GEB - Traducao Do Prefacio Da Edicao Comemorativa de 25 Anos

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GEB - tradução do prefácio da edição

comemorativa de 25 anos

Então, do que trata esse livro, Godel, Esch er, Bach: um Eterno Galão
Brilhante¹ - normalmente conhecida por sua sigla, "GEB"- de verdade?"

Esta questão me persegue desde que eu comecei a rabiscar seus primeiros


rascunho a caneta, lá trás em 1973. Amigos perguntaram, claro, o que me prendia tanto,
mas eu tinha dificuldade de explicar de uma maneira concisa. Alguns anos depois, em
1980, quando GEB esteve por um tempo na lista de Mais vendidos de Os Tempos
Novaiorquinos, a sinopse obrigatória de uma frase impressa embaixo do título dizia o
seguinte, pelas várias semanas que o livro esteve nessa lista: "Um cientista argumenta que
a realidade é um sistema de tranças interconectadas." Depois de eu ter protestado
veementemente contra essa completa asneira, eles finalmente substituíram por algo um
pouco melhor, bom apenas o suficiente para me impedir de reclamar novamente.

Muitas pessoas acham que o título diz tudo: um livro sobre um matemático, um
artista e um músico. Mas o mais casual das leituras vai mostrar que esses três indivíduos
per se, embora inegavelmente augustos, tem um apenas um mínimo papel no conteúdo do
livro. Não tem como esse livro ser sobre essas três pessoas.

Bem, então que tal descrever GEB como "um livro que mostra como a matemática, a
arte e a música são, na verdade, tudo a mesma coisa em sua essência"? Novamente, isto
ainda está a milhas de milhas do alvo - e, mesmo assim, eu ouvi isso de novo e de novo,
não apenas de pessoas que não leram o livro, mas também de leitores, até leitores
ardentes do livro.
E nas livrarias, eu encontrei GEB agraciando as prateleiras das mais diversas
sessões, incluindo não apenas matemática, ciência geral, filosofia, e ciência cognitiva ( as
quais todas estão ok), mas tambem religião, ocultismo, e Deus sabe lá o que. Por que é tão
difícil de descobrir do que o livro trata? Certamente não é só sua extensão. Nao, deve ser
em parte por que o GEB lida , e não só superficialmente, com uma variedade de tópicos
heterogêneos - fugas e canons, lógica e verdade, geometria, recursão, estruturas sintáticas,
a natureza do significado, Zen Budismo, paradoxos, cérebro e mente, reducionismo e
holismo, colônias de formigas, conceitos e representações mentais, traduções,
computadores e suas linguagens, ADN, proteínas, o código genético, inteligência artificial,
criatividade, consciência e livre arbítrio - algumas vezes até arte e música, (quem diria?!)
-que muitas pessoas acham impossível de localizar o cerne do livro.
As Imagens e Ideias Chaves que no Cerne de GEB

Desnecessário falar que essa confusão generalizada tem me frustrado muito ao


longo dos anos, já que eu tinha certeza que de ter soletrado meus objetivos repetidas vezes
no próprio texto. Claramente, entretanto, não o fiz com clareza e a frequência suficiente.
Mas, já que agora eu tenho a chance de fazê-lo novamente - em um lugar proeminente do
livro, o começo - deixe-me tentar uma última vez dizer porque eu escrevi esse livro, sobre o
que ele eh e do que trata sua principal tese.

Em uma palavra, GEB é uma tentativa muito pessoal de dizer como seres animados
podem florescer de matéria inanimada. O que eh um “Si”³ , e como um Si pode surgir de
algo sem-Si como uma pedra ou uma poça? O que eh um “Eu” e por que essa coisa eh
encontrada (pelo menos por enquanto) apenas associada com, como o poeta Russell
Edson uma maravilhosamente enunciou, “bulbos oscilantes de sonhos e pesadelos) - isto
eh, apenas associada com certos tipos de massa gosmenta encapsulados por uma dura
carapa​ç​a protetora montados no topo de pedestais que vagam pelo mundo em pares de
ligeiramente confusos palitos articulados?

