinarios : Domingos Moreira, João Alves de Magalhães. —
Vereadores : Gregorio Barreto de Souza, Raymundo Bueno Feio, Francisco
Pereira de Barcellos, Procurador Antonio Martins da Costa. — 1767.
Juizes ordinarios : José Gonçalves da Silva, Manoel de Freitas Silva.
— Vereadores : Nazario Antonio Ferreira, José Luiz de Mello, Manoel da
Fonseca de Magalhães, Procurador José de Souza Pires. — 1768.
Juizes ordinarios : Domingos Moreira, Ignacio Alves de Barcellos.
— Vereadores : Amaro da Silva Moreira, Gregorio Barreto de Souza, José
de Freitas Silva, Procurador Domingos Francisco Gaya. — 1769.
Juizes ordinarios : Manoel Gonçalves da Costa, Manoel da Fonseca
Magalhães (estava pronunciado em devassa janeirinha : nomeou-se a Manoel
de Freitas Silva). — Vereadores : Ignacio Gonçalves, Antonio Vicente Ferraz,
Sebastião da Silva Cabral, Procurador Francisco Franco Peniche. — 1770.
Juizes ordinarios : Domingos Moreira, José de Souza Pires. —
Vereadores : José Luiz de Mello, José de Freitas Silva, Manoel de Souza
Pires. Procurador João de Oliveira Campos. — 1771.
Juizes ordinarios : Amaro da Silva Moreira, Manoel Gonçalves
da Costa. — Vereadores : Narcizo Antonio Ferreira, Sebastião da Silva
Cabral, Manoel Pereira da Encarnação, procurador Manoel de Souza
Pires. — 1772.
Juizes ordinarios : Manoel de Freitas Silva, Salvador Martins da
Costa. — Vereadores : João Alves de Magalhães, Gregorio Barreto de
Souza, Francisco Pereira de Barcellos, procurador Domingos Francisco
Gaya. — 1773.
Juizes ordinarios : Antonio Vicente Ferraz, Domingos Moreira. —
Vereadores : Narcizo Antonio Ferreira, Manoel Pereira da Encarnação,
José de Freitas Silva, procurador Manoel de Souza Pires. — 1774.
* Serviram os mesmos o anno de 1764, por certos inconvenientes.

201
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Juizes ordinarios : José de Souza Pires, Domingos Alves de Barcellos.


— Vereadores : Ignacio Gonçalves de Andrade, João de Oliveira Campos,
Joaquim Pinto da Silva, procurador Francisco Franco Peniche. — 1775.
Juizes ordinarios : José Gonçalves da Silva, José de Freitas Silva. —
Vereadores : Amaro da Silva Moreira, Manoel Freire de Andrade, Manoel
Antunes Moreira, procurador Domingos Francisco Gaya. — 1776.
Juizes ordinarios : Gregorio Barreto de Souza, Antonio Vicente
Ferraz. — Vereadores : Capitão-mór Pedro Velho Barreto (escusou-se),
Ignacio Alves Barreto, Manoel Pereira da Encarnação, procurador Antonio
Martins da Costa. — 1777.
Juizes ordinarios : Domingos Alves de Barcellos, José de Souza Pires.
— Vereadores : Amaro da Silva Moreira, Joaquim Pinto da Silva, Francisco
Martins da Costa, procurador Francisco Luiz de Andrade. — 1778.
Juizes ordinarios : Sebastião da Silva Cabral, Manoel Antunes Moreira.*
— Vereadores : João de Oliveira Campos, Francisco Pereira de Barcellos,
Francisco Homem Leal, procurador Francisco Franco Peniche. — 1779.
Juizes ordinarios : José Gonçalves da Silva, José de Freitas Silva.
— Vereadores : Manoel Pereira da Encarnação, Manoel Ferreira Soares,
Salvador Franco da Motta, procurador Manoel Freire de Andrade. — 1780.
Juizes ordinarios : Francisco Franco Peniche, José Freire Vital. —
Vereadores : Gregorio Barreto de Souza, Manoel de Azevedo Lima, Manoel
Ferreira de Andrade, procurador Manoel Gomes de Azevedo. — 1781.
Juizes ordinarios : Francisco Luiz de Andrade, Antonio Vicente Ferraz.
— Vereadores : Sebastião da Silva Cabral, Joaquim Pinto da Silva, Francisco
Pereira de Barcellos, procurador Antonio da Silva do Amaral. — 1782.
Juizes ordinarios : Manoel Antonio Moreira, Domingos Alves de
Barcellos. — Vereadores : Antonio Teixeira Nunes, Antonio de Lemos
de Andrade, Manoel de Azevedo Lima, procurador Francisco Franco
Peniche. — 1783.
Juizes ordinarios : Gregorio Barreto de Souza, Antonio da Silva do
Amaral. — Vereadores : Francisco Martins da Costa, Francisco Pereira
de Barcellos, Salvador Franco da Motta, procurador Francisco Luiz de
Andrade. ** — 1784.
* Este juiz ordinario accusou em 7 de novembro o porteiro da camara Antonio de Oliveira, por lhe haver
furtado de sua loja um masso de linhas, e o porteiro foi suspenso.
** Vindo ordens para o festejo de certos casamentos de principes, a camara foi em corpo assistir. Ao sahirem
para a Igreja, o procurador Francisco Luiz não quiz levar o estandarte, como era d’estylo, e disse que se
quizessem criados para carregal-o que comprassem escravos. A camara condemnou-o a nunca mais servir
na republica, nem toda a sua descendencia, mas foi absolvido.

202
TERCEIRA PARTE

Juizes ordinarios : José Gonçalves da Silva, Sebastião da Silva Cabral.


— Vereadores : José de Freitas Silva, João de Oliveira Campos, Francisco
Homem Leal, procurador Manoel Freire de Andrade. — 1785.
Juizes ordinarios : Amaro da Silva Moreira, Gregorio Barreto de Souza.
— Vereadores : Francisco Pereira de Barcellos, Joaquim Pinto da Silva, João
Martins da Silva, procurador Antonio da Silva do Amaral. — 1786.
Juizes ordinarios : Manoel Antonio Moreira, Antonio Vicente Ferraz.
— Vereadores : Antonio de Lemos de Andrade, Manoel Ferreira Soares,
Manoel Pereira de Barcellos, procurador Francisco Franco Peniche. — 1787.
Juizes ordinarios : Manoel de Azevedo Lima, Francisco Martins
da Costa. — Vereadores : João de Oliveira de Andrade, Salvador Franco
da Motta, Miguel Antunes Moreira, procurador Manoel Gomes de
Azevedo. — 1788.
Juizes ordinarios : Gregorio Barreto de Souza, Sebastião da Silva
Cabral. — Vereadores : José de Freitas Silva, João Martins da Silva, José
Barreto de Andrade, procurador Antonio da Silva do Amaral. — 1789.
Juizes ordinarios : João de Oliveira de Andrade, José Gonçalves da
Silva. — Vereadores : João de Oliveira Campos, Manoel Ferreira Soares,
Ignacio Moreira da Silva, procurador Manoel Gomes de Azevedo. — 1790.
Juizes ordinarios : Miguel Antonio Moreira, Salvador Franco da
Motta. — Vereadores : Manoel Ferreira Soares, Antonio Vicente Ferraz,
Joaquim Ignacio de Barcellos, procurador Joaquim Fernandes Lima
(escusou-se e nomeou-se a Francisco Luiz d’Andrade). — 1791.
Juizes ordinarios : João d’Oliveira Campos, Francisco Martins
da Costa. — Vereadores : Manoel Ferreira Soares, Ignacio Moreira
da Silva, Antonio da Silva Cordeiro, procurador Antonio de Lemos
d’Andrade. — 1792.
Juizes ordinarios : Joaquim Pinto da Silva, João Martins da Silva. —
Vereadores : Antonio de Lemos d’Andrade, Manoel Pereira da Encarnação,
João Martins da Motta, procurador Manoel Pereira de Barcellos. — 1793.
Juizes ordinarios : Andrade Franco da Motta, Miguel Antonio Moreira.
— Vereadores : José Barreto d’Andrade, José de Freitas Silva, Antonio
Martins da Costa, procurador João Martins da Silva Coutinho. — 1794.
Juizes ordinarios : João d’Oliveira d’Andrade, Salvador Franco
da Motta. — Vereadores : Amaro da Silva Moreira, Joaquim Ignacio de
Barcellos, Domingos Alves de Barcellos, procurador Joaquim Fernando
Lima. — 1795.

203
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Juizes ordinarios : Francisco Martins da Costa, José Freire Vital. —


Vereadores : Francisco Pereira de Barcellos, Joaquim Ignacio de Barcellos,
Francisco José da Motta, procurador Francisco Luiz d’Andrade. — 1796.
Juizes ordinarios : José de Freitas Silva, Antonio da Silva do Amaral.
— Vereadores : João Martins da Motta, José Ayres de Athayde, Domingos
Alves de Barcellos, procurador Domingos Gomes d’Azevedo. — 1797.
Juizes ordinarios : João d’Oliveira d’Andrade, Francisco Homem
Leal. — Vereadores : Manoel Pereira da Encarnação, Gregorio Barreto
de Souza, José Gomes d’Azevedo, procurador Bento José Lopes. — 1797.
Juizes ordinarios : Joaquim Pinto da Silva, Miguel Antonio Moreira.
— Vereadores : João Martins da Silva, Manoel Ferreira Soares, Manoel
Freire d’Andrade, procurador Manoel Pereira de Barcellos. — 1799.
Juizes ordinarios : Francisco Martins da Costa, Ignacio Moreira da
Silva. — Vereadores : Francisco Pereira de Barcellos, Joaquim Ignacio de
Barcellos, João Baptista Pinto de Sá Costa, procurador Joaquim Fernandes
Lima. * — 1800.
Juizes ordinarios : Domingos Gomes de Azevedo, Manoel Ferreira
Soares (falleceu em março : elegeu-se Domiegos Alves de Barcellos). —
Vereadores : Francisco Luiz de Andrade, Antonio Rodrigues Moreira,
Antonio Velho Barreto, procurador Salvador Franco da Motta. — 1801.
Juizes ordinarios : Manoel Gomes de Azevedo, Manoel Pereira
de Barcellos (Estes juizes só tomaram posse em maio, por haverem-se
opposto a ella com embargos Ignacio Moreira da Silva e outros). —
Vereadores : João Bernardo de Azevedo, João Velho Barreto, Domingos
Alves de Barcellos, procurador Miguel Antonio Moreira. — 1802. **
Juizes ordinarios : Manoel de Azevedo Lima, Domingos José
Machado Coelho. — Vereadores : Joaquim Pinto da Silva (morreu ;
nomeado José Barreto de Andrade), Antonio da Silva Coutinho (morreu,
e nomeou-se José Gomes de Azevedo), João da Silva Barreto, procurador
João Martins da Motta. — 1803.
Juizes ordinarios : Salvador Franco da Motta, Francisco Homem
Leal. — Vereadores : Francisco José Vicente, Raphael Rodrigues do
Rozario, Joaquim Fernandes de Souza, procurador Francisco Rodrigues
Grandão. — 1804.
* Morreu neste anno ; foi eleito João Martins da Silva Coutinho.
** Houveram embargos á posse destes vereadores.
Ignacio Moreira da Silva pedio vista para embargos de suborno á ouvidoria geral, porem os embargos não
foram recebidos. Chegando o ouvidor da lei José Ribeiro Pinto deu-lhes posse. Os officiaes do senado
passado fugiram, e foram suspensos por recusarem dar posse ao juiz ordinario Manoel Gomes de Azevedo.

204
TERCEIRA PARTE

Juizes ordinarios : Ignacio Moreira da Silva, João Martins da Silva. —


Vereadores : Francisco Martins da Costa, Manoel Pereira da Silva, Bento
José Lopes, procurador José dos Santos Souza. — 1805.
Juizes ordinarios : Francisco Homem Leal, Bento José Lopes. * —
Vereadores : Manoel Pereira da Encarnação, Luiz Bernardo Duarte de
Macedo, José Alves Rangel, procurador João Fernandes de Azevedo — 1806.
Vereadores : Francisco Rodrigues Grandão, Antonio Rodrigues
Moreira (impedido, elegeu-se Salvador Franco da Motta), João d’Almeida
Pinheiro, procurador João Martins da Silva Coutinho. — 1807.
Ditos : Amaro da Silva Moreira, Domingos Alves de Barcellos, Manoel
de Brito Coutinho Pinto, procurador Antonio Pinto Netto — 1808.
Ditos : Pedro Freire Vital, Francisco José Vicente, Manoel da Silva
Moreira, procurador Manoel Gomes d’Azevedo (escuso e nomeado
Manoel Pereira de Barcellos). — 1809.
Ditos : Domingos Gomes d’Azevedo, José dos Santos Souza,
Domingos Alves de Barcellos, procurador João Martins da Silva. — 1810.
Ditos : Salvador Franco da Motta, Francisco Alves da Silva, João
Pedro Nolasco, procurador Antonio Pinto Netto. — 1811.
Ditos : João Martins da Motta, Francisco Rodrigues Grandão, Bento
José Lopes, procurador Antonio José Pereira Mendes. — 1812.
Ditos : José dos Santos Souza, Domingos Alves de Barcellos, José
Gomes d’Azevedo, procurador Miguel Antonio Moreira. — 1813.
Ditos : Manoel Pereira de Barcellos, Amaro da Silva Moreira,
Manoel da Silva Moreira (em lugar de José Alves Rangel que foi escuso),
procurador Pedro Freire Vital. — 1814.
Ditos : Salvador Franco da Motta, Domingos Gomes d’Azevedo,
Felippe Martins da Silva, procurador José dos Santos Souza. — 1815.
Ditos : Manoel Gomes d’Azevedo, João Martins da Silva Coutinho,
Francisco Alves da Silva, procurador Manoel da Cruz Costa. — 1816.
Ditos : João Batista Pinto de Sá Costa (escusou-se por ser escrivão),
José Alves Rangel, Antonio Perreira Coutinho. procurador João José de
Brito. — 1817.

* Em 9 de Novembro deste anno de 1806 tomou posse o Juiz de Fóra Dr. José de Azevedo Cabral, que o era
de S. Salvador, e alcançou reunir os dous termos. O primeiro Juiz de Fóra de Campos, o Dr. Sebastião Luiz
Tinoco da Silva, sollicitara esta ampliação da sua autoridade, porem lhe não aproveitou por já ter ido quando
chegou a ordem, no tempo do 2º juiz Cabral.
Desta fórma não houveram mais juizes ordinarios ; na ausencia do Juiz de Fóra eram substituidos pelos
vereadores, que se denominavam — Juizes de Fóra pela lei.

205
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Ditos : Manoel Manhães Barreto, Manoel da Silva Moreira, Manoel


da Cruz Costa, procurador João Martins da Motta. — 1818.
Ditos : Salvador Franco da Motta, Francisco Rodrigues Grandão,
José da Silva do Amaral, procurador Antonio Pinto Netto. — 1819.
Ditos : Domingos Gomes d’Azevedo, Felippe Martins da Silva, João
da Silva Barreto, procurador José dos Santos. — 1820.
Ditos : João Martins da Silva Coutinho, Amaro da Silva Moreira,
Luiz Francisco Pereira, procurador José Antonio de Souza. — 1821.
Ditos : Francisco Rodrigues Grandão, Ignacio Moreira da Silva,
Monoel dos Santos Souza e Silva, procurador Domingos Alves de
Barcellos. — 1822.
Ditos : Manoel Manhães Barreto, José Alves Rangel, Francisco José
Rodrigues Fernandes, procurador José Caetano d’Oliveira. — 1823.
Ditos : Domingos Gomes d’Azevedo, Felippe Martins da Silva,
Antonio Ferreira Coutinho, procurador Bernardo dos Santos Souza. — 1824.
Ditos : Manoel Manhães Barreto, José Antonio de Souza, Miguel
Antonio Moreira filho, procurador Manoel dos Santos Souza e Silva. — 1825.
Ditos : Francisco Rodrigues Grandão, Amaro da Silva Moreira, Manoel
da Silva Moreira, procurador Vicente Gomes Rangel Pessanha. — 1826.
Ditos : João Martins da Silva Coutinho (havia fallecido), Manoel da
Cruz Costa, José Gomes Moreira, procurador João José de Brito. — 1827.
Ditos : Francisco Rodrigues Grandão, Nicolau Manoel Romão,
Miguel Antunes Moreira filho, procurador Francisco Jose Rodrigues
Fernandes. — 1823. ¹

Vereadores da camara municipal.

João José de Brito, Antonio Ferreira Coutinho, José Alves Rangel,


Manoel da Cruz Costa, José Antonio de Souza, Manoel Manhães Barreto,
Manoel Gomes Moreira. — De 1829 a 1832.
Domingos Alves Cordeiro, José dos Santos Pereira e Souza, Manoel
Gomes Coutinho, Manoel Francisco da Cruz, Miguel Gomes de Azevedo,
Fernando José Martins, João da Silva Barreto. — De 1833 a 1836.

1
Daqui em diante pegam as camaras municipaes, da leis do 1º de Outubro de 1828.

206
TERCEIRA PARTE

Juizes de fóra que substituirão os ordinarios.

Dr. José de Azevedo Cabral. — De 1807 a 1812.


