Apostila Sociologia - Ia

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
DO PARÁ
CAMPUS BRAGANÇA
DISCIPLINA: SOCIOLOGIA- IA
PROFESSORA: VANESSA FRAZÃO LIMA

APOSTILA DE SOCIOLOGIA

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Olá, queridas e queridos estudantes! espero que estejam bem e convido vos
a retornar nossas atividades e aprendizagem através deste material.

Esta apostila foi produzida a partir do livro didático utilizado em sala, além de outros
livros de apoio para proporcionar um aprendizado dinâmico e interessante da disciplina
de Sociologia.
- Ao final de cada aula temática, vocês encontrarão uma atividade proposta, para
exercitar os conhecimentos..

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ
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DISCIPLINA: SOCIOLOGIA IA
PROFESSORA: VANESSA FRAZÃO LIMA

SOCIOLOGIA - IA

RELEMBRANDO: vimos que a Antropologia do século XIX pensava a humanidade em


uma escala evolutiva. Percebemos as implicações desse tipo de pensamento,
principalmente naquilo que pode ser chamado de ideologia do colonialismo.
No entanto, essas mesmas teorias que deram origem a perspectivas racistas ao longo do
século XIX e do século XX trouxeram também algo novo: a ideia de colocar no mesmo
barco todas as populações do mundo. Até o século XIX, na Europa, ainda se discutia se
as populações nativas de outras regiões eram de fato humanas! Apesar de a bula Sublimis
Deus, promulgada pelo papa Paulo III em 1537, estabelecer o direito à liberdade dos
indígenas e a proibição de submetê-los à escravidão, na Espanha do século XVII existiam
dúvidas e investigações sobre a existência ou não de alma nos indígenas. A inclusão de
todas as populações em uma única história humana teve como base a hierarquia evolutiva.
A Antropologia, porém, não se satisfez com essa perspectiva e, desde o final do século
XIX, passou a criticar a teoria do evolucionismo. O principal instrumento para
fundamentar essa crítica foi o conceito de Cultura.

SOBRE FRANZ BOAS: Franz Boas nasceu em Minden, Alemanha, em 1858. Filho de
judeus liberais relativamente abastados, iniciou sua carreira acadêmica nas áreas de Física
e Geografia ao se doutorar na Universidade de Kiel em 1881, aos 23 anos. Em 1883,
participou de uma expedição ao Ártico, onde encontrou a população inuíte, o que marcou
uma mudança em sua carreira. Passou a se interessar pela Antropologia. Em 1887,
abandonou a carreira de geógrafo e se mudou para os Estados Unidos, onde passou por
universidades e museus até se fixar na Universidade Columbia. Nessa instituição criou
um departamento de Antropologia e um curso de doutorado, formando a primeira geração
de antropólogos “acadêmicos” norte-americanos. Boas teve atuação política marcante,
assumindo posição antirracista em um país profundamente marcado pela discriminação
racial. Fundou a Associação Americana de Antropologia, hoje a maior e mais importante
associação antropológica no mundo. Por ter formado antropólogos importantes para a
história da disciplina e por sua contribuição teórica, Boas ficou conhecido como “o pai
da Antropologia estadunidense”.
A influência de suas ideias fez-se sentir no Brasil, principalmente na obra de Gilberto
Freyre (1900- -1987), que afirmou, no prefácio do clássico Casa- -grande & senzala, de

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1933, que a obra de Boas o ajudara a se libertar da visão negativa sobre a mestiçagem,
então considerada um problema da formação social brasileira. Franz Boas morreu em
1942, em Nova York, vítima de um infarto durante um jantar entre acadêmicos.

CULTURA X CIVILIZAÇÃO

No final do século XIX, o antropólogo alemão Franz Boas construiu uma crítica
à ideia de civilização das teorias evolutivas. Vimos que por trás da ideia de progresso
havia uma ideia de civilização que estabelecia uma hierarquia: civilizados eram os
europeus (e norte-americanos), enquanto as demais populações eram escalonadas entre
mais e menos atrasadas. Essa ideia foi duramente criticada por Franz Boas, pioneiro da
Antropologia estadunidense. Embora não tenha sido o primeiro a utilizar o termo
“cultura”, Boas foi o primeiro a empregar a palavra em seu sentido moderno,
propriamente antropológico. Antes de Boas, cultura era sinônimo de “civilização” e um
atributo dos países tidos como civilizados.
Franz Boas inaugurou a utilização do conceito em uma perspectiva pluralista: ele
fala em “culturas”, e não em “cultura”. Pode parecer uma pequena diferença, mas foi uma
grande transformação. E por que foi uma grande transformação? Porque quando
pensamos cultura no plural, torna-se possível desconstruir as hierarquias, tão importantes
para o pensamento colonial e racista em geral. Quando pensamos em culturas no plural e
não escalonamos as culturas em uma ordem qualquer, cada cultura passa a brilhar com
luz própria, em seus próprios termos. Esse brilho individual, singular, é o que interessa à
Antropologia desde o final do século XIX, a partir do trabalho de Boas.
Para Boas, as diferentes populações que existem no mundo têm diferentes
culturas e é praticamente impossível estabelecer entre elas qualquer tipo de
hierarquia. Analisando a história de várias populações indígenas que vivem entre o
noroeste estadunidense e o Alasca, o antropólogo chegou à conclusão de que é muito
difícil estabelecer entre elas qualquer tipo de hierarquia, pois as histórias são tão
particulares e preenchidas por interesses tão diferentes que qualquer comparação só seria
possível se fosse utilizada uma medida de análise, que seria sempre arbitrária. Ou seja, a
comparação para estabelecer uma hierarquia sempre deveria adotar algum critério,
tomado de alguma população, e nesse processo a própria comparação já seria injusta.

CULTURA, ETNOCENTRISMO E RELATIVISMO

Nascido e educado na Alemanha, Boas formou seu conceito de cultura a partir de


concepções alemãs de Kultur, ou “espírito do povo”. Ele transporta essa ideia para a
Antropologia, em uma crítica ao evolucionismo. Para Franz Boas, cultura era um todo
integrado, e não apenas um conjunto desagregado de práticas, hábitos, técnicas,
relações e pensamentos. Essa integração de múltiplos elementos, ordenados a partir de
um princípio compartilhado por todos os indivíduos de uma sociedade específica, criava
a cultura. Por ser única e exclusiva de cada sociedade, inviabilizava qualquer tentativa de
comparação a partir de pressupostos arbitrários. Para Boas, qualquer comparação exigiria
tanto cuidado e tanta investigação histórica e antropológica que, na prática, seria inviável.

