Ana Angélica Albano Histórias de Iniciação Na Arte
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Histórias de Iniciação na Arte
Esta intuição de que a poesia era necessária para o prazer da leitura só veio
com o tempo e foi fundamental para minha educação estética.
Além da leitura, existiu sempre o prazer do desenho: os lápis de cor e os cader-
nos em branco... as tintas vieram mais tarde, com a transparência das aquarelas (Al-
bano, 1998, p. 15).
A preferência por memórias e biografias já anunciava, mesmo sem que eu
soubesse nomear, o meu interesse pela psicologia: a possibilidade de observar como
se constroem as individualidades, como são tecidos os destinos. Percebo, agora,
quanto me impressionavam as aventuras daqueles que se transformaram em person-
agens, heróis dignos de pertencerem ao mundo dos livros – objetos de prazer.
A licenciatura em Artes Plásticas e o mestrado e o doutorado em Psicologia
vieram como conseqüência, não sei se natural, mas, com certeza, construída através
destes primeiros prazeres. Ou será que fui capturada por eles?
Quando, em 1997, assumi as aulas de Didática e Prática de Ensino de artes vi-
suais na Faculdade de Educação da Unicamp, considerei um desafio interessante en-
sinar didática de uma disciplina que, por definição, não se ensina. Partindo do princí-
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pio de que Arte não se ensina, mas se aprende, passei a me questionar como propor
uma didática para o ensino da arte, que preservasse o caráter transgressor inerente à
natureza desta área. Recorri, como primeiro recurso, à minha tese de doutorado, que
foi e continua sendo, até agora, meu principal suporte na docência e o ponto de parti-
da para a pesquisa que venho desenvolvendo.
A tese nasceu da pergunta: Como um artista inicia outro artista?
O tema da iniciação acompanha-me há anos, guiando minhas observações, ori-
entando minhas leituras.
O interesse surgiu a partir do estudo da psicologia junguiana e tornou-se mais
presente quando, em 1983, passei a dirigir a Escola Municipal de Iniciação Artística de
São Paulo.
Recordo-me que, naquela ocasião, o nome da Escola causou-me estranhamen-
to: por que Iniciação Artística e não simplesmente Educação Artística, denominação
usualmente utilizada nos currículos oficiais de 1º e 2º graus?
Compreendia que o nome procurava identificar a intenção da Escola em aten-
der crianças que começam seu aprendizado artístico. A idéia de uma escola para as
idades iniciais ou para quem inicia um aprendizado, no entanto, intensificou minha re-
flexão sobre a diferença entre iniciar e iniciar-se.
Observando os alunos que freqüentavam a Escola, percebia que, apesar de a
procura ser muito grande, poucos persistiam depois do período escolar, fazendo da
arte sua vida.
Uma coisa é possibilitar a expressão em diferentes linguagens para muitos e
outra coisa, muito diferente, é a decisão de alguns de criarem uma obra.
Apesar de todos os anos muitos alunos inscreverem-se para aulas de música,
teatro, dança e artes plásticas, quantos são hoje músicos, atores, bailarinos ou pin-
tores? Uns 10 ou 20, talvez menos... Qualquer pessoa pode expressar-se numa lin-
guagem artística sem necessitar fazer da arte sua profissão.
Diante desta constatação, voltei a perguntar: por que alguns optam pela arte,
renunciando à segurança de profissões socialmente mais reconhecidas, e submetem-
se a todas as provas movidos pela paixão da criação (Albano, 1998, p. 21)?
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Ao longo da pesquisa, fui constatando que Tuneu a percebia como uma grande
mãe, um grande útero, um continente propício para o nascimento de sua obra. Não a
viu, em nenhum momento, como a figura terrível do anjo exterminador associada aos
mestres dos mitos. Ele a via como aquela que, observando suas tendências plásticas,
facilitava-lhe a percepção e a realização destas tendências como obra (Albano, 1998,
p. 127).
Passei, então, a refletir sobre o fato de que o artista é iniciado por sua própria
obra. É a obra por fazer que impõe o sacrifício, exigindo a entrega necessária ao re-
nascimento.
