Formação Do Teatro Brasileiro (João Roberto Faria)
Formação Do Teatro Brasileiro (João Roberto Faria)
Formação Do Teatro Brasileiro (João Roberto Faria)
UM TEMA: A
FORMAÇÃ0
DO TEATRO BRASILEIRO
década de 70. Como pesquisador e ensaísta, ele dedicou-se com empenho ao es-
como um "sistema integrado por autores, atores, obras e público. Desse modo,
ou o
chama-que Antonio Candido
ria de "momento decisivo em
que houve
entre nós as
-
condições intelectuais e
materiais que puderam
proporcionar uma continuidade fecunda do trabalho cê-
nico. E o que se percebe já em sua primeira pesquisa acadèmica de
-
iniCialmente os
lemoi
comentários sobre a encenação de Antônio
José ou o
Poeia eu
qIsigão, de
Gonçalves de Magalhães, em 1838. Como sabe,
considerado o
se o
espetac
marco inaugural do teatro de ser
romântico brasileiro, a despe
apeça uma tragédia cujos processos formais estão mais próximos do ncooclas-
SiCISmo. Mas
Décio de Almeida Prado percebe no texto uma
contradiçao xtraor-
arla a uma certa frieza dos diálogos, escritos em decassílabos brancOs, SC on
apoem rubricas que revelam "a mímica romântica em todo o seu trene
cuando
reduzindo a palavra ao grito, à onomatopéia". Sua nip
O verso,
270
ESTUDOS S0BRE DÉCio DE ALMEIDA PRADO
a dramaturgia
brasileira. Gonçalves de Magalhaes,
pelo prestígio que possuía - ,
escritores que tiveram peças
Alencar foram alguns dos
Gonçalves Dias e José de
uma vez que o autor de O Guarani
ele, pecado que Ihe
custou caro,
recusadas por
Nenhuma faceta da
formação do teatro brasileiro
Prado analisou a
livro magistral. Décio de Almeida
acontecia no palco, demonstrando que todo o
do que
pelo prisma do espetáculo,
em torno do
famoso ator, cuja genialidade
teatro do período romântico girou
mesmo no final da carreira, quando ob
em questão,
artística ninguém jamais pôs
aos jovens adeptos do realismo cênico.
não agradava
seu estilo de interpretação já
Caetano não estava ainda completamente esgotado com o
Mas o filão João
sobre de representar, Re
havia escrito dois manuais
a arte
primeiro livro. O
ator
271
DECIO DE ALMEIDA PRADO: UM HOMEM DE TEATRO
ta das fontes francesas de João Caetano. Seus dois manuais sempre foram julga-
dos pelos estudiosos do teatro brasileiro como mais uma prova de sua genialida-
de. Já tinha sido um milagre o aparecimento de um ator de tão alto nível num
meio artístico paupérrimo e sem nenhuma tradição teatral. Que esse ator fosse
mas seus manuais têm pouquíssimas idéias próprias e muita cópia de duas obras
mindo a sua
paternidade. Nas Lições, acrescentou um ou outro pensamento orig
nal e relembrou várias passagens da própria carreira, para ilustrar a reoria com a
pratica. Curiosamente, é nesses momentos que se localiza a contradição básica do
ator, apontada com pertinência por Décio de Almeida Prado. O classicismo apre-
goava uma interpretação equilibrada, natural, vigiada sempre pela razão e intel-
gência. João Caetano defendia esses princípios, mas recordava sobrerudo os mo-
mentos em que n o conseguira atingir o ideal clássico. Assim, conta que certa vez
quase estrangulou a pobre atriz Estela Sezefreda - com quem viria a se casar
tre um ato e outro, afogado em soluços, de tanta emoço que Ihe provocouo
de Gonçalves de
papel principal da tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inguisigão,
Magalhães.
João Caetano lembrava criticamente esses momentos. Mas foi graças a eles,
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[STUDOS SOBRE DECI0 DI ALMEIDA PRAD0
que atingiu a glória. Era um ator sensível, emocional, explosivo, mais próximo
dos atores românticos do que dos clásicos que tinha por mestres. Ou seja, pare-
cia-se mais com Frédérick Lemaître, especialista em papéis dramáticos e melo-
dramáticos, do que com o grande ator trágico François Joseph Talma, que tanto
admirava.
prete. Ambos nos dão uma visão de conjunto dos tempos románticos, revelan-
do-nos não apenas as idiossincrasias de seu ator mais importante mas todo um
cOs, o público e o próprio governo em suas relações com o teatro. Das páginas
desses livros emerge também uma espécie de sociologia do gosto, marcada pelo
dos quase sempre de modo frenético em cerca de três décadas da vida teatral
isso, evidentemente,
1988, como título O Teatro Brasileiro Moderno. Tudo sem
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DECiO Dl ALMEIDA PRADO: UM HOMEM DE TEATRo
274
STUDOs 5OBRE DECIO DE ALMEIDA PRAD0
leiro. Vou comentá-lo mais à frente, uma vez que Décio de Almeida Prado in-
tar os olhos para a produção dramática do período romântico. Nas próprias pala-
dos a João Caetano como também com o recente Teatro de Anchieta a Alencar.