GEB se aproxima dessas questões através da lenta construção de uma analogia


que liga moléculas inanimadas com símbolos sem sentido¹, e mais ainda liga “Sis” (ou “Eus”
ou “Almas”, se você preferir - seja lá o que distingue a matéria animada da inanimada) a
certos padrões especiais, cacheados, retorcidos, espiralados, enrolados, sinuosos(aqui
precisamos de uma pesquisa mais profunda sobre palavras que remetem a caracóis),
portadores de sentido que surgem apenas em certos tipos de símbolos sem sentido. São
nestes estranhos e sinuosos padrões que o livro gasta tanto tempo, por que eles são pouco
conhecidos, pouco apreciados, contra intuitivos, e cheios de mistério. E por razões que não
devem ser difíceis de imaginar, eu chamo tais padrões de “(re)voltas estranhas” {5} ao longo
do livro, apesar de em capítulos posteriores, eu também uso o termo “hierarquias
entrelaçadas” para descrever basicamente a mesma ideia.
De muitas formas, eh por isso que M.C. Escher - mais precisamente, sua arte - é tão
proeminente no entrelaçamento dourado, porque Escher, de sua própria maneira, era tão
fascinado quanto eu pelas “voltas estranhas”, e de fato e ele desenhou-as em vários
contextos, todos maravilhosamente desorientadores e fascinantes. Quando eu estava
começando a trabalhar no livro, no entanto, o Escher estava totalmente fora da jogada ( ou
fora da volta, como nos falamos hoje em dia); meu titulo temporario era a frase, um tanto
mundana, “O Teorema de Godel e o Cérebro Humano”, e eu não pensava em inserir figuras
paradoxais, muito menos muito menos diálogos divertidos. Simplesmente, vez após vez,
enquanto eu escrevia sobre minha noção de voltas estranhas, eu tinha lampejos de uma ou
de outro desenho o Escher aparecendo de forma quase subliminar perante o olho da minha
mente, e um dia eu finalmente percebi que essas imagens eram tão conectadas em minha
mente com as ideias que eu estava escrevendo sobre, que, para mim, privar meus leitores
da conexão que eu sentia tão fortemente, seria nada menos que perverso. E assim, as
obras de Escher foram acolhidas a bordo. Já o Bach, eu voltarei a esse tópico em minha
“fuga metafórica de mentes e máquinas” um pouco depois.
Voltando às voltas estranhas, por enquanto. GEB foi inspirado por minha convicção
de longa data de que a noção de “voltas estranhas” segura a chave para revelar o mistério
que nos, ser sencientes, chamamos de “ser’ ou “consciência”. A primeira vez que fui
atingido por essa ideia foi quando, durante minha adolescência, me encontrei ponderando
obsessivamente sobre a volta estranha por excelência que que se encontra no cerne da
prova do famoso teorema da incompletude da lógica matemática do Kurt Godel - um lugar
um tanto quanto arcano, pode-se pensar, para tropeçar no segredo por trás da natureza do
Si e do “eu”, e ainda assim, eu praticamente ouvia gritando em minha cara nas páginas de
Nagel e Newman que exatamente sobre isso.
esse prefácio nao eh o lugar para entrar em detalhes - de fato, eh por isso que o
calhamaço que você está segurando foi escrito, então seria presunçosos de minha parte
pensar que eu poderia superar o autor nestas poucas páginas! - mas uma coisa deve ser
dita de saída: a volta estranha Godeliana que se eleva em sistemas formais na matemática
(i.e., coleção de regras para produzir uma série infinita de verdades matemáticas apenas
manobrando mecanicamente símbolos sem qualquer preocupação com significados e ideias
escondidas nas formas manipuladas) eh uma volta que permite a esse sistema “perceber a
si mesmo”, a falar sobre si, a se tornar autoconsciente, e em certo sentido, não seria ir tão
longe dizer que justamente pelo fato de haver tal ciclo, o sistema formal adquire um ser.