Esta idéia, que surgiu com toda a clareza de uma imagem no início do trabalho,
demandou dois anos de reflexão para que eu a compreendesse melhor e conseguisse
torná-la visível. Orientou, também, minha compreensão a respeito do papel do mestre
como aquele que facilita ao discípulo a percepção do projeto que virá a ser sua obra.
Tarsila colocou Tuneu diante da própria obra, mostrando-lhe, a cada passo, o
caminho que, mesmo sem perceber, ele já havia escolhido.
Penso hoje que esta é a mesma posição que devemos sustentar na Universi-
dade: permitir ou abrir possibilidades para o aluno encontrar o seu próprio projeto, sua
própria voz.
Terminando a tese, tinha ainda a sensação de que talvez pudesse ter ido mais
longe ou penetrado mais fundo. Porém Cronos, o Senhor do Tempo, é rigoroso e in-
flexível, mas sábio. Pois, se limita o grau de liberdade, são estes limites que ajudam a
conter a forma.
Os meses de convivência diária com Tuneu, Tarsila e os outros mestres, que
acabaram se tornando também meus mestres, auxiliaram-me a encontrar os caminhos
que o texto a ser escrito exigia e a consciência de que em arte não seria produtivo
adotar metodologias de ensino pré-fabricadas.
Uma aula de arte, bela ou não, será sempre conseqüência da concepção de
arte e de belo de cada professor. Caem por terra, portanto, todos os métodos e fórmu-
las prontas para o ensino de arte. Se aceitarmos este princípio, cada professor terá de
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encontrar seu próprio caminho, a partir de suas escolhas estéticas e de como concebe
o sujeito a ser educado: autor ou reprodutor (Albano, 2005, p. 7)?
Para Mário de Andrade (1963, p. 28-29), isto acontece "porque realmente, em
arte, a regra deverá ser apenas uma norma e jamais uma lei. O artista que vive dentro
de suas leis será sempre um satisfeito. E um medíocre”. Acrescentando adiante: "É
preferível ficar na entressombra fecunda, que é só onde podem nascer as assom-
brações”.
Para compreender melhor os caminhos da iniciação na arte, percebi que pre-
cisava continuar adentrando as entressombras fecundas das memórias dos artistas,
uma vez que a pesquisa não se esgotava com uma história exemplar. Consciente de
que é a obra e não um mestre que inicia o artista, passei a orientar a pesquisa para a
observação do desenvolvimento da obra, com especial atenção para os pontos de
mutação no trabalho, que poderiam ser reveladores dos processos de iniciação.
Meu campo de pesquisa é o artista plástico do século 20. Interessa-me, particu-
larmente, observar o período da ruptura com a necessidade de representação da real-
idade, momento em que a obra de arte adquire autonomia enquanto objeto.
Apesar desta intenção inicial de continuar, apenas, no campo das artes visuais,
os escritores começaram a chamar minha atenção, especialmente pela quantidade de
memórias disponíveis. Compreendi que poderia, por analogia, fazer pontes entre as
duas linguagens, observando o processo criativo de escritores e de artistas plásticos.
O foco da pesquisa passou, então, a ser artistas que escreveram memórias, diários e
cartas, mas podendo recorrer também, em alguns casos, à técnica de história de vida
e entrevistas não diretivas.
Para compreender os caminhos da iniciação na arte, transito pelos campos da
psicologia, da história da arte e da educação.
Sem a intenção de desvendar o mistério da criação – mistério que deve per-
manecer mistério –, venho observando depoimentos de artistas, procurando apreender
como percebem seu processo de criação. E, mergulhando em antiga vocação pelas
biografias, vou recolhendo relatos, recortando e alinhavando impressões.