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Franz Boas inaugurou o que mais tarde ficaria conhecido como relativismo
cultural: uma tomada de posição perante a diferença cultural, segundo a qual cada cultura
deve ser avaliada apenas em seus próprios termos. Relativismo cultural, portanto, é uma
forma de encarar a diversidade sem impor valores e normas alheios.
Podemos considerar o relativismo uma inversão do evolucionismo: se este
escalona as diferenças a partir de valores específicos das sociedades ocidentais, o
relativismo evita qualquer tipo de escala, analisando as diferenças segundo os termos da
própria sociedade da qual fazem parte.
Tendência inversa ao relativismo cultural é o etnocentrismo, que estudamos
anteriormente, estamos sendo etnocêntricos quando julgamos outras culturas segundo
nossos próprios parâmetros culturais. Por exemplo: considerar uma população indígena
atrasada porque lhe faltam determinadas tecnologias é etnocentrismo. Se adotarmos
outros critérios, esse “atraso” pode ser questionado. Levando em conta a capacidade de
se manter estável ao longo do tempo (o que hoje chamamos de sustentabilidade), as
sociedades que nos pareciam primitivas ganham um estatuto muito mais “civilizado”, já
que o nosso modelo de vida, baseado no consumo intenso, não é sustentável a longo
prazo.
O etnocentrismo é o mecanismo principal das classificações evolucionistas,
enquanto o relativismo cultural é o motor de um pensamento não preconceituoso e
preocupado em romper com as classificações hierárquicas. O conceito antropológico de
cultura não pode existir sem o relativismo cultural e a crítica ao etnocentrismo. O
relativismo foi uma revolução política no enfrentamento ao racismo e a outros tipos de
preconceito, mas gerou um impasse político ao longo do século XX: se a premissa do
relativismo é examinar qualquer cultura segundo seus próprios termos, é preciso aceitar
tudo o que cada cultura produz.
O problema dessa premissa é que alguns costumes nos parecem inaceitáveis, como
as mutilações genitais impostas às mulheres em alguns países islâmicos. Longos debates
foram travados para superar esse impasse, levando a posicionamentos os mais diversos e
até mesmo à recusa do relativismo. Uma forma de tentar solucionar esse impasse é pensar
em termos de poder dentro de cada cultura. Se determinado costume oprime parcelas de
uma sociedade (as mulheres islâmicas, por exemplo), e essas parcelas se sentem
oprimidas, é justo criticar esse costume, mas nesse caso teríamos de fazê-lo segundo os
próprios termos daquela cultura. Podemos criticar a mutilação genital porque as mulheres
da sociedade em que essa prática existe a criticam. Se essas mulheres mutiladas não se
sentissem desrespeitadas em seus direitos individuais, teríamos o direito de criticar esse
costume? A resposta não é simples, mas o relativismo cultural não significa aceitar tudo
o que qualquer cultura faz ou produz, e sim entender como e por que cada sociedade faz
o que faz, quem é ou não favorecido por determinadas práticas e como diversos tipos de
opressão podem surgir dessas práticas.

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RESUMINDO:
✔O conceito de cultura nasce em oposição às narrativas evolucionistas do século XIX.
✔ O conceito de cultura se opõe à ideia de uma única civilização e passou a ser pensado
no plural (culturas) a partir do trabalho de Franz Boas.
✔ O conceito de cultura de Boas descreve um conjunto de pessoas que compartilham
uma série de hábitos, práticas e crenças. A cultura é vista como integradora, algo que
“amarra” a vida coletiva.
✔ A noção de relativismo é fundamental ao conceito de cultura, ou seja, para pensar
uma cultura é preciso fazê-lo a partir dos termos dessa cultura.
✔ Relativismo cultural é o oposto de etnocentrismo.

ATIVIDADES

1. Como a ideia de cultura se contrapõe à de civilização a partir do trabalho de Franz


Boas?

2. Por que o relativismo cultural pode ser visto como o contrário do etnocentrismo?

INDICAÇÃO DE VÍDEO DIDÁTICO DO YOUTUBE SOBRE


ETNOCENTRISMO:

Link: https://www.youtube.com/watch?v=EZXKWdQ5eps

BIBLIOGRAFIA:
MACHADO, Igor José de Renó; AMORIM, Henrique; BARROS, Celso Rocha de.
Sociologia hoje. 2ed. São Paulo: Ática, 2016.

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CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO


Ruth Benedict escreveu em seu livro O crisântemo e a espada que a cultura é como uma
lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes
diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas. Por exemplo, a floresta
amazônica não passa para o antropólogo — desprovido de um razoável conhecimento de
botânica — de um amontoado confuso de árvores e arbustos, dos mais diversos tamanhos
e com uma imensa variedade de tonalidades verdes. A visão que um índio Tupi tem deste
mesmo cenário é totalmente diversa: cada um desses vegetais tem um significado
qualitativo e uma referência espacial. Ao invés de dizer como nós: "encontro-lhe na
esquina junto ao edifício x", eles frequentemente usam determinadas árvores como ponto
de referência. Assim, ao contrário da visão de um mundo vegetal amorfo, a floresta é vista
como um conjunto ordenado, constituído de formas vegetais bem definidas.
A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos
condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem
fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por isto, discriminamos o
comportamento desviante. Até recentemente, por exemplo, o homossexual corria o risco
de agressões físicas quando era identificado numa via pública e ainda é objeto de termos
depreciativos. Tal fato representa um tipo de comportamento padronizado por um sistema
cultural. Esta atitude varia em outras culturas. Entre algumas tribos das planícies norte-
americanas, o homossexual era visto como um ser dotado de propriedades mágicas, capaz
de servir de mediador entre o mundo social e o sobrenatural, e portanto respeitado. Um
outro exemplo de atitude diferente de comportamento desviante encontramos entre alguns
povos da Antigüidade, onde a prostituição não constituía um fato anômalo: jovens da
Lícia praticavam relações sexuais em troca de moedas de ouro, a fim de acumular um
dote para o casamento. O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e
valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são
assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma
determinada cultura. Graças ao que foi dito acima, podemos entender o fato de que
indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados por uma série de
características, tais como o modo de agir, vestir, caminhar, comer, sem mencionar a
evidência das diferenças lingüísticas, o fato de mais imediata observação empírica.
Mesmo o exercício de atividades consideradas como parte da fisiologia humana podem
refletir diferenças de cultura. Tomemos, por exemplo, o riso. Rir é uma propriedade do
homem e dos primatas superiores. O riso se expressa, primariamente, através da contração
de determinados músculos da face e da emissão de um determinado tipo de som vocal. O