Símbolos sem significado adquirem significado apesar de si


mesmos

O que é tão estranho nisso é que o sistema formal donde os esqueletos desses
seres sencientes (skeletal “selves) surge é criado de nada mais que símbolos sem
significado. O Si-mesmo, como é hoje, emerge apenas por causa de um padrão sinuoso e
emaranhado no meio desses símbolos sem significado. Agora uma confissão: Estou sendo
comedido quando eu escrevo a frase “símbolos sem significado” repetidamente (como no
final das duas últimas frases), pois uma parte crucial do argumento em meu livro se baseia
na ideia de que significado não pode ser mantido distante de sistemas formais quando
isomorfismos suficientemente complexos surgem. Significados aparecem mesmo nas
melhores tentativas de manter os símbolos sem significado!
Deixe-me reformular estas últimas sentenças sem usar o termo ligeiramente técnico
“isomorfismo”. Quando um sistema de símbolos sem significados tem um padrão que
corretamente espelha, ou rastreia, vários fenômenos no mundo, então esse espelhamento
ou traçado imbui os símbolos com algum nível de significado - de fato, esse traçado ou
espelhamento é nada mais nada menos que o próprio significado. Dependendo do quão
complexo e sutil e confiável o traçado eh, diferentes níveis de significação surgem. Eu nao
vou adiante neste assunto aqui, pois essa tese é levantada com frequência no texto,
principalmente nos capítulos 2, 4 ,6,9 e 11.
Comparado com um típico sistema formal, a linguagem humana é incrivelmente
fluida e sutil em seus padrões de traçar a realidade, e por essa razão os sistemas formais
parecem um tanto áridos; de fato, sem muito penar, podemos olhar para eles como se nao
tivessem nenhum significado. Mas, novamente, podemos olhar um jornal impresso em um
sistema de escrita que não conhecemos, e achar nas estranhas formas padrões
maravilhosos, mas completamente sem significado. Assim, a linguagem humana, por mais
rica seja, pode parecer esvaziada de seu significado.
Pra falar a verdade, tem alguns filósofos, cientistas, e por aí vai, que acreditam que
padrões de símbolos ​per se (​ como em livros ou filmes ou bibliotecas ou CD-ROMs ou
programas de computadores, não importa o quão complexos ou dinâmicos) nunca terão
significado próprio, porque significado, de uma maneira muito misteriosa, só floresce em
uma química orgânica, ou talvez da mecânica quântica, de processos que acontecem em
cérebros biológicos a base de carbono. Apesar de eu nao ter paciência com tal visão
paroquial e bio-chauvinistas, eu mesmo assim tenho uma clara noção de seu apelo intuitivo.
Tentando calçar os sapatos de um crente na primazia e, mais do que isso, na singularidade
dos cérebros, posso adivinhar de onde vem essa galera.
Essas pessoas acreditam em algum tipo de “magia semântica” acontece apenas
dentro de nossos “bulbos oscilantes”, algum lugar atrás de um par de olhos, mesmo que
eles nunca consigam apontar como e porque eh assim; mais ainda, eles acreditam que
essa magia semântica é aquilo que é responsável pela existência dos seres humanos,
almas, consciências, e “eus”. E eu, pra falar a verdade, concordo com tais pensadores que
a senciência e a semântica - em outras palavras, que eu e o significado - realmente
surgimos de uma única e mesma fonte; onde eu tenho problemas com essa pessoal eh em
seu contentamento que tal fenômeno está destinado a acontecer somente por uma
propriedade especial, que ainda não foi descoberta, do tecido macroscópico do cérebro.
Da maneira que vejo, a única maneira de superar essa visão magicista do que “eu” e
consciência são, eh manter em mente, por mais desagradável que possa parecer, que o
”oscilante bulbo de sonhos e pesadelos” que seguro se aninha dentro de nossos crânios é
um objeto puramente físico feito de componentes completamente estéreis e inanimados,
que obedecem exatamente as mesmas leis que governam todo o resto do universo, páginas
de papel, Cd-ROMs e computadores. Apenas se continuarmos insistindo nesses fatos
perturbadores, poderemos, lentamente, desenvolver uma intuição para revelar o mistério da
consciência: a chave não é o material que faz o cérebro, mas os padrões que podem se
formar nesse material.
Essa eh uma mudança libertadora, pois nos permite avançar para um nível diferente
de considerar o que eh o cérebro: uma mídia que suporta padrões complexos que
espelham,embora longe da perfeição, o mundo, do qual, desnecessário dizer,os cérebros
eles mesmos habitantes - e é nesse inevitável auto espelhamento, por mais imparcial e
imperfeita, que as voltas estranhas de consciência começam a se contorcer.