Dr. Manoel Joaquim da Silveira Felix ², posse a 28 de agosto de 1812
; serviu até 1815.
Dr. Francisco José Nunes, posse a 8 de setembro de 1815 ; serviu
até 1818.
Desembargador Francisco de França Miranda, posse a 2 de fevereiro
de 1819 ; serviu até 1821.
Dr. José Libanio de Souza, ³ posse a 13 de janeiro de 1822 até 1824.
Dr. Carlos Teixeira da Silva, posse a 20 de agosto de 1824 até 1827.
Dr. Sergio de Souza Pinto e Mello, posse a 29 de setembro de 1827
até 1829.
Dr. Diocleciano Augusto Cesar do Amaral, nomeado a 26 de
novembro de 1828, tomou posse a 13 de março de 1830, até 1833.

Juizes municipaes e de orphãos do codigo do processo.

Juiz municipal : José Antonio de Souza. — Juiz de orphãos : Manoel


Gomes Moreira. — De 1833 a 1835.
Juiz municipal : José Antonio de Souza. — Juiz de orphãos : Dr.
João da Silva Cordeiro. — De 1836 a 1839.
Juiz municipal : Francisco Duarte Cruz. — Juiz de orphãos : Padre
Miguel Antunes de Brito. — De 1839 a 1841.

Juizes municipaes accumulando a vara de orphãos.

Dr. Luiz Ferreira da Silva Maia. — De 1842 a 1854.


Dr. Ludgero Gonçalves da Silva. — De 1854 a 1857.
Dr. Frederico Nunes de Seabra Perestello. — Até 1860.
Dr. João Luiz de Mattos Pereira e Castro. — Até 1861.
Dr. Francisco Nunes de Seabra Perestello. — Até 1864.
Dr. Ignacio Acciolis de Almeida. — Actual.
2
Magistrado probo e honrado ; terror dos poderosos oppressores dos fracos : illustrou a magistratura
portugueza.
3
Foi depois despachado desembargador da relação de Pernambuco, onde sustentou questões com o presidente
Manoel Zeferino dos Santos.

207
CAPITULO
SEGUNDO
Dos ouvidores da lei, corregedores da comarca e
juizes de direito que os substituirão.

Ouvidores da lei nomeados pelo donatario.

Thomé Alves Peçanha, servia em 1678. José Rodrigues Pereira, em


1683. João de Senra, em 1688. Vicente João da Cruz, em 1696. Manoel
de Carvalho, em 1698. Vicente João da Cruz, em 1706. Geraldo Corrêa
de Oliveira, em 1707, Luiz Fortes Bustamante Sá, em 1712. Francisco de
Benavides, em 1714. João d’Andrade Leitão (fez a guerra na matriz de S.
Salvador), 1721. José Pires de Mendonça, 1728. Antonio Rodrigues Paim,
1732. Antonio Pacheco de Lima, 1741. Duarte Aniceto Padrão e Castro,
1748. José Mendes Peixoto, entrou a servir em 1749. Dr. Antonio da Cruz
Jordão, ainda nomeado pelo donatario, 1752. Foi este o ultimo, porque a
capitania passou ao dominio da corôa.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Corregedores da comarca, em quanto os Goytacazes


pertenciam a do Rio de Janeiro.

Dr. Manoel Dias Raposo, 1667. Dr. João Velho d’Azevedo, 1670.
Dr. André da Costa Moreira (chamava-se, da repartição do Sul), 1683.
Dr. Miguel de Siqueira Castello Branco, 1690. Dr. Manoel de Souza Lobo,
1694. Dr. Miguel de Siqueira Castello Branco, 1698. Dr. Vital Cazado
Rotil, 1712. Hypolito Guedes, intirino, e como juiz de Fora do Rio de
Janeiro, 1713. Francisco Viegas d’Azevedo, interino, e como vereador
mais velho do senado do Rio de Janeiro, 1714. Dr. Fernando Pereira de
Vasconcellos, 1716. Dr. Paulo de Torres Rio Vieira, 1722. Dr. Antonio de
Souza de Abreu, 1725. Desembargador Manoel da Costa Mimoso, 1730.
Desembargador do Paço Fernando Leite Lobo (sequestrou d’uma das
vezes a capitania para a corôa), 1733. Dr. Agostinho Pacheco Felix, 1736.
Dr. João Soares Tavares, de 1738 a 1740. Dr. João Alves Simões, 1741.
Desembargador da Relação da Bahia Pascoal Ferreira de Veras, 1744. Dr.
Matheus Nunes José de Macedo (bom magistrado) de 1746 a 1749. Dr.
Bernardino José Falcão de Gouvêa, de 1749 a 1752.

Passa o districto dos Goytacazes para a comarca do


Espirito Santo.

Desembargador do Paço Francisco de Salles Ribeiro, posse a 2


de dezembro de 1753 ; serviu até principios de 1767. Dr. José Ribeiro
Guimarães de Athayde, 1 até 1777. Dr. Manoel Carlos da Silva Gusmão,
até 1781. Dr. José Antonio de Alvarenga Barros Freire, até 1784.
Desembargador Joaquim José Coutinho Mascarenhas 2 1788. Dr. José
Alves Teixeira (interino), 1791. Dr. João Almeida Coelho (interino), 1792.
José Furtado de Lirio (interino), 1794. José Ribeiro Pinto, 1802. José Pinto
Ribeiro 3, 1ª correição em 1792 ; serviu até 1803. Dr. José Manoel Baptista
1
Pela excessiva emigração dos indios domesticados, de Porto Seguro para Campos, publicou este
corregedor um edital obrigando-os a voltar para o norte, sob pena de prisão.
2
Consta que este magistrado fôra preso por casar sem licença com uma senhora de Juiz. Foi elle quem
ordenou o emprestimo de dous mil cruzados feito pelo senado de S. João da Barra ao da Victoria.
3
Este corregedor, que era natural do Espirito Santo, achou-se constantemente, por assim dizer, em
guerra aberta com os campistas. Não vinha aos Goytacazes que voltasse em paz : ou escapava-se á
carreira, escoltado por immensa cavalgada, ou escondidamente. De maneira que, em se approximando
a época da correição, era como uma calamidade ou invasão da peste.

210
TERCEIRA PARTE

Filgueiras, 1807. Desembargador Alberto Antonio Pereira, 1811. Dr. José


Freire Gameiro, 1815. Desembargador José de Azevedo Cabral (foi juiz
de fóra), de 1816 a 1822. Dr. Ignacio Accioles de Vasconcellos, 1824. Dr.
João Francisco de Borja Pereira, 1828. Dr. Cornelio Ferreira França, 1828.
Dr. Joaquim José do Amaral, consta que era o corregedor da comarca
quando em 1833 creou-se a privativa comarca dos Goytacazes, mas nunca
viera em correição.

O districto constituido em comarca.

Juizes de direito.

Dr. Diocleciano Augusto Cesar do Amaral 1, posse a 13 de julho


de 1833 até 1836. Dr. João Lopes da Silva Coito, de 1836 a 1845. Dr.
Francisco de Paula de Negreiros Sayão Lobato, até 1853. Dr. Claudio
Manoel de Castro, falleceu em Campos, 1855. Dr. Francisco Bernardes
Soares de Gouvêa, 1856. Dr. Theophilo Ribeiro de Rezende, 1857. Dr.
Manoel Felippe Monteiro 2, 1864. Dr. José Januario de Campos, 1865. Dr.
João José de Andrade Pinto, actual.

De uma vez saltára elle nesta villa de S. João, vindo de S. Salvador, de noite, com arxotes acompanhado de
tropa e quasi foragido, sahido para o norte tambem em horas incertas. Os lavradores retiravão seus animaes
com antecedencia do caminho por onde tinha de transitar a comitiva do Ouvidor, porque o que se encontrava
, cavallos, canôas, gente, carros, tudo era apresado pelos officiaes e seus agentes para o trasporte, e desgraçado
daquelle que se negava á intimação, porque era incontinente preso e levado á cadêa, por mezes e até annos
; as prisões enchiam-se de insubordinados. Tambem os campistas faziam por sua parte o ministro pagar caro
a sua má vontade. De uma vez indo-se á sua porta ler um bando de festividade (era um sobrado que está na
cidade de Campos ; em frente ao porto chamado do Ouvidor), elle da sacada pedio o papel, que o doestava
um favor, e fazendo-o em pedaços atirou com as tiras na rua, e Miguel de Moraes, um dos convivas, atirou-
lhe um laço, com o fim de puxal-a de rasto, mas a corda não acertou por desviar o corregedor a cabeça com
rapidez. Moraes, sendo perseguido, atirou-se no porto Grande á nado, mesmo a cavallo, e salvou-se tomando
terra no outro lado.
Em certa occasião, indo a passeio pelo cercado do Furtado, sahio-lhe Joaquim José Nunes, com uma lança
para o ferir ; o que pelo amparo de Joaquim da Motta ainda foi livre desta refrega.
1
Exemplar conducta, austero juiz ; a destituição do escrivão de orphãos Lobo, acarretou-lho bastante má
vontade e animosidade da parte dos parciaes deste. Em 1833 tinham estes, á força de diligencia, feito lavrar
na côrte, segundo corria, o decreto de transferencia de Cezar do Amaral para o Espirito-Santo, porem que o
regente Lima, grande apreciador de suas excellentes qualidades, o fizera deixar em Campos.
2
Que a todos os respeitos faz honra á illustre classe a que pertence. Não póde vir aos Goytacazes, como
magistrado, quem o exceda em rectidão e pureza de suas decisões. Vimos publicado um soneto dirigido á
este digno Bahiano ; o qual aqui estampamos, porque qualificando-o seu autor, no conceito, de humano juiz,
crêmos que se não podia carecterisar melhor o nobre varão de quem nos occupamos.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

CHARADA.

}
Não é por ser conde que me ufano,
Nem Dom juntar á meu nome de baptismo ; 3
Mas sim por detestar o philosophismo
E ser do Rio antistete diocesano *.

}
A patria do heróe Pernambucano.
Muito illustrei e salvei do abysmo ; 3
Partido que tomei por eccletismo,
Com Dias, e Vieira, o açoriano.

Meu nome indica emprego dino,


Nas caçadas dos Monarchas d’alem mar ;
E quem o tinha bemdizia seu destino. } 3

CONCEITO.

Na terra de Paraguassú tenho meu lar ;


E nunca á Campos pensei, quando menino,
Vir, e de humano Juiz exemplos dar.

* Ainda vivia o bispo Conde de Irajá.

212
CAPITULO
TERCEIRO
Dos vice-reis, com relação á creação da villa,
governadores da provincia, capitães-móres e
commandantes militares dos goytacazes, e chefes
particulares da villa de S. João da praia.
Vice-reis do Estado.
Por morte de Affonso Furtado de Mendonça, visconde de Barbacena,
em 1675, ficou um triumvirato governando até Roque de Castro Barreto,
que tinha governado a Estremadura como sargento-mór de batalha em
1678. Antonio de Souza Menezes, o braço de prata, assim chamado por
trazer um em lugar do que perdera em Pernambuco, em 1682. Dom João
de Alencastre, em 1696. Dom Vasco Fernandes Cesar de Mello 1, 1º conde
de Sabugosa, 1721. Conde de Authoguia (Dom Luiz Pedro Peregrino de
Carvalho), 1730. André de Mello e Castro, posse a 11 de maio de 1735.
Conde de Galveias, de 1738 até 1746. O arcebispo, o chanceller e o coronel
Lourenço Monteiro, governaram inteiramente, 1753. Dom Marcos de
Noronha, conde dos Arcos, nomeado por carta de 18 de janeiro de 1754.
1
A’ este vice-rei o senado pedio varias providencias sobre a Ilha Grande de Arena, iguaes as que elle havia concedido
a villa real de Santa Luzia, em Sergipe, no tocante á criação de gado, em lugarejos que se plantasse mandiocas.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Conde da Cunha (já no Rio de Janeiro), 1763. Conde d’Azambuja (Dom


Antonio Rolim de Moura), 1767. Marquez de Lavradio (Dom Luiz de
Almeida Portugal Soares Alarcão Silva Mascarenhas Eça e Mello), tenente
general, 1771. Dom Luiz de Vasconcellos e Souza, 1779. Conde Rezende
(Dom José de Castro), de 1790 a 1801. Dom Fernando José de Portugal,
de 1802 a 1806. Conde dos Arcos, posse em setembro de 1806.

Governadores do Rio de Janeiro.


Dom Pedro Mascarenhas, 1676. João da Silva e Souza, rendeu aquelle,
1677. Pedro Gomes, 1679. Dom Manoel Lobo, 1680. Duarte Teixeira
Chaves, mestre de campo d’um dos terços da Bahia ; apenas tomou posse
seguiu logo a tomar conta da colonia do Sacramento, e deixou o governo
ao senado do Rio de Janeiro, 1682. João Furtado de Mendonça, 1685.
Dom Francisco Napis de Castro, mestre de campo, 1689. Luiz Cezar de
Menezes, 1690. Antonio Paes de Sande ¹, 1694. André Cuzaco, posse a 7
de outubro de 1695. Sebastião de Castro e Caldas ², 1696. Arthur de Sá
e Menezes, 1698. Martim Garcia Vasqueanes, 1700. Francisco de Castro
Moraes, mestre de campo de infanteria da praça, 1701. Dom Alvaro da
Silveira e Albuquerque, posse a 15 de julho de 1702. Dom Fernando de
Assis Mascarenhas ³, 1707. Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho,
1709. Dom Francisco Xavier de Tavora, 1713. General Francisco da
Camara, 1714. Manoel de Almeida Castello Branco, mestre de campo de
infanteria, 1717. Antonio de Brito Freire de Menezes (morreu no anno
seguinte), 1718. Monoel de Almeida Castello Branco, tornou a pegar o
governo, 1719. Ayres de Saldanha de Albuquerque Coutinho Mattos e
Noronha 4, posse a 18 de maio 1719 até 1724. Luiz Vahia Monteiro 5, de
1
Carlos Pedro da Silveira, para conseguir o titulo indevido de descobridor das minas aureas, diz um autor,
apresentou a este governador 12 oitavas do precioso metal por outros descoberto neste anno de 1695. Em
1693 já um Antonio Rodrigues Arzão, tinha apresentado ao senado da Victoria 3 oitavas de ouro, com que
se fizeram 2 medalhas.
2
Caldas, diz Pizarro, construio a fortaleza do Gravatá ; reedificou a de Willegagnon e Santa Cruz ; era descendente
de D. Garcia, 9º rei de Navarra. Passou depois a ir governar Pernambuco, onde erigio, a despeito da forte
opposição dos moradores de Olinda, a villa de Santo Antonio no Recife, cujos resultados lhe foram funestos.
3
No tempo deste governador só havia na cidade do Rio de Janeiro duas freguezias, a de S. José e a da
Candelaria, alem da Sé.
4
Tomou a peito a conclusão da obra da Carioca, segundo Pizarro, junto ao convento de Santo Antonio ; e
mereceu muitos applausos dos habitantes de Rio de Janeiro.
5
Ficou appellidado o — Onça —, lonçou os primeiros fundamentos da fortaleza da Ilha das Cobras ; protegeu
o convento de Santo Antonio ; levantou o mappa das terras dos Goytacazes, mandando em 1730 para isso
padre Jacintho Domingos Capassi, mathematico ; protegeu tambem a irmandade do Rozario.

214
TERCEIRA PARTE

1726 a 1732. Gomes Freire de Andrade, 1733. Brigadeiro José da Silva


Paes (deu o risco para afortaleza da Ilha das Cobras), 1735. Mathias
Coelho de Souza, mestre de campo, de 1740 a 1751. José Pinto Freire
de Andrade, 1756. Dom Marcos de Noronha, 1757. Conde de Bobadella
(Gomes Freire), 1759. Francisco de Castro Moraes, 1761.
Passando nesta época o vice-rei do estado para o Rio de Janeiro,
cessaram os governadores ; e com a chegada da monarchia, deu-se
obediencia ao do Espirito Santo, sendo de 1817 em diante, com a creação
dos presidentes de provincia, devolvida a estes toda a autoridade.
Francisco Alberto Robim, governador do Espirito Santo 1, 1817.
Balthazar de Souza Botelho de Vasconcellos (antigo ouvidor), 1828.
Visconde da Praia Grande, 1829. Desembargador Manoel Antonio
Galvão, posse a 4 de dezembro de 1830. Monjardim, 1831. Gabriel Getulio
Monteiro de Mendonça, 1832.
D’aqui em diante ficou o districto de Campos pertencendo á
provincia do Rio de Janeiro.
Joaquim José Rodrigues Torres, 1.º presidente desta provincia,
posse a 4 de outubro de 1834. Dr. Paulino José Soares de Souza, 2,
interino, 24 de abril de 1835.

Commandantes militares com alçada geral em toda


a capitania da Parahyba do Sul.

Mestres de Campo e coroneis da 2ª linha, inclusive os donatarios.