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riso exprime quase sempre um estado de alegria. Todos os homens riem, mas o fazem de
maneira diferente por motivos diversos.
A primeira vez que vimos um índio Kaapor rir foi um motivo de susto. A emissão
sonora, profundamente alta, assemelhava-se a imaginários gritos de guerra e a
expressão facial em nada se assemelhava com aquilo que estávamos acostumados a
ver. Tal fato se explica porque cada cultura tem um determinado padrão para este
fim. Os alunos de uma nossa sala de aula, por exemplo, estão convencidos de que cada
um deles tem um modo particular de rir, mas um observador estranho a nossa cultura
comentará que todos eles riem de uma mesma forma. Na verdade, as diferenças
percebidas pelos estudantes, e não pelo observador de fora, são variações de um mesmo
padrão cultural. Por isto é que acreditamos que todos os japoneses riem de uma mesma
maneira. Temos a certeza de que os japoneses também estão convencidos que o riso varia
de indivíduo para indivíduo dentro do Japão e que todos os ocidentais riem de modo igual.
Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas. Voltando aos japoneses: riem
muitas vezes por questão de etiqueta, mesmo em momentos evidentemente
desagradáveis. Enfim, poderíamos continuar indefinidamente mostrando que o riso é
totalmente condicionado pelos padrões culturais, apesar de toda a sua fisiologia.
É evidente e amplamente conhecida a grande diversidade gastronômica da espécie
humana. Frequentemente, esta diversidade é utilizada para classificações depreciativas;
assim, no início do século os americanos denominavam os franceses de "comedores de
rãs". Os índios Kaapor discriminam os Timbira chamando-os pejorativamente de
"comedores de cobra". E a palavra potiguara pode significar realmente "comedores de
camarão", mas resta uma dúvida linguística desde que em Tupi ela soa muito próximo da
palavra que significa "comedores de fezes".
As pessoas não se chocam, apenas, porque as outras comem coisas diferentes, mas
também pela maneira que agem à mesa. Como utilizamos garfos, surpreendemo-nos com
o uso dos palitos pelos japoneses e das mãos por certos segmentos de nossa sociedade.
Em algumas sociedades o ato de comer pode ser público, em outras uma atividade
privada. Alguns rituais de boas maneiras exigem um forte arroto, após a refeição, como
sinal de agrado da mesma. Tal fato, entre nós, seria considerado, no mínimo, como
indicador de má educação. Entre os latinos, o ato de comer é um verdadeiro rito social,
segundo o qual, em horas determinadas, a família deve toda sentar-se à mesa, com o chefe
na cabeceira, e somente iniciar a alimentação, em alguns casos, após uma prece.
Roger Keesing em seu manual New Perspectives in Cultural Anthropology3 começa com
uma parábola que aconteceu de verdade: "Uma jovem da Bulgária ofereceu um jantar
para os estudantes americanos, colegas de seu marido, e entre eles foi convidado um
jovem asiático. Após os convidados terem terminado os seus pratos, a anfitriã perguntou
quem gostaria de repetir, pois uma anfitriã búlgara que deixasse os seus convidados se
retirarem famintos estaria desgraçada. O estudante asiático aceitou um segundo prato, e
um terceiro — enquanto a anfitriã ansiosamente preparava mais comida na cozinha.
Finalmente, no meio de seu quarto prato o estudante caiu ao solo, convencido de que agiu
melhor do que insultar a anfitriã pela recusa da comida que lhe era oferecida, conforme o

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costume de seu país." Esta parábola, acrescenta Keesing, reflete a condição humana. O
homem tem despendido grande parte da sua história na Tora, separado em pequenos
grupos, cada um com a sua própria linguagem, sua própria visão de mundo, seus costumes
e expectativas.
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência
a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural.
Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos
pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.
O etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria
sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As
autodenominações de diferentes grupos refletem este ponto de vista. Os Cheyene, índios
das planícies norte-americanas, se autodenominavam "os entes humanos"; os Akuáwa,
grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se "os homens"; os esquimós também se
denominam "os homens"; da mesma forma que os Navajo se intitulavam "o povo". Os
australianos chamavam as roupas de "peles de fantasmas", pois não acreditavam que os
ingleses fossem parte da humanidade; e os nossos Xavante acreditam que o seu território
tribal está situado bem no centro do mundo. É comum assim a crença no povo eleito,
predestinado por seres sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças contêm o
germe do racismo, da intolerância, e, frequentemente, são utilizadas para justificar a
violência praticada contra os outros.
A dicotomia "nós e os outros" expressa em níveis diferentes essa tendência. Dentro
de uma mesma sociedade, a divisão ocorre sob a forma de parentes e não-parentes. Os
primeiros são melhores por definição e recebem um tratamento diferenciado. A projeção
desta dicotomia para o plano extra grupal resulta nas manifestações nacionalistas ou
formas mais extremadas de xenofobia. O ponto fundamental de referência não é a
humanidade, mas o grupo. Daí a reação, ou pelo menos a estranheza, em relação aos
estrangeiros.
O costume de discriminar os que são diferentes, porque pertencem a outro grupo, pode
ser encontrado mesmo dentro de uma sociedade. A relação de parentesco consanguíneo
afim pode ser tomada como exemplo. Entre os romanos, a maneira de neutralizar os
inconvenientes da afinidade consistia em transformar a noiva em consanguínea,
incorporando-a no clã do noivo pelo do ritual de carregá-la através da soleira da porta
(ritual este perpetuado por Hollywood). A noiva japonesa tem a cabeça coberta por um
véu alto que esconde os "chifres" que representam a discórdia a ser implantada na família
do noivo com o início da relação afim. Um exemplo são as agressões verbais, e até físicas,
praticadas contra os estranhos que se arriscam em determinados bairros periféricos ou
ainda contra aqueles moradores de periferias ao se encontrarem em bairros nobres de
nossas grandes cidades.
Comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões
culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como
absurdas, deprimentes e imorais.

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ATIVIDADE
- Com base no texto, explique com suas palavras, o que é cultura? Você tem cultura?

Bibliografia:
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.