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Não faço um disco quando quero, faço quando preciso. Não sei exatamente o que dita esta
necessidade. Não é uma pressão de fora, é uma pressão que eu mesmo me coloco. Não sei
explicar qual a sua natureza, mas a verdade é que isso vale para todos os meus discos. (Chico
Buarque)1
Você quando escreve está criando um objeto. Cria independentemente do público que vai ler o
trabalho. Não escreve poesia visando o sustento. Escrevem-se poemas como poderia fazer
qualquer outra atividade: ginástica, natação. Aquilo é uma necessidade, algo do qual você não
pode abrir mão – e pronto. Quer dizer, a poesia é uma coisa bem mais pessoal do que social. É
um uso da linguagem, que por sua vez, se trata de um instrumento social. (João Cabral de Mel-
lo Neto)2
Sempre li muito. Isso continuou depois que me tornei um advogado muito ocupado. Não há
nenhuma ocupação que me dê mais prazer do que ler, à exceção de escrever. Escrevi meu
1 Massi, 1994.
2 Costa, 1992.
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primeiro livro (aos 56 anos) porque tinha chegado a hora de escrever. [...] Chegou uma hora
que precisava escrever e esta experiência era para mim a mais forte. Tendo escrito o primeiro,
escrevi o segundo para não ser autor de um só livro. Tendo escrito o segundo escrevi o terceiro
para não me tornar autor de dois livros. E agora estou escrevendo o quarto... (Louis Begley)3
Uma obra de arte é boa quando nasceu de uma necessidade. Neste caráter de origem está o
seu critério – o único existente. Também meu prezado senhor, não lhe posso dar outro conselho
fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra a sua vida, na fonte desta é
que encontrará a resposta à questão de saber se deve criar. Aceite- a tal como se lhe apresen-
tar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha a significar que o senhor é chama-
do a ser um Artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com o seu peso e sua grandeza,
sem nunca se preocupar com a recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve
ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e na natureza a que se aliou. (Rilke, 1978,
p. 24-25)
Desenhar era uma necessidade física para mim. Eu estava muito isolado. Ninguém me dava a
mínima. Isolado demais... Sim, porque eu via além das estreitezas. Eu vivenciei esse isolamento
muito dolorosamente, muito violentamente quando ainda era bem novo, bem menino. (Juan
Miró, 1992, p. 16)
Quando a gente quer expressar algo muito profundo escreve um poema ou um romance,
procura assim objetivar uma paixão. Em geral a escrita nasce de uma vocação, a gente está
condenado a escrever sobre certos temas. Acontece a mesma coisa com o amor, que começa
com uma atração involuntária – a que a gente está destinado – e depois se converte, através
do livre arbítrio, numa forma de liberdade. Trata-se de uma questão tão antiga quanto a
filosofia. Não há resposta e as respostas que encontrei me parecem igualmente insatisfatórias.
Há uma relação eterna entre a palavra destino e a palavra liberdade. (Otávio Paz)4
A necessidade surge, assim, como uma ponte que me leva à outra idéia muito
antiga: a noção mítica de destino.
3 Carvalho, 1994.
4 Milan, 1994.
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Hoje se obriga a pessoa a publicar muito, se obriga a publicar demais [isso era a década de
80...]. O critério de julgamento da eficiência científica de uma pessoa é o número de publi-
cação, o que é uma idéia absurda, porque, por exemplo, há pessoas que publicaram inúmeros
trabalhos que ficaram totalmente desconhecidos [...]. Essa preocupação de ter um grande
número de trabalhos publicados às vezes pode prejudicar as pessoas, se é que não prejudica
sempre. Pode ser que prejudique sempre porque a pessoa fica naquela tensão de estar publi-
cando, e sempre outras coisas, sem ter tempo para se concentrar bastante sobre uma determi-
nada coisa. Se o destino for ter somente uma idéia, mas boa, pode ser como Bose, que pode
ter publicado muitos outros artigos mas bastou o de meia página para ter importância.
E não é somente uma questão de ir em profundidade num trabalho, mas de ir num destino
também. Acho que existe alguma coisa que está além da vontade da pessoa. A pessoa não
faz um trabalho profundo e original porque queira fazer um trabalho profundo e original. Faz
porque faz, e às vezes nem se dá conta de que está fazendo um trabalho profundo e original.