Kurt Godel avança a linha Maginot de Bertrand Russell

Acabei de afirmar que a mudança de foco dos componentes materiais para padrões
abstratos permitem o salto quase mágico do inanimado ao animado, da não semântica à
semântica, de significado nenhum ao significado. Mas como isso acontece? Afinal de contas
nem ​todos os saltos de matéria a padrões criam condições para o surgimento de
consciência, alma ou o Si-mesmo, obviamente. Em uma palavra: nem todo padrão é
consciente. Que tipo de padrão é esse, então que denuncia a marca do de um Si? A
resposta do GEB​: Voltas estranhas.
A ironia é que a primeira volta estranha que foi encontrada - e meu modelo para o
conceito em geral - foi encontrada num sistema feito sob medida para expulsar as voltas. Eu
falo do famoso tratado Principia Mathematica de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead,
um gigantesco e ameaçador trabalho amarrado com um denso e espinhoso simbolismo
preenchendo tomo após tomo, cuja a criação nos anos 1910-1913 nasceu principalmente
pela desesperada cruzada de seu primeiro autor em achar um caminho de contornar os
paradoxos de auto referência na matemática. No coração de Principia Mathematica está, a
assim chamada, “Teoria dos tipos” de Russell, que, muito como a sua contemporânea linha
de Maginot, foi desenhada para manter o “inimigo” fora de uma maneira firme e segura.

Para os franceses, o inimigo era a Alemanha, para Russell, era a auto-referência.


Russell acreditava que um sistema matemático ser capaz de falar de si, de qualquer forma,
era o beijo da morte, pois a auto-referência iria - então ele pensou -, necessariamente abrir
a porta para a auto-contradição, e, assim, fazer com que toda a matemática implodisse.
Para evitar esse destino terrível, ele inventou uma elaborada (e infinita) hierarquia de níveis,
todas isoladas uma das outras de tal modo a definitivamente - então ele pensou - bloquear
o temido vírus da auto-referência de infectar o frágil sistema. Levou duas décadas, mas,
eventualmente, o jovem lógico austríaco Kurt Gödel percebeu que a linha Maginot
matemática de Russell e Whitehead contra a auto-referência poderia ser habilmente evitada
(assim como os Alemães na II Guerra Mundial em breve acabariam por contornar com
destreza a real Linha Maginot), e que a auto-referência não só esteve escondida desde o
primeiro dia no Principia Mathematica, mas, na verdade, assolava a pobre PM de uma
forma totalmente irremovível Além disso, como Gödel deixou brutalmente claro, o fato do
PM ser permeada pela auto-referência não se devia a alguma fraqueza em PM, mas, pelo
contrário, se devia a sua força. Qualquer sistema semelhante teria exatamente o mesmo
"defeito". A razão pela qual demorou tanto para o mundo se dar conta desse fato
surpreendente é que ele dependia de um salto análogo, de certa forma, daquele de um
cérebro para um Si, aquele famoso salto de elementos inanimados para padrões animados.