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AULA: PADRÕES CULTURAIS


Desde o século XIX, estudiosos começaram a perceber que diferentes culturas produziam
realidades diferentes, e essas realidades, por sua vez, davam origem a comportamentos e
práticas regulares que se repetiam no tempo e no espaço. Esses comportamentos e práticas
regulares foram denominados padrões culturais. A ideia de que existem padrões culturais
foi decorrência direta dos estudos de Boas, nos quais o conceito de cultura ganhou sua
conotação moderna como força unificadora de um povo, que dá sentido e condensa tudo
o que acontece.
Desde o começo do século XX, principalmente com o trabalho de duas alunas de Franz
Boas — Margaret Mead (1901-1978) e Ruth Benedict (1887-1947) —, o conceito de
padrão cultural ganhou bastante destaque. Essas antropólogas observaram que, além de
expressar comportamentos regulares, os padrões culturais produziam indivíduos com
inclinações semelhantes. Para essas antropólogas norte-americanas, a relação entre as
personalidades individuais e os padrões culturais era muito significativa. Como se a
cultura, de certa forma, moldasse as personalidades individuais em tipos-padrão. Isso
significa dizer que certa cultura tenderia a produzir indivíduos mais violentos, enquanto
outra tenderia a produzir sujeitos mais contemplativos. Assim, cada cultura modelaria
uma personalidade- padrão que, embora sujeita a variações, seria predominante sobre as
demais. Ou seja, a força da cultura, ao integrar um conjunto de pessoas produzindo
padrões de comportamento, levaria à produção de um “modo de ser” característico de
uma sociedade.
Para Mead e Benedict, e também para Franz Boas e outros antropólogos norte-
americanos, a cultura podia ser comparada a uma lente que filtra tudo o que vemos,
percebemos e sentimos. Não há como perceber o mundo a não ser através do filtro de
alguma cultura. Um dos elementos centrais desse processo de “percepção do mundo” é a
linguagem, um mecanismo de transmissão de valores, ideias e formas de refletir sobre a
realidade. Para esses autores, não haveria possibilidade de perceber o mundo fora do
mecanismo de transmissão cultural representado pela linguagem.
De acordo com essas ideias, a vida de cada um seria uma acomodação aos padrões
culturais transmitidos de geração em geração. A questão é entender o papel do costume
na vida do indivíduo, o que, segundo Mead e Benedict, vale tanto para as culturas ditas
“primitivas” quanto para as culturas ocidentais. Ao afirmar que também as culturas vistas
como “avançadas” são regidas por padrões culturais, as duas antropólogas desafiaram o
pensamento comum da época. O que era normal para a maior parte das pessoas, para essas
autoras era fruto de costumes arbitrários.

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O fato de que a mulher, nos Estados Unidos, era em geral direcionada aos cuidados do
lar, por exemplo, foi visto por elas como um costume cultural norte-americano de um
determinado período histórico, e não como algo “natural”. Esse movimento intelectual
levou ao questionamento de noções que pareciam naturais aos norte-americanos. É o que
chamamos hoje de desnaturalização: aquilo que parece natural e “normal” é apenas uma
entre milhares de formas possíveis. O fato de determinadas práticas prevalecerem não é
de modo algum “natural” — nada mais é do que a força do costume. Essa ideia é muito
importante para o pensamento antropológico, pois permitiu desnaturalizar muito do que
parecia natural aos membros de culturas ocidentais. Os antropólogos estão entre os
grandes críticos da segregação racial (que parecia normal à elite norte-americana do
começo do século XX), da opressão da mulher, da discriminação aos imigrantes, da
exploração de terras indígenas, etc.
Ruth Benedict e Margaret Mead tiveram grande influência no pensamento feminista,
abrindo as portas para o questionamento daquilo que era visto como natural: o papel da
mulher exclusivamente como mãe e esposa devotada aos afazeres domésticos. Para elas,
o papel de mãe era consequência do costume, não da natureza humana. E, sendo fruto do
costume, poderiam mudar, e a própria carreira acadêmica dessas antropólogas era um
exemplo disso: mulheres que trabalhavam e tinham destaque acadêmico em uma
sociedade muito restritiva quanto aos papéis femininos.
VOCÊ JÁ PENSOU NISTO?

PARA PENSAR: A ideia de padrões culturais pode estar mais próxima do que você
imagina. Basta pensar em qualquer grupo social que imediatamente associamos a ele
determinados padrões de comportamento. Se, por exemplo, você pensar em um grupo de
skatistas de uma grande cidade brasileira, provavelmente virá à sua mente alguma
imagem sobre comportamento. Faça uma lista mental de comportamentos, ações,
vestuário, modos de falar e outras características de um grupo que você conheça de perto.