Outros é que vão se dar conta disso, às vezes, até depois da morte da pessoa. Acho que há
um destino, nisso eu acredito. Toda minha carreira de físico, por exemplo, se definiu por volta
dos treze anos quando estudei física e geometria. (Hamburguer, 1984, p. 148)
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Em resumo, então, este livro é sobre vocação, destino, caráter, e sobre imagem inata. Essas
idéias formam a "teoria do fruto do carvalho", que sustenta que cada pessoa tem uma singulari-
dade que pede para ser vivida e que já está presente antes de poder ser vivida. (…) Usarei
muitos dos termos para esse fruto do carvalho – imagem, personalidade, fado, gênio, vocação,
daimon, alma, destino – de forma bastante intercambiável, dando preferência a um ou a outro
conforme o contexto.
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motivou as entrevistas não tem relação direta com esta investigação, porém as res-
postas de alguns artistas ajudaram-me a dar forma às minhas perguntas.
Uma entrevista com Edward Hopper chamou-me, particularmente, a atenção,
pela qualidade de suas respostas. Depois de várias questões, sem tocar o cerne de
suas motivações, a entrevistadora pergunta se a solidão e a nostalgia seriam os seus
temas:
Quando ela insiste que explicasse isto de maneira mais clara, ele diz: "Todas as
respostas estão nas telas. Eu não sei como poderia explicar além do que está nas
telas" (Kuh, 2000, p. 141).
Conservo, portanto, meu foco na obra. Depoimentos, entrevistas, autobiografias
e/ou biografias são lupas que me auxiliam a ampliar o foco, que quero observar com
mais atenção.
O diálogo com Hillman (1997, p. 47) ensina-me, também, a rever a psicologia
da biografia:
Precisamos de um prisma novo para olhar a importância de nossa vida. Estou aprendendo a
atacar as convenções da percepção biográfica, que insiste que o tempo e o espaço determi-
nam o nosso agora… De todos os pecados da psicologia o mais mortal é o seu descaso pela
beleza. Afinal de contas uma vida tem algo de muito belo, mas quem lê os livros de psicologia
não fica com essa impressão. Mais uma vez a psicologia trai o que ela estuda. Nem a psicolo-
gia social, nem a experimental, nem a terapêutica dão lugar para a apreciação estética da
história de uma vida.
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temos que ler Dostoievsky, e não os manuais de psicologia, porque nos seus ro-
mances a loucura está viva.
Para compreender o meu tema, tenho me deixado guiar pela poesia, pelos mi-
tos, As mil e uma noites e outros contos, para ver se encontro o foco que me permitirá
olhar para as vidas que estou estudando com um sentido mitológico. A função do mito
para a psicologia não é descrever ou enumerar os diversos tipos de comportamento,
mas ampliar a reflexão, auxiliando-nos a ultrapassar os limites e os condicionamentos
do nosso tempo e da nossa cultura. "Mitos não fundamentam, eles abrem", ensina-nos
Hillman (1992, p. 44).
Recorro mais uma vez à imagem do daimon:
[...] cada vida é formada por uma imagem única, uma imagem que é a essência dessa vida e a
chama para um destino. Tal como a força do destino, essa imagem age como um daimon pes-
soal, um guia que se lembra do seu chamado. Os avisos do daimon agem de muitas maneiras.
O daimon motiva. Protege. Inventa e persiste com obstinada fidelidade. Não costuma ceder ao
bom senso e muitas vezes faz o seu portador agir de forma que foge às regras, especialmente
quando negligenciado ou contrariado (Hillman, 1997, p. 51).
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A base de tudo para mim é o universo. As mais simples formas no universo são a esfera e o cír-
culo. Eu as represento através de discos e então crio variações (…) Até meus triângulos são es-
feras, mas de um formato diferente. (Kuh, 2000, p. 41)
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mandou para uma revista de física, a qual recusou sua publicação. Mais tarde, man-
dou o mesmo artigo para Einstein, que, reconhecendo sua importância, publicou-o
imediatamente. Este artigo, segundo Schenberg, revolucionou a física da época, pela
descoberta de partículas que foram chamadas partículas de Bose.