Para Gödel, tudo entrou em foco por volta de 1930, graças a uma simples mas
maravilhosamente rica descoberta que veio a ser chamada de "numeração Gödel" - um
mapeamento onde os longos arranjos lineares de cadeias de símbolos em qualquer sistema
formal são espelhados precisamente por relações matemáticas entre certos (normalmente
astronomicamente grandes) número inteiros. Usando seu mapeamento entre padrões
elaborados de símbolos sem-sentido [meaningless] (usando esse termo duvidoso mais uma
vez) e número gigantes, Gödel mostrou como uma afirmação sobre qualquer sistema formal
matemática (como a afirmação de que o Principia Mathematica é livre de contradições)
pode ser traduzida em uma afirmação matemática dentro da teoria dos números (o estudo
dos número inteiros) Em outras palavras, qualquer afirmação matemática pode ser
importada para dentro da matemática, e nesse novo aspecto a afirmação simplesmente
afirma (como todas as afirmações da teoria dos números) que certos números inteiros tem
certas propriedades ou relações entre si. Mas em outro nível, ela também tem um
significado imensamente diferente que, em sua superfície, parece tão distante da teoria dos
números quanto seria uma sentença em um romance de Dostoevsky.
Por meio do mapeamento de Gödel, qualquer sistema formal desenhado para expelir
verdades sobre "meros" números acabaria também expelindo verdades - inadvertidamente
mas inexoravelmente - sobre suas próprias propriedades, e se tornaria então
"autoconsciente", por assim dizer. De todas os casos clandestinos de auto-referência
assolando o PM e revelados por Gödel, as doses mais concentradas se espreitavam
naquelas sentenças que falavam sobre seus próprios números Gödel, e diziam, em
particular, coisas muitos estranhas sobre si mesmas, como "Eu não são demonstrável
dentro de PM". E deixe-me repetir: tal volta-para-trás [twisting-back], tal enlaçar-se-em-volta
[looping-round], tal dobrar-se-em-si-mesmo [self-enfolding], longe de ser um efeito
eliminável, é um subproduto inevitável do vasto poder do sistema.

De forma não tão surpreendente, consequências matemáticas e filosóficas revolucionárias


brotaram da repentina revelação de Gödel que a auto-referência abundava no seio do
bastião desenhado tão cuidadosamente por Russel para deixá-la de fora à todo custo; a
mais famosa de tais consequências é a chamada "incompletude necessária" da matemática
formalizada. Essa noção será abordada cuidadosamente nos capítulos que virão, e mesmo
assim, fascinante como é, a incompletude não é por si mesma central para a tese do GEB.
Para GEB, o aspecto mais crucial do trabalho de Gödel é a sua demonstração de que o
significado de uma afirmação pode ter consequências profundas, até em um universos
supostamente sem significado [meaningless][ Esse é o significado da sentença G de Gödel
(aquela que afirma "G não é demonstrável dentro de PM") que garante que G não é
demonstrável dentro de PM (o que é precisamente o que G ela mesma afirma) É como se o
significado Gödeliano oculto tivesse algum tipo de poder sobre as regras vazias,
impenetráveis-ao-significado [meaning-impervious] e acotoveladoras-de-símbolos
[symbol-shunting] do sistema, prevenindo que elas formem uma demonstração de G, não
importa o que façam.

Causalidade de ponta-cabeça e o surgimento de um “Eu”

Esse tipo de efeito dá um sentido de uma causalidade loucamente emaranhada (ou de


ponta-cabeça). Afinal, não deveriam os significados que se escolhe ler nas cadeias de
símbolos sem significado serem completamente sem consequência? Mais estranho ainda é
o fato de que a ​única razão pela qual a sentença G não é demonstrável dentro do PM é o
seu significado auto-referencial; de fato, seria plausível imaginar que G, sendo uma
afirmação ​verdadeira sobre número inteiros, ​devesse ser demonstrável, mas - graças à sua
camada extra de significado como uma afirmação sobre si mesma, afirmando a sua
não-demonstrabilidade - ela não é.
Algo muito estranho emerge então da ​volta Gödeliana: a revelação do poder causal
do significado em universo preso a regras (rule-bound) mas livre de significado
(meaning-free).E é aqui que a minha analogia a cérebros e si-mesmos retorna, sugerir que
a ​volta tortuoso de ​si-dade [selfhood] preso dentro do bulbo inanimado chamado de
“cérebro” também tem poder causal - ou, dito de outra forma, que um mero padrão
chamado “Eu” pode deslocar partículas inanimados no cérebro na mesma medida que
partículas inanimadas podem deslocar padrões. Em suma, um “Eu” surge - na minha visão,
ao menos - através de um tipo de vórtice onde padrões em um cérebro espelham o
espelhamento cerebral do mundo, e eventualmente espelham a si mesmos, momento no
qual o vórtice do “Eu” se torna uma entidade real, causal. Para uma análogo concreto
imperfeito mas vívido dessa curioso fenômeno abstrato, pense no que acontece quando
uma câmera de TV é apontada para uma tela de TV de forma a exibir a tela nela mesma (e
essa outra tela nela mesma, etc.) - o que em GEB eu chamo de “televisão auto-engolfante”,
nos meu escritos posteriores eu às vezes chamo de “​volta ​de ​retroalimentação i​ nter-níveis”
[level-crossing feedback loop].
Quando e somente quando tal volta surge em um cérebro ou em qual outro
substrato é que uma ​pessoa - um “Eu” único e novo - é trazida à existência. Ademais, quão
mais rica em auto-referência for tal ​volta​, mais consciente é o Si para ao qual ele dá origem.
Sim, chocante como possa parecer, a consciência não é um fenômeno do tipo liga/desliga,
mas admite gradações. Ou, para colocar com menos rodeios, há almas menores e maiores.