Pedro de Góes da Silveira, fidalgo donatario, 1536. Gil de Góes da


Silveira, pelos annos de 1596. João Barboza de Sá, coronel da 2ª e 3ª linha,
1
O alvará de 12 de Dezembro de 1790 regulou a successão dos governadores e capitãos generaes, nos seus
impedimentos ou faltas repentinas, dispondo que o successor immediato seria o bispo da diocese respectiva
; na falta deste, uma junta composta do deão, o chanceller da relação e o official militar mais graduado. Não
havendo bispo ou mesmo deão, faria suas vezes o ouvidor da comarca ; e neste caso tomaria o seu lugar o
vereador mais velho. No caso de recahir o governo na junta tomaria logo conta aquelle ou aquelles que se
achassem presentes, até que os outros chegassem, ainda mesmo que esteja presente só um. Acontecendo
estarem dous e terem de tomar alguma deliberação, antes de chegar o terceiro, e houver na decisão diversidade
nas duas opniões, nesse caso convidarão a desempatar o ministro da lei que fosse mais antigo, e na sua falta
ao procurador da fazenda d’El-rei ; e na falta de ambos o vereador da camara mais antigo.
2
Os vice-presidentes eram, como se sabe, no principio votados pela assembléa provincial, e dos seis nomes
mandados por ella ao governo geral, serviam pela ordem que por este fosse marcada, o qual sempre
organisava essa ordem tendo em attenção a votada pela assembléa.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

das sete companhias de Campos e Macahé, 1724. Domingos Teixeira


d’Andrade, mestre de Campo, 1833. João José de Barcellos Coutinho,
mestre de Campo, nomeado em 4 de julho de 1768. José Caetano de
Barcellos Coutinho, de 1792 a 1805. Joaquim Vicente dos Reis, coronel
do terço da 2ª linha 1, 1816. Manoel dos Santos de Carvalho, coronel da
2ª linha, de 1819 a 1822. José Manoel de Moraes, brigadeiro com o cargo
de commandante militar do districto, de 1822 a 1823. José Eloy Pessôa
da Silva, tenente-coronel, até 2 1825. Lourenço Maria d’Almeida Portugal,
brigadeiro, 1829. Duarte Guilherme Correia de Mello, 1832.
Desta mesma ordem são os chefes de legião da Guarda Nacional,
com autoridade nos termos de S. Salvador e Macahé, e que a portaria
do ministro da justiça, de 25 de outubro de 1833, mandou unir á mesma
legião de S. João da Barra.
Joaquim Silverio dos Reis Montenegro, coronel chefe de legião,
1833. Manoel Joaquim Pereira Baptista, 1838. Antonio Deziderio da
Silveira Maia Pessanha, 1840. Bernardino José Maciel, 1845.

Commandantes Superiores.

Manoel Joaquim Pereira Baptista, 1841. Gregorio Francisco de


Miranda, (depois barão d’Abbadia), 1850. Luiz Antonio de Siqueira
(depois barão de Itabapuana), actual.

Na primeira eleição, pois que procedeu a assembléa fluminense esperava-se que a maioria coubesse ao
décano dos seus membros o Dr. José Benardino Baptista Pereira, então seu presidente. Porem verificada
a votação, produzio : 1º, Dr. Antonio Joaquim Fortes de Bustamante, com mais um voto que 2º Dr. J. B.
Baptista Pereira ; 3º, Dr. Paulino ; 4º, coronel Oliveira ; 5º e 6º Vaz Vieira e Caldas Vianna. Em consequencia
do que, constou que na primeira vocatura, Bustamante e Baptista Pereira declinaram tomar o governo, vindo
a ser Paulino o primeiro vice- presidente que teve a provincia.
1
Este posto foi criado propriamente para os chefes dos regimentos da 1ª linha. Chegou á Campos no tempo que
o estenderam aos da 2ª ; e evidentemente offuscando o poderio dos capitães-móres, veio a dar lugar a alguns
choques e disputas, taes como a que fizemos menção na 2ª parte, entre José Caetano e o capitão-mór Cruz.
2
Nesta época toda milicia auxiliar do Rio de Janeiro foi organisada por batalhões da arma de caçadores,
e numerados ; vindo a caber aos Goytacazes os numeros 18, 19 e 20 dos tres corpos aqui formados. O
marechal de campo José Joaquim de Lima e Silva foi quem veio operar a organisação, sendo o de n. 18
commandado pelo coronel Montenegro, e o 20 pelo coronel Pereira Baptista, pertencentes a S. Salvador ; e
o de n. 19, tendo por chefe o tenente-coronel Desiderio a S. João da Barra.
Até o anno de 1822 foi Campos governado militarmente por capitães-móres, ou mais propriamente por
mestres de campo, e d’ahi em diante pelos commandantes militares.

216
TERCEIRA PARTE

Commandantes militares privativos de S. João da Barra.

João Velho Pinto, sargento-mór, 1680. João Vieira, idem, morreu


afogado em 1709. Matheus de Souza Riscado idem, posse em 1709.
Pedro Velho Barreto, idem, (foi encarregado das cobranças das propinas
do conselho ultramarino), de 1712 a 1724. Francisco Mendes de Sá,
seu substituto, 1725. Manoel Ferreira de Sá, (tinha servido 8 annos nos
Goytacazes no mesmo posto de capitão), 1726. Manoel Henriques do
Amaral, capitão de ordenanças, 1728. Manoel Carvalho de Lucena, capitão
de 2ª linha, 1739. Ignacio Alves de Barcellos, capitão das ordenanças, 1770.
Manoel Antunes Moreira, idem, 1783. Manoel Pereira de Barcellos, idem,
1790. José Gonçalves da Silva, idem da 2ª linha, 1791. José Freire Vital,
idem, 1796. Antonio da Silva Cordeiro, idem, 1814. Manoel Martinho
dos Santos, idem de uma compahia de pardos, chamada auxiliar, 1815.
Antonio Aureliano Rolão Couceiro Pimentel Torrezão, sargento-mór
do Regimento, de 1816 a 1821. Antonio da Silva Cordeiro, 2ª vez, 1824.
Antonio Gonçalves Angelis, sargento-mór do batalhão 19º, 1830.

Guarda Nacional.

Joaquim Thomaz de Faria, tenente-coronel, 1833. José dos Santos


Pereira e Souza, idem, 1835. Fernando José Martins, sargento-mór, 1837.
Eduardo José Manhães, dito, 1844. Joaquim Thomaz de Faria, 2ª vez, 1849.
Feleciano José Manhães tenente-coronel, 1850. Joaquim Jacome d’Oliveira
Campos, sargento-mór, 1852. Ignacio Rangel d’Azevedo Coutinho, idem,
1855. Joaquim José Ribeiro de Seixas, tenente-coronel, 1863.

Capitães-móres.

Francisco Gomes Ribeiro, 1676. Mauricio Ferreira Bandeira, (neste


tempo eram nomeados por trienio), 1684. Antonio Rodrigues Moreira,
interino, 1686. Agostinho de Carvalho, (cada navio que entrava lhe pagava
320 rs.) 1695. Simão Alves, 1698. Antonio da Silva Pessanha, ou Thomé
Alves Pessanha, 1700. Fernando da Gama, 1703. Luiz de Mattos Bezerra

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

de 1709 a 1714. Agostinho d’Azevedo Monteiro 1, 1722. Martins Correia


de Sá e Benavides 2, 1733. Francisco Mendes Galvão, posse em 13 de
dezembro de 1733 a 1739. Antonio Teixeira Nunes 3, entrou em 1733. Felix
Alves de Barcellos, (ficáram os governos separados e este commandou em
S. Salvador) entrou em 1749. Pedro Velho Barreto, (fôra sargento-mór),
1771. Belxior Rangel de Souza, posse a 23 de junho (tornou-se a reunir),
de 1781. José Francisco da Cruz, de 1794 a 1819. Manoel Antonio Ribeiro
e Castro, (barão de S. Rita) até 1832.
1
Era tambem administrador das fazendas do donatario, cujo encargo transmittio, em 1721, a João Freire
Allemão, por não ter ainda chegado seu pai Manoel Freire Allemão, de quem era procurador.
2
Havia sido capitão de um dos terços do Rio de Janeiro, e veio como capitão-mór governar a capitania, por
nomeação de seu pai o Visconde donatario.
3
Parece que foi dos mais severos, segundo algumas de suas leis que copiamos em resumo : « Antonio Teixeira
Nunes, capitão-mayor nesta capitania dos Goytacazes pelo illustrissimo e excellentissimo senhor visconde
della, senhor e donatario da mesma capitania &c. : Faço saber a todas as pessoas da minha jurisdicção
de qualquer coalidade que seja que por varias representações e queixas que me fizeram e estão fazendo
continuamente, e por evitar estas e outras muitas, attendendo ao bem commum e governo politico, a toda
pessoa que se achar nesta capitania com porretes curtos e outras quaes quer armas das reprovadas em
direito ou lei novissima, pela primeira vêz sendo branca pagará 6$000 da cadêa, onde estará 30 dias e della
não sahirá sem apresentar certidão ou recibo do thesoureiro do concelho, e sendo parda pagará 3$000 da
cadêa na fórma acima dita, e sendo captivo será preso no tronco 15 dias e se lhe dará 200 açoites, e isto
pela primeira vez, e pela segunda e terceira se lhe garrará as penas em dobro, e se mostrarem remissos serão
remettidos autuados ás justiças pára se castigarem ordinariamente e sorão remettidos ao Rio de Janeiro onde
se lhe assentará praça de soldado para o Rio Grande . . . . . . . como tambem todo aquelle que constar furtou
canoas ou as levou de umas partes para outras sem licença de seus donos, será preso, e sendo escravo levará
200 açoites no pelourinho, e sendo livre será autuado e remettido ao Exm. Sr. general para lhe assentar praça
para o Rio Grande, como tambem todo aquelle que constar furta gados ou compra a escravos sem licença
de seus senhores, será compellido nas mesmas penas . . . . . . . . . . e todo escravo que se achar destapando
roças ou quintaes ou cancella será preso e se lhe dará pela primeira vez 100 açoites e pelas mais se irão
aggravando as ditas penas conforme merecer sua contumacia alem de pagar primeiro a perda que causarem,
e qual pessoa que souber me virá denunciar, pena de que o não fazendo e me constando que o sabe será
preso na cadêa donde pagará para as ditas obras 3$000, e todo escravo tanto macho como femea que se
achar pelas ruas depois que correr o sino dadêa será a ella levado e de lá não sahirá sem levar 100 açoites no
pelourinho não constando de ir mandado de seu senhor, e qualquer official da milicia ou justiça depois da
cadêa me dará parte para eu fazer o que for mais acertado e me parecer pena de que contando-me o disfarce
todos os comprehendidos acima serão presos e castigados como me parecer e na forma do direito. E por
me parecer util esta pragmatica para o serviço de Deus e de Sua Magestade que Deus guarde, mandei lavrar
e passar e será lido em bando pelas ruas a toque de caixas destemperados para vir a noticia de todos e não
allegarem ignorancia e será registrada nos livros da camara desta villa e na capitania e mais aonde pertencer.
Dado nesta villa de S. João dos campos dos Goytacazes sob meu signal sómente, aos 13 do mez de fevereiro
de 1774. — Antonio Teixeira Nunes. »
Outra. — « Antonio Teixeira Nunes, etc. Por quanto o povo se vê opprimido com as desordens que os
vadios fazem nesta villa e todos os seus districtos, e os ditos ordinariamente vem buscar esta povoação
para ter lugar seus terriveis procedimentos, daqui e diante nenhum mestre de lancha ou quaesquer barcos
ou canoa não poderão consentir que qualquer passageiro forasteiro salte em terra sem que os ditos mestres
m’os venha manifestar declarando seus nomes e estado de cada um para que eu entendendo ser conveniente
á conservação da ordem os mande vir a minha presença a fazer-lhe as perguntas que forem precisas sobre
seu modo de vida, pena de proceder com os ditos mestres a condemnação de 20$000 para as despezas
do concelho e 60 dias de cadêa . . . . . . . e outro sim todo o preto e mulato que andar correndo a cavallo

218
TERCEIRA PARTE

pelas ruas, pois segundo me consta pizam as crianças que se acham descuidadas e tambem descompõem
as pessoas grandes, será preso e levará no pelourinho 200 açoites sem appello nem aggaravo, e não quero que
de hoje em diante ninguem corra a cavallo pelas ruas ; e porque entendo eu serem estas ordens de muito
proveito de Deus e de Sua Magestade que Deus guarde, mando que sejam pelas ruas lidas no bando com
caixas rufadas e destemperadas para que ninguem allegue ignorancia. Dado e passado nesta villa sob meu signal
sómente e registre-se nos livros da camara, nesta villa de S. João da Praia dos campos dos Goytacazes da
Parahyba do Sul aos 11 dias do mez de julho de 1745. — Antonio Teixeira Nunes. »
Havia o capitão-mór Pedro Velho representado a necessidade de separar-se o emprego, tendo em attenção
a distancia de S. Salvador, em caso de perigo de inimigos na barra, e de facto assim se fez. Por morte deste
e entrada de Belxior Rangel, em 1781, reuniu o novo chefe ambos os districtos ; mas o senado de S. João
instou em pedir ao vice-rei um capitão-mór privativo da villa, ou continuação da antiga pratica, cuja resposta
foi a seguinte, dada no ensejo de se fazer nova nomeação por morte de Belxior :
« Achando-se á tempo consideravel vago o posto de capitão-mór das ordenanças do districto desta villa me
parece dizer a vossas mercês que será muito conveniente que façam a sua proposta e me remettam ; como
tambem lembrar a vossas mercês que me não será desagradável que na mesma proposta contemplem a José
Joaquim Pereira, tenente do terço auxiliar desse districto. Deus guarde a vossas mercês. Rio, 24 de março de
1794. — Conde de Rezende — Srs. Juizes e mais officiaes da camara de S. João da Barra. »
Em 9 de abril do mesmo anno o senado enviou a lista pedida, organisando-a como se segue :
Capitão de ordenanças, Manoel Antunes Moreira.
Capitão de forasteiro José Freire Vital.
Tenente do terço auxiliar José Joaquim Pereira.
João Martins da Silva Coutinho.
José de Freitas Silva.
José Barreto de Andrade.
Antonio Martins da Costa.
Miguel Antunes Moreira.
Porem a nomeação nunca se effectuou, não obstante o empenho do vice-rei, nem consta o motivo da
difficuldade ; e José Francisco governou ambos os termos, e o mesmo fez seu successor até 1832.

219
CAPITULO
IV.
De outros empregados de antiga usança da classe
governista : dos officiaes do recrutamento e da
capitania do porto.

Do capitão regente. 1

José Fernandes Lima, antes de 1737. Felix Alves de Barcellos, 1740.


Antonio da Fonseca Dias, ultimo, 1757.
1
Esta autoridade cremos que tinha por especial dever substituir o capitão-mór em seus impedimentos, na
parte policial ; porque vimos uma ordem, de 1757, vinda de Antonio da Fonseca, que então a occupava
nesta capitania, para o juiz ordinario de S. João, com sobrescripto — do serviço de sua magestade —
recommendando que, em virtude de ordens superiores houvesse elle juiz de revistar todas as embarcações
que entrassem na barra, quer nacional quer estrangeira, a ver se prendia um individuo cujos signaes vinham
inclusos n’uma relação.
Fonseca pouco durou no emprego ; e o senado recusou reconhecê-lo como tal, dando essa recusa causa a
vir elle pessoalmente a S. João, em 6 de fevereiro desse mesmo anno de 1757 para punir tal desobediencia,
allegando que o senado de S. Salvador já o havia reconhecido. A camara se obstinou na primeira resolução,
dizendo que depois da morte do antigo regente Felix Alves de Barcellos, ainda o rei não tinha promovido
o lugar (era o tempo do desfecho da lucta do donatario), e nem mesmo o general do Rio de Janeiro, que
era quem governava esta villa ; e que o senado estava contente com o governo actual do capitão-mór Pedro
Velho Barreto, por ser official muito antigo e de meritos ; e quanto a posse que allegava ter tomado em S.
Salvador, esta camara por isso o não reconhecia, pois que esta villa era independente e cada um tinha seu
governo com sugeição ao dito general, a quem de tudo deram parte.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Alcaide-mór.

Todos sabem que esta dignidade foi desde o principio da monarchia,


occupado por gente da alta nobreza e da mais elevada condição. Lá se deu
o heroico feito de Martins de Freitas, alcaide-mór do castello de Coimbra ;
o de Nuno Gonçalves, o de Faria, e outros relatados pela historia ; pórem
entre nós não houve castellos mas sim o cargo, talvez por honorificencia ;
sendo primeiro de que temos noticia.
O capitão João Vaz Nunes, pelos annos de 1704. Henrique Freire de
Mendonça e Motta, nomeação do donatario, 1728. Caetano de Barcellos
Machado, 1739. Antonio da Silva Pessanha, passou para S. Salvador, 1755.

Alcaide-menor.

Sebastião Coutinho, (unico que tivemos), 1739.

Guarda-mór.

O privativo da villa de S. João, alem dos de S. Salvador, foi José


d’Azevedo Maia Lages 1737.

Capitão dos Barros.

Não nos foi possivel descobrir qual o exercicio e attribuições


desta autoridade ; sómente encomtremos que o vice-rei nomeou,
prestou juramento na camara e tomou posse ; João da Costa e Souza,
a 10 de maio de 1797.

Capitão de forasteiros.

Era José Freire Vital, quando foi nomeado para o auxiliar.

222
TERCEIRA PARTE

Mamposteiro.