O CONCEITO DE CULTURA NO SÉCULO XX

Ao longo do século XX, o conceito de cultura foi incorporado ao senso comum. Passou
além dos discursos acadêmicos e ganhou espaço em discussões públicas, como as lutas
por direitos. A ideia de cultura que prevalece hoje no senso comum deve muito ao
pensamento de Boas: um conjunto estável de hábitos, práticas, costumes, tecnologias, etc.
No campo teórico da Antropologia, entretanto, esse conceito passou por inúmeras
revisões. Um antropólogo, quando fala em cultura, está falando de algo diferente daquilo
que o senso comum imagina. O importante aqui é entender como a Antropologia
prosseguiu na reflexão sobre a cultura, a partir dos trabalhos de Boas e seus alunos. Essa
continuação ocorreu basicamente nos Estados Unidos, tendo havido algumas reviravoltas
e até mesmo críticas severas ao conceito.
Na década de 1960, uma nova geração de antropólogos trouxe outros significados ao
conceito de cultura. Destacam-se nesse momento os trabalhos dos norte-americanos
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David Schneider (1918-1995), Clifford Geertz (1926-2006) e Marshall Sahlins (1930-),
que criticaram o conceito de cultura como um todo integrado e estático. A crítica desses
intelectuais se referia às grandes transformações ocorridas no mundo após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Em um contexto que incluía mudanças profundas — desde
as lutas pela independência em países antes dominados por potências europeias até as
revoluções culturais da década de 1960 —, as sociedades observadas pela Antropologia
também passavam por transformações que um conceito estático de cultura não dava conta
de explicar.
Para Schneider, Geertz e Sahlins, a cultura continuava a ser um todo integrado, mas
era eminentemente dinâmica, sujeita a mudanças. Nessa visão, a cultura deixa de
ser um conjunto de práticas observáveis e passa a configurar um conjunto de
códigos simbólicos. Ou seja, é mais semelhante a um código do que a um conjunto
de comportamentos: pode ser comparada a um conjunto de regras que é internalizado
pelas pessoas desde a infância. Para esses autores, cultura não é o que as pessoas fazem,
mas sim o que elas pensam: está presente em todos os indivíduos que vivem em comum,
é compartilhada e transmitida como um código permeado pela linguagem e por vários
conceitos que a linguagem traz consigo.
A ideia de cultura como um código de regras e ordens que está na cabeça das pessoas, e
não nos comportamentos, permite muitas possibilidades de pensar a dinâmica e a
transformação das culturas. Como já vimos, inicialmente os antropólogos observavam
apenas os comportamentos e os consideravam cultura. Nesse contexto, quando os
comportamentos mudavam, a impressão era que a cultura tinha se “perdido”. Na primeira
metade do século XX, era comum os antropólogos lamentarem a “perda” de cultura de
várias populações pelo mundo. Isso porque o avanço do sistema econômico ocidental
produziu grandes transformações entre sociedades antes isoladas: rituais deixaram de ser
realizados, técnicas tradicionais foram abandonadas, crenças nativas foram atropeladas
por religiões ocidentais. Tudo isso era considerado pelos antropólogos “perda”,
“aculturação” aos valores ocidentais, já que eles entendiam a cultura como a soma dos
comportamentos visíveis.
Quando a cultura passou a ser vista como um código mental, os comportamentos se
tornaram consequência desse sistema, e podem mudar sem comprometer o sistema,
organizando novas práticas e inventando novas tradições, embora ainda seguindo certas
regras básicas. Resumindo, a cultura não se limita mais a uma série de comportamentos,
mas constitui um sistema que organiza a experiência das pessoas na vida, ordenando até
mesmo os processos de transformação. Quando um costume muda ou uma prática nativa
de outra cultura é adotada, isso acontece segundo uma lógica cultural.
Pense em um conjunto de rappers brasileiros: embora produzam uma música que não é
original do nosso país, eles a utilizam para expressar suas ideias e uma crítica social que
se refere ao seu cotidiano. Será que eles são menos brasileiros por se expressarem por
meio do rap? Ou será que eles usam o rap para expressar um ponto de vista
essencialmente brasileiro, e nesse sentido estariam abrasileirando o rap? Os antropólogos
do final do século XX tenderiam a preferir a segunda resposta, tornando o conceito de
cultura mais dinâmico.

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PARA PENSAR! Que tal refletir um pouco sobre a linguagem e tudo o que está por trás
das palavras? Pense na palavra “mulher”, por exemplo. Além de nomear um ser humano
do gênero feminino, essa palavra carrega muitos outros significados. Não é meramente a
descrição de uma parte da humanidade: expressa uma série de valores, preconceitos,
papéis, etc. E por falar em preconceitos, nosso vocabulário carrega inúmeros deles.
“Denegrir”, “mulata” e “cabelo duro”, por exemplo, são expressões racistas que têm
origem em nosso passado escravista e que, infelizmente, perduram até hoje. Para perceber
como a linguagem expressa conceitos, preconceitos e visões de mundo, procure saber
mais sobre a origem desses e de outros termos presentes no nosso dia a dia.

O CONCEITO DE CULTURA NO SÉCULO XXI

Desde o fim do século XX, o conceito de cultura tem recebido muitas críticas, algumas
tão radicais que chegam a defender o fim de seu uso. Trata-se de um processo comum nas
Ciências Sociais: todos os grandes conceitos passam por revisões, adaptações, críticas
fulminantes e renascimentos milagrosos. Embora no senso comum o conceito de cultura
ainda esteja associado a ideias do começo do século XX, na Antropologia o conceito já
viveu, morreu e renasceu. Veremos a seguir as duas principais críticas ao conceito e
também como ele permanece, apesar dessas críticas.
É interessante notar que muitos intelectuais, embora prefiram não usar mais o termo
“cultura”, continuam precisando de um conceito para lidar com a diferença entre as
sociedades e entre os grupos dentro de uma mesma sociedade. Mas na medida em que se
evita o conceito de cultura, outros conceitos que descrevem mais ou menos a mesma coisa
são cada vez mais usados. Exemplo disso é o conceito de “identidade”, que guarda
semelhanças significativas com o sentido mais contemporâneo de cultura. Embora mais
voltado para grupos dentro de sociedades maiores, como grupos étnicos (imigrantes, por
exemplo), grupos raciais (populações negras em países ocidentais, por exemplo), grupos
de orientação sexual ou de gênero (homoafetivos ou transgêneros, por exemplo), o
conceito de identidade é uma ferramenta teórica para pensar a diversidade. O conceito de
cultura tem a mesma função, mas, segundo muitos de seus críticos, tende a ser autoritário
e impor imagens à revelia dos grupos que se propõe a descrever.
No século XX, as mais duras críticas ao conceito de cultura partiram de um movimento
em Antropologia denominado pós-modernismo: um conjunto de autores que passou a
duvidar da possibilidade de falar sobre a cultura dos outros. Para eles, quando um
antropólogo fazia o seu trabalho, que era basicamente descrever outras sociedades, ou
grupos dentro de sociedades, ele exercia um poder absoluto: sua descrição passava a ser
vista como absoluta e verdadeira.

Para pensar sobre isso, considere o trecho a seguir:


Iracema acendeu o fogo da hospitalidade; e trouxe o que havia de provisões
para satisfazer a fome e a sede: trouxe o resto da caça, a farinha-

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-d’água, os frutos silvestres, os favos de mel, o vinho de caju e ananás.
Depois a virgem entrou com a igaçaba, que na fonte próxima enchera
de água fresca para lavar o rosto e as mãos do estrangeiro.
Quando o guerreiro terminou a refeição, o velho Pajé apagou o cachimbo
e falou:
— Vieste?
— Vim — respondeu o desconhecido.
— Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os
tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para
servi-lo. Dize, e todos te obedecerão.
— Pajé, eu te agradeço o agasalho que me deste. Logo que o sol nascer,
deixarei tua cabana e teus campos aonde vim perdido; mas não devo deixá-
los sem dizer-te quem é o guerreiro, que fizeste amigo.
— Foi a Tupã que o Pajé serviu: ele te trouxe, ele te levará. Araquém
nada fez pelo seu hóspede; não pergunta donde vem e quando vai. Se
queres dormir, desçam sobre ti os sonhos alegres; se queres falar, teu hóspede
escuta.
ALENCAR, José de. Iracema. 37. ed. São Paulo: Ática, 2009. p. 25.