Homens de alma pequena, cuidado!

Não posso deixar de recordar, neste ponto, um comentário terrivelmente elitista, mas
muito gracioso, de um dos meus escritores favoritos, o "crítico das sete artes" americano,
James Huneker, em sua cintilante biografia de Frederic Chopin, sobre o sujeito​₄ do estudo
Op. 25, No. 11 em Lá menor de Chopin, que para mim, e para Huneker, é um dos mais
emocionantes e sublimes peças de música já escrita: "Homens de alma pequena, não
importa o quão ágeis seus dedos, devem evitá-lo."

"Homens de alma pequena"?! Uau! Que frase que vai na contramão da democracia
americana! E, no entanto, deixando de lado o seu sexismo arcaico e ofensivo, (um crime,
que eu ,também, cometo em GEB, para meu grande pesar), eu gostaria de sugerir que é só
porque todos nós tacitamente acreditamos em algo como a chocante distinção de Huneker
que a maioria de nós está disposto a comer animais de um tipo ou de outro, a esmagar
moscas e mosquitos, combater as bactérias com antibióticos, e assim por diante. Nós
geralmente concordamos que "homens" tal como uma vaca, um peru, um sapo e um peixe
todos possuem alguma centelha de consciência, algum tipo primitivo de "alma", mas por
Deus, ela é um tanto menor do que a nossa é - e que isso, sem mais nem menos, é por que
nós "homens" sentimos que temos o perfeito direito de apagar as luzes sobre as cabeças
dessas bestas de alma fracionada e gorgolejar o seu uma vez morno e balançante, agora
gélido e estático protoplasma com uma gula sem limites, e não sentir um traço de culpa
enquanto o fazemos.

Chega de sermões! O real ponto aqui é que nem todas as revoltas estranhas dão
origem à almas tão grandes e gloriosas com a sua ou a minha. Então, por exemplo, eu não
desejaria que você nem ninguém desistisse de ler tudo ou parte do GEB, balançar sua
cabeça e dizer com tristeza, 'Aquele cara estranho, o Hofstatder, se convenceu que o
Principia Mathematica é uma pessoa consciente com uma alma"! Asneira! Absurdo!
Disparate! A volta estranha de Gödel, ainda que seja o modelo paradigmático para o
conceito, é não obstante apenas a mais mirrada das voltas estranhas, e reside em um
sistema cuja complexidade é patética, relativamente àquela de um cérebro orgânico. Além
disso, um sistema formal é estático; ele não muda ou cresce ao longo do tempo. Um
sistema formal não vivem em uma sociedade de outros sistemas formais, espelhando-os
dentro de si, e sendo espelhado, por sua vez, dentro dos seus "amigos". Bom, eu retiro essa
última observação, no mínimo um pouco: qualquer sistema formal tão poderoso quanto o
PM contém, na verdade, modelos não só de si mesmo mas de uma infinidade de outros
sistemas formais, alguns parecido consigo, outros muito diferentes de si. Isso é
essencialmente o que Gödel percebeu. Mas, ainda assim, não há nenhuma contrapartida
para o tempo, nenhuma a contrapartida para o desenvolvimento, muito menos para o
nascimento e a morte.