Este emprego ou encargo não tinha jurisdição, por assim dizer, mas o
Mamposteiro-mór podia impor multas, suspender os tabelliões, suspender
os mamposteiros pequenos (o das villas) : destinava-se ao ministerio que
se verá na carta da nomeação de Domingos Moreira.
« Bento de Oliveira Braga, Manposteiro-mór da redempção dos
captivos desta cidade de S. Sebatião do Rio de Janeiro e de todo o seu
bispado, juiz dos aggravos feitos aos manposteiros pequenos, executor e
conservador de seus privilegios e de todas as suas causas crimes e civeis
em que forem autores e réos, como tambem procuradores e mais officiaes
e pessoas priviligiadas subordinadas a esta mamposteria-mór e de todas as
penas e causas pertencentes aos captivos com alçada, por Sua Magestade ;
que Deus guarde etc. Faço saber a vossas mercês senhores juizes ordinarios
e mais officiaes do senado da villa de S. João Baptista da Praia dos Campos
dos Goytacazes, e outras quais quaes quer pessôas a que pertencer que
pelo poder que por el-rei nosso senhor para isso me têem dado pelo
regimento de meu officio, eu dou ora por mamposteiro pequeno dos
captivos da freguezia de S. João Baptista dessa villa a Domingos Moreira,
morador da mesma, por quanto me foi por vossas mercês para o dito
cargo apresentado, por tanto o notifico assim para d’elle serem certos e
lhe deixarem servir o dito officio e lhe mandarem guardar e cumprir os
privilegios e liberdades que pelo dito senhor lhe são outorgados, as quaes
são estas que se seguem.
« Primeiramente que não seja constrangido para levar captivos
alguns nas procissões geraes e solemnes qual o fazem em cada um anno
nas cidades e villas de seus reinos e senhorios, nem será constrangido
para outro encargo do conselho de qual quer maneira que sejam, nem
seja tutor nem curador salvo se as tutorias forem lidimas (legitimas),
nem seja sacador de pedidos nem pousem com elles em suas casas de
moradas, adegas, nem estribarias nem lhe tomem cousa alguma de seu
contra sua vontade, nem roupas de cama nem alfaias de casa nem bestas
de sella nem de albarda nem seus obreiros para nenhuma pessôa de
qualquer estado ou condição que seja, posto que o dito senhor, rainha
ou princepe, nossos senhores, sejam na terra ; por cuja causa Sua Alteza
manda que se não guardem algum privilegio porque em especie quer que
estes nestes casos e outros quaes quer que sejam com tudo guardados

223
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

muito inteiramente, e posto que outros devessem por seus alvaras não
se intendam neste salvo se em especial os derroga, nem sejam nenhum
official do conselho contra sua vontade, seja juiz, vereador ou almontacé,
nem seja recebedor de siza nem nenhum outro cargo, sem embargo de
quaes quer ordenações de Sua Alteza e regimento de sua fazenda em
contrario, nem seja acontiado em borsa de garruncha nem de polé nem
de conto nem de alguma quantia ou finta posto que para ella haja fazenda,
salvo em cavallo e armas se houver bens, porque segundo ordenança do
dito senhor lhe deva ser lançado, porque disto ha por bem Sua Alteza ser
escuso de pessôa alguma e seja posto em algumas das sobreditas quantias
ou outras que sejam d’ellas tirado e lhe não sejam mais lançado emquanto
o dito cargo tiver, nem pague pela levada de presos nem de outra finta
que pelo dito senhor e seus conselhos sejam lançados, salvo em pontes,
muros, fontes, calçadas e testadas de suas heranças, nem sejam obrigados
a ter ganxo na sua porta porque o dito senhor o escusa e ha por escusado
aos mamposteiros pequenos dos captivos de terem os ditos ganxos am
suas portas, e sem embargo de que pela ordenação dos ditos ganxos sejam
obrigados a os terem, o que tudo assim Sua Alteza ha por bem mêrce á
redempção dos captivos, havendo respeito ao muito continuo trabalho
que os ditos mamposteiros levão em servir os ditos cargos e em pedir e
tirar as esmolas e peditorios para os ditos captivos, e para o que daqui em
diante com melhor obra folguem de habitar e servir, porem faço assim a
todos saber da parte do dito senhor que lhe guardem e façam em tudo
cumprir e guardar os ditos privilegios e liberdades sem irem contra alguma
dellas sob pena de pagar cada um 2$000 rs. para a dita redempção ; e por
este mando a qualquer tabellião que for requerido que sob pena de ser
suspenso do officio que dê instrumento de aggravo que lhe é feito para
perante mim vir requerer sua justiça, e sobre ser o seu aggravo provido
segundo a ordenação e regimento do dito senhor pelo poder que me tem
dado de dar execução a dita pena nos que lhe seu privilegio quebrar, e
este privilegio o guardará inteiramente, assim os mamposteiros pequenos
que já forem feitos como ao presente promovido Domingos Moreira e
aos mais que daqui em diante se fizerem ; pelo que em cumprimento do
referido deverão servirem o dito mamposteiro pequeno como dito é, e
tirar suas esmolas e peditorios para os ditos captivos, o que será obrigado
a me dar conta dellas todos os annos para se carregarem no livro da minha
receita pelo escrivão do meu cargo, de que haverá posse e juramento para

224
TERCEIRA PARTE

servir o dito officio, e com elle poderá tambem requerer tudo que aos
captivos pertencer ; em firmesa do que se lhe passou a presente carta de
privilegio de mamposteiro pequeno por mim assignada e sellada. Dada
nesta cidade do Rio de Janeiro, aos 20 dias do mez de maio de 1751 ; e eu
Cypriano Ferreira escrivão da mamposteria-mór dos captivos, nesta cidade
de S. Sebastião, e todo o bispado, o subscrevi e assignei. — Bento de Oliveira
Braga. — Cypriano Ferreira. »
O regimento desta autoridade é de 1703, e manda que se observe os
mesmos privilegios relativamente ao tabaco, alem dos acima transcriptos.
Chama-se tambem mamposteiros da bulla da santa crusada os
thesoureiros que vendiam estas cartas de indulgencias ¹. O mamposteiro-
mór, em 1783, era do Rio de Janeiro o Dr. Manoel de Jesus Valdetaro, que
servia com seu adjunto o D. Francisco Gomes Villas-Boas, vigario geral,
cujo emprego largara o capitão Caetano de Sá Caldas ; e nomearam nesta
villa de S. João a Francisco Luiz de Andrade, 1783.
Nomearam igualmente os mamposteiros de Santo Antonio de
Lisboa, e de outras devoções, que ordinariamente recahia no dos captivos.

Officiaes encarregados do recrutamento.

Os recrutamentos foram feitos algumas vezes pelos juizes ordinarios,


outras pelos capitães-móres. Porem os mais notaveis vieram promovel-os :
Antonio Joaquim, official da 1ª linha, nos annos de 1782, José
Thomaz de Brum, tenente-coronel, nos annos de 1792, Manoel Joaquim
Pereira da Silva, coronel ajudante d’ordens, 1816.

1
« Dom Francisco de Souza, do concelho de Sua Magestade, seu sumiller da cortina, deputado da meza da
consciencia e ordens e do santo officio, conego doutoral da Sé da Guarda e comissario geral apostolico da
bulla da santa cruzada. nestes reinos e senhorios de Portugal etc. Fazemos saber aos senhores corregedores,
juizes de fóra ou vereadores e mais justiças desse reino e suas conquistas, que Sua Magestade passou dous
alvares por elle assignados, um que ha por bem que os thesoureiros, escrivães, officiaes e mais ministros que
entenderem no negocio da dita bulla da santa cruzada, gozem e usem dos privilegios e liberdades de que
gosam os mamposteiros dos captivos ; outro porque ha por bem que os thesoureiros e mamposteiros da
cruzada gozem de seus privilegios ainda que tenham duzentos mil réis de seu e d’ahi para cima, dos quaes
alvaraes e privilegios o translado é e seguinte : ..........»
Segue os privilegios, com pouca differença dos de mamposteiros, assignados já em 1746 por Matheus Nunes
José de Macedo, procurador e thesoureiro da bulla, e por Francisco Pereira de Barcellos, thesoureiro e
mamposteiro de Santo Antonio de Lisboa nesta freguezia de S. João da Praia.

225
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Officiaes de marinha encarregados do corte das madeiras e da delegacia da


capitania do porto da côrte.

A principio eram estes officiaes encarregados sómente da compra


e remessa das madeiras destinadas ao arsenal de marinha, e quasi sempre
residiam em S. Salvador, vindo á barra em occasiões de embarques. Mais
tarde tiveram aqui um agente, e depois mandaram construir barcos, um
telheiro na barra e mais utensilios, por conta do cofre publico ; até que,
pelos annos de 1849, creou-se a repartição da delegacia do porto, com
obediencia á da côrte, com escrivão, capataz e tripolação d’um bote.
Presentemente está a repartição montada convenientemente ; mas em
nosso entender, a superintendencia da pilotagem da barra e policia da
amarração dos navios no ancoradouro, são os dous ramos do serviço que
justamente carecem da fiscalisação de um official de marinha. Quanto ao
mais tem-se observado que é maior o flagello que a utilidade. A ordem dos
chefes que tem occupado o emprego é a seguinte :
João Baptista Rofe (contão que fôro recebido em S. Salvador debaixo
de pallio), 1809. Joaquim Martins da Luz, capitão-tenente, annos de 1820.
Faustino José Sustz, capitão-tenente, 1824. Jacintho Alves Branco Moniz
Barreto, idem, 1836. Fellipe Shorte, capitão de fragata, 1847. Bernardino
de Sena Pereira, idem, 1850. Gabriel Ferreira da Cruz ¹, capitão-tentente,
1852. Ernesto Alves Branco Moniz Barreto, 1860, Francisco da Silva
Guimarães, 1862.

Capitães do matto.

Havia antigamente nos termos esta alçada, que foi abolida em 1827
com a creação dos commissarios de policia, cuja nomeação era exclusiva
do senado, e sua occupação especial a destruição dos quilombos, para cujo
mister nomeava subalternos. Os de que temos noticia foram :
Cypriano Moreira, de 1792 a 1812. José dos Santos Couto, 1813.
João Luiz da Silva, 1816.

1
Um dos mais honrados chefes, excellente cidadão.

226
TERCEIRA PARTE

Comissarios de policia no anno de 1828.

Domingos Gomes d’Azevedo, da villa. José Gomes d’Azevedo,


do Porto-escuro. Nicolau Manoel Runcão, Tahy Francisco José Rangel,
Barra Sêcca, do Sul. Joaquim de Souza Pinto, Barra Sêcca, do norte.
Manoel da Costa Bandeira, Beira-rio, João da Silva Barreto, Campo-
novo. Amaro da Silva Moreira, Cacimbas. José Martins dos Santos,
Sertão das Cacimbas. José Antonio Pinto, Manguinhos. Manoel Pereira
da Silva Vianna, Itabapuana.
Foram abolidos em 1831, com a criação dos delegados de policia,
que correspondiam aos inspectores de quarteirão de hoje ; os comissarios
de policia eram da nomeação do ministro da justiça.

227
CAPITULO
V.
Dos vigarios, thesoureiros de Orphãos e ausentes.
Vigarios.
Francisco Gomes Sardinha, encommendado, 1676. Francisco do
Sarmento, (religioso do Carmo), 1680. Matheus Teixeira de Mendonça, de
1681 a 1694. Domingos de Mattos, até 1711. Gabriel Pereira d’Araujo, 1º
collado, até 1724. Bacharel Pedro Marques Durão, 2º dito, entrou em 1725.
Francisco Xavier da Fonseca, por auzencia do proprietario, 1727. Luiz
Lourenço da Cunha, idem, 1742. Ignacio da Costa Antunes do Rozario,
idem, 1766. João Silveira Machado, coadjuctor, idem, 1768. Manoel Furtado
de Mendonça 1, 3º collado, entrou em 1769 a 1805. Diogo de Carvalho da
1
Pizarro no 6º Vol. de suas Memorias Historicas a fl. 174, diz o seguinte tratado dos conegos da 5ª cadeira da Sé
cathedral fluminense : « 2º Manoel Furtado de Mendonça, natural do Rio de Janeiro e mestre em artes, com
os serviços de sachristão mór e de capellão da Sé, de parocho das igrejas de N. S. da Conceição do Castello
e de S. João da Barra, foi 5º proprietario da 1ª cadeira de meia prebenda da creação da cathedral desde o 1° de
março de 1710, até que ascendeu a esta pela posse a 22 de maio de 1716. Parochiou o curato da Sé (em cujo
cathalogo é contado 7º cura) desde 1721 até o mez de agosto de 1722. Falleceu no anno de 1724, e jaz na
capella da ordem terceira de S. Francisco. »
Cremos que seria engano do illustre autor, visto que algum conego deste nome serviu na cathedral e morreu
em 1724, não parochiou por certo a freguezia de S. João da Barra, porquanto o padre Manoel Furtado de
Mendonça, que cá servio, é o de que fazemos menção ; o qual falleceu em 1806, pouco mais ou menos, e não
consta que fosse elevado á dignidade de conego.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Costa, interino 1, e no impedimento do proprietario, 1774. José Soares,


idem, 1789. Francisco José Pereira de Carvalho encommendado, 1807.
José da Costa. Idem, 1808 . . . . . . Barboza, idem, 1809. Luiz Manoel, idem,
1810. José Caetano Ribeiro 2, 4º collado, 1812. Manoel Gomes d’Azevedo,
interino, de 1812 a 1716. O mesmo, 5º collado, de 1816 a 1833. Francisco
João Chrisostomo Barreto, 6º collado, 1834. Francisco José Pereira de
Carvalho, estivera interino em 1807, e depois indo para Ouro-preto, de
lá desistio, 9º collado até 1846. Manoel Joaquim da Rocha Campista, 8º
collado, permutou com Carvalho, 9º collado, actual.

Filhos de s. João da barra, formados em diferentes


faculdades, e ordenados sacerdotes.

Doutores.

João da Silva Cordeiro, filho do alferes Domingos Alves de


Barcellos, em direito, 1835. Joaquim Manhães Barreto, filho do capitão
Manoel Manhães Barreto, em medicina, 1838. João Martins da Silva
Coutinho, filho de Fernando José Martins, em mathematicas, 1853.
Manoel Francisco Póvoa Ferreira, filho de Antonio Ferreira Coutinho,
em medicina, 1853. Joaquim Antonio de Faria, filho de Antonio Joaquim
de Faria Sobrinho, idem, 1854. Manoel da Costa Camorim, filho de José
Em proncipio de sua serventia, ainda encommendado, pregou aqui um sermão, que parecendo atacar o governo
(tratava-se nessa epocha da extincção dos jesuitas), foi preso ao descer do pulpito. Conduzido a Lisboa, recitou
lá o mesmo sermão, tendo por resultado da accusação o ficar livre della, e vir collado na freguezia.
1
Era cozinheira do padre coadjuctor uma sua escrava por nome Maria ; e apezar da castidade e vida exemplar
do veneravel levita, os malevolos divertiam-se particularmente com detrimento de sua reputação. E’ bem
verdade que Maria, com suas travessuras, dava aso ás murmurações ; algumas noites por divertir-se vestia
a semarra de seu senhor, e adaptando-lhe um capuz, ia fazer de diabo ou alma do outro mundo lá para
os bairros do curral, lugar de mais concurrencia da marinhagem. Vindo o padre a saber do que se fallava
a respeito delle e Maria, annunciou uma predica para o domingo seguinte ; resolução que a todos causou
admiração, porque nunca em sua vida tinha subido ao pulpito, alem de ser já idoso e passar sempre por
pouco estudioso. Chegado o dia assignalado, e preparado elle no lugar proprio, principiou o sermão com
estas palavras : « Ora todos se hão de admirar de me verem neste lugar ; porem uma vez é a primeira ; nas
roças de Francisco Pereira, na Ilha Grande, deu a lagarta ; a cerca do quintal do padre Furtado a cheia levou,
e estas doenças das caxumbas que andam agora, tudo isto é castigo de Deus por causa das mas linguas, quem
se mette com a vida do proximo está de pés e mãos no inferno . . . . . . . . . » O meio e final do sermão versou
sobre as más linguas.
2
Não chegou a parochiar a freguezia um anno, e falleceu nesta Villa de S. João em casa de Salvador Franco
da Motta.

230
TERCEIRA PARTE

Francisco da Costa, idem, 1859. Domingos Alves de Barcellos Cordeiro,


filho do doutor João da Silva Cordeiro, em direito, 1862. Mariano
Rodrigues de Brito, filho de Francisco João Rodrigues Fernandes, em
medicina, 1862. Luiz Martins da Silva Coutinho, filho de Fernando José
Martins, em mathematicas, 1863. José Joaquim Pessanha Povoa, filho de
Joaquim José Nunes Pessanha, em direito, 1865.

Sacerdotes.

Manoel Borges Senra 1, filho do capitão-mór Felix Alves de Barcellos,


ordenou-se em 1766. Felix Alves de Barcellos, filho do mesmo capitão-
mór, (foi capellão de N. S. das Neves, em Moribeca), 1766. José Antonio
da Silva, filho de Leonardo Felix da Silva, insigne pregador residio na
Mumbaça termo da cidade de Campos, 1793. Manoel Gomes d’Azevedo,
filho do tenente Manoel Gomes d’Azevedo, 1795. Belxior Alves Rangel
e Silva, filho de Domingos Alves de Barcellos, (erigio o oratorio de sua
fazenda do Calabouce), 1795. João Francisco d’Andrade, filho de Francisco
Luiz d’Andrade, Coadjutor muitos annos na matriz de S. Salvador), 1797.
Francisco Lopes Barboza, filho de Manoel Lopes Barboza, (falleceu
sendo collado na freguezia da villa de Iguassú), 1829. Miguel Antunes de
Brito, filho de João José de Brito, (actual vigario da freguezia da Serra,
no Espirito Santo), 1835. João Thomaz de Souza Faria, filho de Manoel
dos Santos Souza e Silva, 1857. José do Couto Coutinho Pao-brazil, filho
de José do Couto Coutinho, 1858. Manoel Marques Monteiro, filho de
Manoel da Silva Cardozo, actual vigario na freguezia das Dores, 1858.

Thezoureiros de auzentes.

Capitão Antonio da Silva Borges, 1740.