Nesse trecho do romance Iracema, publicado pela primeira vez em 1865, o autor cearense
José de Alencar (1829-1877) faz uma descrição da população indígena na qual tanto a
jovem Iracema como o pajé Araquém são representados como solícitos e servis em
relação ao estrangeiro. O escritor desenha uma imagem de submissão incondicional, sem
contestação ou mecanismos de resistência. Essa forma de descrever os indígenas gera
uma imagem sobre essa população. E essa imagem favorece a elite branca do século XIX,
pois representa os indígenas como serviçais.
Do ponto de vista dos críticos do conceito de cultura, o processo sempre se repete: a cada
descrição, temos uma representação criada por quem descreve. Aquele que é descrito, por
sua vez, nunca tem sua própria voz ouvida. Ou seja, quando alguém o descreve, produz
imagens sobre as quais o indivíduo descrito não tem nenhum controle. Por exemplo, na
maior parte das escolas brasileiras a comemoração do Dia do Índio é feita com base em
ideias e imagens genéricas, que não se referem a uma etnia ou população específica.
Como se sabe, os diversos grupos indígenas do Brasil vivem em sociedades muito
distintas entre si, com diferentes visões sobre o mundo e a natureza. Nenhum indígena
real é representado no Dia do Índio: comemoramos uma imagem, criada pela sociedade
não indígena, que está muito distante da diversidade presente nos grupos indígenas que
vivem no Brasil. Retomando a crítica dos antropólogos pós-modernistas do final do
século XX, eles diziam que as descrições feitas pelos intelectuais eram autoritárias, pois
não davam voz aos descritos: sempre alguém falava por eles. E, para esses antropólogos,
o conceito de cultura era o veículo dessa descrição autoritária.
A partir da década de 1990, essa crítica foi retomada por uma série de intelectuais
chamados de “pós-coloniais”. Originários de várias partes do mundo, principalmente da
Índia, e também de grupos minoritários dos países centrais do mundo ocidental, esses
estudiosos levaram mais além a crítica pós-modernista. Para eles, não só os

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“representados” eram impossibilitados de se fazer ouvir, mas a própria descrição levava
à construção de estereótipos. O alvo principal dessa crítica foi a produção de estereótipos,
presentes tanto nas descrições em si como nas teorias produzidas na Europa e nos Estados
Unidos. Para esses autores, o conceito de cultura resultaria necessariamente em uma
prisão para os grupos descritos desse ponto de vista: a descrição produziria um estereótipo
do qual os descritos não poderiam fugir, assim como os grupos indígenas brasileiros não
conseguem escapar da imagem de um índio genérico no Brasil.
Embora as críticas citadas sejam pertinentes, muitos defensores do conceito de cultura
alegam que elas se referem a um conceito de cultura estático (como o do começo do
século XX), que de fato produziria uma imagem imutável do descrito, ou então indicam
um mau uso do conceito, não levando em conta o dinamismo dos sistemas culturais.
Diante do dinamismo de qualquer sistema cultural, os defensores do conceito de cultura
afirmam que qualquer descrição estática deixa de fazer sentido. Para esses antropólogos,
o conceito de cultura, quando bem compreendido e empregado, ainda é um poderoso
instrumento de luta contra os estereótipos, pois procura justamente dar sentido a tudo
aquilo que gera estranheza e preconceito.

VOCÊ APRENDEU QUE:


✔ O conceito de cultura nasce em oposição às narrativas evolucionistas do século XIX.
✔ O conceito de cultura se opõe à ideia de uma única civilização e passou a ser pensado
no plural (culturas) a partir do trabalho de Franz Boas.
✔ O conceito de cultura de Boas descreve um conjunto de pessoas que compartilham
uma série de hábitos, práticas e crenças. A cultura é vista como integradora, algo que
“amarra” a vida coletiva.
✔ A noção de relativismo é fundamental ao conceito de cultura, ou seja, para pensar
uma cultura é preciso fazê-lo a partir dos termos dessa cultura.
✔ Relativismo cultural é o oposto de etnocentrismo.
✔ Até mais ou menos a metade do século XX, o antropólogo via a cultura como uma
série de padrões de comportamento praticados coletiva e sistematicamente (rituais,
técnicas, religiões, etc.).
✔ Gradualmente, a partir da segunda metade do século XX, o conceito de cultura passou
a considerar as normas e regras simbólicas que estavam na mente das pessoas, e não no
comportamento.
✔ Essa passagem levou a um conceito dinâmico de cultura, que considera as
transformações sociais e as variações internas de uma sociedade.
✔ O conceito de cultura foi criticado por estimular descrições que excluem a voz das
populações investigadas e levam a estereótipos e preconceitos.
✔ Atualmente, apesar das críticas, o conceito de cultura continua válido na opinião de
muitos antropólogos e estudiosos de outras áreas.

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ATIVIDADE
A partir da sua experiência, tente produzir uma reflexão sobre as descrições que podem
ter lhe incomodado. Pense em algum desenho, fotografia ou filme com representações do
Brasil ou de comunidades da periferia, do campo ou da região onde você vive. Eles
contêm estereótipos ou preconceitos? Que tipo de visão de mundo eles evidenciam?
Reflita também sobre como você pode ser enquadrado em descrições: como produtor de
representações ou como sujeito representado. Use essa reflexão para pensar o conceito de
cultura.

Bibliografia:
MACHADO, Igor José de Renó; AMORIM, Henrique; BARROS, Celso Rocha de.
Sociologia hoje. 2ed. São Paulo: Ática, 2016.