A física não é o meu campo de estudo, não posso avaliar a importância desta
descoberta. Mas, em relação à arte, posso afirmar que Calder mudou o conceito de
escultura com a criação do móbile. E, apesar de sua obra ser bastante extensa, pas-
sou para a História da Arte como o criador do móbile.
Mais interessante é constatar que a criação do móbile foi desencadeada pela
observação de uma obra, pelo menos para mim, totalmente estática: a pintura de
Mondrian. Eu nunca teria pensado que esta pintura foi o que o motivou a buscar o
movimento. Contudo, foi após uma visita ao atelier de Mondrian que os móbiles
começaram a ser gestados. Calder nunca trabalhara com quadrados ou retângulos,
pois dizia que o retângulo impede o movimento, mas o que disparou sua imaginação a
criar os móbiles foram estas figuras.
Calder, relembrando esta visita, diz: "os móbiles começaram, quando eu fui visi-
tar Mondrian. Eu fiquei impressionado pelos retângulos coloridos que ele tinha nas
paredes. Pouco depois disto eu fiz alguns móbiles; Mondrian reclamava que suas
pinturas eram mais rápidas que os meus móbiles" (Kuh, 2000, p. 41).
Nem sempre temos a felicidade de encontrar relatos que nos permitam observar
como o artista percebe os saltos perceptivos que promovem novas relações em sua
obra.
Mas é esse salto perceptivo, o qual chamei de curto-circuito perceptivo, que,
por ser imprevisível, me interessa observar. Não pode ser controlado nem dirigido. E é
aí que, para mim, reside o interesse.
Observando a seqüência de pinturas de Mondrian, que vão da árvore para os
quadrados, vislumbro o momento de ruptura para a abstração e pressinto aí um outro
curto-circuito.
Esta seqüência de pinturas me remete às observações de uma aluna de 11
anos, quando trabalhava com sua classe o conceito de variação. Esta menina, depois
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comentários, freqüentemente, são do tipo: "puxa, mas o artista estava fazendo uma
coisa tão legal [leia-se figurativa, reconhecível], aí ele bagunçou tudo" – exatamente no
momento da quebra da representação do real. Porém, o que tenho observado é que,
depois deste comentário, quando vão para o atelier, seus desenhos mudam.
Começam a se permitir sonhar e pintar para além da casinha ou do sol do lado direito
da página. Isto é, começam a perceber que as cores e as formas podem dizer coisas
independentes do vocabulário visual restrito dos sete anos.
Nem sempre é possível observarmos, com clareza, esse pulo-do-gato na obra
de um artista. Tenho, no entanto, minha lente focada em busca destes momentos em
que as formas dão o salto, pressentindo nestes as marcas visíveis de ritos de inici-
ação.
Termino com história contada por Mário de Andrade (1963, p. 15):
Moço poeta que, desejoso de fazer poemas sublimes, se dirigiu ao maior poeta do tempo e lhe
perguntou como é que este fazia versos. E o grande poeta respondeu: no princípio põe-se a
maiúscula e no fim a pontuação. E no meio?, indagou o moço. E o grande poeta: Hay que poner
talento...
Referências Bibliográficas
ANDRADE, M. O baile das quatro artes. São Paulo: Martins Fontes, 1963.
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BARBOSA, A. M.; PASTA, P. Entrevista - Tuneu aprendendo com Tarsila. Arte 10,
São Paulo, ano III, n. 10, 1984.
COSTA, R. Entrevista com João Cabral de Melo Neto. Revista Veja, São Paulo,
1992.
MILAN, B. Sob o domínio de Eros: Otávio Paz, que fez 80 anos em março, fala
sobre seu novo ensaio: "Chama dupla". Folha de S. Paulo, São Paulo, 19/6/1994.
MIRÓ, J. A cor dos meus sonhos - Entrevistas com Georges Raillard. São Paulo:
Estação Liberdade, 1992.
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