Por morte deste não se tornou a nomear pessôa que servisse
privativamente em S. João, e ficou o de S. Salvador abrangendo ambos
os municipios.

1
Dizia sempre a seus confessados — meu filho, ou filha, a verdadeira confissão é a emenda da vida.

231
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Thezoureiros de orphãos.

Antonio Martins da Costa, de 1752 a 1781. Francisco Luiz de


Andrade, de 1782 a 1814. José dos Santos Souza 1820. Antonio Pinto
Netto, 1824. Alferes Bernardo dos Santos Souza, 1832. Manoel dos Santos
Souza e Silva, 1836. José do Canto Coutinho, actual.

Thezoureiro do sello.

Emprego criado em alvará de 27 d’Abril de 1802 ; e Luiz Bernardo


Duarte de Macedo, 1º nomeado em 1803. Salvador Franco da Motta,
de 1809 a 1816. Manoel dos Santos Souza e Silva, 1824. Francisco
José Rodrigues Fernandes, 1825. José Gomes Moreira, (criou-se as
collectorias), 1830.

232
CAPITULO
VI.
Dos escrivães, e estatistica dos crimes e reos
desde os primeiros tempos da villa.

Escrivães.

Antonio Pererira Vianna, era do publico judicial e notas, e tambem


da camara 1676. Domingos Rodrigues Chavão, idem, 1678. Gonçalo
Gomes Sardinha, idem, 1682. João Vieira, 1683. Simão Cardozo Machado,
idem, 1689. Antonio Mendes Teixeira, idem, 1690. Braz Ferreira Coutinho,
idem, 1697. Capitão José Rodrigues Pereira, idem, de 1698 a 1709. Antonio
Carvalho da Fonseca, idem, 1710. Agostinho Esteves Negrão, idem, 1714.
Jorge de Castro Ilara, idem, 1715. André Vieira de Mattos, idem, 1730.
Antonio de Moraes, idem, 1737. André Franco da Motta, idem, 1741 a
1792. João Baptista Pinto de Sá Costa, idem, 1793. Domingos da Fonseca
Carneiro 1. Manoel Rodrigues dos Santos, 1804. Francisco Dutra da
Silveira, 1805. Francisco José da Silva. Manoel José de Vasconcellos, 1809.
Antonio Soares de Lima, 1819. Francsico Joaquim Nogueira, (menos o
1
Consta que o escrivão Paulo de tal fugiu, em 1802, por accasião de vir de correição o ouvidor interino José
Ribeito Pinto, e levou as chaves do cofre ; em consequencia chamou-se para o substituir o escrivão do S.
Salvador Claudio Pereira de Macedo.
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

officio da camara), 1821. Antonio Gomes da Cunha Braga, de 1821 a 1826.


Francisco das Chagas de Gusmão, até 1831. Antonio Gomes da Cunha
Braga, 2ª vez, até 1850. Amaro Gomes da Cunha Braga, por impedimento
de seu pae, até 1862.
Dividiu-se o cartorio, em 1850, sendo o 1º tabellião do 2º officio
Bernardino Pereira de Carvalho, até 1855.

Estatistica dos crimes desde a creação da villa. Posto


que relacionassemos todos, só faremos menção dos
mais curiosos.

1679. — Summario.

Juiz a camara. — Infracção de postura.


Réo, João Fernandes, dos Goytacazes, por pescar na lagôa de
Lucrecia sem licença. Esteve de tronco no pescoço.

1692. — Devassa.

Juiz ordinario, Manoel Ferreira da Fonseca. — Desobediencia


e resistencia.
Réo, Gonçalo Gomes Sardinha. Por ter ido dar n’um escravo do
mesmo juiz processante, de nome Simão, em sua propria casa, e por haver
insultado o mesmo juiz no alpendre da igreja matriz, no dia 28 de dezembro
do anno passado, 1691. O réu livrou-se porque provou ter o escravo
tentado fazer lenha dos paos da casa da pobre viuva Vicencia Daviso ; e
que quanto ao insulto da igreja, que o juiz fôra quem o provocara, porque
ao entrar a missa perguntando ao réo pelo atrevimento de dar no seu
escravo, elle réo disse que tinha feito muito bem, etc. ; ao que um irmão do
dito juiz, de nome Francisco Martins, puxando da espada entrou a cutilal-o,
ajudando-o o mesmo juiz Fonseca, e o réo sómente se defendia com um
páo. Depois da lucta, o vigario Mathias Teixeira conseguio apartar, vendo-
se que só estava rasgada a manga da vestia do juiz.

234
TERCEIRA PARTE

1693. — Devassa janeirinha.

Juiz ordinario, Felippe Vieira de Moura. — Abuso de autoridade.


Réos os juizes ordinarios do anno passado ; por conversarem e
tratarem de dar escapula ao criminoso Mauricio Ferreira. Livraram-se.

1706. — Devassa.

Juiz ordinario, alferes Matheus de Souza. — Morte.


Réo, Mauricio Nunes ; matou, no curral do Engeitado, a Antonio
Borges. Seguiu para o Rio de Janeiro.

1707. — Devassa janeirinha.

Juiz ordinario, capitão Antonio Viegas de Brito. — Suborno.


Réo Leonardo de Sá Barboza ; por procurar subornar os votantes
para ser elle o juiz no fututo anno. Livrou-se.

1708. — Devassa.

Juiz ordinario, capitão Manoel Borges Senra. — Suborno e


irrregularidade de conducta.
Réo, Leonardo de Sá Barboza ; por subornar as eleições para ser
juiz, por ser desordeiro, e por chamar muito pelo diabo.

O mesmo anno. — Summario.

Juiz ordinario, o mesmo. — Ferimentos.


Réo, o mesmo Leonardo de Sá Barboza ; por vir á casa da camara
e ferir o escrivão capitão José Rodrigues Pereira, e querer matar o vigario
Domingos de Mattos, que acodio, pois o dito escrivão estava na porta da
casa da camara rezando no seu rozario.

235
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

O mesmo anno. — Querella.

Juiz ordinario, o mesmo. — Furto.


Réo, João da Rocha de Calheiros ; por furtar um boi de Alberto
Fernandes.

1711. — Querela, summario.

Juiz ordinario, o sargento-mór Feliz Alves de Barcellos. — Estupro.


Réo, Gregorio da Silva ; por deflorar a moça Paschoa, de peitos
atacados, ao pé do brejo dos Tucuns, irmã de Alberto Pedro. A offendida
allegou que indo cortar uns gravatás, vira o réo em baixo do bacuparim,
abaixado de quatro pés, e lhe parecia o demonio ; por isso fechou os olhos,
rezando sempre a magnifica, e deixou elle fazer a estropelia ; mas que assim
mesmo ella casaria com elle, e seu irmão é que foi a causa de se saber tudo.
— Casou-se e ficou absolvido.

1716. — Summario.

Juiz ordinario, capitão Salvador Alves de Magalhães. —


Desobediencia.
Réo, José Vaz Ribeiro ; por haver-se atracado com o escrivão Jorge
de Castro Ilara, na praça desta villa ; ao que acodindo o juiz e mais officiaes
da camara, o réo deu no dito escrivão uma cutilada que o ferio, e o talho foi
dado por cima da cabeça do juiz ordinario, o qual aparando outra cutilada
com a vara que trazia da festividade, foi esta partida pelo meio.

1732. — Summario e querela.

Juiz ordinario, João Martins da Costa. — Injuria.


Réo, Antonio, preto escravo de Domingos Pires ; por dar uma
bofetada com mão aberta no alcaide Francisco da Silva.

236
TERCEIRA PARTE

1734. — Devassa.

Juiz ordinario, João Velho Barreto. — Morte.


Réos, Custodio, escravo de Jorge de Castro Ilara, o procurador da
camara Fernando Corrêa e Josefa da Silva ; por matarem a Ignacio Dornellas,
marido da ré Josefa, a qual andava teuda e manteuda com o réo Corrêa, e
mandaram matar por Custódio, na cabeça da Ilha Grande do Arena.

O mesmo anno. — Summario.

Juiz ordinario, capitão Manoel Henriques do Amaral. — Resistencia


e desobediencia.
Réo, Antonio Martins da Palma ; por dar um tiro no juiz e dous
soldados que o iam prender.

1738. — Devassa janeirinha.

Juiz ordinario, o sargento-mór Pedro Velho Barreto. —


Responsabilidade.
Réos, o juiz ordinario do anno passado Salvador Alves de Magalhães
e o vereador mais velho Henrique Fernandes Ferro, aquelle por consentir
ou não processar a este que apanhou 4$000 e uma peça de panno de
linho de Domingos Luiz, homem maritimo, para ser solto da cadêa, o qual
vendo fóra da prisão (para onde tinha ido por injurias que dissera a Felicia
Corrêa) deu a querela contra o juiz e vereador mais velho por lhe apanhar
este a peita para o soltar e queimar os autos da injuria.

1743. — Devassa janeirinha.

Juiz, o ouvidor João Alves Simões. — Responsabilidade commetida


no anno de 1737.
Réo, juiz ordinario Manoel Henriques do Amaral ; por haver
a si um escravo d’um ausente mandando-o arrematar em praça por
interposta pessoa.

237
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

1745. — Devassa

Juiz ordinario, Placido da Silva Moreira. — Morte e ferimentos.


Réo, Julião Rangel de Souza, da villa de S. Silvador ; por matar a uma
mulatinha de 5 mezes e ferir a mãe desta, de nome Lauriana, escravas de
Jorge de Castro Ilara, por lhe pedir Lauriana uns botões de ouro que lhe
tinha dado para mandar concertar ; a filha estava no collo da mãe.

1747. — Devassa

Juiz ordinario, o mesmo. — Ferimentos.


Réo, José Moreira, pardo liberto ; por dar muitas pancadas em André
Alvares, e outro, que pertenciam a um barco da Bahia, cuja espera foi feita
no caminho da barra abaixo do sitio de Euzebio Cordeiro.

O mesmo anno. — Devassa.

Juiz ordinario, João Coelho de Araujo. — Assuada.


Réo, Paulo Vieira ; por dar dous assobios quando o senado passou
pelo becco do rei em correição.

1747. — Devassa

Juiz ordinario, João Pinto Caldeira. — Ferimentos.


Réo, o ajudante Luiz Alves de Barcellos ; por fazer graves ferimentos e
outros crimes em Manoel Soares.

O mesmo anno. — Devassa.

Juiz ordinario, o mesmo. — Ferimentos.


Réo, o mesmo Barcellos ; por ferir tambem João Soares, irmão do outro.

238
TERCEIRA PARTE

1750. — Devassa.

Juiz ordinario, o capitão Manoel Henriques do Amaral. — Assuada


na igreja matriz, ferimentos, morte e arrombamento.
Réo, o ajudante Luiz Alves de Barcellos ; por cutilar o vigario Pedro
Marques Durão, dentro da igreja ; cutilar o juiz ; matar o alcaide e um
pardo de Geraldo Dias, do Limão ; arrombar a taverna de Domingos
Moreira. Foi degradado para Angola.

O mesmo anno. — Devassa.

Juiz ordinario, João Coelho de Araujo. Morte e ferimento.


Réos, Antonio Lopes, solteiro, sobrinho do ajudante Luiz Alves
; Maximiano, pardo forro e Elias, pardo forro ; por ferirem a Antonio
Martins, e matar a Manoel Ferreira, indios da terra.

1752. — Devassa.

Juiz, O corregedor Bernadino Falcão de Gouveia. — Arrombamento.


Réos, José da Costa, marinheiro que se achava preso, e o sargento
João d’Almeida, que chegando a esta villa de passagem para o Rio de
Janeiro, commandando uma escolta de 1ª linha, foi á cadeia, arrombou
a porta que dava entrada para a salla da camara, arrombou tambem o
alçapão da enxovia e fez fugir o dito preso para bordo do mesmo barco
que o conduzia para praça do seu regimento.

1753. — Devassa.

Juiz ordinario, Julião Rodrigues Freire. — ferimentos.


Réo, o sacristão José Francisco ; por fazer ferimentos no rosto do
barbeiro Jeronimo Gomes.

239
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

O mesmo anno. — Devassa.

Juiz ordinario, O mesmo. — ferimentos.


Réo, Francisco d’Abreu, maritimo ; por ferir Paschoa das Flores,
parda forra.

1655. — Devassa.

Juiz ordinario, o alferes José Gonçalves da Silva. — arrombamento


da cadêa.
Réos, o carcereiro Francisco da Silva, Manoel Correia de Lemos
e sua criada Catharina, parda, por arrombarem a cadeia onde estavam
presos, e o carcereiro concorrer para a fuga, em razão de fazer Catharina
artes do demonio.

O mesmo anno. — Summario.


Juiz, o senado da camara. — Infração de postura.
Réo, Manoel da Silva Barboza ; por pescar na lagôa Quipary dentro
do tempo prohibido, estando ella aberta.
O réo veio a juizo e disse que estava prompto a pagar 6$000 rs. da
multa, comtando que fossem tambem condenados a gente do capitão-mór
Pedro Velho ; a do capitão-mór, que era então de S. Salvador, Felix Alves ; o
filho do juiz almotacé Placido da Silva, de nome Amaro ; Manoel Rodrigues,
filho de Julião Rodrigues Freire, com sua rede ; e rede de Francsico Xavier
Pereira, emendada com a de Manoel Nunes. Como tambem havia pescado
na mesma lagôa, no dito tempo, o alcaide-mór Antonio da Silva Pessanha
; o seminarista Felippe Gonçalves d’Oliveira, que agora morava nos quintaes
de Pedro Dias Gonçalves (é na rua de S. Benedicto onde esta agora a
casa de José Jacintho), com sua rede emendada com a da gente do padre
Leandro da Rocha, que fôram os que abriram a dita lagôa sem licença ; e
por ser dito seminarista um gallinho, depois que veio do Rio de Janeiro, e
já foi á presença do almotacé por bulir com a negra de Salvador Martins.
O que tudo ouvido e examinado, mandou-se lavrar termo desta denuncia,
o que o mesmo réo assignou, e foi absolvido ; mandando-se logo passar
mandado, executivo contra os denunciados.

240
TERCEIRA PARTE

1757. — Devassa.

Juiz ordinario, Antonio Martins da Costa. — Ferimentos.


Réos, os estudantes filhos de Cabo-Frio, Bernardo da Costa e seu
irmão Felix da Costa, e um negro escravo de Caetano Manoel da Motta
Ferraz ; por mandarem os estudantes pelo dito negro dar porretadas,
de noite, em Manoel dos Santos, filho de Ignez da Silva, porque este
Santos esbodocou os ditos estudantes n’uma noite em que elles andavam
rondando a casa da dita sua mãi Ignez para mettel-a em máo caminho.

1762. — Devassa.

Juiz ordinario, o mesmo. — Morte.


Réo, Antonio Dias ; por ter dado um tiro no castelhano Francisco
Xavier, por alcunha o mouro, na occazião de o irem prender no Vianna,
por ser o dito mouro criminoso. O ouvidor, vindo depois em correição,
absolveu o réo por provar-se que o castelhano tinha resistido, a pontos de
haver dado uma cutilada de catana no alcaide da diligencia Marcos Gomes.
O mouro morreu na cadêa.

O mesmo anno. — Devassa.

Juiz ordinario, João Alves de Magalhães. — Arrombamento de cadêa.


Réos, os presos João Soares, soldado da praça do Rio de Janeiro,
Francisco de tal, pardo, Domingos, escravo de Cosme Coelho, e um
filho do defunto Adolfo ; por arrombarem a cadêa onde estavam por
ordem do capitão-mór.

1765. — Devassa.

Juiz ordinario, Francisco Pereira de Barcellos. — Bofetada com


mão aberta.
Réo, José Bicudo, solteiro filho de Francisco Bicudo de Brito ; por
dar duas bofetadas de mão aberta em Maria Antonia do Rozario, parda.

241
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

1768. — Devassa.

Juiz ordinario, Manoel de Freitas Silva. — Bofetada com mão aberta.


Réo, Antonio de Freitas, maritimo ; por dar uma bofetada em José,
filho de Agostinho Alves. Foi absolvido pelo ouvidor por provar que dera
a bofetada com mão fechada.

1770. — Devassa.

Juiz ordinario, Manoel Gonçalves da Costa. — Ferimentos.


Réo, Antonio, cabra escravo do padre Manoel Borges Senra ; por ter
dado muitas porretadas de noite, nas restingas do Vianna em Pedro de tal,
aggregado do capitã-mór Pedro Velho Barreto.

1771. — Devassa.

Juiz ordinario, Domingos Moreira. — Arrombamento e furto.


Réo, Antonio Alves Rodrigues Faial, pardo ; por arrombar e furtar
a loja de fazendas de Francisco Fraco Peniche, procurador da camara do
anno passado. O réo residia em Quissaman.

1773. — Devassa.

Juiz ordinario, Manoel de Freitas Silva. — Roubo de igreja.


Réo, José Antonio, natural de S. Paulo ; por tirar furtivamente na
noite de sexta feira da Paixão, 9 de Abril, um panno e parte da pedra d’ara
do altar do Santissimo Sacramento e Senhor dos Passos ; sendo preso
encontrou-se este furto pendurado no pescoço, envolto em um panno de
camelão verde. O reó morreu de bexigas na cadeia da villa de S. Salvador.

1775. — Devassa.

Juiz ordinario José de Souza Pires. — Bofetada.