Portuguesa" e "O Advento do Romantismo. Ambos podem ser lidos como uma
espécie de prólogo para O Drama Romåntico Brasileiro. uma vez que trazem os
dados essenciais para compreendermos melhor as coordenadas históricas e culru-
o romantismo.
que, articulados entre si, contam a história de um período do nosso teatro, entre
cia de estilo são qualidades visíveis nesse livro em que são estudadas as produções
275
DECIO DE ALMEIDA PRADO: UM HOMEM DE TEATRO
teatrais de alguns dos nossos escritores mais importantes do século XIX, desdeeo
pioneiro Gonçalves de Magalhes até Castro Alves, passando por Gonçalves Dias,
Álvares de Azevedo e José de Alencar, entre outros.
O primeiro escritor estudado em O Drama Romåntico Brasileiro, como não
poderia deixar de ser, Gonçalves de Magalhes. Poeta, amigo de D.
é
Pedro II,
autor dos famosos Suspiros Poéticos e Saudades (1836), que marcaram o início do
romantismo entre nós, sua
contribuiço para o teatro foram as
tragédias Antônio
José ou o Poeta Inquisição e Olgiato. A primeira, encenada em 1838 por João
e a
os
jovens e escrever dramas, o novo
gènero teatral que viera fundir a
tragédia e a
comédia num único organismo,
escritor preteriu uma espécie de mei0
o nosso
276
ESTUD0S SOBRE DECI0 DE ALMEIDA PRADO
Ao estudo das
tragédias Antônio José ou o Poeta e a lInquisição e Olgiato, em
que são evidenciados os seus
aspectos clássicos e românticos, tanto no
plano da
forma quanto do
no
conteúdo, bem como os seus defeitos de construção -
não
estamos aqui falando de obras-primas -, segue-se o ensaio que do
trata
gênero
teatral de maior
prestígio popular nos
tempos do romantismo: o melodrama.
João Caetano já havia posto em cena esse tipo de peça sentimental,
maniqueís-
ta, repleta de surpresas, coincidências
extraordinárias, revelações inesperadas e
reviravoltas no enredo, que nos chegava da França ou de
Portugal, no mesmno
pacote em
que vinham os dramas românticos. Não devia ser fácil para os espec-
tadores brasileiros fazer as distinções entre os dois gêneros, que se deixavam con-
taminar entre si. Daí o título do ensaio -
277
HOMEM DE TEATRO
UM
DECIO DE ALMEIDA P RADO:
as peças de
Martins Pena e Burgain são o
e
Em linguagem depreciativa,
Como era disso que o público do romantismo gostava
chamamos "dramalhöes".
nao se cansaram de recorrer a esse gênero
OS palcos brasileiros daqueles tempos
tcatral que proporcionava espetaculos
vibrantes, mas que do ponto de vista literá
rio era muitas vezes "cosido a tacadas', para usar a saborosa expressão empregada
Teatro de Anchieta a Alencar. Agora, ele nos apresenta uma visão de conjunto dos
quatro dramas deixados pelo grande poeta romântico, todos escritos na fase ini-
cial de sua carreira literária, entre 1843 e 1850. As diferenças em relação à produ-
ção dramatúrgica anterior são enormes, salienta o ensaísta. Gonçalves Dias não
mento teatral de Victor Hugo. Seus dramas destacam-se pela qualidade da lin-
guagem, sempre próxima da poesia, e pelo fato de substituirem a "preocupação
com o enredo bem urdido, característico do melodrama pela "compreensão mo-
278
ESTUDOS SOBRE DECIO DE ALMEIDA PRAD0
filosóficas que estaríam mclhor num ensaio. A anilise leva em conta também as
idéias teatrais de Alvares de Azevedo. cxpostas numa "Carta sobre a Atualidade
do Tcatro cntre Nós" c no prólogo de Macário. mpressiona o conhecimento que
o jovem pocta tinha da grandc literatura universal. Nomes como os de Shakes-
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PRADO: UM HOMEM DE TEATROo
ALMEIDA
DECIO DE
importantes foram poucas, por força de uma série de circunstâncias, entre elas a
utimo capítulo seja o grito de protesto de José de Alencar contra essa situaçao
este
autores dramáticos,
cadencia do teatro brasileiro, lembrar-se de atribuí-la aos
livro [O Jesuítal protestará contra a acusação".
ti-
de Alencar, que
O Drama Romântico Brasileiro responde às inquietações
décadas anterio-
nham o seu fundamento. Já no final do século XIX, o teatro das
Brasil que Sílvio Romero, na
res era tão pouco estudado e tão mal-conhecido no
280
ESTUDOS SOBRE DECIO DE ALMEIDA PRADO
turgia. Lidos na ordem enm que foram aqui comentados, fornecem uma visão conm
pleta do romantismo teatral no Brasil. Além disso, apresentam qualidades for-
mais que são raras em trabalhos de natureza universitária. Décio de Almeida Pra-
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