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ
CAMPUS BRAGANÇA
SOCIOLOGIA - IA
VANESSA FRAZÃO LIMA

SOCIEDADES INDÍGENAS E O MUNDO CONTEMPORÂNEO

A partir do século XX, as teorias evolucionistas passaram a ser vistas pelos antropólogos
como etnocêntricas, pois adotavam os valores e critérios próprios de sua sociedade como
parâmetro para todas as demais. Afirmar que a evolução tecnológica é um parâmetro para
avaliar a evolução das sociedades só poderia ocorrer em uma sociedade em que a
evolução tecnológica é muito valorizada. Dificilmente uma sociedade organizada em
outros termos escolheria esse critério. Ou seja, quando analisamos outras sociedades por
meio de critérios próprios da nossa, estamos sendo etnocêntricos. E isso significa que não
estamos realmente olhando para outras sociedades, mas apenas procurando nelas aquilo
que reconhecemos em nós como fundamental. Para desfazer a ideia do suposto
primitivismo das populações não ocidentais, é necessário um olhar não etnocêntrico, que
reconheça uma complexidade que tenha sentido e significado no interior dessas
sociedades.
Do final do século XIX até meados do século XX, antropólogos se dedicaram a
documentar a vida indígena em vários lugares do mundo com uma preocupação
generalizada: a de que os povos indígenas estavam “acabando”. Havia a convicção de que
o avanço do sistema capitalista levaria à extinção dessas populações. Alguns acreditavam
que isso aconteceria inevitavelmente, como um fator natural da evolução social. Outros
simplesmente constatavam que o capitalismo impedia aquelas sociedades de continuar a
se reproduzir como vinham fazendo tradicionalmente. E como isso acontecia? Com a
expansão gradual do controle e invasão de terras indígenas. Para tomar um exemplo
brasileiro, o interesse pelas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas levou aos
maiores abusos. O antropólogo brasileiro Mércio Pereira Gomes (1950-), em seu livro Os
índios e o Brasil (Vozes, 1988), cita o caso dos indígenas Canela Fina, na Vila de Caxias,
no sul do Maranhão, que por volta de 1816 receberam como “presente” de fazendeiros
interessados em suas terras roupas infectadas com o vírus da varíola, levando a uma
epidemia e a um grande morticínio.
Apesar dos números e relatos que demonstram a dizimação de grupos indígenas durante
os séculos pós-conquista colonial, as nações indígenas praticaram ações e estratégias de
resistência física e cultural. Ao longo do século XX, muitas delas se mobilizaram para
defender seus direitos. O fim do século XX testemunhou uma revitalização das
populações indígenas, embora em muitos lugares do mundo os processos de opressão
permaneçam.
Uma questão crucial para as populações indígenas da atualidade é sua relação com a
sociedade capitalista. Essas populações não recusam o que chamamos de tecnologia e,

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em muitos casos, se valem dela para expressar seus pontos de vista. Muitos indígenas
produzem vídeos para registrar suas cerimônias, gravar suas narrativas, expressar seus
modos de ver o mundo. O uso de tecnologia não os torna menos indígenas, ao contrário
do que alguns imaginam.
O uso de tecnologias não impede que os indígenas reproduzam seus modos de viver.
Alguns antropólogos, como o norte-americano Marshall Sahlins (1930-), afirmam
justamente o contrário: que populações indígenas se utilizam de “coisas” da sociedade
ocidental conforme suas próprias regras e de forma a fortalecer seus próprios meios de
ver o mundo. Nós também “emprestamos” práticas, hábitos e ideias produzidos em outros
lugares do mundo e nem por isso deixamos de ser brasileiros. Quando assistimos a um
filme de Hollywood, por exemplo, apreciamos uma série de práticas, hábitos e ideias que
são estrangeiros para nós. Mas isso não nos faz menos brasileiros. Quando assistimos a
uma partida de futebol, estamos vendo um jogo inventado na Inglaterra, o que não
impediu a criação de um futebol brasileiro. Por que, então, usar roupas e motores de popa
tornaria os indígenas menos indígenas?

PARA PENSAR: Você já ouviu dizer que “índio de verdade” não usa roupas nem
tecnologias ou coisas semelhantes? Provavelmente sim, pois esse discurso é muito
comum, já que legitima a retirada de direitos desses indígenas. Quando, por exemplo, um
fazendeiro quer desqualificar reivindicações dos indígenas sobre terras que ocupa, afirma
que eles não são mais indígenas porque usam roupas, ferramentas, etc. Talvez você não
perceba quanto essa afirmação é ideológica: as sociedades capitalistas criam imagens dos
indígenas como primitivos, se apressam em tentar “civilizá-los” e, assim que eles adotam
práticas ocidentais, argumentam que eles não são mais indígenas e, portanto, não têm
direito à terra que ocupavam, por exemplo.

MITOS, NARRATIVAS E O ESTRUTURALISMO

Vimos que muita gente tem uma ideia deturpada das sociedades indígenas porque elas
são bastante diferentes das sociedades não indígenas, e essa diferença parece criar uma
barreira intransponível. Mas a Antropologia, desde o começo do século XX, vem
procurando construir uma ponte, dando sentido à experiência das populações indígenas
(e de outras populações, como os povos do campo, as tribos urbanas, as elites, os grupos
religiosos, os imigrantes, etc.). Quando “atravessamos a ponte” e nos deparamos com
mundos diversos, podemos perceber que a complexidade e a sofisticação neles existentes
estiveram como que escondidas por nossos preconceitos. Ajudar a enxergar essa
complexidade é uma das tarefas da Antropologia, e um dos efeitos dela é desestabilizar
aquelas certezas evolutivas produzidas no século XIX e até hoje presentes na vida de
muitas pessoas. Invariavelmente, diante da riqueza de uma narrativa mitológica indígena,
por exemplo, ou diante da sofisticação artística de muitos artefatos indígenas, ou ainda
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diante de sistemas de parentesco tão complexos que seria preciso construir algoritmos
para entendê-los, chegamos a uma única conclusão: qualquer tentativa de estabelecer uma
linha de evolução entre sociedades é equivocada.
Tomemos como exemplo o trabalho do francês Claude Lévi-Strauss (1908- -2009), um
dos mais célebres antropólogos do século XX, cuja obra influenciou e continua a
influenciar o pensamento social contemporâneo. Lévi-Strauss desenvolveu um método
de análise denominado estruturalismo e fez um mergulho pela enorme complexidade
dos mitos provenientes de diversas populações, do sul até o norte das Américas, revelando
por meio deles o que chamou de pensamento ameríndio. Para esse autor, os mitos
demonstram um pensamento sofisticado e complexo. Tratam de oposições recorrentes —
entre o nu e o vestido, entre o cru e o cozido, entre discrição e excesso, entre respeito e
desrespeito, etc. — e promovem formas de lidar com a passagem de um estado de
natureza para o de cultura. Segundo Lévi-Strauss, os mitos traduzem preocupações
fundamentais das populações que os criam e fazem uma distinção entre natureza e cultura.
Essas populações estariam empenhadas em se separar da natureza, aspecto que o olhar
etnocêntrico tem dificuldade de entender.
A essência de uma teoria complexa como o estruturalismo, que pretende demonstrar que
o pensamento humano se organiza em torno de oposições (alto e baixo, fora e dentro,
quente e frio, etc.), deve muito ao próprio pensamento ameríndio. É como se Lévi-Strauss
pensasse o mito com base no pensamento dos nativos das Américas. O estruturalismo,
um método quase matemático, foi aplicado também ao estudo do parentesco, buscando
reduzir a multiplicidade de sistemas e chegar a um conjunto de sistemas genéricos, que
serviriam de modelos ou padrões para todas as variedades de parentesco.
Também a arte indígena foi objeto da reflexão sistemática de Lévi-Strauss. A
sensibilidade artística das populações ameríndias foi fundamental para o antropólogo
expressar seu pensamento de que essas sociedades não deveriam ser vistas como
atrasadas. Seus estudos acerca das representações gráficas contidas nos artefatos
indígenas, das pinturas corporais, entre outras expressões artísticas, revelavam que o nível
de organização social não poderia ser simplesmente julgado como inferior, e sim
compreendido como diferente.