242
TERCEIRA PARTE

Réo, Simão Nogueira da Paz ; foi absolvido por provar que deu em
Joaquim Pereira a bofetada com a mão fechada e não aberta. O ouvidor
José Ribeiro Guimarães Attahyde, não tomou conhecimento do caso, na
futura correição, por suspeito em razão de ser o réo escrivão da vara de seu
meirinho ; assim o declarou nos autos.

1775. — Devassa.
Juiz ordinario, o Alferes Domingos Alves de Barcellos. — Morte.
Réo, Simão Nogueira da Paz, dono das fazendas da Barra Sêcca e
Campello ; Antonio Bahia, congo, Casimiro, mina, Domingos e Antonio,
benguelas ; por matarem estes a André, cabra seu parceiro, por ordem do
dito seu senhor na occazião de o prender.

1776. — Devassa.
Juiz ordinario, capitão José Gonçalves da Silva. — Bofetada
com mão aberta.
Ré, Maria da Conceição, parda ; por dar uma bofetada com mão
aberta em Faustina das Neves, mulher de Manoel da Silva Marvilha.

1801. — Devassa.
Juiz ordinario, Domingos Gomes d’Azevedo. — Vender o que
não é seu.
Réo, Ignacio Xavier Barreto ; por vender umas terras letigiosas.

1807. — Summario por infracção de postura.


Juiz, o senado da camara. — Falta do toque do búzio.
Réo, Eleuterio, pardo escravo de Manoel Botellho de Arruda ; por
não tocar o búzio quando chegou com o peixe na banca. O senhor do réo
allegou que outros pescadores já o haviam tocado antes, que por isso o
povo não tinha falta de aviso : foi absolvido.

243
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

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Nos ultimos tempos multiplicáram-se os processos com o


augmento da população, mas pelos que relacionamos póde o leitor
ajuizar do modo de processar dos primeiros annos, e da natureza dos
delictos mais frequentes ; devendo notar-se que os almotaceis tambem
tinham alçada sobre policia interna.
Quanto aos procuradores e advogados, tambem os havia como
agora, porem serviam aos que não se queriam dar ao trabalho de tratar de
seus pleitos, muito differente dos desta nossa era de liberdade, que com
mais propriedade se poderia chamar a dos privilegios, visto que não ha quem
os não arranje para sua classe.
O que é chamado a juizo não póde lá boquejar e defender seu
direito sem que peça primeiro licença ao juiz para o fazer ! Se a audiencia
é publica, como diz a lei, para todos quantos tenham que requerer, como
é agora limitada essa prerogativa a uma classe ? E’ grande vantagem
para a sociedadeque hajam profissionaes em todos os ramos, porem ser
constrangido o que sabe e quer praticamente tratar de seus interesses, de
sua saude e de sua economia a ir procurar outro que o faça no mesmo
sentido, será absurdo ou mais alguma cousa se o agente souber menos que
o proprio dono que neste caso vem a ser victima das novas usanças.

244
CAPITULO
VII.
Dos principaes fundadores da villa,
e sua descendencia.

O sargento-mór João Velho Pinto, ou Barreto, nasceu em Cabo Frio em


1640. — Violante Arraz de Mendonça, sua mulher, em 1646.

Seus filhos :
1º Euzebio Corrêa de Alvarenga, nasceu em 1671.
2º O capitão-mór Pedro Velho Barreto (era a principio Pedro
Velho Arraz).
3º O capitão Gregorio Barreto de Mendonça.
4º João Velho Barreto, nasceu em 1678.
5º Antonio Velho Barreto, nasceu em 1680.
6º Violante Arraz de Mendonça.
Euzebio Corrêa de Alvarenga casou com Margarida Coutinho, 2º neta
de Vasco Fernandes Coutinho, donatario do Espirito Santo, sobrinha do
vigario interino Mathias Teixeira de Mendonça. Tiveram os filhos seguintes
: 1º o tenente José Nunes de Mendonça, casado com Helena Vieira, que
foram progenitores de Domingas, que morreu solteira, e Maria José, que foi
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

casada com Manoel Moreira dos Santos, o frigir dos ovos ; 2º Ignacio Alves de
Alvarenga, casado com Violante do Cêo ; 3º João Nunes de Alvarenga ; 4º
Pedro Velho Celestino, casado com Anna das Neves ; e 5º Victoria de Jesus,
que casou com o tenente João Martins da Costa, e foram progenitores de
João Martins da Silva, casado com . . . . . . , paes de João Martins da Silva,
casado com Anna Joaquina, filha de Francisco Pereira de Barcellos ; Filippe
Martins da Silva, Josefa, mulher de Antonio Gonçalves Real ; Mariana,
casada com Manoel Ferreira Soares 1 ; o segundo filho de Victoria de Jesus
foi Antonio Martins da Costa, casado com Joanna do Nascimento, filha do
capitão Manoel Rodrigues da Purificacão, e foram paes de Maria, mulher
de Manoel Gomes de Azevedo, de quem foi filho o vigario Manoel Gomes
de Azevedo ; de Francisco Martins da Costa, casado com Mariana, filha de
Manoel de Freitas Silva ; Antonio Martins ; Raphael Rodrigues do Rosario.
Terceiro filho foi o capitão José Gonçalves da Silva, casado em primeiras
nupcias com Luzia, de quem houve Catharina, mulher de José Caetano (do
Mergulhão), e Josefa das Neves, 1º mulher de João Jorge da Silva ; e em
segundas nupcias casado com Micaela, filha de Placido da Silva, de quem
houve Anna, mulher de José Gomes ; João Pedro Nolasco ; Antonio José
Gonçalves da Silva ; Placido da Silva ; Victoria, mulher de Joaquin José
Freitas ; Margarida, mulher do capitão José Freire da Silva ; e Maria, mulher
de José Francisco Feijó.
Quarto filho de Victoria : Salvador Martins da Costa, morreu
solteiro. Quinto : Manoel Gonçalves da Costa, casado com Josefa da
Conceição, paes de Francisco Antonio Gonçalves ; Quintina, mulher
de João de Amorim ; Anna, casada com Ignacio Moreira da Silva ; e
Victoria, casada com José da Cunha e Silva. Sexto : Maria, 1º mulher de
André Franco da Motta, paes de Salvador Franco da Motta e de João
Martins da Motta. Setimo : Margarida Coutinha, casada com Leonardo
Felix, paes de João Martins da Silva Coutinho ; do padre José Antonio
da Silva ; de Thereza, casada com Amaro Geesteira Passos ; de Antonio
José de Andrade ; de Manoel Felix ; e de Anna, casada, 1º com Manoel
Francisco da Cruz (irmão do capitão-mór José Francisco da Cruz) ; e 2º
com Domingos da Fonseca Carneiro (minguta).
2º filho do sargento-mór Velho Pinto : o capitão-mór Pedro Velho
Barreto, casou 1º com Francisca de Magalhães (morreu em 6 de julho de
1743), filha do capitão Antonio Viegas de Brito e sua mulher Catharina
de Ceia (de Cabo Frio), neta materna de Antonio de Ceia de Almeida
1
Para não coufundir a narração julgamos não passar do gráo que mencionamos, pois que d'ahi em diante os
descendentes destes são bem conhecidos da geração actual.

246
TERCEIRA PARTE

e Bernarda Pereira Sabida, de cujo casamento houveram os seguintes


filhos : 1º Catharina de Ceia, casada com Francisco da Motta Sabido,
filho de André da Motta e Clara dos Reis Sabida, progenitores de Caetano
José da Motta, pae de Francisco José da Motta, casado com Maria, Filha
de Antonio Vicente Ferraz ; de Anna Caetana, casada com Domingos
Pereira Guimarães ; de Bibiana, casada, (morreu logo) ; e Clara, casada
2º vez com Joaquim José Carneiro ; e de Maria Thereza, casada com
Custodio José Nunes. A segunda filha de Pedro Velho foi Francisca
Barreta, 2º mulher de André Franco da Motta, progenitores de Justina,
casada com João Martins da Silva Coutinho ; de Anna Maria, casada com
Manoel Jorge da Silva ; de Bernardino José Franco, casado com Mariana,
filha de Simão Ferreira Claro. A terceira, Dorathéa, casada com João
Pinto Caldeira ; quarto, Julio Barreto de Mendonça, casado com Maria
Magdalena, filha do capitão-mór Antonio Teixeira Nunes ; quinto, Pedro
Velho Barreto, moço, casado com Josefa Alves de Souza. Casou segunda
vez o capitão-mór Pedro Velho com Victoria da Silva, e houveram os
filhos Francisco Barreto, que não casou ; e Mariana, casada com Manoel
Fernandes Rainho, de S. Salvador, paes do padre Francisco Rainho, de
João Fernandes Rainho, Mariana, casada com o doutor Anastacio José de
Faria Galaxe, e Victoria, segunda mulher de Joaquim José Alves.
3º filho : Gregorio Barreto de Mendonça, casou com uma filha
de Gonçalo Quaresma e Cecilia da Fonseca, de S. Salvador, e houveram
os filhos ; 1º Natharia Barreto ; 2º Gregorio Barreto de Souza, pae de
Josefa, casada com Manoel Caetano (do engenho d’agua) ; e 3º João
Velho Barreto, (do Gravatá), casado 1º com Benta 1 e 2º com Paula, filha
de Jorge Alvez Barreto.
4º filho : João Velho Barreto, casou com Anna Gomes, e houveram
quatro filhas : 1º Luzia Ferreira, casada com Luiz Francisco da Cruz,
progenitores de Maria, casada com o capitão Manoel Pereira de Barcellos
; Angelica, casada com Manoel da Silva chato ; Francisca, casada com
Manoel Machado : Anna, casada com João Martins da Motta ; Luiza,
casada com Salvador Franco da Motta ; e Polonia, que não casou. 2º
Thereza, que casou com Raymundo Bueno Feio, e foram progenitores
de Amador Bueno, João Velho Barreto, ambos casados com filhas de
Pedro Dias ; Anna, casada com Sebastião de tal ; e Helena, casada com
1
De quem houve um unico filho de nome João da Silva Barreto, campista distincto e notavel, não por
saber e apurada instrucção, mas por extremado e desinteressado zello e amor do paiz ; servio empregos
municipaes, nos quaes foi acerrimo perseguidor dos vadios.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Antonio Luiz. 3ª Leonor Pereira, casada com Bernardo Corrêa, e foram


progenitores de João Velho Barreto, casado com Valeria ; Anna Gomes de
Jesus, casada com João Rodrigues. 4ª Izabel Barreto, casada com Antonio
Pimentel do Couto, progenitores de João Freire ; Thereza, casada com
Antonio Moreira ; Izabel, casada com André Duarte ; Maria, casada
com José Bicudo ; Luzia do Couto, casada com Manoel João Juqueira ; e
Helena, solteira. 5º Antonio Velho Barreto, casado com Leonor Coutinho,
natural do Espirito Santo, filha de Antonio Ferreira de Queiroz : tiveram 4
filhos ; 1º Antonio Ferreira Coutinho, casado com Cecilia de Jesus 1, filha
de Manoel de Brito e Maria de Azevedo, e que foram progenitores 1º de
Antonio Velho Barreto, que casou com Josefa, filha do capitão Mauricio
de Lemos, de quem procederam Manoel Gomes Coutinho, Francisco José
Barreto, e Ignacia, casada vom capitão Manoel Manhães Barreto, filho
de Theodoro Manhães ; e 2º de Anna Coutinho, casada com Joaquim
Pinto da Silva ; e do segundo casamento com Maria de Lemos de Aguiar,
viuva de Francisco Alves de Magalhães, houve Clara, casada com Antonio
Ribeiro. O segundo filho de Antonio Velho Barreto foi Miguel Freire,
terceiro João Velho da Pena, e quarto José Barreto de Alvarenga.
6º filho : Violante Arraz, casada primeiro com João da Silva Veiga,
segundo com o capitão Manoel Borges Senra, Filho do sargento-mór
João de Senra, de S. Salvador, e tiveram uma só filha de nome Domingas
de Senra, que casou com o capitão-mór Felix Alves de Barcellos, cuja
descendencia imos mencionar no artigo seguinte.

O capitão Francisco Alves de Barcellos, casado em 1670 com Margarida


Corrêa.

Barcellos era natural do reino (assim se dizia dos nascidos na


Europa) ; tiveram tres filhos.
1º O capitão Salvador Alves de Magalhães.
2º O capitão-mór Felix Alves de Barcellos.
3º Maria Alves.
O primeiro, Salvador Alves de Magalhães, casou em primeiras
nupcias com Barbara de Souza, da qual houve sómente Leandro de
1
Irmã tambem de João de Brito e Benevides, mestre de escola, Miguel Matheus, Matheus Miguel, e Eufemia,
casada com João Rodrigues Gato.

248
TERCEIRA PARTE

Souza 1, em segundas com Maria de Oliveira, com quem houveram 5


filhos legitimos : 1º Beatriz Pinto, casada com Alexandre da Silva ; 2º
João Alves de Magalhães, pae do capitão Joaquim Pinto das Neves,
de S. Salvador ; 3º Eugenia Corrêa, casada, primeiro com Caetano
Pereira, e segundo com Heitor Homem de Leão ; 4º Francisco Alves de
Magalhães, casado com Maria de Lemos de Aguiar, filha de Mauricio de
Lemos ; e 5º Maria Pinta das Neves, casada com o ajudante Manoel de
Freitas Silva, progenitores de Joaquim Pinto da Silva ; José de Freitas,
Mariana, casada com Francisco Martins da Costa, e Ignacia, casada
com Severo da Silva, de S. Salvador.
Alem da legitima descendencia de Alves de Magalhães, houve elle um
filho natural, que perfilhou, e foi o capitão Manoel da Fonseca Magalhães,
houve ele um filho natural, que perfilhou e foi o capitão Manoel da Fonseca
Magalhães, senhor de engenho nas Moritibas ; foi casado, primeiro com
Joanna Mendes, segundo com Mariana Ribeiro de Andrade, e tiveram os
filhos seguintes : José Ribeiro da Fonseca, casado com Quiteria, filha de
Francisco Pereira de Barcellos ; Manoel da Fonseca, casado com Joanna
; Anna, casada com José Barreto de Andrade ; Maria, casada com João
Ferreira Coutinho ; Francisca, casada com Manoel José da Trindade ; e
Antonia, casada com João Pedro Nolasco.
2º filho, o capitão-mór Felix Alves, cazou com Domingas de Senra,
como se disse, filha do capitão Manoel Borges Senra, de quem houveram 9
filhos : 1º Francisco Alves de Barcellos, casado com Anna da Silva, não teve
filhos (era proprietario do Vianna) ; 2º Ignacio Alves de Barcellos, cazado
com Margarida da Silva, irmã de Severo da Silva, foram progenitores de
Sebastião da Silva Cabral : Ignacio Alves de Barcellos, Joaquim Ignacio
de Barcellos, o sargento-mór Vicente Ferreira de Barcellos, João Alves de
Barcellos, Domingos de Senra, Anna Maria, Maria Alves, Gertrude de Souza,
que todos foram para o sertão da Parahyba, em S. Salvador. 3º Luiz Alves de
1
Aqui poremos a descendencia deste, que é extensa, para não confundir com as do segundo matrimonio :
Leandro casou com Maria de Jezus, e tiveram 7 filhos : 1º Rita de Souza, casada com Mauricio Ferreira, e
segunda vez com Antonio Martins d’Oliveira, de ambos teve ella Manoel Ferreira Bandeira ; Maria Ferreira,
casada com Miguel Soares ; Joanna, casada com Ignacio Alves Barreto ; Ignacia Ferreira, casada com José
Cabral ; Eugenia Ferreira, casada com Joaquim Ferreira Coutinho ; e Antonio Martins, que morreu de 17
annos. 2º Eugenia Correia, nascida em 1718, casada com Manoel de Freitas d’Andrade, progenitores de
Paula Correia, casada com Antonio Ferreira da Motta ; de Maria de Freitas, casada com Manoel de Souza
Neves ; Ignacia Alves ; Anna de Freitas, casada com João Ribeiro da Silva ; 3º Paulo da Silva ; 4º Sebastiana
de Sonza, casada com Nazario Antonio Ferreira, filho de Manoel Ferreira Soares (cuja descendencia daremos
ao diante na de Maria Alves) ; 5º Barbora de Souza, casada com Bento Francisco, 6º Maria de Souza, casada
com Luciano de Souza ; e 7º Manoel de Souza.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Barcellos, o ajudante, não teve filhos ligitimos (morreu em Angola). 4º Jorge


Alves Barreto, cazado com Paula, filha do capitão Antonio da Silva Cordeiro,
foram progenitores de Antonio da Silva Cordeiro, (do corrego do peixe), de
Felix Alves de Barcellos (de S. Martinho), de Manoel Borges (da cambaiba)
de Paula, cazada com o alferes João Velho Barreto, Domingas, cazada com
José da Silva Esteves, de Luiz Alves, cazado em S. Salvador, e Anna, cazada
com João da Silva Rangel, e 2ª vez com o alferes Francisco Nunes Coutinho,
(do Moriahé). 5º Domingos Alves de Barcellos, cazou com Izabel da Silva
Rangel, filha tambem do capitão Antonio da Silva Cordeiro, os quaes foram
progenitores do capitão Antonio da Silva Cordeiro, alferes Domingos Alves
de Barcellos, padre Belxior Alves Rangel e Silva, e do sargento-mór José
Alves Rangel, barão de S. João da Barra. 6º Antonio Gomes de Barcellos.
7º o padre Manoel Borges Senra. 8º o padre Felix Alves de Barcellos, e 9º
Maria de Jesus Barreto, cazada com o capitão Nicolau Tolentino Lisboa,
progenitores de Mariana, cazada com Antonio Mendes, e Margarida, cazada
com Antonio Teixeira Nunes, filho do capitão-mór Antonio Teixeira Nunes.
3º filho, Maria Alves ; cazou com o tenente Manoel Ferreira Soares,
nascido em 1668 e fallecido em 1750, os quaes tiveram dous filhos, Luiz de
Almeida Pereira, que cazou com Anna da Silva do O’, e Manoel Ferreira
Soares, que cazou com Maria da Silva do O’, irmã daquella, estas as que
pediram e obtiveram a sesmaria do sertão de Cacimbas. Anna da Silva
não teve filhos ; e sua irmã com Ferreira Soares, houveram dous filhos
: primeiro Nazario Antonio Coutinho, que cazou com Sebastianna, filha
de Leandro de Souza, e foram progenitores de João da Silva, cazado com
Quiteria, Domingos Antonio, Manoel Ferreira Soares, cazado com Mariana
Rodrigues, Antonio Coutinho, cazado com Mariana Ribeira, Francisco
Alves, e Mariana, cazada com Sebastião Moreira. O segundo foi Damazia,
cazada com Pedro Dias dos Santos, filho de Francisco Bicudo de Brito.