Então tudo que eu venha a dizer sobre "Si" vindo a existir em sistemas formais
matemáticos deve ser tomado com certas reservas. Voltas estranhas são uma estrutura
abstrata que surge em vários meios e em diferentes graus de riqueza. GEB é, em essência,
um longa proposta de voltas estranhas como uma metáfora para como a individualidade se
origina, uma metáfora para começar a compreender o que é que faz um "eu" parecer, ao
mesmo tempo, tão terrivelmente real e tangível para o seu próprio possuidor, e ainda assim
tão vago, tão impenetrável, tão profundamente elusivo.

Eu, pessoalmente, não consigo imaginar como a consciência vai ser totalmente
compreendida sem referência a voltas estranhas Gödelianas ou voltas de feedback
interníveis. Por essa razão, eu devo dizer, me surpreende de que nos últimos anos, na
enxurrada de livros que tentam desvendar os mistérios da consciência, quase nunca
mencionam algo nessa linha. Muitos desses autores até mesmo leram e saborearam o
GEB, mas em nenhum lugar sua principal tese é ecoada. Às vezes parece que eu gritei uma
mensagem profundamente querida em abismo vazio e ninguém me ouviu.

As primeiras sementes de GEB

Por que, alguém poderia indagar, se o objetivo do autor era meramente de propor a
teoria das voltas estranhas como o cruzamento da consciência com a fonte do nosso
irreprimível sentimento de “Eu”, ele acabou escrevendo um livro tão vasto e aparentemente
com tantas digressões? Por que raios ele veio com fugas e cânones? Por que recursões? E
Zen? E biologia molecular? etc.

Para falar a verdade, quando eu comecei, eu não tinha a menor ideia que eu
acabaria falando sobre esses tipos de coisas. Eu nem sonhava que meu livro futuro incluiria
diálogos, muito menos baseados em formas musicais. A natureza complexa e ambiciosa do
meu projeto desenvolveu-se gradativamente. Em linhas gerais, ele surgiu assim.

Aludi antes à minha leitura, enquanto adolescente, do pequeno livro “A prova de


Gödel” de Ernest Nagel e James R. Newman. Bom, este livro simplesmente irradiava
excitação e profundidade em mim, e me lançou como uma flecha diretamente aos estudos
de simbolismo lógico. Assim, enquanto bacharelando de matemática na Universidade de
Standford e alguns anos depois, em minha curta carreira como estudante de matemática
em Berkeley, cursei diversos I took several advanced logic courses, but to my bitter
disappointment, all of them were arcane, technical, and utterly devoid of the magic I'd known
in Nagel and Newman. The upshot of my taking these highbrow courses was that my keen
teen interest in Godel's wondrous proof and its "strange loopiness" was nearly killed off.
Indeed, I was left with such a feeling of sterility that in late 1967, almost in desperation, I
dropped out of math grad school in Berkeley and took up a new identity as physics grad
student at the University of Oregon in Eugene, where my once-ardent fascination with logic
and metamathematics went into deep dormancy.

Notas das Tradutores

¹Uma tradução possível e mais acessível, mas que não mantém as iniciais, seria
“uma Eterna Trança Dourada”
² Traduzindo a palavra “mean” como “significado”, ganhamos no entendimento, mas
perdemos em algumas metáforas presentes na língua original: ; e sentido original de mean
como “meio”, tanto os aquilo que preenche a distância entre A e B ou seja os“meios para
algo”, quanto aquilo que preenche; assim, a oposição entre “meaningful” e “meaningless”,
se dá entre uma coisa cheia, recheada e uma coisa vazia.

³Self
₄ - O termo preciso aqui seria tema (theme) e não sujeito (subject), já que não se trata de
uma obra poliônica.
5 - O termo volta, usado por outros tradutores, é normalmente associado com apenas um
dos “estágios” de loop, a saber, o seu retorno. Para remediar essa possível associação,
decidimos adicionar o prefixo re- que, apesar de ter uma conotação metafórica forte,
enfatiza o aspecto cíclico de ​loop​.

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