POPULAÇÕES INDÍGENAS NO BRASIL

Para concluir este capítulo, em que começamos a ver como o olhar da Antropologia sobre
o “outro” mudou desde o evolucionismo do século XIX até tempos mais recentes, vamos
rever um pouco da história dos indígenas no Brasil.
Antes da chegada dos portugueses, o que viria a ser o Brasil era uma área densamente
povoada por uma enorme diversidade de populações indígenas. Esse contato com os
portugueses resultou em grandes mudanças para as populações indígenas, tais como o
avanço da mortalidade, a desestruturação de sociedades e sua dispersão, grandes
deslocamentos, que, por sua vez, produziram também conflitos entre populações
indígenas, e ajuntamentos de populações remanescentes de diferentes etnias. A história
das populações indígenas no Brasil desmente a imagem fantasiosa de povos cujo modo
de vida permaneceu o mesmo desde a chegada dos europeus ao continente americano.

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Estudos antropológicos, arqueológicos e linguísticos indicam intensos processos de
transformação, adaptação e mudança entre as populações indígenas, processos dos quais
temos apenas alguns vislumbres, já que as fontes para o estudo são raras ou inexistentes.
Segundo a antropóloga luso-brasileira Manuela Carneiro da Cunha (1943-), à época da
chegada (que podemos qualificar como invasão) dos portugueses ao território que viria a
ser o Brasil, havia aqui algo entre 1 milhão e 8,5 milhões de indígenas (as estimativas são
muito imprecisas). Em 150 anos, acredita-se que até 95% dessa população tenha sido
dizimada, seja por doenças espalhadas pelos europeus, seja pelo confronto direto, seja por
guerras decorrentes dos deslocamentos provocados pela colonização ou ainda pelos
rigores do trabalho forçado.
No início da colonização, os portugueses mantiveram contatos relativamente amigáveis
com os indígenas, mas logo passaram a escravizá-los, obrigando-os a trabalhar.
Entretanto, muitos indígenas foram também aliados dos colonizadores nas lutas para
conter ou expulsar franceses, holandeses e espanhóis, como uma “fronteira viva”,
segundo afirma a antropóloga brasileira Nádia Farage (1959-). Entre os séculos XVII e
XVIII, prevaleceu o modelo de catequização jesuítica, o que gerou conflitos em torno do
trabalho forçado e disputas políticas com a Coroa portuguesa. Após a expulsão dos
jesuítas em 1759, não havia vozes em defesa dos indígenas nem contrárias à ocupação de
suas terras. No século XIX, com o avanço da escravidão africana, o foco mudou: nesse
momento interessavam mais as terras do que o trabalho dos indígenas. Após séculos de
opressão, em 1910 foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que em 1967 foi
substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O Estado implantou uma política
indigenista voltada para o “progresso”, pela qual os indígenas eram vistos como
empecilho. Estes eram contatados para serem realocados, e a seguir vinha o “progresso”,
com estradas, tratores, cidades. Ao mesmo tempo, grandes empreendimentos de
catequização, como o dos religiosos salesianos no alto rio Negro, continuaram a se
expandir, com base em aldeamentos, abandono de crenças tradicionais, estudo formal e
catequese.
Na década de 1980 consolidou-se um discurso militarista contra os indígenas, vistos como
ameaça à segurança nacional por estarem em zonas fronteiriças. Entretanto, a
Constituição de 1988 marcou uma virada na percepção do Estado a respeito dos
indígenas: foram deixadas de lado as iniciativas de “civilizá-los” e formulados artigos
que reconhecem o direito de suas populações à posse da terra e à conservação de seus
costumes, de suas línguas, crenças e tradições. Hoje, segundo o Instituto Socioambiental
(ISA), há no Brasil cerca de 240 povos indígenas, falantes de mais de 150 línguas
diferentes. De acordo com dados do Censo 2010 do IBGE, somam 817 963 pessoas, das
quais 502 783 vivem em áreas rurais. Correspondem a 0,42% da população brasileira.
As organizações e reivindicações indígenas são pautadas no chamado direito originário,
ou seja, derivado da sua presença ancestral no território que hoje chamamos de Brasil,
garantindo-lhes o direito à terra independentemente de titulação ou reconhecimento
formal. O texto constitucional reconheceu os indígenas como os primeiros povos do
território brasileiro, mas o cumprimento da legislação e a garantia de seus direitos e de
melhores condições de vida — tais como delimitação de terras, educação escolar

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específica, preservação ambiental, ações governamentais de apoio à economia indígena,
assistência médica, entre outros — ainda são desafios presentes em nosso tempo.

VOCÊ APRENDEU QUE:


✔✔As sociedades ocidentais se preocuparam em estudar as populações não europeias
principalmente a partir do avanço do imperialismo do século XIX.
✔✔Desses estudos resultaram teorias evolucionistas, que tratavam de escalonar as
sociedades não europeias em graus de evolução.
✔✔O ápice da escala evolutiva era sempre ocupado pelos europeus.
✔✔Os critérios usados para construir as classificações favoreciam os europeus.
✔✔A existência da propriedade privada da terra era um elemento fundamental para
determinar a evolução de um povo, assim como seu grau tecnológico.
✔✔No século XX, os estudiosos começaram a questionar os pressupostos das teorias
evolucionistas.
✔✔As populações indígenas podem ser vistas como muito complexas, dependendo do
ponto de vista utilizado. As mitologias ameríndias, por exemplo, podem dar uma ideia
dessa complexidade.
✔✔A história das populações indígenas no Brasil demonstra a grande variedade e a
riqueza cultural dessas populações.

ATIVIDADE:
Pesquise sobre a influência indígena nos nossos hábitos cotidianos de higiene,
alimentação, música e disserte sobre as suas descobertas.

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Bibliografia:
MACHADO, Igor José de Renó; AMORIM, Henrique; BARROS, Celso Rocha de.
Sociologia hoje. 2ed. São Paulo: Ática, 2016.

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