O capitão Antonio da Silva Cordeiro 1 do (reino) —


Faustina das Neves, sua mulher.
Faustina das Neves, que casou com Silva Cordeiro em 1727, era do
Espirito Santo, filha do alferes Belxior Rangel de Souza, e de Christina do
Coito 2, viera com seu irmão, que depois foi o capitão-mór Belxior Rangel
de Souza, para os Goytacazes ; do seu consorcio houveram 7 filhos :
1
Foi juiz ordinario em S. Salvador, em 1737.
2
Primitivos proprietarios dos Campos-novos de S. Lourenço, que de lá cederam á Antonio de Puga e Sá.

250
TERCEIRA PARTE

1º José da Silva Cordeiro.


2º João da Silva Rangel.
3º Joaquim Vicente.
4º Antonia Maria da Roza.
5º Anna Faustina das Neves.
6º Paula da Silva.
7º Izabel da Silva Rangel.
O primeiro, José da Silva, casou com . . . . . . . . e houveram os filhos :
Joaquim da Silva Cordeiro, Pedro da Silva, José, Urçula, casada com Sebastião
de tal, Maria Faustina, Maria da Roza, Costodia, Anna. E de um segundo
casamento houve o sargento-mór Ignacio Rangel d’Azevedo Coutinho.
O 2º João da Silva Rangel, casou com Clara do Sacramento, de quem
houve uma filha de nome Maria, casada com José de Brito Ribeiro, e João
da Silva Rangel, casado com Anna, filha de Jorge Alves.
O 3º Joaquim Vicente, casou com Rita, e houveram os filhos,
João, Vicente, Francisco, José Matheus, Anna Urçula, casada com José
Maria Rodrigues.
4º Antonia Maria da Roza, casou com Antonio José de Carvalho,
e foram progenitores, 1º de Manoel de Carvalho, casado em Itapemirim
com Maria Magdalena, 2º de Antonio de Carvalho, casado com Maria
Joaquina, 3º, de Maria da Roza Pessanha, casada primeiro com o capitão-
mór Belxior Rangel de Souza, e segundo com José Joaquim Pereira Baptista
1
, e 4º Anna Maria Francisca, casada com Manoel Francisco Póvoa.
5º Anna Faustina, casada com o sargento-mór João Manhães
Barreto, filho de Pedro Manhães, e houveram os filhos : o sargento-mór
Francisco Manhães Barreto, Pedro Manhães Barreto, e Sebastiana, casada
com Francisco do Coito.
6º Paula da Silva Rangel, casada com Jorge Alves, que já mencionamos.
7º Izabel da Silva Rangel, casada com Domingos Alves de Barcellos,
que tambem ficou descripto.

1
Do primeiro casamento teve ella um filho, o tenente Balthazar Rangel do Azeredo Coutinho e Souza ; e
do segundo dous, Julião Baptista de Souza Cabral, o coronel Manoel Joaquim Pereira Baptista ; campistas
generosos, dotados de brio e pundonor, e a todos os respeitos dignos de recordação.

251
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Placido da silva Moreira. – Maria da Assumpção de Valadares, sua mulher

Vieram de Cabo Frio e tiveram os filhos :


Amaro da Silva Moreira.
Francisco Homem Leal.
Antonio Vicente Ferraz.
Michaela Moreira.
Valeria da Silva.
O primeiro, Amaro da Silva , casou com Caetana, filha de Francisco
Pereira de Barcellos, e foram progenitores de Ignacio Moreira da Silva, (do
Poço), de Amaro da Silva Moreira (das Cacimbas), de Antonio Moreira
(do Moriahé) , e de Thereza Maria de Jesus, casada, 1º com Antonio Dias
de Mirinda, e 2º com Cartuxo.
O 2º, Francisco Homem, casou-se com Rosaura Pereira, e foram
progenitores de Manoel Pereira da Silva e José Joaquim. O 3º, Antonio
Vicente, casou com Anna das Neves, de quem houveram os filhos
Antonio Rodrigues Moreira, casado com a filha de Manoel de Azevedo
Lima, Maria, casada com Francisco José da Motta, de S. Salvador, e Luzia,
casada com José Bernardo, do Bacaxá.
4º Michaela Moreira, foi a segunda mulher do capitão José Gonçalves
da Silva, cuja descendencia já descrevemos. 5º Valleria, casou com João
Velho Barreto, filho de Bernardino Corrêa, com quem houveram duas
filhas, Joanna, casada com Nicolau Tolentino Lisboa, e Maria, casada com
Angelo Francisco de Moraes.

O ajudante Manoel de Freitas Silva. – Maria Pinta das Neves, sua mulher

O ajudante Freitas era natural da ilha da Madeira, filho de João de


Freitas e Maria e Abreu ; nasceu em 1702, e morreu a 4 de outubro de
1780 ; casou com Maria Pinta das Neves, filha do Capitão Salvador Alves
de Magalhães, e tiveram 8 filhos :
Alferes José de Freitas Silva.
Joaquim Pinto da Silva.
Manoel de Freitas Silva.
Ignacia de Freitas.
Quiteria de Freitas Silva.

252
TERCEIRA PARTE

Mariana de Freitas.
Anna de Jesus Maria.
Maria de Freitas.
O primeiro, José de Freitas, não casou. O segundo, Joaquim Pinto,
casou com Anna Coutinha, filha de Antonio Ferreira Coutinho, e foram
progenitores de Manoel de Brito Coutinho, Antonio Ferreira Coutinho,
padre José Pinto da Silva, Maria Pinta, casada com Francisco José Rodrigues
Fernandes, e Maria da Penha, casada com Francisco de Carvalho, morador
em campo-novo 1. O terceiro, Manoel de Freitas, não casou.
O quarto, Ignacia, casou com Severo da Silva, de S. Salvador, cuja
descencencia ainda vive, pela maior parte. O quinto, Quiteria, casou com
Nicolau de tal, irmão de Luiz de Mello, e foram donos da fazenda do
Espirito Santo, tambem em S. Salvador. O sexto, Mariana, casou com
Francisco Martins da Costa. O setimo, Anna, casou com Francisco Martins
de Andrade. O oitavo, Maria, não casou.

Caetano Manoel da Motta Ferraz.

Rezidia em S. João. Caetano Manoel da Motta Ferraz, vindo do Rio


de Janeiro com negocio de alto trato, construio no melhor local da villa,
na praça e quasi em frente da matriz, uma morada de casas ; comprara em
1754 a Estanislau José de Campos, as terras do Vianna, fazendo frente ao
brejo do Porto, e fundo á restinga de Fóra, sendo d’um lado ao porto da
Jissara, e servio de juiz ordinario. Sua familia constava, alem de escravos,
de duas filhas : Anna e Helena Vieira, que todos a conheciam por Vieira.
Em 1760, pouco mais ou menos, vendeu o que possuia e mudou-se
para S. Salvador. A casa vendeu a Manoel Antonio, mestre da ribeira, de
quem era filho natural José Antonio do Rosario, o qual Manoel Antonio
tendo fallecido repentinamente em 1778, sem testamento, foi a mesma
casa arrematada em praça por Manoel Gomes de Azevedo.
Anna, filha de Ferraz, casou em S. Salvador com o capitão José Antonio,
de quem houveram duas filhas, troncos de familias distinctas daquelle
1
Esta Carvalho foi victima de uma fatalidade ou malvadez sem igual. Era elle cabo de uma companhia de
milicianos ; e mudando-se em 1821, e regimento da arma de infantaria para a de caçadores, tratava-se de
ensinar o manejo aos soldados. José Francisco, por alcunha do Matto alto, da companhia de Carvalho, veio
á casa deste, no Campo-Novo, para o instruir, e o cabo sentado com uma criança ao collo, começo pela
exercicio de fogo ; á voz de apontar o recruta, que do meio da sala executava os signaes, apontou para o
ventre do instructor ; e á voz de fogo recebendo este toda a carga da reuna, o fez expirar, instantaneamente.

253
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

districto, pois que a de nome Francisca casou com o capitão Jeronymo


Martins Ferreira, filho de José Luiz Martins ; e Anna casou com o coronel
Manoel Baptista Pereira, filho de outro Manoel Baptista Pereira.

João Ferreira Coutinho. — Maria de Mello Nunes,


naturaes do Espirito Santo.

João Ferreira Coutinho, neto tambem como Margarida Coutinho (a


que casou com Euzebio Corrêa de Alvarenga), do donatario do Espirito
Santo, Vasco Fernandes Coutinho, casou com Maria de Mello Nunes,
filha de Mathias Teixeira Nunes (nascido este em 1692), de cujo consorcio
houveram 3 filhos :
João Ferreira Coutinho.
O capitão-mór Antonio Teixeira Nunes.
Daniel de Mello Coutinho.
O primeiro, João Ferreira, casou com Francisca da Fonseca, filha de
Manoel Leal dos Santos e Catharina de Azevedo, de S. Salvador, e foram
progenitores, primeiro de José Ferreira Coutinho, nascido em 1718, casado
com Narciza de Freitas, irmã de Salvador de Souza, de quem houveram
Manoel Ferreira Coutinho, Francisco Peres de Freitas, Francisca, casada
com Sebastião Martins da Motta, Catharina, casada com José de Souza
Motta, Maria, casada com Manoel Francisco da Cruz, Mariana, casada
com Amaro da Silva Moreira, Joaquim Ferreira Coutinho, casado com
Eugenia Correia, João Ferreira Coutinho, casado com Maria Dorothéa.
Segundo, Leal Coutinho, não casou. Terceiro, Urçula Ferreira, casada 1º
com Antonio Carvalho dos Santos, o 2º com João d’Oliveira d’Andrade,
(não tendo descendencia de ambos). Quarto, Ignacio Ferreira Coutinho,
que casou com Quiteria, filha de Pedro Dias. Quinto, Domingos Ferreira
de Azevedo. Sexto Anna Ferreira, casada com Francisco Alves. E Setimo
Mariana d’Azevedo Coutinho, casada com Gregorio Barreto de Souza.
2º filho, o capitão-mór Teixeira Nunes, nascido em 1693, casou com
Margarida de Mendonça e Attayde : elle morreu em 1776, e ella em 1774
; tiveram 9 filhos.
O primeiro, Magdalena, casada com Julio Barreto, filho do capitão-
mór Pedro Velho. Segundo, Francisco de Queirós Coutinho, que casou
com Mariana, e foram progenitores de Francisca, mãe de Anna de Queirós,

254
TERCEIRA PARTE

casada com Manoel Francisco Roza. Terceiro, José Luiz de Mello. Quarto,
Sebastiana Maria Coutinho, casada com Francisco Luiz de Andrade, (ao
diante ver-se-ha a descendencia deste). Quinto, Margarida Coutinha de
Mendonça, casada com Antonio de Lemos d’Andrade (veja-se tambem
adiante). Sexto, Izabel Ferreira de Attayde, casada com Manoel Freire
d’Andrada (tres irmãos casaram com tres irmãs). Setimo, Cathariana de
Mendonça, casada com Ignacio de Mendonça, não perfilharam. Oitavo,
João Ayres Teixera, casado, 1º com Polonia da Veiga, (morta em 6 de
fevereiro de 1765,) e 2º com Maria Roza Pereira ; e houve os filhos,
Beathris, Joanna, Anna, Antonia e Maria. Nono, Antonio Teixeira Nunes,
casado com Margarida, filha do capitão Nicolau Tolentino Lisboa, de
quem houveram os filhos : Nicolau Tolentino Lisboa, José Teixeira Nunes,
Anna, casada com Braz de Souza, Maria Teixeira, casada com Antonio
Francisco, e Thereza, casada com Manoel Pires.

O capitão Antonio de Lemos d’Andrade. —


Natharia Barreto de Jesus, sua mulher.

O capitão Antonio de Lemos, era do Espirito Santo, viera para os


Goytacazes e servira de letrado ; casou-se com Natharia Barreto, filha
do Capitão Gregorio Barreto, sendo já Lemos tabellião em S. Salvador.
Houveram 4 filhos :
João d’Oliveira de Andrade.
Manoel Freire de Andrade.
Antonio de Lemos de Andrade.
Francisca Luiz de Andrade.
O primeiro, João d’Oliveira, casou com Urçula Ferreira, filha de
João Ferreira Coutinho : não tiveram filhos.
O segundo Manoel Freire, casou com Isabel, (são as tres filhas
do capitão-mór Antonio Teixeira Nunes), e houveram dous filhos ; José
Barreto de Andrade, casado com Anna, filha do capitão Manoel da Fonseca
Magalhães, e Maria Freire, casada com José Pereira de Attayde.
O terceiro filho, Antonio de Lemos de Andrade, casado com
Margarida, tiveram os filhos : Francisco Luiz d’Andrade, José Freire
d’Andrade, Caetana, Quiteria Barreta, e Luzia, casada com Antonio de
tal , conhecido por o frade.

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

E o quarto Francisco Luiz d’Andrade, casado 1º com Sebastianna,


e 2º com Antonia Maria Coutinha, viuva de Manoel da Silva Pereira,
tiveram os filhos : José Ayres de Attayde, que casou com Anna, filha de
sua madrasta, Manoel Francisco de Andrade, o padre João Francisco
de Andrade, Sebastiana, que casou com o alferes Domingos Alves de
Barcellos. Natharia, casada com Domingos José Machado Coelho. Antonia
Maria Coutinha, tivera com Manoel da Silva, alem de Anna, outra filha de
nome Maria, que casou com Manoel dos Santos Souza.

O capitão Manoel Rodrigues da Purificação. —


Anastacia Pereira, sua mulher.

Vieram da Bahia, e tiveram roças nos Ayrizes, em S. Salvador. Seus


filhos foram :
José Rodrigues da Purificação.
Barbosa Pereira.
Maria Quita.
Catharina Pereira.
Joanna do Nascimento.
Quiteria da Silva.
Maria Pereira.
Josefa Pereira.
O primeiro José Rodrigues, casou com Anna, filha de Caetano
d’Andrade.
A segunda Barbora, casou com João Ribeiro, progenitores de
Manoel Ribeiro, e outro.
A terceira, Maria Quita, casou com João Martins da Silva, filho do
tenente João Martins da Costa (que já descrevemos).
A quarta, Catharina, casou 1º com Francisco de Carvalho, e 2º com
Ignacio Pereira, irmão de Salvador de Souza e houve os filhos : Antonio
José de Carvalho, que casou com Anna de tal, Maria Roza, casada com
João Gonçalves, Manoel Rodrigues Pereira, casado 1º com Anna Gomes,
e 2º com Maria, filha de Joaquim José da Silva, (das saudades) ; Pedro
Rodrigues, Anna, e Josefa, casada com Silvestre da Maia, progenitores
do tenente Francisco Duarte Cruz, Manoel José da Maia, José Esteves
Maia, e André.

256
TERCEIRA PARTE

A 5ª, Joanna do Nascimento, casou com Antonio Martins da Costa,


filho do tenente João Martins, que já tambem mencionámos.
6ª, Quinteria da Silva, casou com Francisco Franco Peniche : não
houve descendencia.
7ª, Maria Pereira, casou com André Duarte ; não perfilharam.
8ª, Josefa Pereira, casou com Francisco José, e tiveram filhos : Francisco
; Maria, casada com fuão Soares, e foram Paes de Francisco Soares, Josefa,
casada com José Francisco da Costa, Antonio Soares ; e Mariana, casada
com Manoel Felix, e segunda vez com Joaquim Ribeiro.

Francisco Bicudo de Brito, — Maria Alves, sua mulher.

Francisco Bicudo era Paulista, e tento feito entrada para as incultas


Minas, com sua bandeira, como Antonio do Prado, a fazer gente, isto é, a
caçar indigenas, surgio nos sertões da villa de S. João pelos annos de 1711,
e casando com Maria Alves, houveram os filhos :
Pedro Dias dos Santos.
José Ribeiro de Brito.
Thimoteo Corrêa.
Antonio Alves.
Manoel Gonçalves, o cego.
Caetano Alves Bicudo.
Quiteria.
Rosa.
O 1º, Pedro Dias, casou com Damasia, filha de Manoel Ferreira
Soares e Maria de Silva do O’, cuja descendencia já descrevemos. 2º, José
Bicudo, casou com Maria, filha de Antonio Pimentel do Couto, que tambem
mencionámos. 3º, Thimoteo, casado com Leonor Pereira da Assumpção,
tiveram duas filhas, uma casada com Antonio Moreira Coelho, e a outra
com Francisco José Dias. 4º, Antonio Alves, foi pae de Francisco Alves de
Brito e Joanna. 5º, Manoel Gonçalves. 6º Caetano, ignoramos se tiveram
descendencia. 7º, Quiteria, casou com Ignacio Ferreira Coutinho, que já
descrevemos. 8º Rosa, casou com Manoel Francisco, de S. Salvador, e
foram progenitores de José Francisco, que casou com a filha de Manoel
Francisco da Encarnação ; Marcelino, casado com Mariana, filha de
Francisco Pereira ; Thereza, casada com Manoel da Silva Cardozo, filho

257
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

de Sebastião da rua Nova ; Antonio, casado com Victoria, filha de Miguel


Soares, de Itabapuana ; João Baptista, Anna e Maria.

Sargento-mór João de Senra.

Em principio da fundação da villa aqui residio o sargento-mór


João de Senra ; porem trasladou-se logo para S. Salvador com os filhos
Pedro Mendes de Senra, sargento-mór Francisco Mendes, André de Senra,
João da Costa Senra, e Francisco Xavier Senra. Tendo ficado em S. João
sómente o sexto filho, capitão Manoel Borges Senra, por ter casado com
Violante Arraz de Mendonça, filha do sargento-mór João Velho Pinto,
segundo mencionámos.

Manoel Jorge da Silva. — Magdalena da Silva.

Tiveram, mais tarde, mudança para S. Salvador, com alguns dos


filhos, ficando outros em S. João.
Houveram os filhos :
João Jorge da Silva.
José Jorge da Silva.
Francisca Jorge.
Izabel.
Josefa.
O primeiro, João Jorge, casou 1º com Josefa das Neves, filha do
capitão José Gonçalves da Silva, 2º com Maria, filha de Joaquim Miguel,
e de ambos houve os filhos Manoel Jorge, José Gonçalves da Silva Jorge,
Vicente Jorge da Silva, Luzia, casada com João Henrique Corrêa, Maria
Antunes, casada com Antonio Teixeira Guimarães, Magdalena, casada
com Pedro Feire Vital, filho de outro do mesmo nome, e Mariana, casada
com Joaquim Pedra.
O segundo, José Jorge, foi residir em Candéos.
O terceiro, Francisca Jorge, casada, foi progenitora de Joaquim
José Alves, casado primeiro com Urçula, segundo com Victoria da Silva,
pae de Manoel Jorge da Silva, de Ignacia, casada com Capitão-mor José
Francisco da Cruz.
A quarta e quinta filhas tiveram descendencia em S. Salvador.

258
TERCEIRA PARTE

Sebastião Coutinho (Alcaide-menor). — Valleria de Barcellos.


Era Coutinho, natural do Espirito Santo, filho de Antonio Coutinho
Subtil ; nasceu em 1702 e morreu em 1747. Vindo para os Goytacazes,
ainda menino em companhia de Maria, e Anna da Silva de O’, de quem
era irmão natural, cá casou com Valleria, nascida em 1716, filha de José
Barcellos ; e houveram os filhos :
José Coutinho da Fonseca, nascido em 1736.
Manoel Coutinho, em 1738.
Alferes João Coutinho dos Santos em 1740, morreu em 21 de
fevereiro de 1798.
Sebastiana, em 1742.
Maria Coutinha, em 1744.
Barbara, em 1745.
Maria Cleofas, em 1746.
José Coutinho, Manoel Coutinho e Sebastiana não tiveram
descendencia.
O terceiro, João Coutinho, Alferes de milicias, casou com Innocencia
Ribeira de Lemos, viuva de Luiz Nunes, e houveram os filhos Manoel
Coutinho, alferes José Joaquim Vieira, Maria Ribeira, casada com Manoel
Lopes Barboza, Ignacia, casada com Vicente Freire de Andrade, Anna
Coutinha, casada com Joaquim Antonio, João Coutinho e Francisco Coutinho.
5º Barbara, casada com Ignacio Bueno, tiveram os filhos Maria,
casada com Manoel José, Antonia, casada com Manoel Mendes, Anna,
casada com Alexandre José Candido, Mariana, casada com Felisberto da
Silva. José Antonio e Joaquim não tiveram descendencia.
6º, Maria Cleofas, casou com Manoel do Canto de Almeida, e foram
progenitores de Anna do Canto, casada com o tenente Francisco de Barros
; Francisco de Queiroz, João do Canto, Manoel do Canto de Almeida,
Sebastião do Canto, José do Canto, Joanna, casada com José Francisco
Pampulha, e Magdalena.
7º, Maria Coutinho, casou com José Alves, e tiveram os filhos :
Francisca, casada com Antonio Domingues Néves, Agostinho Bernardo
Lopes, Manoel João.
Valeria casou segunda vez com Bernardo Lopes, com quem houve
Anna Valeria e Antonia Ribeira 1.
1
José da Barcelos houve 2ª filha de nome Anna dos Reis, que casou com Manoel Fernandes Marçal, um dos
ramos da numerosa familia Pinto Netto, vindos de Portugal. Silvestre Pinto sobrinho de Marçal, e depois o

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Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

capitão Jeronymo Pinto Netto, Bernardo Pinto Netto, Caetano, Manoel e outros, desfructaram e deixaram
bens em abundancia a seus descendentes.
Fernandes Marçal e sua mulher Anna dos Reis, houveram 4 filhos ; Anna mentecapta ; Maria Fernandes, casada
com seu primo Antonio Pinto Netto ; Mariana, casada com João Rodrigues das Neves, filho de Ignacio Bueno
Xavier ; e Josefa Fernandes, casada com Manoel Pereira Santiago.
Anna dos Reis, em quanto viveu prodigalisou a seus visinhos enfermos, medicamentos e soccorros expontaneos,
sem vista em interesse e lucros pecuniarios, e só por instincto e indole bemfazeja ; era uma mulher que, com a
pratica dos curativos quotidianos operados, havia adquirido nomeada de caritativa cirurgiôa do lugar.
Sua filha Josefa Fernandes, desde menina acomhanhava o anjo consolador dos afflictos ; e mais de uma vez
foi com sua mãe á S. Salvador á convite de alguem, para curar enfermos em falta de licenciados.
Dotada a filha dos puros e virtuosos sentimentos de sua mãe, e fazendo estudo particular, com a pratica, de
graves curativos, tornou-se Josefa Fernandes em S. João da Barra, onde não havia medicos de profissão, o
unico refugio dos doentes. Ajunte-se o bom exito quasi sempre infallivel de suas curas, á uma alma caridosa
e por genio amante do seu semelhante, desvelada no empenho de agradar e acertar nos seus curativos, e o
leitor fará idéa do gráo de interessantes merecimentos de uma tal matrona !
Sua casa, na praça da Matriz (ainda ali se vê, pois é mais proxima do rio), era um verdadeiro consultorio,
de dia e de noite. Casada com austero Santiago, muitas vezes em nossa infancia o vimos á noite deitado em
uma rede na sala, a porta aberta, e a cirurgiôa n’um estrado pegando no pulso de um que havia entrado,
ministrando um mólho de hervas a outro que sahia ; entregando á sua escrava Antonica uma gallinha para ir
depressa levar a certo doente ; ordenando á outra escrava Bibiana a prompta remessa do senapismo de que
lhe incumbira ; e todo este cuidado e desvelos pelo proximo, todos estes sacrificios pelo povo não eram com
vistas de receber em retribuição um só real !! Santa mulher, incomparavel anjo de bondades.
Nasceu a nossa heroyna em 1766, e falleceu em 1829 ou 30 ; sua existencia venturosa foi uma serie, nunca
interrompida de serviços prestados á humanidade. A arte que praticamente exercia, a seus limitados haveres,
além da extraordinaria dedicação por quantos a procuravam para o allivio de seus padecimentos, tudo, tudo
emfim, prodigalisava com mão larga : invejavel existencia. Legou Josefa Fernandes á seus parentes (não teve
filhos) e patricios a virtuoso nome, que jámais se riscará de nossa memoria.
Nunca desamparou sua irmã desasisada, e foi della mãe, assim como de seus sobrinhos e dos desvalidos em
geral. Os rigidos descobrimentos de seu esposo não foram causa de privar á esta inclyta Izabel de nossos
tempos de exercer actos de sublime piedade.
Tiveram no seculo XIV, e ainda hoje, grande nomeada os desta piedosa rainha portuqueza, é verdade ; e
a gerarchia do nascimento muito faz sobresahir os dotes pessoaes ; mas guardadas as devidas proporções
releve-se-nos o simile. Tambem foi austero D. Diniz, e esse genio ainda mais fez realçar e polir as virtudes
da santa esposa. Josefa Fernandes não teve, por certo, um throno por alicerce de sua fama, mas distribuindo
com piedade pelos enfermos e desvalidos todos os seus haveres materiaes e intellectuaes, plantou em nossos
corações immorredoura lembrança de suas virtudes, e uma lagrima de saudade pela matrona que tanto
servio á nossos antepassados.

260
TERCEIRA PARTE

Ignacio Buêno Feio, nascido em 1681.

Vindo de S. Paulo aqui casou, e houve os filhos :


Ignacio Bueno Xavier.
Raymundo Bueno Feio.
O primeiro, que nasceu em 1717 e morreu em 1770, casou com Maria
Rodrigues das Neves, e foram progenitores de Ignacio Bueno, casado com
Barbora ; Maria Rodrigues, casada com Manoel Francisco da Silva, paes de
Maria Buena, e Anna casada com Manoel da Terra Pereira, de S. Salvador ;
Anna, casada com Antonio Alberto de Vasconcellos ; João Rodrigues das
Neves, Quiteria e Custodia, que não encontramos descendencia.
O segundo Raymundo Bueno, casou com Thereza, filha de João
Velho Barreto, que já mencionamos na descendencia deste.

261
CAPITULO
VIII.
Imperadores do espirito-santo.

Muito pouco ao nada vale, por certo, o saber-se quem foram os


festeiros dp Espirito-Santo desta freguezia de S. João, nem interessará o
investigarmos os annos em que cada um servio, bem o comprehendemos.
Porem, como o que acabamos de escrever não é propriamente uma
historia, mas sim noticias de factos acontecidos para no futuro lhe servir
de base, por isso ahi damos o anno da instituição desse festejo, que em
verdade é um dos mais concorridos em todas as freguezias dos lugarejos.
E quantas vezes esta relação de nomes não aproveitará á alguem,
que para verificar a data de um acontecimento, dado na festa de Pedro ou
Paulo, a ella recorra para vêr o anno em que elle festejou ? Ainda mais : o
ser imperador do Divino não é como outro qualquer festeiro, escolhido
por simples arbitrio das confrarias ou pessoas encarregadas dessas
nomeações, mas sim é a sorte quem designa a autoridade, é o lance ou acaso
quem predestina o individuo que vai ser coroado e sagrado pela igreja,
para no futuro anno empunhar o sceptro e occupar o throno d’uma das
tres Divinas Pessoas cá na terra ; e esta sorte traz (ainda hoje) ao festeiro
tal ou qual prestigio e cordiaes attenções do povo.
E’ portanto justo que o leitor curioso saiba quem foram nesta
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

freguezia os escolhidos do Senhor, e como se festejava primitivamente.


No anno de 1775 reuniram-se 4 açoristas aqui residentes : Francisco
Antonio, José dos Ramos, João Rodrigues, o tocador do tambor e um
outro conhecido pelo appellido o — Baralha —, e instituiram a festa, de
accordo com o vigario, e mediante certos estatutos e ceremonial.
Entre as condições dos differentes empregados era de rigorosa
obrigação festejarem os mordomos cada um seu domingo, em todos os
que medeassem da Ressurreição até o de Pentecoste, sendo a festa deste
corrida sómente por conta do imperador ; preceito que foi observado até
bem pouco tempo, assim como o de serem obrigados os mordomos a
caminharem dançando adiante da folia, sempre que o imperador fosse á
igreja, e quando desta voltasse para casa ; entendendo-se que os casados
deveriam levar suas consortes á seu lado tambem dançando adiante do
prestito, e ao som da folia.
Elegeram para primeiro festeiro o jovem Manoel Antunes Moreira,
filho de Domingos Moreira, o mamposteiro, o qual no dia da festa sahio
por sorte, e teve de servir de propriedade no seguinte anno.
Serviram, portanto, Manoel Antunes Moreira, 1775.
O mesmo Moreira, 1776.
Francisco Franco Penichee, 1777 e 1778.
Amaro da Silva Moreira, pai 1779.
Capitão Pedro Alves, de Campo-limpo, 1780.
Capitão Manoel Antunes Moreira, 1781.
Manoel de S. José, 1782.
Domingos Francisco Gaia, 1783.
Francisco Ignacio, ¹ 1784.
1
Este monarcha, logo que empunhou o sceptro, julgou-se autoridade legalmente constituida, especialmente
no tocante á policia da villa. A’ nonte convocava logo o page de estoque e alguns mordomos, e todos armados
sahiam á correr as ruas ; onde havia ajuntamento ou fado dispersava, se lhe parecia, ou permittia que
continuassem ; examinava qualquer vulto suspeito, tomava armas, finalmente exercia por sua conta e risco
toda jurisdicção de uma autoridade regular, e alardeava que o fazia por ser o imperador do anno. Mas adversa
lhe foi a fortuna de uma vez, no recontro de alguns marinheiros que teimavam em continuar o fangando em
casa de certa meretriz, não obstante as admoestações do imperador.
Depois das primeiras ordens para o fechamento do club, e sentindo elle pertinacia da parte dos convivas, deu-
lhes voz de prisão, tendo Francisco Ignacio e seus subalternos, a este tempo, já as espadas fóra da bainha. Os
sodomitas suppunham a principio embaraçados com algum agente policial ; porem depois que um d’entre
elles perguntára á ordem de quem iam presos, e lhe fôra respondido que á do imperador do Espirito-Santo
! fizeram circulo e trocaram-se os papeis. Os marinheiros, que eram em maior numero do que os aulicos, e
tendo pilhado estes no quadrado, principiou então bofetada e sôco a fartar, que por felicidade, acudindo a
visinhança, poderem tirar do meio da refrega o imperador, com os queixos contusos e uma brexa na cabeça.
Depois desta escaramuça, Francisco Ignacio resolveu deixar correr á revelia a mantença da ordem publica, e
nem cuidou mais de a vigiar, com receio talvez de outra tempestade.

264
TERCEIRA PARTE

Manoel Freire de Andrade, 1785.


Antonio Nunes, o pai de Juliana, de Cacimbas, 1786.
Capitão José Gonçalves da Silva, 1787.
Francisco Antonio, 1788.
Salvador Martins da Costa, 1789.
Capitão Manoel Antunes Moreira, 1790.
Francisco Luiz de Andrade, 1791.
Salvador Franco da Motta, 1 1792.
João Rodrigues das Neves (deu a Miguel Moreira para festejar), 1793.
Amaro da Silva Moreira, filho (por promessa), 1794.
Pedro Aranha, 1795.
Gregorio Barreto de Souza, 1796.
Pedro Manoel Gomes d’Azevedo, 1797.
Monoel Pereira de Atahyde, 1798.
João de Oliveira d’Andrade, 1799.
João Martins da Motta, 1800.
Manoel Freire de Andrade, 1801.
José Ayres de Attayde, 1802.
Salvador Franco da Motta, 1803.
Antonio Pinto Netto, 1804.
João Martins da Silva Coutinho, 1805.
Francisco Luiz de Andrade, 1806.
João Martins da Motta, 1807.
Alferes José Alves Rangel, 1808.
Domingos José Machado Coelho, 1809.
Alferes Domingos Alves de Barcellos, 1810.
José Caetano de Oliveira, 1811.
Capitão Manoel da Silva Moreira, (não festejou em 1812), 1813.
Martinho Gomes Leal, 1814.
Antonio Gomes de Andrade, (não festejou em 1815), 1816.
Antonio Lopes Ramos, 1817.
João Pereira dos Santos, 1818.
Francisco José Rodrigues Fernandes, 1819.
João da Silva Barreto, 1820.
Joaquim José de Freitas, 1821.
Tenente Joaquim de Souza Freitas, 1822.
1
Estava este fóra da villa ; e tendo Manoel Gomes de Azevedo tomado a corôa por elle, não lh’a deu mais, e
veio a festejar por sua conta.

265
Historia do descobrimento e povoação da cidade de S. João da Barra
e dos Campos dos Goytacazes antiga Capitania da Parahyba do Sul
e da causa e origem do levante denominado – dos Fidalgos –
FERNANDO JOSÉ MARTINS acontecido no meado do seculo passado. Dividida em tres partes

Capitão Manoel Manhães Barreto, por seu filho, 1823.


Vigario Manoel Gomes de Azevedo, 1824.
Joaquim Ferreira, 1825.
Amaro da Silva Moreira, 1826.
José Rodrigues de Freitas, 1827.
Capitão Antonio da Silva Cordeiro, 1828.
Vigario Manoel Gomes de Azevedo, 1829.
Thomaz Joaquim de Faria.
Capitão Manoel da Silva Moreira, 1831.
José Rodrigues de Freitas, não festejou em 1832, nem em 1833, por
se achar a Matriz fechada, pelas desordens dos padres ; e alguns devotos
pedindo a corôa, elegeram entre si o capitão Manoel Gomes Moreira, que
festejou em 1834.
Joaquim de Souza Pinto, 1835.
João Enes Vianna, 1836.
José Antonio de Souza filho, 1837.
Alferes José Alves Rangel, 1838.
E outros mais modernos.

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